como seduzir uma noiva libertino

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Como Seduzir Uma Noiva Edith Layton Inglaterra, 1817 Ele nunca desejou tanto uma mulher... Daisy Tanner causa verdadeiro furor na sociedade, e Leland quer saber tudo sobre essa mulher linda e intrigante. Apesar de sua fama de conquistador, Leland se sente curiosamente cativado por aquela exótica beldade, que ameaça virar de pernas para o ar sua descompromissada vida de solteiro... Depois de sobreviver a um passado conturbado, Daisy almeja a segurança de um casamento estável, com um cavalheiro de bem e pacato. Como ousa o atrevido Leland Grant perturbá-la com suas suspeitas e tentá-la com promessas sensuais? Se Daisy não tomar cuidado, sua história escandalosa poderá se tornar conhecida por todos, e pior que isso, ela poderá se apaixonar por aquele homem sedutor, que lhe inspira fantasias e desejos que nenhum outro , conseguiu até então! Digitalização e Revisão: Crysty

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Page 1: Como Seduzir Uma Noiva LIBERTINO

Como Seduzir Uma Noiva Edith Layton

Inglaterra, 1817

Ele nunca desejou tanto uma mulher... Daisy Tanner causa verdadeiro furor na sociedade, e Leland quer saber tudo sobre

essa mulher linda e intrigante. Apesar de sua fama de conquistador, Leland se sente

curiosamente cativado por aquela exótica beldade, que ameaça virar de pernas para o

ar sua descompromissada vida de solteiro...

Depois de sobreviver a um passado conturbado, Daisy almeja a segurança de um

casamento estável, com um cavalheiro de bem e pacato. Como ousa o atrevido

Leland Grant perturbá-la com suas suspeitas e tentá-la com promessas sensuais? Se

Daisy não tomar cuidado, sua história escandalosa poderá se tornar conhecida por

todos, e pior que isso, ela poderá se apaixonar por aquele homem sedutor, que lhe

inspira fantasias e desejos que nenhum outro , conseguiu até então!

Digitalização e Revisão:

Crysty

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Edith Layton – Como Seduzir uma Noiva (Class Históricos 374)

Projeto Revisoras 2

Série Bothany Bay

1) Edith Layton - The Return of the Earl (sem tradução)

2) Edith Layton - Alas, my love (sem tradução)

3) Edith Layton - Fruto Probido “Gypsy Lover” (CH 371)

4) Edith Layton - Como Seduzir uma Noiva “How to Seduce a Bride“ (CH 374)

Copyright © 2006 by Edith Felber

Originalmente publicado em 2006 pela HarperCollins Publishers

PUBLICADO SOB ACORDO COM HARPERCOLLINS PUBLISHERS

NY, NY - USA Todos os direitos reservados.

Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou

mortas terá sido mera coincidência.

TÍTULO ORIGINAL: How to Seduce a Bride

EDITORA

Leonice Pomponio

ASSISTENTE EDITORIAL

Patrícia Chaves

EDIÇÃO/TEXTO

Tradução: Silvia Maria Pomanti

Revisão: Giacomo Leone

ARTE

Mônica Maldonado

ILUSTRAÇÃO

Hankins + Tegenborg, Ltd.

COMERCIAL/MARKETING

Silvia Campos

PRODUÇÃO GRÁFICA

Sônia Sassi

PAGINAÇÃO

Dany Editora Ltda.

© 2007 Editora Nova Cultural Ltda.

Rua Paes Leme, 524 - 10 andar - CEP 05424-010 - São Paulo - SP

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Edith Layton – Como Seduzir uma Noiva (Class Históricos 374)

Projeto Revisoras 3

www.novacultural.com.br

Premedia, impressão e acabamento: RR Donnelley Moore

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Edith Layton – Como Seduzir uma Noiva (Class Históricos 374)

Projeto Revisoras 4

PPRRÓÓLLOOGGOO

Port Jackson, Nova Gales do Sul, 1817

— Malditos sejam os homens, todos eles! — esbravejou a jovem junto ao

embarcadouro. — Vou me casar e nunca mais terei de me preocupar com nenhum

desses miseráveis.

— Oh, Daisy, no fundo não é assim que você pensa — retrucou a amiga dela.

— Bem... Talvez não. — Daisy curvou os lábios num arremedo do sorriso que deixara

metade dos homens em Botany Bay loucos de desejo e a outra metade entregue a

devaneios lascivos. — Mas vou partir deste lugar assim que possível, ah!, se vou. Já

decidi: irei me casar novamente. Essa é a única maneira de me manter a salvo dessas

atenções... indesejáveis.

— Para que ir embora, se há dúzias de homens solteiros por aqui? — assinalou a

outra moça.

— Sim, o que não há é um único cavalheiro entre eles. — Com os olhos fixos no

horizonte, Daisy via o navio que partira havia pouco sumir na linha onde o céu

parecia encontrar o mar — Claro que tenho amigos neste lugar, de quem certamente

irei sentir falta. Port Jackson é uma boa cidade para se viver quando se é livre. Só

que, embora esteja sozinha outra vez, eu não me sinto liberta.

— Mas como...

— Sei muito bem o que pretendo fazer e como irei fazê-lo. E se um atrevido de um

capitão qualquer acha que pode me impedir de subir no seu navio a não ser que eu

me deite com ele, deixe-o se iludir. Existem outras embarcações e outros capitães, e

nem todos devem ser guiados pela expectativa de satisfazer sua luxúria.

— Daisy! Como imagina que irá conquistar um nobre com essa sua maneira de falar?

Ela riu, porém logo em seguida ficou bastante séria.

— Você tem razão. Mas esta não sou eu, é a pessoa em quem me transformei para

poder sobreviver — explicou. — O homem com quem irei me casar é, em tudo e por

tudo, um autêntico cavalheiro, por isso não se preocupe: quando desembarcar na

Inglaterra, saberei me comportar melhor do que qualquer duquesa. Era como as

aristocratas que eu falava antes de vir de lá para cá, antes que você me conhecesse.

Não esqueci minhas boas maneiras, que, em breve, serão novamente um hábito tão

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natural quanto respirar. — Daisy suspirou profundamente. — Desta vez não viajarei

algemada no porão de um navio, tampouco terei de me casar sem querer fazê-lo.

Não, desta vez estarei no convés superior, bebericando champanhe em meio à alta

sociedade. E quando chegar a Londres, será entre eles que irei viver.

— Pensei que você gostasse daqui...

— E gosto. Quando imaginava que fosse passar o resto de meus dias nesta cidade, fiz

dela o melhor lugar do mundo para se viver. Mas aí Tanner se foi tão subitamente

por conta daquele acidente... Isso me fez pensar que, se a vida pode ser curta demais,

então por que não arriscar quando se está num bom momento? Sei o que quero e

tenho a sorte de estar em condições de ir, enfim, atrás do meu sonho. Hoje sou uma

viúva, não mais a jovenzinha assustada que era quando cheguei aqui. Sim, por que

não tentar? Estive encarcerada, depois me casei... que é o mesmo que se ver numa

prisão, só que se come melhor, e agora estou sozinha, rica e ainda sou jovem. Que

momento seria mais propício para ousar?

— Mas como pode fazer uma viagem tão longa sem a certeza de que ele irá

realmente casar-se com você? — quis saber a moça.

— Não estou sendo tão vaidosa nem tão irresponsável assim, minha amiga —

retorquiu Daisy. — Sei que ele gostava muito de mim. Você mesma o viu olhar para

mim com aquela expressão... interessada. Ele dizia que eu era "encantadora", não é

verdade?

— Mas naquela época você estava casada. E ele sempre foi um cavalheiro afeito às

palavras corteses.

— Você acha que ele estava mentindo?

— Não, de modo algum. O que acho... Por que não escreve para ele antes de ir?

— A escrita não tem sentimentos. — Daisy tornou a suspirar. — Meu pai não tinha

sorte, mesmo assim sabia jogar e apostar. Ele sempre dizia: "Aposte quando julgar

que tem as melhores cartas". Não quero parecer presunçosa, mas a verdade é que

estou certa de que esta é minha melhor oportunidade.

— Daisy, além de ser a belle de Botany Bay, você sempre foi e sempre será uma

pessoa extremamente bonita, disso ninguém discorda. Mas aqui há cerca de trinta

homens para uma mulher. Já Londres está repleta de mulheres belas que, além de

muito bem-criadas, são riquíssimas.

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Embora Daisy nada respondesse, o sol da manhã falava por ela ao lhe realçar os

sedosos cabelos loiros, ao tornar seu vestido simples de musselina quase translúcido

e assim lhe delinear os belos contornos do corpo esguio e ágil. Seus olhos,

amendoados e de um castanho vivido, eram outro traço que contava muito a seu

favor.

— Não sei por que eu não poderia me igualar a qualquer outra dama de Londres —

disse ela, erguendo o queixo. — Agora estou rica, sou bem-nascida e fui perdoada

pelas acusações que me imputaram injustamente.

— Mas ele tem quase o dobro da sua idade!

— Exatamente! Ele já passou da idade de se preocupar com todas aquelas

desagradáveis baboseiras de abraços e carinhos. Apesar disso, trata-se de um homem

saudável, e é possível até que eu venha a lhe dar um filho. Se bem que... Se bem que

não fui capaz de gerar uma criança quando estava casada. — Daisy deu de ombros.

— Mas a culpa não foi minha.

— Não me parece que seu cavalheiro de Londres vá se importar com esse detalhe.

— Concordo com você. Afinal, ele já tem um herdeiro, e mais dois moços a quem

considera como filhos. E como os três se casaram, ele agora está sozinho. Perfeito

para mim. Ele simpatizava comigo, e eu o respeito. Sei que posso fazê-lo feliz. Ele

não exigirá muito de mim, e eu também farei de tudo para não incomodá-lo. Está

vendo? Temos tudo para nos darmos bem. Vai dar certo. Eu sei que vai.

— Ainda acho que você poderia se casar com alguém daqui mesmo.

— Por aqui ninguém me daria a independência que ele pode me dar. Na Inglaterra,

os aristocratas permitem que suas esposas tenham uma vida social isolada da deles e,

em alguns casos, que tenham também seus próprios aposentos. Imagine, ser casada e

ter uma cama só para você! Que outro homem poderia me conceder tudo isso?

— Bem, por aqui é que você não iria encontrar tamanha liberdade.

— Certamente. Além do quê, mais um pouco e não terei liberdade alguma neste

lugar. Basta ver como Thompson e Edwards vêm me olhando e o modo como aquele

Hughes horroroso tem falado de mim... Não me arrisco mais a sair depois que

escurece e também cuido de manter minhas portas bem trancadas todos os instantes

do dia, já que não tenho ninguém que possa me proteger. — Daisy aprumou os

ombros. — Não, independentemente de quanto dinheiro possua, neste lugar uma

mulher sozinha não tem nem poder nem liberdade. O mesmo acontece na Inglaterra,

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é verdade, mas lá pelo menos lenho como escolher um bom marido. E minha escolha,

que já está feita, é Geoffrey Sauvage, ex-detento e hoje conde de Egremont. Quem

melhor do que ele para compreender tudo pelo que já passei?

— Ah, bem que eu queria ter sua coragem! — exclamou a amiga. — Eu gostaria

muito de começar uma vida nova na Inglaterra, sim, porém reconheço que não sou

capaz de correr os riscos necessários a uma empreitada dessas.

— Não sou tão corajosa assim. Aliás, é o contrário: depois de tudo pelo que já passei,

a verdade é que não tenho mais coragem para continuar aqui. — Repentino e

radiante, o sorriso que aflorou aos lábios de Daisy fazia lembrar o sol irrompendo

subitamente por entre nuvens. — Mas sei fingir ser corajosa, e é o que farei.

Aproveitarei todas as oportunidades que a vida me der, porque, finalmente, tenho

certeza de que serei bem-sucedida.

— Desejo-lhe sorte, embora não acredite que você vá precisar dela.

— Obrigada. Mas como estou decidida a fazer minha própria sorte, peço-lhe suas

orações em vez dos bons votos. Agora é a hora de eu transformar meus sonhos em

realidade.

Capítulo I

— Esteja certa, minha cara, de que me sinto lisonjeado — disse o cavalheiro,

enquanto, com delicadeza, afastava os braços da bela jovem de seu pescoço. — Mas,

creia-me, não sou digno do tempo que você perde comigo.

Ela deixou os braços caírem, mas mesmo assim não se afastou. Em vez disso,

pressionou o corpo contra o dele e, apoiando a mão delicada sobre o peito largo,

projetou os lábios para a frente para fazer-se de amuada.

— Olhe, estou sendo sincero. — Com um sorriso pesaroso, ele deu um passo para

trás. — Por mais que você seja uma dádiva tentadora, acontece que não me vejo

convencido a abandonar minha vida de solteiro. Agora, Carlton, ali, parece-me que

está. — Ele fez um gesto sutil com a cabeça para indicar o cavalheiro atarracado do

outro lado do salão. — Além do quê, Carlton é barão... além de rico, amável e

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extremamente generoso quando se sente satisfeito. Sabia que ouvi mais de uma dama

dizer que ele adora fazer um carinho? De minha parte, não me sinto nem um pouco

propenso a tais demonstrações de afeto, que julgo um tanto nauseantes, porém

reconheço que Carlton se sentiria perfeitamente à vontade para tratá-la com toda a

delicadeza que você merece. Assim sendo — o cavalheiro tocou-lhe o ombro, como a

encorajá-la —, por que não vai indagar a Carlton se ele não estaria interessado na sua

companhia?

Ela olhou para o sujeito baixo e roliço do outro lado do salão, tornou a fitar o

cavalheiro alto e esbelto, elegantemente trajado, à sua frente e suspirou. Então, após

lhe dirigir uma piscadela, deu-lhe as costas e rumou em direção ao barão Carlton

com um exagerado gingar dos quadris opulentos.

— Boa noite, Haye — cumprimentou, risonho, o cavalheiro mais velho que se achava

próximo ao casal. — Entregando seus petiscos para Carlton Lent, é?

— Boa noite para você também, Egremont — cumprimentou Leland Grant, o

visconde Haye, rio mesmo tom folgazão. — Eu já o tinha visto por aqui, mas faltou-

me oportunidade de ir falar com você. Como tem passado?

— Muito bem, obrigado, ainda que os últimos mexericos que me chegaram aos

ouvidos insinuem que devo estar nas últimas.

— Esse é o preço que você paga por fazer questão de preservar sua intimidade dos

curiosos — observou Leland. — Por pior que eu esteja, ninguém acha a menor graça

em comentar, já que minha vida é um livro aberto.

— Um livro picante, eu diria, porém tão aberto quanto o cofre de um avaro —

ressalvou o conde. — Você expõe somente a superfície. O restante permanece oculto

e protegido.

— Verdade? — o visconde admirou-se. — Bem, se você diz... Seja como for, admito

que lançar uma notinha aqui e outra ali mantém as pessoas entretidas e, entretidas,

elas se dão por satisfeitas e param de procurar pêlo em ovo.

O conde sorriu. Embora ele fosse mais de uma década mais velho que o visconde,

ambos haviam se tornado amigos logo ao se conhecerem, um ano antes, no

casamento do filho adotivo do conde, Daffyd, de quem Haye era meio-irmão. A

sólida amizade que desde então os unia era motivo de assombro tanto para os

amigos do conde como para o extenso círculo de conhecidos do visconde, visto não

ser nada fácil encontrar duas pessoas tão dessemelhantes.

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Notório e bem-sucedido conquistador, Leland, visconde Haye, adorava as mulheres

e elas o adoravam, mesmo assim continuava resolutamente solteiro, vivendo em

grande estilo. Ainda apaixonado pela falecida esposa, o conde vez ou outra

estabelecia relacionamentos breves, todos com mulheres extremamente respeitosas e

discretas.

Geoffrey Sauvage, conde de Egremont, era amante dos livros, solitário e possuía um

temperamento calmo. O visconde Haye, dizia-se, era um homem bastante comum,

mas também consideravelmente moderno e elegante, com enorme apreço pelos

modismos e afiado senso de humor.

Também na aparência os dois não podiam ser mais desiguais. De compleição robusta

e estatura mediana, o conde, homem de meia-idade, tinha cabelos castanhos e um

rosto tido como belo, apesar de tingido por um bronzeado considerado fora de

moda. Muito alto e bastante magro, lânguido e um pouco afetado tanto no falar como

no comportar-se, o visconde, que acabara de completar trinta anos, possuía um rosto

delgado, de traços aristocráticos, e seu corpo esguio ocultava uma força

extraordinária, coisa de que poucos sabiam já que, na maior parte do tempo, era do

vigor da inteligência que ele se valia.

Diferentes no aspecto, na idade e no modo de ser. Mesmo assim se davam

incrivelmente bem.

O conde havia percebido que a atitude com que o visconde dava a entender que

pouco se importava com o mundo acobertava um coração solidário e um imbatível

senso de justiça. Ciente de que Haye só expunha sua verdadeira natureza quando se

achava na companhia dos amigos, um grupo bastante pequeno que incluía tanto o

filho legítimo como os dois filhos adotivos do conde, Egremont não apenas prezava o

senso de humor do visconde como ainda compartilhava de suas opiniões políticas. E

como sentisse a falta dos três filhos casados fazia tão pouco tempo, era com imensa

satisfação que desfrutava da companhia sempre alegre e estimulante de Leland.

De sua parte, o visconde via Egremont como o pai que nunca tivera a seu lado e

tampouco fizera questão de procurar. No conde ele apreciava a vivência do mundo, a

compaixão e a sabedoria comedida.

Por tudo isso, Leland Grant estava surpreso por encontrar o conde ali, no salão verde

do teatro, local onde os homens se reuniam após o espetáculo à busca de marcar

encontros com as atrizes e dançarinas que, em sua maioria, ou se achavam à venda

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ou dispostas a alugar seus corpos. Assim, Leland ergueu uma sobrancelha ao amigo

como forma de interpelá-lo. O conde então cuidou de esclarecer:

— A srta. Fanny La Fey, a estrela do espetáculo, é velha amiga minha. Vim

cumprimentá-la, nada mais.

Leland lançou um rápido olhar à deslumbrante loira cujo traje, num tecido quase

translúcido, só não lhe revelava detalhes íntimos do corpo porque o grupo de

admiradores à volta dela não o permitiam. A sobrancelha dele ergueu-se ainda mais.

— Eu a conheci nos maus tempos — explicou Geoffrey. — Nós nos encontrávamos

numa praia distante. Trata-se de uma mulher decidida como poucas. Fico contente

com que também ela tenha conseguido voltar para casa sã e salva.

— Ah! — fez Leland, que não sabia que a atriz havia estado na prisão.

O conde de Egremont tinha sido injustamente acusado de um crime antes de assumir

o título de nobreza que nunca tivera esperanças de herdar. Enviados para cumprir

pena na colônia penal de Botany Bay, no território ultramarino que depois viria a ser

conhecido como a Austrália, ele e o filho, além dos dois rapazes que o conde

conhecera lá e de quem se tornara protetor, haviam cumprido suas sentenças para

então retornar à Inglaterra. Logo ao chegar, Geoffrey reivindicara seu título e a imen-

sa fortuna a que tinha direito e era agora um dos homens mais ricos do país. Seu

passado escandaloso fizera dele o assunto de todas as conversas da cidade, mas

como em Londres os mexericos costumavam fenecer como flores tiradas do pé, um

ano mais tarde Geoffrey Sauvage se tornara presença benquista em todos os lugares

onde se apresentasse. Ainda assim, raramente ele escolhia estar nos locais

freqüentados pela sociedade.

— Já cumprimentei a srta. Fanny e estava prestes a ir embora — disse o conde. — Se

tem assuntos de que cuidar, não se prenda por minha causa.

— Ah, esse tipo de assunto não tem como ser resolvido aqui, milorde. Pode ser

combinado, porém não levado a cabo, neste salão — retrucou Leland com seu jeito

sem-cerimônia. — Por isso, se você estiver indo a algum lugar interessante, terei

muito gosto em acompanhá-lo.

— Eu tinha em mente me acomodar diante da lareira, com uma taça de vinho do

Porto, e depois ir-me deitar cedo. — Geoffrey suspirou. — Mas então lembrei que

havia prometido ao major Reese que esta noite jantaria no clube do qual ele é sócio.

Você não gostaria de nos fazer companhia?

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— E passar o resto da noite discutindo com ele por causa dos confrontos nas colônias

outra vez? Não, obrigado. Respeito o fervor do major e lamento muito que ele tenha

perdido aquela perna, mas minha paciência tem um limite bastante curto para

assuntos que envolvem a guerra.

— Você tem razão, porém ele é meu amigo e eu não posso ignorar um compromisso.

Mas o que me diz de almoçar na minha casa amanhã? Faz tempo que não

conversamos.

— De fato, já faz uma semana! — Leland riu. — Sim, seria um prazer.

— Espero você lá, então. — O conde cumprimentou-o com uma discreta mesura,

antes de pedir seu casaco ao lacaio de libré.

— Milorde! — chamou uma voz rouca, mormacenta. — Não me diga que vai embora

tão cedo.

— Minha cara — disse o conde à estrela do espetáculo, que deixara o grupo de

cavalheiros para ir ao encontro deles —, mas você está cercada de seus admiradores.

Eu só vim para cumprimentá-la, e agora que já o fiz...

— Velhos amigos são mais importantes do que meros espectadores — ela retrucou, e

seus olhos delineados por kohl, o lápis negro usado pelas mulheres orientais, não

perderam tempo em avaliar o visconde.

— Este é um amigo a quem prezo muito, o visconde Haye Geoffrey se apressou em

dizer. — Leland, eu gostaria de lhe apresentar a srta. La Fey.

— É uma honra — cumprimentou Leland, para depois tomar a mão dela e levá-la aos

lábios. — Por favor, creia-me quando lhe digo que sou bem mais do que um simples

espectador. Faço parte do grupo que se vê enlevado pelo seu trabalho. Aliás, seu

desempenho foi fantástico. E sua presença aqui, tão perto de mim, é ainda mais

arrebatadora, ela sorriu, indagando:

— Você também está de saída?

— Não se você quiser que eu fique.

— Sim, eu preferiria que você não se fosse — respondeu a atriz com um leve tremor

na voz. — Mas no momento estou ocupada com as pessoas que vieram me

parabenizar e não posso tratá-las com frieza. Será que você se importaria de esperar

até que eu tenha terminado de atendê-las?

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— De modo algum. — Leland levou a mão ao peito. — Sobretudo se você for me

dedicar metade de toda essa atenção.

— É o que vamos ver. Bem, não me demorarei — ela prometeu, presenteando-o com

um olhar demorado e quente antes de retornar para junto de seus admiradores.

— Como você faz isso? — perguntou Geoffrey.

— E eu sei? Vai ver é esta água-de-colônia nova que estou usando. Mas, milorde, por

acaso não gostaria de me contar por que essa mulher foi encarcerada?

— Não. Sem dúvida, o suspense irá tornar sua noite ainda mais excitante. —

Geoffrey curvou os lábios num sorriso maroto. — De qualquer modo, é meu dever

avisá-lo para não deixá-la irritada. Agora, caso isso venha a acontecer, sugiro que

você não tome nada de que ela mesma já não tenha provado. Bem, tenha uma ótima

noite. Nós nos veremos amanhã... Espero.

— Digo-lhe o mesmo — respondeu o visconde com uma mesura e um sorriso largo.

— É reconfortante saber que você se preocupa tanto comigo.

— Que bom que você chegou cedo — disse o conde. Após entregar o sobretudo e o

chapéu alto de pele de castor ao criado de libré e entrar no gabinete de seu anfitrião

esfregando as mãos, Leland acercou-se da lareira para aproximar as mãos do fogo,

comentando:

— Já vi dias frios em plena primavera, porém hoje o tempo está uma calamidade.

Não me surpreenderia se alguém me dissesse que o Tâmisa congelou.

— Em abril?

— Eu disse que não me surpreenderia, Geoff, o que não é o mesmo que dizer que

esperava por isso. Mas nem o fato de estar gelado lá fora me faria desistir de uma

refeição preparada pelo seu chefe de cozinha. Esse sujeito poderia trabalhar no

palácio real.

— Realmente, só que antes seria preciso levá-lo à força daqui.

— Do mesmo modo como o levaram de Londres anteriormente?

— Ora, ora. Você sabe que não me cabe contar a história desse rapaz, entretanto é

importante dizer que, depois de cumprir sua pena, ele agora é tão livre quanto nós

dois, seja para esquecer o passado, seja para construir um futuro. — O conde passou

a mão pelos cabelos. — Por falar em repatriados... Como foi sua noite na companhia

da minha velha amiga?

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— Ora, ora, agora sou eu quem diz! — Leland fingiu-se indignado. — Sou um

cavalheiro. Jamais falo de meus assuntos com uma dama, ou uma mulher que aspira

a ser uma dama. De qualquer modo, digamos que foi um interlúdio bastante

agradável, tanto para ela quanto para mim. E já que não cheguei a deixá-la

enraivecida, por que não me conta de uma vez por todas que motivo a fez ir parar na

colônia penal?

— Ela estava lá por conta de ter a mão propensa a desferir golpes com um certo

objeto mortal, ou pelo menos foi isso o que me disseram.

— Você me levou na conversa direitinho! — Leland deu uma gargalhada. — Ainda

que tenhamos nos despedido em lermos bastante amigáveis, aquela mulher deve ter

me tomado por um fulano bastante excêntrico, já que me recusei terminantemente a

tomar uma só taça do vinho que ela me oferecia com insistência.

— Perdoe-me pela pista falsa e aceite este meu pedido de desculpas na forma de um

lugar à minha mesa. Hoje teremos sua sopa predileta, lagosta, pombo assado, carne

de boi e ervilhas verdes frescas... que vieram de uma estufa, mas que parecem ter

vindo do paraíso, eu garanto.

— Por metade desse cardápio você poderia me dar uma punhalada no coração, e eu

nem iria me queixar!

Ambos ainda riam quando o mordomo, aproximando-se, limpou a garganta para

fazer-se notar.

— O almoço já está pronto? — Geoffrey indagou.

— Ainda não, milorde. Mas o senhor tem visita.

— Eu não estava esperando ninguém...

— A jovem dama me garantiu que o senhor haveria de recebe-la. Disse que eu me

veria em maus lençóis caso não lhe permitisse entrar. — Um leve sorriso curvou um

dos cantos dos lábios do mordomo. — O senhor a conhece, milorde. Assim como eu.

Ela vem da... daquele território.

O conde pôs-se a rir, dizendo:

— Então acho que sei de quem se trata. — Ele olhou para seu convidado. — Você

deve tê-la impressionado bem mais do que imaginava.

— Estou deveras surpreso. — E Leland não o dissimulava. — Será que ela não veio

fazer alguma queixa?

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— Peça para ela entrar. — Assim que o mordomo se retirou, Geoffrey comentou com

seu amigo: — Não sei como faz isso, Lee, mas o fato é que você causa um efeito

devastador nas mulheres.

— Na verdade eu também não sei o que acontece. Não vejo motivo para que uma

criatura adorável como aquela atriz se atire sobre um varapau fingido como eu. Por

dinheiro não deve ser. Ela não é nenhuma cortesã. Tem talento, é famosa e sustenta a

si mesma sem maiores problemas. — Leland assumiu ares severos, mas logo a seguir

deu de ombros. — É claro que uso de uma ou outra armadilha quando quero

capturar algo que valha a pena. E sempre que não lanço mão desse recurso acabo

preocupado, perguntando-me por que uma pessoa haveria de querer me capturar.

— Não acredito que ela esteja interessada em casamento, porém... Quem sabe? Vai

ver, ela está. Bem, vamos ver que surpresa o destino lhe reserva. Apesar daquela

tolice que cometeu, a srta. La Fey não pode ser considerada má pessoa. Afinal de

contas, não são todas as mulheres que conseguem deixar a vida como vendedora de

laranjas em Spitafields para tornar-se um sucesso nos palcos de Londres. É preciso

muita determinação. Quem sabe ela não está querendo um outro título?

— Então por que não você?

— Eu sou um caso perdido, e Fanny sabe disso. Não, eu... Ah, lá vem ela. Coragem!

Ambos se levantaram assim que o mordomo entrou no gabinete trazendo a

inesperada visita. O conde pestanejou em sinal de surpresa, porém logo a seguir

sorriu de satisfação. Igualmente atônito, Leland não conseguiu fazer outra coisa

senão admirá-la.

Porque ela realmente era digna de admiração.

Muito mais bonita e exuberante do que qualquer atriz ou dançarina que se

apresentara no teatro na noite passada, a jovem dama, ao contrário delas, não tinha

nem sequer vestígio de cosméticos no rosto de traços delicados. A coloração rosada

de suas faces, de seus lábios carnudos e da pontinha do nariz arrebitado certamente

se devia ao frio lá fora. Os cílios longos e dourados lhe ressaltavam um par de olhos

radiantes de emoção, ela era como um raio de sol num roseiral. O vestido em pálido

rosa, impecavelmente moldado ao corpo delgado, destacava-lhe os seios altos e os

quadris arredondados à perfeição. Presos num rabo-de-cavalo bem frouxo, seus

cabelos, dourados de tão loiros, caíam-lhe sobre um dos ombros em ondas de

aparência acetinada.

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Edith Layton – Como Seduzir uma Noiva (Class Históricos 374)

Projeto Revisoras 15

Ela só tinha olhos para o conde. Pareceu hesitar um momento, o sorriso quase

trêmulo. No instante seguinte, porém, correu a cruzar o aposento para ir-se atirar nos

braços dele.

— Geoff! — exclamou, abraçando-o com força. — Depois de lauto tempo, cá estou eu

novamente... de volta à Inglaterra!

— Estou vendo, estou vendo — disse Geoffrey, batendo de leve as costas dela antes

de afastá-la de si para olhar para a porta, obviamente na expectativa de ver entrar

por ali uma dama de companhia.

— Oh, que indelicadeza de minha parte ser tão atirada, mas a verdade é que esqueci

tudo o mais ao revê-lo. — Ela ajeitou discretamente os cabelos. — Você me faz

lembrar os bons momentos que tivemos juntos. E bons momentos não são algo de

que eu tenha desfrutado com muita freqüência nos últimos tempos.

— Não, não é isso... — Após olhar de relance para Leland, que os observava com um

sorriso atencioso, o conde voltou novamente a atenção à recém-chegada. — Onde

está Tanner?

— Meu marido morreu, faz quase dois anos. — Ela baixou os olhos. — Você não

sabia?

— Nunca tive notícias dele, e também não esperava recebê-las. Afinal, não éramos

exatamente amigos.

— Mas nós dois somos amigos, não somos? — Ela apressou-se a se corrigir: — Nós

não éramos amigos?

— Sim, claro que sim — confirmou Geoffrey. — O que houve com Tanner? Ele

gozava de ótima saúde quando vim para cá.

— Um acidente. — Ela sorriu com tristeza. — Estava embriagado e desafiou

Morrisey... Lembra-se dele? Então, Tanner apostou com Morrisey que seria capaz de

um salto espetacular e... Bem, o cavalo saltou, porém ele não conseguiu manter-se à

sela.

— Que coisa...

Gesticulando com a mão à altura do rosto como a afastar lembranças tristes, ela

prosseguiu:

— Não faz mal, já passou e ficou lá atrás. Esperei até me erguer novamente e

organizar meus pensamentos, então resolvi voltar para casa.

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Projeto Revisoras 16

— Entendo. — Geoffrey não sabia ao certo o que dizer.

— Tanner me deixou rica, imagine só! Ele seguiu seu conselho e investiu tudo o que

tinha. Você o incentivou quando estava lá, e então ele não parou mais. Por isso, não

tenha medo de que vim lhe pedir algum tipo de ajuda. A verdade é que, graças a

você, Geoff, estou rica!

Ele não respondeu.

— Oh! — Ela retrocedeu um passo, deixando os ombros caírem. — Peço que me

perdoe, milorde. Esqueci que você agora é um nobre. Por favor, desculpe-me.

— Não, não é preciso desculpar-se. Mas, oras, onde estão meus bons modos?

Permita-me lhe apresentar meu amigo, Leland Grant, visconde Haye. Leland, esta é a

sra. Daisy Tanner.

— Encantado. — Leland cumprimentou-a com exagerada mesura.

Olhando de relance para o visconde, ela retribuiu a mesura e logo a seguir ergueu os

olhos ao conde.

— Perdoe-me por ter vindo sem avisar, mas é que eu não via a hora de revê-lo.

Agora percebo que agi mal. Retornarei numa outra oportunidade, se você preferir.

— Fique, por favor — convidou Geoffrey.

— Quer que eu me vá? — ofereceu Leland. — Sei que velhos amigos gostam de

relembrar os velhos tempos. Poderemos almoçar juntos noutra ocasião.

— Bobagem. Fique — pediu o conde. — Nós não temos segredos, não é verdade, sra.

Tanner?

— Não, mas me chame por Daisy, por favor! "Sra. Tanner" é tão informal...

— Daisy, então. E você também se sinta à vontade para me chamar por Geoff, como

antigamente, ao menos quando não estivermos em público. Pois bem, Daisy, você já

almoçou?

— Não.

— Então irá almoçar conosco. — Ele tornou a olhar para a porta. — Mas onde está

sua dama de companhia?

— Não tenho uma aia... Mais outro equívoco, meu Deus! — Como se pega num ato

impróprio, Daisy levou a mão à boca. — Faz poucos dias que cheguei a Londres e,

como pensei que você e eu... amigos há tanto tempo... Mas agora vejo que as coisas

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Edith Layton – Como Seduzir uma Noiva (Class Históricos 374)

Projeto Revisoras 17

são diferentes por aqui, não é mesmo? Não se preocupe, vou-me embora agora

mesmo!

— Tolice. Seu nome não será enxovalhado por conta de um simples almoço. De

qualquer modo, devo aconselhá-la a encontrar uma dama de companhia o mais

depressa possível, pois uma jovem mulher não pode ficar sozinha em Londres. Você

pretende ficar por aqui, não pretende? Onde?

— Estou hospedada no Grillions, que, segundo me disseram, é um bom hotel.

— Sem dúvida.

— Também estou pensando em alugar uma casa num bairro respeitável, já que

realmente tenciono ficar na cidade. Aonde mais poderia ir? Não quero voltar para

Elm Hill, onde morei com meu pai. O que faria por lá, sozinha? Aquele lugar está

repleto de recordações amargas.

— Então insisto em que almoce conosco, assim teremos tempo para lhe dar algumas

sugestões. Conheço um bom corretor de imóveis. E também tentaremos lhe

providenciar uma dama de companhia. Conversaremos sobre todas essas questões à

mesa, está bem?

Geoffrey ofereceu-lhe o braço, que ela aceitou de pronto enquanto dizia:

— Também preciso saber onde encomendar trajes novos.

— Nada entendo de modismos, mas o visconde é perito nesse assunto.

— É verdade. — Com um sorriso irônico, Leland descansou a mão sobre o peito. —

Sou o ápice do conhecimento no que diz respeito a frivolidades. Aliás, toda a

Londres sabe disso. E você, minha adorável dama, pode contar comigo.

Ao encarar o visconde, Daisy teve a impressão de que ele, parecia se divertir um

bocado com aquilo que acabara de dizer. Mas havia algo mais naquele olhar

penetrante... Algo com que, ela não queria lidar no momento.

— Obrigada — Daisy agradeceu ao conde, ignorando o convidado dele. — Eu sabia

que tudo se ajeitaria assim que eu desembarcasse em Londres e reencontrasse você.,.

Quero dizer, eu tinha certeza de que você não me negaria ajuda.

— Fico contente em saber que foi à minha casa que você escolheu bater quando se

viu num momento de necessidade. — Geoffrey bateu de leve na mão dela.

— Ah, eu jamais iria esquecê-lo! Em caso de necessidade ou não.

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— Estou certo de que nosso almoço será imensamente prazeroso, milorde —

observou Leland, sorrindo sutilmente. — Lagosta, pombo assado e uma agradável

reunião entre bons amigos. Sou de fato um homem de sorte... que mal pode esperar

por saber como foi que vocês se conheceram.

Capítulo II

Mesmo nervosa como raras vezes havia se sentido na vida, Daisy conseguia fingir

que apreciava o almoço que mal lhe descia pela garganta. Os anos de casada com um

homem que não admitia desobediência haviam lhe ensinado como dissimular suas

emoções.

Após o modo tão atrevido com que chegara à casa do conde, seu coração acalmara-se

um tantinho e, quando enfim se acomodara à refinada mesa do anfitrião, ela já se

sentia capaz de conversar de uma maneira mais elegante. Falaram a respeito dos

filhos de Geoffrey: Christian, filho de sangue, e os dois rapazes adotados, que eram

filhos de coração. Casados não havia muito tempo, segundo o conde relatara, os três

estavam felizes de causar inveja.

— Foi como uma epidemia de enlaces por aqui no ano passado — comentou Leland,

fingindo um arrepio de horror.

Embora risse da expressão de repulsa no rosto do visconde, Daisy estava muito

contente pela sorte dos três cavalheiros. Gostava de todos eles, que em troca a

tratavam com a mesma cortesia que o conde lhe dedicava.

No momento ela tentava prestar atenção às histórias sobre a residência nova de

Christian, da predileção do irmão adotivo dele, Amyas, pela Cornualha, e do milagre

que era Daffyd ter enfim se casado. Ainda assim, de quando em quando seus olhos

insistiam em vagar pelo ambiente em que se encontravam.

Na infância Daisy havia morado numa casa bastante boa, mas nada se comparava ao

suntuoso salão de refeições do conde. Era impossível não reparar no magnífico lustre

de cristal veneziano que pendia sobre a mesa repleta de iguarias finíssimas e flores

frescas. A porcelana da louça em que os alimentos eram servidos era quase

translúcida, os copos e as taças pareciam saídos da água de tanto que reluziam, os

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Projeto Revisoras 19

talheres de prata tinham belíssimas gravações em baixo-relevo. A claridade a se

derramar pelas janelas altas fazia cintilar os motivos decorativos no sedoso papel

verde-água que recobria as paredes. Os aparadores e as cadeiras eram tão antigos

quanto imponentes. Silentes, os criados de libré tinham todos um meio sorriso no

rosto ao servir o alimento com gestos delicados.

Daisy estava profundamente admirada. Os cavalheiros com quem dividia a mesa

achavam-se mais do que à altura da suntuosidade daquele aposento. Extremamente

bem vestidos, simpáticos, agradáveis, tinham modos e postura que traduziam o mais

elevado refinamento. Em toda a vida ela jamais conhecera homens tão educados, e

isso a deixava com o coração aos saltos e a garganta tão seca que parecia quase

impossível engolir um pedacinho só que fosse dos aromáticos pratos que iam se su-

cedendo.

Geoffrey Sauvage, agora conde de Egremont, não era mais o homem de que ela se

lembrava.

Aquele Geoffrey que Daisy trazia na mente era alguém mais velho, geralmente

cansado, quase sempre amargurado e, embora vestisse os mesmos trajes rústicos dos

demais homens que ela conhecia, trajava-os com certo estilo. E estava sempre,

absolutamente sempre, asseado. Bem-falante, usava um tom suave e bondoso

quando lhe dirigia a palavra. Vários outros homens a tratavam com respeito, não

porque de fato a respeitassem, mas sim por temer a ira de Tanner, que considerava

uma descortesia à sua esposa um insulto a ele próprio. Quando o marido dela não se

achava por perto, porém, os olhares que lhe endereçavam era a pura expressão da

cobiça, da luxúria do desacato. Geoff jamais a tinha olhado daquela maneira.

Como não o fazia naquele momento. Mais do que isso: agora ele não parecia mais

nem fatigado nem melancólico. Tampouco aparentava a idade que devia ter. Ainda

se vestia com certa informalidade, porém seus trajes eram evidentemente de

excelente qualidade. Tinha todo o aspecto de um homem próspero e em boas

condições físicas, o que tornava difícil entender por que continuava solteiro. Bem,

provavelmente teria amantes. Sim, com certeza pelo menos uma amante ele haveria

de ter. Não era com isso que ela contava. Não era por isso que viajara tantos

quilômetros. Não era isso o que desejava para si.

Temendo que Geoff a apanhasse a observá-lo, Daisy voltou o olhar ao convidado

dele e percebeu que o tal visconde a examinava. Mais do que depressa, ela baixou os

olhos à decoração da mesa. Desde que entrara naquela bela residência, o visconde

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estava sempre a espreitá-la. Não com cobiça ou volúpia, e sim como algum curioso

que se divertisse com o que via. Que espécie de relacionamento o uniria ao conde, já

que ambos pareciam ter muito pouco em comum?

Não apenas bem mais jovem, o visconde se trajava segundo os ditames do bom

gosto. Alto e magro, tinha o rosto comprido e os mal ares acentuados. Os olhos que a

observavam sem descanso eram azuis. Embora os cabelos dele, castanho-claros,

fossem um pouco longos demais para a moda atual, adequavam-se àquele sorriso

que parecia zombar dos demais e de si mesmo. Era estranho. Tomadas em separado,

tais características talvez não pudessem ser consideradas atraentes, no entanto o

conjunto delas era um tanto... impressionante.

Ele estava extremamente bem vestido, do paletó justo azul-marinho ao elaborado nó

do lenço de pescoço, que era preso por um alfinete de ouro com uma safira. O

pincenê no bolso alto do paletó, ela ainda não o vira usar. Bem, só lhe faltava que o

visconde usasse aqueles óculos para melhor observa-la. Mas na verdade até que seria

bom, pois isso lhe daria um excelente motivo para detestá-lo. Era desconfortável ter

de admitir que aquele homem a incomodava e não saber dizer por quê.

Voltando os olhos ao lagostim estirado sobre seu prato, Daisy não conteve um

suspiro. O que seria de seus planos? O que deveria fazer?

— O cardápio que meu cozinheiro preparou não é do seu agrado? — o conde lhe

perguntou.

— Oh, pelo contrário: está tudo uma delícia. Acontece que tomei o café da manhã um

pouco tarde — ela se apressou a explicar, lembrando de não deixar de sorrir. — Creio

que preciso me acostumar ao hábito das damas de Londres de fazer uma refeição

leve pela manhã. Porque o fato é que acordo faminta e acabo devorando tudo o que

vejo pela frente, como a me preparar para mais um longo dia de trabalho extenuante.

O conde riu.

— Que tipo de trabalho? — Quando a viu meio hesitante, Leland não perdeu tempo

a emendar: — Desculpe-me, minha pergunta foi um tanto indelicada. Perdoe minha

curiosidade, que não conhece limites.

— Não, não. Fique à vontade para perguntar o que quiser. — Daisy resolveu fitá-lo

nos olhos, ciente de que a verdade não faria mal a ninguém. — Bem, eu acordava ao

amanhecer e, após me vestir e tomar o café, ia alimentar as galinhas e recolher os

ovos, depois voltava para casa para me ocupar da limpeza. Embora houvesse quem

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me ajudasse, eu tinha de fazer boa parte do serviço por mim mesma, pois era assim

que meu marido exigia. Então eu ajudava a lavar a roupa, que não era pouca, uma

vez que meu finado esposo costumava usar as mangas das camisas no lugar dos

lenços e dos guardanapos. E como ele gostasse de andar a cavalo, seus trajes estavam

sempre cobertos de terra e poeira.

Geoffrey entreabriu os lábios como se fosse fazer algum comentário. Daisy, porém,

não lhe deu tempo para tanto:

— Eu também cuidava do jardim e da horta no verão, e costurava e tricotava no

inverno. Fazia as compras e preparava as refeições, depois ajudava na limpeza da

cozinha. Estávamos bem de vida e poderíamos ter contratado outros ajudantes, pois

de onde venho os criados cobram muito pouco, já que os réus que terminaram de

cumprir suas penas estão sempre ansiosos por ganhar um dinheirinho e ter como

iniciar uma vida nova. — Ao conde, ela acrescentou com um sorriso: — Mas meu

marido resolveu que iria investir tudo o que fosse possível, como já lhe contei.

Se se chocara com tamanha franqueza, o visconde não o demonstrou. Quando Daisy

voltou a encará-lo, ele apenas sorria.

— Um trabalho pesado e realmente estafante para uma dama de aparência tão frágil

— comentou Leland. — Louvo seus esforços.

Aos ouvidos dela, porém, aquelas palavras soavam irônicas, não elogiosas. Mas fazia

sentido, afinal por que um janota haveria de admirar uma mulher que trabalhara sol

a sol como um camponês?

— E agora, o que tenciona fazer? — indagou o conde, o vinco na testa a confirmar a

preocupação em seu tom de voz.

Pensando rápido, Daisy concluiu que não tinha por que mudar seus planos. Ainda

que Geoff lhe parecesse uma outra pessoa, era cedo para dizer que não se tratava de

uma primeira impressão, apressada e portanto superficial. E se ela tivesse de

promover alterações nos seus intentes, aquele não era o momento adequado para

refletir sobre o assunto. Assim, uma vez mais, o mais prudente seria ater-se à

verdade para que ninguém tivesse como desmenti-la mais tarde.

— O fato é que... não sei ao certo. Meu maior projeto era vir para cá e, aliás, custo a

crer que consegui. Agora... Agora o melhor talvez seja procurar um bom lugar onde

morar.

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— E não um marido? — A pergunta vinha num tom bastante bem-humorado. —

Bem, pelo menos é disso que a maioria das mulheres solteiras que conheço corre

atrás.

— Sua observação não tem por fim insinuar que sou uma delas, tem? — devolveu

Daisy no mesmo tom. — Afinal de contas, você não me conhece.

— O que me causa profundo pesar, devo confessar — retorquiu o visconde, levando

a mão ao peito. — Pobre de mim!

— Será? Quantas damas há em seu rol de amizades que foram encarceradas e

enviadas a uma colônia penal? Bem poucas, posso apostar. — Após piscar para

Geoffrey, ela tornou a encarar seu inquisidor. — Não se preocupe em tomar da faca

para se defender de um possível ataque, milorde, pois não matei ninguém. Tudo o

que fiz foi tomar nos braços um par de perdizes que meu pai levou para casa para

colocar na panela, como tinha feito com as trutas que ele havia trazido na semana an-

terior. Porque tanto a caça como a pesca, e também muito do que vínhamos jantando

nos últimos tempos, tinham sido furtadas da propriedade do nosso vizinho. Daquela

vez, porém, meu pai fora seguido por um dos criados da propriedade adjacente à

nossa, de modo que fomos apanhados em flagrante e com provas incontestáveis,

como se diz, o que nos acarretou um julgamento rápido seguido pela condenação.

O visconde nada disse.

— Pode-se fazer um sem-número de coisas neste país, milorde — prosseguiu Daisy,

o queixo erguido e os olhos cintilantes —, mas que Deus ajude a quem for pego

tirando meio pêni do bolso de um cavalheiro ou um coelho, ou um peixe que seja, da

propriedade de alguém influente. Meu pai, apesar de bem-nascido, teve o azar de se

encantar com a bebida e com o jogo. E quando estava embriagado, achava graça em

ir buscar o jantar na propriedade alheia. — Ela deixou os ombros caírem. — O criado

do nosso vizinho devia ter lá seus motivos para se vingar, mas a verdade era que

meu pai fora um cavalheiro respeitado em toda a região, antes de começar a beber e

perder nos dados suas terras e a própria casa onde morava.

— Não dê ouvidos a Lee, pois ele gosta de...

— Por favor, Geoff, deixe-me terminar. Eu só queria que ficasse bem claro que no

momento não estou precisando de marido, muito obrigada. — Daisy tentou imitar o

meio sorriso que parecia jamais abandonar os lábios do visconde. — Por ora me basta

a satisfação de estar novamente em casa, sã, salva e — ela olhou para o conde — na

companhia de amigos.

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— E você sabe que pode me considerar um amigo para todas as horas — declarou

Geoffrey. — Mas o que eu ia dizendo era para você não ligar para Lee. Ele adora

provocar as pessoas, mas não faz isso por mal.

— Céus! — murmurou Leland. — Suas palavras soaram pavorosas. Sinto-me

depreciado.

— O que importa é que você esteja aqui, Daisy — continuou Geoffrey. — Eu gostaria

de ajudá-la a estabelecer-se, se isso for possível.

— Oh, Geoff, claro que sim. — Ela suspirou, aliviada. — Obrigada. Era exatamente

isso que eu precisava ouvir de você.

— Uma criatura adorável. E muito esperta — comentou Leland logo após Daisy ter-

se retirado. Largado sobre a poltrona, ele girava um cálice de conhaque entre os

dedos, mas tinha os olhos fixos no dono da casa, que se mantinha em pé diante da

lareira. — Muito esperta, sem dúvida.

— Ela tem de ser, se quiser sobreviver num mundo como o nosso. Pobrezinha.

Leland não respondeu.

— Talvez seja bom eu lhe contar certos detalhes — prosseguiu Geoffrey, os olhos

perdidos entre as achas incandescentes. — Daisy falou o principal, mas já que você

vai ajudá-la, é melhor que saiba da história toda.

— Hã-hã.

— Você realmente pretende ajudá-la, não é? Não me diga que estava apenas sendo

gentil.

— Nunca falo por gentileza. Se disse que o faria é porque o farei. Mandarei um

recado a uma agência de empregos e seguramente amanhã cedo haverá uma fila de

candidatas a dama de companhia à porta do hotel onde ela está hospedada. Também

irei ajudá-la com os trajes novos, o que será um imenso prazer. Ela tem um corpo

excepcional: delgado, porém firme e repleto de... Ah, não me olhe como se me

repreendesse. Pronto, não direi mais nada. Apenas que... que ela é muito bonita e

bem-feita de corpo, assim está bem?

— Com isso eu tenho de concordar.

— Ou muito me engano, Geoff, ou seu tom é um tanto casadoiro.

— O quê? Casad... Eu e ela? Ora, onde você está com a cabeça? Daisy é mais nova do

que qualquer um dos meus filhos. Ela é jovem demais para mim.

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— Mas também está viúva, devo lembrá-lo, e já passou pela maioridade.

— Sim, viúva. O que deve ter feito muito bem à pobre menina.

Leland ergueu uma sobrancelha.

— O marido dela, Tanner, era um bronco — afirmou o conde, pesaroso. — Um bruto

afável quando tudo ia a seu gosto, um brigão intolerável quando as coisas não lhe

convinham. Tanner, que sempre fora guarda carcerário, foi enviado com uma leva de

detentos para Botany Bay a fim de vigiá-los na nova colônia penal. E como gostava

de dinheiro! O pai de Daisy, que era um desaforado, embora fosse o responsável pela

ida dela para a prisão, tentou fazer algo de bom pela filha... Ou pelo menos era assim

que ele devia pensar ao forçá-la a casar-se com Tanner, imaginando que, desse modo,

iria protegê-la dos demais guardas e dos prisioneiros que viajavam juntos no navio.

— Pensei que houvesse um espaço para as mulheres, separado do local destinado aos

homens — assinalou Leland. — Não era isso que os reformistas viviam pregando?

— De fato, é assim que funciona nas prisões, ou na maioria delas, aqui na Inglaterra.

No entanto, assim que um navio zarpa estabelecem-se as leis que irão imperar ali

dentro. Ninguém possui mil olhos, e os homens da Bíblia que viajavam conosco eram

ludibriados de todas as maneiras. Era evidente que uma jovem bela como Daisy,

mais ou cedo ou mais tarde, acabaria sendo molestada. Por isso ela fez o que pai

pedia, casando-se com Tanner. Afinal era melhor ser molestada por um só

brutamontes em vez de vários.

— Grande escolha... — ironizou Leland com uma expressão desgostosa. — Apesar de

tudo ela terminou por sair-se bastante bem, você não acha? Está rica, ou pelo menos

diz que está.

— Lee... Se a vida na prisão já é um verdadeiro inferno para um homem, para uma

mulher pode ser ainda pior. Daisy tinha apenas dezesseis anos quando se viu

obrigada a unir-se a Tanner, que tinha trinta e três. Imagine que os dois foram ca-

sados por um clérigo a bordo de um navio com destino a uma colônia penal! O pai

dela havia lhe dito que desposar um guarda seria a garantia de uma viagem sem

maiores riscos, e de fato assim foi. As autoridades permitiram que ambos vivessem

como um casal até que a sentença matrimonial fosse expedida.

— Então o pai dela tentou protegê-la? Isso é bom.

— Tentou? Jamais saberemos. Se foi um ato de bondade paterna ou mera troca de

favores, isso ninguém saberá com certeza. Mas, seja como for, o fato foi que o pai

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dela nunca chegou a tirar proveito da situação que havia provocado, pois morreu em

decorrência de uma febre antes que o navio atracasse.

— E o tal Tanner?

— Não resta dúvida de que estar junto dele ajudou Daisy a sobreviver ao período

que teve de passar em Botany Bay. Mas que essa segurança aparente também teve

seu preço, ah!, isso teve. Tenho para mim que ela acabou cumprindo duas sentenças

em vez de uma.

Leland tomou o restante do conhaque em seu cálice, então ficou à espera de que o

amigo prosseguisse. Foi o que Geoffrey fez:

— Daisy está agora com vinte e quatro anos e, ao que tudo indica, achava-se bem e

satisfeita. E difícil saber onde ela foi buscar forças para manter esse seu espírito

aguerrido após seis anos casada com alguém como Tanner. Ele nunca falava se podia

gritar. Nunca pedia se podia ordenar. E se quando batia nela cuidava para não lhe

machucar o rosto era porque sentia orgulho da beleza da esposa.

— Ele batia nela?

— Por todo e qualquer motivo. No fundo, castigava-a por ela ser quem e como era.

Era evidente que Tanner se ressentia de estar casado com alguém com formação,

estudos e moral superiores aos dele.

Por alguns instantes, tudo o que se ouvia era o crepitar das achas na lareira. Então

Leland tomou a palavra:

— Eu não podia imaginar... Você está certo: Daisy não se reduz a um rosto bonito e

uma mente esperta. Ela é tenaz, corajosa, audaciosa. — Ele olhou para seu anfitrião.

— O que pretende fazer? Você teria condições de fazê-la esquecer tudo pelo que

passou. Seria um bom marido para ela, que é uma mulher extremamente bonita e

está solteira novamente.

— Deus! Você tem casamento entranhado no cérebro. Não, não e não. — Geoffrey

pôs-se a caminhar pelo aposento. — Estou feliz com minha vida de solteiro. Estou

satisfeito, contente. Minha esposa foi a melhor das companheiras. Não desejo menos

do que isso e, infelizmente, creio que nenhuma outra mulher poderia igualar-se a ela.

— Só falta agora você anunciar que irá para um mosteiro retrucou Leland. — Que tal

uma nova ordem religiosa, do tipo que renuncia à abstinência? Seria interessante.

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— Tenho minhas distrações, sim, como você bem sabe, mas essas mulheres não

exigem mais do que minha companhia e alguma ajuda. Não posso lhes dar mais do

que isso, tampouco desejo mais do que elas me dão. Agora, Daisy? Não. Sempre a

admirei e sempre me condoí da situação dela, e isso é tudo. Quero o bem dela, nada

mais.

— E se ela estiver esperando algo mais de você? Porque tenho a impressão de que ela

está.

O conde se deteve para olhar feio para seu convidado.

— Basta ouvir o modo como ela fala com você, ou prestar atenção à maneira como

ela o olha — continuou Leland. — Santo Deus, Geoff, só se você fosse cego! Daisy

quer você, e não apenas por amigo.

— Você vê o que quer ver. Eu, não. E tampouco procuro chifre em cabeça de cavalo.

— O conde fez uma pausa.— Pois bem, vamos ao que realmente importa: você irá me

ajudar a ajudá-la?

— E você irá me confiar sua encantadora amiga?

— Você e uma bela mulher juntos? Claro que não. — Geoffrey riu. — Perdoe-me a

brincadeira. Porém seja como for, e sem querer ofendê-lo, Lee, tenho a impressão de

que Daisy é imune aos seus atrativos. E você quem tem de abrir os olhos, meu amigo.

Não quero ferir seu orgulho masculino, mas algo me diz que, pela primeira vez na

vida, você tem de admitir que fracassou ao tentar impressionar uma mulher. Ela não

simpatizou com você.

— Foi isso o que lhe pareceu?

— Fio. E estou contente com que tenha sido assim.

— Então sou um monstro? -- O tom de Leland transmitia mais zombaria do que

indignação. — Um sedutor?

— Não, nada parecido. Você é incapaz de fazer mal a alguém, O que faz é tomar uma

mulher complacente sob sua proteção e namoricá-la, para depois deixá-la a viver das

lembranças.

— Às vezes um pouco mais rica — acrescentou Leland com uma careta.

— Sim, tanto em recursos financeiros como em experiência. Só que não é isso o que

quero para Daisy. Apesar de toda a experiência de vida que possui, ela é

completamente inexperiente no que diz respeito a homens como você.

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— Isso é porque não há nenhum outro igual a mim.

— É possível. Mas não estou brincando. Daisy não deu sinais de ter simpatizado com

você, e isso é bom porque irá mantê-la inacessível às suas investidas. Por outro lado,

sé vamos ajudá-la a começar uma vida nova por aqui, temos de fazer com que ela se

sinta à vontade na sua companhia.

Leland tombou a cabeça em direção ao ombro.

— Daisy tem de seguir seus conselhos e acatar suas sugestões — prosseguiu Geoffrey

enquanto servia mais conhaque no cálice do visconde. — Você conhece os modismos,

sabe o que é elegante e o que não é. Além do mais, é bem recebido em todos os

lugares.

— Ah, isso é verdade.

— Você poderia administrar a alta sociedade londrina se quisesse.

— O que certamente não é minha intenção. — Erguendo o cálice, Leland fez um

brinde: — A que eu nunca me torne o rei da nata de Londres! Ah, a alta sociedade me

diverte, o que não aconteceria se eu a levasse a sério. Aliás, nada é divertido quando

levado a sério. E eu sou alguém que vive para se divertir.

— Eu sei. Bem, meu plano é introduzir Daisy Tanner nos altos círculos sociais, para

que possamos encontrar um bom homem que cuide dela e, assim, vê-la bem-casada e

bem estabelecida. E então, você está comigo?

— Evidentemente — afirmou Leland. — Transformar uma garota de Botany Bay

num modelo de perfeição do bom-tom? Talhar um diamante de excelente qualidade

a partir de uma ex-presidiária para depois casá-la com um lorde? Será um desafio e

tanto para mim.

— Você não irá trabalhar com uma pedra bruta. Não irá produzir uma grande

mulher a partir do nada. Daisy já possui não só beleza, mas também inteligência,

bom gosto, boa formação e dinheiro de sobra.

— Além de um fascinante passado como delinqüente.

— É do futuro dela que estamos falando. É só isso o que importa. E eu não quero

brincar com algo tão importante.

— Nem eu — respondeu Leland. — Conte comigo. Prometo não decepcioná-lo.

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Projeto Revisoras 28

Capítulo III

Caminhando de lá para cá pela suíte de hotel que escolhera para si mesma e para a

dama de companhia que pretendia contratar, Daisy chegou à conclusão de que,

embora não soubesse muito bem como seguir adiante, não iria retroceder. Isso não.

De modo algum.

Tinha muito sobre o que pensar e pouco tempo para fazê-lo. Os aposentos em que se

achava, apesar de bem mobiliados, eram caros demais. Por diárias como aquelas,

qualquer hóspede tinha o direito de esperar deslizar por carpetes de veludo e dormir

em camas banhadas a ouro. E ela, que necessitava apenas de uma residência

temporária decente, precisava calcular quanto tempo poderia, ou deveria, manter-se

ali. Não mentira para o conde e o amigo dele ao afirmar que estava rica. Mas o que

parecia uma pequena fortuna em Port Jackson ali, em Londres, não devia ser garantia

de nada.

A mansão de Geoff a deixara de queixo caído. Lá, de fato, havia sinais de riqueza nos

menores detalhes, do teto ao chão, onde quer que se olhasse. Ela e o pai tinham

residido numa construção de razoáveis proporções, e a casa em que morara com

Tanner podia ser considerada bastante boa em relação às demais habitações da

colônia recém-fundada, porém só os ladrilhos do hall de entrada da residência do

conde bastariam para comprar ambas as moradias.

Se tivesse algum outro lugar para onde ir, teria deixado aquele hotel no instante em

que o funcionário da recepção a informara do valor das diárias. A bem da verdade,

resolvera instalar-se ali porque havia presumido que não seria por mais do que um

par de dias. Tola que era, chegara a imaginar que o conde fosse convidá-la para ficar

com ele. Bem, talvez Geoff o tivesse feito se contasse com a companhia de alguma

parenta de idade, mas, por azar, ele morava sozinho. Embora aquele visconde

esquisito que a deixara tão desassossegada na véspera por certo vivesse aparecendo

por lá...

Daisy estacou no lugar. Aquele sujeito realmente viveria por lá? Havia algum motivo

especial para isso?

Se assim fosse, então era preciso examinar a situação sob nova perspectiva. Afinal,

não era mais uma jovenzinha inocente que desconhecesse certas particularidades da

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Edith Layton – Como Seduzir uma Noiva (Class Históricos 374)

Projeto Revisoras 29

natureza humana. Viver em prisões e entre condenados significava também inteirar-

se de aspectos da vida dos quais, em outras circunstâncias, talvez jamais viesse a

tomar conhecimento. Um deles era o fato de que os homens buscavam o amor onde

quer que fosse, e alguns o encontravam de forma pouco comum. A ela não cabia

julgar, e sim aceitar a realidade.

Daisy deixou-se cair sobre uma poltrona. Não, aquilo era algo com que não havia

contado. Jamais vira algum indício de tal preferência no conde quando ele era apenas

Geoffrey Sauvage, no entanto... Era uma hipótese a ser levada em consideração, pois

inclusive explicaria aquela amizade peculiar que Geoff mantinha com o tal visconde

bem mais jovem, de gestos e modo demais sofisticados e tão, oh!, tão afetado. Bem

que havia percebido que aquele sujeito não simpatizara com ela e não sabia dizer por

quê. Pois bem, estava aí o motivo: na certa o visconde temia que ela fosse lhe roubar

o afeto de Geoff.

Mordendo o lábio, Daisy franziu as sobrancelhas. Isso também explicava o falo de o

conde continuar solteiro, mesmo agora que possuía fortuna e um título de nobreza.

Bem, paciência, pensou. Não seria motivo para que ela deixasse de admirar e

respeitar Geoffrey Sauvage.

Quanto mais refletia sobre o assunto, mais Daisy apreciava a idéia de casar-se com o

velho amigo, mesmo que ele preferisse o amor de outros homens. Embora não fosse

dividir intimidades físicas com seu esposo, tinha certeza de que seria amada.

Poderiam adotar uma criança. Geoff já não havia tomado dois rapazes sob seus

cuidados, não os vira tornarem-se homens feitos para então se regozijar com a

felicidade que eles tinham encontrado no matrimônio?

O que havia de errado em desposar um homem que jamais fosse possuí-la

fisicamente? Pelo contrário: após tudo o que tivera de tolerar nos anos em que

estivera casada com Tanner, seria bom demais para ser verdade, isso sim. Pensando

bem, mesmo que o conde estivesse envolvido emocionalmente com aquele visconde,

tê-lo como marido seria a melhor das soluções para ela.

De qualquer modo, era difícil saber ao certo até onde ia o relacionamento de Geoff

com seu amigo. Por enquanto, a única certeza de que dispunha era o fato de que o

conde, que ainda a tratava com todas as atenções, continuava solteiro, e disponível,

de certo modo. E se ele não tinha intenções de casar-se, talvez tivesse amigos de sua

idade que se interessassem pela questão.

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Daisy não pretendia casar nem por amor nem por dinheiro, apenas pela segurança

que o matrimônio lhe proporcionaria e pela possibilidade de ter um lugar que fosse

seu, onde pudesse viver em paz, sem ser importunada. Jamais seria livre de verdade

a menos que se casasse novamente, e poder contar com um marido que cuidasse dela

como um pai ou um amigo seria o paraíso na Terra.

Mas agora era mais prudente deixar os devaneios de lado. Dinheiro, e como gastá-lo

bem, era a questão de urgência no momento. Não era avara como Tanner tinha sido,

pois ninguém no mundo era tão avarento como ele, porém aprendera a se preocupar

com os recursos que se iam, e que estavam deixando sua bolsa com uma rapidez

alarmante desde que ela chegara a Londres. Ainda tinha o hotel para pagar, uma casa

para alugar, roupas que providenciar... Sem falar da "respeitável" dama de

companhia que precisava contratar.

Respeitabilidade, pensou Daisy com azedume, não era artigo barato. Se seus planos

não dessem certo, quanto tudo aquilo acabaria lhe custando? Possuía recursos, sim,

mas não sabia investir ou multiplicar haveres como Tanner fizera. Quanto tempo seu

dinheiro iria durar se ela continuasse a gastá-lo daquela maneira?

Tratou se de pôr em pé. Não iria retornar a Botany Bay. Acontecesse o que

acontecesse, não retrocederia. E essa convicção deixou-a com uma única atitude a

tomar: seguir adiante.

A vida ao lado de um pai que só pensava em dinheiro e de um marido que só

pensava em brigar ensinara a Daisy algumas habilidades pouco comuns. Uma delas

era interpretar com precisão as expressões que via no rosto das demais pessoas sem

deixar escapar a mínima nuance.

Assim não lhe foi difícil perceber que a algumas das mulheres a quem entrevistara

para o posto de sua aia penalizavam-se por sabê-la sozinha, sem família nem

parentes. Outras se sentiam superiores a ela pelo mesmo motivo. De sua parte, Daisy

se apiedara de algumas delas e de outras chegara a ter medo. Uma coisa, porém, era

certa: havia inúmeras mulheres respeitáveis na cidade de Londres que precisavam de

um emprego e isso, de certo modo, era espantoso.

As entrevistas haviam se estendido por toda a manhã, e a fome já fazia Daisy cogitar

de interrompê-las. Mesmo farta daqueles aposentos melancólicos, tencionava pedir

que seu almoço lhe fosse servido na suíte, ainda que isso a fizesse sentir-se

novamente uma proscrita. De longe o salão de refeições do hotel lhe parecera

esplêndido, com louças e talheres reluzentes sobre as toalhas de mesa

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imaculadamente brancas, às quais se acomodavam elegantes e risonhos comensais.

Mas a verdade era que não podia freqüentá-lo. Não até que contasse com a

companhia de uma honorável aia.

Tão logo a última candidata que pretendia entrevistar antes do almoço terminou de

recitar suas qualificações, Daisy indagou:

— Você trouxe recomendações?

— Sim, certamente — respondeu a mulher, entregando-lhe alguns papéis.

Fingindo estudar as informações, na realidade era a candidata de nome Helena

Masters quem ela examinava. E o que via era uma mulher coberta por trajes

cinzentos, com o semblante talhado por algum tipo de preocupação que a fazia pa-

recer mais velha do que os trinta e sete anos declarados nos documentos. Tratava-se

da viúva de um marinheiro, com dois filhos que viviam com a mãe dela, igualmente

viúva, no norte da Inglaterra, e que necessitava trabalhar para manter-se.

A sra. Masters parecia possuir boa formação. Tinha os cabelos castanhos bem

cuidados, assim como o restante de sua aparência, e olhos azuis bastante sinceros. No

rosto marcado pela apreensão havia também algumas linhas nos cantos da boca, o

que indicava que, apesar das dificuldades, ela sabia rir. As cartas de recomendação

dos antigos patrões, repletas de elogios, deixavam claro que a gentil viúva só havia

deixado os empregos anteriores por conta de circunstâncias alheias à sua vontade.

Porém nem as excelentes referências nem a história narrada pela voz suave daquela

mulher de bom aspecto impressionaram Daisy tanto quanto o fato de que a mão com

que ela havia lhe entregado os papéis, além de muito trêmula, tinha um diminuto

remendo entre os dedos. Era evidente que a sra. Masters precisava

desesperadamente trabalhar, e desespero e necessidade eram problemas a que Daisy

não conseguia fechar os olhos, já que os conhecia bastante bem.

— Pretendo comprar uma casa num bairro agradável e assim me estabelecer em

Londres. — Devolvendo os papéis à viúva, ela resolveu que aquele seria um bom

momento para colocar as cartas na mesa. — Suas atividades não se resumirão a me

acompanhar. Eu também gostaria de poder contar com seu aconselhamento quanto

aos costumes e modismos atuais. É que estive fora do país por muito tempo, sabe?

— Posso fazer isso, sim. — Com os olhos de súbito luminosos, Helena Masters

descansou as mãos cruzadas sobre seus documentos.

— Poderia também começar imediatamente?

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— Sim, isso tampouco será problema.

— E quanto ao salário que lhe conviria? — Ao percebê-la tomada de acanhamento,

Daisy emendou: — Mais tarde combinaremos um valor que seja do seu agrado. Bem,

se quiser, posso lhe dar dois dias de descanso a cada três semanas, para que você vá

visitar seus filhos, mas como eles moram longe, também será possível aumentarmos

suas folgas, se for preciso.

— Sou-lhe muito grata. Farei o que for melhor para a senhora.

Daisy então se viu pensando que gostaria muito que aquela mulher fosse de fato sua

aia. Não somente pelas referências, pelos bons modos e pela simpatia, Helena

Masters não lhe metia medo. E essa constatação a fez declarar sem rodeios:

— Cheguei há poucos dias de Nova Gales do Sul, onde fui prisioneira e depois me

casei e então fiquei viúva. Fui condenada com meu pai, e o motivo foi que ele, de

quando em quando, costumava caçar e pescar às escondidas na propriedade de um

vizinho. Bem, seja por que for, a verdade é que cumpri pena lá.

— Oh, pobrezinha!

Sondando o rosto da amável viúva, Daisy não viu nem recriminação nem piedade,

apenas um profundo e sincero pesar pelo que havia lhe acontecido.

— Sim, realmente, foi um período do qual quero me esquecer — ela afirmou. — E

então, tem como me ajudar, sra. Masters?

— A senhora vai mesmo me contratar? — Helena Masters indagou, como se temesse

acreditar na boa sorte.

— Irei, sim. Quando pode começar?

— Agora. Imediatamente. O que gostaria que eu fizesse?

Após hesitar um momento, Daisy deixou escapar um suspiro vindo do fundo do

coração, antes de dar voz a seu mais caro desejo no momento:

— Não gostaria de descer comigo para almoçarmos no salão de refeições do hotel?

Era um dos mais bonitos vestidos que ela já vira assim tão de perto. Vermelho, com

faixas cor-de-rosa na cintura, renda dourada na bainha da saia rodada e nas mangas

soltas, e um vistoso bordado rosa que subia pelo corpete e se espraiava ao redor do

decote.

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Antes de anunciar que tencionava levá-lo, Daisy olhou para o conde para ver a

reação dele à apresentação do traje.

— Não, não é para você — assinalou o visconde Haye antes que ela pudesse dizer

qualquer coisa. — Um vestido não precisa brilhar por si mesmo, tem de fazer linda a

dama que o usa. — Ele acenou com a mão. — Mostre-nos mais outro, madame.

— Certamente, monsieur. — Com um sorriso, a modista bateu palmas para chamar a

próxima manequim.

Daisy chegou a virar o rosto para o visconde na intenção de repreendê-lo, mas, ao

reparar no ar de aprovação com que sua nova dama de companhia o admirava,

permaneceu calada.

— De fato, era uma obra-prima — disse Leland, certamente porque havia percebido

qual era a intenção dela. — Esse é o problema. Você quer que as pessoas admirem

seus trajes ou a mulher que os veste?

Daisy se deu por vencida.

— E vermelho, minha cara:— ele prosseguia —, pode ser uma cor que tanto ressalta

quanto apaga quem a usa. Em você, aquele vestido iria fazer mais mal do que bem.

— É por observações como essa que você se torna inestimável, Lee. — O conde riu.

— Viu só, Daisy? Não falei que ele seria o melhor conselheiro que você poderia ter

em assuntos que dizem respeito à moda? Eu, que não entendo nada disso, tenho de

concordar com Leland, pois a verdade é que nem me lembro das feições daquela

moça que apresentou o vestido. Em vez de prestar atenção a ela, não consegui tirar

os olhos do traje.

— Eu também não entendo nada de roupas e modismos — Daisy admitiu —, mas se

é como você diz...

Geoffrey recostou-se à poltrona com um ar satisfeito. O visconde tinha os olhos azuis

semicerrados numa expressão de enfado, mas até aí, pensou Daisy, ele sempre

parecia entediado.

O vestido azul e prata que veio a seguir foi bastante elogiado. O vermelho-escuro foi

aprovado, e o verde foi recebido com caretas. Daisy, que gostara do verde, manteve-

se silente, porém quando a modelo entrou com o traje todo dourado, não conteve um

suspiro de admiração. O tecido cor de ouro, lustroso e tão fino que fazia lembrar a

cambraia, moldava-se à perfeição ao corpo da manequim, ressaltando-lhe as curvas

bem-feitas. O traje era bastante sensual, mas também elegante, sofisticado, clássico.

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Ela sorriu de orelha a orelha quando o conde exclamou:

— Essa cor deve ficar magnífica em você, Daisy!

Antes que ela tivesse tempo para concordar, o visconde se adiantou:

— Amarelo, sim, ficaria bem na sra. Tanner, o dourado, não. E esse tecido é ousado

demais para ela. Ninguém pretende mentir acerca do passado dela, mas tampouco

queremos alardeá-lo, não é verdade?

Daisy virou-se para fuzilá-lo com um olhar indignado. Ofendida e profundamente

irada, ainda que reconhecesse que Haye não dissera nenhuma mentira, ela escolheu

estapeá-lo com luvas de pelica:

— Mas se Geoff, digo, se o conde gostou, é o que me basta. Vou levar o vestido

dourado.

Leland deu de ombros.

— Não sei, Daisy... — Geoffrey agora aparentava estar indeciso. — Na verdade, o

especialista aqui é ele...

— Se você disser que não ficarei bem naquele, então escolherei outro.

— Bem, gostei do traje, sim. — O rosto do conde estava rubro. — Mas o que eu

entendo disso?

— Pronto, é o que me basta — Daisy afirmou com convicção. Erguendo uma

sobrancelha, Leland observou:

— Opinião é algo relativo, evidentemente, e a opinião que conta é a de quem usará o

traje, pois nem um vestido feito de fios de prata ficaria bem numa pessoa que não

confia no que está usando. Mas se você acredita que sua aparência e sua

autoconfiança estão à altura do dourado, por que não usá-lo? Se é isso o que você

quer, sra. Tanner, que assim seja.

Ela não respondeu. A menção ao prata e ao dourado levou seus pensamentos para

questões bem menos agradáveis. Ocorreu-lhe que já havia encomendado quatro

trajes e ainda não sabia o preço de nenhum deles. Aquilo era sinal de que negociava

mal. Bem, o fato era que não tinha experiência e talvez por isso agisse como uma

grande tola. Seu pai teria ficado com os cabelos em pé diante de tamanha

irresponsabilidade. E Tanner... Bem, melhor nem pensar no que Tanner teria feito.

Reconhecer que fazia uma bobagem azedou-lhe o estado de animo. Até então tudo

vinha correndo bastante bem. Quando a sra. Masters lhe sugerira usar um de seus

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melhores trajes para ir à loja da modista, ela quase chegara a rir, porém logo se dera

conta de que sua aia devia saber o que dizia. Assim, havia colocado um bonito

vestido de passeio cor de violeta, com mangas longas, que mandara fazer

especialmente para a viagem de volta à Inglaterra.

Tão logo tinham chegado à loja da modista, Daisy percebera que fizera muito bem

em seguir o conselho de sua dama de companhia. Aquele lugar nem parecia uma

loja, de tão sofisticado e luxuoso que era. Na verdade a impressão que ela tinha era a

de estar visitando uma das damas mais refinadas da alta sociedade, não de ter ido ali

para encomendar vestidos novos.

A costureira, a quem chamavam modista, falava com sotaque francês. O

estabelecimento, mobiliado e decorado como uma sala de estar, tinha divãs e

poltronas muito confortáveis e contava com um serviço de criadas que serviam café

puro. Havia tecidos e atavios belíssimos para se admirar ou escolher e belas modelos

que apresentavam os trajes que estavam à venda. Tudo isso sem uma única placa

acima da porta para anunciar que ali se faziam e vendiam vestidos!

A manhã começara bem. O conde até havia lhe elogiado a boa aparência quando

viera buscá-la em sua elegante carruagem e, após conhecer a dama de companhia

dela, dera-lhe as felicitações pela feliz escolha. Até mesmo o visconde tinha se

mostrado bastante bem impressionado com Helena Masters.

Mas se a princípio havia simpatizado com o amigo do conde, ela agora o considerava

um inconveniente com sérias propensões a dominador. Já estava farta dos homens

que viviam lhe dando ordens. E, pensando bem, era até provável que tivesse

insistido em comprar o vestido dourado somente para contrariá-lo, se não estivesse

preocupada com o fato de que, ao deixar-se seduzir por todo o luxo que via ao seu

redor, acabara gastando bem mais do que havia planejado...

— Sabem? — Ela estranhou que sua voz soava um tom um pouco mais agudo do que

aquele que costumava usar. — Creio já ter comprado tudo de que precisava. E o

vestido dourado... Não, não vou levá-lo. Deus do céu, na verdade nunca tive tantos

trajes novos de uma só vez!

— Oh! — O visconde se admirou. — Então não pretende freqüentar a alta sociedade?

Daisy ficou olhando para ele.

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— Você comprou o suficiente para uma visita matinal — prosseguiu Leland —, um

passeio vespertino, um chá da tarde e um sarau. Isso perfaz um dia. E ninguém

jamais usa o mesmo traje duas vezes na mesma semana.

— Possivelmente você tem razão — Daisy concordou num sopro irado, um olho na

modista para se certificar de que a mulher não a ouvia —, mas por acaso temos de

adquirir todos os vestidos no mesmo lugar? Não poderíamos dar uma volta por aí,

para ver se há alguma outra loja com preços mais... acessíveis? Quem sabe também

não encontramos modelos mais elegantes?

— Mais elegantes do que os de madame Bertrand? — ele indagou, perplexo.

Os olhos da sra. Masters se arregalaram e, no mesmo instante, Daisy se deu conta de

que falara o que não devia.

— Parece-me — interveio o conde — que Daisy quis dizer que não está acostumada a

fazer compras tão grandes, e certamente tão dispendiosas, num só lugar sem antes

comparar preços. O que, convenhamos, é um hábito bastante saudável.

— Exato — afirmou ela, aliviada. — Foi exatamente isso.

— Sem dúvida, trata-se de um hábito bastante recomendável — concordou Leland.

— Porém não muito costumeiro aqui em Londres.

— Isso significa que tenho de desperdiçar meu dinheiro se quiser ser aceita? — Daisy

o interpelou.

— Significa que não se deve ficar falando tanto em dinheiro — retrucou ele,

erguendo o dedo como se ministrasse alguma lição a um aluno rebelde. — No

entanto, sinto-me obrigado a continuar nesse assunto, mas apenas para esclarecer

que a maioria das damas que faz compras aqui leva quase um ano para pagar suas

contas, quando as pagam. Aliás, ninguém na alta sociedade costuma quitar seus

débitos.

— A não ser você, Lee — assinalou o conde com um sorriso — E eu também, devo

confessar. Primeiro, porque abomino a idéia de me imaginar sem pagar o que devo,

depois porque vi muitas almas na prisão por conta de suas dívidas. O seu caso é

diferente: você adora ser do contra.

— Obrigado por ter notado. — Pondo-se em pé, o visconde quase chegou a

espreguiçar-se. — Seja como for, sei de muitos comerciantes que atendem os

abastados que acabaram indo à falência porque não conseguiram receber por suas

vendas. Essas pessoas acham que servir à aristocracia é uma boa forma de

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propaganda para seus negócios, mas o que lucram se, no final das contas, terminam

por atrair outra leva de ricaços que não quitam seus débitos? As classes mais

favorecidas podem se dar ao luxo de não honrarem suas dívidas porque o dinheiro

que possuem é uma promessa de pagamento, ainda assim me parece que fazem o

que fazem porque contam com as costas largas de terem amigos nos postos certos.

Quando se controla o sistema legal, não há como ser importunado por ele.

— Um discurso um tanto republicano para um nobre — comentou o conde,

reprimindo uma risadinha.

— Menos mal que eu não venho da França, não é mesmo? — retrucou Leland. — É lá

que estão os revolucionários.

Geoffrey então se dirigiu a Daisy:

— Não o leve tão a sério. Amanhã ele pode dizer justamente o contrário, se isso o

fizer divertir-se.

— E por que não? — provocou Leland. — Bem, se me permitem irei trocar algumas

palavras com madame Bertrand, depois iremos almoçar. Todos estão de acordo?

— Sim — o conde se antecipou às suas acompanhantes. — Diga a ela que prepare

pelo menos um dos vestidos para ser retirado amanhã à tarde.

Leland olhou para o amigo comum ar confuso.

— Vamos levar Daisy ao teatro, não vamos? — explicou Geoffrey.

— Vamos? — Leland parecia ainda mais surpreso.

— Bem, eu irei — o conde afirmou. — É muito triste ficar sentada num quarto de

hotel enquanto toda a Londres se diverte do lado de fora da janela. No caso de Daisy

é ainda pior uma vez que, além de não conhecer bem a cidade, ela não pode sair à

noite sem uma companhia masculina.

— É verdade. — O tom do visconde era inexpressivo. — E eu estou incluído no

passeio?

— Se quiser nos dar esse prazer...

— Certamente. — Após leve mesura, Leland se afastou.

Daisy ficou a observá-lo. Alto e magro como era, seria de se esperar que fosse um

homem desengonçado, no entanto o visconde caminhava com a mesma elegância

natural com que se expressava. Hoje ele vestia trajes em preto e cinza-chumbo, à

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exceção do colete bordo. Mais do que um mero cavalheiro que entendia de

modismos, Leland Grant era o estilo em pessoa.

Ele conversava com a modista quando, de repente, deu um passo em direção à bela

modelo de cabelos negros que trajava o vestido dourado que Daisy tanto cobiçara.

Por um instante, ela chegou a imaginar que o visconde fosse lhe comprar o vestido

como forma de desculpar-se por ter sido tão impertinente. Mas então ele ergueu a

mão para afagar o rosto da moça com o nó dos dedos, ao mesmo tempo em que se

curvava para sussurrar alguma coisa no ouvido dela.

Daisy não sabia mais o que pensar. Afinal, como alguém como o visconde, que

dedicava seu afeto a outro homem, era capaz de um gesto que parecia tão...

insinuante?

— Não faça caso de Lee — disse Geoffrey ao vê-la com aquele ar atarantado. — Ele

não quis ser rude com você.

— Oh, não, não é isso. É que muito me admira... Bem, não pensei que ele se

interessasse por... — Daisy calou-se ao perceber que falava sem pensar.

— Por? — quis saber o conde.

Ela suspirou. Já que começara, era melhor terminar. Que outra ocasião seria mais

propícia do que aquela para descobrir quais eram as verdadeiras propensões de seu

bom e velho amigo Geoff ?

— Pensei que ele não se interessasse por mulheres.

— Lee? — O conde não poderia parecer mais abismado. — Você imaginou uma coisa

dessas... dele!

— Desculpe-me, minha intenção não era ofender ninguém, nem esse seria um

assunto sobre o qual eu tivesse o direito de opinar. Mas acontece que... — O

assombro que Daisy via no rosto do amigo levou-a a desculpar-se: — Oh, perdão!

Você deve se lembrar, dos tempos da colônia, que sempre fui um tanto desbocada.

Creio que fiquei muito tempo longe de Londres. Preciso começar a refrear o que digo

e também a minha falta de modos.

Pensativo, Geoffrey olhou para o visconde e para a modelo que agora o fitava nos

olhos como se hipnotizada, então comentou, quase que para si:

— Que idéia curiosa... — O conde voltou os olhos para Daisy. — Bem, o que importa

é que você saiba que não precisa se preocupar com Leland, minha querida.

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— Oh. — Então era verdade. E quanto a Geoff?

— Independentemente de qualquer outra coisa, Leland é divertido, culto, sensato...

Em suma: um homem extremamente bom sob os maneirismos com que se defende. É

por isso que gosto do dividir meu tempo com ele tanto quanto gosto da companhia

de meus filhos.

— Mas morar com alguém como o visconde às vezes não é exasperante?

— Morar com ele? — Geoffrey riu. — Daisy, Lee tem liberdade para entrar e sair da

minha casa quando bem lhe aprouver, mas ele não mora lá!

— Oh. — Ela pediu aos céus que não deixasse transparecer o imenso alívio que

sentia.

— Então, vamos indo? — O conde ofereceu-lhe o braço.

— Sim, obrigada. — Aceitando o braço de Geoff como se fosse uma dádiva enviada

por Deus, Daisy nem percebeu que o visconde agora olhava para eles com um ar um

tanto preocupado.

Capítulo IV

— Milorde — disse o mordomo assim que o visconde entrou em casa —, o senhor

tem visita à sua espera, no seu gabinete.

Reparando que o mordomo tentava dissimular um sorriso, Leland logo desconfiou

que a tal visita fosse algum conhecido. Geoff?

Ao entrar em seu gabinete, ele deparou com o cavalheiro ainda jovem, de estatura

mediana, que aguardava sua chegada: um sujeito de feições comuns à exceção do

nariz aristocrático, com os cabelos negros como piche, olhos azul-cobalto e um

sorriso de dentes naturalmente branquíssimos, que pareciam ainda mais claros em

contraste ao amorenado da pele de cigano.

— Daffyd! — exclamou Leland.

— Lee! — respondeu o outro cavalheiro com a mesma satisfação enquanto se punha

em pé. — Por onde andou metido? Ah, pouco importa. É muito bom revê-lo.

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Os dois se abraçaram, trocando fortes tapas um às costas do outro.

— Venha, vamos nos sentar—convidou Leland, sem deixar de examinar sua visita. —

Pelo bom Jesus, olhe só para você!

— Como assim? — indagou Daffyd, confuso.

— Você está feliz! Santo Deus! Você transpira felicidade por todos os poros. —

Leland deu uma volta ao redor dele. — Não há a menor sombra de dúvida: o

casamento foi mais do que um tônico para você, foi uma autêntica cura.

— Sim — concordou Daffyd com um sorriso tímido —, pela primeira vez na vida não

discutirei com você, meu irmão. Se soubesse o bem que o casamento me faria, eu

teria me casado muito mais cedo... Isto é, se tivesse conhecido minha esposa antes.

Foi uma pena Meg e eu termos demorado tanto a nos encontrar, e se não fosse o

acaso... Mas, meu bom Deus! Veja só, estou falando como uma jovenzinha romântica!

— Isso tem lá suas vantagens. Agora, sente-se e me conte tudo. Explique-me como se

faz para ser tão feliz quanto você.

Daffyd explicou, e com detalhes. Após tornar a se acomodar na cadeira em que

estivera sentado, pôs-se a falar em que pé andavam as reformas na propriedade que

havia comprado, dos planos que sua esposa tinha para os jardins, dos contratempos

com os criados, desde os pedreiros até as arrumadeiras. O único motivo pelo qual

Leland não semicerrava as pálpebras na sua típica atitude de fastio era o genuíno

prazer que lhe dava ouvir tantas novidades, boas e importantes, sobre a vida do

meio-irmão.

Ambos tinham a mesma mãe, porém ele era o mais velho e herdeiro não apenas do

título como também da fortuna. Produto ilegítimo de um caso adúltero que a

viscondessa tivera com um cigano errante e abandonado pela mãe quando ainda era

um bebê, Daffyd só herdara dissabores.

Os dois haviam se conhecido já adultos, descobrindo que tinham em comum o

desprezo pela frieza inarredável da mãe. Dividiam a mesma inteligência arguta e,

apesar de terem sido criados de modos completamente distintos, também os mesmos

escrúpulos. Tanto um quanto outro sabiam lançar mão de seus atrativos quando

necessário, um artifício que haviam tido de aprender para sobreviver, cada um à sua

maneira e por motivou diversos, ao mundo que os circundava.

Por fim Daffyd parou de falai- para dar um sorriso acanhado, indagando:

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Edith Layton – Como Seduzir uma Noiva (Class Históricos 374)

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— Tornei-me extremamente maçante, não é verdade? Bem-feito para você, que me

pediu para falar de mim.

— Pelo contrário. Além do mais, sempre dou um jeito de fazer as pessoas enfadonhas

perceberem quando estão me deixando entediado. Essa é a minha especialidade,

dizem. — Leland riu. — Eu estava prestando muita atenção ao que você dizia. E

devo confessar que estou imensamente contente por tudo ter dado tão certo para

você e Meg. E por falar na sua esposa... Por que ela não veio?

O sorriso de Daffyd era agora radioso.

— Você será o primeiro a saber, Lee. Meg ficou em casa porque não tem mais

condições de viajar, de tanto que enjoa aos sacolejos da carruagem... Ela está

esperando nosso primeiro filho, que irá nascer no verão! Acho que é por isso que

começo a falar e não consigo parar. Eu, pai... Consegue acreditar numa coisa dessas?

— Claro que sim. Como tenho certeza absoluta de que você será um pai excelente.

Meus parabéns, Daffyd!

— Não, ainda é muito cedo para felicitações. Minha avó cigana ficaria furiosa com

você, se o ouvisse me cumprimentar. Quando o bebê chorar pela primeira vez, então

aceitarei os parabéns, e com imensa satisfação.

— Farei o possível para estar lá para ouvir. Se for convidado, evidentemente.

— Até parece que não será! Vim para Londres especialmente para dar a notícia a

você e a Geoff. Depois seguirei para o campo, para levar a novidade a Christian e

Amyas. Cartas foram feitas para vocês, gadjes. Eu tenho de ver as pessoas olhos nos

olhos. E faço questão de que venham todos nos visitar assim que a reforma estiver

concluída, pois poderemos... Mas por que essa cara? Não está feliz por mim?

— Faz tempo que você não tem notícias de Geoff? — indagou Leland num tom mais

contido.

Olhos arregalados, Daffyd pôs-se em pé num salto.

— O que houve com ele? Está doente? Por que ninguém me avisou?

— Não, não. Sente-se e trate de se acalmar, Daffyd. Geoff está bem, forte e saudável.

É você quem me parece ansioso demais.

Daffyd sentou-se. E o visconde se pôs a caminhar pela sala, uma atitude tão

incomum, que seu meio-irmão franziu as sobrancelhas ao ver a figura esguia andar

de lá para cá.

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Edith Layton – Como Seduzir uma Noiva (Class Históricos 374)

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— Geoff está bem, sadio e bem-disposto como sempre — disse Leland. — O que

acontece é que... Maldição, o problema é que ele age como se tivesse perdido a

cabeça. Geoff conheceu uma mulher, e me parece que está apaixonado por ela.

— Bem, bem, bem... — Daffyd largou-se contra o espaldar da poltrona. — E qual é a

sua opinião sobre essa moça?

— Na verdade ainda não tenho uma opinião formada a esse respeito, mesmo assim

achei melhor preparar você para quando vier a conhecê-la. Se bem que... É bem

possível que já a conheça. Ela chegou de Nova Gales do Sul.

— Não é Millie Owens, é? Maldição. Millie seria a única a ter o desplante de correr

atrás dele sem ser convidada. Aquela mulher tem a sensibilidade de um macaco de

bronze, certamente iria atrás dele até o inferno se julgasse que pudesse tirar algum

proveito disso. Mas por que Geoff haveria de escolhê-la? Tudo não passou de um

caso à-toa, e na certa ele devia estar embriagado quando...

— Não, não é Millie Owens.

— Então é a sra. Parsons? Não pode ser! Ela tinha se ajeitado com Stanley Burns e

parecia feliz com...

— Não. Se bem entendi, Geoff não teve nenhum caso com essa jovem mulher a quem

estou me referindo, um fato que ela parece estar querendo remediar. — Leland deu

um suspiro desanimado. — Apesar de conhecer Geoff relativamente há pouco

tempo, tenho certeza de que ele jamais iria se meter com uma mulher casada, e essa

moça de quem estou lhe falando era casada na época em que vocês estiveram em

Botany Bay. O nome dela é Daisy Tanner.

— Daisy? — Daffyd se admirou. — Daisy Tanner? Ela está aqui? Bem, isso não é má

notícia, pelo menos para ela. Mas, espere... E onde está Tanner?

— Morreu. E, pelo visto, nem pranteado foi.

— Não me surpreendo. Aquele um era um bastardo intolerável... Mas Daisy é um

amor de pessoa. É quase uma menina! Ela e Geoff? Não, jamais. Geoff sempre a

tratou bem porque se apiedava da situação dela, assim como todos nós, porém daí a

imaginar que os dois... Impossível. Não, meu irmão, você está com um moinho de

vento no lugar da cabeça se pensa que Geoff e Daisy... — Daffyd deu uma risadinha,

como se a idéia fosse de fato absolutamente absurda.

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— Daisy pode ter sido uma menina, mas agora é uma mulher de vinte e quatro anos

de idade. Extremamente bonita, atraente e, pelo que entendi, rica. Ah, isso sem falar

daquele pequenino defeito físico do qual, ao que parece, você não está lembrado.

— Defeito físico? Não, realmente não me lembro de que ela tivesse algum defeito.

— Nem aquele, que a impede de manter-se em pé sem se dependurar no braço de

Geoff? Oh, há também aquele outro, que a torna incapaz de olhar para qualquer

outra pessoa num recinto quando ele está por perto. Apesar dessas pequenas

"anomalias", a audição da simpática Daisy se mostra perfeita: basta Geoff dizer

qualquer bobagem remotamente engraçada, e ela cai na risada. Isso ele parece ter

notado, tanto que não perde a oportunidade para se fazer de espirituoso.

Daffyd cobriu a boca com a mão para dissimular um sorriso. Sentando-se diante dele,

Leland inclinou-se sobre os joelhos, antes de declarar com uma expressão

subitamente sombria:

— Você e eu somos meio-irmãos, e nenhum de nós contou com a sorte de ter um pai

como Geoff. Ainda que ele seja muito inteligente, é sabido que homens na meia-

idade tendem a deixar que uma amante mais jovem os faça crerem que são tão jovens

quanto ela. Às vezes essas ligações funcionam bem, quase sempre, não dão certo. Se

Daisy estivesse apenas procurando pela imagem de um pai, não seria tão mal assim,

pois ele sabe ser pai e sente prazer em sê-lo, embora eu seja da opinião de que uma

esposa lhe seria uma companhia mais adequada. Mas e se ela estiver procurando

outra coisa? Por que uma mulher jovem, bonita e rica vem do outro lado do mundo

para Londres, chega, desembarca do navio e sem perder tempo, eu disse "sem perder

tempo", vai atrás de um homem que tem mais do dobro de sua idade para tentar

conquistá-lo?

— Lee, será que você não está...

— Não, não estou exagerando nem vendo coisas onde elas não existem. Porque se

Daisy enredá-lo na armadilha do matrimônio e depois vier a encontrar um parceiro

mais adequado aos seus anseios na cama, Geoff ficaria arrasado. Você sabe disso tão

bem quanto eu. Nossa mãe foi uma mulher infiel, e nós sabemos o mal que uma

"inocente" escapadela causou a Iodos os envolvidos. Estou muito preocupado,

imaginando se essa sirigaita não seria capaz de destruir a vida de Geoff com um

simples ato... impensado. Você a conhece, Daffyd, deve saber melhor do que eu até

onde ela vai.

— Daisy está viúva, Lee.

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— O que significa que foi casada e não é nenhuma inocente. Trata-se também de uma

ex-condenada. Que é só sorrisos e palavras doces para Geoff, que, por seu lado,

parece adorar toda essa adulação. Assim sendo, eu lhe pergunto: que atitude se pode

tomar? Ou melhor, é preciso tomar alguma atitude?

— Olhares e sorrisos não são um compromisso... — Daffyd pensou por um instante.

— Há quanto tempo ela está aqui? E por que você acha que o relacionamento deles é

de fato sério?

— Ela está aqui faz cerca de uma semana. E eu acho... — Leland viu-se interrompido

pela risada do meio-irmão.

— Uma semana? Ora, Lee, Daisy é realmente encantadora, mas só Deus conseguiria

estabelecer um relacionamento sério com Geoffrey Sauvage em sete dias!

— Uma semana em que ambos almoçam juntos todos os dias e jantam juntos todas as

noites. Além do teatro ou da ópera ou do bale noite sim, noite não.

O sorriso de Daffyd se esvaeceu.

— Ela não sai do hotel sem a companhia de Geoff — prosseguiu Leland — porque

diz que não conhece ninguém nos círculos sociais, e ele concorda, o caridoso. Daisy

Tanner é arrebatadora, tenho de admitir. A graça e a vivacidade dela são de fato

surpreendentes. Aquele corpo é inesquecível, aqueles cabelos dourados são um

espetáculo à parte, porém de algum modo ela consegue parecer um anjo e não uma

atriz. E, se tudo seguir no rumo que presumo que siga, muito em breve Daisy será

sua madrasta.

— Minha madrasta, não, já que Geoff não é meu pai verdadeiro, por mais que eu

quisesse que fosse. — Pensativo, Daffyd passou a mão pelo rosto, então encarou o

meio-irmão. — E você? Está sempre na companhia deles, em todas essas ocasiões?

— Sim.

— Ah, sei...

— Não, não sabe. Eu os acompanho porque Geoff me pede para fazê-lo. Ele não quer

enxovalhar a reputação da moça saindo com ela sozinho, uma vez que nem mesmo a

presença da dama de companhia de Daisy impede que quem os veja logo imagine

tratar-se de um casal de enamorados. A propósito, foi Geoff quem chamou a atenção

de Daisy para o fato de que ela não podia ficar sem a companhia de uma aia. E fui eu

quem providenciou as candidatas ao posto para que ela as entrevistasse, pois

conheço uma boa agência de empregos. Foi graças a Deus que eu fazia uma visitinha

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a Geoff quando Daisy surgiu do nada para bater à casa dele assim que deixou o

navio atracado no porto.

— Entendo.

— O conde afirma que sabe a quem vale a pena apresentá-la. Segundo ele, seus

amigos são preconceituosos demais para reconhecer o valor que Daisy tem, e os

amigos dos velhos tempos de cárcere acabariam querendo aproveitar-se dela. Geoff

prefere não introduzi-la na alta sociedade até que ela tenha um guarda-roupa

completo e apropriado, e esteja familiarizada com as coisas boas e elegantes da vida.

— Mas Daisy tem excelentes modos e sabe como se comportar, afinal é bem-nascida

e teve boa criação — assinalou Daffyd. — Não foi por outro motivo que Tanner

desejou fazê-la sua esposa assim que colocou os olhos nela, pois, se quisesse, poderia

ter abusado de Daisy e ficaria tudo por isso mesmo, já que estávamos num navio de

condenados em alto-mar. Se o tolo do pai dela não tivesse dilapidado os bens da

família anos antes, Daisy jamais se veria num lugar como aquele. Tanner soube ver

uma boa oportunidade e agarrou-a com todas as forças. Ele não era estúpido, soube

reconhecer que, em outras circunstâncias, jamais teria uma esposa com tantos

predicados.

— Acredito. E concordo que, mesmo tendo escorregado num terreno lodoso, ela sabe

como se expressar e como se portar. Ainda assim, Geoff a protege como protegeria

um bebê. Agora, se ele estivesse sendo apenas paternal, eu não me preocuparia tanto,

porém acontece que não estou convencido de que seja apenas isso. E se por acaso

você estava se divertindo instantes atrás por imaginar que eu estivesse tomado de

amores por aqueles belos olhos castanhos dela, deixe-me esclarecer que não estou.

Daisy jamais colocou seus lindos olhos em mim.

— Isso o deixa irritado, será? — Daffyd o provocou. — Seu interesse por mulheres

bonitas é célebre e, como você mesmo apontou, Daisy é bela e desejável. Por acaso

não está aborrecido pelo fato de ela ignorá-lo?

Se olhares pudessem matar, Daffyd teria tombado ao chão fulminado.

— Não permita que minha sinceridade mexa com seus brios, Lee. — Ele riu. — No

fundo, não entendo como Daisy ainda não tomou conhecimento de seus atrativos

masculinos. Não sei o que você faz, mas a verdade é que sempre acaba conseguindo

a mulher que deseja. E mesmo assim ela ainda não se apercebeu dos seus encantos?

Tem certeza? Espere. Você tem sido atencioso ou tem se comportado como o

"visconde sem coração" de quem as damas rejeitadas tanto falam? Seja sincero.

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— "Visconde sem coração", faça-me o favor! E quem espalhou esse epíteto tolo por aí

não foi nenhuma dama enjeitada, mas sim Rowlandson, porque me deve dinheiro e

se irrita com o fato de ter de pagar. Aquele homem escreve como poucos, mas

deveria passar longe dos dados, especialmente quando se acha embriagado. Seja

como for, não tenho sido nem cruel nem bondoso, e pouco importaria se eu fosse

uma coisa ou outra. Como já falei, Daisy Tanner mal sabe que eu existo. Só tem olhos

para Geoff.

— Então talvez seja melhor eu tentar descobrir o que realmente está se passando

entre aqueles dois — observou Daffyd. — Duvido de que Daisy esteja agindo de má-

fé, mesmo assim não custa nada averiguar. Apesar da experiência que tem, Geoff até

poderia ser considerado um sujeito um pouco ingênuo, o que não é o meu caso.

— Considere-me seu aliado. A ingenuidade me causa brotoejas.

Os dois caíram na risada, então trocaram um olhar cúmplice. Pois fosse qual fosse o

resultado das averiguações, pelo menos estariam trabalhando juntos.

— Quero um traje dourado — Daisy disse à modista. — Não como aquele que você

nos mostrou outro dia. Ou melhor, não igualzinho. Por mais que eu tenha adorado

aquele vestido, não quero o visconde Haye franzindo o nariz à minha aparência a

noite inteira. Você ouviu quando ele disse que aquele traje era ousado demais para

mim, não ouviu?

Madame Bertrand fez que sim, porém se manteve calada.

Daisy saltara para uma carruagem de aluguel rumo à loja da modista tão logo Helena

lhe dissera que os estabelecimentos comerciais estavam prestes a abrir.

— Fui convidada para jantar com ele e com o conde esta noite — continuou ela. —

Ambos disseram que têm uma surpresa para mim, um velho amigo que veio me ver,

por isso eu queria estar linda! Sei que está em cima da hora, mas por acaso não seria

possível fazer algumas alterações num vestido já pronto? Aquele ali é um amor! Oh,

por favor, madame, diga que pode providenciar uma roupa bem bonita para mim!

Fingindo não notar o olhar suplicante que a aia da dama derramava sobre ela,

madame Bertrand calculava que não seria difícil vestir com propriedade uma jovem

que, por natureza, já era bonita da cabeça aos pés. Além do quê, aquela moça havia

entrado ali pelas mãos do visconde Haye, e isso não era pouca coisa.

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— Creio que seria possível, sim — afirmou a modista. — Ainda não vendi aquele

traje de que você gostou. Posso fazer algumas alterações nele, isso não seria

problema, mas... Em um dia? Nesse caso, não seria tão simples como...

— Oh, por favor! — Ansiosa, Daisy nem percebeu que a interrompia. — Você

poderia colocar um saiote, ou o que for preciso, para deixá-lo um pouco mais sóbrio,

e também fazer um pequenino acerto aqui e outro ali. — Ela engoliu o nó na

garganta. — O preço não será problema.

Então esperou para ver o resultado de seus esforços. No fundo, estava quase

torcendo para que a resposta fosse "não". O preço seria sempre um problema, e

gastar além do estritamente necessário era algo que a assustava. Mas se o visconde

dissera a verdade, e tanto o conde como sua dama de companhia haviam garantido

que ele não mentira, não seria preciso quitar seus débitos à vista. Se era fato que os

credores faziam favores especiais às damas, então o tempo jogava a seu favor. E

senso de oportunidade era tudo na vida. Quando chegasse o momento de enfim

pagar suas contas, poderia estar casada ou seus investimentos já teriam gerado mais

recursos. Afinal, todos a tomavam por uma autêntica dama, de modo que tinha de

agir como uma autêntica dama agiria: adiando o pagamento de suas contas.

— Por favor? — ela insistiu, pressionando madame Bertrand com um sorriso súplice.

— Deixe-me ver... — Batendo palmas, a modista chamou: — Margot! Margot,

querida, vista o traje dourado e venha para cá imediatamente, por favor.

Minutos depois a mesma modelo alta e de cabelos pretos da véspera aproximou-se

lentamente trajando o ousado vestido dourado. Que ainda parecia soberbo aos olhos

de Daisy. Madame Bertrand pôs-se a andar ao redor da moça enquanto dizia:

— Uma cauda curta adicionaria elegância... Oui. Porém tem de ser num rosa pálido,

leve e diáfana como gaze, suavizando o dourado, como um nascer do sol visto

através de nuvens. E um saiote, mais oui. Ergueremos um pouco o decote e por baixo

colocaremos um corpete leve, para que o tecido dourado não caia como uma segunda

pele. Adicionaremos mangas longas, oui. E algumas fitas cor-de-rosa. O visconde

tinha razão, senhorita. O dourado produz um efeito forte demais para o seu tipo

delicado, mas um toque de rosa aqui e outro ali para atenuar o dourado... e a

senhorita irá brilhar!

— Oh!

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— Sim — continuou a modista. — Faremos o vestido adquirir um ar de sobriedade,

porém sem perder a ousadia. Continuará uma peça ousada, sim, mas não atrevida.

Nem mesmo o visconde terá como colocar defeitos nesse vestido após as pequenas

reformas que faremos. Afinal, ele tem certa razão: trajes como esse, assim como está,

devem ficar para as mulheres que saibam como usá-los. Bem, srta. Tanner, terá seu

vestido, com certeza.

— Muito obrigada! — Antes que esquecesse, Daisy acrescentou: — A propósito, é

senhora Tanner, madame. Eu sou viúva. E sei usar vestidos como esse, sim. Mas,

pobre de mim... sou uma dama e por isso não posso vestir tudo o que gostaria.

Essa jovem vai longe, pensou madame Bertrand, que, em voz alta, disse apenas:

— Irei procurar o tecido rosa, então começarei a trabalhar. — Afastando-se em

direção à sala de costura, a modista chamou por sobre o ombro: — Margot! Vá

colocar o vestido azul e deixe esse comigo, A condessa está para chegar, e nós sabe-

mos que ela adora azul.

Daisy nem precisaria do tecido cor-de-rosa para brilhar: a alegria que sentia já era o

bastante para deixá-la radiante. Fosse qual fosse a surpresa que Geoff havia lhe

preparado, ela iria retribuí-la à altura. Tinha uma excelente dama de companhia e iria

usar um vestido magnífico. A pessoa dos velhos tempos que vinha visitá-la

certamente se esqueceria do horror que tinha sido seu casamento e só teria olhos para

o sucesso em que ela havia se transformado.

Daisy ainda sorria para si quando a modelo alta, trajada com o vestido dourado,

aproximou-se para cumprimentá-la:

— Meus parabéns. Este vestido ficará muito bem em você. Pena que não possa usá-lo

assim como ele está. — O tom da moça, porém, era um tanto frio. — O visconde

Haye gostou demais deste traje, como você deve ter percebido.

— Gostou? — Daisy tinha de erguer a cabeça para encarar a modelo que, apesar de

esguia demais e de pernas longas como as de um rapazinho, transpirava

sensualidade.

— Muito. Ele até comentou que estava pensando em comprá-lo para dá-lo para mim.

Mas como eu não teria onde usá-lo, tive de recusar o presente. E, a bem da verdade, o

visconde gostará muito mais quando o vestido não estiver no meu corpo. — A

modelo então se afastou dissimulando um sorriso satisfeito.

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— O que ela quis dizer com aquela última observação? — indagou Helena, franzindo

as sobrancelhas.

Embora tivesse somente uma semana de convivência com Helena Masters, Daisy já

tinha certeza absoluta de que sua dama de companhia era especial. Culta e bem-

educada, Helena fora casada por pouco mais de uma década antes de ficar viúva,

porém o fato de que tivesse desposado um homem bom e decente, além de ter

sempre vivido em meio a pessoas igualmente boas e decentes, fazia dela uma mulher

madura, mas com um coração ainda ingênuo.

Daisy riu.

— Vai ver ela quis dizer que o visconde gosta de usar vestidos ou então que ele gosta

de mulheres que não os usem. Mas isso pouco importa, não é verdade?

Mas importava. Afinal, isso tinha a ver com os planos que ela engendrava para o

futuro. E tanto importava que, ao deixar a loja, Daisy ainda pensava no assunto.

Com o crepúsculo chegou também o deslumbrante vestido novo de Daisy. Acetinado

e escorregadio, o traje parecia cintilar a cada passo, e o fulgor do dourado estava

agora contido por um rosa suave, inocente como a face interna de uma pétala da flor

que emprestava seu nome à cor. A modista mandara entregar o traje relativamente

cedo, porém Daisy fizera questão de prová-lo para certificar-se de que estaria de fato

extremamente bem vestida para o jantar.

Céus, nem dava vontade de tirar aquele vestido! O traje a exaltava: tanto lhe

ressaltava as qualidades físicas como a fazia sentir-se rica e sofisticada. Detendo-se

bem no centro do dormitório da suíte do hotel onde se hospedava, ela olhou para o

espelho e ofegou ante a esplêndida imagem que via refletida ali. Santo Deus, agora se

sentia realmente muito, muito longe de Botany Bay e a um universo de distância do

navio-cárcere que a levara para lá. A elegante beldade estampada na superfície do

espelho jamais pisaria num lugar execrável como aquele, nem sequer sonharia em

fazê-lo. Assim como ela nunca havia sonhado que pudesse se ver assim tão bonita e

tão graciosa.

De repente, os olhos de Daisy se turvaram. Não pela figura aprisionada no espelho,

mas por algo que não estava ali. Tanner... Se seu falecido marido a visse naquele

instante, por certo iria deter-se para olhar para ela do mesmo modo como sempre

fazia quando a via erguer-se da tina após o banho, ou quando se deparava com ela

estendendo a roupa no varal com o vestido um pouco erguido pelo movimento dos

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braços. Com a boca entreaberta, Tanner então sorriria e avançaria para ela. E ela,

como sempre, não teria o direito de dizer que não.

Ser possuída pelo marido era um sofrimento ao qual Daisy jamais havia se

habituado. Bastava ver Tanner olhando para ela daquela maneira e sua pele se

arrepiava em sinal de aversão, suas entranhas se reviravam, sua garganta secava...

Por sorte tudo não costumava demorar mais do que alguns minutos, mesmo assim

parecia um lapso de tempo interminável. Era terrível saber que dava prazer a um

homem quando não tinha intenções de fazê-lo. Na tentativa de escapar a tamanho

martírio, aprendera a vestir-se no escuro, a banhar-se quando ele não estava em casa,

a...

Daisy sacudiu a cabeça com força. Tanner não se achava ali naquele instante. Jamais

estaria à volta dela novamente. Podia vestir-se como uma princesa e banhar-se à

claridade, e ninguém iria usar isso como motivo para acariciá-la sem que ela o de-

sejasse. Ninguém.

— Daisy? — Helena a interpelou. — O vestido tem algum defeito?

— Não, não... — Ela aprumou os ombros. — Está perfeito.

— Esse traje é mesmo um encanto. E, o mais importante, você fica linda nele. O

caimento é impecável, essa cor ressalta seus cabelos e seus olhos... Você irá deixá-los

de queixo caído. Mas se trata de um jantar solene? Porque esse é um vestido para

grandes ocasiões.

Como se confusa, Daisy pestanejou e, examinando a expressão de Helena refletida no

espelho, deixou escapar um suspiro. O vestido de súbito pareceu-lhe inadequado,

teatral, exagerado, sobretudo se comparado aos trajes modestos que sua aia usava,

todos de decote alto, a maioria em discretos tons de lilás. A essa impressão somou-se

uma dúvida: talvez tivesse passado muito tempo desejando o que não poderia

possuir e agora tinha dificuldade em avaliar as coisas como realmente eram.

Após balançar a cabeça um par de vezes como se com isso quisesse clarear os

pensamentos, ela deu um sorriso meio acanhado.

— Você foi direto ao ponto, Helena: este vestido é esplendoroso demais. Não posso

usá-lo esta noite, aliás, nem sequer imagino quando terei uma oportunidade

adequada para vesti-lo. Só se alguém me convidar para uma coroação, e mesmo

assim se a coroada for eu mesma. Vou embrulhá-lo em papel-manteiga e guardá-lo

até surgir uma boa ocasião para estreá-lo, uma ocasião realmente especial. Esta noite

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usarei um vestido que mandei fazer antes de vir para cá. É rosa também, e bem

bonito. Tenho um xale de lãzinha com estampas miúdas que ficará bom com aquela

roupa. Mas... isto?

Ao vê-la erguer os braços para despir o traje, Helena correu a assisti-la.

— Tenho até medo de andar com este vestido — prosseguiu Daisy. — Sinto-me como

um sapo numa bolsa de seda, com medo de estragá-lo só de encostar os dedos nele.

Como alguém pode se sentir à vontade assim? O visconde tinha razão: esta roupa,

com ou sem reformas, não é para mim. E quer saber do que mais? Trajes como este

foram feitos para o gosto do visconde. Eu tenho mais é que viver minha vida sem

ficar me preocupando em andar na moda. Amanhã mesmo vou voltar à loja e

comprar uns vestidos mais simples, que eu possa usar sem me sentir amarrada.

— Mas você já encomendou alguns trajes novos — Helena lembrou-a.

— Sim, só que ainda preciso de roupas menos sofisticadas. E por falar nisso... Você

também está precisando de vestidos novos. Não que haja algo de errado com seus

trajes, mas já que vou andar por aí bem-arrumada, seria bom que você também se

cuidasse mais. E não precisa se preocupar, pois eu pagarei suas compras.

— Oh, não posso...

— Pense que seus vestidos novos serão uma espécie de uniforme, e nada mais justo

do que eu pagar pelos seus uniformes de trabalho, não é verdade? Ora, não tem

cabimento eu flanar por aí toda enfeitada e deixar que você me acompanhe vestida

de qualquer jeito. Iria até parecer que não quero que as pessoas reparem como você é

bonita.

— Isso seria impossível! — Helena riu. — Ninguém tem olhos para outra mulher

quando você está por perto. Além do mais, onde já se viu que uma dama de

companhia deva se mostrar elegante?

— Por que não? Imagine, isso é bobagem. Por que você não haveria de estar sempre

bonita e bem vestida?

— Ah, eu não...

— Não, nada de me contrariar. Agora vamos dobrar este magnífico vestido com

cuidado antes que eu acabe por dar um jeito de estragá-lo!

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Capítulo V

Embora estivesse com receio de entrar na casa do conde naquela noite, Daisy fez

questão de aparentar que estava bastante calma. Ainda que não fosse uma obra-de-

arte, o vestido que usava era bastante bonito e vistoso. Helena a ajudara a prender os

cabelos no alto da cabeça num cacho de mechas onduladas, o que destacava o

discreto camafeu na delicada corrente que ela trazia ao redor do pescoço. Seus

sapatos também eram novos. Das roupas íntimas à capa sobre seus ombros, não

havia nada de que se envergonhar.

Helena, porém, parecia ter percebido a inquietação de sua patroa:

— Está nervosa?

— Um pouco, já que não sei quem estará aqui para jantar conosco — explicou Daisy

num sussurro. — Bem, talvez seja bobagem de minha parte. Sempre que espero pelo

pior, tudo sai às mil maravilhas.

Então, erguendo a cabeça e a barra das saias, deslizou para o interior do hall de

entrada da mansão do conde com Helena a dois respeitosos passos de distância às

suas costas. Geoff estivera em Port Jackson, inteirara-se da vida que ela levava lá, por

isso seria praticamente impossível que tivesse convidado algum amigo de Tanner

para lhes fazer companhia num jantar em sua residência. Apesar de ter sempre um

sorriso e uma palavra para quem deles necessitasse, Geoffrey Sauvage e seus filhos,

bem ao contrário de Tanner, haviam procurado manter distância das pessoas de

moral pouco recomendável que circulavam pela colônia penal.

E à exceção de algumas amigas, não havia ninguém de Botany Bay que Daisy

ansiasse por rever. Pelo contrário: de certas pessoas, ela preferia nunca mais nem

ouvir falar. Era estranho pensar que uma mulher maltratada pelo marido pudesse

atrair homens cujo interesse, em vez de ajudá-la, era maltratá-la também.

— Daisy! — O conde, que vinha ao encontro dela para recebê-la, estranhou a

expressão de sua convidada. — Mas por que esse ar desgostoso?

— Oh, não foi nada. — Daisy entregou a capa ao criado de libré, então olhou para

Geoff. O sorriso caloroso que viu no rosto do amigo encorajou-a a dizer a verdade: —

Bem, acontece que não gosto de surpresas e... Quem, pelo amor do Santo Deus, você

trouxe para me ver na sua casa?

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Edith Layton – Como Seduzir uma Noiva (Class Históricos 374)

Projeto Revisoras 53

— Você nunca perde tempo com rodeios, não é mesmo? — Ele riu. — Bem, não há

motivo para preocupações. Trata-se de uma pessoa de quem você gosta.

Colocando a mão sobre o braço do conde, ela indagou:

— De verdade, Geoff?

— De verdade. Dou-lhe minha palavra.

— Oh, está bem. — Daisy fingiu um suspiro conformado. — Leve-me ao meu algoz.

Ao entrar no salão de visitas pelo braço do conde e seguida de perto por Helena, ela

viu dois cavalheiros erguerem-se de suas poltronas. Um era o visconde Haye,

sarcástico como sempre ao curvar-se em sua direção. O outro era um pouco mais

baixo, moreno e bonito, vestido como se trajavam os jovens aristocratas mais

requintados da alta sociedade londrina. Daisy franziu a testa. Mas como, se os únicos

cavalheiros que ela conhecia eram o conde e o visconde?

— Não está me reconhecendo? Que, duro golpe à minha vaidade masculina! — o

convidado comentou com um sorriso cativante. — Pensei que você fosse se lembrar

de mim, sra. T.

— Daffyd! — Daisy correu ao encontro dele, detendo-se â pouca distância para

melhor admirá-lo. — É claro que me lembro de você. Como haveria de me esquecer?

Só que... Bem, eu nunca o tinha visto assim tão elegante e bem trajado. Da cabeça aos

pés, você está um autêntico cavalheiro!

— As aparências enganam, minha cara — Daffyd brincou com ela. — E você! Você,

sim, está uma verdadeira dama, Daisy.

— Quem acreditaria, não? Mas é como você mesmo disse: as aparências enganam.

Deus, olhe só para nós dois: um par de gralhas com a aparência de cisnes!

— Somos três— observou o conde.

— Não. — Daisy virou-se para ele.— Você é um cavalheiro nato, Geoff.

— E você também nasceu uma dama, esqueceu? — assinalou Geoffrey num tom mais

sério.

— Tenho tentado me lembrar — ela respondeu com sinceridade.

O sorriso do conde, repleto de solidariedade e compreensão, levou-a a concluir, pela

primeira vez desde que deixara Nova Gales do Sul, que havia tomado a atitude mais

acertada ao largar tudo e vir procurá-lo para dar início a uma vida nova ao lado dele.

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Edith Layton – Como Seduzir uma Noiva (Class Históricos 374)

Projeto Revisoras 54

Mas ao erguer os olhos e deparar com a expressão dura do visconde, ela viu-se outra

vez tomada pelas dúvidas.

Ainda que o olhar reprovador que Haye lhe dirigia se dissolvesse de um instante

para outro, deixou nela uma profunda sensação de desconforto. Apesar de tudo,

Daisy tentou aparentar naturalidade:

— Deus do céu, mas que espécie de dama sou eu? Onde estão minhas boas

maneiras? Ainda bem que minha aia está sempre por perto para me trazê-las à

lembrança... Daffyd, esta é a sra. Helena Masters, minha dama de companhia.

Helena, quero lhe apresentar meu amigo Daffyd, protegido do conde, um dos

homens mais gentis que já foram parar em Botany Bay... por engano.

Rindo, Daffyd curvou-se numa mesura.

— Vamos fingir que ninguém ouviu esse "por engano", sim? É um prazer, sra.

Masters. — Ele tornou a olhar para Daisy.

— Por que não me conta como foi sua viagem e como você deixou tudo por lá, em

Port Jackson?

— Como pode imaginar, minha viagem de volta foi bem mais prazerosa do que a de

ida. Mas, de um modo ou de outro, serei a pessoa mais feliz deste mundo se não

tornar a pôr os pés num navio! E quanto a tudo e todos que ficaram para trás... —

Daisy obrigou-se a sorrir. — É difícil falar desse assunto, você não acha?

— Realmente — Daffyd concordou. — Mas esteja certa de que, após um tempinho,

essas recordações irão se esvaecer. Como um sonho ruim.

— É verdade, porém não completamente. E isso tem seu lado positivo, sobretudo nos

momentos em que nos vemos tentados a sentir pena de nós mesmos — assinalou o

conde. — Bem, mas assim estamos excluindo Leland e a sra. Masters da conversa.

Venham, venham todos, o jantar nos espera. Conversaremos à vontade à mesa, desde

que, é claro, Daffyd prometa tomar cuidado com as expressões nada educadas que

costuma deixar escapar.

— Ah, mas agora estou casado, esqueceu? E minha esposa tem ouvidos muito

sensíveis — devolveu Daffyd no mesmo tom irreverente. — Fique tranqüilo, Geoff,

prometo não horrorizar a sra. Masters.

Daisy suspirou. Embora a surpresa que o conde lhe preparara fosse das mais

agradáveis, ela torcia para que não houvesse outras. Sua rota estava traçada e, dali

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Edith Layton – Como Seduzir uma Noiva (Class Históricos 374)

Projeto Revisoras 55

por diante, tudo o que desejava era um bom vento que a levasse numa viagem sem

incidentes até o altar onde Geoffrey Sauvage estaria à sua espera.

Mas quem mandara aquela mulher ser tão bela?, pensava Leland com azedume. Bela

e esperta, o que era ainda pior, já que só um rostinho de feições perfeitas não seria

armadilha suficiente para apanhar um homem como o conde.

Sem tirar os olhos do anfitrião e da convidada, ele tomou a taça de vinho entre os

dedos. Bela, esperta, alegre, vivaz, e com um sorriso arrebatador a coroar todas essas

qualidades. Aquela jovem era de fato fascinante. As diminutas sardas que lhe

enfeitavam o nariz arrebitado podiam não ser elegantes, mas eram dignas de serem

beijadas. E aquele corpo perfeito... Que homem não se sentiria um bem-aventurado

por tê-la entre os braços?

Sem perceber, Leland apertou as pálpebras ao vê-la rir de um comentário que o

conde havia feito. Um riso alegre, natural, vindo do fundo da garganta, que fazia os

seios altos se agitarem. Dava vontade de rir junto... Pigarreando, ele continuou a

sondá-la à procura de algum defeito.

A tarefa não poderia ser mais ingrata. Daisy Tanner fazia lembrar a deusa do amor

no interior de uma concha, na crista de uma onda, numa pintura que ele vira havia

algum tempo. Ainda que miúda e delicada demais para ser considerada uma beleza

clássica, Daisy era simplesmente admirável e, se ele quisesse ser honesto com seu

pensamento, não tinha como escapar a essa constatação. Por mais contundente que

lhe soasse.

E lá ia ela, dependurada na manga do conde, olhos fixos nos lábios dele como a

antecipar cada palavra que era dita, rindo ao chiste mais tolo, assumindo ares

consternados quando Geoff dizia algo mais sério. Uma encenação, certamente.

Apesar de não ser um homem feio e se achar em excelentes condições físicas para

alguém na sua idade, o conde de Egremont não podia ser tido como um tipo

irresistível, que fazia o coração das mulheres disparar. Tampouco tinha propensão a

comportar-se como um sedutor. Sua fortuna, porém, tinha um efeito irresistível. Seria

esse o motivo pelo qual a sra. Tanner se comportava como se Geoff fosse o único

homem à mesa, na sala de refeições e em toda a Inglaterra?

O visconde lançou um olhar rápido para Daffyd, para verificar se ele também

reparava naquilo. Mas seu meio-irmão estava rindo de algo que Daisy acabara de

dizer.

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Projeto Revisoras 56

Reconhecendo que lhe sobrava muito pouco que fazer, Leland suspirou, à espera de

um momento propício para se imiscuir na conversa. E quando a oportunidade enfim

surgiu, apressou-se em indagar:

— E então, quais são seus planos agora que está de volta à Inglaterra, sra. Tanner?

Os quatro o olharam com surpresa, e então ele percebeu que sua voz soara áspera a

ponto de parecer inquisitorial. O sorriso tinha sumido dos lábios de Daisy.

— De minha parte — Leland acrescentou num tom indiferente, no propósito de dar a

entender que não estava muito interessado na resposta—, sinto-me tão aliviado ao

voltar para casa após uma longa viagem ao exterior que nem consigo organizar o que

farei nos dias seguintes. Depois de uma semana ou duas, porém, o velho e conhecido

enfado começa a se instalar novamente. E você? Já fez seus planos para espantar o

tédio?

O conde respondeu por ela:

— Era impossível pensar no tédio em Botany Bay, Lee. Nossas preocupações se

concentravam no fato de que continuaríamos ali no dia seguinte.

Daisy riu, concordando:

— É verdade. E depois que me casei, e tive certeza de que não sairia de lá por isso,

meus dias se tornaram ainda mais sombrios. — Ao reparar que Leland assumia um

ar quase severo, ela emendou: — Sei que parece rude eu fazer um comentário

desagradável a respeito de meu falecido marido, milorde, mas todos os que se acham

a esta mesa sabem que não se tratava de uma comunhão fundamentada no amor.

Aliás, sequer posso dizer que era uma comunhão no sentido exato da palavra, pois,

pelo menos para mim, meu casamento não passava de uma decisão errada e infeliz.

De modo que eu também não me preocupava com o tédio, e sim só pensava em ir-me

embora de lá. E agora que consegui...

Ela pensou por um instante antes de concluir:

— Creio que o que desejo é algo com que antes nem ousava sonhar: paz. E felicidade

também, se conseguir alcançá-la.

Leland notou que Daisy dissera as últimas palavras olhando para o conde, a quem

dirigia, e somente a ele, seu sorriso tristonho.

— Por que não faz uma lista com as coisas que poderiam lhe trazer paz e fazê-la

feliz? — sugeriu Helena.

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— Sim, por que não? — O rosto de Daisy tornava a se iluminar com um daqueles

sorrisos repentinos. — E o primeiro item da lista será: um pouco mais daquela

deliciosa sopa que acabei de tomar.

— Você se contenta com pouco — disse Geoffrey, fazendo um sinal para o criado. —

Ao contrário de meu exigente chefe de cozinha, que ficará extasiado ao saber que um

dos pratos que preparou está no topo da sua lista.

Todos riram. Mas nos olhos de Leland não havia alegria, apenas conjecturas e um

interesse crescente pela bela loira. A resposta dela tinha sido um contragolpe

extremamente habilidoso a uma investida estudada. Sinal de que talvez ele pudesse

contar com um bom duelo.

Ao final do jantar, Geoffrey comentou:

— Não faz sentido nós três, os cavalheiros, irmos tomar nosso vinho do Porto e

deixá-las, as duas damas, sozinhas aqui. Vamos todos ao salão, por favor. Daisy, você

joga?

— Cartas? — ela indagou. — Sim, e bastante bem. Foi meu pai quem me ensinou.

— Então não joga tão bem assim — provocou Daffyd.

Em resposta ela fingiu-se ofendida e, entre sorrisos e amabilidades, os cinco

deixaram a mesa para se encaminharem ao salão onde o conde costumava entreter

suas visitas. Lá, encontraram a lenha a crepitar na lareira, as cortinas cerradas sobre

as janelas altas, as lamparinas e as velas nos candelabros todas acesas. Após assistir

Daisy a acomodar-se num canapé, Geoffrey foi para junto do piano que ficava num

canto do recinto.

— Quando comprei esta casa, esta peça já se encontrava aqui. Vocês viram estes

enfeites? São deuses e deusas. — Ele mostrava as delicadas figuras pintadas a ouro

sobre a madeira de ébano. — Não lembro a última vez em que este piano foi afinado,

de modo que não posso afirmar com certeza que o som continua perfeito.

Aproximando-se, Helena Masters tocou de leve algumas teclas.

— Algumas notas precisam de afinação, sim, mas se trata sem sombra de dúvida de

um excelente instrumento.

— Você sabe tocar? — Geoffrey perguntou à aia de sua convidada.

— Ah, desde menina! — Helena suspirou. — Se quiser, posso lhe ensinar, sra.

Tanner.

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— Meu nome é Daisy, e eu sei que você não se esqueceu disso.

— Devo chamá-la pelo primeiro nome mesmo quando estivermos na companhia de

outras pessoas? — Helena quis se certificar.

— Sim. Em quaisquer circunstâncias.

Enquanto Geoffrey e Helena procuravam uma partitura para que ela pudesse tocar,

Daffyd disse a Daisy:

— Vou ver se encontro o livro que minha esposa pediu na biblioteca de Geoff e não

me demoro. — Virou-se para o meio-irmão. — Lee, distraia esta mocinha até que eu

volte, sim?

— Será um prazer. — Caminhando até o sofá de dois lugares, Leland sentou-se ao

lado dela e, após apoiar o braço sobre o encosto, endereçou-lhe um sorriso. — Aposto

que música também faz parte da sua lista. Depois da sopa, suponho. E o que vem a

seguir? Espero que seja eu. Por favor, não parta meu coração dizendo que não. Pelo

menos não neste momento.

O sorriso dele era tão cordial que Daisy mal podia acreditar que se tratava do mesmo

aristocrata frio e reticente com quem ela havia passado o último par de horas. De

dentes uniformes e muito brancos, aquele sorriso não só o fazia mais jovem como

também mais acessível. Outra particularidade bastante atraente do visconde eram os

olhos. De um azul ardente, lembravam águas tropicais. E observavam-na com um

interesse que parecia genuíno.

Dando-se conta de que ele tinha os olhos fixos em seus lábios, Daisy sentiu-os

latejarem como se tivessem sido beijados. Outras partes do corpo dela também

reagiam dessa mesma maneira, uma sensação tão inesperada quanto irreprimível.

Era como se Haye, no lugar dos inebriantes aromas de sabonete e sândalo, de repente

exalasse masculinidade por todos os poros.

Por mais estranho que fosse, parecia que o visconde a desejava. Como um homem

desejava uma mulher. Mas como, se ele... Daisy prendeu a respiração. De um

instante para outro, sentia a pele úmida, o coração acelerado. Sentia-se apanhada

numa armadilha, assustada e ainda assim fascinada. Queria responder à indagação

que Haye lhe fizera e com isso livrar-se de todo aquele constrangimento, mas nem

sequer lembrava qual era a tal pergunta.

— Gostariam de ouvir Haydn esta noite? — convidou o conde do outro lado do

recinto.

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— Sim, se a sra. Masters nos der esse prazer — o visconde respondeu com sua

costumeira fala arrastada. — A música de Haydn é sempre bem-vinda.

Daisy aproveitou para desviar o olhar do dele e, engolindo em seco, tratou de

chamar-se à razão. Mas o que era que tinha lhe dado? Afinal, aquele era o mesmo

aristocrata cheio de maneirismos que ela conhecera havia poucos dias, o mesmo que

se interessava pelos seus vestidos, não pelo corpo que o traje ocultava. Estava

maluca? Provavelmente se excedera no vinho. Mas... e o visconde? Bem, talvez

cobiçasse o vestido que ela vestia, só podia ser isso. Por algum motivo, essa idéia a

tranqüilizou.

— Aulas de canto — disse Daisy, voltando a olhar para ele. — Encontrar uma boa

casa onde morar é minha prioridade, e aulas de canto são o segundo item da lista.

Toquei piano quando era pequena, mas como jamais tocarei como Helena por mais

que possa voltar a praticar, então me contentarei com aulas de canto.

— Nunca saberemos quão bem somos capazes de fazer determinada coisa se não

tentarmos — observou o visconde, tornando a sorrir como se soubesse exatamente o

que ela estivera a pensar.

Daisy, que já havia caído naquela armadilha e não estava disposta a repetir a

experiência, levantou-se de supetão. Não iria permitir que Haye se divertisse à custa

dela.

— Bem, começarei prestando atenção aos movimentos das mãos de Helena para ver

se me recordo como se faz. — E com isso ela partiu em direção ao piano.

— Eles formam um belo casal — disse Daffyd, tomando o lugar que Daisy deixara

vago ao lado de seu meio-irmão.

— O conde e sua amiga Daisy? — indagou Leland, olhos lixos nela.

— Geoff e Helena Masters — respondeu Daffyd. — Pena que ele não tenha notado.

— Concordo que ela seja encantadora, ainda assim é apenas uma dama de

companhia. Geoff é um aristocrata, é natural que não tenha olhos para ela.

— Você está enganado. Geoff não é esse tipo de pessoa. Para ele, classe e posição

social não significam nada. Nosso estimado conde não se apercebe da presença da

sra. Masters porque está ocupado demais prestando atenção a Daisy. Você tinha

razão, Lee: ela realmente está atrás de Geoff. Não imagino por quê, tampouco me

alegro com isso. Não que ambos não combinem, só que também não me parece que

foram feitos um para o outro.

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Projeto Revisoras 60

— Concordo plenamente.

— Daisy teve uma vida bastante difícil, e Tanner era um miserável, mas isso não é

motivo para que agora ela tente apanhar Geoff no laço. Ele precisa de uma mulher

madura e, apesar da experiência, Daisy não é nada madura, em quase todos os

sentidos. — Daffyd suspirou. — Não, não consigo me convencer de que ela seja a

mulher certa para Geoff. Os dois simplesmente não se encaixam, e eu não gosto de

coisas que não se encaixam. A sensação que se tem é a de que há algo fora do lugar.

— Agora é minha vez de dizer que você tem razão.

— Então, o que vamos fazer?

— Falar com ele não irá adiantar — disse Leland, sem deixar de reparar no modo

como Daisy se apoiava no braço do conde. — Alertar um homem contra determinada

situação é o mesmo que fazer com que ele se envolva ainda mais nela. E, uma vez

envolvido, não é difícil ele resolver que a deseja, mesmo que antes não a desejasse. A

propósito: você acha que Geoff deseja Daisy?

— Não sei — Daffyd foi sincero. — Não é fácil saber o que ele pensa. Mas por ser

homem, estar descomprometido, é provável que Geoff a deseje, sim. Sou fiel à minha

Meg como o mar é fiel à areia, mas reconheço que Daisy é uma mulher de encher os

olhos. E também acho que nada adiantaria falar com ela. Quem passou pelo que ela

passou não se deixa afastar de seus propósitos tão facilmente.

— Por acaso você verificou as finanças dela? Daisy diz que está rica, mas não

podemos esquecer que se trata da esposa de um guarda carcerário.

— Tanner era o homem mais avaro que já conheci e, apesar de aceitar subornos e não

gastar um tostão além do estritamente necessário, não teria como se tornar um

milionário. Mas, ao que tudo indica, ele andou investindo tudo o que possuía, como

Geoff ensinou a nós todos, uma medida que multiplicou nossos recursos dezenas de

vezes, como você bem sabe. Vou ver o posso descobrir a esse respeito.

— Então você crê que ela possa estar mentindo?

— Não. Daisy sabe que seria muito fácil descobrirmos a verdade. Esse é um dos

problemas de se lidar como ela, que sempre leva em conta todos os detalhes. Isso não

significa que nossa amiga esteja mal-intencionada, mas sim que se trata de alguém

que planeja cuidadosamente tudo o que faz. — Daffyd olhou para Daisy e suspirou.

— Não me parece que seria o fim do mundo se Geoff viesse a se casar com ela. O que

acho é que isso não seria o melhor nem para um nem para outro.

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Projeto Revisoras 61

— É o que penso. Mas ainda é cedo para darmos essa união como fato consumado,

de modo que não é preciso você sair por aí para comprar um presente de casamento.

— Leland se espreguiçou demoradamente. — Há um longo caminho a percorrer

antes que nos vejamos diante de um altar repleto de arranjos florais. Geoff não é nem

tolo nem impulsivo. E quanto a Daisy... Ainda não sei ao certo como ela é, mas não

perderei tempo a descobrir.

— Certo. Mas, Lee...

Leland olhou para o meio-irmão.

— Faça o que tiver de fazer, mas tente não magoá-la — pediu Daffyd, — Daisy

passou por maus bocados e é bem provável que só esteja querendo de verdade um

pouco de paz.

— Pode ser, afinal quem não quer? Mas, fique tranqüilo, minha intenção não é

magoá-la e sim cultivar o espírito dela.

— Daisy é nossa amiga, Lee. Estou falando sério.

— Eu também. Não irei magoá-la, prometo. Nem creio que seria capaz de fazê-lo.

Tudo o que quero é descobrir o que ela tem em mente.

— Sua vaidade foi ferida, não?

— Evidentemente.

A presteza com que Leland havia concordado fez Daffyd desconfiar de que ele

estivesse sendo sincero. Isso, porém, pouco contava. O importante era que seu meio-

irmão tinha empenhado a palavra de que não iria magoar Daisy, pois Leland, todos o

sabiam, era homem de cumprir suas promessas sob quaisquer circunstâncias.

— Foi uma noite e tanto! — De volta à suíte do hotel, Daisy tirou a capa para

dependurá-la no cabide junto à porta, depois foi se largar sobre uma das poltronas

perto da janela. — Olhe só para mim, freqüentando a casa de um conde! E como se

tivesse feito isso a vida inteira quando, na verdade, meu pai e eu amargamos o pão

que o diabo amassou por anos a fio.

— Se seu pai tivesse sido mais prudente, ou melhor, mais moderado, a vida de vocês

dois teria sido muito diferente — observou Helena.

— É verdade. Só que "prudente" não é a palavra correta. Nem "moderado", já que

papai nunca soube o que era uma coisa nem outra. No fundo ele foi um grande tolo,

pobre homem. Bebia e jogava demais, jamais se preocupava com o futuro, confiava

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cegamente na sua capacidade de escapar dos problemas. O pior é que nem posso

dizer que ele ficou assim após a morte de minha mãe, pois, pelo que diziam, foi o

hábito de jogar e de beber de papai que mandou a pobrezinha para a sepultura antes

da hora.

Sentando-se diante dela, Helena deu-lhe um sorriso condescendente.

— Lamento o que meu pai poderia ter sido e não foi, mas não tenho pena dele —

continuou Daisy. — E creio que nem poderia. Ele me vendeu para Tanner em troca

de receber um tratamento mais brando no navio que nos levou para Botany Bay,

você imagina?

— Você havia me dito que ele fez o que fez porque queria protegê-la, preservando-a

de maiores indignidades.

Após tirar a fita que lhe prendia os cabelos, Daisy deitou a cabeça no espaldar da

poltrona e ficou mirando o teto por alguns instantes antes de admitir:

— Na verdade não sei o que meu pai pretendia. Digo que era me proteger para que

as pessoas não pensem o pior de mim, já que todos têm o hábito de nos julgar pelos

pais que temos. Se meus amigos o imaginarem um canalha, o que não irão pensar de

mim? Fomos ambos enviados a Botany Bay, e todo mundo diz que uma maçã nunca

cai muito longe da árvore em que brotou. — Endireitando a cabeça, ela olhou para

sua aia. — Mas agora que conheço você melhor, não vejo por que continuar

mentindo.

— Você não é responsável pelas atitudes dele — Helena tentou consolá-la. — Agora,

tente pensar que talvez não tenha sido uma mentira. Você pode estar certa e, quem

sabe seu pai realmente tinha em mente resguardá-la de algum perigo iminente. É

bem possível que ele tenha dado sua mão ao sr. Tanner como forma de protegê-la.

— Acho que não. Ele me disse que eu deveria casar-me com Tanner o mais depressa

possível, caso contrário nos veríamos em maus lençóis, os dois. Eu não queria, mas

obedeci. Bem, eu tinha dezesseis anos, estava assustada demais com as cenas que

tinha visto na prisão e que eram ainda piores a bordo do navio, se é que isso era

possível. Então fiz o que ele tinha mandado. Meu pai nunca me falou que era para o

meu bem, e teria feito isso se julgasse que se tratava de um ato de nobreza. Ele

adorava ser glorificado, não perderia a oportunidade para tanto. Ora, os homens...

são todos iguais. Não se pode contar com eles para nada.

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— Não, não diga uma coisa dessas! — exclamou Helena. — Não é verdade. Meu pai,

meu marido adorado, Vincent... Ambos eram pessoas boníssimas. Nunca oprimiram

ninguém, não bebiam nem jogavam e sempre punham a família acima de tudo, até

deles mesmos. Vincent, coitado, até deu a vida por este país e pelos homens sob seu

comando. Para ele, o sacrifício era algo natural. Seria uma alegria imensa se meus

filhos vierem a ser como o pai.

— Você teve a sorte de conhecer e conviver com homens bons... — Daisy suspirou.

— É verdade que algumas vezes eles agem com excesso de vaidade. Até mesmo

Vincent ficava todo orgulhoso quando eu lhe dizia como ele ficava bem em seu

uniforme. Mas muitas mulheres também são assim, afinal somos incentivadas a nos

comportar dessa maneira. E se existem homens irresponsáveis, há mulheres que se

equiparam a eles. E nós também seríamos dadas a certas aventuras insensatas, se isso

nos fosse permitido. Não há muitas diferenças entre os sexos, exceto o fato de que os

homens são preparados para serem responsáveis, por isso nos admiramos quando

percebemos que não podemos confiar em alguns deles.

— Nós não os obrigamos a nos darem prazer.

Helena ficou calada por alguns instantes, então balançou a cabeça.

— A maioria dos homens não age assim, Daisy. Nem gostam de fazer isso. Não é

justo culpar a todos se tivemos alguma experiência desagradável com um deles.

— Você está certa. Veja Geoff, digo, o conde. Ele é gentil e generoso e, até onde sei,

nunca tratou ninguém com crueldade, sobretudo uma mulher. Não sou nem capaz

de imaginá-lo fazendo uma coisa dessas. Aliás, tenho certeza absoluta de que ele

nunca faria. É isso o que me faz pensar que ele seria um marido perfeito: bondoso,

educado e sempre atencioso.

— Sei que é impertinência de minha parte indagar, mas... Por acaso você tem planos

de casar-se com ele?

— Claro que sim. Foi por esse motivo que vim para a Inglaterra. Geoff ainda me vê

como a esposa de um homem que ele conheceu, mas muito em breve irei fazê-lo

mudar de idéia. Quanto mais cedo, melhor.

Helena não disse nada.

— Você não aprova meus planos? — quis saber Daisy.

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— Não me cabe aprovar ou desaprová-los. Mesmo assim, não creio que seria

inadequado assinalar que ele tem o dobro da sua idade.

— Sim, mas os homens gostam de esposas mais jovens. O fato de o conde não

necessitar de herdeiros não me incomoda nem um pouco. Pelo contrário, ainda que

não tenhamos filhos, haverá uma porção de netinhos com quem brincar. Você ouviu

quando Daffyd comentou que a esposa dele está esperando bebê, e eu soube que a

esposa de Amyas também está. Não demora e será a vez da esposa de Christian.

Como vê, terei meu colo repleto de crianças se me casar com Geoff!

Helena estava surpresa. Seria possível que aquela jovem cheia de vida estivesse

dizendo nas entrelinhas que não desejava um companheiro igualmente vibrante no

leito conjugal? Mesmo sabendo que corria o risco de perder sua ocupação, ela

resolveu indagar:

— E o processo de gerar crianças? Você não acha que iria sentir falta de... de uma

vida de casal... autêntica? Além do quê, dizem que um homem mais velho não é tão...

Bem, que não possui o mesmo vigor de um rapaz.

— Exatamente. Um homem mais velho não possui mais nem o mesmo vigor físico

nem a mesma disposição mental. As meretrizes que conheci na prisão viviam

dizendo isso. Elas reclamavam do trabalho árduo que era despertar um homem de

meia-idade para... Você sabe o que quero dizer. Para mim, porém, um marido mais...

apático, digamos assim, seria uma benção. Ou então indiferente como o visconde

Haye, que não gosta de mulher.

— O quê! ? O visconde Haye? Você está maluca!? — Helena ofegou. — Perdoe-me.

Não deveríamos estar tendo uma conversa como esta, mas, se tiver de me demitir,

que pelo menos seja pela minha franqueza. E, com a mesma sinceridade com que já

declarei tudo o que penso, vou afirmar com toda a convicção que o visconde Haye é

um dos maiores conquistadores de toda a Londres.

— Não!

— Pensei em alertá-la quanto a isso assim que a conheci, mas julguei que você já

soubesse. Além do mais, nunca ouvi dizer que ele tivesse tentado seduzir a amiga de

um amigo.

— O visconde? — Daisy tinha os olhos arregalados. — Mas ele parece que só se

interessa por roupas e não pelas mulheres que as estão vestindo!

— Você não poderia estar mais equivocada, Daisy. Ele é um notório mulherengo.

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— Mas Haye fala arrastando as palavras, e vive preocupado com modismos e o bom-

tom...

— De fato, ele às vezes é afetado e faz questão de viver aparentando um tédio

profundo, além de entender de modismos e costumes como ninguém. Mesmo assim,

trata-se de um conquistador inveterado que não pode ver um rabo-de-saia. Perdoe

meu linguajar. — Helena suspirou. — Por favor, dê-me uma chance. Prometo que

não tornarei a ser tão atrevida. Desculpe minha franqueza um tanto descabida.

— Ora, Helena, não há nada que perdoar. Preciso de alguém que converse comigo

com sinceridade, sem papas na língua. Vamos, não seja tola. Prometa que sempre,

sempre será honesta comigo, pois é isso que me deixará contente.

— Tentarei. — Helena preferiu não prometer nada, já que havia certas coisas que

jamais teria coragem de apontar... Tais como o fato de que considerava o conde de

Egremont um marido ideal, e não apenas para Daisy Tanner.

Capítulo VI

Assim como os demais homens que passavam por ali, Leland e Daffyd tinham os

olhos fixos em Daisy. Ambos caminhavam pelos Jardins Vauxhall, logo atrás dela, do

conde e de Helena Masters. O crepúsculo se anunciava, e o parque começava a

apinhar-se de aristocratas e pessoas do povo que tinham ido assistir ao espetáculo

noturno.

Daisy se destacava na multidão. Com os cabelos de um loiro luminoso enfeitados por

fitas brancas e uma rosa de cristal na corrente de prata ao redor do pescoço, ela usava

um vestido verde de decote baixo, ornado por um xale xadrez em verde e amarelo.

Parecia resplandecer mais do que o sol que se punha, tanto que chegava a ofuscar o

conde, trajado com um paletó de cor parda, calça escura e botas.

— Sabe de uma coisa? — Leland indagou ao irmão à meia voz. — Acho que ficar

observando e esperando é tolice. Além de que irá deixar a cidade em breve, você não

sabe como interpelá-la. Parece-me que eu sou a pessoa mais indicada para tentar

descobrir o que ela pretende com Geoff.

— Você disse que não iria magoá-la — respondeu Daffyd no mesmo tom.

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Edith Layton – Como Seduzir uma Noiva (Class Históricos 374)

Projeto Revisoras 66

— Diacho! O que está pensando que pretendo fazer? Raptá-la e obrigá-la a confessar

a verdade? O que tenho em mente é apenas uma persuasão amigável. Ela é adulta,

viúva e, segundo você mesmo diz, esteve em lugares bem mais soturnos do que

posso imaginar, portanto deve estar mais do que apta a se defender. Minha idéia não

é outra senão lançar algumas iscas para ver se ela morde. Posso ser um varapau

insensível e mal-humorado, mesmo assim ainda sei como me comportar perante uma

mulher.

— Disso eu nunca duvidei. Você se comporta tão bem que quase rouba minha Meg

de mim.

— Até parece! — Leland fingiu-se ofendido. — Desde quando, a partir do momento

em que conheceu você, sua Meg teve olhos para algum outro homem?

— Ah, está bem. Certo, Daisy sabe tomar conta de si, afinal sobreviveu à prisão, a

Tanner e a Botany Bay. Quem passou por tudo isso não deve ter muita dificuldade

em lidar com você. — Daffyd pensou por um instante. — Veja o que consegue

descobrir, Lee. Se Daisy realmente amar Geoff... então que tenha boa sorte com ele.

Não a conheço tão bem assim, mas, como já lhe disse, estou certo de que se trata de

alguém com boa índole. Ah!, a propósito: ela está rica, sim. As informações que tirei

por aí confirmam a história que ela contou.

— Eu sei, também andei averiguando. Só que a fortuna dela não se equipara à

fortuna do conde. Aliás, poucas pessoas na Inglaterra são tão abastadas quanto

Geoff. Seja como for, vamos ver o que acontece. Se bem que não haverá muito que se

fazer se ela continuar agarrada ao braço de Geoff como um bracelete.

— Não se preocupe. Durante o jantar Daisy terá de largar o braço dele se não quiser

passar fome — zombou Daffyd.

— O jantar aqui se resume a vinho aguado, fatias de presunto finas como papel e

uma ou outra fruta, tudo a um preço exorbitante. Que noite magnífica! — Leland

ironizou. — Assistir a uma queima de fogos de artifício. E pensar que há tantas

outras coisas muito mais interessantes para se fazer...

— Você só pensa nisso?

— Não, também me dou ao prazer de ficar imaginando como seria... — Leland calou-

se ao ver a mulher que se aproximara do conde. — Não acredito no que meus olhos

vêem.

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Edith Layton – Como Seduzir uma Noiva (Class Históricos 374)

Projeto Revisoras 67

Ambos ficaram a olhar para a elegante dama que se detivera para falar com Geoffrey.

Uma senhora de meia-idade, alta, finamente trajada, com a pele muito branca, os

cabelos igualmente claros e olhos de um azul que, mesmo aquela distância, era

surpreendente. Tudo nela era impecável, a começar pelo sorriso visivelmente

ensaiado.

— Nossa querida mãe. Pensei que ela ainda estivesse em Bath — observou Leland

num tom inexpressivo. — Você sabia que ela havia retornado à capital?

— Por que haveria de saber? — Daffyd deu de ombros. — Ela só me procura quando

precisa de mim. E até hoje não me reconheceu perante o restante do mundo. Não que

isso me surpreenda, afinal ela me abandonou quando eu tinha pouco mais de uma

semana de vida e não voltou a me procurar até que eu desse o ar de minha graça pela

cidade no ano passado. Está lembrado? Não que eu me importe, evidentemente.

— Posso dizer o mesmo, já que a mim ela abandonou quando eu tinha três anos de

idade para fugir com seu pai e só reapareceu um ano mais tarde porque ele a

surrava. Está lembrado? — Leland sorriu com certa frieza. — Não, você não lembra

porque tinha acabado de nascer. Mas essa foi uma das poucas coisas que ela fez de

que gostei, pois quando vim á conhecê-lo e nos tornamos amigos, foi como se minha

vida estivesse recomeçando. Meu irmão caçula tem mais sorte, já que está no colégio

interno e quase nunca a vê. Eu, infelizmente acabo encontrando com ela em eventos

sociais com uma freqüência muito maior do que aquela que seria conveniente paia

qualquer um de nós.

— Deus! — exclamou Daffyd. — O que será que ela fará com Daisy?

— Picadinho — disse Leland, antes de ir cumprimentar a mãe.

— Querido Haye. — A viscondessa viúva Haye ergueu o rosto para encostá-lo de

leve no rosto de Leland. — Daffyd. — Ela o cumprimentou com um leve aceno de

cabeça. — Céus, isto está parecendo um passeio em família.

— Permita-me lhe apresentar a sra. Tanner, velha amiga minha e de Daffyd —

interveio o conde. — E como o visconde Haye juntou-se a este círculo de amizade,

viemos os três trazê-la à cidade para lhe mostrar alguns pontos turísticos.

— Você nunca tinha assistido à queima de fogos? — perguntou a viscondessa a

Daisy, examinando-a das fitas nos cabelos ao bico dos sapatos. E sem deixar de

erguer uma sobrancelha ao pronunciado decote do vestido verde.

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Edith Layton – Como Seduzir uma Noiva (Class Históricos 374)

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Daisy, que sorria, sentiu o sorriso congelar nos lábios ao perceber como a

aristocrática senhora não só a media de cima a baixo, como também conseguia

criticá-la sem emitir uma palavra sequer.

— Fogos de artifício? — ela conseguiu dizer. — Vi uns poucos em algumas

celebrações, porém não como os que, suponho, são apresentados aqui em Londres.

Dizem que aqui os fogos são de entorpecer a mente, e eu tenho uma mente que está

ansiosa por ser entorpecida.

Ela riu, os três cavalheiros também. A viscondessa não fez mais do que curvar os

lábios na imitação de um sorriso antes de dizer com frieza:

— Sei. E você está na cidade, vinda de onde?

Como nem o conde nem Daffyd nem Leland viessem em seu socorro, Daisy teve de

se resignar à verdade.

— Fui criada em Sussex — ela afirmou com seu sorriso radiante —, então vim para

Londres com meu pai. Passamos um período na prisão de Newgate, depois fizemos

uma viagem ao outro lado do mundo. Meu pobre pai nem chegou a descer do

navio... vivo, melhor dizendo. Eu fiquei em Botany Bay, que era nosso destino, e, ao

me ver livre novamente, resolvi retornar à Inglaterra.

— Ah. — A viscondessa nem piscou. — Uma amiga do conde dos velhos tempos. E

seu marido, veio com você?

— Bem que ele gostaria, se não tivesse morrido. De modo que eu estaria

completamente só se o conde, Daffyd e o visconde Haye não tivessem se apiedado de

mim. Eles são muito gentis para com as viúvas, como a senhora deve saber.

— Devo? — A viscondessa tornou a erguer uma sobrancelha. — Eu não fazia idéia de

que os três fossem tão caridosos. Que sorte a sua poder contar com amigos tão bons.

Seu marido foi companheiro do conde naqueles dias? Foi assim que vocês se

conheceram?

— Estou surpreso, sra. Tanner, pois não sabia que você estava postulando um

emprego junto à minha mãe — interpôs Leland. — Para que ocupação, pode-se

perguntar?

— Eu apenas queria saber como uma criatura adorável como a jovem sra. Tanner

veio a tornar-se amiga de um homem na idade e da posição social do conde, Leland

— a mãe dele retrucou com rispidez.

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Edith Layton – Como Seduzir uma Noiva (Class Históricos 374)

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— Meu estado de saúde não poderia ser melhor, milady — disse Geoffrey, curvando-

se levemente. — Obrigado por se preocupar.

— Deus meu, os cavalheiros correm a enfrentar dragões por você, não é verdade, sra.

Tanner? Seja como for, peço perdão se fui excessivamente curiosa. — A viscondessa

estreitou os lábios numa linha fina, então se dirigiu a Geoffrey: — Não era minha

intenção insinuar que sua forma física fosse menos do que excelente, milorde. Basta

olhar para o senhor para se ter certeza disso. Ainda assim, estou surpresa por

encontrá-lo aqui hoje, afinal todos sabem que ficar em casa é seu passatempo

predileto.

— Realmente, não tenho grande apreço por bailes ou saraus — ele confirmou. — Mas

creio que terei de me habituar a deixar a tranqüilidade do meu lar mais amiúde, já

que pretendo mostrar um pouco da alegria de Londres à sra. Tanner.

— Não quero que se sinta na obrigação de fazer o que não gosta por minha causa —

disse Daisy com um sorriso. — Posso muito bem passar sem bailes ou saraus, pois foi

assim que vivi minha vida inteira.

— Você irá desfrutar deles, sim. — Geoffrey bateu de leve na mão que ela apoiava

em seu braço. — Especialmente porque nunca teve a oportunidade de fazê-lo.

— Há certas perguntas que não se devem expressar — observou a viscondessa —,

porém às vezes é impossível não fazê-lo. Por acaso a sra. Tanner freqüentaria tais

eventos se não tivesse deixado a Inglaterra?

Um silêncio denso perpassou o grupo de pessoas diante da dama, mas nem os lábios

que Leland crispara em sinal de indignação tiveram como fazê-la calar-se.

— Minha pergunta tem por intuito poupar os sentimentos da sra. Tanner, não feri-

los. Londres é uma cidade repleta de atrativos, ninguém discorda, mas uma pessoa

de fora só encontrará prazer em visitar determinados lugares se se adequar a eles.

— A menos que tal pessoa seja perfeita na arte da dissimulação e saiba trajar-se e

falar como uma autêntica dama ou um autêntico cavalheiro — disse Leland num tom

gélido.

— Eu mesmo já fiz isso inúmeras vezes, milady — assinalou Daffyd. — Como a

senhora bem sabe.

— É verdade — confirmou a mãe dele. — Mas continuo pensando que a sra. Tanner

não se sentiria feliz ao ver-se tomada por uma mera desconhecida, ou coisa pior,

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sobretudo se estiver apoiada no braço do conde de Egremont. Por aqui, os boatos se

espalham como se seguissem um rastilho de pólvora.

Chocados, os demais se entreolharam. Aquilo não eram alusões que se fizessem a

uma jovem viúva, aristocrata ou não aristocrata. Daisy, que também sabia disso,

afirmou:

— As pessoas que falem e fofoquem o quanto quiserem, milady. Aliás, motivos elas

terão de sobra, já que fui prisioneira em Botany Bay por conta dos delitos de meu pai,

sir Richard Searle, dos Searle de Sussex, uma família bastante tradicional da região,

que perdeu tudo o que tinha, inclusive os amigos, por causa do jogo e da bebida.

Levando a mão enluvada dela aos lábios, Geoffrey beijou-lhe os dedos antes de

declarar:

— O fato de você ter sido punida foi um crime muito maior do que qualquer delito

tolo que seu pai veio a cometer por simples irresponsabilidade.

— Pronto, está feito — comentou Daffyd com o meio-irmão assim que ambos se

afastaram do grupo após se despedirem da viscondessa. — Ataque a acompanhante

de um homem digno e ele se verá casado com ela num piscar de olhos.

— Não aquele homem digno, ou pelo menos não se ela não for tão digna quanto ele,

isso eu lhe prometo — Leland retrucou. — Já lhe disse, deixe que eu resolva esse

assunto. Agora, finja que está se divertindo ou então vá procurar um lugar sossegado

onde escrever poemas de amor para ler para Meg quando chegar em casa. Deixe que

eu veja o que é possível fazer.

— Duvido que até mesmo você seja capaz de pressioná-la depois de tudo o que

houve. Com certeza Geoff está pronto para defendê-la a unhas e dentes ao menor

sinal de perigo.

— Pode ser que sim. Pode ser que não. Mas talvez eu consiga descobrir por que

aquela sirigaita está tão apaixonada por ele. Se ela estiver. Caso não esteja, quero

saber por que ela quer que Geoff pense exatamente o contrário.

— E você está fazendo tudo isso pelo conde, Lee?

— Você me conhece. Tudo o que se faz em nome da amizade pode ser considerado

um ato desinteressado, mas quando se tem um pouco de sorte, a generosidade

também traz em si certos benefícios.

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— Detesto ter de deixá-la sozinha — disse o conde a Daisy uma hora mais tarde,

hesitando ao se erguer da cadeira.

— Sozinha? — Ela riu. — Há centenas de pessoas à nossa volta esta noite.

— Milhares — Geoffrey a corrigiu. — Mas você ficará sozinha à mesa.

— Não será por muito tempo. Helena disse que não demoraria, e você estará aqui

perto. Além do quê, faz bem ficar um pouco só, simplesmente descansando. Não vejo

a hora de assistir ao espetáculo, mas os fogos somente serão disparados quando o céu

estiver bem escuro, e você sabe como a noite cai tão lentamente nesta época do ano.

— Ela suspirou. — Ficarei bem, Geoff. Você disse que aquele senhor ali é um velho

amigo, e seria falta de consideração da sua parte acenar para ele e não ir até lá

cumprimentá-lo. Já eu não o conheço, então não me sentiria à vontade indo até lá

sem ter sobre o que conversar. Por favor, não se preocupe comigo. Estarei aqui à sua

espera.

O conde titubeava. Daffyd, que também fora cumprimentar um conhecido, arrastara

Leland com ele. Aonde Helena Masters fora Geoffrey não sabia, tampouco lhe cabia

perguntar.

Com vistas a celebrar o breve verão inglês, a área ao ar livre destinada ao jantar fora

montada ao redor de uma praça circular. O setor onde eles se achavam era o mais

sossegado, com mesas pequenas e circundado por um gradil enfeitado. A cobertura

apoiada em estacas altas não impedia a circulação de uma aromática aragem

primaveril. Em virtude do preço do jantar, por ali só se viam pessoas das altas

classes.

A melodia suave que chegava com a brisa era proporcionada por um grupo de

músicos nos fundos do grande salão armado ao ar livre. Havia archotes por todos os

lados, assim como vasos repletos de flores. Os londrinos sabiam fazer dinheiro a

partir de qualquer espetáculo, e a noite de queima de fogos atraía grandes multidões.

Os mais ricos jantavam ali; as pessoas comuns se serviam dos pratos que haviam

trazido de casa ou dos petiscos vendidos pelos ambulantes.

— Vá, sim — Daisy tornou a encorajá-lo. — Seu amigo não pára de olhar para cá, e

eu já estou começando a me sentir culpada.

— Está bem — concordou Geoffrey. — Mas se alguém vier a importuná-la, chame

um garçom.

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Projeto Revisoras 72

Daisy sorriu enquanto via o conde se afastar. Então, recostando-se ao espaldar da

cadeira, fechou os olhos e desfrutou do prazer de ter a brisa da noite a lhe agitar de

leve os cabelos. Satisfeita, sentiu-se relaxar. Estava de volta à Inglaterra, e agora

absolutamente livre. Geoff não só gostava dela, como era ainda o homem cordial e

generoso que ela conhecera em Botany Bay. Se tudo corresse como previa, em breve

ele viria a amá-la, ou talvez até se resolvesse por adotá-la, como havia feito com

Daffyd e Amyas. O mais provável, porém, era que o conde se casasse com ela. E tudo

terminaria de acordo com seus planos.

No fundo, não precisava de muito para ser uma mulher feliz. Encantava-se com

roupas novas, assim como com o fato de simplesmente achar-se em Londres. Ir à

ópera e ao teatro provocava-lhe imensa satisfação, mas também estar ali naquela

noite, fazendo uma caminhada pelo parque, antes de um jantar requintado e da

queima de fogos que...

— Que vergonha! — soprou-lhe uma voz conhecida no ouvido. — Deixaram você

sozinha? Miseráveis... Isto é o mesmo que largar uma pérola numa almofada de

veludo à vista de todos e sem nenhum guarda por perto. Mas não se preocupe, eu

estou aqui.

A voz de Leland fazia os pêlos dos braços e da nuca de Daisy arrepiarem-se, efeito

semelhante ao produzido pelo delicioso aroma de sândalo que envolvia aquele

homem.

— Quem quer que se arriscasse a tocar, nessa tal pérola acabaria perdendo a mão —

ela retrucou sem abrir os olhos e logo a seguir, ouviu-o acomodar-se na cadeira ao

lado da sua. — Não nasci ontem, milorde.

— Milorde? — ele indagou num tom provocante, quase íntimo. — Por que "milorde",

se você trata o conde por Geoff e Daffyd pelo nome? Estou me consumindo de ciúme.

Por favor, sinta-se à vontade para me chamar de Lee, Leland ou mesmo Haye, se

preferir. Ou querido Lee, ou meu amor, se preferir.

— Nem em pensamentos, milorde. — Daisy mantinha os olhos cerrados.

— Ofendi você com meu atrevimento?

— Não. Afinal eu mal o conheço.

— Ah, isso pode ser facilmente remediado. Vamos começar conversando um

pouquinho.

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Era muito mais fácil conversar com o visconde quando imaginava que ele não

gostasse de mulheres. Agora, sentia-se quase constrangida na presença dele. E não

era apenas isso. Leland estava diferente: antes abusava da ironia, sabia ser distante e

mostrar-se desinteressado, agora, ou porque ela descobrira a verdade ou porque ele

realmente assim o quisesse, o visconde não só se sentava perto demais como ainda

lhe falava num tom que parecia buscar... intimidade, talvez?

Era por esse motivo que Daisy mantinha as pálpebras cerradas. Na última vez em

que haviam conversado, fitara-o nos olhos e, de alguma maneira, ele se aproveitara

disso para vencer suas defesas.

— Conversar com você? — ela indagou. — Se o diálogo revelasse verdades, não

existiriam guerras.

— Um pensamento sábio, certamente.

— Meu pai costumava dizê-lo e, como você bem sabe, ele não era nada sábio.

— Interessante. E então, vai abrir os olhos ou minha presença ofusca sua visão?

— Estou tentando acostumar minha vista à escuridão — Daisy mentiu. — Daffyd me

disse que se fecharmos os olhos antes do início do espetáculo, então os fogos nos

parecerão ainda mais fulgurantes.

— É verdade. Pena que ainda vá demorar mais de uma hora para a queima começar.

Se mantiver os olhos fechados até lá, é provável que você acabe pegando no sono.

— Não se você continuar falando.

Leland riu.

— Não posso evitar. Fico sentado aqui, sem ter o que fazer, começo a me sentir

sozinho. Além do mais, o conde me viu vir para cá. O que ele não irá pensar se me

vir abandonando sua mesa outra vez? Sou um cavalheiro inglês, não posso deixar

uma dama sozinha em plena noite.

— Não sou uma dama.

— Mesmo correndo o risco de ser rude, vejo-me na obrigação de desdizê-la. Você

nasceu uma dama e assim foi criada. O que houve depois não altera essa realidade.

Abrindo os olhos de súbito, Daisy fitou-o de um modo duro.

— O que houve me transformou para sempre, milorde. Tente viver você na prisão de

Newgate antes de ser levado num navio-cárcere para um lugar completamente

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desconhecido, repleto de malfeitores, onde tem de lutar dia a dia para sobreviver e

ainda por cima ter de se casar com...— Ela tentou engolir o nó que sentia na garganta.

— Bem, tudo isso seguramente mudaria você para sempre. Não consigo mais me ver

como uma dama.

— Isso significa que também deixou de ver o conde como um cavalheiro?

— Não foi isso o que eu quis dizer. É claro que ele é um cavalheiro. Sempre foi e

sempre será.

— Sim, e o mesmo se dá com você. — Inclinando a cabeça para o lado, Leland sorriu.

— Por outro lado, há certas damas que sempre serão comuns e certas mulheres do

povo que sempre serão damas, apesar de tudo o que as pessoas de minha classe

social possam dizer em contrário. Isso não se pode mudar. Não se pode evitar. E você

precisa parar de negar sua essência. Afinal, não quer que o conde venha a acreditar

nisso, quer?

A claridade dos archotes conferia uma tonalidade aos olhos dele que se assemelhava

ao matiz com que o céu diurno cedia seu lugar à noite: um azul carregado e, ao

mesmo tempo, cristalino. Olhos cálidos e intensos, que pareciam perscrutar a alma

dela. Estremecendo, Daisy teve vontade de se achegar ao calor que o olhar de Leland

prometia, mas então se lembrou de que o visconde era um homem viril como outro

qualquer, igual a tantos outros que ela conhecia.

— Geoff me conhece — comentou com a naturalidade de que foi capaz, desviando os

olhos dos dele para pousá-los sobre as próprias mãos, entrelaçadas sobre seu colo. —

Nunca tentei enganá-lo. Nem creio que conseguiria. E se ele me vê como uma dama,

tentarei ser uma dama.

— Não se trata de tentar, tampouco é uma questão de ares e trejeitos. Ser uma dama

ou um cavalheiro é algo que tem a ver com a honra e o coração. Se bem que, para a

sociedade, isso não faz a menor diferença. Minha mãe, que felizmente está ocupada

demais ou fingindo-se ocupada demais à mesa dela para prestar atenção a nós, é tida

por todos como uma grande dama, mas não o é. O conde é um cavalheiro, e não

apenas por ter nascido como tal. E você é uma dama, ainda que não possua um título

de nobreza.

— E você? — Daisy não resistiu ao impulso de fitá-lo demoradamente.

— Eu? — O sorriso dele assumiu um quê de melancolia. — Não sei. Tento ser um

cavalheiro. De verdade. Porém não posso afirmar com segurança se sou bem-

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sucedido. Quem sabe você mesma não me diz a resposta quando vier a me conhecer

melhor?

— Eu não...

— Você virá a me conhecer, sim, sra. Tanner. Garanto-lhe que cuidarei para que isso

aconteça.

Daisy não conseguia dizer se isso era uma promessa ou uma advertência, mesmo

assim se sentiu tanto ameaçada quanto desafiada... e profundamente estremecida.

Capítulo VII

— Pronta para ir ver a queima de fogos? — convidou Geoffrey ao retornar à mesa

que ocupavam.

— Ir ver?! — Surpresa, Daisy virou o rosto para encará-lo. A pergunta de Geoff dera

fim ao estranho torpor provocado pelo olhar intenso do visconde. Ela então correu a

apanhar o xale e se levantar. — Sim, certamente. Mas por que temos de ir a algum

lugar?

— Para termos uma visão melhor do espetáculo — o conde explicou. — Sua dama de

companhia já não deveria estar de volta?

— Ah, como sou distraída! Claro que sim! Helena foi à ala onde ficam os toaletes

tirar a meia que rasgou e não voltou até agora, e eu não havia me dado conta disso.

Santo Deus, é perigoso uma mulher andar por aí à noite sem companhia! Precisamos

encontrá-la.

— Não se preocupe — disse Leland. — O povo humilde não pode entrar nesta área

do parque.

— Não é com o povo humilde que estou preocupada — retrucou Daisy. —

Cavalheiros também fazem sua dose de malfeitorias, e Helena é uma mulher

bastante vistosa. Vamos.

— Como ela está vestida? — indagou Geoffrey.

— De lilás — foi Leland quem respondeu. — Ela sempre usa lilás.

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— Em breve será diferente — afirmou Daisy, olhando feio para ele. — Helena já

encomendou um vestido amarelo-açafrão e outro vermelho, ambos muito bonitos.

— Esperem... — Leland ergueu a cabeça para espiar por sobre a multidão. — Ela vem

vindo.

Daisy esperou que sua dama de companhia se aproximasse e, mãos nos quadris,

interpelou-a:

— Por onde você andava?

— Desculpe-me pela demora, mas a fila estava imensa. — Ao perceber que todos

tinham os olhos fixos nela, Helena sentiu-se corar. — Perdão por tê-los feito esperar

por mim.

— Não precisa se desculpar, só não fique sozinha por aí novamente — Daisy a

repreendeu.

— Você está zangada comigo, não é?

— Não é isso. — Daisy pôs-se a calçar as luvas. — Você trabalha para mim, é minha

obrigação cuidar para que nada de mal lhe aconteça.

— Ah, lá está Daffyd — disse Leland. — Vamos?

Assim que eles o alcançaram, Daffyd provocou o meio-irmão:

— Dê adeus para a mamãe. Ela está olhando para cá. — Um pouco mais sério, ele

indagou: — Por que esse súbito interesse por nós, não?

— Por nós ou pela sra. Tanner? — retrucou Leland. — Ou por Geoff? Ou pelo fato de

estarmos todos juntos? Bem, a verdade é que nunca se sabe o que desperta o

interesse da viscondessa, nem por quê. — Erguendo a voz para se fazer ouvir pelo

conde e por Daisy, que caminhavam um pouco adiante seguidos de perto por

Helena, ele acrescentou: — Sei de um bom lugar de onde assistirmos à queima de

fogos.

— Então nos leve até lá — pediu Geoffrey.

— Não, seguiremos o protocolo — respondeu Leland. — Um conde guia seu grupo,

nós iremos atrás. Sra. Masters, pegue, no meu braço, por favor.

— Obrigada, mas não é preciso — disse Helena.

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— Permita-me discordar. — Leland ofereceu o braço a ela. — Este é um local público

e, fora do alcance da claridade dos archotes, tudo pode acontecer. E como gosto de

me passar por herói, peço-lhe a gentileza de aceitar minha companhia.

Helena fez como ele pedia, e todos continuaram a caminhar pelo passeio de pedras.

O parque estava apinhado de londrinos de todas as camadas e posições sociais. O

espetáculo proporcionado pela queima de fogos era gratuito, mas não era esse o

único motivo pelo qual a população acorria ao evento. Como nas feiras e bailes de

máscaras ao ar livre, muitos vinham pela rara oportunidade de misturarem-se

livremente com pessoas que jamais encontrariam nos eventos sociais que

costumavam freqüentar.

— Mãos nos bolsos, cavalheiros — alertou Leland. — A multidão se aglomera e os

batedores de carteira se regozijam.

Quase no mesmo instante, Daisy estacou no lugar levando a mão à boca. Enquanto o

conde lhe perguntava o que havia se passado, Leland e Daffyd sondavam os

arredores com olhares atentos.

— Deus do céu! — Ela levou a mão ao coração que batia descompassado. — Posso

jurar que acabei de ver Oscar Wilkins, um amigo de Tanner! Oh, ele é uma pessoa

desprezível!

— Não terá sido impressão? — indagou Geoffrey.

— Sim, não devia ser Oscar, ou ele teria corrido ao nosso encontro só para nos dar

um "alô" — argumentou Daffyd. — Você se acha em excelente companhia, Daisy, e

Oscar nunca foi de deixar passar uma boa oportunidade.

— Nem me fale! — ela exclamou, nervosa. — Você acredita que ele me propôs

casamento logo depois que Tanner se foi? E não queria saber de aceitar um "não"

como resposta, veja só! Tenho horror só de olhar para aquele homem. Tive de

ameaçá-lo com a polícia para que ele deixasse de me importunar. — Ao perceber que

Leland olhava para ela com um ar divertido, Daisy ergueu o rosto. — Quase não há

mulheres morando em Port Jackson. Até uma mula receberia uma proposta de

casamento se usasse uma flor atrás da orelha.

— Minha cara, mesmo que lá houvesse mulheres suficientes para fazer filas triplas de

costa a costa, você receberia a maior parte das propostas — ele declarou, sem deixar

de fitá-la nos olhos.

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Ao reconhecer que havia sinceridade e admiração naquelas palavras, Daisy irritou-se

com ela mesma quando sentiu o coração voltar a disparar. Tentando aparentar

naturalidade, afirmou:

— Talvez, mas tenha em mente que recebi um bom dinheiro depois que Tanner veio

a falecer. Isso pesa mais do que boa aparência, em qualquer lugar onde se esteja.

— Ela não admite — disse o conde com uma pontinha de orgulho — nem quer ouvir

falar do assunto.

— Não admito o quê? — quis saber Daisy, temendo que pudessem estar zombando

dela.

— Que é uma mulher encantadora — disse Geoffrey. — Foi isso o que Lee quis dizer.

— Não apenas encantadora, mas também atraente e muito sagaz — emendou

Leland. — Uma combinação rara, em qualquer país.

Daisy conteve um suspiro. Elogios lhe faziam bem, mas também a incomodavam,

especialmente quando vinham de homens cujo único propósito era impressioná-la.

Geoff, porém, parecia sincero. E o visconde... Bem, no visconde era impossível

acreditar até mesmo se ele lhe dissesse que o nome dela era Daisy Tanner.

Como se lhe adivinhasse os pensamentos, Leland endereçou-lhe um sorriso antes de

dizer:

— Vamos indo, já que a sra. Tanner não acreditaria em mim por nada neste mundo.

E é melhor nos apressarmos, pois o céu está completamente escuro e os fogos não

devem demorar a espocar.

Com a mão no braço do conde, Daisy voltou a caminhar ao lado dele, exatamente

como fizera em seus sonhos antes de vir para a Inglaterra. Agora, entretanto, um

cavalheiro seguia logo atrás de ambos, alguém cuja presença ela, por mais que qui-

sesse, não tinha como ignorar. Saber que o visconde gostava de mulheres, e sentir-se

incrivelmente feminina perto dele, era algo que a deixava alarmada.

— Vamos até aquela árvore ali, depois desceremos o passeio à esquerda em direção

ao lago — anunciou Leland. — A claridade da iluminação pública não chega até lá, e

o reflexo dos fogos na superfície da água é um espetáculo à parte. Além do mais, lá

deve estar bem menos apinhado de gente do que por aqui.

— Eu tinha me esquecido do lago — admitiu Geoffrey. — Onde foi buscar idéia tão

boa, Lee?

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Edith Layton – Como Seduzir uma Noiva (Class Históricos 374)

Projeto Revisoras 79

— Ora, eu moro em Londres, não moro?

— Certamente, só que não consigo imaginá-lo vagueando à noite pelos parques da

cidade. Pensei que você passasse todo o seu tempo junto à alta sociedade, em bailes e

teatros e lugares assim.

— Não, não gasto todo o meu tempo do modo como você imagina. Geralmente os

passatempos mais interessantes são também os mais banais.

— Santo Deus! — O conde riu. — Vindo de você, até meras trivialidades soam como

algo extremamente concupiscente!

— Esse é um dos dons inatos de Leland — observou Daffyd. — Fechem seus

ouvidos, Daisy e sra. Masters. Quando quer, Lee pode transformar uma simples

borboleta numa criatura lasciva.

— As borboletas são criaturas lascivas — disse Leland com candura. — Toda aquela

palpitação de flor em flor, a passagem de larva a beldade da natureza, o sugar do

doce néctar das plantas... Não me provoquem, ou acabarei fazendo a sra. Masters

corar.

— Eu não sabia que você estudava a vida dos insetos, milorde — comentou Helena

com um risinho.

— Ele entende de qualquer assunto — disse Daffyd. — Ou pelo menos é assim que

quer que pensemos.

Haviam chegado ao fim do passeio de pedras, que desembocava num gramado

muito bem aparado diante do lago. Tudo ao redor estava mergulhado em densa

penumbra. No céu a lua era como uma foice, e a única claridade nas redondezas

vinha do outro lado do lago, onde os archotes, ao longe, derramavam pontos

bruxuleantes sobre as águas escuras. Também a distância, a música suave parecia

perpassar o ar.

— Lee, você está de parabéns — disse o conde. — Sem sombra de dúvida, este é o

melhor lugar de Londres de onde se assistir à queima de fogos.

— Não, talvez melhor ainda seja a varanda nos fundos do palácio real, só que lá

nosso príncipe quer que todos prestem atenção a ele e não aos fogos — Leland

retrucou. — Pena que haja um só banco por aqui, mas pelo menos se acha deso-

cupado. Damas?

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Edith Layton – Como Seduzir uma Noiva (Class Históricos 374)

Projeto Revisoras 80

— Prefiro ficar em pé — afirmou Daisy, pouco antes que um cometa lançado da terra

cruzasse o céu sobre o lago para se desfazer em inúmeras lanças douradas. Batendo

palmas, ela exclamou: — Oh! Vejam!

Pouco depois granadas prateadas espocavam pelo ar, seguidas de perto por outras

verdes, vermelhas e azuis, algumas troando e retumbando como fogo de artilharia,

outras zunindo e ciciando pelo céu antes de arrebentarem na forma de centelhas,

flores ou circunferências imensas. Despedaçando a escuridão da noite com explosões

de luzes, os fogos cintilavam pelo ar e o lago manso ali embaixo espelhava o

espetáculo.

Com o rosto voltado para o firmamento, Daisy sentia-se vibrar. Ela não sabia, mas os

três cavalheiros do quando em quando a olhavam de soslaio, sorrindo para si mesmo

ante a expressão maravilhada que viam num rosto tão belo.

Fazia quase um minuto do estouro da última bomba, e as centelhas cintilantes já

tinham dado lugar à névoa azulada de pólvora, mesmo assim nenhum dos cinco

arriscava-se a dizer o que quer que fosse. Ao cabo de mais alguns instantes, coube a

Daisy romper o silêncio que era fruto do mais puro arrebatamento:

— Um espetáculo digno do preço do ingresso!

— Este evento é gratuito — Leland lembrou-a.

— Para mim, não — ela ressalvou. — Tive de cruzar um oceano, e olhe que eu havia

jurado nunca mais colocar meus pés num navio. Mas, sem brincadeiras: foi uma

maravilha. Quando haverá outro?

— Vamos nos informar, assim não o perderemos — prometeu Geoffrey, rindo. —

Espetáculos como este, e outros ao ar livre, são comuns em Londres no verão.

— Oh! — fez Daffyd. — Isso quer dizer que você está planejando desistir de sua

viagem rotineira a Egremont e permanecer em Londres para acompanhar Daisy aos

eventos da capital, Geoff?

Após alguns instantes de expressivo silêncio, o conde sorriu para ela, indagando:

— E por que não? Você gostaria, Daisy?

— Oh, sim — ela respondeu num sussurro.

— Perfeito — Leland comentou com o meio-irmão assim que retornaram ao passeio

de pedras, após Helena Masters ter retomado seu lugar junto a Daisy. — Por que

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Projeto Revisoras 81

você não perguntou logo de uma vez: "Ora, Geoff, você não teria coragem de deixar

essa pobre beldade sozinha e desamparada por aí, teria?".

— Pode deixar, eu mesmo já me amaldiçoei pelo que fiz — retrucou Daffyd por entre

os dentes. — Droga, como pude ser tão inábil? E agora, o que faremos?

— Você, estimado irmãozinho, não irá fazer mais nada, porém eu continuarei

tentando. Que ela seja capaz de apanhar Geoff no laço são favas contadas. Mas antes

que isso aconteça, hei não só de descobrir o porquê de Daisy querer enredá-lo, mas

também de impedir que ela seja bem-sucedida.

— Pelo bem dele? — Daffyd quis saber.

Não houve resposta.

Ao final da alameda, o conde se deteve diante da enorme profusão de pessoas que

zanzava de um lado para outro.

— Deus, que multidão. Vamos tomar um sorvete? — ele ofereceu a Daisy. — Assim

esperamos até que essa aglomeração de gente se disperse um pouco. Muitos têm de

trabalhar amanhã cedinho, o que não é o nosso caso. Não prefere deixar que eles

sigam na nossa frente? Minha carruagem está à nossa espera, não há por que ter

pressa.

As pessoas se moviam como um rio de gente em direção às saídas do parque, e ela

detestava ver-se presa em meio a aglomerações. Já pronta para aceitar a sugestão do

conde, Daisy o encarou e, antes que pudesse dizer alguma coisa, percebeu uma

movimentação estranha com o canto dos olhos. Logo a seguir, o visconde foi

arremessado de encontro a ela, que, mesmo encolhendo-se toda, ainda teve tempo

para ver o homem que se afastava correndo dali.

— Minha carteira! — Daisy exclamou ao se dar conta de que seu braço de súbito lhe

parecia leve demais. — Aquele miserável cortou a alça da minha carteira e fugiu com

ela! Peguem o ladrão! Aquele homem com um lenço vermelho no pescoço imundo! O

bandido levou minha carteira!

Se havia algo que os londrinos apreciavam mais do que um espetáculo de queima de

fogos era assistir a uma perseguição, especialmente em defesa de uma bela dama.

Dama essa que xingava e amaldiçoava o punguista com todos os impropérios que lhe

vinham à cabeça e que, livrando-se do acompanhante que lhe segurava o braço,

partiu atrás do bandido.

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Ajudado pelas pernas longuíssimas, Leland foi ainda mais rápido e pôs-se no encalço

do ladrão, cujo lenço vermelho ao redor do pescoço era como uma baliza a guiá-lo

em meio à multidão. O homem, que não demorou a perceber que era seguido não só

pelo aristocrata muito esguio, mas também por um grupo de londrinos que vinha

logo atrás brandindo o punho e gritando xingamentos, apavorou-se e não hesitou em

lançar a carteira de Daisy na direção de seus perseguidores. E enquanto todos se

detinham no intuito de recuperar o objeto roubado, o punguista desapareceu por

uma alameda escura.

— Oh, aí está... Muito obrigada — Daisy conseguiu agradecer entre arquejos ao

senhor de rosto afogueado que lhe devolvia sua carteira.

Pouco depois o conde os alcançava e, apesar de esbaforido, chegou a tempo de

recompensar o indivíduo que havia recuperado a carteira com um guinéu de ouro.

— Ele se foi — disse Daffyd num tom desgostoso ao emergir da alameda por onde o

ladrão escapara.

— Deixe, não faz sentido em ir ao encalço do ladrão já que Daisy conseguiu reaver a

carteira — assinalou Geoffrey, ainda ofegante.

Ao ver que a multidão que os rodeava começava a se dispersar em direção às saídas

do parque, Daffyd comentou:

— Não se aborreça, Lee. Foi por muito pouco que você não conseguiu alcançá-lo.

— Bem, sim... — Subitamente atordoado, Leland passou a mão pelos cabelos. — Não

é fácil correr com estes sapatos de noite. Se estivesse com minhas botas, eu o teria

apanhado.

— Você está tão pálido, milorde — observou Helena com uma expressão

consternada. — Por acaso não se sente bem?

— Ele está branco como cera — afirmou Daisy. — Venha sentar-se, visconde.

— Não, obrigado, estou bem assim. — Leland levou a mão ao peito no costumeiro

gesto que usava para expressar sinceridade, porém em seguida baixou os olhos e

franziu a testa. Seus dedos estavam cobertos de sangue.

Daisy ofegou ao ver a mancha vermelha espraiando-se pela parte dianteira do paletó

dele.

— Parece que aquele sujeito não queria somente a sua carteira, mas também tirar a

minha vida. — Leland tinha os olhos fixos na mão ensangüentada. — Se eu me

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sentar, não conseguirei me pôr em pé novamente. Assim sendo, por que não vamos

indo?

— Você precisaria se deitar — Daisy comentou com o visconde.

— Se eu fizesse tudo o que devo, seria um homem muito diferente do que sou e

certamente mais infeliz — retrucou Leland num tom amável. — Não se preocupe.

Além de não haver espaço nesta carruagem para um varapau como eu deitar-se, não

é necessário.

Como o visconde tivesse sido apunhalado no peito, ninguém tinha certeza de que ele

se encontrava tão bem quanto afirmava estar. Geoffrey e Daffyd mantinham-se junto

a ele, que viajava com a cabeça tombada para trás. Acomodada em frente aos três, ao

lado de Helena, Daisy continuava extremamente preocupada, não só pela palidez do

rosto do ferido, mas também pela quantidade de sangue que via no paletó claro.

— Nenhum órgão vital foi atingido — Leland observou —, ou eu não estaria aqui

conversando com vocês. Tampouco estou me sentindo à beira da morte. O que mais

me dói é ter sido visto em público com as roupas sujas de sangue. Isso jamais tinha

me acontecido.

Daffyd fez um muxoxo impaciente antes de dizer:

— Bem, pelo menos já pedimos ao médico que fosse vê-lo o mais depressa possível.

— Mas este não é o caminho para a minha casa — notou Leland ao olhar pela janela.

— Não — confirmou o conde. — Você ficará comigo. Não quero correr o risco de

deixá-lo sozinho e vir a saber que você não se cuidou como deveria, Lee. Todos

conhecem o pouco-caso com que você trata a própria vida. Você leva uma punha-

lada no peito, avalia a extensão do ferimento, cobre o corte com um lenço de pescoço

e diz que está ótimo. Isso não está certo.

— Pior seria se eu tivesse dito que estava morto. — Apesar da disposição para

brincar, Leland ficava mais pálido a cada instante, o que fazia os demais trocaram

olhares preocupados. — O que você queria que eu fizesse, Geoff? Que me pusesse a

gemer?

— Não, que encarasse um caso sério com seriedade.

— Sobrevivi a coisas piores, acredite-me. De qualquer modo, aceitarei sua

hospitalidade de bom grado, pois... — A voz dele vacilou, seus olhos se fecharam. Os

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outros quatro se sobressaltaram. Tornando a abrir os olhos, Leland concluiu: —

...pois meu criado de quarto teria uma síncope se me visse neste estado.

Ansiosos demais até mesmo para conversar, ficaram à espera de notícias no salão de

visitas da casa do conde: Daffyd, caminhando de um lado para outro; Daisy, a espiar

pela janela; Helena, calada e encolhida numa poltrona. Os três só conseguiram se

acalmar quando viram Geoffrey entrar no aposento com uma expressão aliviada.

— Ele ficará bem — o conde anunciou. — O médico disse que Lee teve sorte, pois,

como já supúnhamos, o punhal não lhe atingiu o coração ou os pulmões. E possível

que ele venha a ter febre, e nesse caso outras medidas deverão ser tomadas. Já

mandei chamar o criado de quarto de Lee, e ele, a muito custo, concordou em ficar

aqui até melhorar. Aliás, acredito que ele estaria reclamando até agora caso o médico

não tivesse lhe ministrado um preparado para dormir.

— Eu planejava partir amanhã cedo, mas adiarei minha viagem — disse Daffyd. —

Se você não se importa, ficarei por aqui. Pelo menos até ele melhorar.

— Faça isso e irá lhe provocar aquela febre que tanto tememos — retorquiu Geoffrey.

— A bem da verdade, a última coisa que ele disse antes de adormecer foi: "Trate de

fazer com que Daffyd volte para casa".

— Ele diria isso até mesmo com a cabeça trespassada por meia dúzia de lanças.

— Sem sombra de dúvida. Lee é um homem notável: veste-se como um dândi e fala

como um janota, mas no fundo é como o aço puro. Esgrima como um espadachim,

cavalga com uma habilidade espantosa e defende-se como um pugilista. — Geoff

dirigiu-se a Daisy: — Quem o ouve falar não imagina tudo de que ele é capaz. Lee

chegou a trabalhar em segredo para o governo, quando Napoleão estava marchando

novamente em direção a Paris.

— É verdade — confirmou Daffyd. — E o que é mais espantoso: o pequeno

imperador não guarda ressentimentos dele. Dizem até que Lee já foi visitá-lo no seu

exílio na ilha de Santa Helena.

— Lee sabe como conquistar uma pessoa. — Geoffrey sorriu, quase para si.

— Pelo que vejo, ele é um mestre na arte da lisonja — disse Daisy.

— Pelo contrário, ele só diz o que realmente pensa — corrigiu-a Daffyd.

— Não vamos continuar falando como se estivéssemos num velório, afinal Lee está

bem vivo e irá se recuperar desse incidente. — O conde suspirou. — Bem, é hora de

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descermos aos detalhes sórdidos. Você acredita que a punhalada tenha sido

acidental, Daffyd? Que o batedor de carteira tenha se apavorado e ferido Leland sem

premeditar? Ou por acaso suspeita de alguma outra hipótese?

Daisy franziu as sobrancelhas, Helena parecia um tanto surpresa, porém Daffyd

meneou a cabeça num gesto afirmativo antes de dizer:

— A questão é de fato delicada. É possível que o sujeito quisesse apenas pegar a

carteira e fugir, mas ao se dar conta de que Lee pudesse estar disposto a partir no

encalço dele, resolveu intimidá-lo com uma boa estocada. Não sei. Agora, se não foi

isso, o alvo era realmente Lee? Ou quem, de nós cinco? Parece-me que essa é uma

hipótese que devemos levar em conta. Afinal, a pena para tentativa de homicídio é

muito mais alta quando a vítima é um nobre. Por que alguém correria tal risco? Bem,

vou me explicar melhor: aquele homem fez o que fez porque era isso o que tinha em

mente? Tratava-se de um ladrãozinho à-toa sem muito juízo ou de alguém que estava

lá porque haviam lhe encomendado um homicídio? É preciso pensar em tudo.

— Você tem razão. — Ao ver a expressão confusa de sua aia, Daisy esclareceu: —

Punguistas têm de ser cuidadosos, Helena, pois se são pegos com muito dinheiro,

serão enforcados. E a pena pela morte de um aristocrata também é a forca.

— Até onde sei, no momento não há ninguém furioso comigo — disse Daffyd. — E

você, Daisy? Há alguém que possa ter motivos para lhe fazer mal?

— Está me perguntando se tenho inimigos? — Ela pensou por um instante. — Há

pessoas que devem ter raiva de mim, sim, porém ficaram todas em Botany Bay.

Agora, ter raiva é uma coisa, querer me ver morta é outra bem diferente.

— Tanner tinha parentes que chegaram a brigar pelo legado dele? — o conde

indagou.

— Não, não. — Daisy balançou a cabeça para enfatizar o que dissera. — Tanner,

segundo ele mesmo, aceitara o emprego na colônia penal porque não tinha mais

ninguém no mundo. E também não houve testamento algum, já que ele não sabia

escrever. O juiz entregou tudo para mim porque não havia mais ninguém a quem

dar. E também porque, por haver conhecido Tanner bastante bem, deve ter concluído

que eu merecia.

— E você, Geoff? — quis saber Daffyd. — Andou provocando a ira de alguém

ultimamente?

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Projeto Revisoras 86

— O homem que me odiava está na sepultura, Daffyd, e não fui eu quem o mandou

para lá. Seja como for, tentarei me lembrar de mais alguém. E também mandarei

perguntar a alguns de nossos velhos amigos que vieram para Londres se eles estão

sabendo de alguma coisa. Além disso, vou passar rapidamente no distrito policial de

Bow Street. Ah, é preciso falar com Lee também... Não hoje, evidentemente.

— Perfeito. — Daffyd se levantou. — Já está tarde. Vou levar nossas damas ao hotel

e, na volta, providenciarei para que alguns velhos amigos fiquem de olho nelas. —

Olhando para Daisy, ele rematou: — Não há por que ter medo.

Ela sorriu, fazendo um sinal assertivo com a cabeça, então olhou para sua dama de

companhia.

— Você também não tem inimigos, é claro, não, Helena?

— Espero que não — respondeu a aia, muito séria. — E meus amigos estão todos na

zona rural.

— Foi o que pensei. — Daisy tornou a olhar para o conde. — A que horas podemos

vir amanhã?

Enquanto Geoffrey esboçava um sorriso, Daffyd assinalou em tom de aprovação:

— Um coração firme, sem desmaios nem lamentações, e nada de pensar em bater em

retirada: essa é a nossa Daisy, sem sombra de dúvida! Sabem de uma coisa? Creio

que todas as garotas deveriam passar uma temporada em Botany Bay em vez de irem

para a escola.

As risadas que saudaram as palavras dele fizeram Daisy se acalmar um pouco. Ainda

assim, ela não deixou de sondar as sombras ao deixar a residência do conde pouco

depois.

Capítulo VIII

Na manhã seguinte Daisy pulou cedo da cama mesmo sem ter dormido muito bem.

E sua dificuldade em pegar no sono tinha um nome: Leland Grant. Primeiro porque

ela ficara horas pensando no ferimento e na impassibilidade do visconde em face da

dor, depois, já de madrugada, de preocupada que estava com a recuperação dele.

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De tanto que Leland se mostrava sempre tão frio e tão irônico, era difícil imaginá-lo

numa cama, sem ação. E embora se tratasse de um cavalheiro jovem, forte e

saudável, ela estava farta de saber que a morte não escolhia suas vítimas pela idade

ou pela constituição física.

Aquele homem era mesmo um enigma, que tanto a atraía quanto a perturbava. Mas,

fosse como fosse, Leland oferecera sua vida em troca da dela, e Daisy não era mulher

de esquecer uma dívida. Ou pelo menos era isso o que ela alegara para si ao flagrar-

se tão desgostosa quanto ao que acontecera ao visconde. E profundamente

incomodada pela maneira como ele dominava seus pensamentos.

Vestida de rosa, do chapéu preso sob o queixo ao vestido de passeio, e portando uma

caixa de confeitos junto do livro que o vendedor lhe garantira fazer sucesso junto à

aristocracia, ela chegou à casa do conde a tempo de ver Daffyd fazer suas

despedidas. Isso a deixou mais sossegada, pois por mais que quisesse retornar para

junto da esposa, ele não deixaria Londres se Leland não estivesse melhor.

Segurando a barra das saias, Daisy já se preparava para subir a escadaria quando

Helena segurou-a pelo braço.

— Uma dama não deve visitar um cavalheiro nos aposentos dele a menos que sejam

parentes — lembrou a dama de companhia.

— Você se importa com essas bobagens, Geoff? — Como ele respondesse com um

sorriso, Daisy tentou explicar-se: — Sei o que dizem os bons costumes, porém não

posso ignorar minhas obrigações. O visconde foi ferido enquanto tentava me ajudar,

e é meu dever ao menos agradecer o que ele fez por mim.

— Mas os criados... — Helena tentou argumentar.

— São leais a mim e não costumam perder tempo com mexericos — garantiu

Geoffrey.

— Se Geoff não vê problemas em que eu vá visitar o visconde, obviamente eu

também não vejo — Daisy declarou com firmeza.

— Bem, o que mais posso dizer? — indagou Helena, com um ar resignado.

Subiram as escadas e, no final de um longo corredor, o conde entreabriu uma porta

para chamar:

— Lee? Está preparado para receber visitas?

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Projeto Revisoras 88

— Desde o instante em que as ouvi chegarem — respondeu Leland lá de dentro. —

Traga-as até aqui, por favor.

Apesar de seguir nos calcanhares do conde, Daisy só tinha olhos para o homem bem

no centro do enorme leito. Se Leland não estivesse deitado de encontro a travesseiros,

ninguém diria tratar-se de um convalescente. Ele usava um robe marrom sobre uma

camisa branca e calça cinza-chumbo. A não ser pelos chinelos de marroquim no lugar

das botas, só lhe faltava um lenço de pescoço para que parecesse pronto para uma

caminhada pelas redondezas. Continuava bastante pálido, era verdade, mas essa

falta de cor no rosto lhe acentuava o azul dos olhos.

Daisy prendeu a respiração ao encontrar aquele olhar tão sereno.

— Bem-vinda — disse ele. — Eu me curvaria para cumprimentá-la, mas as ataduras

estão tão firmes que mal consigo me mexer. Obrigado por ter vindo. E por ter

escolhido um vestido tão vistoso para vir me visitar. Essa cor alegrará o meu dia.

A observação levou Daisy a reparar que as cortinas estavam abertas, o que deixava o

ambiente mergulhado na claridade da manhã. Com belos tapetes e uma mobília com

adornos, aquele aposento era bastante bonito e aconchegante. Um suave e conhecido

aroma de sabonete e sândalo perpassava o ar.

— Eu lhe trouxe um livro e alguns petiscos — ela anunciou, ignorando os elogios que

recebera. — Mas me parece que você não está precisando de nada.

— Ah, estou, sim. Estou precisando desesperadamente de alguém com quem

conversar. — Leland sorriu. — Embora seja uma companhia estupenda, Geoff tem

um estoque de mexericos que deixa muito a desejar.

— Eu também. — Daisy sentou-se na poltrona que o conde aproximara da beirada da

cama. — Tudo o que tenho a revelar é que o dia está lindo.

— Então vamos fabricar algumas fofocas — sugeriu Leland, fingindo-se subitamente

entusiasmado. — Mas, antes que eu esqueça... Helena, vejo que está usando o vestido

amarelo-açafrão de que a sra. Tanner me falou. Essa cor ficou uma beleza em você,

bem melhor do que aquele lilás que só fazia apagar sua figura.

Enquanto sua aia sorria e agradecia, Daisy se perguntou de onde ele fora tirar

intimidade para tratá-la simplesmente por "Helena". Por outro lado, ela continuava a

ser a "sra. Tanner". Ora, o que o visconde pretendia com aquilo?

Decidida a lhe cortar as asas, ela afirmou:

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— Pode me tratar por Daisy. É mais simples e mais prático.

— Ah, Daisy! — Ele levou a mão ao coração. — Sinto-me lisonjeado.

Olhos nos olhos, os dois trocaram um discreto sorriso à forçada dramaticidade que

Leland emprestara ao tom de voz e ao gesto teatral que fizera. De repente, Daisy

sentiu como se compartilhasse algum tipo de segredo com ele, algo de que somente

ambos sabiam. O que havia de tão especial naquele homem? Não era bonito de

chamar atenção, mas quanto mais o via, mais ela apreciava suas feições angulosas.

Leland Grant não era um poço sem fim de vaidade e boas maneiras, como ela

chegara a imaginar, mas sim um homem culto e espirituoso, dono de uma

inteligência arguta. Falava com a mesma elegância com que caminhava, mesmo

assim era forte e viril. Como pudera imaginar que ele não gostasse de mulheres?

Ao perceber que continuava a sustentar o olhar com que Leland a aprisionava, ela

olhou para as próprias mãos, que tinha sobre o colo. Então o ouviu perguntar ao

conde:

— Alguma hipótese nova quanto à pessoa que me atacou?

— Não — respondeu Geoffrey. — E você, pensou em alguma possibilidade?

— Continuo sem a menor idéia. Orgulho-me de meus inimigos, afinal não são apenas

os amigos que dão a medida de um homem. — Quando os demais pararam de rir,

Leland acrescentou: — Antes de mais nada, meus inimigos jamais iriam contratar

alguém para fazer o trabalho sujo. Quanto mais penso, mais me convenço de que se

tratou de um acidente. Londres está repleta de ladrões e nem todos sabem agir com

perícia. Mas, Daisy, não deixe de manter-se alerta até que saibamos o que de fato

ocorreu.

— Estou preparada — ela afirmou, erguendo o rosto.

— Aposto que sim. Agora, seja como for, creio que devo fazer uma aparição pública

lá pelo final desta semana, como uma espécie de teste. Mas ainda não decidi se irei ao

teatro, a uma festa, a um baile...

Daisy examinou a questão. De sua parte, gostaria de ir a qualquer lugar a que o

conde fosse, pois só assim teria como descobrir se se encaixava no mundo dele.

Queria-o por marido, sim, mas não seria justo mantê-lo preso a uma esposa a quem a

sociedade não aceitava.

— Mas certamente você não estará em condições de dançar — Geoffrey disse ao

amigo.

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— Nunca estou — admitiu Leland com um sorriso acanhado. — Danço por que

tenho de fazê-lo, porém não fui talhado para isso. Pareço um espantalho ao vento

quando valso e me movo como se tivesse um cabo de vassoura preso às costas

quando me arrisco num minueto.

Os outros três caíram na risada.

— Bem, se não estiver forte o suficiente para dançar — prosseguiu Leland —, posso

me dedicar a flertar, que é o que melhor sei fazer. Outra vantagem será o fato de que,

como é provável que eu chame as atenções sobre mim depois do que me aconteceu,

poderemos introduzir Daisy num evento da alta sociedade sem que todos os olhos, e

todos os comentários, se concentrem nela. Você se importaria de não ser a sensação

do baile, Daisy?

Jurando que o visconde tinha lido seus pensamentos, ela respondeu com visível

alívio:

— De modo algum.

— Não estou seguro de que o médico irá lhe permitir sair da cama — disse Geoffrey

—, mas se quiser tentar convencê-lo, é melhor que o deixemos sozinho para você

descansar. Ele disse que você precisa de repouso, esqueceu?

— Pobre de mim! — Leland afundou-se entre os travesseiros. — Então você não irá

mais deixar que belas damas subam aos meus aposentos? Isso poderá me matar.

Mas, se conseguir sobreviver, será só porque estou me preparando para a noite do

próximo sábado. — Ele olhou para Daisy. — Guarde uma valsa para mim, sim?

A voz dele pedia bem mais do que uma valsa, os olhos também. Ao imaginar-se

entre os braços de Leland, ela não conseguiu responder. Como faria para entender as

sensações inquietantes que aquele homem lhe provocava se encostasse seu corpo ao

dele?

Quando o silêncio ameaçava ficar constrangedor, Daisy disse a primeira coisa que lhe

ocorreu:

— Faz anos que não danço.

— Bastará ouvir a música e você saberá o que fazer. E eu sou um homem

extremamente paciente. Então, o que me diz?

— Sim, obrigada. Será um prazer.

Ao vê-lo sorrir, Daisy teve certeza de que Leland sabia que ela mentira.

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Assim que Daisy se foi, Leland ajeitou-se de encontro aos travesseiros e, fechando os

olhos, tentou reter o dourado dos cabelos dela nas retinas e também imaginar o calor

do corpo miúdo e bem-feito junto ao seu. Na verdade não estava assim tão certo de

que fosse tê-la entre os braços, já que, por algum motivo que desconhecia, era

evidente que a tinha assustado.

Possuía a fama de ser um conquistador, não iria negá-lo, mas seria sua reputação que

Daisy parecia temer? Ora, que bobagem. Afinal de contas, antes de conquistador era

um autêntico cavalheiro. Soava-lhe como impossível que ela não soubesse não ser

sua intenção obrigá-la ao que quer que fosse. Aliás, nem estava assim tão certo de

que a reputação que tinha lhe cabia como uma luva. No fundo gostava que o vissem

daquela maneira e, assim, não confirmava nem desmentia tudo o que diziam a seu

respeito.

Ao contrário dos outros homens, jamais amara da maneira que os poetas

preconizavam: uma única vez e para sempre, com um desejo ardente que ia muito

além da paixão. E por não tê-lo feito, não sabia se seria capaz de fazê-lo. O jogo do

amor, porém, com seus galanteios e provocações, com seus acordos e seus prazeres,

sempre o deleitara.

Agora, o que fizera para que Daisy desse a impressão de que o temia, isso ele nem

sequer imaginava. Seria porque ela teria algum segredo? Ou porque receasse que ele

pudesse atrapalhar os planos que havia feito para enredar Geoff com seus encantos?

Para o bem de seu amigo, ele precisava descobrir o que estava acontecendo.

Antes que pudesse se conter, Leland riu.

— Milorde? — seu criado de quarto, que arrumava o aposento, interpelou-o. — O

senhor está bem?

— Sim, sim. — Ele abriu os olhos. — Não foi nada. Ri por conta das mentiras que às

vezes digo a mim mesmo. Vai ver foi efeito dos remédios que o médico me deu para

a dor... Bem, mas agora vou descansar. Preciso estar pronto para dançar.

Daisy deu uma última espiadela no espelho. Como fosse visitar Geoffrey e o

visconde Haye logo após o desjejum, queria estar elegante e com uma ótima

aparência naquela manhã quente de verão. A imagem que o espelho lhe devolveu

parecia adequada aos seus propósitos: o alegre vestido amarelo com minúsculas

flores rosadas como que combinava com seus cabelos presos no alto da cabeça.

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Projeto Revisoras 92

Embora ainda não se sentisse pronta para portar a sombrinha e o leque com o

requinte próprio de uma verdadeira dama, tinha certeza de que haveria de chegar o

dia em que iria dominar essa arte.

— Creio que estou bem assim. — Ela apanhou o par de luvas de pelica amarelas. —

Vamos descer para o café da manhã. Estou morta de fome.

Helena deixou escapar um suspiro.

— Não precisa me olhar dessa maneira. — Daisy levou a mão à testa. — Eu quis

dizer: "Hoje acordei com um apetite voraz". E então, assim está melhor?

— Na verdade, talvez eu tenha me precipitado na minha ânsia de corrigi-la. —

Helena pensou um instante. — Se seus modos forem espontâneos, decerto as pessoas

irão dizer que você é "encantadora", ou "sincera" ou "natural", e assim, sim, será bem

melhor.

Daisy, que já se punha a caminho da porta, deteve-se para olhar para sua dama de

companhia.

— Acha mesmo que as pessoas irão me aceitar, Helena?

— Se o conde a aceita, os demais a aceitarão — a aia respondeu com diplomacia.

— Seria bom demais. Mesmo que queira melhorar meus modos, não posso mudar

tanto a ponto de me transformar numa outra pessoa só para agradar a um homem.

A caminho do salão de refeições do hotel ela não percebeu que Helena estava mais

calada do que de costume, afinal só conseguia pensar em fazer o desjejum e depois ir

ver Leland. E Geoff, lembrou-se.

— Subam e fiquem à vontade — o conde lhes disse assim que elas chegaram. — Meu

representante legal veio me trazer uns documentos, porém estou certo de que nosso

assunto não irá se prolongar. Leland está lá em cima.

Daisy já se preparava para subir quando se lembrou do pedido que sua aia havia lhe

feito.

— Geoff, por acaso Helena poderia usar o toalete? Ela comeu um doce enquanto

vínhamos para cá e acabou sujando os dedos de creme.

Embaraçada, Helena mostrou as mãos.

— Há um lavabo ali, do outro lado do hall. — Ele mostrou o caminho.

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Projeto Revisoras 93

— Não me demorarei — Helena disse a Daisy, antes de rumar para o local que o

conde indicara.

Dessa vez a porta dos aposentos de Leland estava aberta, e ele, um pouco menos

pálido, achava-se sentado numa poltrona junto à janela, usando seu roupão sobre

trajes comuns. Seus olhos, ainda que um pouco turvos provavelmente pela dor, ti-

nham a mesma expressão intensa da véspera.

— Veja só você, já fora da cama! — Daisy exclamou. — Isso é muito bom.

— É verdade. — Ele se recostou ao espaldar da poltrona, como se o simples ato de

falar tivesse lhe roubado as forças. Mas então sorriu. — E veja só você, usando um

dos vestidos de madame Bertrand. Adorável! A cor a favorece. Sente-se, por favor. Se

continuar em pé, irei me sentir na obrigação de me levantar.

Daisy reparou que havia duas poltronas no quarto: uma diante da dele, outra ao lado

da cama. Julgando que iria parecer uma tonta se procurasse manter certa distância de

um homem que convalescia, ela foi se acomodar à frente de Leland.

Mesmo tendo notado sua hesitação, ele disse apenas:

— Conte-me em que pé anda o mundo lá fora.

— Ora, não faz tanto tempo assim que você está se restabelecendo neste quarto, e os

jornais devem tê-lo posto a par de todas as novidades. Duvido que eu saiba de algo

de que você já não esteja sabendo.

— Ah, será que não? Você sabe de coisas das quais não faço a menor idéia. Por

exemplo: o que acha de mim?

Surpresa, ela pestanejou.

— Quando nos conhecemos, você me tomou por um janota encantado com trajes de

modistas famosas, ou coisa pior. Não, não negue. — Ele a observava atentamente. —

E agora, o que pensa a meu respeito? Pergunto porque tenho a impressão de que

você anda com receio de mim. Mas você sabe que eu jamais lhe faria mal, não sabe?

— Claro que sim. Afinal você levou uma punhalada enquanto buscava me defender.

— Qualquer cavalheiro teria feito isso. — Leland tombou a cabeça para o lado. — O

que há em mim que assusta você, Daisy?

Lutando contra o pânico que a ameaçava, ela resolveu ser franca:

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— Você diz certas coisas que soam como galanteios, milorde. E eu não tenho prática

nesses... assuntos.

— Não se trata de um flerte inconseqüente, Daisy. Sempre fui absolutamente sincero

com relação a tudo o que lhe disse. Você é muito bonita, e eu não só a desejo como

creio que poderia fazê-la feliz. Mas não tenha medo. Sou um cavalheiro e jamais faria

algo com que você não concordasse. Tome isso como uma promessa solene.

— O que você gostaria de fazer comigo? — Quando se deu conta de que falara sem

pensar, ela sacudiu a cabeça, pondo-se em pé. — A pergunta foi estúpida. É claro que

sei perfeitamente bem o que você quer.

— Era o que eu esperava.

Sem saber se deveria sorrir com ele ou estapeá-lo, Daisy não teve tempo para fazer

nem uma coisa nem outra.

— Que diabo está fazendo fora da cama? — indagou o conde, entrando no quarto

com Helena em seus calcanhares.

— Recuperando-me — respondeu Leland. — Aterrorizando Daisy. Dando um susto

em você. Vendo se consigo me mexer. Oh, maldição, estou farto de ficar nesta cama.

Pensando bem, já basta. Vou acabar ficando doente se continuar com essa bobagem.

— O médico lhe recomendou repouso — lembrou Geoffrey.

— O médico também queria que eu servisse de banquete a sanguessugas, e isso

depois de todo o sangue que perdi. Olhe bem para mim, Geoff, e veja como estou

bem-disposto, com ótima aparência e excelente humor. E pronto para toda sorte de

traquinagem — ele acrescentou, sorrindo rapidamente para Daisy.

Ela não conseguiu deixar de retribuir o sorriso. O ar erotizado que antes nublava os

olhos do visconde havia desaparecido. Ele era novamente Leland Grant, o aristocrata

frívolo.

— Prometi ao médico que as recomendações dele seriam seguidas à risca. —

Geoffrey cruzou os braços.

— Ah, está bem. Voltarei para a cama, se isso o faz feliz.

Ao vê-lo vacilar ao tentar se erguer, Geoffrey e Helena correram a acudi-lo e,

amparando-o, assistiram-no a levantar-se e se acomodar no leito alto. Assim que

sentiu o apoio dos travesseiros de encontro às suas costas, Leland levou a mão à

atadura em seu peito, comentando:

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— Confesso que aqui está bem melhor.

— Até que enfim você admitiu! — exclamou o conde. — Quer que o deixemos

sozinho?

— Jamais. Estou realmente me sentindo melhor e gosto de companhia, creiam-me.

— Ótimo, porque mais uma visita está para chegar. Uma dama que pediu permissão

especial para vir vê-lo.

— E você concordou? — Leland ergueu as sobrancelhas. —Minha presença deve

estar desviando você do bom caminho, Geoff.

— Não é esse tipo de visita — retrucou o conde. — Trata-se de sua mãe.

— Você devia ter me perguntado se eu queria vê-la.

— Não, não devia nem podia. Porque não cabia nem a mim nem a você recusar.

— Não seria melhor Helena e eu irmos embora? — indagou Daisy.

— Por Deus, não! — exclamou Leland. — Encontrar-me na companhia de duas

jovens beldades pode fazer com que minha mãe abrevie a visita. Fiquem, por favor.

Você alegra meu dia, e eu sou um filho desnaturado. Além do quê, ela é uma

péssima mãe. Nossa relação não é das melhores, e não há quem desconheça esse fato.

— Acho que posso dizer que sei o que é isso. — Daisy sorriu para ele. — Meu

relacionamento com meu pai também não foi dos mais afetuosos.

Leland estreitou os olhos à claridade ao redor da poltrona na qual ela se sentava. Ou

seria de Daisy Tanner que todo aquele fulgor emanava? Por meio dos olhos vivazes,

dos cabelos dourados, do sorriso reiterado, da risada espontânea, ela parecia irradiar

luz e calor em todas as direções. Por que perdia seu tempo ali, com um recluso de

meia-idade e um convalescente, se poderia ter toda a Londres a seus pés?

— Meu caro Leland — saudou-o uma voz contida da soleira da porta. — Então é

verdade! Você realmente foi atacado em público por um batedor de carteiras.

— Olá, mamãe — respondeu ele no mesmo tom. — Não sabemos ao certo se foi

mesmo um batedor de carteiras. Talvez tenha sido alguém que me odeia, como você

sempre disse que poderia acontecer se eu não alterasse meu modo de viver.

Examinando a recém-chegada, Daisy reparou que, à claridade do dia, a passagem do

tempo deixava suas marcas numa mulher que sem dúvida possuíra uma beleza

ímpar. Ainda assim, as poucas rugas no canto externo dos olhos e ao redor da boca e

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o grisalho entre os cabelos dourados não eram suficientes para prejudicar aquelas

feições, que continuavam bonitas apesar de impassíveis. Da voz ao sorriso, a

viscondessa Haye era um modelo de compostura, que em nada fazia lembrar uma

mulher que tivesse jogado tudo para o alto para fugir com um cigano. Aliás, era

difícil imaginá-la dando qualquer demonstração de sentimentos.

Ao ver os frios olhos azuis pousarem sobre ela, Daisy desviou o olhar. Aquela

mulher a fazia sentir-se culpada, e ela nem sabia explicar por quê.

— Sra. Tanner, bom dia. — Tirando as luvas enquanto entrava no quarto, a

viscondessa olhou de relance para Helena c cumprimentou-a com um discreto acenar

de cabeça. Ao olhar para o conde, porém, ela finalmente sorriu. — Milorde, obrigada

por ter acomodado Leland em sua casa após o incidente. Foi muito gentil de sua

parte.

— De modo algum. Leland é um grande amigo, e eu jamais poderia ter tomado outra

atitude — retrucou Geoffrey. — Por favor, sente-se e fique à vontade. Sra. Masters,

teria a bondade de me acompanhar? O policial da delegacia de Bow Street disse que

gostaria de entrevistar todos os que estiveram presentes ao incidente no parque, mas

se você não prestou atenção a nenhum detalhe que possa nos ajudar, irei pedir a ele

que a libere de compromisso tão desagradável.

— Vou com vocês! — Daisy correu a se levantar.

— Fique, por favor — pediu Leland. — Ou então minha mãe irá pensar que

afugentou você daqui.

— É verdade — disse a viscondessa. — Fique, sim, sra. Tanner. Mal tivemos tempo

para conversar e, no entanto, vejo que você se tornou uma presença constante na

vida de meu filho.

— Deus, não! — Daisy deixou escapar e, no mesmo instante, sentiu o rosto

afogueado. — Digo, não é bem assim. Na verdade sou amiga de Geoff, digo, do

conde, e como o visconde é muito amigo dele, então acabamos nos encontrando com

certa freqüência, só isso.

— De fato — confirmou Geoffrey, contendo uma risadinha ao vê-la tão atrapalhada.

— Venha, sra. Masters. Nós não nos demoraremos.

Assim que eles se foram, Daisy, sentindo-se deslocada e pouco à vontade, tornou a se

sentar. Acomodada na poltrona junto ao leito, com as costas muito eretas e as mãos

sobre o colo, a viscondessa não perdeu tempo a indagar:

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— Veio para a Inglaterra para ficar, sra. Tanner?

— Sim — respondeu Daisy, estranhando o fato de a nobre senhora nem sequer ter

perguntado ao filho como ele estava passando.

— Sei. E onde pretende morar?

— Por enquanto estou hospedada no Grillions, perto do parque.

— Mas imagino que não tenha planos de passar o resto da vida morando num hotel?

— Não, não. E que ainda não decidi onde quero me estabelecer.

— É provável que muito em breve a sra. Tanner fixe residência na companhia do

futuro marido — observou Leland. — Sendo assim, não faria muito sentido ela

comprar ou alugar uma casa neste momento.

— Sei — disse a viscondessa, sem olhar para ele. — Você já tem alguém em mente,

minha cara?

— Mamãe! — Leland riu com gosto. — Nem os policiais de Bow Street fazem

perguntas de caráter tão pessoal.

— Não? — indagou a dama. — Então o que foi que eles lhe perguntaram?

— A polícia ainda não me interrogou, mas, se o fizerem, direi o que vi — Daisy

declarou com calma enquanto aprumava os ombros. — E que não foi muito,

infelizmente. O susto de ter minha carteira roubada e depois de ver o visconde ferido

não me deixou prestar atenção a tudo o que ocorria ao nosso redor.

— Fiquei preocupada com você, Leland. — A viscondessa agora olhava para o filho,

porém falava sem nenhuma emoção na voz. — Mas se o ferimento não foi grave, pelo

que pude depreender do recado que o conde me enviou, por que você ainda está

acamado?

— Por insistência de Geoff, que se sente responsável por mim enquanto me acho sob

o teto dele. Mas amanhã irei me levantar. E voltarei para minha casa o mais depressa

possível.

— Fico aliviada. — O tom dela não se alterava. — Seja como for, pedirei para falar

com o conde em particular, pois quero saber qual é a opinião dele. Você sempre faz

tudo parecer simples demais, Haye.

Daisy sentiu um arrepio gelado. Aquela mulher chamava o filho pelo nome

adquirido com o título de nobreza e mal olhava para ele. Céus, como alguém tão

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insensível podia ter gerado um filho risonho, despreocupado e cheio de vida como

Leland? Ou um marido responsável e amantíssimo como Daffyd?

Fixando os penetrantes olhos azuis no filho, a viscondessa afinal lhe perguntou como

ele se sentia. Leland contou. E contou. A mãe dele suspirava à interminável lista de

reclamações e, quando enfim se fartou, pôs-se subitamente em pé para anunciar:

— Não quero cansá-lo, Haye. Vou descer e fazer mais algumas perguntas ao conde,

depois irei embora. Passe bem. Bom dia, sra. Tanner, até mais ver. — E com isso ela

deixou o dormitório.

Daisy finalmente voltou a respirar com naturalidade.

— Tocante, não? — indagou Leland numa voz meio cansada antes de recostar a

cabeça aos travesseiros.

— Não se sente bem? — Daisy se aproximou ao constatar que ele estava mais pálido

do que quando de sua chegada. — Precisa de alguma coisa?

Leland virou o rosto para fitá-la. Ao contrário dos olhos da mãe, os dele pareciam

efervescer.

— Aquilo de que preciso, Daisy, não posso ter nem aqui nem neste instante.

Ela franziu as sobrancelhas.

— Minha querida, eu precisaria estar morto para não dizer isso a uma mulher como

você. Mas, no fundo, creio que é assim que estou me sentindo: morto. Parece que ela

tem o poder de sugar minha vida de mim. Não entendo como meu pai... Oh, perdão.

Não estou conseguindo medir minhas palavras.

— Não faz mal. Já ouvi coisas piores. — Quase sem perceber, Daisy aproximou-se

para tomar a mão dele entre as suas. — Está se sentindo mal? Quero dizer, está

indisposto ou apenas aborrecido com a visita dela?

— Apenas? — Leland deu um sorriso meio frouxo, então entrelaçou seus dedos aos

dela. — Ora, devo estar de fato muito mal. Tenho uma jovem encantadora a um

palmo de mim e fico me queixando de minha mãe como um garotinho a quem man-

daram ir mais cedo para a cama. Perdoe-me.

Inclinando-se, Daisy ajeitou um dos travesseiros sob a cabeça dele, então baixou os

olhos para admirá-lo por um instante.

— Sabia que seus cabelos têm perfume de amor-perfeito? — Leland tinha os olhos

fixos nos dela. — Sabe do que estou falando, não sabe? Aquelas florzinhas que

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parecem sorrir para nós do meio da relva. Elas têm um aroma delicado, frágil, que

faz lembrar a primavera. Ora, é claro que você conhece essa flor. E deve ter um frasco

de perfume de amor-perfeito em sua penteadeira especialmente para destruir os

corações masculinos.

Balançando a cabeça para dizer que não, Daisy soltou a mão dele devagarinho.

Embora fossem muito agradáveis de se ouvir, aquelas palavras a atemorizavam. Ou

seria o tom em que haviam sido pronunciadas? Como era possível que a voz de

Leland, doce como um favo de mel, lhe provocasse tamanho desconforto?

— Bem, é assim. — Ele usou a mão que Daisy soltara para afagar o contorno do rosto

dela com a ponta dos dedos. — E você sabia que tem a boca mais tentadora que já vi

em toda a vida?

— Você deve se encantar com um sem-número de bocas, dos mais variados feitios. —

Daisy percebeu que não conseguira imprimir à voz a frieza que havia planejado. —

Afinal, é o que diz a fama que o precede.

— Se tenho dificuldade em resistir à beleza, você peca pelo excesso de inteligência —

ele afirmou num tom zombeteiro.

Embora soubesse que deveria se afastar, ela apenas sorriu. Ele então voltou a correr o

dedo pelo contorno do rosto afogueado, um carinho que Daisy teve a impressão de

sentir pelo corpo inteiro. E antes que a visse fugir, Leland ergueu a cabeça e,

segurando-a com suavidade pelo ombro, roçou os lábios nos dela antes de beijá-la.

Sentindo-se latejar da cabeça aos pés, ela fechou os olhos e entregou-se ao beijo sem

pensar em mais nada. Estava extasiada com a delicadeza que o visconde transpirava

por todos os poros. Os lábios dele, quentes e macios, eram a mais autêntica expressão

de carinho. Cuidadosa e gentil, a língua que buscava a sua era mais um convite do

que uma exigência. Seguindo um impulso, Daisy acariciou-lhe os cabelos e o pescoço,

e ali sentiu o sangue dele pulsar de encontro à ponta de seus dedos. Com um suspiro,

aproximou-se um pouco mais do corpo esguio e viril, e então se lembrou de como

um beijo podia acabar.

Toda aquela promessa de suavidade e ternura tinha um único fim: suor e

brusquidão, ruídos guturais e gestos brutos, e enfim a dor da humilhação.

Após se afastar, ela se endireitou e fitou-o, declarando com a voz embargada:

— Não sou disso. Por favor, esqueça o que houve e nunca mais torne a fazê-lo.

Preciso ir.

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— Perdão — Leland desculpou-se, porém ela já havia sumido porta afora.

Zangado com sua própria impetuosidade, ele fez uma careta. Agira mal, mas, de sua

parte, Daisy se comportara como uma estudante inexperiente ou ingênua, sendo que

não era nem uma coisa nem outra. Além do quê, que mal poderia fazer a ela ali, na

casa do conde? O que havia de errado com um beijo, um simples e inocente beijo? Se

bem que... Se bem que no beijo que tinham trocado havia consolo e compreensão,

mas também desejo... e pavor de parte dela. Ora, por quê?

Leland largou-se de encontro aos travesseiros. Precisava descobrir o que ia pela linda

cabecinha da sra. Daisy Tanner. Precisava beijá-la outra vez. Não, corrigiu-se: não

havia mais nada no mundo que desejasse tanto quanto beijá-la novamente.

Capítulo IX

O conde caminhava de um lado para outro em seu gabinete.

— Então, até onde você sabe, a sra. Tanner não tem inimigos?

— Não — respondeu Helena.

— Nem houve outros incidentes como aquele?

— Não. Se tivesse havido o senhor estaria sabendo, já que Daisy está quase sempre

em sua companhia.

— E você desaprova isso? Da maneira como fala, foi o que me pareceu.

— Não me cabe aprovar ou censurar, milorde.

— Eu também já tive de trabalhar para conseguir meu sustento, sra. Masters, porém

nunca deixei de pensar que as pessoas são livres para dizer o que pensam. Quero que

saiba que eu jamais iria querê-la mal pelo fato de você expressar suas opiniões.

— Obrigada. — Ela ergueu a cabeça para encará-lo. — Mas acontece que não conheço

nem a sra. Tanner nem o senhor bem o bastante para fazer qualquer tipo de

julgamento.

Geoffrey a examinou. Ela parecia ser uma mulher sensata. Não era jovem, mas

tampouco chegara à meia-idade. Estava sempre bem-arrumada e aparentava ser uma

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pessoa bastante serena. Os cabelos presos à nuca lhe davam um ar um pouco severo,

porém também ressaltavam o rosto de belas feições. Ela se expressava bem, tinha

modos recatados e se vestia com discrição. Não havia por que não confiar em alguém

com tantas qualidades importantes.

— Milorde? — o mordomo chamou à soleira da porta. — A viscondessa Haye

gostaria de conversar com o senhor antes de ir-se.

— Peça para ela entrar.

A nobre dama surgiu tão depressa que Helena percebeu que ela devia estar

esperando no hall. Ignorando completamente a aia, a viscondessa se aproximou de

Geoffrey, a quem disse com inusitado calor na voz:

— Eu não poderia ir embora sem lhe agradecer uma vez mais, milorde. Meu filho

teve sorte ao escolher os amigos.

— Não há de quê, milady, não é preciso agradecer.

— Ora, mas o que foi que falei? Eu deveria ter dito que meus filhos são afortunados.

Helena queria sumir. Verdade que, no que dizia respeito à dama, ela nem se achava

ali, mas, fosse como fosse, se dependesse de sua vontade iria esvaecer no ar. Sem

saber o que fazer, ela baixou os olhos a seus sapatos e assim permaneceu.

— Você tem sido muito bom para os dois — prosseguiu a viscondessa Haye. —

"Bom" é uma palavra um tanto ridícula. Melhor dizer caridoso e imprescindível.

— Não se trata de caridade. — Geoffrey parecia embaraçado. — Gosto demais de.

ambos. No caso de Daffyd, como se fosse meu filho. No caso de Leland, como um

grande e indispensável amigo.

— Você tem um talento especial para tomar certas pessoas sob suas asas. Primeiro,

foi Daffyd. Depois, quando você regressou à Inglaterra, foi meu filho Haye. E agora a

sra. Tanner. Você sabe lidar com pessoas mais jovens, milorde. Merece os parabéns

pela paciência e pela generosidade.

Helena mordeu o lábio. Queria pensar que aquela conversa não mexia com ela, mas

sabia que isso não era verdade.

— Eu gostaria de lhe demonstrar minha gratidão, porém estou certa de que você não

precisa de nada — continuou a viscondessa. — Sei também que você não se interessa

por eventos sociais, mas a sra. Tanner parece apreciá-los. Assim, por que não a leva à

minha casa na próxima sexta-feira, quando receberei alguns amigos para uma

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pequena reunião? Até lá Haye deve estar recuperado, e você terá com quem

conversar se não quiser dançar. O que me diz? Posso contar com sua presença?

— Não sou exatamente um ermitão. — Ele riu. — Sim, será um prazer. Grato pelo

convite. Falarei com a sra. Tanner.

— Você receberá o convite dentro de uma hora, no mais tardar. Ela também.

Obrigada, milorde. Aguardarei com ansiedade.

— Eu não — Geoffrey disse para si, assim que ela deixou a sala seguida de perto pelo

mordomo. Ele então sorriu para Helena. — Para ser bem sincero, sou um eremita,

sim. Por isso foi bom que Daisy tivesse vindo me procurar. Ela me salva de meus

maus hábitos.

Uma outra mulher também poderia fazê-lo, Helena pensou consigo, mas em voz alta

concordou:

— Sim, Daisy é muito alegre e excelente companhia. Perdão, milorde, mas se já

terminou o assunto que queria tratar comigo, eu gostaria de voltar para junto de

minha patroa. Não é de bom-tom que ela fique muito tempo a sós com o visconde

nos aposentos dele.

— Você tem razão. Estou mais do que satisfeito com as informações que você me

deu, sra. Masters. Venha, vamos voltar ao dormitório de Leland.

Mas, lá chegando, encontraram o visconde sozinho. Deitado de costas, a mirar o teto.

— Onde está Daisy? — indagou Geoffrey.

— Devorei-a — respondeu Leland de maus bofes. — Como posso saber onde foi que

ela se meteu? Já faz alguns minutos que Daisy se foi e, como podem ver, não estou

em condições de sair no encalço dela.

— Acho que nos desencontramos — sugeriu Helena. — Provavelmente ela está à

minha espera lá embaixo.

Daisy de fato esperava por sua dama de companhia no hall. E um pouco mais pálida

do que quando chegara.

— Sente-se bem? — o conde a interpelou.

— Perfeitamente, só que agora é hora de ir-me embora. — Ela sorriu para Helena. —

Abandonei o visconde sozinho quando me dei conta de que não era correto ficar a

sós com ele. Não está orgulhosa de mim?

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Helena estaria, se não tivesse percebido o pesar por trás das palavras de Daisy.

Ainda que tivesse levado uma vida dura a ponto de transformar qualquer pessoa

num poço de fleuma, aquela jovem mulher não sabia mentir.

— É impossível que você não acabe se transformando na sensação da noite —

observou Helena.

Daisy engoliu em seco. Por mais que procurasse, não conseguia encontrar um só

defeitinho na mais nova obra de madame Bertrand, um vestido amarelo de decote

profundo e mangas longas, com uma larga faixa rosa sob o busto que lhe favorecia

enormemente o contorno dos seios. Enfeitados com pequeninas rosas, seus cabelos

estavam presos no alto da cabeça. O bocadinho de ruge que Helena lhe espalhara

pelas faces seria um excesso à luz do dia, porém à claridade de velas e lamparinas

parecia mais do que apropriada.

— Não quero ser a sensação de nada — ela retrucou —, apenas e tão-somente me

divertir.

— E por que haveria de ser diferente?

Daisy vacilou. Não era de agora que estava aflita para falar sobre seu problema, mas

como não tivesse o hábito de abrir-se com outra pessoa, a tarefa lhe parecia

dificílima. E embora sua aia estivesse mais bem familiarizada com a alta sociedade,

nem ela se sentia à vontade para revelar o que lhe ia pelo coração. Porque o fato era

que, desde que beijara Leland Grant naquela manhã, tudo parecia virado de pernas

para o ar.

Fazendo das tripas coração para manter-se impassível, ela voltara a visitá-lo. Ainda

que os dois tivessem fingido que nada acontecera, Daisy vira nos olhos dele não

apenas cumplicidade como também uma ânsia por mais e, de sua parte, também

experimentara uma forte e irrefutável atração. Aquilo a apavorava. E ela odiava

sentir medo. Agora, apesar de ter certeza de que Leland não lhe criaria embaraços em

público, preocupava-se com o que poderia acontecer quando estivessem ambos a sós.

Após se sentar na beirinha da poltrona, ela tirou um fio imaginário da saia, alisou-a

demoradamente e, sem erguer o olhar, resolveu arriscar:

— O que você acha do visconde Haye, Helena?

— Não me cabe...

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Edith Layton – Como Seduzir uma Noiva (Class Históricos 374)

Projeto Revisoras 104

— Ora, por favor! Se perguntei é porque quero saber sua opinião.

— Bem... Então irei lhe dizer o que penso. — Helena sorriu. — Acho o visconde

muito atraente, embora não saiba exatamente por quê. Dizem que se trata de um

conquistador, mas ele é tão folgazão que deve ter inventando isso só para se divertir.

— E?

— Em suma, eu diria que ele é agradável e inteligente, aparenta possuir ótima índole

e, apesar da fama, parece ser um cavalheiro de princípios.

Pegando uma prega da saia entre os dedos, Daisy suspirou. A alta sociedade vivia

num mundo que lhe era estranho, entretanto Helena Masters o conhecia

razoavelmente bem. Assim sendo, não era difícil calcular que, se quisesse viver

naquele mundo, teria de confiar na sua dama de companhia.

— O visconde me beijou — terminou por confessar. — Como farei para continuar me

relacionando com ele depois disso?

Franzindo a testa, Helena indagou:

— Você quer dizer socialmente, não é?

— Sim. E não.

— Você protestou? Ou deu-lhe um tapa? Ou...

— Eu correspondi ao beijo. A não ser por ele ter me deixado como que encantada,

não posso culpá-lo por nada. Bem... Não protestei nem o estapeei, mas fugi de lá.

— Foi tão desagradável assim?

— Sim. Não. Oh, não sei... — Daisy baixou os olhos ao soalho. — Sei, sim. Foi bom,

muito bom. Mas sei como essas coisas acabam, então saí daquele quarto o mais

rápido que pude. Não há nada pior do que aquilo que vem depois de um beijo, e eu

não quero isso para mim. Mas a pergunta é: como faço para evitar que situações

como aquela venham a se repetir no futuro sem despertar a ira do visconde? Pois me

agrada vê-lo e conversar com ele. E tenho de fazê-lo, afinal ele é um dos melhores

amigos de Geoff, se não o melhor.

Daisy manteve os olhos no piso. O fato era que não conseguia esquecer aquele beijo

que, como por milagre, despertara-lhe a vontade de seguir adiante. Fora por medo

do que acabaria fazendo que fugira do quarto do visconde, pois aquilo, sim, seria

loucura. Fosse como fosse, o problema era que não conseguia tirar da cabeça os

sentimentos que Leland lhe evocara. Algo que não sentia havia anos, a bem da

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Edith Layton – Como Seduzir uma Noiva (Class Históricos 374)

Projeto Revisoras 105

verdade desde muito antes de Tanner. Desejos que não queria experimentar e, ainda

assim, era incapaz de reprimir. Desejos que a faziam contorcer-se e suspirar pelos

cantos e que, represados quando ela estava desperta, voltavam-lhe nos sonhos.

Desejos a que não podia sucumbir, sob pena de pôr a perder tudo o que havia

planejado antes de regressar à Inglaterra.

— O que vou fazer? — indagou num sussurro.

— Sua intenção é beijá-lo novamente? — quis saber Helena.

— Deus, não!

A aia ficou calada por alguns instantes, então disse:

— Roubar um beijo, ou dois ou três, de uma mulher adulta que sabe o que faz não é

nenhum pecado. Nem deveria desencorajá-la a continuar sendo amiga dele, se deixar

claro que não quer que isso se repita. O que me preocupa, porém, foi o restante do

que você disse.

— Como assim?

— Daisy, "o que vem depois do beijo" não é algo que deva provocar pavor. Bem,

talvez até possa provocar, já que os mexericos podem arruinar a vida de uma pessoa.

Porém se for feito com discrição... Você é viúva e responsável pelo seu sustento, o

visconde é solteiro. Claro que não seria correto ter um caso com ele, uma vez que

alguém poderia vir a descobrir e isso não faria nenhum bem à sua reputação. Por

outro lado, o visconde seria um par perfeito para você, pois além de inteligente e

rico, não deve satisfações a ninguém. O problema é que faz anos que ele vem

evitando o matrimônio.

— Mas eu não quero me casar com ele! O que desejo é saber o que devo fazer para

que tudo continue a ser como antes daquele beijo.

— Basta agir como agia anteriormente. Desde que você deixe claro, por atitudes ou

palavras, que não deseja maiores intimidades, ele acabará entendendo. Mas... —

Após hesitar um momento, Helena insistiu: — Por que você disse que "o que vem

depois do beijo" é tão terrível? Se estiver com o homem certo, pode ser maravilhoso.

— Maravilhoso? Não, obrigada. Aquilo é tudo, menos maravilhoso. — Daisy

respirou fundo. — Suponho que o visconde, quando gosta de uma mulher, só pense

em possuí-la. Agora, Geoff gosta de mim e mesmo assim não alimenta esses pen-

samentos a meu respeito. Talvez porque seja mais velho, talvez porque tenha mais

sensibilidade, o fato é que ele está acima dessas coisas.

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Projeto Revisoras 106

— Daisy! — Helena sentou-se na poltrona diante da dela. — Não é assim, tenho

certeza de que não. O conde é homem, e o fato de ser mais velho não significa que

esteja morto. O prazer sensual é um direito de qualquer homem, independentemente

da idade. E das mulheres também. Se o conde sentir afeição por uma dama, é natural

que queira manter relações com ela. Não estou dizendo que ele não goste de você,

pois é evidente que gosta. Mas talvez por ser um homem sensível, como você mesma

assinalou, ele não pensa em roubar um beijo antes que faça planos de desposá-la.

— Mas você concorda que um homem mais velho não queira fazer essas coisas com

freqüência, não concorda?

— Não sei. Realmente não sei. — Helena riu. — Talvez o melhor a fazer seja

perguntar para ele.

— Conversar com Geoff sobre esse assunto? — Daisy tinha os olhos arregalados.

— E por que não? Desde que o momento seja oportuno, é claro. Se está realmente

pensando em casar-se com ele, vocês dois têm de discutir esse assunto. Há certas

jovens na alta sociedade que não fazem idéia do que esperar no leito conjugal, porém

esse não é o seu caso. E o homem com quem venha a ter um compromisso

seguramente espera que você saiba o que tem de saber. Além de adulta, você é viúva.

O conde, ou qualquer outro homem feito, terá determinadas expectativas. Não seria

justo iniciar um casamento sem antes discutir o modo como você se sente em relação

ao ato de amor.

— Ato de amor! — Daisy desdenhou. — Uma maneira bastante bonita de se referir a

uma experiência brutal. E você sabe que é assim, por isso não me dê corda ou vou

acabar falando de detalhes escabrosos. Bem, seja como for, obrigada. Prometo pensar

em tudo o que você me disse.

— E, por favor, sinta-se à vontade para falar comigo sobre o assunto sempre que tiver

vontade. O mais importante, porém, é você ter em mente que pode conversar sobre

essa questão com qualquer homem com quem venha a ter um compromisso

amoroso.

— Ah, creio que isso não irá acontecer!

— Foi tão ruim assim para você?

— Foi, sim. — Ao lembrar-se das mãos grudentas de Tanner em seu corpo, Daisy

estremeceu. — Eu não gostava do meu marido, então você pode imaginar como era

terrível... É claro que não sou tola a ponto de pensar que não pode ser diferente com

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algum outro homem, mas, sinceramente, não gosto nem de pensar nesse assunto. De

qualquer modo, se e quando Geoff me pedir em casamento, não mentirei para ele.

Agora, cruzarei essa ponte somente quando me deparar com ela. Até lá, obrigada por

me ouvir.

Embora parecesse preocupada, Helena meneou a cabeça num gesto assertivo. Pondo-

se em pé, Daisy caminhou até a penteadeira e fingiu arrumar uma rosa que se soltara

de seus cabelos. Pensou que iria ver Geoff naquela noite, e isso a fez suspirar. Pensou

que veria Leland Grant e arrepiou-se, porém não em sinal de aversão. Leland a fazia

esquecer que temia... o "ato de amor", como dissera sua aia. Isso era estranho. E

perigoso.

Ainda assim... Às vezes, bem lá trás, ela se pegara imaginando como seria fazer amor

com um homem de quem gostasse. Como seria com alguém junto de quem se

sentisse bem. Afinal, tudo o que sabia a respeito do assunto havia aprendido pelas

mãos de Tanner.

Ora, já era hora de tirar Tanner dos pensamentos de uma vez por todas. Ele se fora. E

se havia tantas coisas boas na vida que ainda não experimentara, por que aquilo não

poderia ser uma delas?

Leland sorriu, o conde gemeu e Daisy ofegou. Não se tratava de uma pequena

reunião. A viscondessa viúva Haye os convidara para o que parecia ser um grande

baile.

— Tem certeza de que se sente bem o suficiente para entrar? — Daisy tornou a

perguntar.

— Já disse que sim — respondeu Leland em tom de enfado. — Do meu ferimento só

resta a lembrança.

— Bem, acho que terei de voltar ao hotel para trocar de roupa — ela comentou com

certo nervosismo enquanto espiava pela janela para examinar a longa fila de coches à

espera de despejar seus passageiros à porta de entrada da mansão.

— Não só seu traje é mais do que adequado à festa, como você está deslumbrante —

observou Helena de seu canto no interior da carruagem.

— Não, esta roupa não combina com um baile em grande estilo. — Ao lembrar-se do

vestido dourado que ainda não ousara usar, Daisy deixou escapar um suspiro.

— Não é um baile, mas sim uma das típicas festas de minha mãe — assinalou Leland.

— A não ser que alguém se embriague a ponto de subornar os violinistas que ela

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contratou para proporcionar uma suave música ambiental, ninguém irá dançar. Isso

aí é apenas uma festa elegante, com comes e bebes, do tipo em que jamais se deve

aparecer em trajes de gala.

— Meu Deus! — o conde exclamou, observando os archotes do lado de fora da casa e

a iluminação reluzente que escapava pelas janelas. — Mais parece um formigueiro

em chamas.

— E é assim que iremos nos sentir lá dentro. — Leland riu, piscando para o amigo. —

É melhor ir se preparando, Geoff, pois você será a sensação da festa. Todos os

convidados irão querer vê-lo, já que você nunca sai de casa. Mas será também uma

ótima oportunidade para Daisy, convenhamos, pois com a comoção causada pela

presença do conde recluso, ninguém terá tempo para se pôr a examiná-la. E assim ela

será apresentada à alta sociedade e arrancada de lá sem grandes estardalhaços.

— Muito bem — aquiesceu Geoffrey. — Se for pelo bem de Daisy, vamos lá.

Ele sorriu, ela também. Mas Leland, que os observava, não.

— Milorde, foi muita gentileza de sua parte ter vindo à minha reunião — agradeceu

a viscondessa enquanto o conde a cumprimentava com uma reverência.

O burburinho ao redor era tão alto que Daisy mal conseguia entender o que a anfitriã

dizia. Apesar disso, quando Geoff fez um gesto em sua direção, ela inclinou a cabeça

de leve para a viscondessa.

— Sra. Tanner, você está encantadora — a dama a cumprimentou e, ignorando

Helena, olhou para o filho. — Haye, então veio nos dar o prazer de sua presença,

não?

— Como pode ver, mamãe. — Ele se curvou numa mesura.

Sob todo aquele murmurejar de vozes, houve um momento de completo silêncio

entre a viscondessa viúva, seu filho, o conde e Daisy. E, no instante seguinte, a dama

se virou para cumprimentar um casal de recém-chegados.

— Pronto — Leland disse a Daisy enquanto se afastavam. — Agora, tudo o que tem a

fazer é trocar algumas palavrinhas sem muita importância com qualquer pessoa que

vier falar com você. Não se preocupe, ninguém conversa com ninguém por mais de

dois ou três minutos. Em festas como esta as pessoas não param de circular, pois

assim não perdem nada.

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Edith Layton – Como Seduzir uma Noiva (Class Históricos 374)

Projeto Revisoras 109

Olhando ao redor, Daisy constatou que havia grupos compactos de pessoas por

todos os lados. Os homens, a maioria senhores de meia-idade, estavam quase todos

trajados de preto, azul ou cinza, sendo que um ou outro colete vermelho quebrava a

sobriedade dos ternos de corte impecável. Jovens damas de branco, cor que indicava

o début na sociedade naquela temporada, podiam-se contar nos dedos. Havia muito

mais mulheres já de certa idade, e seus vestidos eram de cores e feitios dos mais

variados. Algumas usavam plumas nos cabelos, e todas pareciam falar sem parar

para respirar.

Daisy meneou a cabeça para cumprimentar todas as pessoas a quem era apresentada,

reparando que ninguém demonstrava muito interesse nela. Era o conde quem

despertava todas as atenções. Não demorou muito e ele foi apartado dali por dois

vizinhos que o cobriram de perguntas a respeito de sua saúde. Logo em seguida

apareceu um casal de idosos que se puseram a lhe contar histórias acerca do filho, a

quem ele obviamente devia conhecer desde menino. E então foi a vez de três cava-

lheiros, amigos de colégio, virem lhe indagar se ele pretendia ficar em Londres ou se

tencionava visitá-los em suas casas de campo.

Quando se deu conta, Daisy viu-se sozinha e sem saber o que fazer. Era impossível

tentar apreciar os detalhes da residência da viscondessa por conta da aglomeração de

pessoas que circulava sem parar. Helena também havia sumido, engolida pela

multidão de convidados. Assim, a ela só restou ficar parada ali e sorrir até sentir o

queixo doer e a cabeça começar a zumbir.

— As portas que dão para o terraço foram abertas — disse-lhe Leland, destacando-se

em meio a uma leva de passantes. — Venha.

Após hesitar um instante, Daisy colocou a mão no braço dele e, enquanto seguiam

para a varanda, indagou:

— Onde está Helena?

— Não faço a menor idéia. Mas, onde quer que esteja, fique certa de que sua dama de

companhia não corre perigo. É possível até que ela esteja se divertindo.

O terraço não se achava tão cheio quanto o salão nem era tão claro, mas dava para

um imenso jardim-de-inverno na forma de um quadrado, iluminado por alguns

archotes. Embora fosse o lugar ideal para um casal conversar com mais intimidade,

não havia por ali cantos escuros que pudessem propiciar alguma atividade pouco

recomendável.

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Projeto Revisoras 110

Ao inspirar uma longa golfada de ar, Daisy sentiu-se subitamente mais bem-

disposta. Com os olhos fixos nos convidados que caminhavam por ali, Leland,

apoiando-se no balaústre de mármore que delimitava o terraço, comentou:

— As festas de minha mãe costumam ser freqüentadas por uma gama mais variada

de pessoas. O que talvez signifique que ela esteja interessada em Geoff.

Daisy virou o rosto para poder fitá-lo nos olhos.

— A viscondessa sabe que seria mais difícil competir com mulheres jovens, e você

deve ter reparado que quase não há jovens aqui hoje — prosseguiu ele.— Mamãe

pode ter um coração de pedra, mas, a julgar por seu passado, tem o sangue quente. E

Geoff, além de rico e inteligente, é um homem bastante bem-apessoado para a idade

que tem.

— Para a idade que tem? Ora, ele não é nenhum octogenário. — Daisy torceu o nariz.

— Não sei por que as pessoas insistem em falar da idade de Geoff.

— Não sabe?

Ela não respondeu.

— Daisy, minha querida, embora não seja um ancião, ele tem quase o dobro da sua

idade. Mas por que isso haveria de irritá-la, se é a verdade? Os anos que Geoff viveu

fizeram dele o homem que é hoje. E se ele não se incomoda com isso, por que você se

amofina? Ou melhor, talvez a pergunta devesse ser outra: quais são suas intenções?

Daisy ficou olhando para ele.

— Sei que isso é algo que um pai indaga ao pretendente da filha e que o pai do conde

já se foi há muito tempo — continuou Leland —:, mas acontece que me preocupo

com ele. E, assim como os filhos de Geoff, eu gosto de você. Sinceramente.

— Oh.—Ela ergueu uma sobrancelha. — Preocupa-se tanto que tentou seduzir a

amiga dele?

— De que outro modo tentaria descobrir quais são as intenções dela? — Leland riu.

— Não, não é verdade. Fiz o que fiz porque tive vontade. Mas deixemos isso de lado

e retomemos o que realmente interessa neste instante: você e eu somos inteligentes

demais para fingir e blefar, portanto me diga o que de fato você pretende com Geoff.

Ser apenas uma amiga? Ou está planejando algo mais? Há outros homens adequados

para você na Inglaterra, mas você não quis saber de mais ninguém desde que

regressou. Porque está tencionando casar-se com ele, é isso?

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Embora soubesse que poderia esbofeteá-lo e sumir-se dali, Daisy não queria fazer

uma cena. E ainda que soubesse que poderia rir e fazer um comentário espirituoso,

não lhe ocorria nada nem engraçado nem mordaz com que retrucar as questões que o

visconde levantara. Assim, apenas continuou a olhar fixamente para ele. Mas quando

teve a sensação de que os luminosos olhos azuis estavam a ponto de devorá-la,

respondeu num murmúrio:

— Não tenho de lhe dar satisfações.

— Não, não tem. — Leland deu de ombros. — Mas você não negou o que eu disse, e

isso, por si só, já é uma resposta. De modo que vou lhe fazer outra pergunta: suas

intenções são dignas?

Foi a vez de ela rir.

— Evidentemente. Escute, milorde, tudo o que quero é viver em paz e tranqüilidade.

Esse é meu objetivo, são essas as minhas intenções. Agora, caso permita, eu tenho

uma perguntinha para você: se tem tanta consideração por Geoff, por que tomou

certas liberdades comigo?

— Se eu soubesse que ele tem sentimentos a seu respeito, minha cara, jamais me

aproximaria de você. No entanto, não estou tão certo disso. Você está?

— Não. Mas ficaria muito feliz se ele tivesse.

— Sei. E por que não acredita que eu seja seu amigo?

— Porque amigos não tentam seduzir as amigas.

— Não posso discordar. — Leland tornou a rir. — Por outro lado, que maneira seria

melhor para fazer amizades?

Agora Daisy tinha certeza de que ele fazia pilhéria. Sondou-o com o olhar e, mais

uma vez, teve a impressão de que a presença de Leland dominava o cenário e a fazia

esquecer-se de que não estavam sozinhos ali. Por quê? Apesar de alto e bem-

apanhado, não era um homem extremamente belo. Mesmo assim, por motivos que

ela não sabia explicar, era inegável e absolutamente atraente. Seja era estranho que

Leland Grant a levasse a sentir uma excitação inominável, mais curioso ainda era que

a levasse a pensar nesse assunto.

Porém ele não era meramente um sedutor, era também um homem honrado. Apesar

de não ter conhecido muitos indivíduos assim, Daisy sabia reconhecer uma pessoa

honrada quando se deparava com ela. Leland merecia uma resposta.

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Projeto Revisoras 112

— Geoff foi um cavalheiro para comigo numa época em que ninguém me tratava

como um ser humano, quanto mais como uma dama. Casei-me aos dezesseis anos

com um homem a quem detestava porque era essa a vontade de meu pai... e tive

medo de desobedecer. Agora sou livre, mas sinto que não sou. Ou melhor, não posso

ser livre sem ter um marido, uma vez que essas são as regras do meio em que

vivemos. Não quero casos, ou passatempos, nem uma vida nos pináculos da alta

sociedade. Quero que me deixem em paz. Quero ser amada por um homem bom e

honesto e não quero ser incomodada pelos demais. Só isso, nada mais. É só isso o que

almejo. Por acaso há algum mal em pensar assim?

Após fitá-la por alguns instantes, Leland olhou por cima do ombro dela e disse:

— Olhe ali, à sua esquerda. Para aquela mulher de vestido amarelo.

Ao virar discretamente o rosto, Daisy viu uma senhora de meia-idade com cabelos

castanhos, cujo vestido de fina seda se colava a um corpo robusto e compacto. Mas

não era o traje que chamava atenção, e sim a postura curvada e a desolação no rosto

dela.

— Lady Blodgett casou-se aos dezessete anos — comentou Leland. — Uma união

arranjada pela família, o que é bastante comum. Nos sete anos seguintes, ela teve

quatro filhos. O mundo e eu sabemos que ela sempre detestou o marido.

Daisy continuou a olhá-lo.

— Ali, bem atrás dela, há uma dama ruiva de vermelho, com um chumaço de plumas

que a faz parecer uma arara. Ela não perde um sarau, e está sempre disposta a um

bom flerte. Casou-se aos dezoito anos, por ordem da família, com um sujeito que

tinha o dobro da idade dela. Um homem desprezível. Mesmo assim, é lady Blodgett

quem tem um caso após o outro... E não a arara, que passa o tempo todo bebendo nos

eventos que costuma freqüentar.

— E?

— Lamento muito, Daisy, mas por pior que tenham sido seus percalços, com certeza

não foram uma exceção. Você não foi a única mulher no mundo obrigada a casar-se

com um homem desprezível. Você esteve na prisão, é verdade, porém aquelas

mulheres vivem no cárcere das normas sociais. Agora, você acha que, se tivessem

uma segunda oportunidade, se os maridos as libertassem, elas iriam se contentar em

pedir um futuro de paz? Duvido. Elas iriam à busca de alegria, de prazer. A vida é

para ser vivida, Daisy. Paz, nós a teremos mais cedo ou mais tarde: a paz eterna. E

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enquanto estivermos neste mundo, ninguém será capaz de viver em paz antes de

encontrá-la dentro de si mesmo.

— Você... pretende fazer com que Geoff desista de mim?

— Não. Mas gostaria que você pensasse bem no que tenciona fazer. Porque se vier a

decidir daqui a dez anos, quando Geoff mais precisar de você, que seria mais feliz

brincando na cama de outro do que dormindo no leito dele, irá fazê-lo sofrer

terrivelmente. Não quero que o conde venha a passar pelo que meu pai passou. Bem,

meu pai talvez até merecesse o que lhe aconteceu. Geoff definitivamente não merece

nem irá merecer. Isso, Daisy, eu não iria tolerar.

— E toda essa preocupação é somente por causa de Geoff?

— Não. — Leland deu um sorriso largo. — Claro que não. A princípio até foi, porém

agora a situação é outra. Desejo você. Mas isso não é nenhuma novidade, não é

verdade?

Ela continuou a fitá-lo por mais alguns instantes, então, após um suspiro, retrucou:

— Pois pode continuar desejando, se isso o faz feliz.

— Acontece que eu gostaria de fazer você feliz.

— Nesse caso, o melhor a fazer é esquecer seus ardores. Não sinto o mesmo, não

gosto disso, de modo que pode tirar essas idéias da sua cabeça.

— Disso?

— Não se faça de tolo. Você sabe muito bem do que estou falando!

— Não, creio que...

— O ato conjugal.

— Oh. Sei. — Ele fingiu pensar. — Mas então por que quer casar-se com Geoff? Ele é

um homem em pleno vigor físico e, por mais que se comporte como seu pai, garanto-

lhe que não se trata de nenhum monge.

Sem que o percebesse, ela arregalou os olhos.

— Pobre Daisy — Leland disse baixinho, acariciando-a com o olhar. — Se você

pensou que o conde fosse um abrigo seguro contra as exigências da carne, não podia

estar mais equivocada. E esteja certa de que não são poucas as damas que podem

confirmar o que estou dizendo. Se você o ama, terá de amá-lo de alma e corpo.

Daisy não sabia como responder.

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— Ora, você não é nenhuma tola. Seu finado marido por certo foi um bruto, porém

você sabe que nem todos os homens são assim. Se isso fosse verdade, não haveria

tantas mulheres loucas para fazer amor. Aliás, se estiver interessada, posso lhe

mostrar por quê.

— Só por que você quer! — foi tudo o que ocorreu a Daisy dizer. Na verdade, ela

ainda estava sob efeito da surpresa que as palavras de Leland haviam lhe causado. E

também da confusão de emoções que a presença dele lhe provocava. — Se não se

importa, eu gostaria de entrar. Geoff deve estar à minha procura.

— Sem dúvida — ele concordou, oferecendo-lhe o braço.

Capítulo X

— Com licença, milorde, mas por acaso o senhor viu a sra. Tanner? — indagou

Helena, meio ofegante. — Não consigo encontrá-la.

Geoffrey terminou o que ia dizendo aos amigos e, despedindo-se deles, deu um

passo em direção a Helena para declarar:

— Não se preocupe, ela está com Haye.

— Céus! Ser vista na companhia de um homem que tem a fama do visconde pode

destruir a reputação dela!

O conde riu.

— Ora, sra. Masters, aqui ninguém repararia nisso. Além do que, nem haveria como

os dois serem vistos a sós, já que a casa está repleta de convidados. Mas, se isso a

deixa mais tranqüila, podemos ir procurá-los. Da última vez em que os vi, eles

seguiam para o terraço.

— Obrigada, milorde, mas não me atrevo. Deixe, eu mesma irei ao encontro deles.

— Ora, por favor. — Tomando a mão dela, Geoffrey colocou-a sobre seu braço. —

Venha comigo. Não há motivo algum para que você vá sozinha.

Enquanto a conduzia em direção às grandes portas envidraçadas, o conde pensava

consigo que ela estava muito bonita naquela noite, com um vestido azul de mangas

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longas, os cabelos presos no alto da cabeça e uma medalha de ouro ao pescoço como

único adorno.

— Você exagera no cumprimento de suas responsabilidades — ele lhe disse. — Isso é

bom, mas, aqui, não é necessário. Por mais inexperiente que seja em questões sociais,

Daisy tem bom-senso.

— Sim, mas o visconde...

— Não me diga que você também, além de metade das mulheres de Londres, deixou-

se arrebatar pelos atrativos masculinos de Lee!

Helena riu. Um sorriso largo que, o conde percebeu, suavizava-lhe as feições quase

sempre austeras.

— Não, de modo algum! — Ela tornou a rir. — Faz anos que não me encanto por

homem nenhum.

— Oh, mas isso é muito triste. Precisamos encontrar alguém que a cative. Quem sabe

eu mesmo não me arrisco? Vamos ver... Diga-me o que você gostaria de encontrar

num cavalheiro.

— Creio que procuro o impossível, milorde — o sorriso dela era agora melancólico —

já que nenhum homem olha para mim.

— Mentira! Ou, se for verdade, é um absurdo. Pelo menos para mim, que, não faz

muito, vim de um lugar onde as pessoas valem pelo que são e não pelo que possuem.

— Ao examinar o rosto dela, Geoffrey teve a impressão de que a via pela primeira

vez. — Você, sra. Masters, poderia...

Alguém chamou por ele. O conde, porém, mal se deu conta. Parecia esquecido de

tudo, exceto de que Helena lhe sorria.

Enquanto isso, todos os demais se viravam para olhar com ávido interesse para

Daisy, que retornava ao salão pelo braço de Leland.

O mordomo da viscondessa ficou a encará-lo.

— Sei que quase nunca apareço — disse Leland —, mas certamente você sabe quem

sou. Por favor, vá avisar minha mãe de que desejo falar com ela.

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Projeto Revisoras 116

— De fato, sei quem é o senhor, milorde. — O mordomo deu um passo atrás para lhe

dar passagem. — O que acontece é que não esperávamos visitas esta manhã. A

criadagem foi se deitar tarde ontem, e sua mãe ainda está dormindo.

— Não faz mal. Vá acordá-la. — Ao vê-lo hesitar, Leland acrescentou com ácida

meiguice: — Ou prefere que eu mesmo vá?

— Queira esperar um momento enquanto mando avisá-la, por favor. — O mordomo

lhe indicou o salão de visitas.

Demorou cerca de quinze minutos para a viscondessa descer a escadaria.

— Haye, o que houve? — ela indagou à entrada do salão.

— Não é você quem deveria me responder essa pergunta?

Com um roupão sobre o négligé, a mãe dele trazia os cabelos claros num penteado

simples e sinais de algum creme para a pele na cútis sem uma só mancha. Eram os

olhos, porém, o que a fazia aparentar a idade que realmente tinha: apesar de gelados

como sempre, davam a entender que já tinham presenciado um sem-número de

eventos na vida.

— Sente-se e me diga qual é o motivo dessa sua expressão zangada — ela convidou.

— Só agora me dou conta de que não se trata de nenhuma emergência. Mais me

parece que você se aborreceu com alguma coisa e resolveu que a responsável sou eu.

Bem, não é novidade.

Mantendo-se em pé, Leland a interpelou:

— Você não sabe do que estou falando? Sua memória não deve estar nada boa.

Quantas horas se passaram desde a festa de ontem à noite?

Embora suas faces corassem levemente, a viscondessa continuou a encará-lo com um

ar desafiador.

— Você contou a todos sobre o passado de Daisy Tanner enquanto ela se encontrava

lá fora comigo, não foi? — acusou Leland. — O que eu queria saber é o quê,

exatamente, você disse a seus convidados.

— Eu?

— É possível que eles tenham imaginado que se tratava de uma ex-presidiária, afinal

Geoff não esconde seu passado de ninguém e, se comentou com alguém que havia

conhecido Daisy em Botany Bay, as deduções se fizeram naturalmente. Agora, o que

eu quero saber é por que a festa parou no instante em que ela e eu retornamos ao

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Edith Layton – Como Seduzir uma Noiva (Class Históricos 374)

Projeto Revisoras 117

salão. Por que, de um momento para outro, Daisy se tornou o centro das atenções?

Embora ninguém dissesse nada a ela, não deixaram de encará-la. Até eu, que me

considero um sujeito indiferente à maledicência, fiquei sem ação. Tivemos de tirá-la

às pressas daqui, e eu quero saber o que foi que você fez para poder desfazê-lo. O

mais rápido possível.

— Então você está interessado naquela moça? Cuidado, Haye. Se ela é amiga do

conde, ele pode se zangar com você. — Por pouco os lábios da viscondessa não se

curvaram num meio sorriso. — Mas, afinal, você continua solteiro até hoje porque

tinha planos de encontrar uma noiva condenada pela Justiça?

— Ex-condenada. Foi isso o que você disse a seus convidados?

— Eu disse apenas que ela cumpriu pena em Botany Bay, casou-se lá e agora está

viúva. Uma viúva rica, suponho, porque se o conde anda pagando as despesas

daquela moça, então ela é algo mais além de tudo o que falei.

— Um cavalheiro não leva a amante a festas nas altas-rodas, é isso?

— Um cavalheiro não leva a amante à casa de uma dama. Aliás, nem à sua própria

casa. Mas isso, evidentemente, é um detalhe que você desconhece.

— Foi por esse motivo que você nunca pôde freqüentar a casa de seus amantes? Nem

recebê-los na sua?

Ela não respondeu.

— Bem, parece-me que o estrago foi menor do que eu presumi — emendou Leland.

— Tudo o que tenho a fazer é explicar que Daisy foi parar em Botany Bay por conta

dos erros do pai e que ela tem, sim, recursos de sobra com que se manter. Agora, o

que eu queria saber é por que você fez isso. Porque imagina que Geoff vá se casar

com ela? E quem pode saber? É possível, por que não? Além de bonita e inteligente,

Daisy, ao contrário de você, tem rígidos princípios morais. — Ele se pôs em direção à

porta da rua. — Tenha um bom dia, mamãe.

— Haye?

Leland se deteve para olhar para a mãe.

— Acha mesmo que ele irá desposá-la? — a viscondessa quis saber.

— Não faço a menor idéia. Por quê? Por acaso chegou a pensar que ele poderia casar-

se com você? Esqueça, mamãe. Algo me diz que você o amedronta.

— Sei. Posso saber o que você andou falando para ele a meu respeito?

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— Nada. Afinal de contas, o que eu teria para dizer? Só posso fazer mexericos sobre

as pessoas que conheço. E eu jamais cheguei a conhecer você, não é verdade? — Com

isso Leland meneou a cabeça num breve cumprimento, pôs o chapéu e se foi.

— Não quero ir a nenhuma festa — disse Daisy sem rodeios. — Mesmo que você

tenha esclarecido tudo o que havia para esclarecer, não quero me arriscar. E por que

tenho de ir, Geoff? Isso é tão importante assim? Pensei que você detestasse os

círculos sociais.

— Não é que eu deteste, apenas... evito. Já passei da idade de ligar para essas tolices,

mas você, não.

Achavam-se no gabinete do conde. Quando ele mandara chamá-la para uma

conversa, Daisy chegara a imaginar que se tratava de alguma boa surpresa e, a

caminho de lá, fora se perguntando se seria um convite para uma viagem à casa de

campo dele ou um pedido de casamento. Em vez disso, lá se deparara com Leland

que, segundo palavras dele próprio, havia passado a manhã toda tomando

providências para garantir que ela retomasse ao convívio com a alta sociedade sem

que ninguém se pusesse a encará-la.

— Você é jovem, precisa de companhia e de distração — observou Geoffrey. —

Como fará amigos se se afastar da sociedade? Nem todos que a freqüentam são

pessoas artificiais ou almofadinhas.

— Exato — concordou Leland. — Veja o meu caso: adoro teatro, música e literatura.

Onde iria encontrar alguém com quem conversar a respeito disso tudo? Em tavernas?

Junto às damas frívolas com quem dizem que saio? Vou a festas, a clubes de

cavalheiros e a eventos esportivos apenas porque preciso diversificar meu leque de

amizades.

— Daisy, as amizades que você tinha em Botany Bay não lhe seriam apropriadas nas

atuais circunstâncias — o conde assinalou. — Você deve conviver com jovens

mulheres que compartilhem não só da sua agudeza de espírito, mas também da sua

posição social.

— E qual é minha posição social? — ela indagou. — Você sabe? Eu não sei.

— Mas saberá, mais cedo ou mais tarde — disse o conde. — Olhe, muitos dos

convidados da viscondessa estarão nessa outra festa, mas Lee já conversou com

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Edith Layton – Como Seduzir uma Noiva (Class Históricos 374)

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quase todos eles, e eu também farei minha parte. Você não sofrerá nenhum tipo de

constrangimento, prometo.

— Não tenho medo de que me rejeitem! Ou melhor, talvez tenha, sim, afinal

ninguém quer se ver em meio a pessoas que o destratem. A questão, na verdade, é

que não os quero como amigos. Tenho você, Geoff. Já me basta.

Deixando de sorrir, Leland lançou-lhe um olhar tão intenso que ela correu a

emendar-se:

— E o visconde também, evidentemente. Além de Daffyd e Helena... e seus outros

filhos, quando eles vierem a Londres. Não me imagino flanando de festa em festa.

Tal comportamento não combina comigo. Tenho poucos amigos, porém bons. Quem

precisa de mais do que isso?

— Tenho idade para ser seu pai, Daisy. — Como se subitamente retraído, Geoffrey

pôs-se a arrumar alguns papéis que estavam sobre sua escrivaninha. — Sou seu

amigo, é claro, mas é assim que você me vê?

Com o cuidado de não olhar para Leland, ela afirmou baixinho:

— Sim.

— Então você me acompanhará à festa amanhã à noite? — Geoffrey tornou a

convidá-la.

— Sim.

— Ótimo.

Talvez o conde insistisse tanto porque pretendia pedi-la em casamento durante ou

após a tal festa... Ao sorrir para ele, Daisy pegou-se relembrando o que o visconde

lhe dissera: que Geoff tinha não só o vigor físico como também os apetites dos

homens mais jovens, o que significava que, se se casassem, iria querer fazer amor

com ela. Oh, não. Imaginá-lo despido numa cama, ardendo de desejo era uma visão

tão apavorante quanto repulsiva. Céus, não conseguia nem sequer pensar naquela

hipótese!

Antes que percebesse o que fazia, Daisy já estava em pé.

— Bem, obrigada, Geoff. Você me convenceu a ir a tal festa. Obrigada a você

também, visconde. E o que devo usar? O fabuloso vestido dourado que a modista

reformou para mim ou algo mais simples?

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— O que preferir, já que você ficaria bem até mesmo num traje feito de estopa. —

Geoff riu.

Apesar de saber que se tratava de um elogio, ela não conseguiu nem ao menos sorrir.

Daisy estava aborrecida e apreensiva.

Aliás, não vinha se sentindo bem desde a manhã que fora encontrar-se com Geoff e

Leland. E agora, quando estava prestes a ver o conde novamente e talvez escutar a

pergunta que viajara quilômetros e mais quilômetros para ouvir, simplesmente não

sabia o que fazer.

Nas longas horas insones da noite, havia decido que se Geoff a pedisse em

casamento, iria responder que sim, mas precisava de um pouco mais de tempo. Só

que o simples fato de aceitar o pedido significava também que teria de beijá-lo. E já

que seria impossível evitar o beijo, que pelo menos essa pequena troca de intimidade

servisse para ajudá-la a ver como iria reagir.

Agora, se aquilo fosse algo insuportável... Então partiria de Londres o mais breve

possível para ir viver na localidade onde nascera e fora criada. Iria comprar um chalé

e ali viveria sozinha, com galinhas, gansos e um cachorro. Lá ninguém a impor-

tunaria. Não seria hostilizada pela alta sociedade como o tinha sido em Londres nem

ameaçada por pretendentes sôfregos como o fora em Port Jackson.

— Nunca pensei que o azul fosse lhe cair tão bem! Você está linda — comentou

Helena, ao ver o vestido novo de sua patroa.

— São os atavios dourados — respondeu Daisy, meio distraída. — Você também está

muito bonita. O vermelho ressalta sua figura.

— Não sei se é uma cor muito adequada a uma dama de companhia... Talvez seja

melhor eu me trocar.

— De modo algum. Não tire esse vestido, pois ficou ótimo em você. — Daisy

suspirou. — Bem, é melhor irmos descendo, pois Geoff e o visconde já devem estar à

nossa espera. Agora, seja como for, quero que você saiba de uma coisa, Helena: se eu

me deparar com aquela parede de olhos novamente, ou se as pessoas começarem a

cochichar às minhas costas, venho embora no mesmo instante.

— Se alguém a encarar, será porque você está linda — retrucou a aia. — E se

começarem a cochichar, é porque a vêem na companhia do conde e do visconde, pois

este é conhecido pelos namoricos e aquele nunca sai na companhia de uma dama. As

pessoas irão querer saber qual dos dois está cortejando você.

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Apesar da ansiedade que a acometia, Daisy sorriu antes de se encaminhar para a

porta.

Geoff, porém, não se achava lá embaixo esperando por elas. Quem viera buscá-las

era Leland, que estava incrivelmente atraente em sóbrios trajes de noite preto-e-

branco.

— O conde teve um assunto de última hora para resolver, mas disse que irá nos

encontrar lá — ele explicou.

Helena o cumprimentou com um leve aceno da cabeça, e Daisy ficou ainda mais

ansiosa. Talvez Geoff tivesse ido a algum lugar buscar um anel com que presenteá-la

assim que ela desse o seu "sim".

— A sra. Tanner parece não ter gostado muito da idéia de me ter por acompanhante

— observou Leland em tom de brincadeira.

— Não, não é isso, por favor — ela respondeu, erguendo a cabeça. — Somos muito

gratas pela sua companhia.

Ele agradeceu com uma mesura, então afirmou:

— Venham, damas, vamos deslumbrar as altas-rodas.

Diante da porta de entrada, ao espiar pelo salão de baile apinhado enquanto

esperava que o mordomo os anunciasse, Daisy prendeu a respiração.

— Não se preocupe — Leland soprou no ouvido dela. — Se alguém olhar de um

modo estranho para você é porque está com medo... de mim. Eles sabem que sou

bem capaz de trazer à tona assuntos que gostariam de ver sepultados para sempre.

Coragem.

Ela fez que sim e, ao ouvir seu nome, deu um passo adiante... e mais outro... e então

não pôde seguir adiante porque todos ali presentes pareciam ter vindo ao seu

encontro para cumprimentá-la.

— Fiquei pasma! — Daisy comentou com Leland uma hora mais tarde, quando ele a

levou ao jardim nos fundos da mansão para tomar um pouco de ar. — "Lembra-se de

mim, sra. Tanner?", "Oh, sra. Tanner, é um prazer revê-la!", as pessoas ficavam me

dizendo sem que eu sequer soubesse de quem se tratava. Com que foi que você as

ameaçou? Que espécie de crime eles cometeram para virem disputar minha atenção?

E isso porque sou uma ex-condenada!

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Leland esperou-a sentar-se à borda dê mármore de um viveiro de peixes ornamentais

e então se acomodou ao lado dela, dizendo:

— Seu crime foi ter sido uma boa filha, e a punição que recebeu em troca superou em

muito o delito. Não se pode chamar a isso de justiça.

— Talvez, mesmo assim posso dizer que tive sorte, afinal todos os dias há pessoas

enforcadas por muito menos. Pensando bem, acho que meu maior azar foi ter de me

casar com Tanner.

— Geoff e Daffyd dizem que ele era um grosseirão, mas acredito que não tenha sido

só esse o motivo pelo qual você o detestava. Sei que não me cabe perguntar, mas...

Bem, você só responde se se sentir à vontade para fazê-lo.

— Por que está dizendo isso?

— Porque gosto de você.

Agora muito séria, Daisy indagou:

— Você gosta de mim? Bem, talvez até goste... Olhe, não tenho por que não lhe

contar a verdade. E a verdade foi que Tanner me fez todo o mal que podia fazer. No

fundo ele não gostava de mim, mas, até aí, ele não gostava de ninguém. O que ele

gostava mesmo era de que os outros o invejassem.

— Como ele era?

— Apesar de um pouco gordo, não era feio. Apesar de ter um gênio terrível e pouca

instrução, sabia conversar, pelo menos com as mulheres. Trapaceava no jogo e batia

em pessoas que não tinham como revidar. Quando bebia ficava ainda pior, e olhe

que ele bebia um bocado. Comia com os dedos. Cuspia em qualquer canto. Não

podia ter filhos, e isso foi algo que só veio a confessar numa ocasião em que estava

bêbado a ponto de cair. Para minha sorte, no dia seguinte ele esqueceu o que havia

dito, caso contrário quem pagaria pelo problema seria eu. E eu o odiava, pura e

simplesmente.

— Ninguém poderia culpá-la por isso.

— O dia mais feliz de todo o meu casamento foi quando vieram me dizer que ele

havia caído do cavalo e quebrado o pescoço. Chorei. De tanta felicidade. Em todos os

anos que passei ao lado de Tanner não houve um só dia, uma só hora, um só minuto

em que não sentisse um medo pavoroso dele. Não fui apenas a esposa, fui uma

escrava para aquele homem. Não havia outra forma de eu me libertar, de modo que

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não tenho vergonha de confessar que, no fundo, comemorei a morte dele. Creio ser

esse o meu maior pecado.

Tomando a mão dela na sua, Leland afirmou:

— Lamento muito. Bem, e o que mais eu poderia dizer? Sinto muito, sinceramente.

Você merecia uma vida melhor. E irá tê-la no futuro, se tiver em mente que Tanner

não passou de uma circunstância extremamente infeliz e que a maioria dos homens

não é nem de longe parecida com ele.

— Então você acha que não posso vir a ser feliz sem a companhia de um homem? —

Daisy recolheu a mão que ele afagava.

— Não é assim que você pensa? Não foi por isso que retornou à Inglaterra? Ou será

que prefere passar o restante de seus dias sozinha?

— Você quer é saber se estou tentando conquistar Geoff. — Ela se pôs em pé.

Erguendo-se devagar, Leland tornou a segurar-lhe a mão.

— Daisy, Geoff não é seu pai e não é Tanner. É um homem bom, afetuoso. Mas se

você não tem certeza de que... O que quero dizer é que você precisa estar certa do

que deseja.

— Não, isso não é tudo o que você quer me dizer.

— Evidente que não — Leland confirmou com um falso sorriso. — Você me conhece

bem. Mas que diferença isso faz, não é mesmo?

Ela vacilou.

— Daisy Tanner, o que eu queria neste instante era tomá-la nos braços e beijá-la até

perdermos o fôlego. Não com impetuosidade, mas num suave deleite. Não por

orgulho, mas porque é essa a minha vontade. Eu queria fazer amor com você, sem

pressa nem voracidade. Infelizmente, estes não são nem o lugar nem o momento

propícios. Fossem outras as circunstâncias — sem tirar seus olhos dos dela, Leland

baixou a voz a um sussurro —, pode ter certeza de que você não iria querer que eu

parasse.

— Você é muito seguro de si — ela observou com um risinho nervoso.

— Não se trata disso. Você acumulou muitas emoções por um longo período de

tempo. Você foi feita para o prazer e, de algum modo e em algum lugar do seu ser,

sabe que foi. Pense nisso quando for pensar no seu futuro, Daisy. É tudo o que lhe

peço. Pelo bem de Geoff, e pelo seu bem.

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— E o seu também.

— Evidentemente.

Capítulo XI

Daisy não dormiu nada bem. Ou melhor, pensou ela ao despertar, dormira bem até

demais, só que entre braços imaginários. Como era possível que algo que lhe dava

tanto prazer em sonhos era capaz de lhe provocar arrepios de pavor quando estava

acordada?

Peste de homem!, reclamou consigo enquanto se vestia. O miserável se imiscuía em

seus sonhos do mesmo modo como se intrometia na sua vida. E quem era ele, afinal

de contas? Tirando a voz sedutora, só restava um homem alto e magro cheio de pose.

Não, era preciso admitir, havia também aquele par de envolventes olhos azuis,

aquela boca sensual, aquele sorriso provocante... E também aquela agudeza de

espírito, aquele falar arrastado que levava alguém a pensar que ele nunca dizia nada

de importante até essa pessoa se dar conta de que ria do lado engraçado da verdade

que ele acabara de apontar.

Leland parecia saber de coisas que ela própria ainda não havia reconhecido em si

mesma. Pior: quando tudo dava sinais de entrar no rumo, lá vinha ele para lhe

azedar os planos com idéias absurdas.

— Então você não vai se encontrar com o conde? — perguntou Helena quando sua

patroa lhe contou o que pretendia fazer naquele dia.

— Não. — Daisy virou a cabeça para averiguar o movimento das plumas que

tombavam da aba do seu chapéu novo. — Não é um encanto? Plumas vermelhas! Só

espero que não chova. Daria para comprar três pavões com o que gastei neste

chapéu. E olhe que estas plumas mais parecem penas de galinha tingidas... Oh, seja o

que for, combinou com este vestido, não combinou?

O vestido dela também era vermelho, com mangas longas e saia levemente rodada.

Porém não era o modelo, simples e até discreto, que a fazia sentir-se ousada, e sim

aquela tonalidade carmim. Não que quisesse se pavonear, mas era mulher o

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suficiente para querer experimentar a sensação de saber que um homem gostaria de

acariciá-la.

Afastando-se do espelho, ela comentou:

— Pensei em passar o dia fora, fazendo compras, dando uma espiada nas casas que

estão para alugar. Ora, não tenho por que ver Geoff todo santo dia. Quero dizer,

desde que cheguei a Londres, mal tenho dado tempo a ele para respirar.

Helena não dissimulou a surpresa:

— Não eram esses os seus planos?

— Bem, sim. Só que eu também preciso de tempo para mim. Para refletir, tomar

decisões, coisas assim. Raciocino melhor quando estou ocupada. E como não tenho

refeições para preparar nem casa para arrumar, espero que caminhar e fazer compras

me ajudem a pensar.

— Tomar decisões? — Helena ergueu as sobrancelhas. — O conde pediu sua mão?

— Não.

— Então por que ir ver casas para alugar? Você certamente sabe que ele irá pedi-la

em casamento, ou pelo menos é o que parece. Por acaso você não gosta da mansão

dele aqui na cidade? É uma casa tão linda, qualquer mulher seria muito feliz lá. —

Helena respirou fundo. — Perdão... Não são assuntos que me digam respeito, nem eu

tinha o direito de perguntar.

— Não precisa se desculpar. — Daisy pôs-se a calçar as luvas. — Não faço segredo

das minhas intenções, mas acontece que não sei muito bem o que pensar ou que devo

fazer ou não fazer, aconteça o que vier a acontecer. Estou como que paralisada,

Helena. Acho que é reflexo do fato de ter sempre alguém para me dizer que atitude

tomar. Primeiro era meu pai, depois foi Tanner... Creio que tomar decisões é algo que

só se aprende com a prática.

— Talvez tudo seja mais simples do que parece. É óbvio que você gosta do conde, do

mesmo modo como é evidente que ele gosta de você. Daisy, permita-me o

atrevimento de lhe dizer que o conde é um homem maravilhoso e que qualquer

mulher no mundo poderia se considerar uma bem-aventurada por ser o centro das

atenções dele. Aliás, não era assim que você pensava? O que a fez mudar de idéia?

Leland Grant, Daisy teve ímpetos de dizer. As coisas que ele me diz. As emoções que ele me

faz sentir. As sensações que ele me evoca mesmo quando estou sozinha na minha cama à noite.

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Sensações que antes me apavoravam, mas que agora me deixam curiosa. As promessas de

prazer nos olhos, na boca e nas mãos dele me trazem emoções que eu julgava adormecidas para

sempre no meu coração, na minha alma e especialmente no meu corpo. Ele despertou todo o

meu ser. E está certo quando diz que tenho de corresponder aos ardores de Geoff se quiser fazê-

lo feliz. Só que, por mais que eu adore Geoff, não suporto a simples idéia de que ele me toque. E

menos ainda a idéia de vir a tocá-lo.

Em voz alta, porém, ela tentou argumentar:

— Trata-se de um passo importante, sobre o qual tenho de refletir. De modo que...

Droga! Estas plumas estão fazendo cócegas na minha bochecha. Para que preciso

disso, se não pretendo voar? Ah, mas ficou tão bonito! Bem, por que não vamos

comprar um chapéu que não me incomode? E também algumas fitas ou rendas,

sapatos, creme para os cabelos, violetas, melões... Viu? Há tantas oportunidades de

escolha hoje em dia!

— Há algum assunto sobre o qual você gostaria de conversar? — indagou Helena,

muito séria. — Apesar de ser somente uma dama de companhia que terá de buscar

outro emprego quando você se casar, creio possuir alguma experiência em certas

questões. Afinal fui casada, e muito feliz, por mais de dez anos, tenho dois filhos que

adoro, e agora estou sozinha, e infeliz, por quase cinco anos. Para mim seria um

prazer poder ajudá-la a resolver algum problema que porventura esteja a incomodá-

la.

— Eu sei. Muito obrigada, mas, como falei, este é um passo que terei de dar com

minhas próprias pernas. Agora, o que acha do bazar Pantheon para examinarmos

algumas quinquilharias? Ou então poderíamos visitar um corretor de imóveis.

— Como preferir.

— Oh, não me trate com tanta frieza. Ouça, eu odiei a experiência de estar casada.

Gosto de Geoff, sim, mas o fato é que não tenho certeza de que quero outro marido.

Melhor dizendo, sempre sonhei em ter um marido bom e honrado, que me

aconselhasse, me protegesse e me desse segurança, coisas que meu pai nunca me

proporcionou. Era nisso que eu pensava quando caminhava pelos cascalhos de

Botany Bay, mirando o mar, sonhando com o dia em que pudesse ser livre. Pois

agora vivo por mim. E tenho dinheiro, além de certa liberdade para fazer o que bem

entender, algo com que jamais havia contado. Isso tudo me faz indagar-me se não

seria melhor continuar amiga de Geoff e... Pode me olhar assim, sim, pois sei que o

que eu disse é realmente surpreendente.

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Projeto Revisoras 127

— De fato, estou admirada. Talvez porque não consiga pensar em nada melhor do

que estar casada com um homem bom e respeitável que me ame de verdade.

— Pois eu consigo. Provavelmente porque tenha perdido a coragem de colocar meus

planos em prática, não sei. Agora que sou a única responsável pelas escolhas que vier

a fazer, não quero correr o risco de cometer um erro que não tenha como reparar.

Preciso de tempo para pensar com calma e... Ah, venha, vamos andando.

Conversaremos enquanto caminhamos pelas ruas. Não vejo a hora de me ver lá fora,

fazendo alguma coisa, seja lá o que for.

Assim que abriu a porta da suíte ela deparou com o gerente do hotel com a mão

erguida no ar, pronto para bater. Ao lado dele estava um homem corpulento em

trajes escuros.

— Ah, sra. Tanner, bom dia — cumprimentou o gerente. — Eu estava prestes a bater

à sua porta. Este é o sr. Robert Burrows, da delegacia de polícia de Bow Street. O sr.

Burrows disse que tem assuntos a tratar com a senhora, e embora eu tivesse lhe dito

que esperasse lá embaixo, ele fez questão de subir comigo.

— As pessoas desaparecem quando ouvem falar de Bow Street — disse o policial,

sem papas na língua.

Daisy ergueu a cabeça para interpelá-lo:

— E o que é que o senhor quer comigo?

— A senhora é Daisy Tanner, não? — Após examiná-la de alto a baixo, o homem

bateu de leve no bolso do paletó. — Tenho aqui comigo um mandado de prisão

contra a senhora.

Apesar do susto, ela conseguiu indagar:

— Baseado em quê?

— Na suspeita de que a senhora é a responsável pela morte de seu marido, James

Tanner. Na colônia penal de Sua Majestade em Botany Bay.

Sentindo o rosto gelado e as pernas amolecerem, Daisy levou a mão ao batente da

porta. Então, após respirar fundo, tratou de reagir:

— Não é verdade. Ninguém matou meu finado marido, pois a morte dele foi um

acidente. Não irei a lugar nenhum. Helena, mande avisar Geoff. E o visconde Haye

também. Ah, e também meu represente legal, aquele com quem me consultei antes

de vir para Londres. O nome dele é Ronald Arbus. Veja naqueles papéis que estão

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sobre a escrivaninha. — Ela tornou a se dirigir ao policial, agora soprando entre os

dentes: — Não vou a nenhum lugar. Tenho recursos com que me defender dos

inimigos que armaram essa arapuca para mim. Não arredarei pé daqui.

— Você não é obrigada a ir a Bow Street — disse o conde, caminhando de lá para cá

em seu gabinete. — Tenho amigos influentes. Dei minha palavra como garantia da

sua permanência em Londres. E você pretende ficar na cidade, não pretende?

Apertando as mãos sobre o colo, ela fez que sim. Em pé junto à janela, Leland a

observava sem piscar. Sentada numa poltrona de canto, Helena parecia prestes a

desatar a chorar a qualquer momento.

— Não vou fugir — declarou Daisy com firmeza. — Porque não sou culpada de

nada.

— Claro que não — observou Geoffrey.

— Sei que ninguém assume a culpa pelo que fez ou deixou de fazer, mas acontece

que estou dizendo a verdade — ela rebateu num tom irado. — Tanner foi dar uma

volta a cavalo, ou melhor, apostou uma corrida a cavalo com um de seus amigos e

voltou para casa tão morto quanto a porta sobre a qual o carregavam. O cavalo se

assustou e o derrubou da sela. Todo mundo disse isso. Eu estava em casa, que era

onde ele queria me ver dia após dia, fazendo o jantar. E quem está afirmando que fui

eu quem o matou?

— Deram queixa contra você — explicou o conde. — A acusação diz que realmente

se tratou de um acidente, porém alega que você ajudou a provocá-lo.

— O quê!? Então alguém acha que corri para a estrada, me escondi em alguma moita

e assustei o cavalo quando Tanner se aproximou a pleno galope?

— Não — foi Leland quem respondeu. — Eles alegam que você colocou um objeto

arredondado sob a sela.

— E só agora vêm dizer uma coisa dessas? Ora, e como alguém será capaz de ir lá ver

se é verdade ou mentira? Além do quê, por que eu faria isso? Um objeto

arredondado sob a sela, façam-me o favor! Se eu quisesse me livrar de Tanner, e de

fato queria, teria tomado alguma providência bem mais efetiva. Afinal de contas, se

ele caísse do cavalo e só quebrasse uma perna iria partir minha cabeça ao meio se

imaginasse que fui eu a responsável pela queda. Essa acusação é falsa, mentirosa,

absurda. E ninguém tem como prová-la.

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Projeto Revisoras 129

— É provável que não, mas quem a fez pode pagar alguém para testemunhar contra

você, e é isso o que me preocupa — disse Geoffrey. — Você conhece muito bem o

tipo de pessoa que mora em Port Jackson, Daisy.

— Conheço, sim, e sei que nem todos são uns imprestáveis. Ou estão dispostos a

receber uma pecha de ratos por darem falso testemunho.

— Possivelmente — ele concordou. — Mas não é só isso. Você não fez segredo de

que odiava Tanner e...

— Oh, Geoff! Não acredito que você esteja insinuando que fui capaz de provocar

aquele acidente.

— Eu jamais insinuaria o que quer que fosse, Daisy, tampouco acho que você tenha

feito seja lá o que for. — O conde aproximou-se para tomar a mão dela. — Só estou

dizendo que o caminho à sua frente pode ser pedregoso.

— Nada na minha vida foi fácil, o que não significa que eu tivesse coragem para tirar

a vida de alguém, mesmo que esse alguém fosse Tanner. — Recolhendo a mão, Daisy

olhou de relance para Leland. — Quem está me acusando de ter feito uma coisa

dessas?

— A polícia se recusa a divulgar o nome do reclamante e tem o direito de fazê-lo —

disse Leland. — Tanto eu quanto Geoff já os interpelamos, porém eles se negam a dar

qualquer informação.

— Esse foi o truque mais baixo que já vi na vida! — Abatida, ela suspirou —

Ninguém, nem em Port Jackson, jamais me acusou de uma vilania dessa espécie. E

olhe que lá havia umas duas dezenas de pessoas que não gostavam de mim, pois

sempre fui sincera e nunca levei desaforo para casa. Agora, me incriminar por algo

que não cometi... Só um monstro seria capaz de tamanha crueldade. E, a propósito,

essa pessoa que me acusou não terá de se confrontar comigo no tribunal?

— Certamente — confirmou Geoffrey. — Mas não acreditamos que o processo

chegue a esse ponto.

— Como não? — indagou Daisy, ao perceber que ele e Leland trocavam olhares,

ambos visivelmente pouco à vontade.

— Depois falaremos a esse respeito — o conde escolheu ser evasivo. — Se realmente

for preciso.

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Edith Layton – Como Seduzir uma Noiva (Class Históricos 374)

Projeto Revisoras 130

— Por ora — disse Leland — gostaríamos que você tentasse se acalmar e fizesse uma

lista com o nome das pessoas que porventura possam querer lhe fazer mal. Todas as

pessoas. Desde os tempos antes de seu pai ser preso. Vamos examinar todos esses

nomes, um a um, para tentar entender o que pode estar se passando. Temos de

descobrir quem foi que lhe fez isso.

— Mas... até lá serei levada para a prisão? — Ela tentou ignorar o quanto sua voz

tremia.

— Não — Leland foi categórico. — Não enquanto eu estiver vivo.

— Digo o mesmo — afirmou Geoffrey.

Daisy meneou a cabeça, aliviada, sentindo-se encorajada a opinar:

— Sabe, Geoff? Não acho que a pessoa que está me acusando seja alguém daquela

época ruim. Pense bem: quem iria se beneficiar no caso de eu ser levada de volta à

colônia? O pessoal que mora em Botany Bay não teria como se apoderar do meu

dinheiro. Além do quê, condenados não gostam de procurar a polícia, não é

verdade?

— Sim — ele concordou —, mas alguém pode ter pagado a alguém para apresentar a

queixa contra você.

— Sei. — Daisy pensou por um instante. — Quem sabe não é alguém que nunca fez

nada de mal e só não quer que eu me aproxime demais de você, Geoff? Ou de você,

milorde — ela acrescentou, olhando para Leland.

Tanto um quanto outro se puseram a examinar aquela possibilidade.

— Vocês dois me impingiram à alta sociedade — prosseguiu Daisy. — Não é

improvável que alguém tenha se sentido ultrajado ao ver-se obrigado a conviver com

uma ex-condenada, fosse eu culpada ou não. Acusar-me de assassinato seria uma

boa maneira de essa pessoa vingar-se de mim e, indiretamente, de vocês.

— Faz sentido — disse Geoffrey, voltando a trocar olhares com Leland.

— Sim, não é impossível — concordou Leland que, pela primeira vez desde que

Daisy o conhecera, parecia agitado e sem o menor senso de humor. — Bem, tudo são

ainda conjecturas. Precisamos dar início às investigações para ver o que de concreto

elas nos trazem. E para isso, tenho de ir andando. Há muitas pessoas com quem

conversar. — Ele olhou para Helena. — Sra. Masters? Poderia me acompanhar por

um instante?

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Edith Layton – Como Seduzir uma Noiva (Class Históricos 374)

Projeto Revisoras 131

Ela não conseguiu dissimular a surpresa.

— Não se preocupe, você não é suspeita de nada — Leland afiançou num tom mais

cordial. — Eu só queria trocar algumas palavrinhas com você em particular.

— É claro, milorde. — Com o semblante desanuviado, ela avisou a Daisy: — Estarei

lá fora.

Ao ver-se sozinha com Geoff, Daisy olhou-o com atenção e só então compreendeu o

diálogo que ele havia travado com o visconde por meio de olhares repletos de

significação.

— Oh, por tudo o que é mais sagrado! — Ela bateu de leve na testa. — Sem querer e

de um modo enviesado, coloquei você era maus lençóis, não foi?

— Não, Daisy. — Ele se aproximou. — Você só fez com que eu me desse conta de

que devia pedir a sua mão, sem mais protelações.

Sentindo-se a última das criaturas, ela sorriu para não chorar.

— Ninguém tentará lhe fazer mal se você for minha esposa. E essas conversas de

assassinato e outras tolices assim irão se acabar. — O conde titubeou um instante. —

Eu queria que fosse diferente, mas quem poderá nos garantir que você não será

processada pela morte de Tanner? Afinal, motivos não lhe faltavam para... Você não

teve nada a ver com aquilo, teve?

— Oh, Geoff... — Daisy suspirou. O conde lhe propunha casamento, mas pela

primeira vez desde que o conhecera, aquela perspectiva lhe parecia mais remota do

que nunca. — Claro que não.

— Perdoe-me por perguntar, mas eu tinha de fazê-lo. Bem, dê-me sua resposta e

cuidarei de todos os detalhes. Sei que parece um despropósito eu pedir a mão de

uma mulher que tem metade da minha idade, porém agora vejo que você precisa

mais do que nunca de mim. Seja como for, estou seguro de que iremos nos dar

bastante bem. E você não terá de se preocupar com essas calúnias novamente.

Daisy olhou para ele. Um rosto tão bondoso, de alguém que ela prezava demais. Por

isso, era preciso escolher muito bem as palavras.

— Geoff... Não. Não daria certo. Gosto demais de você e, a bem da verdade, vim para

a Inglaterra com essa idéia em mente. Bem, creio que você já sabia disso, não? Todos

sabiam. Você sempre foi um cavalheiro, sempre me tratou com tanto respeito, e

agora está aqui, diante de mim, dizendo aquilo que eu mais queria ouvir. Mas tanto

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Edith Layton – Como Seduzir uma Noiva (Class Históricos 374)

Projeto Revisoras 132

você quanto eu sabemos que não seria correto. Não nos amamos. E por mais que

goste de você, não gosto da idéia de me ver num leito conjugal ao seu lado. Nem ao

lado de homem nenhum, para ser bem sincera.

A expressão dele foi da consternação à perplexidade.

— Nos meus sonhos — prosseguiu Daisy —, você não iria se importar com isso e

tudo correria bem entre nós. Agora, porém, vejo que não seria justo esperar tamanho

gesto de compreensão de alguém. Nenhum homem merece uma esposa que não o

deseje como marido de verdade. Por isso, agradeço pela sua bondade, mas, para nós,

o casamento não seria a solução adequada.

— Por que já sou velho?

— Não. — Após um instante de hesitação, ela se decidiu pela verdade: — Porque

você não é tão velho quanto imaginei que fosse.

— Ah. Sim. — Afastando-se um passo, Geoffrey não parecia nem triste nem aliviado.

— E o que você pretende fazer?

— Lutar. Não matei Tanner. Ninguém será capaz de provar nada porque não há

nada a ser provado. Vou ficar aqui na Inglaterra e elaborar uma vida pacata e serena

para mim. Quem sabe não acabo procurando um noivo nonagenário? — Apesar das

circunstâncias, Daisy riu.

— Mesmo nessa idade, ele se sentiria tentado. Agora, falando sério: não retirarei

minha proposta, pois essa talvez seja a única maneira de você ver-se em segurança

no momento. Ninguém se atreveria a deportar a esposa de um conde sem provas

contundentes. Pelo contrário, as pessoas decerto pensarão duas vezes antes de lhe

lançar acusações sobre um fato que ocorreu já faz tanto tempo num lugar tão

longínquo. Mesmo assim, é bom não esquecer que há almas corruptas na colônia que

mentiriam por qualquer coisa e mentiriam muito mais por uma boa quantia de

dinheiro. No final das contas, é provável que você nem fosse condenada, só que um

processo desse porte leva tempo e tem suas conseqüências.

— Você acha que alguém pode querer me ver vulnerável novamente por causa do

meu dinheiro?

— Por que não? Ainda que você seja muito bonita, há homens que dão mais valor ao

dinheiro do que a beleza.

— É verdade. — Ela sorriu. — Só que não posso arruinar sua vida em troca de salvar

meu pescoço, posso? Meu pai agiria assim. Eu quero ser diferente dele. Você não me

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faria o favor de continuar sendo meu amigo e também me defender em caso de

necessidade mesmo que não nos casemos?

Era estranho, pensou Geoffrey. Verdade que só a pedira em casamento por causa da

situação, mas a idéia de casar-se, que antes abominava, pareceu-lhe de súbito

interessante. Sim, era muito estranho. Ele, que só se animara ante a perspectiva de ter

netos, agora se dava conta de que tinha uma vida para viver.

— Claro que sim. Serei sempre seu amigo e jamais permitirei que algo de mal venha

a lhe acontecer. — Ele tossiu, e seu rosto ficou corado. — Bem, eu gostaria que você

não se esquecesse de duas coisas. Primeiro: se decidir casar-se comigo, saiba que

tentarei esperar até que você esteja pronta para... para manter relações conjugais. E

segundo: seremos amigos, ou amantes se viermos a nos casar, por isso nunca se sinta

constrangida ou embaraçada, seja por que motivo for, na minha presença. — Agora

ele sorria. — Ah, quase me esqueci: não faça passeios longos e evite a companhia de

estranhos. Mande me chamar se qualquer evento incomum vier a ocorrer. Nós vamos

investigar tudo direitinho.

— Nós? Oh, sim! Você e o visconde. Por falar nele, Leland sabia que você iria me

pedir em casamento para me proteger, não sabia? Foi por isso que vocês dois ficaram

trocando aqueles olhares, não foi?

— Digamos que ele sabia e que ficará bastante surpreso por você ter recusado a

minha proposta. Lee é um homem de poucas ilusões. Provavelmente irá se admirar

ao constatar que nem todas as mulheres se interessam somente pela fortuna e pelos

títulos de nobreza de seus possíveis pretendentes. Mas, sim, juntaremos nossos

esforços para tentar solucionar seu problema. Se meus rapazes estivessem aqui,

certamente fariam o mesmo. Seja como for, queira Deus que seus percalços terminem

por aqui.

— Que Ele o ouça! — Com isso, Daisy levantou-se e se encaminhou para a porta.

— Lembre-se: minha oferta permanece em pé.

Virando-se para encará-lo, ela tentou soar bem-humorada:

— Mesmo que eu não venha a me deitar com você?

— Mesmo assim — garantiu Geoffrey. — Não sou Tanner, jamais seria. Você precisa

parar de pensar nele e nas atitudes que ele tomava.

— Eu sei. E sei também que você é um grande amigo, Geoff.

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— Conte com isso. — Ele se curvou numa mesura. — Sempre.

— Obrigada.

— Você não deixará de passear por Londres comigo, não é mesmo? Temos entrada

para o teatro amanhã à noite.

— Estarei pronta no horário combinado.

Assim que Geoffrey lhe abriu a porta, Daisy deixou o aposento sentindo-se ao

mesmo tempo profundamente ingrata e bastante aliviada.

Helena se achava no corredor, conversando com Leland, e os dois olharam para ela.

Os olhos de Daisy foram pousar no rosto um tanto tenso do visconde. Ao perceber

que ela também tinha uma expressão bastante séria, Leland mostrou-se descon-

certado. E Helena parecia surpresa.

Fazendo um sinal à sua aia para que a acompanhasse, Daisy desejou bom-dia a

Leland e deixou a mansão do conde o mais depressa que pôde.

— Há uma visita esperando por você no saguão — anunciou Helena.

Sentada sobre as pernas na poltrona junto à janela, envolta em sua camisola, Daisy

assistia à cidade lá embaixo despertar para um novo dia.

— Visita? — ela se admirou. — Assim cedo?

— É o visconde Haye.

— Que estranho. Bem, vai ver ele passou por aqui antes de seguir para casa após

alguma festa.

— Ele pediu para falar com você.

— Então deve ser um impostor. — Daisy voltou a espiar pela janela. — Ele nunca

pede, só exige.

— Não seria melhor você se vestir? Ele disse que espera vê-la dentro de dez minutos.

— Ah, agora parece ser o visconde! — Endireitando-se, ela se levantou e foi até o

guarda-roupa. — Bem, o que vou usar?

Ao descer para o saguão do hotel dez minutos mais tarde, Daisy usava um vestido

novo amarelo, de tecido tão leve que fazia as saias farfalharem ao menor movimento.

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Embora seu primeiro impulso tivesse sido deixar o visconde esperando só para

mostrar a ele que podia se dar ao luxo de fazê-lo, a curiosidade falara mais alto.

Em trajes mais do que apropriados a uma manhã de verão e elegante como sempre,

Leland não fazia lembrar alguém que viesse de uma festa que durara a noite inteira.

Além de ter os cabelos úmidos do banho, seu rosto parecia recém-barbeado e os

olhos estavam bem alertas.

— Bom dia. — Após se curvar para ambas, ele se dirigiu a Daisy: — Mesmo sabendo

que soa um clichê, não posso deixar de dizer que você me parece viçosa como uma

flor do campo. Vim aqui porque gostaria de lhe falar em particular, então logo pensei

numa caminhada ao ar fresco da manhã. Você me acompanharia?

Daisy ainda pensava no que responder quando ele disse à sua dama de companhia:

— Helena, sei do zelo com que você se desincumbe de seus deveres, mas será que se

importaria em manter-se a certa distância de nós? O assunto que tenho a tratar com

Daisy é de caráter estritamente particular.

Céus! Sem dúvida, Leland pretendia repreendê-la pela recusa à proposta de

casamento de Geoff. Bem, pois que fosse.

— Se ela assim o desejar — respondeu Helena.

— Não vejo problema algum — disse Daisy. — Gosto da manhã, e uma caminhada

certamente me fará bem.

Colocando a mão dela sobre seu braço, Leland conduziu-a pelas dependências do

hotel em direção à saída e dali os dois tomaram o caminho rumo ao parque, com

Helena discretamente em seus calcanhares.

Tão logo cruzaram os portões do grande jardim público, ele se dirigiu à dama de

companhia:

— Helena, você não gostaria de alimentar os patos? — sugeriu, gentil, assim que

cruzaram os portões do grande jardim público. — Ou descansar um pouco naquele

banco ali enquanto dou um passeio ao redor do lago com Daisy?

— Vou me sentar ali e aproveitar o sol da manhã, milorde — respondeu Helena com

um sorriso. — Por acaso eu trouxe um livro comigo. Não tenha pressa.

— Eu nunca me apresso.

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— Como você consegue fazer com que a mais inocente das observações soe como

uma declaração absolutamente imoral? — Daisy o interpelou assim que se puseram a

caminhar.

— É um dom. — Leland piscou para ela. — Mas aquela não foi uma observação

inocente.

Daisy caiu na risada. Era extremamente agradável caminhar por ali ao lado do

visconde. À claridade do dia, a presença marcante dele não mexia tanto com seus

nervos quanto à luz do luar ou das lamparinas. Além do mais, não estavam sozinhos:

havia pelo parque um bom número de pajens com carrinhos de bebê ou crianças de

colo, isso sem falar das pessoas idosas e daquelas que gostavam de se exercitar pela

manhã.

Reparando na frescura do dia e nas árvores repletas de folhagens, ela sentiu-se

acalmar e, quando percebeu, constatou que experimentava uma enorme sensação de

bem-estar, algo que não lhe acontecia havia muito tempo. O que era estranho, pois

sabia que a qualquer momento Leland abandonaria aquele ar sereno para lhe cobrar

explicações.

E ele não demorou a tocar no assunto:

— Então você recusou a proposta de casamento do conde.

— Acabei seguindo seu conselho. — Enquanto caminhavam, Daisy mantinha os

olhos nos bicos dos próprios sapatos. — Foi melhor para ele. Geoff é um homem

bom, eu seria uma péssima esposa. Você tinha razão.

— Eu nunca disse que você seria péssima esposa. O que falei foi que você não seria a

esposa ideal para ele.

— Que seja. De qualquer modo, pretendo deixar Londres assim que essa história de

me acusarem de tramar a morte de Tanner for esclarecida. Acho que estou

precisando de uma vida mais tranqüila.

— Mais tranqüila do que aquela que poderia ter ao lado de um homem sábio com o

dobro da sua idade?

— Dei-me conta de que um homem de meia-idade não está morto. E não quero um

marido... apto ao posto de marido.

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— Por conta de sua experiência com o finado Tanner? Bem, é compreensível. Por

outro lado, a vida me mostrou que, mesmo que a experiência nos ensine certas

coisas, é sempre melhor continuar aprendendo coisas novas.

Ela não respondeu.

— Não tenho dúvidas de que seu falecido marido foi um patife, mas você deve

atentar para o fato de que a maioria dos homens não é como ele era. Eu,

seguramente, não sou assim. Geoff também não. O conde, sensível como é,

confessou-me que não saberia como cortejá-la depois de saber das suas...

dificuldades, digamos assim. Eu sei. E sou capaz de fazê-lo. Você não gostaria de

casar-se comigo?

O susto fez Daisy deter-se para olhar para ele.

— Tenho certeza de que serei um marido bastante comum — disse Leland com muita

calma, colocando-se diante dela. — Tão logo me case, renunciarei às outras mulheres.

E isso é uma promessa, pois eu não seria capaz de fazer a alguém o que minha mãe

fez ao meu pai, aos meus irmãos e a mim. Outra vantagem é meu talento para os

assuntos da moda... Isto é, se você se dignar a aceitar meus conselhos. Além disso,

gosto de cavalgar, de esgrima, de conversar sobre amenidades e também de discutir

as mais diversas questões da atualidade. Minha propriedade no Norte, Haye Hall, é

magnífica, só que não costumo ir para lá com muita freqüência. Prefiro minha casa

de campo no oeste do país, que é menor e mais aconchegante. Adoro teatro e estou

pensando em ingressar na carreira política. E sou também muito rico. Então, o que

me diz? Se você se casar comigo, ninguém mais irá persegui-la, seja lá por que

motivo for.

— Você é doido? — Daisy ofegou.

— Quase com certeza. Porém minha loucura é benigna.

— Por que, em nome de Deus, você haveria de querer casar-se comigo?

— Coleciono esquisitices.

— Mas eu sou uma condenada... ou melhor, fui. E apesar de bem-nascida, não tenho

título de nobreza. Estou bem de vida, sim, mas não tenho nenhuma fortuna.

— Não se preocupe com isso. Tenho dinheiro suficiente para mim, para você e para

nossos herdeiros. E provavelmente para os herdeiros dos herdeiros de nossos

herdeiros.

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— Eu não lhe daria filhos! Será que você ainda não entendeu que não gosto de...

daquilo?

Um brilho intenso, mescla de ternura e determinação, iluminou os olhos de Leland.

Ele então deslizou um dedo pela face de Daisy, comentando a meia voz:

— Não foi isso que sua boca me disse no dia em que a beijei. Você não gosta do que

já conhece. Posso lhe mostrar um lado novo do ato de amor. Posso fazê-la esquecer

tudo pelo que você passou. Posso fazê-la ansiar com ardor por tudo o que ainda

estará por vir.

Sem conseguir desviar os olhos dos dele, Daisy teve a sensação de que o mundo ao

redor havia desaparecido.

— Será tudo com muita calma e sem nenhuma impetuosidade. — Leland afagou-lhe

o queixo, depois refez o contorno dos lábios dela com a ponta do dedo. — Só

avançarei quando você disser que sim. E você dirá, Daisy. Aliás, creio que você já

sabe que irá me incentivar a seguir em frente.

Abaixando a cabeça, ele beijou-lhe de leve os lábios. Daisy não se moveu. Mais uma

vez, sentia o palpitar deixado pelo encontro de suas bocas espalhando-se por todo o

seu corpo. Por mais rápido e suave que tivesse sido o beijo, eletrizara-a da cabeça aos

pés.

— Antes que eu me esqueça — Leland tinha os olhos turvos por uma emoção que

sua expressão não revelava —, Geoff está sabendo das minhas intenções e me deu

permissão para expressá-las. Agora só falta você responder ao meu pedido.

— Mas... Mas por que você está me pedindo em casamento?

— Porque gosto de você. Porque a desejo. — O sorriso dele se alargou. — E você

também gosta de mim. Apesar do que você diz e pensa que sente, seus olhos, sua

pele, sua respiração me dizem que não estou enganado. E você é adorável, além de

inteligente e muito forte, é claro. Você é diferente de todas as mulheres que já

conheci. E precisa de mim.

— Mas...

— Há outros motivos que ainda não consegui apreender com clareza, porém minha

pulsação, minha pele e meu coração sabem do que se trata. E eles nunca mentem.

Leland beijou-a novamente, agora com mais vagar. Embora chegasse a pensar em

impedi-lo, Daisy nem tentou. Pelo contrário: aproximou-se um pouco mais, sem se

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importar com mais nada a não ser se entregar às emoções que ele lhe despertava. O

gosto daquela boca quente e suave a fazia ansiar por mais e, obedecendo a um

impulso, ela entreabriu os lábios à língua que os afagava com doçura. Enquanto

intensificava o beijo, Leland acariciou-lhe as costas, a nuca, o ombro, o colo... E então,

para surpresa e decepção de Daisy, ele se afastou para murmurar:

— Pense em tudo o que eu lhe disse. A proposta de Geoff ainda está de pé, assim

como a minha, evidentemente. Reflita com calma, Daisy, e amanhã me conte o que

você decidiu.

— Amanhã?

— Sim, porque você possui inimigos, e nós precisamos dar um basta a esta estupidez

que está a ameaçá-la. E também porque, com todas as minhas esquisitices, não quero

ser a segunda escolha ou o último recurso de ninguém. — Com uma calma que só era

desmentida pelo ardor nos olhos azuis, ele concluiu: — Helena deve estar

preocupada com a nossa demora, e isso não se faz a uma criatura tão doce quanto

ela.

Sem perceber que havia levado os dedos aos lábios que ainda latejavam do beijo dele,

Daisy indagou:

— Você não estava brincando, estava?

— Oh, não, pode ter certeza. Agora, a questão que se coloca é: você também vai

encarar o assunto com a seriedade que ele merece?

Estava maluco. Irremediavelmente insano.

Enquanto a criadagem já tinha ido se deitar havia horas, Leland continuava ali,

sentado diante da lareira, inquieto demais para sequer pensar em pregar os olhos. O

que faltava fazer? Oferecer-se às autoridades para que o internassem num hospício?

Onde estava com a cabeça quando fora propor casamento a Daisy Tanner?

Nos olhos, nos seios, no sorriso e no espírito inquebrantável dela, obviamente. Mas

por quê?

As mulheres lhe viravam a cabeça desde que ele era um rapazinho. Era por causa

delas que, desde cedo, pusera-se a freqüentar os eventos e os círculos da alta

sociedade. Para estar perto delas tinha adotado sua pose de janota, seu ar cínico de

quem só se interessava por frivolidades e modismos. Para atraí-las cultivara seus

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maneirismos, o modo afetado de falar e gesticular. E em troca elas o tinham ajudado

a descobrir seu lado voluptuoso.

Mas também esperava que algum dia fosse encontrar uma mulher que fosse rir e

chorar a seu lado. Só que a imaginara uma jovem bem-nascida, aristocrata, pura e

dócil. Bela, só que de uma beleza que não chamasse atenção. Perspicaz, porém

contida. Alguém que pulasse de alegria quando ele lhe pedisse a mão em casamento

e submissa o bastante para entregar seu corpo junto de sua alma, sempre que ele

assim o solicitasse.

Em vez disso, havia entregado seu coração aos caprichos de uma mulher que, além

do rosto de anjo e do corpo escultural, tinha um passado de malfeitora. Uma viúva

que temia os homens a ponto de se negar a dar-lhe herdeiros. Mas que também

possuía um espírito aguerrido e um código de honra de fazer inveja a um pároco.

Tinha perdido o juízo?

Mal a conhecia. Não, corrigiu-se. Conhecia-a muito mais do que a maioria das

mulheres com quem se envolvera nos últimos anos. E gostava de conversar com ela,

admirava-lhe a coragem. Mais importante ainda: sentia-se perfeitamente à vontade

com ela.

Aproximara-se de Daisy porque temia que ela pudesse enredar Geoff com suas

artimanhas. Fora por isso, imaginava, que se esquecera de proteger seu coração.

Afinal era impossível estar sempre de guarda contra alguém que falava o que pensa-

va, não tentava impressioná-lo e dava mostras de só dizer a verdade. Além do mais,

o passado dela provava que não se tratava de uma menina mimada, acostumada a

ver todas as suas vontades satisfeitas num estalar de dedos, e isso de certa forma o

encantara.

Se se casasse com Daisy, estava certo de que teria uma confidente, uma amiga

sincera, uma companheira para todas as horas. Convencê-la a tornar-se sua amante,

porém, era algo que exigiria esforço e tempo. Mas isso pouco importava.

Agora, ela iria aceitar seu pedido?

Deitando a cabeça no espaldar da poltrona, Leland fechou os olhos. Pagaria para ver.

Ainda que, se perdesse, era provável que perderia bem mais do que conseguia supor.

Um visconde ou um conde?

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Um homem mais velho, gentil e extremamente rico, ou outro mais jovem, fascinante,

sedutor e igualmente abastado?

Deitada de costas na cama, examinando as formas que o luar desenhava no teto dos

seus aposentos no hotel, Daisy deixou escapar um suspiro vindo do fundo da alma.

Não havia como negar que Leland lhe despertara sentimentos dos quais, de tanto

negar e esconder, ela já nem lembrava que estavam lá, ocultos em algum canto do

seu ser. Por isso, casar-se com Geoff sem sentir a menor atração física por ele seria o

mesmo que reviver os piores momentos de sua união com Tanner.

Então a solução seria aceitar o pedido de Leland Grant, visconde Haye? Daisy tornou

a suspirar. A idéia era tentadora, pois tinha de admitir que gostava muito dele.

Apesar dos ares que Leland se dava e de seus comentários, ou talvez por causa disso

tudo. Ele a fazia sentir-se viva, e cada momento passado na companhia daquele

homem alto e elegante parecia importante. Mas por mais que se sentisse atraída pelo

visconde, seria capaz de corresponder às expectativas dele? Que marido toleraria

uma esposa que, por mais que tentasse, não conseguisse lhe dar uma vida conjugal

como a que a maioria dos casais desfrutava?

Confusa e desanimada, Daisy sentou-se na cama e abraçou as pernas. Perdida em

pensamentos, mal viu quando o novo dia se anunciou pelo cortinado da janela.

Capítulo XII

— A licença especial está aqui — disse o conde, indicando o bolso do paletó. — Já

está tudo assinado e timbrado, pronto para ser apresentado.

Leland fez um sinal assertivo com a cabeça, depois continuou a movê-la de um lado

para outro enquanto se olhava no espelho. Por fim, disse a seu criado de quarto:

— Não muito solene, mas certamente não tão informal quanto esta. Traga-me outra,

por favor. — Arrancando a echarpe do pescoço, ele se virou para Geoffrey. — O

segredo é o caimento perfeito.

— Sim, sim. — O conde continuava a apalpar os bolsos. — Você está com a aliança?

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— Claro. — Leland ajeitou o pescoço nas dobras macias da echarpe branca que o

criado lhe entregara. — Ah, perfeito! Minhas malas estão prontas?

— Vou verificar — disse o rapaz, que então se curvou para ambos antes de deixá-los

a sós nos aposentos de seu patrão.

— Suas malas também estão prontas? — Leland perguntou ao conde.

— Evidente. Não sou tão meticuloso quanto você.

— Estou vendo. Embora seja apropriado à viagem no coche, esse seu colete não é

indicado para a cerimônia na capela.

— Ninguém irá notar. Não posarei para um retrato. Trata-se da celebração de um

casamento com um punhado de convidados.

— Eu repararei.

— Por Deus, Lee, a cerimônia será rápida e ninguém ficará procurando defeitos. —

Ainda assim, Geoffrey pôs-se a ajeitar o elegante terno que vestia. — Será que

estamos mesmo fazendo a coisa certa?

— Claro que não. — Subitamente sério, Leland olhou para o amigo. — Acha que não

passei a semana toda me fazendo essa pergunta? Pode não ser o correto, mas era a

única atitude a tomar. Quem acusou Daisy, ou pagou um bom dinheiro a pessoas

que ocupam cargos influentes, ou ocupa ele próprio um cargo de prestígio. Ainda

que a polícia não esteja conseguindo provar nada, a ameaça continua a pairar sobre a

cabeça dela. Quem nos garante que ela não será encarcerada por medida de

precaução até que tudo seja esclarecido?

O conde deixou escapar um impropério.

— Sei que Daisy merecia algo melhor do que uma cerimônia preparada às pressas —

prosseguiu Leland —, só que não há muito mais que fazer nas atuais circunstâncias.

Assim que ela tiver uma aliança no dedo, um novo sobrenome e uma excelente

posição social, por certo deixarão de importuná-la. Finalmente ela estará a salvo de

seus inimigos.

— E casada.

Tornando a se virar para o espelho, Leland ajeitou os ombros do discreto paletó azul-

cobalto que usava sobre o colete celeste e a camisa branca. O traje, extremamente

elegante, combinava com a calça cinza-ardósia e botas pretas. Com os cabelos pen-

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teados para trás, ele tinha um alfinete de ouro com uma safira sobre o nó da echarpe

e um anel de ouro com seu brasão na mão direita.

O conde, cuja imagem se refletia no espelho logo atrás dele, usava paletó e calça

cinza-chumbo com um colete azul. E tinha um ar preocupado.

— Parece que você está indo a algum funeral, não a uma cerimônia de casamento —

observou Leland por sobre o ombro. — Por acaso mudou de idéia? Se for esse o caso,

é melhor resolvermos isso agora. Assim que entrarmos no coche e seguirmos para o

campo será tarde demais. Você viu que Daisy também não parecia nada satisfeita

com este arranjo.

— Eu só queria que ela fosse feliz.

— E será, Geoff. Esteja certo de que chegará o dia em que Daisy agradecerá à pessoa

que a acusou injustamente porque, em vez de destruir a vida dela, a mentira ajudou-

a a ser uma mulher feliz e realizada. Bem, pelo menos é isso o que espero.

— Eu também, é claro. Mas também me preocupo com você, afinal...

— Não há por que se preocupar. Vai dar tudo certo, milorde, acredite. Bem — Leland

endireitou os ombros —, a polícia está atrás de uma pista falsa, nós estamos prontos

e a noite se aproxima. E então, vamos em frente?

Daisy parecia hesitar.

— Com medo de pisar em falso? — perguntou Leland, ao lado dela. — Não se

preocupe, estou aqui para evitar que isso aconteça.

— Está muito escuro...

— Como não queremos que ninguém nos veja, o cocheiro não pode acender as

lamparinas da carruagem — ele sussurrou.

— Segure no meu braço. Não deixarei que você caia.

A carruagem viera buscá-la nos fundos do hotel, onde ficava a entrada dos

funcionários e a cocheira do estabelecimento, porém os lampiões que iluminavam a

área não forneciam claridade suficiente. Apoiando-se no braço dele, Daisy deixou

que o visconde a conduzisse pelo restante do caminho e depois a assistisse a subir no

veículo.

— Boa noite — Geoffrey cumprimentou-a assim que ela se sentou. — E boa noite

para você também, sra. Masters — ele emendou ao ver Helena subir logo atrás de

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Edith Layton – Como Seduzir uma Noiva (Class Históricos 374)

Projeto Revisoras 144

Daisy. — Lamento que tenhamos de nos reunir às ocultas, mas o importante é não

chamar a atenção de ninguém.

Tão logo Leland acomodou-se junto a eles, a carruagem deixou o pátio coberto de

pedras chatas em direção à rua.

— Como o hotel recebe entregas de mantimentos à noite, ninguém estranhará o

movimento — observou Leland ao perceber que Daisy, de tão nervosa, tinha os olhos

arregalados, — Tente ficar tranqüila. Por que não dorme um pouco?

— Dormir?

— Por que não? Recoste-se ao assento, feche os olhos e, quando acordar, estaremos

lá.

— Por que espécie de pessoa você me toma? Estou deixando Londres às escondidas

para ludibriar a polícia e me casar a fim de salvar o meu pescoço, e você me sugere

dormir?

— Pois bem, então brigue comigo.

À busca de aquietar-se, Daisy espiou pela janela. E quando calculou que iria explodir

se continuasse calada, comentou:

— O casamento é um passo muito importante na vida de uma pessoa. E casar-se

assim, às pressas... Não que eu não seja grata a vocês pelo que estão fazendo por

mim. Mas é que estou tão nervosa...

— O condutor seguirá por uma rota secundária até quando for possível, e o criado na

parte traseira da carruagem tem como se assegurar que não estamos sendo seguidos

— apontou Geoffrey, no intuito de acalmá-la. — Fique sossegada, Daisy. Estamos

aqui para protegê-la. E você está tomando a atitude correta.

Apesar das palavras reconfortantes, o conde só foi relaxar de encontro ao encosto do

assento quando a carruagem já havia deixado Londres para tomar a estrada que

levava ao oeste do país.

Ninguém disse mais nada por um bom lapso de tempo. Quando enfim deixou de

espreitar a paisagem para olhar para seus acompanhantes, Daisy viu que os três

tinham os olhos fechados, mas apenas Geoff e Helena ressonavam baixinho, como se

adormecidos. Sentindo-se a única criatura desperta no mundo, ela tornou a espiar

pela janela. O condutor parara para acender as lamparinas do veículo assim que

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Edith Layton – Como Seduzir uma Noiva (Class Históricos 374)

Projeto Revisoras 145

haviam deixado a capital, e agora era possível apreciar um pouco da vegetação junto

à estrada.

— Por que não faz um pedido às estrelas? — indagou uma voz suave.

Daisy se endireitou. Leland não só estava acordado como a observava atentamente.

— Boa idéia. Vou pedir um bife bem passado com batatas e morangos com creme —

ela brincou, calculando que gracejar lhe faria bem aos nervos.

— Não era bem isso que eu imaginava, mas... — O tom de Leland indicava que ele

gostara da brincadeira. — Daisy, eu gostaria de lhe dizer que, independentemente do

que você estiver pensando, tenha certeza de que seu novo marido não será como o

outro. Apesar de todos os defeitos, ele é um homem justo. Aliás, espero que você já

tenha percebido isso.

— Claro que sim.

— Ótimo. Agora tente dormir — ele sussurrou. — Você me faz rir com suas respostas

inesperadas, e nós não queremos acordar estas duas belas adormecidas que nos

acompanham, não é verdade?

Ela sorriu e, após um demorado bocejo, fechou os olhos. Leland continuou alerta, a

cabeça fervilhando de pensamentos.

Ao abrir os olhos, Daisy deparou com um amanhecer suave e rosado. E também com

o olhar de Leland a fitá-la intensamente.

— Estamos quase lá — ele disse. — Agora é tarde para arrependimentos.

— Estou pronta. — Endireitando-se, ela esfregou os olhos. — Mas antes gostaria de

me lavar, se for possível.

— É claro — concordou Geoffrey. — Primeiro vamos à hospedaria da cidade, só

depois seguiremos para a capela.

— Que bom. — Daisy respirou fundo ao perceber que o nervosismo voltava a

incomodá-la. — Preciso mudar de roupa. Vocês dois vieram em trajes próprios para

uma belíssima cerimônia de casamento, e eu não queria ficar para trás.

E foi por isso que o noivo prendeu a respiração ao ver sua futura esposa enfim entrar

na capela naquela manhã.

Daisy sorriu. Ainda que não tivesse dado o menor palpite quanto aos preparativos

do enlace, o modo como surgiria à porta da igreja ela havia planejado, nos mínimos

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Edith Layton – Como Seduzir uma Noiva (Class Históricos 374)

Projeto Revisoras 146

detalhes, desde o dia em que se convencera da necessidade de casar-se. Com os

cabelos presos no alto da cabeça, deixara alguns caracóis soltos sobre os ombros e a

nuca toda descoberta. E o vestido escolhido tinha sido o dourado, aquele que vinha

guardando para um baile em grande gala. Afinal, não era mais uma jovenzinha que

corasse à toa, e sim uma mulher feita no apogeu de suas formas.

Ao ver Geoff no vestíbulo da antiga capela, Daisy sorriu ante a expressão que via no

rosto dele. Tomando a mão pequena e trêmula na sua, o conde conduziu-a pela nave

até o altar. Refletindo a claridade do sol que se filtrava pelos vitrais, o tecido dourado

fazia a noiva resplandecer, e a cauda e os enfeites de tule rosado adicionavam cor ao

seu rosto pálido.

Mas quando Daisy se confrontou com o rosto de seu noivo, que esperava por ela

impacientemente no altar, o sorriso que lhe aflorou aos lábios reluzia muito mais do

que tudo ao redor.

— É uma grande honra para mim — disse Leland, ao segurar na mão dela.

Enquanto o vigário fazia as orações e explicava os votos, Daisy, surpresa, constatou

que não estava triste. Tampouco se sentia presa de uma armadilha do destino ou

mesmo apavorada. Pelo contrário: ali no altar, diante de seus últimos momentos de

independência, sempre que arriscava um olhar para Leland ela experimentava uma

palpitação de... orgulho? Ou seria de contentamento? Ou de ansiedade por tudo o

que ainda estava por vir?

Quando o vigário anunciou que eram agora marido e mulher, Leland Grant,

visconde Haye, abaixou a cabeça para tocar os lábios dela com os seus. Então lhe

sorriu, murmurando:

— Bem, cá estamos nós. Seja bem-vinda à minha vida, milady Haye.

— Parabéns! — cumprimentou Geoffrey, apertando a mão dele antes de segurar a

mão de Daisy entre as suas. — Seja feliz.

— Minhas felicitações, milorde — Helena disse a Leland. E, com lágrimas nos olhos,

ela soprou para Daisy: — Estou tão feliz por você!

Após os noivos terem recebido os cumprimentos de um casal de idosos, da esposa do

vigário e de umas poucas pessoas do vilarejo que Leland havia convidado para

testemunhar o enlace, Geoffrey comentou:

— É uma pena que meus rapazes não estejam conosco, mas nenhum deles teria como

vir até aqui em tão pouco tempo. De qualquer modo, mandei avisá-los e não me

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Projeto Revisoras 147

admiraria se eles aparecessem de repente. Vocês planejam ficar um tempinho na

cidade? Ou farão uma viagem de lua-de-mel?

— Ainda não pensei nisso — respondeu Leland. — O que você gostaria de fazer,

querida?

— Não sei se estou com disposição para viajar. — Daisy preferiu não pensar que

havia corado ante o fato de ele tê-la tratado por "querida". — A última viagem que fiz

foi tão longa e estafante...

— Então ficaremos na minha casa de campo até você se decidir pelo que gostaria de

fazer — disse Leland.

— Seja como for, promoverei uma festa em homenagem a vocês quando voltarmos à

capital — ofereceu o conde. — Será o grande acontecimento da temporada.

— Muito obrigado! — Leland deu um sorriso largo. — Será também uma ótima

oportunidade para que Daisy seja introduzida de uma vez por todas na alta

sociedade. E quando digo "alta sociedade" estou me referindo às pessoas que

realmente contam: amigos sinceros e leais, pessoas com quem valha a pena formar

vínculos sociais, cidadãos honrados e cultos e damas de igual formação. Mas agora

por que não retornamos todos à hospedaria? O estalajadeiro nos prometeu um

excelente café da manhã com suas melhores iguarias, e todos aqui presentes são

nossos convidados.

Os noivos deixaram a capela seguidos de perto pelo pequeno-grupo. Ao sentir o sol

novamente em seu rosto, Daisy deixou escapar um longo suspiro. Tomando a mão

dela, Leland conduziu-a à carruagem que iria levá-los à cidadezinha ali perto.

Ao contrário da capela, a hospedaria estava praticamente lotada. Tendo ouvido falar

do casamento, os habitantes da localidade, que haviam tomado a liberdade de ir ver

o noivo e a noiva que fariam o desjejum ali, saudaram o casal com uma chuva de

felicitações tão logo os dois cruzaram a porta do estabelecimento.

— Se eu soubesse que eles gostavam tanto de acontecimentos incomuns — Leland

soprou no ouvido de Daisy —, teria convidado a todos para a cerimônia na capela.

O estalajadeiro serviu-lhes travessas de presunto frio e torta de galinha, carne fatiada

e ovos mexidos, filões de pão, torradas, geléias e bolos, e os brindes foram feitos com

cerveja. Os recém-casados conversavam com um fazendeiro e sua esposa quando, ao

olhar de relance pela pequena multidão, Leland exclamou:

— Daffyd, seu velhaco! Você veio!

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Projeto Revisoras 148

Com um sorriso largo, Daffyd pôs-se a abrir caminho em meio às pessoas para ir

apertar a mão do meio-irmão.

— Não vim a tempo para a cerimônia porque meu cavalo perdeu uma ferradura, e

Meg não pôde vir por causa do bebê que está para chegar. Amyas mora longe demais

para uma visita tão rápida, e todos nós sabemos que vocês não querem companhia

para a lua-de-mel. Ele e Christian escreveram para dizer que virão visitá-los assim

que vocês estiverem devidamente instalados. Mas eu estou aqui para representar a

família. — Após bater com força no ombro de Leland, Daffyd olhou com carinho

para a noiva. — Daisy, meus sinceros votos de imensa felicidade. Não sei o que ele

disse para convencê-la a desposá-lo, mas estou muito feliz por vocês dois.

O conde se aproximou para cumprimentá-lo. Daffyd abraçou o amigo e protetor,

então o convidou:

— Não gostaria de vir comigo após a comemoração? Meg e eu nos sentiríamos

honrados se você estivesse conosco quando seu neto chegar.

— Ora, eu só iria atrapalhá-los num momento como esse! — Geoffrey riu. — Mas

prometo ir visitá-los em breve.

— Estaremos à sua espera. — Inspecionando rapidamente a multidão, Daffyd

comentou com o meio-irmão: — Não estou vendo nossa querida mãe.

— Por Deus, esqueci-me dela! — exclamou o conde, antes de perguntar para Leland:

— Ela se recusou a comparecer?

Também Daisy se admirou ao constatar que, desde que partira naquela tumultuada

viagem de casamento, aquela era a primeira vez que se lembrava da mãe de seu

noivo.

— Não, mamãe não teria como vir — disse Leland. — Pelo simples fato de não ter

sido convidada.

Daisy levou a mão à boca num esforço para engolir de volta a exclamação de

surpresa que lhe subira à garganta. Aquilo era terrível. Por que Leland casara-se com

ela se sabia que sua mãe a detestava?

— Enviei-lhe um bilhete falando das minhas intenções, e como ela não respondeu

para me pedir maiores detalhes, não me senti na obrigação de fornecê-los —

prosseguiu Leland com muita naturalidade. — Verdade que foi só ontem que lhe

mandei o recado, mas não faz mal. Minha mãe terá tempo de sobra para as boas-

vindas a Daisy à nossa família.

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Projeto Revisoras 149

No silêncio que se seguiu àquele esclarecimento, Daisy engoliu em seco por duas

vezes antes de indagar:

— Então ela não se eximiu de comparecer, apenas não foi informada do casamento a

tempo de vir?

— Exatamente — Leland confirmou. — Não pense mais nisso, querida. Minha mãe

irá nos ver em Londres na festa de Geoff e, creia-me, assim será melhor para ela. A

viscondessa nunca teve muito tempo para os assuntos que dizem respeito a mim, e

não há por que imaginar que seria diferente nesta ocasião.

— Ela irá se aborrecer comigo — assinalou Daisy, fitando-o nos olhos.

— Ela se aborreceria com qualquer mulher que eu viesse a desposar. — Leland

afagou-lhe o rosto. — Mas não se preocupe, pois minha mãe é propensa a ignorar

tudo o que a aborrece e certamente jamais irá interferir em nossas vidas. Como não

iremos morar na mansão Haye, raramente iremos encontrá-la. Ainda assim, família é

família, e se meu irmão caçula não estivesse em viagem pelo continente, seguramente

estaria aqui conosco.

Pega de surpresa pela menção do parente tão próximo de seu marido a quem ela

ainda nem sequer conhecia, Daisy não sabia o que dizer.

— Não somos muito chegados um ao outro, uma vez que temos muito pouco em

comum — explicou Leland, para demonstrar que compreendia a apreensão dela. —

Mas assim que ele resolver regressar à Inglaterra você irá conhecê-lo.

— Daisy? Ou melhor, lady Haye? — chamou uma voz adocicada.

Era Helena, apertando um lenço entre as mãos. Dessa vez Daisy sentiu os olhos

umedecerem ao dar-se conta de que, em meio a toda aquela confusão das últimas

horas, não dedicara à sua aia a atenção que ela merecia. E também só agora reparava

que Helena cuidara de trajar-se com muita propriedade para a ocasião: ela usava um

vestido violeta simples, porém muito bem-acabado, e seus cabelos, como sempre

presos, tinham um brilho acetinado.

— Sei que este não é o momento propício, porém tudo aconteceu tão depressa que...

Bem, agora que está casada, milady, e não necessita mais de mim, estou pensando

em ir embora hoje mesmo. Mas por acaso não gostaria de me fornecer uma carta de

recomendação? Oh, não agora, evidentemente. Minha idéia é deixar meu endereço,

para que você possa enviá-la para lá.

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Projeto Revisoras 150

— Ora, é claro que sim! — exclamou Daisy. — E posso escrevê-la agora mesmo, neste

minuto se você quiser, tão logo consiga uma folha de papel com o estalajadeiro. Mas

por que tanta pressa?

— É que... — Helena fez força para sorrir. — Uma dama recém-casada só precisa da

companhia do marido, não é mesmo?

— Minha casa de campo, e a da cidade também, tem acomodações de sobra — disse

Leland. — Por que você não fica conosco até encontrar uma nova ocupação?

— Sou-lhe muito grata, milorde, mas não será preciso. Voltei a alugar os cômodos

onde morava em Londres e, antes de voltar à capital, irei visitar minha família no

Norte. Se estiverem de acordo, seguirei na diligência que parte daqui amanhã cedo.

— Oh, é uma pena!— Daisy estava de fato desolada. — Seja como for, não me deixe

esquecer que você tem um mês de salário para receber, está bem?

— Obrigada, milady. Preciso ver meus filhos, sabe? Preciso vê-los sempre que surge

uma oportunidade. Mas, de um modo ou de outro, tentarei fazer com que nós duas

não venhamos a perder contato. E se souber de alguém que esteja precisando de uma

dama de companhia, por favor, avise-me.

Suspirando, Daisy olhou para Leland como a indagar o que mais poderia dizer. Mas

foi Geoffrey quem tomou a palavra:

— Todos lamentamos que você tenha de ir-se, sra. Masters. Leland se encarregará do

seu salário, aqui e agora se bem o conheço. E eu, como irei partir amanhã cedo

também rumo ao Norte, para Egremont, ofereço-me para levá-la até sua família. Fica

no meu caminho.

Leland sorriu e olhou para Daffyd, que lhe devolveu o mesmo olhar cúmplice. Não

só a propriedade rural do conde ficava ao sul dali, como Geoff também não

perguntara em que lugar da região norte se achava a família de Helena. Bem, mas o

conde era um homem de bom coração e por certo não queria imaginar a pobre

senhora largada à própria sorte.

— É claro que resolverei a questão do salário que a sra. Masters tem a receber —

disse Leland, após piscar para o meio-irmão. — E vejam só que esposa perdulária fui

arrumar! Nem bem casamos e ela já me apresenta uma bela despesa!

Todos riram. Especialmente Daisy, que começava a gostar de vê-lo referir-se a ela

como "esposa".

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Cerca de uma hora mais tarde, um criado de libré verde e branco postou-se à entrada

do salão da hospedaria, olhou ao redor e então foi até Leland para lhe murmurar

algo ao ouvido.

O visconde conversou alguns instantes com ele e, assim que o rapaz se foi, puxou sua

esposa de lado para lhe segredar:

— Ficaremos aqui mais um pouco, participando da celebração, mas depois temos de

nos ir. Assim como aquele que deixa seus convidados após cinco minutos para partir

em lua-de-mel, um casal de noivos que demora a deixar sua festa de casamento pode

dar margem a comentários. E nós queremos fazer tudo como manda o figurino, não é

mesmo?

— Não vejo por que dar tanta importância às convenções — ela retrucou, já temendo

o momento de ver-se a sós com seu marido.

— Na verdade eu estava brincando. Não é com as convenções que me importo —

Leland aprisionava os olhos de Daisy nos seus —, e sim com o fato de que minha

pequena casa de campo nos espera. Afinal, é hora de darmos início à nossa vida

juntos, como marido e mulher.

Capítulo XIII

— Então é esta a sua pequena casa de campo? — indagou Daisy, atônita.

— Em comparação com Haye Hall, a sede do viscondado onde minha mãe fica

quando vem para o campo, esta propriedade é relativamente pequena, sim — disse

Leland. — Além de ser mais fácil de se administrar e inteiramente minha. Ou melhor,

agora é sua também.

Sem deixar de pensar no imenso terreno que circundava a propriedade, repleto de

jardins, com uma grande queda d'água e duas pontes que cruzavam dois córregos,

Daisy ficou admirando da janela da carruagem o enorme solar de tijolos aver-

melhados com alas às laterais da construção principal. Criados de uniforme verde e

branco perfilavam-se na escadaria toda branca diante da residência, que tinha a porta

de entrada completamente aberta.

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Saltando da carruagem, Leland ofereceu a mão a ela enquanto dizia:

— Seja bem-vinda. Espero que goste daqui.

— Deus do céu, este lugar é imenso! — Daisy comentou ao saltar do veículo.

Ele sorriu.

— Venha, quero apresentá-la aos criados. Eles estão ansiosos por conhecê-la. E você...

— Leland fitou-a nos olhos — ...vai tentar se acostumar com esta propriedade, não

vai?

— Ah, milorde, será um sacrifício descomunal! — Ela caiu na risada. — Mas prometo

me esforçar!

Daisy tratou de ser fiel às suas palavras. Aceitando as felicitações com que os criados

a saudavam sem deixá-los perceber o quanto estava surpresa por ver que eram em

tão grande número, ela ficou conhecendo o mordomo e a governanta, a cozinheira e

suas assistentes, os criados e as criadas da casa, os cocheiros, os cavalariços, os

jardineiros e os trabalhadores que cuidavam das tarefas ao ar livre. Talvez nem fosse

um absurdo imaginar que sua nova casa de campo fosse quase tão grande quanto a

própria Londres.

Terminadas as apresentações, o corpo de serviçais cumprimentou-a com uma salva

de palmas. Com um nó na garganta, Daisy sentiu os olhos se encherem de lágrimas.

— Minha esposa está bastante cansada, e eu também — Leland disse a seus

empregados. — Agradeço-lhes pelas demonstrações de apreço e espero que tudo

corra cada vez melhor por aqui. Pedi à cozinheira que preparasse pratos especiais

para vocês hoje, assim todos poderão comemorar as bodas. E, mais uma vez,

obrigado.

Após nova salva de aplausos, os serviçais se dispersaram. E não demorou muito a

que os recém-casados se vissem sozinhos no saguão de entrada do solar.

— Sua criada de quarto já está à sua espera lá em cima — Leland disse à esposa. —

Não gostaria de trocar de roupa antes que eu a leve num passeio pela propriedade?

— Ah, boa idéia.

— Esse vestido é magnífico — ele observou enquanto subiam a escadaria de

mármore —, mas receio que a cauda de tule se prenda aos espinhos das roseiras ou

acabe toda suja de terra.

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O quarto a que Leland a conduziu, além de imenso, era mobiliado com tanta

opulência que Daisy prendeu a respiração assim que pisou ali. Ao contrário dos

dormitórios das grandes mansões que ela vira em revistas ilustradas, aquele recebia

uma boa quantidade de luz natural e era muito bem arejado. Da enorme cama com

dossel pendia um cortinado cor de pêssego no mesmo tom da colcha de cetim. A

mobília, leve e harmoniosa, seguia o estilo chinês que o príncipe tornara famoso ao

adotar na Royal House em Brighton. Nas paredes recobertas de tecido amarelo e

branco, as pinturas reproduziam imagens do céu e do mar. As janelas davam para

jardins, que pareciam se prolongar para dentro do aposento por conta da profusão de

vasos com flores que havia sobre os móveis e em cima da moldura de mármore da

lareira. Ao espiar pelo aposento contíguo, Daisy viu que se tratava de um quarto de

vestir e, ao abrir a porta que havia no outro lado desse quarto, deparou com um

banheiro onde havia uma banheira enorme e demais instalações.

Enquanto se lavava e trocava de roupa, ela aproveitou para admirar todos os

detalhes da suntuosa suíte. Minutos mais tarde, já usando um vestido de passeio,

sapatos confortáveis e um chapéu de palha, deu uma última espiadela no espelho do

quarto de vestir e deixou os aposentos. Mal podia esperar o que ainda estaria por vir.

Leland esperava por ela ao pé da escadaria. Também ele havia mudado de roupa, e

agora estava trajado como um aristocrata da zona rural. Ou melhor, Daisy se

corrigiu, como um aristocrata de Londres vestido como um aristocrata rural. Pois

ainda que trouxesse um lenço de seda displicentemente amarrado ao redor do

pescoço, ele usava um paletó verde-musgo de corte impecável, camisa de cambraia,

calça justa cinza e lustrosas botas de montaria. Nenhum nobre do campo se trajaria

com tanto esmero.

— Vamos? — Leland ofereceu-lhe o braço. — Há uma porção de coisas que quero lhe

mostrar.

Começaram o passeio caminhando pelos jardins nas imediações do solar, detendo-se

para admirar viveiros de rosas e pés de glicínias, canteiros de hortaliças e alamedas

de rododendros. Os jardineiros paravam o que faziam para cumprimentá-los e

apontar flores e botões. Passaram também por estátuas e fontes, então se dirigiram a

um grande gazebo, junto ao qual ficava um lago artificial repleto de carpas reais.

— Esses camaradinhas estão querendo petiscos — observou Leland quando Daisy,

abaixada à margem do lago, deu gritinhos de contentamento ao ver os peixes se

aproximarem dos dedos que ela colocara na água. — Esses aí são ornamentais. Se

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você quiser ver peixes próprios para pescar, vou levá-la à lagoa natural do outro lado

da propriedade. Agora está um pouco tarde para irmos a pé, mas amanhã

poderemos ir até lá a cavalo.

— Quero, sim. Adoro pescar.

— Então amanhã iremos até a lagoa. Não quero vê-la exausta hoje.

A alegria se foi do rosto dela. Ao perceber o que se passava, Leland tratou de

explicar-se:

— Não se preocupe, eu não disse aquilo com segundas intenções. Embora esta seja

nossa noite de núpcias, isso não significa que tenhamos de consumar nosso

casamento. — Ele sorriu, e o sorriso era sincero. — Podemos esperar. Afinal, temos

todo o tempo do mundo pela frente.

Daisy, que havia baixado os olhos ao espelho d'água, ergueu-os para olhar para seu

marido.

— Obrigada. Eu... eu gostaria de conhecê-lo um pouco mais.

— O que prova que é uma mulher de coragem. — Ele lhe estendeu a mão. — Venha,

vou lhe mostrar o que realmente é digno de nota neste meu humilde cantinho do céu.

Leland conduziu-a por algumas veredas curtas e então se deteve. Assim que olhou

por cima de um pequenino curso d'água em direção a um gramado, Daisy bateu

palmas de alegria.

— Um labirinto feito de arbustos! Oh, que maravilha! Já li tanto sobre eles e nunca

tinha visto um pessoalmente.

— Então se prepare para percorrê-lo. Antes disso, deixe-me dizer que eu o adoro

porque esse dédalo, como também o chamamos, prova que meus ancestrais eram tão

afeitos a coisas intrincadas e rebuscadas quanto eu. Entretanto meu finado pai, que

foi a criatura mais rígida e mal-humorada que já conheci, não gostava dele. Dizia que

era uma bobagem gastar uma pequena fortuna para construí-lo e depois preservá-lo

através dos séculos, veja só.

— Sua mãe também não gosta dele?

— Minha mãe só gosta que lhe dêem atenção. E meu irmão Martin simplesmente o

ignora, já que só se interessa pelas coisas que pode vir a herdar. Agora, Daffyd

gostou demais do labirinto quando esteve aqui. Não gostaria de entrar nele e ver por

quê?

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— Oh, sim!

Logo ao entrar no labirinto feito de arbustos muito altos emaranhados uns nos

outros, ela percebeu que o ar ali dentro tinha um forte aroma de vegetação recém-

podada e também reparou que o caminho entre as paredes de sebe, bastante estreito,

estava recoberto por cascalhos. Deixando que sua esposa escolhesse qual percurso

fazer, Leland seguia nos calcanhares dela. Mas depois de mudar de direção aqui e ali

e seguir um ou outro corredor em linha reta, Daisy estacou no lugar e, com as mãos

nas ancas, encarou-o para lhe dar uma boa reprimenda:

— Você deve estar se divertindo um bocado à minha custa, não? Pois bem, desisto.

Reconheço que jamais conseguirei sair daqui sem a sua ajuda.

Ele riu.

— Não, querida, o desafio não é sair, mas sim chegar ao centro, ao coração do

labirinto. Venha. — Após tomar a mão dela, Leland pôs-se a caminhar pelo dédalo

como se o conhecesse como a palma da mão, trocando um corredor pelo outro com

absoluta naturalidade enquanto contava: — Em suas festas, meus antepassados

davam prêmios a quem primeiro conseguisse encontrar o coração do labirinto.

Naquele tempo ninguém a não ser o herdeiro conhecia o segredo que levava até lá.

Hoje em dia meus irmãos, e Geoff também, sabem. Isso sem falar de minha mãe, do

jardineiro e seus assistentes, do meu mordomo e da governanta... Ah!, não se fazem

mais segredos como antigamente! Mas como seria se algum dia eu viesse a ter um

colapso mortal justamente quando estivesse lá? Você já pensou quanto tempo não

iriam levar até me encontrarem? Pronto, cá estamos. E então, gostou?

Detendo-se à entrada da parte central do desenho formado pelo entrelaçado de

caminhos, Daisy arregalou os olhos. O sol se derramava pela clareira em forma de

círculo em que consistia o miolo do labirinto, no centro da qual havia uma estátua em

tamanho natural de uma Vênus despida abraçada por um apaixonado Marte

igualmente nu, ambos rodeados por um grupo de querubins também desnudos,

numa cena que por pouco não poderia ser dita obscena. A estátua era emoldurada

por quatro bancos de mármore que, por sua vez, eram enquadrados por sólidas

paredes formadas por arbustos.

— Não se trata de algo muito... conservador — observou Daisy, que então cobriu a

boca com a mão para dissimular o riso.

— De fato. Mais um motivo para que meu pai não gostasse nem um pouco deste

lugar. Aliás, não sei como ele não mandou pôr tudo isto abaixo.

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Edith Layton – Como Seduzir uma Noiva (Class Históricos 374)

Projeto Revisoras 156

Após indicar um dos bancos, Leland a conduziu até lá, esperou-a sentar-se e se

acomodou ao lado dela. Então, esticando as longas pernas, comentou:

— Inspirador, não?

Ele estava tão próximo que suas coxas quase chegavam a se tocar. Daisy sentiu um

perfume de lavanda e limão. E algo mais, algo intangível como a luz do sol e as

sombras da noite, doce e excitante, que era a própria essência dele. E lhe provocava

calafrios. Leland não era bonito a ponto de chamar atenção, porém seus olhos eram

esplendorosos. De um azul mais intenso do que o céu, sempre plenos de inteligência,

bom humor e... desejo. Sem sombra de dúvida, essa era sua característica física mais

marcante.

— Já descansou? — ele indagou ao cabo de alguns instantes, como se pressentisse a

ansiedade que a acometia. — Podemos ir?

— Aonde? — perguntou Daisy, sem conseguir dissimular a súbita onda de

nervosismo.

— Não rumo ao apogeu do prazer carnal. — De tão desolado o tom dele a fez sorrir.

— Vamos voltar para a casa, e no caminho lhe mostrarei um riacho muito bonito e os

bosques da propriedade. Há uma corça que sempre aparece nos limites da mata ao

cair do crepúsculo. Você vai gostar daquele bichinho, ele é muito mansinho.

Leland se pôs em pé, e ela o acompanhou. Por um momento, parada ali diante dele, a

encará-lo, Daisy sentiu uma estranha vontade de ficar na ponta dos pés e beijá-lo

para se certificar de que a excitação que ele lhe provocava era de fato real. Mas beijos

podiam levar a situações desagradáveis, frustrantes, a uma sensação de servidão

abominável, e ela havia descoberto que gostava demais de seu marido para destruir

essa profunda afeição em tão pouco tempo. Assim, colocando a mão no braço de

Leland, deixou que ele a conduzisse para fora do labirinto. Ia, porém, cabisbaixa,

olhos fixos no bico dos próprios sapatos, melancólica por descobrir-se uma grande

medrosa.

— Diga à cozinheira que ela se superou — Leland pediu ao mordomo ao levantar-se

da mesa após o jantar. — Ela estava inspirada.

— E ficará muito contente com o seu elogio, milorde — respondeu o mordomo,

curvando-se numa mesura.

Daisy sorriu. Realmente, o jantar, uma típica refeição inglesa, estivera delicioso.

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Edith Layton – Como Seduzir uma Noiva (Class Históricos 374)

Projeto Revisoras 157

— Sei que os pratos eram simples — Leland segredou ao ouvido dela enquanto

deixavam a sala de refeições —, mas ela os prepara melhor do que qualquer chefe de

cozinha francês. E um homem sábio não pode esperar mais do que uma pessoa é

capaz de fazer, não é mesmo?

— Concordo plenamente.

— Bem, agora poderíamos ir ao salão ou à biblioteca ou a qualquer outro lugar do

seu agrado, porém não é cedo... e esta é nossa noite de núpcias. Os criados

certamente iriam se horrorizar se não nos recolhêssemos aos nossos aposentos, e

tudo o que não quero neste momento é despertar comentários maliciosos em nossa

própria casa.

Daisy sentiu-se estremecer. Mas, pensando bem, melhor solucionar aquela questão

de uma vez por todas. Fariam o que tinha de ser feito e pronto. Homens eram

homens, e não seria por causa de uma expectativa tão natural de parte de seu marido

que ela haveria de se zangar com ele. Não seria justo destruir o afeto que sentia por

Leland por conta disso.

— Vá subindo — ele lhe disse ao pé da escada. — Não me demorarei.

Após vestir a delicada camisola que a risonha criada lhe entregara, Daisy dispensou

a moça, penteou os cabelos e prendeu-os numa trança. Então, sem saber muito bem o

que fazer, apanhou um livro qualquer da estante que havia no quarto e,

acomodando-se de encontro aos travesseiros macios junto à cabeceira da cama, fingiu

ler e não pensar no quanto estava ansiosa. Apesar de tantos cuidados, o coração lhe

saltou à garganta quando um ruído de passos ecoou pelo corredor.

Instantes depois, Leland entrava nos aposentos. Completamente vestido. E, ao

perceber que Daisy o olhava com um ar de surpresa, sorriu para ela antes de indagar

num tom brincalhão:

— Você não gosta da minha camisa, é isso?

— Não — foi tudo o que ela conseguiu dizer.

Enquanto tirava o paletó para deixá-lo sobre uma poltrona, ele observou:

— Não tenho o hábito de dormir cedo, mas você parece tão à vontade nessa cama

que me deu vontade de deitar. — Então se pôs a desfazer o nó do lenço de pescoço.

— Ainda não tive a oportunidade de lhe perguntar... Você costuma deitar-se e

acordar cedo?

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Edith Layton – Como Seduzir uma Noiva (Class Históricos 374)

Projeto Revisoras 158

Incapaz de dizer simplesmente "sim" ou "não", Daisy o viu tirar a camisa.

— Oh, isto? — Leland indagou, mostrando a cicatriz no peito ao perceber que ela

tinha os olhos arregalados. — É a recordação que ganhei daquele assalto naquela

noite no parque. Não se assuste, já não dói.

Mas não era a cicatriz que Daisy observava, e sim o fato de que, apesar de esguio, ele

tinha o tórax largo e musculoso, recoberto por pêlos claros de aparência sedosa.

Enquanto ela o examinava, Leland sentou-se na poltrona e tirou as botas. E enquanto

Daisy continuava ali, como que hipnotizada, ele despiu a calça como se desnudar-se

diante de sua esposa fosse a coisa mais natural do mundo. Santo Deus, Tanner jamais

havia se despido na frente dela!

Ao vê-lo levantar-se, Daisy não conseguiu evitar que seu olhar fosse pousar sobre o

âmago da masculinidade dele, porém, quase que no mesmo instante, desviou o

olhar. Com muita naturalidade, Leland recolheu as roupas que deixara sobre a

poltrona e, nu em pêlo, foi levá-las ao quarto de vestir.

No entanto, ele mal deu tempo a que sua.esposa se recuperasse: em questão de

instantes, emergia de lá de dentro usando um roupão e com dois camisões de dormir,

um em cada mão. Um deles era todo branco, o outro, cor de creme, tinha bordados

na gola.

— Não gostaria de me ajudar a escolher qual dos dois vestir? — Leland mostrou o

mais simples. — Este é clássico, simples porém elegante. Este outro — ele ergueu o

cor de creme —, segundo dizem, é a última moda na França. De qual você gosta

mais?

— Não sei — Daisy tentou engolir o nó na garganta. — Acho que... tanto faz.

— Tenho vários outros. Quem sabe você não prefere... Gosta de azul?

— Espere — ela pediu, ao vê-lo fazer menção de retornar ao quarto de vestir. — Você

realmente acha importante a roupa com que irá dormir?

— Quer mesmo saber? — Leland aproximou-se da cama. — Nem um pouco. A bem

da verdade, costumo dormir sem roupa alguma, mas o fato é que achei melhor não...

impressioná-la com as minhas excentricidades.

— Ah.

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Edith Layton – Como Seduzir uma Noiva (Class Históricos 374)

Projeto Revisoras 159

— Daisy, por favor, acalme-se. E acredite em mim: não irei tocá-la enquanto você não

quiser que eu o faça. Estou começando a ficar atrapalhado ao vê-la olhar para mim

desse jeito. Você se tranqüilizaria se jogássemos cartas?

— Sim. Não. Oh, Deus! O que tenho de fazer para não agir como uma tonta? A

impressão que tenho é que, quanto mais me afeiçôo a você, mais difícil tudo se torna.

Leland quase sucumbiu ao desejo de tomá-la entre os braços e dizer-lhe que ela não

tinha por que temê-lo, entretanto sabia que só deveria tomar tal atitude num

momento de calma e descontração. Naquela noite Daisy lhe parecia ainda mais bela:

seus olhos castanhos cintilavam como estrelas; os cabelos trançados lhe davam um ar

jovial e vulnerável; os seios firmes, cujos contornos se insinuavam sob o tecido fino

da camisola, convidavam a um carinho. Céus, desejava-a com todo o ímpeto de sua

essência de homem, mesmo assim precisava, antes de mais nada, mostrar-lhe que ela

podia e devia confiar nele.

— Se até eu estou começando a sentir os efeitos de um dia longo e cansativo, você

deve estar exausta. Mas uma boa noite de sono nos ajudará a repormos nossas

energias. — Com isso, Leland apagou a lamparina sobre a mesinha-de-cabeceira,

despiu o robe e deitou-se ao lado dela.

— Você vai dormir aqui? — No escuro, a voz de Daisy soava ainda mais embargada.

— Como não, se este sempre foi o meu quarto? — Ele ajeitou melhor seus

travesseiros. — Bem, evidente que será o nosso dormitório de hoje em diante.

Agarrando as cobertas, ela deixou escapar:

— Oh, Leland, você cometeu um grande erro ao casar-se comigo!

— Não. É claro que não. Eu... Será que posso abraçá-la?

Daisy não respondeu. Em vez disso, virou-se sobre o colchão e, recostando a cabeça

no alto do peito dele, abraçou-o com força.

— Não pense em mais nada, sim? Tente dormir e descansar. — Enquanto lhe

acariciava as costas, Leland se pôs a pensar em como faria para conquistar a

confiança, a admiração e o amor dela.

Na manhã seguinte, ao acordar sozinha naquela cama tão grande, Daisy se

perguntou se seu marido não teria ido informar-se sobre como anular o casamento

que na véspera os tinha unido para sempre. Oh, Senhor, como era possível que não

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tivesse tido coragem de... Não, não havia desculpas para sua covardia. Leland tinha

todo o direito do mundo de estar furioso com ela.

Mas ao encontrá-lo à mesa do café da manhã, Daisy constatou que não havia um só

sinal de censura na expressão ou nos olhos dele.

— Bom dia — Leland a cumprimentou, erguendo-se da cadeira. — Vamos continuar

com nosso passeio pela propriedade após o desjejum?

— Eu adoraria — ela murmurou enquanto se sentava.

— Então não faça essa carinha tristonha, ou vai acabar afugentando todas as trutas

do lago. — Ao vê-la sorrir, ele emendou: — Já pedi à cozinheira que preparasse uma

cesta de piquenique para devorarmos durante a pescaria, à qual nos dedicaremos

depois de fazer um bom passeio a cavalo. Só que antes precisaremos ir até o quarto

de vestir para que você troque esse lindo vestido de passeio por trajes de montaria.

Minhas roupas lhe cairão muito mal, mas disso as trutas não terão medo!

Daisy caiu na risada.

Apesar do agradável clima de descontração e companheirismo de que haviam

desfrutado o dia inteiro, naquela noite Leland não ousou mais do que um rápido

beijo antes de abraçá-la e preparar-se para dormir.

Nas longas horas da madrugada, enquanto a ouvia ressonar tranqüilamente de

encontro ao seu peito, ele se perguntava o que faria para conquistar a única mulher a

quem já havia desejado de corpo e alma na vida. Sentia Daisy tão perto e, ao mesmo

tempo, tão longe que chegava a doer.

Pouco antes de adormecer, ela também se vira às voltas com indagações parecidas

como as dúvidas que afligiam seu marido. E concluíra que não podia mais continuar

evitando aquele homem que, a cada hora que passava, tornava-se mais e mais

importante na vida dela. No entanto, cansada como estava por conta das atividades

de um dia tão atribulado, acabara por cair no sono, antes mesmo de decidir qual seria

a melhor maneira de entregar-se a ele de corpo e alma.

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Capítulo XIV

— Pronto, cá estamos — disse Leland no dia seguinte, ao assisti-la a descer do cavalo.

— Agora que já lhe ensinei como chegar ao miolo do labirinto, leve-me até lá.

— Quando você explicou que os corredores que devo tomar, à direita ou à esquerda,

seguem a ordem da última letra, par ou ímpar de acordo com a seqüência do

alfabeto, de determinado verso de um soneto de Shakespeare, eu disse que conhecia

o soneto, não que o sabia de cor — alegou Daisy enquanto ajeitava as saias do

vestido. — É Daffyd quem tem talento para memorizar poemas, não eu.

— Não faz mal. Vou cantar uma canção que certamente você conhece. Basta aplicar

as mesmas regras, está bem? — Ele então se pôs a cantarolar uma velha cantiga de

amor profano, daquelas que quase todo mundo sabia, porém não tinha coragem de

dizer os versos em voz alta perante pessoas de bem.

— Oh! — murmurou Daisy, corando até a raiz dos cabelos.

— Não, não precisa me olhar desse jeito! — Leland deu uma gargalhada. — É claro

que eu estava brincando.

— Ora, seu... pervertido!

Ele não resistiu: trazendo-a para mais perto, beijou-a com toda a paixão que o

consumia. Apesar de surpresa, Daisy correspondeu ao beijo e, mais admirada ainda,

percebeu que sentia imenso prazer em fazê-lo. Já não podia esquecer o quanto os

lábios dele eram doces e suaves, de como o corpo esguio e firme eletrizava seu corpo

inteirinho...

Após se afastar por um instante para fitá-la, Leland tornou a tomar-lhe os lábios num

beijo ardente. De olhos fechados, Daisy sentiu a mão dele em seu seio e, arrepiando-

se, deixou escapar um suspiro na boca que se apoderara da sua com uma mistura de

ternura e sofreguidão. Quando se deu conta, entendeu que não tinha mais medo de

decepcioná-lo ou de desgostá-lo. Simplesmente porque não tinha mais medo de

nada. Simplesmente porque jamais na vida havia experimentado as sensações que a

percorriam da cabeça aos pés e que a faziam ansiar por mais, muito mais.

Findo o beijo, ele voltou a fitá-la nos olhos para dizer:

— Não se preocupe. Isso não significa que...

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Projeto Revisoras 162

— Leland?

— Sim? — Sem perceber, ele ergueu uma sobrancelha ao apelo que identificara no

tom de voz de sua esposa.

— Será que hoje, ou esta noite, poderíamos fazer amor como marido e mulher?

Assim que conseguiu reencontrar a voz, Leland afirmou com um sorriso largo:

— Você sabe que estou ao seu dispor, minha querida, e que faço qualquer coisa para

lhe agradar. Agora, por que não voltamos os dois no meu cavalo? Ele é bem mais

ligeiro do que o seu...

Já fazia quase uma hora que Daisy, sentada na cama com as pernas dobradas junto ao

corpo, sentia-se relaxar mais e mais a cada instante. Entre uma dentada e outra na

torta doce que a cozinheira havia preparado e goles de champanhe, ela agora se

deliciava com as aventuras que seu marido contava. E Leland, que havia trocado seus

trajes de montaria pelo roupão acetinado, parecia sentir grande satisfação em lhe

falar de suas histórias.

— Agora chega — ele disse, ao vê-la estender novamente a taça vazia em sua direção.

— Daqui a pouco você vai começar a rir de mim, não das minhas peripécias.

— Não é verdade! — Com a camisola rosada que chegava a combinar com a colcha

cor de pêssego, Daisy tinha os cabelos soltos e não se sentia nem um pouco

entorpecida pelo vinho espumante. Estava simplesmente feliz, feliz como havia

muito nem sonhava ver-se.

— Então fique brava comigo. Quero ver se é capaz. Ela desatou a rir.

— Como posso ficar brava com alguém que me dá doce e champanhe deliciosos? —

Daisy afastou uma mecha de cabelos do rosto. — Não estou tonta, não. Estou só

contente.

— É assim que eu quero vê-la. E farei tudo para que essa sua alegria se transforme

numa felicidade sem limites. — Deixando sua taça sobre uma mesinha, Leland

levantou-se da poltrona e foi se sentar na cama, ao lado dela, para lhe afagar uma

face rosada.

Incapaz de se conter, Daisy tombou o rosto de encontro à palma da mão dele para

dizer num sussurro:

— Oh, não consigo entender por que você suporta uma mulher complicada como eu.

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Projeto Revisoras 163

— Porque amo você — Leland afirmou no mesmo tom. — Pensei que já tivesse

percebido.

Surpresa, ela ergueu o rosto para fitá-lo.

— Venha cá. — Ele a tomou entre os braços.— Vou lhe dizer tudo aquilo que

poderíamos fazer juntos, assim você não terá por que temer ver-se forçada a se

submeter a algo que não quer ou não gosta, está bem?

Então, de um modo doce e prazeroso, Leland lhe falou dos vários gestos de carinho

que poderiam trocar, pontuando cada um deles com um beijo. Enquanto prestava

atenção à voz suave e envolvente de seu marido, aninhada junto ao peito largo,

retribuindo os beijos que recebia, Daisy percebeu que gostaria de experimentar tudo

aquilo de que ele falava. Apenas uma única vez ela o interrompeu para indagar: —

Mulheres decentes fazem isso?

— E por que não? — Leland soprou-lhe ao ouvido. — Quer que eu lhe dê mais

detalhes?

— Não.

Ele mordeu a língua, amaldiçoando-se. Tudo estava indo tão bem, por que tivera

de... De súbito, Daisy levantou o rosto e beijo-lhe os lábios.

— Você não quer que eu fale mais, é isso? — Leland indagou, prendendo a

respiração.

— É — ela confirmou. — Agora eu queria que você demonstrasse.

Ele não perdeu tempo a fazê-lo.

Dessa vez Daisy não se retraiu. Nem quando os lábios dele beijaram-lhe a boca, nem

quando lhe buscaram o pescoço ou os seios. Tampouco quando ele ajudou-a a despir

a camisola que, mesmo feita de um tecido muito fino, agora lhe parecia quente e

apertada demais. Na verdade ela vacilou uma só vez, mas foi para logo em seguida

pedir num sussurro:

— Tire o roupão, Lee. Quero sentir aquilo de que você falava...

— Agora mesmo, meu amor.

Após despir o robe para largá-lo no chão, Leland deitou-a de encontro aos

travesseiros e acomodou-se sobre o corpo dela. Ao sentir a excitação dele junto à sua

pélvis, Daisy não teve medo: estava ocupada demais não só descobrindo as sensações

prazerosas que os beijos podiam proporcionar como também se deleitando com as

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carícias que ele lhe fazia. O fato de que seu marido a tocasse e a beijasse com uma

intimidade que ela jamais imaginara existir deixava de ser um espanto para se

transformar em fonte de um enlevo inigualável, que tanto a surpreendia quanto a

deliciava.

Quando a percebeu a ponto de alcançar o clímax, Leland voltou a beijar-lhe a boca e,

apesar do ardor que o acometia, penetrou-a lentamente. Daisy se encolheu com um

arquejo, porém logo a seguir relaxou o corpo todo sob o dele, aceitando-o e

acomodando-o dentro de si.

Enquanto buscava a satisfação completa de ambos, ele lhe murmurou palavras de

amor ao ouvido, controlando-se o mais que podia para se certificar de que sua esposa

também alcançaria o prazer que os dois mereciam. Pouco depois Daisy erguia-se de

encontro a ele, ofegante, estremecendo inteirinha, gemendo baixinho. Só então

Leland se permitiu unir-se a ela no êxtase, chamando-lhe o nome no momento do

ápice do prazer.

Continuaram nos braços um do outro, ainda um pouco trêmulos da intensidade das

sensações experimentadas. De olhos fechados, regozijando-se ao modo como ele lhe

acariciava os cabelos, Daisy foi a primeira a falar:

— Obrigada. Eu não sabia que era capaz de sentir... isso. Céus, nunca pensei que...

Oh, obrigada.

— Não, sou eu quem tem de agradecer pelo prazer que você me deu. Em todos os

sentidos, alguns dos quais eu ainda não conhecia. — Leland sorriu ao senti-la sorrir

de encontro ao seu peito. — E então, não gostaria de dar prosseguimento às nossas...

aulas?

— Você conseguiria?

— Creio que sim. — Ele apertou-a um pouco mais. — Isto é, desde que você me

ajude a tentar.

Os recém-casados passaram uma semana um descobrindo o corpo do outro, e

maravilhando-se ante o modo como se encaixavam à perfeição, e na semana seguinte

vieram a concluir que o mesmo se dava com o modo como pensavam.

Passeavam e trocavam idéias, faziam amor e conversavam, dançavam e cantavam

juntos, caminhavam ou andavam a cavalo pela propriedade e pelos campos que a

circundavam, pescavam e nadavam nos riachos e na lagoa. Dormiam sempre abra-

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Projeto Revisoras 165

çados, mesmo quando não faziam amor. E todos os dias agradeciam um ao outro

pelo simples fato de estarem ali, juntos.

E Daisy, que nunca havia se imaginado capaz de amar alguém de corpo e alma,

descobrira-se loucamente apaixonada por seu marido. De sua parte, Leland se

convencera de que iria amá-la sempre um pouco mais a cada novo dia.

De tão felizes, os dois nem queriam pensar que tinham de regressar a Londres. Não

havia, porém, como evitá-lo: Daisy fora acusada injustamente e isso significava que

tinha um inimigo. A paz não seria completa sem que antes tentassem descobrir quem

a ameaçava.

Chegaram a Londres numa manhã mormacenta, e enquanto Daisy subia ao piso

superior da mansão para se refrescar, o mordomo entregou a Leland o jornal e as

mensagens que haviam se empilhado numa salva de prata no hall de entrada desde

que ele partira. O criado aproveitou também para colocar seu amo a par das últimas

novidades.

— Seria bom irmos fazer uma visitinha a nosso velho amigo Geoff—Leland disse a

Daisy assim que ela foi ao seu encontro no salão. — Já mandei avisá-lo de que

estamos de volta. Aliás, não só a ele, mas também às autoridades de Bow Street e aos

amigos de Daffyd que costumavam vigiar as imediações do hotel. Assim que

tivermos resolvido esse assunto de uma vez por todas, poderemos retornar ao campo

e descansar à vontade por lá.

— É preciso também descobrir o que havia por trás da punhalada que você levou no

parque — ela lembrou.

— Quanto mais penso nisso, mais me convenço de que tudo não passou de mero

acidente, desses que acontecem em circunstâncias como aquela. Mas agora não

vamos mais pensar nisso, sim? Olhe, por que você não vai tomar um refresco na sala

de estar enquanto termino de ler as mensagens e cartões que chegaram durante a

nossa ausência? Assim que der uma ordem na papelada, irei encontrá-la lá.

Minutos depois ele entrava na sala de estar com um sorriso de orelha a orelha.

— Adivinhe só? — Leland mostrou a carta que trazia na mão. — Meg, a esposa de

Daffyd, deu à luz um menino saudável e chorão! Moreno como o pai e bonito como a

mãe, segundo ele, com olhos azuis e temperamento forte. Daffyd não cabe em si de

felicidade e pediu que fôssemos visitá-los assim que possível. O que acha de irmos

até lá antes que eu a leve a Haye Hall? Tenho certeza de que você irá adorar Meg, ela

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é um doce de pessoa. — Ele continuou a ler a carta do meio-irmão, e seu sorriso foi se

esvaecendo. — Estranho... Daffyd pergunta se sei onde Geoff se encontra, pois não

tem notícias dele. E o conde deveria ter passado por lá na semana passada.

— Daffyd não tem notícias de Geoff? Como é possível?

— Espere — Leland terminou de ler a mensagem. — Bem, é estranho,- sim, mas

ainda é cedo para pensarmos no pior. Depois de ter deixado Helena na casa da

família dela, é possível que Geoff tenha ido visitar algum amigo nas cercanias. As

cartas que vêm do Norte demoram a chegar a Londres.

— Por que não vamos à casa dele agora mesmo?

— Não. Se houve algo de grave com o conde então você pode estar correndo sério

perigo. Sei que sou capaz de defendê-la de qualquer ameaça, mas prefiro não ser

obrigado a fazê-lo. Acalme-se, sim? Vou terminar de ler minha correspondência, pois

é possível que haja alguma mensagem de Geoff que ainda não vi. Caso não haja,

pensaremos no que fazer.

O visconde Haye chegou à sua mansão na cidade perdido em pensamentos, e vê-lo

assim ensimesmado foi o que deixou Daisy ainda mais preocupada.

— O que houve com Geoff? — ela indagou, deixando a poltrona junto à janela de

onde estivera observando o movimento na rua para ir ao encontro de seu marido no

hall.

Correndo o dedo sob o lenço de pescoço, Leland suspirou.

— Eu queria saber quem foi que inventou que estas coisas são elegantes, sobretudo

num dia quente como hoje. Bem, pelo menos ninguém na cidade poderá dizer que

saí por aí como um operário. — Ele tornou a suspirar. — Não consegui descobrir

nada. Nem uma carta pedindo resgate, nem indícios de violência, nem registros de

algum acidente que tivesse ocorrido na estrada para o Norte. Os amigos de Geoff dos

velhos tempos de Botany Bay não têm notícias dele, a polícia tampouco. Ninguém

faz a menor idéia de onde ele possa se achar. O que é bom, pois se algo de grave

tivesse se passado, todos já estaríamos sabendo.

— Mas o conde é um dos homens mais ricos da Inglaterra — assinalou Daisy. —

Como é possível que não se saiba o paradeiro dele?

— Geoff está bem, tenho certeza. E a nós não resta outra coisa senão aguardar por

notícias. Estou certo de que deve haver um bom motivo para todo esse silêncio. Até

os homens a quem paguei por informações me garantiram isso.

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Um pouco mais aliviada, ela reparou que seu marido continuava com um ar

extremamente grave.

— Mas isso não foi tudo o descobri — prosseguiu Leland. — Inteirei-me de algo

que...

— Sim?

— Bem, descobri quem foi que acusou você injustamente. — Ao vê-la empalidecer,

ele correu a emendar: — Não, não se preocupe, pois ainda nem tive tempo para

verificar se essa informação é de fato verdadeira.

— Mas quem foi?

— O responsável pela queixa foi um tal Samuel Starr, que chegou não faz muito

tempo de Botany Bay e...

— Samuel... Starr? — Os olhos dela se arregalaram. — O Velho Infame? Ora, não

havia quem não o conhecesse na colônia penal, afinal... Mas ele não tinha raiva de

mim! Pelo contrário, éramos amigos. Samuel foi pirata e sempre tinha histórias para

contar, então não era raro que conversássemos por horas a fio. Por que ele haveria de

inventar mentiras a meu respeito? Samuel sempre soube que a morte de Tanner foi

um acidente e até chegou a me consolar, imaginando que eu pudesse estar triste com

o que tinha se passado. Por que ele mentiria a respeito de algo tão sério?

— Por que outro motivo seria a não ser por dinheiro? Samuel alega que não tem

muito talento para bater carteiras e estava a ponto de passar fome, por isso não

resistiu quando alguém lhe ofereceu uma boa quantia para prestar uma queixa falsa

às autoridades. Mas assim que fez uma refeição decente, o remorso começou a

incomodá-lo, e ele agora diz que está profundamente arrependido. Mas não se

incomode com esse assunto. Se você não quiser, não prestaremos queixa contra ele,

que, afinal de contas, não passa de um pobre-coitado.

— Samuel lhe disse quem o pagou para mentir às autoridades?

— Sim. — Os olhos de Leland eram duas poças de decepção. — Vou mudar de

roupa, depois irei falar com a pessoa que ele indicou. Se estiver disposta, venha

comigo. Talvez seja melhor assim, já que teremos como esclarecer essa e outras

questões definitivamente.

— Eu vou, sim.

— Ótimo.

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Projeto Revisoras 168

Daisy sentiu o coração disparar quando viu onde o coche havia se detido.

— Aqui? — indagou, apesar da aflição que a acometia.

— Sim. Desconfio de que foi aqui que tudo começou e tenho certeza de que será aqui

que tudo irá terminar. — Leland parecia infinitamente cansado, mas sua voz

continuava muito doce. — Tente não se sentir mal e não tenha medo de nada. Estarei

do seu lado, agora e sempre. Venha, vamos acabar com isso de uma vez por todas.

Após entregar as rédeas ao garoto de libré que viajava na parte traseira do coche de

duas rodas, ele saltou para o chão e ajudou a esposa a descer do veículo,

comentando:

— Você está linda nesse vestido cor de pêssego. Não foi melhor termos vindo no

coche aberto, com a brisa soprando em nossos rostos? Assim que terminarmos nosso

assunto aqui, passaremos pelo parque antes de voltar para casa, está bem?

Ela fez que sim e o acompanhou em direção à entrada da mansão.

— E um prazer revê-lo, milorde — cumprimentou o mordomo ao abrir a porta.

— Digo o mesmo, Fitch — respondeu Leland. — Esta é minha esposa, Daisy, a nova

viscondessa Haye. Nós nos casamos há cerca de um mês na região oeste, numa

capela próxima à minha casa de campo.

Ainda que pestanejasse em sinal de surpresa, o imperturbável mordomo logo se

recompôs, curvando-se numa mesura.

— E uma honra conhecê-la, milady. Eu já estava sabendo das núpcias, milorde. A

notícia foi divulgada pelos jornais. Permitem-me oferecer meus melhores votos?

— Obrigado — Leland respondeu pelos dois.

— Vou informar sua mãe de sua presença, milorde. Por favor, acomodem-se no

jardim. Eu iria convidá-los a esperar no salão, mas lá dentro está quente e abafado

demais.

— Grato. E, por favor, não é preciso avisar minha mãe de que minha esposa está

comigo — disse Leland. — Venha, Daisy. Fitch tem razão: o jardim é muito mais

fresco e agradável. As tapeçarias e os cortinados do salão de minha mãe não

combinam com um dia quente como este.

Ainda com o coração descompassado, Daisy acompanhou-o até um terraço

debruçado sobre um amplo jardim sombreado pela copa de olmos centenários.

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Edith Layton – Como Seduzir uma Noiva (Class Históricos 374)

Projeto Revisoras 169

Ignorando as cadeiras de vime, ela permaneceu em pé, e Leland pôs-se a caminhar

junto ao balaústre.

Num vestido todo branco, a viscondessa não tardou a surgir.

— Haye, que bom vê-lo aqui. — Quando seus perscrutadores olhos azuis depararam

com Daisy, ela indagou: — Nós nos conhecemos? Você não me parece estranha... Oh,

perdoe-me pela falta de memória, mas ultimamente tenho tido certa dificuldade para

me lembrar do nome de pessoas que não pertencem ao meu círculo de convívio

social.

— É mesmo? — Leland afetou espanto. — É de se admirar, tendo em vista o quanto

você se meteu na vida dela. Esta é minha esposa, Daisy, mamãe. E embora você finja

não reconhecê-la, certamente sabe o nome da dama minha esposa bem até demais,

uma vez que pagou àquele infeliz, Samuel Starr, para apresentar falsa queixa contra

ela. Ou será que... Oh, entendi. Você pagou alguém para ir pedir o favorzinho a ele,

não foi? Afinal, não ficaria bem uma dama da sua posição ser vista em conluio com

um ex-detento, não é mesmo? Mas do nome você lembra, não lembra?

Imóvel e impassível, a viscondessa ficou olhando para seu filho.

— Não tenho tempo para brincadeiras, mamãe. E embora seja inútil perguntar por

que você fez o que fez, posso presumir o que a levou a tomar tal atitude. Hoje,

porém, só vim até aqui para confrontá-la com a verdade e, logicamente, para exigir

que você peça desculpas à minha esposa. Também quero ouvi-la jurar que nunca

mais irá se intrometer nos assuntos que me dizem respeito. Caso contrário, serei

obrigado a pedir que você se retire desta casa. Que é minha, se é que você não

esqueceu. Ainda assim, pode continuar aqui desde que se mantenha longe de nós.

Agora, se resolver retornar a Haye Hall, trate de se acomodar na habitação destinada

à viúva. Não tenho a menor intenção de voltar a dormir sob o mesmo teto que você e

certamente não pediria tal coisa à minha esposa. Fui bastante claro, não fui? O bem-

estar, o conforto e a segurança de minha esposa são o que há de mais importante

para mim, e a sua presença é garantia de que ela não terá nada disso.

Nem um músculo no rosto da mãe dele se moveu.

— Seu gesto é imperdoável, mamãe. O que lhe deu na cabeça? Obviamente você não

fez o que fez pensando na minha felicidade, afinal minha jovem, bela e inteligente

esposa tem muito menos fatos desabonadores associados ao seu nome do que a

quantidade de escândalos que já imperou na nossa família, não somente por conta da

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minha reputação, mas principalmente pelas atitudes que você andou tomando no

passado.

No seu tom inabalável de sempre, a viscondessa enfim se manifestou:

— Eu não queria fazer mal à moça.

— Tramar a prisão e a deportação dela seria lhe fazer o bem? — retrucou Leland. —

E faça o favor de não tornar a esquecer, mamãe: Daisy não é "a moça", é minha

esposa. Agora, apenas uma dúvida: por que fazer com que eu levasse uma

punhalada aquela noite no parque?

— Não tive nada a ver com a agressão que você sofreu. Posso não ser uma mãe

devotada, porém jamais iria desejar sua morte. E é bom que você saiba que mandei

investigar o que houve e que minhas fontes me garantiram tratar-se de um caso

fortuito. Quem o feriu foi um ladrãozinho à-toa, que não só confessou o crime aos

amigos como já fugiu da cidade. Posso ter cometido inúmeros erros, Haye, mas

nunca quis lhe fazer mal. — Dirigindo-se a Daisy, ela acrescentou: — Tampouco

quero mal a você. Na verdade, dou-lhe os parabéns. Você e Haye nasceram um para

o outro.

— Ora, isso é bem típico de você: um insulto envolto num elogio, ambíguo porém

ofensivo. — Ele riu, um riso amargo. — E falso, também. Daisy é muito melhor do

que eu e se acha a léguas acima de você. Agora lhe prometa que você não tornará a se

intrometer na vida dela.

— De modo algum, minha cara — a viscondessa disse a Daisy. — Por que eu haveria

de fazê-lo? Você se casou com meu filho e, com isso, me faz feliz.

Leland estranhou o sorriso da mãe, que lhe parecia sincero. Mas então se deu conta

de um detalhe no qual ainda não havia pensado.

— Espere... Santo Deus, não era de mim que você queria afastá-la! Você quis tirar

Daisy da vida de Geoff e com isso tirá-la do seu caminho! Porque... — Ele meneou a

cabeça em sinal de desalento. — Ora, mamãe, você sonha demais. O conde jamais

gostou de mulheres como você.

— É essa a sua opinião? Pois eu não penso assim. — Ela ergueu o queixo,

desafiadora. — Mas agora basta. Já fiz tudo o que você me pediu. E quanto ao fato de

ir morar em Haye Hall, conceda a habitação destinada à viúva a quem bem entender,

pois não tenho a menor intenção de morar perto de vocês. Tenho recursos, e amigos

no continente, além desta casa que, segundo suas palavras, poderei habitar desde

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que não me intrometa na sua vida. E isso eu já prometi. Bem, há algo mais que

desejam de mim?

— Não. Se há algo que aprendi na vida foi nunca querer nem esperar nada de você.

Tenha um bom dia, mamãe. Minha esposa e eu estamos de saída.

Leland e Daisy deixaram a residência da mãe dele de mãos dadas. E só quando o

coche já havia se afastado mais de dois quarteirões da imponente mansão foi que ele

disse:

— Por mais que me doa ouvi-la fazer tais insinuações, às vezes você dá a entender

que não se julga à minha altura. Pois bem, espero que agora tenha ficado claro que,

de nós dois, sou eu quem teve a pior criação e que é na minha família que se acha o

pior tipo de criminoso: aquele que age na surdina contra pessoas por quem deveria

ter um mínimo de afeição. — Leland olhou para ela. — Perdoe-me por tudo o que

você teve de passar, sim?

— Não há o que perdoar. E não é por mim que fico triste, mas sim pelo que você

sofreu. — Ao perceber que ele engolia em seco enquanto tornava a concentrar sua

atenção ao movimento na rua, Daisy tomou-lhe a mão. — Chega de falar disso, está

bem? Por que não me diz se você acha que Geoff não irá acabar...

— Caindo nas garras dela? — O semblante de Leland se desanuviara. — Seria mais

fácil o rio Tâmisa transformar-se num extenso deserto de um momento para outro!

Quando o coche puxado por uma parelha de cavalos deixou o parque, o céu

começava a escurecer e uma brisa fresca tomava conta da cidade. Assim que

chegaram em casa, Leland entregou as rédeas ao garoto que os acompanhava e, após

assistir Daisy a saltar para o chão, agarrou a mão dela para arrastá-la atrás de si para

que fugissem dos primeiros pingos de chuva.

Os dois entraram na mansão às gargalhadas, e Daisy já se punha na ponta dos pés

para beijá-lo quando o mordomo pigarreou às costas de ambos.

— Temos visitas, milorde — anunciou o criado com um sorriso. — Pedi-lhes que

aguardassem no salão.

— É mesmo? — Leland estranhou, afinal seu mordomo não tinha permissão para

admitir pessoas estranhas na ausência dele. — Você não prefere ir se trocar, Daisy?

— Uns pingos de chuva não irão me matar — respondeu ela. — A curiosidade, sim.

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De mãos dadas, os dois se dirigiram ao salão. E quando viu quem estava a esperá-los,

Daisy correu ao encontro dele, exclamando:

— Geoff! Você está bem! Oh, que alívio!

—Não estou apenas bem: jamais estive tão feliz. — O conde tinha um sorriso

radiante. — Pensei em mandar avisá-los, mas depois acabei decidindo que seria

melhor vir trazer as novidades pessoalmente.

— Novid... — Ao olhar às costas dele, Daisy viu sua antiga dama de companhia,

Helena Masters, erguer-se de uma poltrona num elegante vestido vermelho. E com

um enorme sorriso nos lábios.

— O que houve foi que — prosseguiu Geoffrey—, a caminho da casa da família de

Helena, percebi que não queria que ela se fosse da minha vida. Por isso, gostaria de

lhes apresentar minha nova condessa, lady Egremont. Nós nos casamos em Gretna,

depois fomos passar uns dias na casa da mãe dela, preparando a mudança de todos

para Londres e a seguir para Egremont. Agora tenho não apenas uma esposa, mas

também uma sogra e dois filhos pequenos adoráveis. Imaginem só, durante a viagem

para o Norte nós dois conversamos muito, descobrimos que tínhamos muito em

comum e... Bem, por sorte, Helena aceitou meu pedido de casamento, fazendo-me o

homem mais feliz do mundo.

— Oh, eu também estou feliz como jamais sonhei que voltaria a ser — disse Helena.

— Nós dois amamos e perdemos nossos amados, mesmo assim descobrimos que

éramos capazes de amar novamente.

— E se vocês não tivessem se casado — Geoffrey olhou para Daisy e para Leland —,

era provável que eu nunca viesse a ter a oportunidade de ficar a sós com Helena e,

assim, compreender que ela é a companheira que me faltava. Às vezes a vida nos dá

uma segunda chance e, quando percebi que a minha estava bem diante dos meus

olhos, não quis correr o risco de vir a perdê-la. Agora, mesmo desgostando

imensamente da alta sociedade, faço questão de que todos em Londres saibam da

novidade! Faremos um casamento mais formal aqui e depois uma outra recepção em

Egremont. Vocês dois estão convidados, desde já, mas por ora irei me contentar com

as felicitações.

— Oh! — Daisy abraçou Helena, que tinha os olhos úmidos.

— Meus parabéns!

— Digo o mesmo, pois as notícias não podiam ser melhores.

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— Leland apertou a mão do conde com força. — Que tal celebrarmos?

— Com satisfação — respondeu Geoff. — A propósito, nunca vi vocês dois mais

felizes, e isso me enche de alegria. Meus parabéns a vocês também! Só espero que

não se zanguem se os mexericos sobre o meu casamento ofuscarem-o que andam

dizendo das suas núpcias.

— Ah, nada nos cairia melhor do que sermos deixados de lado por um motivo tão

bom! — disse Leland.

— E então, vamos comemorar? — convidou Daisy.

Os quatro riram. E comemoraram não apenas aquele instante, mas todos os longos

anos de felicidade que ainda estavam por vir.