colher e guardar, o exercício da defesa da biodiversidade no sertão

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Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas Ano 7 • nº1339 Novembro/2013 O banco de sementes comunitário que se desenvolveu graças a um intercâmbio Bom Jesus da Serra SEU FRANCISCO Alves Teixeira é mais um dos agricultores familiares que vivem em Bom Jesus da Serra, na comunidade Bom Jesus de Cima. Junto com sua esposa, dona Maria de Lourdes, eles cuidam de seu pedaço de chão, onde plantam feijão, milho, fava e hortaliças junto de um tanque onde a água da chuva é represada. Porém, seu Tico, como é conhecido, se diferencia dos seus vizinhos de comunidade por um hábito em especial que ele cultiva desde a juventude: a guarda das sementes crioulas. A prática resistiu à passagem dos anos, às idas a São Paulo para trabalhar como pedreiro, à aposentadoria. “Desde quando eu comecei a trabalhar na roça que eu guardo sementes. Tem tempo já, comecei quando eu era solteiro, mas não tinha essas ideias de juntar as garrafas, eu só guardava, colocava num saco e com poucos dias apurava”, conta. Ele costumava guardar suas sementes crioulas em um quartinho nos fundos da casa e, depois de alguns anos, ele as mudou para uma despensa na sala. Até então a prática não era muito organizada. “Vou guardando aqui, nas garrafas, o feijão mó deu plantar e colocando os mantimentos no outro lado do armário”, pensava seu Tico. Muita coisa mudou quando sua sogra Gessi foi participar de um intercâmbio promovido no ano de 2012 pelo Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2), em Minas Gerais. Lá, ela viu, entre outras coisas, um banco de sementes mantido pela comunidade, o que lhe encheu os olhos. Ao retornar, contou a novidade para todo mundo na associação. Seu Tico logo se interessou pela ideia. Organização por tipos de grãos, com garrafas pet

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Page 1: Colher e guardar, o exercício da defesa da biodiversidade no Sertão

Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas

Ano 7 • nº1339

Novembro/2013

O banco de sementes comunitário que se desenvolveu graças a um intercâmbio

Bom Jesus

da Serra

SEU FRANCISCO Alves Teixeira é mais um dos

agricultores familiares que vivem em Bom Jesus

da Serra, na comunidade Bom Jesus de Cima.

Junto com sua esposa, dona Maria de Lourdes,

eles cuidam de seu pedaço de chão, onde

plantam feijão, milho, fava e hortaliças junto de

um tanque onde a água da chuva é represada.

Porém, seu Tico, como é conhecido, se

diferencia dos seus vizinhos de comunidade por

um hábito em especial que ele cultiva desde a

juventude: a guarda das sementes crioulas. A

prática resistiu à passagem dos anos, às idas a

São Paulo para trabalhar como pedreiro, à

aposentadoria.

“Desde quando eu comecei a trabalhar na roça que eu guardo

sementes. Tem tempo já, comecei quando eu era solteiro, mas

não tinha essas ideias de juntar as garrafas, eu só guardava,

colocava num saco e com poucos dias apurava”, conta.

Ele costumava guardar suas sementes crioulas em um

quartinho nos fundos da casa e, depois de alguns anos, ele as

mudou para uma despensa na sala. Até então a prática não era

muito organizada. “Vou guardando aqui, nas garrafas, o feijão

mó deu plantar e colocando os mantimentos no outro lado do

armário”, pensava seu Tico.

Muita coisa mudou quando sua sogra Gessi foi participar de

um intercâmbio promovido no ano de 2012 pelo Programa

Uma Terra e Duas Águas (P1+2), em Minas Gerais. Lá, ela viu,

entre outras coisas, um banco de sementes mantido pela

comunidade, o que lhe encheu os olhos. Ao retornar, contou a

novidade para todo mundo na associação. Seu Tico logo se

interessou pela ideia.

Organização por tipos de grãos, com garrafas pet

Page 2: Colher e guardar, o exercício da defesa da biodiversidade no Sertão

Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas Articulação Semiárido Brasileiro – Bahia

Gessi conta: “No intercâmbio falaram assim 'nós

vamos visitar um banco de sementes'. Mas eu

pensei 'um banco de sementes! Como será que é?'

Lá eu vi as sementes todas divididas, organizadas,

daí quando eu voltei já fui na associação e contei

pro pessoal, ele se interessou, ficou dando

atenção ao que eu estava falando”.

Seu Tico percebeu que, pra organizar as sementes

da forma como ela contou, precisaria de um

espaço maior. Assim, comprou material por conta

própria e construiu um cômodo separado da casa,

instalou prateleiras de madeira, sempre pedindo

orientação a Gessi. “Eu tornei voltar a casa dele e

falei “é assim que guarda”, deixei o modelo da

prateleira e ele colocou”, relata ela.

Hoje, o banco já armazena cerca de 70 tipos de sementes de grão, frutas, hortaliças e ervas

medicinais, guardadas por seu Tico, trazidas por Gessi e também pelos vizinhos da

comunidade. “A vizinhança toda traz sementes pra eu guardar, e aí fico responsável de

cuidar, guardar. E, aí, é só precisar que vem

aqui e busca. Eu anoto quem traz pra eu

guardar, fica tudo arrumadinho”.

Com a chegada da cisterna-calçadão este

ano na propriedade, a expectativa de mais

água para produzir anima tanto seu Tico

quanto dona Lourdes, que cuida com carinho

das hortaliças cultivadas na parte mais baixa

do terreno. Lá tem alface, beterraba,

pimentão, couve e cenoura, além do milho.

Ela conta que deixou de comprar verduras

toda semana depois que começou a plantar.

“Aqui tinha um rapaz que passava vendendo.

E, nessa época a gente não tinha as hortas,

mas eu vou te falar que era caro demais! A

gente comprava toda semana mais de 30 reais de coisas, mas depois de nossas hortas a

gente vai pra feira, o povo fala 'compra isso, compra aquilo' e eu digo que não preciso, que

já tenho em casa”.

Com as hortas, a roça e o banco de sementes, a propriedade de seu Tico e dona Lourdes já

atrai visitantes que se admiram com a organização. Porém, ele não descansa e já pensa no

crescimento do banco. “Tenho que colocar outra bancada, pois eu vou ter mais coisas pra

guardar e preciso de espaço” ”. E assim eles seguem conquistando sua autonomia e

preservando a biodiversidade, um exemplo positivo para toda a comunidade.

Realização Patrocínio

A cisterna calçadão garantirá água para eles produzirem no período seco

Gessi, a incentivadora do banco e seu Tico, que abraçou a ideia