como cultivar mirtilo

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Especial - Como cultivar C ultura atØ pouco tempo quase des- conhecida do pro- dutor, do consu- midor e atØ mesmo da maioria dos tØcnicos brasileiros, o mir- tilo vem tornando-se cada vez mais po- pular. TambØm conhecido como blue- berry, em inglŒs, ou arÆndano, em es- panhol, esta espØcie frutífera nativa dos Estados Unidos e CanadÆ tem sua po- pularidade e interesse de produtores e consumidores associados às excepcionais propriedades funcionais da fruta, que tornaram-na conhecida como fruta da longevidade. Sua riqueza em pigmen- tos antocianos, substâncias de alto po- der antioxidante e preventivas de doen- ças degenerativas, seu sabor œnico e sua cor inconfundível sªo fatores que atra- em diretamente o consumidor. No caso do produtor, o interesse paira nas gran- des potencialidades econômicas e na ele- vada rentabilidade que a fruta pode pro- porcionar. E o interesse pelo mirtilo nªo Ø apenas brasileiro trata-se de uma das frutas que mais cresce em consumo no mundo, algo em torno de 20% ao ano. O mirtilo foi introduzido no Brasil em 1983, pelo entªo pesquisador da Embrapa Clima Temperado Alverides Machado dos Santos, em Pelotas (RS), a partir de plantas provenientes da Uni- versidade da Flórida, com o objetivo de avaliar a adaptaçªo da espØcie ao clima e solo brasileiros. A espØcie trazida ao Brasil foi a Vaccinium ashei , tambØm conheci- da como rabbiteye (olho-de-coelho, devido à cor vermelha dos frutos imatu- ros), de menor exigŒncia em frio. Esta coleçªo de cultivares foi a principal base para a difusªo da cultura no Brasil, pois permitiu obter informaçıes essenciais para a definiçªo do manejo da espØcie em nossas condiçıes climÆticas e de solo. Paralelamente ao esforço da Embra- pa, a curiosidade e o potencial comercial foram induzindo empreendedores nas regiıes Sul e Sudeste do Brasil a investi- rem no cultivo do mirtilo como uma nova alternativa de produçªo de frutas. Estes empreendimentos explicam-se es- pecialmente pela evoluçªo que a cultura jÆ vinha tendo em países como o Chile, Argentina, a `frica do Sul e a Nova Ze- lândia e a possibilidade de produzirem- se mirtilos em Øpocas de entressafra dos Estados Unidos e Uniªo EuropØia, prin- cipais centros consumidores. Destes em- preendimentos, merece destaque a im- plantaçªo da empresa Italbraz Agroin- dustrial, em Vacaria (RS) a partir de 1990, com mirtilos da espØcie high- bush (Vaccinium corymbosum), mais exi- gente em frio do que rabbiteye, porØm capaz de produzir frutas maiores e com sabor mais adequado aos padrıes dos principais mercados consumidores. AlØm desta empresa, foram implantadas Grande Potencial Embora ainda pouco conhecido, o mirtilo é uma fruta muito apreciada no exterior, com crescimento de consumo de cerca de 20% ao ano. No Brasil, representa uma oportunidade de diversificação devido a seu elevado valor agregado Grande Potencial Embora ainda pouco conhecido, o mirtilo é uma fruta muito apreciada no exterior, com crescimento de consumo de cerca de 20% ao ano. No Brasil, representa uma oportunidade de diversificação devido a seu elevado valor agregado

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Page 1: Como cultivar mirtilo

� Especial - Como cultivar

Cultura até poucotempo quase des-conhecida do pro-dutor, do consu-midor e até mesmo

da maioria dos técnicos brasileiros, o mir-tilo vem tornando-se cada vez mais po-pular. Também conhecido como �blue-berry�, em inglês, ou �arándano�, em es-panhol, esta espécie frutífera nativa dosEstados Unidos e Canadá tem sua po-pularidade e interesse de produtores econsumidores associados às excepcionaispropriedades funcionais da fruta, quetornaram-na conhecida como �fruta dalongevidade�. Sua riqueza em pigmen-tos antocianos, substâncias de alto po-der antioxidante e preventivas de doen-ças degenerativas, seu sabor único e suacor inconfundível são fatores que atra-em diretamente o consumidor. No casodo produtor, o interesse paira nas gran-des potencialidades econômicas e na ele-

vada rentabilidade que a fruta pode pro-porcionar. E o interesse pelo mirtilo nãoé apenas brasileiro � trata-se de uma dasfrutas que mais cresce em consumo nomundo, algo em torno de 20% ao ano.

O mirtilo foi introduzido no Brasilem 1983, pelo então pesquisador daEmbrapa Clima Temperado AlveridesMachado dos Santos, em Pelotas (RS),a partir de plantas provenientes da Uni-versidade da Flórida, com o objetivo deavaliar a adaptação da espécie ao clima esolo brasileiros. A espécie trazida ao Brasilfoi a Vaccinium ashei, também conheci-da como �rabbiteye� (olho-de-coelho,devido à cor vermelha dos frutos imatu-ros), de menor exigência em frio. Estacoleção de cultivares foi a principal basepara a difusão da cultura no Brasil, poispermitiu obter informações essenciaispara a definição do manejo da espécieem nossas condições climáticas e de solo.

Paralelamente ao esforço da Embra-

pa, a curiosidade e o potencial comercialforam induzindo empreendedores nasregiões Sul e Sudeste do Brasil a investi-rem no cultivo do mirtilo como umanova alternativa de produção de frutas.Estes empreendimentos explicam-se es-pecialmente pela evolução que a culturajá vinha tendo em países como o Chile,Argentina, a África do Sul e a Nova Ze-lândia e a possibilidade de produzirem-se mirtilos em épocas de entressafra dosEstados Unidos e União Européia, prin-cipais centros consumidores. Destes em-preendimentos, merece destaque a im-plantação da empresa Italbraz Agroin-dustrial, em Vacaria (RS) a partir de1990, com mirtilos da espécie �high-bush� (Vaccinium corymbosum), mais exi-gente em frio do que �rabbiteye�, porémcapaz de produzir frutas maiores e comsabor mais adequado aos padrões dosprincipais mercados consumidores.Além desta empresa, foram implantadas

GrandePotencialEmbora ainda pouco conhecido, o mirtilo é umafruta muito apreciada no exterior, com crescimentode consumo de cerca de 20% ao ano. No Brasil,representa uma oportunidade de diversificaçãodevido a seu elevado valor agregado

GrandePotencialEmbora ainda pouco conhecido, o mirtilo é umafruta muito apreciada no exterior, com crescimentode consumo de cerca de 20% ao ano. No Brasil,representa uma oportunidade de diversificaçãodevido a seu elevado valor agregado

Page 2: Como cultivar mirtilo

Como cultivar - Especial �

áreas de produção em Campos do Jor-dão (SP) e Barbacena (MG) dentre ou-tros vários empreendimentos de peque-no porte. O pioneirismo destes produ-tores acarretou o ônus do desconheci-mento do comportamento da culturanas condições de clima e solo brasileiras,mas foi de grande importância para aconsolidação da cultura no país. A par-tir de 2001, a implantação de um vivei-ro no Sítio Canto do Sabiá, em Caxiasdo Sul (RS) deu novo estímulo à expan-são da cultura, pois a disponibilidade demudas ainda permanece como um en-trave para viabilizar a implantação de no-vas áreas de produção.

O mirtilo é uma espécie arbustiva,com 1,5 a 3 metros de altura, adaptadaa climas temperados e exigente em friopara quebra da dormência. Produz emramos de ano, em agrupamentos de fru-tos que amadurecem de forma irregularno ramo, exigindo várias colheitas sele-tivas para retirar somente os frutos ma-duros. Os frutos são de cor azul intensa,recobertos de cera, com diâmetro entre1,5 a 2,5 cm de diâmetro, com polpa desabor doce-ácido e muitas sementes depequeno tamanho. As plantas são nor-malmente propagadas através de esta-cas, embora, mais recentemente tenhaassumido importância o sistema de pro-pagação in vitro. O mirtilo é uma espécieque exige solos medianamente ácidos(pH entre 4,5 a 5,2), ricos em matériaorgânica e, normalmente, exige irrigação.Os frutos devem ser colhidos maduros epodem ser mantidos em refrigeração a0ºC por 21 dias sem prejuízos à qualida-de ou perdas significativas.

As informações estatísticas sobre omirtilo no Brasil são ainda escassas. Po-rém, considerando-se áreas com planti-os de três anos ou mais (plantas em pro-dução), estima-se que a área cultivadaatualmente no Brasil seja de 27 hecta-res, dos quais cerca de 48% são de �hi-ghbush� e 52%, de �rabitteye�. Destaárea cultivada, 75% encontra-se no RioGrande do Sul, especialmente na regiãode Vacaria. Pode-se afirmar que o Brasil

ainda é um pequeno produtor � paraefeito de comparação, o Chile possuiuma área em torno de 2.500 ha, a Ar-gentina, 1.500 ha e o Uruguai, 220 has.No Hemisfério Sul, os outros países pro-dutores são a Nova Zelândia, com 430has e a África do Sul. A produtividadevaria conforme a cultivar e conforme aregião, mas pode variar entre 6 a 10 to-neladas por hectare. A colheita normal-mente dá-se entre novembro e abril. Asprincipais cultivares existentes no Brasile com melhor adaptação são Aliceblue,Bluebelle, Bluegen, BriteBlue, Climax,Delite, PowderBlue e Woodard (�rabbi-

teye�) e Bluecrop, Coville e Darrow (�hi-ghbush�). Mais recentemente, têm sidointroduzidas cultivares das chamadas�Southern Highbush Blueberries�, quesão menos exigentes em frio do que astradicionais �highbush�, mas podemproduzir frutas de excelente qualidade.São exemplos deste grupo as cultivaresMisty e O�Neal.

O Brasil encontra-se atualmentenuma fase de consolidação do sistemade produção e expansão das áreas decultivo. A maior parte das novas áreasestá situada na metade Sul do Rio Gran-de do Sul, na região da Serra Gaúcha,no Centro Sul de Santa Catarina e naregião Sudeste do Paraná. Com base nofornecimento de mudas por viveiristas,observa-se uma grande evolução da cul-tura no Brasil. Estima-se que, conside-rando os plantios de até dois anos e asnovas áreas a serem implantadas nos pró-ximos três anos, tenha-se uma área emtorno de 170 ha, dos quais cerca de 50%estejam em Santa Catarina, 40% no RioGrande do Sul e o restante, distribuídoentre os estados do PR, SP, MG e ES.

O Brasil é um país com grandes po-tencialidades para a cultura do mirtilo.A espécie apresenta algumas vantagenscomparativas que podem representarganhos expressivos ao produtor. Dentreestas vantagens destacam-se a adapta-

A produtividade varia entre 6 e 10 toneladas por hectare

...

Frutos azul intenso e polpa de sabor doce-ácido

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Page 3: Como cultivar mirtilo

� Especial - Como cultivar

1. Formas de propagaçãoEstacas enraizadas ou micropropa-

gação (cultivo �in vitro�). Usar prefe-rencialmente mudas de dois anos de vi-veiro, pois as mudas de um ano tendema ter pouco desenvolvimento no campoe a perda de mudas após o plantio podeser elevada.

2. Preparo da áreaO mirtilo exige solo bem drenado, po-

roso, com boa fertilidade, elevado teor dematéria orgânica e pH entre 4,5 a 5,2. Érecomendado o uso de fertilizantes orgâ-nicos e condicionantes físicos do solo (ser-ragem curtida ou material equivalente).A irrigação é importante para evitar per-das após o plantio e para assegurar pro-dução constante e de boa qualidade. Nãoé recomendado o uso de calcário.

3. Época de plantioAs mudas devem ser transplantadas

no inverno, quando estiverem em dor-mência.

4. Regiões preferenciais para o cultivoO mirtilo é uma espécie frutífera de

clima temperado, que necessita de frio noinverno para quebra da dormência. Por-tanto, regiões com pouca acumulação defrio (inferior a 300 horas abaixo de 7,2ºC

ção do cultivo a pequenas áreas, especi-almente devido à elevada exigência demão-de-obra para manejo e colheita, ogrande interesse do mercado consumi-dor, tanto o amplo mercado internoquanto o atendimento na entressafra domercado externo, as propriedades fun-cionais que servem de base para estraté-gias de marketing, os poucos problemasfitossanitários atuais (função da peque-na área cultivada), o elevado valor agre-gado da fruta (preços pagos ao produtorvariando entre R$ 8,00 a 20,00 por qui-lo, também em função da pequena ofer-ta de frutas no mercado) e a ampla pos-sibilidade de industrialização na formade geléias, sucos, frutas congeladas(IQF), polpas e licores. Além disso, háoutros fatores favoráveis: a disponibili-dade de áreas para expansão da cultura,a variabilidade de climas e microclimas,favorecendo a oferta de frutas em dife-rentes épocas, potencialmente entre osperíodos de outubro a maio e a possibili-dade de produção orgânica.

Porém, há de se considerar fatoreslimitantes que dificultam a expansão dacultura no Brasil. Dentre estes, desta-cam-se o desconhecimento da culturapelos técnicos, exigindo a habilitaçãodestes e de produtores para que as áreasde produção sejam competitivas, bemcomo as limitações tecnológicas aindaexistentes, função de ser uma cultura re-lativamente recente no Brasil. As prin-cipais limitações tecnológicas são: a re-comendação de cultivares adaptadas, aprodução de mudas, o baixo desenvolvi-mento inicial das mudas no viveiro pós-enraizamento e no campo, o manejo daplanta, a irrigação, o manejo fitossanitá-rio e o risco de ocorrência de novas pra-gas ou doenças e a etapa de colheita emanejo pós-colheita da fruta. Além dis-so, dificultam a expansão do mirtilo abaixa acumulação de frio e os invernosamenos com alternância de temperatu-ras, a pequena organização do sistema

na média dos anos) tenderão a ter maio-res problemas de adaptação das plantas.As regiões mais indicadas são as que apre-sentam acumulação de frio superior a 500horas anuais. Porém, a adaptação está di-retamente associada à exigência de cadacultivar. Em regiões com menor acumu-lação de frio, recomenda-se as espécie Vac-cinium ashei (rabbiteye) e a espécie V.corymbosum.

5. EspaçamentoRecomenda-se espaçamento entre

1,20 a 1,50 m entre plantas e 3 metrosentre linhas (o espaçamento entre linhasdependerá da utilização de máquinas,conforme a largura dos equipamentos uti-lizados).

6. Custo de implantação x produçãoCom relação aos custos o que mais

onera a produção é o preço da muda, cer-ca de R$ 5,00 a unidade, o que perfaz R$11 mil reais para o cultivo de um hectare.Considerados os demais gastos de implan-tação e manutenção do pomar nos pri-meiros dois anos, periodo em que não háprodução, o valor sobe para R$ 20 mil re-ais. A produtividade varia de seis a deztoneladas por hectare, conforme a região.O preço máximo pago pelo quilo da frutaé de R$ 20,00.

produtivo, as limitações delogística para mercado inter-no e externo, a pouca dispo-

nibilidade de mudas e a organização dosprodutores. Em relação a este últimoitem, convém ressaltar que a competiti-vidade da cultura no Brasil, especialmen-te para pequenos produtores, deverá es-tar diretamente associada à sua organi-zação em associações, cooperativas ououtros grupos de interesse que permi-tam ofertar maior volume e com eleva-da qualidade para o mercado consumi-dor. A experiência dos principais paísesprodutores tem demonstrado a necessi-dade da conjugação de esforços de pro-dutores para a competitividade e o re-torno dos seus investimentos.

Várias Instituições estão envolvidascom a viabilização da cultura do mirtilo.A Embrapa, através de suas UnidadesClima Temperado e Uva e Vinho, aEmater-RS, a Fepagro, Universidades,entre outras, estão trabalhando no sen-

tido de desenvolver e transferir tecnolo-gias que possam agregar conhecimentose consolidar o sistema de produção quese traduza em máxima qualidade de fru-tos e rentabilidade do empreendimento.Não há dúvida de que o mirtilo é umacultura altamente rentável e promisso-ra, que pode representar uma excelentealternativa de diversificação, especial-mente para a pequena propriedade, po-rém é essencial que se considere tratar-se de uma cultura nova, ainda bastantedesconhecida, que, até o momento, nãoapresenta limitações fitossanitárias gra-ves e cujo mercado possui uma grandedemanda reprimida por esta fruta. A ex-pansão da área cultivada, muito prova-velmente, irá exigir do produtor um es-forço ainda maior para garantir a rendaresultante desta atividade.

Não há dúvida de que o mirtilo é uma cultura altamente rentável epromissora, que pode representar uma excelente alternativa de diversificação

Alexandre Hoffmann,Embrapa Uva e VinhoLuís Eduardo C. Antunes,Embrapa Clima Temperado

CC

ORIENTAÇÕES GERAIS