código de processo civil - 2015 - anotado - parte 2

429

Upload: sidnei-de-braga-junior

Post on 25-Jul-2016

238 views

Category:

Documents


2 download

DESCRIPTION

Fonte: AASP

TRANSCRIPT

Page 1: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2
Sidnei
Máquina de escrever
Parte 2
Sidnei
Máquina de escrever
Page 2: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

393

Pedro Henrique Nogueira

normas no próprio CPC/2015 e na legislação especial que excepcionam essa regra (por exemplo, art. 231 do CPC/2015).

II. Intimação e fluência do prazo em horas

Se o ato a ser praticado objeto da intimação é contado em horas, a fluência do prazo inicia a partir do exato instante da própria intimação, devendo ser consignado na respectiva certidão o horário para possibilitar o controle.

III. Negócio jurídico processual e início da fluência do prazo

Considerando a cláusula geral de negociação processual, extraída do art. 190 do CPC/2015, é lícito às partes ajustarem um regramento diferenciado de fluência dos prazos no processo (por exemplo, acordo para estabelecer que os prazos para autor e réu fluirão no segundo dia útil após a intimação).

IV. Ciência inequívoca

Consolidou-se na jurisprudência o entendimento segundo o qual a ciência inequívoca da parte a respeito de determinado ato do processo torna despicienda a realização da respectiva intimação (STJ, AgRg no REsp nº 1051441/RS). A retirada dos autos de cartório com carga é o exemplo ca-racterístico de ato de ciência inequívoca da parte a dispensar ulterior intimação. Dessa maneira, o prazo para impugnar determinada decisão flui a partir do momento do conhecimento inequívoco da parte, se houver, e não da intimação, como estabelece o art. 230 do CPC/2015. A carga dos autos pelo advogado da parte, antes de sua intimação por meio de publicação, enseja a ciência inequí-voca da decisão que lhe é adversa, iniciando a partir daí a contagem do prazo para interposição do recurso cabível (STJ, AgRg nos EDcl no Ag nº 1.306.136/TO). Se o advogado é intimado para ter vistas dos autos e, ao retirá-los em carga, observa que decisões, ainda pendentes de intimação, fo-ram proferidas, o prazo recursal correspondente para impugná-las flui a partir do recebimento dos autos, denotando aí a ciência inequívoca do que acontece no procedimento, e não da publicação do despacho, conforme já decidiu o Superior Tribunal de Justiça (STJ, REsp nº 1296317/RJ).

Art. 231 - Salvo disposição em sentido diverso, considera-se dia do começo do prazo:I - a data de juntada aos autos do aviso de recebimento, quando a citação ou a intimação for pelo correio;II - a data de juntada aos autos do mandado cumprido, quando a citação ou a intimação for por oficial de justiça;III - a data de ocorrência da citação ou da intimação, quando ela se der por ato do escrivão ou do chefe de secretaria;IV - o dia útil seguinte ao fim da dilação assinada pelo juiz, quando a citação ou a intimação for por edital;V - o dia útil seguinte à consulta ao teor da citação ou da intimação ou ao término do prazo para que a consulta se dê, quando a citação ou a intimação for eletrônica;VI - a data de juntada do comunicado de que trata o art. 232 ou, não havendo esse, a data de juntada da carta aos autos de origem devidamente

Art. 231

Page 3: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

394

Pedro Henrique Nogueira

cumprida, quando a citação ou a intimação se realizar em cumprimento de carta;VII - a data de publicação, quando a intimação se der pelo Diário da Justiça impresso ou eletrônico;VIII - o dia da carga, quando a intimação se der por meio da retirada dos autos, em carga, do cartório ou da secretaria.§ 1º - Quando houver mais de um réu, o dia do começo do prazo para contestar corresponderá à última das datas a que se referem os incisos I a VI do caput.§ 2º - Havendo mais de um intimado, o prazo para cada um é contado individualmente.§ 3º - Quando o ato tiver de ser praticado diretamente pela parte ou por quem, de qualquer forma, participe do processo, sem a intermediação de representante judicial, o dia do começo do prazo para cumprimento da determinação judicial corresponderá à data em que se der a comunicação.§ 4º - Aplica-se o disposto no inciso II do caput à citação com hora certa.

I. Fluência dos prazos

No sistema do CPC/2015, os prazos são contados em dias úteis, excluindo-se o dia de início e incluindo-se o do vencimento. Já no tocante à fluência, de regra, os prazos iniciam o seu curso a partir da ciência do destinatário (citação, intimação e notificação), salvo regras especiais, que fixam outros momentos para seu início.

II. Comunicação pelos correios

Quando a citação ou a intimação se der pelo correio, o prazo começa a fluir a partir da data de juntada aos autos do aviso de recebimento. Tratando-se de processo com litisconsórcio passivo, o prazo para oferecimento de defesa, quando for o caso, fluirá a partir da juntada do último dos avi-sos de recebimento. Havendo pluralidade de intimados, o prazo fluirá independente e individual-mente para cada parte, a partir da juntada de cada aviso de recebimento da respectiva intimação.

III. Citação e intimação por oficial de justiça

Quando a citação ou a intimação se der por meio de oficial de justiça, o prazo começa a fluir a partir da data de juntada aos autos do mandado respectivo, devidamente cumprido. Se houver litisconsórcio passivo, o prazo para oferecimento de defesa, quando for o caso, fluirá a partir da juntada do último dos mandados cumpridos. Enquanto não se cumprirem e forem juntados aos autos todos os mandados, não há como fluir o prazo para o oferecimento de defesa pelos réus, quando for o caso. Se houver vários litisconsortes (ativos e/ou passivos) a serem intimados por meio de oficial de justiça, os prazos fluirão independente e individualmente para cada parte, a partir da juntada do aviso de recebimento de cada intimação. Quando a intimação é feita via oficial de justiça, prerrogativa conferida à Fazenda, o termo a quo para a contagem do prazo recursal se inicia da data da juntada do mandado aos autos (STJ, EDcl nos EDcl no AREsp nº 394198/RN). A Advocacia-Geral da União goza da prerrogativa de intimação pessoal. O prazo para a interposição de recurso, quando a intimação se der por oficial de justiça, inicia-se com a juntada do mandado cumprido (STJ, REsp nº 1340151/DF). Nas citações e intimações por hora

Art. 231

Page 4: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

395

Pedro Henrique Nogueira

certa, observar-se-á a mesma sistemática: fluirá o prazo a favor do citado ou intimado, conforme o caso, a partir da data de juntada aos autos do mandado acompanhado da certidão circunstancia-da do oficial de justiça confirmando a citação ou intimação por hora certa.

IV. Citação ou intimação pelo escrivão

Realizando-se a citação ou a intimação por ato do escrivão ou do chefe de secretaria, o prazo fluirá a partir da data da sua ocorrência. Se houver litisconsórcio passivo, o prazo para ofereci-mento de defesa, quando for o caso, que será comum aos réus, fluirá a partir da data da última citação realizada, independentemente da modalidade. Assim, enquanto todos os réus não forem citados, não flui o prazo para oferecimento de defesa, quando for caso. Se houver vários litis-consortes (ativos ou passivos) a serem intimados pelo escrivão, os prazos fluirão independente e individualmente para cada parte, ainda que os demais litisconsortes sejam intimados através de outra modalidade.

V. Citação ou intimação por edital

Nas citações editalícias, o juiz deve fazer constar do edital o prazo, a ser fixado entre 20 e 60 dias, que é exigência do art. 257, inciso III, do CPC/2015. Esse prazo fluirá da data da publica-ção única, ou, havendo mais de uma, da primeira. Transcorrido o prazo do edital, tem-se como aperfeiçoada a citação ficta. O prazo para oferecimento de defesa, porém, quando for o caso, fluirá a partir do dia útil seguinte ao aperfeiçoamento da citação por edital. A mesma sistemática aplica-se à fluência do prazo relativamente à intimação editalícia. Havendo litisconsórcio passi-vo, o prazo de resposta, quando for o caso, fluirá a partir do dia útil subsequente à consumação da última das citações. Se houver vários litisconsortes (ativos ou passivos) a serem intimados por edital, os prazos fluirão individualmente para cada parte, a partir do dia útil subsequente ao da respectiva intimação.

VI. Cartas precatória, rogatória ou de ordem

Tratando-se de citação ou intimação por cartas precatória, rogatória ou de ordem, cabe ao juízo deprecado, ordenado e rogado comunicar imediatamente ao juízo deprecante, por meios eletrônicos, a sua ocorrência, conforme exigido pelo art. 232 do CPC/2015. O prazo em favor da parte citada ou intimada, por meio de cartas precatória, rogatória ou de ordem flui a partir da jun-tada aos autos do juízo deprecante da comunicação quanto à ocorrência de citação ou intimação. Na falta dessa comunicação, o prazo fluirá a partir da juntada aos autos da carta, devidamente cumprida. Na hipótese de serem vários os réus, o prazo fluirá após a juntada da última carta. Se houver vários litisconsortes (ativos ou passivos) a serem intimados por carta, os prazos fluirão individualmente para cada parte, a partir do dia útil subsequente ao da juntada da respectiva co-municação de intimação, ou, em sua falta, da respectiva carta (precatória, rogatória ou de ordem) devidamente cumprida.

VII. Citação ou intimação por meios eletrônicos

Quando a citação ou intimação for eletrônica, o prazo em favor da parte citada ou intimada, conforme o caso, flui a partir do dia útil seguinte (a) à consulta ao seu teor objeto da comunica-ção, ou (b) ao término do prazo para que a consulta se dê, a qual, segundo o art. 5º, § 3º, da Lei nº 11.419/2006, será até dez dias corridos, contados da data do envio da intimação, sob pena de considerar-se a parte automaticamente intimada após o decêndio. Havendo litisconsórcio passi-vo, o prazo de resposta, quando for o caso, fluirá a partir da última citação. Para as intimações eletrônicas, os prazos fluirão individualmente para cada parte intimada.

Art. 231

Page 5: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

396

Pedro Henrique Nogueira

VIII. Intimação por publicação

Havendo intimação através de publicação do ato em Diário da Justiça, impresso ou eletrônico, o prazo fixado em favor da parte fluirá a partir da respectiva data de publicação. Tratando-se, porém, de comunicação por meio de Diário de Justiça eletrônico, considera-se feita a publicação no primeiro dia útil subsequente ao da sua disponibilização, nos termos do art. 4º, § 3º, da Lei nº 11.419/2006.

IX. Fluência de prazos para cumprimento de determinação judicial

Os prazos para a prática de atos que são dirigidos diretamente à parte (por exemplo, prazo para entrega ou depósito de determinada coisa ordenados pelo juiz) ou a outrem (para o perito restituir os autos que se encontram em sua posse), sem a intermediação de representante judicial, fluem a partir do dia da comunicação para cumprimento da determinação judicial corresponden-te. O dispositivo em comento traz regramento coincidente com a regra do art. 230 do CPC/2015. É possível, inclusive, que da mesma diligência resultem, para a mesma parte, prazos diversos, fluindo cada qual separadamente (por exemplo, se o réu é citado e ao mesmo tempo intimado da tutela de urgência deferida pelo juiz, ordenando-lhe a exibição de documento que se ache em seu poder, tem-se que o prazo para resposta, se não houver autocomposição em audiência no procedi-mento comum, fluirá a partir da data da audiência, enquanto o prazo para atender à determinação judicial já fluirá da respectiva intimação, contemporânea à citação).

Art. 232 - Nos atos de comunicação por carta precatória, rogatória ou de ordem, a realização da citação ou da intimação será imediatamente informada, por meio eletrônico, pelo juiz deprecado ao juiz deprecante.

I. Citação ou intimação por carta e informação ao juízo deprecante

Tratando-se de citação ou intimação realizados por meio de carta precatória, cumpre ao juízo deprecado, tão logo o ato seja praticado, comunicar ao juízo deprecante, por meios eletrônicos, se for possível, a sua realização. Esse expediente de informação, uma vez juntado aos autos no juízo deprecante, marca o início do prazo contra a parte destinatária, conforme prevê o art. 231, inciso V, do CPC/2015. Como regra, uma vez cumprida a carta precatória, com a realização do ato processual que constitui seu objeto, deve ela ser devolvida ao juízo ou tribunal de origem. A comunicação prevista no dispositivo em comento visa apenas antecipar a notícia ao juízo de-precante quanto ao efetivo cumprimento da carta, fazendo deflagrar, a partir desse momento, o início da fluência do prazo para citação ou intimação, conforme o caso.

Art. 233 - Incumbe ao juiz verificar se o serventuário excedeu, sem motivo legítimo, os prazos estabelecidos em lei.§ 1º - Constatada a falta, o juiz ordenará a instauração de processo administrativo, na forma da lei.§ 2º - Qualquer das partes, o Ministério Público ou a Defensoria Pública poderá representar ao juiz contra o serventuário que injustificadamente exceder os prazos previstos em lei.

Arts. 232 e 233

Page 6: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

397

Pedro Henrique Nogueira

I. Fiscalização quanto ao descumprimento dos prazos dos serventuários

Os prazos impostos a serventuários do juízo, não obstante sejam impróprios e, por isso, in-susceptíveis de provocar a preclusão temporal, são aptos a ensejar punição àquele que não os observa. É preciso considerar que não é o fato objetivo puro e simples do não cumprimento de prazo que justifica a instauração de processo administrativo disciplinar contra o servidor. O art. 233 do CPC/2015 exige o excesso de prazo injustificado para que seja possível a instauração do processo administrativo. Desse modo, há razões para configurar o motivo legítimo para o excesso de prazo, tais como: acúmulo extraordinário de processos na mesma serventia; número de serventuários desproporcional ao quantitativo de processos em tramitação, etc. Cabe ao juiz fiscalizar o excesso de prazo sem motivo legítimo dos serventuários que lhe são subordinados, dentre os quais o escrivão, oficial de justiça e demais servidores.

II. Representação

Embora ao juiz caiba a fiscalização do cumprimento de prazo pelos serventuários, o Código faculta a qualquer das partes, ao representante do Ministério Público ou defensor público formu-lar representação dirigida ao juiz contra o serventuário que injustificadamente exceder os prazos processuais.

Art. 234 - Os advogados públicos ou privados, o defensor público e o membro do Ministério Público devem restituir os autos no prazo do ato a ser praticado.§ 1º - É lícito a qualquer interessado exigir os autos do advogado que exceder prazo legal.§ 2º - Se, intimado, o advogado não devolver os autos no prazo de 3 (três) dias, perderá o direito à vista fora de cartório e incorrerá em multa correspondente à metade do salário mínimo.§ 3º - Verificada a falta, o juiz comunicará o fato à seção local da Ordem dos Advogados do Brasil para procedimento disciplinar e imposição de multa.§ 4º - Se a situação envolver membro do Ministério Público, da Defensoria Pública ou da Advocacia Pública, a multa, se for o caso, será aplicada ao agente público responsável pelo ato.§ 5º - Verificada a falta, o juiz comunicará o fato ao órgão competente responsável pela instauração de procedimento disciplinar contra o membro que atuou no feito.

I. Restituição dos autos

O advogado tem assegurado, de acordo com o art. 7º, inciso XV, do Estatuto da Advocacia, o direito de ter vista dos autos e retirá-los pelos prazos legais. A esse direito, contudo, associa-se o dever jurídico de devolver os autos retirados em carga, no esgotamento do prazo que lhe competir falar. As consequências ao advogado que retém excessivamente os autos em seu poder ocorrem no plano disciplinar e no plano processual. Segundo o art. 235 do CPC/2015, qualquer

Art. 234

Page 7: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

398

Pedro Henrique Nogueira

interessado poderá exigir a intimação do advogado que excedeu o prazo para promover a devolu-ção dos autos. Caso não devolva no prazo de três dias, perderá o direito à vista fora de cartório e incorrerá em multa correspondente à metade do salário mínimo, para cuja aplicação é necessária a comunicação do fato à seccional da OAB para instaurar procedimento disciplinar. Cabe, porém, ressalvar que qualquer sanção da perda do direito de retirar em carga a ser imposta ao advogado é restrita ao processo em que verificada a falta. A regra do art. 7º, § 1º, do Estatuto da Advoca-cia complementa o dispositivo. Ademais, a intimação ao advogado para devolução é condição necessária para a imposição de sanção de supressão do direito de vistas fora de cartório. A multa mencionada no § 2º do art. 234 é aplicada somente pela OAB e não pelo juiz da causa (STJ, REsp nº 1063330/PR) e é devida pelo advogado e não pela parte, daí resultando a impossibilidade de que seja imposta pelo juiz da causa, razão pela qual se previu a necessária comunicação à OAB, para instaurar processo administrativo disciplinar.

II. Sanção ao representante do Ministério Público e ao defensor público

Se o descumprimento do dever de restituição dos autos no prazo legal recair sobre membro do Ministério Público, defensor público ou advogado público, a sanção de multa, se for o caso, será aplicada ao agente público responsável pelo ato. Para isso, o juiz comunicará o fato ao órgão responsável pela instauração de procedimento disciplinar contra o agente faltoso.

Art. 235 - Qualquer parte, o Ministério Público ou a Defensoria Pública poderá representar ao corregedor do tribunal ou ao Conselho Nacional de Justiça contra juiz ou relator que injustificadamente exceder os prazos previstos em lei, regulamento ou regimento interno.§ 1º - Distribuída a representação ao órgão competente e ouvido previamente o juiz, não sendo caso de arquivamento liminar, será instaurado procedimento para apuração da responsabilidade, com intimação do representado por meio eletrônico para, querendo, apresentar justificativa no prazo de 15 (quinze) dias.§ 2º - Sem prejuízo das sanções administrativas cabíveis, em até 48 (quarenta e oito) horas após a apresentação ou não da justificativa de que trata o § 1º, se for o caso, o corregedor do tribunal ou o relator no Conselho Nacional de Justiça determinará a intimação do representado por meio eletrônico para que, em 10 (dez) dias, pratique o ato.§ 3º - Mantida a inércia, os autos serão remetidos ao substituto legal do juiz ou do relator contra o qual se representou para decisão em 10 (dez) dias.

I. Representação por excesso de prazo

O descumprimento dos prazos pelo magistrado não é capaz de gerar a preclusão temporal, mas produz consequências tanto no plano administrativo-disciplinar como também no plano proces-sual. O CNJ, em seu Regimento Interno, disciplinou, no art. 78, os requisitos para representação por excesso de prazo, permitindo que qualquer pessoa com interesse legítimo, o representante do

Art. 235

Page 8: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

399

Pedro Henrique Nogueira

Ministério Público, Presidentes de Tribunais ou, de ofício, os próprios Conselheiros a formulas-sem. O CPC/2015, no dispositivo em comento, restringiu esse rol, elencando como legitimados a representar contra o juiz que injustificadamente excedeu os prazos: as partes, Ministério Público e Defensoria Pública. A aparente antinomia se resolve considerando que o procedimento disci-plinado pelo art. 78 do Regimento Interno do CNJ tem nítida feição administrativo-disciplinar. Previu-se ali um rol mais amplo de legitimados, como forma de concretizar o direito constitucio-nal de petição, daí por que, a rigor, qualquer interessado pode formular a representação por ex-cesso de prazo contra magistrado. Já o CPC/2015, em seu art. 235, disciplinou as consequências processuais do descumprimento injustificado de prazo pelo juiz, daí por que o legislador teve por bem limitar o espectro de legitimados.

II. Procedimento

Distribuída a representação, o magistrado a quem se imputa o descumprimento de prazo será ouvido, por meio eletrônico, para, querendo, apresentar sua justificativa em 15 dias. Dentro de 48 horas seguintes à apresentação da justificativa ou do término do prazo para fazê-lo, o corregedor do tribunal ou relator, no Conselho Nacional de Justiça, determinará a intimação do represen-tado, por meio eletrônico, para que, em dez dias, pratique o ato. Se o magistrado, atendendo à exortação, decidir ou despachar, ficará sem objeto o incidente, embora isso não interfira no an-damento regular do procedimento na instância administrativa, que poderá redundar em eventual penalidade contra o magistrado.

III. Remessa dos autos ao substituto legal

Caso o representado, depois de intimado a praticar o ato, permaneça inerte, os autos serão remetidos ao seu substituto legal para decisão em dez dias. Andou bem o CPC/2015 ao estabele-cer que os autos, após apurado excesso de prazo, serão remetidos ao substituto legal, não sendo válido admitir que o presidente do Tribunal viesse a designar outro juiz para causa, pois isso acarretaria violação ao princípio do juiz natural, incompatível com qualquer espécie de escolha ou indicação do novo juiz da causa. A designação do substituto é apenas para causa.

Art. 235

Page 9: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

400

Carlos Augusto de Assis

Art. 236 - Os atos processuais serão cumpridos por ordem judicial.§ 1º - Será expedida carta para a prática de atos fora dos limites territoriais do tribunal, da comarca, da seção ou da subseção judiciárias, ressalvadas as hipóteses previstas em lei.§ 2º - O tribunal poderá expedir carta para juízo a ele vinculado, se o ato houver de se realizar fora dos limites territoriais do local de sua sede.§ 3º - Admite-se a prática de atos processuais por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real.

AutorCarlos Augusto de Assis

I. Atos processuais e a cooperação judicial

Esse dispositivo legal destaca, em primeiro lugar, a autoridade judicial presidindo o processo e determinando, sempre que necessário, a prática deste ou daquele ato processual. Ocorre que nem sempre o ato a ser praticado está circunscrito ao local em que o juiz exerce sua atividade jurisdicional. Não é incomum precisar ser praticado um ato (v.g., oitiva de testemunha) fora dos limites da sede do juízo. Em tais situações o princípio da territorialidade da jurisdição torna ne-cessária a cooperação de outro órgão jurisdicional.

Para a solicitação da cooperação de outro órgão jurisdicional, a lei prevê que o juízo solicitan-te expeça uma carta. No âmbito do território brasileiro, e tratando-se de juízos sem vinculação entre si, temos a carta precatória (art. 237, inciso III). No caso de tribunal que pretende a coope-ração de juízo a ele vinculado, temos a carta de ordem (art. 237, inciso I).

O dispositivo legal fala na necessidade de expedição de carta, mas, “ressalvadas as hipóteses previstas em lei”. Entre essas hipóteses em que o ato processual é praticado fora dos limites da comarca, seção ou subseção judiciárias, mas sem que seja expedida carta, temos os Juizados Especiais (Lei nº 9.099/1995, art. 13, § 2º), em que se autoriza a prática por qualquer meio de comunicação. Outra ressalva a ser feita refere-se às comarcas contíguas, em que se autoriza que o oficial de justiça realize o ato de comunicação processual fora dos limites territoriais (art. 255). Lembre-se, ainda, que a citação postal, segundo previsão do art. 247, CPC, pode ser feita para qualquer comarca do país, independentemente, portanto, de expedição de carta precatória.

II. Prática de atos processuais por videoconferência

A grande novidade trazida pela novel legislação fica por conta do § 3º, que prevê prática de atos processuais por videoconferência ou meio equivalente (previsão que é complementada nos dispositivos sobre prova testemunhal – art. 453, § 1º, e depoimento pessoal – art. 385, § 3º). Essa previsão é uma realidade no âmbito do processo penal, tendo a Lei nº 11.900, de 8 de janeiro de 2009, alterado o Código de Processo Penal para permitir interrogatório de réu preso, bem como oitiva de testemunha através de videoconferência. No âmbito do processo penal, essa previsão visa a atender necessidades de segurança pública ou de evitar constrangimento a testemunhas, risco de fuga, economia orçamentária, etc. No caso do processo civil, vislumbra-se grande bene-

Page 10: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

401

Carlos Augusto de Assis Art. 237

fício em termos de celeridade (por evitar idas e vindas de precatória) e de oralidade. Com efeito, um dos pilares da oralidade, que possibilita um julgamento de melhor qualidade, é a imediação (através da qual o juiz tem contato direto com a parte, ou testemunha, na coleta da prova oral). Esse pilar é complementado pela identidade física, segundo a qual o juiz que presidiu a instru-ção, coletando diretamente a prova oral, deverá julgar a causa. No caso, por exemplo, de uma testemunha ouvida por precatória, o juiz que irá julgar a causa não terá tido contato direto com ela por ocasião de seu depoimento, mitigando a oralidade. A videoconferência poderá obviar este tipo de inconveniente. O extraordinário desenvolvimento tecnológico que a área de comunicação vem experimentando pode trazer grandes benefícios para o processo. Naturalmente, da mesma forma que a videoconferência experimentou resistência no processo penal, é de se esperar que no processo civil também encontre opositores. Mesmo defendendo a sua utilização no proces-so civil, entende-se que as críticas serão úteis para que o dispositivo legal não seja empregado inadequadamente. Acredita-se que esse dispositivo legal deva ser objeto de regulamentação para que sua utilização não seja abusiva. Nesse sentido, lembra-se o disposto no art. 196, do CPC (“Compete ao Conselho Nacional de Justiça e, supletivamente, aos tribunais, regulamentar a prática e a comunicação oficial de atos processuais por meio eletrônico e velar pela compatibi-lidade dos sistemas, disciplinando a incorporação progressiva de novos avanços tecnológicos e editando, para esse fim, os atos que forem necessários, respeitadas as normas fundamentais deste Código”). Parece certo que a utilização da videoconferência deve ser feita de forma subsidiária. Sempre que a presença física do depoente perante o juiz da causa for possível, sem grandes di-ficuldades, a videoconferência deve ser afastada. Aliás, o próprio CPC dá um indicativo nesse sentido quando trata da produção da prova testemunhal, determinando que a testemunha deverá depor na audiência de instrução perante o juiz da causa (art. 453, caput), mas que é admissível a sua oitiva através de videoconferência se residir em outra comarca (art. 453, § 1º). É preciso dar efetividade à inovação legal, sem descurar das cautelas pertinentes.

Art. 237 - Será expedida carta:I - de ordem, pelo tribunal, na hipótese do § 2º do art. 236;II - rogatória, para que órgão jurisdicional estrangeiro pratique ato de cooperação jurídica internacional, relativo a processo em curso perante órgão jurisdicional brasileiro;III - precatória, para que órgão jurisdicional brasileiro pratique ou determine o cumprimento, na área de sua competência territorial, de ato relativo a pedido de cooperação judiciária formulado por órgão jurisdicional de competência territorial diversa;IV - arbitral, para que órgão do Poder Judiciário pratique ou determine o cumprimento, na área de sua competência territorial, de ato objeto de pedido de cooperação judiciária formulado por juízo arbitral, inclusive os que importem efetivação de tutela provisória.Parágrafo único - Se o ato relativo a processo em curso na justiça federal ou em tribunal superior houver de ser praticado em local onde não haja vara federal, a carta poderá ser dirigida ao juízo estadual da respectiva comarca.

Page 11: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

402

Carlos Augusto de Assis Art. 237

O dispositivo em apreço, num primeiro momento, obedece à tradicional divisão das espécies de cartas, a de ordem, a rogatória e a precatória. Em seguida, fala da carta arbitral, uma novidade em relação ao CPC/1973. Vamos examiná-las separadamente.

I. Carta de ordem

A carta de ordem destina-se a formalizar a comunicação processual entre o órgão superior e outro a ele vinculado (v.g., o Tribunal de Justiça para o juízo de uma das comarcas dentro do Estado da sua competência). Serviria, por exemplo, para que o Tribunal determinasse que o juiz de primeiro grau, de determinada comarca a ele sujeita, realizasse uma diligência de modo a permitir que o Tribunal procedesse ao julgamento da causa.

II. Carta rogatória

A carta rogatória, para órgão jurisdicional estrangeiro. Trata-se de um mecanismo de coope-ração jurídica internacional, juntamente com a homologação de sentença estrangeira (art. 960, CPC) e o auxílio direto (art. 28, CPC). Observe-se que a carta rogatória, conforme se costuma classificar, pode ser ativa (quando se requer a um Estado estrangeiro que pratique determinado ato) ou passiva (quando se pratica determinado ato em atendimento à solicitação de um Estado estrangeiro). A competência para a concessão do exequatur de uma carta rogatória passiva é do Superior Tribunal de Justiça (art. 105, inciso I, i, CF). O artigo em comento, porém, trata da carta rogatória ativa, pois se refere à solicitação feita ao “Estado estrangeiro” para prática de um ato. Em todo caso, como mecanismo de cooperação internacional, depende, fundamentalmente, da adesão a tratados ou acordos bilaterais (não havendo, a atuação poderá se dar na base da reci-procidade, manifestada pela via diplomática – art. 26, § 1º, CPC). Tais acordos, na maioria dos casos, permitem atos de comunicação processual, mas sem caráter executivo. Em outras pala-vras, nos casos em que o Brasil tenha acordo internacional com outro país, que permita o trâmite e cumprimento de rogatórias, será perfeitamente possível, por exemplo, a realização de citação por este meio (lembrando que na falta de acordo entre os países para cumprimento de rogatória com esta função será o caso de citação por edital, dada a inacessibilidade do réu – ver art. 256, § 1º, CPC), ou a oitiva de testemunha ou outro ato instrutório. Dificilmente, porém, será permitida a penhora de bens situados no estrangeiro através de tal mecanismo. As cartas rogatórias devem tramitar por via diplomática, sob pena de invalidade. Nesse sentido, veja-se a seguinte ementa: “PROCESSO CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. CARTA ROGATÓRIA. TRÂMITE POR VIA PARTICULAR. IMPOSSIBILIDADE. EXIGÊNCIA DA VIA DIPLOMÁTICA. I - Os pedidos de cooperação jurídica internacional, cujas diligências dependem da prévia concessão de exequi-bilidade pelo Superior Tribunal de Justiça, devem tramitar pela via diplomática, sendo inviável o requerimento articulado diretamente pelo autor do processo em trâmite na Justiça estrangeira. II - Conclusão pacífica na doutrina de Pontes de Miranda, Susan Kleebank e Moniz de Aragão e resultado da interpretação conjunta do art. 211 do Código de Processo Civil, combinado com os arts. 7º, parágrafo único, e 14 da Resolução STJ n. 09 de 2005 e com os arts. 4º e 6º, I, da Portaria Interministerial n. 501, de 2012, que define a tramitação das cartas rogatórias. Agravo regimental desprovido” (Corte Especial, AgRg na CR nº 9.563/EX, Rel. Min. Francisco Falcão, j. em 4/2/2015, DJe de 9/3/2015).

III. Carta precatória

Quanto à carta precatória, trata-se de mecanismo de uso comum relativo à comunicação de atos processuais no âmbito nacional. Serve para prática de atos em comarca (ou seção judiciária) diferente daquela em que tramite a causa. Seria o caso, assim, de citação de pessoa que reside

Page 12: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

403

Carlos Augusto de Assis Art. 238

em comarca diversa. Há que ser expedida uma carta precatória para o juiz deprecado determinar a citação na comarca de sua competência, e, após documentado o ato, remeter a precatória para o juízo deprecante. A esse respeito, porém, ressalva seja feita para o caso de citação postal, que pode ser feita para qualquer comarca do país, sem necessidade de expedição de carta precatória, salvo os casos em que a lei excepciona esse modo de citação.

IV. Carta arbitral

A novidade, aqui, fica por conta da arbitragem. O CPC prevê a figura da carta arbitral, para formalizar a comunicação de atos processuais envolvendo a entidade arbitral e o Judiciário. Há várias situações em que tal se fará necessário. A própria lei da arbitragem prevê a cooperação entre o árbitro e o juiz estatal (art. 22, § 4º, Lei nº 9.307/1996). É o caso de o árbitro determinar alguma providência cautelar ou antecipatória. A execução de tais medidas dependerá do Poder Judiciário, cuja atuação estará sujeita a pedido da entidade arbitral. Esta solicitação da interven-ção do Poder Judiciário será feita através de carta arbitral. O mesmo se diga do caso de condução coercitiva de testemunha para depor perante árbitro.

V. Cooperação entre justiça federal e estadual

A estrutura das Justiças Estaduais, como se sabe, é bem mais desenvolvida, numericamente falando, do que a da Justiça Federal. Assim, são relativamente poucas as cidades que possuem vara da Justiça Federal, enquanto o mesmo não ocorre no âmbito das Justiças Estaduais. Exata-mente por isso que a própria Constituição Federal (art. 109, § 3º) prevê a possibilidade de um processo de competência da Justiça Federal tramitar (em primeiro grau de jurisdição) na Justiça Estadual.

O legislador, no dispositivo em comento, prevê a possibilidade de o órgão da Justiça Federal ou tribunal superior solicitar diretamente a um juízo estadual a prática de um ato, caso não haja vara da Justiça Federal no local.

Art. 238 - Citação é o ato pelo qual são convocados o réu, o executado ou o interessado para integrar a relação processual.

I. Conceito

O CPC/2015, da mesma forma que o CPC/1973, preocupa-se em apresentar um conceito de citação. É discutível, do ponto de vista de técnica legislativa, a opção de conceituar um instituto através de um dispositivo legal. A par dessa discussão teórica, chama a atenção o fato de que o conceito do CPC/2015 é um pouco diferente do CPC/1973. Este último fala que a citação é o ato pelo qual se chama o réu ou o interessado a fim de se defender (art. 213, CPC/1973). Tal concei-to, apesar de dar uma ideia razoável do sentido e objetivo da citação, é tecnicamente imperfeito. Entre outras coisas, a indicação de que a convocação era para “se defender” nem sempre corres-ponde à realidade. O conceito foi elaborado com os olhos postos no processo de conhecimento, mas a citação também se aplica ao processo de execução. Neste último, o executado é citado não para se defender e sim para cumprir sua obrigação. Isso sem contar a situação em que se cita para integrar o polo ativo da relação processual, em que, naturalmente, a convocação do citando não era para que se defendesse.

Page 13: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

404

Carlos Augusto de Assis Art. 239

O conceito do artigo ora em comento é mais perfeito e vincula ao elemento essencial inerente à citação, que é a integração à relação processual. Na citação, comunica-se alguém para que este integre a relação processual (o que esse alguém vai poder fazer a partir do momento em que pas-sa a integrar a relação processual dependerá do caso).

II. Integrar a relação processual

A necessidade de comunicar para integrar a relação processual tem ligação com o princípio do contraditório. Como se sabe, o contraditório envolve necessariamente a comunicação e a possibilidade de reação. A comunicação (a “ciência necessária”) é feita, num primeiro momen-to, através da citação. Justamente pela estreita ligação com o contraditório, o legislador revela grande preocupação com a citação, cercando-a de cuidados para que esta propicie efetiva ciência.

A partir do momento em que alguém, pela citação, passa a integrar a relação processual, os efeitos da coisa julgada material podem lhe atingir (art. 506, CPC).

Justamente porque o citando só atinge a condição de parte da relação processual após ter sido citado, já se teve oportunidade de decidir que não há que se falar em condenação de honorários se a citação nem chegou a ocorrer: “PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO ORDINÁRIA - DESBLO-QUEIO DE CRUZADOS NOVOS - AUSÊNCIA DE CITAÇÃO DO RÉU - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - DESCABIMENTO - VIOLAÇÃO À LEI FEDERAL NÃO CONFIGURA-DA - DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO COMPROVADA - RISTJ, ART. 255 E PA-RÁGRAFOS - SÚMULA 13/STJ - CPC, ARTS. 213 E SEGUINTES.- Se o réu não fora citado para compor a relação processual, não há que se falar em litígio, sendo descabida a condenação em honorários de advogado e demais verbas acessórias.- Recurso não conhecido” (2ª T., REsp nº 148.618/SP, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, j. em 14/12/1999, DJ de 13/3/2000, p. 169).

III. Citação e réu falecido

Naturalmente, a citação, como ato processual válido, supõe que o citando seja um ente efeti-vamente existente no momento em que se realiza o ato. Se, por equívoco, a comunicação é feita a pessoa já falecida, o ato é desprovido de qualquer eficácia. Nesse sentido, julgado do STJ: “PROCESSO CIVIL – EXECUÇÃO FISCAL – IPTU EXERCÍCIO DE 1993 – PRESCRIÇÃO – DECRETAÇÃO DE OFÍCIO ANTES DO AJUIZAMENTO DA AÇÃO – INEXISTÊNCIA DE CITAÇÃO VÁLIDA – PESSOA FALECIDA. 1. A relação jurídica processual só se constitui e validamente se desenvolve com a citação. Por conseguinte, a pessoa indicada como ré somente será parte no processo depois de regularmente citada. 2. Se o executado faleceu antes do des-pacho de citação, mesmo que venham a ser realizados os movimentos citatórios, nos termos do comando judicial, não há como se configurar perfeição do ato citatório na medida em que uma pessoa somente poderá ser citada se viva estiver. 3. Trata-se de fato inadmissível juridicamente; portanto, a hipótese é de citação inexistente, pois nem sequer há falar em citação dos sucessores universais, uma vez que dessa hipótese o acórdão recorrido não trata. Agravo regimental provi-do” (2ª T., AgRg no REsp nº 987.201/RJ, Rel. Min. Humberto Martins, j. em 8/4/2008, DJe de 17/4/2008).

Art. 239 - Para a validade do processo é indispensável a citação do réu ou do executado, ressalvadas as hipóteses de indeferimento da petição inicial ou de improcedência liminar do pedido.

Page 14: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

405

Carlos Augusto de Assis Art. 239

§ 1º - O comparecimento espontâneo do réu ou do executado supre a falta ou a nulidade da citação, fluindo a partir desta data o prazo para apresentação de contestação ou de embargos à execução.§ 2º - Rejeitada a alegação de nulidade, tratando-se de processo de:I - conhecimento, o réu será considerado revel;II - execução, o feito terá seguimento.

I. Indispensabilidade da citação

Como já se destacou nas notas ao artigo anterior, a citação é de fundamental importância, visto que é condição para a implementação do contraditório (que requer ciência dos atos). Nada mais lógico, portanto, que se repute inválido o processo em que a citação não tenha sido efetua-da. A ressalva encontrada no caput diz respeito aos casos de indeferimento de inicial (art. 330) e de improcedência liminar (art. 332). A ressalva é feita porque nesses casos o próprio procedi-mento prevê a prolação de sentença sem que o réu tenha sido citado. A justificativa, em ambos os casos, é que o réu está sendo beneficiado pela decisão, o que afastaria a violação ao contraditório. No que diz respeito especificamente à improcedência liminar, quando tal instituto foi inserido em nosso sistema (art. 285-A, CPC/1973, na redação dada pela Lei nº 11.277/2006), o Conselho Federal da OAB promoveu uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin nº 3.695), alegando, entre outras coisas, violação ao contraditório, mas não obteve liminar. A Adin ainda pende de julgamento.

II. Comparecimento espontâneo

O § 1º deste artigo, que encontra similar no CPC/1973, é clara expressão do princípio da instrumentalidade das formas, de larga aplicação na temática das nulidades (cf. art. 277). Com efeito, a própria indispensabilidade da citação deve ser lida à luz da finalidade almejada. No caso previsto no § 1º, o comparecimento do demandado é sinal de que a finalidade do ato citatório (dar ciência e possibilitar a defesa) foi alcançada, tornando dispensável qualquer exigência de forma. Ressalte-se que, conforme têm entendido o Superior Tribunal de Justiça, a presença do advogado peticionando nem sempre implicará comparecimento espontâneo, para efeito de se reputar suprida a citação. Assim, se o advogado do demandado, que possui poderes específi-cos para receber citação, apresenta-se nos autos, entende-se que houve comparecimento do réu: “DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA. PRAZO DE RESPOSTA. TERMO INICIAL. JUNTADA DE PROCURAÇÃO. PODERES ESPECIAIS PARA RECEBER CITAÇÃO. COMPARECIMENTO ESPONTÂNEO. ARTS. ANALISADOS: 214, § 1º, e 215 DO CPC. [...] 3. A juntada aos autos de procuração com poderes específicos para receber citação configura o instituto do comparecimento espontâneo (art. 214, § 1º, do CPC), inobstante a ausência de imediata carga dos autos. 4. Juntada a procuração, completa-se a forma-ção do processo, abrindo-se ao advogado a possibilidade de acesso aos autos, independente de pedido ou deferimento do juiz” (3ª T., REsp nº 1454841/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. em 7/8/2014, DJe de 15/8/2014).

Por outro lado, se o advogado não possuía poderes para receber citação, a simples petição nos autos não configura “comparecimento espontâneo do réu”: “AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. ADVOGADO SEM PODERES PARA RECEBER CITAÇÃO. COMPARECIMENTO ESPONTÂNEO DO RÉU. REVELIA. NÃO OCORRÊN-

Page 15: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

406

Carlos Augusto de Assis Art. 239

CIA. PRECEDENTES. 1. O peticionamento nos autos por advogado destituído de poderes para receber citação não pode configurar o comparecimento espontâneo do réu, apto a suprir a neces-sidade de citação” (3ª T., AgRg no REsp nº 1256389/SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, j. em 2/10/2014, DJe de 9/10/2014); “PROCESSUAL CIVIL. MANIFESTAÇÃO DE ADVOGADO SEM PROCURAÇÃO COM PODERES ESPECIAIS PARA RECEBER CITAÇÃO. AUSÊNCIA DE DEFESA. COMPARECIMENTO ESPONTÂNEO QUE NÃO SE CONFIGURA. NECES-SIDADE DE CITAÇÃO. 1. O peticionamento nos autos por parte de advogado destituído de poderes especiais para receber citação, e sem a apresentação de defesa, não poderia configurar comparecimento espontâneo apto a suprir a necessidade de citação, sob pena de comprometer o devido processo legal” (2ª T., AgRg no AREsp nº 410.070/PR, Rel. Min. Eliana Calmon, j. em 26/11/2013, DJe de 3/12/2013).

Note-se, porém, que a juntada de procuração judicial, mesmo sem poderes específicos para receber citação, mas destinada especificamente para contestar aquela demanda, pode ser con-siderada comparecimento espontâneo, conforme o seguinte julgado: “RECURSO ESPECIAL (ART. 105, III, ‘A’ E ‘C’, DA CF) - AÇÃO DE COBRANÇA - REVELIA DECRETADA - PRA-ZO DE RESPOSTA INICIADO A PARTIR DA JUNTADA DE PROCURAÇÃO DOTADA DE PODERES PARA CONTESTAR ESPECIFICAMENTE A DEMANDA - COMPARECIMENTO ESPONTÂNEO - CORRETA EXEGESE DO ART. 214, § 1º, DO CPC - DIVERGÊNCIA JU-RISPRUDENCIAL NÃO CARACTERIZADA - ADOÇÃO DO RITO ORDINÁRIO EM LU-GAR DO SUMÁRIO - AUSÊNCIA DE PREJUÍZO - JURISPRUDÊNCIA FIRME DESTA COR-TE (SÚMULA N. 83/STJ) - RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. Resta configurado o instituto do comparecimento espontâneo (art. 214, §1º, do CPC) na hipótese em que o réu, antecipando-se ao retorno do mandado ou ‘a.r’ de citação, colaciona aos autos procuração dotada de poderes específicos para contestar a demanda, mormente quando segue a pronta retirada dos autos em carga por iniciativa do advogado constituído.

Conjuntamente considerados, tais atos denotam a indiscutível ciência do réu acerca da exis-tência da ação contra si proposta, bem como o empreendimento de efetivos e concretos atos de defesa. Flui regularmente, a partir daí, o prazo para apresentação de resposta.

Irrelevante, diante dessas condições, que o instrumento de mandato não contenha poderes para recebimento de citação diretamente pelo advogado, sob pena de privilegiar-se a manobra e a má-fé processual. [...]” (4ª T., REsp nº 1026821/TO, Rel. Min. Marco Buzzi, j. em 16/8/2012, DJe de 28/8/2012).

Igualmente, o seguinte julgado: “AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. INTEMPESTIVIDADE RECONHECIDA. COM-PARECIMENTO NOS AUTOS POR ADVOGADO COM PODERES PARA ATUAR NA AÇÃO. ART. 535. AUSÊNCIA DE OMISSÕES. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVI-MENTO. [...] 2. O comparecimento nos autos de advogado da parte demandada com procuração outorgando poderes para atuar especificamente naquela ação configura comparecimento espon-tâneo a suprir o ato citatório, deflagrando-se assim o prazo para a apresentação de resposta. Isso porque, nessas circunstâncias, o réu encontra-se ciente de que contra si foi proposta demanda específica, de sorte que a finalidade da citação – que é a de dar conhecimento ao réu da existência de uma ação específica contra ele proposta – foi alcançada. Precedentes. [...] 4. Agravo regimen-tal a que se nega provimento” (STJ, 4ª T., AgRg no AREsp nº 536835/SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. em 18/12/2014, DJe de 3/2/2015).

Page 16: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

407

Carlos Augusto de Assis

O mesmo se diga dos casos em que o advogado, mesmo sem poderes específicos para receber citação, comparece em nome do demandado dando-se por citado: “PROCESSUAL CIVIL. CI-TAÇÃO. PODERES PARA RECEBER CITAÇÃO. COMPARECIMENTO ESPONTÂNEO DO RÉU. REPRESENTAÇÃO. I - O réu não precisa estar representado por advogado com poderes especiais para receber citação quando comparece espontaneamente em juízo e se dá por citado. II - Nestes casos não se exigem poderes especiais do advogado para receber citação (artigo 215 do CPC) porque esta não é feita na pessoa do advogado. Aliás, sequer há citação, mas o supri-mento desse ato processual pelo comparecimento espontâneo da parte em juízo, previsto no artigo 214, § 1º, do CPC. III - Não há que se confundir os institutos da citação com o da repre-sentação processual. Recurso Especial a que se nega seguimento” (3ª T., REsp nº 805.688/SP, Rel. Min. Sidnei Beneti, j. em 16/6/2009, DJe de 25/6/2009).

Tais entendimentos, emitidos na vigência do CPC/1973, provavelmente serão reafirmados à luz do CPC/2015, dada a semelhança entre os dispositivos pertinentes.

III. A alegação de nulidade de citação e suas consequências

O CPC/1973 previa duas situações de comparecimento espontâneo do demandado. Num pri-meiro caso, ele comparecia e se defendia, ficando suprida a nulidade. No segundo, ele compare-cia só para alegar a nulidade, caso em que, se fosse acolhida a alegação, o prazo para apresentar defesa se contaria da “intimação da decisão do juiz que acolheu a alegação”.

O CPC/2015 não prevê mais duas situações, tratando o comparecimento espontâneo do de-mandado de forma unificada. O prazo para defesa (seja contestação, seja embargos à execução) será contado a partir do momento em que ele comparece. Do ponto de vista do processo, contar o prazo a partir desse momento faz mais sentido, afinal, se o demandado compareceu, é claro que ele tem ciência da demanda (pelo menos a partir daquele instante). Importante notar que o demandado só terá certeza do acolhimento de sua alegação posteriormente, quando o juiz vier a se pronunciar a respeito. Dependendo do caso, esse pronunciamento poderá se dar após a fluência do prazo de defesa. Assim, requer-se especial cuidado com o prazo. A cautela, nesse particular, deve ditar a regra. Se a pessoa, apesar do vício que crê existente no ato citatório, tomar conhe-cimento a tempo de preparar adequada defesa, o mais prudente é comparecer dentro do prazo, apresentando defesa. Caso o demandado tome conhecimento do processo após ter esgotado o prazo, a saída é comparecer alegando o vício e contar com a devolução do prazo (lembrando, porém, que, conforme se tem entendido, o dispositivo “[...] segundo o qual o prazo para contestar deve ser devolvido ao réu, quando este comparece em juízo para arguir nulidade na citação, so-mente é aplicável quando, de fato, é reconhecido o vício no ato citatório. Precedentes. 2. Agravo regimental não provido” (2ª T., AgRg no AREsp nº 88.065/PR, Rel. Min. Castro Meira, j. em 9/10/2012, DJe de 18/10/2012). Nesse caso, porém, atentar para o fato de que o prazo para se defender será contado da data do comparecimento e não do pronunciamento do juiz.

A previsão do § 2º é decorrência lógica do sistema. Se o ato citatório foi válido e a pessoa não praticou o ato de defesa (contestação ou embargos à execução) dentro do prazo, ocorre a preclu-são. No caso do processo de conhecimento, será reputado revel, aplicando-se, a princípio, a pre-sunção de veracidade do art. 344 (com as devidas ressalvas, que serão tratadas nos comentários ao art. 345). No caso de processo de execução, a parte terá perdido a oportunidade de apresentar embargos (art. 914), que tecnicamente constituem uma nova ação, mas que do ponto de vista constitucional fazem o papel de defesa.

Art. 239

Page 17: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

408

Carlos Augusto de Assis

IV. Momento de se alegar nulidade de citaçãoO comparecimento do demandado, de que trata o presente artigo, pode ocorrer a qualquer mo-

mento durante o processo. Veja-se, por exemplo, o que já teve oportunidade de julgar o STJ: “[...] A citação é o ato pelo qual se chama ao juízo o réu ou interessado para defender-se. É condição indispensável para validade da relação processual; a sua ausência ou nulidade, se não suprida, torna viciado o processo, fato este que pode ser reconhecido a qualquer tempo, e até mesmo de ofício. [...]” (2ª T., REsp nº 152.023/RS, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, j. em 16/3/2000, DJ de 2/5/2000, p. 131). Pode acontecer de esse comparecimento se dar com o processo mais adiantado, depois de praticados vários atos do procedimento. Naturalmente, o reconhecimento da nulidade da citação implicará a nulidade dos atos subsequentes. Como mencionado anteriormente, o comparecimento do demandado reabrirá o prazo para a apresentação de defesa.

Mesmo se a nulidade da citação não for apontada antes do trânsito em julgado da sentença que vier a ser proferida no processo, ainda assim o vício poderá ser alegado. Em primeiro lugar, note-se que, no caso de haver a etapa de cumprimento de sentença, intimado o vencido, poderá ele apresentar impugnação, alegando, entre outras coisas, a “falta ou nulidade da citação” (art. 525, § 1º, inciso I, CPC).

Independentemente dessa hipótese, expressamente prevista no CPC, costuma ser reconhecido que no caso de o processo ter corrido à revelia, o vício da citação poderá ser alegado a qualquer tempo, mediante simples ação declaratória (a chamada querela nullitatis insanabilis). Observe-se que parte da doutrina entende que a justificativa para essa demanda anulatória sem sujeição a prazo estaria no fato de que a falta de citação acarretaria a própria inexistência do processo. Ou-tros autores, porém, preferem falar simplesmente que a sentença proferida é ineficaz em relação ao réu que não foi citado, que, portanto, pode denunciar tal fato a qualquer tempo. De todo modo, no que diz respeito à possibilidade de impugnação a qualquer tempo, o resultado prático seria o mesmo. Nesse sentido julgado do STJ:

“[...] A nulidade da citação constitui matéria passível de ser examinada em qualquer tempo e grau de jurisdição, independentemente de provocação da parte; em regra, pode, também, ser objeto de ação específica ou, ainda, suscitada como matéria de defesa em face de processo execu-tivo. Trata-se de vício transrescisório. Precedente. [...] Recurso especial parcialmente provido” (3ª T., REsp nº 1138281/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. em 16/10/2012, DJe de 22/10/2012).

Também elucidativo nesse sentido o julgado do TJSP: “Apelação. Ação declaratória de nulidade de ato processual. Discussão acerca da nulidade de citação em ação de indenização por danos morais. Extinção sem resolução do mérito afastada. Ação declaratória de nulidade cabível. Querela nullitatis. Sentença anulada para determinar o prosseguimento do feito. Recurso provido” (8ª Câmara de Direito Privado, Apelação nº 0039950-56.2012.8.26.0564, Rel. Pedro de Alcântara da Silva Leme Filho, São Bernardo do Campo, j. em 25/2/2015, v.u.). No corpo do acórdão destaca-se o parágrafo: “Ainda que se admita que o juiz possa reconhecer da nulidade da sentença nos próprios autos, uma vez que o sistema processual possibilite a revisão da sentença para as hipóteses da chamada querela nullitatis, não existe nenhum impedimento que se faça por ação autônoma”.

Art. 240 - A citação válida, ainda quando ordenada por juízo incompetente, induz litispendência, torna litigiosa a coisa e constitui em mora o devedor, ressalvado o disposto nos arts. 397 e 398 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil).

Art. 240

Page 18: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

409

Carlos Augusto de Assis

§ 1º - A interrupção da prescrição, operada pelo despacho que ordena a citação, ainda que proferido por juízo incompetente, retroagirá à data de propositura da ação.§ 2º - Incumbe ao autor adotar, no prazo de 10 (dez) dias, as providências necessárias para viabilizar a citação, sob pena de não se aplicar o disposto no § 1º.§ 3º - A parte não será prejudicada pela demora imputável exclusivamente ao serviço judiciário.§ 4º - O efeito retroativo a que se refere o § 1º aplica-se à decadência e aos demais prazos extintivos previstos em lei.

I. Efeitos da citação

A citação gera alguns importantes efeitos, dentro e fora do processo, isto é, tanto no plano processual quanto no plano material. O caput do artigo em comento aponta três: induzir litispen-dência, tornar litigiosa a coisa e constituir em mora o devedor. Os dois primeiros são efeitos pro-cessuais e o último se opera no plano material. O CPC/1973 incluía, entre os efeitos processuais, o tornar prevento o juízo. A prevenção, como se sabe, é critério de fixação de competência quan-do há, em tese, mais de um órgão jurisdicional competente para aquela situação. O CPC/1973 adotava dois critérios de prevenção: o primeiro despacho (aplicável especificamente para ações conexas que corriam perante juízes de mesma competência territorial) e a citação (critério geral de prevenção). O CPC/2015 acabou com a dualidade, estabelecendo como critério de prevenção apenas o registro ou a distribuição da petição inicial (art. 59). Assim, a prevenção deixou de ser um dos efeitos da citação.

II. Induzir litispendência

A palavra litispendência, aqui, deve ser entendida no seu sentido próprio, i.e., pendência de uma demanda, não se podendo confundir com o obstáculo da litispendência, previsto no art. 337, § 3º (repetição de demanda igual). Com a citação, completa-se a relação processual e, assim, a demanda considera-se “pendente” para todos os efeitos legais. Isso significa, por exemplo, que a parte não pode alienar um bem que vá torná-la insolvente, pois estaria cometendo fraude à execu-ção (art. 792, inciso IV, CPC), ou que não pode alterar o pedido ou causa de pedir sem a anuência do réu (art. 329, inciso I, CPC). Também quer dizer que não se pode propor demanda igual (art. 337, inciso VI), mas isso é apenas uma das consequências da litispendência. Sobre a caracteriza-ção da litispendência, veja-se o seguinte julgado: “SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. VALE-RE-FEIÇÃO. REAJUSTE - LEI Nº 10.002/93. LITISPENDÊNCIA RECONHECIDA DE OFÍCIO. 1. O art. 219 do CPC estabelece que a citação válida torna prevento o juízo, induz litispendência e faz litigiosa a coisa. Citado o réu em data posterior nesta demanda, impõe-se o reconhecimento da litispendência e a extinção desta ação. 2. Hipótese de identificação das mesmas partes, com o mesmo pedido e a mesma causa de pedir, o que impede a renovação da discussão por meio desta ação. LITISPENDÊNCIA RECONHECIDA DE OFÍCIO. AÇÃO EXTINTA. RECURSO PREJUDICADO. (Apelação Cível Nº 70059640409, Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Antônio Vinícius Amaro da Silveira, Julgado em 24/06/2014)” (TJRS, 4ª Câmara Cível, AC nº 70059640409/RS, Rel. Antônio Vinícius Amaro da Silveira, j. em 24/6/2014, DJ de 10/7/2014).

Art. 240

Page 19: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

410

Carlos Augusto de Assis

III. Tornar litigiosa a coisa

O “tornar litigiosa a coisa” equivale a dizer que, depois da citação, todos devem considerar o bem que está sendo discutido como estando sub judice. Note-se que quando se fala em “a coisa”, não se quer dizer necessariamente bem físico, mas sim o objeto da discussão. Do fato de o objeto da discussão ser tido como coisa litigiosa, várias consequências podem advir. Assim, por exem-plo, se um bem é objeto de disputa judicial, sendo, portanto, coisa litigiosa, a sua alienação pro-voca os efeitos descritos no art. 109, CPC (adquirente pode figurar como assistente do alienante, etc.). Com relação à aquisição do bem em litígio, prevê a lei, também, que o adquirente não pode reclamar indenização por evicção se sabia que a coisa era litigiosa (art. 457, CC). Dentro, ainda, do contexto da citação tornando a coisa litigiosa, temos a regra da inalterabilidade da coisa, sob pena de configurar ato atentatório à dignidade da justiça (art. 77, inciso VI, e § 1º, CPC). Imagi-ne-se um processo em que são discutidos os limites territoriais entre dois imóveis. Se uma das partes, durante o processo (i.e., depois de completada a relação processual por força da citação), move de lugar a cerca que separa os dois imóveis, está a cometer ato atentatório à dignidade da justiça (a ofensa, nesse caso, diz respeito à própria função jurisdicional). Sobre coisa litigiosa, confiram-se os arestos a seguir:

“SFH. EXECUÇÃO FUNDADA EM CONTRATO DE MÚTUO OBJETO DE AÇÃO DE-CLARATÓRIA. INEXIGIBILIDADE DO TÍTULO. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA PARA SUSTAR A EXECUÇÃO. - NÃO PODE SER CONSIDERADO TÍTULO LÍQUIDO E CERTO, PARA FINS EXECUTÓRIOS, CONTRATO DE MÚTUO OBJETO DE AÇÃO DECLARATÓ-RIA. PROPOSTA AÇÃO NA QUAL O MUTUÁRIO PEDE O ACERTAMENTO DA RELAÇÃO JURÍDICA, O CONTRATO DE MÚTUO TORNOU-SE COISA LITIGIOSA, COM A CITA-ÇÃO DO AGENTE FINANCEIRO DO SFH. MANTÉM-SE, POR CONSEGUINTE, LIMINAR CONCEDIDA EM PROCEDIMENTO ACAUTELATÓRIO QUE VISA EVITAR QUALQUER FORMA DE EXECUÇÃO, ATÉ QUE A AÇÃO PRINCIPAL CHEGUE AO SEU FIM. - AGRA-VO DE INSTRUMENTO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. DECISÃO UNÂNIME” (TRF-5, 1ª T., AGTR nº 799 CE 90.05.05355-0, Rel. Des. Federal Francisco Falcão, j. em 4/4/1991, DJ de 26/4/1991, p. 8.829).

“RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE TERCEIRO. TERCEIRO ADQUIRENTE. BOA-FÉ. EFICÁCIA SUBJETIVA DA COISA JULGADA. BEM OU DIREITO LITIGIOSO. MARCO INICIAL. LITISPENDÊNCIA. PROPOSITURA DA AÇÃO. CITAÇÃO VÁLIDA. 1. Na ori-gem, cuida-se de embargos de terceiro opostos por adquirente de bem imóvel que busca a pro-teção possessória tendo em vista ordem de reintegração emanada do cumprimento de sentença oriunda de ação da qual não fez parte. 2. Segundo a regra geral disposta no artigo 472 do Código de Processo Civil, a coisa julgada só opera efeito entre as partes integrantes da lide. 3. O artigo 42, § 3º, do Código de Processo Civil, por exceção, dispõe que, em se tratando de aquisição de coisa ou direito litigioso, a sentença proferida entre as partes originárias estende os seus efeitos ao adquirente ou ao cessionário. 4. Segundo a doutrina especializada, o bem ou direito se torna litigioso com a litispendência, ou seja, com a lide pendente. 5. A lide é considerada pendente, para o autor, com a propositura da ação e, para o réu, com a citação válida. 6. Para o adquirente, o momento em que o bem ou direito é considerado litigioso varia de acordo com a posição ocupada pela parte na relação jurídica processual que sucederia. 7. Se o bem é adquirido por terceiro de boa-fé antes de configurada a litigiosidade, não há falar em extensão dos efeitos da coisa julgada ao adquirente. 8. Recurso especial conhecido e não provido” (STJ, 3ª T., REsp nº 1458741/GO, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. em 14/4/2015, DJ de 17/4/2015).

Art. 240

Page 20: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

411

Carlos Augusto de Assis

IV. Constituição em mora

O dispositivo aponta ainda, como efeito da citação, este na órbita material, o constituir em mora o devedor. A citação opera esse efeito porque é a forma mais eloquente de o credor inter-pelar e mostrar que está sendo diligente com relação ao seu crédito. O credor não está apenas exortando o devedor a cumprir a obrigação como está exigindo em juízo. Note-se que a mora imaginada pelo legislador é a chamada mora ex persona (que depende de notificação – art. 397, parágrafo único, Código Civil), diferentemente da denominada mora ex re (em que a simples su-perveniência do prazo é suficiente para colocar o devedor em mora: dies interpellat pro homine – art. 397, caput, Código Civil). Aliás, o próprio legislador processual fez questão de se remeter ao Código Civil, arts. 397 e 398, em conjunto com os quais o dispositivo processual deve ser lido. O art. 397 já foi comentado e prevê as duas espécies de mora. O art. 398, por sua vez, refere-se à prática de ato ilícito, reputando o agente em mora desde o momento em que realizou o ato (não se aplicando, portanto, neste caso, a regra do art. 238, CPC). Em termos práticos, o fato de a citação ter por efeito constituir em mora o devedor significa que todas as consequências decorrentes da mora normalmente serão aplicáveis a partir desse momento. É por isso que a incidência de juros de mora como regra se dá a partir da citação (art. 405, Código Civil), mas, a esse respeito, espe-cificamente, se irá detalhar melhor no item seguinte.

Não é demais observar, entretanto, que nestes casos de mora é necessário verificar as disposi-ções especiais de direito material, porque às vezes o legislador exige constituição em mora atra-vés de específica notificação prévia à demanda judicial (ex.: rescisão de compromisso de venda e compra do Decreto-Lei nº 58/1937).

V. Os juros de mora, o Código Civil e as súmulas

Para melhor esclarecimento, é importante mencionar algumas súmulas existentes sobre o tema dos juros de mora, analisando-as de acordo com o disposto no CPC e no Código Civil. Nesse sentido, é necessário lembrar que o Código Civil estabeleceu como regra que os juros de mora correm da data da citação (art. 405, CC). Essa regra, entretanto, deve ser lida em conjunto com os arts. 397 e 398, CC, já mencionados. Assim, incidirão juros de mora a partir da citação no caso de obrigação ilíquida, ou que não tenha prazo de vencimento (porque dependerá da constituição de mora, a ser operada pela citação). Entretanto, incidirão juros de mora desde a prática do ato ilícito, no caso de responsabilidade extracontratual, ou desde o vencimento da obrigação, caso ela seja positiva e líquida.

Vale, a respeito da incidência de juros, fazer referência às seguintes súmulas: a) Súmula nº 163, STF: “Salvo contra a Fazenda Pública, sendo a obrigação ilíquida, contam-se os juros mo-ratórios desde a citação inicial para a ação” (observe que a primeira parte dessa Súmula “Salvo contra a Fazenda Pública”, restou prejudicada com o advento da Lei nº 4.414/1964, conforme se reconheceu no RE nº 109156, julgado pela 2ª Turma); b) Súmula nº 277, STF: “Julgada proce-dente a investigação de paternidade, os alimentos são devidos a partir da citação”; c) Súmula nº 426, STJ: “Os juros de mora na indenização do seguro DPVAT fluem a partir da citação”; d) Súmula nº 204, STJ: “Os juros de mora nas ações relativas a benefícios previdenciários incidem a partir da citação válida”; e) Súmula nº 54, STJ: “Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual”.

A interpretação aqui exposta está muito bem sintetizada por dois Enunciados das Jornadas de Direito Civil, aprovados a partir dos debates promovidos pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal: Enunciado nº 163: “A regra do art. 405 do novo Código Civil

Art. 240

Page 21: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

412

Carlos Augusto de Assis

aplica-se somente à responsabilidade contratual, e não aos juros moratórios na responsabilidade extracontratual, em face do disposto no art. 398 do novo Código Civil, não afastando, pois, o disposto na Súmula 54 do STJ” (aprovado na III Jornada); Enunciado nº 428: “Os juros de mora, nas obrigações negociais, fluem a partir do advento do termo da prestação, estando a incidência do disposto no art. 405 da codificação limitada às hipóteses em que a citação representa o papel de notificação do devedor ou àquelas em que o objeto da prestação não tem liquidez” (aprovado na Jornada V).

VI. O despacho que ordena a citação e a interrupção da prescrição

O CPC/1973 incluía a interrupção da prescrição como um dos efeitos da citação, que, porém, retroagia à data da propositura da ação, observados determinados requisitos.

O CPC/2015 não mais inclui a interrupção da prescrição entre os efeitos da citação. O legisla-dor do CPC/2015 quis harmonizar a legislação processual e a material, visto que o Código Civil (art. 202, inciso I) prevê que o despacho que ordena a citação interrompe a prescrição. De todo modo, assim como previa o CPC/1973, o efeito interruptivo retroage à data da propositura da ação. Com efeito, em matéria de interrupção da prescrição há que se levar em consideração os dois lados: o do credor, que mostra, a tempo, sua intenção de exigir a obrigação quando propõe a ação; o do devedor, que precisa ser cientificado de tal intenção (o que só vai ocorrer com a ci-tação, que será promovida desde que haja despacho judicial nesse sentido). Sobre o momento de interrupção da prescrição, veja-se o seguinte julgado: “EXTINÇÃO DO PROCESSO - Execução - Fundamento no art. 269, inc. IV do CPC - Ausência de inércia da exequente que promoveu as diligências necessárias para que fosse efetivada a citação das requeridas - Ademais, interrupção do prazo prescricional que atualmente pode ser configurada através do despacho que ordenou a citação, nos termos do art. 202, inc. I, do CC/2002 - Precedentes desta Corte - Recurso provido” (TJSP, ApCiv nº 0003279-59.2005.8.26.0344, Rel. Des. Sebastião Junqueira, j. em 13/4/2015, reg. 18/4/2015).

VII. A retroação do efeito interruptivo da prescrição

Como destacado, embora seja o despacho que ordena a citação a causa de interrupção da pres-crição, tal efeito retroagirá à data da propositura da ação (momento em que o credor se mostrou diligente, exigindo o cumprimento da obrigação através do ingresso em juízo). Essa diligência do credor não se limita, porém, à propositura da ação. Ele terá que tomar as providências neces-sárias para que o réu tenha a devida ciência.

A diligência do autor deverá se mostrar, basicamente, no pagamento das custas de mandado, na indicação do endereço para citação e no fornecimento de cópias da petição inicial para instruir o mandado. Caso não seja possível localizar o réu, a diligência se refletirá no requerimento e prática dos atos necessários para a citação por edital.

O CPC/2015, diferentemente do CPC/1973, não mais prevê que a citação deve ser realizada no prazo de 10 dias, prorrogável por 90 dias. O único prazo que o autor deve ter em mente é o de 10 dias, dentro do qual ele deverá tomar todas as providências necessárias para que a citação seja realizada. Caso ele não tome as providências dentro desse prazo, a interrupção, com efeito retroativo à data da propositura da ação, não se operará. Nesse sentido, observe-se o seguinte julgado do TJSP: “MONITÓRIA. PRESCRIÇÃO. Hipótese em que a ação foi ajuizada antes do esgotamento do prazo prescricional. Contudo, o apelante não obteve êxito em citar o réu ao longo de mais de sete anos, ultrapassando desse modo o quinquênio aludido no art. 206, § 5º, I,

Art. 240

Page 22: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

413

Carlos Augusto de Assis

do Código Civil. Ausência de culpa do serviço judiciário pela demora na citação, uma vez que ignorado o lugar em que o réu se encontrava, cabia ao autor providenciar a citação por edital. Decreto de extinção mantido. RECURSO DESPROVIDO” (23ª Câmara de Direito Privado, Ape-lação Cível nº 007550-90.2003.8.26.0100, Rel. Elmano de Oliveira, j. em 16/2/2011). Por outro lado, se, apesar de tomadas as providências necessárias, a citação demorar a se realizar, o autor não será prejudicado. Essa expressa disposição tem origem remota em entendimento consolidado na jurisprudência. A antiga Súmula nº 106 do STJ já estabelecia que “proposta a ação no prazo fixado para o seu exercício, a demora na citação, por motivos inerentes ao mecanismo da justiça, não justifica o acolhimento da arguição de prescrição ou decadência”.

VIII. A citação ordenada por juiz incompetente

O dispositivo similar do CPC/1973 dava a entender que apenas os efeitos materiais da citação se operavam quando esta tivesse sido ordenada por juiz incompetente. Não vem ao caso, nessa oportunidade, abordar as ressalvas que a doutrina fazia quanto à interpretação literal daquele dispositivo legal. O fato é que o artigo em comento não dá mais margem à dualidade. Todos os efeitos da citação (e mesmo a interrupção da prescrição, que decorre do despacho que ordena a citação), operam-se ainda que ela tenha sido ordenada por juiz incompetente.

O dispositivo atual parece ser mais adequado, privilegiando o fato de que, independentemente da questão da competência do juiz (que é um problema fundamentalmente de divisão de trabalho entre os vários órgãos dotados de poder jurisdicional), a citação é apta a dar ciência à parte da existência do processo. Isso é suficiente para que se operem os efeitos aqui tratados.

IX. Efeito retroativo do despacho que ordena citação e a decadência

O legislador mantém o critério, também utilizado no CPC/1973, de aplicar o efeito retroativo da interrupção da prescrição para outras situações que envolvem prazo para exercício de direito. A diferença é que o CPC/1973 aplicava aos demais prazos extintivos todas as regras do dispositi-vo processual que tratava da interrupção da prescrição, enquanto o CPC/2015 limita-se ao efeito retroativo da interrupção. O CPC/2015 menciona, expressamente, a decadência, mas a regra se aplica para qualquer outro prazo extintivo.

Art. 241 - Transitada em julgado a sentença de mérito proferida em favor do réu antes da citação, incumbe ao escrivão ou ao chefe de secretaria comunicar-lhe o resultado do julgamento.

O dispositivo em questão tem sua razão de ser no fato de que, embora a citação, como regra, seja ato essencial para a validade do processo (art. 239), o sistema processual prevê situações em que poderá não haver citação do réu: indeferimento da inicial (art. 330) e improcedência liminar (art. 332). Em tais situações, portanto, o processo poderá ser extinto sem que o demandado tenha tomado conhecimento da sua existência. No caso do indeferimento da inicial, a comunicação posterior não se faz necessária, visto não ter havido resolução de mérito (art. 485, inciso I), não afetando, portanto, a esfera material do demandado. Lembre-se que a prescrição e a decadência (que na redação do CPC/1973 poderiam ser causa de indeferimento da inicial) são tratadas, no CPC/2015, como hipóteses de improcedência liminar.

Art. 241

Page 23: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

414

Carlos Augusto de Assis

Em se tratando de improcedência liminar, porém, como o mérito da causa terá sido apreciado (e, com o trânsito em julgado, em caráter definitivo), é imperioso que o demandado tome conhe-cimento do fato. Assim, por exemplo, imagine-se que a sentença liminar de improcedência tenha reconhecido a prescrição de uma dívida. O devedor, naturalmente, terá que ser comunicado, de modo a ter ciência de que não precisará mais ter a preocupação de efetuar o pagamento, visto que a dívida deixou de ser exigível.

Art. 242 - A citação será pessoal, podendo, no entanto, ser feita na pessoa do representante legal ou do procurador do réu, do executado ou do interessado.§ 1º - Na ausência do citando, a citação será feita na pessoa de seu mandatário, administrador, preposto ou gerente, quando a ação se originar de atos por eles praticados.§ 2º - O locador que se ausentar do Brasil sem cientificar o locatário de que deixou, na localidade onde estiver situado o imóvel, procurador com poderes para receber citação será citado na pessoa do administrador do imóvel encarregado do recebimento dos aluguéis, que será considerado habilitado para representar o locador em juízo.§ 3º - A citação da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e de suas respectivas autarquias e fundações de direito público será realizada perante o órgão de Advocacia Pública responsável por sua representação judicial.

I. A pessoalidade da citação

O preceito em comento firma a regra da pessoalidade da citação. É natural que seja assim, pois garante que a pessoa interessada em apresentar defesa ou praticar qualquer ato no processo de que passou a ser parte tenha efetiva ciência. Fala-se, nesse caso, em citação direta. No caso de pessoa natural, maior e capaz, ela se dará realmente na própria pessoa do citando. Em se tra-tando de incapaz, porém, terá que se dar na pessoa do seu representante legal (ou na pessoa do demandado e de quem o assiste, no caso de relativamente incapaz). Da mesma forma, quando o citando é pessoa jurídica, a citação terá de se efetivar em quem tem, por força de lei ou dos atos constitutivos da entidade, poderes para representá-la (“Para que haja citação válida de pessoa jurídica, é preciso que ela seja feita a quem a represente legitimamente em juízo, de acordo com a designação do estatuto ou contrato social. Recurso especial conhecido e provido” (4ª T., REsp nº 9.109/SP, Rel. Min. Barros Monteiro, j. em 1º/10/1991, DJ de 11/11/1991, p. 16.150).

Referido preceito deve ser lido em conjunto com o art. 75, que trata das pessoas que podem exercer a representação ativa e passiva das diversas entidades de direito público ou privado: a) a União pela AGU; Estados e municípios pelos seus procuradores; b) o Município pelo prefeito ou procurador; c) a autarquia e fundação de direito público por quem a lei pertinente determinar; d) a massa falida pelo administrador judicial; a herança jacente pelo seu curador; e) a pessoa jurídica de acordo com seus representantes, conforme definido nos atos constitutivos; f) a socie-dade irregular pela pessoa a quem cabe sua administração; g) a pessoa jurídica estrangeira pelo

Art. 242

Page 24: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

415

Carlos Augusto de Assis

administrador da agência ou filial aberta no Brasil (aqui incluída a subsidiária brasileira de em-presa estrangeira, pois, como tem entendido a jurisprudência, analisando dispositivo semelhante do CPC/1973, há que se dar “[...] interpretação extensiva, pois quando a legislação menciona a perspectiva de citação de pessoa jurídica estabelecida por meio de agência, filial ou sucursal, está se referindo à existência de estabelecimento de pessoa jurídica estrangeira no Brasil, qualquer que seja o nome e a situação jurídica desse estabelecimento” (4ª T., REsp nº 1168547/RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. em 11/5/2010, DJe de 7/2/2011); h) o Condomínio pelo seu síndico ou administrador.

II. A citação na pessoa do procurador

Apesar da preferência para que a citação se realize na pessoa de quem deverá figurar em juízo, como destacado no item anterior, é perfeitamente possível efetuar-se a citação na pessoa do pro-curador do citando. Esse procurador, porém, ressalvada a hipótese do § 1º, deverá deter poderes especiais para receber citação. No caso do advogado, por exemplo, para ele receber citação em nome de seu cliente, não basta ter os poderes gerais para o foro (cláusula ad judicia), necessitan-do ter poderes específicos para receber citação.

III. A citação na pessoa de quem praticou o ato

Verdadeira mitigação na regra da pessoalidade pode ser encontrada nos §§ 1º e 2º do artigo em comento. No § 1º, figura a hipótese de o ato que gerou a demanda ter sido praticado por man-datário ou funcionário (“administrador, preposto ou gerente”) do citando. Estando o réu ausente, a citação poderá ser feita na pessoa desse mandatário ou funcionário. O legislador, nesse caso, admite esse distanciamento da regra da pessoalidade da citação para não tornar excessivamente difícil a posição do autor (pela possível dificuldade em se localizar o citando, que ordenou a prática do ato).

IV. A citação na pessoa do administrador do imóvel locado

O outro caso em que se distancia da citação pessoal é o do § 2º. Aqui está em jogo a facilitação do acesso à justiça. A situação prevista é do locador que se ausenta do país e não deixa ninguém com poderes para receber citação. Se o locatário precisar promover uma ação, ele poderá citar a pessoa do administrador do imóvel, que está encarregado de receber os alugueres. Exigir a cita-ção pessoal do locador, nesse caso, importaria em injusta dificuldade para o exercício dos direi-tos do locatário. Observe-se, porém, que os poderes para receber os alugueres devem ser atuais, conforme já julgou o STJ: “AÇÃO CONSIGNATÓRIA DE ALUGUÉIS. RÉU NO EXTERIOR. CITAÇÃO NA PESSOA DO ADMINISTRADOR - CPC, ART. 215, PAR. 2. Não pode ser citado aquele que afirma não mais estar autorizado a receber os aluguéis e a administrar o imóvel loca-do. Impertinência da invocação ao art. 333, II, do CPC. Recurso especial não conhecido” (4ª T., REsp nº 1.265/RJ, Rel. Min. Athos Carneiro, j. em 21/11/1989, DJ de 18/12/1989, p. 18.477).

V. A citação indireta pela aplicação da teoria da aparência

Igualmente se pode falar em citação indireta nas situações colhidas na jurisprudência que se formou à luz do CPC/1973, em que a pessoa, apesar de não deter poderes para receber citação, apresenta-se como se tivesse, em condições tais que faz presumir ser verdade, como é o caso da mulher do sócio, que se apresenta à frente dos negócios. Em casos como esse, a citação é admi-tida pela aplicação da teoria da aparência. É o que se observa dos julgados a seguir indicados:

“PROCESSO CIVIL. PESSOA JURÍDICA. CITAÇÃO. TEORIA DA APARÊNCIA. SUA ADMISSÃO EXCEPCIONAL, SEGUNDO O AFORISMO ‘PAS DE NULITE SANS GRIEF’,

Art. 242

Page 25: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

416

Carlos Augusto de Assis

A TRATO DA NOTIFICAÇÃO PREMONITÓRIA E DA CITAÇÃO QUE A ELA SE SEGUIU, FEITAS AMBAS NA PESSOA DA MULHER DO SÓCIO-GERENTE, ENCONTRADA E IDENTIFICADA À FRENTE DOS NEGÓCIOS DA EMPRESA. PRECEDENTES DO S.T.J.” (STJ, 5ª T., Rel. Min. José Dantas, j. em 26/10/1994, DJ de 21/11/1994).

“AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. MONITÓRIA. CITAÇÃO. VALIDADE. TEORIA DA APA-RÊNCIA. VERIFICAÇÃO DA EXIGIBILIDADE DOS TÍTULOS. MATÉRIA PROBATÓRIA. AGRAVO NÃO PROVIDO.

1. De acordo com o entendimento desta Corte, que adota a teoria da aparência, considera-se válida a citação válida pessoa jurídica efetivada na sede ou filial da empresa a uma pessoa que não recusa a qualidade de funcionário. Precedentes. [...] 3. Agravo regimental não provido” (STJ, 4ª T., AgRg no AREsp nº 601115/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. em 24/3/2015, DJe de 30/3/2015).

Art. 243 - A citação poderá ser feita em qualquer lugar em que se encontre o réu, o executado ou o interessado.Parágrafo único - O militar em serviço ativo será citado na unidade em que estiver servindo, se não for conhecida sua residência ou nela não for encontrado.

I. Local da citação

O CPC/2015 repete regra existente no CPC/1973 no sentido de que o demandado pode ser citado em qualquer lugar em que se encontre. De fato, o demandado não precisa ser necessaria-mente citado no endereço indicado na petição inicial. Às vezes, por exemplo, a pessoa do citan-do pouco fica no endereço residencial, que eventualmente tenha sido indicado na inicial. Nada impede, porém, que ele seja citado em outro local que costuma frequentar. Em outros termos, o importante, para o efeito citatório, é que seja dada inequívoca ciência ao citando, sendo irrele-vante o fato de isso ocorrer no endereço indicado ou em qualquer outro lugar.

II. Citação do militar

Se o citando for militar, pode ser que o oficial de justiça encontre alguma dificuldade de citá-lo na sua residência, seja pelo desconhecimento do endereço do militar, seja pelo fato de este não permanecer muito tempo na sua casa. Prevendo tal dificuldade, o legislador estipula expressa-mente que nesses casos o militar poderá ser citado na unidade em que presta serviços. Afora essa ressalva, tem-se que no processo civil (diferentemente do processo penal, art. 358, CPP), a cita-ção do militar não oferece outra peculiaridade: “PROCESSO CIVIL. CITAÇÃO E INTIMAÇÃO DE MILITAR NOS JUIZADOS ESPECIAIS. DESNECESSIDADE DE REQUISIÇÃO AO CO-MANDO ONDE O MILITAR SERVE. VALIDADE DA CITAÇÃO VIA POSTAL, ENTREGUE NA RESIDÊNCIA DO RÉU, COM AR ASSINADO PELO PRÓPRIO DEMANDADO. INTI-MAÇÃO PESSOAL DO MESMO, NA AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO, PARA COMPARE-CIMENTO À AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO. VALIDADE. 1. Não se confunde citação com intimação, nem há, nos juizados especiais, qualquer regra especial para a citação do militar. No código de processo civil, de aplicação subsidiária à lei nº 9.099/95, a única referência à citação

Art. 243

Page 26: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

417

Carlos Augusto de Assis

do militar é a que se lê no art. 216, parágrafo único, a dizer que ‘o militar, em serviço ativo, será citado na unidade em que estiver servindo, se não for conhecida a sua residência ou se nela não for encontrado’. 2. Se o réu, militar, recebeu citação via postal em sua casa e ele mesmo firmou o aviso de recebimento, nenhum vício se constata em seu chamamento, que, portanto, se realizou de forma válida, produzindo regularmente seus efeitos. 3. É válida, por igual, a intimação pessoal do réu, militar, na própria audiência de conciliação, para comparecer à audiência de instrução e julgamento, até porque é esse o querer do art. 19, § 1º, da lei nº 9.099/95, sendo de nenhuma aplicação o art. 358, do Código de Processo Penal, que diz que ‘a citação do militar far-se-á por intermédio do chefe do respectivo serviço’. [...] 5. Recurso improvido. Sentença confirmada” (TJDF, 1ª T. Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do DF, ACJ nº 91999/DF, Rel. Arnoldo Camanho de Assis, j. em 27/6/2000, DJU de 26/10/2000, p. 68).

Art. 244 - Não se fará a citação, salvo para evitar o perecimento do direito:I - a quem estiver participando de ato de culto religioso;II - de cônjuge, de companheiro ou de qualquer parente do morto, consanguíneo ou afim, em linha reta ou na linha colateral em segundo grau, no dia do falecimento e nos sete dias seguintes;III - de noivos, nos três primeiros dias seguintes ao casamento;IV - de doente, enquanto grave o seu estado.

I. Impedimento temporário à realização da citação

Encontramos no artigo em pauta algumas restrições temporárias à citação. Elas são ditadas por respeito ao sentimento religioso (inciso I); consideração ao sentimento em relação aos mortos (inciso II); pela importância que o casamento possui na sociedade (inciso III); e para não preju-dicar a recuperação do réu enfermo e para não agravar o seu estado (inciso IV). Note-se que não basta ser portador de enfermidade grave, devendo o estado do citando ser grave no momento da citação (“A impossibilidade de citação com base no art. 217, inciso IV do CPC, só se dá em casos que haja demonstração de que a parte se encontra em estado grave. Não há que ser confundido estado grave com doença grave. Sendo assim o mencionado dispositivo legal não alcança o por-tador de doença ou doenças graves, que não demonstre seu estado grave, capaz de impossibilitar o ato citatório. Negado provimento ao agravo. Decisão unânime” (TJPE, 6ª Câmara Cível, Proc. nº 0010466-25.2011.8.17.0000, Rel. Des. Antônio Fernando Araújo Martins, j. em 29/11/2011, DJEPE de 6/12/2011, p. 161).

Passado o impedimento momentâneo, a citação poderá ser realizada normalmente. Ficam res-salvados os casos em que, apesar de configurada alguma das situações anteriores, a citação deve ser realizada com urgência para que não ocorra perecimento de direito (ex.: prescrição, deca-dência). Sobre a caracterização ou não do impedimento, naturalmente as circunstâncias do caso concreto serão determinantes, como se percebe do julgado a seguir:

“Ação de cobrança. Despesas de condomínio. Cumprimento da sentença. Agravante que alega nulidade da citação por hora certa em razão de doença grave que o acometeu, sendo caso do art. 217, IV, do CPC. Decisão que, já em cumprimento da sentença, determinou a penhora do imóvel

Art. 244

Page 27: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

418

Carlos Augusto de Assis

gerador das despesas. Alegações descabidas, porquanto, nos dias em que compareceu o meiri-nho para efetuar a citação, o réu não estava em repouso por prescrição médica, como atestam os documentos juntados. Ademais, não há prova de que, nos dias em que houve a diligência, o réu estava impedido de receber citação em razão de doença grave. Ocultação evidente. Citação válida. Penhora devida. Agravo de instrumento não provido” (TJSP, 36ª Câmara de Direito Privado, AI nº 0044372-88.2010.8.26.0000, Rel. Des. Romeu Ricupero, j. em 27/5/2010, reg. 2/6/2010).

II. Consequência em caso de violação da norma

Tal dispositivo estabelece regra dirigida, na verdade, ao oficial de justiça, pois ele seria o encarregado de providenciar a citação. Caso não sejam observadas as restrições e a citação seja realizada assim mesmo, devemos verificar qual a sanção a ser aplicada. O legislador processual não é expresso a esse respeito, o que gera dúvida. Poderíamos concluir que, em se tratando de violação direta a um dispositivo legal, a solução deveria ser a nulidade. Por outro lado, podería-mos entender que a ciência se operou, motivo pelo qual a citação deveria ser reputada válida, pois não teria havido prejuízo para o atendimento da finalidade do ato, e, como se sabe, não há nulidade sem prejuízo.

Podemos entrever, nesse passo, uma distinção. Algumas dessas violações poderiam prejudicar a própria essência do ato citatório, por prejudicar a ciência adequada, a ela inerente. Podemos imaginar que o enfermo que tenha sido indevidamente citado não tenha tomado pleno conhe-cimento do fato por justamente estar combalido, ou no caso de citação em dia de bodas ou de falecimento, pois a pessoa estaria ligada demais ao evento, do ponto de vista emocional, de sorte que a citação e as consequências dela não recebessem a devida atenção. Considerando, porém, a extraordinária importância da citação, parece ser mais razoável concluir, pura e simplesmente, que o não cumprimento da norma, independentemente do caso, gera nulidade do ato citatório. Essa conclusão fica reforçada pelo dispositivo do art. 280, CPC, que, de maneira geral, fulmina de nulidade as infrações às regras em matéria de citação: “As citações e as intimações serão nulas quando feitas sem observância das prescrições legais”.

Concluindo pela nulidade por desrespeito à restrição legal, à luz do dispositivo similar do CPC/1973: “AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO MONITÓRIA. Decisão agravada que re-jeitou os embargos opostos pelo agravante, considerando válida a citação do 3º réu, bem como dos demais réus, determinando a intimação dos mesmos para pagamento do débito, na forma do art. 475-J do CPC. Inconformismo do 3º réu. Nulidade da citação efetivada ao agravante, eis que contrariou ao disposto no art. 217, II, do CPC. Agravante que foi citado um dia após o faleci-mento de seu sogro, conforme certidão presente nos autos. Impossibilidade de se reconhecer a prescrição no presente agravo de instrumento, sob pena de supressão de instância. Decisão refor-mada. Provimento parcial do recurso para declarar nula a citação efetivada pelo juízo a quo, bem como todos os atos posteriores, determinando-se o prosseguimento do feito” (TJRJ, 16ª Câmara Cível, AI nº 0022113-60.2011.8.19.0000, Rel. Des. Marco Aurelio Bezerra de Melo, DORJ de 29/7/2011, p. 288).

Art. 245 - Não se fará citação quando se verificar que o citando é mentalmente incapaz ou está impossibilitado de recebê-la.§ 1º - O oficial de justiça descreverá e certificará minuciosamente a ocorrência.

Art. 245

Page 28: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

419

Carlos Augusto de Assis

§ 2º - Para examinar o citando, o juiz nomeará médico, que apresentará laudo no prazo de cinco dias.§ 3º - Dispensa-se a nomeação de que trata o § 2º se pessoa da família apresentar declaração do médico do citando que ateste a incapacidade deste.§ 4º - Reconhecida a impossibilidade, o juiz nomeará curador ao citando, observando, quanto à sua escolha, a preferência estabelecida em lei e restringindo a nomeação à causa.§ 5º - A citação será feita na pessoa do curador, a quem incumbirá a defesa dos interesses do citando.

I. Falta de condições de receber a citação

Já no caso do art. 245, a restrição é de outra natureza. Não se pode realizar a citação da forma normal porque seu destinatário não está em condições de recebê-la. Note-se que não se trata de interditos, pois estes serão citados na pessoa do seu curador. Imaginemos, por exemplo, que o oficial de justiça vai proceder à citação e percebe que o réu não está no pleno gozo das suas facul-dades mentais. É certo que o oficial de justiça não poderá proceder à citação naquelas condições. Ele deverá, então, passar uma certidão descrevendo minuciosamente o fato e o juiz nomeará um médico para examinar o citando. O médico apresenta um laudo em cinco dias e, se confirmada a impossibilidade, o juiz nomeará um curador para o réu. Esse curador, porém, terá sua atuação restrita àquela causa, devendo providenciar a competente defesa.

O CPC/2015 inova ao dispensar a nomeação de médico se a família do citando apresentar declaração de médico que ateste a incapacidade do destinatário da citação. Esse dispositivo pode conferir mais agilidade ao incidente e economizar custos.

II. Descumprimento da norma que exige nomeação de curador

O descumprimento da norma em apreço gera nulidade do processo, conforme já se deci-diu: “TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. CITAÇÃO POR EDITAL. POSSIBILIDADE APÓS O EXAURIMENTO DE TODOS OS MEIOS À LOCALIZAÇÃO DO DEVEDOR. CITANDA INCAPAZ. AUSÊNCIA DE CURADOR AD LITEM (ART. 217 DO CPC). NULIDADE DA CITAÇÃO. COMPARECIMENTO ESPONTÂNEO. VALIDADE DO PROCESSO. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE - LEI DE EXECUÇÕES FISCAIS - CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL - PREVALÊNCIA DAS DISPOSIÇÕES RECEPCIONADAS COM STATUS DE LEI COMPLEMENTAR - PRECEDENTES. DESPACHO CITATÓRIO. ART. 8º, § 2º, DA LEI Nº 6.830/80. ART. 219, § 5º, DO CPC. ART. 174, DO CTN. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA. 1. A citação do devedor por edital na execução fiscal só é possível após o es-gotamento de todos os meios possíveis à sua localização. Precedentes: RESP 510791/GO, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 20.10.2003; RESP 451030/SP, Rel. Min. José Delgado, DJ de 11.11.2002; EDRESP 217888/SP, Rel. Min. Paulo Medina, DJ de 16.09.2002; RESP 247368/RS, Rel. Min. José Delgado, DJ de 29.05.2000). 2. A citação por oficial de justiça deve preceder a citação por edital, a teor do que dispõe o art. 224 do CPC, de aplicação subsidiária à Lei de Execução Fiscal (Lei nº 6.830/80, art. 1º). 3. Malograda a citação em face da incapacidade do citando, cumpre ao juiz designar um médico para verificar a impossibilidade, e em caso afirmativo, nomear um cura-dor ad litem (art. 218 do CPC). [...] 8. In casu, em face da citação defeituosa, mercê do compa-

Art. 245

Page 29: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

420

Carlos Augusto de Assis

recimento espontâneo da parte (art. 214, § 1º, do CPC), a verificação da ocorrência da prescrição deve considerar a data do oferecimento da exceção de pré-executividade, porque esta é a data da ciência da execução pelo executado. 9. Recurso especial provido para reconhecer a ocorrência da prescrição, prejudicada a análise das demais questões suscitadas” (1ª T., REsp nº 837.050/SP, Rel. Min. Luiz Fux, j. em 17/8/2006, DJ de 18/9/2006, p. 289).

Igualmente: “RECURSO ESPECIAL. ALEGAÇÃO DE INSANIDADE DO RÉU. EXAME MÉDICO. CURADORIA. MINISTÉRIO PÚBLICO. NULIDADE. RECURSO PROVIDO. Se por qualquer meio verificar-se ser o réu demente ou estar impossibilitado de receber a citação deve o juiz nomear médico a fim de examinar o citando (art. 218, par. 1. do CPC). Reconhecida a impossibilidade de o réu receber citação, o juiz dará ao mesmo curador, cabendo intervenção do Ministério Público, sob pena de nulidade do processo. RECURSO ESPECIAL CONHECI-DO E PROVIDO” (3ª T., REsp nº 9.996/SP, Rel. Min. Claudio Santos, j. em 25/11/1991, DJ de 16/12/1991, p. 18.534).

Art. 246 - A citação será feita:I - pelo correio;II - por oficial de justiça;III - pelo escrivão ou chefe de secretaria, se o citando comparecer em cartório;IV - por edital;V - por meio eletrônico, conforme regulado em lei.§ 1º - Com exceção das microempresas e das empresas de pequeno porte, as empresas públicas e privadas são obrigadas a manter cadastro nos sistemas de processo em autos eletrônicos, para efeito de recebimento de citações e intimações, as quais serão efetuadas preferencialmente por esse meio.§ 2º - O disposto no § 1º aplica-se à União, aos Estados, ao Distrito Federal, aos Municípios e às entidades da administração indireta.§ 3º - Na ação de usucapião de imóvel, os confinantes serão citados pessoalmente, exceto quando tiver por objeto unidade autônoma de prédio em condomínio, caso em que tal citação é dispensada.

I. Modalidades de citação

O CPC/2015 discrimina os modos pelos quais a citação pode ser feita. Nessa descrição apenas uma novidade: a citação pelo escrivão ou chefe de secretaria. Encabeça a lista a citação pelo correio, da mesma forma que o faz o CPC/1973. A citação pelo correio goza dessa preferência (reforçada no artigo subsequente) pela sua agilidade e baixo custo.

A modalidade seguinte é a tradicional, pelo oficial de justiça, que ocorre quando a lei o deter-minar, quando não for possível a citação pelo correio ou quando a parte assim o requerer, justifi-cadamente. A citação por oficial de justiça é a que apresenta maior segurança na sua realização, uma vez que é efetivada por alguém dotado de fé pública. A citação por oficial de justiça é, de

Art. 246

Page 30: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

421

Carlos Augusto de Assis

regra, pessoal, salvo no caso de citação com hora certa, para os casos de suspeita de ocultação, conforme regulado no art. 252.

Já a modalidade de citação pelo escrivão ou chefe de secretaria ocorre numa situação espe-cífica: o citando compareceu em cartório e tomou ciência da demanda. É simples, prático, custo zero, mas só é viável nessa situação específica, que não deverá ocorrer com muita frequência no quotidiano forense.

A citação por edital continua prevista, e, a despeito de seu escasso poder de dar efetiva ciência ao citando, é a única forma possível nos casos em que o citando não pode ser encontrado. Natu-ralmente, ela é a última opção em termos de modalidade citatória.

Finalmente, a citação por meio eletrônico, já prevista no CPC/1973, que se reporta à legisla-ção pertinente (leia-se: lei do processo eletrônico). A citação por meio eletrônico supõe que o ci-tando esteja previamente cadastrado para receber tal citação. Isso só é razoável para aqueles de-mandantes contumazes (grandes empresas e Poder Público, basicamente). A comunicação se fará pela inserção da informação no portão próprio e por e-mail (arts. 5º e 6º, Lei nº 11.419/2006). O CPC/2015, ao prever tal modalidade de citação, também se reporta à lei pertinente, o que nova-mente nos remete à lei do processo eletrônico. A novidade, porém, é que o CPC/2015 pretende que ela seja modalidade preferencial para as empresas em geral (salvo as microempresas e as de pequeno porte), além da União, Estados, Distrito Federal, Municípios e entidades da admi-nistração indireta. Para que seja possível a sua utilização preferencial, o legislador as obriga a manter um cadastro nos sistemas processuais. Certamente a intenção aí foi tornar mais prática a efetivação da citação, porém, incorrendo em certo risco.

II. Citação na ação de usucapião

O legislador prevê que os confinantes, na ação de usucapião, serão citados pessoalmente. Trata-se de incorporação ao ordenamento jurídico de entendimento jurisprudencial já assentado, conforme Súmula nº 391, STF: “O confinante certo deve ser citado, pessoalmente, para a ação de usucapião.”. Observe que no caso de prédio em condomínio, em se tratando de usucapião de unidade autônoma, a citação dos vizinhos é dispensada.

O CPC/2015 não mais prevê um procedimento especial para ação de usucapião, embora faça referência a esse tipo de demanda não só nesse artigo, mas também no art. 259, inciso I (além do art. 1.071, quando acrescenta o art. 216-A à Lei nº 6.015/1973). Apenas a título de registro, pois a questão aqui tratada é outra, note-se que o CPC/2015 inclui o art. 216-A na Lei de Registros Públicos prevendo modalidade de usucapião extrajudicial. Assim, além da usucapião judicial, temos também modalidade administrativa.

Art. 247 - A citação será feita pelo correio para qualquer comarca do país, exceto:I - nas ações de estado, observado o disposto no art. 695, § 3º;II - quando o citando for incapaz;III - quando o citando for pessoa de direito público;IV - quando o citando residir em local não atendido pela entrega domiciliar de correspondência;V - quando o autor, justificadamente, a requerer de outra forma.

Art. 247

Page 31: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

422

Carlos Augusto de Assis

I. Preferência na citação pelo correio

O CPC/2015, da mesma forma que o CPC/1973, estabelece que a citação postal é a regra. Essa preferência, porém, cede passo à citação por meio eletrônico, no caso de empresas públicas e privadas, exceto as microempresas e empresas de pequeno porte, tudo conforme § 1º do artigo anterior.

II. Citação pelo correio para qualquer comarca do país

O dispositivo legal é claro ao dizer que a citação pelo correio será feita para “qualquer comar-ca do país”. Vale dizer, se o réu se encontrar em comarca distinta daquela em que corre o proces-so, não há razão para expedição de carta precatória, uma vez que é possível expedir uma carta diretamente ao local. A carta será remetida pelo escrivão ou chefe de secretaria e será registrada para entrega ao citando, i.e., é emitida com aviso de recebimento (A.R.) A entrega deve ser feita, pelo carteiro, diretamente ao citando. Essa possibilidade de se evitar a carta precatória representa grande vantagem em termos de economia processual.

III. Exceções à regra da citação pelo correio

Embora por uma questão de economia processual o legislador tenha dado preferência pela ci-tação postal, razões de segurança ou de ordem prática levam-no a excepcionar a regra. Os casos apontados são:

a) ações de estado (i.e., estado familiar ou político da pessoa, como separação, investigação de paternidade). Aqui, como se trata, normalmente, de direitos indisponíveis, o legislador quis cercar o ato de maior segurança, atribuindo ao oficial de justiça a realização da citação;

b) réu pessoa incapaz: novamente, o direito indisponível gerando a cautela adicional com a citação;

c) ré pessoa de direito público: igualmente a motivação foi a presença de direitos indisponíveis;

d) pessoa que não recebe correspondência em casa: razões práticas motivam a estipulação, visto que a citação pelo correio deve ser com aviso de recebimento, o que dificultaria a sua rea-lização se a pessoa tem, por exemplo, uma caixa de correio na qual a correspondência é normal-mente entregue. A despeito da regra, já existente no CPC/1973, observamos julgado em que se admitiu, por circunstâncias especiais, a citação mediante entrega em caixa postal: “Processo civil e direito do consumidor. Citação pela via postal. Correspondência remetida para a caixa postal da ré. Hipótese em que esse era o único endereço por ela fornecido a seus consumidores, nas faturas de cobrança enviadas. Validade. - Consoante a jurisprudência pacificada desta Corte, é possível a citação da pessoa jurídica pelo correio, desde que entregue no domicílio da ré e recebida por fun-cionário, ainda que sem poderes expressos para isso. - Em hipóteses nas quais a empresa só for-nece, nos documentos e correspondências enviados aos seus consumidores, o endereço de uma caixa postal, dificultando-lhes a sua localização, é válida a citação judicial enviada, por correio, para o endereço dessa caixa postal, notadamente tendo em vista a afirmação, contida no acórdão recorrido, de que esse expediente é utilizado para que a empresa se furte do ato processual. - O dever de informação e de boa-fé devem ser sempre colocados em primeiro plano, tanto no de-senvolvimento da relação de consumo como no posterior julgamento de processos relacionados à matéria. - Se a caixa postal é apresentada como único endereço para o qual o consumidor possa se dirigir para expor as questões que de seu interesse, é incoerente pensar que tal endereço não sirva, em contrapartida, para alcançar a empresa nas hipóteses em que é o interesse dela que está em jogo. - A revelia da empresa citada na caixa postal é apenas mais um indício do descaso com

Art. 247

Page 32: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

423

Carlos Augusto de Assis

que trata as correspondências que recebe nesse endereço” (3ª T., Recurso Especial nº 981.887/RS (2007/0202786-9), Rel. Min. Nancy Andrighi, v.u., j. em 23/3/2010);

e) quando autor justificadamente requerer seja feita de outra forma. Aqui, diferentemente do CPC/1973, o CPC/2015 exige que a opção do autor no sentido de fazer citação por outro meio que não a via postal seja justificada. Normalmente, a justificativa mais provável é a de que a ci-tação seria provavelmente frustrada, havendo razões para crer que o réu criaria embaraços para a realização da citação pelo correio (lembrando que o carteiro não dispõe dos mecanismos que o oficial de justiça tem para superar os óbices que o citando possa levantar para impedir a reali-zação do ato).

IV. Citação no processo de execução

O CPC/1973 incluía entre as exceções à citação pelo correio o caso do processo de execução. As razões para isso eram de cunho prático, visto que se o devedor citado não cumprisse, no prazo legal, a obrigação, o oficial de justiça automaticamente retornaria e penhoraria o que pudesse encontrar, para fazer frente ao débito. A restrição não mais subsiste no CPC/2015. É razoável se supor, entretanto, pelo teor das disposições do CPC/2015, em matéria de citação, que no processo de execução ela teria caráter subsidiário, visto que o legislador, a tratar da citação em matéria de execução, começa por falar em mandado do oficial de justiça.

Art. 248 - Deferida a citação pelo correio, o escrivão ou o chefe de secretaria remeterá ao citando cópias da petição inicial e do despacho do juiz e comunicará o prazo para resposta, o endereço do juízo e o respectivo cartório.§ 1º - A carta será registrada para entrega ao citando, exigindo-lhe o carteiro, ao fazer a entrega, que assine o recibo.§ 2º - Sendo o citando pessoa jurídica, será válida a entrega do mandado a pessoa com poderes de gerência geral ou de administração ou, ainda, a funcionário responsável pelo recebimento de correspondências.§ 3º - Da carta de citação no processo de conhecimento constarão os requisitos do art. 250.§ 4º - Nos condomínios edilícios ou nos loteamentos com controle de acesso, será válida a entrega do mandado a funcionário da portaria responsável pelo recebimento de correspondência, que, entretanto, poderá recusar o recebimento, se declarar, por escrito, sob as penas da lei, que o destinatário da correspondência está ausente.

I. Modo de efetivação da citação postal

Quando se tratar de citação postal, o escrivão ou o chefe de secretaria será responsável pelas providências práticas destinadas a remeter, via correio, a carta de citação. Essa carta, que será registrada, deverá ser acompanhada de cópia da petição inicial e do despacho ordenando a cita-ção, além de indicar prazo para resposta, endereço do juízo e do cartório. No caso de citação em processo de conhecimento, a lei exige, ainda, que constem os dados mencionados no art. 250, o

Art. 248

Page 33: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

424

Carlos Augusto de Assis

que inclui, se for o caso, a indicação de pena a ser cominada, a intimação para comparecimento em audiência, etc. Enfim, a ideia é de que a citação forneça todas as informações relevantes ao citando.

A efetivação, em si, da citação, dependerá do carteiro, que a entregará ao citando, mediante assinatura do recibo.

II. Citação postal e a Súmula nº 429, STJ

As muitas discussões que a ampliação da possibilidade de utilização da citação postal gerou acabaram por resultar na edição de súmula pelo STJ. Trata-se da Súmula nº 429, vazada nos se-guintes termos: “A citação postal, quando autorizada por lei, exige o aviso de recebimento”. O enunciado, porém, esclarece pouco, sendo necessário examinar os precedentes que a geraram para que se tenha uma ideia clara do seu conteúdo. Que é necessário o aviso de recebimen-to não há dúvida. Verdadeira questão é: quem precisa assiná-lo? Essa resposta era diferente conforme se tratasse de pessoa natural ou pessoa jurídica, segundo o entendimento dominante da jurisprudência, conforme se abordará em seguida. A esse respeito, porém, como se poderá observar, o CPC/2015, além de procurar eliminar as dúvidas, disciplina de modo parcialmente diferente.

III. Citação postal de pessoa jurídica

Com efeito, a citação postal da pessoa jurídica, ao contrário do que a literalidade do CPC/1973, art. 223, parágrafo único, poderia fazer crer (ao falar que a entrega deveria ser a pessoa “com poderes de gerência geral ou de administração”), o entendimento que prevaleceu no STJ foi o de que bastava a entrega no endereço certo, mesmo que a pessoa que recebesse não tivesse poderes de administração. É o que se observa, por exemplo, nos seguintes julgados:

“PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. IMPUGNAÇÃO AO CUMPRI-MENTO DE SENTENÇA. CITAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA. CONCLUSÃO DO TRIBUNAL POR PRECLUSÃO QUANTO À ALEGAÇÃO DE NULIDADE DA CITAÇÃO E INEXIGIBI-LIDADE DO TÍTULO. SÚM. 7/STJ. ACÓRDÃO EM SINTONIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. SÚM. 83/STJ. DISSÍDIO NÃO DEVIDAMENTE FORMULADO. AGRAVO NÃO PROVIDO. [...] 4. ‘É válida a notificação efetuada via postal, efetivada no endereço da pessoa jurídica e recebida por pessoa que, embora sem poder expresso para tanto, a assina sem fazer qualquer objeção. Aplicação da teoria da aparência’ (RMS 17.605/GO, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/06/2010, DJe 24/06/2010) 5. Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental” (4ª T., AgRg no AREsp nº 635.581/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. em 5/3/2015, DJe de 11/3/2015).

“Processual civil. Agravo no agravo de instrumento. Ação de indenização por danos materiais e morais. Citação. Pessoa jurídica. Via postal.

- ‘É possível a citação da pessoa jurídica pelo correio, desde que entregue no domicílio da ré e recebida por funcionário, ainda que sem poderes expressos para isso’ (AgRg no Ag 711.722/PE, 3ª Turma, Relator Ministro Humberto Gomes de Barros, DJ de 27.3.2006). Agravo não provido” (3ª T., AgRg no Ag nº 1261226/PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. em 4/5/2010, DJe de 14/5/2010).

Como se pode perceber, o CPC/2015 acabou consolidando esse entendimento no seu texto, ao acrescentar ser também válida a citação de pessoa jurídica cujo AR seja assinado “por funcioná-rio responsável pelo recebimento de correspondências” (§ 2º).

Art. 248

Page 34: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

425

Carlos Augusto de Assis

IV. Citação postal de pessoa natural

Com relação à citação de pessoa natural, o entendimento que prevaleceu no STJ é o de que, atendendo à literalidade do comando legal, a carta de citação deve ser entregue diretamente ao citando, de quem se deve colher o ciente. É assim que vamos encontrar entre os precedentes que geraram a Súmula nº 429 o julgado em ERESP nº 117949/SP (Rel. Min. Menezes Direito, j. em 3/8/2005, publ. em 26/9/2005), afirmando que: “a citação de pessoa física pelo correio deve obe-decer ao disposto no art. 223, parágrafo único, do Código de Processo Civil, necessária a entrega direta ao destinatário, de quem o carteiro deve colher o ciente. 2. Subscrito o aviso por outra pessoa que não o réu, o autor tem o ônus de provar que o réu, embora sem assinar o aviso, teve conhecimento da demanda que lhe foi ajuizada”.

Tal entendimento veio a ser reafirmado diversas vezes, como se nota do seguinte julgado: “PROCESSUAL CIVIL. SEPARAÇÃO. PROCESSO DE DIVÓRCIO. ENDEREÇO. CITA-ÇÃO. CORREIO. RECEBIMENTO PELO PORTEIRO. DIVÓRCIO DECRETADO. ABANDO-NO DE LAR. FORÇA DE REVELIA. SENTENÇA ESTRANGEIRA. JUSTIÇA ARGENTINA. PEDIDO DE HOMOLOGAÇÃO. ENDEREÇO INCERTO. CITAÇÃO POR EDITAL. AUSÊN-CIA DE CONTESTAÇÃO. CURADORA ESPECIAL. NOMEAÇÃO. ALEGAÇÃO DE VÍCIO NA CITAÇÃO. PRECEDENTES DO STJ. NECESSÁRIA A ENTREGA AO DESTINATÁRIO. VÍCIO INSANÁVEL. PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO. PEDIDO INDEFERIDO.

I. O entendimento do STJ é de que, para a validade da citação de pessoa física pelo correio, é necessária a entrega da correspondência registrada diretamente ao destinatário, não sendo pos-sível o seu recebimento pelo porteiro do prédio. II. Incerta, pois, a efetividade da citação da requerida na ação de divórcio, onde restou revel, é de se indeferir o pedido de homologação da sentença estrangeira” (STJ, Corte Especial, SEC nº 1102/AR, Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, j. em 12/4/2010, DJe de 12/5/2010).

A redação do CPC/2015 não contraria essa ideia básica de que a carta de citação deve ser entregue diretamente à pessoa do citando, mas estabele uma ressalva que pode fazer bastante diferença na prática, principalmente em cidades maiores. A ressalva diz respeito precisamente ao caso dos condomínios (de edifícios ou loteamentos), em que se permite que o porteiro receba a citação e assine o aviso de recebimento. Nesse ponto, como se vê, é oposta ao entendimento prevalente atualmente na jurisprudência. É natural que a prática acabe gerando alguma confusão, sobretudo no começo da aplicação do CPC/2015. Recomenda-se que as normas regulamentares dos condomínios sejam bastante minuciosas para não acarretar inconvenientes para os mora-dores, com possíveis repercussões para o próprio condomínio. Normalmente os condomínios edilícios têm um caderno de controle de correspondências registradas. A presença deste tipo de controle será ainda mais necessária. Ademais, seria oportuno estabelecer regra interna no sentido de que o morador, quando for se ausentar por alguns dias, deve comunicar formalmente à portaria tal fato. Isso viabilizará a utilização, pelo encarregado da portaria, da ressalva da parte final do § 4º: “poderá recusar o recebimento, se declarar, por escrito, sob as penas da lei, que o destinatário da correspondência está ausente”.

Art. 248

Page 35: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

426

Marcelo Pacheco Machado

Art. 249 - A citação será feita por meio de oficial de justiça nas hipóteses previstas neste Código ou em lei, ou quando frustrada a citação pelo correio.

AutorMarcelo Pacheco Machado

I. Citação por oficial de justiça e subsidiariedade

Ressalvadas as hipóteses de citação por meio eletrônico (art. 9º, Lei nº 11.419/2006), a regra geral do Código de Processo Civil é a citação por carta. Esta cuida do meio menos dispendioso de atender à necessidade de informar a respeito da existência do processo e constituir o réu sujeito da relação jurídica processual. Importante destacar que o Código de Processo Civil de 2015 ad-mite a citação postal em qualquer comarca ou subseção judiciária do país, dispensando a expedi-ção de carta precatória para essa finalidade (CPC/2015, art. 237, inciso III). A citação por oficial de justiça, por sua vez, somente ocorrerá (i) nas hipóteses em que a lei prevê expressamente este meio de citação (CPC/2015, arts. 247, incisos I, II, III e IV, e 249, primeira parte); (ii) não se tra-tando de hipótese legal, depois de tentada e frustrada a citação pelo correio (CPC/2015, art. 249, segunda parte); (iii) não se tratando de hipótese legal e não havendo prévia tentativa frustrada de citação pelo correio, o autor demonstre motivo relevante para efetuar, desde logo, a citação por oficial de justiça (CPC/2015, art. 247, inciso V). Para os casos específicos mencionados an-teriormente, a citação por oficial de justiça é o meio principal de citação. Para os demais, não albergados expressamente pela lei, a citação por oficial de justiça possui natureza subsidiária, exatamente nos termos da segunda parte do art. 249 do CPC/2015.

II. Hipóteses legais de citação por oficial de justiça

Nas citações por carta, a comunicação do réu é normalmente exercida por funcionário da empresa responsável pelas correspondências postais. O aviso de recebimento e, eventualmente, o informe relativo à impossibilidade de efetivação da citação é preenchido por este funcionário e o juiz, por sua vez, para determinar as consequências relevantes para o processo, deve levar em consideração estas informações prestadas. O Código de Processo Civil entende suficiente a segurança jurídica para este procedimento na maioria dos casos. No entanto, em hipóteses que julga mais sensíveis, a depender da natureza da parte envolvida ou do objeto do processo, há necessidade de uma maior garantia para a validade do ato processual, exigindo-se que a citação seja realizada obrigatoriamente por um servidor público (auxiliar do juiz), com fé pública, que é o oficial de justiça. As hipóteses estão listadas nos incisos I, II, III e IV do art. 247 do CPC/2015. A primeira leva em consideração o objeto do processo, exigindo a citação por oficial de justiça nas chamadas “ações de estado”, a qual deverá ser efetivada, necessariamente, na pessoa do réu (CPC/2015, art. 695, § 3º). A segunda leva em consideração a capacidade civil do réu, sendo re-lativa ou absolutamente incapaz (CC, arts. 3º e 4º), não será admitida a citação por carta, deven-do-se proceder imediatamente à citação por oficial de justiça (CPC/2015, art. 247, inciso II). A terceira também trata da pessoa, no entanto, relaciona-se mais diretamente com as prerrogativas da Fazenda Pública no Direito Processual Civil. Sendo o réu pessoa jurídica de direito público, a citação necessariamente deverá ocorrer por oficial de justiça (CPC/2015, art. 247, inciso III).

Page 36: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

427

Marcelo Pacheco Machado

A quarta cuida de limitação material à citação por carta, impossibilidade física de realização, e ressalta a subsidiariedade da citação por oficial de justiça. Esta deverá ocorrer imediatamente caso seja conhecimento do juízo inexistir serviço de entrega de correspondência no domicílio do réu (CPC/2015, art. 247, inciso IV).

III. Citação por oficial de justiça e tentativa frustrada de citação por carta

A norma prevista pela segunda parte do art. 249 ressalta a natureza subsidiária da citação por oficial de justiça. Fora das hipóteses dos incisos I a V do art. 247 do CPC/2015, a citação somente ocorrerá por oficial de justiça após a devida comprovação da tentativa frustrada da citação por carta. Por frustração, deve-se entender a impossibilidade de os correios localizarem endereço que se sabe ser do réu ou a inexistência de pessoa apta a receber a correspondência e assinar o aviso de recebimento.

Art. 250 - O mandado que o oficial de justiça tiver de cumprir conterá: I - os nomes do autor e do citando e seus respectivos domicílios ou residências; II - a finalidade da citação, com todas as especificações constantes da petição inicial, bem como a menção do prazo para contestar, sob pena de revelia, ou para embargar a execução;III - a aplicação de sanção para o caso de descumprimento da ordem, se houver;IV - se for o caso, a intimação do citando para comparecer, acompanhado de advogado ou de defensor público, à audiência de conciliação ou de mediação, com a menção do dia, da hora e do lugar do comparecimento;V - a cópia da petição inicial, do despacho ou da decisão que deferir tutela provisória; VI - a assinatura do escrivão ou do chefe de secretaria e a declaração de que o subscreve por ordem do juiz.

I. Formalismo e função da forma processual

O art. 250 do CPC/2015 estabelece os requisitos de modo para a expedição do mandado de citação, o qual deve ser elaborado pelo serventuário da Justiça, escrivão ou chefe de secretaria (CPC/2015, art. 152, inciso I). Cada requisito formal tem um objetivo específico, sendo a sua identificação fundamental para a compreensão da relevância das formas no processo e, especial-mente, para a aplicabilidade da norma da instrumentalidade das formas (CPC/2015, arts. 277, 282, § 1º, e 283, parágrafo único).

II. Nome, domicílio e residência

As informações relativas ao nome, domicílio e residência do citando são fundamentais para a viabilidade do ato citatório. Servem para sua identificação e para a localização do endereço onde pode ser encontrado, de modo que a citação possa ser ultimada. Isso, no entanto, não significa que a eventual falta de uma dessas informações deva acarretar necessariamente a invalidação do ato. A regra geral do Código é a da aplicabilidade da instrumentalidade das formas. Nesse

Art. 250

Page 37: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

428

Marcelo Pacheco Machado

sentido, podemos buscar a aplicação por analogia do art. 319, § 2º, do CPC/2015, que, tratando da ausência destes mesmos requisitos quando da petição inicial, determina haver presunção de atendimento do escopo do ato irregular, nas hipóteses de (i) citação bem-sucedida e (ii) compa-recimento do réu ao processo. Caso, mesmo faltante um dos requisitos citados, o ato possa ser realizado e a citação seja perfeitamente efetuada, não deverá ser declarada sua nulidade.

III. Função informativa, contraditório e exceção legal

A exigência do inciso II do art. 250 do CPC/2015, o qual determina a indicação no mandado de citação da “finalidade da citação, com todas as especificações constantes da petição inicial, bem como a menção do prazo para contestar, sob pena de revelia, ou para embargar a execução”, representa a necessidade de garantia do direito à informação, essencial ao posterior desenvolvi-mento do contraditório. Isto ocorre pois a reação no processo, e a capacidade de posteriormente influir no resultado do julgamento, apenas é viável a partir do prévio recebimento de informações a respeito do objeto da causa. Exceção feita ao processo de família, no qual o mandado de cita-ção não constará com estas informações, regra criada com o objetivo de aumentar as chances de acordo em eventual audiência de conciliação ou mediação (CPC/2015, art. 695, § 1º).

IV. Alerta e princípio da cooperação

A ninguém é dado alegar o desconhecimento da lei, de modo a escusar seu eventual descum-primento. Esta é a regra geral e o pressuposto de viabilidade do sistema jurídico, e está clara-mente inserida no art. 3º da Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-Lei nº 4.657/1942). Se o desconhecimento escusasse o infrator, a aplicabilidade das penas (sanções legais) seria pratica-mente inviabilizada no sistema jurídico. Seguindo esse raciocínio, poderíamos dizer que o prazo para contestar e as eventuais consequências da ausência de contestação estão todas previstas em lei (CPC/2015, arts. 335 e 344), de modo que seria absolutamente desnecessário alertar o réu a esse respeito. Afinal, este não poderia tentar infirmar as consequências da revelia alegando desconhecê-las. Tudo está expresso em lei federal. Ocorre que o Direito Processual é técnico, e ao contrário dos demais atos de comunicação do processo (e.g. intimações), a citação se dirige à parte, e não ao advogado, não lhe sendo razoável, à luz do que normalmente acontece, o conhe-cimento dos meandros do Direito Processual Civil. Por isso determina o inciso II do art. 250 que no mandado de citação deve constar “menção do prazo para contestar, sob pena de revelia, ou para embargar a execução”. O alerta tem, portanto, a finalidade de ampliar as possibilidades do contraditório efetivo, representando ato de comunicação do Estado-juiz para com as partes, de modo a prestar esclarecimentos e facilitar o exercício de seus direitos em juízo, exatamente se-guindo os ditames do princípio da cooperação, previsto expressamente pelo art. 6º do CPC/2015.

V. Aplicação de sanção

Fundamentando-se, também, no princípio da cooperação (CPC/2015, art. 6º), o Código de-termina sempre a necessidade de comunicação clara e inequívoca do juiz para com as partes, indicando com precisão como estas devem se comportar na relação jurídica processual (e.g. CPC/2015, art. 321, segunda parte). A mesma lógica deve ser seguida quando da determinação do juiz de sanção para o descumprimento de ordem judicial, nos termos do inciso III do art. 250 do CPC/2015. Tratamos aqui das hipóteses de determinações judiciais, das mais variadas, rela-tivamente às tutelas sumárias, nos termos dos arts. 297, 311, inciso III, 380, parágrafo único, 403, parágrafo único. A incerteza na cominação da sanção ou o erro no ato de comunicação deve cominar na sua invalidade, tendo em vista os deveres de cooperação assumidos pelo Estado-juiz na prática do ato.

Art. 250

Page 38: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

429

Marcelo Pacheco Machado

VI. Comparecimento à audiência

O CPC/2015 atribui nova função à citação, conferindo-lhe a finalidade de informar o réu a res-peito da prévia designação de audiência de conciliação ou de mediação, a qual deverá ser o seu primeiro ato de participação no processo, e no qual o comparecimento da parte ou de procurador com poderes específicos para transigir (CPC, art. 334, § 10) e de advogado ou defensor público é obrigatória (CPC/2015, art. 334, § 9º). Pela regra geral do procedimento comum, a audiência de conciliação ou de mediação apenas deixa de ocorrer nas hipóteses legais de afastamento ou na recusa de todas as partes (CPC/2015, art. § 4º, incisos I e II). Esta inovação procedimental signi-fica que a citação não mais deverá ocorrer, como regra, para determinar o prazo para responder à demanda (contestar, reconvir, etc.), mas para comparecimento à referida audiência. O prazo para contestar, nesse caso, terá seu termo inicial no dia seguinte à última audiência realizada (CPC, art. 335, inciso I).

VII. Cópia da inicial e da decisão

Assim como o mandado de citação deve conter a indicação da “finalidade da citação, com todas as especificações constantes da petição inicial” (CPC/2015, art. 250, inciso II), este deve conter cópia da petição inicial (CPC/2015, art. 250, inciso V), com o mesmo objetivo de faci-litar o exercício do contraditório. Exceção também aqui feita ao processo de família, no qual o mandado de citação não constará com cópia da inicial, regra criada com o objetivo de aumentar as chances de acordo em eventual audiência de conciliação ou mediação (CPC/2015, art. 695, § 1º). Outrossim, para viabilizar o cumprimento e a compreensão de eventuais decisões proferi-das no processo, o Código exige seja o réu citado mediante a contemporânea entrega de cópia de despachos ou decisões proferidas pelo juiz da causa (CPC/2015, art. 250, inciso V).

VIII. Assinatura do escrivão ou chefe de secretaria

A feitura do mandado de citação é ato que compete ao escrivão ou chefe de secretaria, e não ao juiz (CPC/2015, art.152, inciso I). Tal circunstância é esclarecida pelo Código ao determinar que este ato deve conter “a assinatura do escrivão ou do chefe de secretaria e a declaração de que o subscreve por ordem do juiz”.

Art. 251 - Incumbe ao oficial de justiça procurar o citando e, onde o encontrar, citá-lo: I - lendo-lhe o mandado e entregando-lhe a contrafé; II - portando por fé se recebeu ou recusou a contrafé; III - obtendo a nota de ciente ou certificando que o citando não a apôs no mandado.

I. Fé pública do oficial de justiça

O oficial de justiça é servidor público e auxiliar da Justiça (CPC/2015, art. 149), gozando de fé pública para a prática dos atos processuais. Desse modo, cabe-lhe realizar a diligência de entrega da contrafé do mandado ao citando (CPC/2015, art. 251, inciso I), para posteriormente declarar em certidão se o recebimento foi aceito ou não (CPC/2015, art. 251, inciso II). Cabe, também, ao oficial tomar a nota de ciente do citando no mandado. Na recusa ou na impossibilidade de o fazer, este ato pode ser substituído pela declaração do próprio oficial (CPC/2015, art. 251, inciso III).

Art. 251

Page 39: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

430

Marcelo Pacheco Machado

II. Certidão de cumprimento e presunção relativa de validade

O Código concede ao oficial de justiça a relevante função de prestar informações sobre a rea-lização, bem ou malsucedida, do ato de citação, o qual traz grandes repercussões para o processo, principalmente à luz da garantia do contraditório e da ampla defesa (CF, art. 5º, inciso LIV). Nes-se sentido, as declarações do oficial de justiça são presumidas verdadeiras, em função de sua fé pública. No entanto, referida presunção é relativa e admite prova em contrário. “[...] Conquanto goze a certidão do Oficial de Justiça de fé pública, a presunção de veracidade não é absoluta, de sorte que pode o Tribunal de Justiça, à luz de outros elementos fáticos concretos encontrados no processo, desconsiderar o resultado da diligência [...]”. (STJ, 4ª T., REsp nº 599.513/PR, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJe de 16/9/2010).

Art. 252 - Quando, por 2 (duas) vezes, o oficial de justiça houver procurado o citando em seu domicílio ou residência sem o encontrar, deverá, havendo suspeita de ocultação, intimar qualquer pessoa da família ou, em sua falta, qualquer vizinho de que, no dia útil imediato, voltará a fim de efetuar a citação, na hora que designar.Parágrafo único - Nos condomínios edilícios ou nos loteamentos com controle de acesso, será válida a intimação a que se refere o caput feita a funcionário da portaria responsável pelo recebimento de correspondência.

I. Citação por hora certa

A citação por hora certa tem como pressuposto as dificuldades materiais que podem ser ob-servadas pelo oficial de justiça, no cumprimento de sua diligência, podendo ocorrer tanto no processo de conhecimento como no processo de execução (CPC/2015, art. 830, § 1º). A avalia-ção dos requisitos para este procedimento é de competência do próprio oficial de justiça, não dependendo de pronunciamento judicial. Isso, no entanto, não elide o oficial de justiça motivar seu ato, estabelecendo na certidão de cumprimento do mandado as razões pelas quais entendeu admissível este meio de citação.

II. Requisitos

Os requisitos para a citação por hora certa são dois. Em primeiro lugar, o oficial de justiça deve tentar, ao menos duas vezes, localizar o citando no local de cumprimento da diligência. Importante ressaltar que o art. 227 do CPC/1973 exigia o comparecimento por três vezes para a validade da citação por hora certa. Em segundo lugar, na impossibilidade de localizar o citando, deve o oficial de justiça identificar indícios de que este estaria praticando atos com o objetivo de se evadir à citação. Apenas preenchidos estes dois requisitos, o oficial de justiça pode se valer da citação por hora certa. Adicionalmente, o CPC/1973 exigia, para a validade da citação, que o oficial de justiça retornasse no dia imediato. O CPC/2015, seguindo a lógica geral dos prazos processuais (CPC/2015, art. 212), exigiu o agendamento para o próximo dia útil.

III. Procedimento

Preenchidos os requisitos legais, a citação por hora certa se operacionaliza pela intimação, por parte do oficial de justiça, de membro da família ou de vizinho do citando, informando-lhes

Art. 252

Page 40: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

431

Marcelo Pacheco Machado

que, em determinada data e hora, retornará ao local para fazer a derradeira tentativa de citação. Retornando na referida data e hora e encontrando o citando, o ato será regularmente realizado. Na ausência do citando, todavia, tal fato será certificado nos autos e a citação produzirá seus efei-tos legais. Trata-se de hipótese de citação ficta pela qual, independentemente de o citando haver tomado conhecimento do ato, este será considerado citado para os fins processuais.

IV. Condomínios edilícios e loteamentos com controle de acesso

A razão de ser da prévia intimação de parentes ou vizinhos, como requisito da validade da citação por hora certa, reside na presunção hominis de que estes indivíduos mais proximamen-te ligados ao citando haverão de lhe transmitir o conhecimento – pelos meios disponíveis – do agendamento de data para a citação. Nessa linha, considerando que o funcionário de portaria em condomínio edilício ou mesmo loteamento se encontra em situação análoga, a jurisprudência sob a égide do CPC/1973 se estabeleceu no sentido de que “não invalida a citação com hora certa a só e só intimação realizada na pessoa do porteiro do edifício onde mora o citando.” (STJ, 4ª T., REsp. nº 647201/SP, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJ de 17/12/2004). O CPC/2015 manteve a integridade do sistema, determinando no parágrafo único do art. 252 que “Nos condomínios edi-lícios ou nos loteamentos com controle de acesso, será válida a intimação a que se refere o caput feita a funcionário da portaria responsável pelo recebimento de correspondência”.

Art. 253 - No dia e na hora designados, o oficial de justiça, independentemente de novo despacho, comparecerá ao domicílio ou à residência do citando a fim de realizar a diligência.§ 1º - Se o citando não estiver presente, o oficial de justiça procurará informar-se das razões da ausência, dando por feita a citação, ainda que o citando se tenha ocultado em outra comarca, seção ou subseção judiciárias.§ 2º - A citação com hora certa será efetivada mesmo que a pessoa da família ou o vizinho que houver sido intimado esteja ausente, ou se, embora presente, a pessoa da família ou o vizinho se recusar a receber o mandado.§ 3º - Da certidão da ocorrência, o oficial de justiça deixará contrafé com qualquer pessoa da família ou vizinho, conforme o caso, declarando-lhe o nome.§ 4º - O oficial de justiça fará constar do mandado a advertência de que será nomeado curador especial se houver revelia.

I. Comparecimento do oficial de justiça

Por se tratar de hipótese legal de citação ficta, na qual há a presunção legal de conhecimento por parte do citando, mas não há certeza quanto a esta circunstância, a lei processual se cerca de forma-lidades, com o objetivo de conceder o máximo de segurança jurídica ao ato. Em primeiro lugar, para que se efetive a citação por hora certa, o oficial de justiça deve efetivamente comparecer no local, na data e hora previamente designadas. Caso isto não ocorra, o procedimento deve ser repetido, com a intimação de vizinhos e familiares e a designação de nova data e hora, no dia útil subsequente.

Art. 253

Page 41: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

432

Marcelo Pacheco Machado

II. Investigação do oficial de justiça

Ainda com o objetivo de garantir segurança jurídica ao ato, na hipótese de não compareci-mento do citando no local e data da citação, o oficial de justiça, antes de dar por feita a citação, deve buscar informações adicionais quanto ao paradeiro do citando, de modo a confirmar suas suspeitas quanto à vontade de evadir à citação. Motivos que haveriam de justificar a anulação deste procedimento seriam, exemplificativamente, a descoberta de que o citando se encontra em viagem, mudou de endereço, não teve contato com familiares ou vizinhos desde o início das tentativas de citação.

III. Recebimento do mandado

Na ausência do citando, o mandado deve ser entregue ao vizinho, familiar, ao funcionário da portaria (CPC/2015, art. 252, parágrafo único). Determina o § 3º do art. 253 que “da certidão da ocorrência, o oficial de justiça deixará contrafé com qualquer pessoa da família ou vizinho, conforme o caso, declarando-lhe o nome”. A recusa destes em receber o mandado, no entanto, não impede a realização da citação, podendo o oficial de justiça certificar tal circunstância, nos termos do art. 251, inciso II, do CPC/2015.

IV. Revelia e curador especial

Tratando a citação por hora certa de hipótese legal de citação ficta, existe incerteza quanto à efetiva ciência do citando relativamente ao ato da citação. Por este motivo, a exemplo do que ocorre nas hipóteses de citação por edital (CPC/2015, art. 257, inciso IV), a lei tem a cautela de, na hipótese de ausência de resposta do réu no prazo legal (revelia), exigir do juiz a nomeação de curador especial, visando a assegurar o contraditório e a ampla defesa. Nesse sentido, determina o § 4º do art. 253 que “o oficial de justiça fará constar do mandado a advertência de que será nomeado curador especial se houver revelia”.

Art. 254 - Feita a citação com hora certa, o escrivão ou chefe de secretaria enviará ao réu, executado ou interessado, no prazo de 10 (dez) dias, contado da data da juntada do mandado aos autos, carta, telegrama ou correspondência eletrônica, dando-lhe de tudo ciência.

I. Última formalidade

Com o objetivo de aumentar a probabilidade de ciência efetiva do citando, a lei processual estabelece um último requisito para a validade da citação por hora certa. Após as devidas dili-gências do oficial de justiça, recebendo o mandado cumprido em cartório e juntando-o aos autos, deverá o escrivão ou chefe de secretaria se valer dos meios admissíveis para cientificar o citando da efetivação do ato. O prazo para fazê-lo é de 10 (dez) dias, a contar da juntada do mandado aos autos. Os meios para tanto não são taxativos, tendo a lei exemplificado a carta, telegrama ou correspondência eletrônica. O CPC/1973 não prescrevia prazo para esta última formalidade e ainda se referia aos meios tecnológicos disponíveis no período: “feita a citação com hora certa, o escrivão enviará ao réu carta, telegrama ou radiograma, dando-lhe de tudo ciência” (CPC/1973, art. 229). Não há dúvidas de que, neste dispositivo, há influência do princípio da cooperação, o qual exige que o Estado-juiz envide todos os esforços na busca, sempre que possível, do contra-ditório efetivo.

Art. 254

Page 42: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

433

Marcelo Pacheco Machado

Art. 255 - Nas comarcas contíguas de fácil comunicação e nas que se situem na mesma região metropolitana, o oficial de justiça poderá efetuar, em qualquer delas, citações, intimações, notificações, penhoras e quaisquer outros atos executivos.

I. Citação e economia processual

A economia processual é norma jurídica que impõe ao Estado-juiz a realização dos atos pro-cessuais com o menor consumo de recursos e de tempo, desde que efetivamente respeitadas as garantias constitucionais do processo. A norma do art. 255 do CPC/2015 segue precisamente esta linha de raciocínio, esclarecendo ser desnecessária a expedição de carta precatória, para cumpri-mento pelo oficial de justiça do juízo respectivo, nas hipóteses em que o local do cumprimento da diligência se localize, embora em comarca distinta, “na mesma região metropolitana” ou ain-da em comarca contígua “de fácil comunicação”. A inovação frente ao CPC/1973 reside no fato de que este limitava as hipóteses às intimações e citações, enquanto o CPC/2015 é expresso em declarar que “o oficial de justiça poderá efetuar, em qualquer delas, citações, intimações, notifi-cações, penhoras e quaisquer outros atos executivos” (CPC/2015, art. 255).

Art. 256 - A citação por edital será feita:I - quando desconhecido ou incerto o citando;II - quando ignorado, incerto ou inacessível o lugar em que se encontrar o citando;III - nos casos expressos em lei.§ 1º - Considera-se inacessível, para efeito de citação por edital, o país que recusar o cumprimento de carta rogatória.§ 2º - No caso de ser inacessível o lugar em que se encontrar o réu, a notícia de sua citação será divulgada também pelo rádio, se na comarca houver emissora de radiodifusão.§ 3º - O réu será considerado em local ignorado ou incerto se infrutíferas as tentativas de sua localização, inclusive mediante requisição pelo juízo de informações sobre seu endereço nos cadastros de órgãos públicos ou de concessionárias de serviços públicos.

I. Citação por edital

A citação é ato essencial para o desenvolvimento do processo. O contraditório exige citação, sendo este o ato que integra o réu como sujeito da relação jurídica processual, passando a incidir sobre ele os deveres, poderes, ônus e faculdades processuais. O princípio da economia processual determina que os meios de citação menos custosos devem ser utilizados para tal mister, razão pela qual a citação por meio eletrônico e a citação por carta passam a figurar em primeiro, bem como a citação por oficial de justiça, em segundo lugar. A citação por edital é o meio mais demorado e custoso, razão pela qual deverá ser utilizado apenas na inviabilidade da citação por carta ou por oficial de justiça. As hipóteses estão tratadas no art. 256 do CPC/2015, o qual determina: “A citação

Arts. 255 e 256

Page 43: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

434

Marcelo Pacheco Machado

por edital será feita: I - quando desconhecido ou incerto o citando; II - quando ignorado, incerto ou inacessível o lugar em que se encontrar o citando; III - nos casos expressos em lei”.

II. Desconhecido ou incerto o citandoResta muito claro que nas demandas em que o sujeito passivo da relação jurídica processual

é oculto, desconhecido do autor, tal como ocorreria nas ações possessórias (CPC/2015, art. 554, § 1º, segunda parte), a citação por carta ou mesmo por oficial de justiça restaria inviabilizada. Não haveria informações básicas, como o nome e o endereço, de modo a viabilizá-la. Por este motivo, a citação por edital é o meio adequado para garantir o contraditório nestas hipóteses. Ainda que a citação tenha de se valer de expressões genéricas, do tipo “indivíduos que no momento esbulham tal imóvel”, confere-se a partir do ato uma maior possibilidade de informação e reação por parte do sujeito, que, possivelmente, haverá de sofrer os efeitos de uma eventual decisão de mérito.

III. Local da citação: desconhecimento, incerteza e inacessibilidadeDiferentemente da hipótese do inciso I, a do inciso II do art. 256 do CPC/2015 não trata de

um réu desconhecido. O autor deve ter condições de identificá-lo pelo nome, deve saber quem de fato este é. No entanto, a dificuldade está em se saber ou se chegar ao local onde este pode ser encontrado, de modo a viabilizar a citação. Esta é, exatamente, a circunstância que inviabiliza a citação por carta ou por oficial, deixando clara a adequação da citação por edital.

IV. Réu em lugar ignorado ou incertoPara que a citação por edital seja autorizada em função de o réu se situar em lugar ignorado

ou incerto, não basta a declaração pelo autor desta circunstância. É preciso mais do que isso; o art. 256, § 3º, estabelece que “o réu será considerado em local ignorado ou incerto se infrutíferas as tentativas de sua localização, inclusive mediante requisição pelo juízo de informações sobre seu endereço nos cadastros de órgãos públicos ou de concessionárias de serviços públicos”. Isto significa que não apenas o autor tem o ônus de indicar endereços e comprovar efetivas tentativas infrutíferas de citação por carta e oficial de justiça, como também a colaboração do Estado-juiz, mediante a solicitação de informações a “órgãos públicos ou de concessionárias de serviços pú-blicos”, tem de se mostrar insuficiente para tal propósito.

V. Réu em lugar inacessívelA inacessibilidade é uma circunstância física, uma limitação imposta pela natureza aos seres

humanos e aos meios de transporte. Em país como o Brasil, que ainda ostenta áreas de natureza pre-servada, é razoável supor a existência de locais inacessíveis ao homem médio. A inacessibilidade, no entanto, pode ser temporânea ou permanente. Caso decorra de enchente ou desastre natural, de modo a tornar, por determinado período de tempo, inacessível o local da citação, não haverá justi-ficativa para citação por edital, mas para a suspensão do processo (CPC, art. 222, § 2º). Diferente-mente, caso a inacessibilidade seja permanente, como uma residência no topo de montanha, dentro de mata fechada, em ilha oceânica desabitada, a citação por edital será autorizada, tendo em vista a impossibilidade de utilização de qualquer outro meio mais econômico de cientificação do réu.

VI. Inacessibilidade fictaAlém das hipóteses que, efetivamente, configuram locais inacessíveis, a autorizar a citação

por edital, a lei escolheu dar tratamento jurídico idêntico a situação na qual, a rigor, não haverá inacessibilidade física: a citação de réu residente em país no qual a citação por carta rogatória não é admissível. Isto ocorre pois, nestas hipóteses, embora seja fisicamente possível se chegar ao réu, juridicamente a citação por carta ou por oficial de justiça não pode ser produzida, pela

Art. 256

Page 44: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

435

Marcelo Pacheco Machado

ausência de regramento do direito internacional. Desse modo, determina o § 1º do art. 256 do CPC/2015 que “considera-se inacessível, para efeito de citação por edital, o país que recusar o cumprimento de carta rogatória”.

VII. Demais hipóteses legais

Fora das hipóteses do art. 256, a lei autoriza expressamente a citação por edital “I - na ação de usucapião de imóvel; II - na ação de recuperação ou substituição de título ao portador; III - em qualquer ação em que seja necessária, por determinação legal, a provocação, para participação no processo, de interessados incertos ou desconhecidos” (CPC/2015, art. 259). Além disso, o Código remete as partes à citação por edital especialmente nos procedimentos especiais, com o objetivo de viabilizar a citação de réus incertos ou desconhecidos, ou mesmo para viabilizar o ingresso de terceiros com interesse jurídico no feito. O primeiro exemplo se encontra nas ações possessórias, determinando o § 1º do art. 554 que “no caso de ação possessória em que figure no polo passivo grande número de pessoas, serão feitas a citação pessoal dos ocupantes que forem encontrados no local e a citação por edital dos demais, determinando-se, ainda, a intimação do Ministério Público e, se envolver pessoas em situação de hipossuficiência econômica, da De-fensoria Pública”. O segundo exemplo está na ação de demarcação, a qual exige a citação por edital dos “interessados incertos ou desconhecidos” (CPC, art. 576, parágrafo único). O terceiro exemplo, por sua vez, encontra-se na ação de inventário e partilha, na qual o § 1º do art. 626 determina: “o cônjuge ou o companheiro, os herdeiros e os legatários serão citados pelo correio, observado o disposto no art. 247, sendo, ainda, publicado edital, nos termos do inciso III do art. 259”. É preciso considerar ainda que o Código menciona a intimação (e não a citação) por edital relativamente ao cumprimento de sentença (CPC/2015, art. 513, § 2º), à notificação e à interpe-lação (CPC, art. 726, § 1º) e na arrecadação dos bens dos ausentes (CPC/2015, art. 745, § 1º).

Art. 257 - São requisitos da citação por edital:I - a afirmação do autor ou a certidão do oficial informando a presença das circunstâncias autorizadoras;II - a publicação do edital na rede mundial de computadores, no sítio do respectivo tribunal e na plataforma de editais do Conselho Nacional de Justiça, que deve ser certificada nos autos;III - a determinação, pelo juiz, do prazo, que variará entre 20 (vinte) e 60 (sessenta) dias, fluindo da data da publicação única ou, havendo mais de uma, da primeira;IV - a advertência de que será nomeado curador especial em caso de revelia.Parágrafo único - O juiz poderá determinar que a publicação do edital seja feita também em jornal local de ampla circulação ou por outros meios, considerando as peculiaridades da comarca, da seção ou da subseção judiciárias.

I. Requisitos para a citação por edital

A citação por edital, por tratar de meio mais custoso e demorado e, ainda, por se pautar na

Art. 257

Page 45: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

436

Marcelo Pacheco Machado

presunção de ciência do citando (citação ficta), não pode figurar como regra geral no sistema. É necessário que a parte interessada comprove a presença dos requisitos legais para o seu deferi-mento, o qual deverá ocorrer mediante decisão fundamentada do juiz (CPC/2015, art. 489, § 1º). Nesse sentido, naquelas hipóteses em que a citação por edital é admissível sem que, antes, seja tentada a citação por outros meios, bastará o requerimento fundamentado de citação por edital, a ser formulado pela parte interessada, à qual competirá a prova do preenchimento dos requisitos legais (CPC, arts. 256, incisos I, II e III, e 259). Diferentemente, nas hipóteses em que a citação por edital se fundamenta no fracasso dos outros meios prévios (CPC, art. 256, § 3º), a certidão do oficial de justiça, atestando tal fato, passa a ser requisito para o deferimento da citação por edital (CPC, art. 257, inciso I).

II. Requisitos gerais da citaçãoUma vez deferida a citação por edital, este ato processual, para ser considerado válido e

produzir os efeitos legais da citação ficta, dependerá do preenchimento de diferentes requisitos formais. Todos, de certo modo, ligados à necessidade de se garantir o máximo de publicidade ao ato processual, de modo a majorar as probabilidades de o citando, efetivamente, vir a tomar conhecimento do ajuizamento de demanda em seu desfavor. A lei não especifica, mas a necessi-dade de publicidade do ato exige que este, antes de cumprir os requisitos específicos do art. 257, atenda também aos requisitos formais do mandado de citação, indicando o número do processo, o nome completo das partes, o prazo para contestar e contendo alerta sobre a revelia (CPC/2015, art. 250).

III. A publicação do editalA fim de garantir a publicidade do ato de citação, o inciso II do art. 257 exige sua divulgação

simultânea em diferentes meios, sendo estes predominantemente eletrônicos, quais sejam “a pu-blicação do edital na rede mundial de computadores, no sítio do respectivo tribunal e na platafor-ma de editais do Conselho Nacional de Justiça, que deve ser certificada nos autos”. Desse modo, o CPC/2015 passa a encampar novos meios de publicidade, diferentes dos jornais impressos, e com aptidão de alcançar o maior número de pessoas possível.

IV. Meios tecnológicos e exceção A despeito de privilegiar os meios eletrônicos de realização do edital, o Código reconhece que

as especificidades econômicas, geográficas e estruturais de diferentes comarcas, das seções ou das subseções judiciárias podem se mostrar como empecilho à utilização destes mecanismos. Em tais situações, o juiz poderá (i) que o ato seja feito por meio eletrônico e por meio físico simul-taneamente (jornal de grande circulação); ou mesmo (ii) que o ato seja exclusivamente realizado por meio físico (jornal de grande circulação), conforme o parágrafo único do art. 257.

V. Prazo de espera e prazo do ato processualFinalmente, também como requisito da validade, o juiz deve determinar prazo de espera do

ato processual, o qual deverá constar necessariamente do próprio edital, sob pena de nulidade. Este prazo não se confunde com o prazo de resposta do citando e representa período temporal no qual o processo simplesmente aguarda, de modo que apenas posteriormente se terá o termo inicial do prazo designado para a resposta do réu ou para a apresentação de embargos à execução. Trata-se de prazo “que variará entre 20 (vinte) e 60 (sessenta) dias, fluindo da data da publicação única ou, havendo mais de uma, da primeira”. Somente após transcorrido esse período terá início o prazo processual para a prática do ato de competência do citando, e.g. contestação, reconven-ção, embargos, agravo, ou outro (CPC, art. 231, inciso IV).

Art. 257

Page 46: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

437

Marcelo Pacheco Machado

Art. 258 - A parte que requerer a citação por edital, alegando dolosamente a ocorrência das circunstâncias autorizadoras para sua realização, incorrerá em multa de 5 (cinco) vezes o salário mínimo.Parágrafo único - A multa reverterá em benefício do citando.

I. Litigância de má-fé e cominação de multa

O art. 258 do CPC/2015 concretiza a exigência de probidade e boa-fé na prática dos atos pro-cessuais (CPC/2015, art. 5º) e tipifica caso perfeitamente classificável como litigância de má-fé (CPC/2015, art. 80, incisos V e VI), qual seja o requerimento doloso e indevido de citação por edital. Faz-se mister nesta hipótese a comprovação de que o requerente agiu dolosamente ao re-querer o meio de citação, que sabia ser indevido. Para a incidência da multa, não é necessário que a citação tenha sido deferida ou mesmo realizada, bastando o requerimento indevido e doloso pelo interessado. A norma afasta a incidência das penalidades previstas pelo art. 81 do CPC/2015 para prever sanção mais específica, no valor de 5 (cinco) vezes o salário mínimo, a qual se rever-terá em favor do citando.

Art. 259 - Serão publicados editais: I - na ação de usucapião de imóvel;II - na ação de recuperação ou substituição de título ao portador;III - em qualquer ação em que seja necessária, por determinação legal, a provocação, para participação no processo, de interessados incertos ou desconhecidos.

I. Edital na usucapião de imóvel

A demanda que visa à usucapião de bem imóvel, por decorrência das circunstâncias da relação de direito material, exige atribuição de maior grau de publicidade ao processo. Não apenas é ne-cessária a citação do réu proprietário, devidamente identificado pelo título aquisitivo de proprie-dade registrado perante o Registro Geral de Imóveis e dos confinantes, como também de even-tuais terceiros com direitos de posse ou propriedade sobre o imóvel usucapiendo. Nesse sentido, a realização de edital mostra-se adequada para a sistemática desta demanda, contendo previsão expressa do inciso I do art. 259 do CPC/2015. A previsão é ainda mais relevante, na medida em que a usucapião, no regime do novo Código, deixa de ser um procedimento especial (CPC/1973, art. 941 e seguintes) e passa a ser tutelável por meio do procedimento comum (CPC/2015, arts. 246, § 3º, 259, inciso I, e 318).

II. Edital na ação de recuperação ou substituição de título ao portador

Sistemática similar à da usucapião é estabelecida nas demandas que visam a “recuperação ou substituição de título ao portador”. Também pelas circunstâncias da relação de direito material, especificamente pela possibilidade de circulação do título de crédito que se pretende recuperar ou substituir (CC/2002, arts. 904 e 905), a demanda necessita de maior grau de publicidade para garantir o contraditório efetivo, permitindo o ingresso de terceiros juridicamente interessados para participação no debate processual (CPC/2015, art. 259, inciso II).

Arts. 258 e 259

Page 47: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

438

Marcelo Pacheco Machado

III. Edital para citação ou intimação de interessados incertos ou desconhecidos

Além dos casos mencionados no art. 256 e nas hipóteses dos incisos I e II do art. 259, o CPC/2015 traz verdadeira cláusula geral para viabilizar a publicação de editais, especialmente com a finalidade de permitir o ingresso no processo de terceiros incertos e desconhecidos que, eventualmente, possam apresentar interesse jurídico para se tornarem efetivos sujeitos da relação jurídica processual. A norma exige, para tanto, que essa publicação seja exigência decorrente da lei, tal como ocorre nas hipóteses dos arts. 576, parágrafo único, 626, § 1º, 734, § 1º, 741 e 746 do CPC/2015 e do art. 216-A, § 4º, da Lei de Registros Públicos.

Art. 259

Page 48: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

439

Helena Coelho Gonçalves

Art. 260 - São requisitos das cartas de ordem, precatória e rogatória:I - a indicação dos juízes de origem e de cumprimento do ato;II - o inteiro teor da petição, do despacho judicial e do instrumento do mandato conferido ao advogado;III - a menção do ato processual que lhe constitui o objeto;IV - o encerramento com a assinatura do juiz.§ 1º - O juiz mandará trasladar para a carta quaisquer outras peças, bem como instruí-la com mapa, desenho ou gráfico, sempre que esses documentos devam ser examinados, na diligência, pelas partes, pelos peritos ou pelas testemunhas.§ 2º - Quando o objeto da carta for exame pericial sobre documento, este será remetido em original, ficando nos autos reprodução fotográfica.§ 3º - A carta arbitral atenderá, no que couber, aos requisitos a que se refere o caput e será instruída com a convenção de arbitragem e com as provas da nomeação do árbitro e de sua aceitação da função.

AutoraHelena Coelho Gonçalves

I. Cartas. Linhas gerais

As cartas têm por finalidade a prática de atos fora dos limites territoriais da comarca, da seção ou subseção judiciárias, conforme alude o CPC/2015, art. 236, § 1º. Podem ter por objetivo a comunicação de atos processuais, a instrução do processo ou mesmo atos de natureza constritiva. A carta de ordem é aquela expedida pelo Tribunal a Juízo que lhe seja vinculado, se o ato houver de se praticar fora dos limites territoriais de sua sede; a carta precatória, expedida entre Juízos de mesma hierarquia funcional e de diferentes competências territoriais; e a carta rogatória, aquela emitida com base na cooperação jurisdicional internacional. Pode ser tanto requerida por Juízo brasileiro para cumprimento no exterior quanto ser recebida para cumprimento no Brasil. Nesta hipótese, de carta rogatória passiva, o dispositivo deve ser lido à luz do CPC/2015, art. 36.

II. Carta arbitral

A carta arbitral, prevista no CPC/2015, art. 237, inciso IV, tem por objetivo aperfeiçoar, na prática processual, o princípio de cooperação entre o Juízo Arbitral e o Juízo Estatal. Serve para que o órgão do Poder Judiciário pratique ou determine o cumprimento, na área de sua compe-tência territorial, de ato objeto de pedido de cooperação judiciária formulado por juízo arbitral, inclusive os que importem efetivação de tutela provisória. Especialmente, visa à prática de atos coercitivos, uma vez não deter, o Juízo Arbitral, poder de coerção e execução.

Vale ressaltar que os demais atos de comunicação das partes, realizados pelo Juízo Arbitral, não necessitam da cooperação do Juízo Estatal, devendo ser feitos diretamente pelo órgão privado.

Page 49: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

440

Helena Coelho Gonçalves Art. 260

III. Citação em procedimento arbitral “DIREITO INTERNACIONAL. PROCESSUAL CIVIL. SENTENÇA ARBITRAL. CON-

TRATO DE COMPRA E VENDA INTERNACIONAL. INADIMPLEMENTO. ALEGADO PREJUÍZO À DEFESA NA CITAÇÃO POR CARTA DE ORDEM. SANADO. OBJEÇÃO POR IRREGULARIDADE NA CITAÇÃO NO PROCEDIMENTO ARBITRAL. INEXISTENTE. APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO DECISUM HOMOLOGANDO. INCABÍVEL. PRECEDEN-TES. REQUISITOS PARA HOMOLOGAÇÃO PRESENTES. [...] 4. ‘A citação, no procedimen-to arbitral, não ocorre por carta rogatória, pois as cortes arbitrais são órgãos eminentemente pri-vados. Exige-se, para a validade do ato realizado via postal, apenas que haja prova inequívoca de recebimento da correspondência’ (SEC 8.847/EX, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Corte Especial, DJe 28.11.2013). No caso, foi comprovado o recebimento da via postal, atendido, por-tanto, o ditame do parágrafo único do art. 39 da Lei n. 9.037/96. Precedente: SEC 10.658/EX, Rel. Ministro Humberto Martins, Corte Especial, DJe 16.10.2014. [...]” (Corte Especial, SEC nº 3.892/EX, Rel. Min. Humberto Martins, j. em 19/11/2014, DJe de 11/12/2014).

IV. Requisitos das cartas e nulidade Os requisitos das cartas de ordem, precatória, rogatória e arbitral devem ser integralmente

observados sob pena de nulidade absoluta do ato. Trata-se de matéria de ordem pública, a qual poderá ser arguida a qualquer tempo de grau de jurisdição. Não obstante, sempre será necessário verificar se resultou prejuízo, uma vez tratar-se de requisito para declaração da nulidade (pas de nulitè sans grief).

V. Carta precatória itinerante. Nulidade. TJSP “ARRENDAMENTO MERCANTIL - REINTEGRAÇÃO DE POSSE - CARTA PRECATÓ-

RIA ITINERANTE - AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DO JUÍZO DEPRECADO - PREJUÍZO ÀS PARTES NÃO VERIFICADO - NULIDADE - INOCORRÊNCIA. A nulidade processual e a repetição do ato por ela atingido somente são declaráveis se houver demonstração de efeti-vo prejuízo às partes RECURSO IMPROVIDO” (TJSP, 34ª Câmara de Direito Privado, AG nº 992090757288/SP, Rel. Antonio Nascimento, j. em 5/4/2010, data de publicação: 19/4/2010).

VI. Carta rogatória passiva“CARTA ROGATÓRIA. AGRAVO REGIMENTAL. ALEGADA AUSÊNCIA DE AUTEN-

TICIDADE DOS DOCUMENTOS. COMISSÃO QUE TRAMITOU PELA AUTORIDADE CENTRAL. QUESTÕES REFERENTES À MATÉRIA DE DEFESA NA AÇÃO AJUIZADA NO EXTERIOR. REMESSA À ANÁLISE DA JUSTIÇA ROGANTE. A comissão tramitou pela autoridade central brasileira, o que confere aos documentos a necessária autenticidade. Questões referentes à matéria de defesa na ação ajuizada no exterior devem ser remetidas à análise da Justiça rogante, tendo em vista o juízo meramente delibatório exercido por este Tribunal no cum-primento das rogatórias. Agravo regimental improvido” (Corte Especial, AgRg na CR nº 5.881/EX, Rel. Min. Ari Pargendler, Rel. p/ Acórdão Min. Presidente do STJ, j. em 2/5/2012, DJe de 6/6/2012).

“AGRAVO REGIMENTAL NA CARTA ROGATÓRIA. EXEQUATUR. HIPÓTESES DE CONCESSÃO. AUSÊNCIA DE OFENSA À SOBERANIA NACIONAL OU À ORDEM PÚ-BLICA. OBSERVÂNCIA DOS REQUISITOS DA RESOLUÇÃO N. 9/2005/STJ. DOCUMEN-TAÇÃO SUFICIENTE À COMPREENSÃO DA CONTROVÉRSIA. I - Não sendo hipótese de ofensa à soberania nacional, à ordem pública ou de inobservância dos requisitos da Resolução n. 9/2005, cabe apenas a este e. Superior Tribunal de Justiça emitir juízo meramente delibatório acerca da concessão do exequatur nas cartas rogatórias, sendo competência da Justiça rogante a

Page 50: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

441

Helena Coelho Gonçalves Art. 261

análise de eventuais alegações relacionadas ao mérito da causa. II - Não são aplicáveis às cartas rogatórias passivas os requisitos do art. 202 do CPC. (Precedentes) III - In casu, a rogatória está acompanhada de documentação suficiente à compreensão da controvérsia. Não se vislumbra, portanto, violação à ordem pública ou à soberania nacional. (Precedentes) Agravo regimental desprovido” (Corte Especial, AgRg na CR nº 8.368/EX, Rel. Min. Felix Fischer, j. em 21/5/2014, DJe de 29/5/2014).

“AGRAVO REGIMENTAL NA CARTA ROGATÓRIA. EXEQUATUR. HIPÓTESES DE CONCESSÃO. AUSÊNCIA DE OFENSA À SOBERANIA NACIONAL OU À ORDEM PÚBLI-CA. OBSERVÂNCIA DOS REQUISITOS DA RESOLUÇÃO N. 9/2005/STJ. NOTIFICAÇÃO. DOCUMENTAÇÃO SUFICIENTE PARA COMPREENSÃO DA CONTROVÉRSIA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

I - Não sendo hipótese de ofensa à soberania nacional, à ordem pública ou de inobservância dos requisitos da Resolução n. 9/2005, cabe apenas a este e. Superior Tribunal de Justiça emitir juízo meramente delibatório acerca da concessão do exequatur nas cartas rogatórias, sendo com-petência da Justiça rogante a análise de eventuais alegações relacionadas ao mérito da causa. II - Não são aplicáveis às Cartas Rogatórias passivas os requisitos do art. 202 do CPC. (Precedentes) III - In casu, a comissão objetiva a notificação do interessado e está acompanhada de documen-tação suficiente para compreensão da controvérsia. Não se vislumbra, portanto, violação à ordem pública ou à soberania nacional. (Precedentes) Agravo regimental desprovido” (Corte Especial, AgRg nos EDcl na CR nº 6.986/EX, Rel. Min. Felix Fischer, j. em 18/12/2013, DJe de 3/2/2014).

Art. 261 - Em todas as cartas o juiz fixará o prazo para cumprimento, atendendo à facilidade das comunicações e à natureza da diligência.§ 1º - As partes deverão ser intimadas pelo juiz do ato de expedição da carta.§ 2º - Expedida a carta, as partes acompanharão o cumprimento da diligência perante o juízo destinatário, ao qual compete a prática dos atos de comunicação.§ 3º - A parte a quem interessar o cumprimento da diligência cooperará para que o prazo a que se refere o caput seja cumprido.

I. Prazo para cumprimento das cartas

O Juízo Deprecante deverá fixar prazo para o cumprimento das cartas, observando a razoa-bilidade do tempo em função do ato a ser praticado. O presente dispositivo deve ser lido es-pecialmente à luz do princípio da cooperação. As cartas devem ser cumpridas dentro do prazo estipulado, com a cooperação da parte a quem interessa o cumprimento da diligência. O prazo é fixado para a parte e não para o Juízo.

II. Necessidade de fixação do prazo

“AGRAVO DE INSTRUMENTO - PROCESSUAL CIVIL - CARTA PRECATÓRIA - PRAZO PARA CUMPRIMENTO. DEFERIDA A EXPEDIÇÃO DE CARTA PRECATÓRIA PARA OITIVA DE TESTEMUNHAS, IMPÕE-SE A FIXAÇÃO DE PRAZO PARA O SEU CUMPRIMENTO,

Page 51: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

442

Helena Coelho Gonçalves Art. 262

NOS TERMOS DO ARTIGO 203, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. CASO ASSIM NÃO SE PROCEDA, PODERÁ IMPEDIR INDEFINIDAMENTE O JULGAMENTO DO FEITO, DESDE QUE CONDICIONADO À DEVOLUÇÃO DA CARTA PRECATÓRIA DEVIDAMEN-TE CUMPRIDA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. UNÂNIME” (TJDF, 5ª T. Cível, AI nº 20000020031464/DF, Rel. Haydevalda Sampaio, j. em 14/9/2000, DJU de 25/10/2000, p. 38).

III. Inobservância do prazo pela parte

Não há penalidade prevista em lei para o descumprimento do prazo da carta precatória fixado pelo Juízo Deprecado. Não obstante, é possível que, extrapolado o prazo por desídia da parte, após a diligência necessária acerca do efetivo cumprimento da deprecata junto ao juízo depreca-do, sejam praticados os atos processuais subsequentes. Esse entendimento está de acordo com a previsão contida no CPC/2015, art. 313, §§ 4º e 5º, o qual limita em 1 (um) ano o prazo de sus-pensão do processo quando a sentença de mérito tiver de ser proferida somente após a verificação de determinado fato ou a produção de certa prova, requerida a outro juízo.

“TRT 1ª REGIÃO. TENDO EM VISTA O PRAZO DE DEVOLUÇÃO DA CARTA PRE-CATÓRIA A QUE ALUDE O ARTIGO 212 DO CPC, COMPETE À VARA DEPRECANTE DILIGENCIAR ACERCA DO EFETIVO CUMPRIMENTO DA DEPRECATA, ANTES DE PASSAR AO JULGAMENTO DOS EMBARGOS À EXECUÇÃO OPOSTOS NO JUÍZO DE ORIGEM. PRELIMINAR DE NULIDADE DE DECISÃO ACOLHIDA” (TRT-1, 2ª T., AP nº 00441008820055010203/RJ, Rel. Maria Aparecida Coutinho Magalhães, j. em 26/3/2007, data de publicação: 20/4/2007).

“TJMG. TESTEMUNHA - OITIVA VIA CARTA PRECATÓRIA - PRAZO PARA CUMPRI-MENTO - FIXAÇÃO SOB PENA DE DECADÊNCIA - PENALIDADE NÃO PREVISTA EM LEI. - O artigo 203 do CPC autoriza a fixação de prazo para cumprimento da carta precatória; todavia, não é lícito ao magistrado impor pena de decadência para o caso de inobservância do in-terregno temporal fixado, visto tratar-se de sanção não prevista em lei” (TJMG, nº 3251223/MG, 2.0000.00.325122-3/000(1), Rel. Silas Vieira, j. em 12/12/2000, data de publicação: 10/2/2001).

“STJ. PROCESSUAL CIVIL. MINISTÉRIO PÚBLICO. INTERVENÇÃO. IRREGULARI-DADE. SUPRIMENTO. PARECER. SEGUNDO GRAU DE JURISDIÇÃO. NULIDADE. INE-XISTÊNCIA. CARTA PRECATÓRIA. DESPESAS. ABERTURA DE PRAZO. TRANSCURSO IN ALBIS. PRECLUSÃO. OCORRÊNCIA. CIVIL. DANOS MATERIAIS. MORTE. MENOR IMPÚBERE. FAMÍLIA DE BAIXA RENDA. PENSÃO MENSAL. PAGAMENTO. POSSIBILI-DADE. 1 – [...]. 2 – Intimado o réu para depositar as despesas de expedição de carta precatória para oitiva de suas testemunhas e transcorrido in albis o prazo, a incidência da preclusão tem-poral é de rigor, apta a fulminar o direito de praticar o ato processual se, como na espécie, não denotado nenhum fato real a justificar a omissão. 3 – [...]” (4ª T., REsp nº 308.662/SC, Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. em 18/11/2003, DJ de 1º/12/2003, p. 358).

Art. 262 - A carta tem caráter itinerante, podendo, antes ou depois de lhe ser ordenado o cumprimento, ser encaminhada a juízo diverso do que dela consta, a fim de se praticar o ato.Parágrafo único - O encaminhamento da carta a outro juízo será imediatamente comunicado ao órgão expedidor, que intimará as partes.

Page 52: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

443

Helena Coelho Gonçalves Arts. 263 e 264

I. Carta precatória itinerante

O caráter itinerante das cartas tem por objetivo a realização dos princípios da celeridade e eco-nomia processual, atribuindo efetividade ao ato judicial. Somente após o integral cumprimento da diligência requisitada é que deverá ocorrer a devolução da carta ao Juízo de origem, sendo imperiosa a cooperação entre os diversos órgãos jurisdicionais para a integral prática do ato no local onde deva ser praticado, independentemente da primeira indicação realizada pelo Juízo deprecante.

“AGRAVO INTERNO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO. JUÍZO DE RETRATAÇÃO. PEDIDO DE EXPEDI-ÇÃO DE CARTA PRECATÓRIA ITINERANTE. Consideradas as particularidades do caso con-creto, cabível a expedição da carta precatória, com o efeito itinerante pretendido que lhe é pe-culiar, por força do texto do art. 204 do CPC. AGRAVO INTERNO PREJUDICADO. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO, EM DECISÃO MONOCRÁTICA DO RELATOR” (Tribunal 14ª Câmara Cível, Agravo nº 70047197496).

Art. 263 - As cartas deverão, preferencialmente, ser expedidas por meio eletrônico, caso em que a assinatura do juiz deverá ser eletrônica, na forma da lei.

I. Carta precatória por meio eletrônico

A expedição de cartas por meio eletrônico atende ao princípio da celeridade processual, na medida em que sua expedição deva ser imediata. Desta forma, colabora para a economia proces-sual de tempo, de insumos resultantes das fotocópias de autos e do tempo utilizado pelo serven-tuário para tal mister, e de dinheiro, reduzindo o gasto com despesas postais para envio ao Juízo deprecante. Será possível somente se o processo eletrônico estiver implementado tanto no Juízo deprecante quanto no Juízo deprecado. De acordo com a Lei nº 11.419/2006, art. 1º, § 2º, inciso II, transmissão eletrônica é toda forma de comunicação a distância com a utilização de redes de comunicação, preferencialmente a rede mundial de computadores.

Art. 264 - A carta de ordem e a carta precatória por meio eletrônico, por telefone ou por telegrama conterão, em resumo substancial, os requisitos mencionados no art. 250, especialmente no que se refere à aferição da autenticidade.

I. Aferição de autenticidade das cartas

A aferição de autenticidade da carta de ordem e precatória é medida de extrema importância, devendo ser verificada a assinatura eletrônica, com identificação inequívoca do signatário, por meio de assinatura digital baseada em certificado digital emitido por Autoridade Certificadora credenciada ou mediante cadastro de usuário no Poder Judiciário. Havendo dúvida quanto à au-

Page 53: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

444

Helena Coelho Gonçalves

tenticidade da carta, será legítima a recusa pelo Juízo deprecado, conforme CPC/2015, art. 267, inciso III. Não obstante, antes de recusar o cumprimento, incumbe ao Juízo deprecado as dili-gências que estiverem ao seu alcance para aferição da autenticidade do ato, como, por exemplo, adotar o procedimento previsto no CPC/2015, art. 265. O dispositivo deve ser interpretado à luz das normas fundamentais de processo civil, em especial o previsto no CPC/2015, arts. 6º e 8º, princípios da cooperação dos sujeitos processuais e da efetividade do processo.

Art. 265 - O secretário do tribunal, o escrivão ou o chefe de secretaria do juízo deprecante transmitirá, por telefone, a carta de ordem ou a carta precatória ao juízo em que houver de se cumprir o ato, por intermédio do escrivão do primeiro ofício da primeira vara, se houver na comarca mais de um ofício ou de uma vara, observando-se, quanto aos requisitos, o disposto no art. 264.§ 1º - O escrivão ou o chefe de secretaria, no mesmo dia ou no dia útil imediato, telefonará ou enviará mensagem eletrônica ao secretário do tribunal, ao escrivão ou ao chefe de secretaria do juízo deprecante, lendo-lhe os termos da carta e solicitando-lhe que os confirme.§ 2º - Sendo confirmada, o escrivão ou o chefe de secretaria submeterá a carta a despacho.

I. Transmissão e confirmação do envio da carta

O procedimento do CPC/2015, art. 265, § 1º, deve ser observado como oportunidade de con-firmação dos requisitos legais da carta, em especial de sua autenticidade.

Art. 266 - Serão praticados de ofício os atos requisitados por meio eletrônico e de telegrama, devendo a parte depositar, contudo, na secretaria do tribunal ou no cartório do juízo deprecante, a importância correspondente às despesas que serão feitas no juízo em que houver de praticar-se o ato.

I. Competência do Juízo Deprecado

Qualquer assunto referente ao cumprimento das cartas perante o Juízo deprecado deverá ser nele dirimido. Inclusive questões referentes ao pagamento de custas e diligências eventualmente exigidas pelo Juízo Deprecado, que seguem normas de custas regionais, afetas à sua competência.

“RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO POR CARTA. EMBARGOS À EXECUÇÃO. IMPE-NHORABILIDADE DO IMÓVEL RESIDENCIAL DA FAMÍLIA. VÍCIO OU DEFEITO DO ATO CONSTRITIVO. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DEPRECADO. ART. 747 DO CPC. SÚMU-LA N. 46-STJ. PRAZO. AUSÊNCIA INTIMAÇÃO DA MULHER. PENHORA SOBRE BEM IMÓVEL DO CASAL. NECESSIDADE. PRECEDENTES. I – ‘Compete ao Juízo deprecado

Arts. 265 e 266

Page 54: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

445

Helena Coelho Gonçalves Art. 267

analisar as questões relativas à impenhorabilidade do bem de família e à redução da penhora, arguidas pelo devedor sem qualquer irresignação contra a dívida’ (CC n.35.346-SP). [...] Re-curso especial parcialmente provido” (3ª T., REsp nº 753.453/RJ, Rel. Min. Castro Filho, j. em 24/4/2007, DJ de 14/5/2007, p. 284).

II. Despesas da carta. TJSP “Agravo de instrumento. Ação busca e apreensão. Massa Falida interessada. Diferimento de

custas. Carta precatória itinerante para cumprimento no Estado do Pará. Exigência de recolhi-mento de taxa judiciária pelo juízo deprecado. Competência legislativa estadual sobre matéria de custas forenses, com efeitos próprios em cada unidade da federação. Embargos. Omissão, obscu-ridade e contradição. Propósito de efeito modificativo. Embargos de declaração rejeitados” (TJSP, 34ª Câmara de Direito Privado, ED nº 2097878920118260000/SP 0209787-89.2011.8.26.0000, Rel. Hélio Nogueira, j. em 18/6/2012, data de publicação: 19/6/2012).

“Agravo de instrumento. Ação busca e apreensão. Massa Falida interessada. Diferimento de custas. Carta precatória itinerante para cumprimento no Estado do Pará. Exigência de recolhi-mento de taxa judiciária pelo juízo deprecado. Competência legislativa estadual sobre matéria de custas forenses, com efeitos próprios em cada unidade da federação. Embargos. Omissão, obscuridade e contradição. Propósito de efeito modificativo. Embargos de declaração rejeitados” (TJSP, 34ª Câmara de Direito Privado, Rel. Hélio Nogueira, j. em 18/6/2012).

Art. 267 - O juiz recusará cumprimento a carta precatória ou arbitral, devolvendo-a com decisão motivada quando:I - a carta não estiver revestida dos requisitos legais;II - faltar ao juiz competência em razão da matéria ou da hierarquia;III - o juiz tiver dúvida acerca de sua autenticidade.Parágrafo único - No caso de incompetência em razão da matéria ou da hierarquia, o juiz deprecado, conforme o ato a ser praticado, poderá remeter a carta ao juiz ou ao tribunal competente.

I. Juízo de delibação O Juízo Deprecado somente pode recusar o cumprimento da carta precatória ou arbitral nas hi-

póteses do CPC/2015, art. 267. Ou seja, a análise do juízo deprecado está adstrita aos requisitos de legalidade do ato, sendo-lhe vedado ingressar no exame de mérito. Tal entendimento já fora construído à luz do CPC/1973, art. 209.

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. RECUSA NO CUMPRIMENTO DE CARTA PRECATÓRIA. AUSÊNCIA DE VÍCIOS FORMAIS. IMPOSSIBILIDADE. 1. [...] 3. O cumprimento da carta precatória não pode ser recusado senão por vícios formais ou que obstaculizem a possibilidade de cumprimento material da carta, não sendo possível ao juízo de-precado questionar o conteúdo da decisão do juízo deprecante. 4. Impertinentes as alegações que versam sobre o mérito da decisão daquele juízo, o que inclui a questão acerca da legalidade ou não da penhora de quotas sociais. Essas alegações deverão ser feitas em sede própria, que não é a da carta precatória, pois esta visa apenas à realização do ato material de penhora. 5. Agravo de instrumento improvido” (TRF-2, 4ª T. Especializada, AG nº 200902010125473, Rel. Des. Fede-ral Luiz Antonio Soares, j. em 30/3/2010, data de publicação: 29/4/2010).

Page 55: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

446

Helena Coelho Gonçalves

II. Remessa ao juízo competente A novel disciplina privilegia o princípio da celeridade processual, na medida em que possibi-

lita ao Juízo Deprecado remeter ao juiz ou ao tribunal competente carta precatória ou arbitral que lhe fora remetida fora de sua competência.

“CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. CARTA PRECATÓRIA. COMARCA INSE-RIDA NO ÂMBITO DE JURISDIÇÃO DO JUÍZO FEDERAL DEPRECANTE. RECUSA NO CUMPRIMENTO. ART. 209, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. I - Conflito negativo de competência suscitado em razão da expedição de carta precatória à Justiça Estadual para oitiva de testemunha residente em Comarca, cuja jurisdição está inserida no âmbito de competência da Vara da Justiça Federal Deprecante. II - O não atendimento ao ato deprecado só encontra res-paldo no caso de ausência de requisitos legais, falta de competência em razão da matéria ou da hierarquia e, por fim, se houver dúvida acerca da autenticidade da carta. Art. 209, do Código de Processo Civil. Hipóteses taxativas. III - Quando o Juízo Federal depreca a oitiva de testemunha ao Juízo de Direito da Comarca de sua residência não está adotando medida conflitante ao alcan-ce da jurisdição de sua Subseção Judiciária se, no caso, o ato deprecado representar a forma mais célere ou menos onerosa às partes ou a terceiros. Inteligência do art. 42, § 1º, da Lei n. 5.010/66. IV - A recusa ao cumprimento da carta precatória somente seria admitida se a Comarca de Dia-dema também fosse sede de Vara da Justiça Federal. V - Competência do Juízo de Direito da 1ª Vara da Comarca de Diadema. VI - Conflito de competência procedente” (TRF-3, 2ª Seção, CC nº 13634/SP 2009.03.00.013634-8, Rel. Des. Federal Regina Costa, j. em 18/8/2009).

III. Dúvida sobre o cumprimento de carta precatória “STJ. PROCESSUAL CIVIL. CARTA PRECATÓRIA. JUÍZO DEPRECADO. DÚVIDA SO-

BRE A POSSIBILIDADE DE CUMPRIMENTO DA CARTA PRECATÓRIA. POSSIBILIDADE DE SUSPENSÃO DO CUMPRIMENTO DA CARTA ATÉ A MANIFESTAÇÃO DO JUIZ DE-PRECANTE. 1. O juízo deprecado pode recusar cumprimento à carta precatória, devolvendo-a com despacho motivado, desde que evidenciada uma das hipóteses enumeradas nos incisos do art. 209 do CPC, quais sejam: (i) quando não estiver a carta precatória revestida dos requisitos legais; (ii) quando carecer o juiz de competência, em razão da matéria ou hierarquia; (iii) quando o juiz tiver dúvida acerca de sua autenticidade. 2. Na hipótese dos autos, contudo, o juízo deprecado não recusou o cumprimento da carta precatória. Ele apenas encaminhou os autos ao juiz deprecante para aguardar a sua manifestação sobre as alegações feitas pelo Oficial de Justiça e pelo exequente acerca da possibilidade de se cumprir a determinação inserida na carta. 3. O juiz deprecado, no exercício da sua função de cooperador, pode dialogar com o juiz deprecante acerca do ato pro-cessual requerido, pois o diálogo é pressuposto da cooperação e contribui para que a atividade jurisdicional seja pautada pelos princípios constitucionais que informam o processo e exercida sem vícios, evitando-se a decretação de nulidades. 4. Recurso especial não provido” (STJ, 3ª T., REsp nº 1203840/RN 2010/0138374-6, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. em 6/9/2011, DJe de 15/9/2011).

IV. Recusa infundada “CONFLITO DE COMPETÊNCIA. DIREITO PROCESSUAL PENAL. OITIVA DE TESTE-

MUNHA. DOMICÍLIO DIVERSO. CARTA PRECATÓRIA. RECUSA INFUNDADA. VIDEO-CONFERÊNCIA. NÃO OBRIGATORIEDADE. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DEPRECADO. 1. A recusa ao cumprimento da deprecata só pode ser embasada nas hipóteses do art. 209 do Código de Processo Civil, aplicado por força de interpretação analógica autorizada pelo art. 3º do Código de Processo Penal. 2. Conquanto recomendável seja realizada por videoconferência, não com-pete ao Juízo deprecado determinar forma de audiência diversa daquela delegada, recusando-se assim ao cumprimento da deprecata. 3. Conflito conhecido para declarar competente o JUÍZO

Art. 267

Page 56: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

447

Helena Coelho Gonçalves

FEDERAL DA 1A VARA CRIMINAL DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO” (STJ, 3ª Seção, CC nº 135834/SP 2014/0225689-2, Rel. Min. Nefi Cordeiro, j. em 22/10/2014, DJe de 31/10/2014).

“CONFLITO DE COMPETÊNCIA. PREVIDENCIÁRIO. CARTA PRECATÓRIA. RECUSA PELO JUÍZO DEPRECADO. HIPÓTESES DO ART. 209 DO CPC QUE NÃO SE ENCON-TRAM PRESENTES. 1. Esta Casa possui orientação pacífica no sentido de que a carta precatória só pode deixar de ser cumprida pelo juízo deprecado nas hipóteses previstas no art. 209 do Códi-go de Processo Civil, a saber: ‘I - quando não estiver revestida dos requisitos legais; II - quando carecer de competência em razão da matéria ou da hierarquia; III - quando tiver dúvida acerca de sua autenticidade’. 2. As cartas precatórias em tela preenchem os requisitos legais, não existindo justificativa para o seu não cumprimento, razão por que devem retornar ao juízo deprecado, a fim de serem realizadas as diligências nelas previstas. 3. Conflito conhecido para fixar a competên-cia do Juízo de Direito da 4ª Vara de Cajazeiras PB, para o cumprimento das cartas precatórias em apreço” (STJ, 3ª Seção, CC nº 76879/PB 2006/0248428-8, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. em 13/8/2008, DJe de 26/8/2008).

Art. 268 - Cumprida a carta, será devolvida ao juízo de origem no prazo de 10 (dez) dias, independentemente de traslado, pagas as custas pela parte.

I. Devolução da carta após devidamente cumprida O prazo referido no CPC/2015, art. 268, diz respeito ao prazo para devolução da carta após

seu integral cumprimento. O cumprimento das diligências requeridas pelo Juízo Deprecante de-verão ocorrer dentro do prazo estipulado no CPC/2015, art. 261.

“STJ. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. PROCESSUAL CIVIL. CARTA PRECA-TÓRIA. INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHA. DEGRAVAÇÃO DO RESPECTIVO DEPOIMENTO. ART. 417, § 1º, do CPC. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DEPRECADO. 1. Em caso de precatória para oitiva de testemunhas, a degravação dos depoimentos colhidos em audiência é de observância obri-gatória para o juízo deprecado, pois é procedimento que integra o cumprimento da carta precatória. 2. O Juízo deprecado, pois, quando receber a precatória para tomada de depoimento(s) e desejar imple-mentar método não convencional (como taquigrafia, estenotipia ou outro método idôneo de documen-tação), deverá ter condições também para a transcrição, devolvendo a carta adequadamente cumprida. 3. Conflito de competência conhecido para declarar competente o Juízo de Direito da 1ª Vara Cível da Comarca de Vacaria/RS, o suscitado” (STJ, 2ª Seção, CC nº 126747/RS 2013/0037492-0, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. em 25/9/2013, DJe de 6/12/2013).

“AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPE-CIAL. 1. EXECUÇÃO. BEM IMÓVEL. ALIENAÇÃO JUDICIAL. DEVEDOR. INTIMAÇÃO PESSOAL. NECESSIDADE. ART. 687, § 5º, DO CPC (REDAÇÃO DA LEI N. 8.953/1994). 2. CARTA PRECATÓRIA. CUMPRIMENTO. PRAZO. FALTA. ARREMATAÇÃO. ANULAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. 1. [...] 2. Na espécie, não se verifica a impossibilidade de intimação pessoal do devedor, visto que, segundo o acórdão recorrido, a praça do imóvel foi realizada na pendência do cumprimento de carta precatória, expedida para outra unidade da federação, frustra-da pela falta de tempo hábil para ultimação do ato intimatório. 3. Agravo regimental improvido” (3ª T., AgRg nos EDcl no REsp nº 1279151/SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. em 16/9/2014, DJe de 26/9/2014).

Art. 268

Page 57: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

448

Flávia Hellmeister Clito Fornaciari Dórea

Art. 269 - Intimação é o ato pelo qual se dá ciência a alguém dos atos e dos termos do processo.§ 1º - É facultado aos advogados promover a intimação do advogado da outra parte por meio do correio, juntando aos autos, a seguir, cópia do ofício de intimação e do aviso de recebimento.§ 2º - O ofício de intimação deverá ser instruído com cópia do despacho, da decisão ou da sentença.§ 3º - A intimação da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e de suas respectivas autarquias e fundações de direito público será realizada perante o órgão de Advocacia Pública responsável por sua representação judicial.

AutoraFlávia Hellmeister Clito Fornaciari Dórea

I. Conceito e finalidade do ato de intimação

O art. 269 da nova lei processual não alterou o conceito e a finalidade do ato de intimação, que persiste em ser o ato de comunicação das ocorrências do processo, mantendo a relevância do ato essencial para que os interessados tenham ciência e pratiquem os atos necessários ao andamento do processo e à salvaguarda de seus direitos.

II. Possibilidade de intimação advogado parte contrária

O § 1º da norma inova ao permitir que os advogados possam intimar o advogado da parte contrária também pelo correio, fazendo juntar aos autos cópia do ofício de intimação e do aviso de recebimento emitido pelos correios. O CPC/1973, art. 238, só previa a intimação pelo correio realizada diretamente pelo ofício judicial (escrivão).

Considerando especialmente os ofícios judiciais assoberbados de trabalhos com serviços atra-sados, em que as intimações demoram a ser realizadas, a medida poderá conferir agilidade aos processos, especialmente em relação a questões urgentes, não se podendo olvidar que, atualmen-te, os correios dispõem de uma variedade de modalidades de entrega de correspondências, o que pode ocorrer no próprio dia de sua postagem.

Como se trata de ato a ser realizado pela parte, haverá questionamento quanto à possibilidade de utilização das empresas privadas de entrega de correspondência, o que não aparenta ocasionar qualquer prejuízo. Todavia, para evitar a alegação de nulidades, mostra-se adequada a utilização da empresa pública Correios.

De acordo com o § 2º, o ofício de intimação deve ser acompanhado de cópia da decisão exarada pelo magistrado relativamente à qual se pretende dar ciência, o que se faz essencial para se atingir o objetivo da norma, sem o que a pessoa intimada não poderá se cientificar acerca do conteúdo do ato.

III. Intimação entes públicos

O § 3º do art. 269 dispõe que os entes públicos serão intimados perante o órgão de Advocacia

Page 58: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

449

Flávia Hellmeister Clito Fornaciari Dórea

Pública responsável por sua representação, o que se revela a princípio adequado, haja vista não se poder cogitar da intimação pessoal dos representantes da Fazenda Pública. Todavia, tal dispo-sitivo deve ser interpretado de acordo com os demais objetos do capítulo, que serão adiante ana-lisados, sendo certo que já existe lei em vigor disciplinando a intimação das Fazendas Públicas, nos processos eletrônicos, por meio eletrônico (Lei nº 11.419/2006, art. 9º), o que se admite no CPC/2015, de modo que não se deve interpretar o dispositivo como se obrigatória fosse a intima-ção pessoal do órgão da Advocacia Pública, em todos os casos.

Art. 270 - As intimações realizam-se, sempre que possível, por meio eletrônico, na forma da lei.Parágrafo único - Aplica-se ao Ministério Público, à Defensoria Pública e à Advocacia Pública o disposto no § 1º do art. 246.

I. Regra da intimação eletrônica e meios de realização

A nova lei processual buscou abarcar meios de intimação mais modernos, dispondo seu art. 270 que o meio eletrônico deve ser o adotado, sempre que possível. O CPC/1973, art. 237, pa-rágrafo único, estabelecia a possibilidade de utilização da forma eletrônica, pelo que se verifica que o que antes era uma possibilidade transformou-se em regra, sujeita a suas exceções, acom-panhando-se a evolução tecnológica das comunicações.

O art. 270 remete à “forma da lei” o modo de se proceder à intimação por meio eletrôni-co, pelo que de rigor se analisar o quanto previsto na Lei nº 11.419/2006, que dispõe sobre a informatização do processo judicial. De acordo com o nela disposto (art. 2º, inciso I), meio eletrônico é qualquer forma de armazenamento ou tráfego de documentos e arquivos digitais, nesse conceito incluído, pois, tanto o Diário de Justiça Eletrônico (Lei nº 11.419/2006, art. 4º) quanto a intimação via portal próprio àqueles que se cadastrarem, ao que pode ser agre-gado o envio de correspondência eletrônica comunicando a existência da intimação (Lei nº 11.419/2006, art. 5º).

II. Intimação dos entes públicos

Para a intimação do Ministério Público, da Defensoria Pública e da Advocacia Pública, o dispositivo remete ao § 1º do art. 246, que dispõe sobre a obrigatoriedade de manutenção de cadastro nos sistemas de processo em autos eletrônicos, para efeito de recebimento de citações e intimações, as quais serão efetuadas preferencialmente por esse meio.

A interpretação dessa norma deve se dar alinhada ao disposto na Lei nº 11.419/2006 relati-vamente às intimações das Fazendas Públicas. Nesse sentido, a Lei nº 11.419/2006, art. 4º, § 2º, estabelece que os Diários de Justiça Eletrônicos são meios válidos de intimação, “à exceção dos casos que, por lei, exigem intimação ou vista pessoal”. Conferindo-se aos entes públicos a prer-rogativa de intimação pessoal, a simples publicação no Diário de Justiça Eletrônico não é, pois, suficiente à intimação das Fazendas Públicas, como reconhecem os Tribunais:

“AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. CONTRARRAZÕES. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PESSOAL DA DEFENSORIA PÚBLICA. NULIDADE. PRECLUSÃO. INO-CORRÊNCIA. RECURSO PROVIDO.

Art. 270

Page 59: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

450

Flávia Hellmeister Clito Fornaciari Dórea

1. Este Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que o Defensor Público, ou quem lhe faça as vezes, deve ser intimado pessoalmente de todos os atos do processo, sob pena de nulidade absoluta do ato, por violação ao princípio constitucional da ampla defesa.

2. A Defensoria Pública não foi pessoalmente intimada para apresentar contrarrazões ao recur-so especial, tendo a intimação ocorrido por meio de publicação no Diário de Justiça Eletrônico.

Assim, está configurado o cerceamento de defesa, mormente em se considerando que houve o provimento do recurso especial interposto pelo Ministério Público do Estado da Bahia. [...].” (STJ, 6ª T., AgRg no REsp nº 1381416/BA, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, j. em 9/6/2015, DJe de 22/6/2015).

III. Intimação via portal eletrônico

De outro lado, as intimações por meio de portal próprio aos que se cadastrarem são conside-radas válidas, como se intimação pessoal fossem, podendo ser utilizadas em relação às Fazendas Públicas, por expressa disposição de lei (Lei nº 11.419/2006, art. 5º, § 6º), constituindo modo de intimação diverso da publicação em Diário de Justiça. Nesse sentido, tem entendimento consoli-dado o Superior Tribunal de Justiça:

“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. INTIMA-ÇÃO PESSOAL DO PROCURADOR FEDERAL, POR VIA ELETRÔNICA. INTERPOSIÇÃO DO RECURSO ESPECIAL, APÓS O TRINTÍDIO LEGAL, SEM OBSERVÂNCIA DO PARÁ-GRAFO ÚNICO, PARTE FINAL, DO ART. 3º DA LEI 11.419/2006, E DO § 6º DO ART. 5º DA MESMA LEI. INTEMPESTIVIDADE DO RECURSO ESPECIAL. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. [...]

IV. De acordo com o § 6º do art. 5º da Lei 11.419/2006, as intimações feitas por meio eletrô-nico, em portal próprio, aos que se cadastrarem na forma do art. 2º desta Lei, inclusive a Fazenda Pública, serão consideradas pessoais, para todos os efeitos legais.

V. Em conformidade com o § 6º do art. 5º da Lei 11.419/2006, a Segunda Turma do STJ, ao julgar o REsp 1.247.842/PR (Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe de 28/11/2011), deixou consignado que, havendo intimação pessoal do Procurador Federal, por via eletrônica, não há que se falar em violação ao art. 17 da Lei 10.910/2004.

Também a Segunda Turma do STJ, por ocasião do julgamento do REsp 1.354.877/RS (Rel. Ministra ELIANA CALMON, DJe de 14/10/2013), proclamou que ‘é distinta a intimação feita por meio eletrônico em portal próprio, na forma do art. 5º da Lei 11.419/2006, daquela realizada mediante publicação em Diário Eletrônico’.

VI. No caso, consoante certidão expedida pela Secretaria do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em 28/05/2014, houve intimação pessoal, por via eletrônica, do representante judi-cial do IBAMA, acerca do inteiro teor do acórdão recorrido, nos termos do art. 1º, § 2º, III, b, da Lei 11.419/2006, tendo sido concedido o prazo recursal de 30 (trinta) dias, com data inicial em 10/06/2014 e data final em 09/07/2014. Ocorre que o IBAMA interpôs o Recurso Espe-cial somente no dia 10/07/2014, de forma intempestiva, visto que não observados o parágrafo único, parte final, do art. 3º da Lei 11.419/2006, e o § 6º do art. 5º desta mesma Lei” (STJ, 2a T., AgRg no REsp nº 1488739/RS, Rel. Min. Assusete Magalhães, j. em 17/3/2015, DJe de 25/3/2015).

Art. 270

Page 60: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

451

Flávia Hellmeister Clito Fornaciari Dórea

Art. 271 - O juiz determinará de ofício as intimações em processos pendentes, salvo disposição em contrário.

I. Intimações de ofício

É ressabido que o princípio da inércia orienta o sistema, no sentido de que a jurisdição só poderá ser exercida quando provocada pela parte, mas o desenvolvimento do processo dá-se por impulso oficial (CPC/2015, art. 2º). Assim, exercida a iniciativa da parte, por meio da propositura da demanda, deve o magistrado determinar o necessário para o desenvolvimento regular do processo, no que se incluem as intimações indispensáveis, dando ao processo o impulso oficial.

As intimações de ofício devem ser realizadas sempre que forem condição à validade do ato, garantindo o contraditório e evitando a ocorrência de nulidades processuais que prejudiquem a marcha processual (STJ, Corte Especial, Recurso Repetitivo, REsp nº 1148296/SP, Rel. Min. Luiz Fux, j. em 1º/9/2010, DJe de 28/9/2010).

Art. 272 - Quando não realizadas por meio eletrônico, consideram-se feitas as intimações pela publicação dos atos no órgão oficial.§ 1º - Os advogados poderão requerer que, na intimação a eles dirigida, figure apenas o nome da sociedade a que pertençam, desde que devidamente registrada na Ordem dos Advogados do Brasil.§ 2º - Sob pena de nulidade, é indispensável que da publicação constem os nomes das partes e de seus advogados, com o respectivo número de inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil, ou, se assim requerido, da sociedade de advogados.§ 3º - A grafia dos nomes das partes não deve conter abreviaturas.§ 4º - A grafia dos nomes dos advogados deve corresponder ao nome completo e ser a mesma que constar da procuração ou que estiver registrada na Ordem dos Advogados do Brasil.§ 5º - Constando dos autos pedido expresso para que as comunicações dos atos processuais sejam feitas em nome dos advogados indicados, o seu desatendimento implicará nulidade.§ 6º - A retirada dos autos do cartório ou da secretaria em carga pelo advogado, por pessoa credenciada a pedido do advogado ou da sociedade de advogados, pela Advocacia Pública, pela Defensoria Pública ou pelo Ministério Público implicará intimação de qualquer decisão contida no processo retirado, ainda que pendente de publicação.§ 7º - O advogado e a sociedade de advogados deverão requerer o respectivo credenciamento para a retirada de autos por preposto.§ 8º - A parte arguirá a nulidade da intimação em capítulo preliminar do próprio ato que lhe caiba praticar, o qual será tido por tempestivo se o vício for reconhecido.

Arts. 271 e 272

Page 61: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

452

Flávia Hellmeister Clito Fornaciari Dórea

§ 9º - Não sendo possível a prática imediata do ato diante da necessidade de acesso prévio aos autos, a parte limitar-se-á a arguir a nulidade da intimação, caso em que o prazo será contado da intimação da decisão que a reconheça.

I. Intimações via órgão oficial

O art. 272 estabelece a possibilidade de intimações por meio de publicações em órgão oficial, sendo certo que, tendo quase todas as unidades adotado o Diário da Justiça Eletrônico, a modali-dade está em desuso, mas as disposições contidas nos parágrafos da norma devem ser aplicadas também à forma eletrônica da publicação.

II. Intimação apenas em nome da sociedade de advogados

Inovação importante é a possibilidade de os advogados requererem que das intimações figure apenas o nome da sociedade registrada na Ordem dos Advogados do Brasil a que pertençam, dispositivo de questionável utilidade e que certamente dificultará os trabalhos dos escassos fun-cionários da Justiça. De qualquer forma, para que tal tipo de intimação se faça possível, impres-cindível que os advogados declinem, na procuração acostada aos autos, o nome da sociedade de que fazem parte, e realizem o pedido expressamente quando de seu ingresso nos autos. Trata-se de uma medida para tentar facilitar a conferência das intimações em sociedades de muitos ad-vogados, unificando os atos, mas há de se observar que não pode ser requerida a intimação dos advogados, em conjunto com da sociedade de advogados, sendo alternativo o pedido, que, se realizado em nome da sociedade, deve ser feito só em nome dela.

III. Requisitos e conteúdo da intimação

Os §§ 2º, 3º e 4º estabelecem a necessidade de a publicação conter o nome das partes e dos advogados, os respectivos números de inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil, ou o nome da sociedade de advogados, sem abreviaturas. Tal regramento é essencial para garantir que a inti-mação atinja seu resultado, sendo certo que, atualmente, em que a grande maioria dos advogados utiliza de empresas de leitura de intimações ou faz busca eletrônica por seus nomes nos Diários de Justiça Eletrônico, qualquer erro de grafia ou abreviatura pode macular o ato de intimação.

IV. Retirada de autos e intimação

O § 6º estabelece que a retirada de autos de cartório por qualquer interessado pendente de intimação implicará a intimação deste, o que é de rigor, haja vista que, retirando o advogado constituído os autos de cartório, terá ele ciência do ocorrido, o que configura o atingimento do objetivo do ato de intimação. Anote-se que, diferentemente do CPC/1973, em que os autos só poderiam ser retirados de cartório pelo advogado ou estagiário inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, o CPC/2015 permite o credenciamento de prepostos para essa atividade, havendo as mesmas consequências da retirada dos autos pelo preposto cadastrado ou pelo advogado.

V. Nulidade da intimação

Os §§ 2º, 5º, 8º e 9º tratam da nulidade do ato de intimação, que ocorre quando dele não constarem os nomes das partes e advogados ou sociedade de advogados, com a grafia correta e com os corretos números de inscrição, ou quando dele não constar o nome da sociedade ou dos advogados em relação a quem se requereu expressamente a intimação, sendo faculdade do advo-gado escolher, dentre eventualmente vários que constem da publicação, aquele que figurará das

Art. 272

Page 62: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

453

Flávia Hellmeister Clito Fornaciari Dórea

intimações. Atualmente, a orientação do Superior Tribunal de Justiça é de não anular por simples equívoco de grafia ou de nome, mas a orientação deve ser modificada em vista da expressa pre-visão legal:

“PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ARTIGO 543-C, DO CPC. INTIMAÇÃO. NÚMERO DE INSCRIÇÃO DO ADVOGADO NA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL – OAB. DESNECESSIDADE. SUFICIÊNCIA DOS NOMES DAS PARTES E DO ADVOGADO. ARTIGO 236, § 1º, DO CPC. ALEGADA HOMO-NÍMIA NÃO CONFIRMADA PELO ACÓRDÃO REGIONAL. [...]

2. A regra é a de que a ausência ou o equívoco quanto ao número da inscrição do advogado na Ordem dos Advogados do Brasil – OAB não gera nulidade da intimação da sentença, máxime quando corretamente publicados os nomes das partes e respectivos patronos, informações sufi-cientes para a identificação da demanda (Precedentes do STJ: REsp 1.113.196/SP, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 22.09.2009, DJe 28.09.2009; AgRg no Ag 984.266/SP, Rel. Ministro Aldir Passarinho Júnior, Quarta Turma, julgado em 27.05.2008, DJe 30.06.2008; e AgRg no REsp 1.005.971/SP, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 19.02.2008, DJe 05.03.2008). [...]

5. Recurso especial desprovido. Acórdão submetido ao regime do artigo 543-C, do CPC, e da Resolução STJ 08/2008.” (STJ, Corte Especial, Recurso Repetitivo Temas 285 e 286, REsp nº 1131805/SC, Rel. Min. Luiz Fux, j. em 3/3/2010, DJe de 8/4/2010).

Se houver erro nas intimações, o ato é apenado de nulo, porque não atingiu seu objetivo, dada a relevância do ato, essencial ao desenvolvimento regular do processo. Como qualquer outra nu-lidade processual, cabe à parte arguir a nulidade na primeira oportunidade em que se manifestar, sob pena de preclusão (CPC/2015, art. 278), tão logo verifique o vício, como matéria preliminar do próprio ato que lhe compete praticar, que então será considerado tempestivo, se reconhecido o vício (§ 8º). Se, no entanto, a prática do ato depender de acesso prévio aos autos, a parte deve arguir a nulidade e requerer a devolução do prazo para sua manifestação (§ 9º).

Art. 273 - Se inviável a intimação por meio eletrônico e não houver na localidade publicação em órgão oficial, incumbirá ao escrivão ou chefe de secretaria intimar de todos os atos do processo os advogados das partes:I - pessoalmente, se tiverem domicílio na sede do juízo;II - por carta registrada, com aviso de recebimento, quando forem domiciliados fora do juízo.

I. Exceções à intimação por meio eletrônico ou órgão oficial

O art. 273 estabelece alternativa à intimação por meio eletrônico, condicionando a realização por outro meio à inviabilidade da intimação por meio eletrônico e à ausência de publicação em órgão oficial. Trata-se de previsão necessária para localidades em que os serviços de telecomu-nicação ainda não estejam desenvolvidos, mas essa inviabilidade a que alude o dispositivo é cada vez mais remota, pois o acesso aos meios eletrônicos tem incrementado e atingido parcela considerável daqueles que lidam com o Judiciário.

Art. 273

Page 63: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

454

Flávia Hellmeister Clito Fornaciari Dórea

As alternativas à intimação por meio eletrônico são a intimação pessoal, se a pessoa a ser intimada tiver domicílio na sede do juízo (inciso I), ou por carta registrada, com aviso de recebi-mento, quando o domicílio for fora do juízo (inciso II), o que também há de se aplicar em sedes muito extensas geograficamente, que poderiam inviabilizar a intimação pessoal.

Art. 274 - Não dispondo a lei de outro modo, as intimações serão feitas às partes, aos seus representantes legais, aos advogados e aos demais sujeitos do processo pelo correio ou, se presentes em cartório, diretamente pelo escrivão ou chefe de secretaria.Parágrafo único - Presumem-se válidas as intimações dirigidas ao endereço constante dos autos, ainda que não recebidas pessoalmente pelo interessado, se a modificação temporária ou definitiva não tiver sido devidamente comunicada ao juízo, fluindo os prazos a partir da juntada aos autos do comprovante de entrega da correspondência no primitivo endereço.

I. Intimação pessoal ou via correio

O art. 274 dispõe que as intimações serão feitas aos interessados pelo correio ou diretamente no ofício judicial, se presentes em cartório. Logicamente a determinação é complementar àque-las dos arts. 270 e 272, que estabelecem a regra da intimação eletrônica, sempre que ela for pos-sível, ou a intimação pela publicação em órgão oficial.

II. Presunção de validade de intimações realizadas em endereço não atualizado no processo

O parágrafo único estabelece a obrigatoriedade de a parte ou interessado manter atualizado seu endereço nos autos, ainda que haja mudança temporária, sob pena de a correspondência di-rigida ao endereço constante dos autos presumir-se válida, ainda que não recebida diretamente pelo interessado. Relativamente ao advogado, a obrigação de informar o endereço e mantê-lo atualizado existe como dever a ele previsto, já se prevendo a validade das intimações realizadas caso não cumprido esse dever (CPC/2015, art. 106 e parágrafo único).

Tal presunção, já existente no CPC/1973 (art. 238, parágrafo único), evita a deslealdade pro-cessual de partes ou advogados, que, buscando retardar o andamento do processo, alteram seu endereço, frustrando intimações essenciais. A validade da intimação presumida é amplamente aceita por nossos Tribunais:

“Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial. [...]

Mudança de endereço. Não comunicação ao juízo. Intimação da parte.

Validade. Reconhecimento. Art. 238 do CPC. Dissídio jurisprudencial não configurado. Agra-vo regimental desprovido.” (STJ, 3ª T., AgRg no AREsp nº 386.319/SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. em 2/9/2014, DJe de 15/9/2014)

“PROCESSO CIVIL. EXTINÇÃO DO PROCESSO POR ABANDONO. INTIMAÇÃO POR CARTA. MUDANÇA DE ENDEREÇO. AUSÊNCIA DE INFORMAÇÃO AO JUÍZO. VALIDA-DE. [...]

Art. 274

Page 64: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

455

Flávia Hellmeister Clito Fornaciari Dórea

3. O Código de Ética da OAB disciplina, em seu art. 12, que ‘o advogado não deve deixar ao abandono ou ao desamparo os feitos, sem motivo justo e comprovada ciência do constituinte’. Presume-se, portanto, a possibilidade de comunicação do causídico quanto à expedição da Carta de Comunicação ao endereço que ele mesmo se furtara de atualizar no processo.

4. A parte que descumpre sua obrigação de atualização de endereço, consignada no art. 39, II, do CPC, não pode contraditoriamente se furtar das consequências dessa omissão. Se a corres-pondência enviada não logrou êxito em sua comunicação, tal fato somente pode ser imputado à sua desídia. [...].” (STJ, 3ª T., REsp nº 1299609/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. em 16/8/2012, DJe de 28/8/2012)

Art. 275 - A intimação será feita por oficial de justiça quando frustrada a realização por meio eletrônico ou pelo correio.§ 1º - A certidão de intimação deve conter:I - a indicação do lugar e a descrição da pessoa intimada, mencionando, quando possível, o número de seu documento de identidade e o órgão que o expediu;II - a declaração de entrega da contrafé;III - a nota de ciente ou a certidão de que o interessado não a apôs no mandado.§ 2º - Caso necessário, a intimação poderá ser efetuada com hora certa ou por edital.

I. Intimação por meio de oficial de justiça

O art. 275 mantém, como na anterior legislação, a intimação por meio de oficial de justiça quando frustrada sua realização pelos demais meios preferenciais, considerados mais céleres (eletrônico, pessoalmente na sede do juízo ou correio).

II. Requisitos da certidão de intimação do oficial de justiça

A certidão de intimação deve conter informações precisas sobre local e pessoa intimada, de preferência com elementos de qualificação, a declaração de que a contrafé foi entregue e a nota de ciente da pessoa intimada, podendo ser suprida por certidão do oficial de justiça, no caso de recusa.

III. Intimação com hora certa e por edital

A hora certa e o edital eram hipóteses antes previstas apenas para as citações (CPC/1973, arts. 227 a 229 e 231 a 233), mas, a despeito do contido na legislação, já vinham sendo admitidas pela jurisprudência também para as intimações, aplicando-se analogicamente a norma, de maneira que a aplicação do dispositivo não deverá sofrer questionamentos:

“PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. INTIMAÇÃO COM HORA CERTA. EQUIPARAÇÃO AO PROCEDIMENTO DE CITAÇÃO. COMUNICADO PREVISTO NO ART. 229 DO CPC.

1. O procedimento de intimação da penhora com hora certa, na vigência da Lei n. 8.953/1994, é perfeitamente admissível nos casos em que, como o dos autos, caracterizar-se o intuito de ocul-

Art. 275

Page 65: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

456

Flávia Hellmeister Clito Fornaciari Dórea

tação do devedor. [...].” (STJ, 3ª T., REsp nº 1291808/SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, j. em 28/5/2013, DJe de 7/10/2013)

“[...] A intimação da penhora com hora certa e admissível, desde que presentes os pressu-postos a que alude o art. 227 do CPC. [...].” (STJ, 4ª T., REsp nº 38.127/SP, Rel. Min. Antônio Torreão Braz, j. em 20/11/1993, DJ de 21/2/1994, p. 2174).

Ausente regramento específico para a intimação com hora certa ou por edital, deve-se con-siderar o que dispõe a norma relativamente à citação com hora certa ou edital (CPC/2015, arts. 254 a 254 e 256 a 258).

Art. 275

Page 66: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

457

Fabrizzio Matteucci Vicente

Art. 276 - Quando a lei prescrever determinada forma sob pena de nulidade, a decretação desta não pode ser requerida pela parte que lhe deu causa.

AutorFabrizzio Matteucci Vicente

I. Introdução: existência, validade e eficácia dos atos processuais

1. A nomenclatura do Título III: nulidades?

O tema das invalidades é sempre motivo de muita divergência doutrinária e, por que não dizer, também jurisprudencial.

Há várias formas de pensar e raciocinar a invalidade, havendo diferentes classificações para o desenvolvimento das invalidades. A começar pelo termo “invalidades”, que, como preferiu man-ter o Código de Processo Civil, tratado com sinônimo mais restritivo sob o termo “nulidades”.

O estudo desse tema envolve três planos de análise, partindo do plano da existência, passando pelas invalidades, que, fora do âmbito do Direito Processual, envolve a nulidade e a anulabilidade de atos jurídicos, e o plano da eficácia dos atos jurídicos.

Ao optar pela expressão “nulidades”, deixa o legislador entrever, a exemplo do que já ocorria na legislação processual anterior, que o tema tratado nos artigos seguintes diz respeito especifica-mente ao estudo do plano das invalidades dos atos processuais, restringindo, ainda, o tratamento do tema às nulidades processuais.

Tal direcionamento parte de dois pressupostos: um, presente em outros textos legislativos, ignorando a possibilidade de atos processuais juridicamente inexistentes, e outro, específico da legislação processual, partindo do pressuposto de que atos processuais não estão sujeitos a anula-bilidades.

Neste último caso, a questão, mesmo com o tratamento comentado, não é pacífica:

“DIREITO ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. VIOLAÇÃO AO ART. 535, II, DO CPC. NÃO OCORRÊN-CIA. MILITAR. REINTEGRAÇÃO ÀS FILEIRAS DA POLÍCIA MILITAR. AÇÃO DECLA-RATÓRIA COM PEDIDO DE NATUREZA CONDENATÓRIA. DECRETO 20.910/32. APLI-CABILIDADE. PRESCRIÇÃO DO PRÓPRIO FUNDO DE DIREITO.

PRECEDENTE DO STJ. AGRAVO IMPROVIDO.

[…] 2. O reconhecimento da ocorrência de eventual cerceamento de defesa no âmbito de um processo administrativo disciplinar não importa na nulidade deste, sendo o caso de anulabili-dade, o que, por conseguinte, afasta a tese de imprescritibilidade da pretensão deduzida pela parte autora.

3. A questão da anulabilidade de um ato jurídico, pela não obediência de forma prescrita ou não defesa em lei (art. 104, III, do Código Civil), não se vincula ao plano de existência dos atos jurídicos, mas ao plano de validade.

Page 67: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

458

Fabrizzio Matteucci Vicente Art. 276

4. É firme a jurisprudência deste Superior Tribunal no sentido de que ‘a natureza jurídica da ação é definida por meio do pedido e da causa de pedir, não tendo relevância o nomen iuris dado pela parte autora’ (AgRg no REsp 594.308/PB, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, Segunda Tur-ma, DJe 20/8/09).

5. O pedido declaratório de nulidade – por suposto cerceamento de defesa – do ato admi-nistrativo que importou na exclusão do agravante das fileiras da Polícia Militar, cujo objetivo final é sua reintegração à referida Corporação, reveste-se de natureza condenatória. […]” (STF, 5ª T., AgRg no Ag nº 1232422/MG, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. em 17/6/2010, DJe de 2/8/2010).

Como se vê, há entendimentos jurisprudenciais no sentido da existência de atos processuais anuláveis, o que, a nosso ver, deveria ser restrito para aqueles atos em que a manifestação de von-tade vincula a validade dos resultados e consequências jurídicas por eles gerados, como ocorre, v.g., nos negócios jurídicos.

Nesse sentido, como nos atos jurídicos processuais a manifestação de vontade é superficial e irrelevante para as consequências que cada ato processual deva gerar no meio jurídico (por exemplo, pouco importando a vontade do réu que contesta, em afastar os efeitos da revelia ou do juiz, ao sentenciar, de encerrar ou não o processo), entendemos que há todo sentido na norma ju-rídica processual de regular as “nulidades” dos atos processuais, e não as invalidades em sentido amplo ou as anulabilidades propriamente ditas.

Tal raciocínio, parece-nos, é aplicável a todos os atos processuais, na medida em que mesmo na hipótese de “negócio jurídico processual” vislumbramos, na verdade, ato processual stricto sensu, não sujeito a anulabilidade, cujos efeitos dependerão de expressa concordância com o que foi convencionado pelo juiz (CPC/2015, art. 190, parágrafo único).

Assim, não trata o Código de Processo Civil de anulabilidades, mas sim de nulidades. Mesmo quando se refere à anulação (CPC/2015, art. 966, § 4º), o faz em relação ao tratamento dado pela lei civil, não pelo próprio Código de Processo.

2. Nulidades x inexistência

Nessa perspectiva, pode-se questionar se o tratamento dado pela novel ordem processual per-mitiria concluir que é possível tratar dos atos processuais sob a perspectiva de sua existência. Ausente qualquer inovação processual em sentido oposto, parece-nos plenamente possível, desde que, obviamente, o vício do ato processual analisado venha a atingir seus elementos existenciais.

“AÇÃO RESCISÓRIA. - VALOR REAL DA CAUSA, NA DATA DE SEU AJUIZAMENTO. - INOCORRÊNCIA DO PRAZO PRECLUSIVO DO ART. 178, PAR. 10, VIII, DO CÓDIGO CI-VIL [de 1916], PARA A RESCISÓRIA DA SENTENÇA NA AÇÃO DE IMISSÃO DE POSSE. - A NULIDADE, DE PLENO DIREITO, DA ARREMATAÇÃO, QUE CONSTITUIU TÍTULO PARA A AÇÃO DE IMISSÃO DE POSSE, PODE SER PRONUNCIADA PELO JUIZ COMO A DOS ATOS JURÍDICOS EM GERAL - ART. 800, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1939, COMBINADO COM O ART. 146, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO CIVIL [de 1916]. - INAPLICABILIDADE DO PRAZO DO ART. 178, PAR. 10, VIII, DO CÓDIGO CIVIL, A ACTIO NULLITATIS. - NEGATIVA DE VIGÊNCIA AO ART. 197, III, COMBINADO COM O ART. 199, E AO ART. N. 382, COMBINADO COM ESSES DISPO-SITIVOS E COM O ART. 165, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1939. - RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO” (STF, 1ª T., RE nº 70829, Rel. Min. Eloy

Page 68: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

459

Fabrizzio Matteucci Vicente Art. 276

da Rocha, j. em 19/8/1975, DJ de 26/12/1975 PP-09640 EMENT VOL-01010-02 PP-00434 RTJ VOL-00076-02 PP-00491).

No acórdão que gerou a ementa anterior, pronunciou-se o ministro Eloy da Rocha sacramen-tando o entendimento do Supremo Tribunal Federal no sentido de que é possível tratar de certas nulidades que não estariam sujeitas à prescrição, como ocorre na situação em que o processo é julgado sem válida citação do réu.

Mais recentemente, o Supremo Tribunal Federal voltou a apreciar a questão:

“AÇÃO DE NULIDADE. ALEGAÇÃO DE NEGATIVA DE VIGÊNCIA DOS ARTIGOS 485, 467, 468, 471 E 474 DO C.P.C. PARA A HIPÓTESE PREVISTA NO ARTIGO 741, I, DO ATUAL CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL [de 1973] - QUE É A DE FALTA OU NULIDADE DE CITAÇÃO, HAVENDO REVELIA -, PERSISTE, NO DIREITO POSITIVO BRASILEIRO, A ‘QUERELA NULLITATIS’, O QUE IMPLICA DIZER QUE A NULIDADE DA SENTENÇA, NESSE CASO, PODE SER DECLARADA EM AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE, INDEPENDENTEMENTE DO PRAZO PARA A PROPOSITURA DA AÇÃO RESCISÓRIA, QUE, EM RIGOR, NÃO É A CABÍVEL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO CONHECIDO” (STF, 2ª T., RE nº 96374, Rel. Min. Moreira Alves, j. em 30/8/1983, DJ de 11/11/1983, PP-07542 EMENT VOL-01316-04 PP-00658 RTJ VOL-00110-01 PP-00210).

Destaque-se que, embora se tenha dado tratamento à questão no âmbito da nulidade da cita-ção, os dois casos geraram inexistência do processo para o réu revel não citado, a permitir a con-clusão de que, mesmo diante da ausência de tratamento expresso dado pelo Código de Processo Civil, é possível apreciar os atos processuais no que diz respeito à existência.

Assim sendo, os atos processuais, relativamente às validades, podem ser apreciados, primeira-mente, no plano de sua existência (que, caso negativa, impediria a apreciação do tema no plano das nulidades) e no plano das invalidades, especificamente no que tange às nulidades – que po-dem ser absolutas ou relativas (sem que estas últimas possam ser confundidas com anulabilida-des). As nulidades absolutas ou relativas, no âmbito do processo civil, são avaliadas sob o aspec-to de sua sanabilidade ou não. Sendo nulidades sanáveis, estar-se-á diante de nulidade relativa. As insanáveis, para o processo civil, constituem nulidades absolutas.

3. Análise das invalidades no caso concreto

A análise dos três aspectos envolve duas formas de pensar o tema: a) a primeira, de cunho estrutural, não prevista no Código de Processo Civil; b) a segunda, de natureza meritória da in-validade, tratada nos arts. 276 a 283 do mesmo Código.

No que diz respeito à estrutura, é preciso avaliar se o ato processual em análise preenche os elementos existenciais e os requisitos de validade.

Faltando um elemento de existência, o ato deve ser reputado inexistente e, assim, prejudica-da a análise de sua validade e logicamente impedido o reconhecimento de sua eficácia. É o que ocorre, por exemplo, com petição inicial sem autor e sem pedido ou com a sentença não proferida por juiz ou sem julgamento, ou se qualquer ato é analisado porque nem sequer foi manifestado. Nesses casos, o não ato processual é inexistente porque desprovido de processo, agente, forma ou objeto.

Por outro lado, se os elementos de existência estão presentes, torna-se possível, diante da existência do ato, avaliar-se a sua validade. Presentes os requisitos de validade, é imperiosa a

Page 69: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

460

Fabrizzio Matteucci Vicente Art. 276

conclusão no sentido de que o ato é válido, formalmente. Ausente qualquer dos requisitos de validade, formalmente o ato será nulo, restando saber se as regras do Código de Processo Civil autorizam o reconhecimento da nulidade.

Assim, é formalmente nulo o ato praticado por agente incapaz ou incompetente (no caso do juízo), que não atende a forma prescrita em lei ou não contém objeto lícito e possível, determi-nado ou determinável.

Entretanto, para que se declare a nulidade de um ato processual, é preciso sujeitar a análise estrutural aos princípios que regem o processo civil.

Neste aspecto, destacam-se como norteadores dessa segunda fase da análise os princípios da celeridade, da economia, da instrumentalidade do processo e da instrumentalidade das formas.

São estes os princípios que efetivamente norteiam os arts. 276 a 283 do Código de Processo Civil de 2015, como se passa a analisar.

4. Ninguém pode se beneficiar da nulidade que causouO art. 276, que no CPC/1973 equivale ao art. 243, estabelece a regra de que o causador da

nulidade processual não poderá ser beneficiado pelo reconhecimento dela.

Assim, não se deve reconhecer a nulidade de ato processual se a nulidade, a despeito de in-validar atos processuais já praticados, beneficiar o causador da nulidade. Pensar diferente seria estimular que uma das partes buscasse a ocorrência de nulidades processuais para delas se bene-ficiar posteriormente, situação esta que afrontaria o princípio da instrumentalidade das formas.

II. JulgadosNesse sentido é a jurisprudência dos Tribunais Superiores:

“Embargos de declaração em recurso extraordinário com agravo. 2. Decisão monocrática. Embargos declaratórios recebidos como agravo regimental. 3. Direito Administrativo. Gratifi-cação de Atividade de Combate e Controle de Endemias – GACEN. Incidência de contribuição previdenciária. 4. Natureza da verba. Matéria de índole infraconstitucional. Ofensa reflexa. 5. Pedido de uniformização. Turma Nacional de Uniformização. Análise de direito federal. 6. Decretação de nulidade de atos processuais. Impossibilidade. Requerimento pela parte que lhe deu causa. Art. 243 do CPC. 7. Agravo regimental a que se nega provimento” (STF, 2ª T., ARE nº 837277 ED, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. em 3/3/2015, Processo eletrônico DJe-051, divulg. 16/3/2015, public. 17/3/2015).

“TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS À ARREMATAÇÃO. INEXISTÊN-CIA DOS REQUISITOS PREVISTOS NO ART. 746 DO CPC. ALEGAÇÃO DE PREÇO VIL.

MATÉRIA PRECLUSA. NULIDADE ANTE A AUSÊNCIA DE PUBLICAÇÃO DO EDITAL NOS TERMOS DO ART. 22 DA LEI N. 6.830/80. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE PREJUÍZO. ATO QUE PRODUZIU OS EFEITOS DA PUBLICIDADE. PRINCÍPIO DA INS-TRUMENTALIDADE DAS FORMAS. AUSÊNCIA DE PAGAMENTO À VISTA NOS TER-MOS DO ART. 690 DO CPC. INOVAÇÃO RECURSAL. SÚMULA 7/STJ. […]

2. A exegese do Código de Processo Civil privilegia a validade dos atos processuais, desde que os fins de justiça do processo e a finalidade do ato sejam alcançados. É o que consta, aliás, dos arts. 243 e 244 do referido diploma.

3. A jurisprudência desta Corte tem entendido que a declaração da nulidade dos atos proces-suais depende da demonstração da existência de prejuízo à parte interessada.

Page 70: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

461

Fabrizzio Matteucci Vicente Art. 277

[…] 5. Irrepreensível o entendimento fixado na origem porquanto, à luz do princípio da instru-mentalidade das formas, não se revela razoável o desfazimento da arrematação sob a invocação de que não houve publicação do edital da arrematação, uma vez que a fixação na sede do juízo foi apta o bastante para não frustrar a competitividade da venda.

6. Deixo de conhecer da apontada violação do art. 690 do CPC, tendo em vista que a apresen-tação de novos fundamentos para reforçar a tese trazida no recurso especial representa inovação, vedada no âmbito do agravo regimental.

7. A análise da irresignação acerca dos vícios referentes ao pagamento do bem arrestado deman-daria a incursão no contexto fático dos autos, o que é impossível nesta Corte, ante o óbice da Súmula 7/STJ. Agravo regimental improvido” (STJ, 2ª T., AgRg no REsp nº 1282195/RS, Rel. Min. Humberto Martins, j. em 10/2/2015, DJe de 19/2/2015).

Também é nesse sentido a jurisprudência dos Tribunais de Segunda Instância, da qual se destaca:

“USUCAPIÃO – Determinação de juntada de planta de situação e memorial descritivo do imóvel – Pedido de reforma da autora – Cabimento

A) Desnecessidade do requisito – Possibilidade de substituição por croqui – Imóvel devida-mente descrito em matrícula do ofício de registro – Prova pericial de levantamento topográfico supre a finalidade – Preliminar afastada – Ausência de defeito capaz de dificultar o julgamento do mérito – Falta de prejuízo concreto à parte contrária – Cerceamento de defesa não caracteri-zado – Presença de identidade de objeto – Mitigação da exigência legal - Obtenção de máximo resultado da atuação da lei com o mínimo emprego de atividades – Aplicação do princípio da economia e celeridade processual – Ampla acessibilidade do cidadão à prestação jurisdicional

B) Interessado é beneficiário da assistência judiciária integral e gratuita – Autorização para expedição oficial de certidão vintenária

C) Decisão interlocutória retificada – Recurso provido” (TJSP, 8ª Câmara de Direito Privado, Rel. Salles Rossi, j. em 10/6/2015, data de registro: 16/6/2015).

“AÇÃO ANULATÓRIA DE SENTENÇA QUE HOMOLOGOU TRANSAÇÃO. INCOMPE-TÊNCIA DO JUÍZO. AUTOR QUE PLEITEOU A HOMOLOGAÇÃO DESISTINDO DA EX-CEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA NÃO PODE ALEGAR NULIDADE. IMPOSSIBILIDADE JU-RÍDICA DO PEDIDO. INTELIGÊNCIA DO ART. 243 DO CPC. DECISÃO TOMADA PELAS PRÓPRIAS PARTES. AUSENTE INTERESSE DE AGIR. MANTIDO O INDEFERIMENTO DA INICIAL POR AUSÊNCIA DE CONDIÇÕES DA AÇÃO. RECURSO DESPROVIDO” (TJPR, 18ª C.Cível, Rio Branco do Sul, AC nº 885222-6, Rel. Carlos Mansur Arida, unânime, j. em 20/2/2013).

Art. 277 - Quando a lei prescrever determinada forma, o juiz considerará válido o ato se, realizado de outro modo, lhe alcançar a finalidade.

I. A instrumentalidade das formas no processo civil

O art. 277, que no CPC/1973 corresponde ao art. 244, estabelece o conceito do princípio da

Page 71: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

462

Fabrizzio Matteucci Vicente

instrumentalidade das formas. É certo que o processo civil depende de certo formalismo para que tenha regular desenvolvimento, estabelecendo-se formas procedimentais que permitam conhe-cer, sem surpresas, o regular desenvolvimento da relação processual. Entretanto, a formalidade, mesmo quando prevista em lei, não deve se suplantar à finalidade da existência da própria regra processual: deve permitir que a entrega da tutela jurisdicional aconteça, com justiça e celeridade.

Assim, se o ato processual é praticado sem atender as formalidades legais, deve-se, primeira-mente, verificar se a finalidade do ato foi prejudicada. Havendo prejuízo à finalidade, deve o ato ser declarado nulo e repetido.

Se o ato processual é praticado sem atender à forma, mas tal informalidade não lhe prejudica a finalidade, o ato deve ser mantido.

O atendimento da finalidade deve ser compreendido em consonância com a ideia (presumida neste artigo) de que o atendimento da finalidade não é capaz de causar qualquer prejuízo para as partes. Se o ato processual atende sua finalidade, mas gera prejuízo à parte, deve ser declarado nulo, combinando-se a regra do art. 277 em análise com a regra do CPC/2015, art. 283, parágrafo único.

II. Julgados

“EMENTA Recurso ordinário em habeas corpus. Falta grave. Fuga. Pretendida nulidade do ato que reconheceu a prática da falta de natureza grave por ausência de procedimento adminis-trativo disciplinar (PAD). Não ocorrência. Nulidade suprida na audiência de justificação. Oi-tiva do paciente em juízo, devidamente assistido por um defensor e na presença do Ministério Público. Observância dos preceitos constitucionais do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, incisos LIV e LV). Finalidade essencial pretendida no procedimento administrativo disciplinar alcançada de forma satisfatória. Princípio da instrumentalidade das formas (art. 154 e 244 do CPC). Aplicabilidade. Recurso ao qual se nega provimento. […]” (STF, 1ª T., RHC nº 109847, Rel. Min. Dias Toffoli, j. em 22/11/2011, Processo eletrônico DJe-231, divulg. 5/12/2011, public. 6/12/2011, grifos nossos).

“PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA.

NULIDADES POR AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO E DE JUNTADA DO VOTO REVISOR NÃO VERIFICADAS. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO E JULGAMENTO EXTRA PETITA.

INEXISTÊNCIA. DANOS MATERIAIS. LEI FERRARI. SÚMULA N. 7/STJ. DANOS MORAIS. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA N. 282/STF.

[…] 2. Nos termos do art. 236, § 1º, do CPC, havendo mais de um advogado constituído nos autos e ocorrendo substabelecimento com reserva de poderes, a intimação efetivada em nome de um deles é considerada válida se não formalizado pedido expresso para que se realize a publica-ção exclusivamente em nome de determinado patrono.

3. Se o Tribunal de origem concluiu que houve o cumprimento do disposto no art. 551 do CPC, com o encaminhamento dos autos ao revisor, que concordou com relatório e pediu dia para julgamento, decidir de modo diverso ensejaria o reexame da matéria fática, o que é vedado em recurso especial. Aplicação da Súmula n. 7/STJ.

4. Não se pronuncia a nulidade sem a demonstração do prejuízo, consoante o princípio pas de nulitté sans grief, consagrado pelos arts. 244 e 249, § 1º, do CPC.

Art. 277

Page 72: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

463

Fabrizzio Matteucci Vicente

[…]. 10. Recurso especial parcialmente conhecido e desprovido” (STJ, 3ª T., REsp nº 1208207/RN, Rel. Min. João Otávio de Noronha, j. em 24/3/2015, DJe de 27/3/2015, grifos nossos).

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. ICMS. CITAÇÃO POR EDI-TAL. NULIDADE. INOCORRÊNCIA. ATO QUE ATINGIU SUA FINALIDADE. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. PRINCÍPIOS DA INSTRUMENTALIDADE DAS FORMAS E DO PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF. CITAÇÃO EDITALÍCIA VÁLIDA. Recurso conhecido e provido” (TJPR, 3ª C.Cível, Pinhais, AI nº 1247385-3, Rel. Rodrigo Otávio Rodrigues Gomes do Amaral, unânime, j. em 16/6/2015).

“TRIBUTÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. SÓCIO NÃO ADMI-NISTRADOR. AUSÊNCIA DE DISSOLUÇÃO IRREGULAR DA EMPRESA. NECESSIDADE DE MAIOR DILAÇÃO PROBATÓRIA. ATOS CONSTITUTIVOS QUE SEQUER FORAM APRESENTADOS. INTELIGÊNCIA DA SÚMULA 393 DO STJ. NULIDADE DA CITAÇÃO EDITALÍCIA. COMPARECIMENTO ESPONTÂNEO DO EXECUTADO. JUNTADA DE CÓ-PIA DO EDITAL DE CITAÇÃO. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO. PRE-VALÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INSTRUMENTALIDADE DAS FORMAS. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DESTA CORTE. DECISÃO MANTIDA. Recurso conhecido e desprovido” (TJPR, 3ª C.Cível, Marilândia do Sul, AI nº 1270254-4, Rel. Rodrigo Otávio Rodrigues Gomes do Amaral, unânime, j. em 16/6/2015).

Art. 278 - A nulidade dos atos deve ser alegada na primeira oportunidade em que couber à parte falar nos autos, sob pena de preclusão.Parágrafo único - Não se aplica o disposto no caput às nulidades que o juiz deva decretar de ofício, nem prevalece a preclusão provando a parte legítimo impedimento.

I. Nulidade e preclusão

A regra do caput do art. 278 estabelece norma preclusiva para a alegação de nulidade. Tal dis-posição permite extrair a conclusão de que existem no âmbito do Código de Processo Civil duas espécies de nulidades: a nulidade absoluta e a nulidade relativa, que, para alguns, se classifica em nulidade insanável e nulidade sanável.

As nulidades insanáveis, também ditas absolutas, são aquelas que não se corrigem pelo de-curso do tempo, pelo avançar do processo e também não dependem de alegação das partes. Tais situações remontam a hipóteses tão graves que não estão sujeitas à incidência da norma do art. 278 e podem ser reconhecidas de ofício pelo juiz.

Entretanto, mesmo nas hipóteses em que se apresente uma nulidade insanável, por força do art. 10 do CPC/2015, não poderá o juiz deixar de ouvir as partes antes de decidir sobre a questão da nulidade. Por essa razão, ainda que o juiz verifique a existência de uma nulidade insanável, que deva conhecer de ofício, ainda assim deverá ouvir as partes para que estas se manifestem antes da decretação da nulidade.

Art. 278

Page 73: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

464

Fabrizzio Matteucci Vicente

Ainda a respeito das nulidades não sujeitas a preclusão, tem-se que a grande maioria delas é sanada pela formação da coisa julgada, considerada por muitos a sanatória geral de todas as invalidades processuais. Há, por outro lado, hipóteses de nulidades que não são sanadas pela formação da coisa julgada, e, neste aspecto, pode-se dividi-las em duas categorias: as nulidades que causam rescindibilidade da decisão, previstas nos incisos I a V do art. 966 do CPC/2015, e outras não previstas nesses incisos, mas que acabam fulminando de inexistência algum aspecto ou finalidade do ato formalmente nulo.

Não se está aqui defendendo que a ação rescisória seja uma ação de nulidade. São, aliás, ações bem distintas. Enquanto a ação de nulidade (não prevista no Código) é uma ação declaratória, a ação rescisória é uma ação desconstitutiva, que tem por objetivo desconstituir a coisa julgada ma-terial para viabilizar novo julgamento da matéria atingida por alguma das hipóteses do art. 966.

Assim, o legislador, a exemplo do que foi feito em 1973, não classificou as hipóteses de cabi-mento da ação rescisória como hipóteses de nulidade ou de injustiça: tratou todas elas sob a ter-minologia de rescindibilidades. O que ocorre é que nos incisos mencionados (I a V do art. 966) têm-se nulidades absolutas que por previsão normativa geram a rescindibilidade da coisa julgada material e, portanto, não são por esta sanadas.

1. Nulidade absoluta como causa de inexistência

Há, entretanto, ao menos, outra possibilidade de tratamento de nulidade absoluta também insa-nável mesmo pela formação da coisa julgada material: a nulidade de citação. Neste caso, embora no âmbito do processo a nulidade de citação possa ser declarada a qualquer tempo no curso do pro-cesso civil (um bom exemplo disso é a previsão expressa do art. 525, § 1º, inciso I, do CPC/2015), mesmo a formação da coisa julgada não é capaz de sanar o vício. Isto porque a nulidade de citação, tida pela doutrina como a mais grave das invalidades processuais, gera inexistência jurídica do processo para aquele que deveria ser réu, mas que pela nulidade de citação não o foi. A doutrina trata do tema sob o antitético título de réu revel não citado. O curioso é que, se o réu não foi citado, tecnicamente não é réu, e se não é réu, não poderá jamais ser considerado revel.

Nesta hipótese ganha relevância o quanto afirmado na parte introdutória das nulidades, na medida em que a aparente validade da citação gera o vício de tamanha gravidade que mesmo a coisa julgada material não será capaz de corrigi-la.

Neste caso, embora a coisa julgada possa existir para o autor, não existirá para aquele que deveria ser réu e não foi (art. 506 do CPC/2015). É justamente por essa razão que o mecanismo de impugnação, neste caso, será a querela nullitatis insanabilis, que, apesar do nome, não deve ser tratada como ação de nulidade insanável, mas sim como ação de inexistência insanável, na medida em que a correta tradução de nullum do latim para o português é “inexistente”.

2. Nulidades relativas – a razão de ser do dispositivo

Já as nulidades sanáveis, isto é, aquelas que interessam apenas à parte que sejam declaradas, caso não impugnadas na primeira oportunidade em que o interessado no seu reconhecimento falar nos autos, gerará preclusão, passando a refletir nos autos mera irregularidade, sem qualquer consequência negativa para o processo.

3. A impugnação da nulidade relativa

Chama a atenção, neste aspecto, a inovação trazida pelo art. 1.009, § 1º, do CPC/2015, que estabelece, para as decisões não relacionadas no art. 1.015, a ausência de preclusão, a permitir

Art. 278

Page 74: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

465

Fabrizzio Matteucci Vicente

que envolvam temas passíveis de debate em sede de apelação. Nesse aspecto, embora a parte interessada permaneça com o ônus de se manifestar na primeira oportunidade em que falar nos autos, para evitar a preclusão da nulidade sanável, em caso de indeferimento do pedido enten-demos que tal matéria será passível de alegação nas razões de apelação ou nas contrarrazões de apelação, na forma dos §§ 1º e 2º do art. 1.009 do CPC/2015.

II. Julgados“AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE SENTENÇA POR SER NULA A CITAÇÃO

DO RÉU REVEL NA AÇÃO EM QUE ELA FOI PROFERIDA. 1. PARA A HIPÓTESE PRE-VISTA NO ARTIGO 741, I, DO ATUAL CPC - QUE É A DA FALTA OU NULIDADE DE CITAÇÃO, HAVENDO REVELIA - PERSISTE, NO DIREITO POSITIVO BRASILEIRO - A ‘QUERELA NULLITATIS’, O QUE IMPLICA DIZER QUE A NULIDADE DA SENTENÇA, NESSE CASO, PODE SER DECLARADA EM AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE, INDEPENDENTEMENTE DO PRAZO PARA A PROPOSITURA DA AÇÃO RESCISÓRIA, QUE, EM RIGOR, NÃO É A CABIVEL PARA ESSA HIPÓTESE. 2. RECURSO EXTRAORDI-NÁRIO CONHECIDO, NEGANDO-SE-LHE, PORÉM, PROVIMENTO” (STF, Tribunal Pleno, RE nº 97589, Rel. Min. Moreira Alves, j. em 17/11/1982, DJ de 3/6/1983 PP-07883 EMENT VOL-01297-03 PP-00751 RTJ VOL-00107-02 PP-00778).

“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.EXECUÇÃO DE SENTENÇA. INTIMAÇÃO DA PENHORA E DA AVALIAÇÃO NA PES-

SOA DO DEVEDOR, NÃO DO PATRONO. NÃO DEMONSTRAÇÃO DE NULIDADE.PAGAMENTO PARCIAL DA DÍVIDA, SEM ALEGAÇÃO DE ERRO. PRECLUSÃO.ARREMATAÇÃO POR PREÇO VIL. INOCORRÊNCIA. AGRAVO NÃO PROVIDO.1. ‘Revelando os autos que os executados estiveram presentes e intervieram diversas vezes

sem o reclamo dos vícios apontados, indicando comportamento que pretende obstaculizar efeti-vamente a execução do título judicial, não há fundamento para a decretação de nulidade’ (REsp 640.185/SP, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 20/10/2005, DJ 20/02/2006, p. 333).

2. Tratando-se de nulidade relativa, como ora se apresenta, cabe à parte interessada arguir a irregularidade na primeira ocasião em que interveio nos autos, mas o fez, o que faz incidir a pena de preclusão. Inteligência do art. 245, caput, do CPC.

Precedentes do STJ.

3. O Tribunal aventa a ocorrência de preclusão a respeito da arrematação, ante a existência de diversas manifestações sem ataque ao referido valor; além disso, evidencia a inocorrência de ofensa ao princípio da menor onerosidade do devedor, pois o veículo teria sido adquirido por quantia superior a 50% do valor de avaliação.

Conclusões firmadas com base em fatos e provas e em harmonia com a jurisprudência do STJ - incidência das Súmulas 7 e 83 desta Corte.

4. Agravo regimental não provido” (STJ, 4ª T., AgRg no AREsp nº 642.221/SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. em 7/4/2015, DJe de 13/4/2015).

“Agravo de instrumento. Deserção. Inocorrência. Dispensa do recolhimento do porte de re-torno dos autos no caso de recurso interposto diretamente neste Tribunal. Inteligência do artigo 3º, § 2º, do Provimento CSM 2.195/2014. Instrução do instrumento suficiente para o julgamento. Preliminares rejeitadas.

Art. 278

Page 75: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

466

Fabrizzio Matteucci Vicente

Agravo de instrumento. Interposição contra decisão que não reconheceu nulidade processual por ausência de intimação da agravante de dois atos processuais. Agravante que teve ciência inequívoca das decisões, tanto assim que delas recorreu por meio de outro agravo de instrumen-to. Pretensa nulidade, ademais, que não foi alegada na primeira oportunidade em que falou nos autos. Nova avaliação do imóvel. Preclusão da discussão. Litigância de má-fé caracterizada. Recurso desprovido, com imposição de sanção processual” (TJSP, 33ª Câmara de Direito Priva-do, Autos nº 2061843-10.2015.8.26.0000, Rel. Maria Cláudia Bedotti, j. em 15/6/2015, data de registro: 20/6/2015).

“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PLEITEIA A EMBARGANTE QUE SEJA RECONHE-CIDA NULIDADE DA SENTENÇA RECORRIDA E, POR CONSEGUINTE, DO ACÓRDÃO EMBARGADO ANTE A CONFIGURAÇÃO DE CERCEAMENTO DE DEFESA. SUSTENTA QUE O PEDIDO PARA OITIVA DE TESTEMUNHAS RESTOU IGNORADO PELO JUÍZO DE ORIGEM, O QUE ACARRETOU PREJUÍZOS A SUA DEFESA, VEZ QUE O ACÓRDÃO EMBARGADO REFORMOU SENTENÇA QUE LHE BENEFICIAVA. RECEBO OS EM-BARGOS, PORQUE TEMPESTIVOS E, NO MÉRITO, ACOLHO-OS. É CEDIÇO QUE NU-LIDADE ABSOLUTA PODE SER ARGUIDA A QUALQUER TEMPO PELAS PARTES, OU AINDA, RECONHECIDA DE OFÍCIO PELO MAGISTRADO, NOS TERMOS DO ART. 245, PARÁGRAFO ÚNICO DO CPC. VERIFICA-SE QUE A NÃO REALIZAÇÃO DE AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO ACARRETOU PREJUÍZOS A EMBARGANTE, POIS O ACÓRDÃO EMBARGADO REFORMOU SENTENÇA QUE LHE BENEFICIAVA. ASSIM, TEM-SE QUE DEVE SER OPORTUNIZADA A EMBARGANTE A PRODUÇÃO DE PRO-VAS NECESSÁRIAS PARA O ESCORREITO JULGAMENTO DO FEITO, EVITANDO-SE AFRONTA AO ART. 5º, INC. LV DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NESSAS CONDIÇÕES, IMPÕE-SE A REFORMA DO ACÓRDÃO EMBARGADO A FIM DE DECLARAR A NULI-DADE DA SENTENÇA RECORRIDA, DETERMINANDO A REMESSA DOS AUTOS AO JUÍZO DE ORIGEM PARA REALIZAÇÃO DE AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO. EMBARGOS ACOLHIDOS. O julgamento foi presidido pelo Sr. Juiz Leo Henrique Furtado de Araújo, com voto, e dele participaram o Sr. Juiz Aldemar Sternadt” (TJPR, 1ª T. Recursal, Santo Antônio do Sudoeste, 0002238-43.2013.8.16.0154/1, Rel. Fernando Swain Ganem, j. em 24/3/2015).

“AÇÃO DE COBRANÇA. CONDOMÍNIO EDILÍCIO. Pretensão contra ex-síndico. Senten-ça de procedência. Redistribuído por força da Resolução 668/2014.

Apela o réu sustentando nulidade por ausência de intimação do assistente técnico para acom-panhar os trabalhos realizados pelo perito; e ter a sentença se baseado unicamente na prova pe-ricial. Descabimento. Nulidade arguida apenas nesta sede. Réu-recorrente deixou transcorrer ‘in albis’ o prazo para se manifestar sobre o laudo pericial. Incidência da preclusão. Inteligência do art. 245, caput, do CPC. Não se pronuncia nulidade sem a constatação do efetivo prejuízo (pas de nullité sans grief). Ausente indicação de qual fora o dano à defesa. Perícia de natureza contábil realizada com base nos documentos carreados. Inteligência dos arts. 244 e 249, §§ 1º e 2º, do CPC. Princípio da persuasão racional autoriza a livre valoração da prova pelo juiz de forma fun-damentada. Inteligência do art. 131 do CPC. Prova pericial equidistante e isenta do interesse das partes se afigura adequada para conferir supedâneo à motivação. Inocorrente demonstração nas razões recursais de que a perícia esteja em dissonância com algum outro elemento de convicção. Recurso improvido” (TJSP, 14ª Câmara Extraordinária de Direito Privado, São José dos Cam-pos, Autos nº 0389780-15.2008.8.26.0577, Rel. James Siano, j. em 17/6/2015, data de registro: 17/6/2015).

Art. 278

Page 76: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

467

Fabrizzio Matteucci Vicente

Art. 279 - É nulo o processo quando o membro do Ministério Público não for intimado a acompanhar o feito em que deva intervir.§ 1º - Se o processo tiver tramitado sem conhecimento do membro do Ministério Público, o juiz invalidará os atos praticados a partir do momento em que ele deveria ter sido intimado.§ 2º - A nulidade só pode ser decretada após a intimação do Ministério Público, que se manifestará sobre a existência ou a inexistência de prejuízo.

I. Nulidades e Ministério Público

A norma do art. 279 do CPC/2015 trata das consequências geradas pela ausência de intimação do Ministério Público nas causas em que sua atuação é exigida por lei (v.g. art. 178, CPC/2015). Como o art. 178, CPC/2015, exige a intimação nas situações nele relacionadas e em todas as ou-tras em que o procedimento prevê a intimação do parquet, a ausência dessa intimação implicará a nulidade dos atos processuais seguintes.

Tal previsão permite concluir que a ausência de intimação implica a situação de nulidade ab-soluta, passível de ser reconhecida a qualquer tempo no processo, inclusive, de ofício pelo juiz.

No que diz respeito à necessária oitiva prévia do Ministério Público, a norma, embora já exis-tente no CPC/1973 (art. 246), restou reforçada pelo art. 10 do CPC/2015, para o qual qualquer decisão de ofício do juiz deverá ser precedida da oitiva dos interessados.

1. Nulidades, Ministério Público e instrumentalidade

A novidade do dispositivo está na redação do § 2º, que, expressamente, estabelece que a nu-lidade somente poderá ser decretada se, ouvido o Ministério Público, houver demonstração de prejuízo.

Na verdade, a redação do § 2º em questão nada mais faz senão reiterar a regra pas de nullitè sans grief, especificamente para as situações de participação do Ministério Público. A regra está de acordo com o art. 283, parágrafo único, e, na prática, apenas legaliza a jurisprudência que se consolidou sobre o tema.

II. Julgados

“AGRAVO REGIMENTAL. PROCESSUAL CIVIL. FALÊNCIA. LEILÃO JUDICIAL. AU-SÊNCIA. MINISTÉRIO PÚBLICO. INEXISTÊNCIA DE PREJUÍZO. ARGUIÇÃO DE NULI-DADE DA INTIMAÇÃO, APÓS A ARREMATAÇÃO DO BEM. IMPRESCINDIBILIDADE DO AJUIZAMENTO DE AÇÃO PRÓPRIA. ART. 486 DO CPC. ARGUMENTO AUTÔNOMO RELEVANTE, NÃO IMPUGNADO. INCIDÊNCIA, POR ANALOGIA, DA SÚMULA 283/STF.

1. Não enseja declaração de nulidade do ato a ausência de representante do Ministério Público ao leilão judicial, porquanto inexistente prejuízo às partes e ao processo, máxime diante do fato de que, em segunda instância, manifestou-se o Parquet pela convalidação da hasta pública. Incidência do princípio da instrumentalidade das formas. Precedentes.

[…] 4. Agravo regimental não provido” (STJ, 4ª T., AgRg no AgRg no REsp nº 1193362/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. em 2/6/2015, DJe de 9/6/2015, grifos nossos).

Art. 279

Page 77: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

468

Fabrizzio Matteucci Vicente

“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. Intimação. Omissão. – 1. Ministério Público. Oitiva. Ante a unicidade do Ministério Público, a não abertura de vista em segundo grau de agravo interposto pelo próprio Ministério Público não implica em nulidade. Não há demonstração de prejuízo a justificar a anulação da decisão. Hipótese em que o inconformismo pode ser e foi vei-culado nos embargos de declaração. Inexistência de prejuízo. Jurisprudência pacífica da Câmara Ambiental e do Superior Tribunal de Justiça. – 2. Omissão. Configura-se a omissão quando o acórdão não aprecia questão que devia apreciar. Não há omissão quando o acórdão examina as questões e fundamentos necessários à solução da controvérsia, deixando de lado questões irre-levantes, implicitamente rejeitadas ou que, pela natureza, não permitem apreciação nesse mo-mento do processo. Omissão inexistente. – Embargos rejeitados” (TJSP, 1ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente, Tanabi, Autos nº 2028741-94.2015.8.26.0000, Rel. Torres de Carvalho; j. em 18/6/2015, data de registro: 20/6/2015).

“APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE SONEGADOS - AUTOR INTERDITO - AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA MANIFESTAR-SE EM DIVERSAS FASES PROCESSUAIS, INCLUSIVE PARA EMITIR PARECER ANTES DA SENTENÇA - CAUSA JULGADA CONTRA O INTERESSE DO INCAPAZ - PREJUÍZO CARACTERIZADO - ACO-LHIMENTO DA NULIDADE ARGUIDA PELA PROCURADORIA DA JUSTIÇA (CPC, ARTS. 82, I, E 246), PARA ANULAR OS ATOS PROCESSUAIS ATINGIDOS PELO VÍCIO, PREJU-DICADO O EXAME DO MÉRITO DO RECURSO. ‘É nulo o processo, quando o Ministério Público não for intimado a acompanhar o feito em que deva intervir’ (CPC, art. 246)” (TJPR, 11ª C.Cível, Cascavel, AC nº 422942-5, Rel. Mendonça de Anunciação, unânime, j. em 21/1/2009).

Art. 280 - As citações e as intimações serão nulas quando feitas sem observância das prescrições legais.

I. A comunicação dos atos processuais e sua invalidade

Na mesma linha das notas introdutórias acerca dos requisitos formais para a validade dos atos processuais, preocupando-se com a validade dos atos de comunicação processuais, fundamentais para a aplicação dos regimes de preclusão e desenvolvimento dos atos processuais, estabeleceu o legislador regra específica, fulminando de nulidade absoluta o ato de comunicação que não atender aos critérios formais de sua realização.

Entretanto, a nulidade dos atos de comunicação não ensejará, necessariamente, a invalidação do ato eivado de vício. É preciso que o vício formal também atenda os demais critérios meritórios de determinação da nulidade. Se o ato de comunicação, embora nulo, atenda à sua finalidade, poderá ser considerado como mera irregularidade, desde que não cause qualquer prejuízo às partes.

Por outro lado, presente qualquer prejuízo e não atendida a finalidade, deve-se declarar nulo o ato de comunicação, devolvendo-se à parte a oportunidade comunicada no ato declarado nulo, bem como a nulidade de todos os atos processuais seguintes que a ele estejam relacionados (art. 282, CPC/2015).

II. Julgados

“AÇÃO RESCISÓRIA. RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS DE TRÊS GRUPOS. RE-CURSO DE UM DOS GRUPOS (O SEGUNDO) AO QUAL FOI NEGADO SEGUIMENTO.

Art. 280

Page 78: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

469

Fabrizzio Matteucci Vicente

PRECLUSÃO DO DESPACHO INDEFERITÓRIO, POR FALTA DE AGRAVO. RECURSO DO PRIMEIRO GRUPO: TEMPESTIVIDADE. CITAÇÃO REGULAR. RECURSO DO TER-CEIRO GRUPO: CITAÇÃO IRREGULAR. NULIDADE. SE AO RECURSO DO SEGUNDO GRUPO […] FOI NEGADO PROCESSAMENTO, E NÃO FOI INTERPOSTO AGRAVO DE INSTRUMENTO ATACANDO O DESPACHO INDEFERITÓRIO, RESTOU PRECLUSA TAL DECISÃO INDEFERITÓRIA. O RECURSO DO PRIMEIRO GRUPO […] NÃO É INTEMPES-TIVO, JÁ QUE O PEDIDO DE SUSPENSÃO DO PRAZO SE DEU NO ÚLTIMO DIA DESTE, E CONCEDIDA A PRORROGAÇÃO POR 60 DIAS, EM DECORRÊNCIA DO FALECIMEN-TO DA PROGENITORA DOS RECORRENTES, QUE ERA PARTE NA AÇÃO, O RECURSO FOI INTERPOSTO AINDA DENTRO DO ESPAÇO DE TEMPO CONCEDIDO. ENTRETAN-TO, A CITAÇÃO, CUJA IRREGULARIDADE FOI SUSCITADA, FOI EFETUADA CORRE-TAMENTE, POIS A ADVERTÊNCIA SOBRE O ART. 285 DO CPC FOI FEITA, EMBORA PELO ESCRIVÃO, E RATIFICADA PELO JUIZ. ADEMAIS, DA INICIAL JÁ CONSTAVA A ADVERTÊNCIA, O QUE É SUFICIENTE, SEGUNDO O DISPOSTO NO ART. 223, PARÁ-GRAFO 3º DO CPC. RECURSO NÃO CONHECIDO. O RECURSO EXTRAORDINÁRIO DO TERCEIRO GRUPO […] FOI CONHECIDO E PROVIDO, PORQUANTO A CITAÇÃO, NO QUE LHE DIZ RESPEITO, FOI NULA, POR NÃO SÓ NÃO LHES TER SIDO ENTREGUE A CONTRA-FÉ DO MANDADO, COMO POR SEQUER LHES TER SIDO LIDO O MANDADO, COMO EXIGE O ART. 226, I, COMBINADO COM O ART. 247, TUDO DO CPC. RECURSO EXTRAORDINÁRIO DO TERCEIRO GRUPO, CONHECIDO E PROVIDO, PARA DECLA-RAR NULAS AS CITAÇÕES, PELO QUE FICAM ANULADOS OS ATOS, NO QUE LHES DIZ RESPEITO, A PARTIR DE ENTÃO, DEVENDO, APÓS A VOLTA DOS AUTOS AO TRI-BUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO PARÁ PODEREM CONTESTAR A AÇÃO RESCISÓRIA CONTRA ELES MOVIDA, SER CITADOS” (STF, 2ª T., RE nº 101580, Rel. Min. Aldir Passarinho, j. em 23/10/1987, DJ de 21/10/1988 PP-27316 EMENT VOL-01520-02 PP-00295).

“PROCESSUAL CIVIL. ADVOGADO. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO. ARTS. 236, § 1º, E 247 DO CPC. PREJUÍZO. INEXISTÊNCIA. REVISÃO. MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. SÚMULA 7/STJ.

1. Hipótese em que o Tribunal a quo consignou que o autor ‘almeja, de forma descabida e em desconsideração para com o princípio da instrumentalidade das formas (CPC, art. 249, § 1º), a anulação do processo desde quando fora formulado o pedido de alteração de patrocínio. E que, em verdade, somente deixara de acudir os chamamentos que lhe foram endereçados quando se deparara com a publicação do acórdão que provera o apelo do Distrito Federal, pois, a despeito de não realizadas as anotações provenientes da mudança que reclamara, determinando que as publicações continuassem sendo realizadas em nome do patrono em nome de quem eram reali-zadas, acudira os chamados anteriores, inclusive para contrariar o apelo, que fora firmado […].

Ou seja, a omissão cartorária não irradiara, até a solução do apelo, nenhum prejuízo, obstando a resolução pretendida, que certamente fora formulada em face do provimento do apelo do Dis-trito Federal’ (fl. 339).

2. Rever tal entendimento implica, como regra, reexame de fatos e provas, obstado pelo teor da Súmula 7/STJ.

3. Ademais, o STJ possui entendimento no sentido de que não há falar em violação dos arts. 236, § 1º, e 247 do CPC, quando a ausência de intimação não acarreta prejuízo à parte.

4. O agravante reitera, em seus memoriais, as razões do Agravo Regimental, não apresentando nenhum argumento novo.

Art. 280

Page 79: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

470

Fabrizzio Matteucci Vicente

5. Agravo Regimental não provido” (STJ, 2ª T., AgRg no REsp nº 1410718/DF, Rel. Min. Herman Benjamin, j. em 5/8/2014, DJe de 18/8/2014).

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. Requerimento expresso de intimação em nome do advogado indicado. Não observância. Nulidade. Reconhecimento. Acórdão anulado.

‘Havendo requerimento expresso de intimação exclusiva, é nula a intimação em nome de outrem, ainda que conste nos autos instrumento de substabelecimento’” (TJSP, 11ª Câmara de Direito Privado, Dois Córregos, Autos nº 2025843-11.2015.826.0000, Rel. Gilberto dos Santos, j. em 25/6/2015, data de registro: 27/6/2015).

“APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO ORDINÁRIA DE COBRANÇA - ECAD - ESCRITÓRIO CENTRAL DE ARRECADAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO - DIREITOS AUTORAIS NULIDADE DE CITAÇÃO DE EMPRESÁRIO INDIVIDUAL REVEL, ART. 247 DO CÓDIGO DE PRO-CESSO CIVIL PESSOA DIVERSA CONDENAÇÃO IMPOSTA PREJUÍZO CONFIGURADO - AUSÊNCIA DE PRESSUPOSTO PROCESSUAL, CITAÇÃO VÁLIDA MATÉRIA DE OR-DEM PÚBLICA APRECIÁVEL DE OFÍCIO EXEGESE DO ART. 267 § 3º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, QUE PREVALECE AO PRINCÍPIO DA NON REFORMATIO IN PEJUS, SEM CONFIGURAR JULGAMENTO EXTRA PETITA ENTENDIMENTO ACOLHIDO PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA NO AG 879.865/SP NULIDADE DO PROCESSO A PARTIR DO DEFERIMENTO DA CITAÇÃO REMESSA DOS AUTOS PARA A COMARCA DE ORIGEM - RECURSO NÃO CONHECIDO” (TJPR, 4ª C.Cível, Guaratuba, AC nº 724417-1, Rel. Lélia Samardã Giacomet, unânime, j. em 22/3/2011).

“Agravo de Instrumento. Restauração de Autos. Ex-sócio citado. Ausência de poderes. Nuli-dade da citação. Aplicação do art. 247 do Código de Processo Civil. Decisum reformado. Recurso provido” (TJPR, 8ª C.Cível, Ponta Grossa, AI nº 1173849-3, Rel. Sérgio Roberto N. Rolanski, unânime, j. em 29/5/2014).

Art. 281 - Anulado o ato, consideram-se de nenhum efeito todos os subsequentes que dele dependam, todavia, a nulidade de uma parte do ato não prejudicará as outras que dela sejam independentes.

I. Consequências das invalidadesO processo civil não é um fenômeno estático, que se limita a apenas um ato jurídico. O pro-

cesso é uma relação jurídica, que se desenvolve em atos jurídicos logicamente encadeados e di-rigidos à entrega de uma tutela jurisdicional. É justamente o fato de ser um fenômeno complexo, composto por vários atos jurídicos, que estabelece a definição legal do art. 281, equivalente ao art. 248 do CPC/1973, quais as consequências que a decretação da nulidade gerará para os atos processuais seguintes.

O dispositivo, de um lado, amplia o vício da nulidade a todos os atos jurídicos processuais que mantenham relação de dependência subsequente com o ato invalidado. De outro, em atendimento aos princípios da celeridade e da economia das formas, mantêm-se os atos processuais indepen-dentes dos atos declarados nulos, evitando a sua desnecessária repetição.

1. Nulidades parciaisPor outro lado, se o ato puder ser dividido em partes, a parcela nula não implica a nulidade de

todas as demais parcelas.

Art. 281

Page 80: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

471

Fabrizzio Matteucci Vicente

Para que se entenda, adequadamente, a possibilidade de declaração parcial de nulidade de um ato jurídico processual, é preciso que se compreenda que o processo civil se desenvolve em uma relação de continente e conteúdo, de tal maneira que cada ato processual é continente e o que cada ato processual pode veicular deve ser considerado seu conteúdo.

Nessa perspectiva, um mesmo ato processual pode veicular mais de um conteúdo, atendidos os requisitos processuais para que isso ocorra. É o que se observa na petição inicial, por meio da qual se pode veicular mais de uma ação, desde que se cumulem pedidos; da contestação, em que se veicula mais de uma defesa ou da sentença, em que se veicula mais de um julgamento. É justamente esta premissa que permitiu o desenvolvimento da teoria dos capítulos da sentença, expressamente adotada no CPC/2015, que em seus arts. 1.009, § 3º, e 966, § 3º, tratando, positi-vadamente de capítulos de sentença ou de decisão.

Assim, o art. 281 em análise refere-se à possibilidade de que um dos conteúdos de um mesmo continente seja eivado de nulidade, mantendo-se a validade dos demais.

II. Julgados

“SENTENÇA. REQUISITOS. UNIDADE. NULIDADE. PRESTAÇÃO DE CONTAS. NULA É A SENTENÇA QUE DEFERE AOS PERITOS A FIXAÇÃO DA RESPONSABILIDADE PELO ALCANCE NA PRESTAÇÃO DE CONTAS, JULGADA DESDE LOGO IMPROCE-DENTE, E EM UM SEGUNDO MOMENTO, APÓS A REALIZAÇÃO DA PERÍCIA, CONSI-DERA O JUÍZO TÉCNICO, SEM QUALQUER APRECIAÇÃO, COMO INTEGRANTE DO JULGADO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO” (STF, 1ª T., RE nº 105612, Rel. Min. Rafael Mayer, j. em 6/12/1985, DJ de 19/12/1985 PP-23631 EMENT VOL-01405-05 PP-01045).

“MANDADO DE SEGURANÇA. ATO DO CORREGEDOR-GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO QUE MANDA REINTEGRAR NA POSSE DE IMÓVEL OS REQUERENTES DE CORREIÇÃO PARCIAL, CONTRA ATO DE JUIZ DE DIREITO, EM AÇÃO POSSESSÓRIA. OS BENEFICIÁRIOS DO ATO DO CORREGEDOR-GERAL, IMPUGNADO NO MANDADO DE SEGURANÇA, SÃO LITISCONSORTES PASSIVOS NECESSÁRIOS, NO FEITO MAN-DAMENTAL. LEI N. 1533/1951, ART-19; C.P.C., ARTS. 47, PARÁGRAFO ÚNICO, E 48. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO, PARA CASSAR O ACÓRDÃO E ANULAR O PROCESSO DO MANDADO DE SEGURANÇA, A PARTIR DAS INFORMA-ÇÕES EXCLUSIVE, DEVENDO O RECORRENTE, COMO LITISCONSORTE NECESSÁ-RIO, SER CITADO, PARA COMPOR A RELAÇÃO PROCESSUAL” (STF, 1ª T., RE nº 95752, Rel. Min. Néri da Silveira, j. em 18/6/1984, DJ de 19/10/1984 PP-17480 EMENT VOL-01354-02 PP-00270 RTJ VOL-00114-02 PP-00627).

“PROCESSUAL CIVIL. PEDIDO DE INTIMAÇÃO EXCLUSIVA. PUBLICAÇÃO NO NOME DE ADVOGADO DIVERSO. RECONHECIMENTO DE NULIDADE. ART. 236, § 1º, c/c 248, CPC.

1. Ausente a intimação das partes do julgamento monocrático do recurso especial, conforme certificado nos autos, impera anular os atos processuais posteriores àquele julgamento, com a reabertura do prazo recursal.

2. Requerimento de nulidade deferido” (STJ, 2ª T., PET no AREsp nº 163.496/DF, Rel. Min. Humberto Martins, j. em 11/6/2013, DJe de 19/6/2013).

“PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL - NECESSIDADE DE IN-TIMAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO - ATUAÇÃO OBRIGATÓRIA COMO FISCAL DA

Art. 281

Page 81: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

472

Fabrizzio Matteucci Vicente

LEI QUANDO NÃO INTERVIER COMO PARTE - LACP, 5º, § 1º - INCIDÊNCIA DOS ARTS. 83, 84, 246 E PARÁGRAFO ÚNICO DO CPC - NULIDADE CONFIGURADA - LIMITES DOS EFEITOS DOS ATOS PRATICADOS DA DEMANDA - APLICAÇÃO DA REGRA DO ART. 248 DO CPC - PROCESSO ANULADO, DE OFÍCIO, A PARTIR DA CITAÇÃO - PREJUDICADOS OS RECURSOS DAS PARTES” (TJSP, 1ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente, Peruíbe, Autos nº 0005876-59.2009.8.26.0441, Rel. Moreira Viegas, j. em 18/6/2015, data de registro: 19/6/2015).

“APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS DE TERCEIRO. DECISÃO PROLATADA APÓS A SENTENÇA. IMPOSSIBILIDADE DE A APELAÇÃO, NESTA PARTE, SER CONHECIDA. FALTA DE INTIMAÇÃO VÁLIDA DOS ATOS PROCESSUAIS POSTERIORES À CONTES-TAÇÃO. NULIDADE PROCESSUAL. VIOLAÇÃO AO ART. 247 DO CÓDIGO DE PROCES-SO CIVIL. 1. O recurso de apelação não é o meio adequado para impugnar decisão interlocu-tória. Assim, na parte em que a apelação impugna decisão interlocutória posterior à prolação da sentença não pode ser conhecido. 2. A ausência de intimação dos advogados constituídos durante todo o trâmite processual, nos termos do art. 247 do Código de Processo Civil, é causa de nulidade processual, devendo ser reconhecida de ofício. 3. Mesmo não tendo os advogados da embargada sido intimados da decisão que facultou ao embargante manifestar-se sobre a contesta-ção, inviável anular-se o processo para que nova impugnação seja apresentada, até porque, além de ausência de prejuízo, a intimação para manifestar-se sobre a contestação destina-se precipu-amente ao autor, e não ao réu” (TJPR, 18ª C.Cível, Cascavel, AC nº 1102825-8, Rel. Eduardo Sarrão, unânime, j. em 4/12/2013).

Art. 282 - Ao pronunciar a nulidade, o juiz declarará que atos são atingidos e ordenará as providências necessárias a fim de que sejam repetidos ou retificados.§ 1º - O ato não será repetido nem sua falta será suprida quando não prejudicar a parte.§ 2º - Quando puder decidir o mérito a favor da parte a quem aproveite a decretação da nulidade, o juiz não a pronunciará nem mandará repetir o ato ou suprir-lhe a falta.

I. Relação de dependência entre as nulidades e a forma de aproveitamento dos atos pro-cessuais

A regra do art. 282, que corresponde ao art. 249 do CPC/1973, é consequência do art. 281 do CPC/2015: se a declaração de nulidade de um ato processual prejudicará todos os atos pro-cessuais que dele sejam dependentes, é fundamental que o juiz declare quais os atos que serão atingidos pela nulidade, bem como que organize o desenvolvimento do processo para que os atos aproveitáveis sejam eventualmente retificados e, se for necessário, que sejam repetidos.

Em atendimento ao princípio da economia processual e, também, ao da celeridade, deve-se preferir a retificação, sempre que possível for, no lugar da repetição do ato que, não raras vezes, prejudica a celeridade e aumenta o custo dos atos processuais.

A fim de que se situe bem a regra, essa determinação de retificação ou mesmo de repetição dos atos processuais só deverá ocorrer se houver prejuízo do ato praticado de forma nula a qualquer

Art. 282

Page 82: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

473

Fabrizzio Matteucci Vicente

das partes. É a combinação da aplicação deste dispositivo com aquela do art. 283 que impõe o princípio pas de nullité sans grief.

Já o § 2º do art. 282 do CPC/2015 traz um princípio processual, elevado a este grau pelo CPC/2015, que prefere a decisão de mérito no lugar daquela que se limita a decretar a nulidade do ato processual. A inversão dessa regra implicará a prevalência da regra processual sobre a de-cisão de mérito, por meio da qual a tutela jurisdicional é efetivamente entregue. Nesse sentido, a regra do art. 282, § 2º, do CPC/2015 se coaduna com a instrumentalidade do processo que impõe o conceito de que a técnica jamais deve se sobrepor à justiça.

Tal dispositivo deve ser estudado em conjunto com os arts. 488, 932, parágrafo único, 938, § 1º, 1.009, § 3º, incisos II e IV, todos do CPC/2015, que preferem a decisão de mérito à decretação de nulidade que venha a impedir o seu julgamento.

II. Julgados

“Ementa: MANDADO DE SEGURANÇA. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. DE-CISÃO QUE DETERMINA AO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA PARAÍBA QUE PROCEDA À REMOÇÃO DE SERVIDORES PREVIAMENTE À NOMEAÇÃO DE CANDI-DATOS APROVADOS EM CONCURSO PÚBLICO E INTEGRANTES DE CADASTRO DE RESERVA. NÃO SE DECLARA A NULIDADE PROCESSUAL DECORRENTE DA AUSÊN-CIA DE CITAÇÃO DE TODOS OS SERVIDORES INTERESSADOS, QUANDO O MÉRITO FOR FAVORÁVEL, TAL COMO IN CASU, À PARTE A QUEM A NULIDADE APROVEITAR (ART. 249, § 2º, DO CPC). MODIFICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO ESTATUTÁRIA DOS SERVI-DORES DA JUSTIÇA PARAIBANA QUE NÃO ALTERA A SISTEMÁTICA ADOTADA PARA A REMOÇÃO E NOMEAÇÃO DE SERVIDORES. OBRIGATORIEDADE DA PRECEDÊNCIA DA REMOÇÃO SOBRE A INVESTIDURA DE CONCURSADOS. DISCRICIONARIEDADE DA ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA PARAIBANA NA ALOCAÇÃO DOS RESPECTIVOS RECURSOS HUMANOS NÃO É IRRESTRITA E FICA ENTRINCHEIRADA PELA LEI E PELO PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO DA CONFIANÇA QUE ASSEGURA AOS SERVIDORES O DIREITO DE PRECEDÊNCIA SOBRE OS CANDIDATOS APROVADOS. 1. O art. 249, § 2º, do CPC impõe o não reconhecimento da nulidade processual quando, tal como na hipótese dos autos, o mérito for favorável à parte a quem a nulidade aproveitar. A ausência de citação de todos os servidores antigos é nulidade que, caso fosse declarada, prejudicaria os próprios servi-dores e em ofensa ao preceito acima referido do codex processual civil. 2. […]” (STF, Tribunal Pleno, MS nº 29350, Rel. Min. Luiz Fux, j. em 20/6/2012, Processo eletrônico DJe-150, divulg. 31/7/2012, public 1º/8/2012, grifos nossos).

“PROCESSUAL CIVIL. ADMISSIBILIDADE. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO.

SÚMULA N. 211/STJ. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECU-TIVIDADE RECEBIDA COMO IMPUGNAÇÃO. NÃO DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO. NÃO CONFIGURAÇÃO DE INTERESSE.

1. Aplica-se o óbice previsto na Súmula n. 211/STJ quando a questão suscitada no recurso especial, não obstante a oposição de embargos declaratórios, não tenha sido apreciada pela Corte a quo.

2. O acesso à via excepcional, nos casos em que o Tribunal a quo, a despeito da oposição de embargos de declaração, não regulariza a omissão apontada, depende da veiculação, nas razões do recurso especial, de ofensa ao art. 535 do CPC.

Art. 282

Page 83: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

474

Fabrizzio Matteucci Vicente

4. Não se pronuncia a nulidade sem a demonstração do prejuízo, consoante o princípio pas de nulitté sans grief, consagrado pelos arts. 244 e 249, § 1º, do CPC.

5. A decisão que recebe exceção de pré-executividade como impugnação ao cumprimento de sentença não padece de nulidade se não alegado prejuízo supostamente ocasionado ao excipien-te/impugnante, inexistindo interesse de agir em ver declarada a nulidade de tal decisum porquan-to inviável aferir a utilidade/necessidade do provimento jurisdicional almejado.

6. Recurso especial parcialmente conhecido e desprovido” (STJ, 3ª T., REsp nº 1513256/SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, j. em 2/6/2015, DJe de 9/6/2015).

“PROCESSUAL CIVIL. NULIDADE PROCESSUAL. Agravo de instrumento contra a deci-são que, em ação de indenização por danos morais decorrentes de suposta negligência médica, indeferiu a realização de nova prova pericial.

Houve, de fato, vício na intimação do advogado da agravante, que, portanto, não pôde partici-par da produção da prova pericial. O Douto Magistrado reconheceu a nulidade processual e, por isso, determinou republicação das decisões tomadas.

Contudo, esta decisão não acarretou a anulação da prova pericial (art. 249, do Código de Processo Civil). Não obstante a falta de apresentação de quesitos e indicação de assistente téc-nico pelo agravante, certo é que a nulidade pode ser suprida, com a complementação da prova pericial. É o que basta para garantir o contraditório e a ampla defesa. Aplicação do princípio da instrumentalidade das formas.

Recurso parcialmente provido a fim de que seja a prova pericial complementada, de modo a permitir a apresentação de quesitos pelo agravante, bem como a indicação de assistente técnico” (TJSP, 10ª Câmara de Direito Privado, Campinas, Autos nº 2010946-12.2014.8.26.0000, Rel. Carlos Alberto Garbi, j. em 8/4/2014, data de registro: 11/4/2014).

“[…] APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. EXAME NA SENTENÇA. NULIDADE DO PROCESSO. PROVA ORAL NÃO ATINGIDA. ART. 249 DO CPC. RESSALVA. RECURSO PREJUDICADO. 1. A inversão do ônus da prova é regra de procedimento e, nessa condição, deva ser analisada antes do início da fase probatória do processo de conhecimento, caso seja relevante para o julgamento da causa. 2. A nulidade do processo, dado o exame do pedido de inversão do ônus da prova apenas na sentença, não atinge a prova oral produzida, razão pela qual se impõe ressalvar a sua validade, nos termos do art. 249, do Código de Processo Civil. 3. Apelação cível conhecida e, de ofício, declarada a nulidade do processo, prejudicado o recurso de apelação” (TJPR, 15ª C.Cível, Ibiporã, AC nº 848186-5, Rel. Luiz Carlos Gabardo, unânime, j. em 7/3/2012, grifos nossos).

Art. 283 - O erro de forma do processo acarreta unicamente a anulação dos atos que não possam ser aproveitados, devendo ser praticados os que forem necessários a fim de se observarem as prescrições legais.Parágrafo único - Dar-se-á o aproveitamento dos atos praticados desde que não resulte prejuízo à defesa de qualquer parte.

I. Instrumentalidade e fungibilidade

O art. 283, que corresponde ao art. 250 do CPC/1973, reafirma, de um lado, a regra dos

Art. 283

Page 84: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

475

Fabrizzio Matteucci Vicente

arts. 281 e 282, restringindo a decretação da nulidade aos atos processuais que não possam ser retificados.

Houve, de outro lado, alteração na redação do dispositivo em questão: no caput retirou-se a expressão “quanto possível”, que fortalecia o conceito de que as formas não são preponderantes para a validade do ato, embora sejam bom indício dela. De outro, incluiu-se no parágrafo único a expressão “de qualquer parte”.

O artigo, em seu caput, revela o princípio da instrumentalidade das formas, combinado com o princípio da fungibilidade, admitindo-se expressamente que o ato praticado por forma equivoca-da não será declarado nulo se puder ser aproveitado. De outro lado, busca a segurança jurídica, estabelecendo-se a eventual necessidade de se adotarem atos de adaptação para garantia das prescrições legais (não mais apenas quando for possível).

1. Instrumentalidade, fungibilidade e ausência de prejuízo

De outro lado, o parágrafo único, uma vez mais, condiciona o aproveitamento do ato proces-sual praticado com erro de forma se, e somente se, não houver prejuízo a qualquer das partes. É preciso, neste dispositivo, ainda, destacar duas situações que podem ocorrer na aplicação do dispositivo: a fungibilidade, para o fim de permitir que um ato praticado sob determinada forma e que tenha atingido a finalidade de outro seja tratado como se fosse este último (fungibilidade); a outra é a conversibilidade, que se reflete na possibilidade de um ato que deveria atender a de-terminada finalidade, mas que praticado de outra forma possa ser convertido em outro, a fim de aproveitá-lo, sem prejuízo para as partes, e para colaborar com o desenvolvimento do processo.

Parece-nos que o dispositivo, ante sua redação, permite as duas figuras no processo civil.

II. Julgados

“RECURSO - PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE. O princípio da fungibilidade consta im-plicitamente do Código de Processo Civil - artigo 250 - e expressamente do Código de Processo Penal - artigo 579. Descabe empolgá-lo quando o caso é de erro grosseiro, e isso ocorre em se tratando de decisão do Tribunal Superior Eleitoral prolatada em agravo interposto contra pronun-ciamento do relator que implicou negativa de sequência a recurso especial. Na hipótese, em vez de ser protocolado o extraordinário, foi apresentado o recurso ordinário previsto no artigo 102, inciso II, da Constituição Federal e na parte final do artigo 281 do Código Eleitoral em relação às decisões denegatórias de ordem em habeas corpus ou mandado de segurança. PRESCRIÇÃO - PRETENSÃO PUNITIVA - EXAME. O exame da prescrição da pretensão punitiva há de se fazer a partir de elementos próprios revelados no processo a que responde o acusado, e não em autos formados, objetivando o processamento de extraordinário” (STF, 1ª T., AI nº 504598 AgR, Rel. Min. Marco Aurélio, j. em 23/11/2004, DJ de 17/12/2004 PP-00053 EMENT VOL-02177-11 PP-02229).

“AGRAVO REGIMENTAL. PROCESSUAL CIVIL. NULIDADE. SUBSTABELECIMEN-TO SEM RESERVAS. POSSIBILIDADE DE APROVEITAMENTO DOS ATOS QUE NÃO TE-NHAM CAUSADO PREJUÍZO. ART. 535 DO CPC. INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO.

1. Tem perfeita aplicação o teor dos arts. 248 a 250 do Código de Processo Civil, referentes ao aproveitamento dos atos tidos como nulos, naquilo que não gerar prejuízo às partes, mesmo nas hipóteses de nulidade absoluta.

2. Calcada em hipótese de anulabilidade, não merece prosperar a alegação de que a decretação de nulidade do instrumento de cessão do mandato conferiu a esta caráter absoluto.

Art. 283

Page 85: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

476

Fabrizzio Matteucci Vicente

3. O aproveitamento das intimações que sucederam o substabelecimento declarado nulo não acarretou prejuízo à parte autora, uma vez que foram feitas em nome do patrono original, signa-tário de todas as peças posteriormente protocoladas.

4. Quanto ao mérito, inexiste violação do art. 535 do Código de Processo Civil.

5. Agravo regimental improvido” (STJ, 6ª T., AgRg no AgRg no REsp nº 826.839/DF, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, j. em 20/9/2011, DJe de 17/10/2011).

“COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA. REVISÃO CONTRATUAL. OBRIGAÇÃO DE FAZER. MEDIDA CAUTELAR. Demandas julgadas conjuntamente. Ações conexas. Mitigação do princípio da unirrecorribilidade, porque não verificado prejuízo processual ou ao contraditó-rio. Peças protocolizadas quase que simultaneamente. Inteligência do art. 250, caput e parágrafo único do CPC. Conhecido o apelo. Alegação de capitalização de juros pela utilização de método de amortização francês (Tabela Price). Não constatação. Legalidade do método. Não demonstra-da onerosidade excessiva. Perícia contábil que também afastou alegação de que praticados juros superiores ao contratado. Observada regularidade da cobrança, não há que se falar em devolução de valores, ainda menos em dobro. Não verificada qualquer prática abusiva por parte da vendedo-ra, quem, ainda, cumpriu com sua parte na avença. Inaplicabilidade da exceção do contrato não cumprido. Incontroverso o inadimplemento dos compradores apelantes, legítima a anotação de seus nomes em rol de inadimplentes, do que decorre a rejeição do pedido cautelar. Contrato cele-brado que, ainda, previu a celebração de alienação fiduciária quando da entrega das chaves. Pos-sibilidade de aplicação de multa cominatória diária, fixada em R$ 200,00, com incidência máxi-ma de 30 dias. Inteligência do art. 416, § 2º do CPC. Valor que se revela razoável e proporcional. Sentença mantida, nos termos do art. 252 do Regimento Interno desta egrégia corte. Recurso des-provido” (TJSP, 6ª Câmara de Direito Privado, São Paulo, Autos nº 0120054-30.2007.8.26.0008, Rel. Ana Lucia Romanhole Martucci, j. em 30/7/2014, data de registro: 30/7/2014).

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. LIMINAR DEFERI-DA. PRETENSA IRREGULARIDADE NA NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL. INEXISTÊN-CIA. INADIMPLÊNCIA SUFICIENTEMENTE DEMONSTRADA. MORA CONTRATUAL EVIDENCIADA. ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL. INOCORRÊNCIA. MANUTENÇÃO DE POSSE. INADMISSIBILIDADE. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1) O art. 2º, § 2º, do Decreto-Lei nº 911/1969, não pode ser utilizado com o único propósito de perpetuar o estado de inadimplência, sob pena de que o judiciário, indevidamente, obstaculize que o credor retome a garantia, que foi posta no momento da celebração do negócio jurídico, por uma questão de excesso de formalismo. 2) Nos termos do art. 250 do Código de Processo Civil, não se decreta a nulidade de ato que não causou prejuízo à parte (pas de nullité sans grief). 3) É inadmissível deferir o pedido de manutenção de posse, sob o fundamento de que o bem é imprescindível ao desenvolvimento de determinada atividade econômica, quanto não se trata de caso excepcional. 4) Não há que se falar em quitação substancial do contrato, na hipótese em que a adimplência não chegar a 50% do quantum pactuado” (TJPR, 17ª C.Cível, Telêmaco Borba, AI nº 945441-1, Rel. Mário Helton Jorge, unânime, j. em 17/10/2012).

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO ORDINÁRIA DE RESSARCIMENTO DE VALO-RES PAGOS INDEVIDAMENTE. LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. UTILIZAÇÃO DA ME-TODOLOGIA DO ART. 475-B DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, COM APLICAÇÃO DA PRESUNÇÃO DO § 2º DO REFERIDO DISPOSITIVO. FASE DE CUMPRIMENTO DE SEN-TENÇA. IMPUGNAÇÃO. REJEIÇÃO. ARGUIÇÃO DE NULIDADE DO FEITO A PARTIR DA

Art. 283

Page 86: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

477

Fabrizzio Matteucci Vicente

DECISÃO QUE DEU INÍCIO À FASE EXECUTÓRIA E DISPENSOU A HOMOLOGAÇÃO DO CÁLCULO APRESENTADO PELA PARTE AUTORA. NULIDADE CARACTERIZADA. EXISTÊNCIA DE CONTROVÉRSIAS ACERCA DA FORMA DO CÁLCULO DO VALOR A SER RESTITUÍDO, QUE LEVA A UMA DISPARIDADE MUITO GRANDE ENTRE O VALOR FINAL APONTADO POR CADA UMA DAS PARTES. CÁLCULOS DE GRANDE COMPLE-XIDADE, QUE NÃO PERMITE IDENTIFICAR A DIFERENÇA DOS PARÂMETROS UTILI-ZADOS EM CADA UM DOS CÁLCULOS. NECESSIDADE DE PRÉVIA LIQUIDAÇÃO POR ARBITRAMENTO. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA PASSÍVEL DE SER CONHECIDA DE OFÍCIO. CIRCUNSTÂNCIAS QUE IMPÕEM A DECLARAÇÃO DE NULIDADE DA DECI-SÃO QUE DEU INÍCIO A FASE DE EXECUÇÃO, COM O APROVEITAMENTO DOS DO-CUMENTOS JÁ APRESENTADOS PELAS PARTES NOS AUTOS E DAS QUESTÕES QUE JÁ RESTARAM INCONTROVERSAS. EXEGESE DO ART. 250 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. AGRAVO PROVIDO” (TJPR, 11ª C.Cível, Curitiba, AI nº 982211-3, Rel. Augusto Lopes Cortes, unânime, j. 30/1/2013).

Art. 283

Page 87: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

478

Luiz Périssé Duarte Junior

Art. 284 - Todos os processos estão sujeitos a registro, devendo ser distribuídos onde houver mais de um juiz.

AutorLuiz Périssé Duarte Junior

I. Registro

O registro é o instrumento da individualização cadastral dos processos, com todas as suas caracterís-ticas fundamentais, especialmente quanto às partes, nos polos ativo e passivo, natureza e valor da causa, rito processual, e data do ato de registrar. O lançamento desses dados num rol facilita, com os recursos da informática e da telemática, a identificação imediata de casos de litispendência, de conexão ou de continência; e permite neutralizar os efeitos de um expediente antes muito utilizado quando se buscava obter um provimento de urgência, que consistia em apresentar à distribuição petições iniciais idênticas, de modo que se multiplicassem as possibilidades de sucesso, e se reduzisse a aplicação prática do prin-cípio e da regra do juiz natural. Serve o registro, ainda, como instrumento para a equalização do número dos processos dentre os diversos órgãos judiciais dotados da mesma competência territorial.

II. Distribuição

Distribuição é o ato cartorário de direcionar os novos feitos aos diversos juízos dotados da mesma competência territorial; somente se dá, como é evidente, quando haja pluralidade desses órgãos na mesma unidade territorial de organização judiciária.

Cabe notar que o Código de Processo Civil de 2015 trata apenas de distribuição entre órgãos judiciais, sem prever essa providência relativamente ao escrivão, diversamente do CPC/1973, que prevê também a distribuição entre serventuários. O motivo dessa supressão está na circuns-tância de que o art. 31 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias de 1988 determinou fossem estatizadas as serventias do foro judicial, de modo que não há sentido em prever a hipó-tese de pluralidade de órgãos dessa natureza relativamente a um mesmo juízo; basta se trate da equalização do número de feitos entre os diversos órgãos judiciais dotados da mesma jurisdição.

Também merece atenção o fato de que, conforme ao CPC/2015, há caso em que também a con-testação é passível de ser distribuída: é a hipótese de vir o réu, em preliminar da contestação, arguir a incompetência (absoluta ou relativa) do juízo. Faculta-lhe o novo estatuto, nesse caso, fazê-lo perante o juízo do foro de seu domicílio (art. 340); nessa hipótese, a peça de defesa será distribuída a um dos juizados desse foro, competentes para a causa (art. 340, § 1º), exceto quando a citação tenha ocorrido por meio de carta precatória, à qual se juntará a resposta do réu, para remessa ao juízo deprecante.

III. Prevenção

Conforme ao sistema adotado pelo CPC/2015, em se tratando de ações conexas, dá-se a pre-venção da competência pelo critério da primeira distribuição, nos casos em que o ato tenha de ocorrer, ou no registro, quando de distribuição não se cogitar, por ausência de pluralidade de ór-gãos judiciais dotados da mesma competência em determinada unidade territorial de organização judiciária (art. 43). A regra modifica a solução adotada pelo CPC/1973, que considerava preven-to, dentre os juízes dotados de idêntica competência, aquele que despachasse em primeiro lugar.

Page 88: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

479

Luiz Périssé Duarte Junior

Art. 285 - A distribuição, que poderá ser eletrônica, será alternada e aleatória, obedecendo-se a rigorosa igualdade.Parágrafo único - A lista de distribuição deverá ser publicada no Diário de Justiça.

I. Distribuição – novidades do CPC/2015

No que diz respeito à distribuição de feitos novos entre os diversos juízos dotados da mesma competência em um determinado setor de organização judiciária (comarca, seção, etc.), em três aspectos o CPC/2015 inova, relativamente ao de 1973.

A primeira inovação está em estabelecer que, ademais de ser alternada, a entrega dos processos novos aos diversos órgãos judiciais haverá de ser aleatória. Embora a ideia de sorteio seja intuitiva quando se pensa em distribuição, e tenha sido sempre a prática entre nós, não havia norma expressa na lei processual que a fizesse obrigatória. A regra do CPC/1973 limita-se apenas a exigir alternân-cia – e assim, havendo mais de dois participantes da partilha de processos novos, alguém poderia sugerir a possibilidade de interferência nas escolhas, sem prejuízo da alternância, conforme à inter-pretação que se adote relativamente a esses conceitos. Com a nova redação, afasta-se a dubiedade e garante-se melhor, por esse meio, a observância do princípio do juiz natural.

A segunda novidade consiste em contemplar a possibilidade de que a distribuição dos proces-sos se faça por meio eletrônico. A expressão não é unívoca: por distribuição eletrônica pode-se entender a que se efetua por meio de computador – como de há muito se utiliza, ao menos nos centros maiores e com unidades judiciárias mais numerosas, mas se aplica, claramente, àquela própria dos processos eletrônicos, e que ocorre automaticamente, tão logo haja o envio (por meio de telemática) da petição inicial.

A terceira nota de ineditismo vem no parágrafo único do art. 285, que determina a publica-ção, no Diário de Justiça, da lista de distribuição, a relacionar os feitos registrados em cada dia. Trata-se de medida de publicidade dos atos judiciários, a permitir o controle externo das ativi-dades do distribuidor, especialmente quanto à aplicação concreta, em cada caso, das regras que determinam seja distribuição alternada, aleatória e numericamente igual, considerados os juízos destinatários dos processos novos.

Art. 286 - Serão distribuídas por dependência as causas de qualquer natureza:I - quando se relacionarem, por conexão ou continência, com outra já ajuizada;II - quando, tendo sido extinto o processo sem resolução de mérito, for reiterado o pedido, ainda que em litisconsórcio com outros autores ou que sejam parcialmente alterados os réus da demanda;III - quando houver ajuizamento de ações nos termos do art. 55, § 3º, ao juízo prevento. Parágrafo único - Havendo intervenção de terceiro, reconvenção ou outra hipótese de ampliação objetiva do processo, o juiz, de ofício, mandará proceder à respectiva anotação pelo distribuidor.

Arts. 285 e 286

Page 89: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

480

Luiz Périssé Duarte Junior

I. Distribuição por dependênciaA regra que determina a distribuição aleatória de processos comporta exceções, que atendem a

conveniências diversas, examinadas a seguir: são os casos de haver, entre a ação nova e outra em curso, liame de conexão ou de continência, ou de incidir o risco de emergirem decisões recipro-camente conflitantes, ou – ainda – de vir, a ação nova, a reiterar pedido anteriormente veiculado em feito extinto sem julgamento de mérito.

Nesses casos, a petição inicial, em vez de submeter-se a sorteio, é dirigida a um juízo deter-minado, perante o qual se processa (ou se tenha processado) o outro feito, relacionado com o que se vai distribuir. Vejamos a seguir cada qual dessas hipóteses.

II. Conexão, continência e outros casos de risco de decisões conflitantesOs conceitos de conexão e de continência estão desenhados no CPC/2015, enunciado do art.

55, caput (conexão), e no do art. 56 (continência). Refere-se o primeiro a casos em que duas ou mais ações tenham em comum o pedido ou a causa de pedir. Entende-se ordinariamente por pedi-do o que se pretende obter por meio do provimento judicial; é o chamado pedido mediato, que se distingue do imediato (expressão que designa diretamente o provimento propriamente dito que se pleiteia, a espécie de sentença que se quer obter). Por causa de pedir compreende-se o conjunto de fatos sobre que se funda a pretensão, e a doutrina costuma, também aqui, estremar os conceitos de causa de pedir remota (os fatos alegados em determinado caso) e próxima (a regra jurídica que se diz incidente sobre o caso).

Haverá conexão sempre que, consideradas duas ou mais ações, verificar-se entre elas uma re-lação de identidade quanto às partes, em cada demanda, e quanto à causa de pedir (remota), mas o que se pretende obter por meio de uma delas (pedido mediato) vier a abranger o que se pede na outra, ou nas demais (a propósito, cabe esclarecer que essa ideia de abrangência haverá de entender-se referida a cada um dos pedidos deduzidos, de tal sorte que se houver pluralidade de pleitos em um dos processos e uma repetição de algum ou alguns desses nas outras ações, o caso será de litispendência parcial, e não de continência).

Delineados esses conceitos, retome-se o exame do dispositivo; e já se evidencia que a primei-ra hipótese de distribuição por dependência (a do inciso I do art. 286 do CPC/2015) verifica-se sempre que uma ação que se vá ajuizar seja conexa, relativamente a uma outra já em curso; ou guarde, com essa outra, uma relação de continência.

Mas, ainda não exista relação de continência nem de conexão, outros casos há em que a dis-tribuição de uma demanda faz-se por dependência relativamente a outra ajuizada anteriormente. É a hipótese do inciso III desse art. 286, que (referindo-se à hipótese normativa enunciada no § 3º do art. 56) trata dos processos que possam gerar risco de prolação de decisões conflitantes ou contraditórias caso decididos separadamente. Assim – mesmo não se caracterize, relativa-mente a um determinado caso, nem conexão, nem continência – ainda, assim a distribuição da demanda será efetivada por dependência, relativamente a outra já em curso, sempre que se iden-tificar a possibilidade de advirem soluções sentenciais que se contradigam reciprocamente.

Pode-se indagar, a esse propósito, quais sejam os casos não conexos nem ligados por conti-nência de um pedido em face de outro, relativamente aos quais incida o risco de advirem deci-sões conflitantes. Essas situações poderão caracterizar-se quando suceder que duas ou mais ações tratem de direitos relativos a situações fáticas distintas, mas referidas a um mesmo sujeito, sobre as quais incida (ou se alegue incidir) a mesma norma jurídica (que se pode chamar de causa de pedir imediata ou próxima, conforme à distinção anteriormente mencionada). Assim, v.g., em

Art. 286

Page 90: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

481

Luiz Périssé Duarte Junior

casos nos quais dois associados de uma única agremiação pleiteassem, separadamente, o reco-nhecimento do mesmo direito estatutário. Em situações tais, atento ao interesse social, no sentido de que em situações individuais, distintas porém semelhantes, e ligadas por algum liame comum – como o de dirigir-se contra um mesmo réu –, busca o sistema processual prover que recebam soluções harmônicas. Desse modo, no caso figurado, não sucederia que um associado deixasse de ver atendido o pleito que a outro, em condições idênticas, se viesse a conceder.

A razão dessa regra é evidente: trata-se de garantir seja dada, a questões desse modo inter-relacionadas, uma solução que contemple a todas elas, sem risco de produzirem-se comandos reciprocamente conflitantes.

A propósito dessa hipótese de distribuição por dependência, vale assinalar que o CPC/2015 emprega uma técnica diversa daquela utilizada no sistema anterior. Já se viu que, nos termos do enunciado do § 3º do art. 55, o elemento definidor é a possibilidade de incidirem decisões confli-tantes ou contraditórias; já a regra expressa no inciso III do art. 153 do CPC/1973 (introduzido em 2006, como visto) fala em ações idênticas, sem definir o conceito de identidade.

III. Renovação de pedido deduzido em pleito extinto sem solução do mérito

Figura o enunciado do inciso II do art. 286 do CPC/2015 hipótese em que, extinto um proces-so sem solução do mérito, o pedido que veiculava naquele venha a ser reiterado em nova ação (ainda que, nessa, haja litisconsórcio ativo antes inexistente, ou que se modifique, em parte, a composição do polo passivo). Nesses casos, estabelece a citada regra, a distribuição no feito novo haverá de se fazer por dependência relativamente ao processo anterior. E a solução será a mesma, ainda que, na ação nova, haja litisconsórcio ativo antes inexistente, ou que se modifique, em parte, a composição do polo passivo relativamente ao feito anterior.

A razão de ser da norma é clara, mas diversa dos casos antes referidos (incisos I e III do art. 286): já não se trata, agora, de evitar a incidência de soluções conflitantes para processos conexos, ligados por relação de continência, ou referidos a situações semelhantes. O objetivo, aqui, é o de coibir a prática de burlar o princípio do juiz natural, por meio das condutas de desistir ou de deixar perecer um processo quando se pretenda tentar a sorte perante um outro órgão judicial, diverso daquele sorteado na distribuição. Para fazer inócua essa postura de provocar a extinção sem julga-mento de mérito, cuidou o legislador (como fizera na reforma de 2006) de fazer seja a nova ação dirigida ao mesmo juízo perante o qual se processara a extinta, e que estará desse modo prevento.

A propósito do enunciado do inciso II do art. 253 do CPC/1973, plenamente aplicável no que concerne à regra do inciso II do art. 286 do CPC/2015, afirma-se que a referência a litisconsortes merece uma distinção: quando o litisconsórcio for necessário, de fato a distribuição se faz por dependência, tal como previsto; mas, se o litisconsórcio é meramente facultativo, dá-se que os litisconsortes incluídos no polo ativo formulam pretensão própria e – em rigor – nova, porque não veiculada no processo extinto. Assim, deve o juiz dado como prevento aceitar a distribuição por dependência apenas relativamente à pretensão de quem tenha integrado a relação processual anterior, e determinar sejam os litisconsortes segregados em outra relação processual, que se formará em processo distinto e sujeito a livre distribuição, sob pena de expor a risco de burla a garantia do juiz natural.

Art. 287 - A petição inicial deve vir acompanhada de procuração, que conterá os endereços do advogado, eletrônico e não eletrônico.

Art. 287

Page 91: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

482

Luiz Périssé Duarte Junior

Parágrafo único - Dispensa-se a juntada da procuração:I - no caso previsto no art. 104;II - se a parte estiver representada pela Defensoria Pública;III - se a representação decorrer diretamente de norma prevista na Constituição Federal ou em lei.

I. Jus postulandi e atuação do advogado

O processo civil brasileiro, de modo geral, reserva aos advogados o assim denominado jus postulandi – em outras palavras, a capacidade de atuar perante juízos e tribunais. Deriva a regra, logicamente, do disposto no art. 133 da Constituição Federal, que trata da indispensabilidade do advogado relativamente à administração da justiça, bem assim sua inviolabilidade por atos e ma-nifestações no exercício do múnus profissional; mas, temporalmente, no direito infraconstitucio-nal, enraizou-se muito antes do advento da CF/1988, e está positivada no art. 103 do CPC/2015 e no art. 36 do CPC/1973. Há algumas exceções a essa reserva: assim na impetração de habeas corpus (CPP, art. 654), na atuação perante os juizados especiais cíveis, nas causas de valor não maiores do que o de 20 vezes o salário mínimo (art. 9º da Lei nº 9.099/1995), perante as varas e tribunais regionais do trabalho (CLT, art. 791 – mas não em ações rescisórias, em mandados de segurança, nas medidas cautelares e nos recursos de competência do Tribunal Superior do Trabalho, conforme ao estabelecido no verbete nº 425 da Súmula do TST). Apartadas essas ex-ceções, a norma geral é a de que se faz por meio de advogado a representação da parte em juízo. O advogado que atua em causa própria o faz no exercício de sua profissão, e de acordo com o seu múnus (art. 103, parágrafo único); mas, evidentemente, nesse caso não haverá representação.

II. Mandato e procuração

Apartadas as exceções referidas, a representação da parte em juízo se faz, invariavelmente, por meio de advogado – ligado a seu constituinte por uma relação contratual de mandato, cujo instrumento é a procuração. Bem por isso, nos termos do disposto no art. 287 do CPC/2015, o instrumento de procuração, prova do mandato, deverá acompanhar a petição inicial que se apre-sentar para registro e distribuição; e conterá, obrigatoriamente, os endereços do advogado, tanto o de seu lugar de atuação ou de moradia quanto o de sua conta de correio eletrônico. As caracte-rísticas e requisitos da procuração constam do disposto no art. 105, que é o locus apropriado para tratar a matéria, na sistemática do CPC/2015; mas a regra desse art. 287 haverá de ser entendida como complementar à daquele dispositivo anterior, que não contempla a exigência relativa ao endereço eletrônico.

III. As exceções – dispensa da procuração no ato de distribuir

A exigência de que a inicial que se vai distribuir seja acompanhada do instrumento de procu-ração (CPC/2015, art. 287, caput) cede em três exceções, relacionadas nos incisos desse mesmo dispositivo.

A primeira dessas dispensas refere-se aos casos, explicitados no enunciado do art. 104, em que o advogado tenha de intervir imediatamente, seja para evitar preclusão, decadência ou prescrição, seja para praticar ato que se caracterize como urgente. No que concerne às diferenças do regramen-to de 2015 em face do CPC/1973, a nova regra inova ao alinhar a iminência de preclusão como motivo para dispensar-se a juntada do instrumento do mandato no ato de distribuir petição inicial.

Art. 287

Page 92: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

483

Luiz Périssé Duarte Junior

A segunda hipótese de dispensa (também inovadora) refere-se à representação da parte por meio da Defensoria Pública. Trata-se, aqui, de norma reflexiva daquela posta no § 6º da Lei Orgânica da Defensoria Pública (Lei Complementar nº 80/1994), com redação dada pela Lei Complementar nº 132/2009, nos seguintes termos: “§ 6º - A capacidade postulatória do Defensor Público decorre exclusivamente de sua nomeação e posse no cargo público”. A partir desse dispositivo, sustentam alguns defensores públicos a tese conforme a qual os integrantes dessa carreira estariam dispensa-dos da inscrição na OAB. Esse debate, relevante decerto, não se põe nos limites deste comentário, relativo apenas à dispensa da juntada da procuração na hipótese referida.

A terceira exceção diz respeito a situações em que a representação decorrer diretamente de regra constitucional ou legal; assim, v.g., os casos dos integrantes das procuradorias das pessoas jurídicas de direito público (administração direta, autarquias) nos três níveis da estrutura federativa.

Art. 288 - O juiz, de ofício ou a requerimento do interessado, corrigirá o erro ou compensará a falta de distribuição.

I. Erro, omissão e correção

O sentido do enunciado do art. 288 do CPC/2015 é o de que, nos casos em que a distribuição for obrigatória (ou seja, sempre que houver pluralidade de juízos dotados da mesma competên-cia em certa comarca ou seção judiciária), ocorrendo erro ou omissão quanto à prática do ato, o juiz, de ofício ou em atenção a requerimento da parte – retificará o primeiro (o erro) ou suprirá a segunda (a omissão, ou falta).

É que, de fato, pode ocorrer um equívoco no ato de distribuir, v.g., fazendo-o mediante sorteio quando seria o caso de direcionamento por dependência, ou o inverso: encaminhando-se o feito a um juízo que se tenha por prevento, embora a distribuição houvesse de ser livre. Em hipóteses assim, cumpre desfazer o erro e repetir o ato pelo modo adequado, redirecionando-se o processo ao juízo a que efetivamente corresponda conforme à regra aplicável, compensando-se com outra distribuição aquele de que o processo mal distribuído tenha sido retirado. E essa compensação (diversamente do que ocorria quanto ao CPC/1973), embora não esteja expressamente referida, é evidentemente imponível, em face da exigência da rigorosa igualdade expressa na dicção do art. 285 da lei nova.

Art. 289 - A distribuição poderá ser fiscalizada pela parte, por seu procurador, pelo Ministério Público ou pela Defensoria Pública.

I. Fiscalização – a quem compete

A regra que impõe a distribuição, conforme às regras de sorteio e de rigorosa igualdade, como visto, é instrumento que assegura, em cada caso, a efetivação da garantia do juiz natural; bem por isso, conforme ao disposto no art. 289 do CPC/2015, o procedimento não apenas haverá de ser aberto, como sujeito à fiscalização (que vai além da mera presença, porque compreende a veri-ficação de todas as práticas para a concretização do ato), seja pela parte, seja por seu procurador

Arts. 288 e 289

Page 93: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

484

Luiz Périssé Duarte Junior

(o que já se aplicava segundo o art. 256 do CPC/1973), seja ainda pelo Ministério Público ou pela Defensoria Pública. O emprego da disjuntiva ou, nesse caso, indica que essas entidades, por seus órgãos ou agentes, somente haverão de intervir no ato da distribuição da inicial (ou da con-testação, no caso previsto no § 1º do art. 340 do CPC/2015) do feito em que tiverem de autuar.

Art. 290 - Será cancelada a distribuição do feito se a parte, intimada na pessoa de seu advogado, não realizar o pagamento das custas e despesas de ingresso em 15 (quinze) dias.

I. Custas e despesas de ingresso. Conceitos

Custas, sempre no plural, é termo que designa a prestação que remunera serviço público re-lativo à atividade jurisdicional do Estado. Trata-se, portanto, nitidamente, de tributo, da espécie taxa, nos termos do que dispõe o Código Tributário Nacional (esse diploma, a que o STF reco-nhece natureza de lei complementar, considera (art. 177) que “[A]s taxas cobradas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atri-buições, têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição”). Já no que concerne a despesas de ingresso, trata-se de conceito menos preciso: o art. 84 do CPC/2015 estabelece que “[A]s despesas abrangem as custas dos atos do processo, a indenização de viagem, a remuneração do assistente técnico e a diária de testemunha”. Dessa definição legal, de caráter denotativo, extrai-se que, para os fins do CPC/2015, a noção de des-pesas compreende o de custas, daí por que a dicção do art. 290 seria pleonástica ao referir os dois termos, certo que o primeiro está contido na definição do segundo. Nos usos forenses, en-tretanto, distingue-se bem o que seja o tributo e o que constitua outras espécies de desembolsos necessários para a prática dos atos do processo. Assim, a interpretação dessa regra não oferece dificuldades no plano prático.

II. Falta do recolhimento das custas e demais despesas iniciais – consequências

Dispõe o art. 290 do CPC/2015 que a distribuição será cancelada se a parte autora não provi-denciar o pagamento das custas e despesas de ingresso dentro em 15 dias contados do dia em que essa distribuição venha a ocorrer – o que implica retirar o feito da relação daqueles submetidos ao juízo destinatário, de modo que outro novo o substitua, observando-se a rigorosa igualda-de exigida pela regra do art. 285 do CPC/2015. Mais que isso, extingue-se o processo; embora não o diga expressamente a regra desse art. 290, é a consequência necessária da providência de cancelar-se a distribuição.

Discutiu-se longamente, no regime do CPC/1973, discussão sobre a possibilidade de se proceder ao cancelamento da distribuição independentemente da intimação da parte; mais recentemente, o STJ veio a pacificar a questão, entendendo dispensável aquela intimação se, decorrido o trintídio previsto no art. 257 daquele Código, já estivesse ordenada a citação do réu; cumprida essa provi-dência, somente caberia extinguir-se o feito conforme às regras dos incisos I e II do art. 267, inti-mada a parte. O STJ, por sua Corte Especial, em recurso representativo de controvérsia (embora referida a questão a embargos do devedor ou impugnação ao cumprimento de sentença, aplica-se a conclusão à generalidade dos casos), estabeleceu (i) a desnecessidade de prévia intimação da parte, quando se trata do recolhimento de custas iniciais; (ii) a inviabilidade desse cancelamento se, ainda

Art. 290

Page 94: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

485

Luiz Périssé Duarte Junior

fora do prazo de 30 dias, o pagamento já houver sido efetuado (Corte Especial, REsp nº 1361811/RS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. em 4/3/2015, DJe de 6/5/2015).

Essas questões estão superadas no sistema do CPC/2015, porque a regra do art. 290, sob exame, é expressa no condicionar o cancelamento da distribuição da inicial à prévia intimação da parte autora, na pessoa de seu advogado. Não será demais acentuar que, se passou a exigir essa intimação como antecedente necessário do cancelamento, a mesma regra reduz pela meta-de o prazo para o pagamento de custas e demais despesas iniciais, que, a partir da vigência do CPC/2015, será de apenas 15 dias.

III. Julgados (CPC/1973)

Cancelamento da distribuição – não cabimento em fase avançada do processo

“[...] 2. Consoante entendimento jurisprudencial, não se determinará o cancelamento da dis-tribuição se o processo já se encontra em fase avançada. [...]” (STJ, 3ª T., EDcl no AgRg nos EDcl no REsp nº 1.411.313/SC, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. em 16/6/2015, DJe de 22/6/2015).

Art. 291 - A toda causa será atribuído valor certo, ainda que não tenha conteúdo econômico imediatamente aferível.

I. Valor da causa – finalidade

Diz o CPC/2015, reproduzindo quase literalmente dispositivo da legislação anterior, que “a toda causa será atribuído um valor certo, ainda que não tenha conteúdo econômico imediatamen-te aferível”. A única diferença, relativamente ao art. 258 do CPC/1973, está em que a regra antiga falava em conteúdo econômico imediato. O texto substitui o adjetivo imediato, que qualificava a locução conteúdo econômico, pelo advérbio imediatamente, que modula o adjetivo aferível, esse sim relativo à mesma locução conteúdo econômico. A redação nova é mais precisa, mas a substância da regra não se modificou.

A atribuição de um valor à causa, nesse contexto, deve corresponder, com a proximidade pos-sível, à mensuração econômica do bem da vida que se pretenda obter por meio do exercício da jurisdição; mas quanto a essa medida, não se pode exigir exatidão, seja porque muitas vezes o que se pede não reveste conteúdo econômico aferível (ou imediatamente aferível, como diz o art. 291, de que se trata aqui), seja porque, embora claramente dotado desse conteúdo, nem sempre se faz possível conhecer-lhe a expressão valorativa desde logo, no momento de se iniciar o litígio. Assim, se o valor é conhecido ou se for facilmente apurável, impõe-se determiná-lo e expressá-lo – e o art. 292 estabelece regras para diversos casos dessa aferição, dos quais trataremos em seguida, ao comentar aquele dispositivo; mas, se a apuração não é ainda possível porque as consequências de certo fato central para o caso ainda não se produziram completamente, ou não se faz com facilidade porque depende de exame de prova ou de operações complexas, ou, ainda, se de todo o bem que se busca não comporta uma dimensão econômica, o que se pede do autor é que proceda a valoração por estimativa, utilizando – pensamos nós – os critérios de racionalidade, fundados na experiência comum, que tiver a seu alcance. Em qualquer hipótese, o que o autor indicar será passível de con-trole, seja pelo juiz, seja por meio de impugnação da parte contrária, como se explicitará adiante.

A indicação do valor da causa, no sistema do CPC/2015, serve como base de cálculo para duas

Art. 291

Page 95: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

486

Luiz Périssé Duarte Junior

espécies de prestações. A primeira dessas espécies refere-se a honorários advocatícios (art. 85, § 8º, aplicável quando o proveito econômico da causa for inestimável ou irrisório, e 338, § 8º, nos casos em que houver substituição do réu por ser parte ilegítima ou não responsável pelo dano cuja indenização se reclame). A segunda diz respeito a diversas cominações de multa, tais como a apli-cável a partes, procuradores e terceiros que de qualquer forma participem do processo, imponíveis em caso de embaraço ao cumprimento de decisão judicial (art. 77, § 2º, inciso IV), de inovação ilegal no estado de fato do bem ou direito litigioso (idem, inciso VI); a imponível às partes que, intimadas, não comparecerem a audiência de conciliação (art. 334, § 8º), e ao perito que retardar o cumprimento de suas funções (art. 468); compreende também o depósito, prévio à distribuição, a cargo do autor de ação rescisória, conversível em multa em caso de improcedência do feito (art. 968, inciso II). Há ainda uma terceira espécie de prestação que se apura, às vezes, a partir do valor da causa: trata-se da taxa judiciária, ou custas; nesse caso, entretanto, não é da lei processual que se trata, mas das diversas legislações, da União Federal, dos Estados federados, do Distrito Federal, e dos municípios, que muitas vezes utilizam o valor da causa como base de cálculo desse tributo.

Art. 292 - O valor da causa constará da petição inicial ou da reconvenção e será:I - na ação de cobrança de dívida, a soma monetariamente corrigida do principal, dos juros de mora vencidos e de outras penalidades, se houver, até a data de propositura da ação;II - na ação que tiver por objeto a existência, a validade, o cumprimento, a modificação, a resolução, a resilição ou a rescisão de ato jurídico, o valor do ato ou o de sua parte controvertida;III - na ação de alimentos, a soma de 12 (doze) prestações mensais pedidas pelo autor;IV - na ação de divisão, de demarcação e de reivindicação, o valor de avaliação da área ou do bem objeto do pedido;V - na ação indenizatória, inclusive a fundada em dano moral, o valor pretendido;VI - na ação em que há cumulação de pedidos, a quantia correspondente à soma dos valores de todos eles;VII - na ação em que os pedidos são alternativos, o de maior valor;VIII - na ação em que houver pedido subsidiário, o valor do pedido principal.§ 1º - Quando se pedirem prestações vencidas e vincendas, considerar-se-á o valor de umas e outras.§ 2º - O valor das prestações vincendas será igual a uma prestação anual, se a obrigação for por tempo indeterminado ou por tempo superior a 1 (um) ano, e, se por tempo inferior, será igual à soma das prestações.§ 3º - O juiz corrigirá, de ofício e por arbitramento, o valor da causa quando verificar que não corresponde ao conteúdo patrimonial em discussão ou ao proveito econômico perseguido pelo autor, caso em que se procederá ao recolhimento das custas correspondentes.

Art. 292

Page 96: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

487

Luiz Périssé Duarte Junior

I. Valor da causa na inicial e na reconvençãoO caput do art. 292 do CPC/2015 especifica os diversos modos de aplicar-se o preceito conti-

do no artigo anterior (“a toda causa será atribuído um valor certo, ainda que não tenha conteúdo econômico imediatamente aferível”); e explicita a necessidade de fazer o valor da causa constar também da petição reconvencional, ponto sobre o qual silenciou o regramento anterior.

II. Critérios para determinação do valor da causa – visão geralO CPC/2015, seguindo critério utilizado nas duas codificações processuais civis nacionais

que o antecederam, estabeleceu critérios para a fixação do valor da causa, segundo as diversas naturezas das pretensões, e conforme ainda ao modo de formular o pedido, em cada caso. Esse regramento explicita as diversas hipóteses que se põem a partir da multiplicidade dos fatores na formação dos conflitos. Vejamos cada uma das hipóteses contempladas.

1. Ação de cobrançaDispõe o inciso I desse art. 292 que, nas ações de cobrança de dívida, o valor da causa será

a soma (i) do principal, (ii) monetariamente corrigido, acrescido de (iii) juros de mora e (iv) de outras penalidades, se as houver, vencidos até a data da propositura da ação.

2. Validade, cumprimento, modificação, resolução, resilição ou rescisão de ato jurídicoO inciso II refere-se a ações que tenham por objeto do pedido mediato um ato jurídico (con-

ceito mais amplo do que o de negócio jurídico, termo empregado, para fim correlato a este, no inciso V do art. 259 do CPC/1973); nessas hipóteses, o pedido imediato será a obtenção de sentença declaratória ou condenatória que proveja, quanto a determinado ato jurídico, um dos substantivos abstratos alinhados na testilha deste tópico II: validade, cumprimento, modificação, resolução, resilição ou rescisão. Quanto a cada qual dessas hipóteses categoriais, o valor da cau-sa será correspondente ao do ato, seja por inteiro, se a pretensão compreender todo o conteúdo patrimonial da relação discutida, seja sobre a parte dessa relação sobre que recaia a controvérsia. Note-se, a propósito, o cuidado do legislador em explicitar todas as referidas categorias, ao ponto de distinguir entre resolução, resilição e rescisão – com a nota de que essa distinção é sempre dificultosa, porque divergem largamente os doutrinadores, e o legislador civil não releva nenhum rigor metodológico no emprego que deles faz nos textos normativos pertinentes.

3. Ação de alimentosQuanto a esse tópico, a interpretação é imediata, e não sugere dúvida; em verdade, a regra é

redundante com a que está formulada no texto do § 2º desse art. 292, como se verá adiante. O critério é bem direto e objetivo: nas ações de alimentos, o valor da causa corresponderá a uma anuidade das prestações, calculada conforme ao quantum pleiteado.

Seria possível indagar sobre o motivo pelo qual se considera como critério de valoração a soma de uma anuidade, se as prestações alimentícias, muitas vezes, projetam-se no tempo sem limitação prévia e na experiência comum estendem-se por períodos bem maiores do que o de um ano; assim, a efetiva expressão econômica da demanda pode ser (e no mais dos casos será) bem superior ao que corresponde a essa anuidade. De fato, a objeção é dotada de sentido. Por outro lado, é preciso dizer que esse critério já se consolidou pela prática no direito brasileiro; é o que sucede, v.g., quanto às ações locatícias regidas pela Lei nº 8.245/1991 (despejo, consignatória em pagamento de aluguéis, revisionais e renovatórias), por força do disposto no art. 58, inciso III, daquele diploma; constitui, evidentemente, uma escolha política do legislador, na determinação de um critério limitador para a valoração em casos assim.

Art. 292

Page 97: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

488

Luiz Périssé Duarte Junior

4. Na ação de divisão, de demarcação e de reivindicação

Nessas hipóteses, estabelece o inciso IV, o valor da causa será o da avaliação da área ou bem objeto do pedido. A interpretação do enunciado da regra, também aqui, é simples, não demanda esforço; mas a solução merece reparo quanto à razoabilidade, seja quanto ao critério de valora-ção em si, em dois casos, seja no que concerne à aplicação prática do comando.

Quanto ao primeiro aspecto referido, sustentamos que o valor do bem objeto do pedido (dic-ção desse inciso IV) corresponderá ao da causa, quando se tratar de ação reivindicatória, em que o autor age para obter domínio – relação jurídica de tal modo dotada de força e abrangência que se identifica com a coisa dominada: exceto as incidências eventuais de direito real sobre coisa alheia, pode-se dizer que o proprietário tem o que seja objeto dessa propriedade. Mas tal não ocorre nas duas outras hipóteses – as de demarcação e de divisão.

Veja-se que a ação demarcatória compete ao proprietário (portanto, àquele que já é titular de propriedade sobre a coisa); e sua pretensão limita-se ao estabelecimento de marcos limítrofes, que estremem o território de seu domínio relativamente ao de um outro, que lhe seja lindeiro. Ora, por mais útil, conveniente e até mesmo necessário seja estabelecer claramente o traçado dessas linhas limítrofes, não é razoável sustentar que a expressão econômica da demarcação, em si, corresponda ao do bem por inteiro.

Outro tanto se dirá quanto à ação de divisão: essa toca ao condômino, que separará do todo uma parte, a qual lhe tocará exclusivamente – e outro tanto os que mais forem, com ele, titulares de frações ideais naquele condomínio. Mas cada um deles, antes ainda da propositura da ação divisória, já será investido de propriedade; e o bem jurídico que se persegue por esse meio não é mais que o da separação, da fixação do domínio que era fracionado (e indiviso) sobre um todo maior, e passa a ser exclusivo, sobre um todo proporcionalmente reduzido. Essa separação cons-tituirá um bem da vida, dotado de certa valência per se (de outro modo, não agiria o autor); mas essa valência não pode corresponder, logicamente, àquela relativa ao todo.

Também sob outro aspecto merece restrição uma novidade introduzida pelo CPC/2015, relati-vamente ao regramento anterior. Veja-se que, conforme ao disposto no inciso VII do art. 259 do CPC/1973, o critério utilizado em casos assim era o “da estimativa oficial para o lançamento do imposto” (predial ou territorial, entende-se). Esse parâmetro foi abandonado pelo legislador de 2015, que (no inciso IV desse art. 292) passou a determinar seja o valor a considerar “aquele decorrente de avaliação da área ou bem objeto do pedido” – o que, se interpretado conforme ao sentido comum das palavras, significa dizer que o autor (ou o reconvinte), em ação reivindicatória, demarcatória ou divi-sória deverá obter um laudo técnico relativo ao valor do imóvel a que se refira o feito que vai iniciar.

Se a solução do CPC/1973 era imperfeita, porque pouco exatas seriam as atribuições que fazem os municípios ou o Incra para cálculo do IPTU ou do ITR, muito mais inconveniente se revela a que foi adotada pela lei nova, que – interpretada pelo valor semântico corrente dos vo-cábulos que a expressam, como vimos – conduz a uma oneração desproporcional ao bem social e econômico que possa decorrer da determinação do valor da causa. Bem diversamente, contraria a utilidade social que consiste em franquear o quanto possível o acesso à Justiça para os que necessitam efetivamente de tutela jurisdicional. Espera-se que a sucessão dos casos que surgi-rem a partir da vigência do CPC/2015 termine por cristalizar uma solução pragmática para essa desnecessária dificuldade – que consista, por exemplo, em aceitar o critério valorativo do ente tributante do IPTU ou do ITR como equivalente à “avaliação”, com o que se satisfaria a letra desse inciso IV do art. 292.

Art. 292

Page 98: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

489

Luiz Périssé Duarte Junior

5. Na ação indenizatória, inclusive a fundada em dano moral, o valor pretendido

A regra, nesse caso, é clara e adequada. Não oferece dificuldade interpretativa. No que con-cerne a pleito relativo a dano moral, está a exigir que o autor (ou reconvinte) quantifique a sua pretensão. Na prática vigente sob o regime do CPC/1973, fez-se comum a solução de deixar ao juiz a determinação do dano moral. Ainda sob esse regramento, o STJ preconizou a necessidade de se indicar o valor da causa mesmo quando o pedido se refere a essa espécie de indenização; mas não chegou a imprimir uma orientação segura nessa matéria, prestigiando os casos em que a parte precisou o valor certo da indenização pretendida, mas deixando implícita a possibilidade de superar eventual ausência dessa indicação.

A questão poderá ser examinada de modo mais estrito a partir da vigência do CPC/2015, que, como visto, faz obrigatória a referência ao valor da causa, mesmo no que concerne a danos morais.

6. Cumulação de pedidos e valor da causa

Ao chegar ao inciso VI deste art. 292, depara o analista com uma alteração quanto ao critério relativo à toponímia das matérias no corpo desse dispositivo. É que os cinco incisos anteriores tratavam de diversas hipóteses de ações ou de pretensões, para estabelecer, relativamente a cada qual, o modo peculiar de atribuir valor à causa. Os três incisos finais (VI, VII e VIII) tratam de um aspecto diverso dessa mesma questão; já não tomam a natureza da pretensão como parâmetro, mas as diversas situações em que há pedidos plurais, sejam cumulativos, alternativos e subsidiários.

Assim, em determinado feito, se houver pluralidade de pedidos e esses forem cumulativos (inciso VI), o valor da causa será a soma das expressões econômicas de cada um deles; se forem alternativos (inciso VII – vale dizer, nos casos em que a escolha da prestação, por força de lei ou do contrato, couber ao devedor, conforme ao disposto no parágrafo único do art. 325), toma-se como valor da causa o do que apresentar a maior expressão econômica, dentre todos os que se deduzirem; e, nos termos do inciso VIII, se houver um ou mais pedidos subsidiários (i.e., uma pretensão que se diz principal, justaposta outra, ou a outras, que o juiz passará a apreciar se não puder julgar procedente aquela primeira – cf. art. 326), adota-se, dentre todos os valores dos diversos pedidos, aquele que corresponder ao do principal.

7. Prestações vencidas e vincendas

Os §§ 1º e 2º do art. 292 tratam da hipótese em que o pedido tenha como objeto prestações diversas, vencidas e vincendas. Estabelece o § 1º que se considerarão os valores de todas; se a obrigação desdobrada em prestações estender-se por tempo indeterminado ou por tempo deter-minado, mas excedente ao de um ano, a expressão econômica respectiva, no que concerne ao valor da causa, corresponderá a uma prestação anual (§ 2º, primeira parte); e, como decorrência lógica das demais disposições a esse título, a parte final do mesmo § 2º explicita que, se forem as prestações vincendas projetadas no tempo para período inferior ao de um ano, o valor respectivo (que se adicionará ao das vencidas) será o da soma de todas elas.

8. Valor da causa – correção de ofício

Estabelece o § 3º do art. 292 do CPC/2015 que o juiz, se verificar que o valor atribuído à causa “não corresponde ao conteúdo patrimonial da discussão ou ao proveito econômico pretendido pelo autor”, corrigirá a discrepância, de ofício e por arbitramento (ou seja, fundado em pareceres ou documentos elucidativos apresentados pela parte e, se necessário, mediante auxílio de perito – cf. art. 510). Acertado assim o valor da causa, a parte suprirá a correspondente diferença nas cus-tas – e parece adequado entender que se aplica, ao caso, a regra do art. 290: intimação do autor

Art. 292

Page 99: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

490

Luiz Périssé Duarte Junior

(ou do reconvinte), na pessoa de seu advogado, para pagamento em 15 dias; extinção do processo e cancelamento da distribuição em caso de inadimplemento.

Constitui inovação a regra expressa que confere ao juiz a iniciativa de promover a correção do valor da causa; o CPC/1973 não continha disposição expressa nesse sentido – embora em tempos recentes, ainda sob o pálio daquele regramento, a jurisprudência já se inclinasse claramente pelo reconhecimento dessa possibilidade.

Agora, com a regra do § 3º do art. 292 do CPC/2015, a questão está definida de modo claro; e a dicção desse dispositivo não deixa dúvida de que se trata de um dever imposto ao juiz, desde que verifique haver discrepância entre o valor declarado pelo autor (ou reconvinte) e a expressão econômica do bem da vida perseguido na ação.

Resta para examinar, quanto a esse tópico, qual é o meio de impugnar decisão judicial que modifique o valor da causa nessas circunstâncias.

Trata-se, claramente, de decisão interlocutória – visto que, por si, não põe fim ao processo; e, potencialmente, é apta a gerar consequências adversas para o autor, obrigado a despender mais para a satisfação da taxa judiciária. Mas a matéria não se enquadra entre as que, conforme à regra do art. 1.015, são recorríveis por meio de agravo de instrumento – e nem prevê, o CPC/2015, outro meio de impugnação; e a regra do art. 1.009, que preserva da preclusão as questões deci-didas na fase de conhecimento e insuscetíveis de impugnação por meio de agravo, não atende ao interesse do atingido pela deliberação que aumenta o valor da causa, que teria de despender de imediato o quanto relativo à complementação das custas. Desse modo, a menos venha a prática jurisprudencial a acolher o recurso também nesses casos, pode-se prever a retomada do emprego da ação de mandado de segurança como meio heterogêneo de impugnação de decisões judiciais não dotadas de remédio imediato em instância superior – como sucedia comumente quanto aos agravos de instrumento, até o advento da Lei nº 9.139, de 30/11/1995, que passou a permitir a concessão de efeito suspensivo naqueles recursos.

II. Critérios para determinação do valor da causa – previsões em dispositivos diversos

Este art. 292, como visto, contém a disciplina geral relativa à fixação do valor da causa. Mas não esgota totalmente a matéria no âmbito do CPC/2015, certo que há nele dois outros dispo-sitivos que tratam da matéria: o do art. 303, que se refere ao critério de valoração nos casos de tutela antecipada de caráter antecedente, e o do art. 700, § 3º, referido às ações monitórias. O leitor encontrará, nos tópicos correspondentes a esses dispositivos, comentários completos sobre essas especificidades.

III. Julgados (CPC/1973)

Equivalência ao proveito econômico

“[...] 4. O valor da causa deve corresponder ao proveito econômico pretendido na demanda, decorrente da almejada reclassificação, ainda que seja de recebimento incerto diante do anda-mento da liquidação extrajudicial do requerido” (STJ, 4ª T., REsp nº 722.982/PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. em 16/9/2010, DJe de 23/9/2010).

Estimativa em caso de indeterminação

“[...] 1. Quando constatada a incerteza do proveito econômico perseguido, mormente quando para o seu conhecimento for indispensável a realização de cálculos complexos, admite-se a fixa-

Art. 292

Page 100: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

491

Luiz Périssé Duarte Junior

ção do valor da causa por estimativa. Precedentes” (AgRg no Ag nº 874.324/PI, 5ª T., Rel. Min. Laurita Vaz, j. em 9/8/2007, DJ de 10/9/2007, p. 297).

“[...] 2. A jurisprudência desta Corte Superior é firme no sentido de que o valor da causa deve corresponder, em princípio, ao do seu conteúdo econômico, considerado como tal o valor do benefício econômico que o autor pretende obter com a demanda. Contudo, admite-se a fixação do valor da causa por estimativa, quando constatada a incerteza do proveito econômico perse-guido na demanda” (STJ, 1ª T., AgRg no AREsp nº 331.238/PI, Rel. Min. Sergio Kukina, j. em 5/8/2014, DJe de 14/8/2014).

Dano moral. Estimativa. Controle pelo juízo

“[...] 3. Quanto ao dano moral prevalece o direcionamento de que o seu valor é meramente estimativo, ficando na dependência do prudente arbítrio judicial. Resp 80.501. Assim, quando estimado esse valor em verdadeira demasia pode o Judiciário adequá-lo à realidade, o mesmo se dando quando alvitrada soma irrisória” (STJ, 4ª T., REsp nº 565.880/SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. em 6/9/2005, DJ de 3/10/2005, p. 262).

“[...] 1. Consoante a jurisprudência pacífica do Tribunal de Justiça, o valor estimado da causa, na petição em que se pleiteia indenização por danos morais, não pode ser desprezado, devendo ser considerado como conteúdo econômico desta, nos termos do art. 258 do CPC. 2. Referida orientação não afronta a construção também jurisprudencial de que é cabível a indicação de valor da causa meramente estimativo quando o autor da ação de indenização por danos morais deixa ao arbítrio do juiz a especificação do quantum indenizatório” (STJ, 3ª T., AgRg nº 1.397336/GO, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. em 22/4/2014, DJe de 2/5/2014).

Valoração da relação jurídica

“[...] 5. Leciona a doutrina que ‘o valor da causa não corresponde necessariamente ao valor do objeto imediatamente material ou imaterial, em jogo no processo, ou sobre o qual versa a preten-são do autor perante o réu. É o valor que se pode atribuir à relação jurídica que se afirma existir sobre tal objeto’ [...] Determina-se, portanto, o valor da causa apurando-se a expressão econô-mica da relação jurídica material que o autor quer opor ao réu. O valor do objeto imediato pode influir nessa estimativa, mas nem sempre será decisivo’ (in Theodoro Júnior, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. Rio de Janeiro, Forense, 2008, pg. 325)” (STJ, 1ª T., AgRg no REsp nº 1.089.211/RJ, Rel. Min. Luiz Fux, j. em 16/12/2010, DJe de 21/2/2011).

Art. 293 - O réu poderá impugnar, em preliminar da contestação, o valor atribuído à causa pelo autor, sob pena de preclusão, e o juiz decidirá a respeito, impondo, se for o caso, a complementação das custas.

I. Valor da causa – impugnação pela parte contrária

Trata-se aqui de hipótese diversa daquela regrada conforme ao § 3º do art. 292 do CPC/2015: é o caso da impugnação do valor dado à causa, mas por iniciativa da parte contrária.

Nos termos do art. 293 do CPC/2015, a impugnação se oferece como preliminar da con-testação – na mesma peça, portanto; contestado o feito sem essa arguição, preclusa estará a

Art. 293

Page 101: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

492

Luiz Périssé Duarte Junior

matéria. O legislador de 1973, com a intenção aparente de apartar a discussão sobre o valor da causa relativamente ao andamento do feito, determinou que a impugnação, oferecida no prazo da resposta do réu, se processasse em autos distintos, com curso próprio e simultâneo ao dos principais.

Conforme à regra do art. 293 do CPC/2015, retoma-se a solução do CPC/1939, que, no § 1º do art. 48, estabelecia regra semelhante à que agora se adota. Assim, oferecida a impugnação como preliminar da defesa, o juiz decidirá. Não o explicita o dispositivo, mas parece evidente que, para tanto, poderá valer-se dos meios que lhe faculta o enunciado do § 3º do art. 292, quan-to à correção do valor da causa ex officio: pareceres ou documentos elucidativos apresentados pelas partes e, se necessário, o auxílio de perito. Não determina a lei a suspensão do processo para que se decida sobre a impugnação. Não há regra expressa a respeito, diversamente do que ocorria relativamente ao sistema de 1939 em que a solução era semelhante, como visto: o § 3º do art. 48 determinava o processamento da impugnação conjuntamente com o que chamava de causa, com o cuidado de explicitar que a questão valorativa seria decidida no “prazo que mediar entre a contestação e a audiência de instrução e julgamento”. No sistema de 2015, entende-se que o juiz decidirá de plano, sem necessidade de interromper as demais providências e atos relativos ao processamento do feito. Ainda menos dificuldades se põem para esses andamentos na medida em que os processos passam a ser eletrônicos, o que faz os autos respectivos per-manentemente acessíveis, sem necessidade de deslocamentos físicos para diligências, perícias, etc.

A parte autora deve ser intimada para o recolhimento da diferença das custas que decorrer do aumento do valor da causa como resultado do incidente de impugnação. É o que já sucedia sob o regime do CPC/1973, conforme a entendimento reiterado do STJ. A intimação será feita ao advogado, como sucede quanto às decisões judiciais de modo geral.

Pode-se entender que, intimado o advogado quanto à decisão determinante do pagamento da diferença de custas, o inadimplemento dessa prestação acarretará seja extinto o processo, inde-pendentemente de nova intimação, como prevê a regra do art. 290? Quer nos parecer que não.

Assim entendemos a partir da consideração de que há uma diferença relevante entre uma e outra dessas situações: na hipótese do art. 290, trata-se de decisão no primeiro estágio do proces-samento, antecedente à ordem de citação do réu; já quanto ao disposto no art. 293, a decisão que manda complementar o pagamento das custas advém depois de formada inteiramente a relação processual, com a citação e a resposta do réu (veículo para a impugnação). Desse modo, pen-samos que a omissão em prover esse pagamento adicional poderá levar à extinção do processo sem julgamento de mérito, mas de acordo com os preceitos dispostos no art. 485, inciso III, do CPC/2015: por abandono da causa, decorridos 30 dias da intimação regular (ao advogado), mas somente depois de, verificada a omissão, intimar-se pessoalmente a parte para que emende a mora, no prazo de cinco dias (CPC/2015, art. 485, inciso III, c.c. § 1º).

Também nos parecem aplicáveis a esta hipótese as conclusões que expusemos relativamente à irrecorribilidade da decisão judicial ex officio que corrige o valor da causa: porque não referida entre os casos de agravo de instrumento (art. 1.015), o modo de ataque possível será a impetra-ção de mandado de segurança, que a jurisprudência de há muito entende cabível relativamente a decisão judicial quando não haja, no sistema, recurso específico à disposição da parte afetada.

Art. 293

Page 102: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

493

José Roberto dos Santos Bedaque

Art. 294 - A tutela provisória pode fundamentar-se em urgência ou evidência.Parágrafo único - A tutela provisória de urgência, cautelar ou antecipada, pode ser concedida em caráter antecedente ou incidental.

AutorJosé Roberto dos Santos Bedaque

I. Tutela provisória de urgência e da evidência

O legislador processual adotou o termo tutela provisória para identificar modalidade de tutela jurisdicional cujo escopo não é, ao menos em princípio, solucionar definitivamente a crise de direito material.

A definição da regra a ser aplicada ao caso concreto e a respectiva efetivação prática dessa decisão, com a consequente extinção do litígio e a obtenção da pretendida pacificação social, são alcançadas pelas tutelas cognitiva e executiva.

Ao final da fase cognitiva do processo, o juiz profere sentença (declaratória, constitutiva, condenatória e, para quem admite a denominada classificação quinária, mandamental e executiva lato sensu). Essas decisões põem termo à controvérsia e tendem a tornar-se definitivas, adqui-rindo a qualidade da coisa julgada. Quando necessário, o processo prossegue com a prática de atos executivos, destinados à efetivação prática da tutela cognitiva. Isso ocorre, normalmente, nas hipóteses de sentenças condenatórias. Nesses casos, finda a fase cognitiva com a sentença (Código de Processo Civil de 2015, art. 203, § 1º), inicia-se, em seguida, a fase do cumprimento de sentença (Código de Processo Civil de 2015, arts. 513 e ss.). É possível, ainda, a realização de atos executivos independentemente da prévia atividade cognitiva do juiz. Tal se dá nos processos de execução fundados em título extrajudicial (Código de Processo Civil de 2015, arts. 771 e ss.).

Esse é, em linhas gerais, o sistema destinado à eliminação das crises verificadas no plano do direito material e submetidas à atividade jurisdicional do Estado.

Para alcançar esse resultado, todavia, necessário o desenvolvimento regular do processo, para que as partes possam expor suas pretensões ao juiz e ele, responsável por controlar a observância de todas as regras destinadas a regulamentar esse método de trabalho concebido pelo legislador, tenha condições de solucionar o litígio, formulando e efetivando praticamente a regra de direito material.

O processo é, portanto, o instrumento por meio do qual o juiz, no exercício de sua atividade, busca alcançar o escopo da função jurisdicional, qual seja a atuação do direito e a pacificação social. Para tanto, princípios, normas e garantias, constitucionais e infraconstitucionais, devem ser respeitados. Em outras palavras, o método de trabalho concebido para a solução das contro-vérsias pela via jurisdicional corresponde ao fenômeno designado pela doutrina como devido processo constitucional e legal.

Nessa medida, admitida a premissa segundo a qual o processo deve desenvolver-se em con-formidade com o modelo legal previsto pelo legislador, do qual fazem parte contraditório, ampla

Page 103: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

494

José Roberto dos Santos Bedaque

defesa, publicidade, fundamentação, juiz natural, duplo grau, legalidade procedimental, etc., a entrega da tutela jurisdicional em caráter definitivo demanda tempo.

Daí a necessidade de o legislador regular a atividade do juiz destinada a evitar que a demora do processo possa causar prejuízo à parte, cuja pretensão esteja amparada em argumentos plau-síveis, verossímeis. Visa com isso a conferir maior dose de efetividade prática à tutela final, possibilitando a quem faz jus a ela obter resultados na medida do possível semelhantes ao cum-primento espontâneo do direito.

O Código de Processo Civil de 1973 trata desse tema de modo não sistemático, inclusive do ponto de vista procedimental. Regula a tutela antecipada no art. 273 e a tutela cautelar, a ser ob-tida em processo autônomo, no Livro III (arts. 796/889).

O Código de Processo Civil de 2015 procurou conferir melhor sistematização ao instituto. Em primeiro lugar, denominou-o Tutela Provisória, visando a possibilitar sua identificação no sistema das tutelas jurisdicionais. A expressão leva em consideração a principal característica dessa modalidade de tutela, comum em todas as suas espécies, e apta a distingui-la da Tutela Definitiva, cuja finalidade é eliminar a crise de direito material.

Pois bem. Em atenção à construção doutrinária já consagrada, previram-se duas espécies do gênero Tutela Provisória. A primeira, destinada a eliminar o perigo de dano grave e de difícil reparação, à qual denominou-se Tutela de Urgência. Para obtê-la, necessária a demonstração do motivo capaz de comprometer a efetividade da tutela final e definitiva (periculum in mora), além da verossimilhança do direito alegado (fumus boni iuris).

Identificou-se também no sistema processual outra modalidade de Tutela Provisória. Trata-se da agora chamada Tutela da Evidência, cujo fundamento é a existência de determinada situação que, ao ver do legislador, autoriza a imediata e provisória proteção do suposto direito afirma-do na inicial. Nesse caso, não se verifica o risco de dano grave ou de difícil reparação, mas as circunstâncias justificam a inversão das consequências suportadas em regra pelo autor, em ra-zão da demora do processo. A antecipação da tutela prevista no art. 273, inciso II, e a liminar possessória (art. 928), ambas no Código de Processo Civil de 1973, são exemplos típicos. Em nenhum desses casos, cogita-se do periculum in mora. Basta a verossimilhança. Nada mais fez o legislador de 2015, portanto, do que reunir hipóteses legais reguladas de forma esparsa e regulá-las em um único dispositivo (Código de Processo Civil de 2015, art. 311). Essa modalidade de tutela provisória, ao contrário do que pode parecer aos menos avisados, requer a demonstração da plausibilidade do direito alegado. Interpretação diversa contraria a própria natureza dessa mo-dalidade de tutela jurisdicional e a própria denominação a ela atribuída pelo legislador (Tutela da Evidência). Não é crível que se admita a proteção provisória de direito inverossímil.

A Tutela Provisória, que se opõe à final e definitiva, pode fundar-se, portanto, na urgência (perigo e plausibilidade) ou na evidência (plausibilidade).

II. Tutela provisória de urgência antecedente e incidente

O parágrafo único trata de uma das espécies de tutela provisória – a tutela de urgência. Classifica-a, quanto ao seu conteúdo, em cautelar e antecipada. Também considera o momento em que a parte pode requerê-la, resultando daí a tutela de urgência – cautelar ou antecipada – antecedente e incidente.

A tutela de urgência, espécie do gênero tutela provisória, destina-se, como visto, a assegurar a eficácia prática da tutela definitiva. A observância do devido processo legal, com as garantias constitucionais a ele inerentes, impede seja a tutela jurisdicional definitiva prestada imediata-

Art. 294

Page 104: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

495

José Roberto dos Santos Bedaque

mente. O tempo, normalmente mais longo do que o desejado por quem necessita do processo para a solução de determinada controvérsia, é fenômeno inexorável.

Nem sempre, a demora natural do processo, necessária para que se cumpram a normas destinadas a conferir-lhe segurança (contraditório, ampla defesa, produção de provas, duplo grau, fundamentação das decisões, publicidade, juiz natural, etc.), é compatível com a utilidade da tutela final esperada por quem dela precisa. Surge então a necessidade de o sistema processual prever mecanismos destinados a afastar o risco de dano grave e de difícil reparação, causado por especificidades do direito material dis-cutido ou por outro aspecto estranho ao processo. Esses fatores, somados ao tempo, podem impedir que o titular de determinado direito, reconhecido no plano jurisdicional, possa usufruí-lo adequadamente.

A tutela provisória de urgência constitui o principal instrumento processual adotado pelo legislador, para proteger o direito verossímil, plausível, de fatos cuja verificação podem tornar inútil a tutela jurisdicional.

Duas são as espécies de tutela de urgência: cautelar e antecipada. A primeira caracteriza-se pela natureza meramente conservativa. Limita-se a proteger bens, pessoas ou provas, a fim de que, quando e se possível a concessão da tutela final e definitiva, momento em que a verossimi-lhança transforma-se em certeza, possa o titular do direito dele usufruir. São exemplos típicos o arresto, o sequestro e a produção antecipada de provas. Já a tutela antecipada busca esse mesmo objetivo mediante a técnica da antecipação provisória de efeitos da tutela final. Sua eficácia prá-tica confunde-se, ainda que parcialmente, com a da tutela final (alimentos provisórios, separação de corpos, liberação de mercadorias apreendidas, etc.).

Ambas podem ser requeridas antes do pedido de tutela definitiva ou no curso do respectivo processo. No primeiro caso, eventual tutela definitiva será pleiteada no próprio processo, me-diante simples aditamento da inicial (Código de Processo Civil de 2015, art. 303, § 1º, inciso I). Trata-se, aliás, de uma das principais novidades do sistema processual, no âmbito das tutelas provisórias e definitivas. Elas dispensam processos autônomos.

Art. 295 - A tutela provisória requerida em caráter incidental independe do pagamento de custas.

A norma em questão regula uma das consequências naturais à unidade processual, ou seja, ao fato de ambas as tutelas – provisória e definitiva – serem requeridas no mesmo processo. O pedido de tutela provisória formulado incidentalmente não dá origem a nova relação processual. Nessa medida, desnecessário o pagamento de custas.

Nessa mesma linha de raciocínio, formulado em caráter antecedente o pedido de tutela provi-sória, antecipada ou cautelar, as custas são pagas apenas nesse momento. O aditamento da inicial e o pedido de tutela definitiva, ambos deduzidos no mesmo processo, estão isentos da taxa (Có-digo de Processo Civil de 2015, arts. 303, § 3º, e 308).

Como há regra expressa, não pode o legislador estadual dispor em sentido contrário.

Art. 296 - A tutela provisória conserva sua eficácia na pendência do processo, mas pode, a qualquer tempo, ser revogada ou modificada.

Arts. 295 e 296

Page 105: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

496

José Roberto dos Santos Bedaque

Parágrafo único - Salvo decisão judicial em contrário, a tutela provisória conservará a eficácia durante o período de suspensão do processo.

I. Revogação ou modificação da tutela provisória

A provisoriedade dessa espécie de tutela implica a possibilidade de revogação, caso no curso do processo surjam novos elementos que revelem o não cabimento da medida.

Como a concessão da tutela provisória pressupõe cognição superficial, pode ocorrer que a di-lação probatória inerente à tutela definitiva afaste a plausibilidade do direito. Também é possível que o perigo de ineficácia do provimento final deixe de existir. Tais circunstâncias, surgidas após a concessão da medida provisória, revelam o seu não cabimento e acarretam sua revogação.

Quanto à mera retratação, embora haja divergência na doutrina, não parece ocorrer o fenô-meno da preclusão para o juiz. Primeiro porque a cognição realizada é sumaríssima, nada impe-dindo se convença o julgador da impropriedade da solução. Nesse caso, inexiste vedação legal a que ele altere sua posição, mesmo porque a providência determinada não visa a produzir efeitos definitivos no plano material. Se a finalidade da tutela provisória é apenas assegurar o maior grau possível de efetividade à tutela definitiva, pode o julgador verificar, no curso do processo, não haver necessidade da medida, porque inexistente esse risco.

Seria puro formalismo processual, além de indevida invasão da esfera jurídica de uma das partes, manter-se tutela provisória até o final do processo, se verificado o não cabimento da providência.

A rigor, o problema existe apenas em relação à possibilidade de o juiz modificar seu enten-dimento a respeito, sem alteração do quadro fático e independentemente de recurso. Verificado qualquer desses fenômenos, dúvida não há sobre a admissibilidade da alteração. Mas, mesmo se eles não ocorrerem, conclui-se pela revogabilidade da medida, caso o juiz não a considere mais necessária, podendo fazê-lo até de ofício.

Assim, enquanto não concedida a tutela final, definitiva, parece possível a alteração da medida provisória, o que decorre de sua própria natureza. Imagine-se que, deferido o pedido no curso do processo, após cognição mais profunda, verifique o juiz não ser caso da medida. Não poderá revogá-la mais, mesmo que se convença da desnecessidade da segurança ou da probabilidade de que seu beneficiário não possua o direito que alega? Parece que a conclusão negativa não se coaduna com os objetivos dessa modalidade de tutela jurisdicional, eminentemente provisória e instrumental. Se não há mais o que assegurar, não há por que mantê-la.

Em síntese, consequência natural da provisoriedade é a possibilidade de sua revogação ou modificação no curso do processo. Não obstante as partes devam recorrer da respectiva decisão sobre essa espécie de tutela, sob pena de preclusão, a providência pode ser adotada pelo juiz, mesmo de ofício e sem necessidade de fatos novos. Basta que ele se convença do equívoco come-tido. A inexistência de recurso impede a parte de impugnar a decisão sem demonstrar a existência de fatos posteriores incompatíveis com ela. Com relação ao juiz, todavia, não há preclusão.

Se indeferido o pedido de tutela provisória, todavia, deve a parte impugnar a decisão, sob pena de preclusão. Outra decisão a respeito somente será admissível diante de fatos novos. Idêntica a solução se a medida for cassada pelo tribunal. Não poderá o juiz de primeiro grau reexaminar a questão, salvo se sobrevier alguma modificação fática.

Art. 296

Page 106: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

497

José Roberto dos Santos Bedaque

Tais afirmações não são incompatíveis com a provisoriedade dessa modalidade de tutela. Sua concessão tem essa característica, o que significa possibilidade de modificação a qualquer tem-po. Decisão denegatória, todavia, está sujeita às regras sobre preclusão. Tem a parte o ônus de recorrer da decisão, não podendo simplesmente renovar o pedido, com os mesmos fundamentos de fato.

II. Tutela provisória e suspensão do processo

Eventual suspensão do processo não compromete a eficácia da tutela provisória, salvo se nova decisão revogá-la ou modificá-la. Não verificada essa hipótese, os efeitos produzidos pela tutela provisória, em qualquer das suas espécies, não cessam durante eventual suspensão do curso do processo (Código de Processo Civil de 2015, arts. 313/315).

Art. 297 - O juiz poderá determinar as medidas que considerar adequadas para efetivação da tutela provisória.Parágrafo único - A efetivação da tutela provisória observará as normas referentes ao cumprimento provisório da sentença, no que couber.

I. Efetivação prática da tutela provisória

O legislador não estabeleceu exatamente a forma de realização prática da tutela provisória, mesmo porque as providências podem variar em função do tipo de medida adequada à situação concreta. Limitou-se às normas relativas ao cumprimento provisório da sentença.

Não obstante essa referência, a tutela provisória não se refere apenas a efeitos da tutela con-denatória. Também as tutelas declaratória e constitutiva podem ter a eficácia prática assegurada ou antecipada, total ou parcialmente, o que revela impropriedade da remissão. O cumprimento provisório da sentença será adotado como modelo apenas para a efetivação prática de providên-cias inerentes a essa modalidade de tutela definitiva.

A rigor, mesmo em relação à tutela condenatória, não se pode admitir que a atuação prática da tutela provisória seja efetivada nos moldes do cumprimento provisório da sentença, sob pena de comprometer sua utilidade prática. Se necessário, serão adotadas medidas diversas das previstas naquelas normas.

Caberá ao juiz, dependendo do conteúdo da tutela provisória, determinar quais as providên-cias mais adequadas à sua efetivação.

Nada obsta, portanto, a adoção de outras técnicas, principalmente se verificada a insuficiência da execução por expropriação. A fixação de multa pecuniária pelo descumprimento do provimen-to antecipatório constitui providência possível, adequada e útil para conferir maior efetividade à antecipação.

A tutela provisória de urgência deve limitar-se à finalidade do instituto, qual seja prevenir a ocorrência de dano. Devem ser utilizados mecanismos que produzam o resultado prático neces-sário para evitar a lesão. Emitirá o juiz mandados e ordens destinados a alcançar essa finalidade prática, consistente em antecipar os efeitos do provável provimento definitivo.

Em síntese, a eficácia prática da tutela provisória pode depender de medidas coercitivas, desti-nadas a alcançar o respectivo resultado. Tais providências variam em função da espécie de tutela

Art. 297

Page 107: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

498

José Roberto dos Santos Bedaque

provisória. Se o pedido disser respeito a tutela cautelar, normalmente as providências conser-vativas são mais simples (bloqueio, indisponibilidade, depoimento, perícia, etc.). Tratando-se da antecipação de efeitos da tutela final (tutela antecipada), todavia, há necessidade da adoção de medidas aptas a proporcionar a respectiva satisfação, que podem exigir a realização de atos mais complexos, especialmente nas hipóteses de obrigações de fazer. Aplica-se, nesses casos, o disposto no art. 536 do Código de Processo Civil de 2015.

II. Tutela provisória e execução provisória

Para a efetivação prática da tutela provisória, procede-se não apenas em conformidade com as normas relativas ao cumprimento provisório da sentença, mas também ao definitivo, no que couber (Código de Processo Civil de 2015, art. 519). Assim, por exemplo, aplica-se o disposto nos arts. 773, 805, 814 e outros, por força do disposto no art. 513.

Não obstante, certamente a incidência das normas pertinentes ao cumprimento provisório da sentença ocorrerá com mais frequência, tendo em vista existir certa semelhança entre a senten-ça impugnada por recurso não dotado de efeito suspensivo, e, portanto, suscetível de execução provisória, e a tutela provisória propriamente dita. A sentença, embora configure tutela definiti-va, pois tem como efeito a solução da crise de direito material, só produz esse resultado com o trânsito em julgado. Se contra ela foi interposta apelação, sua eficácia imediata é provisória, pois pode ser cassada se provido o recurso. Por esse aspecto, portanto, aproxima-se da tutela provi-sória. A diferença reside no fato de esta última não ser concebida para eliminar a crise de direito material, embora esse resultado possa ocorrer eventualmente (Código de Processo Civil de 2015, art. 304).

Art. 298 - Na decisão que conceder, negar, modificar ou revogar a tutela provisória, o juiz motivará seu convencimento de modo claro e preciso.

A exigência de motivação das decisões judiciais tem natureza constitucional (CF, art. 93, inciso IX). O Código de Processo Civil de 2015 nada mais fez do que reiterar essa garantia cons-titucional no plano legal. A norma ora examinada encontra-se expressa de forma genérica no art. 489, § 1º. O legislador enumerou minuciosamente o que considera decisão não fundamentada. Embora a regra tenha causado estranheza, ela tem escopo muito mais didático do que cogente. São previstas situações em que, independentemente do dispositivo, a sentença teria necessaria-mente de enfrentá-las, sob pena configurar-se o vício da ausência de fundamentação. A redação do anteprojeto era melhor, porque mais simples (art. 472, parágrafo único). Mas o dispositivo, tal como aprovado, visa simplesmente a especificar hipóteses que não podem ficar sem manifes-tação expressa do julgador. Tem função didática. Espera-se, todavia, não seja utilizado de modo incompatível com a boa-fé processual.

Art. 299 - A tutela provisória será requerida ao juízo da causa e, quando antecedente, ao juízo competente para conhecer do pedido principal.Parágrafo único - Ressalvada disposição especial, na ação de competência originária de tribunal e nos recursos a tutela provisória será requerida ao órgão jurisdicional competente para apreciar o mérito.

Arts. 298 e 299

Page 108: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

499

José Roberto dos Santos Bedaque

I. Tutela provisória e competência

A competência para o exame do pedido de tutela provisória depende do momento em que re-querida. Como visto, ela pode ser antecedente ou incidente (Código de Processo Civil de 2015, art. 294, parágrafo único). Se pleiteada em caráter incidental, nenhuma dificuldade. Como o pedido deve ser formulado nos próprios autos, sem necessidade de processo autônomo, o proce-dimento é simples. Deve a parte dirigi-lo ao juízo em que tem curso aquele já instaurado. Nem havia necessidade desse esclarecimento pelo legislador.

Tratando-se de tutela provisória antecedente, ou seja, pleiteada antes de deduzida a pretensão à tutela definitiva, devem ser observadas as regras de competência previstas para esta (Cons-tituição Federal, Lei Orgânica da Magistratura, Constituições Estaduais, Normas Estaduais de Organização Judiciária e Código de Processo Civil de 2015 e legislação extravagante).

Leva-se em conta, inicialmente, a organização judiciária do Brasil. O órgão de cúpula do Poder Judiciário é o Supremo Tribunal Federal, que algumas vezes tem competência originária estabelecida na Constituição Federal. Verificada uma dessas hipóteses, deve o pedido de tutela provisória antecedente ser dirigido diretamente a essa Corte.

Se tal não ocorrer, necessário verificar, também na Constituição Federal, qual a Justiça com-petente, dentre as cinco existentes: Federal e Estaduais (comum), Trabalhista, Eleitoral e Militar (especial). Saliente-se ser a competência da Justiça Comum Estadual determinada por exclusão, ou seja, é residual: o que não for atribuído expressamente na Constituição para as demais Justiças.

Cumprida essa etapa, deve-se atentar para eventual competência originária dos Tribunais Su-periores da Justiça Comum (Superior Tribunal de Justiça) e das Justiças Especiais (Tribunal Superior do Trabalho, Tribunal Superior Eleitoral e Superior Tribunal Militar), normalmente previstos também na Constituição Federal.

Também há hipóteses de competência originária de 2º grau em todas as Justiças (Tribunais Regionais Federais, Tribunais de Justiça, Tribunais Regionais do Trabalho, Tribunais Regionais Eleitorais e Tribunais Estaduais Militares).

É excepcional a competência originária dos Tribunais. A regra consiste na competência de 1º grau para a propositura das demandas. Nesse caso, identificada a Justiça competente, deve ser encontrado o foro (área sobre a qual o respectivo órgão jurisdicional tem atribuição). Para tanto, observam-se as normas do Código de Processo Civil sobre competência territorial.

Muitas vezes, em um mesmo foro há vários juízos, podendo a distribuição da competência levar em conta áreas de especialização (família, fazenda pública, registros, cível em geral) ou a subdivisão do território.

Observado esse breve esquema, chega-se ao juízo competente para a demanda com pedido de tutela definitiva e, portanto, para examinar a pretensão à tutela provisória antecedente.

II. Tutela provisória e competência originária dos tribunais

Em princípio, se houver necessidade de tutela provisória em demanda de competência origi-nária do tribunal, o pedido deverá ser formulado perante o respectivo órgão jurisdicional. Incide a regra geral formulada no caput, observadas as especificidades decorrentes de a pretensão ser deduzida originariamente em 2º grau.

Se o processo já estiver em curso, o pedido de tutela tem natureza incidental e deve ser di-rigido ao relator (Código de Processo Civil de 2015, art. 932, inciso II). Se a pretensão à tutela

Art. 299

Page 109: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

500

José Roberto dos Santos Bedaque

provisória tiver caráter antecedente, será encaminhada ao Presidente e, distribuída, caberá ao relator determinar as providências previstas no regimento interno (Código de Processo Civil de 2015, art. 932, inciso VIII), especialmente aquelas estabelecidas no art. 303.

O dispositivo incide também na hipótese em que a tutela antecipada for requerida na fase re-cursal. Nesse caso, todavia, necessárias algumas considerações.

Proferida a sentença, embora sua eficácia não seja imediata, visto que a apelação, em regra, é dotada de efeito suspensivo (Código de Processo Civil de 2015, art. 1.012), pode surgir a neces-sidade de providência imediata, visando a evitar dano grave e de difícil reparação, mesmo porque há situações em que o recurso não tem o condão de impedir os efeitos da decisão (Código de Processo Civil de 2015, arts. 995 e 1.012, § 1º). Embora não haja mais juízo de admissibilidade na origem, alguns atos devem ser praticados antes da remessa dos autos ao órgão ad quem (Códi-go de Processo Civil de 2015, arts. 1.010, §§ 1º a 3º, 1.028, §§ 2º e 3º, 1.030, caput e parágrafo único). Nesse ínterim, eventual pedido de tutela provisória deve ser apresentado diretamente no tribunal e dirigido ao Presidente, mesmo antes da remessa dos autos. Realizada a distribuição, o relator sorteado decidirá a respeito e, salvo disposição diversa do regimento interno, ficará pre-vento para o julgamento do recurso.

Nessa mesma linha de raciocínio, o pedido de atribuição de efeito suspensivo ao recurso ou de antecipação de tutela recursal, que não deixa de ser modalidade de tutela provisória pleiteada em grau de recurso, será examinado pelo relator, observado o mesmo procedimento descrito no parágrafo anterior (Código de Processo Civil de 2015, art. 995, parágrafo único; v. tb. arts. 932, inciso II; 989, inciso II; e 1.029, § 5º).

Se o processo estiver suspenso, em razão de Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (art. 982, inciso I), pedido de tutela provisória de urgência (antecipada ou cautelar) deve ser di-rigido ao juízo onde tem curso o processo suspenso (art. 982, § 2º).

Art. 299

Page 110: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

501

André Luiz Bäuml Tesser

Art. 300 - A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.§ 1º - Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la.§ 2º - A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia.§ 3º - A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão.

AutorAndré Luiz Bäuml Tesser

I. Tutela(s) de urgência: conceito e funcionalidade

As tutelas de urgência, como conceituadas no Código de Processo Civil de 2015, representam hipóteses em que a tutela jurisdicional deve ser concedida quando estiver presente o perigo de dano (ao direito) ou um risco ao resultado útil do processo.

Portanto, tutela cautelar e antecipação de tutela, para o Código de Processo Civil brasileiro de 2015 podem ser definidas como tutelas provisórias de urgência. Ou seja, tutelas jurisdicionais que não têm o condão de serem definitivas e que são concedidas com fundamento (e em razão de) um perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo.

II. Fundamentos e requisitos

As tutelas de urgência, porque são medidas voltadas a eliminar ou minorar especificamente os males do tempo do processo, têm por fundamento uma situação de perigo. Nesse sentido, o Có-digo de Processo Civil de 2015 positivou dois “perigos” que podem dar fundamento à concessão da tutela de urgência. São eles: o perito de dano e o risco ao resultado útil do processo. Ambas as expressões, em verdade, representam igual fenômeno, qual seja os males que o tempo pode trazer para o processo ou para direito nele postulado.

Além das situações de urgência que representam verdadeiro fundamento do pleito urgente, o Código de Processo Civil de 2015 também estabelece como requisito positivo para a concessão da tutela de urgência a probabilidade do direito, ou seja, a análise em sede de possibilidade de que o autor possui o direito que alega e que está sujeito à situação de perigo. Para que a tutela de urgência seja concedida, ainda que não se exija certeza jurídica sobre o direito do autor, há que se ter ao menos aparência desse direito, e, por isso, o juiz faz a apreciação da existência da pretensão do autor em um juízo de cognição sumária, e não exauriente.

Destaque-se, ainda, que o Código de Processo Civil de 2015, mesmo reconhecendo que as tutelas de urgência possam ter natureza cautelar ou satisfativa (antecipada, nos termos da le-gislação) ao menos no plano do direito positivo, não estabeleceu distinção entre os requisitos

Page 111: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

502

André Luiz Bäuml Tesser

positivos para a concessão de ambas, dando a entender que os requisitos para a concessão das medidas, seja de que natureza forem, são os mesmos.

III. Exigência de caução para concessãoA possibilidade de o juiz exigir, se entender necessário, caução real ou fidejussória idônea

para concessão da medida tem o condão de visar garantir o ressarcimento de eventuais danos que a execução da tutela urgente possa causar à outra parte. Naturalmente, a exigência de caução não deve ser um obstáculo intransponível à concessão da medida, especialmente nos casos em que a parte não puder ofertá-la. Por isso, ainda que o juiz entenda necessária para a concessão da medida, a caução pode ser dispensada “se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la”.

A possibilidade de exigência de caução para concessão da medida é vista como medida que fica sujeita à discricionariedade do juiz. O E. STJ, em julgamento afetado na forma de Recurso Especial Repetitivo, já recepcionou o entendimento de que, todavia, a caução deve ser exigi-da para concessão de medida urgente para abstenção da inscrição/manutenção em cadastro de inadimplentes, caso não haja depósito da parcela incontroversa do débito: “[...] a proibição da inscrição/manutenção em cadastro de inadimplentes, requerida em antecipação de tutela e/ou medida cautelar, somente será deferida se, cumulativamente: i) houver ação fundada na exis-tência integral ou parcial do débito; ii) ficar demonstrado que a alegação da cobrança indevida se funda na aparência do bom direito e em jurisprudência consolidada do STF ou STJ; iii) for depositada a parcela incontroversa ou prestada a caução fixada conforme o prudente arbítrio do juiz [...]” (STJ, 2ª Seção, REsp nº 1067237/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. em 24/6/2009).

IV. Momento de concessãoA legislação processual civil não limita nem estabelece um momento específico para a con-

cessão da antecipação de tutela. Aliás, expressamente permite que a medida seja concedida li-minarmente (o que significa dizer, sem a oitiva prévia da parte contrária) ou após justificação prévia (por exemplo, em audiência designada pelo juiz especialmente para a produção de provas para tal finalidade). Assim, admite-se sua concessão a qualquer momento do processo, desde que antes da decisão final definitiva. A medida pode ser concedida, então, antes da citação do réu, durante o curso do processo, e até mesmo na sentença. Quando concedida na sentença, pode-se haver dúvida sobre o recurso a ser manejado contra ela, porquanto da sua natureza interlocu-tória. Não obstante a melhor orientação doutrinária no sentido de que a decisão que concede a medida antecipatória não perde sua natureza interlocutória mesmo se outorgada na sentença – e, portanto, impugnável via agravo de instrumento, a jurisprudência é pacífica no sentido de que o recurso a ser manejado é a apelação que deve ser recebida apenas no efeito devolutivo quanto à antecipação de tutela, em razão da regra do art. 1.012, inciso V, do Código de Processo Civil de 2015. Veja-se a posição do E. STJ: “[...] Não cabe agravo de instrumento contra a sentença que julga pedido de antecipação de tutela. O único recurso oportuno é a apelação.” (STJ, 3ª T., AGRg no Ag nº 723.547/DF, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. em 29/11/2007). No mes-mo sentido: STJ, 3ª T., Resp. nº 1.105.757/DF, Rel. Min. Sidnei Beneti, j. em 16/8/2011. Não se admite, sequer, a fungibilidade entre os recursos, pois “[...] 2. Em homenagem ao princípio da unirrecorribilidade, o recurso de apelação vem sendo considerado o cabível para insurgência inclusive contra provimentos que, se não estivessem no bojo da sentença, poderiam ser consi-derados de caráter efetivamente interlocutório – o que sequer é o caso dos autos. 3. A aplicação do princípio da fungibilidade recursal resta prejudicada, na hipótese, porquanto se está diante de erro grosseiro, além do que a apelação e o agravo de instrumento são recursos destinados a

Art. 300

Page 112: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

503

André Luiz Bäuml Tesser

órgãos jurisdicionais distintos e com prazos diversos” (TRF4, 4ª T., Agravo (Inominado, Legal) em AI nº 0002041-05.2011.404.0000, Rel. Des. Federal Marga Inge Barth Tessler, unânime, j. em 14/4/2011).

V. A irreversibilidade do provimento como requisito negativo

O § 3º do art. 300 consagra a irreversibilidade do provimento como requisito negativo de concessão da tutela de urgência antecipada (de natureza satisfativa, portanto, e não cautelar), proibindo que a medida seja concedida quando houver perigo de tornar-se irreversível. Tal regra já era prevista no CPC/1973, no art. 273, § 2º. Em razão disso, a par das divergências doutri-nárias sobre a natureza dessa irreversibilidade (se ela é fática ou jurídica) e qual seu alcance, a jurisprudência já vem determinando que esse requisito deve ser analisado caso a caso pelo juiz, mediando-se os interesses postos em juízo, especialmente quando há o perigo de irreversibilida-de recíproca. Essa se faz presente quando a concessão da medida causar perigo de irreversibilidade ao réu ao mesmo tempo em que seu indeferimento cause perigo de irreversibilidade ao autor. Nesses casos, adotando-se critérios de proporcionalidade, o juiz deve sopesar as circunstâncias específicas do caso concreto para decidir se concede ou não medida, não devendo significar de forma taxativa que, existindo perigo de irreversibilidade para o réu com o deferimento da medi-da, a antecipação de tutela não pode ser concedida.

É de se ressaltar que a irreversibilidade do provimento somente pode ser vista como requisito negativo para a concessão da tutela de urgência de natureza satisfativa, não podendo ser obstá-culo para a concessão da tutela de urgência cautelar.

Art. 301 - A tutela de urgência de natureza cautelar pode ser efetivada mediante arresto, sequestro, arrolamento de bens, registro de protesto contra alienação de bem e qualquer outra medida idônea para asseguração do direito.

I. A tutela de urgência cautelar e seus meios executivos. Da tipicidade à atipicidade da tutela cautelar

O Código de Processo Civil de 2015 consagra legislativamente a ideia da atipicidade dos meios executivos para o cumprimento da tutela cautelar. Tal perspectiva representa a correta com-preensão do Poder Geral de Cautelar conferido ao juiz (e que já existia expressamente também no CPC/1973, especialmente nos arts. 798 e 799) como expressão do fato de que a tutela cautelar é fenômeno essencialmente atípico, no que tange aos meios executivos idôneos e adequados à sua efetivação, e não como uma simples regra de fechamento do sistema. A jurisprudência do E. STJ também adota essa ideia, pois já se assentou entendimento de que “[...] 1. É admissível o ajuizamento de ação cautelar inominada em face do poder geral de cautela estabelecido no art. 798 do CPC, para fins de assegurar a eficácia de futura decisão em ação de indenização proposta pelo autor, caso lhe seja favorável [...]” (STJ, 4ª T., AgRg no AREsp nº 479770/MG, Rel. Min. Raul Araújo, j. em 14/4/215).

A norma positivada no art. 301 representa uma mudança de direção em relação ao CPC/1973, que expressamente previa uma série de procedimentos cautelares específicos, no Capítulo II do Livro III, que, em verdade, nada mais eram do que meras formas executivas diversas de efetiva-

Art. 301

Page 113: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

504

André Luiz Bäuml Tesser

ção da tutela cautelar. Justamente por isso, algumas medidas que eram previstas como procedi-mentos cautelares específicos no CPC/1973 foram repetidas a título de exemplos de meios exe-cutivos para efetivação da tutela cautelar, como arresto, sequestro, arrolamento de bens, registro de protesto contra alienação de bem. Importa ressaltar que o legislador, todavia, expressamente consagrou a ideia da atipicidade dos meios executivos ao estabelecer que pode ser adotada “qual-quer outra medida idônea para asseguração do direito”.

Art. 302 - Independentemente da reparação por dano processual, a parte responde pelo prejuízo que a efetivação da tutela de urgência causar à parte adversa, se: I - a sentença lhe for desfavorável; II - obtida liminarmente a tutela em caráter antecedente, não fornecer os meios necessários para a citação do requerido no prazo de 5 (cinco) dias; III - ocorrer a cessação da eficácia da medida em qualquer hipótese legal; IV - o juiz acolher a alegação de decadência ou prescrição da pretensão do autor. Parágrafo único - A indenização será liquidada nos autos em que a medida tiver sido concedida, sempre que possível.

I. A responsabilidade objetiva pela execução da tutela de urgência. A repetição da regra prevista no art. 811 do CPC/1973

O art. 302 estabelece a responsabilidade objetiva pela execução da tutela de urgência, jus-tamente porque a medida urgente permite a intervenção na esfera jurídica do réu sem que haja um juízo de certeza sobre o mérito da lide. Por lógico, é possível então que, se reconheça, na sentença não ter o autor direito que alegava sujeito à situação de perigo que justificava o pleito da tutela de urgência. Assim, o próprio Código de Processo Civil de 2015 tratou de instituir a Res-ponsabilidade Objetiva da parte, que deriva da execução da tutela de urgência, repetindo norma já inserta no CPC/1973, em seu art. 811.

Destaque-se que a responsabilização pela execução da tutela de urgência foi estabelecida no plano legislativo como modalidade de responsabilidade objetiva, uma vez que o caput do art. 302 aponta expressamente que ela ocorre “independentemente da reparação por dano processual” (como, aliás, já se previa no caput do art. 811 do CPC/1973).

Embora no regime do CPC/1973 a responsabilidade objetiva pela execução da medida ur-gente apenas estivesse positivada para a tutela cautelar, entende-se por sua aplicação também às hipóteses de tutela urgente satisfativa. Como já decidiu o E. STJ, “[...] 2.1. Os danos cau-sados a partir da execução de tutela antecipada (assim também a tutela cautelar e a execução provisória) são disciplinados pelo sistema processual vigente à revelia da indagação acerca da culpa da parte, ou se esta agiu de má-fé ou não. Basta a existência do dano decorrente da pretensão deduzida em juízo para que sejam aplicados os arts. 273, § 3º, 475-O, incisos I e II, e 811 do CPC. Cuida-se de responsabilidade objetiva, conforme apregoa, de forma remansosa, doutrina e jurisprudência” (STJ, 4ª T., REsp nº 1191262/DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. em 25/9/20012).

Art. 302

Page 114: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

505

André Luiz Bäuml Tesser

II. A hipótese da sentença desfavorável

Inicialmente, deve-se ressaltar que a sentença desfavorável que pode gerar a responsabilidade objetiva, no caso do art. 302, inciso I, do Código de Processo Civil de 2015, não mais apresen-ta a restrição que se verificava no art. 811, inciso I, do CPC/1973 relativamente à sentença no processo principal. Isso porque as mudanças levadas a efeito na nova legislação permitem que a medida urgente seja pleiteada, por vezes, de forma autônoma.

Nada parece mais lógico do que uma parte indenizar a outra, se esta última sofreu interferên-cia em sua esfera jurídica pela tutela urgente, se, na sentença, em sede de cognição exauriente, a parte postulante da medida urgente não obteve decisão favorável. O E. STJ já decidiu que “[...] Trata-se de responsabilidade objetiva do requerente da medida, derivada, por força de texto ex-presso de lei, do julgamento de improcedência do pedido deduzido na ação principal [...]” (STJ, 3ª T., REsp nº 1236874/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. em 19/12/2012); no mesmo sentido, confira-se 4ª T., REsp nº 1.191.262/DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe de 16/10/2012, e 3ª T., REsp nº 127.498/RJ, Rel. Min. Waldemar Zveiter, DJ de 22/9/1997).

III. A ausência de fornecimento de meios necessários à realização de citação em 5 (cinco) dias no caso de deferimento liminar da medida

O art. 302, em seu inciso II, mantém a regra já inserta no art. 811, inciso II, do CPC/1973, para a responsabilidade objetiva decorrente da execução da medida urgente quando a parte não realizar a citação da parte adversa em 5 (cinco) dias, no caso de deferimento liminar da tutela de urgência.

No dispositivo do CPC/2015, o legislador melhorou a técnica redacional para deixar claro que tal hipótese não corresponde à simples ausência de citação em cinco dias, mas quando a parte não forneça os meios necessários ao ato citatório. Com efeito, pois não é a parte que deve elaborar e encaminhar a carta de citação, ou tampouco, levar à outra o mandado de citação e intimação da concessão da medida urgente. Essas providências são atribuições dos auxiliares do juiz (escri-vão, oficial de justiça, etc.), cabendo à parte apenas, nos casos em comento, adiantar as custas referentes à prática de tais atos (art. 82) e, ainda, fornecer cópia da petição (contrafé) que deverá instruir o mandado citatório.

Essa responsabilidade objetiva busca reparar eventuais danos causados ante a demora injusti-ficada em permitir que a parte adversa possa exercer plenamente seu direito de defesa e o contra-ditório, pois é após ser citada que se permite que se tenha ciência da medida urgente e igualmente seja possível apresentar provas e argumentos que podem convencer o juiz a revogar a tutela de urgência. No presente caso, há que se ter em mente que o prejuízo deve se ater ao período em que, sem justificativa, a parte ficou ausente do processo pelo atraso na citação.

IV. As hipóteses de cessação de eficácia da tutela de urgência

Na hipótese do inciso III do art. 302, cuida-se da responsabilidade objetiva de indenizar rela-tiva às hipóteses legais de cessação da eficácia da tutela de urgência. A regra é semelhante àquela já prevista no art. 811, inciso III, do CPC/1973, que fazia expressamente referência às hipóteses de cessação da eficácia da medida cautelar, na forma do art. 808 do citado diploma legal. Isso faz com que se possa afirmar que, embora a nova legislação não tenha feito referência expressa às causas de cessação de eficácia da tutela cautelar, previstas no art. 309 do CPC/2015, essa hipó-tese de responsabilidade objetiva somente pode ser vista a partir desse prisma. Com efeito, pois, eventual perda de eficácia da tutela de urgência satisfativa já se pode afirmar abrangida pela nor-

Art. 302

Page 115: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

506

André Luiz Bäuml Tesser

ma do art. 302, inciso I (sentença desfavorável). Nessa perspectiva, a parte será objetivamente responsável pelos prejuízos que a execução da tutela cautelar causar à outra nos casos em que a tutela cautelar concedida em caráter antecedente cessar porque: (i) o autor não deduzir o pedido principal no prazo legal (art. 309, inciso I); (ii) (a medida) não for efetivada, naturalmente, por culpa ou fato imputável à parte, dentro de 30 (trinta) dias (art. 309, inciso II); e (iii) o juiz julgar improcedente o pedido principal formulado pelo autor ou extinguir o processo sem resolução de mérito (art. 309, inciso III).

V. O acolhimento da alegação de prescrição ou decadência do direito do autorA repetição das normas já positivadas no CPC/1973 (especialmente, como visto, em seu art.

811) para a responsabilidade objetiva pela execução da tutela urgente no CPC/2015, ao que pare-ce, não permitiu que o legislador corrigisse o erro já existente na antiga legislação, mantendo-se regra específica para os casos de alegação de prescrição e decadência do direito do autor.

No CPC/1973, a regra autônoma ainda poderia fazer algum sentido, uma vez que a hipótese então prevista no art. 811, inciso I, tratava da sentença desfavorável ao autor no processo princi-pal. Portanto, poder-se-ia dizer que, no código então vigente, a alegação de decadência ou pres-crição como causa de responsabilidade objetiva era necessária de previsão em regra específica, para os casos em que tal reconhecimento acontecesse no processo cautelar.

Todavia, no CPC/2015, como visto, a hipótese do inciso I do art. 302 já prevê que é caso de responsabilidade objetiva a sentença desfavorável, de maneira geral. É desnecessário dizer que o acolhimento de alegação de prescrição e decadência do direito do autor configura hipótese de sentença desfavorável e que, em razão disso, é de se afirmar que a hipótese do inciso IV do art. 302 já se encontra abrangida na norma do inciso I do art. 302.

Em todo caso, é de clareza luminar que, caso o direito que se alega já houvesse decaído ou a pretensão na qual se funda o pedido já estivesse prescrita, a execução da tutela urgente a eles relativo é medida injusta e que, se sua execução tenha causado prejuízos, tais danos devam ser ressarcidos.

VI. A liquidação da indenização nos próprios autosO parágrafo único do art. 302 garante que a liquidação dos prejuízos causados deve se dar

nos autos em que a medida foi concedida, sempre que possível. Tal regra já se fazia presente no parágrafo único do art. 811 do CPC/1973 e tem por escopo permitir que a parte prejudicada não precise ajuizar ação de indenização autônoma para ressarcimento dos danos causados pela execução injusta da medida urgente. O E. STJ assentou entendimento na compreensão literal do texto legal ao decidir que “[...] Para a satisfação de sua pretensão, basta que a parte lesada pro-mova a liquidação dos danos – imprescindível para identificação e quantificação do prejuízo –, nos autos do próprio procedimento cautelar [...]” (STJ, 3ª T., REsp nº 1327056/PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. em 24/9/2013), entendimento igualmente aplicável para os casos de respon-sabilidade objetiva derivada da execução de tutela urgente antecipada (satisfativa), pois “[...] A obrigação de indenizar o dano causado ao adversário, pela execução de tutela antecipada poste-riormente revogada, é consequência natural da improcedência do pedido, decorrência ex lege da sentença e da inexistência do direito anteriormente acautelado, responsabilidade que independe de reconhecimento judicial prévio, ou de pedido do lesado na própria ação ou em ação autônoma ou, ainda, de reconvenção, bastando a liquidação dos danos nos próprios autos, conforme coman-do legal previsto nos arts. 475-O, inciso II, c/c art. 273, § 3º, do CPC [...]” (STJ, 4ª T., REsp nº 1191262/DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. em 25/9/2012).

Art. 302

Page 116: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

507

André Luiz Bäuml Tesser

A parte prejudicada pela execução da medida urgente, então, deverá provar a ocorrência de danos, e ainda assim, quantificá-los. Portanto, ainda que a responsabilidade seja objetiva, a obri-gação de indenizar dependerá logicamente da existência e comprovação dos danos sofridos. Nesse caso, está-se diante de hipótese clara de liquidação pelo procedimento comum, pois há a necessidade de alegar e provar fato novo, quais sejam os prejuízos decorrentes da execução da tutela de urgência, na forma do art. 509, inciso II, c/c art. 511.

A sentença que reconhecer e quantificar os prejuízos, naturalmente, será passível de cumpri-mento, na forma estabelecida pelos arts. 525 e seguintes, uma vez que será caso de decisão que reconhece obrigação de pagamento de quantia certa.

Art. 303 - Nos casos em que a urgência for contemporânea à propositura da ação, a petição inicial pode limitar-se ao requerimento da tutela antecipada e à indicação do pedido de tutela final, com a exposição da lide, do direito que se busca realizar e do perigo de dano ou do risco ao resultado útil do processo.§ 1º - Concedida a tutela antecipada a que se refere o caput deste artigo:I - o autor deverá aditar a petição inicial, com a complementação de sua argumentação, a juntada de novos documentos e a confirmação do pedido de tutela final, em 15 (quinze) dias ou em outro prazo maior que o juiz fixar;II - o réu será citado e intimado para a audiência de conciliação ou de mediação na forma do art. 334;III - não havendo autocomposição, o prazo para contestação será contado na forma do art. 335.§ 2º - Não realizado o aditamento a que se refere o inciso I do § 1º deste artigo, o processo será extinto sem resolução do mérito.§ 3º - O aditamento a que se refere o inciso I do § 1º deste artigo dar-se-á nos mesmos autos, sem incidência de novas custas processuais.§ 4º - Na petição inicial a que se refere o caput deste artigo, o autor terá de indicar o valor da causa, que deve levar em consideração o pedido de tutela final.§ 5º - O autor indicará na petição inicial, ainda, que pretende valer-se do benefício previsto no caput deste artigo.§ 6º - Caso entenda que não há elementos para a concessão de tutela antecipada, o órgão jurisdicional determinará a emenda da petição inicial em até 5 (cinco) dias, sob pena de ser indeferida e de o processo ser extinto sem resolução de mérito.

I. O procedimento de requerimento da tutela antecipada em caráter antecedente

O CPC/2015 inova ao permitir que a tutela antecipada (de caráter satisfativo) seja requerida em caráter antecedente, possibilitando que apenas o pedido de tutela de urgência dessa natureza

Art. 303

Page 117: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

508

André Luiz Bäuml Tesser

seja deduzido, sem integral exposição de toda argumentação relativa à completa compreensão da lide. A nova sistemática representa verdadeira novidade, pois, no regime do CPC/1973, a tutela antecipada somente poderia ser requerida desde que todos os argumentos e fundamentos da lide, em sua integralidade, estivessem deduzidos, o que se depreende da interpretação dos arts. 273 e 461, § 3º do citado diploma legal.

Assim, quando a urgência for contemporânea à propositura da ação, pode-se deduzir somen-te o pedido (o código fala em requerimento, mas tratando-se de postulação ligada ao mérito da ação, é de se reputar verdadeiro pedido) de tutela antecipada. Para tanto, a parte deverá indicar o pedido de tutela final, com a exposição da lide, do direito que se busca realizar e do perigo de dano ou do risco ao resultado útil do processo.

Na hipótese de concessão da medida pleiteada, a petição inicial deve ser aditada, complemen-tando-se a argumentação, com juntada de novos documentos e confirmação do pedido de tutela final, o que deve acontecer em 15 (quinze) dias ou em outro prazo maior que o juiz fixar. Esse aditamento será feito nos próprios autos e sem a incidência de novas custas processuais, razão pela qual o valor da causa indicado no pedido inicial (limitado à tutela antecipada) deverá consi-derar também o(s) pedido(s) de tutela(s) final(is).

Com o aditamento da petição inicial, o réu será citado e intimado para a audiência de conci-liação ou de mediação na forma do art. 334, caso em que, não havendo autocomposição, o prazo para contestação será contado na forma do art. 335.

A não realização do aditamento, todavia, acarretará a extinção do processo sem resolução do mérito.

Entendendo o órgão jurisdicional pela ausência de elementos para a concessão da tutela ante-cipada, deverá determinar a emenda da petição inicial em até 5 (cinco) dias, sendo que, em caso de não realização satisfatória da emenda, a petição será indeferida e o processo será extinto sem resolução de mérito.

Art. 304 - A tutela antecipada, concedida nos termos do art. 303, torna-se estável se da decisão que a conceder não for interposto o respectivo recurso.§ 1º - No caso previsto no caput, o processo será extinto.§ 2º - Qualquer das partes poderá demandar a outra com o intuito de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada estabilizada nos termos do caput.§ 3º - A tutela antecipada conservará seus efeitos enquanto não revista, reformada ou invalidada por decisão de mérito proferida na ação de que trata o § 2º.§ 4º - Qualquer das partes poderá requerer o desarquivamento dos autos em que foi concedida a medida, para instruir a petição inicial da ação a que se refere o § 2º, prevento o juízo em que a tutela antecipada foi concedida.§ 5º - O direito de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada, previsto no § 2º deste artigo, extingue-se após 2 (dois) anos, contados da ciência da decisão que extinguiu o processo, nos termos do § 1º.

Art. 304

Page 118: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

509

André Luiz Bäuml Tesser

§ 6º - A decisão que concede a tutela não fará coisa julgada, mas a estabilidade dos respectivos efeitos só será afastada por decisão que a revir, reformar ou invalidar, proferida em ação ajuizada por uma das partes, nos termos do § 2º deste artigo.

I. A “estabilização dos efeitos da tutela antecipada”

O caput do art. 304 estabelece que a decisão que concedente a tutela antecipada em caráter an-tecedente tornar-se-á estável se não for interposto o respectivo recurso cabível. Em linhas gerais, o que restou estabelecido é a possibilidade de a decisão que concede tutela jurisdicional urgente antecipada (satisfativa) continuar a produzir efeitos, sem a necessidade de sua reafirmação em um provimento de cognição exauriente.

Assim, resta estabelecido que, uma vez concedida a medida urgente, caberá ao réu sua impug-nação, porquanto, se isso não acontecer, ocorrerá a estabilização da tutela prestada, sem, entre-tanto, a formação da imutabilidade da coisa julgada material. Dessa forma, continuará existindo, para qualquer das partes, a possibilidade do ajuizamento de ação tendente a reafirmar ou negar a tutela jurisdicional de urgência já concedida, mantendo o Processo Civil ainda dentro de uma esfera de atuação da autonomia privada.

Assim, uma vez concedida uma tutela antecipada satisfativa, esta conservará sempre sua efi-cácia, enquanto não for proferida decisão revogatória em recurso interposto contra ela, ou pro-cesso posterior, no qual se busque discutir o mérito da medida concedida antecipadamente.

O que a nova legislação pretende, ao que parece, é conferir às partes a autonomia para es-colher entre a demanda plenária, ou a efetividade imediata dos provimentos de urgência, sem a obrigatoriedade do ajuizamento de demanda de cognição exauriente para manutenção dos efeitos da medida urgente concedida.

É de ressaltar ainda que tal possibilidade apenas existe para os casos de tutela antecipada (satisfativa), não sendo possível a estabilização de uma tutela de urgência cautelar concedida de forma antecedente, mantendo (como não poderia deixar de ser) o caráter instrumental da tutela cautelar, uma vez que estabelece a perda da eficácia da tutela cautelar antecedente caso o autor não deduza o pedido principal no prazo de 30 (trinta) dias, contados da efetivação da tutela cau-telar (arts. 308 e 309, inciso I).

Portanto, o CPC/2015 impõe ao réu o ônus de recorrer especificamente da tutela antecipada concedida de forma antecedente, para evitar que a decisão que a concedeu se estabilize. Isso porque especificamente o caput do art. 304 aponta que a estabilização ocorrerá caso o réu não interponha o recurso. E, caso isso aconteça, o processo será extinto sem resolução do mérito.

II. Da estabilização sem a formação da coisa julgada materialAo prever a estabilização da tutela antecipada antecedente não impugnada por recurso, o

CPC/2015 manteve a lógica tradicional do processo da ausência de produção de coisa julgada material da decisão que é proferida sem cognição exauriente.

Com efeito, pois o § 6º do art. 303 expressamente estabelece que a decisão que concede a tutela não fará coisa julgada.

Todavia, após estabilizada, os respectivos efeitos da decisão somente serão afastados por decisão que a rever, reformar ou invalidar a decisão, em ação ajuizada por qualquer das partes

Art. 304

Page 119: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

510

André Luiz Bäuml Tesser

(uma vez que o § 2º do art. 303 permite que tanto autor(es) quanto réu(s) ajuíze(m) demanda para discussão meritória integral do direito no qual se fundou o pedido de tutela antecipada). Portanto, não se retirou a possibilidade do ajuizamento de demandas que visem conferir a imutabilidade definitiva que somente a coisa julgada material pode conferir aos provimentos jurisdicionais.

O que, por outro lado, o CPC/2015 não consegue responder é o que acontece com a decisão estabilizada que não for impugnada após 2 (dois) anos, contados da ciência que extinguiu o processo em razão da estabilização. Isso porque o § 5º do art. 303 prevê que o direito de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada será extinto após dois anos, contados da ciência da decisão que extinguiu o processo.

Ora, se o direito de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada será extinto (e, portanto, deve se reputar o prazo de dois anos para fazê-lo como prazo decadencial), o que acontecerá com a decisão que foi estabilizada, se não há formação da coisa julgada material? Que fenôme-no processual será esse? Uma hipótese de preclusão qualificada, sem formação de coisa julgada material?

Particularmente (e uma vez que, naturalmente, não há parâmetros jurisprudenciais e até mes-mo doutrinários seguros para uma afirmação taxativa), é de se apontar que, na interpretação sistemática do CPC/2015, a decisão estabilizada que, em dois anos da intimação da extinção do processo que a concedeu, não foi objeto de ação para discussão do direito que foi seu objeto mediato, não poderá formar coisa julgada material. Isso significa dizer que, ainda que a decisão estabilizada e seus efeitos não possam ser revistos, reformados ou invalidados, a parte contra a qual a medida foi concedida poderá alegar em sua defesa eventuais argumentos a serem opostos contra o direito afirmado sumariamente na decisão estabilizada, uma vez que não se formou, so-bre o direito em comento, a coisa julgada material.

Art. 304

Page 120: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

511

Rogéria Dotti

Art. 305 - A petição inicial da ação que visa à prestação de tutela cautelar em caráter antecedente indicará a lide e seu fundamento, a exposição sumária do direito que se objetiva assegurar e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.Parágrafo único - Caso entenda que o pedido a que se refere o caput tem natureza antecipada, o juiz observará o disposto no art. 303.

AutoraRogéria Dotti

I. Tutela provisória é gênero que abrange tutela cautelar e tutela antecipada

O CPC/2015 estabelece a tutela provisória como gênero, a qual abrange a tutela de urgência e de evidência. A tutela de urgência, por sua vez, pode ter natureza cautelar ou satisfativa (ante-cipada, conforme designação da lei). Desde logo percebem-se duas sensíveis mudanças entre o sistema novo e aquele vigente ao tempo do CPC/1973: desaparece a necessidade de um processo autônomo para a tutela cautelar (a qual agora é concedida nos mesmos autos em que será proces-sado o pedido principal) e adotam-se os mesmos requisitos para ambas (tanto a tutela cautelar como a tutela antecipada exigem, para sua concessão, a probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo).

II. Petição inicial e requisitos

Como a tutela cautelar pode ser requerida em caráter antecedente (ainda que nos mesmos autos em que futuramente será requerida a tutela principal), a petição inicial deve, desde logo, indicar a lide e seu fundamento, bem como a exposição sumária do direito que se pretende proteger e a existência do periculum in mora (perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo). Permanece assim a referibilidade ao pedido principal, típica das medidas cautelares. Em outros termos, quem protege ou assegura assim age em relação a um interesse juridicamente relevante, afirmado pelo autor. Daí por que se faz necessário informar qual é a lide principal e seu fundamento. Tal menção é necessária também para a aferição das condições de ação (legitimidade e interesse processual). Os requisitos para a petição inicial estão previstos nos arts. 319 e 320 do CPC/2015.

III. Possibilidade de emenda e inépcia

Caso o autor não cumpra as exigências legais, deixando de indicar a lide e seu fundamento, por exemplo, a petição será inepta e levará à extinção do processo. Antes disso, porém, deverá o juiz conceder ao autor a possibilidade de emenda. Tal possibilidade já vinha sendo admitida no sistema do CPC/1973 e, com muito maior razão, deve ser agora defendida, vez que o ideário da nova lei é justamente sanar os vícios processuais e propiciar o julgamento de mérito das deman-das. Somente poderá então ocorrer a extinção pela inépcia caso o autor, intimado para emendar a petição inicial, não o faça.

IV. Mitigação da exigência de indicação da lide principal no CPC/1973

No sistema do CPC/1973, a jurisprudência vinha admitindo a dispensa do requisito da indica-

Page 121: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

512

Rogéria Dotti

ção da lide principal quando a medida tivesse caráter satisfativo. Era o que ocorria, por exemplo, na exibição de documentos. Nesse sentido: “Sentença que julgou procedente a demanda e con-cedeu ao ministério público prazo de 90 (noventa) dias para devolução dos mandados. Medida cautelar satisfativa, que não se submete à exigência de indicação da ação principal e nem ao pra-zo de 30 (trinta) dias para sua propositura (exigências dos arts. 801 e 806 do código de processo civil). Precedentes do Superior Tribunal de justiça” (TJPR, 4ª Câmara Cível, ApCiv nº 1119145-6, Londrina, Rel. Juiz Conv. Rafael Vieira de Vasconcellos Pedroso, DJPR de 16/12/2014, p. 80). Todavia, como no sistema do CPC/2015 haverá um único processo, torna-se imprescindível informar desde logo qual é a lide e o seu fundamento.

V. Possibilidade de concessão de liminar inaudita altera parteAinda que não expressamente prevista neste dispositivo, o juiz poderá conceder decisão limi-

nar imediata, antes mesmo da manifestação da parte ré. É o que vem disposto no art. 300, § 2º, do CPC/2015. A possibilidade de proteção imediata do direito alegado pela parte constitui aliás o cerne, ou seja, a própria essência da natureza das medidas cautelares.

VI. Fungibilidade de dupla via entre tutela cautelar e tutela antecipadaO parágrafo único assegura a fungibilidade entre tutela cautelar e tutela antecipada ao dar

ao juiz a possibilidade de observar o disposto no art. 303 (para as tutelas antecipadas) quando perceber que o pedido tem essa natureza. Nesse caso, deverá ser concedida à parte a possibili-dade de emenda, para se adequar às exigências da tutela antecipada antecedente, inclusive no que tange ao benefício da estabilização, que é exclusivo a essa forma de tutela (art. 303, § 5º, do CPC/2015). Observe-se que o CPC/2015 faz o caminho inverso ao que estabelecia o CPC/1973. Agora, a previsão legal é de conversão da tutela cautelar em antecipada, ao passo que, no sistema anterior, a lei previa a conversão da tutela antecipada em cautelar (art. 273, § 7º, do CPC/1973). De qualquer forma, a tendência da jurisprudência será assegurar a fungibilidade de dupla via, ou seja, de um lado para o outro e vice-versa, independentemente da omissão legal. Era o que já vinha acontecendo anteriormente. Afinal, deve-se combater o formalismo excessivo e reconhecer que o objetivo do processo é a proteção do direito material.

VII. A decisão é agravávelCabe agravo de instrumento em face da decisão que concede ou nega a tutela cautelar (ou seja,

espécie do gênero tutela provisória), conforme previsto no art. 1.015, inciso I, do CPC/2015. Im-portante destacar que, no sistema novo, as hipóteses de cabimento de agravo de instrumento são numerus clausus, ou seja, dependem de previsão expressa no rol taxativo do referido dispositivo.

VIII. JulgadosFungibilidade de duplo sentido entre tutela cautelar e tutela antecipada“[...] FUNGIBILIDADE DOS INSTITUTOS DA MEDIDA CAUTELAR E DA TUTELA

JURISDICIONAL ANTECIPADA. ABRANGÊNCIA DO ART. 273, § 7º, DO CPC. POSIÇÃO DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL ASSENTE. Possibilidade de conhecimento do pedido, a despeito de não ter o autor utilizado a melhor técnica. Recurso ao qual se dá parcial provimen-to, anulando-se a r. Sentença de extinção para regular prosseguimento do feito” (TJSP, 24ª Câ-mara de Direito Privado, APL nº 1013778-16.2014.8.26.0071, Ac. nº 8330754, Bauru, Rel. Des. Claudia Grieco Tabosa Pessoa, j. em 26/3/2015, DJESP de 6/4/2015).

“[...] 1. Não há ilegalidade na determinação de conversão da cautelar de sustação de protesto em ação de conhecimento com pedido de tutela antecipada. O juízo observou o cunho satisfativo

Art. 305

Page 122: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

513

Rogéria Dotti

do pedido de liminar cautelar, oportunizou a emenda, com garantia ao princípio da fungibilidade, e analisou os requisitos da tutela antecipada, em obediência ao princípio da instrumentalidade do processo. 2. A conversão não traz prejuízos ao autor, e se evitam inúmeros atos judiciais, simplifica-se todo o tramitar do feito, economizam-se etapas, funcionários, tempo [...]” (TJSP, 14ª Câmara de Direito Privado, AI nº 2011089-64.2015.8.26.0000, Ac. nº 8236121, Rel. Des. Melo Colombi, j. em 26/2/2015, DJESP de 2/3/2015).

“[...] ‘Esta Corte Superior já se manifestou no sentido da admissão da fungibilidade entre os institutos da medida cautelar e da tutela antecipada, desde que presentes os pressupostos da medida que vier a ser concedida’ (STJ, AgRg no REsp 1.003.667/RS, Rel. Min. HUMBERTO MARTINS, Segunda Turma, DJe de 1º/6/09) [...]” (STJ, 1ª T., AgRg no Ag nº 1333245/PR, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. em 15/9/2011, DJe de 21/9/2011).

Art. 306 - O réu será citado para, no prazo de 5 (cinco) dias, contestar o pedido e indicar as provas que pretende produzir.

I. Citação

A citação do réu deverá seguir o disposto nos arts. 238 a 259 do CPC/2015, ou seja, poderá ser feita em qualquer lugar em que se encontre o réu, mediante os seguintes meios: pelo correio, por oficial de justiça, pelo escrivão ou chefe de secretaria, por edital ou por meio eletrônico, conforme regulado em lei. As mesmas hipóteses previstas no CPC/1973 quanto às vedações à citação permanecem no sistema atual: não se fará a citação, salvo para evitar o perecimento do direito, de quem estiver participando de ato religioso; do cônjuge, companheiro ou parente do morto no dia do falecimento ou durante os sete dias seguintes; dos noivos nos três dias seguintes ao casamento; e de doente grave. Também não se realizará a citação do mentalmente incapaz, aplicando-se nesse caso o art. 245 do CPC/2015.

II. Contestação

Uma vez citado, o réu terá o prazo de cinco dias para apresentar a contestação, a qual deverá se limitar ao disposto no pedido cautelar (probabilidade do direito e perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo). Isso porque, após a fase de apreciação do pedido liminar, o réu deve-rá formular o pedido principal (art. 308 do CPC/2015), ocasião em que se designará audiência de conciliação ou mediação e facultar-se-á nova oportunidade de contestação. O direito de defesa, em cada uma dessas fases, é uma exigência da garantia constitucional do contraditório (art. 5º, inciso LV, da CF/1988).

III. Indicação de provas

As provas a serem indicadas pelo réu na hipótese do art. 306 devem guardar pertinência com o objeto do pedido cautelar, e não com o pedido principal propriamente dito. Incumbe, portanto, ao réu requerer provas para demonstrar que o direito não é provável, que inexiste o alegado perigo ou que não há risco ao resultado útil do processo. A especificação de provas em relação ao pedido principal deverá ser feita posteriormente, no procedimento comum.

IV. Forma de contagem do prazo

Diversamente do CPC/1973 (que previa a contagem do prazo a partir da juntada do mandado

Art. 306

Page 123: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

514

Rogéria Dotti

de citação ou do mandado de execução da medida cautelar), o CPC/2015 não prevê nenhuma re-gra específica para as medidas cautelares. Prevalece então a regra geral de contagem dos prazos, prevista no art. 231 do CPC/2015.

Art. 307 - Não sendo contestado o pedido, os fatos alegados pelo autor presumir-se-ão aceitos pelo réu como ocorridos, caso em que o juiz decidirá dentro de 5 (cinco) dias.Parágrafo único - Contestado o pedido no prazo legal, observar-se-á o procedimento comum.

I. Revelia e presunção relativa de veracidade

Não houve qualquer alteração entre o sistema anterior e o do CPC/2015 no que diz respeito à revelia na ação cautelar. Diante do silêncio do réu, permanece assim inalterada a presunção de veracidade quanto aos fatos alegados pelo autor. Nessa hipótese, aplica-se a regra geral da re-velia (art. 341 do CPC/2015), a qual também não se diferencia da revelia prevista no sistema de 1973. Tal presunção, como é evidente, é relativa, uma vez que vigora a regra do livre convenci-mento do juiz (art. 371 do CPC/2015). Isso significa que, mesmo diante da revelia do réu, o juiz não estará compelido a julgar procedente o pedido. Por outro lado, caso aplique a presunção de veracidade, esta somente poderá atingir os fatos relativos ao pedido cautelar, não influenciando a decisão quanto ao pedido principal.

II. A decisão é interlocutória e agravável

Na medida em que o processo deverá prosseguir nos mesmos autos, a decisão relativa ao pe-dido cautelar será interlocutória. Consequentemente, será passível de reforma mediante recurso de agravo de instrumento, conforme previsão do art. 1.015, inciso I, do CPC/2015.

III. Procedimento comum

O parágrafo único desse dispositivo estabelece que, uma vez contestado o pedido (e obvia-mente sendo tempestiva a contestação), prosseguirá o processo através do procedimento comum. Novamente aqui fica evidenciada a novidade trazida com o CPC/2015: um único processo para a concessão das tutelas cautelar e principal. Trata-se de importante inovação, a qual simplifica muito o trâmite do processo e evita a desnecessária duplicação de ações, tão criticada no sistema anterior.

IV. Julgados

Inadmissibilidade de resposta genérica

“[...] Curadora, por sua vez, que no prazo legal limitou-se a apresentar petitório genérico, des-tituído de qualquer justificativa. Prazo peremptório, operando-se a presunção preconizada no art. 803 do CPC [...]” (TJSP, 1ª Câmara de Direito Privado, AI nº 2044469-49.2013.8.26.0000, Ac. nº 7930918, São Paulo, Rel. Des. Rui Cascaldi, j. em 14/10/2014, DJESP de 3/3/2015).

“[...] Verifica-se a revelia do ora apelante, eis que devidamente citado deixou de apresentar contestação, na medida em que não se pode considerar que a petição por ele protocolada e junta-da aos autos trata-se de sua contestação, pois da leitura de referida peça constata-se que a mesma

Art. 307

Page 124: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

515

Rogéria Dotti

não pode ser considerada como contestação, eis que não preenche os requisitos previstos no artigo 802 do código de processo civil, aplicando-se ao mesmo o disposto no caput do artigo 803 do código de processo civil [...]” (TJPR, 13ª Câmara Cível, ApCiv nº 0885506-7, Pato Branco, Rel. Des. Luis Carlos Xavier, DJPR de 14/11/2012, p. 305).

Presunção relativa de veracidade

“[...] A revelia contempla presunção relativa de veracidade dos fatos alegados, sendo facul-tado ao juiz, sob as luzes do princípio da persuasão racional, concluir pela improcedência do pedido se a tese defendida não encontrar amparo na prova dos autos. [...]” (TJPR, 12ª Câmara Cível, ApCiv nº 1178800-6, Curitiba, Rel. Juíza Conv. Ângela Maria Machado Costa, DJPR de 14/8/2014, p. 210)

“CAUTELAR DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. CONTESTAÇÃO INTEMPESTIVA. DEFESA AUSENTE. APLICAÇÃO DOS EFEITOS DA REVELIA. INTELIGÊNCIA DO ART. 803 DO CPC. Presunção de veracidade, contudo, que é relativa, não induzindo à aceitação de todos os fatos deduzidos na inicial. Precedentes do STJ. [...]” (TJSP, 11ª Câmara de Direito Privado, APL nº 9297303-96.2008.8.26.0000, Ac. nº 5640072, São José do Rio Preto, Rel. Des. Rômolo Russo, j. em 19/1/2012, DJESP de 31/1/2012).

“Medida cautelar de arresto. Sentença que julga improcedente o pedido inicial. Recurso da autora. Revelia. Presunção relativa de veracidade que não gera a procedência automática dos pedidos [...]” (TJPR, 14ª Câmara Cível, ApCiv nº 1134807-7, Palmas, Rel. Juíza Conv. Sandra Bauermann, DJPR de 11/2/2014, p. 81).

Art. 308 - Efetivada a tutela cautelar, o pedido principal terá de ser formulado pelo autor no prazo de 30 (trinta) dias, caso em que será apresentado nos mesmos autos em que deduzido o pedido de tutela cautelar, não dependendo do adiantamento de novas custas processuais.§ 1º - O pedido principal pode ser formulado conjuntamente com o pedido de tutela cautelar.§ 2º - A causa de pedir poderá ser aditada no momento de formulação do pedido principal.§ 3º - Apresentado o pedido principal, as partes serão intimadas para a audiência de conciliação ou de mediação, na forma do art. 334, por seus advogados ou pessoalmente, sem necessidade de nova citação do réu.§ 4º - Não havendo autocomposição, o prazo para contestação será contado na forma do art. 335.

I. Prazo para o pedido principal

Uma vez efetivada a medida cautelar, assim como previa o CPC/1973, o autor terá que apre-sentar o pedido principal dentro do prazo de 30 dias. A diferença é que agora isso deve ocorrer nos mesmos autos, sem a necessidade de uma ação autônoma. Trata-se de prazo decadencial, o qual consequentemente não se suspende nem se interrompe. Caso não formulado o pedido principal nesse interregno de 30 dias, cessará a eficácia da tutela cautelar (art. 309, inciso I, do

Art. 308

Page 125: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

516

Rogéria Dotti

CPC/2015). A perda de eficácia da tutela cautelar poderá ser declarada de ofício pelo juiz, sem a necessidade de requerimento da parte contrária. É medida automática, prevista pela lei. A re-gra se justifica diante da referibilidade existente entre tutela cautelar e tutela definitiva, ou seja, deferida a tutela, sua subsistência dependerá de uma apreciação com cognição exauriente. Por tal razão, o disposto neste dispositivo não se aplica caso a tutela cautelar tenha sido indeferida. Nessa hipótese não haverá sequer início do prazo. Destaque-se, por outro lado, que mesmo diante da perda de eficácia da tutela cautelar, o pedido principal poderá ser deduzido a qualquer tempo, desde que dentro do prazo decadencial do direito material. Isso porque uma coisa é a perda de eficácia da tutela cautelar (pela perda da referibilidade tempestiva), outra é a possibilidade de formulação do pedido principal dentro dos prazos previstos na lei civil. E, vale a pena lembrar, como se trata de um único procedimento (para ambas as tutelas), a perda de eficácia da tutela cautelar não gerará a extinção do processo (como ocorria no sistema do CPC/1973). Isto porque o autor pode prosseguir nos mesmos autos, formulando (ainda que a destempo) o pedido princi-pal. Trata-se aqui do aproveitamento do processo e da valorização do julgamento de mérito.

II. Termo final do prazoMuito embora se trate de prazo decadencial, há várias decisões (ainda sob a égide do art. 806

do CPC/1973) permitindo o ajuizamento da ação principal no primeiro dia útil seguinte, sempre que a data final cair em um sábado ou domingo. Os julgados estão transcritos logo a seguir.

III. Tutela cautelar satisfativa e dispensa do prazo dos 30 dias No sistema do CPC/1973, a jurisprudência se pacificou no sentido de dispensar o ajuizamento

da ação principal dentro do prazo de 30 dias quando a medida cautelar tivesse um caráter satisfa-tivo. Era o que ocorria, por exemplo, com a exibição de documentos, com a produção antecipada de provas, dentre outras. Agora, contudo, como a lei de 2015 prevê um único processo, o pedido principal terá que ser apresentado, pois a ação terá que prosseguir.

IV. Mesmos autos e dispensa de novas custasComo já exposto, os pedidos de tutela cautelar e tutela definitiva serão formulados nos mes-

mos autos, em um único processo. Isso facilita a prestação jurisdicional e evita a duplicidade desnecessária de ações, que ocorria no sistema anterior. Outra vantagem é a dispensa do paga-mento de novas custas. Como se trata de um único processo, as custas serão pagas uma única vez. O mesmo vale para a citação, a qual ocorrerá só no início. Formulado o pedido principal, o réu dele terá conhecimento através da simples intimação de seu advogado. O CPC/2015 trata assim de simplificar a forma de prestação da atividade jurisdicional, deixando para trás a inconveniente existência de dois processos paralelos.

V. Pedido conjunto e procedimento comumEmbora o CPC/2015 estabeleça a possibilidade de a tutela cautelar ser concedida em caráter an-

tecedente, o § 1º do art. 308 autoriza que o pedido principal seja feito desde logo, isto é, conjunta-mente. Novamente aqui se percebe o intuito de simplificação da nova lei. Nessa hipótese, contudo, o réu deverá ser citado para contestar ambos os pedidos, devendo então fluir o prazo para a defesa cautelar nos termos do art. 306 (cinco dias), enquanto a defesa do pedido principal deverá seguir o prazo e o procedimento estabelecidos pelo art. 335 (após a audiência de conciliação ou mediação).

VI. Aditamento da causa de pedirO § 2º do art. 308 do CPC/2015 permite que a causa de pedir seja aditada no momento de for-

mulação do pedido principal. Tal possibilidade de alteração se justifica na medida em que o autor

Art. 308

Page 126: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

517

Rogéria Dotti

pode não ter ainda todos os elementos necessários no momento em que requer a medida cautelar. Assim, e dentro da ideia de aproveitamento dos atos do processo, poderá ele aditar a causa de pedir.

VII. Audiência de conciliação ou mediação e contestação do pedido principal

Uma vez apresentado o pedido principal, as partes serão intimadas (sem a necessidade de nova citação) para comparecerem à audiência de conciliação ou mediação. O prazo para defesa quan-to ao pedido principal terá início então após a audiência, nos termos do art. 335 do CPC/2015. A contestação, evidentemente, deve abranger o objeto do pedido principal, não se confundindo essa defesa com a contestação quanto ao pedido cautelar. Haverá assim duas contestações, com objetos diferentes: a primeira voltada às questões relacionadas à probabilidade do direito e risco de dano, ao passo que a segunda deverá abordar o próprio pedido de tutela definitiva.

VIII. Julgados

Termo inicial com a efetivação da medida cautelar

“[...] Medida cautelar. Art. 806 do CPC. Ação principal. Prazo para propositura. Termo inicial com a efetivação da cautelar. Processo principal proposto fora do prazo decadencial. Extinção da ação que se impõe” (TJPR, 18ª Câmara Cível, ApCiv nº 1300064-1, Barracão, Rel. Des. Athos Pereira Jorge Junior, j. em 16/4/2015, DJPR de 6/5/2015, p. 609).

“[...] Termo a quo que se inicia da data de efetivação da liminar concedida e não do primeiro dia útil subsequente. Decadência operada. Matéria pública. Reconhecimento de ofício. Extin-ção decretada. Preliminar acolhida. Recurso provido” (TJSP, 9ª Câmara de Direito Privado, AI nº 2005950-68.2014.8.26.0000, Ac. nº 7441174, São Roque, Rel. Des. Conti Machado, j. em 18/3/2014, DJESP de 4/4/2014).

“É decadencial o prazo de trinta dias para o ajuizamento da ação principal (art. 806, CPC). Se o autor não a ajuíza tempestivamente, sujeita-se à cessação da eficácia da medida cautelar e à ex-tinção do processo” (TJSP, 29ª Câmara de Direito Privado, APL nº 0031565-38.2006.8.26.0562, Ac. nº 6344488, Santos, Rel. Des. Silvia Rocha, j. em 14/11/2012, DJESP de 10/9/2014).

“[...] O prazo decadencial de trinta dias, previsto no art. 806 do CPC, para o ajuizamento da ação principal é contado a partir da data da efetivação da liminar ou cautelar, concedida em procedimento preparatório (Resp. Nº 869.712/SC, 4ª T., Rel. Min. Raul Araújo, DJ 16.03.2012)” (TJPR, 11ª Câmara Cível, ApCiv nº 1035670-2, Maringá, Rel. Des. Gamaliel Seme Scaff, DJPR de 21/5/2014, p. 494).

“Conta-se o prazo de 30 dias para ajuizamento da ação principal a partir da efetivação da me-dida cautelar e não da data do deferimento. Constrição ainda não realizada. Prazo decadencial que não se iniciou” (TJSP, 25ª Câmara de Direito Privado, AI nº 2096570-29.2014.8.26.0000, Ac. nº 7790307, Osvaldo Cruz, Rel. Des. Edgard Rosa, j. em 21/8/2014, DJESP de 28/8/2014).

“[...] Liminar concedida e cumprida, sem ajuizamento posterior, no prazo de trinta dias, da ação principal. Alegação de que o prazo de trinta dias deve ser contado da prestação da caução. Descabimento. Contagem do prazo da efetivação da liminar, no caso dos autos, da comunicação, pelo Tabelionato, do cumprimento da ordem. [...]” (TJSP, 38ª Câmara de Direito Privado, APL nº 0034345-82.2012.8.26.0224, Ac. nº 7158178, Guarulhos, Rel. Des. Fernando Sastre Redondo, j. em 6/11/2013, DJESP de 2/12/2014).

Termo final quando os 30 dias terminarem em final de semana

“não obstante o prazo para ajuizamento da ação rescisória seja decadencial, se o seu termo

Art. 308

Page 127: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

518

Rogéria Dotti

final ocorrer em dia não útil, prorroga-se para o dia útil subsequente” (STJ, 5ª T., AgRg no REsp nº 966017/RO, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. em 5/2/2009, DJE de 9/3/2009).

“[...] 1. Controvérsia acerca da prorrogação do prazo prescricional que findou durante o recesso forense. 2. Precedente da corte especial acerca da prorrogação do prazo decadencial da ação rescisória. 3. Julgados desta corte acerca da prorrogação do prazo prescricional. 4. Reco-nhecimento da prorrogação do prazo prescricional findo no curso do recesso forense, devendo a demanda ser ajuizada no primeiro dia útil seguinte ao seu término. 5. Inocorrência de prescrição no caso concreto. 6. Precedentes específicos do STJ, inclusive da corte especial. 7. Recurso Es-pecial provido” (STJ, 3ª T., REsp nº 1.446.608, Proc. nº 2014/0075229-5, RS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJE de 29/10/2014).

“[...] IX. Prorroga-se até o primeiro dia útil, imediatamente subsequente, o prazo decadencial para ajuizamento de ação rescisória quando expira em férias forenses, feriados, finais de semana ou em dia em que não houver expediente forense. Sendo assim, a prorrogação a que alude o in-ciso IX da Súmula nº 100 desta Corte diz respeito apenas do dies ad quem para a propositura da ação rescisória e não ao dies a quo (início da contagem do biênio decadencial). Precedente desta Subseção. Recurso ordinário desprovido” (TST, Subseção II Especializada em Dissídios Indivi-duais, RO nº 0003630-32.2011.5.01.0000, Rel. Min. Vieira de Mello Filho, DEJT de 22/5/2015, p. 378).

“[...] Os prazos de natureza decadencial não se interrompem nem se suspendem, podendo ser prorrogados para o primeiro dia útil seguinte, caso o termo final recaia em feriado ou dia em que não haja expediente forense. Precedentes [...]” (TSE, AgRg-AR nº 200-47.2013.6.00.0000, PE, Rel. Min. Dias Toffoli, j. em 8/8/2013, DJETSE de 26/8/2013).

“[...] Nas hipóteses em que o prazo previsto no art. 806 do CPC tenha seu termo final durante o recesso (juízos ou tribunais inferiores) ou férias forenses (tribunais superiores), a parte deve ajuizar a ação principal até o primeiro dia útil seguinte, desde que a causa não seja daquelas que tramitam durante as férias, sob pena de perda da eficácia da medida liminar concedida. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça e deste tribunal de justiça. 4. O prazo decadencial de trinta dias, previsto no art. 806 do CPC, para o ajuizamento da ação principal é contado a partir da data da efetivação da liminar, concedida em procedimento preparatório, que na hipótese ocorreu em 30 de novembro de 2010 (data de intimação da medida), tendo, assim, como termo final, em virtude de recesso forense, o dia 07 de janeiro de 2011. [...]” (TJDF, 1ª T. Cível, Rec nº 2011.01.1.005631-0, Ac. nº 750.569, Rel. Des. Alfeu Machado, DJDFTE de 22/1/2014, p. 79).

“[...] Prazo de 30 dias para ajuizamento da ação principal, a contar da efetivação de medida cautelar preparatória (art. 806 do CPC). Termo final que coincide com domingo. Admitida a propositura no primeiro dia útil subsequente. Inteligência do art. 184, § 1º, do CPC. Preceden-tes [...]” (TJSC, 3ª Câmara de Direito Comercial, AC nº 2010.084568-7, Blumenau, Rel. Des. Ronaldo Moritz Martins da Silva, j. em 25/7/2013, DJSC de 1º/8/2013, p. 271).

“[...] Inconformismo do agravante no sentido de que a ação principal não foi interposta dentro do prazo legal, nos termos do artigo 806 do CPC Inocorrência da decadência suscitada, posto que o agravado distribuiu a ação dentro do prazo legal Razoabilidade do exercício do direito no primeiro dia útil subsequente ao vencimento do trintídio, posto que o prazo encerrou-se em dia no qual não houve expediente forense. [...]” (TJSP, 33ª Câmara de Direito Privado, AI nº 2008290-19.2013.8.26.0000, Ac. nº 6952163, Assis, Rel. Des. Carlos Nunes, j. em 19/8/2013, DJESP de 29/8/2013).

Art. 308

Page 128: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

519

Rogéria Dotti

Art. 309 - Cessa a eficácia da tutela concedida em caráter antecedente, se:I - o autor não deduzir o pedido principal no prazo legal;II - não for efetivada dentro de 30 (trinta) dias;III - o juiz julgar improcedente o pedido principal formulado pelo autor ou extinguir o processo sem resolução de mérito.Parágrafo único - Se por qualquer motivo cessar a eficácia da tutela cautelar, é vedado à parte renovar o pedido, salvo sob novo fundamento.

I. Cessação de eficácia da medidaAssim como no CPC/1973, a nova lei determina a cessação da eficácia da tutela cautelar se o

pedido principal não for apresentado dentro do prazo (que no caso é de trinta dias, conforme o art. 308 do CPC/2015); se a medida não for efetivada no mesmo período ou ainda se houver im-procedência do pedido principal. Isto porque existe referibilidade entre a tutela cautelar e a tutela definitiva (baseada em cognição exauriente). Assim, se esta não for ajuizada ou se for julgada improcedente, não há sentido em permanecer vigente a decisão baseada em cognição sumária.

II. Tutela cautelar satisfativa No sistema do CPC/1973, a jurisprudência se pacificou no sentido de dispensar o ajuizamento

da ação principal dentro do prazo de 30 dias quando a medida cautelar tivesse um caráter satisfa-tivo. Era o que ocorria, por exemplo, com a exibição de documentos, com a produção antecipada de provas, dentre outras. Agora, contudo, como a lei de 2015 prevê um único processo, o pedido principal terá que ser apresentado, pois a ação não terá como prosseguir sem ele.

III. Improcedência do pedido principalA lei anterior falava em cessação de eficácia pela extinção do processo principal, com ou sem

julgamento de mérito. Isso levou a doutrina a sustentar a manutenção da eficácia da tutela cautelar após a sentença, em algumas situações excepcionais. Por exemplo, quando persistisse o risco e o pedido principal fosse julgado procedente. O mesmo entendimento poderia ser sustentado quando a extinção ocorresse sem o julgamento de mérito. O CPC/2015, de forma mais adequada, deter-mina a cessação da eficácia não pela simples extinção do processo (como o CPC/1973), mas pela improcedência do pedido principal. Isso porque, diante da referibilidade, não há nenhum sentido em manter uma tutela concedida com base em cognição sumária depois de ter sido reconhecida a improcedência pela cognição exauriente. Dessa forma, a regra agora é mais clara: não é possível a manutenção da tutela cautelar após um julgamento de mérito desfavorável ao pedido do autor.

IV. Responsabilidade objetivaA cessação de eficácia da tutela cautelar gera responsabilidade objetiva do autor em relação a

eventuais prejuízos causados ao réu (art. 302, inciso III, do CPC/2015).V. Necessidade de novo fundamento para renovação do pedidoO parágrafo único estabelece que, após a cessação de eficácia, só poderá haver novo pedido de

tutela cautelar caso exista um novo fundamento, ou seja, uma nova causa de pedir.

Art. 310 - O indeferimento da tutela cautelar não obsta a que a parte formule o pedido principal, nem influi no julgamento desse, salvo se o motivo do indeferimento for o reconhecimento de decadência ou de prescrição.

Arts. 309 e 310

Page 129: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

520

Rogéria Dotti

I. Independência entre a tutela cautelar e a tutela definitiva

Tal dispositivo demonstra que, apesar de um único processo, há completa independência entre a tutela cautelar e a tutela definitiva. É verdade que há referibilidade, ou seja, a tutela cautelar depende da apresentação de um pedido principal. Contudo, essa referibilidade demonstra apenas a instrumentalidade da proteção cautelar, não significando qualquer influência no julgamento de mérito do pedido principal. Assim, mesmo na hipótese de o juiz indeferir a liminar cautelar, deverá o autor formular o pedido principal para que o processo possa prosseguir através da cog-nição exauriente. E será plenamente possível a procedência desse pedido principal (vale lembrar, após ampla produção probatória), apesar do indeferimento inicial da tutela cautelar.

II. Prescrição e decadência

Hipótese diversa ocorrerá se o juiz reconhecer, desde logo, a ocorrência da prescrição ou da de-cadência. Isso porque haverá nesse caso decisão de mérito (art. 487, inciso II, do CPC/2015), apta à formação da coisa julgada material. Importante destacar que há divergência doutrinária quanto ao efeito da decisão que rejeita a alegação de prescrição ou decadência. Muitos autores sustentam que, nessa circunstância, não haveria coisa julgada material, podendo a alegação ser novamente apre-sentada no processo principal. Como o CPC/2015 prevê um único processo, a tendência será que, nessa hipótese, admita-se uma nova alegação de prescrição após a formulação do pedido principal.

III. Julgados

Prescrição ou decadência – CPC/1973, art. 810 – coisa julgada

“[...] anterior processo cautelar de sustação de protesto não é acobertado pela coisa julgada, já que não houve reconhecimento de prescrição ou decadência. [...]” (TJSP, 16ª Câmara de Direito Privado, APL nº 0015803-24.2011.8.26.0362, Ac. nº 7499028, Mogi Guaçu, Rel. Des. Jovino de Sylos Neto, j. em 1º/4/2014, DJESP de 28/4/2014).

“[...] Cautelar preparatória de exibição de documentos julgada extinta, com resolução de mérito, ante o reconhecimento da ocorrência da prescrição trienal, já com trânsito em julgado Impossibilidade de Reanálise da questão da prescrição, que se encontra sob o manto da coisa julgada material Recurso desprovido” (TJSP, 33ª Câmara de Direito Privado, APL nº 0003351-75.2013.8.26.0664, Ac. nº 7470674, Votuporanga, Rel. Des. Carlos Nunes, j. em 31/3/2014, DJESP de 7/4/2014).

“[...] A união se contrapôs à sentença com o argumento de que seria necessário o julgamento do mérito da causa, para fins de produção de coisa julgada material. Ocorre que não há produção de coisa julgada material em ação de medida cautelar, salvo no caso de ser acolhida a alegação de prescrição ou decadência, nos termos do art. 810 do CPC. 3. Recurso de apelação desprovi-do” (TRF-2ª Região, 4ª T. Especializada, AC nº 0103916-86.1997.4.02.5101, RJ, Rel. Juiz Fed. Conv. Theophilo Miguel, DEJF de 16/12/2014, p. 370).

Prescrição ou decadência – a ação principal é obstada

“[...] O artigo 810 do código de processo civil autoriza apreciação tanto da prescrição como na decadência na ação cautelar, cuja análise obsta a propositura da ação principal. [...]” (TJPR, 12ª Câmara Cível, ApCiv nº 1130292-0, Curitiba, Rel. Des. Rosana Amara Girardi Fachin, DJPR de 14/5/2014, p. 537).

“[...] É lícito ao juiz, na cautelar preparatória, desde que provocado para tanto, declarar a prescrição ou a decadência da pretensão principal (art. 810 do CPC). (RESP 822.914/RS, Rel.

Art. 310

Page 130: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

521

Rogéria Dotti

Ministro Humberto Gomes de Barros, terceira turma, julgado em 01/06/2006, DJ 19/06/2006)” (TJPR, 7ª Câmara Cível, ApCiv nº 1124686-5, Londrina, Rel. Des. Luiz Antônio Barry, DJPR de 22/10/2014, p. 443).

Art. 311 - A tutela da evidência será concedida, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando:I - ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte;II - as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante;III - se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa;IV - a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável.Parágrafo único - Nas hipóteses dos incisos II e III, o juiz poderá decidir liminarmente.

I. Tutela da evidência

A tutela da evidência caracteriza-se pela possibilidade de antecipação dos efeitos finais da decisão, satisfazendo-se desde logo o provável direito do autor, mesmo nas situações em que não exista a urgência. Tal previsão permite uma melhor distribuição do ônus do tempo, assegurando uma maior efetividade na prestação jurisdicional. Importante destacar que, no sistema anterior (art. 273, inciso II, do Código de Processo Civil de 1973, com as alterações introduzidas pela Lei nº 8.952, de 13 de dezembro de 1994), já se mostrava possível a antecipação da tutela, in-dependentemente do risco de dano. Tal forma de tutela era cabível sempre que se caracterizasse o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu. Mas a nova lei prevê agora outras circunstâncias nas quais se autoriza a antecipação, consoante os incisos do art. 311 do referido diploma legal. Em síntese, o que a tutela da evidência assegura é a realização desde logo do direito provável, ainda que este não esteja em risco. Faz-se assim uma clara e válida opção em relação ao peso do tempo no processo. Os quatro incisos aplicam-se nas situações em que, guardadas suas peculiaridades, tenham em comum a inconsistência da defesa do réu.

II. Abuso do direito de defesa ou propósito protelatório do réu

Como já exposto, a tutela da evidência prevista no inciso II do art. 311 do CPC/2015 é a antiga antecipação de tutela decorrente da defesa abusiva ou protelatória (art. 273, inciso II, do CPC/1973). Nesse aspecto, quase nada mudou. A única diferença é que a nova lei não prevê expressamente os requisitos específicos da prova inequívoca e da verossimilhança do sistema an-terior. Mas a leitura sistêmica do CPC/2015 permite concluir que a tutela da evidência exige, em todos os seus incisos, a probabilidade do direito do autor. Em outras palavras, o simples abuso

Art. 311

Page 131: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

522

Rogéria Dotti

do direito de defesa não autoriza, por si só, a concessão da tutela de evidência. Se o direito do requerente não se mostrar provável, o juiz não poderá concedê-la, mesmo que o réu atue de for-ma abusiva. Por outro lado, o Judiciário poderá (e deverá) conceder a tutela da evidência sempre que além do direito provável houver uma inconsistência lato sensu na defesa. Ou seja, mesmo na inexistência de abuso, mas sendo a defesa frágil (sem condições de convencer), a tutela da evidência será cabível. O Enunciado nº 34 do Fórum Permanente de Processualistas Civis esta-belece uma das hipóteses de defesa abusiva no âmbito da Administração Pública: “Considera-se abusiva a defesa da Administração Pública, sempre que contrariar entendimento coincidente com orientação vinculante firmada no âmbito administrativo do próprio ente público, consolidada em manifestação, parecer ou súmula administrativa, salvo se demonstrar a existência de distinção ou da necessidade de superação do entendimento”.

III. Precedentes

Não há como não perceber que no inciso II do art. 311 do CPC/2015 o legislador disse menos do que deveria. Ao prever a tutela da evidência em relação aos precedentes, mencionou apenas as teses firmadas em súmulas vinculantes e julgamentos repetitivos (abrangidos aqui, obviamente, o incidente de resolução de demandas repetitivas e os recursos repetitivos). Deixou, portanto, de prever as hipóteses de súmulas não vinculantes do STF e STJ e decisões do plenário ou órgão especial dos tribunais locais. Como estabelece o art. 927 do CPC/2015, todas essas decisões têm efeito vinculante, ou seja, devem ser respeitadas por juízes e tribunais. Assim, nada justifica essa omissão do legislador. A interpretação que deve ser dada ao dispositivo, a partir de uma visão sis-têmica do Código, é aquela que autoriza a tutela da evidência em todas as hipóteses de decisões vinculantes, nos termos do já mencionado art. 927.

IV. Entrega da coisa e contrato de depósito

Já o inciso III do art. 311 do CPC/2015 autoriza a decisão judicial antecipada para entrega da coisa que seja objeto de contrato de depósito, sempre que houver prova documental nesse senti-do. Além disso, nesse inciso, por se tratar de típica obrigação de fazer, o legislador estabeleceu a possibilidade de fixação de multa. Trata-se, assim, da aplicação de um meio coercitivo para garantir a efetividade da decisão.

V. Prova documental consistente

Por fim, o inciso IV autoriza a antecipação da tutela quando o autor puder apresentar prova suficiente da existência de seu direito e o réu não conseguir gerar dúvida razoável mediante con-traprova. Tanto aqui como no inciso I, obviamente, a tutela antecipada não poderá ser concedida liminarmente, pois terá que se aguardar para averiguar qual a conduta a ser adotada pelo réu. Ela importará na autorização ou não da tutela da evidência. De qualquer maneira, importante desta-car que essa forma de tutela não se confunde com o julgamento parcial de mérito, disposto no art. 356 do CPC/2015. Lá, a cognição será exauriente, enquanto aqui se trata de um gênero de tutela provisória, baseada, portanto, em cognição sumária.

VI. Recurso sem efeito suspensivo

Importante lembrar que contra a decisão interlocutória que concede a tutela provisória (inclu-sive a tutela da evidência), o recurso cabível é o agravo de instrumento (CPC/2015, art. 1.015, inciso I), o qual não possui efeito suspensivo ope legis. Isso significa que a decisão terá eficá-cia imediata. Da mesma forma, a tutela que venha a ser concedida apenas em sentença poderá ser imediatamente executada, pois o recurso de apelação nessa parte não terá efeito suspensivo

Art. 311

Page 132: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

523

Rogéria Dotti

(CPC/2015, art. 1.012, inciso V). Assim, a tutela da evidência é uma excelente alternativa em relação ao problema da falta de eficácia da sentença pelo efeito suspensivo da apelação. Vale ainda destacar que o próprio julgamento de mérito (CPC/2015, art. 356) também é impugnável por agravo de instrumento, o qual permite sua eficácia desde logo (CPC/2015, art. 356, § 5º, e art. 1.015, inciso II). São maneiras, previstas na própria lei, para combater a incoerência do sistema que outorga eficácia às decisões sumárias, sem fazer o mesmo em relação às sentenças (baseadas em cognição exauriente).

VII. Cabimento de liminar

Como os incisos I e IV descrevem circunstâncias que somente estarão caracterizadas após a manifestação do réu, a lei só permite a concessão de liminar inaudita altera parte nas demais hipóteses (incisos II e III). Nestes, a tutela da evidência poderá ser concedida desde logo, antes mesmo da manifestação do réu. Isso se justifica pois o intuito da tutela da evidência é justamente uma melhor distribuição do ônus do tempo no processo. E isso deve ocorrer tanto nos casos em que a defesa já se mostra inconsistente como naqueles em que ela certamente o será (incisos II e III).

VIII. Julgados

Concessão de tutela da evidência

“[...] A indisponibilidade de bens prevista no art. 7º da LIA [Lei de Improbidade Administrati-va] caracteriza-se como tutela da evidência, prescindindo, para o seu deferimento, da demonstra-ção do periculum in mora, pois não se trata de tutela de urgência ou antecipação de penalidade, mas se constitui em verdadeira garantia, com base em presunção legal de risco ao ressarcimento A decisão impugnada se pautou em elementos concretos que denotam indícios veementes da prá-tica de ato de improbidade administrativa consistente em frustrar a licitude do processo licitató-rio, com dano ao erário Presente o fumus boni iuris. Indisponibilidade de bens mantida. Recurso parcialmente provido” (TJSP, 8ª Câmara de Direito Público, AI nº 2133840-87.2014.8.26.0000, Ac. nº 8330337, Aparecida, Rel. Des. Leonel Costa, j. em 25/3/2015, DJESP de 27/4/2015).

“Quanto à concessão do pedido liminar de despejo, não merece reproche a atuação do MM. Juiz de Direito. É consabido que na Lei do Inquilinato o que se prevê é a chamada ‘tutela da evidência’. Basta, em casos desse jaez, a vinculação do valor evidência para que se conceda a medida de desocupação, sem necessidade de se imiscuir no art. 273 do CPC. Na hipótese, a plausibilidade do direito alegado pela parte autora está consubstanciado na falta de pagamento de aluguel e na extinção contratual da garantia ‘caução’ prevista no art. 37 da Lei nº 8.245/91, suficiente, portanto, para a concessão da medida pautada na evidência. RECURSO IMPROVI-DO” (TJCE, 4ª Câmara Cível, AI nº 0620806 77.2014.8.06.0000, Rel. Des. Vera Lúcia Correia Lima, DJCE de 2/5/2014, p. 24).

“Pedido de devolução do veículo e, em paralelo, depósito de quantias para desfazimento do negócio Manifesta verossimilhança diante dos resultados da perícia realizada em ação de produ-ção antecipada de provas Dano consubstanciado no risco de manter a posse de bem que não mais interessa, podendo se tornar ainda mais complexa a relação jurídica existente Ademais disso, é identificada a tutela da evidência, a qual deve ser aplicada em prol da efetividade do processo Negado provimento” (TJSP, 25ª Câmara de Direito Privado, AI nº 2039595-84.2014.8.26.0000, Ac. nº 7475950, Ribeirão Preto, Rel. Des. Hugo Crepaldi, j. em 3/4/2014, DJESP de 10/4/2014).

Art. 311

Page 133: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

524

Adroaldo Furtado Fabricio

Art. 312 - Considera-se proposta a ação quando a petição inicial for protocolada, todavia, a propositura da ação só produz quanto ao réu os efeitos mencionados no art. 240 depois que for validamente citado.

AutorAdroaldo Furtado Fabricio

I. Âmbito do título

Diferentemente de seu homólogo de 1973 (art. 262), este Código não reserva espaço nesta passagem ao tema da iniciativa da formação do processo e do chamado princípio da demanda. Continua vigente a norma segundo a qual essa iniciativa pertence à parte, embora os atos ulterio-res de impulso do processo já instaurado sejam atribuídos à iniciativa judicial. Com técnica mais apurada, cuida dessa matéria no trecho dedicado à jurisdição (art. 2º).

De igual modo, as normas relativas à estabilização da instância, que no Estatuto de 1973 integram o mesmo título (art. 264), foram deslocadas para outra sede, o art. 329, inciso II, deste Código.

Aqui, trata-se apenas da formação do processo, e não da correspondente iniciativa nem da eventual alteração do pedido. Para muitos efeitos, alguns deveras importantes na esfera prática, a definição do momento em que adquire vida o processo e do ato ou conjunto de atos geradores desse fenômeno é objeto único deste título, por isso reduzido a um só artigo.

II. Formação gradual do processo

É corrente na doutrina a ideia da angularidade da relação processual, no sentido de que sua representação gráfica assume a figura de um ângulo: dois ramos, ou segmentos de reta, ligando cada uma das partes ao juiz, situado no vértice. Por isso, a formação do processo em sua comple-ta conformação distribui-se em dois momentos distintos e sucessivos.

No que respeita ao autor, o lado do ângulo que lhe corresponde começa a existir no momento em que a petição inicial por ele oferecida é submetida a algum ato do juiz ou do arcabouço judi-ciário que lhe dá apoio. Até esse instante, a petição, conquanto já elaborada, é papel particular da parte ou de seu advogado; se ela for extraviada, destruída, substituída, modificada ou guardada, sem apresentação ao órgão público destinatário, isso se passa fora do processo, que não terá existido.

Essa noção está direta e intuitivamente ligada ao conceito de processo como relação jurídica. Toda relação, jurídica ou de outra espécie, envolve necessariamente a pluralidade de sujeitos: uma pessoa ou coisa só se pode relacionar com outra pessoa ou coisa. A outorga de mandato a advogado pela parte para o fim específico de propor determinada demanda, com ou sem ajuste de honorários profissionais, certamente estabelece entre ambos uma relação, sem dúvida jurídica, mas ainda não processual.

Ao elaborar a inicial, o advogado dá início ao cumprimento do contrato celebrado, mas a rela-ção jurídica já estabelecida continua a ser de cunho estritamente privado, sem a participação de ente público. Ao revés, desde quando este intervém, praticando qualquer ato relativo à petição

Page 134: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

525

Adroaldo Furtado Fabricio Art. 313

oferecida, deixa ela de ser documento particular, publicizando-se. O advogado e a parte já não podem dispor dela a seu talante, como até então poderiam. Acha-se então estabelecida a relação processual; o processo começa a existir.

O segundo ramo da relação processual, que vai ligar o juiz ao réu, quanto à maior e mais importante parcela, só se vai instalar com a citação, como dispõe este artigo remetendo ao art. 240. Mas nem por isso é menos importante o momento inicial da formação do processo: mesmo do ponto de vista do demandado, alguns efeitos podem começar-se a produzir desde então, entre eles alguns de típica sujeição, como nos casos de antecipação de tutela jurisdicional sem oitiva da parte contrária.

De resto, é preciso ter-se em mente que, mesmo entre os efeitos atribuídos à citação e não dire-tamente ao aforamento da demanda, há importante caso no qual dito efeito, mesmo dependendo do ato citatório, recua à data deste: a interrupção da prescrição (art. 240, § 1º).

III. Protocolo da inicialSegundo a letra do artigo, é o protocolo da inicial que dá nascimento ao processo. Mas não

seria razoável atribuir-se ao termo um sentido estritamente formal, cartorário, como a significar que sem protocolo, no corrente significado burocrático da palavra, não poderia existir a relação processual. Esta se instala, vai aqui repetido, pela adição de qualquer ato do órgão jurisdicional, ou de órgão auxiliar dele, à petição primeira.

Pode dar-se que, por razões de extrema urgência, de emperramento do mecanismo cartorial ou de situação outra de força maior, a petição seja diretamente apresentada ao juiz e por ele des-pachada sem passar pela prévia formalidade do registro em algum livro, do carimbo ou da inter-mediação de qualquer órgão auxiliar do juízo. Formalidades podem esperar; o exame do direito invocado pela parte nem sempre pode ser protelado sem dano.

A moderna visão finalística dos atos processuais impõe, assim, leitura mais aberta da dicção legal. Entende-se por protocolo, então, a publicização mesma do ato que até então era privado, mediante acréscimo da intervenção do juiz ou de qualquer agente dele. Esse entendimento abran-gente era já o do STJ na interpretação do art. 263 do CPC/1973 (v.g., REsp nº 772202, 1ª T., Rel. Min. Humberto Martins, j. em 18/8/2009, publ. DJe de 31/8/2009, unân.; STJ, 3ª T., REsp nº 498798, Rel. Min. Menezes Direito, j. em 6/9/2005, publ. DJ de 21/11/2005, p. 226, unân.).

IV. Momento inicial da existência do processoImporta enfatizar que o processo adquire existência como tal no momento indicado pelo artigo

sob comento, para todos os efeitos, observada apenas a ressalva relativa ao art. 240. Embora in-completa, a relação processual acha-se já instalada desde então. E tanto isso é exato que, mesmo sem a citação do réu, eventualmente comporta a prolação de sentença.

Tal é o caso, por exemplo, do ato decisório que indefere a inicial (art. 330), do qual, aliás, cabe recurso de apelação (art. 331). Interposto este, o réu será citado; porém, se transita em julgado sem recurso a sentença indeferitória, o processo ter-se-á formado e prontamente extinto sem haver-se completado a relação processual. Permanece o demandado alheio a ela: a intimação do art. 331, § 3º (diversa, já se vê, da citação), é ato de mera ciência.

Art. 313 - Suspende-se o processo:I - pela morte ou pela perda da capacidade processual de qualquer das partes, de seu representante legal ou de seu procurador;

Page 135: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

526

Adroaldo Furtado Fabricio Art. 313

II - pela convenção das partes;III - pela arguição de impedimento ou de suspeição;IV- pela admissão de incidente de resolução de demandas repetitivas;V - quando a sentença de mérito:a) depender do julgamento de outra causa ou da declaração de existência ou de inexistência de relação jurídica que constitua o objeto principal de outro processo pendente;b) tiver de ser proferida somente após a verificação de determinado fato ou a produção de certa prova, requisitada a outro juízo;VI - por motivo de força maior;VII - quando se discutir em juízo questão decorrente de acidentes e fatos da navegação de competência do Tribunal Marítimo;VIII - nos demais casos que este Código regula.§ 1º - Na hipótese do inciso I, o juiz suspenderá o processo, nos termos do art. 689.§ 2º - Não ajuizada ação de habilitação, ao tomar conhecimento da morte, o juiz determinará a suspensão do processo e observará o seguinte:I - falecido o réu, ordenará a intimação do autor para que promova a citação do respectivo espólio, de quem for o sucessor ou, se for o caso, dos herdeiros, no prazo que designar, de no mínimo 2 (dois) e no máximo 6 (seis) meses;II - falecido o autor e sendo transmissível o direito em litígio, determinará a intimação de seu espólio, de quem for o sucessor ou, se for o caso, dos herdeiros, pelos meios de divulgação que reputar mais adequados, para que manifestem interesse na sucessão processual e promovam a respectiva habilitação no prazo designado, sob pena de extinção do processo sem resolução de mérito.§ 3º - No caso de morte do procurador de qualquer das partes, ainda que iniciada a audiência de instrução e julgamento, o juiz determinará que a parte constitua novo mandatário, no prazo de 15 (quinze) dias, ao final do qual extinguirá o processo sem resolução de mérito, se o autor não nomear novo mandatário, ou ordenará o prosseguimento do processo à revelia do réu, se falecido o procurador deste.§ 4º - O prazo de suspensão do processo nunca poderá exceder 1 (um) ano nas hipóteses do inciso V e 6 (seis) meses naquela prevista no inciso II.§ 5º - O juiz determinará o prosseguimento do processo assim que esgotados os prazos previstos no § 4º.

I. Conceito de suspensão

A suspensão do processo ocorre toda vez que sua marcha deva ser temporariamente interrom-pida, por razões externas ou internas a ele. Determinados fatos ocorridos no seu curso podem

Page 136: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

527

Adroaldo Furtado Fabricio Art. 313

impossibilitar, por algum tempo, previsível ou não, a continuidade dos atos processuais, de modo que, conquanto deva prosseguir depois, o processo tem sustado seu seguimento até que cessem os efeitos desse fato.

Diversamente da extinção, hipótese em que definitivamente cessa a marcha processual, a sus-pensão é conceitualmente transitória. Ainda assim, determinadas causas suspensivas, a depender de quais sejam e de quanto durem, podem, por sua vez, conduzir à extinção, como mais detalha-damente se analisará no momento próprio.

II. Morte ou incapacidade de parte

Causa intuitiva de suspensão é aquela decorrente da necessidade de recomposição da relação processual, comprometida por ocorrência que lhe afete a estrutura ou integridade. Avulta entre os dessa classe o caso de extinção física da pessoa natural, que seja parte, pela morte. Como deixa de existir uma das pessoas que a integram, a relação não pode prosseguir – definitivamente, no caso excepcional de intransmissibilidade da ação, ou pelo tempo necessário à recomposição, se a ação é transmissível.

O falecimento da pessoa física, conquanto faça transmitir teoricamente e de imediato seu ativo e passivo para os sucessores, pelo princípio da saisine, causa uma fratura de continuidade no trâmite processual, pois a própria relação jurídica em que consiste o processo se desconstitui. É imperativo que se promova a habilitação de quem haja de assumir a posição vaga (sucessor), mediante apuração de sua qualidade segundo o Direito Material, sob controle judicial.

Se falecido o réu, cabe ao autor apurar e indicar ao juízo a identidade dos sucessores, desde logo demonstrando-a documentalmente e promovendo a respectiva citação, a ser realizada na pessoa do inventariante, se houver, ou dos herdeiros. Decorrido em silêncio o prazo que o juiz houver fixado, estará configurada a revelia do demandado. No período intercorrente, o processo permanece suspenso.

Se o óbito ocorrido é o do autor, impende providencie o juiz, tão pronto lhe chegue a ciên-cia do fato, a intimação de quem lhe deva suceder para que promova a respectiva habilitação, utilizando-se dos meios de difusão que lhe pareçam adequados a cada caso – dado o eventual desconhecimento ou incerteza da identidade. Omisso o intimado, o processo será declarado ex-tinto ao termo do prazo fixado.

É praxe do foro a comunicação do óbito ao juízo pelo próprio advogado que representava a parte falecida (e cujo mandato se extinguiu na forma do art. 682, inciso II, do Código Civil), caso em que também não é raro apresentar-se ele, desde logo, munido de poderes de representação outorgados pelos sucessores. Essa prática torna simples e expedita a habilitação, que, ouvida e concorde a parte adversa, aí mesmo se esgota, abreviando sobremaneira o período de suspensão.

Se, ao revés, são desconhecidos os sucessores, ou a contraparte questiona sua qualidade, o incidente de habilitação poderá demandar maior tempo e trabalho, inclusive providências de ca-ráter instrutório. De todo modo, tudo se há de processar ante o próprio juízo – de qualquer grau – onde se ache o processo, observado o disposto nas regras específicas (arts. 687 e seguintes) e sempre com suspensão dos atos processuais que não se relacionem ao próprio incidente.

Não o diz a lei, mas tratamento idêntico tem de ser reservado ao caso de extinção da pessoa jurídica que tenha sido parte. Em regra, a extinção da sociedade não será instantânea, havendo uma fase de transição que permitirá os ajustes necessários da relação processual, talvez até sem

Page 137: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

528

Adroaldo Furtado Fabricio Art. 313

necessidade de suspensão; casos haverá, porém, de extinção abrupta, como os de retirada de au-torização governamental para funcionar, quando indispensável, ou de declaração de ilicitude do objeto em processo criminal, por exemplo.

III. Falecimento de procurador

O falecimento do procurador da parte (se for o único) igualmente impossibilita de pronto a continuação do processo – ressalvadas as raras e excepcionais hipóteses de dispensa legal da representação por advogado. Havendo mais de um, a suspensão não é imperativa, embora não se a exclua em circunstâncias particulares, a serem avaliadas pelo juiz.

De resto, é mister ter-se presente a eventualidade de óbito do procurador no curso de certo ato processual complexo (v.g., audiência ou sessão de julgamento), caso em que, obviamente, a sus-pensão do ato se impõe, mesmo que não se suspenda propriamente o processo. Em emergência tal, a pluralidade de procuradores é irrelevante.

A suspensão do processo, pelo motivo ora tratado, decorre direta e imediatamente do óbito, independentemente de seu conhecimento pelo juízo. Não se pode admitir a prática válida de atos processuais quando uma das partes já não se acha representada nos autos, em detrimento dela. Se algum tiver sido celebrado, será invalidado e renovado, salvo se, por seu novo mandatário, a parte afetada o placitar.

Tratamento idêntico deve ser dispensado ao caso de cessação da capacidade postulatória ou genérica do advogado (como na suspensão ou cassação da habilitação profissional, ou perda da capacidade civil), mas não no de revogação do mandato ou renúncia a ele, situações que se sub-metem a regime legal próprio.

Há diferença importante entre a regra do CPC/2015 e sua homóloga no diploma de 1973: esta distinguia e tratava diversamente as hipóteses de ocorrer o falecimento antes ou depois de inicia-da a audiência de instrução e julgamento; a norma nova suprimiu a distinção a modo expresso, de tal sorte que o estágio processual não mais influirá sobre a suspensão.

IV. Morte de representante legal

A morte ou perda de capacidade do representante legal da parte igualmente resulta também em suspensão da marcha processual. Tal é o caso, sem dúvida, dos pais (ou outros detentores do pátrio poder ou equivalente), tutores ou curadores e administradores de universalidades de bens (a exemplo da massa falida).

Há importantes opiniões doutrinárias no sentido de que nessa categoria não se incluem os órgãos de pessoas jurídicas que por elas falam e atuam, ao argumento de que não seriam, no exato sentido técnico do termo, representantes, mas presentantes. A verdade, porém, é que essa distinção não aparece em qualquer texto legal pátrio. Ao contrário, fala-se invariavelmente de representação das pessoas jurídicas, neste Código, no art. 75; no Código Civil, em seu art. 46, inciso III.

É verdade que, em regra, a sucessão ou substituição do representante da pessoa jurídica acha-se também regulada internamente, de modo a não haver solução de continuidade. Ainda assim, não serão raras as situações em que esses mecanismos legais ou estatutários deixem lugar a dúvi-das ou incertezas que se podem instalar e prolongar, inclusive em condições de disputa. Também por isso, convém que se interprete generosamente o conceito de representação, para incluir a espécie na possibilidade de suspensão do processo.

Page 138: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

529

Adroaldo Furtado Fabricio

Assim, em caso de perda da capacidade da pessoa física que representa a jurídica, não há ne-cessidade de suspensão do processo desde que o regime estatutário assegure desde logo a certeza da continuidade. Do contrário, a suspensão deve ocorrer.

V. Suspensão convencional

É lícito aos litigantes, em qualquer fase do processo, requerer a suspensão consensual do processo, o que frequentemente ocorre para dar ensejo a entendimentos voltados à realização de acordo. Sendo o processo civil predominantemente dispositivo, e estando particularmente prestigiada por este Código a conciliação, não há razão para se oporem limites a essa faculdade. Em princípio, deve prevalecer a vontade convergente das partes, sendo o ato judicial meramente homologatório.

A doutrina tem oposto restrições a essa possibilidade no curso da prática de atos judiciais de regra contínuos, como a audiência de instrução e julgamento ou o julgamento de recurso. Mas o ponto não é pacífico. De todo modo, não parece haver motivo para a vedação nos casos em que o próprio ato já esteja suspenso, como durante o adiamento da continuação de audiência ou enquanto se aguarda voto após pedido de vista.

A lei limita a duração da suspensão consensual a seis meses (§ 3º), que pode ser insuficien-te para os fins a que se propunham as partes. Mas não se trata de regra imperativa e absoluta, devendo-se admitir a eventualidade de prorrogação, se os litigantes acordarem nesse sentido.

VI. Arguição de impedimento ou suspeição

A simples alegação de uma das hipóteses de inabilitação do juízo para o processo gera desde logo a inconveniência de prosseguimento da marcha processual. Antes da prática de qualquer outro ato, faz-se imprescindível a solução do ponto, que põe em xeque a legitimidade do órgão julgador. Conquanto não se desfaça a relação processual, que continua vigente com o Estado no seu polo neutro, os atos subsequentes não terão lugar enquanto perdurar a incerteza quanto a essa legitimidade do agente público.

Ainda assim, segundo as normas pertinentes ao incidente (art. 146), a arguição em foco nem sempre há de acarretar a suspensão do processo, eis que atribuída ao relator daquele o poder de manter paralisado o processo ou ordenar seu seguimento. Contudo, dada a gravidade do tema, dificilmente se admitirá que prossiga a prática dos atos processuais sob a direção de juiz que tenha sido recusado por uma das partes, salvo manifesta improcedência da alegação, ou sua ile-gitimidade segundo prevista no art. 145, § 2º.

Releva observar que a declaração de suspeição do juiz por motivo de foro íntimo, também prevista pelo sistema, não acarreta suspensão, pois o mesmo ato deverá remeter os autos ao subs-tituto legal, sem necessidade de qualquer outra providência.

VII. Incidente de demandas repetitivas

O incidente de que trata o inciso foi introduzido no sistema por este Código, arts. 976 e se-guintes. Trata-se de assegurar, por via dele, objetivos de economia processual e de prevenção de julgados conflitantes sobre a mesma questão de direito que se debata em processos diversos, no âmbito de competência de um mesmo tribunal.

Seguindo a tendência geral do Código, o expediente voltado à unificação centraliza-se nos tribunais, só neles se podendo instaurar o incidente: não há reunião de processos de conteúdo re-petitivo na instância originária, segundo modelo também proposto pela doutrina, cabendo apenas

Art. 313

Page 139: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

530

Adroaldo Furtado Fabricio

aos colegiados o processo e julgamento correspondentes. Daí que a suspensão prevista no inciso sob comentário (como também no art. 982, inciso I) dependerá necessariamente de comunicação sobre o incidente, seja por informação direta do respectivo relator, seja por via de divulgação eletrônica a cargo do Conselho Nacional de Justiça.

A mecânica lenta e pesada da tramitação nos órgãos colegiados, a par do processamento no-tavelmente burocratizado estabelecido pelo Código para a espécie, torna improvável a ultimação no limite temporal previsto, que é de um ano. Findo esse prazo, a causa retomará seu curso indi-vidual, caso em que a eventual uniformização futura de julgados não fica excluída, mas passa a depender dos mecanismos recursais comuns.

VIII. Prejudicialidade

Questões prejudiciais e preliminares compõem o gênero mais vasto das questões prévias, aquelas que, por imperativo lógico, precisam ser dirimidas antes do julgamento do mérito. Diz-se prejudicial uma questão quando a solução dela condiciona o sentido em que será decidida a outra (dita prejudicada) – diferentemente da preliminar, cuja solução pode determinar a impossibili-dade de apreciação da outra.

Este inciso V, letra a, contempla a prejudicial externa, isto é, aquela a ser decidida em outro processo como seu objeto principal ou como fato do qual dependa a existência do próprio direito alegado. Ao revés do que ocorre no texto de 1973 (art. 265, inciso IV, c), não se estende a pre-visão legal ao caso da prejudicialidade interna – questão de estado a ser resolvida nos mesmos autos, mediante declaração incidente.

Deve-se o silêncio da nova lei ao fato de ter sido eliminado do sistema o mecanismo da ação declaratória incidental, visto que, independentemente dela, a autoridade da coisa julgada recobre também a apreciação da questão prejudicial, preenchidos determinados pressupostos legais, ou a prejudicial permanece em aberto, imune à coisa julgada, na falta de algum deles. A matéria vem regulada no art. 503 e seus parágrafos deste Código, a cujos comentários remetemos.

IX. Apuração de fatos relevantes

Pode dar-se que a segurança do julgamento de mérito exija a espera pela verificação de fato importante para determinar o sentido dele, ou a produção de prova pendente de produção junto a outro juízo. Essas são também situações que recomendam a suspensão do processo, não ape-nas quanto ao julgamento em si, mas também quanto às alegações finais das partes que devem precedê-lo, e que se devem produzir com ciência plena das provas.

É bem de ver que, em tal emergência, somente esses atos processuais precisam ser suspensos. No relativo a quaisquer outros, relativos a instrução, diligências e alegações outras que não os debates finais, o processo pode seguir normalmente, até adentrar-se a fase decisória.

A “prova requisitada a outro juízo”, em regra, será aquela que se deva produzir mediante carta de ordem, rogatória ou precatória. É de lei que ditas cartas sejam expedidas sempre com prazo fixado para seu cumprimento, mas essa questão do prazo nem sempre terá correlação necessária com a suspensão. Tal seja o caso, a depender da importância que o juiz – destinatário de toda prova – atribua àquela pendente, poderá aguardar o cumprimento mesmo para além do prazo, adotando as medidas cabíveis para tentar agilizar a realização dos atos solicitados.

X. Prazo máximo da suspensão

As hipóteses do inciso só autorizam a suspensão pelo prazo máximo de um ano (§ 4º). Caberia indagar, então, primeiro, se esse limite é absoluto; depois, o que há de ocorrer quando esgotado

Art. 313

Page 140: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

531

Adroaldo Furtado Fabricio

o prazo sem o desate da prejudicial. Sob a vigência do Código de 1973, que tinha regra similar (art. 265, § 5º), a doutrina tendia a admitir ampliação do prazo, sempre que a demora não fosse imputável à parte.

A proposta merece adesão, conhecido que é o atual nível de lentidão da Justiça e observado o princípio basilar de que restrições de ordem formal devem favorecer, e não empecer, a efetivação dos direitos. Assim, só quando uma das partes cause o retardamento cabe a aplicação inflexível do limite temporal fixado; se a mora é imputável ao serviço judiciário, admite-se prorrogação.

Quanto às decorrências da retomada da marcha processual quando findo o prazo, ampliado ou não, chegando à sentença de mérito, resulta claro que o juiz há de dirimir a prejudicial em caráter meramente incidental, sem força de res judicata sobre o ponto, visto ser logicamente impossível a decisão da questão prejudicada sem passar por essa resolução. Quando se trate de fato ou de prova pendente, o juiz o terá por não ocorrido, ou a dispensará.

Com pertinência às cartas, há que observar, ainda, o disposto no art. 377, que estabelece dis-tinção entre as expedidas antes ou depois do saneamento. Entretanto, sempre deve prevalecer o critério de relevância da prova para o convencimento judicial, segundo a avaliação do juízo.

XI. Força maior

Algumas das situações especificamente descritas nos demais incisos podem configurar situa-ção de força maior, mas o Código, prudentemente, acrescenta a previsão genérica à vista da consideração de sempre poderem ser incompletas as enumerações. O conceito de força maior tem seus contornos definidos em doutrina, mas sua aplicação efetiva só se pode dar ao exame de cada caso concreto.

Situação caracterizadora de força maior é aquela em que alguma anormalidade objetiva e transindividual torne impraticável ou inexigível ao homem mediano a continuidade dos serviços forenses. É o que ocorre, por exemplo, durante epidemias graves, convulsão da ordem pública que acarrete perigo grave de vida e saúde, catástrofes meteorológicas que interrompam os servi-ços de transportes e comunicações, etc.

A jurisprudência tem aplicado o conceito, com frequência, no trato de questões contratuais e de responsabilidade civil, mas não na amplitude que ele assume no contexto do inciso comenta-do. Em regra, trata-se de avaliação que só se pode fazer a posteriori, na análise de determinada situação concreta, diante da qual o órgão judicante declarará ter sido suspenso ou não o processo.

XII. Questão submetida ao Tribunal Marítimo

Trata o inciso de matéria nova, sem precedente legislativo, introduzindo modalidade inédita de prejudicialidade. Aliás, a pesquisa do histórico de tramitação legislativa não permite identifi-car quando e como foi o inciso introduzido.

O Tribunal Marítimo é órgão administrativo, submetido ao Ministério da Marinha, cabendo-lhe a apuração e regulação de acidentes e ocorrências envolvendo embarcações. Sem embargo da denominação e de sua estrutura judicialiforme, não é órgão jurisdicional, mas administrativo, de modo que as conclusões por ele estabelecidas não vinculam o Poder Judiciário.

Ainda assim, em atenção, provavelmente, à alta especialização de seu trabalho e à notável complexidade das investigações que realiza, o legislador teve por cabível, nos casos em que as questões de fato importantes para o processo possam ser esclarecidas por essas averiguações, dar por suspenso o mesmo até que elas se concluam – ainda que, repita-se, mesmo nessa matéria, possa a decisão judicial divergir das conclusões daquele colegiado.

Art. 313

Page 141: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

532

Adroaldo Furtado Fabricio

XIII. Demais casos

A regra do inciso VIII seria dispensável, por explicitar o óbvio. São vários os casos em que o Código estabelece a suspensão do processo, vários até inseríveis, outros não, em alguma das hipóteses específicas do presente artigo: por exemplo, arts. 76, 315, 377, 919, § 1º, 921 e 922.

De resto, é indevidamente limitante. Parece igualmente óbvio que existem ainda outros ca-sos de suspensão do processo fora do Código, tratados na legislação extravagante. Apenas para exemplificar com caso corrente na prática do foro: o da vigente Lei de Falências (nº 11.101/2005), art. 99, inciso V.

Art. 314 - Durante a suspensão é vedado praticar qualquer ato processual, podendo o juiz, todavia, determinar a realização de atos urgentes a fim de evitar dano irreparável, salvo no caso de arguição de impedimento e de suspeição.

I. Suspensão e prática de atos processuais

Por força do próprio conceito de suspensão, é incompatível com esse estado de letargia a prática de quaisquer atos processuais. Suspender o processo significa exatamente ordenar que, durante certo tempo ou até que se verifique determinado evento ou condição, permaneça ele inerte e sem movimentação, o que necessariamente resulta na abstenção da prática dos atos a ele pertinentes.

Visto que afrontaria proibição legal expressa, a prática de atos processuais estando suspenso o processo acarreta a nulidade desses atos. Naturalmente, essa questão da validade rege-se pelas regras do próprio Código respeitantes ao tema, de sorte que se há de ter em conta sempre, para aquilatar dela, o disposto nos arts. 276 e seguintes. O que fica estabelecido é que, em tese, os atos processuais praticados durante a suspensão são passíveis da declaração de invalidade.

Questão relevante, inclusive à luz dessa consideração, é a da identificação do momento a par-tir do qual a suspensão ocorre (e produz esse efeito nulificante): o da ocorrência do pressuposto legal ou o da manifestação do juiz a respeito dele. Por outras palavras, o dilema está em consi-derar constitutiva ou meramente declaratória a decisão do juiz a tal respeito. Sobre o tema, lavra certo dissídio na doutrina. Na verdade, nenhuma das soluções parece inteiramente satisfatória e adequada a todas as hipótese de suspensão.

Parece mais ajuizado indagar-se da natureza de cada uma das causas suspensivas para aplicar-se-lhe um ou outro desses critérios. Com efeito, há motivos de suspensão que correspondem a fatos naturais dotados dessa consequência jurídica (tais como morte, incapacidade). Tal pode ser também o caso de algumas das causas de força maior (por exemplo, colapso de comunicações), hipótese em que a suspensão se opera ipso facto e independe do despacho, cujo efeito será apenas declaratório. Então, a validade dos atos eventualmente praticados entre os dois momentos (do fato e do despacho) terá de ser examinada caso a caso, à luz das normas específicas dos citados arts. 267 e seguintes.

Em algumas outras situações, ao revés, a necessidade da suspensão decorre de um dado lógico ou jurídico, não diretamente do fato em si, como consequência imperativa. Em tais hipóteses, há

Art. 314

Page 142: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

533

Adroaldo Furtado Fabricio

espaço para uma avaliação jurídica, e segundo seu resultado o juiz determinará ou não a suspen-são. Tal é o caso do inciso V, em qualquer das suas alíneas: o fato determinante da suspensão é, em si mesmo, um ato judicial, cuja repercussão sobre o processo em questão e seu julgamento terá de ser objeto de exame e decisão sobre a prejudicialidade.

Tratamento específico deve ser reservado à hipótese de suspensão convencional. Como todo negócio jurídico processual, sua eficácia fica jungida à homologação judicial, que pode vir a ser denegada (v.g., se a relação jurídica em causa é indisponível, ou faltam a algum dos firmatários os poderes indispensáveis). Em tal emergência, a convenção será imperativa para as partes desde o momento de sua juntada aos autos, por força do princípio da boa-fé objetiva, mas a suspensão só vai ocorrer a partir da decisão homologatória.

II. Medidas urgentes

O artigo abre uma razoável exceção à regra geral para as medidas processuais de caráter ur-gente, cuja omissão possa acarretar dano irremediável. Esse conceito de prejuízo remete intuiti-vamente aos interesses das partes em litígio, que podem ser afetados pela demora a tal ponto de não se poder reparar o dano depois, mas também se pode referir ao interesse público envolvido no processo, como o de assegurar o devido processo legal e preservar valores como isonomia processual, efetividade das decisões e economia de atos.

A expressão chama à lembrança, de pronto, as medidas de cunho cautelar, em cujo contexto acha-se o pressuposto da urgência. Mais enfaticamente ainda quando se cuida de provimento liminar cautelar, em que o requisito da urgência se potencializa sobremaneira. Como este Código não destina procedimento específico a esses casos nem identifica as cautelas em espécie, ao con-trário da legislação anterior, importa manter-se atento o intérprete à natureza mesma da medida, para identificar sua cautelaridade, baseada na ideia de segurança do resultado do processo.

As medidas judiciais antecipatórias da tutela requerem especial atenção. Nem sempre estará envolvida nelas o pressuposto da urgência. Como a melhor doutrina sempre registrou e agora vem expresso no texto legal, a antecipação pode ser determinada também pela evidência do di-reito da parte, a ponto de dispensar outras indagações antes de atender-se ao seu pedido. O ponto pode ser importante no âmbito destes comentários, porque nessa hipótese não parece estar auto-rizada a prática excepcional de atos no processo suspenso, que só a urgência justifica.

III. Legitimidade do juízo

A cláusula final do artigo expressa uma exceção à exceção, vale dizer, um retorno à regra. Ne-nhum juiz pode praticar ato algum em processo, qualquer que seja, se a sua neutralidade estiver de qualquer modo posta em dúvida. Nenhum outro interesse, público ou privado, pode sobrelevar a esse da imparcialidade – não só a real, mas também a aparente.

Certo, a arguição pode vir a ser eventualmente rejeitada, mas, em matéria dessa natureza, a simples dúvida quanto ao resultado final é bastante para recomendar o imediato e completo afastamento do julgador. Seria extremamente desconfortável para as partes e para ele mesmo que prosseguisse na condução do processo, ainda que a título provisório e limitado, durante o proce-dimento relativo ao incidente.

Bem por isso, causa certa estranheza a regra do art. 146, § 2º, que atribui ao relator do inci-dente o poder de suspender ou não o processo – ou, mais precisamente, de mantê-lo suspenso ou ordenar o seguimento. Talvez se deva conjugar a regra à do art. 145, § 2º, que prevê a hipótese de “ilegitimidade” da arguição, pois qualquer outro exame dela envolveria o seu mérito.

Art. 314

Page 143: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

534

Adroaldo Furtado Fabricio

Remetendo-se o leitor aos arts. 145 e 146, pode-se aqui observar que ao juiz arguido é lícito acolher desde logo a arguição, caso em que nem sequer será necessária a suspensão, pois a decor-rência imediata e automática é a remessa dos autos ao substituto legal, findando aí mesmo o in-cidente. Mas não lhe é permitido declarar-se insuspeito; se lhe parecer improcedente a arguição, há de prontamente encaminhá-la ao tribunal competente, e nessa emergência é que a suspensão se impõe.

Art. 315 - Se o conhecimento do mérito depender de verificação da existência de fato delituoso, o juiz pode determinar a suspensão do processo até que se pronuncie a justiça criminal.§ 1º - Se a ação penal não for proposta no prazo de 3 (três) meses, contado da intimação do ato de suspensão, cessará o efeito desse, incumbindo ao juiz cível examinar incidentemente a questão prévia.§ 2º - Proposta a ação penal, o processo ficará suspenso pelo prazo máximo de 1 (um) ano, ao final do qual aplicar-se-á o disposto na parte final do § 1º.

I. Verificação de fato delituoso

A apuração dos fatos delituosos em estrito sentido de Direito Penal, em regra, pertence ao âmbito da Justiça Criminal, jurisdição diversa daquela voltada ao deslinde das controvérsias de Direito Privado e dos demais ramos do Direito Público. É visível que o legislador retorna aqui ao tema da prejudicialidade já tratada no artigo anterior, mas agora destacando em norma própria a chamada prejudicialidade externa ou interjurisdicional.

As duas jurisdições, penal e civil (mais precisamente, não penal), guardam certa independên-cia entre si, mas ela não é absoluta. O próprio Direito Material estabelece certos limites a essa autonomia, ao regular as possíveis influências da sentença penal sobre relações jurídicas estra-nhas a essa esfera (Código Civil, arts. 935 e 200; Código Penal, art. 74, inciso I). O Código de Processo Penal também cuida do tema (arts. 63 e 65).

Por isso a norma ora comentada ordena que, em certos limites temporais, seja respeitada a competência preferencial da Justiça Criminal para a elucidação de tais fatos, assim minimizando a possibilidade de decisões conflitantes quanto a eles. Dois prazos estão fixados: um limita a três meses a suspensão do processo civil para aguardar a instauração do processo penal; o outro, fixado em um ano, é para a conclusão do mesmo – obviamente, uma perspectiva otimista, pois nenhum processo judicial se ultima em lapso tão curto.

Findo qualquer desses prazos de suspensão, retomado o andamento do processo civil, nele se haverá de decidir qualquer questão que pertenceria à outra jurisdição, inclusive as da existência e autoria do cogitado fato criminoso – ainda que o texto ora tratado só se refira à existência. Mas, obviamente, o juiz só concluirá sobre o tema incidenter tantum: significando isso que a solução dada à matéria não terá força de julgado comunicável à jurisdição criminal.

Em qualquer dos casos, o pressuposto da suspensão é o de ser necessária, isto é, condicionante do juízo civil, a solução da questão afeta à jurisdição penal.

Art. 315

Page 144: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

535

Adroaldo Furtado Fabricio

Art. 316 - A extinção do processo dar-se-á por sentença.

I. Terminologia

Continua cabível a crítica que se faz ao CPC/1973: em verdade, o processo não se extingue com a sentença; muito mais frequente é sua continuação com o advento de recursos, sua trami-tação e julgamento. Nem mesmo seria correto supor-se a extinção do procedimento de primeiro grau, pois ele pode prosseguir na atividade de cumprimento do julgado, que, desde a reforma processual da passagem do século, compõe corpo único com o processo de conhecimento.

Não se cuida mais no capítulo da distinção entre sentença extintiva e sentença terminativa, como ocorrida no Estatuto antecedente (arts. 267 e 269). A matéria foi deslocada para outra sede, o Capítulo VIII, relativo à sentença e coisa julgada (arts. 485 e seguintes), cuja Seção I, onde se trata precisamente dos casos de extinção do processo, curiosamente, não lhe é atribuída a deno-minação de sentença.

II. Conteúdo

Com o deslocamento aludido, o presente capítulo (que poderia sem prejuízo ser suprimido) reduz-se a este artigo, inexato, e ao seguinte, que cuida de matéria estranha ao conceito de extinção, qualquer que ele seja.

Art. 317 - Antes de proferir decisão sem resolução de mérito, o juiz deverá conceder à parte oportunidade para, se possível, corrigir o vício.

Como já adiantado, a regra acha-se deslocada; sua melhor sede seria no bloco de normas que define os casos de resolução e não resolução do mérito. Mas é certamente salutar, prestando-se a evitar surpresa para a parte e assegurar economia processual sempre que os atos praticados, mesmo defeituosos, possam ser aproveitados após complementação ou retificação.

A cláusula “se possível” também é oportuna. Haverá defeitos que, por sua mesma natureza, não comportam reparo ou sanação, como nos casos de impossibilidade absoluta do objeto, ma-terial ou jurídica (v.g., reivindicação de terreno na Lua ou declaração de ser o réu escravo do autor). Se a situação concreta comportar qualquer espécie de dúvida, como nas hipóteses de aparente, mas não evidente ilegitimidade, imprecisão do pedido, desconexão entre este e as ale-gações e outros que tais, pesa ao juiz o dever de provocar a manifestação da parte para eventuais esclarecimentos, adendos ou explicações.

Impende lembrar, ainda, que, mesmo proferida a sentença de rejeição na forma do art. 485, ao juiz ainda se confere a faculdade de reconsiderá-la, à vista das razões do recurso que venha a ser interposto (§ 7º do mesmo artigo).

Arts. 316 e 317

Page 145: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

536

Daniela Monteiro Gabbay

Art. 318 - Aplica-se a todas as causas o procedimento comum, salvo disposição em contrário deste Código ou de lei.Parágrafo único - O procedimento comum aplica-se subsidiariamente aos demais procedimentos especiais e ao processo de execução.

AutoraDaniela Monteiro Gabbay

I. Alteração topográfica do artigo

Houve alteração topográfica deste artigo, que estava situado no Livro I (processo de conheci-mento) do CPC/1973 e foi inserido no Livro I da Parte Especial do CPC/2015, que dispõe sobre o processo de conhecimento e o cumprimento da sentença.

A organização dos livros do CPC/2015 passou por algumas mudanças. Enquanto o CPC/1973 estava dividido em cinco livros: processo de conhecimento (Livro I); de execução (Livro II); cautelar (Livro III); procedimentos especiais (Livro IV) e disposições finais e transitórias (Livro V), o CPC/2015 está dividido em partes geral e especial, cada uma composta por diversos livros.

A Parte Geral é composta por seis livros: das normas processuais civis (Livro I); da função jurisdicional (Livro II); dos sujeitos do processo (Livro III); dos atos processuais (Livro IV); da tutela provisória (Livro V); da formação, da suspensão e da extinção do processo (Livro VI). A Parte Especial, por sua vez, é composta por três livros: do processo de conhecimento e do cum-primento de sentença (Livro I); do processo de execução (Livro II); dos processos nos tribunais e dos meios de impugnação das decisões judiciais (Livro III). Há ainda um livro complementar, sobre as disposições finais e transitórias. Deixou de existir um livro específico para cautelares (que passaram a integrar o livro sobre tutela provisória da parte geral do Código) e para proce-dimentos especiais (que passaram a integrar o livro sobre processo de conhecimento da parte especial do Código).

O art. 318 do CPC/2015 corresponde ao art. 271 do CPC/1973, que previa a aplicação do pro-cedimento comum a todas as causas, salvo disposição em contrário do Código ou de lei especial.

II. Procedimento comum e fim da dicotomia entre procedimentos ordinário e sumário

A grande alteração está no que se entende por procedimento comum, pois, enquanto o CPC/1973 previa, em seu art. 272, que o procedimento comum poderia ser ordinário ou sumário, regendo-se este último pelas disposições que lhe eram próprias, o CPC/2015 deixou de dispor sobre o procedimento sumário.

O procedimento sumário estava previsto no CPC/1973 para causas de valor inferior a 60 salá-rios mínimos ou que versassem sobre determinadas matérias, independentemente do valor (como cobrança de quantias devidas ao condomínio, ressarcimento por danos causados em acidente de veículo de via terrestre, cobrança de seguro relativa a danos causados em acidente de veículo, cobrança de honorários de profissionais liberais, dentre outras hipóteses previstas em lei).

Com o procedimento sumário, buscava-se conferir maior celeridade e abreviação ao procedi-mento. Nesse sentido, na petição inicial o autor já deveria apresentar o rol de testemunhas e, se

Page 146: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

537

Daniela Monteiro Gabbay Art. 319

requeresse perícia, os quesitos, podendo já indicar assistente técnico. O juiz, então, citava o réu para audiência de conciliação a ser realizada no prazo de 30 dias.

Não obtida a conciliação, o réu tinha que oferecer, na própria audiência, resposta escrita ou oral, acompanhada de documentos, rol de testemunhas e eventual prova pericial. No procedimen-to sumário também não eram admissíveis ação declaratória incidental e a intervenção de tercei-ros, salvo a assistência, o recurso de terceiro prejudicado e a intervenção fundada em contrato de seguro.

O CPC/1973 previa a possibilidade de conversão do procedimento sumário em ordinário, o que ocorria, por exemplo, quando havia necessidade de instrução do processo com prova técnica de maior complexidade.

Indo no sentido da fungibilidade, o CPC/2015 acabou com a dicotomia entre procedimento ordinário e procedimento sumário, dado que previu apenas um único procedimento comum, que é flexível e pode ser adaptado pelo juiz e pelas partes quando o processo versar sobre direitos que admitam transação (CPC/2015, art. 190).

III. Opção do legislador pela simplificação procedimental

A opção do legislador foi pela simplificação procedimental. Esse procedimento único inspi-rou-se em elementos que existiam no procedimento sumário, como é o caso da previsão de cita-ção para a audiência de conciliação ou de mediação, antes da apresentação de contestação, com o comparecimento obrigatório das partes sob pena de a ausência injustificada ser considerada ato atentatório à dignidade da justiça, com sanção de multa de até 2% da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa (CPC/2015, art. 334, § 8º).

A diferença é que as partes não precisam apresentar a contestação na própria audiência, como no antigo procedimento sumário, pois, de acordo com o CPC/2015, elas têm o prazo de 15 dias para fazê-lo, além de haver a possibilidade de a audiência não ser realizada se ambas as partes manifestarem desinteresse na composição consensual ou se o caso não admitir a autocomposição.

Nas disposições transitórias do CPC/2015, o § 1º do art. 1.046 prevê que as disposições do CPC/1973 relativas ao procedimento sumário e aos procedimentos especiais que forem revoga-das aplicar-se-ão às ações propostas e não sentenciadas até o início da vigência deste Código. Trata-se de regra de transição estipulada pelo legislador, diante da mudança ocorrida no Código.

IV. Aplicação subsidiária do procedimento comum aos demais procedimentos

Quanto ao parágrafo único do art. 318, por fim, manteve-se o entendimento que já existia no CPC/1973 sobre a aplicação subsidiária das disposições do procedimento comum aos demais procedimentos. Assim, o procedimento comum, que passa a ser único e não mais separado em ordinário e sumário, é aplicável aos procedimentos especiais e ao processo de execução naquilo em que não houver regulamentação diversa.

Art. 319 - A petição inicial indicará:I - o juízo a que é dirigida;II - os nomes, os prenomes, o estado civil, a existência de união estável, a profissão, o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica, o endereço eletrônico, o domicílio

Page 147: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

538

Daniela Monteiro Gabbay Art. 319

e a residência do autor e do réu;III - o fato e os fundamentos jurídicos do pedido;IV - o pedido com as suas especificações;V - o valor da causa;VI - as provas com que o autor pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados;VII - a opção do autor pela realização ou não de audiência de conciliação ou de mediação.§ 1º - Caso não disponha das informações previstas no inciso II, poderá o autor, na petição inicial, requerer ao juiz diligências necessárias a sua obtenção.§ 2º - A petição inicial não será indeferida se, a despeito da falta de informações a que se refere o inciso II, for possível a citação do réu.§ 3º - A petição inicial não será indeferida pelo não atendimento ao disposto no inciso II deste artigo se a obtenção de tais informações tornar impossível ou excessivamente oneroso o acesso à justiça.

I. Petição inicial e seus requisitos

A petição inicial é de extrema importância para o processo, ao veicular a demanda do autor e provocar o exercício de jurisdição, permitindo que seja ainda exercido o contraditório com a defesa do réu. Ela deve ser clara, informativa, e seus requisitos precisam ser observados para que a petição inicial seja considerada apta.

Sobre os requisitos da petição inicial, no CPC/2015 houve poucos acréscimos em relação ao que já estava previsto no art. 282 do CPC/1973. As mudanças foram pontuais, conforme descrito a seguir.

II. Indicação do juízo

No inciso I, em vez de se falar que a petição inicial indicará o juiz ou tribunal a que é dirigida, falou-se em termos gerais que se indicará o juízo a que é dirigida, o que engloba o juiz e o tribu-nal, e deve ser feito a partir das regras de competência.

III. Qualificação das partes

No inciso II, sobre a qualificação das partes, o CPC/2015 determinou a indicação da existência de união estável, já considerada como entidade familiar pela Constituição Federal (art. 226, § 3º) e Código Civil (art. 1.723). Outra novidade foi a necessidade de indicação do número do CPF e CNPJ das partes (o que já vinha ocorrendo muitas vezes na prática), além do seu endereço ele-trônico, o que permitirá a comunicação por meio do processo eletrônico. Avançou o CPC/2015, portanto, tendo em vista uma melhor individualização das partes envolvidas.

IV. Diligências judiciais para a obtenção de informações faltantes

Os parágrafos do art. 319 se referem ao inciso II para deixar claro que, caso o autor não dis-ponha de todas as informações previstas, poderá requerer ao juiz as diligências necessárias para a sua obtenção, considerando que a petição inicial não deverá ser indeferida se a obtenção das

Page 148: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

539

Daniela Monteiro Gabbay Art. 320

informações tornar impossível ou excessivamente oneroso o acesso à justiça ou se, a despeito da falta de informações exigidas no inciso II, for possível a citação do réu. Como visto, priorizou-se o acesso à justiça em detrimento do excesso de formalismo.

V. Elementos objetivos da demanda, valor da causa e requerimento de provasOs incisos III, IV, V e VI foram mantidos com a mesma redação já existente no CPC/1973,

tratando dos requisitos da petição inicial referentes à causa de pedir (fática e jurídica), ao pedido, ao valor da causa e às provas com que o autor pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados (protesto genérico de provas). Esses são requisitos importantes para a peça inicial que provoca a jurisdição e fornece ao réu a moldura fática e jurídica da lide em relação à qual o mesmo apresen-tará sua defesa. É em relação a esse objeto, controvertido pela defesa do réu, que decidirá o juiz.

VI. Opção pela audiência de conciliaçãoO inciso VII foi acrescido para determinar que a petição inicial indique a opção do autor pela

realização ou não da audiência de conciliação ou mediação. Essa mudança está em consonância com a designação obrigatória de conciliação ou mediação, a ser realizada antes da abertura do prazo para contestação, a menos que o conflito não admita composição ou quando ambas as par-tes manifestem, expressamente, desinteresse na composição consensual, razão pela qual o autor precisará se posicionar sobre esse tema já na inicial.

De acordo com o disposto no art. 334, § 5º, do CPC/2015, o autor deverá indicar, na petição inicial, seu desinteresse na autocomposição, e o réu deverá fazê-lo, por petição, apresentada com 10 dias de antecedência, contados da data da audiência. Isso significa que, se o autor nada falar na petição inicial sobre o tema, presume-se seu consentimento com a audiência de mediação ou conciliação, que será realizada na forma prevista no art. 334.

VII. Exclusão do requerimento de citaçãoO requerimento para a citação do réu foi excluído do rol de requisitos da petição inicial, tal

como constava no CPC/1973, o que não quer dizer que a mesma não deva ocorrer, dado que a citação continua sendo o ato pelo qual o réu é convocado para integrar a relação processual, sendo indispensável para a validade do processo e ocorrendo na forma prevista nos arts. 238 e seguintes do CPC/2015.

Mesmo sob a égide do CPC/1973, desde que pagas as custas e indicado o endereço do réu, no silêncio do autor sobre o requerimento da citação já se admitia que a mesma seria feita pelos Correios (regra geral), salvo nos casos previstos em lei em que fosse o caso de citação por oficial de justiça (CPC/1973, arts. 222 e 224, mantidos no CPC/2015, arts. 247 e 249).

Art. 320 - A petição inicial será instruída com os documentos indispensáveis à propositura da ação.

I. Documentos indispensáveis

Este dispositivo legal corresponde ao art. 283 do CPC/1973, sendo reproduzido com os mesmos termos.

Deve o autor juntar os documentos indispensáveis para se desincumbir do ônus de provar os fatos constitutivos que alega na inicial e que fundamentam o seu pedido.

Page 149: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

540

Daniela Monteiro Gabbay Art. 320

Fatos novos e relativos a direitos supervenientes não se submetem a essa exigência de instru-ção da inicial. Este artigo deve ser lido em conjunto com o art. 435 do CPC/2015, que considera ser lícito às partes, em qualquer tempo, juntar aos autos documentos novos, quando destinados a fazer prova de fatos ocorridos depois dos articulados ou para contrapô-los aos que foram pro-duzidos nos autos. Nesse sentido, admite-se a juntada posterior de documentos formados após a petição inicial ou a contestação, bem como dos que se tornaram conhecidos, acessíveis ou disponíveis após esses atos, cabendo à parte que os produzir comprovar o motivo que a impediu de juntá-los anteriormente e incumbindo ao juiz, em qualquer caso, avaliar a conduta da parte (CPC/2015, art. 435, parágrafo único).

A efetividade do processo deve ser resguardada e nesse sentido a jurisprudência vem admitindo a juntada de documentos, de cunho comprobatório do direito do autor, em outros momentos do procedimento, como em sede de apelação, respeitado o contraditório e a ampla defesa.

A Primeira Turma do STJ julgou nesse sentido, entendendo que “a juntada de documentos, em fase de apelação, que não se enquadram naqueles indispensáveis à propositura da ação e apresen-tam cunho exclusivamente probatório, com o nítido caráter de esclarecer os eventos narrados, é admitida, desde que garantido o contraditório e ausente qualquer indício de má-fé, sob pena de se sacrificar a apuração dos fatos sem uma razão ponderável” (STJ, 1ª T., REsp nº 1.176.440/RO, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. em 17/9/2013, DJ de 4/10/2013, recurso desprovido, v.u.).

Alguns julgados tentam distinguir documentos indispensáveis de documentos essenciais, es-tes últimos admitidos durante a instrução do processo, sem que precisem acompanhar a petição inicial. Nesse sentido, a 3ª Turma do STJ entendeu que “o art. 283 do Código de Processo Civil não tem o alcance de substituir a prova do fato no momento processual próprio, sendo certo que a prova documental, ao contrário do que pretende a empresa, não se esgota com a petição inicial. De fato, está correto o acórdão recorrido quando assevera que prova indispensável não equivale a documento essencial. Em precedente, a Corte decidiu que: ‘se a ação não requer, para sua pro-positura, como instrução da inicial, documentos ditos indispensáveis pela substância da relação jurídica que se controverte, outros tantos sem essa conotação poderão embasar a convicção do magistrado’.” (STJ, 3ª T., Resp nº 107.109/SP, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. em 28/4/1998, DJ de 3/8/1998, recurso não conhecido, v.u.).

A indispensabilidade dos documentos só pode ser aferida no caso concreto, embora em alguns julgados se tente definir o que se entende por documentos indispensáveis. Nesse sentido, a 4ª Turma do STJ considerou que “[...] indispensáveis à propositura da ação ou fundamentais/es-senciais à defesa são os documentos que dizem respeito às condições da ação ou a pressupostos processuais, bem como os que se vinculam diretamente ao próprio objeto da demanda, como é o caso do contrato para as ações que visam discutir exatamente a existência ou extensão da relação jurídica estabelecida entre as partes” (STJ, 4ª T., REsp nº 1262132/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. em 18/11/2014, DJ de 3/2/2015, recurso provido, v.u.).

Em outro julgado, a 4ª Turma do STJ considerou que “por documentos ‘indispensáveis’, aos quais se refere ao art. 283, CPC, entendem-se: a) os substanciais, a saber, os exigidos por lei; b) os fundamentais, a saber, os que constituem o fundamento da causa de pedir” (STJ, 4ª T., REsp nº 114.052/PB, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. em 15/10/1998, DJ de 14/12/1998, recurso provido, v.u.).

Entendendo o juiz que faltam documentos indispensáveis, deve determinar a emenda da inicial, dando oportunidade ao autor para suprimento da falha, nos termos do artigo a seguir.

Page 150: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

541

Daniela Monteiro Gabbay

Art. 321 - O juiz, ao verificar que a petição inicial não preenche os requisitos dos arts. 319 e 320 ou que apresenta defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento de mérito, determinará que o autor, no prazo de 15 (quinze) dias, a emende ou a complete, indicando com precisão o que deve ser corrigido ou completado.Parágrafo único - Se o autor não cumprir a diligência, o juiz indeferirá a petição inicial.

I. Emenda da inicial: aumento de prazo e indicação do que deve ser corrigido ou completado

Este dispositivo legal corresponde ao art. 284 do CPC/1973, com duas mudanças: (i) o aumen-to do prazo de 10 para 15 dias, para que o autor emende a inicial; e (ii) a determinação de que o magistrado indique com precisão o que deve ser corrigido ou completado via emenda.

A emenda da inicial é um direito do autor e evita o indeferimento da inicial quando é possível sanar o vício, considerando a economia processual e a instrumentalidade de formas. A indicação precisa pelo juiz do vício ou do que deve ser completado na inicial auxiliará o autor a suprir a falha, em nome da efetividade do processo. Assim, a cognição do juiz exercida em relação à admissibilidade da petição inicial deve estar atenta à indicação do que precisa ser corrigido e completado para garantir a higidez do procedimento.

Sobre o prazo para emendar a petição inicial, já estava pacificado no STJ que o mesmo não é peremptório, podendo o magistrado prorrogá-lo a seu critério (nesse sentido, STJ, 3ª T., Resp nº 118.141-PR, Rel. Min. Menezes Direito, j. em 24/3/1998, DJ de 25/5/1998, não conhecimento do recurso, v.u.).

II. Vícios não sanados e indeferimento da inicial

Se, dada oportunidade de sanar os vícios, os mesmos persistirem, a petição inicial deve ser in-deferida (CPC/2015, art. 330, inciso IV). Isso não obsta que seja dada mais de uma oportunidade ao autor de emendar a inicial, desde que não esteja de má-fé.

Art. 322 - O pedido deve ser certo.§ 1º - Compreendem-se no principal os juros legais, a correção monetária e as verbas de sucumbência, inclusive os honorários advocatícios.§ 2º - A interpretação do pedido considerará o conjunto da postulação e observará o princípio da boa-fé.

I. Pedido: conceito

O pedido deve ser certo e determinado (as exceções, em que se admitem pedidos genéricos, estão dispostas no art. 324 a seguir).

O pedido é a forma de o autor transportar o conflito para o processo, decidindo qual parcela do conflito submeterá à cognição do juiz. Doutrinariamente, classifica-se o pedido em pedido

Arts. 321 e 322

Page 151: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

542

Daniela Monteiro Gabbay

imediato (tutela jurisdicional pretendida) e pedido mediato (bem da vida subjacente), que corres-pondem, respectivamente, aos planos processual e substancial da demanda.

Por meio da petição inicial, o autor apresenta o pedido em relação ao qual o réu se defende (res in iudicium deducta). O pedido formulado pelo autor é responsável pela configuração e vei-culação da lide processualizada. Assim, a petição inicial é um projeto de provimento, ao indicar o conteúdo pretendido e os limites em que o exercício do poder jurisdicional será legitimamente exercido, à luz dos princípios da inércia da jurisdição e da demanda.

O réu também pode apresentar pleitos, como acontece com a reconvenção, por exemplo.

II. Pedidos implícitos

O § 1º deste artigo explicita o que já determinava a jurisprudência sobre os pedidos implícitos, considerando que no pedido principal estão compreendidos, além dos juros legais (o que já de-terminava o art. 293 do CPC/1973), a correção monetária e as verbas de sucumbência, inclusive os honorários advocatícios.

A incidência de juros e correção monetária já havia sido objeto de diversas súmulas dos Tribunais Superiores. Nesse sentido, sobre os juros, vide as súmulas do STJ nos 12, 54, 70, 188, 204, 426, 523 e as do STF nos 121, 163, 224, 254, 255, 412, 416. Sobre correção monetária, vide as súmulas do STJ números nos 43, 162, 271, 287, 288, 362 e as do STF nos 561, 562, 617, 638, 681, 682, 725.

Quanto aos honorários de sucumbência, embora desde a vigência do CPC/1939 já houvesse súmula do STF no sentido de ser dispensável pedido expresso para condenação do réu em ho-norários (Súmula nº 256), o CPC/2015 veio deixar claro que as verbas sucumbenciais, inclusive os honorários advocatícios, compreendem-se no pedido principal, sendo consideradas de forma implícita. Já havia também julgados do STJ nesse mesmo sentido, determinando que a conde-nação em honorários advocatícios, decorrentes da sucumbência, é impositiva (STJ, 1ª T., REsp nº 90395/SP, Rel. Min. Milton Luiz Pereira, j. em 20/3/1997, DJ de 28/4/1997, recurso provido, v.u.).

III. Interpretação do pedido

O § 2º do art. 322 do CPC/2015, por sua vez, determina que a interpretação do pedido deve levar em conta o conjunto da postulação e observar o princípio da boa-fé, como parâmetro in-terpretativo. Não há mais no CPC/2015 a previsão de que os pedidos devam ser interpretados restritivamente (CPC/1973, art. 293), devendo a sua interpretação se pautar em parâmetros mais amplos.

Isso não quer dizer que a regra da correlação da sentença ao pedido e o princípio dispositivo não devam ser observados, dado que eles refletem a garantia do contraditório. Assim, o autor decide o que leva da lide para a petição inicial, deduzindo seus pedidos em relação aos quais o réu se defenderá e o juiz decidirá. Isso está nos arts. 141 e 492 do CPC/2015, que replicam o que já estava disposto no CPC/1973. O art. 141 determina que “o juiz decidirá o mérito nos limites propostos pelas partes, sendo-lhe vedado conhecer de questões não suscitadas a cujo respeito a lei exige iniciativa da parte” e o art. 492, por sua vez, dispõe que “é vedado ao juiz proferir de-cisão de natureza diversa da pedida, bem como condenar a parte em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado”.

Art. 322

Page 152: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

543

Daniela Monteiro Gabbay

Art. 323 - Na ação que tiver por objeto cumprimento de obrigação em prestações sucessivas, essas serão consideradas incluídas no pedido, independentemente de declaração expressa do autor, e serão incluídas na condenação, enquanto durar a obrigação, se o devedor, no curso do processo, deixar de pagá-las ou de consigná-las.

I. Pedido para cumprimento de obrigação em prestações sucessivas

Este dispositivo legal replica o disposto no art. 290 do CPC/1973, com pequenas adaptações na redação, referindo-se a obrigações sucessivas em vez de periódicas, como mencionava o CPC/1973. Trata-se de mais uma hipótese de pedido implícito também contemplada no texto do CPC/2015.

Nesse caso, enquanto durar a obrigação, as prestações sucessivas que vencerão no curso do procedimento serão consideradas incluídas no pedido, independentemente de pedido expresso do autor, e serão incluídas na condenação se o devedor deixar de pagá-las ou de consigná-las. Trata-se de obrigações decorrentes da mesma relação jurídica sub judice, não havendo razão para não se admitir tal pedido, ainda que implicitamente considerado.

II. Valor da causa

Quanto ao valor da causa, os §§ 1º e 2º do art. 292 do CPC/2015 determinam que, quando se pedirem prestações vencidas e vincendas, considerar-se-á o valor de umas e outras. O valor das prestações vincendas será igual a uma prestação anual, se a obrigação for por tempo indetermi-nado ou por tempo superior a um ano, e, se por tempo inferior, será igual à soma das prestações.

Art. 324 - O pedido deve ser determinado.§ 1º - É lícito, porém, formular pedido genérico:I - nas ações universais, se o autor não puder individuar os bens demandados;II - quando não for possível determinar, desde logo, as consequências do ato ou do fato;III - quando a determinação do objeto ou do valor da condenação depender de ato que deva ser praticado pelo réu.§ 2º - O disposto neste artigo aplica-se à reconvenção.

I. Pedido determinado e pedido genérico

Este dispositivo legal replica o disposto no art. 286 do CPC/1973. A novidade está na expressa menção de sua aplicação à reconvenção, ato postulatório do réu.

O pedido genérico, portanto, continua sendo excepcional, nas hipóteses previstas em lei: (i) ações universais, como nas de petição de herança em que o autor não consegue individuar os bens demandados; (ii) quando não é possível determinar desde logo as consequências do ato ou fato, quantificando o dano, o que se dá, por exemplo, nas ações coletivas para a defesa de inte-

Arts. 323 e 324

Page 153: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

544

Daniela Monteiro Gabbay

resses individuais homogêneos, que admitem pedido e sentença genérica sujeita à posterior liquidação, e em alguns casos de pedidos de danos morais; e (iii) quando a determinação do objeto ou do valor da condenação depender de ato que deva ser praticado pelo réu, o que ocor-re, por exemplo, na ação de exigir contas, pois a decisão depende das contas que vierem a ser prestadas pelo réu.

Art. 325 - O pedido será alternativo quando, pela natureza da obrigação, o devedor puder cumprir a prestação de mais de um modo.Parágrafo único - Quando, pela lei ou pelo contrato, a escolha couber ao devedor, o juiz lhe assegurará o direito de cumprir a prestação de um ou de outro modo, ainda que o autor não tenha formulado pedido alternativo.

I. Pedidos alternativos

Este dispositivo legal replica o disposto no art. 288 do CPC/1973, sem nenhuma diferença, prevendo a possibilidade de se apresentar pedido alternativo que se refere no âmbito do direito material à obrigação alternativa do devedor. Quando, pela lei ou no contrato, a escolha couber ao devedor, isso deve ser garantido pelo juiz mesmo quando o autor não tiver formulado pedido alternativo.

Art. 326 - É lícito formular mais de um pedido em ordem subsidiária, a fim de que o juiz conheça do posterior, quando não acolher o anterior.Parágrafo único - É lícito formular mais de um pedido, alternativamente, para que o juiz acolha um deles.

I. Pedidos subsidiários

Este artigo corresponde ao art. 289 do CPC/1973, que falava em pedidos deduzidos em ordem sucessiva. A substituição do termo sucessivo por subsidiária é tecnicamente correta, pois o juiz só conhece do pedido posterior quando não acolhe o anterior (relação de subsidiariedade). Um exemplo clássico desse pedido é o de tutela específica (para cumprimento de obrigação de não fazer, por exemplo), que, se não for possível de ser obtida, converte-se em perdas e danos.

II. Diferença entre pedidos alternativos e subsidiários

O parágrafo único trata de pedido alternativo, permitindo que a parte formule mais de um pedido para que o juiz acolha um deles. Pedidos alternativos não são a mesma coisa que pedidos subsidiários, pois nos primeiros há uma alternância entre os pedidos que não se confunde com a ordem de preferência existente nos pedidos subsidiários, em que o posterior só será analisado na eventualidade de o primeiro não ser acolhido.

Havendo pedidos alternativos e subsidiários em um único processo, apenas um deles será considerado pelo juiz, diferentemente do que ocorre com a cumulação de pedidos, tema que é abordado no artigo seguinte, em que os pedidos são considerados simultaneamente.

Arts. 325 e 326

Page 154: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

545

Daniela Monteiro Gabbay

Uma vez acolhido o pedido subsidiário, o autor tem interesse de recorrer em relação ao pedido principal, dado que era sua primeira opção de pedido. Importante destacar também que o pedido subsidiário que não for apreciado pelo juiz – no caso de ter acolhido o pedido principal – é devol-vido ao tribunal com a apelação interposta pelo réu, de forma que o juízo ad quem pode acolher o pedido subsidiário, sem que isso seja considerado reformatio in pejus.

III. Valor da causa

Sobre o valor da causa, o art. 292 do CPC/2015 determina que, na ação em que os pedidos são alternativos, o valor da causa será o do pedido de maior valor e, na ação em que houver pedido subsidiário, o valor da causa será o do pedido principal.

Art. 327 - É lícita a cumulação, em um único processo, contra o mesmo réu, de vários pedidos, ainda que entre eles não haja conexão.§ 1º - São requisitos de admissibilidade da cumulação que:I - os pedidos sejam compatíveis entre si;II - seja competente para conhecer deles o mesmo juízo;III - seja adequado para todos os pedidos o tipo de procedimento.§ 2º - Quando, para cada pedido, corresponder tipo diverso de procedimento, será admitida a cumulação se o autor empregar o procedimento comum, sem prejuízo do emprego das técnicas processuais diferenciadas previstas nos procedimentos especiais a que se sujeitam um ou mais pedidos cumulados, que não forem incompatíveis com as disposições sobre o procedimento comum.§ 3º - O inciso I do § 1º não se aplica às cumulações de pedidos de que trata o art. 326.

I. Cumulação de pedidos: requisitos

Este dispositivo legal replica o disposto no art. 292 do CPC/1973, com alguns pequenos acréscimos. Trata dos requisitos de admissibilidade para a cumulação de pedidos em um único processo, em atenção aos princípios da economia e efetividade do processo.

Não é preciso que haja conexão para a cumulação de pedidos, que depende de três requisitos: (i) compatibilidade dos pedidos; (ii) identidade de competência do juízo para os pedidos que estão sendo cumulados e (iii) adequação do procedimento.

II. Adequação de procedimento

Sobre a adequação do procedimento, importante relembrar que não há mais a dicotomia entre procedimento sumário e ordinário no CPC/2015, havendo um procedimento comum único, que se aplica subsidiariamente aos procedimentos especiais e ao processo de execução. O § 2º do art. 327 previu que, quando, para cada pedido, corresponder tipo diverso de procedimento, será admitida a cumulação sob o procedimento comum, sem prejuízo do emprego das técnicas proces-suais diferenciadas previstas nos procedimentos especiais a que se sujeitam um ou mais pedidos cumulados, que não forem incompatíveis com as disposições sobre o procedimento.

Art. 327

Page 155: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

546

Daniela Monteiro Gabbay

III. Compatibilidade e pedidos alternativos e subsidiários

O § 3º do art. 327 deixa claro que a compatibilidade entre os pedidos é um requisito de ad-missibilidade da cumulação que não se aplica aos pedidos subsidiários e alternativos, que não precisam ser compatíveis porque não são simultâneos, aplicando-se a eles apenas os demais requisitos de admissibilidade.

IV. Valor da causa

Sobre o valor da causa, na ação em que há cumulação de pedidos, o valor deve ser correspon-dente à soma da quantia de todos eles (CPC/2015, art. 292, inciso VI).

Art. 328 - Na obrigação indivisível com pluralidade de credores, aquele que não participou do processo receberá sua parte, deduzidas as despesas na proporção de seu crédito.

I. Obrigação indivisível com pluralidade de credoresEste dispositivo legal replica o disposto no art. 291 do CPC/1973, sem qualquer mudança. Na

obrigação indivisível, havendo uma pluralidade de credores, estipula o Código Civil brasileiro que poderá cada um deles individualmente exigir a dívida inteira (CC, art. 260), dada a sua na-tureza indivisível. Se um só dos credores receber a prestação por inteiro, a cada um dos outros assistirá o direito de exigir dele em dinheiro a parte que lhe caiba no total (CC, art. 261). Indo no sentido do que dispõe o direito material, o art. 328 do CPC/2015 determina que aquele credor que não participou do processo receberá a sua parte, deduzidas as despesas na proporção de seu crédito. Nesse caso, não há litisconsórcio necessário entre os credores, e a decisão deve ser uni-forme para todos eles.

Art. 329 - O autor poderá:I - até a citação, aditar ou alterar o pedido ou a causa de pedir, independentemente de consentimento do réu;II - até o saneamento do processo, aditar ou alterar o pedido e a causa de pedir, com consentimento do réu, assegurado o contraditório mediante a possibilidade de manifestação deste no prazo mínimo de 15 (quinze) dias, facultado o requerimento de prova suplementar.Parágrafo único - Aplica-se o disposto neste artigo à reconvenção e à respectiva causa de pedir.

I. Alteração do pedido e causa de pedir e estabilização da demanda

Sobre a possibilidade de alteração do pedido e causa de pedir, manteve-se no CPC/2015 a possibilidade de o autor alterar ou aditar os elementos objetivos da demanda, antes da citação, in-dependentemente do consentimento do réu. Essa regra estava prevista no art. 264 do CPC/1973, que também exigia a manutenção das partes originariamente indicadas, o que não mais se requer

Arts. 328 e 329

Page 156: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

547

Daniela Monteiro Gabbay

no CPC/2015. A modificação do pedido e causa de pedir não traz nenhum prejuízo ao réu, pois é apenas com a citação que o mesmo passa a integrar a relação processual. Antes da citação, portanto, qualquer alteração nos elementos objetivos da demanda pode ser feita pelo autor sem autorização do réu.

Depois da citação, tendo o réu integrado a relação processual, a modificação do pedido e causa de pedir depende de seu consentimento, assegurado ainda o contraditório mediante a possibili-dade de manifestação do réu no prazo mínimo de 15 dias, facultado o requerimento de prova suplementar.

Após o saneamento, não é possível a alteração do pedido e causa de pedir, mesmo com o consentimento do réu. Isso porque a demanda precisa se estabilizar para que haja celeridade e o trânsito entre as fases do procedimento. Não há como passar para a fase instrutória e decisória sem se saber qual é a controvérsia a decidir, e é por isso que as partes não podem modificá-la a qualquer momento. O termo final para que isso ocorra é o saneamento, com o término da fase postulatória.

O parágrafo único do art. 329 deixou claro que este dispositivo se aplica à reconvenção e à respectiva causa de pedir, o que faz todo sentido, dado que trata de pleitos apresentados pelo réu.

Art. 330 - A petição inicial será indeferida quando:I - for inepta;II - a parte for manifestamente ilegítima;III - o autor carecer de interesse processual;IV - não atendidas as prescrições dos arts. 106 e 321.§ 1º - Considera-se inepta a petição inicial quando:I - lhe faltar pedido ou causa de pedir;II - o pedido for indeterminado, ressalvadas as hipóteses legais em que se permite o pedido genérico;III - da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão;IV - contiver pedidos incompatíveis entre si.§ 2º - Nas ações que tenham por objeto a revisão de obrigação decorrente de empréstimo, de financiamento ou de alienação de bens, o autor terá de, sob pena de inépcia, discriminar na petição inicial, dentre as obrigações contratuais, aquelas que pretende controverter, além de quantificar o valor incontroverso do débito.§ 3º - Na hipótese do § 2º, o valor incontroverso deverá continuar a ser pago no tempo e modo contratados.

I. Hipóteses de indeferimento da petição inicial

O presente artigo trata das hipóteses de indeferimento da petição inicial (rol taxativo), repli-cando em grande parte o que já estava previsto sobre o tema no art. 295 do CPC/1973. Trata-se de um juízo de admissibilidade da petição inicial, essencial para que o juiz dê impulso à fase

Art. 330

Page 157: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

548

Daniela Monteiro Gabbay

seguinte do procedimento, determinando a citação do réu para audiência de mediação ou conci-liação (art. 334 do CPC/2015), caso a petição inicial preencha os requisitos essenciais e não seja o caso de improcedência liminar do pedido.

Assim, no CPC/2015 foram mantidas as hipóteses de indeferimento da petição inicial nos ca-sos de inépcia, ausência das condições da ação (apenas da legitimidade das partes e interesse de agir, dado que a possibilidade jurídica do pedido passou a integrar juízo de mérito) e dos requisi-tos da petição inicial, quando as partes não realizam a sua emenda para corrigir as irregularidades e vícios, assim como na ausência de indicação pelo advogado do endereço para o recebimento de intimações (o CPC/2015 especifica que, além do endereço, deve o advogado declarar, na petição inicial ou na contestação, seu número de inscrição na OAB e o nome da sociedade de advogados da qual participa). Trata-se de matérias de ordem pública, que poderiam ser suscitadas ou anali-sadas posteriormente, dando ensejo à resolução do processo sem julgamento do mérito.

A mudança principal em relação ao indeferimento da petição inicial se deu no que tange à supressão de dois incisos que estavam antes previstos no art. 295 do CPC/1973, um referente à decadência e prescrição e outro à inadequação do procedimento. Além disso, foram acrescidos dois parágrafos no art. 330 do CPC/2015 referentes às ações de revisão de obrigação decorrente de empréstimo, de financiamento ou de alienação de bens e modificadas algumas hipóteses de inépcia da inicial, tal como será comentado a seguir.

Ressalte-se que o indeferimento da petição inicial só deve ocorrer quando não for possível corrigir os vícios e irregularidades, mediante emenda à inicial (art. 321 do CPC/2015), em fun-ção dos princípios da instrumentalidade e efetividade do processo.

A decisão de deferimento da petição inicial tem natureza de decisão interlocutória.

II. Inépcia da petição inicial

A petição inicial deve ser indeferida no caso de inépcia, ou seja, quando não for considerada apta a ser processada, o que se verifica quando (i) lhe faltar pedido ou causa de pedir; (ii) o pedi-do for indeterminado, ressalvadas as hipóteses legais em que se permite o pedido genérico; (iii) da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão; (iv) contiver pedidos incompatíveis entre si.

De novidade em relação ao que já estava previsto no CPC/1973 está a supressão da hipótese de pedido juridicamente impossível (que foi alçado a mérito e não mais a requisito de admissi-bilidade da ação) e a previsão de inépcia na hipótese de pedido indeterminado, ressalvadas as hipóteses legais em que se permite o pedido genérico (cf. art. 324, § 1º, do CPC/2015).

Assim, mantém-se a inépcia nos casos em que a falta ou os defeitos dos elementos objetivos da demanda (pedido e causa de pedir) inviabilizam tanto a prestação jurisdicional adequada quanto o exercício do direito de defesa pelo réu.

III. Supressão da decadência e prescrição do rol de hipóteses de indeferimento da petição inicial

Essa supressão decorre do reconhecimento pelo legislador de que a prescrição e decadência não constituem hipóteses de juízo de admissibilidade da demanda, e sim questões de julgamento do mérito. É por essa razão que ambas estão previstas no art. 487, inciso II, do CPC/2015, que prevê que haverá resolução de mérito quando o juiz decidir, de ofício ou a requerimento das partes, sobre a ocorrência de decadência ou prescrição.

Art. 330

Page 158: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

549

Daniela Monteiro Gabbay

IV. Supressão da inadequação do procedimento do rol de hipóteses de indeferimento da petição inicial

A supressão da inadequação procedimental vai no sentido da fungibilidade e simplificação procedimental adotadas pelo legislador, que acabou com a dicotomia entre procedimento ordi-nário e procedimento sumário, dado que previu apenas um único procedimento comum, que é flexível e pode ser adaptado pelo juiz e pelas partes quando o processo versar sobre direitos que admitam transação.

Esse procedimento único inspirou-se em elementos que existiam no procedimento sumário, como é o caso da previsão de citação para a audiência de conciliação ou de mediação, antes da apresentação de contestação, mantendo-se ainda no CPC/2015 os procedimentos especiais, com algumas adaptações.

V. Ações de revisão de obrigação decorrente de empréstimo, de financiamento ou de alie-nação de bens

O § 2º do art. 330 do CPC determina que, nas ações que tenham por objeto a revisão de obri-gação decorrente de empréstimo, de financiamento ou de alienação de bens, o autor terá de dis-criminar na petição inicial, dentre as obrigações contratuais, aquelas que pretende controverter, além de quantificar o valor incontroverso do débito, sob pena de indeferimento por inépcia.

Trata-se de uma novidade, e o seu efeito prático está justamente no parágrafo seguinte, que determina que o valor incontroverso deverá continuar a ser pago no tempo e modo contratados, razão pela qual deverão ser especificadas nestas demandas as matérias controvertidas e as incon-troversas. Essa determinação legal pode, contudo, onerar demasiadamente o consumidor e criar dificuldades ao seu acesso ao Judiciário.

Art. 331 - Indeferida a petição inicial, o autor poderá apelar, facultado ao juiz, no prazo de 5 (cinco) dias, retratar-se.§ 1º - Se não houver retratação, o juiz mandará citar o réu para responder ao recurso.§ 2º - Sendo a sentença reformada pelo tribunal, o prazo para a contestação começará a correr da intimação do retorno dos autos, observado o disposto no art. 334.§ 3º - Não interposta a apelação, o réu será intimado do trânsito em julgado da sentença.

I. Alteração do prazo para retração do juiz

A decisão de indeferimento da petição inicial é suscetível de apelação, tal como já era previsto no CPC/1973, mas o prazo para retratação do juiz a fim de reformar sua própria decisão aumen-tou de 48 horas para 5 dias, o que se revela razoável para análise dos fundamentos do recurso do autor pelo juiz.

II. Procedimento para apelação da sentença de indeferimento da petição inicial

Houve algumas alterações no procedimento para apelação da sentença de indeferimento da inicial. Primeiramente, está especificada pelo § 1º do art. 331 do CPC/2015 a necessidade de

Art. 331

Page 159: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

550

Daniela Monteiro Gabbay

citação do réu para responder ao recurso, se não houver retratação do juiz, não havendo mais a remessa dos autos ao tribunal sem a citação prévia e sem a participação do réu, como previsto no art. 296, parágrafo único, do CPC/1973.

Sendo citado o réu para responder ao recurso, a relação jurídico-processual se formará e o mesmo participará do contraditório, de forma que se vinculará em relação ao que for julgado pelo tribunal em sede de apelação.

Se a sentença de indeferimento da petição inicial for reformada pelo tribunal, estabelece o § 2º do art. 331 que o prazo para a contestação começará a correr da intimação do retorno dos autos, observado o disposto no art. 334 em relação à designação de audiência de mediação ou conciliação.

Por outro lado, caso o autor não apresente apelação, o réu será intimado do trânsito em julgado da sentença, dispensando-se a citação.

Art. 331

Page 160: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

551

Oreste Nestor Souza Laspro

Art. 332 - Nas causas que dispensem a fase instrutória, o juiz, independentemente da citação do réu, julgará liminarmente improcedente o pedido que contrariar:I - enunciado de súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça;II - acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;III - entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;IV - enunciado de súmula de tribunal de justiça sobre direito local;§ 1º - O juiz também poderá julgar liminarmente improcedente o pedido se verificar, desde logo, a ocorrência de decadência ou de prescrição.§ 2º - Não interposta a apelação, o réu será intimado do trânsito em julgado da sentença, nos termos do art. 241.§ 3º - Interposta a apelação, o juiz poderá retratar-se em 5 (cinco) dias.§ 4º - Se houver retratação o juiz determinará o prosseguimento do processo com a citação do réu, e, se não houver retratação, determinará a citação do réu para apresentar contrarrazões, no prazo de 15 (quinze) dias.

AutorOreste Nestor Souza Laspro

I. Objetivo da norma

O art. 332 do CPC/2015, na esteira do art. 285-A do CPC/1973, tem como objetivo acelerar o julgamento das demandas de modo a evitar os custos de um processo quando de antemão o julgador vislumbra desfecho contrário ao autor. Trata-se daquilo que a doutrina convencionou denominar julgamento antecipadíssimo da lide, vez que ocorre um julgamento de mérito a favor do réu, sem que nem sequer tenha sido citado. O objetivo da norma está lastreado no pragmatis-mo da utilidade do processo. Assim, não teria sentido determinar o processamento da demanda, com a citação do réu, se o julgador, da análise dos fatos e fundamentos e do pedido, extrai desde logo sua improcedência. Evita-se, desta forma, o desperdício financeiro e de tempo do Estado e das partes. É interessante destacar que, embora a norma anterior e a nova tenham como objetivo acelerar o julgamento de demandas repetitivas, entre as duas normas há uma flagrante alteração do fundamento político. Com efeito, no CPC/1973, o julgamento liminar de improcedência po-dia ocorrer caso o juízo já tivesse se pronunciado sobre demanda idêntica. Assim, a base para o julgamento liminar de improcedência era a preservação do convencimento do juízo a respeito de determinado tema, destacando a inutilidade do processamento de uma demanda, quando o órgão julgador já possui entendimento consolidado a respeito do tema. O fundamento era a existência de precedente, mas do próprio juízo. No CPC/2015, esse convencimento do juízo é descartado e substituído pelo entendimento dos Tribunais a respeito da matéria. Ou seja, a ideia de julgar

Page 161: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

552

Oreste Nestor Souza Laspro

de plano processos tidos como inúteis passa a ser lastreada não no entendimento do juízo que processa a demanda, mas sim dos Tribunais, destacando, portanto, o papel nomofilácico destes.

II. Julgamento liminar de improcedência e garantias constitucionais do processo

Questão já trazida a debate no precursor art. 285-A do CPC/1973 é a eventual inconstitu-cionalidade do dispositivo por violar as garantias do devido processo legal, da igualdade e do contraditório. Assim, do mesmo modo do seu antecessor, acredita-se que este artigo também será objeto de críticas e de afirmações no sentido da sua inconstitucionalidade. Entendemos que não exista essa violação, ainda que o mérito esteja sendo decidido sem nem sequer o réu ter sido citado (vale destacar que, independentemente da alteração havida no CPC/1973, com a introdução do art. 285-A, já estava previsto desde o seu nascedouro o indeferimento da inicial com fundamento na decadência e na prescrição – inciso IV do art. 295 do CPC/1973 – sendo a doutrina uníssona no sentido de que se tratava de um julgamento de mérito). Ou seja, a técnica processual já existia, tendo somente sido ampliada pelo art. 285-A do CPC/1973. O fundamental é que a citação tem por objetivo dar ciência da demanda ao réu e oportunidade de defesa. Assim, como o dispositivo somente prevê a possibilidade de o juiz julgar improcedente a demanda, não vislumbramos nenhuma espécie de prejuízo ao réu a despeito de não lhe ter sido dada a garantia do contraditório. Diferente, por óbvio, seria a hipótese se a lei permitisse ao julgador prolatar uma sentença de procedência sem nem sequer citar o réu. De igual modo, não vislumbramos o argumento de que o autor teria qualquer garantia constitucional violada. Não nos convence a tese de que o julgamento de improcedência liminar violaria o direito à conciliação e o direito do autor de ver reconhecido o pedido pelo réu. De fato, o sistema processual cada vez mais desta-ca a conciliação e a mediação como mecanismos de solução do conflito. Todavia, entendemos que, embora relevantes para a solução de conflitos, são mecanismos subsidiários que não se sobrepõem à solução jurisdicional. Destarte, ainda que o CPC/2015 tenha elevado a conciliação e a mediação à condição de fases obrigatórias do processo, isto não afasta a possibilidade de o sistema processual prever hipóteses em que a solução do litígio possa ocorrer de outras formas e sem que a fase de conciliação e mediação sejam atingidas. Acreditamos que, nesta hipótese, deve se sobrepor a garantia, esta sim constitucional, a um processo breve (art. 5º, inciso LXXVIII, da CF). De igual modo, não nos parece que a raríssima possibilidade de o réu reconhecer o pedido (quiçá seja mais provável achar um rinoceronte de Java no seu hábitat natural) constitua um di-reito do autor que impeça o Estado de liminarmente julgar improcedente uma demanda, a partir de técnica processual existente desde o nascedouro do CPC/1973.

III. Limitações a sua utilização

O CPC/2015, na linha do CPC/1973, também limitou as hipóteses em que o juiz pode se valer dessa técnica processual de aceleração de solução do conflito. Essa limitação tem o fim confesso de somente permitir sua utilização em casos que, segundo a legislação, existe uma inconteste possibilidade de a demanda, após a citação do réu, ser julgada improcedente. Não há dúvida de que se trata de meio excepcional e que deve ser utilizado com extrema prudência, razão pela qual os seus requisitos e hipóteses devem ser interpretados de forma não extensiva.

IV. Discricionariedade do magistrado

Dentre as questões polêmicas em torno do art. 332 do CPC/2015, destaca-se a natureza do poder dado ao magistrado de julgar liminarmente improcedente a demanda, ou seja, se se trata de um dever do magistrado ou uma prerrogativa, verdadeira faculdade. Parte da doutrina defen-de a discricionariedade do juiz, na medida em que o dispositivo em comento não traz nenhuma

Art. 332

Page 162: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

553

Oreste Nestor Souza Laspro

consequência se o magistrado deixar de atender ao quanto exposto. Em contrapartida, outros doutrinadores defendem que ao juiz não é dada a liberdade de aplicar ou não a norma processual, quando o caso concreto nela se enquadra. Para estes últimos a discricionariedade do juiz violaria a garantia constitucional da igualdade. Se fizermos uma interpretação histórica do dispositivo, a corrente defensora da obrigatoriedade ganha força. Explico. O art. 285-A do CPC/1973 afirma que o juiz “poderá” julgar liminarmente improcedente a demanda, dando a entender que se trata de mera possibilidade. Já o art. 332 do CPC/2015 afirma que “julgará”, dando a entender que a norma é imperativa. Apesar dessa alteração na redação, ainda assim entendemos que a primeira corrente, que defende a facultatividade, é a mais correta. Com efeito, salvo a hipótese de súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal, todas as demais hipóteses descritas no dispositivo legal não obrigam a instância inferior a seguir a tese do tribunal superior. Assim, da mesma forma, por exemplo, que o juiz de primeiro grau não é obrigado, no decorrer do processo, a se submeter à tese declarada no julgamento de recurso repetitivo, não deve sê-lo quando do recebimento da inicial. Com o máximo respeito, podemos até afirmar que há uma tendência a tornar tais decisões obrigatórias, mas a concretização definitiva desse posicionamento dependeria de modificação do texto constitucional a ampliar as hipóteses de decisões vinculantes. Entretanto, vale destacar que a discricionariedade não subsiste, no nosso entender, se o caso concreto se enquadrar em hipóte-se de súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal.

V. Causas que dispensem fase instrutória

O julgamento liminar de improcedência, sem a citação do réu, é permitido desde que a causa dispense fase instrutória. A rigor, como o réu ainda não foi citado, e, portanto, não há contesta-ção, no sentido literal da norma, a possibilidade de julgamento liminar de improcedência somen-te seria possível nas demandas que pela sua natureza exigem prova exclusivamente documental que acompanha a inicial. Todavia, não é este o seu real sentido. Na verdade o que a lei pressupõe, como requisito para o julgamento liminar de improcedência, é que ainda que o juiz considere verdadeiros os fatos descritos pelo autor, a demanda deva ser julgada improcedente em razão do seu enquadramento em qualquer dos incisos do art. 382. Assim, não se trata de aferir se os fatos estão ou não provados nem de que forma o seriam, mas sim analisar quais seriam as consequên-cias do quanto afirmado pelo próprio autor. Em última análise, mesmo que os fatos sejam verda-deiros, a consequência jurídica não beneficia o autor, mas, ao contrário, conduz à improcedência da demanda.

VI. Hipóteses

O art. 332 do CPC/2015 traz as hipóteses em que o juiz pode julgar liminarmente improceden-te a demanda. Ao contrário do art. 285-A do CPC/1973, que permitia esse julgamento quando “no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos”, o art. 332 do CPC/2015 descartou o precedente do próprio juízo como fundamento para a improcedên-cia liminar. Ao invés, prestigiou os precedentes judiciais dos Tribunais, e não do próprio órgão julgador, além das hipóteses de prescrição e decadência (outrora, tratadas como indeferimento da petição inicial, embora com julgamento de mérito). É importante destacar que, apesar de o dispositivo trazer quatro incisos, na verdade se trata de seis hipóteses, vez que o inciso III traz duas hipóteses distintas e o § 1º elenca uma sexta hipótese.

1. Enunciado de súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça

Súmulas nada mais refletem do que a síntese do entendimento de um Tribunal a respeito de determinada questão jurídica controvertida, extraída a partir de reiteradas decisões daquele

Art. 332

Page 163: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

554

Oreste Nestor Souza Laspro

Tribunal em um determinado sentido. A súmula não traz a fundamentação da decisão, mas so-mente a conclusão sintética. Por essa razão, é importante para o julgador verificar se, de fato, determinada súmula é aplicável ao caso concreto, evitando dar a ela extensão além daquela buscada pelo próprio Tribunal que a editou. De acordo com a redação desta norma, o juiz deve liminarmente julgar improcedente uma demanda caso entenda que a pretensão do autor esbarra em determinada súmula. Além disso, o dispositivo não faz distinção entre as súmulas vinculantes e não vinculantes do Supremo Tribunal Federal, razão pela qual não cabe ao intérprete fazer essa distinção. Importante também ressaltar que o dispositivo limitou a aplicação das súmulas neste caso somente àquelas oriundas do Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça, ex-cluindo dessa maneira eventuais enunciados de tribunais de justiça estaduais, salvo se tratar de direito local, e de tribunais regionais federais. Conforme já afirmado anteriormente, entendemos que o dispositivo legal em comento traz uma faculdade ao julgador, que pode optar por processar a demanda ainda que o caso concreto se enquadre nas hipóteses descritas. Essa faculdade, toda-via, não persiste em se tratando de súmula vinculante, caso em que cessa a discricionariedade, devendo o juízo liminarmente julgar improcedente a demanda.

2. Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Jus-tiça em julgamento de recursos repetitivos

O julgamento de recursos especial e extraordinário repetitivos está regulado pelos arts. 1.036 e seguintes do CPC/2015. A inserção desta hipótese dentre aquelas que admitem o julgamento liminar de improcedência nada mais é do que mais uma afirmação da importância dos preceden-tes judiciais mormente dos Tribunais Superiores. Com efeito, o art. 1.040 estabelece que a tese fixada no acórdão prolatado em recurso repetitivo deve ser adotada quando do julgamento dos processos suspensos em primeiro ou segundo grau. Ora, se o CPC/2015 determina a aplicação da tese adotada no recurso repetitivo aos processos em andamento por uma questão lógica e até de coerência do sistema, a mesma solução deve ser dada quando o juízo se depara com uma de-manda recém-proposta e que é contrária à tese fixada por tribunal superior. É importante destacar que a redação da norma, em um sentido literal, é no sentido de que a aplicação da tese firmada pelo tribunal superior seria compulsória. Todavia, tal interpretação, salvo melhor juízo, levaria à inconstitucionalidade do dispositivo à míngua de dispositivo constitucional tornando tal decisão vinculante. Aliás, não é por outra razão que o inciso II do art. 1.040 do CPC/2015 determina novo julgamento do recurso cujo julgamento foi contrário à tese declarada no tribunal superior e, em caso de manutenção (portanto, admitindo que se julgue contra o entendimento do tribunal superior), os recursos especial ou extraordinário serão processados, consoante o art. 1.041 do CPC/2015.

3. Entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de as-sunção de competência

O entendimento firmado em incidente de resolução repetitiva é regulado pelos arts. 976 e seguintes do CPC/2015. Neste caso o tribunal também firmará uma tese jurídica, razão pela qual esse precedente poderá ser utilizado pelo juízo para liminarmente julgar improcedente a demanda. Já a assunção de competência é regulamentada pelo art. 947 do CPC/2015. Em rela-ção ao julgamento em assunção de competência como fundamento da improcedência liminar, é interessante destacar um certo contrassenso da norma processual, vez que um dos requisitos para assunção é que não haja múltiplos processos. De qualquer modo, desde que a tese firmada pelo tribunal seja contrária ao fundamento trazido pelo autor na demanda, pode o juízo invocar o precedente para julgar liminarmente improcedente a demanda.

Art. 332

Page 164: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

555

Oreste Nestor Souza Laspro

4. Enunciado de súmula de tribunal de justiça sobre direito localNesta hipótese o CPC/2015 prevê o julgamento liminar de improcedência a partir da existência

de tese sumulada por tribunal de justiça estadual ou distrital desde que tenha por objeto direito local. De fato, os tribunais de justiça, no âmbito de sua competência, podem editar súmulas inclu-sive sobre legislação federal. Apesar disso, o dispositivo exclui a possibilidade de improcedência liminar nesta hipótese. Desta maneira, preservou o papel unificador da jurisprudência dos Tribunais Superiores, evitando o risco de violação da igualdade. De qualquer modo, é flagrante a contradição da legislação. Com efeito, nas duas hipóteses descritas no inciso anterior, o tribunal de justiça, para julgar o incidente de resolução de demandas repetitivas e de assunção de competência, pode evi-dentemente interpretar a lei federal e a constituição. Ou seja, o CPC/2015 admite que o juízo julgue liminarmente improcedente a demanda nesses dois casos, ainda que a tese jurídica envolva lei não local, mas, no caso de súmula, limita essa possibilidade à lei local.

5. Decadência ou prescriçãoNesta hipótese, conforme mencionado anteriormente, é irrelevante a necessidade ou não de

dilação probatória para a comprovação dos fatos alegados. Com efeito, se a partir dos fatos e fundamentos jurídicos do pedido expostos na inicial, o juízo entender que ocorreu a prescrição ou decadência do direito do autor, pode liminarmente julgar a demanda improcedente. Este dis-positivo deve, no entanto, ser interpretado à luz do Código Civil. Desta maneira, no caso da de-cadência, se for a mesma legal, deve o juiz reconhecê-la de ofício. Todavia, sendo convencional, o art. 211 do Código Civil expressamente exclui a possibilidade de reconhecimento de ofício, razão pela qual não pode o juiz reconhecê-la e julgar liminarmente improcedente a demanda, não sendo, no nosso entender, sustentável a tese de que o mencionado artigo do Código Civil teria sido revogado. No tocante à prescrição, interessante é a compatibilização do art. 191 do CC com a possibilidade de reconhecimento liminar de ofício da prescrição. Com efeito, o mencionado artigo do CC prevê a possibilidade de renúncia por parte do devedor à prescrição desde que não prejudique a terceiro. Ora, como o CPC prevê a improcedência liminar da demanda no caso de prescrição, duas conclusões podemos extrair antagônicas entre si. A primeira é que o juiz, antes de julgar liminarmente improcedente a demanda, deve ouvir o réu para saber se ele renuncia ou não à prescrição. A segunda, no sentido de que o art. 191 permanece em vigor, mas a renúncia deve ocorrer antes da propositura da demanda. Parece-nos, com a devida vênia, que a segunda solução parece ser a mais adequada, mesmo porque o parágrafo único do art. 487 do CPC/2015 é expresso no sentido de que não há necessidade de oitiva das partes para o reconhecimento limi-nar da prescrição e da decadência.

VII. Julgamento parcialÉ possível que o autor tenha cumulado vários pedidos na mesma demanda e que somente al-

guns desses pedidos atendam aos requisitos e hipóteses de julgamento liminar de improcedência. Se, em conformidade com o CPC/1973, pudessem existir dúvidas, o CPC/2015 expressamente admite as decisões de mérito parciais. Assim, o juiz pode, de acordo com o art. 356 do CPC/2015, julgar antecipadamente parte do mérito, ainda que referido dispositivo não faça expressa menção ao art. 332. Com efeito ele regula o julgamento antecipado de mérito e o art. 332 não é, como já observado, nada além de uma subespécie dele.

VIII. Intimação do réu em caso de não interposição da apelaçãoO § 2º do art. 332 do CPC/2015 estabelece que, não interposta a apelação, deve o réu ser inti-

mado em conformidade com o art. 241 do CPC/2015. A finalidade da intimação é dar ciência ao

Art. 332

Page 165: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

556

Oreste Nestor Souza Laspro

réu da sentença de mérito que lhe é favorável. Referida ciência, que não estava prevista na antiga codificação, evita, por exemplo, que o autor, litigando de má-fé, pretenda repropor a demanda, omitindo o julgamento anterior. Além disso, tendo ciência do julgamento, pode o réu utilizar essa decisão em outros processos, resolvendo até mesmo questões prejudiciais. É interessante tam-bém destacar que, em tese, a sentença de improcedência pode constituir título executivo judicial a seu favor, consoante inciso I do art. 515 do CPC/2015, caso em que poderá, no mesmo proces-so, dar início à fase de cumprimento de sentença em conformidade com os arts. 513 e seguintes do Código de Processo Civil.

IX. Interposição de apelação e juízo de retratação

O § 3º do art. 332 do CPC/2015 estabelece que o juiz pode se retratar no prazo de cinco dias, caso em que determinará o prosseguimento do processo com a citação do réu, conforme dispõe o § 4º seguinte. Essa regra constitui exceção ao art. 494 do CPC/2015, segundo a qual o juiz não poderia alterar a sentença, salvo em embargos de declaração ou para corrigir inexatidão ou erro material. Aliás, a retratação neste caso constitui verdadeira declaração de nulidade da sentença anteriormente prolatada. Importante destacar que, embora a lei afirme que o juízo de retratação deve ser exercido no prazo de cinco dias, tratando-se de prazo judicial não é preclusivo, não existindo qualquer nulidade se a retração ocorrer posteriormente.

1. Interposição de recurso de apelação e manutenção da decisão pelo juízo sentenciante

Caso o juízo não se retrate, a apelação será processada com citação do réu para oferecimento de contrarrazões no prazo de 15 (quinze) dias, consoante § 4º do art. 332 do CPC/2015. Essas contrarrazões serão limitadas ao objeto da sentença e do recurso, não havendo necessidade do exame dos demais fundamentos trazidos pelo autor na inicial, vez que, caso provida a apelação, a princípio, será anulada a sentença e ulteriormente intimado o réu para oferecimento de contesta-ção. Questão interessante a ser examinada é a aplicabilidade do § 3º do art. 1.013 nesta hipótese. Com efeito, o mencionado dispositivo prevê a possibilidade de o tribunal julgar desde logo o mérito se o processo estiver em condições de imediato julgamento. Parece-nos que a resposta, a princípio, é positiva, desde que naturalmente não configure violação às garantias constitucionais das partes. Com efeito, e somente a título de exemplo, é possível que o tribunal entenda que, embora a questão não dependa de dilação probatória, ela não se enquadra nas hipóteses de julga-mento antecipadíssimo da lide. Assim, a rigor, deveria ser declarada a nulidade da sentença. To-davia, caso o tribunal entenda que a matéria de direito foi suficientemente debatida pelas partes e já se formou a convicção dos julgadores acerca do tema, não vislumbramos qualquer ilegalidade em reconhecido equívoco do julgamento em primeira instância, partir-se em seguida diretamente para o julgamento do mérito.

Art. 333 - VETADO.

Art. 333

Page 166: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

557

Juliana Vieira dos Santos

Art. 334 - Se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do pedido, o juiz designará audiência de conciliação ou de mediação com antecedência mínima de 30 (trinta) dias, devendo ser citado o réu com pelo menos 20 (vinte) dias de antecedência.§1º - O conciliador ou mediador, onde houver, atuará necessariamente na audiência de conciliação ou de mediação, observando o disposto neste Código, bem como as disposições da lei de organização judiciária.§ 2º - Poderá haver mais de uma sessão destinada à conciliação e à mediação, não podendo exceder a 2 (dois) meses da data de realização da primeira sessão, desde que necessárias à composição das partes.§ 3º - A intimação do autor para a audiência será feita na pessoa de seu advogado.§ 4º - A audiência não será realizada:I - se ambas as partes manifestarem, expressamente, desinteresse na composição consensual;II - quando não se admitir a autocomposição.§ 5º - O autor deverá indicar, na petição inicial, seu desinteresse na autocomposição, e o réu deverá fazê-lo, por petição, apresentada com 10 (dez) dias de antecedência, contados da data da audiência.§ 6º - Havendo litisconsórcio, o desinteresse na realização da audiência deve ser manifestado por todos os litisconsortes.§ 7º - A audiência de conciliação ou de mediação pode realizar-se por meio eletrônico, nos termos da lei.§ 8º - O não comparecimento injustificado do autor ou do réu à audiência de conciliação é considerado ato atentatório à dignidade da justiça e será sancionado com multa de até dois por cento da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da União ou do Estado.§ 9º - As partes devem estar acompanhadas por seus advogados ou defensores públicos.§ 10 - A parte poderá constituir representante, por meio de procuração específica, com poderes para negociar e transigir.§ 11 - A autocomposição obtida será reduzida a termo e homologada por sentença.§ 12 - A pauta das audiências de conciliação ou de mediação será organizada de modo a respeitar o intervalo mínimo de 20 (vinte) minutos entre o início de uma e o início da seguinte.

AutoraJuliana Vieira dos Santos

Page 167: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

558

Juliana Vieira dos Santos

A lide, propriamente dita, no CPC/2015, começará com uma audiência para tentativa de com-posição das partes. O legislador pretende implementar uma mudança cultural apostando pesada-mente na conciliação e na mediação para solução rápida dos conflitos, ao longo de todo o Código.

I. A antecedência da citação

Para tanto, o artigo prevê a citação do réu com pelo menos 20 (vinte) dias de antecedência. Imagina-se que a jurisprudência seguirá, para este caso, o mesmo tratamento que vinha dando ao art. 277 do CPC/1973 (sobre procedimento sumário), e considerará nula a citação que não obedecer a esse prazo.

A questão será verificar como será contado esse prazo: se da data da juntada do mandado cum-prido aos autos, ou da efetiva citação.

A jurisprudência do STJ, relativamente ao art. 277 do CPC/1973, tem entendimentos nos dois sentidos: “O prazo não inferior a dez dias para a realização da audiência no rito sumário conta-se da data de juntada aos autos do mandado” (STJ, 4ª T., REsp nº 416217/MA, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, j. em 5/12/2002, DJ de 12/5/2003, p. 305). No mesmo sentido: STJ, 4ª T., REsp nº 331584/SP, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. em 21/11/2006, DJ de 12/2/2007, p. 263.

E em sentido contrário: “No procedimento sumário a audiência não se realizará em prazo infe-rior a dez dias contados da citação. Este prazo é contado da data da efetiva citação e não da data da juntada aos autos do mandado citatório devidamente cumprido” (STJ, 4ª T., AgRg no REsp nº 1334196/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. em 12/11/2013, DJe de 21/11/2013). E ainda: STJ, 3ª T., REsp nº 76348/SP, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. em 5/11/1996, DJ de 3/2/1997, p. 719.

A justificativa dos julgados que consideram a contagem do prazo da citação efetiva é a com-preensão de que a forma de contagem dos prazos prevista no art. 241, inciso II, do CPC/1973 dizia respeito ao procedimento ordinário e não ao sumário, regulado em outra parte do Código. No CPC/2015, não há mais distinção entre procedimentos e há referência geral sobre contagem de prazos a partir da juntada (no art. 231 do CPC/2015). Possivelmente, portanto, a jurisprudên-cia se firmará no sentido de entender que a antecedência será contada da juntada do mandado de citação nos autos.

II. A obrigatoriedade da tentativa de composição

Buscando a resolução rápida de conflitos, o artigo prevê a possibilidade de realização de vá-rias sessões destinadas à conciliação ou à mediação, e até que essas sessões podem ser realizadas por meio eletrônico (procedimento ainda a ser regulamentado por lei).

Outra novidade é que essas audiências passam a ser um procedimento obrigatório e prelimi-nar à apresentação da defesa pelo réu. O não comparecimento será considerado ato atentatório à dignidade da justiça e dará ensejo à aplicação de multa.

A audiência só não se realiza se todas as partes (incluindo todos os litisconsortes, se for o caso) manifestarem-se expressamente contrárias à composição consensual ou nos casos em que não se admitir a autocomposição (o que se interpreta como os casos que versarem sobre direitos indisponíveis).

Art. 334

Page 168: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

559

Antonio Carlos Marcato

Art. 335 - O réu poderá oferecer contestação, por petição, no prazo de 15 (quinze) dias, cujo termo inicial será a data:I - da audiência de conciliação ou de mediação, ou da última sessão de conciliação, quando qualquer parte não comparecer ou, comparecendo, não houver autocomposição;II - do protocolo do pedido de cancelamento da audiência de conciliação ou de mediação apresentado pelo réu, quando ocorrer a hipótese do art. 334, § 4º, inciso I;III - prevista no art. 231, de acordo com o modo como foi feita a citação, nos demais casos.§ 1º - No caso de litisconsórcio passivo, ocorrendo a hipótese do art. 334, § 6º, o termo inicial previsto no inciso II será, para cada um dos réus, a data de apresentação de seu respectivo pedido de cancelamento da audiência.§ 2º - Quando ocorrer a hipótese do art. 334, § 4º, inciso II, havendo litisconsórcio passivo e o autor desistir da ação em relação a réu ainda não citado, o prazo para resposta correrá da data de intimação da decisão que homologar a desistência.

AutorAntonio Carlos Marcato

I. Prazo para a oferta de contestação

Como adiante explicitado em notas ao art. 336, o Código de Processo Civil de 2015 não re-cepcionou a criticável tripartição de defesas no gênero resposta do réu, feita pelo art. 297 do CPC/1973. Ao contrário, em atenção ao princípio da eventualidade determina a concentração, na contestação, de todas as defesas úteis ao réu, tanto as processuais quanto as substanciais, estabe-lecendo prazo geral de 15 (quinze) dias úteis (art. 212, caput) para a oferta desse ato processual, ressalvados apenas os prazos diferenciados para determinadas situações particulares (arts. 306, 714, 970 e 991).

II. Cômputo diferenciado dos prazos processuais

Em razão da relevância dos interesses cuja defesa patrocinam em juízo, o Ministério Público, a Advocacia Pública e a Defensoria Pública têm, em regra, prazo em dobro para a prática dos atos processuais – exceto quando se tratar de prazo próprio (CPC/2015, arts. 180, § 2º, 183, § 2º, e 186, § 4º). Nenhuma outra prerrogativa lhes confere a lei, nesse particular, pois, tanto quanto os demais contestantes, essas três instituições estão sujeitas ao regime da preclusão, devendo irrestrita observância aos prazos legais.

Em atenção à exigência de tratamento isonômico das partes, o art. 229 confere essa mesma prerrogativa aos litisconsortes patrocinados por advogados diferentes e de escritórios distintos, com as ressalvas contidas em seus parágrafos.

Page 169: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

560

Antonio Carlos Marcato

III. Termo inicial do prazo

O dispositivo sob exame fixa diferentes termos iniciais para o prazo de oferta de contestação, na dependência da realização, ou não, da audiência de conciliação ou de mediação (art. 334). O prazo quinzenal terá curso no primeiro dia útil seguinte: a) ao encerramento dessa audiência, motivado (i) pelo não comparecimento de qualquer das partes, (ii) se, comparecendo, não houver autocomposição ou, (iii), sendo a última sessão de conciliação e inconciliadas as partes, a audiência for encerrada (inciso I); b) do protocolo do pedido de cancelamento da audiência formulado pelo réu, em virtude do manifesto desinteresse de ambas as partes na composição consensual (inciso II); e c) nos termos iniciais estabelecidos pelo art. 231, se inadmissível a autocomposição.

IV. Situações particulares

Havendo litisconsórcio passivo, o CPC/2015 indica outros termos iniciais de prazo para a oferta da contestação: (i) como o cancelamento da audiência de conciliação ou mediação depen-de da expressa manifestação de vontade das partes, os réus defendidos por patronos diferentes poderão formular autonomamente os respectivos pedidos, iniciando-se o prazo de resposta, nesse caso, a contar do protocolo dos correspondentes requerimentos (art. 335, § 1º); (ii) não sendo realizada a audiência, em virtude da inadmissibilidade de autocomposição e o autor desistir da ação em relação a réu ainda não citado, o prazo para a contestação do litisconsorte passivo re-manescente terá fluência a partir da intimação da sentença homologatória da desistência (§ 2º). Finalmente, não sendo o caso de incidência de qualquer das normas particulares até aqui exami-nadas, valerá a disciplina geral estabelecida pelo art. 231 e, no que interessa ao tema sob exame, a previsão do § 1º, no sentido de que, havendo litisconsortes passivos, o prazo de cada um deles terá fluência a contar da última das datas estabelecidas em seus incisos I a VI – se e quando, é evidente, tiverem patronos distintos.

Art. 336 - Incumbe ao réu alegar, na contestação, toda a matéria de defesa, expondo as razões de fato e de direito com que impugna o pedido do autor e especificando as provas que pretende produzir.

I. Direito de defesa

Chamado a juízo, o réu não tem apenas o ônus de defender-se, mas o direito, mesmo, de exigir provimento ju risdicional que solucione o litígio definitiva mente, daí a ra zão, aliás, pela qual a extinção do processo de conhecimento, sem resolução do mérito, pautada na desis tência da ação pelo autor, depende de seu consen timento, se já oferecida contestação (CPC/2015, art. 485, § 4º) – ressalvada, apenas, a hipótese contemplada no § 3º do art. 1.040. Sob esse enfoque, a de-fesa deve ser enten dida tanto como ônus processual im posto ao réu (pois o seu des cumprimento acar reta as con sequências pre vistas em lei – CPC/1973, arts. 319, 322, 330, inciso II; CPC/2015, arts. 344, 346, 355, inciso II) quanto como o di reito proces sual de opor-se à pre tensão do au tor, di reta ou indiretamente.

II. A contestação

Sob a designação genérica de resposta do réu, o CPC/1973 concentrou as atividades processuais desse sujeito passivo em face da pretensão deduzida pelo autor, cuidando, no mesmo capítulo, da contestação, da reconvenção e das exceções – embora também preveja, em capítulos e seções

Art. 336

Page 170: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

561

Antonio Carlos Marcato

distintos, outras reações possíveis, como a impugnação ao valor da causa, a nomeação à autoria, o chamamento ao processo, a denunciação da lide e a ação declaratória incidental. Portanto, referindo-se à resposta do réu esse diploma legal regula três situações distintas: a legitimidade exclusiva do réu para contestar (legitimidade para a defesa) e promover ação pela via reconven-cional (legitimidade ad causam), mais a legitimidade (igualmente conferida ao autor) para opor exceção ritual de incompetência relativa, de suspeição ou de impedimento do juiz.

Ao encartar, no elenco das respostas do réu, a contestação, as exceções rituais (incompetência relativa, suspeição e impedimento do juiz) e a reconvenção, o CPC/1973 mereceu justas críticas, seja porque, no regime por ele estabelecido, as exceções de parcialidade do juiz podem ser argui-das também pelo autor (v. art. 304), seja porque a reconvenção não é ato de defesa, mercê de sua natureza jurídica de demanda incidente, seja, finalmente, porque, em capítulos e seções distintos, trata de outras reações possíveis do réu, como a ação declaratória incidental (art. 5º), a nomeação à autoria (arts. 62 a 69), a denunciação da lide (arts. 70 a 76) e a impugnação ao valor da cau-sa (art. 261). Aliás, diante do teor de seu art. 299, determinando a oferta simultânea, em peças autônomas, da contestação e da reconvenção, acabou prevalecendo, em sede jurisprudencial, o entendimento de que, não atendida essa simultaneidade, opera-se a preclusão consumativa:

“[...] 1. A contestação e a reconvenção devem ser apresentadas simultaneamente, ainda que haja prazo para a resposta do réu, sob pena de preclusão consumativa. Precedentes do STJ: REsp 31353/SP, Quarta Turma, DJ 16/08/2004; AgRg no Ag 817.329/MG, Quarta Turma, DJ 17/09/2007; e REsp 600839/SP, DJe 05/11/2008. [...]” (1ª T., AgRg no REsp nº 935.051/BA, Rel. Min. Luiz Fux, j. em 14/9/2010, DJe de 30/9/2010).

“[...] III. Aplica-se o princípio da preclusão consumativa, adotado pela uniforme jurispru-dência do Superior Tribunal de Justiça, à regra do art. 299 do CPC, de sorte que tardio o pedido reconvencional apresentado após o oferecimento da contestação pelo mesmo réu, ainda que antes de terminado o prazo original de defesa. [...]” (4ª T., REsp nº 31.353/SP, Rel. Min. Aldir Passa-rinho Junior, j. em 8/6/2004, DJ de 16/8/2004, p. 260).

Inovando, em boa hora o CPC/2015 abandona essa dispersão de defesas em procedimentos incidentes ao processo – como são as exceções de incompetência relativa e de incompatibilidade do juiz, mais a impugnação ao valor atribuído à causa (art. 293) –, concentrando-as na contesta-ção, sede adequada, portanto, à dedução das defesas processuais e de mérito. Nela também pode-rá ser formulado o pedido de gratuidade da justiça (art. 99) e apresentada a reconvenção, embora esta possa ser proposta independentemente, mercê de sua já referida natureza jurídica, desde que conexa, evidentemente, com a ação principal (art. 343).

Destinada à veiculação dessas defesas do réu, em atenção à garantia constitucional prevista no art. 5º, inciso LV, da Carta Magna, a contestação não interfere no âmbito de decisão do pro-cesso; como ao juiz compete julgar apenas o pedido formulado pelo sujeito ativo (princípio da adstrição do julgamento ao pedido – CPC/2015, arts. 141 e 492), a contestação, diferentemente da reconvenção, não amplia os limites do futuro julgamento, mas apenas o âmbito de cognição da causa.

III. Requisitos da contestação

Além da indicação do juízo ao qual é dirigida e dos nomes e prenomes das partes, a contesta-ção deverá conter também as razões de fato e de direito com que o contestante impugna o pedido formulado pelo autor, assim como a especificação das provas que pretenda produzir (CPC/2015, art. 336).

Art. 336

Page 171: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

562

Antonio Carlos Marcato

IV. O princípio da eventualidade da defesa

Expresso no artigo sob exame, o princípio da eventualidade traduz a exigência, imposta ao réu, de deduzir na contestação todas as defesas de que disponha naquele momento processual, observada a ordem estabelecida pelo art. 337, a fim de que o juiz possa acolher a posterior, na eventualidade de rejeitar a anterior. Deixando o réu de deduzir defesa substancial, a respeito des-ta opera-se a preclusão consumativa, ficando então impossibilitado de apresentá-la futuramente (ressalvadas as situações contempladas no art. 342); já as defesas processuais poderão ser dedu-zidas posteriormente, ou até conhecidas de ofício pelo juiz, mercê de sua natureza de objeção (matéria de ordem pública), ressalvadas, apenas, a convenção de arbitragem e a incompetência relativa, a serem alegadas na contestação (art. 337, incisos II e X), sob pena de preclusão (§§ 5º

e 6º). Nesse sentido a orientação assentada pelos tribunais, como se extrai da seguinte decisão do Superior Tribunal de Justiça:

“[...] 1.Conforme o princípio da eventualidade, compete ao réu, na contestação, alegar todas as defesas contra o pedido do autor, sob pena de preclusão. [...]” (6ª T., AgRg no Ag nº 588.571/RJ, Rel. Min. Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ/RS), j. em 21/6/2011, DJe de 1º/7/2011).

V. Contestação e defesas de mérito

Apresentando defesas de mérito, o réu pretende obter tutela jurisdicional que lhe seja favo-rável, mediante a rejeição, pelo juiz, do pedido formulado pelo autor. Tais defesas podem ser diretas ou indiretas, entendidas as primeiras como a exposição, na contestação, de fatos simples tendentes quer à demonstração da inexistência da situação jurídica narrada na inicial, quer ao modo de ocorrência dos fatos nela contidos (v. art. 373, inciso I); indiretas, quando consisten-tes, na dicção do art. 373, inciso II, em fatos jurídicos com eficácia extintiva, impeditiva ou modificativa do direito afirmado pelo autor (v.g., prescrição, pagamento, novação da dívida – v. art. 350).

A contestação também é o veículo adequado para a formulação de pedido de retenção por benfeitorias, sob pena de preclusão, conforme orientação assentada pelo Superior Tribunal de Justiça:

“[...] 1. O direito de retenção por benfeitorias realizadas deve ser exercido no momento da contestação de ação de cunho possessório, sob pena de preclusão. Jurisprudência do STJ. [...]” (3ª T., AgRg no REsp nº 1273356/SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, j. em 25/11/2014, DJe de 12/12/2014)

“[...] 2. O acórdão encontra-se em sintonia com a jurisprudência deste Tribunal Superior, no sentido de que, tratando-se de ação de reintegração de posse – como no caso dos autos –, o pedido de retenção das benfeitorias deve ser formulado no processo de conhecimento, no bojo da própria contestação (CPC, art. 922), sob pena de preclusão. [...]” (2a T., AgRg no AREsp nº 385.662/DF, Rel. Min. Herman Benjamin, j. em 12/2/2015, DJe de 6/4/2015).

VI. Contestação e defesas processuais

Por meio dessas defesas preliminares às de mérito, elencadas no art. 337 do CPC/2015, o réu busca a extinção do processo, sem resolução do mérito (v.g., incisos IV a VII, X e XI – v. art. 485, incisos V, VI e VII), a correção de defeitos contaminantes de sua validade (v.g., incisos I, II, IX) ou, ainda, sua reunião a outro, para processamento e julgamento conjuntos, em razão da existência de vínculo de conexão ou de continência (inciso VIII – v. arts. 54 a 58).

Art. 336

Page 172: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

563

Antonio Carlos Marcato

Art. 337 - Incumbe ao réu, antes de discutir o mérito, alegar:I - inexistência ou nulidade da citação;II - incompetência absoluta e relativa;III - incorreção do valor da causa;IV - inépcia da petição inicial;V - perempção;VI - litispendência;VII - coisa julgada;VIII - conexão;IX - incapacidade da parte, defeito de representação ou falta de autorização;X - convenção de arbitragem;XI - ausência de legitimidade ou de interesse processual;XII - falta de caução ou de outra prestação que a lei exige como preliminar;XIII - indevida concessão do benefício de gratuidade de justiça.§ 1º - Verifica-se a litispendência ou a coisa julgada quando se reproduz ação anteriormente ajuizada.§ 2º - Uma ação é idêntica a outra quando possui as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido.§ 3º - Há litispendência quando se repete ação que está em curso.§ 4º - Há coisa julgada quando se repete ação que já foi decidida por decisão transitada em julgado.§ 5º - Excetuadas a convenção de arbitragem e a incompetência relativa, o juiz conhecerá de ofício das matérias enumeradas neste artigo.§ 6º - A ausência de alegação da existência de convenção de arbitragem, na forma prevista neste Capítulo, implica aceitação da jurisdição estatal e renúncia ao juízo arbitral.

I. As defesas processuais

Objetivando a consolidação e a estabili zação das fa ses procedimentais – e, ainda, em atenção ao princípio da econo mia proces sual –, o CPC/2015 determina ao réu que deduza toda e qualquer defesa na pri meira oportunidade em que deva mani festar-se no processo, assim evi tando o alon-gamento desne cessário de seu curso, se pertinente a sua reação. Considerando que, em regra, o momento procedimen tal ade quado para a primeira manifes tação do réu coincide com a oferta da con testação, nesta deverá ele arguir as objeções porven tura exis tentes; arguindo posteriormente qualquer delas, ainda será apre ciada pelo juiz, por dever de ofício, como já registrado.

Repetindo, com algumas variações, o rol do art. 301 do CPC/1973, nos incisos de seu art. 337, o CPC/2015 indica as defesas a serem arguidas pelo réu na contestação, em sede preliminar. Ex-cetuadas as defesas fundadas na incompetência relativa e na convenção de arbitragem (defesas de alegação necessária, sob pena de preclusão), as demais são objeções processuais (defesa de alegação útil, mas não indispensável), delas competindo ao juiz conhecer de ofício, pois envol-vem matéria de ordem pública, assegurado ao interessado o direito de prévia manifestação, em atenção às garantias do contraditório e da ampla defesa (v. arts. 9º, caput, e 10), com as ressalvas

Art. 337

Page 173: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

564

Antonio Carlos Marcato

legais, entre elas a rejeição liminar do pedido do autor, “inaudita altera parte”, em virtude do reconhecimento da decadência legal ou da prescrição (art. 332, § 1º).

Eis o rol do art. 337:

1. Inciso I – inexistência ou a nulidade de citação

Ato de integração do sujeito passivo na relação jurídico-processual e fundamental para a ins-tauração do contraditório, a citação deve ser realizada com a observância dos requisitos legais, sob pena de invalidade.

Reiterando, com variações, o teor do art. 214 do CPC/1973, em seu art. 239 o novo diploma processual civil igualmente proclama a importância e a necessidade da citação como ato de in-tegração de uma relação processual válida, ou seja, formada à luz das garantias constitucionais, com destaque às da ampla defesa e contraditório (CF, art. 5º, inciso LV). Aliás, a indispensa-bilidade da citação do sujeito passivo funda-se na necessidade de assegurar-se-lhe, mediante a observância de um procedimento previsto em lei, o pleno exercício dessas duas garantias; conse-quentemente, a falta ou nulidade de citação desfalcará o processo de outra garantia constitucio-nal, a do devido processo legal (idem, inciso LIV).

Por conta dessas exigências constitucionais é que, ressalvadas as hipóteses indicadas na parte final do caput do art. 239, os atos praticados no processo serão reputados nulos, se e quando o sujeito passivo não for regularmente citado, ou deixar de nele comparecer espontaneamente. Daí a possibilidade de alegação, pelo réu, de inexistência ou de nulidade da citação em sede de con-testação (art. 337, inciso I), ou pelo executado, em sua impugnação ou embargos (arts. 525, § 1º, inciso I, 535, inciso I, e 803, inciso II), embora caiba à autoridade judiciária reconhecer qualquer dessas objeções processuais, inclusive de ofício (arts. 337, § 5º, e 803, parágrafo único):

“[...] 2. Os pressupostos de constituição e desenvolvimento válido e regular do processo, as-sim como as condições da ação – matérias de ordem pública – não se submetem à preclusão nas instâncias ordinárias.

3. A nulidade da citação constitui matéria passível de ser examinada em qualquer tempo e grau de jurisdição, independentemente de provocação da parte; em regra, pode, também, ser objeto de ação específica ou, ainda, suscitada como matéria de defesa em face de processo executivo. Trata-se de vício transrescisório. Precedente.

4. O defeito ou a ausência de citação somente podem ser convalidados nas hipóteses em que não sejam identificados prejuízos à defesa do réu. [...]” (3ª T., REsp nº 1138281/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. em 16/10/2012, DJe de 22/10/2012).

A citação será dispensada se o juiz indeferir a petição inicial (CPC/2015, art. 330) ou rejeitar liminarmente o pedido do autor (art. 332), pois essas decisões, prolatadas inaudita altera parte, nenhum prejuízo acarretam ao réu nem ofendem as garantias constitucionais aludidas.

2. Inciso II – incompetência absoluta ou relativa

Registrou-se que no regime do CPC/1973 a incompetência relativa é uma das espécies do gê-nero respostas do réu; deve ser arguida por meio de exceção própria, disciplinada pelos arts. 304 a 306, sob pena de prorrogação da competência do órgão jurisdicional perante o qual se instaurou o processo (arts. 112 e 114), ressalvada apenas a hipótese em que o juiz reconheça a abusividade da cláusula de eleição de foro e determine o encaminhamento do processo para o foro onde o réu tenha seu domicílio (art. 112, parágrafo único).

Art. 337

Page 174: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

565

Antonio Carlos Marcato

Já na dicção do art. 64 do CPC/2015, a incompetência, absoluta ou relativa, deverá ser alegada na contestação, como questão preliminar (ao mérito da causa); mas a incompetência absoluta, objeção processual que é, não fica submetida à preclusão, podendo ser arguida pelo réu a qual-quer tempo e grau de jurisdição, ao juiz competindo, ainda, declará-la de ofício (§ 1º). Quanto à relativa, deverá ser necessariamente arguida na contestação; não o sendo, prorrogar-se-á a com-petência do órgão jurisdicional (art. 65), exceto quando reconhecida pelo juiz, de ofício, antes da citação do réu, a abusividade de cláusula de eleição de foro (art. 63, §§ 3º e 4º).

3. Inciso III – incorreção do valor da causa

Essa defesa processual, que no regime do CPC/1973 é deduzida e apreciada em autos aparta-dos (art. 261), no CPC/2015 integra o rol das defesas a serem apresentadas na contestação, sem a necessidade, portanto, de instaurar-se incidente procedimental para sua resolução pelo juiz.

4. Inciso IV – inépcia da petição inicial

Procedendo ao juízo prévio de admissibilidade da demanda, o juiz verificará se a petição ini-cial preenche todos os requisitos legais (CPC/2015, art. 319); constatada qualquer das situações enunciadas nos incisos do art. 330, deverá indeferi-la, extinguindo o processo, sem resolução do mérito (art. 485, inciso I), ressalvadas as situações indicadas no art. 319, §§ 2º e 3º, e a emenda a que alude o art. 321, caput.

5. Inciso V – perempção

Instituto de reduzida incidência, a perempção é pena processual imposta ao autor negligente e consiste na perda do direito de promover novamente a mesma ação (ver notas aos arts. 486, § 3º, e 485, inciso V).

6. Inciso VI – litispendência

Entende-se por litispendência a pendência do processo desde o momento de sua instauração até o seu término (CPC/2015, art. 312), com ou sem resolução do mérito, quando se tornar irre-corrível a sentença, acórdão ou decisão monocrática de segundo grau (v.g., indeferimento liminar de petição inicial de ação rescisória) nele proferida. É nítida, portanto, a impropriedade do § 3º do art. 337, que, limitando-se à mera repetição do contido na primeira parte do § 3º do art. 301 do CPC/1973, confunde o instituto da litispendência com um de seus efeitos, qual seja o de impedir a repropositura da mesma ação já em processamento. E isto porque a litispendência não surge da repetição da ação que está em curso (como consta do parágrafo aludido), mas, isto, sim, impede sua repetição – que, vindo a ocorrer, implicará a extinção do novo processo, sem resolução do mérito (CPC/2015, art. 485, inciso V).

A respeito, merecem registro as seguintes decisões do Superior Tribunal de Justiça:

“[...] 1. Sendo a litispendência um pressuposto processual negativo, sua configuração impede a admissibilidade do segundo processo, em repúdio ao bis in idem, razão pela qual ele deve ser extinto de ofício pelo juízo ou a pedido da parte. Tal fenômeno ocorre quando há a renovação de uma demanda em curso, o que, via de regra, é caracterizado pela identidade das partes, das cau-sas de pedir e dos pedidos, fazendo-se mister, portanto, a análise desses três elementos no caso concreto. [...]” (4ª T., REsp nº 1268590/PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. em 10/3/2015, DJe de 25/5/2015).

“[...] 1. A tradição jusprocessualista analítica do instituto da litispendência (e da coisa julgada) apoiava-se na ocorrência da tríplice identidade elementar entre duas ações: mesmas partes, mes-

Art. 337

Page 175: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

566

Antonio Carlos Marcato

mo pedido e mesma causa de pedir, teoria que foi acolhida integralmente pelo CPC/73 (art. 301, § 3º); por isso que era inaceitável a ocorrência de litispendência entre um pedido mandamental e uma ação ordinária, porquanto é óbvio que os respectivos polos passivos são distintos.

2. Entretanto, esta Corte Superior, seguindo orientações doutrinárias mais recentes, entendeu que é excepcionalmente possível a litispendência entre mandado de segurança e ação ordinária, uma vez que tal fenômeno se caracteriza quando há identidade jurídica, ou seja, quando as ações intentadas objetivam, ao final, o mesmo resultado, ainda que o polo passivo seja constituído de pessoas distintas. Precedentes do STJ. Ressalva do ponto de vista do Relator. [...]” (1ª T., RMS nº 38.889/RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. em 5/12/2013, DJe de 7/2/2014).

7. Inciso VII – coisa julgada

Trata-se, aqui, da coisa julgada material, entendida, na dicção do art. 502 do CPC/2015, como “a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso”. Garantia constitucional (art. 5º, inciso XXXVI), a coisa julgada material impede que, reproposta a mesma ação, seja proferido novo julgamento de mérito (art. 485, inciso V), ressalvado novo pronunciamento no iudicium rescissorium, se e quando for o caso (arts. 966 e 968, inciso I):

“[...] 1- A coisa julgada material, qualidade de imutabilidade e de indiscutibilidade que se agrega aos efeitos da sentença de mérito, atinge apenas a carga declaratória contida no disposi-tivo do decisum.

2- Não fazem coisa julgada: ‘I - os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença; II - a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença; III - a apreciação da questão prejudicial, decidida incidentemente no processo.’ (art. 469, do CPC).

3- O fato de a sentença proferida em determinado processo judicial adotar como verdadeira premissa fática absolutamente divergente daquela que inspirou a prolação de sentença havida em processo anterior estabelecido entre as mesmas partes, conquanto incomum, não ofende a autoridade da coisa julgada. [...]” (3ª T., REsp nº 1298342/MG, Rel. Min. Sidnei Beneti, j. em 6/5/2014, DJe de 27/6/2014).

8. Inciso VIII – conexão

Identificadas por seus elementos, duas ou mais ações são conexas quando tiverem em co-mum o elemento objetivo (pedido) ou causal (causa de pedir), independentemente de as partes serem as mesmas, pois o elemento subjetivo não interfere na formação do vínculo conectivo (v. CPC/2015, art. 55).

Há a necessidade de verificar-se a existência desse vínculo entre ações, por exemplo, (i) se houver interesse na constituição de litisconsórcio facultativo (CPC/2015, art. 113, inciso II), (ii) for o caso de reunião dos processos, objetivando seu julgamento conjunto (art. 57, parte final) ou para a oferta de reconvenção (art. 343). E, apesar de o inciso sob exame referir-se apenas à conexão, nele se inclui, como defesa preliminar, também a continência (ou litispendência par-cial – art. 56), que, estando presente, poderá implicar inclusive a extinção do processo relativo à ação contida (rectius: aquela que veicula o pedido contido), se já ajuizada anteriormente a ação veiculando o pedido continente; ou, ocorrendo o contrário, os respectivos processos serão neces-sariamente reunidos, para processamento e julgamento conjuntos (art. 57).

9. Inciso IX – incapacidade da parte, defeito de representação, falta de autorização

Qualquer das irregularidades processuais apontadas é suficiente, por si só, para invalidar o

Art. 337

Page 176: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

567

Antonio Carlos Marcato

processo (e seu resultado) se e quando não sanada tempestiva e adequadamente pelo autor – daí o interesse do réu em argui-las em sua contestação (ver notas aos arts. 70 a 73).

10. Inciso X – convenção de arbitragem

A Lei nº 9.307, de 23/9/1996, conhecida como Lei de Arbitragem, revogou os arts. 1.072 a 1.102 do CPC/1973 e regulou, sob a denominação genérica de convenção de arbitragem (art. 3º), duas modalidades de convenções: a cláusula compromissória (ou cláusula arbitral – arts. 4º a 8º) e o compromisso arbitral (arts. 9º a 12):

“[...] 1. Cláusula compromissória é o ato por meio do qual as partes contratantes formalizam seu desejo de submeter à arbitragem eventuais divergências ou litígios passíveis de ocorrer ao longo da execução da avença. Efetuado o ajuste, que só pode ocorrer em hipóteses envolvendo direitos disponíveis, ficam os contratantes vinculados à solução extrajudicial da pendência.

2. A eleição da cláusula compromissória é causa de extinção do processo sem julgamento do mérito, nos termos do art. 267, inciso VII, do Código de Processo Civil. [...]” (2ª T., REsp nº 606.345/RS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, j. em 17/5/2007, DJ de 8/6/2007, p. 240).

Celebrada a convenção de arbitragem em qualquer dessas duas modalidades, compete ao réu alegá-la na contestação, sua omissão autorizando a presunção legal de que renunciou ao juízo arbitral e aceitou a jurisdição estatal (CPC/2015, art. 337, § 6º). Irrelevante, por sua vez, a época da celebração do contrato, pois “A Lei de Arbitragem aplica-se aos contratos que contenham cláusula arbitral, ainda que celebrados antes da sua edição” (Súmula nº 485 do STJ).

Acolhida essa defesa pelo juiz, ele proferirá sentença terminativa do processo (art. 485, inciso VII); também será o caso de extinção do processo, sem resolução do mérito, se o réu demonstrar a preexistência de processo arbitral, com o reconhecimento, pelo árbitro único ou painel arbitral, da competência do juízo arbitral (idem). Rejeitada a alegação de convenção de arbitragem, cabe-rá agravo de instrumento da decisão, sob pena de preclusão e confirmação da jurisdição estatal (art. 1.015, inciso III).

11. Inciso XI – ausência de legitimidade ou de interesse processual

Distanciando-se da terminologia do CPC/1973, o CPC/2015 não utiliza a expressão carên-cia de ação (designativa de ausência, no caso concreto, de qualquer das condições da ação), substituindo-a pela explicitação das duas condições aludidas, sabido que a denominada impossi-bilidade jurídica passa a ser tratada como questão pertinente ao mérito da causa, não mais como ausência de uma condição de admissibilidade da ação. Tanto é assim que, ao indicar as situações caracterizadoras de inépcia da petição, entre elas não se inclui essa defesa (v. art. 330, inciso I e § 1º), embora prevista no art. 295, parágrafo único, inciso III, do CPC/1973.

Ausente qualquer daquelas duas condições (interesse processual do autor ou a legitimidade ativa ou passiva), o juiz extinguirá o processo, sem resolução do mérito (art. 485, inciso VI), arcando o autor com o ônus da sucumbência, salvo quando se tratar de perda do objeto da ação (rectius: desaparecimento de qualquer das condições da ação, superveniente ao seu ajuizamento), caso em que, por força do princípio da causalidade, esse ônus será da parte que deu causa ao processo:

“[...] 2. É cabível a condenação em honorários advocatícios na hipótese de o pedido de desis-tência da ação ter sido protocolado após a ocorrência da citação da ré, ainda que em data anterior à apresentação da contestação. Precedentes do STJ.

Art. 337

Page 177: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

568

Antonio Carlos Marcato

3. Em função do princípio da causalidade, nas hipóteses de extinção do processo sem resolução do mérito, decorrente de perda de objeto superveniente ao ajuizamento da ação, a parte que deu causa à instauração do processo deverá suportar o pagamento dos honorários advocatícios. [...]” (4ª T., AgRg no REsp nº 1001516/RJ, Rel. Min. Marco Buzzi, j. em 18/12/2014, DJe de 6/2/2015).

12. Inciso XII – falta de caução ou de outra prestação que a lei exige como preliminar

Deverá o autor da ação, brasileiro ou estrangeiro, residente fora do Brasil ou que dele venha a ausentar-se ao longo da tramitação do processo, prestar caução que garanta, sendo ao final sucumbente, o pagamento das custas e dos honorários do advogado da parte contrária – salvo se possuir bens imóveis no país que assegurem o pagamento (CPC/2015, art. 83 e parágrafos). Igualmente não poderá o autor, uma vez extinto o processo, sem resolução do mérito, ajuizar novamente a mesma ação antes de pagar ou depositar em cartório as despesas e honorários, aos quais foi condenado no processo anterior (art. 92). Descumprida pelo autor qualquer dessas exi-gências legais, será o caso de extinção do processo, sem resolução do mérito (art. 485, inciso IV).

13. Inciso XIII – indevida concessão do benefício de gratuidade de justiça

Além de dedicar uma seção à gratuidade da justiça (arts. 98 a 102), em seu art. 1.072, inciso III, o CPC/2015 revoga diversos dispositivos da Lei nº 1.060, de 1950 (Lei de Assistência Judi-ciária), não mais sendo previsto o incidente de impugnação à decisão concessiva de gratuidade de justiça a qualquer das partes. Concedida ao autor, o réu poderá impugnar a decisão concessiva na contestação (art. 100) e, revogada que seja a gratuidade, o primeiro deverá interpor agravo de instrumento da decisão revocatória, sob pena de preclusão (art. 101 – v. art. 1.015, inciso V).

Art. 338 - Alegando o réu, na contestação, ser parte ilegítima ou não ser o responsável pelo prejuízo invocado, o juiz facultará ao autor, em 15 (quinze) dias, a alteração da petição inicial para substituição do réu.Parágrafo único - Realizada a substituição, o autor reembolsará as despesas e pagará os honorários ao procurador do réu excluído, que serão fixados entre três e cinco por cento do valor da causa ou, sendo este irrisório, nos termos do art. 85, § 8º.

I. A nomeação à autoria

No regime do CPC/1973, o reconhecimento da ilegitimidade passiva impõe a extinção do processo, sem resolução do mérito, por carência de ação (v. arts. 267, inciso VI, e 295, inciso II), ressalvadas, exclusivamente, as hipóteses contempladas em seus arts. 62 e 63, autorizando a correção do polo passivo da relação processual. Dá-se essa correção mediante o ingresso da parte legitimada, a ser convocada por meio da nomeação à autoria feita pelo réu – modalidade interventiva de terceiro, aliás, de pouca, ou nenhuma aplicação concreta.

Em síntese, quando o autor, induzido em erro pela situação fática que se lhe apresenta, ajuíza ação possessória ou dominial em face do simples detentor da coisa, ou, então, ação indenizatória em face daquele que, em cumprimento de ordem ou instrução de terceiro, veio a causar prejuízo a bem ou direito do qual seja proprietário ou titular, o réu, citado, tem o ônus de nomear ao pro-cesso o proprietário ou possuidor (no primeiro caso) ou aquele que deu a ordem ou determinou o cumprimento do ato lesivo, para que venha substituí-lo no polo passivo da relação processual.

Art. 338

Page 178: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

569

Antonio Carlos Marcato

II. A técnica substitutiva da nomeação à autoria

Não recepcionada, felizmente, pelo CPC/2015 no elenco das modalidades interventivas de terceiro, a técnica da nomeação à autoria é superiormente substituída por aquela estabelecida nos arts. 338 e 339, a permitir a correção do polo passivo, qualquer que seja a causa determinante da ilegitimidade, mediante simples alegação pelo réu, na contestação, de que não é a parte legítima ou o responsável pelo prejuízo invocado pelo autor. Indicado o terceiro legitimado passivo, é facultado ao autor, caso reconheça a pertinência da indicação, alterar a petição inicial para nela incluir esse terceiro, em substituição ao réu original. E, realizada a substituição, com a conse-quente exclusão deste último do processo, o autor deverá reembolsá-lo das despesas e pagar verba honorária ao seu advogado.

Art. 339 - Quando alegar sua ilegitimidade, incumbe ao réu indicar o sujeito passivo da relação jurídica discutida sempre que tiver conhecimento, sob pena de arcar com as despesas processuais e de indenizar o autor pelos prejuízos decorrentes da falta de indicação.§ 1º - O autor, ao aceitar a indicação, procederá, no prazo de 15 (quinze) dias, à alteração da petição inicial para a substituição do réu, observando-se, ainda, o parágrafo único do art. 338.§ 2º - No prazo de 15 (quinze) dias, o autor pode optar por alterar a petição inicial para incluir, como litisconsorte passivo, o sujeito indicado pelo réu.

I. O ônus da indicação do terceiro legitimado

Da dicção do art. 339 do CPC/2015 extrai-se que foi mantido o ônus processual de indicação do terceiro legitimado (v. CPC/1973, art. 69), ou seja, não basta ao réu alegar ser parte ilegítima; deverá também indicar, conhecendo-o, o sujeito passivo da relação jurídica litigiosa, sob pena de, omitindo-se e vir a ser posteriormente reconhecida essa ilegitimidade (com a consequente extinção do processo, sem resolução do mérito) ou, então, sobrevier sentença de mérito inutiliter data, ser condenado a arcar com as despesas processuais e a indenizar o autor pelos prejuízos re-sultantes do descumprimento do ônus. É evidente que nada obsta ao réu alegar sua ilegitimidade, caso desconheça o terceiro legitimado, procedendo o juiz, sendo ela reconhecida, à extinção do processo, sem resolução do mérito (CPC/2015, art. 485, inciso VI).

II. Instauração de litisconsórcio passivo facultativo

Caso reconheça a legitimidade passiva concorrente do terceiro indicado, o autor poderá optar por sua inclusão na petição inicial, em litisconsórcio com o réu original, como, por exemplo, em situações envolvendo responsabilidade civil solidária (CC, art. 275).

Art. 340 - Havendo alegação de incompetência relativa ou absoluta, a contestação poderá ser protocolada no foro de domicílio do réu, fato que será imediatamente comunicado ao juiz da causa, preferencialmente por meio eletrônico.

Arts. 339 e 340

Page 179: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

570

Antonio Carlos Marcato

§ 1º - A contestação será submetida a livre distribuição ou, se o réu houver sido citado por meio de carta precatória, juntada aos autos dessa carta, seguindo-se a sua imediata remessa para o juízo da causa.§ 2º - Reconhecida a competência do foro indicado pelo réu, o juízo para o qual for distribuída a contestação ou a carta precatória será considerado prevento.§ 3º - Alegada a incompetência nos termos do caput, será suspensa a realização da audiência de conciliação ou de mediação, se tiver sido designada.§ 4º - Definida a competência, o juízo competente designará nova data para a audiência de conciliação ou de mediação.

I. A incompetência relativa como fundamento de contestação

Adiantou-se, em notas ao art. 337, que a incompetência relativa deverá ser alegada na con-testação como questão preliminar (CPC/2015, art. 64, caput), sob pena de prorrogação (art. 65), ressalvada apenas a hipótese em que a eleição de foro resulte de cláusula abusiva, como tal re-conhecida pelo juiz antes da citação do réu (art. 63, §§ 3º e 4º); se já citado, cumpre-lhe arguir na contestação a incompetência do foro eleito, fundando-a na abusividade da cláusula eletiva; omitindo-se, operar-se-á a prorrogação da competência territorial. Já a incompetência absoluta, improrrogável, pode ser alegada pelo réu a qualquer tempo e grau de jurisdição, além de cog-noscível pelo juiz, inclusive de ofício (art. 64, § 1º), até porque nula e rescindível a sentença definitiva emanada de juízo absolutamente incompetente (art. 966, inciso II).

II. A arguição de incompetência do órgão jurisdicional

Citado em foro (rectius: comarca estadual, seção ou subseção judiciária federal) diverso da-quele onde instaurado o processo, o réu, arguindo a incompetência territorial (relativa, portanto) na contestação, poderá protocolá-la no foro onde mantém seu domicílio, à autoridade local com-petindo comunicar o fato, preferencialmente por meio eletrônico, ao juiz que preside a causa. E, apesar da referência à incompetência absoluta contida no caput do dispositivo sob exame, essa faculdade conferida ao contestante, dispensando-o do deslocamento para o local onde proposta a ação, só tem sentido quando se tratar de incompetência de foro, não a de juízo: afinal, a compe-tência deste é absoluta, fundada em critérios objetivo ou funcional, sua incompetência não resul-tando, portanto, da inobservância de qualquer critério territorial determinativo da competência de foro.

III. Distribuição da contestação

Em regra, a contestação será direcionada ao juízo da causa. Protocolada pelo réu no foro de seu domicílio, será livremente distribuída a qualquer dos juízos cíveis nele existentes, com seu encaminhamento posterior àquele onde instaurado o processo; realizada a citação por carta precatória, esta, devidamente cumprida, será então enviada ao juízo perante o qual tramita o processo.

Diante dessas novidades, vale reiterar que as previsões do § 1º do art. 340 têm sentido quando se tratar de arguição de incompetência relativa; sendo absoluta (v.g., ação de competência da justiça estadual proposta perante juízo federal) e citado o réu em cumprimento a carta precatória,

Art. 340

Page 180: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

571

Antonio Carlos Marcato

é aceitável a conclusão de que a contestação deva ser apresentada ao juízo deprecado, com seu encaminhamento posterior ao deprecante, em atenção ao dever de cooperação recíproca entre os órgãos do Poder Judiciário, estadual ou federal, qualquer que seja o juízo ou o grau de juris-dição, mediante auxílio direto entre os respectivos magistrados e servidores (CPC/2015, arts. 67 a 69). Contudo, sendo outra a modalidade de citação, perante qual dessas “Justiças” deverá ser livremente distribuída a contestação se o foro de domicílio do réu for sede de juízos estadual e federal, como são, por exemplo, as capitais dos Estados? Uma pronta conclusão, a ser futura-mente corroborada, ou não, pela jurisprudência, é a de que a contestação deverá ser livremente distribuída a juízo da “Justiça” indicada pelo réu como sendo a competente.

Embora versando situação distinta da ora cuidada, a decisão a seguir transcrita presta-se a ilus-trar futuros problemas envolvendo a apresentação da contestação, mormente quando o CPC/2015 ainda recepciona normas de nenhuma utilidade para o processo eletrônico:

“[...] 2. Faltam com diligência o advogado que, em processo eletrônico, protocola contestação em papel e o serventuário que a recebe fora das hipóteses previstas na Resolução n. 551/2011, quando deveria recusá-la, informando ao interessado o motivo.

3. Não é razoável exigir que o advogado presuma que o protocolo da petição em papel foi equivocado quando o próprio serventuário a recebeu, dando a entender que foram atendidas as exigências da lei e da Resolução n. 551/2011 para a apresentação do agravo em recurso especial.

3. Aplica-se a regra da instrumentalidade das formas quando se constata que o protocolo do recurso em papel no prazo legal alcançou o objetivo almejado, devendo ser reputado válido.

4. A não impugnação específica dos fundamentos da decisão recorrida suficientes para mantê-la enseja o não conhecimento do recurso. Incidência da Súmula n. 283 do STF. [...]” (3ª T., AgRg no AREsp nº 607.748/SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, j. em 2/6/2015, DJe de 9/6/2015).

IV. Reconhecimento da competência territorial e prevenção do juízo Reconhecendo a incompetência territorial arguida pelo contestante, o juiz presidente do pro-

cesso suspenderá a realização da audiência de conciliação ou de mediação eventualmente já de-signada e determinará o encaminhamento dos autos físicos (se for o caso) àquele juízo perante o qual foi distribuída a contestação ou a carta precatória. Essa distribuição atua como causa deter-minante da prevenção da competência do respectivo juízo, à autoridade que nele oficia, cabendo, então, designar nova data para a audiência aludida.

V. Conflito negativo de competência Não reconhecendo a competência do juízo deprecado ou daquele ao qual foi distribuída a

contestação, a autoridade judiciária atuante em um ou outro também poderá, se for o caso, igual-mente declinar da competência e suscitar o correspondente conflito negativo, a ser dirimido pelo tribunal (v. CPC/2015, arts. 951 e ss.).

Art. 341 - Incumbe também ao réu manifestar-se precisamente sobre as alegações de fato constantes da petição inicial, presumindo-se verdadeiras as não impugnadas, salvo se:I - não for admissível, a seu respeito, a confissão;II - a petição inicial não estiver acompanhada de instrumento que a lei considerar da substância do ato;

Art. 341

Page 181: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

572

Antonio Carlos Marcato

III - estiverem em contradição com a defesa, considerada em seu conjunto.Parágrafo único - O ônus da impugnação especificada dos fatos não se aplica ao defensor público, ao advogado dativo e ao curador especial.

I. O ônus da impugnação especificada

Ofertando contestação, submete-se o réu ao ônus da impugnação especificada, ou seja, deverá ques-tionar todos os fatos pertinentes e relevantes indicados pelo autor na petição inicial, como causa de pedir (vedada, pois, em regra, a denominada contestação por negação geral), sob pena de presumirem-se ver-dadeiros os não impugnados. Deixando o réu de desincumbir-se desse ônus, ficará o autor dispensado da prova dos fatos não impugnados, porquanto incontroversos (CPC/2015, art. 371, inciso III), circuns-tância que autoriza, em princípio, até mesmo o julgamento antecipado do pedido (art. 355, inciso II).

Entenda-se, porém, o seguinte: ofertada contestação pelo réu, incontroversos serão apenas os fatos não impugnados (e ressalvadas, ainda, as situações indicadas nos incisos e no parágrafo do art. 341), ao autor cabendo, sendo o caso, o ônus da prova em relação àqueles impugnados (art. 373, inciso I); sendo o réu revel – e descumprindo totalmente, portanto, o ônus sob exame –, terá aplicação, em princípio, o disposto no art. 344, a permitir, como salientado, o julgamento antecipado do pedido. Nesse sentido, por todos:

“[...] 1. O artigo 300 do Código de Processo Civil orienta que cabe ao réu, na contestação, ex-por defesas processuais e as de mérito passíveis de serem arguidas naquele momento processual, isto é, na peça processual devem estar concentradas todas as teses, inclusive as que, nos termos do artigo 333, II, do CPC, possam demonstrar a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, sob pena de a parte sofrer os efeitos da preclusão consumativa.

2. O princípio da eventualidade impõe ao réu que, na contestação, apresente todas as suas teses passíveis de serem arguidas naquele momento processual, para que, em caso de rejeição da primeira, possa o juiz examinar as subsequentes.

3. Os fatos articulados pelo autor, dês que não impugnados, conforme se infere dos artigos 302 e 303 do CPC, passam a ser incontroversos, presumindo-se verdadeiros e, em decorrência da preclusão, não se admite que o réu proponha ulteriormente a produção de provas com o propósito específico de afastar o ponto incontrovertido. [...]” (4ª T., REsp nº 1224195/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. em 13/9/2011, DJe de 1º/2/2012).

II. O ônus da impugnação especificada e o princípio da autonomia dos litisconsortes

Sendo unitário o litisconsórcio passivo (CPC/2015, art. 116), não prevalecerá o princípio da autonomia dos litisconsortes insculpido na primeira parte do art. 117, aproveitando ao revel, portanto, a contestação ofertada por qualquer deles:

“[...] 3. ‘Cuidando-se de ação de declaração de nulidade de negócio jurídico, o litisconsórcio formado no polo passivo é necessário e unitário, razão pela qual, nos termos do art. 320, inciso I, do CPC, a contestação ofertada por um dos consortes obsta os efeitos da revelia em relação aos demais. Ademais, sendo a matéria de fato incontroversa, não se há invocar os efeitos da revelia para o tema exclusivamente de direito’ (REsp 704.546/DF, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 01/06/2010, DJe 08/06/2010).

4. ‘A revelia, que decorre do não oferecimento de contestação, enseja presunção relativa de veracidade dos fatos narrados na petição inicial, podendo ser infirmada pelos demais elementos

Art. 341

Page 182: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

573

Antonio Carlos Marcato

dos autos, motivo pelo qual não acarreta a procedência automática dos pedidos iniciais’ (REsp 1335994/SP, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 12/08/2014, DJe 18/08/2014). [...]” (4ª T., EDcl no AREsp nº 156.417/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. em 5/5/2015, DJe de 13/5/2015).

III. Questões de fato que independem de impugnação

Mesmo que o réu não se desincumba do ônus da impugnação especificada, em determinadas situações não se estabelecerá a presunção de veracidade prevista em lei, cabendo ao autor o ônus da prova, quando:

a) for inadmissível, a respeito do fato, a confissão (inciso I): há fatos que não se tornam in-controversos, mesmo que o réu os tenha confessado expressamente (v.g., as questões de estado e capacidade das pessoas, que dizem respeito a direitos indisponíveis), competindo então ao autor a produção da prova tendente a sua demonstração, se e quando necessária;

b) o ato somente puder ser provado documentalmente (inciso II): como a lei exige a forma documental pública para a prova de determinados atos jurídicos (v.g., prova do casamento, de propriedade imobiliária, etc.), compete ao autor instruir a petição inicial com os documentos indispensáveis à propositura da ação (v. CPC/2015, arts. 320, 321 e 339, inciso IV). Então, mes-mo deixando o réu de impugnar os fatos (não documentados) expostos na inicial, remanescerá para o autor o ônus da produção da prova documental correspondente;

c) os fatos não impugnados estiverem em contradição com a defesa, considerada em seu conjunto (inciso III): pode ocorrer de, mesmo considerados incontroversos por ausência de im-pugnação expressa pelo réu, determinados fatos contrariem a versão exposta na petição inicial a título de causa de pedir. Constatada essa contradição intrínseca, estará caracterizada a controvér-sia envolvendo fatos indicados pelo autor (questões de fato, a demandarem dilação probatória), cabendo-lhe o ônus de prová-los, apesar da ausência de impugnação do réu. A título de exemplo, imagine-se que o réu não se desincumba do ônus da impugnação específica, mas oferte reconven-ção, fundando-a em moldura fática totalmente diversa daquela exposta pelo autor – caso em que estará estabelecida a controvérsia sobre os fatos narrados na peça inaugural do processo.

IV. Situações de dispensa do ônus da impugnação especificada

Em seu parágrafo, o art. 341 dispensa o defensor público, o advogado dativo e o curador espe-cial do ônus sob exame, permitindo-lhes a oferta de contestação por negação geral, em atenção à eventual dificuldade que terão na obtenção e produção de provas. Ofertada essa contestação, dá-se a impugnação integral de todos os fatos indicados pelo autor em sua petição inicial à guisa de causa de pedir, como constitutivos de seu direito, cabendo-lhe, então, o correspondente ônus da prova, nos termos no inciso I do art. 373 do CPC/2015.

Importante observar, ademais, que a não impugnação especificada de todos os fatos declina-dos na petição inicial não exclui, prima facie, a livre apreciação, pelo juiz, dos fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do alegado direito do autor, caso provados no processo, independen-temente de manifestação do réu, ante o que dispõe o art. 371 do mesmo diploma legal.

Derradeiras observações: como ao Ministério Público é vedada a promoção, em juízo, da defesa de interesses individuais disponíveis (CF, art. 127, caput, contrario sensu), cabe à Defen-soria Pública, além da defesa do réu necessitado da gratuidade da justiça (CPC/2015, art. 185), também ofertar contestação em prol de réu revel fictamente citado ou preso (art. 72, inciso II e parágrafo único), função que, no passado, também podia ser exercida pelos representantes do parquet, daí a referência contida no parágrafo do art. 302 do CPC/1973.

Art. 341

Page 183: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

574

Antonio Carlos Marcato

Art. 342 - Depois da contestação, só é lícito ao réu deduzir novas alegações quando:I - relativas a direito ou a fato superveniente;II - competir ao juiz conhecer delas de ofício;III - por expressa autorização legal, puderem ser formuladas em qualquer tempo e grau de jurisdição.

I. Defesas dedutíveis após a oferta da contestação

Não obstante o princípio da eventualidade contemplado no art. 336, já examinado, o art. 342 autoriza a dedução pelo réu, após a oferta da contestação, das defesas enunciadas em seus inci-sos:

1. Inciso I – defesas relativas a direito superveniente

Dispensa maiores considerações a possibilidade de o réu vir a deduzir, depois de haver con-testado, alegações relativas a direito superveniente (à contestação); aliás, o art. 493 determina que o juiz leve em consideração, inclusive de ofício, ao proferir sua sentença, qualquer fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito superveniente à propositura da ação, que possa influir no julgamento.

2. Inciso II – defesas cognoscíveis de ofício

Tratando-se de objeções (v. notas ao art. 337), delas compete ao juiz conhecer de ofício, po-dendo o réu, consequentemente, deduzi-las mesmo após a oferta de contestação, como é o caso, por exemplo, das defesas processuais indicadas no § 5º do referido art. 337 e das defesas de mé-rito consistente na consumação da decadência legal (CC, art. 210) e na prescrição, previamente intimado o autor para se manifestar a respeito (art. 487, parágrafo único), salvo quando se tratar de rejeição liminar do pedido por ele formulado (art. 332, § 1º).

3. Inciso III – defesas que, por expressa autorização legal, podem ser formuladas a qual-quer tempo e grau de jurisdição

É evidente que esse inciso não se refere às objeções, pois delas trata o anterior; cuida, isto sim, de defesas das quais é defeso ao juiz conhecer de ofício, mas que, por expressa autorização legal, a parte interessada pode alegar a qualquer tempo, valendo como exemplo a alegação de consumação da decadência convencional (CC, art. 211).

Art. 342

Page 184: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

575

Clito Fornaciari Junior

Art. 343 - Na contestação, é lícito ao réu propor reconvenção para manifestar pretensão própria, conexa com a ação principal ou com o fundamento da defesa.§ 1º - Proposta a reconvenção, o autor será intimado, na pessoa de seu advogado, para apresentar resposta no prazo de 15 (quinze) dias.§ 2º - A desistência da ação ou a ocorrência de causa extintiva que impeça o exame de seu mérito não obsta ao prosseguimento do processo quanto à reconvenção.§ 3º - A reconvenção pode ser proposta contra o autor e terceiro.§ 4º - A reconvenção pode ser proposta pelo réu em litisconsórcio com terceiro.§ 5º - Se o autor for substituto processual, o reconvinte deverá afirmar ser titular de direito em face do substituído, e a reconvenção deverá ser proposta em face do autor, também na qualidade de substituto processual.§ 6º - O réu pode propor reconvenção independentemente de oferecer contestação.

AutorClito Fornaciari Junior

I. Dos requisitos da reconvenção

Reconvenção é o meio previsto no Código de Processo Civil para o réu, diante da ação ajui-zada em face dele pelo autor, demandá-lo, promovendo-lhe, pois, também uma ação. Afasta-se, portanto, o réu-reconvinte da atitude meramente passiva de se defender, passando ao contra-ataque, fazendo, assim, com que se amplie o objeto litigioso do processo e também a atividade jurisdicional, que irá versar sobre ambas as relações jurídicas.

Não é dado, todavia, ao réu promover qualquer ação em face do autor que lhe demanda. Deve existir um vínculo que ligue as duas ações, que é a conexão. Exige a lei processual que a reconvenção seja conexa à ação principal ou ao fundamento da defesa oferecida pelo réu. Esse elemento comum entre as causas permitirá que se tenha atendida a economia processual, de vez que em parte se terá aproveitada a atividade que se desenvolveria para um processo para a solução também do outro.

A conexão, por sua vez, se verifica quando há identidade de pedido ou de causa de pedir entre as duas ações (CPC, art. 55). O pedido a ser considerado é o mediato, ou seja, o bem da vida que está em disputa, sendo indiferente o imediato representado pela natureza da postulação que se apresenta perante o Judiciário. Destarte, diante de uma ação condenatória, pode haver uma reconvenção de natureza declaratória, por exemplo, desde que versando sobre o mesmo bem da vida que se discutia na ação principal. Basta, porém, a identidade de causa de pedir, entendida como os fundamentos de fato e de direito que dão sustentação ao pedido. Assim, de um mesmo contrato ou de um mesmo acidente podem surgir ação e reconvenção. Não integram a causa de pedir e, portanto, são indiferentes para a reunião de ações os fatos simples, aqueles que gravitam em torno do fato jurídico, e o fundamento legal do pedido.

Page 185: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

576

Clito Fornaciari Junior

O elo entre ação e reconvenção pode igualmente ser decorrente do fundamento da defesa, sendo mais comum a ligação com a defesa indireta de mérito do que com a direta, embora as duas a tanto sirvam. Pela primeira, o réu traz ao processo fatos novos, extintivos, modificativos ou impeditivos do direito do autor, dos quais possa advir direito de o réu postular algo em seu favor. A defesa direta, embora em bem menor escala, também pode dar amparo à reconvenção. É certo que para a dedução da reconvenção há o requerido de postular algo diferente e maior do que lhe daria a simples improcedência da ação, que bem define o interesse de agir para a via reconvencional. Se o objetivo é somente obter a declaração de que o autor não tem o direito que alega possuir face ao réu, não há interesse de agir na reconvenção, pois isso poderá ser obtido tão só com a defesa, desde que acolhida e, assim, reconhecida a improcedência da ação. Portanto, atrelando-se a reconvenção ao fundamento da defesa direta de mérito, há de se pedir mais do que a improcedência. Seria possível, dessa forma e para exemplificar, reivindicar indenização por força de ofensas irrogadas na inicial da ação.

Além da conexão, é necessário que a ação promovida pela via reconvencional esteja também submetida à competência do juízo perante o qual corre a ação principal. A incompetência para a demanda que se entende pudesse ser proposta por reconvenção, desde que de natureza absoluta, é óbice para o seu ajuizamento. Se o vício for de natureza relativa, no entanto, a questão supe-ra-se, pois as hipóteses assim arroladas pelo Código são passíveis de modificação, de modo que prevalece a competência para a primeira ação à qual a segunda se agregará.

II. Do instrumento para o oferecimento da reconvençãoNo sistema do Código de 1973, a reconvenção era uma das modalidades de resposta do réu,

instituto que albergava também a contestação e as exceções (incompetência relativa, suspeição e impedimento). O CPC/2015 concentrou todas as manifestações próprias do réu, em sua primeira intervenção no processo, na contestação (CPC, art. 337). Essa passou a ser a peça única de defesa, indo além das exceções e prestando-se também para a impugnação ao valor da causa e à concessão de justiça gratuita, que eram objeto de incidentes específicos apresentados por meio de petição au-tônoma. Relativamente à reconvenção, firmou que ela deve ser proposta “na contestação”.

Adotou, desse modo, o CPC/2015 o mesmo sistema que no procedimento sumário era reser-vado para o chamado pedido contraposto (CPC/1973, art. 278, § 1º), que poderia ser utilizado pelo requerido para a formulação de pedido “fundado nos mesmos fatos referidos na inicial”. O pedido contraposto não aumentava a atividade jurisdicional: os fatos e também as provas eram as mesmas da ação. Havia apenas uma decisão mais ampla. A reconvenção é bem mais que isso, de maneira que se torna difícil, como agora imposto, externá-la no corpo da contestação. Os fatos da ação e da reconvenção não são os mesmos, a não se justificar semelhante simplificação. De qualquer modo, a lei assim impõe.

Sendo a contestação o veículo da reconvenção, nela, então, deverá ter lugar um tópico especí-fico no qual o réu deverá indicar os fatos e fundamentos da demanda reconvencional e formular o pedido, especificando inclusive seus acessórios. Além disso, há de se dar valor à causa e apontar as provas com as quais o reconvinte pretende demonstrar o alegado. Nas reconvenções intentadas jun-tamente com terceiro ou, então, naquelas promovidas em face do autor e também de terceiro, que, até então, não fazia parte do processo, logicamente há de se indicar e qualificar o novo personagem.

III. Da chamada do reconvindo para se defender e das hipóteses que lhe são dadas A chamada do autor para se defender diante do pedido formulado pela via reconvencional

dá-se não pela sua citação pessoal (CPC, art. 242), mas pela simples intimação, realizada na

Art. 343

Page 186: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

577

Clito Fornaciari Junior

pessoa do advogado do demandante. Para tanto o advogado não necessita de poderes especiais, como se exige para receber citação em uma ação autônoma (CPC, art. 105), de vez que a lei lhe atribui tal ônus, que não é, pois, decorrente da concessão de poderes pelo mandante.

A intimação realiza-se por meio da publicação do despacho de recebimento da reconvenção no órgão oficial (CPC, art. 272), começando a correr a quinzena para a defesa no dia seguinte ao da publicação. Com a intimação também se produzem os efeitos que, em relação a ações au-tônomas, ocorrem com a citação (CPC, art. 240), ou seja, induz litispendência, torna litigiosa a coisa, constitui o devedor em mora e interrompe a prescrição, interrupção esta que, na verdade, retroage, por coerência com a ação, ao momento de apresentação da contestação, nela estando deduzida a reconvenção.

O § 1º deste artigo estabelece que o prazo de quinze dias é para o oferecimento de resposta, termo que no CPC/1973 tinha conotação mais ampla que a da simples contestação, abrangen-do, como antes dito, a contestação, as exceções e a própria reconvenção. Não há, porém, no CPC/2015 o instituto da resposta, de modo que a expressão há de ser entendida nesta lei como simples sinônimo de defesa, de contestação, a que se restringe a possibilidade de manifestação do reconvindo nos autos, sendo incogitável a reconvenção da reconvenção.

A falta de defesa pelo autor-reconvindo importa na sua revelia e, assim, presumem-se verda-deiros os fatos alegados pelo reconvinte, com as ressalvas previstas no art. 345.

IV. Da autonomia da reconvenção

Apesar de a reconvenção ser apresentada no bojo da contestação, ela tem vida própria, guar-dando substancialmente uma autonomia, de modo a ter que ser decidida, o que acontecerá, em princípio, conjuntamente com a ação principal, em sendo superados os pressupostos de admis-sibilidade da ação. É certo que, tendo o CPC/2015 admitido julgamento de mérito parcial e antecipado (CPC, art. 356), nada impede que a reconvenção ou a ação principal seja decidida isoladamente, ficando a outra demanda para decisão posterior. Isso deverá ocorrer se a questão debatida for incontroversa; ou se não houver necessidade de produção de outras provas; ou, ain-da, se o requerido for revel e forem aplicáveis a ele os efeitos da revelia.

Qualquer vício formal ou ato de vontade (desistência) que afete uma das relações, impedindo, desse modo, o seu julgamento pelo mérito, não contagia a outra, de modo que a extinção de uma (ação principal ou reconvenção) não impedirá o prosseguimento da outra e sua decisão de mérito.

V. Da reconvenção também em face de terceiros

Afronta o princípio da economia processual a admissibilidade pelo CPC/2015 de propositura de reconvenção em face do autor conjuntamente com terceiro, até então, portanto, alheio ao pro-cesso. As vantagens que a reconvenção possibilita desaparecem, pois com relação ao terceiro, por exemplo, sua citação terá que ser pessoal, pois não tem advogado constituído nos autos, fato que inviabiliza sua simples intimação. De outro lado, ao terceiro demandado será possível discutir a competência para o processamento da reconvenção, tendo ele, ademais, possibilidade e certamente interesse em deduzir defesa mais ampla e pugnar por maior espaço para a produção de provas.

O termo inicial do prazo para a defesa do terceiro agora réu (não se poderia dizer reconvindo, pois autor não é) não será o mesmo do reservado para o autor-reconvindo, mas seguirá a regra geral (CPC, art. 231). No entanto, tendo em vista que o prazo deve ser comum para os diversos litisconsortes, o benefício maior para o novo requerido há de se estender também ao reconvindo que é autor.

Art. 343

Page 187: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

578

Clito Fornaciari Junior

Em razão de a lei ser expressa, não se faz possível indeferir a reconvenção deduzida em face também do terceiro, a pretexto de que sua entrada no processo ampliaria a demanda, comprome-tendo a mais expedita solução do processo, como, à luz do CPC/1973, a jurisprudência entendia relativamente à denunciação da lide, nas hipóteses em que não era obrigatória. A reconvenção, neste caso, realmente ampliará o âmbito da demanda e da própria atividade jurisdicional, a que o magistrado terá que se render, aceitando a ampliação subjetiva também.

VI. Da reconvenção proposta também por terceiro

Pior que a colocação de terceiro no polo passivo da reconvenção juntamente com o autor é, sem dúvida, a permissão para que a reconvenção seja promovida pelo réu em litisconsórcio com terceiro que, destarte, não era réu. O litisconsórcio tanto pode ser decorrência de ajuste fora do processo entre os que se tornarão litisconsortes como, ainda, no caso de litisconsórcio necessá-rio, por força de determinação judicial, a pedido do reconvinte, de que o terceiro venha a integrar o processo, hipótese em que terá que ser citado pessoalmente, mesmo que para assumir o polo ativo da relação processual nascida com a reconvenção.

Evidente que, sendo a reconvenção ofertada na contestação, há que se ressaltar – e assim há de ser considerado na decisão – que a contestação enquanto peça de defesa é obra exclusiva do réu, limitando-se ao terceiro, agora “autor” da reconvenção, as questões atinentes a esta, de modo a não dever ser imputada a ele nenhuma consequência que não seja exclusiva decorrência do quanto alegado no tópico pertinente à reconvenção.

VII. Da legitimidade para a reconvenção quando a ação for promovida por substituto processual

Se o autor intentar a ação na condição de substituto processual, ou seja, defendendo em nome próprio direito alheio (CPC, art. 18) somente poderá ser demandado por reconvenção também na condição de substituto, de modo que a pretensão de direito material do reconvinte deverá voltar-se contra o substituído, mas desde que o substituto também esteja autorizado a proceder a defesa dos interesses do substituído, que é hipótese não tratada na substituição processual.

A praticidade da regra, tanto quanto na legislação pretérita, é cerebrina, de vez que a legiti-midade do substituto tem caráter excepcional, depende de previsão expressa da lei e se coloca sempre no sentido de se pleitear direito alheio em nome próprio, ou seja, volta-se ao polo ativo de qualquer ação.

VIII. Da reconvenção sem contestação

A inserção da reconvenção na peça da contestação impõe a distinção entre a peça formalmente e a mesma peça no que toca com seu conteúdo.

A redação do § 6º é, ao menos do ponto de vista formal, contraditória, pois, se é na contestação que o réu pode propor a reconvenção, não faz sentido que se reconheça que “o réu pode propor reconvenção independentemente de oferecer contestação”. Sem a forma, não há o conteúdo. Do ponto de vista do conteúdo, porém, ela faz sentido, devendo ser entendida como a permissão ao réu de, sem atacar as alegações do autor, sendo, pois, revel ou até reconhecendo o pedido formulado pelo demandante, oferecer reconvenção, postulando assim um direito conexo àquele da ação.

Pensável, nessa linha, uma ação requerendo a rescisão contratual, vindo, em reconvenção, o réu a pedir, sem contestar o direito de rescisão do autor, seja o mesmo condenado a lhe pagar indenização em razão da rescisão.

Art. 343

Page 188: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

579

Eduardo Arruda Alvim e Daniel Willian Granado

Art. 344 - Se o réu não contestar a ação, será considerado revel e presumir--se-ão verdadeiras as alegações de fato formuladas pelo autor.

AutoresEduardo Arruda Alvim e Daniel Willian Granado

I. Conceito de revelia

Caracteriza-se a revelia pelo não oferecimento válido e tempestivo de contestação por parte do réu. A revelia é espécie do gênero contumácia, que abrange também a inércia do autor.

II. Efeitos da revelia

O principal efeito da revelia é a presunção de veracidade dos fatos afirmados pelo autor que não tenham sido objeto de contestação. Para que ocorra o efeito da presunção de veracidade de que cuida o presente dispositivo legal, é imprescindível que do mandado citatório conste a adver-tência do art. 250, inciso II (aplicável à citação postal, por força do art. 248, § 3º), consistente no prazo de contestação sob pena de revelia, se for o caso. Com efeito, há casos, segundo o regime do CPC/2015, em que o réu não é citado para contestar, mas sim para comparecer à audiência de con-ciliação de que trata o art. 334. Nesses casos, o prazo para contestar inicia-se a partir da audiência (art. 335, inciso I) ou, ainda, do protocolo do pedido de cancelamento da audiência apresentado pelo réu, quando ambas as partes manifestarem, expressamente, desinteresse na composição con-sensual (art. 335, inciso II, c.c. art. 334, § 4º, inciso I). Contudo, quando se tratar de direitos que não admitam autocomposição, não terá cabimento a audiência de conciliação ou de mediação, de modo que, nesse caso, o prazo para contestar começa a contar a partir dos termos previstos no art. 231, de acordo com o modo como foi feita a citação (art. 335, inciso III, c.c. art. 231).

III. Revelia e reconvenção

Em caso de reconvenção (art. 343), a falta de contestação também pode implicar a produção dos efeitos de que trata o art. 344, sendo desnecessário que conste do mandado a advertência do art. 250, inciso II, eis que a intimação para oferecimento de contestação à reconvenção é dirigida ao advogado do autor (art. 343, § 1º). Tal regra, contudo, não se aplica se a reconvenção for ofe-recida contra o autor e terceiro (art. 343, § 3º), caso em que a citação do terceiro deverá conter a advertência do art. 250, inciso II.

Muito embora a reconvenção seja oferecida na contestação (art. 343, caput), nada obsta que o réu não conteste e ofereça apenas reconvenção (art. 343, § 6º). Nesse caso, se a reconvenção oferecida tiver o condão de controverter os fatos alegados pelo autor, deverão ser afastados os efeitos da revelia, naquilo que tiver sido objeto de controvérsia.

IV. Revelia e impugnação especificada

Ao lado disso, diante do que estabelece o art. 341, ainda que haja oferecimento de contestação e não sejam impugnados todos os fatos alegados pelo autor, a presunção de veracidade pode se fazer presente quanto aos fatos que não tenham sido impugnados, salvo as exceções previstas nos

Page 189: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

580

Eduardo Arruda Alvim e Daniel Willian Granado

incisos I, II e III do art. 341, bem como a hipótese do parágrafo único desse mesmo dispositivo legal, que cuida da não aplicação do ônus da impugnação especificada dos fatos ao defensor pú-blico, advogado dativo e curador especial.

V. Presunção relativa de veracidade dos fatos alegados

A presunção do art. 344 refere-se a fatos, de modo que a aplicação desse dispositivo não signi-fica, em absoluto, que a demanda deva ser julgada procedente. Em caso de falta de pressupostos processuais, por exemplo, nada obsta que haja extinção do processo sem resolução do mérito em desfavor do autor, ainda que o réu não tenha apresentado contestação, por se tratar de matéria de ordem pública, a respeito da qual cabe ao juiz agir e conhecer de ofício (art. 485, § 3º).

Ao lado disso, cuida-se de presunção relativa de veracidade (presunção juris tantum), ou seja, vencível por prova em sentido contrário, desde que, à luz da convicção do juiz, resulte a não veracidade dos fatos constitutivos do pedido do autor.

Deve-se observar, ademais disso, que ao réu revel que tenha sido citado por edital ou com hora certa, ou ainda ao réu preso revel deverá ser nomeado curador especial (art. 72, inciso II), o qual poderá contestar por negativa geral (art. 341, parágrafo único), elidindo, com isso, os efeitos do art. 341, caput, que cuida do ônus da impugnação especificada dos fatos articulados na petição inicial.

Caso haja revelia e o efeito mencionado no presente dispositivo legal, uma das consequências que podem recair sobre o réu é o denominado julgamento antecipado do mérito, nos termos do art. 355, inciso II.

Art. 345 - A revelia não produz o efeito mencionado no art. 344 se:I - havendo pluralidade de réus, algum deles contestar a ação;II - o litígio versar sobre direitos indisponíveis;III - a petição inicial não estiver acompanhada de instrumento que a lei considere indispensável à prova do ato;IV - as alegações de fato formuladas pelo autor forem inverossímeis ou estiverem em contradição com prova constante dos autos.

I. Não incidência dos efeitos da revelia

Cuida-se neste dispositivo dos casos em que o réu não tenha apresentado contestação, mas que, a despeito disso, não lhe seja imposto o efeito da revelia consistente na presunção relativa de veracidade dos fatos articulados pelo autor na inicial de que trata o art. 344.

II. Pluralidade de réus

A primeira exceção, prevista no inciso I do art. 345, cuida da hipótese em que, havendo plu-ralidade de réus, algum deles contestar a ação. Tal dispositivo tem aplicação em caso de litis-consórcio passivo unitário, em que a sorte no plano do direito material de todos os litisconsortes deve ser a mesma (art. 116). Em caso de litisconsórcio unitário, considerando-se que os atos de um litisconsorte beneficiam aos outros (art. 117), tem-se que a contestação de um deles tem ap-tidão de afastar o efeito da presunção relativa de veracidade de que trata o art. 344. Contudo, se se tratar de litisconsórcio passivo simples, diante da independência dos litisconsortes nesse caso

Art. 345

Page 190: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

581

Eduardo Arruda Alvim e Daniel Willian Granado

(art. 118), a contestação de um deles não afasta automaticamente o efeito do art. 344, salvo se os fatos contestados por um deles forem comuns e puderem ser aproveitados aos demais.

III. Direitos indisponíveis Ao lado disso, afasta-se a presunção do art. 344 na hipótese de o litígio versar direitos indisponí-

veis, como no caso de ações de estado. Com efeito, figure-se o caso de ação de investigação de pater-nidade. Evidentemente, o não oferecimento de contestação pelo réu não acarretará, necessariamente, a presunção relativa de veracidade dos fatos alegados pelo autor. Em outras palavras, a paternidade deverá ser provada, a despeito de não ter havido contestação. Regra de teor equivalente é encontrável no art. 392, no sentido de que não vale como confissão a admissão, em juízo, de fatos relativos a direi-tos indisponíveis. Também o art. 341, inciso I, que afasta o ônus da impugnação especificada se se tra-tar de fatos a respeito dos quais não seja admissível a confissão. Inserem-se ainda nessa categoria os direitos submetidos a controle estatal, diante do princípio da indisponibilidade do interesse público.

IV. Instrumento indispensável à prova do ato A terceira exceção prevista no dispositivo trata do afastamento do efeito da revelia consistente

na presunção relativa de veracidade no caso da petição inicial não estar acompanhada de instru-mento que a lei considere indispensável à prova do ato. A esse respeito, deve ser mencionado o art. 406, no sentido de que, quando a lei exigir instrumento público como da substância do ato, nenhuma outra prova, por mais especial que seja, pode suprir-lhe a falta. É o caso, por exemplo, do art. 108 do CC/2002, que prescreve que, não havendo disposição legal em sentido contrário, a escritura pública é da substância do ato, nos negócios que envolvam direitos reais sobre imóveis no valor superior a 30 vezes o maior salário mínimo vigente.

V. Alegações inverossímeis Por fim, há a hipótese do inciso IV do art. 345, caso em que o efeito da revelia do art. 344 será

afastado se as alegações de fato formuladas pelo autor forem inverossímeis ou estiverem em con-tradição com a prova constante dos autos. Com efeito, o juiz não deve dar por verdadeiros fatos absolutamente implausíveis, somente porque não houve contestação do réu. O mesmo se pode dizer se as alegações do autor estiverem em contradição com o material probatório constante dos autos, diante do que estatui o convencimento motivado de que cuida o art. 371.

Art. 346 - Os prazos contra o revel que não tenha patrono nos autos fluirão da data de publicação do ato decisório no órgão oficial.Parágrafo único - O revel poderá intervir no processo em qualquer fase, recebendo-o no estado em que se encontrar.

I. Efeitos da revelia

Ao lado do efeito de que cuida o art. 344 – presunção relativa de veracidade das alegações do autor –, o dispositivo em apreço trata de outro efeito da revelia, qual seja o transcurso do prazo para o réu revel que não tenha advogado constituído nos autos fluirá da data de publicação do ato decisório no órgão oficial.

II. Prazos para o réu revel

O CPC/2015, nesse particular, acolheu expressamente orientação doutrinária criada à luz do

Art. 346

Page 191: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

582

Eduardo Arruda Alvim e Daniel Willian Granado

art. 322 do CPC/1973, no sentido de que o prazo para o réu revel deve ter início a partir da publi-cação do ato decisório no órgão oficial. Em outros termos, deixou-se claro que o termo “publica-ção” constante de aludido dispositivo legal quer significar a publicação no órgão oficial, e não o mero ato de tornar público, leia-se, acessível às partes, como a disponibilização do ato decisório em cartório. Em outros termos, disponibilizada a sentença no órgão oficial, o prazo para o réu revel recorrer começa a correr da mesma data que para o autor, ou seja, a partir do dia seguinte à publicação (considerado o dia da publicação, nesse particular, o dia seguinte à disponibilização no órgão oficial, nos termos do art. 224, § 2º).

III. Intervenção do réu revel

É dado ao réu revel adentrar ao processo em qualquer fase, recebendo-o no estado em que se encontrar. Nesse caso, ao adentrar ao processo devidamente representado por advogado, as inti-mações deverão ser direcionadas a este último.

Intervindo o réu revel ao processo, como regra, não poderá mais rebater os fatos alegados na inicial, o que, em última análise, deveria ter sido feito em contestação. Também não poderá se insurgir em relação a preclusões consumadas. Contudo, poderá alegar qualquer tipo de matéria que seja cognoscível de ofício pelo juiz. Ao lado disso, poderá ainda, se adentrar a tempo, pro-duzir provas (art. 349), segundo orientação cristalizada na Súmula nº 231 do STF: “O revel, em processo cível, pode produzir provas, desde que compareça em tempo oportuno”.

Art. 347 - Findo o prazo para a contestação, o juiz tomará, conforme o caso, as providências preliminares constantes das seções deste Capítulo.

I. Providências preliminares

Cuida-se aqui das denominadas providências preliminares. Trata-se de providências que o juiz deve tomar logo após a resposta do réu, ou, ainda, após o transcurso do prazo para oferecimento de contestação, ainda que esta não tenha sido apresentada.

II. Fase de saneamento do processo

As providências preliminares dão início à fase de saneamento do processo, que se encerra com a decisão de saneamento (art. 357), salvo, evidentemente, as hipóteses em que o processo termine antes disso. As providências preliminares, tratadas nos dispositivos seguintes, devem ser tomadas, devendo o escrivão fazer a conclusão dos autos ao magistrado após a contestação ou, ainda, transcurso in albis do prazo para seu oferecimento. Caso haja reconvenção oferecida juntamente com a contestação, as providências preliminares deverão ocorrer após a contestação à reconvenção ou também do transcurso do prazo para oferecê-la (art. 343, § 1º).

III. Cabimento das providências preliminares

Pode-se dizer que as providências preliminares têm lugar se houver na contestação arguição das preliminares do art. 337 ou defesa indireta (arts. 350 e 351); se houver revelia e não inci-direm os seus efeitos (arts. 348 e 349); se houver vícios sanáveis, para que sejam sanados (art. 352) e, ainda, se o réu juntar na contestação prova documental, em função do princípio do con-traditório (art. 437).

Art. 347

Page 192: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

583

Eduardo Arruda Alvim e Daniel Willian Granado

Art. 348 - Se o réu não contestar a ação, o juiz, verificando a inocorrência do efeito da revelia previsto no art. 344, ordenará que o autor especifique as provas que pretenda produzir, se ainda não as tiver indicado.

I. Especificação de provas pelo réu revel

Conforme vimos, a revelia consiste na falta de apresentação de contestação, dentro do prazo, pelo réu que tenha sido regularmente citado. Se tiver havido revelia, mas não o efeito de que cuida o art. 344, deverá o autor especificar as provas que pretenda produzir, se ainda não as tiver indicado, que serão, caso o processo não termine antes disso, deferidas total ou parcialmente na decisão de saneamento (art. 357, inciso II).

O art. 348 cuida de providências preliminares que antecedem ao julgamento conforme o es-tado do processo (arts. 354 e seguintes). Em referido dispositivo cuida-se de casos em que há revelia, mas sem os seus efeitos (por exemplo, porque a ação versa direitos indisponíveis, nos termos do art. 345, inciso II). Se isso ocorrer, o juiz deverá ordenar ao autor que especifique as provas com as quais pretende demonstrar a veracidade do que alegara. Isso, claro, se ainda não as tiver indicado na petição inicial (art. 319, inciso VI).

Art. 349 - Ao réu revel será lícita a produção de provas, contrapostas às alegações do autor, desde que se faça representar nos autos a tempo de praticar os atos processuais indispensáveis a essa produção.

I. O réu revel e a produção de provas

Ainda que o art. 349 esteja alocado em Seção intitulada “Da não incidência dos efeitos da re-velia”, nada obsta que o réu revel (ainda que haja o efeito de que cuida o art. 344) venha a produ-zir provas, contrapostas às alegações do autor. Evidentemente, deverá adentrar ao processo, de-vidamente representado por advogado, em tempo de praticar os atos processuais indispensáveis a essa produção. Nesse sentido, a orientação cristalizada na Súmula nº 231 do STF: “O revel, em processo civil, pode produzir provas desde que compareça em tempo oportuno”. Caso haja revelia com o efeito do art. 344, poderá haver o denominado julgamento antecipado do mérito (art. 355), que pode também ser parcial (art. 356). Nesse caso, todavia, se houver requerimento de provas pelo réu revel, nos termos do art. 349, o julgamento antecipado do mérito deve ser afastado (art. 355, inciso II), desde que, evidentemente, as provas requeridas sejam imprescindí-veis para a formação da convicção do magistrado. Caso contrário, se o juiz já tiver formado sua convicção, poderá julgar antecipadamente o mérito com fundamento no art. 355, inciso I.

Art. 350 - Se o réu alegar fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, este será ouvido no prazo de 15 (quinze) dias, permitindo--lhe o juiz a produção de prova.

I. Réplica em caso de alegação de fato impeditivo, modificativo ou extintivo

O art. 350 cuida de um dos casos em que o autor pode oferecer a denominada réplica. Nesse

Arts. 348, 349 e 350

Page 193: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

584

Eduardo Arruda Alvim e Daniel Willian Granado

sentido, toda vez que o réu alegar fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do au-tor, este será ouvido no prazo de 15 dias, permitindo-lhe o juiz a produção de prova. A réplica, portanto, deve ser oferecida no prazo de 15 dias, diferentemente do quanto estatuía o art. 326 do CPC/1973, que cuidava do prazo de dez dias. Cuida o dispositivo das denominadas defesas de mérito.

São fatos impeditivos aqueles que obstam a procedência do pedido do autor (por exemplo, o pagamento). De outro lado, são modificativos os fatos que impedem o acolhimento integral do pedido do autor (pagamento parcial, por exemplo). De seu turno, há os fatos extintivos do direito do autor, a exemplo da ocorrência de condição resolutiva do direito do autor.

Caso sejam alegados quaisquer desses fatos, o juiz deverá intimar o autor para que ofereça réplica no prazo de 15 dias. Rigorosamente, portanto, só há que se falar em réplica se o réu alegar algum fato impeditivo, extintivo ou modificativo do direito do autor (art. 350), ou caso alguma questão preliminar seja levantada na contestação (art. 351). Contudo, é comum no dia a dia fo-rense o oferecimento de réplica, ainda que não se esteja diante dessas hipóteses, o que não causa, em nosso sentir, qualquer inconveniente, desde que respeitado o contraditório.

Art. 351 - Se o réu alegar qualquer das matérias enumeradas no art. 337, o juiz determinará a oitiva do autor no prazo de 15 (quinze) dias, permitindo-lhe a produção de prova.

I. Réplica em função de alegação de preliminar

Assim como o art. 350, o presente dispositivo legal cuida do oferecimento de réplica no prazo de 15 dias, caso o réu levante em contestação as preliminares enumeradas no art. 337, devendo-se permitir produção de prova também nessa hipótese. Nas hipóteses dos arts. 350 e 351, portanto, o juiz ensejará ao autor a oportunidade de se manifestar, caso sejam alegados fatos modificativos, impeditivos ou extintivos do direito do autor ou ainda as preliminares do art. 337. Não existe pre-visão legal para apresentação de réplica quando apenas forem contestados os fatos propriamente ditos. Contudo, conforme dissemos, não vemos inconveniente algum no oferecimento de réplica mesmo fora das hipóteses dos arts. 350 e 351. Caso sejam anexados documentos na contestação, o autor sobre eles deverá se manifestar em réplica (art. 437).

II. Tréplica

Caso sejam juntados documentos na réplica, o juiz deverá determinar ao réu que se pronuncie a respeito dos mesmos, no prazo de 15 dias, nos termos do art. 437, § 1º. Muito embora não haja no ordenamento disposição expressa sobre a tréplica, deve ser oportunizado ao réu que se mani-feste a respeito do documento juntado pelo autor na réplica, por força do que dispõe o art. 437, § 1º, em função da necessidade de observância do contraditório.

Art. 352 - Verificando a existência de irregularidades ou de vícios sanáveis, o juiz determinará sua correção em prazo nunca superior a 30 (trinta) dias.

Arts. 351 e 352

Page 194: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

585

Eduardo Arruda Alvim e Daniel Willian Granado

I. Correção de irregularidades sanáveis

O dispositivo em apreço busca trazer maior rendimento ao processo, evitando-se sua extinção quando houver vícios sanáveis. Trata-se, nessa linha, de um dos desdobramentos do aproveita-mento dos atos processuais (art. 283, parágrafo único). Com efeito, nos termos do art. 317, antes de proferir decisão sem resolução de mérito, o juiz deverá conceder à parte oportunidade para, se possível, corrigir o vício. Nessa linha, se houver irregularidades ou vícios sanáveis, o juiz deverá determinar sua correção em prazo nunca superior a 30 dias. Assim, por exemplo, em caso de irregularidade de representação, deverá o juiz determinar a juntada de procuração (art. 76).

Art. 353 - Cumpridas as providências preliminares ou não havendo necessidade delas, o juiz proferirá julgamento conforme o estado do processo, observando o que dispõe o Capítulo X.

I. Encerramento das providências preliminares

Conforme vimos nos dispositivos precedentes, as providências preliminares têm a finalidade de retirar do processo vícios que possa apresentar e que, evidentemente, sejam sanáveis. Por isso, nos termos do art. 352, após o prazo para resposta, quando houver irregularidades ou nulidades sanáveis, o juiz deverá determinar sua correção em prazo nunca superior a 30 dias.

II. Julgamento conforme o estado do processo

Uma vez cumpridas as providências preliminares, ou não havendo necessidade delas, o juiz deverá proferir julgamento conforme o estado do processo, observado o Capítulo X, que pode comportar: a) julgamento com fundamento nos arts. 485 (extinção do processo sem resolução de mérito) ou 489, incisos II e III (extinção do processo com resolução de mérito, em função do reconhecimento de prescrição ou decadência ou, ainda, em função de homologação de reconhe-cimento de procedência do pedido, de transação ou de renúncia à pretensão). Haverá extinção do processo, evidentemente, se tais decisões disserem respeito a todo o processo, e não apenas a parcela dele, nos termos do art. 354, parágrafo único; b) julgamento antecipado do mérito, nas hipóteses do art. 355; c) julgamento antecipado parcial do mérito, nos casos do art. 356. Poderá, ainda, o juiz, não ocorrendo as hipóteses anteriormente delineadas, sanear e organizar o proces-so, nos termos do art. 357, passando-se, daí em diante, para sua devida fase instrutória.

Art. 353

Page 195: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

586

Paulo Henrique Santos Lucon

Art. 354 - Ocorrendo qualquer das hipóteses previstas nos arts. 485 e 487, incisos II e III, o juiz proferirá sentença.Parágrafo único - A decisão a que se refere o caput pode dizer respeito a apenas parcela do processo, caso em que será impugnável por agravo de instrumento.

AutorPaulo Henrique Santos Lucon

I. Extinção do processo

A extinção do processo, em regra, dá-se após realização da fase instrutória, quando então o juiz dispõe de todos os elementos necessários à formação de seu convencimento. Ocorre que postergar a extinção do processo pode não se justificar quando os elementos que a autorizam se fizerem presentes desde logo, uma vez encerrada a fase postulatória. Por isso, o art. 354 do Có-digo de Processo Civil autoriza o magistrado a proferir sentença se durante a fase ordinatória do processo constatar a presença de alguma das hipóteses previstas nos arts. 485 e 487, incisos II e III, do Código de Processo Civil (a ausência de menção ao inciso I do art. 487, no caput, do art. 354, justifica-se, porque tal hipótese de julgamento está contemplada no artigo seguinte). Cons-tatada, por exemplo, a prescrição ou a decadência (CPC, art. 487, inciso II), não há qualquer ra-zão para prosseguir com o processo. Cada ato processual praticado então, que não a extinção do processo, porque desnecessário, representaria uma violação à economia processual e à duração razoável do processo. A sentença, nesses casos, pode, inclusive, versar a respeito de parcela do processo, dada a possibilidade prevista no art. 356 de julgamento antecipado parcial do mérito.

II. Vedação à decisão-surpresa

Constitui norma fundamental do processo, de acordo com o Código de Processo Civil de 2015, o dever imposto ao juiz de evitar a prolação das chamadas “decisões-surpresa” (CPC, art. 10). Tais são as decisões que se valem de algum fundamento – inclusive aqueles cognoscíveis de ofício – a respeito do qual não se tenha conferido às partes a oportunidade de se manifestar a respeito. “Decisões-surpresa” violam o contraditório, porque fazem menoscabo da participação das partes no processo e criam um estado de incerteza jurídica, já que, em um sistema em que tais decisões proliferam, não se pode antever o resultado de qualquer decisão. Se tal dever se impõe a toda decisão judicial, o mesmo também ocorre nos casos de julgamento conforme o estado do processo. Uma vez constatada a presença de alguma das hipóteses que autorizam a extinção do processo desde logo, tem o magistrado o dever de previamente ouvir as partes a respeito. A per-missão legislativa para que o magistrado realize um corte no procedimento, proferindo sentença antes da realização da fase instrutória, não o autoriza, em prol da celeridade, a desconsiderar essa norma fundamental do processo.

III. Conteúdo das decisões jurídicas

A sentença é o ato jurisdicional por excelência, pois destinado a pôr fim ao processo. Levando em consideração o conteúdo da decisão, a extinção do processo pode se dar com exame do méri-

Page 196: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

587

Paulo Henrique Santos Lucon

to, circunstância em que o magistrado analisa a pretensão deduzida pelo autor, ou sem exame do mérito, nos casos em que a não observância de certos pressupostos impede o regular desenvolvi-mento do processo. As hipóteses para tais julgamentos estão respectivamente previstas nos arts. 487 e 485 do Código de Processo Civil.

De acordo com o art. 487, haverá resolução do mérito quando o juiz acolher ou rejeitar o pedido formulado na ação ou na reconvenção (inciso I); decidir, de ofício ou a requerimento, sobre a ocorrência de decadência ou prescrição (inciso II); ou homologar a) o reconhecimento da procedência do pedido formulado na ação ou na reconvenção, b) a transação, ou c) a renúncia à pretensão formulada na ação ou na reconvenção (inciso III). A primeira dessas hipóteses (julga-mento do pedido) é reconhecida como julgamento de mérito por excelência, dada a identificação do pedido do autor com o objeto do processo. Nas demais hipóteses, em contrapartida, não há necessidade de o juiz julgar a causa, daí por que a sentença é de mérito por equiparação. Mesmo não havendo manifestação a respeito do pedido formulado, diz-se que a aplicação dos incisos II e III do art. 487 do Código de Processo Civil equivale ao julgamento sobre o pedido do autor, uma vez que ela contém a declaração a respeito da crise de direito material que levou as partes a agirem em juízo.

A extinção do processo sem resolução do mérito, por seu turno, segundo o art. 485 do Código de Processo Civil, ocorrerá quando o juiz indeferir a petição inicial (inciso I), quando o processo não for movimentado durante mais de um ano por negligência das partes (inciso II), se o autor abandonar a causa por mais de 30 dias sem promover os atos que lhe incumbir (inciso III), na hipótese de se verificar a ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo (inciso IV), na ocorrência de perempção, litispendência e coisa julgada (in-ciso V), se verificada ausência de legitimidade ou de interesse processual (inciso VI), se acolhida alegação de existência de convenção de arbitragem ou quando o juízo arbitral reconhecer sua competência (inciso VII), quando homologada desistência da ação (inciso VIII), ou, nos casos de morte da parte, a ação for considerada intransmissível por disposição legal (inciso IX). Tais julgamentos, conforme se constata, não contêm manifestação sobre o direito material e decorrem da não observância de certos requisitos para o regular desenvolvimento do processo. Trata-se de uma extinção necessária, porém não desejável do processo, por isso o legislador impõe ao magistrado o dever de possibilitar à parte a correção do vício constatado sempre que possível e o estimula a julgar o mérito da demanda.

Art. 355 - O juiz julgará antecipadamente o pedido, proferindo sentença com resolução de mérito, quando:I - não houver necessidade de produção de outras provas;II - o réu for revel, ocorrer o efeito previsto no art. 344 e não houver requerimento de prova, na forma do art. 349.

I. Julgamento antecipado do mérito

O rotineiro, como se sabe, é a extinção do processo após a realização da fase instrutória, quando o magistrado então, enquanto destinatário da prova, dispõe dos elementos necessários para formação de seu convencimento. Ocorre que postergar a extinção do processo pode não se justificar quando a fase destinada à produção de provas se mostrar desnecessária. Por isso,

Art. 355

Page 197: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

588

Paulo Henrique Santos Lucon

o art. 355 do Código de Processo Civil autoriza o magistrado a proferir sentença desde logo, com o acolhimento ou com a rejeição do pedido formulado na demanda, nos termos do art. 487, inciso I, logo após o fim da fase postulatória. O julgamento antecipado, a propósito, não é uma faculdade judicial, mas sim um verdadeiro dever imposto ao juiz, uma vez presentes os requisitos que o autorizam. Não se há de falar em faculdade judicial quando posto o magistrado diante da necessidade de atender aos escopos do processo, no caso a pacificação social em tempo razoável. Não há violação ao direito à prova (“cerceamento de defesa”) no julgamento antecipado do méri-to (da lide) quando o órgão jurisdicional entender que o processo está suficientemente instruído, declarando por decisão motivada a desnecessidade de dilação probatória por se tratar de matéria de direito ou de fato e de direito e for prescindível a instrução. Importante destacar a diferença existente entre as decisões fundadas nesse artigo e aquelas proferidas para concessão da tutela de urgência ou da evidência. As primeiras têm base em cognição exauriente e são, por defini-ção, voltadas à definitividade. As segundas são marcadas pela sumariedade da cognição e pela provisoriedade. Tampouco se deve confundir o julgamento antecipado com a estabilização da decisão que concede a tutela provisória de urgência em caráter antecedente. Segundo o art. 304 do Código de Processo Civil, a tutela antecipada de urgência concedida em caráter antecedente torna-se estável se da decisão que a conceder não for interposto o respectivo recurso. Neste caso, o processo em que foi proferida tal decisão será extinto (art. 304, § 1o) e a decisão proferida con-tinuará a produzir seus efeitos enquanto não for revista, reformada ou invalidada (art. 304, § 3o), o que só ocorrerá se no prazo de até dois anos qualquer das partes propuser uma demanda com tal fim (art. 304, §§ 2o, 5o e 6o). Assim, está-se, portanto, diante de duas situações opostas: enquanto nos casos de julgamento antecipado o mérito é analisado logo nas fases iniciais do processo, nas hipóteses de estabilização da tutela antecipada o julgamento do mérito é postergado e condicio-nado à propositura de uma nova demanda.

II. Requisitos

O primeiro requisito que autoriza o julgamento antecipado do mérito, como já mencionado, é a dispensabilidade da fase instrutória para a formação do convencimento judicial.

Exemplos típicos de aplicação desse dispositivo são os casos cujas alegações fáticas são sustenta-das unicamente em prova documental, juntada aos autos quando da primeira manifestação das partes em juízo, ressalvadas hipóteses autorizadas em lei de juntada ulterior. Mas não é só. O julgamento antecipado também pode ocorrer caso os fatos que informam a controvérsia independam de prova. Nesse sentido, o art. 374 do Código de Processo Civil indica série de fatos que dispensam a produção de provas a seu respeito, seja porque I) sobre tais fatos já se possui amplo conhecimento, os chamados fatos notórios, II) decorrem, por sua própria natureza, de presunção legal de existência ou de veraci-dade ou III) em torno deles as partes não divergem, tendo uma delas confessado os fatos suscitados pela parte contrária. Nesses casos, pois, é irrelevante para os fins do processo qualquer investigação a respeito da veracidade desses fatos, o que justifica a extinção do processo desde logo.

Além disso, o julgamento antecipado do pedido também pode ocorrer quando a demanda versar sobre questão exclusivamente de direito. Uma das mais notáveis inovações do Código de Processo Civil de 2015 foi sua diretiva no sentido de fortalecimento dos precedentes judiciais. Fortalecer os precedentes significa, em apertada síntese, tornar obrigatória sua aplicação aos casos que com eles guardam uma relação de semelhança fático-jurídica. Espera-se, com isso, pôr um fim a discussões repetitivas a partir de uma visão amadurecida das teses jurídicas fixadas pelos tribunais superiores, promovendo-se, assim, a segurança jurídica, encarada aqui sob a óptica da previsibilidade; a isonomia, já que o mesmo tratamento é dispensado aos sujeitos que se apresentam perante o Poder Judiciário

Art. 355

Page 198: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

589

Paulo Henrique Santos Lucon

em semelhantes soluções; e a economia processual, uma vez que evita-se com isso a prática de atos inúteis, pois contrários ao entendimento dos tribunais responsáveis por ditar a última palavra no tocante a aplicação judicial do direito. O julgamento antecipado do pedido, portanto, pode também ocorrer nos casos em que, desnecessária a instrução probatória, tenha sido a questão jurídica objeto de apreciação pelos tribunais superiores, em especial nos julgamentos de recursos repetitivos, cuja ratio decidendi então estabelecida é voltada, por excelência, à aplicação em casos futuros, ou do jul-gamento do incidente de resolução de demandas repetitivas, outra inovação do Código de Processo Civil para fazer frente à litigiosidade de massa. A propósito, o art. 927 do Código estatui que os juízes e tribunais observarão: I) as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de cons-titucionalidade; II) os enunciados de súmula vinculante; III) os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; IV) os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria consti-tucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional; V) a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados. Se a tese fixada nesses julgamentos for submeti-da ao conhecimento de um magistrado, sendo desnecessária a instrução probatória, justificável passa a ser, portanto, o julgamento antecipado do pedido.

Eventual discussão sobre a suficiência do acervo probatório a justificar a extinção do pro-cesso em caráter antecipado não ultrapassa as raias das instâncias ordinárias da jurisdição. Aos Tribunais Superiores, em virtude da função por eles desempenhada, não compete a análise de tal matéria por conta da revisão de fatos que ela enseja. Nesse sentido, ver a respeito: “a apu-ração da suficiência das provas, bem como da inocorrência de cerceamento de defesa, tal como alegado nas razões da insurgência excepcional, impõe o reexame de matéria fático-probatória, tarefa incompatível com a moldura de análise destinada ao Recurso Especial. Súmula 07/STJ. Precedentes” (STJ, 1ª T., AgRg no AREsp nº 512.210/SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Fi-lho, j. em 18/12/2014, DJe de 3/2/2015). Mas isso não significa que os Tribunais Superiores não possam rever o enquadramento jurídico dos fatos constantes dos autos, ou seja, compatibilizar corretamente aos cânones legais e constitucionais a matéria fática já constante nos autos e sobre a qual não há questionamento em torno de sua ocorrência.

III. (Segue) Revelia

O julgamento antecipado do pedido também pode ocorrer nos casos em que se verificar a revelia e a consequente presunção de veracidade das alegações suscitadas pelo autor. Deve-se lembrar, contudo, que não se presumem verdadeiros os fatos e, portanto, inviável o julgamento antecipado, nos casos em que, havendo pluralidade de réus, algum deles contestar a demanda quando o litígio versar sobre direitos indisponíveis, se a petição inicial não estiver acompanhada de instrumento que a lei considere indispensável à prova do ato, ou nos casos em que as alega-ções de fato formuladas pelo autor forem inverossímeis ou estiverem em contradição com a pro-va constante dos autos (art. 345). Nesses casos, a produção de provas visa a evitar a prolação de decisões injustas, porque desconexas com a realidade. Ademais, é preciso atentar para o disposto no art. 349 do CPC/2015, segundo o qual ao revel será lícita a produção de provas desde que se faça representar nos autos em tempo hábil para tanto. Não verificada qualquer dessas situações, contudo, a extinção do processo com o julgamento antecipado do pedido é medida que se justi-fica ante a inércia do réu, ato que revela desprestígio ao Poder Judiciário e consequente falta de interesse do réu em se defender, razão pela qual não há de se falar nessas hipóteses em cercea-mento do direito de defesa. Assim, diante da revelia do réu e das provas constantes dos autos, não há violação ao direito à prova (cerceamento de defesa) com o julgamento antecipado do mérito.

Art. 355

Page 199: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

590

Paulo Henrique Santos Lucon

Art. 356 - O juiz decidirá parcialmente o mérito quando um ou mais dos pedidos formulados ou parcela deles:I - mostrar-se incontroverso;II - estiver em condições de imediato julgamento, nos termos do art. 355.§ 1º - A decisão que julgar parcialmente o mérito poderá reconhecer a existência de obrigação líquida ou ilíquida.§ 2º - A parte poderá liquidar ou executar, desde logo, a obrigação reco-nhecida na decisão que julgar parcialmente o mérito, independentemente de caução, ainda que haja recurso contra essa interposto. § 3o - Na hipótese do § 2º, se houver trânsito em julgado da decisão, a execução será definitiva.§ 4º - A liquidação e o cumprimento da decisão que julgar parcialmente o mérito poderão ser processados em autos suplementares, a requerimento da parte ou a critério do juiz.§ 5º - A decisão proferida com base neste artigo é impugnável por agravo de instrumento.

I. Julgamento antecipado parcial do mérito

A possibilidade de que seja proferido julgamento antecipado parcial do mérito consiste em uma das principais inovações do Código de Processo Civil de 2015. Tal dispositivo privilegia, em especial, a efetividade do processo, já que permite a satisfação imediata de direito a respeito do qual nada mais há que se perquirir. Parcela da doutrina sustentava a possibilidade de julga-mento antecipado parcial do mérito, inclusive, quando da vigência do Código de Processo Civil de 1973, com fundamento no art. 273, § 6º, do referido diploma legislativo (“§ 6º - A tutela an-tecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso”). É preciso, no entanto, distinguir tais institutos. A antecipação de tutela se insere no quadro das chamadas tutelas diferenciadas, que visam a combater o cha-mado dano marginal do processo por meio da autorização para que o juiz profira suas decisões com base em cognição não exauriente dos elementos da controvérsia. O julgamento antecipado, por seu turno, apenas tem lugar se proferido com base em cognição exauriente. Nada o difere do julgamento emanado após a fase instrutória, a não ser o momento em que proferido. O julga-mento parcial, ademais, não se confunde com a parcial procedência de um pedido. No primeiro caso uma parcela do processo é decidida desde logo, porque desnecessário o prosseguimento do processo a seu respeito. O segundo caso, por seu turno, diz respeito a fenômeno em que a pretensão do autor encontra apenas parcial acolhida pelo magistrado. Lembre-se também que, no sistema do Código de Processo Civil de 2015, há a possibilidade de estabilização da tutela provisória cuja decisão tornar-se-á estável se não for interposto o respectivo recurso. Neste caso, o julgamento do mérito é postergado. Ele apenas será analisado mediante a propositura de nova demanda (v. art. 304). Nos casos de julgamento parcial, uma parcela do mérito é resolvida em caráter antecedente e a outra, como normalmente ocorre, é analisada apenas após o término da fase instrutória.

II. Requisitos

O julgamento antecipado parcial do mérito terá lugar quando um ou mais dos pedidos

Art. 356

Page 200: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

591

Paulo Henrique Santos Lucon

formulados ou parcela de um deles mostrar-se incontroverso ou estiver em condições de imediato julgamento, vale dizer, quando não houver necessidade de produção de outras provas ou quando se manifestarem os efeitos da revelia. Um fato se torna incontroverso após não ter sua existência ou modo de ser contestado pela parte contrária. Como se sabe, o ônus da impugnação específica impõe ao réu a necessidade de expor na contestação todas as razões pelas quais o pedido do autor não deve ser acolhido, sob pena de serem presumidos verdadeiros os fatos deduzidos na petição inicial. Assim, por exemplo, em resposta a pedido de condenação em danos morais e materiais, pode o réu concordar com a procedência do segundo pedido e questionar apenas a subsistência do primeiro (reconhecimento parcial do pedido). O julgamento antecipado parcial do mérito tam-bém pode ocorrer nos casos em que parcela de um único pedido restar incontroversa. Imagine-se, a título de ilustração, a seguinte hipótese: o autor formula em face do réu pedido de tutela conde-natória consistente na imposição de obrigação de pagamento de quantia. O réu, em sua manifes-tação, reconhece como devida parcela do valor requerido pelo autor. Por consequência, a parcela não impugnada deve ser desde logo reconhecida pelo juiz como devida, o que possibilitará ao autor a imediata satisfação desse direito (execução definitiva). Nada justificaria, portanto, ter de impor ao autor a necessidade de aguardar o fim do processo para obter a satisfação definitiva de um direito que já lhe foi reconhecido como pertencente.

III. Conteúdo do julgamento parcial

As decisões que julgam em caráter antecipado parcela do mérito não necessariamente precisam versar sobre obrigações líquidas e certas. Em determinadas ocasiões, pode ocorrer que o quantum da parcela do mérito não controversa ainda não esteja definido. Nesses casos a decisão que julgar em caráter antecipado parcela do mérito reconhecerá como devida a existência de obrigação ilí-quida. Fixado o an debeatur, caberá, portanto, ao réu dar início à fase de liquidação para que seja então apurado o quantum debeatur. Fazendo uso, uma vez mais, do exemplo antes referido em que o réu não contesta ser devido pagamento de indenização pelos danos materiais por ele ocasionados ao autor e se insurge apenas quanto à indenização por danos morais; pode se dar que o valor devido a título de danos materiais não seja desde logo aferível. A indenização devida a título de lucros cessantes, por exemplo, em regra, demanda apuração em fase de liquidação. Nada impede que o juiz organize o processo e permita a instauração da fase liquidativa sobre um pedido ou parcela dele objeto de julgamento parcial do mérito e, concomitantemente, determine a produção de provas so-bre os pontos controvertidos que restam a ser solucionados (v., a propósito, item a seguir). Trata-se de medida destinada a viabilizar um processo adequado, que atende à promessa constitucional de um processo célere (CF, art. 5o, inciso LXXXVIII). Gerir bem o processo significa atender às es-pecificidades da relação jurídica de direito material e ao que já se encontra demonstrado nos autos.

IV. Efeitos da decisão

O principal efeito prático da decisão que julga parcela do mérito em caráter antecedente é o acesso fornecido ao titular do direito reconhecido como devido às vias executivas (ou à fase de liquidação no caso de obrigação ilíquida). A decisão que julga parcela do mérito em caráter an-tecedente, nesses termos, constitui título executivo, conforme estabelece o art. 515, inciso I, do Código de Processo Civil. A execução então requerida independerá do oferecimento de caução e será definitiva nos casos em que houver o trânsito em julgado da decisão. De acordo com o § 4o do art. 356, a liquidação e o cumprimento da decisão nesses casos poderão ser processados em autos suplementares, se assim o requererem as partes ou se assim estabelecer o juiz. Previsão de caráter procedimental, a tramitação em autos suplementares tende a se tornar a regra nos casos de julgamento parcial, dados os benefícios de ordem prática daí decorrentes.

Art. 356

Page 201: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

592

Paulo Henrique Santos Lucon

V. Recurso cabível

A decisão que julga em caráter antecedente parcela do mérito é uma decisão interlocutória. De acordo com o art. 203, § 1º, do Código de Processo Civil, sentença é o pronunciamento judicial que, com fundamento nos arts. 485 e 487, põe fim à fase cognitiva do procedimento comum, bem como extingue a execução. Dois, portanto, são os elementos constitutivos da sentença: julgamen-to com ou sem resolução do mérito (definição pelo conteúdo) e extinção da fase cognitiva ou da execução (critério topológico). Em contraposição, o Código define decisão interlocutória como todo pronunciamento judicial de natureza decisória que não se enquadre na definição de senten-ça, ou seja, que não contenha esses dois mencionados elementos (CPC, art. 203, § 2o). Decisões interlocutórias, assim, podem versar sobre o mérito de uma demanda, mas elas não encerram o processo. A possibilidade de decisões interlocutórias versarem a respeito do mérito do processo é confirmada pela previsão do art. 1.015 do Código de Processo Civil, segundo o qual é cabível a interposição de agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre decisão dessa natureza. É isso o que ocorre justamente nos casos de julgamento parcial anteci-pado. O conteúdo dessa decisão inegavelmente se enquadra nas hipóteses. Tal decisão, contudo, não é apta a extinguir a fase cognitiva do procedimento comum que terá prosseguimento para julgamento da parcela do mérito não resolvida. Em atenção a isso, o art. 356, § 5º, estabelece como cabível o recurso de agravo de instrumento contra a decisão que julgar parcela do mérito em caráter antecedente.

Art. 357 - Não ocorrendo nenhuma das hipóteses deste Capítulo, deverá o juiz, em decisão de saneamento e de organização do processo:I - resolver as questões processuais pendentes, se houver;II - delimitar as questões de fato sobre as quais recairá a atividade probatória, especificando os meios de prova admitidos;III - definir a distribuição do ônus da prova, observado o art. 373;IV - delimitar as questões de direito relevantes para a decisão do mérito;V - designar, se necessário, audiência de instrução e julgamento.§ 1º - Realizado o saneamento, as partes têm o direito de pedir esclarecimentos ou solicitar ajustes, no prazo comum de 5 (cinco) dias, findo o qual a decisão se torna estável.§ 2º - As partes podem apresentar ao juiz, para homologação, delimitação consensual das questões de fato e de direito a que se referem os incisos II e IV, a qual, se homologada, vincula as partes e o juiz.§ 3º - Se a causa apresentar complexidade em matéria de fato ou de direito, deverá o juiz designar audiência para que o saneamento seja feito em cooperação com as partes, oportunidade em que o juiz, se for o caso, convidará as partes a integrar ou esclarecer suas alegações.§ 4º - Caso tenha sido determinada a produção de prova testemunhal, o juiz fixará prazo comum não superior a 15 (quinze) dias para que as partes apresentem rol de testemunhas.§ 5º - Na hipótese do § 3º, as partes devem levar, para a audiência prevista, o respectivo rol de testemunhas.

Art. 357

Page 202: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

593

Paulo Henrique Santos Lucon

§ 6º - O número de testemunhas arroladas não pode ser superior a 10 (dez), sendo (3) três, no máximo, para a prova de cada fato.§ 7º - O juiz poderá limitar o número de testemunhas levando em conta a complexidade da causa e dos fatos individualmente considerados.§ 8º - Caso tenha sido determinada a produção de prova pericial, o juiz deve observar o disposto no art. 465 e, se possível, estabelecer, desde logo, calendário para sua realização.§ 9º - As pautas deverão ser preparadas com intervalo mínimo de 1 (uma) hora entre as audiências.

I. Saneamento e organização do processo Caso não se verifiquem as hipóteses que autorizam o julgamento do mérito, integral ou par-

cialmente, em momento imediatamente ulterior a fase postulatória, deve o magistrado aferir a regularidade do processo a fim de que seu prosseguimento se dê livre de vícios. No caso de julgamento antecipado parcial, por óbvio, a decisão de saneamento aplica-se apenas à parcela do mérito pendente de julgamento. Contrariam o bom senso e todos os imperativos éticos que devem guiar a administração da justiça aquelas situações teratológicas em que após todo o iter processual o magistrado extingue o processo, porque presente certo vício que já poderia ter sido constatado quando da instauração do processo. Registre-se, por isso, que atos de saneamento do processo são praticados pelo julgador desde o momento em que ele recebe a petição inicial. Designa-se, contudo, um momento particular do iter procedimental para que seja proferida uma decisão específica de saneamento, tendo em vista principalmente os atos que se seguirão a partir daí. Não sendo o caso de julgamento antecipado, atos complexos e dispendiosos serão praticados até a decisão que encerrará o processo. Não se pode, portanto, correr o risco de ao final desper-diçar tudo isso, por conta de um vício presente desde o início do processo, mas que por todos passou despercebido.

Nesse sentido, o art. 357 do Código de Processo Civil estabelece o dever do juiz de, nessa fase intermediária do processo, resolver as questões processuais pendentes, se houver (inciso I); delimitar as questões de fato sobre as quais recairá a atividade probatória, especificando os meios de prova admitidos (inciso II); definir a distribuição do ônus da prova (inciso III); delimitar as questões de direito relevantes para a decisão do mérito (inciso IV); designar, se necessário, audiência de instrução e julgamento (inciso V). Além da atenção para com a regularidade do processo, conforme se constata, essa fase do saneamento visa a preparar as atividades que serão desenvolvidas nas fases seguintes do processo. Quer-se, com essa decisão, não apenas regulari-zar o processo com a correção dos vícios pendentes, mas também potencializar as atividades que serão desenvolvidas no porvir do processo. Daí o porquê da relevância dessa decisão e do fato de ela ser designada como decisão de saneamento e de organização do processo.

Quando da vigência do Código de Processo Civil de 1973, o Superior Tribunal de Justiça já havia se manifestado a respeito da impossibilidade de se ultrapassar a fase de saneamento do processo com a presunção tácita de regularidade do feito: “a fase saneadora do processo é de extrema importância para o seu deslinde, tendo conteúdo complexo, sendo que nela o juiz exa-minará os pontos arguidos na contestação, de caráter preliminar, assim como os pressupostos processuais e os requerimentos de produção de provas, exigindo-se, para tanto, a devida funda-mentação, a teor do art. 165 do CPC. Sendo assim, não há como o julgador deixar de proceder

Art. 357

Page 203: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

594

Paulo Henrique Santos Lucon

ao despacho saneador, deixando in albis as preliminares suscitadas e passando diretamente para a fase de instrução e julgamento, presumindo-se, assim, que o processo encontra-se sanado, sob pena de nulidade absoluta do feito” (STJ, 1ª T., REsp nº 780.285/RR, Rel. Min. Francisco Falcão, j. em 14/3/2006, DJ de 27/3/2006, p. 218). Se assim já o era com o CPC/1973, com maior vigor tal orientação se aplicará ao Código de Processo Civil de 2015, que de maneira acertada sobre-valoriza essa fase do processo.

II. Resolução das questões processuais pendentes

Muitas das questões processuais a serem resolvidas para regularização do processo surgem apenas após a primeira manifestação do réu que em sua resposta tende a suscitar questões rela-tivas, por exemplo, à competência do julgador, à legitimidade das partes, ou à falta de interesse do autor. Após recebida a réplica do autor, em respeito ao contraditório, o palco para a resolução de tais questões é essa decisão de saneamento prevista no art. 357 do Código. Convém registrar, no entanto, que, por conta do interesse público envolvido nessas questões, o julgamento de tal matéria não tem a aptidão de se tornar definitivo. Conforme estabelece o art. 485, § 3o, do Códi-go, o juiz conhecerá de ofício, em qualquer tempo e grau de jurisdição, das seguintes matérias: I) pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo; II) perempção, litispendência e coisa julgada; III) ausência de legitimidade ou de interesse processual; IV) in-transmissibilidade da demanda em caso de morte da parte.

III. Delimitação das questões de fato e otimização da atividade instrutória

Para otimizar a atividade instrutória, fundamental a fixação das questões de fato a serem dirimidas, bem como dos meios de prova que serão admitidos para tanto. Evita-se, com isso, a prática de atos inúteis durante a fase instrutória, porque não relacionados com os aspectos fáticos centrais da causa. No caso de omissão judicial a esse respeito, cabíveis são a oposição de embar-gos de declaração a fim de que o magistrado explicite quais as questões de fato a serem efetiva-mente resolvidas. O conhecimento dessas questões não interessa apenas ao convencimento do magistrado, mas também às partes que orientarão suas condutas no tocante à atividade instrutória de acordo com o quanto estatuído nessa fase. A delimitação das questões de fato realizada nessa fase do processo desempenha ainda outra missão relevante, a de facilitar a aplicação da regra da congruência. Uma vez fixadas as questões de fato relevantes para o julgamento da causa, mais facilmente se poderá constatar se o magistrado as respeitou ou não. Se não as respeitou, têm-se, então, as conhecidas hipóteses de julgamento extra, ultra ou citrapetita (CPC, art. 141).

IV. Distribuição do ônus da prova

Dentre as questões resolvidas nessa fase de saneamento e de organização do processo – a par da delimitação das questões de fato e de direito, que tendem a potencializar a atividade ins-trutória e o respeito à regra da congruência –, está a decisão a respeito da distribuição do ônus da prova. O art. 373, § 1o, do Código de Processo Civil de 2015 positiva a chamada técnica de dinamização do ônus probatório. De acordo com esse dispositivo, “nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído”. São dois, portanto, os requisitos para que se proceda à dinamização: impossi-bilidade ou excessiva dificuldade da parte em cumprir o ônus que a princípio lhe seria imposto, aliada à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário pela outra parte. Com relação

Art. 357

Page 204: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

595

Paulo Henrique Santos Lucon

à fase processual em que deve se dar a dinamização, deve ela ocorrer em momento anterior ao início da fase instrutória, daí o porquê da previsão do art. 357, inciso III, pois só assim se ofertará à parte a que foi atribuído esse novo ônus possibilidade efetiva de dele se desincumbir. Caso a di-namização ocorresse em fase posterior, a parte seria surpreendida muito provavelmente com um julgamento desfavorável sem que a ela tenha sido concedida a oportunidade de se desincumbir de um ônus que ela não sabia lhe incumbir. Em sentido semelhante, aliás, já havia se manifestado o Superior Tribunal de Justiça em julgamento a respeito do art. 6, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor, que contempla dispositivo semelhante: “a jurisprudência desta Corte é no sen-tido de que a inversão do ônus da prova prevista no art. 6º, VIII, do CDC, é regra de instrução e não regra de julgamento, sendo que a decisão que a determinar deve – preferencialmente – ocor-rer durante o saneamento do processo ou – quando proferida em momento posterior – garantir a parte a quem incumbia esse ônus a oportunidade de apresentar suas provas. Precedentes: REsp 1395254/SC, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/10/2013, DJe 29/11/2013; EREsp 422.778/SP, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Rel. p/ Acórdão Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 29/02/2012, DJe 21/06/2012” (2ª T., AgRg no REsp nº 1450473/SC, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. em 23/9/2014, DJe de 30/9/2014).

V. Delimitação das questões de direito

Tal como ocorre com a determinação para que sejam fixadas as questões de fato em momento anterior à realização da fase instrutória, o objetivo de se determinar na decisão de saneamento e de organização do processo a fixação das questões de direito que informarão a causa é otimizar os debates que se seguirão, evitando-se, com isso, discussões inúteis. Isso não significa, contudo, que o julgador não se poderá valer de outro fundamento jurídico que não estes previamente de-finidos. Caso se constate a necessidade de outro enquadramento jurídico às questões de fato que informam a causa, poderá o magistrado fazê-lo, desde que ouça previamente as partes a respeito, conforme determina o art. 10 do Código, que visa a evitar as indesejadas “decisões-surpresa”.

VI. Saneamento compartilhado

De acordo com o Código de Processo Civil, como regra geral, tem-se que a decisão de sanea-mento e organização do processo será proferida após construção solitária pelo magistrado. Após a prolação de tal decisão, de acordo com o art. 357, § 1º, do Código, as partes disporão do prazo de cinco dias para pedir esclarecimentos ou solicitar ajustes na decisão ao magistrado. Como hipótese, excepcional, no entanto, em causas reputadas como de alta complexidade, dispõe o art. 357, § 3º, do Código que o saneamento seja realizado em atividade conjunta entre o juiz e as partes. Consiste tal dispositivo, portanto, em uma manifestação do princípio da cooperação, pre-visto no art. 6º do Código. Segundo tal dispositivo, nos casos de complexidade, o juiz designará audiência a que as partes comparecerão com o propósito de integrar ou esclarecer suas alegações. Com a participação das partes, o saneamento, com maior facilidade, tende a cumprir seus obje-tivos – zelar pela regularidade processual e preparar as fases seguintes do processo –, já que as partes são as que melhor conhecem todos os elementos do litígio entre elas instaurado. Conforme dispõe o art. 357, § 5o, do Código, quando da realização dessa audiência, as partes deverão levar consigo o seu respectivo rol de testemunhas.

VII. Negócio jurídico processual

Uma das principais inovações do Código de Processo Civil de 2015 foi o reconhecimento da existência como categoria autônoma dos chamados negócios jurídicos processuais. Dispõe

Art. 357

Page 205: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

596

Paulo Henrique Santos Lucon

o art. 190 do Código de Processo Civil que, “versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo”. O fato de as partes poderem “convencionar sobre os seus ônus” permite que elas de comum acordo fixem as questões a respeito das quais recairá a atividade instrutória e a respeito das quais o juiz terá de se manifestar na sentença. Nada impede que, previamente ao litígio, as partes estabeleçam, em caso de desavença, quais provas serão produzidas, quem será o técnico a atuar como perito, etc. São atos dispositivos prévios a respeito de futuro e incerto processo e por isso representam técnicas de equacionar um processo adequado, que venha a atender as particularidades de discussão que pode surgir entre as partes. Essas medidas podem ser denominadas de atos de disposição processual futura ou, ainda, ne-gócio jurídico processual celebrado antes mesmo de eclodir o litígio. Conforme mencionado no art. 357, § 2º, do Código de Processo Civil, o juiz, uma vez homologado esse negócio jurídico processual, a ele fica vinculado, de modo que, se ele não o observar, violada estará a regra da congruência. Não reúne condições de ser homologado, por exemplo, acordo que limite os pode-res instrutórios do juiz, assegurados pela lei para melhor formação do convencimento judicial. Assim, não poderia ser diferente, aliás, sob pena de se violarem a lógica e a teoria geral do direi-to. Como sujeitos capazes não podem dispor entre si a respeito da esfera jurídica de um terceiro, não podem as partes querer revogar poderes do juiz conferidos pela lei. Também não poderão as partes de comum acordo retirar do domínio judicial a aplicação de fundamentos jurídicos que o magistrado considerar aplicáveis ao caso. Não se pode esquecer que um dos objetivos da juris-dição é justamente a atuação da vontade concreta do direito objetivo, que não pode ser impedi-da pela vontade das partes. Para a tutela destas, quando da aplicação de um novo fundamento, assegura-se, como já referido, o direito de elas previamente se manifestarem a respeito desse fundamento não anteriormente debatido.

VIII. Outras providências

Se determinada produção da prova testemunhal, o juiz fixará prazo comum não superior a 15 dias para que cada parte apresente seu respectivo rol de testemunhas. Segundo o art. 357, § 6o, do Código, o número de testemunhas não poderá exceder a dez, sendo três, no máximo, para a prova de cada fato. O juiz, no entanto, dada a complexidade da causa, poderá limitar esse número (CPC, art. 357, § 7o). Nos casos de produção de prova pericial, o juiz nomeará perito (CPC, art. 465) e, se possível, estabelecerá desde logo calendário para realização de referida prova.

Art. 357

Page 206: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

597

Daniel Penteado de Castro

Art. 358 - No dia e na hora designados, o juiz declarará aberta a audiência de instrução e julgamento e mandará apregoar as partes e os respectivos advogados, bem como outras pessoas que dela devam participar.

AutorDaniel Penteado de Castro

I. Apregoamento de partes e início da audiência de instrução

Com redação semelhante à do código anterior (CPC/1973, art. 450), a audiência de instrução e julgamento se inicia mediante prévio apregoamento das partes e respectivos advogados, com a inovação quanto a expressa menção de outras pessoas também participarem da audiência.

II. Julgados

Necessidade de apregoamento das partes

“É nula a audiência que se realiza sem o prévio pregão; mas o órgão do MP deve comparecer à audiência independentemente do chamamento pelo meirinho.” (RT 658/89).

“Procedimento Sumário – Audiência Preliminar – Ausência do Réu. Inocorrência. Comprova-do que a patrona do autor encontrava-se no fórum no horário da audiência. Pregão que, ao que tudo indica, não foi realizado de maneira satisfatória, de forma a atingir sua finalidade – Nulida-de do ato reconhecida, sob pena de cerceamento de defesa do apelante. Sentença anulada. Apelo provido.” (TJSP, 24ª Câm. Dir. Privado, Ap. nº 0023814-66.2008.8.26.0000, Rel. Des. Salles Vieira, j. em 10/11/2011).

Art. 359 - Instalada a audiência, o juiz tentará conciliar as partes, independentemente do emprego anterior de outros métodos de solução consensual de conflitos, como a mediação e a arbitragem.

I. Prévia tentativa de conciliação

A regra do art. 448 do CPC/1973 foi aprimorada para frisar a obrigatoriedade do juiz de tentar conciliar as partes na audiência de instrução, independentemente de prévia tentativa anterior em audiência de conciliação obrigatória (CPC/2015, art. 334). O regramento faz eco ao quanto dis-posto em outras passagens do CPC/2015 (art. 3º, §§ 2º e 3º), expresso em prever o dever de se promover, sempre que possível, a solução consensual de conflitos.

II. Meios alternativos de resolução de conflitos

O dispositivo faz remissão a métodos de solução de conflitos, a exemplo da mediação e con-ciliação (CPC/2015, arts. 165 a 175). Por sua vez, dentre os poderes do juiz impõe-se a obrigato-riedade de promover, a qualquer tempo, a autocomposição, preferencialmente com o auxílio de conciliadores e mediadores judiciais (CPC/2015, art. 139, inciso V).

Page 207: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

598

Daniel Penteado de Castro

Art. 360 - O juiz exerce o poder de polícia, incumbindo-lhe: I - manter a ordem e o decoro na audiência; II - ordenar que se retirem da sala de audiência os que se comportarem inconvenientemente; III - requisitar, quando necessário, força policial; IV - tratar com urbanidade as partes, os advogados, os membros do Ministério Público e da Defensoria Pública e qualquer pessoa que participe do processo; V - registrar em ata, com exatidão, todos os requerimentos apresentados em audiência.

I. Poder de polícia em audiência

O regramento anterior (CPC/1973, art. 445) foi aprimorado para expressamente constar o dever do juiz de tratar com urbanidade todas as pessoas que participem do processo e estejam presentes em audiência, bem como o registro em ata de todos os requerimentos apresentados. A inteligência do dispositivo e respectivos incisos se destina não só a manutenção da ordem e decoro na audiência mediante emprego, se necessário for, de força policial ou ordem de retirada daqueles que se comportam inconvenientemente, mas também impõe o registro de todos os re-querimentos apresentados em audiência, circunstância que servirá de garantia das partes quanto à documentação de todos os atos realizados e que eventualmente venham a ser questionados em grau recursal. O CPC/2015 (art. 78) veda não só às partes, mas também a seus procuradores, juízes, membros do Ministério Público e da Defensoria Pública e a qualquer pessoa que par-ticipe do processo, empregar expressões ofensivas em escritos apresentados, assim como nas respectivas manifestações orais (CPC/2015, art. 78, § 1º), sem prejuízo do dever de urbanidade previsto no art. 44 do Código de Ética e Disciplina, baixado pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei nº 8.906/1994, art. 33), assim como em relação ao Ministério Público (Lei nº 8.625/1993, art. 43, inciso IX). De igual modo, o dever de urbanidade se estende ao juiz (Lei Complementar nº 35/1979, art. 35, inciso IV), muito embora não seja possível às partes ordenar a retirada do magistrado da sala de audiência, mas tão somente representar eventual conduta desarmoniosa perante os órgãos disciplinares e competentes para a respectivas provi-dências administrativas, sem prejuízo de potencial incursão ao crime previsto no art. 350 do CP caso o magistrado utilize de forma abusiva os poderes previstos no art. 360 do CPC/2015. Por fim, a requisição de força policial (inciso III) será necessária apenas em última análise, quando os poderes de polícia previstos nos incisos I e II não surtirem efeitos (hipótese que pode tipificar crimes de desobediência ou desacato – Código Penal, arts. 330 e 331).

II. Extinção do agravo retido em audiência

O CPC/2015 extinguiu o cabimento de agravo retido e apresentação de suas razões de forma oral na própria audiência. Doravante, eventual inconformismo da parte quanto aos atos aperfei-çoados em audiência deverá ser suscitado em preliminar a ser ventilada no recurso de apelação ou contrarrazões (CPC/2015, art. 1.009, §§ 1º ao 3º).

III. Registro de requerimentos em audiência e preclusão

Muito embora o art. 1.009, §§ 1º ao 3º, do CPC/2015 reflita a ideia de extinção do agravo retido, de sorte que o inconformismo sobre as decisões que não se refiram às hipóteses taxativas

Art. 360

Page 208: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

599

Daniel Penteado de Castro

de cabimento do agravo de instrumento (CPC/2015, art. 1.015) deva ser ventilado em matéria preliminar de apelação ou contrarrazões, é imperioso que a parte exija se façam constar na ata de audiência todos os requerimentos indeferidos (CPC/2015, art. 360, inciso V).

Art. 361 - As provas orais serão produzidas em audiência, ouvindo-se nesta ordem, preferencialmente: I - o perito e os assistentes técnicos, que responderão aos quesitos de esclarecimentos requeridos no prazo e na forma do art. 477, caso não respondidos anteriormente por escrito; II - o autor e, em seguida, o réu, que prestarão depoimentos pessoais; III - as testemunhas arroladas pelo autor e pelo réu, que serão inquiridas. Parágrafo único - Enquanto depuserem o perito, os assistentes técnicos, as partes e as testemunhas, não poderão os advogados e o Ministério Público intervir ou apartear, sem licença do juiz.

I. Produção das provas orais

Em semelhança ao CPC/1973 (art. 452), o CPC/2015 disciplina a ordem de preferência de pro-dução das provas orais (CPC/2015, art. 361): oitiva do perito e assistente, seguida do depoimento pessoal do autor e réu e, por fim, a oitiva das testemunhas arroladas. O parágrafo único inova ao vedar toda e qualquer interferência do patrono das partes ou do Ministério Público sem autori-zação do magistrado. A vedação também se estenderá aos defensores públicos em exercício. A ordem estabelecida no art. 452 pode ser flexibilizada em detrimento da economia processual. Por vezes, pode ocorrer de o perito ou assistentes técnicos deixarem de ir à audiência, ao passo em que as testemunhas das partes estarão presentes. Nada impede que o juiz colha o depoimento da testemunha das partes e reserve para outra audiência a oitiva do perito e assistentes técnicos, pro-vidência que evitará novo comparecimento de todas as testemunhas. De todo modo, é curial que o juiz consulte as partes quanto a eventual oposição a inversão da ordem preconizada no art. 452.

II. Litisconsórcio e ordem de produção de provas

A ordem preconizada no art. 361 também se aplica à existência de litisconsórcio, seja em re-lação a oitiva dos assistentes técnicos dos litisconsortes, seja quanto à colheita dos respectivos depoimentos pessoais ou inquirição de testemunhas arroladas.

III. Negócio jurídico processual e produção de provas orais em audiência

Inovação traçada no Código de Processo Civil de 2015 diz respeito ao chamado negócio jurí-dico processual, a prever que nos processos que admitam autocomposição poderão as partes esti-pular mudanças no procedimento para ajustá-lo a especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo (CPC/2015, art. 190). Sob a perspectiva de que a produção da prova é direito das partes, em havendo prévio negócio jurídico processual que estabeleça dinâmica diversa acerca da produção da prova oral, este haverá de ser observado pelo juiz.

IV. Julgados

Preferência (e não obrigatoriedade) da ordem de produção da prova oral em audiência

Art. 361

Page 209: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

600

Daniel Penteado de Castro

“Prova. Inversão na ordem prevista no art. 452 do CPC. Ausência de prejuízo. Além de não ser peremptória a ordem estabelecida no art. 452 do CPC, a parte deve evidenciar o prejuízo que lhe adviria com a inversão ocorrida. Aplicação ao caso, ademais, da súmula n. 283-STF.” (4ª T., Resp nº 35786/SP, Rel. Min. Barros Monteiro, DJ de 12/12/1994, p. 238).

“Prova pericial. Inversão da ordem estabelecida no art. 452 do CPC. Rol que não é peremptó-rio, e pode ser alterado, a critério do juiz, destinatário da prova. Ausência de prejuízo às partes. Precedentes. Decisão mantida. Agravo não provido.” (TJSP, 36ª Câmara de Direito Privado, AI nº 2220190-78.2014.8.26.0000, Rel. Des. Sá Moreira de Oliveira, j. em 5/2/2015).

Em sentido contrário, por entender pela necessária observância da ordem de oitiva de testemunha

“Dano moral. Inversão da ordem de produção de provas. Produção da prova oral antes da conclusão da perícia – É assente que ao juiz, destinatário final das provas, em razão do seu livre convencimento, cabe determinar as provas necessárias à instrução do processo, podendo dispen-sar a realização de diligências inúteis ou meramente protelatórias. Contudo, uma vez deferida a realização de provas, não sendo caso de sua produção antecipada, deverá seguir a ordem proces-sual de realização, sob pena de inversão tumultuária e nulidade. Na produção da prova testemu-nhal na audiência, a oitiva do perito e assistentes, precede aos depoimentos pessoais e oitivas de testemunhas (art. 452 do CPC), do que deflui que a perícia deve estar concluída, e o resultado, muitas vezes, vai influir na elaboração do rol de testemunhas a serem inquiridas, ou sua dispen-sa – Recurso provido.” (TJSP, 1ª Câmara de Direito Privado, AI nº 2183623-48.2014.8.26.0000, Rel. Des. Alcides Leopoldo e Silva Júnior, j. em 3/2/2015).

Art. 362 - A audiência poderá ser adiada: I - por convenção das partes; II - se não puder comparecer, por motivo justificado, qualquer pessoa que dela deva necessariamente participar; III - por atraso injustificado de seu início em tempo superior a 30 (trinta) minutos do horário marcado. § 1º - O impedimento deverá ser comprovado até a abertura da audiência, e, não o sendo, o juiz procederá à instrução.§ 2º - O juiz poderá dispensar a produção das provas requeridas pela parte cujo advogado ou defensor público não tenha comparecido à audiência, aplicando-se a mesma regra ao Ministério Público. § 3º - Quem der causa ao adiamento responderá pelas despesas acrescidas.

I. Adiamento da audiência mediante requerimento da parte

O dispositivo repete regra semelhante a do CPC/1973 (art. 453), com alguns aprimoramentos pontuais. O adiamento se performa mediante comprovada impossibilidade de comparecimento de qualquer pessoa cuja participação seja necessária ao deslinde da audiência, assim como por força de convenção das partes (inciso I) desde que formulado o requerimento até a abertura da audiência (§ 1º).

Art. 362

Page 210: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

601

Daniel Penteado de Castro

Quando do adiamento por convenção das partes a providência se revela útil em hipóteses de melhor diálogo entre os litigantes que venha a refletir em conciliação, mormente quando durante a audiência ainda não há espaço ou condições de firmar todas as tratativas necessárias à compo-sição do acordo.

Em relação ao adiamento por qualquer pessoa que deva dela participar impõe-se a apresen-tação de justificativa fidedigna que impeça o comparecimento da parte, testemunha, perito do juízo, assistente técnico das partes, Ministério Público ou dos respectivos advogados. A apresen-tação de justificativa se presta não só i) para se evitar o respectivo ônus que recai sobre aquele que, injustificadamente deixa de comparecer à audiência (CPC/2015, art. 362, § 2º), ii) mas para examinar, ainda que apresentada a justificativa, em que medida haverá efetiva necessidade de adiamento da audiência (v.g., o juiz pode aceitar a justificativa de não comparecimento da teste-munha de uma das partes, a determinar sua oitiva em outra data e, por economia processual, na audiência designada colher os depoimentos das testemunhas ali presentes – CPC/2015, art. 365).

II. Adiamento da audiência por atraso injustificado

O CPC/2015 também disciplinou a hipótese de atraso injustificado do início da audiência apto a conduzir ao adiamento da audiência, desde que transcenda o tempo de 30 (trinta) minutos do horário marcado. A leitura do inciso III convida a prerrogativa da parte quando há atraso no iní-cio da audiência por parte do juiz, a evitar a longa espera do início da audiência além do horário inicialmente programado, providência prevista no art. 7º, inciso XX, da Lei nº 8.906/1994 (Esta-tuto da Advocacia), a assegurar que o advogado está autorizado a se retirar se o atraso superar a 30 (trinta) minutos, comunicando o fato por petição.

III. Ausência de comparecimento do patrono da parte e preclusão da prova

Consoante dispõe o § 2º, o juiz terá a faculdade de dispensar a produção da prova oral reque-rida pela parte cujo advogado ou defensor deixou injustificadamente de comparecer à audiência, a estender referida regra ao Ministério Público quando atua em representação a uma das partes. Todavia, se a produção da prova requerida pela parte se faz relevante e necessária para o deslinde da causa, poderá o juiz exercer os poderes instrutórios com vistas a extrair do resultado da prova produzida elementos necessários à formação de seu livre convencimento (CPC/2015, art. 370).

IV. Aplicação subsidiária do dispositivo à audiência de tentativa de conciliação

Em relação ao adiamento, o dispositivo merece aplicação subsidiária quanto à audiência de conciliação, em especial com vistas a se evitar a multa prevista quando do não comparecimento injustificado do autor ou do réu na audiência de conciliação ou mediação (CPC/2015, art. 334, § 8º).

V. Julgados

Adiamento frente a concomitância de audiências a se realizar na mesma data e horário

“Constitui cerceamento de defesa o indeferimento do pedido de adiamento de audiência, feito por advogado que prova, por certidão ter outra audiência no mesmo horário.” (RT 537/192).

Prova da ausência de comparecimento prescinde a comprovação de prejuízo

“Havendo prova de motivo justificado para a ausência da parte à audiência, o juiz deve adiá-la independentemente da demonstração de prejuízo; este é, no caso, sempre presumido” (RJTJER-GS 189/273).

Art. 362

Page 211: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

602

Daniel Penteado de Castro

Art. 363 - Havendo antecipação ou adiamento da audiência, o juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinará a intimação dos advogados ou da sociedade de advogados para ciência da nova designação.

I. Designação de nova audiência e intimação das partes

O dispositivo visa proporcionar o exercício da ampla defesa e contraditório mediante a neces-sária publicidade da decisão que fixa nova data para a audiência, regra semelhante ao CPC/1973 (art. 242, § 2º).

Art. 364 - Finda a instrução, o juiz dará a palavra ao advogado do autor e do réu, bem como ao membro do Ministério Público, se for o caso de sua intervenção, sucessivamente, pelo prazo de 20 (vinte) minutos para cada um, prorrogável por 10 (dez) minutos, a critério do juiz. § 1º - Havendo litisconsorte ou terceiro interveniente, o prazo, que formará com o da prorrogação um só todo, dividir-se-á entre os do mesmo grupo, se não convencionarem de modo diverso. § 2º - Quando a causa apresentar questões complexas de fato ou de direito, o debate oral poderá ser substituído por razões finais escritas, que serão apresentadas pelo autor e pelo réu, bem como pelo Ministério Público, se for o caso de sua intervenção, em prazos sucessivos de 15 (quinze) dias, assegurada vista dos autos.

I. Encerramento da instrução e alegações finais Com reprodução de regra semelhante a do CPC/1973 (art. 454), o dispositivo trata das ale-

gações finais a serem apresentadas após o encerramento da instrução processual. As alegações finais poderão ser apresentadas na própria audiência, de forma oral, no prazo de 20 (vinte) minu-tos para cada parte, prorrogável por mais 10 (dez) minutos, a critério do juiz ou mediante razões escritas, quando constatada a complexidade de questões de fato ou de direito. Nessa perspectiva, o CPC/2015 acresceu, quando da hipótese de apresentação das alegações finais escritas, a disci-plina do prazo sucessivo de 15 (quinze) dias.

A despeito de as alegações finais (orais ou escritas) estarem ligadas à audiência de instrução e julgamento, por vezes alguns magistrados franqueiam às partes a apresentação de alegações finais após o encerramento da instrução mediante término da produção da prova pericial, muito embora as alegações finais não sejam entendidas como um direito da parte.

II. Alegações finaisO conteúdo das alegações se restringe a uma última oportunidade de as partes exporem as

respectivas razões de defesa. Não se trata de repetição dos argumentos trazidos na petição inicial e réplica ou contestação, mas da indicação de pontos objetivos, extraídos do resultado da prova, que reforçam a tese de defesa do autor ou réu. Em síntese, a oportunidade de apresentação de ale-gações finais deve refletir, sob a perspectiva da parte, por quais razões deverá o livre convenci-mento motivado do juiz se direcionar em favor da defesa de cada uma das partes e em que medida o resultado da prova coligida na instrução processual corrobora a tese de cada uma das partes.

Arts. 363 e 364

Page 212: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

603

Daniel Penteado de Castro

Art. 365 - A audiência é una e contínua, podendo ser excepcional e justificadamente cindida na ausência de perito ou de testemunha, desde que haja concordância das partes. Parágrafo único - Diante da impossibilidade de realização da instrução, do debate e do julgamento no mesmo dia, o juiz marcará seu prosseguimento para a data mais próxima possível, em pauta preferencial.

I. Concentração dos atos em audiência

Com tratamento semelhante ao CPC/1973 (art. 455), o dispositivo reproduz o Princípio da Concentração dos atos em audiência, elencado como um dos subprincípios ao Princípio da Orali-dade. Os aperfeiçoamentos constantes no novel artigo deixam a cargo da concordância das partes o excepcional fracionamento da audiência, assim como o prosseguimento em data mais próxima (ao passo em que o CPC/1973 previa o prosseguimento da audiência para o dia seguinte).

II. Cisão da audiência diante da ausência do perito ou de testemunha

A leitura do dispositivo deve se harmonizar em consonância com a redação do art. 362, inciso II, § 2º, do CPC/2015. Vale dizer, ausente a testemunha da parte mediante prévia apresentação de motivo justificado, caberá ao magistrado examinar o acolhimento ou não da justificativa que autorize a oitiva da testemunha em outra oportunidade em detrimento da declaração de preclusão da prova (CPC/2015, art. 362, § 2º). Ausente o perito do juízo, caberá ao juiz designar nova data da audiência para colheita da oitiva do perito (CPC/2015, art. 362, inciso II). Todavia, em ambas as hipóteses, poderá o juiz fracionar a colheita da prova oral, postergando a oitiva do perito do juízo ou da testemunha que justificadamente deixou de comparecer para outra data, mediante consentimento das partes.

III. Impossibilidade de continuidade da audiência de instrução

O parágrafo único assegura a continuidade da audiência de instrução quando da impossibili-dade de sua continuidade no mesmo dia. Alguns fatores concorrem para referido adiamento, tais como a falta de tempo necessário para a conclusão, no mesmo dia, da oitiva de todas as testemu-nhas arroladas, perito, assistente técnico ou colheita de depoimento pessoal. Outra hipótese de impossibilidade de continuidade da audiência de instrução diz respeito à oitiva da testemunha referida nas declarações da parte ou outra testemunha (CPC/2015, art. 461, inciso I).

IV. Julgado

Possibilidade de anulação da instrução se a fragmentação da audiência causar prejuízo à parte

“Fora das hipóteses legais, não é lícito ao juiz fragmentar o procedimento de colheita da prova testemunhal, deixando de inquirir, no mesmo dia, segundo a ordem e as cautelas da lei, todas as testemunhas arroladas. Se ouve as do autor numa data e, em outra, as do réu, e há prejuízo para o autor, anula-se a instrução” (RT 688/77).

Art. 366 - Encerrado o debate ou oferecidas as razões finais, o juiz proferirá sentença em audiência ou no prazo de 30 (trinta) dias.

Arts. 365 e 366

Page 213: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

604

Daniel Penteado de Castro

I. Proferimento de sentença após razões finais

Em ampliação ao regime anterior, que previa 10 (dez) dias para o juiz proferir sentença após a audiência (CPC/1973, art. 456), o Código de Processo Civil de 2015 passa a prever o prazo de 30 (trinta) dias, contados a partir do recebimento das razões finais escritas. Se as razões finais fo-ram apresentadas de forma oral (CPC/2015, art. 364, caput), o juiz poderá sentenciar na própria audiência. Embora disciplinado o prazo de 30 (trinta) dias, o sistema não prevê qualquer ônus ou sanção correspondente à violação do respectivo trintídio. Por sua vez, a depender da com-plexidade da matéria a ser dirimida, não soa razoável a obrigatoriedade de o magistrado proferir sentença em 30 (trinta) dias. O dispositivo pode servir, portanto, como parâmetro a ser seguido com vistas a se evitar a remessa dos autos à conclusão para sentença por tempo indeterminado, circunstância que, inclusive, viola a cláusula pétrea do Princípio da Duração Razoável do Pro-cesso (CF, art. 5º, inciso LXXVIII).

II. Intimação da sentença em audiência e início do prazo recursal

Quando do proferimento de sentença na própria audiência, esta será lavrada pelo escrivão (CPC/2015, art. 367), dela saindo as partes intimadas (CPC/2015, art. 1.003, § 1º), a iniciarem-se os prazos recursais (CPC/2015, art. 1.003).

Art. 367 - O servidor lavrará, sob ditado do juiz, termo que conterá, em resumo, o ocorrido na audiência, bem como, por extenso, os despachos, as decisões e a sentença, se proferida no ato. § 1º - Quando o termo não for registrado em meio eletrônico, o juiz rubricar-lhe-á as folhas, que serão encadernadas em volume próprio. § 2º - Subscreverão o termo o juiz, os advogados, o membro do Ministério Público e o escrivão ou chefe de secretaria, dispensadas as partes, exceto quando houver ato de disposição para cuja prática os advogados não tenham poderes. § 3º - O escrivão ou chefe de secretaria trasladará para os autos cópia autêntica do termo de audiência. § 4º - Tratando-se de autos eletrônicos, observar-se-á o disposto neste Código, em legislação específica e nas normas internas dos tribunais. § 5º - A audiência poderá ser integralmente gravada em imagem e em áudio, em meio digital ou analógico, desde que assegure o rápido acesso das partes e dos órgãos julgadores, observada a legislação específica. § 6º - A gravação a que se refere o § 5º também pode ser realizada diretamente por qualquer das partes, independentemente de autorização judicial.

I. Registro dos atos em audiência

Todos os atos ocorridos em audiência deverão ser registrados no termo da audiência, tal como se performava no CPC/1973 (art. 457) sob ditado do juiz, sem prejuízo da possibilidade de re-gistro eletrônico. Inovação constante no Código de Processo Civil de 2015 diz respeito à possi-

Art. 367

Page 214: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

605

Daniel Penteado de Castro

bilidade de a audiência ser integralmente gravada em imagem e áudio, em meio digital ou ana-lógico, a se assegurar o rápido acesso das partes e dos julgadores, de sorte que referida gravação também poderá ser realizada por qualquer das partes, independentemente de autorização judicial (CPC/2015, art. 367, §§ 5º e 6º). Esta providência revela maior garantia das partes quanto ao fiel registro de todos os atos ocorridos em audiência, de sorte que a gravação performada por uma das partes poderá servir de contraprova à eventual inexatidão constante na ata da audiência lavrada.

II. Impugnação quanto à inexatidão do registro dos atos em audiência

Eventual impugnação quanto à transcrição dos atos ocorridos em audiência deverá se perfor-mar no mesmo ato que precede a assinatura dos advogados das partes, sob pena de preclusão, a fazer constar na ata de audiência o registro do inconformismo da parte (CPC/2015, art. 209, § 1º).

Art. 368 - A audiência será pública, ressalvadas as exceções legais.

I. Publicidade da audiência

Com redação semelhante ao art. 444 do CPC/1973, o art. 368 do CPC/2015 impõe a publicida-de da audiência de instrução e julgamento, dispositivo que faz eco ao quanto previsto no art. 11 do CPC/2015, ao dispor que todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, assim como os atos processuais (CPC/2015, art. 189, caput), salvo as hipóteses de decretação de segredo de justiça.

II. Exceções à publicidade do processo e atos processuais

O Princípio da Publicidade (CF, art. 93, inciso IX) cede espaço ao regramento do art. 5º, inciso LX, da Constituição Federal, ao dispor que “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem”, tema que, no plano infraconstitucional, guarda projeção no art. 189, caput, ao prever a publicidade dos atos processuais, seguida das exceções arroladas em referido dispositivo, para assegurar a tramitação, em segredo de justiça, dos processos: I – em que se exija o interesse público ou social; II – que versem sobre casamento, separação de corpos, divórcio, separação, união estável, filiação, ali-mentos e guarda de crianças e adolescentes; III – em que constem dados protegidos pelo direito constitucional à intimidade; e IV – que versem sobre arbitragem, inclusive sobre cumprimento de carta arbitral, desde que a confidencialidade estipulada na arbitragem seja comprovada peran-te o juízo. A despeito de o CPC/2015 ampliar as hipóteses de exceção à regra da publicidade, a leitura das expressões “defesa da intimidade ou o interesse social” não deve se restringir ao art. 189. Basta pensar em ação em que se discute relevante modelo de negócio ou segredo industrial entre duas empresas, direitos cujo sigilo detém proteção na Constituição Federal (CF, art. 5º, in-ciso XXIX). Ainda, por se tratar de conceitos jurídicos indeterminados, cuja leitura se aperfeiçoa mediante interpretação conferida pela jurisprudência do que se aproxima, consoante a conjetura temporal, de “intimidade” e “interesse social”, o segredo de justiça não deve ser aplicado restri-tivamente às situações elencadas no art. 189.

Art. 368

Page 215: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

606

Vitor de Paula Ramos

Art. 369 - As partes têm o direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente na convicção do juiz.

AutorVitor de Paula Ramos

I. Direito fundamental à prova

O direito à prova goza de fundamentalidade tanto formal, na medida em que positivado no art. 5º, incisos LIV e LV, quanto material, na medida em que é uma função precípua do direito ordenar condutas, aplicando consequências jurídicas somente a fatos que realmente ocorreram.

II. Prova e verdade A partir dessa visão, a doutrina mais moderna defende uma diferenciação entre o que está

provado (quando existem elementos de juízos suficientes a favor das hipóteses fáticas) e o que é verdadeiro (dizer que algo é quando é e que não é quando não é). Assim, por um lado, só será verdadeiro que Pedro matou Maria se – sabendo-se quem é Pedro, quem é Maria e qual o signifi-cado de “matar” no ordenamento jurídico brasileiro – Pedro efetivamente tiver matado Maria; na realidade, no mundo lá fora. Por outro lado, o processo tem justamente que estar equipado com a busca mais efetiva possível da verdade, já que a relação entre prova e verdade tem que ser de meio e fim: a prova deve buscar a verdade, constituindo uma relação teleológica entre a primeira e a segunda. É certo que, em alguns casos, haverá erros, mas nem por isso se poderá concluir pela irrelevância da verdade para o processo – bem pelo contrário. Essa deve, com efeito, ser o norte de todo o procedimento probatório, já que, caso não se buscasse a verdade, a prova perderia todo o sentido; mais fácil seria decidir os conflitos de maneira igualmente aleatória, mas mais célere: lançando dados.

III. Decisão justa e processo justo Uma decisão que conclua erroneamente sobre fatos (por exemplo, decidindo que Pedro matou

Maria quando, em verdade, Pedro não matou Maria), como é instintivo, é necessariamente uma decisão injusta. E, a fim de que o processo seja justo (como é exigência do Estado Constitucio-nal), é necessário que esteja regulado para a produção tendencial de decisões justas. Ou seja, é necessário, para que o processo seja justo, que busque a verdade de forma idônea.

IV. Imprecisões do texto legal A nova redação tem o condão de promover uma dupla (e indesejável) personalização: a uma,

dá a ideia de que a produção da prova pudesse ser assunto exclusivo das partes e, a duas, a (fal-sa) ideia de que o juiz pudesse ser o único destinatário da prova. Não obstante, a imprecisão do legislador não pode se espelhar na interpretação.

V. Destinatários da provaComo reconhece há tempos a doutrina (e como se verá na anotação ao próximo artigo), a pro-

dução da prova pode se dar tanto pelas partes como pelos terceiros, como, no sistema brasileiro,

Page 216: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

607

Vitor de Paula Ramos Art. 370

por determinação de ofício do magistrado, mesmo sendo certo que as partes são detentoras de um verdadeiro direito fundamental à prova (sobre o ponto, vide comentários ao início do capítulo). Por outro lado, considerando a necessidade de contraditório em sentido forte (isto é, de que as partes tenham possibilidade de efetiva influência na formação da decisão judiciária), no sistema brasileiro não importa a “origem” da prova, ou seja, quem a produziu. O elemento de prova que integra o processo deve ser debatido em paridade entre as partes e o juiz, assim seguindo quando em via recursal, a fim de que a decisão possa ser valorada racionalmente, e não com base em convicções subjetivas do juiz. O Enunciado nº 50 do FPPC diz o seguinte: “Os destinatários da prova são aqueles que dela poderão fazer uso, sejam juízes, partes ou demais interessados, não sendo a única função influir eficazmente na convicção do juiz”.

VI. Prova ilícitaA utilização de prova ilícita é expressamente vedada pelo dispositivo. Vai nesse sentido, tam-

bém, a firme jurisprudência das Cortes Supremas: STF, Tribunal Pleno, RE nº 389.808-PR, DJe de 9/5/2011. STJ, REsp nº 1.361.174-RS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. em 3/6/2014. As Cortes de precedentes, entretanto, reconhecem a possibilidade de sua utilização em situações excepcionalíssimas (vide exemplificativamente STJ, REsp nº 1.026.605-ES, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, j. em 13/5/2014).

Art. 370 - Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito.Parágrafo único - O juiz indeferirá, em decisão fundamentada, as diligências inúteis ou meramente protelatórias.

I. Provas de ofício e completude do material probatórioA nova redação não deixa dúvidas sobre a manutenção da desejável ideia de que o juiz, de

ofício, deve determinar a produção de todas as provas “necessárias” ao julgamento da causa. Afastada há muito a ideia de que o juiz não pudesse determinar a produção de provas de ofício, o CPC/2015 preocupa-se com a necessária completude do material probatório, uma vez que o ideal é que todas as provas relevantes sejam obtidas. Um objetivo de toda e qualquer apuração de fatos deve ser a busca pela comprehensiveness. Afinal, quanto mais completo for o material pro-batório, mais confirmadas estarão tendencialmente as hipóteses fáticas; mais a prova terá, pos-sivelmente, condições de se aproximar da verdade; mais justo será o processo. A redação do art. 370, interpretada adequadamente, não deixa dúvidas: o juiz “determinará” as provas necessárias, não cogitando, pois, de hipótese em que as provas relevantes não estejam em juízo. O STJ já se manifestou no sentido de que a “iniciativa probatória do magistrado, em busca da veracidade dos fatos alegados, com realização de provas de ofício, não se sujeita à preclusão temporal, porque é feita no interesse público de efetividade da Justiça” (STJ, 1ª T., AgRg no REsp nº 1157796/DF, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe de 28/5/2010).

II. Admissão de provasO juiz não pode inadmitir provas com base em critérios subjetivos; por “necessária” deve-se

entender aquela prova que tiver aptidão para, em tese, fazer com que um fato que faz parte do mérito da causa seja mais ou menos provável do que seria sem a prova. Será admissível a prova que, ao mesmo tempo, for pertinente e relevante – pertinente será aquela prova que disser res-

Page 217: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

608

Vitor de Paula Ramos Art. 371

peito ao mérito da causa, e relevante aquela que tiver o condão, em tese, de alterar o resultado do julgamento.

III. Negócios processuais e limites à provaÉ importante destacar que a previsão do art. 190, que prevê possibilidade de acordos sobre

procedimentos, portanto, não poderá redundar na exclusão de provas relevantes por acordo das partes. Afinal, a redação do art. 370, interpretada adequadamente, não deixa dúvidas: o juiz “de-terminará” as provas relevantes, não cogitando, pois, de hipótese em que as provas relevantes não estejam em juízo.

IV. Admissibilidade como exame prévioO exame da admissibilidade da prova é prévio ao da valoração, de modo que viola o direito

fundamental à prova o indeferimento por “prévio convencimento”.

Art. 371 - O juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento.

I. Valoração da prova e contraditórioApesar de há muito já se conceber doutrinariamente que “livre apreciação” da prova não acar-

reta uma liberdade para o magistrado de julgar as causas como bem entender, o CPC/2015 fez questão de retirar a palavra “livre”, a fim de deixar clara a opção legislativa no sentido da neces-sidade de valoração racional da prova. Considerando a necessidade de contraditório em sentido forte (isto é, de que as partes tenham possibilidade de efetiva influência), deve o juiz efetivamen-te dialogar com as partes, coisa que só restará efetiva quando houver efetivo debate quanto aos pontos trazidos por essas, seja sobre a prova, seja sobre as demais circunstâncias do caso.

II. Imprecisões do texto legal e raciocínio probatórioDuas imprecisões técnicas devem ser vistas na parte final da redação: em primeiro lugar, “in-

dicar as razões” dá a ideia de que o juiz pudesse “ser convencido” por quaisquer circunstâncias. Em verdade, o magistrado deve fazer um raciocínio complexo e objetivo, que não pode ser aqui esmiuçado, mas seguirá basicamente a estrutura que segue: Hipótese (ex.: João atirou em José) – Supostos Adicionais (ex.: quem usa arma de fogo fica com rastros de pólvora nas mãos) – Condi-ções Iniciais (ex.: quem atirou não usou luvas) – Predição (ex.: se João atirou em José, terá, após o disparo, rastros de pólvora nas mãos. Caso João tenha rastros de pólvora nas mãos, a hipótese receberá grau maior de confirmação. O segundo equívoco, que fica bastante evidente a partir do primeiro, é que não se trata, para considerar algo provado, da convicção subjetiva do juiz, como parece sugerir o texto legal. Com o raciocínio demonstrado anteriormente (ou qualquer outro que o valha), o magistrado deverá verificar a corroboração objetiva de hipóteses, de forma que tal possa ser controlado intersubjetivamente, em primeiro lugar pelas próprias partes.

III. Motivação sobre a provaÉ importante notar, sobre o ponto, que o dispositivo legal que prevê a motivação da sentença

(art. 489, § 1º) deve, necessariamente, ser interpretado conjuntamente com o presente, a fim de que se considere, também, elemento fundamental da sentença (sem o qual essa não poderá ser considerada motivada), a motivação sobre o que restou provado e por quê.

Page 218: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

609

Vitor de Paula Ramos Arts. 372 e 373

IV. Origem da prova não importa

Por fim, vale ressaltar a locução “independentemente do sujeito que a tiver promovido”, se-gundo a qual a origem da prova não importa; isto é, a prova produzida por uma parte pode ter consequências retiradas contra ela própria.

Art. 372 - O juiz poderá admitir a utilização de prova produzida em outro processo, atribuindo-lhe o valor que considerar adequado, observado o contraditório.

I. Prova emprestada e contraditório

A prova emprestada, como reconhece há tempos a jurisprudência do STJ (Corte Especial, EREsp nº 617.428/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. em 4/6/2014, DJe de 17/6/2014; 6ª T., RHC nº 48174, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. em 3/2/2015, DJe de 11/2/2015), tem como sua legitimação justamente o exercício do contraditório (além, por óbvio, da necessidade de su-peração dos critérios de admissibilidade – sobre o ponto vide anotação ao art. 370). O CPC/2015 trouxe para seu texto o entendimento jurisprudencial, de maneira elogiável. O Enunciado nº 52 do FPPC vai no seguinte sentido: “Para a utilização da prova emprestada, faz-se necessária a observância do contraditório no processo de origem, assim como no processo de destino, consi-derando-se que, neste último, a prova mantenha a sua natureza originária”.

II. Valoração da prova emprestada

Deve-se ter cuidado, entretanto, com a locução “atribuindo-lhe o valor que considerar adequa-do”. Por óbvio, novamente aqui, não tem o juiz o poder de valorar a prova como bem entender, devendo proceder com valoração racional. Vide comentários ao artigo anterior.

Art. 373 - O ônus da prova incumbe:I - ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito;II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.§ 1º - Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.§ 2º - A decisão prevista no § 1º deste artigo não pode gerar situação em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil.§ 3º - A distribuição diversa do ônus da prova também pode ocorrer por convenção das partes, salvo quando:

Page 219: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

610

Vitor de Paula Ramos Art. 374

I - recair sobre direito indisponível da parte;II - tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito.§ 4º - A convenção de que trata o § 3º pode ser celebrada antes ou durante o processo.

I. Atribuição fixaO art. 373 repete a distribuição do ônus da prova entre as partes, incumbindo, em tese, ao autor

a prova dos fatos constitutivos e ao réu a prova dos fatos impeditivos, extintivos e modificativos. II. Atribuição dinâmicaOs parágrafos trazem a inovação de adotarem expressamente a possibilidade que ficou conhecida

na doutrina como “dinamização do ônus da prova”. As condicionantes materiais e processuais são aquelas previstas nos §§ 1º e 2º, quais sejam: (a) materiais: inadequação da distribuição fixa, posição privilegiada da parte originalmente não onerada e não causação de prova diabólica inver-sa, isto é, de excessiva dificuldade de provar para a parte contrária; (b) processuais: motivação e correlata oportunidade da nova “onerada” de provar. O STJ, mesmo antes do CPC/2015, já autorizava a dinamização em alguns âmbitos, como o Direito Ambiental (STJ, 2ª T., REsp nº 883656/RS, Rel. Min. Herman Benjamin, j. em 9/3/2010, DJe de 28/2/2012).

III. Polêmicas doutrináriasAlgumas polêmicas doutrinárias circundam, entretanto, a questão do “ônus” da prova. Em

primeiro lugar, porque, para alguns, o ônus da prova seria um “ônus imperfeito”; isto é, a adoção da conduta (provar) não levaria, diferentemente de outros ônus, necessariamente à consequência jurídica (vencer a demanda), mas simplesmente aumentaria suas chances; para outros, o ônus da prova simplesmente não se enquadra no conceito científico de ônus, não podendo ser assim considerado. Outra polêmica diz respeito à suposta existência de dois aspectos sobre o ônus da prova: um objetivo (como regra de julgamento) e um outro subjetivo (como regra de instrução). A existência de um aspecto subjetivo no ônus da prova, entretanto, vem criticada por parte da doutrina, que entende que a única função do “ônus” da prova é dar ao juiz uma forma de julgar a causa em casos de insuficiência de provas.

IV. Julgamento pelo ônus da prova como ultima ratioSeja como for, num processo que vê a verdade como fim, deve-se utilizar a regra de julga-

mento (por insuficiência) somente como ultima ratio. Daí a intenção do legislador de prever um verdadeiro dever de exibição (art. 400, parágrafo único), para ampliar o material probatório e evitar o julgamento pelo art. 373.

Art. 374 - Não dependem de prova os fatos:I - notórios;II - afirmados por uma parte e confessados pela parte contrária;III - admitidos no processo como incontroversos;IV - em cujo favor milita presunção legal de existência ou de veracidade.

I. Admissão de provas e fatos que independem de provas

O texto legal é integralmente repetido, mas deve ser interpretado com cuidado. “Não depender

Page 220: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

611

Vitor de Paula Ramos

de prova” deve significar uma ultima ratio. Isto é, não para determinar a inadmissibilidade de provas relevantes disponíveis, mas sim para, em caso de insuficiência probatória, julgar a favor da parte a favor de quem militam as previsões deste artigo. Havendo prova relevante disponível, será em geral preferível que a prova vá a juízo, a fim de que se busque a maior corroboração possível das hipóteses fáticas e, portanto, uma decisão mais justa. Sobre fatos notórios indepen-derem de provas, STJ, 2ª T., REsp nº 1222033/DF, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. em 26/4/2011, DJe de 5/5/2011).

Art. 375 - O juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e, ainda, as regras de experiência técnica, ressalvado, quanto a estas, o exame pericial.

I. Generalizações e inferências

O juiz, quanto à valoração racional da prova, deverá observar o modo como as coisas nor-malmente acontecem. Isso, por óbvio, não quer dizer que o juiz não possa considerar situações extraordinárias; quer somente dizer que, para fazer as inferências, os raciocínios a partir das provas, será necessário lançar mão de generalizações dotadas de certas qualidades. Uma afirma-ção como “todos os solteiros não são casados”, por exemplo, é universal, permitindo inferências com altíssimo grau de corroboração. Outras, apesar de não universais, conferem graus bastante elevados de probabilidade, permitindo, também, inferências de grau elevado. Outras ainda são inferências baseadas em generalizações com base na “normalidade”, gerando, na melhor das hipóteses, graus de confirmação baixos. As generalizações espúrias, por fim, são aquelas que, quando dirigidas a grupos de pessoas, são taxadas de preconceitos; são constituídas por propo-sições que não possuem qualquer prova em suporte, base científica ou mesmo estatística (algo como “capricornianos são autoconfiantes”). Justamente por isso, conforme prevê o art. 375, não podem servir para a formulação de inferências.

Art. 376 - A parte que alegar direito municipal, estadual, estrangeiro ou consuetudinário provar-lhe-á o teor e a vigência, se assim o juiz determinar.

I. Exceção à regra do iura novit curia

Nenhuma novidade em relação ao CPC/1973, salvo quanto à ordem das palavras ao final. Trata-se de exceção à regra de que o juiz conhece o direito (iura novit curia).

Art. 377 - A carta precatória, a carta rogatória e o auxílio direto suspenderão o julgamento da causa no caso previsto no art. 313, inciso V, alínea “b”, quando, tendo sido requeridos antes da decisão de saneamento, a prova neles solicitada for imprescindível.

Arts. 375, 376 e 377

Page 221: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

612

Vitor de Paula Ramos Arts. 378 e 379

Parágrafo único - A carta precatória e a carta rogatória não devolvidas no prazo ou concedidas sem efeito suspensivo poderão ser juntadas aos autos a qualquer momento.

I. Provas relevantes em juízoNovamente aqui a ideia de que o julgamento da causa não poderá ser feito enquanto não esti-

verem no processo todas as provas relevantes disponíveis. Vide comentário ao art. 370. II. Carta rogatória e admissibilidade da provaO STJ já se manifestou entendendo que a expedição da carta rogatória deverá ocorrer so-

mente se superado o exame de admissibilidade: “[a] atividade probatória das partes submete-se a um filtro de relevância e pertinência, a ser exercido pelo magistrado, que preside a atividade instrutória. [...] Na espécie, a expedição de carta rogatória, à míngua da justificativa de impres-cindibilidade, conforme determinação do artigo 222-A do Código de Processo Penal, foi correta-mente, indeferida” (STJ, 6ª T., RHC 42500/MG, Rel. Min. Maria Thereza De Assis Moura, j. em 4/11/2014, DJe de 14/11/2014).

Art. 378 - Ninguém se exime do dever de colaborar com o Poder Judiciário para o descobrimento da verdade.

I. Prova e verdade. Completude do material probatório. Deveres de todosRepetindo o texto do CPC/1973, mas conferindo mais ferramentas para a busca da verdade

(como será demonstrado na anotação ao art. 380), traça o legislador brasileiro claramente a re-lação teleológica entre prova e verdade (vide comentário ao início do capítulo) e a necessidade, para tanto, de que o material probatório seja o mais completo possível (vide comentário aos arts. 370 e ss.). Para a busca da necessária completude tendencial do material probatório, faz-se mister que nenhum sujeito do processo (salvo casos excepcionais) tenha um “direito” de esconder pro-vas. Afinal, “ninguém” significa nenhuma pessoa, não podendo ser interpretado como “alguém”, “alguma pessoa”. Daí a importância do quanto é dito sobre o tema na anotação ao art. 379.

Art. 379 - Preservado o direito de não produzir prova contra si própria, incumbe à parte:I - comparecer em juízo, respondendo ao que lhe for interrogado;II - colaborar com o juízo na realização de inspeção judicial que for considerada necessária;III - praticar o ato que lhe for determinado.

I. Âmbito de proteção. Direito de não autoincriminação. Inexistência de direito à não pro-dução de provas no âmbito cível sem possíveis consequências criminais

A redação do caput do art. 379 traz, em si, inúmeros problemas. O que ocorre, entretanto, é que a CRFB simplesmente não prevê qualquer direito de não produção de provas contra si próprio no

Page 222: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

613

Vitor de Paula Ramos

âmbito cível se não houver possibilidade de consequências criminais, de modo que a referência do artigo a algum “direito” que pudesse ser “preservado” necessita de interpretação sistemática, consi-derando principalmente a CRFB. O direito de não produção de provas, no âmbito penal, possui ori-gem no privilege against self-incrimination, isto é, ao direito de não autoincriminação. Tal direito, já em meados do século XVIII, era reconhecido na Inglaterra, na medida em que nenhuma pessoa poderia ser obrigada a fornecer respostas incriminadoras sob juramento. Na história americana, tal direito foi, posteriormente, positivado pela Fifth Amendment à Federal Constitution. O texto de tal emenda não deixa dúvidas, entretanto, sobre o âmbito de aplicação da proteção: “[n]inguém [...] poderá ser compelido, em nenhum caso criminal, a ser testemunha contra si mesmo” (No person [...] shall be compelled in any criminal case to be a witness against himself). Nem mesmo em tais ordenamentos de common law, portanto, o direito à não autoincriminação se aplica por extensão em procedimentos que não são criminais, ou em que a regulação legal é exclusivamente civil. Isto é, o réu em ação civil não pode ser obrigado a testemunhar sobre fatos que possam lhe incriminar, mas não tem qualquer direito de não produzir provas contra si mesmo em relação a fatos eminen-temente civis. No ordenamento jurídico brasileiro, de resto, a clareza solar com que é redigido o texto constitucional não pode mesmo deixar dúvidas sobre o âmbito de aplicação do direito ao silêncio (CRFB, art. 5º, inciso LXIII – “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado”). O STF, na mesma linha, reconhece, em tal texto, um direito à não autoincriminação, ou nemo tenetur se detegere, com suas consequências para os processos criminais (STF, 1ª T., HC nº 80.949-9/RJ, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. em 30/10/2001, DJ de 14/12/2001; STF, 2ª T., HC nº 94173/BA, Rel. Min. Celso de Mello, j. em 27/10/2009, publicação: 27/11/2009), assim como a doutrina. Vai no mesmo sentido o Enunciado nº 51 do FPPC: “A compatibilização do disposto nestes dispositivos c/c o art. 5º, LXIII, da CF/1988, assegura à parte, exclusivamente, o direito de não produzir prova contra si em razão de reflexos no ambiente penal”.

Art. 380 - Incumbe ao terceiro, em relação a qualquer causa:I - informar ao juiz os fatos e as circunstâncias de que tenha conhecimento;II - exibir coisa ou documento que esteja em seu poder.Parágrafo único - Poderá o juiz, em caso de descumprimento, determinar, além da imposição de multa, outras medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias.

I. Deveres do terceiro. Interpretação conjunta com o art. 378

As novidades de redação do presente artigo dizem respeito à necessidade de que o juiz tenha condições efetivas de fazer com que provas relevantes sejam levadas ao processo (sobre o ponto, vide comentário ao art. 370), inclusive quando estiverem à disposição de terceiros. Exemplifica, assim, o legislador, em rol apenas exemplificativo (outras medidas poderão ser tomadas), técni-cas processuais que podem ser utilizadas para fazer com que o terceiro não resista ao cumpri-mento do seu dever de colaborar com o descobrimento da verdade (vide anotação ao art. 378).

Art. 380

Page 223: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

614

Graciela Marins

Art. 381 - A produção antecipada da prova será admitida nos casos em que:I - haja fundado receio de que venha a tornar-se impossível ou muito difícil a verificação de certos fatos na pendência da ação;II - a prova a ser produzida seja suscetível de viabilizar a autocomposição ou outro meio adequado de solução de conflito;III - o prévio conhecimento dos fatos possa justificar ou evitar o ajuizamento de ação;§ 1º - O arrolamento de bens observará o disposto nesta Seção quando tiver por finalidade apenas a realização de documentação e não a prática de atos de apreensão.§ 2º - A produção antecipada da prova é da competência do juízo do foro onde esta deva ser produzida ou do foro de domicílio do réu.§ 3º - A produção antecipada da prova não previne a competência do juízo para a ação que venha a ser proposta.§ 4º - O juízo estadual tem competência para produção antecipada de prova requerida em face da União, de entidade autárquica ou de empresa pública federal se, na localidade, não houver vara federal.§ 5º - Aplica-se o disposto nesta Seção àquele que pretender justificar a existência de algum fato ou relação jurídica para simples documentos e sem caráter contencioso, que exporá, em petição circunstanciada, a sua intenção.

AutoraGraciela Marins

I. Introdução

O procedimento de produção de prova antecipada visa realizar com antecedência um meio de prova, quer em face de situação de urgência, quer frente à necessidade da prova para a autocom-posição ou mera ciência dos fatos.

No CPC/1973, a medida foi prevista no Livro III – Do Processo Cautelar. No CPC/2015, a providência é prevista no procedimento comum do processo de conhecimento, no capítulo das provas. O novo estatuto processual procurou simplificar a previsão, unificando em um só arti-go qualquer pedido que implique a antecipação do meio de prova, tanto que previu também o arrolamento e a justificação no mesmo dispositivo legal. E, assim, reconheceu expressamente a possibilidade do pedido autônomo, sem o requisito da urgência e sem a necessidade de um pro-cesso principal.

II. Art. 381, inciso I – natureza cautelar

O art. 381, inciso I, prevê a possibilidade da antecipação do meio de prova como tutela cau-

Page 224: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

615

Graciela Marins

telar incidental, referindo-se expressamente ao “fundado receio”, leia-se fumus boni iuris, bem como a “tornar-se impossível ou muito difícil a verificação de certos fatos na pendência da ação”, ou seja, periculum in mora. Assim, é pedido que visa à asseguração do meio de prova e exige a configuração da situação de urgência para o seu deferimento. Se inexistentes o periculum in mora e o fumus boni iuris, não poderá ser deferida a antecipação do meio de prova sob o funda-mento do art. 381, inciso I. Nesse sentido a jurisprudência:

“[...] 1. Não logrou o agravante demonstrar, quer na petição inicial, que nas razões do recurso, a existência de fundado risco de perecimento do objeto da prova. 2. A produção antecipada de provas é procedimento cautelar típico, estando sujeita às regras disciplinadoras do Código de Processo Civil, que o seu art. 846 admite a concessão da tutela para o interrogatório da parte, a inquirição de testemunha e a realização de exame pericial [...]” (STF, 1ª T., AC nº 1531 AgR/DF – Distrito Federal, Rel. Min. Dias Toffoli, unânime, j. em 21/10/2014, DJe de 19/11/2014).

Quando cautelar, o procedimento a ser adotado é o previsto nos arts. 300 a 302 e 305 a 310 do CPC/2015.

O dispositivo legal refere-se tão somente à possibilidade do pedido cautelar incidental. No en-tanto, é de clara evidência que o pedido cautelar poderá ser antecedente, nos termos dos arts. 305 e seguintes do CPC/2015. Nada impede a antecipação do meio de prova, como tutela provisória de urgência cautelar, antes do ajuizamento do pedido principal. Quando incidental, o pedido de-verá ser realizado antes da fase de instrução probatória, própria à realização do meio de prova. Trata-se, portanto, de curto espaço de tempo para o pedido incidental: desde a petição inicial do pleito principal até a fase própria da realização dos meios de prova, que é a instrução probatória. De outro lado, quando se tratar de pedido cautelar antecedente, obrigatoriamente haverá neces-sidade da apresentação do pedido principal, uma vez deferida a cautela (art. 308 do CPC/2015).

No pedido cautelar não haverá valoração pelo julgador do meio de prova antecipado, mas apenas a análise da configuração dos elementos necessários à cautelaridade (fumus boni iuris e periculum in mora). Apenas na análise do pedido principal é que o julgador apreciará a prova produzida antecipadamente:

“[...] I – Na ação cautelar de produção antecipada de prova é de se discutir apenas a necessida-de e utilidade da medida, sendo incabível o enfrentamento de questões de mérito, que serão diri-midas na apreciação da ação principal, se e quando esta for proposta. Precedentes. II – A decisão proferida na ação cautelar de produção antecipada de prova é meramente homologatória, que não produz coisa julgada material, admitindo-se que as possíveis críticas aos laudos periciais sejam realizadas nos autos principais, oportunidade em que o magistrado fará a devida valoração das provas [...]” (STJ, 3ª T., REsp. nº 1191622, Rel. Min. Massami Uyeda, unânime, j. em 25/10/2011, DJe de 8/11/2011).

III. Art. 381, incisos II e II – jurisdição voluntária

As previsões dos incisos II e III do art. 381 são completamente novas e bem-vindas em re-lação ao estatuto processual de 1973. Trazem a possibilidade da antecipação do meio de prova para evitar a demanda judicial ou permiti-la com um juízo de maior convicção. É mecanismo cujo principal objetivo é a solução extrajudicial do conflito pela antecipação judicial do meio de prova. Não se exige sequer referência a pedido principal. Nessas hipóteses, o pedido prescinde do requisito da urgência. Basta ao requerente justificar o seu interesse jurídico na propositura da medida.

Art. 381

Page 225: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

616

Graciela Marins

Trata-se de claro procedimento de jurisdição voluntária, em que não há lide propriamente dita, o julgador não aprecia o mérito da prova, apenas chancela a regularidade do procedimento e não há a formação da coisa julgada material. O que se busca é o conhecimento dos fatos por um meio de prova idôneo, sob a chancela do Poder Judiciário, com a sua respectiva documentação. Qualquer meio de prova poderá ser objeto dessa antecipação de natureza voluntária.

IV. Art. 381, § 1º – arrolamento de bens

No CPC/1973 a ação de arrolamento de bens está prevista no Livro III – Do Processo Cautelar como medida cautelar nominada. Sua natureza sempre foi considerada eminentemente cautelar, a considerar a redação do art. 855 do CPC/1973, que prevê seu cabimento em caso de “fundado receio de extravio ou de dissipação de bens”. Por essa razão não se admitia arrolamento de bens sem processo principal:

“[...] 3. A medida cautelar de arrolamento possui, entre os seus requisitos, a demonstração do direito aos bens e dos fatos em que se funda o receio de extravio ou de dissipação destes, os quais não demandam cognição apenas sobre o risco de redução patrimonial do devedor, mas também um juízo de valor ligado ao mérito da controvérsia principal, circunstância que, aliada ao fortalecimento da arbitragem que vem sendo levado a efeito desde a promulgação da Lei nº 9.307/96, exige que se preserve a autoridade do árbitro como juiz de fato e de direito, evitando-se, ainda, a prolação de decisões conflitantes [...]” (STJ, 2ª Seção, CC nº 111230/DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. em 8/5/2013, DJe de 3/4/2014).

No CPC/2015 o arrolamento assume natureza diversa. Nos termos do art. 381, a medida passa a ser tratada também como procedimento de jurisdição voluntária, em que se objetiva a mera do-cumentação, e não a asseguração do resultado útil do processo, como é o caso da tutela provisória de urgência cautelar. Dessa forma o arrolamento visa à mera descrição dos bens já litigiosos ou não, com a finalidade de documentação e descartada a busca e apreensão. Não haverá necessida-de, assim, de apresentação de pedido principal. Pelo CPC/2015, assim, é cabível o pedido autô-nomo de arrolamento, sem necessidade do pedido principal. Nesse procedimento o julgador não proferirá qualquer julgamento de mérito, atuando apenas como um chancelador da regularidade procedimental.

O arrolamento como meio de prova também poderá ser postulado no trâmite de um processo principal já em andamento ou de modo autônomo. Se existente situação de urgência, com neces-sidade ou não de busca e apreensão de bens, o procedimento adequado é o dos arts. 300 a 302 e 305 a 310 do CPC/2015, como tutela provisória de urgência.

V. Art. 381, § 3º – prevenção de competência

O § 2º do art. 381 dispõe expressamente que o procedimento de antecipação do meio de prova não previne a competência do juízo para a ação futuramente proposta. Essa regra é válida para o pedido como procedimento de jurisdição voluntária, sem necessidade de apresentação do pedido principal. Nesse caso, efetivamente não há prevenção de juízo.

No entanto, quando a produção antecipada de prova revestir-se de natureza cautelar, com ca-ráter contencioso e julgamento do mérito cautelar, haverá prevenção de juízo, Veja-se:

“Processual civil. Processo cautelar. Produção antecipada de provas. Ação principal. Exceção de incompetência. Prevenção. Inexistência. – Segundo o cânon inscrito no art. 800, do CPC, as medidas cautelares, quando preparatórias, devem ser requeridas ao Juiz competente para conhe-cer da ação principal, instaurando-se entre elas o vínculo da prevenção. – As medidas cautelares

Art. 381

Page 226: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

617

Graciela Marins

meramente conservativas de direito, como a notificação, a interpelação, o protesto e a produção antecipada de provas, por não possuírem natureza contenciosa, não previnem a competência para a ação principal. Recurso especial conhecido e provido” (STJ, 6ª T., REsp. nº 59.238-0/PR, Rel. Min. Vicente Leal, j. em 9/4/1997, DJ de 5/5/1997).

VI. Art. 381, §§ 2º e 4º – competência para a antecipação do meio de prova

O CPC/2015, no art. 381, § 2º, estabeleceu como juízo competente para apreciar o pedido de antecipação de prova aquele onde a prova deva ser realizada ou o do domicílio do réu.

Trata-se de competência relativa que, uma vez não alegada em preliminar de contestação, prorrogar-se-á (art. 65 do CPC/2015).

Vale observar, no entanto, que essa regra de competência refere-se ao pedido autônomo, sem natureza cautelar. Note-se: se o pedido de antecipação do meio de prova for incidental, será feito no bojo do processo principal, onde este tramitar, por óbvio. Dessa forma, não incide a regra do art. 381, § 2º. Se, de outro lado, o pedido apresentar-se com natureza cautelar, antecedente ao pedido principal, incide a regra do art. 299 do CPC/2015. Assim, o disposto no art. 381, § 2º, aplica-se apenas em relação ao pedido de produção antecipada de prova autônomo, para mera documentação, como procedimento de jurisdição voluntária.

O art. 381, § 4º, resolve problema em relação àqueles pedidos cuja competência é da justiça federal, mas não há vara federal instalada no local da realização da prova ou do domicílio do réu. Nesse caso, poderá o pedido ser ajuizado na justiça estadual. Trata-se de disposição que relati-viza regra de competência absoluta, para facilitar a antecipação da prova, como procedimento autônomo, sem natureza cautelar. Se a competência for da justiça estadual, incide a disposição do art. 381, § 2º. É o caso seguinte:

“[...] 1. O caso vertente não se enquadra em nenhuma das hipóteses prevista no art. 109 da Carta Magna, de modo a justificar a competência da Justiça Federal. No procedimento especial de justificação em comento, de jurisdição voluntária, tem a requerente como fim imediato apenas promover judicialmente o reconhecimento da união estável havida com seu falecido companhei-ro, matéria de Direito de Família, incapaz de provocar o interesse da União, entidade autárquica ou empresa pública federal. Embora exista uma finalidade mediata de levantamento de ‘saldo existente em conta do FGTS e PIS’ de titularidade do de cujus, a ação deve ser processada e julgada perante a Justiça Estadual (cf. Súmula 53 do extinto TRF). Note-se que a competência estadual não é afetada pela eventual utilização da sentença proferida nos autos da ação de justi-ficação perante empresa pública federal [...]” (STJ, 2ª Seção, CC nº 48127/SP, Rel. Min. Jorge Scartezzini, j. em 8/6/2005, DJE de 22/6/2005).

VII. Art. 381, § 5º – justificação de prova

Justificação serve à documentação de fato ou relação jurídica, mediante prova testemunhal, sem caráter contencioso, com o objetivo de futura prova, se necessário for.

A justificação está prevista no CPC/1973 como medida cautelar nominada. No entanto, apesar de prevista no Livro do Processo Cautelar, nunca apresentou natureza cautelar. Ao contrário, sem-pre foi considerada procedimento de jurisdição voluntária, pois dispensável a situação de urgência:

“[...] 2. É possível o manejo de mandado de segurança contra sentença proferida em justifi-cação judicial, procedimento de jurisdição voluntária destinado, quase sempre, a produzir prin-cípio de prova quanto à existência e veracidade de um fato ou de uma relação jurídica, pois se

Art. 381

Page 227: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

618

Graciela Marins

trata de decisão irrecorrível, não incidindo, assim, o enunciado de nº 267 da Súmula do Supremo Tribunal Federal (RMS 19247/CE, Sexta Turma, Rel. Min. Paulo Gallotti, DO 7.11.2005). O precedente é amparado na redação literal do art. 865 do CPC: ‘No processo de justificação não se admite defesa nem recurso’ [...]” (STJ, 2ª T., RMS nº 34926/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, unânime, j. em 4/12/2012, DJe de 10/12/2012) (grifo nosso).

No CPC/2015, a justificação está prevista, acertadamente, no procedimento de antecipação de meio de prova, como jurisdição voluntária, sem caráter contencioso. Dessa forma, na justifi-cação, o juiz atuará como mero chancelador da regularidade procedimental, sem valorar o fato ou a relação jurídica objeto da justificação. O inciso I do art. 381 não é aplicável à justificação, considerando que é providência que não exige a configuração de situação de urgência.

Art. 382 - Na petição, o requerente apresentará as razões que justificam a necessidade de antecipação da prova e mencionará com precisão os fatos sobre os quais a prova há de recair.§ 1º - O juiz determinará, de ofício ou a requerimento da parte, a citação de interessados na produção da prova ou no fato a ser provado, salvo se inexistente caráter contencioso.§ 2º - O juiz não se pronunciará sobre a ocorrência ou a inocorrência do fato, nem sobre as respectivas consequências jurídicas.§ 3º - Os interessados poderão requerer a produção de qualquer prova no mesmo procedimento, desde que relacionada ao mesmo fato, salvo se a sua produção conjunta acarretar excessiva demora.§ 4º - Neste procedimento, não se admitirá defesa ou recurso, salvo contra decisão que indeferiu totalmente a produção da prova pleiteada pelo requerente originário.

I. Art. 382 – a necessidade da demonstração do interesse jurídico

Para que seja possível a antecipação do meio de prova, há necessidade de o requerente de-monstrar seu interesse jurídico, justificando a necessidade da antecipação em razão de uma si-tuação de perigo, seja para viabilizar autocomposição ou ainda para conhecimento de fatos que corroborem o ajuizamento de futura demanda, ou a evitem (art. 381, CPC/2015). Para isso pre-cisará expor o risco de o litígio vir a existir, inclusive identificando as partes nele eventualmente envolvidas, bem como a lide da demanda principal. Tudo no estrito limite da demonstração do interesse na antecipação do meio de prova, e não na discussão do litígio principal que poderá vir ou não a existir. Desnecessário identificar pelo nome iuris qual ação poderá ser proposta, impor-tando mencionar os fatos que, porventura, poderão ensejar sua propositura.

II. Art. 382, § 1º – a necessidade do contraditório

No pedido de antecipação do meio de prova, o requerente deverá apontar os interessados no acompanhamento da realização da prova. Esses interessados são aqueles que integrarão o proces-so principal se, eventualmente, vier a ser proposto. O objetivo é justamente proporcionar eficácia à prova perante todos os integrantes do eventual litígio mediante o regular contraditório.

Art. 382

Page 228: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

619

Graciela Marins

No caso de inexistir caráter contencioso, o fato a ser registrado documentalmente adotará procedimento com natureza de jurisdição voluntária.

III. Art. 382, § 2º – limites da atuação do julgador

O dispositivo legal deixa claro que, no procedimento de antecipação de prova, o juiz não julgará o mérito da prova, apenas apreciará o cabimento do pedido e a sua regularidade procedi-mental. A existência do fato e as consequências jurídicas decorrentes do meio de prova realizado são questões a serem apreciadas no processo principal. Nesse sentido entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

“Processual civil. Medida cautelar de produção antecipada de prova. Antecipação da discus-são da questão de mérito. Matéria de prova. I – Na medida cautelar de produção antecipada de prova, não se antecipa o exame da questão de mérito da ação principal a ser proposta, porque isto implicaria transmudar a medida cautelar antecipada em processo contencioso [...]” (STJ, 3ª T., REsp. nº 51353/SP, Rel. Min. Waldemar Zveiter, j. em 25/10/1994, DJ de 8/5/1995).

IV. Art. 382, § 3º – o aproveitamento do procedimento para antecipação de outros meios de prova

Sempre com o objetivo de evitar o formalismo exagerado, o dispositivo legal permite que no transcorrer da ação de antecipação do meio de prova, se houver interesse jurídico por qual-quer das partes na realização de mais um meio de prova, o procedimento possa ser aproveitado. Apenas duas limitações são apontadas: a) relação da prova com os mesmos fatos, ou seja, com a mesma causa de pedir da eventual ação principal que deverá ser demonstrada para qualificar o interesse jurídico na antecipação da prova e; b) desde que não acarrete excessiva demora. Quanto à relação com os mesmos fatos, nem poderia ser diferente, pois, uma vez modificados os fatos objeto da prova, modificam-se, não raras vezes, os interessados, impondo a distribuição de outro pedido.

De outro lado a excessiva demora induz questionamento interessante. Quando o dispositivo legal refere-se a interessados, está permitindo que também a parte contrária ao requerente da pro-dução antecipada de prova possa postular a antecipação de outro meio de prova. Nessa perspec-tiva é que a excessiva demora tem relevância, pois poderá postergar o término do procedimento, contrariando assim interesse do requerente. No entanto, se o pedido de realização de nova prova for realizado pelo próprio autor, não parece relevante o requisito da excessiva demora, pois é o próprio interessado quem a pleiteia.

V. Art. 382, § 4º – possibilidade de recurso

O procedimento de produção de prova antecipada não admite recursos, diante do teor do novo dispositivo legal. No entanto, o § 4º do art. 382 abre exceção quando houver decisão indeferindo totalmente a produção da prova pelo requerente originário. A possibilidade do recurso, portanto, dá-se quando: a) a decisão indeferir totalmente a antecipação do meio de prova pretendido e; b) for requerida pelo autor. A disposição afigura-se razoável porquanto se for requerida pelo réu e indeferida, nada impede a propositura de pedido autônomo.

Se incabível recurso próprio, só restará ao interessado a possibilidade do mandado de segurança:

“[...] 2. O ato judicial que determinou a remessa dos autos ao Tribunal de Justiça tem natureza de despacho, porquanto conferiu andamento ao processo. Nesse contexto, inexistindo recurso

Art. 382

Page 229: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

620

Graciela Marins

próprio para discutir o referido ato judicial (art. 504, do CPC), cabível o manejo de mandado de segurança. Escólio doutrinário [...]” (STJ, 4ª T., RMS nº 45649/SP, Rel. Min. Marco Buzzi, j. em 7/4/2015, DJe de 16/4/2015).

As questões de ordem pública (como, p. ex., legitimidade de parte, pressupostos processuais, etc.), no entanto, são passíveis de impugnação por qualquer das partes e podem ser conhecidas de ofício pelo juiz.

Art. 383 - Os autos permanecerão em cartório durante 1 (um) mês para extração de cópias e certidões pelos interessados. Parágrafo único - Findo o prazo, os autos serão entregues ao promovente da medida.

A disposição legal é própria aos procedimentos de jurisdição voluntária. Encerrado o pro-cedimento, com a publicação da sentença que homologar o meio de prova antecipado, os autos permanecem apenas por um mês no cartório para que os interessados possam fotocopiar o feito, considerando também a impossibilidade de recurso (art. 382, § 4º, CPC/2015). Após, os autos serão definitivamente entregues ao requerente para que, se necessário, sejam utilizados em outro processo. Vale lembrar que essa sentença homologatória apenas atestará a regularidade proce-dimental da produção antecipada de prova, sem adentrar ao mérito da prova. O mérito da prova será objeto do processo principal, se for proposto.

O CPC/2015 nada refere quanto às verbas de sucumbência. Portanto, a princípio, as custas processuais são da responsabilidade do requerente sem fixação de honorários de sucumbência. Se houver resistência pelo requerido ou pedido desse para antecipação de outro meio de prova (art. 382, § 3º, CPC/2015), o julgador deverá distribuir proporcionalmente as custas e fixar honorários de sucumbência.

Outro aspecto que merece realce é quanto ao pedido cautelar de produção antecipada de prova (art. 381, inciso I, CPC/2015). Como se referiu anteriormente, nesse caso o procedimento a ser adotado é o da tutela provisória de urgência (art. 300 e seguintes, CPC/2015) e por essa razão haverá possibilidade de recurso e o processo não será entregue ao requerente.

Art. 384 - A existência e o modo de existir de algum fato podem ser atestados ou documentados, a requerimento do interessado, mediante ata lavrada por tabelião.Parágrafo único - Dados representados por imagem ou som gravados em arquivos eletrônicos poderão constar da ata notarial.

A ata notarial vem reconhecida no CPC/2015 como meio de prova, figura já amplamente ad-mitida pela jurisprudência:

“[...] Ata notarial que informa que tabelião esteve no local e constatou a oscilação da ten-são elétrica, objeto da obrigação de fazer [...]” (TJRS, 1ª T. Recursal Cível dos Juizados Espe-

Arts. 383 e 384

Page 230: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

621

Graciela Marins

ciais Cíveis, Recurso Cível nº 71004057345, Rel. Lucas Maltez Kachny, j. em 6/8/2013, DJe de 8/8/2013).

A ata notarial é prova documentada, lavrada por tabelião dotado de fé pública, que atesta fato, suas circunstâncias, modo de existir, dados representados por imagens, sons, reduzindo-os à es-crita. Está prevista na Lei nº 8.935/1994, arts. 6º, inciso III, e 7º, inciso III. Trata-se de meio de prova sem dúvida útil para a instrução probatória do processo. É corriqueiro o uso da ata notarial, por exemplo, para atestar mensagens ou gravações em celulares, publicações em sites, estado de determinado bem móvel ou imóvel, etc.

Art. 385 - Cabe à parte requerer o depoimento pessoal da outra parte, a fim de que esta seja interrogada na audiência de instrução e julgamento, sem prejuízo do poder do juiz de ordená-lo de ofício.§ 1º - Se a parte, pessoalmente intimada para prestar depoimento pessoal e advertida da pena de confesso, não comparecer ou, comparecendo, se recusar a depor, o juiz aplicar-lhe-á a pena.§ 2º - É vedado a quem ainda não depôs assistir ao interrogatório da outra parte.§ 3º - O depoimento pessoal da parte que residir em comarca, seção ou subseção judiciária diversa daquela onde tramita o processo poderá ser colhido por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, o que poderá ocorrer, inclusive, durante a realização da audiência de instrução e julgamento.

I. Depoimento pessoal e interrogatório

O dispositivo legal refere-se tanto ao depoimento pessoal quanto ao interrogatório da parte. O depoimento pessoal é requerido pela parte contrária, sob pena de confissão pelo não compare-cimento ou recusa em responder às perguntas, e ocorre na audiência de instrução e julgamento. Já o interrogatório é determinado de ofício pelo juiz, sem pena de confissão e pode ocorrer em qualquer fase do procedimento.

O interrogatório serve para esclarecer o julgador quanto a fatos do processo.

II. Pena de confissão

A pena de confissão é aplicada em relação ao depoimento pessoal da parte, quando esta, ape-sar de intimada pessoalmente sob pena de confesso, não comparece à audiência de instrução e julgamento ou, comparecendo, recusa-se a responder às perguntas.

A recusa às respostas pode ocorrer ostensivamente quando o depoente afirmar não querer responder, mas pode ocorrer também por respostas diversas do conteúdo da pergunta, quando o depoente tergiversa sobre as questões, configurando da mesma forma a recusa que origina a aplicação da pena de confissão, considerando-se verdadeiros os fatos contra o depoente alegados.

Se a recusa der-se justificadamente e o juiz aceitar a justificativa, não haverá a incidência da pena de confissão, como, por exemplo, nas hipóteses do art. 388 do CPC/2015 (por exemplo, quando referir-se a fatos criminosos ou torpes imputados ao depoente).

Art. 385

Page 231: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

622

Graciela Marins

A pena de confissão não implica presunção absoluta, mas sim relativa, pois será valorada com conjunto com os outros elementos de prova, como reconhece a jurisprudência:

“[...] II – A pena de confissão, para ser aplicada, depende, além da advertência, da intimação pessoal da parte para prestar o depoimento pessoal. III – A confissão é mero meio de prova a ser analisado pelo juiz diante do contexto probatório colacionado aos autos, não implicando presun-ção absoluta de veracidade dos fatos” (STJ, 4ª T., Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, REsp. nº 54809/MG, j. em 8/5/1996, DJ de 10/6/1996).

“[...] Confissão ficta. Não comparecimento da parte à audiência em que seria tomado o seu depoimento pessoal. Presunção relativa. Cotejo com as demais provas constantes nos autos. Prin-cípio do livre convencimento do juiz. Mitigação do art. 343, § 2º do CPC. [...]. A presunção que decorre da confissão ficta pelo não comparecimento da parte à audiência e quem seria tomado o seu depoimento pessoal é relativa, não prevalecendo quando dissociada dos demais elementos de prova constantes nos autos, de acordo com o livre convencimento do juiz [...]” (TJPR, 16ª Câm. Cível, Apelação Cível nº 12596082, Rel. Paulo Cezar Bellio, j. em 17/12/2014, DJ de 28/1/2015).

III. A possibilidade da oitiva da parte por videoconferência ou outro recurso tecnológicoA novidade no CPC/2015 é a possibilidade do depoimento pessoal da parte por videoconfe-

rência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real. No entanto, essa possibilidade está restrita aos casos em que a parte residir em comarca, seção ou subseção diversa daquela onde está tramitando o processo. Quando a parte residir na comarca onde tem an-damento o processo, deverá ela comparecer pessoalmente à audiência de instrução e julgamento.

A ouvida da parte por videoconferência poderá ocorrer em data designada exclusivamente para a tomada do depoimento pessoal ou no próprio curso da audiência de instrução e julgamen-to, quando também serão ouvidas presencialmente ou não as testemunhas arroladas.

Outra restrição constante do CPC/2015 é a ouvida da parte em tempo real. Ou seja, é possível a tomada do depoimento pessoal dos litigantes por qualquer recurso tecnológico que permita a oitiva em tempo real, quando o juiz e a parte contrária poderão inquirir diretamente o depoente e obter suas respostas no mesmo ato, com o respectivo registro. Dessa forma, a impressão pessoal do julgador quanto às reações do depoente continuará a existir, pois as respostas serão em tempo real. E também será possível revisitar a oitiva da parte a qualquer tempo pela gravação de vídeo e áudio efetuada.

O dispositivo legal refere-se, a princípio, tanto ao depoimento pessoal quanto ao interrogató-rio da parte pelo julgador.

Trata-se de expediente que visa à agilização da instrução probatória, evitando, assim, o tempo gasto com a expedição, cumprimento e devolução da carta precatória. Outra restrição está na exigência de ouvida em “tempo real”.

IV. O procedimento do depoimento pessoalNa audiência de instrução e julgamento, em primeiro lugar ouve-se o depoimento da parte

autora, sem a presença do réu na sala de audiência. Isso porque, nos termos do art. 385, § 2º, “é vedado a quem ainda não depôs assistir ao interrogatório da outra parte”. Após concluída a oitiva do autor, passa-se à oitiva do réu. Nesse caso, o autor poderá permanecer na sala de audiência, pois já prestou seu depoimento. Apenas o juiz e o advogado da parte contrária poderão inquirir o depoente. O advogado do próprio depoente não faz perguntas. É boa a novidade do novel estatu-to, pois torna a outra menos burocrática.

Art. 385

Page 232: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

623

Graciela Marins

O CPC/2015 permite que o advogado da parte contrária faça perguntas diretamente ao depoente (art. 459, CPC/2015), cabendo ao juiz apenas fiscalizar e intervir quando necessário.

Não há que se falar em contradita, pois a parte já é parcial, podendo defender seus interesses. Da mesma forma não há condução sob vara, considerando que o não comparecimento da parte leva à aplicação da pena de confissão.

Art. 386 - Quando a parte, sem motivo justificado, deixar de responder ao que lhe for perguntado ou empregar evasivas, o juiz, apreciando as demais circunstâncias e os elementos de prova, declarará, na sentença, se houve recusa de depor.

Quando o julgador reconhecer a recusa da parte em prestar depoimento, aplicar-lhe-á a pena de confissão (art. 385, § 1º, CPC/2015). Essa recusa poderá ser explícita quando o depoente afirmar que não irá responder, ou poderá também ser configurada quando as respostas forem eva-sivas, desviando-se do ponto principal. A caracterização dessa segunda hipótese ficará a critério do julgador.

Se a recusa explícita às respostas for justificada, como, por exemplo, nas hipóteses do art. 388 do CPC/2015 ou quando os fatos referem-se a situações profissionais que estejam sob sigilo, e o julgador entender como aceitável a recusa, não haverá incidência da pena de confissão.

Art. 387 - A parte responderá pessoalmente sobre os fatos articulados, não podendo servir-se de escritos anteriormente preparados, permitindo-lhe o juiz, todavia, a consulta a notas breves, desde que objetivem completar esclarecimentos.

I. Depoimento da pessoa física e jurídica – ato personalíssimo

O depoimento da parte implica a sua resposta pessoal e direta às perguntas formuladas pelo juiz e pelo advogado da parte contrária. Trata-se de ato personalíssimo.

A parte pessoa física, quando residente na comarca em que tramita o processo, deverá compa-recer pessoalmente à audiência de instrução e julgamento para prestar seu depoimento. Se resi-dente em outra comarca, poderá ser ouvida também pessoalmente por videoconferência ou outro recurso tecnológico de sons e imagens em tempo real (art. 385, § 3º, CPC/2015).

A pessoa jurídica para prestar depoimento pessoal deve estar representada por pessoa que efetivamente possa representá-la, figurando no estatuto social e com conhecimento sobre os fatos objeto do processo. A jurisprudência, no entanto, admite o depoimento pessoal da pessoa jurídica por mero preposto, sem constar do estatuto social da sociedade, desde que com poderes para prestar depoimento pessoal ou confessar e ciência dos fatos da causa:

“1. Preposto. Ausência de poderes especiais. Constituição irregular. Confissão ficta. Presun-ção relativa de veracidade. 2. [...]. 1. A pessoa jurídica devidamente intimada para comparecer em audiência de instrução e julgamento, sob pena de confissão, pode ser representada por pre-

Arts. 386 e 387

Page 233: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

624

Graciela Marins

posto, o qual deve ser devidamente constituído, inclusive com poderes especiais, entre outros, para prestar depoimento pessoal. No caso concreto, ante o não preenchimento destes requisitos, mostra-se correta a imposição da pena de confissão ficta, a qual gera presunção relativa que pode ser elidida pelas demais provas trazidas aos autos [...]” (TJPR, 10ª Câmara Cível, Apelação Cível nº 872.999-7, Rel. Des. Jurandyr Reis Junior, j. em 30/8/2012, DJ de 18/9/2012).

“[...] Da pena de confissão ficta. A aplicação da pena de confissão ficta à ré, diante do desco-nhecimento do preposto acerca dos fatos questionados, quando da tomada do seu depoimento pessoal, insere-se no princípio do livre convencimento do juiz, cuja penalidade, embora aplicada, não acarretou prejuízo à requerida, porquanto a magistrada avaliou o conjunto probatório colhi-do, para o reconhecimento da culpa” (TJRS, 12ª Câm. Cível, Apelação Cível nº 70037097862, Rel. Ana Lucia Carvalho Pinto Vieira Rebout, j. em 24/11/2011, DJ de 28/11/2011).

II. Consulta a notas breves

O depoimento pessoal é meio de prova que possibilita a impressão pessoal do julgador quan-to à veracidade das respostas fornecidas pela parte. Por essa razão é vedada a consulta a textos previamente elaborados que retiram a naturalidade das respostas.

O depoente poderá, no entanto, consultar breves notas ou documentos para, por exemplo, lem-brar data certa de determinado ato. A consulta a essas notas não poderá retirar a espontaneidade do depoimento.

Art. 388 - A parte não é obrigada a depor sobre fatos:I - criminosos ou torpes que lhe forem imputados;II - a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar sigilo;III - acerca dos quais não possa responder sem desonra própria, de seu cônjuge, de seu companheiro ou de parente em grau sucessível;IV - que coloquem em perigo a vida do depoente ou das pessoas referidas no inciso III.Parágrafo único - Esta disposição não se aplica às ações de estado e de família.

I. A não incidência da pena de confissão

A parte que presta depoimento pessoal está sob o jugo da penalidade da confissão. Se, devi-damente intimada, não comparecer à audiência de instrução e julgamento ou, comparecendo, recusar-se a responder às perguntas que lhe forem feitas pelo juiz e/ou pela parte contrária, ser-lhe-á aplicada a pena de confissão.

No entanto, existem certos fatos sobre os quais a lei exclui a aplicação da pena de confissão pela ausência de resposta do depoente. Ou seja, o depoente tem direito ao silêncio frente a per-guntas que envolvam os fatos elencados no presente dispositivo legal.

O CPC/2015 acrescentou os incisos III e IV, elastecendo as hipóteses de não aplicação da pena de confissão. No entanto, trata-se de rol meramente exemplificativo, pois o juiz, segundo prudente critério e justificadamente, poderá não aplicar a pena de confissão pelo silêncio da parte em relação a fatos diversos daqueles contemplados no art. 388, em conformidade ao contexto probatório.

Art. 388

Page 234: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

625

Graciela Marins

II. Fatos criminosos ou torpes

A parte não é obrigada a se autoincriminar, por isso admite-se seu silêncio em relação a fatos qualificados como criminosos. No mesmo sentido em relação a fatos infames, obscenos, como, por exemplo, o adultério em demanda cível, que não verse sobre questões de família ou estado.

III. O dever de sigilo

Também não há pena de confissão pelo silêncio da parte quanto a fatos que deva guardar si-gilo. Exemplo conhecido é o direito de o advogado não depor sobre fato relacionado a pessoa de quem seja ou foi advogado (art. 7º, inciso XIX, do Estatuto da Advocacia e da OAB). Se o direito ao silêncio vale ao advogado como testemunha, valerá igualmente ao depoimento como parte em processo.

IV. Fatos que impliquem perigo de vida ou desonra própria, de seu cônjuge, de seu com-panheiro ou de parente em grau sucessível

Bem lançada a nova redação do CPC, permitindo o silêncio da parte quanto a fatos que im-pliquem risco de vida ou desonra do próprio depoente, de seu cônjuge ou de parente sucessor. Como é vedado ao depoente mentir em juízo, o novo estatuto permite-lhe o silêncio. No entanto, tal conduta deverá ser justificada nos termos do art. 388, incisos III e/ou IV, para que o julgador afaste a pena de confissão.

Art. 389 - Há confissão, judicial ou extrajudicial, quando a parte admite a verdade de fato contrário ao seu interesse e favorável ao do adversário.

I. Conceito de confissão e extinção do processo

Confissão é ato da parte reconhecendo fato contrário a seu interesse e favorável ao adversá-rio. Vale ressaltar, confissão tem por objeto fatos, e não direitos. E mais: fatos que favoreçam interesse da parte contrária. Apesar da referência expressa no dispositivo legal a “admissão”, há diferença substancial com a confissão. Confessar é um agir, a admissão decorre de uma conduta meramente omissiva.

Como a confissão tem por objeto apenas fato, não direito, não acarretará, necessariamente, ex-tinção do processo, pois pode: a) referir-se a apenas um dos fatos objeto da lide, e não a todos; b) haver confissão do fato, mas discordância quanto à sua qualificação jurídica; c) exigir a produção de outros meios de prova, em face da presunção relativa da confissão. Por exemplo, uma ação de despejo por falta de pagamento, em que o autor alegue a existência de contrato de locação verbal e ausência de pagamento de aluguéis. O réu poderá confessar a existência de contrato verbal de locação, mas negar a falta de pagamento. Houve apenas confissão, sem reconhecimento da pro-cedência do pedido.

A confissão apresenta presunção relativa de veracidade do fato. O juiz apreciará todo o arca-bouço probatório do litígio para o julgamento do feito, considerando a confissão como um meio de prova entre os diversos outros. Nesse sentido entendimento da jurisprudência:

“[...] II – A pena de confissão, para ser aplicada, depende, além da advertência, da intimação pessoal da parte para prestar o depoimento pessoal. III – A confissão é mero meio de prova a ser analisado pelo juiz diante do contexto probatório colacionado aos autos, não implicando pre-

Art. 389

Page 235: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

626

Graciela Marins

sunção absoluta de veracidade dos fatos” (STJ, 4ª T., REsp. nº 54809/MG, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. em 8/5/1996, DJ de 10/6/1996).

“Processual civil. Pena de confissão. Presunção relativa quanto à veracidade dos fatos. [...]. I – A confissão, enquanto meio de prova, conduz a uma presunção relativa da veracidade dos fatos, devendo ser analisada pelo juiz diante de todo o contexto probatório produzido nos autos. E foi exatamente o que ocorreu no caso vertente, ao assinalar a câmara julgadora que o depoimento pessoal não poderia se sobrepor à prova documental carreada ao processo, notada-mente o contrato de prestação de serviços firmado entre as partes, base de toda a controvérsia deduzida em juízo [...]” (STJ, 3ª T., REsp., Rel. Min. Castro Filho, j. em 16/10/2003, DJ de 3/11/2003).

“Processo civil. Confissão ficta. A pena de confissão ficta não pode prevalecer sobre o con-junto idôneo das demais provas. Agravo regimental não provido” (STJ, 3ª T., AgRg no Ag nº 475600, Rel. Min. Ari Pargendler, j. 29/11/2005, DJ de 1º/2/2006).

II. Espécies de confissão

A confissão pode ser judicial, quando realizada em juízo, ou extrajudicial, se efetivada fora dele. Pode ser ainda classificada em ficta ou real.

É ficta quando a parte deixa de comparecer à audiência de instrução e julgamento, apesar de intimada pessoalmente para prestar depoimento pessoal, ou, comparecendo, nega-se a responder as perguntas que lhe são feitas (art. 385, § 1º, CPC/2015). Também há confissão ficta quando o réu deixa de apresentar contestação, configurando-se a revelia. É confissão real quando realizada verbalmente ou por escrito pela parte ou seu mandatário com poderes para confessar. É a juris-prudência:

“[...] I – Na primitiva ação de investigação de paternidade proposta, a improcedência do pe-dido decorreu de confissão ficta pelo não comparecimento da mãe do investigando à audiência de instrução designada [...]” (STJ, 3ª T., REsp. nº 427117/MS, Rel. Min. Castro Filho, j. em 4/11/2003, DJ de 16/2/2004).

“Processo civil. Cerceamento de defesa. Nulidade processual. Revelia. 1. A revelia autoriza a pena de confissão ficta do art. 330 do CPC, quanto aos direitos disponíveis, o que afasta a aplica-ção da sanção processual, em relação aos direitos da pessoa jurídica de direito público” (STJ, 2ª T., REsp. nº 416816/SP, Rel. Min. Eliana Calmon, j. em 26/3/2006, DJ de 29/9/2003).

Também pode ser espontânea ou provocada, objeto dos comentários ao art. 390 do CPC/2015.

III. Confissão e reconhecimento da procedência do pedido

A confissão diferencia-se do reconhecimento da procedência do pedido porque tem por objeto apenas fatos, e não a qualificação jurídica atribuída a eles pela parte contrária. No reconhecimen-to da procedência do pedido, ao contrário, há reconhecimento de fato e também da sua respectiva qualificação jurídica, pois o réu reconhece a procedência do pedido do autor, levando à extinção do feito. Nesse caso há reconhecimento do fato e do direito alegado pelo suplicante.

Decidiu-se:

“[...] Reconhecimento da procedência do pedido. Extinção do processo com resolução de mérito, na forma do art. 269, II, do CPC, não obstante a adoção de tese adicional que, eventual-mente, pudesse ensejar a devolução dos autos à instância de origem para abertura da instrução probatória [...]” (STJ, 3ª T., EDcl. no REsp. nº 1317749/SP, j. em 3/6/2014, DJe de 17/6/2014).

Art. 389

Page 236: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

627

Graciela Marins

Art. 390 - A confissão judicial pode ser espontânea ou provocada. § 1º - A confissão espontânea pode ser feita pela própria parte ou por representante com poder especial;§ 2º - A confissão provocada constará do termo de depoimento pessoal.

É espontânea a confissão que ocorre em juízo por iniciativa da própria parte, oralmente ou por escrito, pessoalmente ou por mandatário com poderes específicos para confessar. Por exemplo, quando o advogado, dotado de procuração com poderes especiais, protocola petição reconhecen-do fato contrário aos interesses de seu cliente e favoráveis à parte contrária. Oralmente, pode ocorrer em qualquer outro ato processual diverso da audiência de instrução e julgamento, como, por exemplo, na audiência de tentativa de conciliação ou mediação. É sempre judicial, como consta expressamente do dispositivo legal.

A confissão provocada é aquela em que a parte reconhece fatos favoráveis ao adversário e em seu desfavor, no momento em que presta depoimento pessoal na audiência de instrução e julgamento, respondendo às perguntas do juiz e da parte contrária. Diz-se provocada porque a confissão não se deu sponte propria, mas sim por um ato provocado pela parte adversa ou pelo julgador, que é designação da audiência de instrução e julgamento com a intimação da parte para prestar depoimento. Tal espécie de confissão não pode ocorrer por mandatário, pois o depoimen-to pessoal é ato personalíssimo e sempre ocorre em juízo, por isso é sempre judicial:

“Processo civil. Recurso especial. Depoimento pessoal. Mandatário com poderes especiais. O depoimento pessoal é ato personalíssimo, em que a parte revela ciência própria sobre deter-minado fato. Assim, nem o mandatário com poderes especiais pode prestar depoimento pessoal no lugar da parte. Recurso parcialmente provido” (STJ, 3ª T., REsp. nº 623575/RO, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. em 18/11/2004, DJ de 7/3/2005).

Art. 391 - A confissão judicial faz prova contra o confitente, não prejudicando, todavia, os litisconsortes.Parágrafo único - Nas ações que versarem sobre bens imóveis ou direitos reais sobre imóveis alheios, a confissão de um cônjuge ou companheiro não valerá sem a do outro, salvo se o regime de casamento for o de separação absoluta de bens.

O dispositivo legal deixa claro que os efeitos da confissão atingem somente o confitente, e não os seus litisconsortes. A regra tem incidência tanto em relação à confissão ficta, decorrente da ausência da parte à audiência de instrução e julgamento ou da sua recusa em responder as perguntas que lhe forem feitas, como quanto à confissão real, decorrente de ato oral ou escrito da parte. Problema maior, no entanto, surge em relação à confissão real.

Imagine-se o polo passivo de certa demanda, composto por vários réus, em que um deles vem a confessar por petição a veracidade de determinado fato, em seu desfavor e atendendo aos interesses da parte adversa. Essa conduta não poderá atingir os outros réus litisconsortes, como prevê o dispositivo legal, mas, evidentemente, constituirá forte elemento probatório nos autos.

Arts. 390 e 391

Page 237: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

628

Graciela Marins

O parágrafo único prevê disposição específica em relação à confissão de um dos cônjuges nas ações que versarem sobre bens imóveis ou direitos reais sobre imóveis alheios. A confissão isolada de apenas um dos cônjuges nessas demandas somente terá validade se o regime de casa-mento for o de separação absoluta de bens, ou seja, quando os bens adquiridos pelos cônjuges na constância da união não se comunicam. Da mesma forma, na união estável, somente se houver pacto estipulando separação total de bens terá validade a confissão solitária de um dos cônjuges.

O novo estatuto processual inova ao prever expressamente a extensão do dispositivo legal ao companheiro e também ao permitir a eficácia da confissão isolada de um dos cônjuges ou com-panheiro quando o regime da união for o de separação absoluta de bens.

Art. 392 - Não vale como confissão a admissão, em juízo, de fatos relativos a direitos indisponíveis.§ 1º - A confissão será ineficaz se feita por quem não for capaz de dispor do direito a que se referem os fatos confessados. § 2º - A confissão feita por um representante somente é eficaz nos limites em que este pode vincular o representado.

I. Direitos indisponíveisOs direitos indisponíveis, aqueles sobre os quais o sujeito de direito não pode dispor (alienan-

do, transacionando, renunciando, etc.), não podem ser objeto de confissão. Por exemplo, não se admite confissão de fatos relativos ao direito à vida, a partes do corpo humano, à paternidade:

“Processo civil. Investigação de paternidade. Propositura de ação anteriormente ajuizada, que teve seu pedido julgado improcedente pelo não comparecimento da representante legal do inves-tigando à audiência de instrução. Confissão. Coisa julgada. Afastamento. Direito indisponível.

[...] Observe-se que, em se tratando de direito de estado, o próprio Código de Processo Civil prescreve que a revelia não produz seus efeitos, por estar em julgamento direitos indisponíveis (art. 320, II), não se podendo esquecer, ainda, ser inadmissível a confissão, quanto a fatos relati-vos a direitos dessa natureza (art. 351) [...]” (STJ, 3ª T., REsp. nº 427117/MS, Rel. Min. Castro Filho, j. em 4/11/2003, DJ de 16/2/2004).

Trata-se de regra também disposta no art. 213 do Código Civil.II. Ineficácia da confissão por incapazSe o incapaz de dispor de seus direitos vier a reconhecer fatos relativos a esses direitos em

favor da parte contrária e contra si, esse reconhecimento não terá efeitos de confissão. Esse é o teor do § 1º do art. 392.

No entanto, dependendo do grau da incapacidade, esse reconhecimento poderá valer como elemento de prova, sem configurar a grave figura da confissão. Imagine-se o incapaz, com 14 (quatorze) anos de idade, que reconheça em juízo determinado fato em favor da parte contrária e em seu desfavor. Tal reconhecimento não poderá configurar-se como confissão, mas não se pode-rá negar que constituirá elemento de prova, segundo prudente valoração do julgador.

III. Eficácia da confissão por representanteA confissão em juízo, por representante, só terá eficácia se realizada com poderes especiais

Art. 392

Page 238: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

629

Graciela Marins

para confessar, identificando-se o fato ou fatos objeto da confissão. A perfeição do instrumento de mandato outorgando os poderes especiais à confissão será objeto da avaliação pelo julgador no caso concreto. Por exemplo, a procuração com poderes para confessar outorgada a um prepos-to de pessoa jurídica para representá-la em audiência de instrução e julgamento, identificando-se o processo específico, é instrumento hábil à configuração da confissão real.

A disposição legal também está prevista no parágrafo único do art. 213 do Código Civil.

Art. 393 - A confissão é irrevogável, mas pode ser anulada se decorreu de erro de fato ou de coação.Parágrafo único - A legitimidade para a ação prevista no caput é exclusiva do confitente e pode ser transferida a seus herdeiros se ele falecer após a propositura.

A confissão é ato jurídico irrevogável. Isso significa que o confitente não poderá voltar atrás nas suas declarações. Uma vez confessado o fato, confissão houve. E tal realidade não se modifi-ca, a não ser se decorreu de erro de fato ou de coação, vícios de vontade que maculam a perfeição do ato da confissão.

O novo estatuto processual corrigiu imperfeição técnica do art. 352 do CPC/1973, que previa a possibilidade de “revogação” da confissão por erro, dolo ou coação. Conforme ampla crítica doutrinária, esses casos levam à anulação e não revogação do ato jurídico. Bem lançada a nova redação.

O presente dispositivo legal também excluiu a possibilidade da invalidação da confissão quan-do emanada de dolo, prevista no CPC/1973, no art. 352. O novo estatuto processual, portanto, permite apenas a anulação em decorrência do erro de fato e não do erro de direito e quando decorrente da coação. São, portanto, hipóteses mais restritas do que as previstas no CPC/1973.

A coação implica forte pressão ao sujeito de direito, retirando-lhe a liberdade das declarações. Por isso, obviamente, implica nulidade do ato efetuado sob coação. Já o erro de fato retira a ve-racidade da confissão, pois, quando incide sobre elemento essencial do fato confessado, altera a circunstância fática confessada.

Art. 394 - A confissão extrajudicial, quando feita oralmente, só terá eficácia nos casos em que a lei não exija prova literal.

A confissão extrajudicial é aquela que ocorre fora do juízo. Pode ser escrita ou oral. O dispositivo legal veda a confissão extrajudicial oral quando relativa a fatos cuja prova exige a lei seja literal.

São exemplos de casos em que se exige o instrumento escrito para a validade do ato: transfe-rência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo do país (art. 108 do Código Civil); pacto antenupcial (art. 1.653 do Código Civil); contrato de seguro (art. 758 do Código Civil), etc. Nesses casos e em todos os outros cuja literalidade é da essência do ato, não caberá confissão feita oralmente e fora do juízo.

Arts. 393 e 394

Page 239: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

630

Graciela Marins

No CPC/1973 o art. 353 traz eficácia diversa também em relação à confissão extrajudicial por escrito, pois apenas aquela feita diretamente à parte ou a quem a represente teria a mesma eficá-cia da confissão judicial. Se realizada frente a terceiro ou contida em testamento, seria livremente apreciada pelo juiz como elemento probatório, mas sem os efeitos de confissão. No CPC/2015 essa limitação não existe mais. O Código de Processo Civil de 2015 manteve apenas a restrição à confissão extrajudicial oral. Assim, se a confissão for extrajudicial e escrita, dirigida à parte ou não, terá plena validade:

“Execução. Escritura pública de confissão de dívida com garantia hipotecária. Agiotagem. Prova exclusivamente testemunhal. Negócio jurídico que excede o décuplo do salário mínimo vigente. Art. 401, CPC c/c art. 227, CC. Prova oral inadmissível. Ilicitude não demonstrada. Em negócios jurídicos que excedam o décuplo do salário mínimo vigente ao tempo de sua celebra-ção, não se admite produção de prova exclusivamente testemunhal (artigos 227, do CC, e 401, do CPC). Apelação não provida” (TJPR, 15ª Câm. Cível, Rel. Des. Hamilton Mussi Correa, j. em 26/6/2013, DJ de 24/7/2013).

Art. 395 - A confissão é, em regra, indivisível, não podendo a parte que a quiser invocar como prova aceitá-la no tópico que a beneficiar e rejeitá-la no que lhe for desfavorável, porém cindir-se-á quando o confitente a ela aduzir fatos novos, capazes de constituir fundamento de defesa de direito material ou de reconvenção.

I. A indivisibilidade da confissão

A confissão pode ser simples, quando contiver apenas reconhecimento de fatos favoráveis à par-te adversária, ou complexa, quando tiver por objeto declarações referentes a fatos favoráveis, mas também desfavoráveis à parte contrária. O dispositivo legal refere-se às confissões complexas, que deverão ser valoradas no conjunto de todas as declarações, e não separadamente. A indivisibilidade diz respeito à obrigatoriedade da análise da confissão no seu contexto integral, ou seja, juntamente com as demais declarações que não são favoráveis à parte contrária do confitente.

Evidentemente que aquela declaração constante no mesmo instrumento da confissão, mas desfavorável à parte adversa do confitente, não será confissão, mas mero elemento de prova a integrar a demanda judicial. Essa indivisibilidade dependerá sempre da criteriosa análise do jul-gador, pois imagine-se confissão agregada a fatos que não dizem respeito ao litígio judicial. Por óbvio, os fatos que extravasam os limites da lide não poderão ser considerados, daí a necessidade da divisibilidade nesse caso.

II. A possibilidade de cisão

O dispositivo legal permite a cisão da confissão quando o confitente alegar fatos: a) novos; b) capazes de constituir fundamento de defesa de direito material ou de reconvenção. Apenas quan-do preenchidos esses dois elementos é que a confissão poderá ser dividida.

Fato novo é aquele ainda não alegado no processo. Esse fato novo deverá ter a qualidade de servir como elemento de defesa do direito material pleiteado em juízo pelo confitente ou de reconvenção. Nessa situação poderá ser considerada apenas a confissão, sem levar em conta os demais fatos novos constantes do instrumento.

Art. 395

Page 240: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

631

Marcos André Franco Montoro

Art. 396 - O juiz pode ordenar que a parte exiba documento ou coisa que se encontre em seu poder.

AutorMarcos André Franco Montoro

I. A exibição de documento ou coisa. Primeiras observações

Existem situações na vida em que uma pessoa pode ter o interesse (juridicamente protegido) de ter acesso a documento ou coisa que não possui. Via de regra esse interesse pode surgir em duas situações diferentes: a) quando, em razão de disputa judicial já em curso, uma das partes quer ter acesso a documento ou coisa (que não possui) para provar determinado fato controverti-do; b) quando ainda não existe processo judicial, mas determinada pessoa quer ter acesso a docu-mento ou coisa (que não possui), por qualquer razão (juridicamente válida), independentemente de ser ou não utilizada em outro processo judicial.

Essa distinção não é baseada no fato de o pedido de exibição ser proposto contra a outra parte ou contra “terceiro” (expressão criticada em comentário ao art. 401): na situação do item a) o pedido pode ser feito contra parte ou contra terceiro; já na situação do item b) não existe pro-cesso prévio, motivo pelo qual não é relevante (e mesmo causa confusão) a distinção entre parte e terceiro. A distinção entre o pedido de exibição contra parte ou contra terceiro é feita adiante.

O pedido de exibição regulada nos arts. 396 a 404 é um dos instrumentos previstos na legislação processual destinado a possibilitar que uma pessoa tenha acesso a determinado documento ou coisa. Os demais instrumentos existentes no CPC/2015 estão mencionados adiante nestes comentários ao art. 396.

Todavia, a exibição judicial não tem por objetivo transferir a posse ou a propriedade de de-terminado documento ou coisa. Feita a exibição, e tendo o interessado a possibilidade de efetuar o registro do conteúdo do documento ou da coisa, então o apresentante tem o direito de receber o documento ou a coisa em devolução (o que, obviamente, pode ser desnecessário em determi-nadas situações, por exemplo, quando o que é apresentado no processo é cópia do documento original). Se o que a parte quer não é só examinar, ter acesso ao documento ou à coisa, mas sim receber (ser-lhe transferida) a posse ou a propriedade do documento ou da coisa, o meio proces-sual adequado não é o pedido de exibição de documento ou coisa.

II. Exibição de documento ou coisa em poder da outra parte e em poder de terceiro

Além da distinção (ou classificação) efetuada anteriormente, existe outra, muito mais comum na doutrina, que afirma que o pedido de exibição de documento ou coisa pode ser efetuadao con-tra: i) a outra parte de processo já em curso; ou ii) pessoa que não é parte de demanda em que participa o interessado (em examinar o documento ou coisa), sendo essa outra pessoa denomina-da, nos arts. 401 a 404, de “terceiro” (expressão criticada em comentário ao art. 401).

Assim, os arts. 396 a 400 não mencionam expressamente o terceiro. Esse só é mencionado (na regulamentação da exibição de documento ou coisa) nos arts. 401 a 404. Todavia, em determi-nados momentos ou situações as regras dos arts. 397 a 399 também se aplicam no pedido feito perante o terceiro, o que será apontado nos respectivos comentários a tais dispositivos.

Page 241: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

632

Marcos André Franco Montoro

Tal situação já ocorria no CPC/1973, cujos arts. 355 a 359 não mencionam o terceiro, que é tratado nos seus arts. 360 a 363. Assim, a doutrina, examinando tais regras do CPC/1973, ensina que existem dois tipos diferentes de pedido de exibição de documento ou coisa: o pleiteado con-tra a outra parte de processo em curso; e o pleiteado contra terceiro, que não é parte do processo movido pelo interessado em ter acesso ao documento ou à coisa. Tal lição continua válida no CPC/2015, eis que a disciplina do pedido de exibição de documento ou coisa apresentada contra a outra parte de processo em curso tem algumas diferenças relevantes em relação ao pedido efe-tuado contra o “terceiro”.

Uma diferença que já merece ser destacada refere-se à natureza jurídica do instituto. Para parte da doutrina, quando o pedido de exibição é contra terceiro, a natureza jurídica seria a de ação, sendo que, quando o pedido é apresentado contra a outra parte do processo, a sua natureza jurídica seria de mero incidente processual. Todavia, existe controvérsia sobre esse ponto, pois parte da doutrina defende que, quando o pedido de exibição é apresentado contra a outra parte de processo em curso, ele também teria natureza de ação.

III. Conceito de documento ou coisa, para fins de aplicação dos arts. 396 a 404

Os arts. 396 a 404 regulamentam o pedido de exibição de documento ou coisa. Assim, impor-tante fixar quais seriam os documentos ou as coisas cuja exibição pode ser pleiteada no modo previsto em referidos dispositivos legais.

Como os dispositivos em questão não contêm qualquer limitação, não cabe ao intérprete fazer limitações, salvo quando existir outra regra jurídica que, de algum modo, impeça a exibição de determinado tipo específico de documento ou coisa. Assim, salvo eventual vedação legal especí-fica, qualquer tipo de documento ou coisa pode ser objeto de pedido de exibição de documento.

As coisas imóveis também podem ser objeto de pedido de exibição? Em tese sim, sobretudo quando o que a parte necessita é somente documentar (fotografar) o estado do bem imóvel, ou apurar a existência ou inexistência de determinada característica, ou a existência ou inexistência de determinada benfeitoria ou acessão. Mas em várias situações o meio probatório mais ade-quado será outro, em especial a perícia (arts. 464/480) e/ou a inspeção judicial (arts. 481/484), eventualmente solicitados por meio de pedido de produção antecipada de prova (arts. 381/383). Contudo, parte da doutrina não aceita que o pedido de exibição verse sobre bem imóvel, ou sobre bem cujas dimensões não permitam o transporte.

Em relação aos documentos públicos (e/ou arquivados em órgãos públicos), apesar de em tese ser possível a utilização do pedido de exibição para obtê-los, normalmente o meio processual mais simples é o do art. 438, qual seja pedir que o juiz solicite ao órgão público a apresentação do documento, o que é operacionalizado pela expedição de ofício. Também existem outras normas processuais, fora do CPC/2015, que estabelecem o dever da administração pública em fornecer documentos, como o § 4º do art. 1º da Lei de Ação Popular (Lei nº 4.717/1965), e o § 1º do art. 6º da Lei de Mandado de Segurança (Lei nº 12.016/2009).

O documento eletrônico também pode ser objeto de pedido de exibição. Não só o documento eletrônico propriamente dito (como um contrato, ou foto, arquivado em meio eletrônico), como também dados em geral armazenados em meio eletrônico, inclusive dados cadastrais de usuários de programas de computador. Assim, o pedido de exibição de documentos pode ser utilizado para obter informações sobre cadastros de usuários de mensagens eletrônicas, ou de aplicativos como Facebook, Twitter, Instagram, etc. A situação mais usual é quando enviada mensagem ou feita publicação na Internet considerada ofensiva, de forma anônima (por ex., usando nome que não

Art. 396

Page 242: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

633

Marcos André Franco Montoro

identifica o verdadeiro autor), sendo que o ofendido quer descobrir quem é o autor da mensagem ou da publicação (para que essa cesse, ou ainda para obter reparação pecuniária). Como o art. 5º, inciso IV, da Constituição Federal não protege o anonimato (pelo contrário), os tribunais têm considerado possível solicitar, através do pedido de exibição de documento, que os provedores de internet, ou empresas que gerenciam os sites ou aplicativos, ou ainda empresas de telefonia, forneçam os dados de cadastro da conta que enviou a mensagem ou efetuou a publicação consi-derada ofensiva; nesse sentido, no STJ, o decidido no julgamento do REsp nº 879.181.

Em relação a documentos bancários, o STJ fixou, no julgamento do REsp (repetitivo) nº 1.349.453, o entendimento de que o cliente pode ingressar com o pedido de exibição judicial des-de que demonstre a relação jurídica entre as partes, a comprovação de prévio pedido à instituição financeira não atendido em prazo razoável, e o pagamento do custo do serviço.

Em sentido similar, o STJ também fixou, no julgamento do REsp (repetitivo) nº 982.133, o entendimento de que é cabível pleitear a exibição de documentos com dados societários de so-ciedade anônima desde que o requerente tenha previamente apresentado requerimento formal à ré e efetuado o pagamento do serviço respectivo (art. 100, § 1º, da Lei nº 6.404/1976). Em tal julgamento o STJ inclusive expandiu os requisitos previstos na Súmula nº 389 do STJ, que está assim redigida: “A comprovação do pagamento do custo do serviço referente ao fornecimento de certidão de assentamentos constantes dos livros da companhia é requisito de procedibilidade da ação de exibição de documentos ajuizada em face da sociedade anônima”.

Aliás, oportuno recordar que o STF tem duas antigas súmulas que tratam de livros comerciais, cuja redação é a seguinte: “Súmula 260 do STF: O exame de livros comerciais, em ação judicial, fica limitado às transações entre os litigantes”; “Súmula 390: A exibição judicial de livros co-merciais pode ser requerida com medida preventiva”. Todavia, na prática não é comum efetuar o pedido de exibição de livros comerciais, pois, em razão da sua complexidade e extensão, nor-malmente são objeto de prova pericial.

Por fim, as dimensões da coisa (objeto do pedido de exibição) não constituem impedimento à utilização do pedido de exibição. Sobre essa questão, ver, adiante, os comentários sobre o meio de efetuar a exibição do documento ou da coisa.

IV. Poder do juiz em determinar a exibição de documento ou coisa

O art. 396 do CPC/2015 inicia a regulamentação do pedido de exibição afirmando que o juiz tem o poder de ordenar que a parte exiba documento ou coisa que esteja em seu poder.

O poder previsto no art. 396 nada mais é do que consequência – ou especificação, detalhamen-to, explicitação – do poder geral de instrução do processo previsto no art. 370 do CPC/2015 (que equivale ao art. 130 do CPC/1973). Por tal motivo, e pela própria redação do art. 396, trata-se de poder que o juiz pode exercer de ofício ou a requerimento da parte.

O poder do juiz de determinar a exibição de documento ou coisa (possuído por uma das partes do processo ou por terceiro) também está previsto em diversos outros dispositivos do CPC/2015, como: i) os arts. 380, inciso II, e 403, que estabelecem que o juiz pode determinar a exibição de documento ou coisa pelo “terceiro” (regras que no CPC/1973 estavam nos arts. 341, inciso II, e 362); ii) os arts. 420 e 421, que tratam da exibição de livros empresariais e documentos (regras que no CPC/1973 estavam nos arts. 381 e 382); e iii) o art. 438, que trata das requisições dirigi-das às repartições públicas (regra que no CPC/1973 estava no art. 399).

O poder do juiz em determinar a exibição de documento ou coisa não se restringe às hipóteses

Art. 396

Page 243: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

634

Marcos André Franco Montoro

nas quais a lei expressamente o prevê em determinada situação (como nas anteriormente citadas) nem fica restrito às regras que preveem a obrigação da parte de apresentar certos tipos de docu-mentos ou coisas (como nas situações disciplinadas pelo art. 399). O art. 396 é norma aberta, que abrange uma grande quantidade de situações não previstas expressamente.

Todavia, o poder do juiz de determinar a apresentação de documento ou coisa não é ilimitado, existem situações na quais o possuidor do documento ou da coisa pode se recusar a apresentá-lo, não sendo então lícito que o juiz determine a sua exibição. Por exemplo, nos casos previstos no art. 404.

V. Dever de colaboração da parte ou do terceiro

Além do poder do juiz, anteriormente explicado, necessário também recordar que existe o dever de colaboração das partes e de terceiros, regulada nos arts. 378 a 380. E complementando tais regras, oportuno mencionar o inciso IV do art. 77, que estabelece a obrigação das partes, procuradores e de qualquer um que participe do processo de cumprir as decisões jurisdicionais.

Em relação ao dever de colaboração das partes, o caput do art. 379 ressalva o direito da parte de não produzir prova contra si própria. Contudo, interpretação expansiva de tal norma tornaria letra morta o pedido de exibição de documento.

O dever de colaboração é ainda, de certo modo, detalhado ou especificado no art. 399.

VI. O ato de exibir o documento ou a coisa: autos físicos ou eletrônicos, e dimensões do documento ou da coisa

A forma de exibir o documento ou a coisa dependem de dois fatores: primeiro, se os autos são físicos ou eletrônicos; segundo, qual é a dimensão do documento ou da coisa.

Se os autos do processo são físicos, então qualquer documento, independentemente do seu ta-manho, pode ser juntado aos autos, sendo essa a forma da sua exibição. Pode ocorrer de a parte, por qualquer motivo protegido em lei, não querer juntar aos autos a via original do documento, situação na qual poderá apresentar cópia autenticada (art. 411, incisos I e II), ou mesmo cópia simples, que será considerada autêntica caso não tenha sido impugnada pela parte contrária (art. 411, inciso III); mas se mesmo assim o juiz determinar a apresentação da via original, a parte pode eventualmente solicitar que seja marcado local, data e hora para a exibição da via original do documento. E em certas situações pode ocorrer a apresentação parcial do documento ou da coisa, o que está regulado no parágrafo único do art. 404.

Ainda se tratando de autos físicos, quando o pedido for de exibição de coisa, então é necessá-rio apurar as suas dimensões. Se a coisa puder ser encartada aos autos, sem risco de ser danifica-da, a exibição ocorre pela sua juntada aos autos. Mas se a juntada aos autos acarretar no risco de a coisa ser danificada, então o juiz deve determinar o modo específico da sua exibição, marcando local, data e hora para tanto. Isso também deve ocorrer quando as dimensões da coisa impedem a sua juntada aos autos (por exemplo, uma cadeira), ou mesmo o transporte da coisa (por exemplo, uma máquina de grandes dimensões).

Se os autos são eletrônicos, então qualquer documento, independentemente do seu tamanho, pode ser juntado aos autos, sendo essa a forma da sua exibição. Obviamente, a juntada nunca será da via original do documento, mas sim de cópia digitalizada. Dependendo da situação, pode ser necessário que o juiz determine a apresentação da via original do documento, marcando local, data e hora para tanto.

Art. 396

Page 244: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

635

Marcos André Franco Montoro

Ainda se tratando de autos eletrônicos, sendo pedida a exibição de coisa, nunca será possível a sua juntada aos autos. Dependendo da situação, a parte pode apresentar o registro fotográfico da coisa. Mas se isso não for suficiente, o juiz deve determinar o modo de exibição da coisa, marcando local, data e hora para isso ocorrer.

Independentemente de os autos serem físicos ou eletrônicos, em todas as situações nas quais o juiz deve estabelecer local para apresentar a via original de determinado documento ou coisa, a solução mais prática é estabelecer a sua exibição em cartório, quando poderá inclusive ser examinada pelo magistrado. Mas se as dimensões ou características da coisa impedirem a sua apresentação em cartório, deverá ser estabelecido outro local, até mesmo o local onde a coisa se encontra, caso não possa ser transportada (ou o transporte seja demais trabalhoso ou custoso). Em tais situações, nada impede – e em muitos casos é mesmo recomendável – que a exibição do documento seja realizada em conjunto com a inspeção judicial (arts. 481 a 484).

VII. Os arts. 844 e 845 do CPC/1973. A tutela de urgência na exibição de documento ou coisa

No CPC/1973 a exibição de documento ou coisa também é regulada pelos arts. 844 e 845, que regulam o pedido cautelar (preparatório) de exibição. O CPC/2015 não repetiu esses dispo-sitivos, o que não significa que, a partir da vigência da nova legislação processual, seria vedado pleitear a concessão de medida de urgência (com conteúdo cautelar ou antecipatório) relacionada com a exibição de documento ou coisa, seja perante a outra parte, seja perante terceiro.

O que ocorre é que, assim como em diversas outras situações que no CPC/1973 eram tuteladas através de medidas cautelares típicas (como arresto, sequestro, etc.), no CPC/2015 deixa de exis-tir a medida cautelar típica de exibição, passando tal situação a ser regulada pelo poder geral de cautela, ou melhor, pelo poder geral que o juiz tem para determinar medidas de urgência. Assim, as situações da vida que eram tuteladas pelos arts. 844 e 845 do CPC/1973 passam a ser agora protegidas pelas regras que regulam a tutela de urgência no CPC/2015 (art. 294 e ss.).

Todavia, a aplicação das regras que regulam a tutela de urgência no CPC/2015 em determi-nada situação (na qual se pleiteia a exibição de documento ou coisa) não afasta a aplicação dos arts. 396 a 404 em tal demanda. Mesmo havendo pedido de tutela de urgência, a exibição de do-cumento ou coisa continua sendo regulada pelos arts. 396 a 404 do CPC/2015, sem prejuízo de também aplicarem-se as regras que regulam a tutela de urgência. Podem existir conflitos (entre o determinado nas regras da exibição de documento ou coisa e as regras da tutela de urgência), sendo que caberá ao aplicador do direito compatibilizar a aplicação conjunta desses dois grupos de regras em cada caso concreto.

VIII. Meios jurídicos regulados no CPC/2015 para pleitear a exibição de documento ou coisa

A doutrina, examinando o CPC/1973, costuma explicar a existência de três “maneiras” de se pleitear a exibição de documento ou coisa: a) pela apresentação de pedido incidental de exibição de documento ou coisa, contra outra parte em processo já em curso; b) através da propositura de ação autônoma, processo de conhecimento pelo rito comum, ordinário ou sumário, cujo pedido (objeto do processo) é determinar que o réu exiba documento ou coisa; e c) através da apresen-tação da ação cautelar preparatória regulada nos arts. 844 e 845 do CPC/1973. Parte da doutrina também defendia – com apoio da jurisprudência – que a ação cautelar dos arts. 844 e 845 do CPC/1973 era “satisfativa”, e que não seria necessário propor qualquer ação principal.

Art. 396

Page 245: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

636

Marcos André Franco Montoro

Essas lições da doutrina devem ser revisitadas, tendo em vista ao menos duas questões. Primeiro, como antes explicado, não existe no CPC/2015 regra similar à que havia nos arts.

844 e 845 do CPC/1973. Mas, novamente como já mencionado, um pedido de exibição de docu-mento pode ser objeto de tutela de urgência com base nas regras do CPC/2015 (arts. 294 e ss.), situação na qual continuam sendo aplicadas as regras que regulam a exibição de documento ou coisa (arts. 396 a 404 do CPC/2015). Desse modo, quando se trata de pedido contra “terceiro” (ver crítica a esse termo em comentário ao art. 401), o interessado pode ingressar com ação pelo procedimento comum (art. 318 e ss.) ou ingressar com o procedimento que visa à concessão de tutela de urgência em caráter antecedente (art. 294, parágrafo único), seja mediante pedido de tutela antecipada (arts. 303 e 304), seja mediante pedido de tutela cautelar (arts. 315 a 310). Ressalve-se ainda que também pode ser pleiteada a concessão de tutela de evidência (art. 311) relacionada com a exibição de documento ou coisa; mas em tal situação não se trata de um meio diferente para se obter a exibição de documento ou coisa, que é pleiteada através do procedimen-to comum, no qual é feito o pedido de concessão de tutela de evidência.

Segundo, a ação cautelar de produção antecipada de prova regulada pelos arts. 846 a 851 do CPC/1973 sofreu várias alterações no CPC/2015, no qual não é mais tratada como demanda cautelar, estando regulado, nos arts. 381 a 383, no capítulo das provas. Além da “perda” do ca-ráter exclusivamente cautelar (que havia na produção antecipada de prova no CPC/1973), houve significativa ampliação do escopo – das hipóteses em que é possível a utilização – da produção antecipada de prova na nova legislação processual. Então, a indagação que deve ser feita é se na produção antecipada de prova no CPC/2015 seria ou não possível pleitear, como “produção” de uma prova, a mera apresentação (exibição) de documento ou coisa já existentes.

No regime do CPC/1973 não é possível usar a produção antecipada de prova para a mera obtenção de documento, pois o seu art. 846 estabelece que: “A produção antecipada da prova pode consistir em interrogatório da parte, inquirição de testemunhas e exame pericial”. Ou seja, na produção antecipada de prova no CPC/1973 realiza-se a efetiva “criação” ou “constituição” (em suma, “produção”) de prova que não existia antes, sobretudo a prova oral e a pericial. Já no CPC/2015 não existe regra similar ao art. 846 do CPC/1973, e, como mencionado, há regras que claramente ampliaram o escopo da produção antecipada de prova (art. 381, incisos II e III, e § 5º). Então uma possível resposta para a indagação antes efetuada é que a produção antecipada de prova no CPC/2015 também poderia ser usada para a mera obtenção de mero documento pré-constituído.

Todavia, essa conclusão deve ser afastada. É verdade que a produção antecipada de prova teve seu escopo ampliado, mas sempre respeitado o limite de que seu objetivo é “produzir”, “constituir”, “criar” prova até então não existente. Se o objetivo é obter documento ou coisa já existentes, o instrumento processual não é a produção antecipada de prova, mas sim o pedido de exibição de documento ou coisa. Acrescente-se ainda que o § 4º do art. 382 do CPC/2015 estabe-lece que na produção antecipada de prova “não se admitirá defesa ou recurso”; ora, tal regra está em flagrante contradição com os arts. 398 e 401 do CPC/2015, que preveem, respectivamente à parte ou aos terceiros, o direito de apresentar defesa contra o pedido de exibição de documento ou coisa. De qualquer modo, ressalve-se que existe entendimento doutrinário em contrário, o qual, analisando as regras do CPC/2015, entende que é possível utilizar a produção antecipada de prova para viabilizar a exibição de documento ou coisa.

Tendo em vista as observações anteriores, no CPC/2015 continua sendo possível utilizar-se de 3 (três) vias processuais para a obtenção de documento ou coisa: i) o pedido incidental de

Art. 396

Page 246: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

637

Marcos André Franco Montoro

exibição de documento ou coisa previsto nos arts. 396 a 400, e 404; ii) a ação de rito comum (art. 318 e ss.) contra o “terceiro”, aplicando-se inclusive o estabelecido nos arts. 401 a 404; e iii) a utilização do procedimento que visa à concessão de tutela de urgência em caráter antece-dente (art. 294, parágrafo único), seja mediante pedido de tutela antecipada (arts. 303 e 304), seja mediante pedido de tutela cautelar (arts. 305 a 310). E nas duas primeiras vias processuais é possível pleitear, incidentalmente (no processo em curso) a concessão de tutela provisória, de urgência ou de evidência.

Fora do CPC/2015, merece menção a utilização do Habeas Data, previsto no inciso LXXII do art. 5º da CF, e regulado pela Lei nº 9.507/1997.

Art. 397 - O pedido formulado pela parte conterá:I - a individuação, tão completa quanto possível, do documento ou da coisa;II - a finalidade da prova, indicando os fatos que se relacionam com o documento ou com a coisa;III - as circunstâncias em que se funda o requerente para afirmar que o documento ou a coisa existe e se acha em poder da parte contrária.

I. O pedido de exibição de documento ou coisa: petição escrita ou requerimento verbal

Ao ser apresentado um pedido de exibição de documento ou coisa, é necessário proceder con-forme disciplinado no art. 397, incisos I a III. Em outras palavras, para formular um pedido de exibição, é necessário apresentar requerimento cujo conteúdo contemple o previsto nos incisos I a III do art. 397, que, indiretamente, estabelecem requisitos não só para a formulação do pedido de exibição, quanto também para o próprio acolhimento dessa pretensão pelo juiz. Isso pelo fato de que, se o requerente não observar tais regras, o juiz pode indeferir o seu pedido.

Parte da doutrina admite que o pedido seja feito oralmente, em audiência. Todavia, a forma mais prática é através de petição por escrito.

II. Conteúdo do pedido de exibição de documento ou coisa: os incisos I, II e III do art. 397

Conforme ventilado no comentário anterior, ao apresentar o pedido de exibição, é necessário abordar as questões tratadas nos incisos I a III.

O objetivo do inciso I é que a parte, ao formular o pedido de exibição, apresente a descrição, o detalhamento, a explicação do que é, do que se constitui o documento ou coisa. Esse é o sentido da “individualização” prevista no dispositivo em comento. A falta de atendimento desse requisi-to pode levar o juiz a indeferir o pedido de exibição, por ter concluído que, se o requerente não sabe individualizar o documento ou a coisa, esse então nem sequer existe. O juiz pode também concluir que o objetivo do pedido é meramente procrastinatório, ou ainda que se trata de fishing expedition, expressão comum no Direito norte-americano (e que pode ser aplicada neste contexto no Direito brasileiro) que indica que a parte não sabe se existe ou não o documento ou a coisa, ela está tentando descobrir se existe algo que desconhece, está fazendo pedido “no escuro”, o que não é admitido no sistema brasileiro. Realce-se que a questão da existência do documento também é tratada no inciso III.

Art. 397

Page 247: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

638

Marcos André Franco Montoro

O inciso II menciona a finalidade da prova, ou seja, qual questão de fato discutida no processo se relaciona com o documento ou coisa. Aqui, deve a parte preocupar-se em demonstrar que a prova (o documento ou coisa objeto do pedido de exibição) atende aos requisitos genéricos rela-cionados com a admissibilidade de qualquer prova (arts. 370, parágrafo único, e 374).

Já o inciso III contém duas regras. De um lado, o requerente deve afirmar que o documento ou coisa está com o requerido, e também justificar esta afirmação, ou seja, apontar as “circuns-tâncias” que levam o requerente a afirmar que o documento ou coisa “se acha em poder da parte contrária”; se não o fizer, se não explicar por que entende que o requerido está com o documento ou a coisa, o juiz não terá como concluir com quem está o documento ou coisa. De outro lado, o requerente deve explicar que o documento ou a coisa existe; essa regra complementa o já expli-cado no comentário ao inciso I, valendo aqui também as explicações antes efetuadas.

III. O conteúdo do pedido de exibição de documento ou coisa que não está previsto nos incisos do art. 397

Além do conteúdo previsto nos incisos I, II, e III do art. 397, o pedido de exibição – apresenta-do contra a parte contrária de demanda já em curso – também deve ser elaborado tendo em vista o art. 400, incisos I e II, que regula a consequência da falta de apresentação do documento ou coisa. Assim, é necessário que o requerente informe quais fatos pretende provar com a exibição do documento ou da coisa, para que o juiz, se for o caso, possa aplicar a sanção estabelecida no art. 400, incisos I e II.

Esse requisito é, de certo modo, indiretamente relacionado com o previsto nos incisos I e II do art. 397, antes comentados. Veja-se que o inciso I do art. 397 determina que a parte deve “individualizar” o documento ou coisa, ou seja, descrevê-lo, explicar o seu conteúdo. Já o inciso II estabelece que deve ser explicada a finalidade da prova, apontando-se quais fatos se relacionam com o documento ou a coisa. Assim, apesar de os incisos I e II não mencionarem expressamente que a parte deve informar quais fatos seriam provados com a apresentação do documento ou coisa, é possível chegar à conclu-são de que isso precisa constar na petição, em razão do disposto no art. 400, incisos I e II.

IV. Momento para formular o pedido incidental de exibição

Como já explicado em comentário anterior, o art. 397 estabelece o conteúdo da petição (ou do pedido verbal) na qual se solicita a apresentação de documento ou coisa. O que o art. 397 não menciona é em que momento o pedido incidental de exibição pode ser feito.

Na falta de indicação expressa na lei de qual é o momento (ou de quais seriam os momentos) para se pedir a exibição de documento ou coisa, a melhor interpretação é que, via de regra, o pedido pode ser apresentado a qualquer momento no processo de conhecimento, até o encerra-mento da instrução probatória.

Assim, o Autor pode apresentar o pedido incidental na sua petição inicial, sobretudo quando antever que o Réu possui documento ou coisa que, provavelmente, não será apresentado espon-taneamente na contestação. Deve ficar claro que a situação ora examinada não se confunde com o pedido de exibição de documento feito contra o “terceiro” (ver crítica a essa expressão em comentário ao art. 401): quando o pedido é contra o terceiro, o objetivo é fazer prova em outro processo, ou ainda ter simples acesso ao documento, sem qualquer objetivo de fazer prova no mesmo processo; já na situação examinada, a parte quer ter acesso ao documento para esse ser usado como prova no mesmo processo, sendo que, já antevendo a sua não apresentação pelo réu, apresenta o pedido de exibição já na petição inicial.

Art. 397

Page 248: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

639

Marcos André Franco Montoro

O pedido também pode ser feito, na contestação (inclusive relacionado com a reconvenção), ou na réplica, ou em qualquer momento posterior. Nada impede que, durante a realização de perí-cia, seja necessário obter determinado documento ou coisa, levando a parte a formular pedido de exibição de documento ou coisa. O critério mais adequado, assim, parece ser que o pedido pode ser formulado quando a prova for necessária.

Em ao menos duas situações excepcionais também é possível aceitar a apresentação do pedido de exibição de documento após o encerramento da instrução. A primeira hipótese é quando ocorre, na instância recursal, a conversão do julgamento em diligência, nos termos do art. 932, inciso I, e 938, § 3º; em tal situação, tendo a instrução probatória sido reaberta, então, para provar a questão de fato ainda pendente, pode ser necessário apresentar pedido de exibição de documento ou coisa. A segunda hipótese é quando ocorre, na instância recursal, a aplicação do art. 933, que veda as chamadas “decisões surpresas”, estabelecendo que o relator deve determinar que as partes debatam questões ainda não examinadas no processo e que podem ser levadas em consideração no julga-mento do recurso pendente; em tal situação pode existir questão que envolva matéria probatória, sendo eventualmente necessário apresentar pedido de exibição de documento ou coisa.

Durante a fase de liquidação de sentença também pode ser apresentado o pedido, caso seja necessário obter documento ou coisa para, assim, efetuar a liquidação de sentença.

E existe ao menos uma situação em que o pedido de exibição pode ser apresentado em fase de cumprimento de sentença ou em processo de execução, que ocorre quando o oficial de justiça não consegue avaliar o bem penhorado, e o juiz tem que nomear avaliador (parágrafo único do art. 870). Se para efetuar a avaliação do bem penhorado o avaliador nomeado pelo juiz precisar ter acesso a determinado documento ou coisa que não está presente nos autos, então o exequente pode eventual- mente ter o interesse em apresentar o pedido de exibição contra o executado ou contra terceiro.

V. Aplicação do art. 397 no pedido de exibição contra “terceiro”

Apesar de não estar expresso no art. 397, esse dispositivo aplica-se também nos casos de apre-sentação de pedido de exibição contra terceiro, com algumas ressalvas/adaptações.

Assim, tratando-se de pedido de exibição contra terceiro, o conteúdo previsto nos incisos I a III do art. 397 deve constar na petição inicial da ação de exibição. Então, a petição inicial deve observar tanto as regras genéricas do art. 319 do CPC/2015 (equivalente ao art. 282 do CPC/1973) quanto as normas específicas do art. 397.

Por outro lado, como na exibição contra terceiro não se aplica o previsto no art. 400, então não é necessário preparar a petição tendo em vista esse dispositivo.

Art. 398 - O requerido dará sua resposta nos 5 (cinco) dias subsequentes à sua intimação.Parágrafo único - Se o requerido afirmar que não possui o documento ou a coisa, o juiz permitirá que o requerente prove, por qualquer meio, que a declaração não corresponde à verdade.

I. O “requerido”

O art. 398, ora comentado, e também os arts. 399 e 400, utilizam o termo “requerido”. Para

Art. 398

Page 249: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

640

Marcos André Franco Montoro

tais regras, quem é o “requerido”? O réu do processo? Ou a parte contra a qual foi apresentado o pedido de exibição de documento ou coisa?

O pedido de exibição de documento ou coisa pode ser feito tanto pelo Autor quanto pelo Réu. Assim, a parte que tiver apresentado o pedido de exibição é o requerente em tal incidente. E a parte contra a qual foi pedida a exibição é o requerido (mencionado nos arts. 398 a 400).

Se o pedido de exibição for apresentado por integrante do polo passivo da ação, esse será, ao mesmo tempo, réu no processo e requerente no incidente de pedido de exibição de documento. Já se o pedido de exibição for apresentado por integrante do polo ativo da ação, esse será, ao mesmo tempo, autor no processo e requerente no incidente de pedido de exibição de documento.

Portanto, a figura do “requerido” dos arts. 398 a 400 não deve ser confundida com a figura do réu. O réu só é o requerido dos arts. 398 a 400 se o pedido de exibição de documento tiver sido formulado contra ele.

E se existir litisconsórcio ativo ou passivo, e o pedido de exibição for apresentado somente contra um (ou alguns) dos integrantes do litisconsórcio, os outros integrantes não são nem reque-rentes nem requeridos, eis que não são “partes” do incidente.

II. Prazo para resposta

O art. 398 estabelece que o prazo do requerido para responder é de 5 (cinco) dias. Trata-se de prazo processual, motivo pelo qual são 5 (cinco) dias úteis, nos termos do art. 219.

O prazo se inicia com a intimação do requerido, ou seja, da parte contrária. Apesar de a regra mencionar expressamente a parte (“o requerido”), a intimação pode – e usualmente deve – ser feita mediante intimação do advogado que o representa (art. 272). Todavia, se a parte contrária não tiver advogado constituído – seja por ser revel, seja pelo fato de o seu advogado ter renun-ciado –, a intimação deverá ser feita na pessoa da parte, podendo ser por correio (art. 274).

O prazo do art. 398 não se aplica quando o pedido de exibição incidental de documento é fei-to na petição inicial ou na reconvenção. Em tal situação, o prazo para manifestação é o mesmo prazo para apresentar contestação (à ação ou à reconvenção). Deve ficar claro que a situação ora examinada não se confunde com o pedido de exibição de documento feito contra o “terceiro” (ver crítica a essa expressão em comentário ao art. 401): quando o pedido é contra o terceiro, o objetivo é fazer prova em outro processo, ou ainda ter simples acesso ao documento, sem qual-quer objetivo de fazer prova no mesmo processo; já na situação examinada, a parte quer ter aces-so ao documento para esse ser usado como prova no mesmo processo, sendo que, já antevendo a sua não apresentação pelo réu, apresenta o pedido de exibição já na petição inicial.

III. Conteúdo da resposta do requerido

O parágrafo único do art. 398 dá a impressão de que a única alternativa de comportamento do requerido seria afirmar que não possui o documento ou a coisa. Na verdade, existem três dife-rentes alternativas do que o requerido pode fazer, ou, em outras palavras, três diferentes atitudes que pode tomar.

A primeira alternativa é apresentar o documento ou a coisa. Nesse caso, o incidente se resolve, nada mais é necessário fazer em decorrência da sua apresentação. Posteriormente, o documento ou a coisa será examinado pelo juiz junto com o restante do acervo probatório quando for o momento oportuno para tanto, geralmente quando for proferida a sentença, inclusive eventual “sentença parcial” (prevista no art. 356 do CPC/2015, que a denomina de Julgamento Antecipado Parcial do Mérito).

Art. 398

Page 250: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

641

Marcos André Franco Montoro

A segunda alternativa é o requerido não apresentar o documento ou a coisa nem impugnar o pedido de exibição. Nesse caso, via de regra aplica-se o inciso I do art. 400, ou seu parágrafo único. Todavia, existem situações na quais o juiz não procede do modo previsto em tais disposi-tivos; tal questão, e outras, é abordada nos comentários ao art. 400.

A terceira alternativa é o requerido não apresentar o documento ou a coisa e impugnar o pe-dido de exibição. Essa terceira alternativa se subdivide em 3 (três) possibilidades, dependendo do conteúdo da impugnação.

i) O requerido pode impugnar o pedido afirmando que não possui o documento ou a coisa. Esse é o comportamento previsto e regulado pelo parágrafo único do art. 398, a seguir examinado.

ii) Outra possibilidade seria o requerido concordar que possui o documento ou a coisa (ou não negar esse fato afirmado pelo requerente), mas alegar que não pode (ou não quer) apresentá-lo, justificando sua recusa com base em um dos incisos no art. 404 ou em outro fundamento legal. Neste cenário, a alegação do requerido deverá ser apreciada pelo juiz, tendo em vista também o art. 399. Se o juiz concluir que a recusa em apresentar o documento ou a coisa é ilegítima, apli-cará o previsto ou no inciso II do art. 400, ou no parágrafo único do mesmo art. 400. Se concluir que a recusa é legítima, deverá declarar isso em decisão interlocutória ou mesmo na sentença (parcial ou final), quando apreciar o conjunto probatório; em tal situação, o fato que o requerente quer provar não será considerado comprovado.

iii) Por fim, nada impede que o requerido afirme que não possui o documento ou a coisa e também alegue que, ainda que tivesse na sua posse, não poderia apresentá-lo em função do esta-belecido em um dos incisos do art. 404 (ou em outra norma legal). Daí o juiz terá que verificar tanto se o requerido possui o documento ou a coisa quanto se a recusa é justa, aplicando-se as regras explicadas antes.

IV. Prazo do requerente para se manifestar sobre o documento ou a coisa apresentada ou sobre o conteúdo da resposta do requerido

Os arts. 396 a 403 não preveem qual é o prazo que o requerente tem para se manifestar sobre o documento ou a coisa apresentada pelo requerido, nem o prazo para se manifestar sobre a res-posta do requerido, quando esse se recusa a apresentar o documento ou a coisa.

Se o requerido apresenta o documento ou a coisa, a situação se enquadra no previsto no § 1º do art. 437, que estabelece prazo de 15 (quinze) dias para a parte se manifestar. E o requerente também pode pedir a dilação desse prazo, nos termos do § 2º do mesmo art. 437.

Se o requerido não apresenta o documento ou a coisa, o requerente deve receber prazo para se manifestar sobre a recusa. Nesse caso, o prazo dependerá de alguns fatores. Assim: i) Se o pedido de exibição foi feito na petição inicial (ou na reconvenção), e a recusa consta na contestação (da ação ou da reconvenção), então é necessário apurar se, em razão do conteúdo da contestação, será dado prazo para o autor apresentar réplica, o que somente ocorre nas situações previstas nos arts. 350, 351 e 437; em todas essas hipóteses, como o prazo para réplica é de 15 (quinze) dias, esse também será o prazo para se manifestar sobre a recusa em exibir o documento. Mas se o conteúdo da contestação não se enquadrar no previsto nos arts. 350, 351 e 437, então em tese não deve ser concedido prazo para réplica; mas, mesmo assim, deve ser concedido prazo para o autor se manifestar sobre a recusa em apresentar o documento ou a coisa; em tal situação, não existe prazo fixado em lei, cabendo ao juiz estabelecê-lo; na omissão do juiz, o prazo é o de 5 (cinco) dias previsto no § 3º do art. 218. ii) Se o pedido de exibição tiver sido feito por outra petição

Art. 398

Page 251: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

642

Marcos André Franco Montoro

que não a petição inicial (ou reconvenção), então não se aplicam as regras de prazo para réplica, sendo que como não existe prazo fixado em lei, cabe ao juiz estabelecê-lo; na omissão do juiz, o prazo é o de 5 (cinco) dias do § 3º do art. 218.

V. O parágrafo único do art. 398. Ampliação do objeto da prova

Como explicado anteriormente, uma das possíveis respostas do requerido é afirmar que não possui o documento ou a coisa. Quando isso ocorre, aplica-se o parágrafo único do art. 398.

Em tal situação a controvérsia existente (a questão de fato a ser dirimida) é se o requerido possui ou não o documento ou a coisa. Assim, o parágrafo único do art. 398 afirma que o reque-rente pode tentar provar, por qualquer meio de prova, que a afirmação do requerido – de que não possui o documento ou a coisa – não é correspondente à verdade. E, apesar de não estar expresso no art. 398, o requerido também tem o direito de tentar provar, por qualquer meio de prova, que sua afirmação é verdadeira.

Desse modo, o objeto da prova do processo em questão é ampliado, pois, além das questões de fato relacionadas com o objeto do processo, também poderá (deverá) ser produzida prova relacionada com a questão de o “requerido” (a parte contra a qual foi apresentado o pedido de exibição, como antes explicado) ter ou não o documento ou a coisa cuja exibição foi solicitada.

Se o juiz concluir que o requerido possui o documento ou a coisa, aplicará a sanção do art. 400, inciso II, ou determinará a realização das medidas do parágrafo único do art. 400. Mas se concluir que o requerido não possui – ou que não existe – o documento ou a coisa, deverá decla-rar tal fato em decisão interlocutória ou mesmo na sentença (parcial ou final), quando apreciar o conjunto probatório; quando isso ocorre, o fato que o requerente quer provar não será conside-rado comprovado.

VI. O parágrafo único do art. 398 e o ônus da prova sobre a posse do documento ou da coisa

O parágrafo único do art. 398 parece estabelecer que, quando o requerido nega que está com o documento ou a coisa, o ônus da prova (sobre a posse do documento ou da coisa pelo requerido) seria sempre do requerente, ou seja, de quem pediu a exibição. Essa conclusão – válida para a maioria das situações – decorre de dois fatores. Primeiro, em função da redação do parágrafo único do art. 398, que, ao estabelecer que o requerente pode tentar provar que o requerido está na posse do documento ou da coisa, implicitamente afirma que, para ser aplicada a sanção do art. 400, inciso II, o requerente tem o ônus de provar que o requerido está na posse do documento ou a coisa. Segundo, em virtude da regra geral de ônus da prova do art. 373 do CPC/2015 (cujo conteúdo é parcialmente similar ao art. 333 do CPC/1973).

Todavia, existem ao menos duas situações em que o ônus da prova – sobre a posse do documento ou da coisa pelo requerido – não é do requerente, mas sim do requerido. Ou seja, há situações nas quais compete ao requerido comprovar que ele não está na posse do documento ou da coisa.

A primeira situação decorre da correta aplicação das regras do ônus da prova (art. 373 do CPC/2015) ao pedido de exibição de documento. Se o requerido nega que tenha algum dia rece-bido o documento ou a coisa, o ônus da prova de que ele recebeu o documento ou coisa é efeti-vamente do requerente, eis que esse último alegou fato constitutivo do seu direito (de examinar o documento), e tal fato foi negado pelo requerido (art. 373, inciso I). Todavia, se o requerido, na sua resposta, concorda que anteriormente teve a posse do documento ou da coisa, mas que agora não tem mais a sua posse (por qualquer razão), então o que o requerido está fazendo, em

Art. 398

Page 252: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

643

Marcos André Franco Montoro

tal exemplo, é alegar fato impeditivo do direito do requerente; ora, o ônus da prova do fato im-peditivo é de quem o alegou, do requerido, a teor do estabelecido no art. 373, inciso II.

A segunda situação decorre da eventual aplicação da inversão do ônus da prova (§§ 1º ao 4º do art. 373 do CPC/2015). Sendo determinada a inversão, então, ao contrário do previsto no pa-rágrafo único do art. 398, o requerido é que passa a ter o ônus de comprovar que não está mais na posse do documento ou da coisa. Todavia, podem existir situações nas quais essa inversão do ônus da prova implique exigir do requerido a prova de fato negativo, que, para pedaço da doutri-na, é prova impossível (para alguns, “diabólica”), e que jamais poderia ser fixada para uma das partes do processo; quando isso ocorre, não deve o juiz (ou as partes, em negócio jurídico pro-cessual estabelecido nos termos do art. 190) prever que o ônus da prova compete ao requerido, sob pena de violação do art. 373, § 2º, e § 3º, inciso II. Feita essa ressalva, podem perfeitamente existir situações nas quais a inversão do ônus da prova (de quem está na posse do documento ou da coisa objeto do pedido de exibição) seja adequada e não constitua prova impossível.

Art. 399 - O juiz não admitirá a recusa se:I - o requerido tiver obrigação legal de exibir;II - o requerido tiver aludido ao documento ou à coisa, no processo, com o intuito de constituir prova;III - o documento, por seu conteúdo, for comum às partes.

I. O “requerido”

Ver comentário ao art. 398.

II. A recusa do requerido em apresentar o documento ou a coisa

Em comentário feito ao art. 398, explicou-se que o requerido, após intimado a responder o pedido de exibição, pode adotar diferentes posturas. Uma dessas hipóteses é impugnar o pedido de exibição de documento, afirmando que tem o documento ou a coisa (ou não negando que está em seu poder), mas ao mesmo tempo informar que não pode ou não quer apresentá-lo, o que, na terminologia usada pelo CPC, constitui “recusa” em exibir.

Ao afirmar que não pode ou não quer apresentar o documento ou a coisa, o requerido deve explicar o motivo para a sua postura, ou seja, justificar a sua recusa. Os argumentos podem ser baseados no art. 404, ou em outro fundamento legal.

Cabe ao juiz apreciar os argumentos da recusa. E dando alguns parâmetros ao juiz, o art. 399 estabelece três situações nas quais o juiz não deve aceitar a recusa do requerido.

Se o juiz, aplicando um dos incisos do art. 399, concluir que a recusa em apresentar o do-cumento é ilegítima, via de regra é então aplicada a sanção do art. 400, inciso II, ou proferida decisão nos termos do parágrafo único do mesmo art. 400. Mas, como detalhado nos comentários ao art. 400, pode ocorrer de o juiz não aplicar tal dispositivo, em virtude do conteúdo das demais provas produzidas no processo.

E antes de comentar os incisos do art. 399, necessário destacar que esse rol não é taxativo, eis que, além do nele previsto, podem existir outras situações nas quais o juiz deve/pode considerar que a recusa é ilegítima.

Art. 399

Page 253: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

644

Marcos André Franco Montoro

III. O inciso I: obrigação legal de exibir o documento ou a coisa

O inciso I do art. 399 estabelece a primeira situação na qual o juiz não deve aceitar a recusa do requerido (em exibir o documento ou a coisa), qual seja quando o requerido tiver a obrigação, estabelecida em lei, de exibir o documento ou a coisa.

Alguns exemplos: quando o requerido possui um testamento cerrado de terceiro, que deve ser exibido no processo em questão; os documentos que estão sob a guarda de um profissional liberal, como os documentos contábeis confiados ao contador; os documentos sob guarda de tutor ou curador, etc.

IV. O inciso II: menção do documento ou da coisa no processo

O inciso II do art. 399 estabelece a segunda situação na qual o juiz não deve aceitar a recusa do requerido (em exibir o documento ou a coisa), qual seja quando o próprio requerido tiver mencio-nado, no processo, que o documento ou a coisa existe, e constitui prova de determinado fato.

Essa hipótese tem ligação direta com o princípio da atuação processual com boa-fé presente no art. 5º, eis que, se o requerido afirmou anteriormente que o documento ou a coisa existe e que constitui prova, então tem ele a obrigação de apresentá-lo, caso isso seja solicitado pela parte contrária.

V. O inciso III: documento ou coisa comum às partes

O inciso III do art. 399 estabelece a terceira situação na qual o juiz não deve aceitar a recusa do requerido (em exibir o documento ou a coisa), qual seja quando o conteúdo do documento da coisa é comum às partes. O documento é comum às partes quando contém declaração que se relaciona com as partes. Um exemplo seria um contrato firmado pelas partes, que tem conteúdo comum pois regula determinada relação jurídica entre elas; nesse sentido, o STJ decidiu, no AgRg no Ag nº 511.849, que um contrato de abertura de crédito em conta-corrente é documento comum às partes. Outros exemplos seriam um recibo, uma apólice de seguro, uma correspondên-cia entre as partes, etc.

Apesar de o inciso III mencionar expressamente só o documento, tal hipótese também se apli-ca à exibição da coisa que eventualmente seja comum às partes.

VI. Aplicação do art. 399 no pedido de exibição contra “terceiro”

Apesar de não estar expresso no art. 399, os incisos I e III desse dispositivo aplicam-se tam-bém nos casos de apresentação de pedido de exibição contra “terceiro” (ver crítica a essa expres-são no comentário ao art. 401).

O inciso I é aplicado pois também o terceiro pode ter obrigação legal de apresentar documento ou coisa.

O inciso III também é aplicado pois o documento ou coisa pode ter conteúdo comum ao re-querente e ao terceiro.

Somente o inciso II não se aplica, pois ele regula a hipótese de o requerido ter previamente mencionado o documento ou a coisa, o que não ocorre a ação de exibição é contra “terceiro”.

Art. 400 - Ao decidir o pedido, o juiz admitirá como verdadeiros os fatos que, por meio do documento ou da coisa, a parte pretendia provar se:

Art. 400

Page 254: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

645

Marcos André Franco Montoro

I - o requerido não efetuar a exibição nem fizer nenhuma declaração no prazo do art. 398;II - a recusa for havida por ilegítima.Parágrafo único - Sendo necessário, o juiz pode adotar medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias para que o documento seja exibido.

I. O “requerido”

Ver comentário ao art. 398.

II. Nem sempre é necessário aplicar o art. 400

O art. 400 regula a decisão do incidente decorrente do pedido de exibição de documento ou coisa apresentado por uma das partes do processo contra a outra parte do mesmo processo. To-davia, existe ao menos uma situação na qual o juiz não profere decisão “julgado” o incidente, ou seja, não aplica o art. 400.

Isso ocorre quando o requerido apresenta o documento ou a coisa, que é uma das suas possí-veis atitudes, como explicado em comentário ao art. 398. Se o documento ou a coisa já foi apre-sentado, a prova foi produzida, e o juiz não precisa (ou melhor, não deve) julgar o incidente nem aplicar o art. 400. Em tal hipótese, o juiz deve (no momento oportuno, geralmente na sentença) apreciar diretamente a prova em questão, ou seja, o documento ou a coisa apresentada pelo re-querido a pedido do requerente.

III. Conteúdo “positivo” ou “negativo” da decisão efetuada com base no art. 400

O art. 400, caput, incisos I e II, e parágrafo único, pode eventualmente passar ao intérprete a impressão de que o juiz somente deve proferir decisão – no pedido de exibição – quando ocor-rerem as hipóteses estabelecidas nos incisos I e II, ou no parágrafo único, ou seja, quando o juiz tem uma conclusão “positiva” em relação ao pleito do requerente, no sentido de que o requerido tem a obrigação legal de apresentar o documento ou a coisa. Nessa linha de raciocínio, o juiz não precisaria proferir decisão a respeito do pedido de exibição caso sua conclusão seja “negativa” (contra o requerente), por entender que não estão caracterizadas as situações previstas nos inci-sos I e II, ou em função da aplicação de outra regra que favoreça a recusa do requerido, como as do art. 404.

Todavia, a interpretação anteriormente explicada deve ser afastada. O juiz deve sempre deci-dir o pedido de exibição de documento ou coisa, seja quando essa decisão é favorável à exibição (tendo o conteúdo “positivo” antes mencionado), seja quando essa decisão é desfavorável à exibição (tendo o conteúdo “negativo” antes mencionado). Essa conclusão é decorrente de dois fundamentos.

O primeiro fundamento é o princípio do dispositivo. Havendo pedido, pretensão (mesmo que não seja de direito material), deve haver decisão.

O segundo fundamento relaciona-se com o dever do juiz de motivar as suas decisões, o que, além de ser decorrente de comando constitucional (art. 93, inciso IX, da CF), está previsto no art. 489, inciso II e § 1º, do CPC/2015. Aliás, esse último dispositivo ampliou, reforçou, deta-lhou o dever de motivação do juiz (em comparação ao modo como a motivação está regulada no CPC/1973).

Art. 400

Page 255: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

646

Marcos André Franco Montoro

Desse modo, caso o juiz, por qualquer motivo (inclusive em razão do art. 404), entenda que o pedido de exibição deva ser rejeitado, indeferido, deve proferir decisão nesse sentido. Em tal caso, obviamente, não aplicará as regras do art. 400. Mas será decisão proferida “no lugar”, ou “em substituição” ao regulado pelo art. 400.

Nos comentários seguintes, contudo, será examinada somente a efetiva aplicação do art. 400, ou seja, quando o juiz defere o pedido de exibição, e aplica as regras adiante detalhadas.

IV. O caput do art. 400: a presunção de veracidade dos fatos

Nos comentários ao art. 397, explicou-se que ao ser apresentado o pedido de exibição de documento ou coisa, o requerente, além de observar o previsto nos incisos I, II e III, do art. 397, também precisa informar quais fatos pretende provar com a apresentação do documento ou da coisa (em função do estabelecido no caput do art. 400).

Assim, ocorrendo as hipóteses dos incisos I e II (a seguir comentados), o caput do art. 400 estabelece verdadeira presunção legal, determinando que devem ser considerados verdadeiros os fatos que seriam provados pelo documento ou pela coisa não apresentado pelo requerido.

Essa presunção legal, contudo, é relativa, a qual pode ser objeto de prova em contrário. No sistema processual brasileiro, não vigora o sistema da prova tarifada, mas sim o sistema da pre-sunção racional do juiz, de modo que não existe prova absoluta, devendo o conjunto probatório ser examinado como um todo. Entendimento similar ao ora defendido foi adotado pelo STJ no julgamento do REsp nº 867.132, nos seguintes termos: “A princípio, presumem-se verdadeiros os fatos que se pretendiam provar com os documentos que a parte se recusou a exibir, não obstante a determinação judicial expressa, mas a presunção de veracidade poderá ser infirmada pelo jul-gador quando da formação do seu livre convencimento em face das provas constantes dos autos”.

Há, contudo, quem entenda, na doutrina, que não se trata de presunção, mas sim de ficção ju-rídica. E, sob outro prisma, parte da doutrina afirma que também se trata de sanção, a qual existe no sistema processual para desencorajar o requerido a esconder o documento ou coisa. Outra corrente afirma que haveria ônus do requerido (parte do processo) em apresentar o documento ou a coisa, sendo que, quando a pretensão de exibição for contra terceiro, esse teria o dever de exibir, caso a demanda seja julgada procedente.

V. O inciso I: a inércia do requerido

O inciso I estabelece a primeira hipótese de aplicação da presunção de veracidade anterior-mente explicada, que ocorre quando o requerido, além de não apresentar o documento ou a coisa, também não se manifesta sobre o pedido de exibição (não justifica os motivos da sua recusa).

Apesar dos termos peremptórios da regra em comento, o juiz pode, em razão dos demais ele-mentos probatórios colhidos no processo, não aplicar tal sanção, não estabelecer a presunção de veracidade, decidido que o fato não foi provado. Os motivos são os explicados no comentário anterior.

Aliás, trata-se de situação similar ao que ocorre com a revelia (art. 344), eis que, mesmo quando presentes os efeitos da revelia (art. 345), o juiz não é obrigado a considerar que os fatos ocorreram conforme narrado pelo autor, podendo chegar a outra conclusão em razão do conjunto probatório (inciso IV do art. 345).

VI. O inciso II: a recusa ilegítima

O inciso II estabelece a segunda hipótese de aplicação da presunção de veracidade anterior-

Art. 400

Page 256: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

647

Marcos André Franco Montoro

mente explicada, que ocorre quando o requerido apresenta justificativa para se negar a exibir o documento ou coisa (ou seja, o requerido formula recusa), tendo o juiz decidido que a recusa é ilegítima.

Para decidir se a recusa é legítima ou ilegítima, o legislador previu alguns critérios, tanto no art. 399 (que lista hipóteses de recusa ilegítima) quanto no art. 404 (que estabelece situações nas quais a recusa é legítima).

E repetindo o explicado no comentário ao inciso I, apesar dos termos peremptórios da conjun-ção do caput com o inciso II, o juiz pode considerar que a recusa é ilegítima, mas, em razão dos demais elementos probatórios colhidos no processo, não estabelecer a presunção de veracidade, decidido que o fato não foi provado. Os motivos são os constantes no comentário ao caput do art. 400.

VII. O parágrafo único: explicações iniciais

O parágrafo único do art. 400 do CPC/2015 – que não tem regra similar no CPC/1973 – am-plia e flexibiliza as alternativas colocadas à disposição do juiz ao decidir o pedido de exibição. No sistema do CPC/1973, se o documento ou a coisa não fosse apresentado, e sendo a recusa considerada injusta, a única alternativa concedida ao juiz era a aplicação da presunção de veraci-dade antes explicada. Então, ao menos em tese, o sistema do CPC/1973 somente dá ao juiz duas alternativas (em caso de recusa fundamentada do requerido): ou considera legítima a recusa do requerido e rejeita o pedido de exibição, ou considera ilegítima a recusa do requerido e considera provado o fato alegado pelo requerente que seria supostamente comprovado com a apresentação do documento ou da coisa.

No sistema do CPC/2015 existe uma alternativa “intermediária”, que é exatamente a aplicação das medidas de apoio do parágrafo único do art. 400. Assim, o juiz pode considerar que a recusa é ilegítima, mas ficar na dúvida se o conteúdo do documento ou da coisa é o que foi alegado pelo requerente. Então, em tal hipótese, em vez de aplicar a presunção de veracidade prevista no caput e nos dois incisos do art. 400, o juiz deve tomar as medidas necessárias para a obtenção física do documento ou da coisa. Isso ocorre pela aplicação das medidas de apoio listadas no parágrafo único, que podem ser indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias (exami-nadas adiante).

Outra possibilidade de aplicação das medidas do parágrafo único do art. 400 ocorre quando o requerido alega que não tem a posse do documento ou da coisa, e o juiz, após regular instrução (prevista no parágrafo único do art. 398), conclui que o requerido está falando a verdade. Pode ocorrer que, apesar de o requerido não ter a posse do documento ou da coisa, apesar de a sua recusa ser assim legítima, seja possível aplicar alguma das medidas previstas no parágrafo único do art. 400, para assim viabilizar a efetiva exibição do documento ou da coisa.

O parágrafo único do art. 400 não menciona expressamente a coisa, somente se refere à sua aplicação para viabilizar a exibição de documento. Contudo, essa omissão do legislador não pode ser considerada intencional, e sim mera desatenção de redação. Até pelo fato de que não existe qualquer restrição de ordem prática ou legal que impeça a aplicação das medidas do parágrafo único quando o objeto do pedido de exibição é uma coisa. Por isso é que, nos comentários feitos ao parágrafo único, menciona-se tanto o documento quanto a coisa.

VIII. O parágrafo único: impossibilidade de cumulação com a presunção de veracidade

Se o juiz aplica a presunção de veracidade prevista no caput e nos dois incisos do art. 400, não

Art. 400

Page 257: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

648

Marcos André Franco Montoro

precisa – ou melhor, não deve – aplicar as medidas previstas no parágrafo único. São situações alternativas, ou o juiz aplica a presunção de veracidade, ou determina a aplicação das medidas de apoio, para viabilizar a exibição efetiva do documento ou da coisa. Se o juiz estabelece a presunção de veracidade prevista no caput e nos incisos do art. 400, o documento ou a coisa não precisa mais ser apresentado, pois o fato que o requerente pretendia demonstrar pela exibição do documento ou da coisa já foi considerado comprovado pelo juiz (de forma presumida).

A exibição de determinado documento ou coisa não tem um fim em si mesmo, trata-se de ato processual que serve para comprovar determinado fato alegado pelo requerente; se esse fato já foi estabelecido pela aplicação da presunção prevista no caput e nos incisos do art. 400, então é completamente desnecessário determinar a aplicação de qualquer medida de apoio do parágrafo único, pois não é mais necessário obter (exibir) o documento ou a coisa.

IX. O parágrafo único: as medidas de apoio

O parágrafo único do art. 400 estabelece que, para viabilizar a efetiva exibição do documento ou da coisa, o juiz pode adotar medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias. Tal dispositivo nada mais é do que reflexo do poder geral do juiz em determinar tais tipos de medidas, o que está previsto no art. 139, inciso IV.

Apesar de não estar mencionado expressamente, entre as medidas coercitivas inclui-se a fixa-ção de multa pecuniária diária, ou seja, de astreintes.

Ocorre que a posição do STJ, na vigência do CPC/1973, é contra a aplicação de multa diária em exibição de documento ou coisa. Nesse sentido, é a Súmula nº 372 do STJ, com a seguinte redação: “Na ação de exibição de documentos, não cabe a aplicação de multa cominatória”. E após a edição dessa súmula o STJ deixou mais claro o seu entendimento ao julgar o REsp (repe-titivo) nº 1.333.988, cuja ementa estabelece o: “Descabimento de multa cominatória na exibição, incidental ou autônoma, de documento relativo a direito disponível”.

Como no CPC/2015 existe, no parágrafo único do art. 400, a expressa previsão da possibilidade de serem adotadas medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias, o explicado entendimento do STJ deve ser revisto. Havendo norma expressa, o entendimento restritivo do STJ não mais se sustenta.

Todavia, ressalte-se que existe entendimento doutrinário, manifestado à luz das regras do CPC/2015, de que o juiz não poderia aplicar multa para forçar a parte a exibir o documento, eis que isso não está previsto expressamente no parágrafo único do art. 400; para essa corrente, se as demais medidas de apoio não derem resultado, o juiz deve então aplicar a presunção de vera-cidade prevista no caput e no inciso II do art. 400.

X. “Momento” (“local”) da decisão do pedido de exibição

Como já mencionado, o art. 400 regula a decisão do incidente decorrente do pedido de exibi-ção de documento ou coisa apresentado por uma das partes do processo contra a outra parte do mesmo processo.

Todavia, o dispositivo em comento não determina quando essa decisão deve ser proferida. Ou seja, não prevê se tal decisão deve ocorrer: i) imediatamente após o requerente se manifestar sobre a recusa do requerido (ou após ser produzida a prova prevista no parágrafo único do art. 398); ou ii) ao final do processo, quando é apreciado todo o conjunto probatório.

Se o legislador não estabelece o “momento”, então também não estabelece o “local”, ou seja,

Art. 400

Page 258: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

649

Marcos André Franco Montoro

se: a) deve ser proferida decisão interlocutória; ou b) se deve ser proferida sentença, final ou “parcial” (essa última prevista no art. 356 do CPC/2015, que a denomina de Julgamento Anteci-pado Parcial do Mérito).

O fato de o legislador não ter fixado expressamente nem o momento nem o local específico para ser proferida decisão com base no art. 400 foi proposital. Ao não se estabelecer regra rígida (um momento ou local específico, predeterminado), essa questão foi regulada de modo flexível, aberto, cuja solução vai depender da situação em concreto, das necessidades (inclusive instru-tórias) do processo específico. Em outras palavras, o “momento” e o “local” em que deve ser aplicado o art. 400 dependerá das circunstâncias do caso concreto.

Em alguns processos, será mais adequado que o juiz profira decisão interlocutória com base no art. 400, para assim desde logo estabelecer que determinados fatos já são (ou não) conside-rados provados, o que, em consequência, terá repercussões no restante da instrução probatória. Por exemplo: simplificando/restringindo a colheita das provas ainda pendentes, em razão de de-terminado fato já estar provado; ou, ao contrário, ampliando a colheita das provas, por ter o juiz proferido decisão contra a exibição; ou ainda, melhor organizando a fase instrutória, tendo em vista a decisão (positiva ou negativa) tomada no incidente de exibição.

Também será caso de proferir decisão interlocutória quando o juiz entender necessário aplicar o parágrafo único do art. 400.

De outro lado, podem existir situações nas quais o juiz considere melhor proferir a decisão prevista no art. 400 junto com – ou melhor, no mesmo ato em que é exarada – a sentença (parcial ou final), quando também resolverá questões de mérito de tal processo. Isso pode ocorrer, por exemplo, quando: a1) o juiz verifica ser prematuro proferir decisão interlocutória com base no art. 400, sendo preferível aguardar a produção de todas as demais provas, de modo assim a poder efetuar a avaliação, no mesmo momento, tanto da recusa em exibir o documento ou coisa, quanto dos demais elementos de prova colhidos no processo; a2) o juiz avalia que a instrução probatória terá mais condições de sucesso, inclusive decorrente de um maior esforço de ambas as partes, se a decisão prevista no art. 400 for deixada para a sentença; b3) a prova objeto do pedido de exibição de documento ou coisa seja a única a ser produzida naquele processo; e b4) o fato a ser provado pela exibição do documento ou coisa seja suficiente para o esclarecimento dos fatos da causa.

Note-se que nas situações (a1) e (a2) anteriores o juiz até poderia proferir decisão interlocu-tória, mas prefere, por motivos relacionados com a melhor instrução da causa, aplicar o art. 400 ao caso concreto quando for proferida a sentença (eventualmente parcial). Já nas situações (b3) e (b4), o que ocorre é que, se nada mais necessita ser provado, se basta decidir o incidente e passar ao julgamento do processo, o juiz pode então proferir desde logo sentença (inclusive parcial), na qual resolve tanto o incidente de exibição quanto as questões de mérito do processo.

XI. Recurso cabível contra a decisão do pedido de exibição formulado contra a outra parte: agravo de instrumento ou apelação?

Foi explicado em comentário anterior que a decisão do incidente decorrente do pedido de exibição de documento pode ser feita em decisão interlocutória ou em sentença. E sendo em sentença, essa pode ser a sentença final ou a sentença parcial, prevista no art. 356 do CPC/2015 (que a denomina de Julgamento Antecipado Parcial do Mérito).

Se no caso concreto for proferida decisão interlocutória aplicando o art. 400, incisos I ou II, ou ainda o seu parágrafo único, o recurso cabível é o agravo de instrumento, em decorrência da

Art. 400

Page 259: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

650

Marcos André Franco Montoro

expressa previsão do inciso VI do art. 1.015, assim redigido: “Art. 1.015. Cabe agravo de ins-trumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre: [...] VI - exibição ou posse de documento ou coisa; [...]”. Essa regra não estabelece que cabe agravo de instrumento somente contra as decisões que determinarem a exibição de documento ou coisa, mas sim contra as deci-sões que “versarem” sobre a exibição. Então a hipótese do inciso VI do art. 1.015 abrange: a) as decisões que determinam a exibição de documento ou coisa (como, por exemplo, as que aplicam o parágrafo único do art. 400); b) as decisões que negam (indeferem) o pedido de exibição de documento ou coisa (pelos motivos previstos no art. 404, ou por outra razão); e c) as decisões que, mesmo sem determinar ou indeferir a exibição de documento ou coisa, tenham conteúdo re-lacionado com o pedido de exibição, como as que aplicam o previsto nos incisos I e II do art. 400.

Se a decisão prevista no art. 400 for tomada na sentença final, o recurso cabível é a apelação, nos termos do art. 1.009. Destaca-se que a apelação é o recurso usado para impugnar todas as questões tratadas na sentença final, inclusive àquelas que poderiam ter sido resolvidas em deci-são interlocutória, mas foram tratadas na sentença final; esse entendimento já era prevalente no sistema do CPC/1973, e deve continuar sendo aplicado, até por ser coerente com o previsto nos §§ 1º e 3º do art. 1.009 do CPC/2015. Então, sendo aplicado o art. 400 na sentença, o recurso cabível é a apelação. Todavia, parte da doutrina que examinou tal questão no CPC/2015 afirma que o recurso cabível seria sempre o agravo de instrumento, em razão do previsto no art. 1.015, inciso VI; tal interpretação deve ser afastada, pois ela ignora o previsto no § 3º do art. 1.009.

Se a decisão prevista no art. 400 for tomada em sentença parcial, o recurso cabível é o agravo de instrumento, expressamente previsto no § 5º do art. 356. E repetindo a explicação anterior, o agravo de instrumento é o recurso usado para impugnar todas as questões tratadas na sentença parcial, inclusive aquelas que poderiam ter sido resolvidas em decisão interlocutória, mas foram tratadas na sentença parcial.

XII. Interesse recursal quando aplicado o parágrafo único

Apesar de as medidas previstas no parágrafo único do art. 400 parecerem “violentas”, na prática verifica-se que, quando determinadas, de certo modo o requerido é beneficiado, eis que a pior alternativa para o requerido é a aplicação da presunção de veracidade prevista no caput e nos dois incisos do art. 400. E, invertendo-se o foco, a aplicação das medidas do parágrafo único do art. 400 também constitui, de certo modo, pequena derrota do requerente, pois a sua vitória completa seria a aplicação da presunção de veracidade.

Desse modo, quando alguma medida de apoio é determinada pelo juiz, tanto o requerente quanto o requerido têm interesse em recorrer: o requerente pode recorrer pedindo que seja aplica-da a presunção de veracidade estabelecida no caput e nos incisos do art. 400; e o requerido pode recorrer pedindo que a sua recusa seja considerada legítima, com a consequência de que ele não tem que apresentar o documento.

Art. 401 - Quando o documento ou a coisa estiver em poder de terceiro, o juiz ordenará sua citação para responder no prazo de 15 (quinze) dias.

I. A exibição de documento ou coisa contra terceiro. Primeiras observações

Os arts. 401 a 404 regulam o pedido – na verdade demanda autônoma – de exibição de docu-

Art. 401

Page 260: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

651

Marcos André Franco Montoro

mento, formulada contra o “terceiro” (expressão essa criticada adiante em comentário a esse art. 401).

Nos comentários ao art. 396 explicam-se diversas questões introdutórias relacionadas com o pedido de exibição de documento, as quais, via de regra, também se aplicam à exibição de do-cumento movida contra “terceiro”. Assim, para não repetir as observações presentes no referido art. 396, reporta-se o leitor aos comentários a tal dispositivo, que versam sobre: i) primeiras observações; ii) exibição de documento ou coisa em poder da outra parte e em poder de tercei-ro; iii) conceito de documento ou coisa, para fins de aplicação dos arts. 396 a 404; iv) poder do juiz em determinar a exibição de documento ou coisa; v) dever de colaboração da parte ou do terceiro; vi) o ato de exibir o documento ou a coisa: autos físicos ou eletrônicos, e dimensões do documento ou da coisa; vii) os arts. 844 e 845 do CPC/1973 e a tutela de urgência na exi-bição de documento ou coisa; e viii) meios jurídicos para pleitear a exibição de documento ou coisa.

II. Crítica à expressão “terceiro” mencionada nos arts. 401 a 404

Os arts. 401 a 404 mencionam a figura do “terceiro”. Apesar de essa expressão servir para identificar o que o legislador pretende regular, ela também merece certa crítica, pois pode induzir o intérprete a erro.

Conforme já exposto em comentário ao art. 396, existem duas diferentes situações na vida em que uma pessoa pode ter o interesse em ter acesso a documento ou coisa que não possui: a) quando, em razão de disputa judicial já em curso, uma das partes quer ter acesso a documento ou coisa (que não possui) para provar determinado fato controvertido; b) quando ainda não existe processo judicial, mas uma pessoa quer ter acesso a documento ou coisa (que não possui), por qualquer razão (juridicamente válida), independentemente de ser ou não utilizada em outro pro-cesso judicial.

A distinção anterior não é baseada no fato de o pedido de exibição ser proposto contra a outra parte ou contra “terceiro”: na situação do item (a) o pedido pode ser feito contra a outra parte do processo em curso ou contra terceiro; já na situação do item (b) não existe processo prévio, motivo pelo qual não é relevante (e mesmo causa confusão) a distinção entre parte e “terceiro”.

Desse modo, os arts. 401 a 404 são aplicados em dois tipos de situação.

Na primeira situação, há processo já em curso, no qual surge a necessidade de se examinar documento ou uma coisa que está com pessoa que não é parte de tal demanda. Assim, o interes-sado em usar o documento ou a coisa como prova no processo original propõe outra demanda judicial, agora contra o “terceiro”. Nesse segundo processo, contra o “terceiro”, normalmente o único objeto é pedir a exibição do documento ou da coisa, para que essa possa ser utilizada como prova no processo “original”.

Na segunda situação, uma pessoa quer ter acesso a determinado documento ou uma coisa (que não possui), por qualquer razão (juridicamente válida), independentemente de ser ou não utilizada em outro processo judicial a ser eventualmente proposto no futuro. Para tanto, haven-do resistência de quem possui o documento ou a coisa, o interessado deve ajuizar processo de conhecimento cujo objeto é o pedido de exibição de documento. Então, nessa segunda situação, apesar de também serem aplicados os arts. 401 a 404 no processo de conhecimento em questão, não há sentido em falar que o requerido é “terceiro”.

Na primeira das duas situações, existe certa lógica em se utilizar a expressão “terceiro”. Mas

Art. 401

Page 261: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

652

Marcos André Franco Montoro

na segunda situação, a expressão “terceiro” pode eventualmente causar confusão ao intérprete. Por isso a importância dessa crítica.

De qualquer modo, apesar da crítica anterior, nos comentários seguintes é utilizada a expres-são terceiro, adotada pelo legislador.

III. O pedido de exibição de documento ou coisa apresentado contra terceiro não é inci-dente processual, mas sim processo de conhecimento autônomo

Quando o pedido de exibição de documento ou coisa é apresentado em face da outra parte de processo já em curso, então trata-se de incidente processual, que ocorre dentro do processo já em curso, sem que seja necessário propor nova demanda, sem estabelecer nova relação jurídica processual.

Mas quando o pedido de exibição é apresentado contra o terceiro, é necessária a propositura de demanda judicial contra quem tem a posse do documento ou da coisa. Essa conclusão decorre de ao menos dois fatores: i) o terceiro não é parte de outro processo judicial, e para ser feito o pedido de exibição, e para ser esse concedido ou negado, deve existir processo judicial; e ii) o art. 401 determina que o terceiro deve ser citado.

A demanda que deve ser proposta contra o terceiro é processo de conhecimento, pelo rito comum, com as adaptações decorrentes da aplicação, do que for cabível em cada caso concreto, dos arts. 396 a 404. Esclarece-se que não são só os arts. 401 a 404 se aplicam nesta demanda contra o “terceiro”, podendo também ocorrer a aplicação dos arts. 396 a 400, como explicado em comentários feitos em tais dispositivos.

O objeto deste processo de conhecimento (o pedido a ser feito pelo autor) é estabelecer a obri-gação do terceiro em exibir o documento ou a coisa. Portanto, visa à obtenção de sentença que estabeleça obrigação de fazer.

Deve também ficar claro que o processo de exibição movido contra o terceiro não é discipli-nado pelas regras que regulam a produção antecipada de prova (arts. 381 a 383), pelos motivos já explicados em comentário ao art. 396.

Por fim, sendo processo de conhecimento autônomo, é encerrado por sentença, que se for de mérito, faz coisa julgada (o que foi reconhecido pelo STJ ao julgar o REsp nº 165.303).

IV. CompetênciaSe já existe outra demanda em curso, na qual o documento ou a coisa necessita ser exibido

como meio de prova, e o interessado tem que apresentar pedido de exibição contra o terceiro que possui o documento, então essa segunda demanda deve ser distribuída, por prevenção, ao mesmo juízo no qual já corre a demanda “original”. A segunda ação é claramente acessória, o que é critério para fixar a competência perante o juízo da demanda principal (art. 61). E parte da doutrina também entende que existe conexão entre tais processos, em função de a causa de pedir ser comum, o que também leva à fixação da competência (art. 55).

Situação diferente ocorre quando é ajuizada ação que tem por objeto exclusivamente a exi-bição de documento, sem ter sido previamente ajuizada outra demanda (ver comentários ao art. 396). Em tal hipótese, não existe juízo prevento, e a distribuição é livre.

V. Conteúdo da petição inicialComo explicado em comentário anterior, ação de exibição de documento proposta contra o

terceiro é processo de conhecimento, que segue o rito comum.

Art. 401

Page 262: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

653

Marcos André Franco Montoro

Assim, a sua petição inicial deve observar tanto as regras genéricas do art. 319 e ss. quanto o estabelecido no art. 397, incisos I, II e III. Esses últimos dispositivos, apesar de regularem o pedido incidental de exibição de documento apresentado contra a outra parte de processo já em curso, aplicam-se subsidiariamente na ação movida contra o terceiro.

VI. Citação do terceiro: para responder ou para comparecer em audiência de tentativa de conciliação?

O art. 401 do CPC/2015, praticamente repetindo os termos do que consta no art. 360 do CPC/1973, estabelece que o terceiro é citado para responder ao pedido no prazo de 15 (quinze) dias. A única alteração redacional efetiva é o aumento de prazo, que era de 10 (dez) dias corridos, e agora é de 15 (quinze) dias úteis: sobre o prazo, ver comentário efetuado a seguir.

Ocorre que, como explicado em comentário anterior, quando a exibição de documento é apre-sentada contra “terceiro”, deve ser proposta demanda autônoma, que é processo de conhecimen-to, pelo rito comum. E no processo de conhecimento, pelo rito comum, o réu, via de regra, não é citado para responder aos termos da ação, ele é citado para comparecer na audiência de tentativa de conciliação do art. 334.

Desse modo, apesar dos termos aparentemente peremptórios do art. 401, o juiz pode perfei-tamente determinar a citação do terceiro, não para responder no prazo de 15 (quinze) dias, mas sim para comparecer em audiência de tentativa de conciliação regulada pelo art. 334, sendo que o prazo para responder (se não houver acordo) será então regulado pelo art. 335.

VII. O prazo do terceiro para responderIndependentemente do explicado no comentário anterior, deve ser realçado que, como se trata

de citação em processo de conhecimento, para a contagem do prazo de 15 (quinze) dias para responder aplicam-se as regras normais, comuns a todos os demais processos, com as que es-tabelecem o termo inicial de contagem do prazo (art. 231), e que o prazo, por ser processual, é contado em dias úteis (art. 219).

VIII. Conteúdo da resposta do terceiroVer em comentário ao art. 402.

Art. 402 - Se o terceiro negar a obrigação de exibir ou a posse do documento ou da coisa, o juiz designará audiência especial, tomando-lhe o depoimento, bem como o das partes e, se necessário, o de testemunhas, e em seguida proferirá decisão.

I. O “terceiro”

Ver em comentário ao art. 401 observações e críticas à expressão “terceiro”, utilizada pelo legislador nos arts. 401 a 404.

II. Conteúdo da resposta do terceiro

O art. 402 dá a impressão de que as únicas alternativas de comportamento do terceiro – no momento em que deve apresentar a sua resposta – seriam afirmar que não possui o documento ou a coisa, ou negar a obrigação de exibi-lo. Na verdade, seguindo o já explicado em comentário ao art. 398, existem três diferentes atitudes que o terceiro pode tomar.

Art. 402

Page 263: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

654

Marcos André Franco Montoro

A primeira alternativa é apresentar o documento ou a coisa. Esse tipo de comportamento pode em tese caracterizar reconhecimento jurídico do pedido. E então, após regular vista ao autor, bastaria ao juiz proferir sentença, na qual inclusive deverá estabelecer os ônus da sucumbência. Contudo, existe forte controvérsia jurisprudencial, principalmente em processos ajuizados com base nos arts. 844 e 845 do CPC/1973, se o terceiro que apresenta espontaneamente o documento ou a coisa, ou ainda não opõe resistência à liminar que determinou a sua exibição, deve ou não ser responsabilizado pelos ônus da sucumbência.

A segunda alternativa é o terceiro não apresentar o documento ou a coisa nem responder aos termos da demanda. Nesse caso, ocorre revelia (art. 344), sendo que, se forem produzidos os efeitos da revelia (art. 345), isso deverá ser levado em conta pelo juiz no momento seguinte do processo, quando deve proferir as decisões previstas no art. 403, caput e parágrafo único.

A terceira alternativa é o terceiro não apresentar o documento ou a coisa e impugnar o pedido de exibição. Essa terceira alternativa se subdivide em 4 (quatro) possibilidades, dependendo do conteúdo da impugnação.

i) O terceiro pode impugnar o pedido afirmando que não possui o documento ou a coisa. Esse comportamento é previsto e regulado inicialmente pelo art. 402 (adiante examinado), e poste-riormente pelo art. 403.

ii) Outra possibilidade seria o terceiro concordar que possui o documento ou a coisa (ou não negar esse fato afirmado pelo requerente), mas alegar que não pode (ou não quer) apresentá-lo, jus-tificando sua recusa em um dos incisos no art. 404 ou em outro fundamento legal. Esse comporta-mento é inicialmente previsto e regulado pelo art. 402 (adiante examinado). A alegação do terceiro deverá ser apreciada pelo juiz, tendo inclusive em vista o art. 399, incisos I e III (aplicáveis ao ter-ceiro, como destacado em comentário feito a tais dispositivos). Se o juiz concluir que a recusa em apresentar o documento ou a coisa não é justa, deve então proferir as decisões previstas no art. 403.

iii) Tratando-se de resposta em processo de conhecimento, o terceiro pode apresentar qualquer tipo de defesa ou argumento que considerar necessário. A sua defesa não está restrita a possuir ou não o documento ou a coisa, ou ter ou não o dever de exibi-lo. Como o “terceiro” dos arts. 401 a 404 é verdadeiro réu em tal demanda, ele tem amplo direito de defesa garantido constitucionalmen-te (CF, art. 5º, inciso LV), e pode assim usar todas as armas e apresentar todos os argumentos per-mitidos pela legislação processual. E as partes deverão observar e o juiz aplicar as regras atinentes a cada tipo de defesa utilizada pelo terceiro, ou a cada argumento por ele apresentado.

iv) Por fim, nada impede que o terceiro, na mesma petição, cumule todas as – ou 2 (duas) das – 3 (três) possibilidades explicadas nos itens (i), (ii) e (iii).

III. Prazo do requerente para se manifestar sobre o documento ou a coisa apresentada ou sobre o conteúdo da resposta do terceiro.

Os arts. 396 a 403 não preveem qual é o prazo que o requerente tem para se manifestar sobre o documento ou a coisa apresentada pelo terceiro, nem o prazo para se manifestar sobre a resposta do terceiro, quando esse se recusa a apresentar o documento ou a coisa.

Se o terceiro apresenta o documento ou a coisa, a situação se enquadra no previsto no § 1º do art. 437, que estabelece prazo de 15 (quinze) dias para a parte se manifestar. E o requerente também pode pedir a dilação desse prazo, nos termos do § 2º do mesmo art. 437.

Se o terceiro não apresenta o documento ou a coisa, o requerente deve receber prazo para se

Art. 402

Page 264: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

655

Marcos André Franco Montoro

manifestar sobre a recusa. Nesse caso, o prazo dependerá de alguns fatores. Assim, como a recu-sa consta na contestação do terceiro, então é necessário apurar se, em razão do conteúdo de tal contestação, será dado prazo para o autor apresentar réplica, o que somente ocorre nas situações previstas nos arts. 350, 351 e 437; em todas essas hipóteses, como o prazo para réplica é de 15 (quinze) dias, esse também será o prazo para se manifestar sobre a recusa em exibir o documento. Mas se o conteúdo da contestação não se enquadrar no previsto nos arts. 350, 351 e 437, então, em tese, não deve ser concedido prazo para réplica; mas, mesmo assim, deve ser concedido prazo para o autor se manifestar sobre a recusa do terceiro em apresentar o documento ou a coisa; em tal situação, não existe prazo fixado em lei, cabendo ao juiz estabelecê-lo; na omissão do juiz, o prazo é o de 5 (cinco) dias previsto no § 3º do art. 218.

IV. A instrução probatória prevista no art. 402Em comentário anterior foi explicado que entre as atitudes que o terceiro pode tomar estão

negar possuir o documento ou a coisa ou negar a obrigação em exibi-lo. Quando qualquer uma dessas situações ocorre, aplica-se o art. 402, que determina a realização

de audiência especial, na qual é tomado o depoimento do terceiro, das partes e, se necessário, das testemunhas. São várias as observações decorrentes desse dispositivo, aparentemente simples, mas que regula (insatisfatoriamente) a instrução probatória na ação de exibição de documento ou coisa contra terceiro.

Inicialmente, a efetiva necessidade de instrução probatória, e o seu objeto, vai depender do conteúdo da resposta do terceiro. Se esse somente negar ter a posse do documento ou da coisa, a instrução provavelmente será necessária, e terá por objeto só apurar se o terceiro possui ou não o documento ou a coisa. Mas se o terceiro não negar que possui o documento ou a coisa, mas ale-gar que não tem obrigação de exibi-lo, então pode ser que a instrução não seja necessária, que a questão seja somente de direito; em tal hipótese geralmente não é necessário realizar a instrução, apesar dos termos aparentemente peremptórios do art. 402, devendo o juiz proferir as decisões reguladas no art. 403, caput e parágrafo único.

O art. 402 menciona que deve ser marcada audiência “especial”. Todavia, a audiência men-cionada em referido dispositivo não tem nada de especial, ela não difere da audiência comum de instrução (art. 358 e ss.). Inclusive, também se aplicam, para a colheita da prova oral em tal audiência, as regras que regulam o depoimento pessoal das partes e o de testemunhas.

O art. 402 estabelece expressamente que o terceiro e as partes serão ouvidos em audiência. Ocorre que o “terceiro”, em tal processo, é a parte ré. Então, quem são as partes mencionadas no art. 402? Aqui o legislador está se referindo às partes do processo original, no qual o documento ou a coisa será usado como prova; mas se não existe processo original (como explicado em co-mentários ao arts. 396 e 401), então o dispositivo deve ser interpretado como fazendo referência somente ao autor do processo de exibição proposto contra o “terceiro”.

E como o art. 402 faz expressa referência ao depoimento do terceiro e das partes, esses devem ser inquiridos independentemente de pedido de qualquer um dos litigantes. Mas o juiz pode dis-pensar o depoimento de qualquer um desses, caso entenda que a prova é desnecessária.

Realizada a instrução, a etapa seguinte do processo está regulada no art. 403.

V. O art. 402 e o ônus da prova

O art. 402 não estabelece quem tem o ônus da prova na instrução probatória prevista em tal dispositivo. Assim, aplicam-se as regras normais sobre o ônus da prova (art. 373).

Art. 402

Page 265: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

656

Marcos André Franco Montoro

Se o terceiro nega que tenha algum dia recebido o documento ou a coisa, o ônus da prova de que ele recebeu o documento ou coisa é do autor, eis que esse último alegou fato constitutivo do seu direito (de examinar o documento ou a coisa), e tal fato foi negado pelo terceiro (art. 373, inciso I).

Já se o requerido, na sua resposta, concorda que anteriormente teve a posse do documento ou da coisa, mas que agora não tem mais a sua posse (por qualquer razão), então o que o terceiro está fazendo, em tal exemplo, é alegar fato impeditivo do direito do autor. E o ônus da prova do fato impeditivo é de quem o alegou (art. 373, inciso II), no caso, do terceiro.

De outro lado, se a controvérsia fática não é sobre a posse do documento ou da coisa, mas sim se o terceiro tem o direito de se recusar a exibi-lo (se a recusa é justa ou injusta), então, a princí-pio o ônus da prova é do autor, que deve provar que tem o direito de examinar o documento ou a coisa (obviamente, se não for questão exclusivamente de direito).

Todavia, pode acontecer de o terceiro não negar o direito do autor em examinar o documento ou a coisa, mas alegar outro fato, outra questão, que, se provada, lhe daria o direito de se recusar a exibir; por exemplo, quando ocorre uma das hipóteses do art. 404. Ora, essa alegação do ter-ceiro é, dependendo da situação, fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. E, nesse caso, o ônus da prova será do terceiro (art. 373, inciso II).

Por fim, também é possível ocorrer a inversão do ônus da prova. Sobre o tema, ver comentá-rios efetuados ao parágrafo único do art. 398.

VI. Após a instrução, o juiz proferirá decisão: sentença (final ou parcial) ou decisão in-terlocutória?

Na parte final do art. 402 do CPC/2015, determina-se que, finalizada a instrução probatória, o juiz proferirá “decisão”.

No CPC/1973 a regra a sistemática é diferente, pois o seu art. 361 estabelece que o juiz deve proferir “sentença”.

A regra do CPC/2015 é melhor, pois a decisão a ser proferida ao final da instrução poder ser – e normalmente será – sentença (final ou parcial), eventualmente pode ser decisão interlocutória, dependendo de alguns fatores, a seguir examinados. O art. 402 não estabelece expressamente se o juiz dever proferir sentença ou decisão interlocutória, dando assim ao magistrado poder para exarar o tipo de decisão que considerar mais adequada ao caso concreto, tendo em vista inclusive a necessária rapidez na prestação da tutela jurisdicional (CF, art. 5º, inciso LXXVIII; CPC/2015, art. 4º).

Se o juiz conclui que o terceiro não possui o documento ou a coisa, ou ainda que a sua recusa em o exibir é justa (por ser baseada em hipótese estabelecida no art. 404, ou em outro funda-mento), então não deve ser proferida decisão interlocutória, mas sim sentença final, julgando o processo improcedente. E, nessa situação, não se aplicará posteriormente o previsto no art. 403.

De outro lado, o juiz pode concluir que as defesas apresentadas pelo terceiro devem ser rejei-tadas, e que o documento ou coisa deve ser exibido. Nessa situação, o juiz deve proferir decisão na qual i) afasta as alegações de defesa apresentadas pelo terceiro e ii) acolhe o pedido do re-querente e assim estabelece a obrigação em exibir o documento ou a coisa, nos termos previstos no caput do art. 403. Ocorre que esse tipo de decisão é uma sentença de mérito, na qual o juiz aprecia os argumentos do autor e do réu e julga o pedido (art. 487, inciso I).

Art. 402

Page 266: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

657

Marcos André Franco Montoro

Desse modo, no momento previsto no art. 402, o juiz normalmente proferirá sentença. O pro-blema é que contra a sentença cabe apelação, que de ordinário tem efeito suspensivo (art. 1.012). E o comando presente na sentença – a exibição do documento ou da coisa – fica suspenso. E as medidas previstas no art. 403 e respectivo parágrafo único também não podem ser aplicadas (executadas) enquanto não julgada a apelação.

Uma possível solução para esta questão seria a concessão de tutela provisória (arts. 294 a 311, que parte da doutrina prefere denominar de medidas de urgência) antes de a sentença ser proferi-da, eis que, então, a apelação teria efeito somente devolutivo (art. 1.012, inciso V).

Outra alternativa seria o juiz proferir “sentença parcial”, prevista no art. 356 do CPC/2015 (que a denomina de Julgamento Antecipado Parcial do Mérito). Assim, dependendo do conteúdo dos argumentos das partes, o juiz considera mais adequado proferir sentença parcial, decidindo parte das questões, sem encerrar o processo, e desde já determinando a exibição do documento ou da coisa (nos termos estabelecidos no caput do art. 403). Outro exemplo seria quando o autor pleiteia a exibição de mais de um documento ou coisa, e o juiz decide somente a pretensão rela-cionada com determinado documento ou coisa.

Todavia, a utilização da sentença parcial pode não ser satisfatória – ou mesmo possível – nos processos nos quais a sentença denominada de parcial na verdade resolve todas as questões ob-jeto do processo. O operador do Direito deve estar atento, pois a utilização errada do instituto restará por criar mais confusões processuais do que benefícios.

Apesar de pouca aplicação na prática, não pode ser descartada a possibilidade de que, em al-guns casos, o juiz, no momento do art. 402, possa proferir decisão interlocutória. Aliás, do ponto de vista da necessária tempestividade da tutela jurisdicional, o mais recomendável seria que o magistrado proferisse decisão interlocutória, contra a qual cabe agravo de instrumento (que de ordinário não tem efeito suspensivo).

Necessário apontar que parte da doutrina tem defendido que a decisão proferida na ação au-tônoma de exibição, movida contra o terceiro, teria sempre natureza de decisão interlocutória.

VII. Recurso cabível contra a decisão do pedido de exibição formulado contra terceiro: agravo de instrumento ou apelação?

Ver, sobre o tema do cabimento recursal, comentário ao art. 400, cujas explicações também se aplicam quando o pedido de exibição é contra terceiro.

Acrescente-se somente que para a corrente doutrinária que defende que a decisão proferida na ação de exibição contra terceiro seria sempre decisão interlocutória, então o recurso cabível seria sempre o agravo de instrumento, em razão do previsto no art. 1.015, inciso VI.

Art. 403 - Se o terceiro, sem justo motivo, se recusar a efetuar a exibição, o juiz ordenar-lhe-á que proceda ao respectivo depósito em cartório ou em outro lugar designado, no prazo de 5 (cinco) dias, impondo ao requerente que o ressarça pelas despesas que tiver.Parágrafo único - Se o terceiro descumprir a ordem, o juiz expedirá mandado de apreensão, requisitando, se necessário, força policial, sem prejuízo da responsabilidade por crime de desobediência, pagamento

Art. 403

Page 267: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

658

Marcos André Franco Montoro

de multa e outras medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar a efetivação da decisão.

I. O “terceiro”Ver em comentário ao art. 401 observações e críticas à expressão “terceiro”, utilizada pelo

legislador nos arts. 401 a 404.

II. Decisão na ação de exibição movida contra o “terceiro”No art. 402, anteriormente analisado, é previsto que, após ser feita a instrução, deve o juiz

decidir a ação de exibição de documento ou coisa apresentada contra terceiro.

Assim, o caput do art. 403 estabelece o conteúdo da decisão “positiva”, ou seja, quando é de-terminada a exibição do documento ou da coisa. O juiz somente aplica o art. 403 se afastar a de-fesa do “terceiro”, que é o réu em tal processo. Essa conclusão decorre de dois fatores. Primeiro, pelo fato de que o caput do art. 403 afirma, logo no seu início, que tal regra deve ser aplicada se ocorrer recusa “sem justo motivo”, ou seja, se a recusa foi considerada ilegítima pelo juiz, situa-ção que acarreta no estabelecimento da obrigação em exibir. Segundo, pelo teor completo do art. 403, caput e parágrafo único, que regulam as medidas relacionadas com a exibição compulsória do documento ou da coisa, o que somente tem sentido quando o pedido de exibição é acolhido, é julgado procedente.

Se a ação contra o terceiro for julgada improcedente, estabelecendo que ele não tem o dever de exibir o documento ou a coisa, então o art. 403 e parágrafo único não serão aplicados no caso concreto.

Os arts. 402 e 403 não estabelecem de forma expressa se a decisão “positiva” (que determina a exibição) deve ser exarada na forma de sentença final, sentença parcial (prevista no art. 356 do CPC/2015, que a denomina de Julgamento Antecipado Parcial do Mérito), ou mesmo decisão interlocutória. Tal questão é examinada em comentário ao art. 402.

III. A possível aplicação conjunta do art. 403, caput e parágrafo único, com as regras que regulam o cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer (arts. 536 a 537)

Conforme explicado em comentário ao art. 402, a decisão prevista no final desse dispositivo, que aplica o estabelecido no caput do art. 403, via de regra será proferida em sentença final ou parcial. O juiz julga procedente a ação autônoma de exibição contra o terceiro (na verdade réu em tal processo), condenando-o a exibir o documento, nos termos do caput do art. 403.

Ocorre que a sentença que decide a ação autônoma de exibição de documento movida contra o terceiro nada mais faz do que estabelecer uma obrigação de fazer, qual seja a de exibir o do-cumento ou a coisa. Como explicado em comentário ao art. 396, o objeto do pedido de exibição de documento ou coisa não envolve a transferência da posse ou da propriedade do documento ou da coisa, mas somente propicia a sua exibição. Por isso, a sentença proferida em tal demanda não estabelece uma obrigação de dar coisa certa, mas sim uma obrigação de fazer, de exibir o documento ou a coisa. Aliás, após realizada a exibição, o documento ou a coisa é devolvido ao apresentante.

Desse modo, no momento em que for aplicado o art. 403, caput e parágrafo único, tam-bém devem ser observadas as normas que regulam o cumprimento de sentença que reconheça a

Art. 403

Page 268: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

659

Marcos André Franco Montoro

exigibilidade de obrigação de fazer (arts. 536 e 537). Por tal motivo, em parte dos comentários seguintes serão feitas menções às regras presentes nesses últimos dispositivos.

IV. O caput do art. 403: visão geralConforme já ventilado, o caput do art. 403 somente é aplicado se o juiz acolher o pedido e

determinar a exibição do documento ou da coisa.

Em tal situação, o caput do art. 403 estabelece 3 (três) regras que regulam como deve ser proferida a ordem de exibição. Essas são: a) o depósito em cartório ou outro local; b) o prazo de 5 (cinco) dias; e c) o ressarcimento das despesas relacionadas com o depósito. Cada uma dessas regras é examinada em separado a seguir.

V. O caput do art. 403: depósito em cartório ou em outro lugarA primeira regra é que o terceiro deve efetuar o depósito do documento ou da coisa em cartó-

rio, ou em outro lugar a ser fixado pelo juiz. A questão do modo de realizar o ato de exibição – de-pósito – do documento ou da coisa já foi tratada em comentário ao art. 396, no qual foi explicado que a realização desse ato dependerá de os autos do processo serem físicos ou eletrônicos, bem como se o que deve ser depositado é documento ou coisa.

VI. O caput do art. 403: o prazo de 5 (cinco) diasO caput do art. 403 também estabelece que o prazo que o “terceiro” tem para apresentar o

documento é de 5 (cinco) dias. Trata-se de prazo processual, motivo pelo qual são 5 (cinco) dias úteis, nos termos do art. 219.

O prazo se inicia com a intimação do “terceiro”, que na verdade é a parte ré deste processo autônomo. Apesar de a regra mencionar expressamente a parte (“o terceiro”), a intimação pode – e usualmente deve – ser feita mediante intimação do advogado que o representa (art. 272). Todavia, se o terceiro não tiver advogado constituído, seja por ser revel, seja pelo fato de o seu advogado ter renunciado, a intimação deverá ser feita na sua própria pessoa, podendo ser por correio (art. 274).

Em determinadas situações especiais o juiz poderá estabelecer prazo superior a 5 (cinco) dias para a apresentação do documento ou da coisa. Essa dilação de prazo é autorizada pelo art. 139, inciso VI. A dilação de prazo pode ser necessária quando for patente que, no caso concreto, o depósito (exibição) do documento ou da coisa demande mais tempo do que o previsto no art. 403. Por exemplo, quando se tratar de depósito de coisa cujo transporte necessite de providências especiais.

VII. O caput do art. 403: o ressarcimento das despesas relacionadas com o depósito.A parte final do caput do art. 403, que estabelece o ressarcimento de despesas, deve ser exa-

minada com cuidado.

O ressarcimento de despesas é questão relacionada com a atribuição dos ônus da sucumbên-cia, sendo que o § 2º do art. 82 estabelece que a sentença condenará o vencido a ressarcir o ven-cedor das despesas que esse teve ao longo do processo.

Ocorre que o juiz somente aplica o caput do art. 403, e manda o terceiro (na verdade, réu de demanda autônoma) depositar (exibir) o documento ou a coisa, caso tenha concluído que o autor tem razão, que o terceiro tem a obrigação de exibir. Então, nessa situação, o terceiro foi derro-tado nesta ação autônoma de exibição, e cabe a ele ressarcir as despesas que o autor teve em tal demanda.

Art. 403

Page 269: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

660

Marcos André Franco Montoro

Ocorre que a parte final do caput do art. 403 estabelece uma regra diferente da regra geral anteriormente explicada. O dispositivo em exame regula a responsabilidade por uma despesa específica, que é a eventual despesa incorrida pelo terceiro para efetuar o depósito (exibição) do documento ou da coisa. Dependendo da situação em concreto, o terceiro pode ter despesas significativas para efetuar o transporte do documento ou da coisa para o cartório ou para o local determinado pelo juiz.

Assim, o caput do art. 403 estabelece que o “requerente”, qual seja o autor da ação autônoma de exibição, deve ressarcir o terceiro (réu dessa mesma ação) das despesas que tiver para efetuar o depósito, ou seja, para exibir o documento ou a coisa no local designado. A regra em exame não determina que o terceiro deve ser ressarcido de todas as despesas que teve na ação de exibição, mas somente das despesas que teve para efetuar o depósito (exibição) no local determinado pelo juiz.

A opção do CPC/2015 (neste particular repetindo o regulado no CPC/1973) foi estabelecer que, apesar de o terceiro ser responsável pelas demais despesas do processo (pois foi derrotado, sendo assim aplicado o art. 82, § 2º), não deve arcar com as despesas relacionadas com a reali-zação do depósito (exibição) do documento ou da coisa. Entendeu o legislador que tal despesa específica cabe ao requerente, autor da ação autônoma de exibição, pois o depósito (a exibição) é medida feita para atender o seu interesse em examinar o documento ou a coisa.

VIII. A previsão da aplicação de multa por descumprimento ou outras medidas ao se proferir a decisão prevista no caput do art. 403

O caput do art. 403 não prevê se, ao conceder prazo para o terceiro depositar (exibir) o documento ou a coisa, o juiz também pode e/ou deve desde logo estabelecer que, em caso de descumprimento de tal comando, haverá a incidência de multa ou a aplicação de outra medida de apoio, como as previstas no parágrafo único do art. 403 e nos arts. 536 e 537 (cuja aplicação neste momento está justificada em comentário anterior).

Veja-se que a aplicação de medidas de apoio, inclusive multas, não consta no caput do art. 403, somente está prevista no parágrafo único desse dispositivo, regra essa que disciplina o con-teúdo de outra decisão do juiz, a ser proferida se a primeira decisão (a do caput do art. 403) não tiver sido cumprida pelo terceiro.

Assim, surge a dúvida se, ao proferir a decisão prevista no caput do art. 403, pode ou não o juiz desde logo estabelecer sanções ou consequências em caso de descumprimento do seu comando. Em outras palavras, se no momento do caput do art. 403 podem ser determinadas medidas com as previstas no parágrafo único do art. 403 (que, na redação literal do CPC, seriam aplicadas ao se proferir nova decisão, posterior ao descumprimento da primeira decisão) e nos arts. 536 e 537. Duas diferentes interpretações são possíveis.

A primeira interpretação é que o juiz não pode, ao proferir a decisão prevista no caput do art. 403, estabelecer multa diária ou outra medida. Nessa linha de raciocínio, a omissão do legislador, em não estabelecer multa ou outras medidas no caput do art. 403, foi proposital, pois preferiu prever que somente no momento seguinte do procedimento, quando caracterizado o descumpri-mento da ordem, é que então o juiz poderia aplicar multa ou outra medida, conforme previsto no parágrafo único do art. 403. Mais ainda, não se aplica o previsto nos arts. 536 e 537, que seriam regras gerais, enquanto o art. 403 é a regra especial. Em suma, o legislador não permite a aplica-ção de multa ou outras medidas quando proferida a decisão do caput do art. 403, tendo somente previsto que a multa e outras medidas podem ser determinadas quando for proferida a decisão regulada no parágrafo único do art. 403.

Art. 403

Page 270: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

661

Marcos André Franco Montoro

A segunda interpretação possível, que é em sentido contrário ao anteriormente exposto, con-sidera que o juiz pode sim, ao proferir a decisão prevista no caput do art. 403, estabelecer multa diária ou outra medida. A base desse entendimento é que o caput do art. 403 não precisa prever expressamente a aplicação de multa ou de outra medida, pois o art. 139, inciso IV, já estabelece que o juiz sempre tem poder para determinar qualquer medida indutiva, coercitiva, mandamental ou sub-rogatória, com o objetivo de assegurar o cumprimento de ordem judicial. Mais ainda, a aplicação de multa e outras medidas também estão previstas nos arts. 536 e 537, que não colidem com o caput do art. 403, pelo contrário, o complementam. E o fato de o parágrafo único do art. 403 regular a possibilidade de aplicação de tais medidas não retira o poder do juiz de estabelecer a multa ou outra medida ao proferir decisão baseada no caput do art. 403. O parágrafo único teria assim a função de reforçar o comando genérico do art. 139, inciso IV, e não para retirar qualquer poder do juiz em outros momentos do processo (como quando profere a decisão prevista no caput do art. 403).

Essa segunda interpretação é a mais adequada, especialmente sob o enfoque da tempestivida-de e da efetividade da tutela jurisdicional.

IX. O parágrafo único do art. 403

O parágrafo único do art. 403 estabelece que, sendo descumprido o comando judicial de depó-sito (exibição) do documento ou da coisa, o juiz pode tomar diversas medidas, destinadas a dar efetividade ao que determinou.

A primeira medida prevista no parágrafo único do art. 403 é a expedição de “mandado de apreensão”. Trata-se, na verdade, do mandado de busca e apreensão, que, conforme previsto no art. 536, § 2º, deve ser cumprido por dois oficiais de justiça, aplicando-se, se necessário, o esta-belecido nos §§ 1º ao 4º do art. 846, caso exista a necessidade de arrombamento.

O parágrafo único do art. 403 também prevê que, para possibilitar o cumprimento do mandado de apreensão, o juiz pode requisitar apoio de força policial. A utilização do apoio da força poli-cial no cumprimento de mandado de busca e apreensão também está previsto e regulado nos arts. 536, §§ 1º e 2º, e 846, §§ 2º e 3º. E, em termos genéricos, a requisição de força policial pelo juiz também é autorizada nos arts. 139, inciso VII, 360, inciso III, e 782, § 2º.

O parágrafo único do art. 403 também menciona possibilidade de o terceiro incorrer em crime de desobediência, caso não exiba (deposite) o documento ou a coisa. O crime de desobediência está previsto no art. 330 do Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848/1940), do seguinte modo: “Art. 330. Desobedecer a ordem legal de funcionário público. Pena: detenção, de quinze dias a seis meses, e multa”. Outras regras do CPC/2015 também estabelecem a possibilidade de a parte incorrer em crime de desobediência em determinadas situações: arts. 524, § 3º, 529, § 1º, 536, § 3º, 846, § 3º, e 912, § 1º. O crime de desobediência também é mencionado no art. 26 da Lei do Mandado de Segurança (Lei nº 12.016/2009).

Por fim, o parágrafo único do art. 403 permite ao juiz estabelecer a incidência de multa e ou-tras medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias. Tal regra é decorrência do poder geral concedido ao juiz, previsto no art. 139, inciso IV, de determinar qualquer uma dessas medidas para assegurar o cumprimento de ordem judicial. Mais ainda, a aplicação de multa e outras medidas também estão previstas nos arts. 536 e 537 (cuja aplicação neste momento está justificada em comentário anterior).

Ao mencionar a possibilidade de aplicação de multa, o parágrafo único do art. 403 não especi-

Art. 403

Page 271: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

662

Marcos André Franco Montoro

fica se a multa seria em valor fixo, em percentual sobre o valor da causa, ou ainda com incidência diária, por dia de atraso (astreintes). Se a norma não limita o tipo de multa, o juiz pode aplicar qualquer uma dessas.

Ainda sobre a multa, recorde-se que a posição do STJ, interpretando regras do CPC/1973, é contra a aplicação de multa diária em exibição de documento ou coisa; todavia, em face das ex-plicadas regras expressas do CPC/2015, tal entendimento restritivo do STJ não mais se sustenta. Essa questão é explicada de forma detalhada em comentário ao parágrafo único do art. 400.

Art. 404 - A parte e o terceiro se escusam de exibir, em juízo, o documento ou a coisa se:I - concernente a negócios da própria vida da família;II - sua apresentação puder violar dever de honra;III - sua publicidade redundar em desonra à parte ou ao terceiro, bem como a seus parentes consanguíneos ou afins até o terceiro grau, ou lhes representar perigo de ação penal;IV - sua exibição acarretar a divulgação de fatos a cujo respeito, por estado ou profissão, devam guardar segredo;V - subsistirem outros motivos graves que, segundo o prudente arbítrio do juiz, justifiquem a recusa da exibição;VI - houver disposição legal que justifique a recusa da exibição. Parágrafo único - Se os motivos de que tratam os incisos I a VI do caput disserem respeito a apenas uma parcela do documento, a parte ou o terceiro exibirá a outra em cartório, para dela ser extraída cópia reprográfica, de tudo sendo lavrado auto circunstanciado.

I. O “terceiro”

Ver em comentário ao art. 401 observações e críticas à expressão “terceiro”, utilizada pelo legislador nos arts. 401 a 404.

II. Visão geral do art. 404

Em comentário ao art. 396 foram explicados tanto o poder do juiz em determinar a exibição de documento ou coisa quanto o dever de colaboração das partes e de terceiros no processo.

Todavia, o poder do juiz de determinar a apresentação de documento ou coisa não é ilimitado, existem situações na quais o possuidor do documento ou da coisa pode se recusar a apresentá-lo, não sendo então lícito que o juiz determine a sua exibição.

Assim, o art. 404 estabelece algumas situações nas quais o possuidor do documento ou da coisa pode se recusar a exibi-lo. São situações em que a recusa é legítima, é baseada em justo motivo.

Em função do determinado nos incisos V e VI do art. 404, verifica-se que tal artigo não con-tém rol taxativo, fechado. Pelo contrário, pode a lei prever (como efetivamente já estabelece) outras restrições à exibição judicial de documento ou coisa. E isso mesmo fora do CPC/2015.

Art. 404

Page 272: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

663

Marcos André Franco Montoro

III. O inciso I: documento ou coisa relacionado com negócios da própria vida da família

O inciso I do art. 404 estabelece que o possuidor do documento ou da coisa “concernente a negócios da própria vida da família” pode se recusar a exibi-lo.

Esse dispositivo tem relação direta com o inciso X do art. 5º da CF, que estabelece que: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

Todavia, tais regras devem ser interpretadas com moderação, pois a sua leitura ampla abrange-ria uma quantidade muito grande de documentos. Somente devem ser enquadrados nesta classifi-cação os documentos ou as coisas que sejam relacionados com questões da intimidade da família, e que não tenham direta relação com o objeto do processo no qual tal documento ou coisa será usado como prova.

O inciso I não deve ser aplicado quando a questão objeto do processo (no qual o documento ou a coisa serão usados como prova) for exatamente algo “concernente a negócios da própria vida da família”, por exemplo, em ação de divórcio, ou de interdição, ou de guarda de crianças ou adolescentes. Essa interpretação é baseada inclusive na regulamentação do depoimento pessoal das partes (art. 388, inciso III e parágrafo único), regras essas que, apesar de não serem aplicadas na exibição de documento ou coisa, estabelecem um adequado balizamento da norma em estudo.

IV. O inciso II: documento ou coisa cuja apresentação puder violar dever de honra

O inciso II do art. 404 estabelece que o possuidor do documento ou da coisa pode se recusar a exibi-lo quando isso “puder violar dever de honra”.

Esse dispositivo também tem relação direta com o inciso X do art. 5º da CF, transcrito no co-mentário antecedente, cujas observações igualmente se aplicam nesta situação.

Desse modo, o inciso II não deve ser aplicado quando a questão objeto do processo (no qual o documento ou a coisa serão usados como prova) for exatamente algo relacionado com o dever de honra e/ou sua violação, por exemplo, em ação na qual se pleiteia a condenação por danos morais decorrentes da conduta indigna do réu. Essa interpretação é baseada inclusive na regulamentação do depoimento pessoal das partes (art. 388, inciso II e parágrafo único), regras essas que, apesar de não serem aplicadas na exibição de documento ou coisa, estabelecem um adequado baliza-mento da norma em estudo.

V. O inciso III: documento ou coisa cuja apresentação puder redundar em desonra da parte ou de terceiro, bem como de parentes, ou representar perigo de ação penal

O inciso III do art. 404 estabelece que o possuidor do documento ou da coisa pode se recusar a exibi-lo quando sua publicidade “redundar em desonra à parte ou ao terceiro, bem como a seus parentes consanguíneos ou afins até o terceiro grau, ou lhes representar perigo de ação penal”.

Aplicam-se nesta hipótese as mesmas observações e ressalvas feitas nos comentários aos in-cisos I e II do art. 404.

Também importante mencionar que a parte final desse inciso, ao mencionar o perigo de ação penal, está se referindo à garantia constitucional de não produzir prova penal contra si mesmo. Aliás, o inciso ora examinado está em consonância com o caput do art. 379. E, para demonstrar a importância que o legislador dá a esse tema, relembre-se que o art. 388, inciso I, também esta-belece que a parte pode se recusar a prestar depoimento pessoal sobre fatos criminosos ou torpes que lhe forem imputados.

Art. 404

Page 273: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

664

Marcos André Franco Montoro

VI. O inciso IV: documento ou coisa cuja exibição acarrete a divulgação de fatos a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar segredo

O inciso IV do art. 404 estabelece que o possuidor do documento ou da coisa pode se recusar a exibi-lo quando esse contenha fatos protegidos por regra de sigilo, seja decorrente de relação profissional, seja por motivo do estado da pessoa.

Essa regra visa evitar que fatos cobertos pelo sigilo profissional sejam revelados no processo. Aliás, o sigilo profissional também é resguardado na regulamentação da prova oral, tanto no depoimento pessoal das partes (art. 388, inciso II e parágrafo único) quanto na oitiva de testemu-nhas (art. 448, inciso II).

Em relação ao advogado, as regras que protegem o sigilo profissional são os arts. 7º, inciso XIX, e 34, inciso VII, do Estatuto do Advogado e da OAB (Lei nº 8.906/1994).

Em relação ao árbitro, estabelece o § 6º do art. 13 da Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307/1996) que, no desempenho das suas funções, o árbitro deve proceder com discrição. Parte da doutrina aponta que, dessa regra, advém o dever de sigilo do árbitro. De qualquer modo, se existir previ-são de sigilo no regulamento – ou em qualquer outra regra estabelecida pelas partes – aplicado na arbitragem, o árbitro terá, sem dúvida, obrigação de sigilo profissional.

Outras áreas de atuação profissional na quais se costuma valorizar fortemente o sigilo profis-sional são os médicos e psicólogos. Todavia, o STF decidiu, no RE nº 91.218, que: “A obrigato-riedade do sigilo profissional do médico não tem caráter absoluto. A matéria, pela sua delicadeza, reclama diversidade de tratamento diante das particularidades de cada caso. A revelação do se-gredo médico em caso de investigação de possível abortamento criminoso faz-se necessária em termos, com ressalvas do interesse do cliente”.

VII. O inciso V: outros motivos graves que, segundo o prudente arbítrio do juiz, justifi-quem a recusa da exibição do documento ou da coisa

O inciso V do art. 404 estabelece que o possuidor do documento ou da coisa pode se recusar a exibi-lo quando o juiz, aplicando o seu prudente arbítrio, entender que existem motivos graves que justificam a não exibição.

O legislador busca nesta regra proteger situações que não se enquadrem nas reguladas nos demais incisos, mas que, na avaliação do juiz, mereçam ser protegidas, evitando-se a exibição de documento ou de coisa.

Dentro deste inciso pode ser enquadrada a corrente jurisprudencial que entende que o possui-dor de um documento não é obrigado a apresentá-lo quando já ocorreu prescrição para a proposi-tura de qualquer demanda envolvendo o fato objeto do documento ou da coisa. Nesse sentido, o STJ, ao julgar o REsp nº 1.046.497, assim decidiu: “Ocorrida a prescrição, não mais sobrevive o dever de guarda de documentos, sendo legítima a recusa fundada no transcurso do prazo prescri-cional. Pensar diferente seria impor à parte obrigação juridicamente impossível”. Em tal acórdão menciona-se ainda o art. 1.194 do Código Civil.

VIII. O inciso VI: documento ou coisa cuja exibição seja vedada por disposição legal

O inciso VI do art. 404 estabelece que o possuidor do documento ou da coisa pode se recusar a exibi-lo quando existir alguma regra específica, mesmo que fora do CPC, que vede ou justifique a recusa em efetuar a exibição.

Art. 404

Page 274: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

665

Marcos André Franco Montoro

O inciso em comento deixa claro que outras normas – inclusive de direito material – podem restringir a apresentação de documento ou de coisa em juízo. O inciso VI visa assim evitar qual-quer discussão tanto de que as restrições à exibição judicial de documento ou coisa somente poderiam estar previstas em regra processual quanto de que o rol do art. 404 seria taxativo.

Como exemplos de regras restritivas (à exibição de documento ou coisa), podem ser mencio-nados os arts. 1.190 e 1.191 do Código Civil (apesar do previsto no art. 421 do CPC/2015).

IX. O parágrafo único: dever de exibir somente parte do documento ou da coisa

O parágrafo único regulamenta situação em que somente parcela de determinado documento ou coisa se enquadrar em uma das restrições presentes nos incisos do art. 404.

A solução dada pelo parágrafo único é estabelecer que o possuidor do documento ou da coisa deverá exibir em cartório a outra parcela do documento ou da coisa (ou seja, a parcela que não se enquadra no previsto nos incisos), para que então seja extraída cópia reprográfica pelos auxi-liares da justiça, e lavratura de auto circunstanciado.

Apesar de essa solução ser adequada, quatro ressalvas devem ser feitas.

A primeira ressalva é que, para saber quais parcelas de um documento ou de uma coisa po-dem ser exibidas, e quais não devem ser exibidas, muito provavelmente será necessário exibir o documento como um todo para o juiz (ou para um dos seus auxiliares), sem que a outra parte tenha acesso ao seu conteúdo integral. Caberá ao magistrado – ou ao seu auxiliar, por delegação – decidir quais parcelas do documento ou da coisa devem ser exibidos. Essa sistemática parece ser inevitável, apesar de ela poder afetar o direito ao contraditório e ampla defesa do requerente da exibição, o qual, sem acesso ao inteiro teor do documento ou da coisa, não terá elementos para defender – até mesmo em eventual recurso – a sua exibição integral.

A segunda ressalva é que, dependendo das características e/ou dimensões do documento ou da coisa, a exibição em cartório pode eventualmente não ser a melhor opção. Pode ocorrer que, pelos mais variados motivos de ordem prática, o local mais adequado para efetuar a exibição não seja em cartório; esse ponto já foi tratado em comentário ao art. 396, quando se tratou do modo de realizar o ato de exibição. Então, apesar dos termos aparentemente peremptórios do parágrafo único do art. 404, o juiz pode determinar que a exibição parcial seja realizada em outro lugar que não o cartório (como, aliás, está previsto no art. 403).

A terceira ressalva é que nem sempre a forma adequada de documentação da exibição parcial será a extração de cópias reprográficas. Em especial, quando se tratar de exibição parcial de coisa, é mais provável que a documentação correta seja mediante o registro fotográfico ou cine-matográfico, os quais estão previstos no art. 422.

A quarta ressalva é que, em determinadas situações, a melhor solução não é aplicar o previsto no parágrafo único do art. 404, mas sim decretar segredo de justiça (art. 189), com a exibição integral do documento ou da coisa.

Por fim, relembre-se que o art. 421 também prevê a exibição parcial de livros e de documen-tos. Todavia, a regra do art. 421 não depende do enquadramento de tais documentos em alguma das situações reguladas pelos incisos do art. 404.

Art. 404

Page 275: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

666

Paulo Osternack Amaral

Art. 405 - O documento público faz prova não só da sua formação, mas também dos fatos que o escrivão, o chefe de secretaria, o tabelião ou o servidor declarar que ocorreram em sua presença.

AutorPaulo Osternack Amaral

I. Documento público e documento particularO documento público é o que se forma perante oficial público (escrivão, chefe de secretaria,

tabelião ou servidor), no exercício da função pública. Por exclusão, são particulares todos os demais documentos que não forem constituídos por agente público.

II. Autoria material e autoria intelectualA autoria material consiste na identificação de quem confeccionou o documento. É o respon-

sável pela criação do suporte sobre o qual o fato está representado. A autoria intelectual iden-tifica-se com o responsável pelo conteúdo das declarações prestadas. No documento público, a autoria material recai sobre a autoridade pública que o lavra e a autoria intelectual, sobre o autor da declaração.

III. Força probante do documento públicoO documento público faz prova da sua formação e dos fatos que ocorreram na presença do

oficial público. Disso decorre que a fé pública incide sobre a formação do ato e sobre tudo que se passou na presença do oficial. Assim, as declarações feitas pelo oficial público ostentam presunção de veracidade, o que dispensa o beneficiário do ato de produzir provas a esse respeito (CPC, art. 374, inciso IV). Contudo, tal presunção de veracidade é relativa, pois admite prova em contrário. A fé atribuída aos documentos públicos não pode ser recusada pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios (CF, art. 19, inciso II). As declarações feitas por particular ao oficial público não estão abrangidas pela fé pública e podem ser impugnadas por todos os meios de prova. Nesse caso, o documento público prova apenas que tal declaração foi prestada pelo particular ao oficial público, o que não equivale a reconhecer que o conteúdo de tal declaração seja verdadeiro.

IV. JulgadosA força probante do documento públicoSTJ“Documento público. Valor probante. O documento público faz prova dos fatos que o funcio-

nário declarar que ocorreram em sua presença. Assim, tratando-se de declarações de um particu-lar, tem-se como certo, em princípio, que foram efetivamente prestadas. Não, entretanto, que seu conteúdo corresponda à verdade” (STJ, 3ª T., REsp nº 37.173/SP, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJ de 26/9/1994, p. 25.646).

TJSP“[...] Escritura pública de declaração de união estável. Documento público contendo declara-

ções de um particular prova, em princípio, que as declarações foram prestadas, não, porém, que

Page 276: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

667

Paulo Osternack Amaral Art. 406

o conteúdo da declaração corresponde à verdade. Art. 364, CPC. [...]” (TJSP, 35ª Câmara de Direito Privado, ApCiv nº 0038886-59.2009.8.26.0000, Campinas, Rel. Des. Morais Pucci, j. em 4/5/2015).

A fé pública decorrente da declaração prestada por oficial público

TJPR

“[...] 1. Embora o Poder Judiciário venha agindo com cautela e rigor formal em relação à comprovação da mora, com a juntada do respectivo aviso de recebimento da notificação, fato é que, conforme alega o recorrente, a certidão do cartório que atesta ter sido a correspondência entregue no domicílio do devedor goza de fé pública, fazendo prova de seu conteúdo (art. 364, CPC). 2. Apelação à que dá provimento, cassando-se a sentença para o regular prosseguimento do feito” (TJPR, 17ª Câmara Cível, ApCiv nº 559.007-0, Foz do Iguaçu, Rel. Des. Francisco Jorge, DJPR de 19/5/2009).

“[...] 1. A notificação extrajudicial encaminhada por serventia de comarca diversa do endereço do devedor é plenamente eficaz para cumprir seus objetivos de informar sobre a inadimplência do contrato, ainda que não tenha sido entregue pessoalmente. 2. A fé pública outorgada pelo Estado a seus órgãos, agentes e delegados e por consequência, aos atos por eles praticados confere cre-dibilidade à certidão do Oficial do Cartório que confirma a entrega da notificação no endereço do devedor, conferindo-se assim a validade do ato questionado” (TJPR, 18ª Câmara Cível, Agravo Interno nº 760.299-9/01, Curitiba, Rel. Des. Luis Espíndola, DJPR de 18/10/2011).

Art. 406 - Quando a lei exigir instrumento público como da substância do ato, nenhuma outra prova, por mais especial que seja, pode suprir-lhe a falta.

I. A exigência de instrumento público para a validade do ato

A formalidade de que trata o art. 406 do CPC não se relaciona com a formação da convicção judicial a respeito de uma alegação de fato. Logo, não é norma de direito processual (direito pro-batório). Trata-se de norma de direito material. A exigência de instrumento público é requisito de validade do ato jurídico. São exemplos dessa exigência: a formalização de escritura pública acerca de bens imóveis com valor superior a 30 vezes o salário mínimo (CC, art. 108), os ne-gócios jurídicos firmados com cláusula de não valer sem instrumento público e a celebração de pacto antenupcial (CC, art. 1.640, parágrafo único).

II. A impossibilidade de suprimento do vício por outras provas

Quando a lei exigir o instrumento público como requisito de validade do ato, o descum-primento de tal formalidade implicará a sua invalidade (CC, art. 166, incisos IV e V). Esse vício não poderá ser suprido no processo por meio de outras provas. Não se trata de uma relação de hierarquia entre as provas, mas apenas de reconhecer a existência de limitação ao princípio do livre convencimento motivado (CPC, art. 371), imposta pelo direito material. Tal interpretação harmoniza-se com a regra segundo a qual a ausência de contestação não implica a presunção de veracidade dos fatos afirmados pelo autor se “a petição inicial não estiver acompanhada de instrumento que a lei considere indispensável à prova do ato” (CPC, art. 345, inciso III).

Page 277: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

668

Paulo Osternack Amaral Art. 407

III. JulgadosO instrumento público como substância do atoSTJ“[...] O ato de renúncia à herança deve constar expressamente de instrumento público ou de

termo nos autos, sob pena de invalidade. Daí se segue que a constituição de mandatário para a renúncia à herança deve obedecer à mesma forma, não tendo a validade a outorga por instrumento particular. [...]” (STJ, 3ª T., REsp nº 1.236.671/SP, Rel. Min. Massami Uyeda, Rel. p/ acórdão Min. Sidnei Beneti, DJe de 4/3/2013).

Impossibilidade de suprimento da falta do instrumento públicoTJPR“Apelação Cível. Pleito de adjudicação compulsória embasada em comprova de compra e ven-

da de bem imóvel e contrato de cessão de direitos. Ausência de prova da existência do imóvel em discussão. Certidões expedidas por cartórios de registros de imóveis que dão conta da inexistência do registro do apartamento adquirido pelo autor. Documentação particular que não supre a não compro-vação do direito através de documento público, sob pena de violação ao art. 366 do Código de Proces-so Civil. [...]. 2. Em feito de adjudicação compulsória, a ausência de comprovação quanto à própria existência do imóvel o qual se pretende a incidência da tutela jurisdicional acarreta a falta de interesse de agir. 3. ‘Quando a lei exigir, como da substância do ato, o instrumento público, nenhuma outra prova, por mais especial que seja, pode suprir-lhe a falta’ (art. 366 CPC)” (TJPR, 7ª Câmara Cível, ApCiv nº 382.887-5, Matinhos, Rel. Des. José Mauricio Pinto de Almeida, DJPR de 11/10/2007).

Art. 407 - O documento feito por oficial público incompetente ou sem a observância das formalidades legais, sendo subscrito pelas partes, tem a mesma eficácia probatória do documento particular.

I. Irregularidade do documento públicoO documento público é o que se forma perante oficial público, no exercício da função pública.

Sua regularidade pressupõe a confecção por agente competente e a observância de formalidades legais, tais como as exigidas para a validade da escritura pública (CC, art. 215, § 1º).

II. Eficácia particular do documento público irregularO documento público irregular assumirá a eficácia de documento particular, desde que o instru-

mento público não seja da substância do ato e que o documento seja subscrito pelas partes (v. CC, art. 221). Disso decorre que o documento público irregular não terá presunção de autenticidade das assinaturas, da regularidade das declarações prestadas pelas partes e das declarações feitas pelo oficial público dos fatos que presenciou. Contudo, caso o instrumento público seja da substância do ato, o descumprimento de tal formalidade não permite que o ato irregular seja aproveitado.

III. JulgadoAtribuição de eficácia particular a documento público irregularSTJ

“[...] Transação formulada por instrumento público sem observância das formalidades legais,

Page 278: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

669

Paulo Osternack Amaral Art. 408

sendo subscrito pelas partes, tem a mesma eficácia probatória do documento particular [...]” (STJ, 3ª T., REsp nº 2.055/MS, Rel. Min. Waldemar Zveiter, DJ de 17/9/1990, p. 9.507).

Art. 408 - As declarações constantes do documento particular escrito e assinado ou somente assinado presumem-se verdadeiras em relação ao signatário.Parágrafo único - Quando, todavia, contiver declaração de ciência de determinado fato, o documento particular prova a ciência, mas não o fato em si, incumbindo o ônus de prová-lo ao interessado em sua veracidade.

I. Documento particular

Considera-se particular o documento que não foi constituído por agente público no exercício da função pública. Repare-se que a regra do art. 408 do CPC não se aplica a todos os documentos particulares, mas apenas àqueles que estejam assinados.

II. A relevância da assinatura

A assinatura possui relevância porque a lei presume que o subscritor do documento particular é responsável pela autoria das declarações nele contidas. Tal presunção apenas existirá se não houver dúvida acerca da autenticidade do documento (CPC, art. 412, caput).

III. Eficácia probatória do documento particular

O documento particular não tem fé pública em relação à regularidade da sua formação, pois não emanou de um agente público. Logo, não haverá presunção legal de regularidade do ato. O documento particular poderá conter declaração de ciência em relação a determinado fato. Nesse caso, ele fará prova da declaração, mas não do fato declarado. Significa dizer que o documento prova apenas a existência da declaração nele constante, mas não prova que o seu conteúdo é verdadeiro. O conteúdo da declaração (fato declarado) deverá ser provado de acordo com o regime geral de distribuição do ônus da prova (CPC, art. 373). Não se aplica ao fato declarado em documento particular a presunção legal de veracidade (CPC, art. 374, inciso IV).

IV. Os efeitos do registro público do documento particular

O dispositivo presume a veracidade das declarações constantes do documento particular ape-nas em relação aos signatários (CC, art. 219). Para que surta efeito perante terceiros, é necessário que seja submetido a registro público (CC, art. 221, caput).

V. Julgados

Presunção relativa de veracidade das declarações

STJ

“[...] O documento particular faz prova da declaração, mas não do fato declarado; seu con-teúdo é invocável apenas em relação aos subscritores e não a terceiros; e que a veracidade das declarações nele contidas é de natureza juris tantum. [...]” (STJ, 5ª T., AgRg no Ag nº 1.088.781/MG, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe de 11/5/2009).

Page 279: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

670

Paulo Osternack Amaral Art. 409

TJSP“[...] Declarações particulares que não se prestam a provar o fato declarado (art. 368, § único,

CPC), com a consequente rejeição da pretensão a lucros cessantes [...]” (TJSP, 27ª Câmara de Direito Privado, ApCiv nº 0017609-95.2010.8.26.0664, Votuporanga, Rel. Des. Mourão Neto, j. em 28/4/2015).

Ônus da prova em relação ao fato declaradoSTJ“[...] Quando a matéria devidamente alegada choca-se com a quitação passada no contrato

mediante documento particular cabe à parte o ônus de provar a veracidade daquela alegação, eis que o documento particular prova a declaração, mas não o fato declarado. [...]” (STJ, 3ª T., REsp nº 1.918/RS, Rel. Min. Waldemar Zveiter, DJ de 16/4/1990, p. 2876).

TJSP“[...] Declaração assinada, com firma reconhecida por semelhança, com efeito apenas em

face do emitente do documento (art. 368, ‘caput’, do CPC) – Fato declarado no documento não provado, que era ônus do interessado na veracidade. [...]” (TJSP, 12ª Câmara de Direito Privado, ApCiv nº 0007948-92.2004.8.26.0344, Marília, Rel. Des. Cerqueira Leite, j. em 15/4/2015).

Art. 409 - A data do documento particular, quando a seu respeito surgir dúvida ou impugnação entre os litigantes, provar-se-á por todos os meios de direito. Parágrafo único - Em relação a terceiros, considerar-se-á datado o documento particular:I - no dia em que foi registrado;II - desde a morte de algum dos signatários;III - a partir da impossibilidade física que sobreveio a qualquer dos signatários;IV - da sua apresentação em repartição pública ou em juízo;V - do ato ou do fato que estabeleça, de modo certo, a anterioridade da formação do documento.

I. Incerteza quanto à data do documento particularO art. 409 do CPC trata de incerteza acerca da data do documento particular. A dúvida pode

derivar da inexistência de indicação de data no documento ou da inserção de data equivocada.

II. Dúvida ou impugnação surgida entre os litigantesA dúvida ou a impugnação em relação à data do documento particular pode se estabelecer

entre os litigantes, assim entendidos os participantes da formação do documento. Nesse caso, a disputa acerca da data será dirimida pela produção de todos os meios de prova.

III. Eficácia do documento perante terceirosA segunda parte do dispositivo disciplina a eficácia do documento particular perante sujeitos

Page 280: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

671

Paulo Osternack Amaral Art. 409

que não participaram da formação do documento. Caso seja oposto um documento particular a terceiro e ele impugne a sua data, a lei presume que tal documento não foi datado em momentos posteriores aos previstos nos incisos I a V do parágrafo único do art. 409 do CPC. As hipóteses contidas nos incisos I a V são exemplificativas, o que se evidencia pela amplitude da hipótese prevista no inciso V (“do ato ou do fato”). Assim, presume-se que o documento foi datado (I) no dia registro (no Cartório de Títulos e Documentos, de Registro Civil, de Registro de Imóveis, etc.), (II) desde a morte de qualquer dos signatários, (III) a partir da impossibilidade física impe-ditiva a qualquer dos signatários de firmar o documento e (IV) no dia do protocolo, arquivamento ou juntada do documento na repartição pública ou em juízo. Se o caso concreto incidir em mais de uma hipótese objetiva para a aferição da data, prevalecerá a hipótese que determine a maior anti-guidade do documento. Caberá a produção de provas pela parte que tiver interesse em demonstrar que a data do documento particular não corresponde à presunção relativa estabelecida na lei.

IV. Julgados

Exigência de prova testemunhal para corroborar data de documento

STJ

“[...] 1. Imprescindível, para fins de comprovação do labor rurícola e a concessão do benefício de aposentadoria, a produção de início de prova material, contemporânea aos fatos, corroborada por prova testemunhal robusta e idônea. [...]” (STJ, 6ª T., AgRg no REsp nº 857.579/SP, Rel. Des. Conv. do TJSP Celso Limongi, DJe de 19/4/2010).

Prova da data da alienação de automóvel por outros meios

STJ

“Automóvel. Alienação. Recibo não registrado na serventia de registro de títulos e documen-tos. Possibilidade de determinar-se a data de sua elaboração por outros meios – CPC, Artigo 370, V” (STJ, 3ª T., REsp nº 24.601/MS, Rel. Min. Nilson Naves, Rel. p/ Acórdão Min. Eduardo Ribeiro, DJ de 14/12/1992, p. 23.920).

TAPR

“Acidente de trânsito. Veículo transferido em data anterior à do evento. Tradição igualmente comprovada. Prova de que o Réu/Denunciante não mais era o proprietário do bem. Elementos seguros acerca do fato. Confirmação da compra pelo próprio adquirente. [...]” (extinto TAPR, 9ª Câmara Cível, ApCiv nº 219.713-5, Cruzeiro do Oeste, Rel. Juiz Antônio Renato Strapasson, DJPR de 2/5/2003).

Data da apresentação do documento na repartição pública

TJSP

“[...] Compromisso de venda e compra formalmente datado de fevereiro de 2001. Reconhe-cimento da firma dos contratantes em outubro de 2008. Documento particular que se considera datado, em relação a terceiros (dentre outros), da sua apresentação em repartição pública. Artigo 370, inciso IV, do Código de Processo Civil. [...]” (TJSP, 29ª Câmara de Direito Privado, ApCiv nº 0064386-82.2008.8.26.0576, São José do Rio Preto, Rel. Des. Carlos Henrique Miguel Trevisan, j. em 11/3/2015).

“[...] Se há relevante dúvida quanto à data da elaboração do documento particular de venda e compra, considerar-se-á a data em que apresentado na repartição pública ou em juízo. Aplicabi-

Page 281: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

672

Paulo Osternack Amaral Arts. 410 e 411

lidade do art. 370, IV, do CPC. [...]” (TJSP, 30ª Câmara de Direito Privado, ApCiv nº 0190344-17.2009.8.26.0100, São Paulo, Rel. Des. Marcos Ramos, j. em 11/2/2015).

Art. 410 - Considera-se autor do documento particular:I - aquele que o fez e o assinou;II - aquele por conta de quem ele foi feito, estando assinado;III - aquele que, mandando compô-lo, não o firmou porque, conforme a experiência comum, não se costuma assinar, como livros empresariais e assentos domésticos.

I. Autoria e assinatura

O autor material do documento é o sujeito que o confeccionou. Já o autor intelectual identifi-ca-se com o responsável pelo conteúdo das declarações contidas no documento. Caso a autoria material e a intelectual recaiam sobre o mesmo sujeito, o documento será autógrafo. Quando o autor material e o intelectual são sujeitos distintos, o documento é chamado de heterógrafo.

II. Autoria do documento particular

Apenas a autoria intelectual assume relevância para a identificação do autor do documento particular. Os dois primeiros incisos do art. 410 do CPC atribuem a autoria do documento par-ticular (inciso I) a quem confeccionou e assinou o documento ou (inciso II) a quem solicitou a sua realização em seu próprio interesse. O inciso III destina-se a identificar a autoria dos docu-mentos que costumeiramente não são assinados. Muito embora o inciso III cite dois exemplos de documentos que não costumam ser assinados (“livros empresariais e assentos domésticos”), será considerado autor de um documento particular não assinado o sujeito que determinou a sua confecção, sendo irrelevante quem efetivamente o fez.

III. Julgado

A força probante dos documentos que não costumam ser assinados

STJ

“[...]. I - Não é imprescindível que o documento esteja, para embasar a inicial da Monitória, assinado, podendo mesmo ser acolhido o que provém de terceiro ou daqueles registros, como os do comerciante ou dos assentos domésticos que não costumam ser assinados, mas aos quais se reconhece natural força probante (CPC, art. 371). [...]” (STJ, 3ª T., REsp nº 164.190/SP, Rel. Min. Waldemar Zveiter, DJ de 14/6/1999, p. 186).

Art. 411 - Considera-se autêntico o documento quando:I - o tabelião reconhecer a firma do signatário;II - a autoria estiver identificada por qualquer outro meio legal de certificação, inclusive eletrônico, nos termos da lei;III - não houver impugnação da parte contra quem foi produzido o documento.

Page 282: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

673

Paulo Osternack Amaral

I. A autenticidade do documento particular

A autenticidade de que trata o dispositivo relaciona-se com a certeza de que o responsável pelo documento particular é o sujeito nele indicado. Caso o tabelião ateste que a assinatura cons-tante do documento foi aposta na sua presença, tal declaração do agente conferirá fé pública em relação à autoria do ato, gerando presunção relativa de veracidade.

II. O reconhecimento de firma

A autenticidade do documento particular pode ser comprovada por meio de reconhecimento de firma. Nesse caso, o agente público atestará que a assinatura existente no documento corres-ponde ao sujeito a quem ela é atribuída. O reconhecimento de firma poderá ser por semelhança ou presencial. Por semelhança, o oficial público comparará a assinatura que lhe é apresentada com outra que esteja registrada em seus arquivos (p. ex., autógrafos lançados em cartões pró-prios). No reconhecimento presencial a parte comparece perante o oficial, subscreve o documen-to na sua presença e tal circunstância é certificada com força de fé pública. Em qualquer das duas hipóteses a presunção será relativa, que poderá ceder diante de prova em contrário.

III. Falso reconhecimento de firma

O art. 300 do Código Penal dispõe que caracteriza delito reconhecer como verdadeira, no exercício da função pública, firma ou letra que não o seja.

IV. Autoria de documentos eletrônicos

Além do reconhecimento de firma pelo tabelião, admite-se a comprovação da autoria do do-cumento particular por qualquer outro meio legal de certificação. O inciso II do art. 411 alude expressamente à autenticação por meio eletrônico. A Lei nº 11.419/2006 dispõe sobre a informa-tização do processo judicial. O art. 1º, § 2º, inciso III, prevê duas formas para a assinatura ele-trônica: (i) assinatura digital baseada em certificado digital emitido por autoridade certificadora credenciada e (ii) mediante cadastro de usuário no Poder Judiciário, conforme disciplinado pelos órgãos respectivos. Em ambos os casos, o documento eletrônico particular será considerado autêntico.

V. Ausência de impugnação e presunção de autenticidade

O silêncio da parte em relação ao documento particular fará presumir que o tem por verda-deiro. Também implicará presunção de veracidade a admissão expressa pela parte acerca da au-tenticidade da assinatura ou da veracidade do contexto do documento particular. Contudo, caso o documento particular não contenha prévio reconhecimento de firma e sobrevenha impugnação tempestiva acerca de sua autenticidade, cessará temporariamente a fé do documento, até que seja comprovada tal situação (CPC, art. 428, inciso I).

VI. Julgados

Firma reconhecida de forma presencial ou por semelhança

STJ

“[...] O art. 369 do CPC, ao conferir presunção de autenticidade ao documento, quando o tabe-lião reconhecer a firma do signatário, declarando que foi aposta em sua presença, não excluiu a possibilidade de o julgador considerar cumprido o ônus do apresentante pela exibição de docu-mento cuja firma tenha sido reconhecida por semelhança. 3. Se, de um lado, o reconhecimento por semelhança possui aptidão, tão somente, para atestar a similitude da assinatura apresentada

Art. 411

Page 283: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

674

Paulo Osternack Amaral

no documento com relação àquelas apostas na ficha de serviço do cartório, também é certo que, assim como o reconhecimento de firma por autenticidade, tem a finalidade de atestar, com fé pública, que determinada assinatura é de certa pessoa, ainda que com grau menor de segurança. [...]” (STJ, 3ª T., REsp nº 302.469/MG, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe de 7/10/2011).

“[...] Impugnação da assinatura que é, via de regra, suficiente à cessação da fé advinda de documentos particulares. Inteligência do art. 388, I, do CPC. Reconhecimento da firma aposta no instrumento da alteração que, todavia, confere presunção de autenticidade ao documento. Art. 369 do CPC. Simples negativa de autoria do documento por parte do signatário que, nessas circunstâncias, não elide a presunção advinda do ato notarial. [...]” (TJSP, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Ag Instr nº 2047068-87.2015.8.26.0000, São Paulo, Rel. Des. Fabio Ta-bosa, j. em 18/5/2015).

Desnecessidade de autenticação de documentos

STJ

“[...] De regra, mostra-se desnecessária a autenticação de documentos carreados aos autos, na medida em que ‘o documento ofertado pelo autor presume-se verdadeiro, se o demandado, na res-posta, silencia quanto à autenticidade (CPC, Art. 372)’ (EREsp 179147/SP, Rel. Ministro HUM-BERTO GOMES DE BARROS, CORTE ESPECIAL, julgado em 01/08/2000, DJ 30/10/2000, p. 118) [...]” (STJ, 4ª T., REsp nº 999.799/DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe de 19/10/2012).

Ausência de impugnação das cópias não autenticadas

STJ

“[...] Deixando a parte de alegar a ausência dos documentos originais ou a sua autenticação no momento em que devia, ocorre a preclusão consumativa do seu direito para tanto. 4. Pacífico o en-tendimento nesta Corte Superior no sentido de que as cópias não autenticadas juntadas aos autos, e que não são impugnadas pela parte adversa no momento próprio, têm o mesmo valor probante dos originais. 5. Cópia xerográfica de documento juntado por particular merece legitimidade até demonstração em contrário de sua falsidade (CPC, art. 372). 6. Agravo regimental não provido” (STJ, 1ª T., AgRg no Ag nº 535.018/RJ, Rel. Min. José Delgado, DJ de 10/5/2004, p. 178).

Presunção de autenticidade dos documentos da inicial

TJPR

“[...]. Nos termos do artigo 372 do Código de Processo Civil, a presunção de autenticidade dos documentos que acompanham a inicial torna-se relativa somente quando os mesmos são impug-nados pela parte contrária” (TJPR, 16ª Câmara Cível, Ag Instr nº 690.323-7, Curitiba, Rel. Des. Lidia Maejima, DJPR de 11/11/2010).

Art. 412 - O documento particular de cuja autenticidade não se duvida prova que o seu autor fez a declaração que lhe é atribuída.Parágrafo único - O documento particular admitido expressa ou tacitamente é indivisível, sendo vedado à parte que pretende utilizar-se dele aceitar os fatos que lhe são favoráveis e recusar os que são contrários ao seu interesse, salvo se provar que estes não ocorreram.

Art. 412

Page 284: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

675

Paulo Osternack Amaral

I. Eficácia probatória do documento particular

O caput do art. 412 dispõe que o documento particular autêntico (assim reconhecido pelo ta-belião ou admitido pela parte contrária) prova que o seu autor fez a declaração que lhe é atribuí-da. Nas hipóteses previstas no caput do art. 412, a presunção de veracidade é relativa.

II. A indivisibilidade do documento particular

O documento particular é incindível, desde que admitido expressa ou tacitamente. Disso de-corre a impossibilidade de a parte aproveitar apenas a parcela do documento que lhe favorece, rejeitando as que repute contrárias a seus interesses. O documento será visto e valorado em sua integralidade. Contudo, caso o documento expresse vários fatos, admite-se que a parte prove pelos demais meios probatórios que um ou alguns deles são inverídicos.

III. Julgados

Presunção relativa de veracidade

STJ

“[...] A presunção de autenticidade de documento fornecido por empresa particular é mera-mente iuris tantum e cede em face de lei que determina a certificação por entidade profissional, com status de representante da categoria e, portanto, em condições de aferir questões alusivas à capacitação técnica. Recurso especial provido” (STJ, 2ª T., REsp nº 324.498/SC, Rel. Min. Fran-ciulli Netto, DJ de 26/4/2004, p. 158).

Indivisibilidade das informações contidas no documento

TJSP

“[...] Não pode o contribuinte aceitar somente os fatos que lhe são favoráveis, recusando os que são contrários ao seu interesse. Entendimento do art. 373, parágrafo único, do CPC [...]” (TJSP, 8ª Câmara de Direito Público, ApCiv nº 0006398-56.2010.8.26.0472, Porto Ferreira, Rel. Des. Ponte Neto, j. em 19/2/2014).

Art. 413 - O telegrama, o radiograma ou qualquer outro meio de transmissão tem a mesma força probatória do documento particular se o original constante da estação expedidora tiver sido assinado pelo remetente.Parágrafo único - A firma do remetente poderá ser reconhecida pelo tabelião, declarando-se essa circunstância no original depositado na estação expedidora.

I. A eficácia probatória dos meios de transmissão de dados

Os meios de transmissão de dados têm a mesma eficácia probatória do documento particular. Para tanto, basta que a via original constante da estação expedidora tenha sido assinada pelo remetente. Tal providência permitirá a eventual conferência da cópia transmitida com o original assinado. Presumem-se verdadeiras em relação ao signatário as declarações constantes dos meios de transmissão de dados.

Art. 413

Page 285: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

676

Paulo Osternack Amaral

II. O reconhecimento de firma

Caso a via original do documento contenha reconhecimento de firma por tabelião, tal circuns-tância deverá constar no documento que ficará depositado na estação expedidora e será informa-da na cópia transmitida.

III. Os protocolos via fax

O art. 413 do CPC deve ser interpretado em conjunto com a Lei nº 9.800/1999, que admite e disciplina a utilização de sistema de transmissão de dados e imagens tipo fac-símile ou outro similar para a prática de atos processuais que dependam de petição escrita. Exista ou não prazo para a prática do ato processual, se ele for realizado (transmitido) por fax, a via original deverá necessariamente ser apresentada em juízo em até cinco dias após a transmissão.

IV. Julgados

A admissão dos protocolos via fax

STJ

“[...]. 1. A legislação processual civil admite a interposição de peças processuais via fax, nos termos do art. 374, do CPC. 2. A regra, todavia, há que ser conjugada com o disposto no art. 2º, da Lei nº 9.800/99, que dispõe ser imprescindível a apresentação do respectivo original, dentro de cinco dias, a contar da interposição via fac-símile. Precedentes: EDcl no Ag 804704; Relator Ministro João Otávio de Noronha; 2ª Turma DJ 26.02.2007 p. 578; AgRg no CC 61903; Relator Ministro Humberto Gomes de Barros; 2ª Seção; DJ 07.12.2006 p. 269; AgRg no REsp 824.609/RS, 1ª Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, DJ de 1º.6.2006; EDcl no AgRg no Ag 756.696/MG, 5ª Turma, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJ de 18.12.2006. [...]” (STJ, 1ª T., AgRg no Ag nº 765.541/SP, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 9/4/2007, p. 228).

Admissão da interposição de recurso por telex

STJ

“Processual civil. Recurso interposto via telex: possibilidade. Embargos rejeitados. I - Por força do art. 374 do CPC, admite-se a interposição de recurso via telex. II - É tempestivo o recur-so, se o telex deu entrada no tribunal ad quem dentro do prazo legal. [...]” (STJ, 2ª T., EDcl no REsp nº 129.476/SP, Rel. Min. Adhemar Maciel, DJ de 15/12/1997, p. 66.361).

“[...] 1. Consoante iterativa jurisprudência, do pretório e desta corte, não se admite recurso por meio do telex, sem que o mesmo esteja autenticado, com o reconhecimento de firma do seu subscritor. [...]” (STJ, 6ª T., AgRg nos EDcl no REsp nº 34.758/RJ, Rel. Min. Anselmo Santiago, DJ de 6/10/1997, p. 50.061).

Art. 414 - O telegrama ou o radiograma presume-se conforme com o original, provando as datas de sua expedição e de seu recebimento pelo destinatário.

I. Presunção de conformidade com o original

Enquanto o art. 413 do CPC cuida da eficácia probatória das transmissões de dados, o art. 414 trata da fidelidade da transmissão em relação ao documento original. A presunção relativa de

Art. 414

Page 286: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

677

Paulo Osternack Amaral

conformidade da transmissão com o original existirá se houver prova da data da expedição e do recebimento pelo destinatário. A data da expedição do telegrama será de mais fácil comprovação e normalmente coincidirá com a data do seu recebimento pela estação receptora. A data do efe-tivo recebimento do telegrama pelo destinatário deve ser comprovada por um recibo de entrega.

II. Julgado

Conformidade dos telegramas com o original

TJPR

“[...] Sobre os documentos em fls. 13/14 (telegramas), de fato possuem ‘a mesma força pro-batória do documento particular, se o original constante da estação expedidora foi assinado pelo remetente’ (art. 374, CPC), contudo, ‘presume-se conforme com o original, provando a data de sua expedição e do recebimento pelo destinatário’ (art. 375, CPC). E, apesar ‘fonados’, constam juntados por autora/destinatária (fls. 13/14, exordial) sob forma original, datados de 17.01.03, efetivamente configurando-os hábeis patentear irregular conduta [...]” (TJPR, 8ª Câmara Cível, ApCiv nº 367.766-5, Curitiba, Rel. Des. Arno Gustavo Knoerr, j. em 10/10/2008).

Art. 415 - As cartas e os registros domésticos provam contra quem os escreveu quando:I - enunciam o recebimento de um crédito;II - contêm anotação que visa a suprir a falta de título em favor de quem é apontado como credor;III - expressam conhecimento de fatos para os quais não se exija determinada prova.

I. Cartas e registros domésticos

Cartas são escritos que veiculam uma declaração, uma mensagem ou o registro de um pensa-mento endereçado ao destinatário (outra pessoa ou grupo de pessoas). Registros domésticos são quaisquer anotações particulares informais (diários, agendas, blocos, etc.), destinados a permitir ao seu autor rememorar determinados fatos. Tanto as cartas quanto os registros domésticos se caracterizam por serem documentos formados unilateralmente.

II. Eficácia probatória contra o autor intelectual

As cartas e os documentos domésticos fazem prova contra o seu autor intelectual, isto é, con-tra quem efetivamente é o responsável pelo conteúdo escrito. Nesse caso é irrelevante a identifi-cação de quem elaborou o documento (autor material).

III. A relevância do conteúdo dos escritos

A regra do art. 415 do CPC deve ser interpretada de forma conjugada com o art. 408 do CPC, o que permite extrair a conclusão de que as cartas e registros domésticos, quando assinados, farão prova contra o seu signatário, independentemente do seu teor. Contudo, se tais documentos não estiverem as-sinados, somente fará prova contra o seu autor nas hipóteses enumeradas no art. 415 do CPC. O inciso I do art. 415 admite que tais documentos informais enunciem o recebimento de um crédito, tal como ocorre com o recibo ou instrumento de quitação, sendo que este conterá o valor e espécie da dívida qui-

Art. 415

Page 287: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

678

Paulo Osternack Amaral

tada, nome do devedor, ou quem por este pagou, o tempo e o lugar do pagamento, com a assinatura do credor, ou do seu representante (CC, art. 320, caput). A quitação valerá mesmo que não preencha todos esses requisitos, se de seus termos ou das circunstâncias resultar haver sido paga a dívida (CC, art. 320, parágrafo único). O inciso II trata de anotação que caracterize reconhecimento de débito pelo autor do documento. O inciso III traduz hipótese mais ampla que as anteriores, afirmando que o documento que expresse conhecimento de fatos, para os quais não se exija determinada prova (entendida como prova essencial à validade do ato no plano do direito material), faz prova contra o seu autor.

IV. JulgadosImprestabilidade da carta anônima para o processoSTJ“DOCUMENTOS. Carta anônima. Juntada aos autos. Decidiu-se, por maioria e de acordo

com o voto médio, manter apensadas por linha cópias de documentos de outros processos, deven-do ser destruídas as cartas anônimas” (STJ, 4ª T., AgRg no REsp nº 295.155/RJ, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 5/8/2002, p. 347).

Escrito unilateral prova contra o seu autorTJSP“COBRANÇA DE ALUGUERES. ALEGAÇÃO DE PAGAMENTO. FALTA DE SUBSTRA-

TO DOCUMENTAL PROBATÓRIO. Cerceamento de defesa. Não caracterização. Anotações em folhas de caderno onde referidos de forma imprecisa os supostos pagamentos. Desnecessidade de dilação probatória. O escrito unilateral só se presta a produzir prova contra o seu autor. Inteligên-cia do art. 376 do Código de Processo Civil. Recurso desprovido” (TJSP, 27ª Câmara de Direito Privado, ApCiv nº 0001827-04.2009.8.26.0302, Jaú, Rel. Des. Gilberto Leme, j. em 25/9/2012).

Art. 416 - A nota escrita pelo credor em qualquer parte de documento representativo de obrigação, ainda que não assinada, faz prova em benefício do devedor.Parágrafo único - Aplica-se essa regra tanto para o documento que o credor conservar em seu poder quanto para aquele que se achar em poder do devedor ou de terceiro.

I. Eficácia probatória de anotação em documentoA anotação relevante feita pelo credor em documento representativo de obrigação faz prova

em benefício do devedor. Não se exige que a nota esteja assinada pelo credor. Essa regra será aplicável tanto se o documento estiver em poder do credor quanto se ele se encontrar com o de-vedor ou com terceiro.

II. JulgadosInsuficiência da nota escrita sem identificaçãoTJPR“[...] De outro giro, não é possível a aplicação do artigo 377, do Código de Processo Civil, pois,

nestes casos, é necessária a valoração da prova e a peculiaridade do caso, e a simples anotação

Art. 416

Page 288: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

679

Paulo Osternack Amaral

de pago existente nas notas fiscais, desacompanhada de outra prova, não nos permite interpretar os fatos em benefício do devedor, até porque não se sabe quem efetuou a referida anotação, já que inexiste a assinatura do credor ou de seu representante ou, mesmo, indício algum que mostre que a referida inscrição tenha sido feito por este, embora, inexistente a assinatura. [...]” (TJPR, 6ª Câmara Cível, ApCiv nº 153367-9, Paranavaí, Rel. Des. Milani de Moura, DJPR de 4/3/2005).

Nota escrita do credor prova em favor do devedor

TJSP

“[...] Alegação de quitação fornecida pela instituição de ensino. Contrato de consumo. Artigo 320, parágrafo único do Código Civil, c.c art. 377 do CPC. Declaração dada pela autora de que nada constava em nome da ré. Interpretação favorável à devedora. [...]” (TJSP, 21ª Câmara de Direito Privado, ApCiv nº 0018916-26.2010.8.26.0554, Santo André, Rel. Des. Virgilio de Oli-veira Junior, j. em 9/11/2011).

TASP

“[...] Requerido que não nega o negócio, mas alega pagamento total. Comprovação de paga-mento parcial, conforme anotado no documento de compra e venda (parcela de R$30,00 no ato). Valor que deve ser abatido do título executivo. [...]. A propósito de considerar-se a observação no referido documento, como prova de pagamento, a autorização está no CPC, art. 377: ‘A nota escrita pelo credor em qualquer parte de documento representativo de obrigação, ainda que não assinada, faz prova em benefício do devedor’” (Extinto 1º TAC, 10ª Câmara, ApCiv nº 857.621-3, Itápolis, Rel. Juiz Enio Zuliani, j. em 23/3/2004).

Art. 416

Page 289: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

680

André Almeida Garcia

Art. 417 - Os livros empresariais provam contra seu autor, sendo lícito ao empresário, todavia, demonstrar, por todos os meios permitidos em direito, que os lançamentos não correspondem à verdade dos fatos.

AutorAndré Almeida Garcia

I. Alteração terminológicaPreocupou-se aqui legislador com mudanças apenas de ordem terminológica, sem alterar o

sentido da norma, substituindo a antiga expressão “livros comerciais” (CPC/1973, art. 378) por “livros empresariais”, e “comerciante” por “empresário”, em sintonia com o que já tem sido pra-ticado no ordenamento (CC/2002, arts. 966 e seguintes).

Continuam sendo, no entanto, livros empresariais, por exemplo, os mesmos livros diários, livro razão, livros fiscais, livro inventário, livro de apuração do lucro real, escrituração con-tábil digital, etc., ou seja, os documentos que, de modo geral, registram os atos e as atividades empresariais.

II. O “autor” dos livros empresariaisApenas a título de esclarecimentos, esse “autor” a que se refere o dispositivo é, por óbvio, o

sujeito que é responsável pela sua confecção, que pode ocupar tanto o polo ativo como o passivo na demanda judicial, isto é, pode figurar no processo tanto como “autor” quanto como “réu”.

III. Da disciplina da força probante dos livros empresariaisCabe aqui uma brevíssima reflexão: por qual razão, numa sociedade com uma pluralidade tão

diversa de relações, gerando toda a sorte de documentos, teria o legislador, em detrimento da regra geral abstrata do livre convencimento motivado do magistrado, optado por regulamentar especificamente a força probante dessa específica modalidade de prova documental, mantendo-se praticamente na integralidade a disciplina que já vigorava no regime anterior do CPC/1973?

Talvez a resposta a essa indagação esteja, ao menos em parte, em dispositivo do Código Penal (CP, art. 297, § 2º), que, para fins de enquadramento no tipo falsificação de documento público, equipara os livros “mercantis” a um documento público, disso acarretando ao infrator uma pena potencialmente mais grave do que aquela a que se submete quem falsifica um documento parti-cular (CP, art. 298).

Aliando-se a isso regras próprias inerentes ao sistema contábil que deve ser mantido pelo empresário e pela sociedade empresária (CC, arts. 1.179 e seguintes, e legislação especial), com escrituração, regida por solenidades especiais, que deve ser realizada e conservada por força le-gal, constata-se uma espécie diferenciada – ou especial – de documento particular a justificar um tratamento normativo também diferenciado (instrumentalidade).

IV. Da força probante dos livros empresariais: presunção x vinculação?No mais, quanto à “força probante” (título da subseção) dos livros empresariais, o dispositivo

encontra-se plenamente inserido no conceito geral dos documentos particulares: em princípio,

Page 290: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

681

André Almeida Garcia Art. 418

são produzidos justamente com o escopo de virem a servir de prova em sentido contrário àquele que o confeccionou, que, em princípio, não pode pretender utilizá-lo para se beneficiar.

Dessa forma, o artigo reproduz a regra geral de que os fatos representados no documento par-ticular são presumidamente verdadeiros em face daquele que o produziu, constante do art. 408, CPC/2015 (art. 368, CPC/1973); tratando, pois, da incidência dessa regra geral ao ramo empre-sarial, com suas especificidades, o legislador apenas acabou por exemplificar – ou até mesmo adotar uma postura pedagógica – de como seria a aplicação dessa presunção de veracidade; assim também o fez anteriormente a legislação civil, replicando o conteúdo da norma: CC, art. 226.

O empresário responsável pela escrituração contábil não poderá, em princípio, beneficiar-se do constante nos livros; todavia, se confirmarem algo em sentido contrário ao seu interesse, po-derão ser utilizados para dirimir algum ponto fático controvertido.

Contudo, tal qual ocorre no sistema probatório processual civil, não estará o juiz automática e necessariamente vinculado ao resultado indicado nesses livros empresariais, estando sua senten-ça absolutamente condicionada àquela constatação.

Com efeito, muito embora o dispositivo esteja na subseção que trata da “força probante dos documentos” – o que ainda revela manifesto resquício do legislador ao período em que vigorava o sistema da prova legal ou tarifada –, isso não significa que os livros empresariais terão neces-sariamente tal ou qual força probante única e exclusivamente por força daquilo que está aprioris-ticamente estabelecido na lei.

Afinal, no processo civil moderno, permeado pelas garantias e princípios constitucionais, ha-verá sempre de ser analisada a situação do caso concreto, cotejando-se todos os elementos pro-batórios existentes, atribuindo o magistrando, de maneira individualizada, a eficácia persuasiva de cada meio de prova produzido, indicando pormenorizadamente como influenciaram no seu convencimento (CF, art. 93; CPC/2015, art. 489, § 1º).

V. JulgadosProva em sentido contrário – presunção relativa“Cabe ainda registrar que é dever da empresa recorrente manter a correta escrituração dos seus

livros fiscais, fazendo estes inclusive prova em contrário com presunção relativa de veracidade, nos termos do art. o artigo 378 do CPC” (STJ, 2ª T., RMS nº 32.508/BA, Rel. Min. Eliana Cal-mon, votação unânime, j. em 16/5/2013, DJe de 24/5/2013).

“É dever da empresa recorrente manter a correta escrituração dos seus livros fiscais, fazendo estes inclusive prova em contrário com presunção relativa de veracidade. Assim dispõe o artigo 378 do CPC” (STJ, 2ª T., AgRg no Ag nº 1116433/MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, votação unânime, j. em 9/6/2009, DJe de 23/6/2009).

Art. 418 - Os livros empresariais que preencham os requisitos exigidos por lei provam a favor de seu autor no litígio entre empresários.

I. Alteração terminológica e escopo

Assim como no artigo anterior, o dispositivo teve apenas mudanças redacionais com relação ao CPC/1973, art. 379, para atualização terminológica.

Page 291: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

682

André Almeida Garcia Art. 419

Tem por premissa a existência de litígio entre empresários, ou sociedades empresariais, com relações comerciais escrituráveis, e tem sua ênfase no preenchimento dos requisitos legais pelos livros empresariais para que eles possam ser utilizados de modo a atestar a veracidade das afir-mações que neles estão contempladas.

II. Hipóteses de incidência e eficácia probatóriaA partir da leitura da norma, três possibilidades vêm à mente: os livros empresariais de ambas

as partes preenchem os requisitos (e, portanto, “provam a favor de seu autor no litígio”), ambos não preenchem ou apenas o de uma das partes preenche (sobre os requisitos, que podem ser in-trínsecos ou extrínsecos, CC, art. 226).

Em quaisquer dessas hipóteses, contudo, será necessário verificar as circunstâncias específi-cas do caso concreto para verificar se as informações obtidas com o cruzamento dos dados dos livros comerciais foram suficientes para dirimir a controvérsia fática existente; caso contrário, deverá o juiz valer-se de outros meios de prova para formar a sua convicção (atentando-se, con-tudo, para as circunstâncias restritivas da própria lei; cfr. p. ex., CC, art. 226, parágrafo único: exigência de escritura pública).

Afinal, mesmo os livros irregulares geram, quando muito, apenas uma presunção simples, relativa, em sentido contrário ao seu autor, fazendo com que sobre ele recaiam os ônus da prova caso sejam insuficientes os elementos probatórios quando vier a ser proferida a sentença.

III. Litígios entre empresários e não empresáriosAs ponderações que foram anteriormente lançadas merecem também incidir nos conflitos

judiciais que envolvem empresários e não empresários: muito embora a norma não preveja de modo expresso, não quer isso dizer que os livros empresariais regulares não possam ser utiliza-dos para dirimir determinada questão fática.

Art. 419 - A escrituração contábil é indivisível, e, se dos fatos que resultam dos lançamentos, uns são favoráveis ao interesse de seu autor e outros lhe são contrários, ambos serão considerados em conjunto, como unidade.

I. Indivisibilidade e comunhão da prova

Não houve alteração substancial com relação ao CPC/1973, art. 380; apenas pequenas modi-ficações de redação.

Trata-se de regra que se compatibiliza com o CPC, art. 412, parágrafo único, que dispõe também sobre a necessidade de aceitação do documento particular como um todo, por ser in-divisível. Assim é qualquer documento, por sua própria natureza conceitual: objeto material representativo da realidade. Ora, se tem por escopo representar a realidade, sendo um veículo de transporte dessa realidade, não há como pretender que se ignore seu conjunto, restringindo-se a apenas uma parte, de interesse daquele que invoca a sua utilização.

Além de compatível, portanto, com o mencionado CPC, art. 412, parágrafo único, e em conso-nância com o princípio da comunhão da prova, essa regra probatória, em específico, harmoniza-se com o a própria integridade da escrituração contábil.

Page 292: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

683

André Almeida Garcia Arts. 420 e 421

Assim, por força desse dispositivo, todos os elementos constantes da escrituração contábil regular poderão ser considerados pelo juiz, não havendo restrição quando a quem se beneficiará com o fim da controvérsia.

Verifica-se, nesse ponto, a busca pelo escopo social do processo, permitindo-se a pacificação com justiça, com a efetiva aplicação do direito pelo magistrado.

Art. 420 - O juiz pode ordenar, a requerimento da parte, a exibição integral dos livros empresariais e dos documentos do arquivo: I - na liquidação de sociedade; II - na sucessão por morte de sócio; III - quando e como determinar a lei.

I. Da necessidade de requerimento da parte

Há reprodução do antigo CPC/1973, art. 381, com as adaptações de redação.

A ampliação dos poderes instrutórios do juiz foi uma marca constante das anteriores reformas processuais e, principalmente, da evolução doutrinária e jurisprudencial. Diante das declaradas propostas desse Código de Processo Civil de 2015, não teria sido o momento de excluir esse “requerimento da parte” como condição para a exibição integral dos livros?

Ou, colocando de outro modo: mesmo com essa condição, poderá o juiz de ofício requerer a exibição dos livros? E se, por algum motivo, não interessar à parte contrária?

II. Sigilo empresarial

Em verdade, o legislador, além de condicionar o requerimento da parte, ainda elenca duas específicas hipóteses (liquidação de sociedade e sucessão por morte de sócio – cfr. CC, art. 1.191) em que essa exibição integral seria possível – situações, aliás, nitidamente justificáveis –, indicando, no inciso III, que se trataria mesmo de um rol taxativo, que restringe essa exibição integral apenas e tão somente para os casos que tiverem expressa autorização legal, tratando-se de preceito que se harmoniza com o sigilo dos livros empresariais (CC, art. 1.190).

Art. 421 - O juiz pode, de ofício, ordenar à parte a exibição parcial dos livros e dos documentos, extraindo-se deles a suma que interessar ao litígio, bem como reproduções autenticadas.

I. Exibição parcial

Também não foram feitas modificações nesse dispositivo (CPC/1973, art. 382).

Ao contrário do que foi visto no dispositivo anterior, por se tratar, aqui, de hipótese de exibi-ção apenas parcial dos livros comerciais, sem exposição de todas as transações realizadas pela empresa, o legislador entendeu possível a determinação de exibição de ofício por parte do magistrado.

Page 293: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

684

André Almeida Garcia Art. 422

Para que não fiquem os dados expostos, extrai-se a suma, um resumo, uma síntese certifica-da que poderá ser utilizada (reproduções autenticadas) com a mesma eficácia probatória que os próprios livros.

II. Proteção ao sigilo empresarialApesar de o dispositivo não conter qualquer limitação quanto ao que seria objeto da exibição

parcial, para evitar indevidas intromissões, conhecimentos de dados sigilosos e impertinentes à controvérsia submetida ao exame judicial, foi editada a Súmula nº 260 pelo Supremo Tribunal Federal, que assim delimitou o campo da exibição: “o exame de livros comerciais, em ação judi-cial, fica limitado às transações entre os litigantes”.

Art. 422 - Qualquer reprodução mecânica, como a fotográfica, a cinematográfica, a fonográfica ou de outra espécie, tem aptidão para fazer prova dos fatos ou das coisas representadas, se a sua conformidade com o documento original não for impugnada por aquele contra quem foi produzida. § 1º - As fotografias digitais e as extraídas da rede mundial de computadores fazem prova das imagens que reproduzem, devendo, se impugnadas, ser apresentada a respectiva autenticação eletrônica ou, não sendo possível, realizada perícia. § 2º - Se se tratar de fotografia publicada em jornal ou revista, será exigido um exemplar original do periódico, caso impugnada a veracidade pela outra parte. § 3º - Aplica-se o disposto neste artigo à forma impressa de mensagem eletrônica.

I. Evoluções tecnológicas

Esse dispositivo contempla inovações, incorporando ao CPC/2015 algumas das evoluções tecnológicas como as fotografias digitais, a internet e as mensagens eletrônicas, que abrangem todas as suas modalidades (e-mails, SMS, WhatsApp, etc.).

A novidade, com relação ao CPC/1973, foi a introdução da impugnação ou não como critério de validade da força probante dos documentos reproduzidos. Tinha havido, porém, tentativa nesse sentido no CC, art. 225.

Agora, contudo, há detalhes procedimentais definidos, validando e viabilizando, com isso, a adoção de todos esses novos meios de prova: se houver a impugnação da reprodução juntada pela parte contrária, afirmando que não corresponde ao documento original, terá de ser ou apresentada a autenticação eletrônica ou realizada perícia (o que vale tanto para as fotografias digitais como para o que foi obtido na internet, além das mensagens eletrônicas e perícias nas suas respectivas plataformas e/ou provedores/servidores).

Apenas convém frisar que, caso haja impugnação de fotografias digitais, com a realização de subsequente perícia, deverá o trabalho recair sobre o arquivo digital da foto (para descobrir se foi manipulado), e não sobre a fotografia digital em si – e muito menos sobre a fotografia impressa.

Page 294: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

685

André Almeida Garcia

Art. 423 - As reproduções dos documentos particulares, fotográficas ou obtidas por outros processos de repetição, valem como certidões sempre que o escrivão ou o chefe de secretaria certificar sua conformidade com o original.

I. Força probante das cópias

Com mudanças de redação e inclusão da figura do chefe da secretaria, não houve alteração na substância da norma (CPC/1973, art. 384): com a certificação pelo escrivão ou pelo chefe da secretaria, podem ser extraídas cópias dos autos com a mesma força probante dos documentos originais que se encontram juntados nos autos.

Art. 424 - A cópia de documento particular tem o mesmo valor probante que o original, cabendo ao escrivão, intimadas as partes, proceder à conferência e certificar a conformidade entre a cópia e o original.

I. Dispositivo anacrônico

Houve a reprodução literal do CPC/1973, art. 385, mas atualmente, s.m.j., seria dispensável o dispositivo: considerando-se a facilidade para reprodução (CPC, art. 423), não se compreende o motivo de intimar e convocar as partes para participar de conferência, certificando-se “a confor-midade entre a cópia e o original”.

Art. 425 - Fazem a mesma prova que os originais: I - as certidões textuais de qualquer peça dos autos, do protocolo das audiências ou de outro livro a cargo do escrivão ou do chefe de secretaria, se extraídas por ele ou sob sua vigilância e por ele subscritas; II - os traslados e as certidões extraídas por oficial público de instrumentos ou documentos lançados em suas notas; III - as reproduções dos documentos públicos, desde que autenticadas por oficial público ou conferidas em cartório com os respectivos originais; IV - as cópias reprográficas de peças do próprio processo judicial declaradas autênticas pelo advogado, sob sua responsabilidade pessoal, se não lhes for impugnada a autenticidade; V - os extratos digitais de bancos de dados públicos e privados, desde que atestado pelo seu emitente, sob as penas da lei, que as informações conferem com o que consta na origem; VI - as reproduções digitalizadas de qualquer documento público ou particular, quando juntadas aos autos pelos órgãos da justiça e seus auxiliares, pelo Ministério Público e seus auxiliares, pela Defensoria Pública e seus auxiliares, pelas procuradorias, pelas repartições públicas

Arts. 423, 424 e 425

Page 295: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

686

André Almeida Garcia Art. 426

em geral e por advogados, ressalvada a alegação motivada e fundamentada de adulteração. § 1º - Os originais dos documentos digitalizados mencionados no inciso VI deverão ser preservados pelo seu detentor até o final do prazo para propositura de ação rescisória. § 2º - Tratando-se de cópia digital de título executivo extrajudicial ou de documento relevante à instrução do processo, o juiz poderá determinar seu depósito em cartório ou secretaria.

I. Força probanteSem mudanças com relação ao que já estava previsto no CPC/1973, art. 365, apenas com a

inclusão do chefe da secretaria para certidões (inciso I) e da Defensoria Pública para reproduções digitalizadas, esse art. 425 e seus incisos preconizam que terão a mesma força probante que os documentos originais cópias, certidões, traslados e reproduções ali relacionadas.

Por uma interpretação literal, para que a eficácia persuasiva dessas cópias de fato seja a mes-ma dos documentos originais, bastaria a observância dos procedimentos descritos – e também que não haja impugnação.

II. Prova emprestadaTodavia, a extração dessas cópias muitas vezes tem por objetivo sua utilização em outro pro-

cesso, fazendo uso do que se convencionou chamar de “prova emprestada”. Por conta disso, há de se acautelar contra a ênfase do caput no sentido de que essas reproduções fariam “a mesma prova que os originais”: aqui, não se poderá considerar o termo pela acepção de eficácia persuasiva, pois diversas outras circunstâncias haverão de ser consideradas que certamente influenciarão de modo diverso na convicção do magistrado, como se poderá observar no exame mais aprofundado do tema.

Por conta disso, remete-se ao disposto no art. 372 deste novel diploma: “o juiz poderá admitir a utilização de prova produzida em outro processo, atribuindo-lhe o valor que considerar adequado, observado o contraditório”.

III. Julgados“Para ser considerado como elemento de prova, o extrato de banco de dados, conforme dispõe

o inciso V do art. 365 do CPC, deve ser atestado pelo seu emitente. No caso dos autos, todavia, o acórdão recorrido consignou que o documento em questão nada prova, pois é ‘apócrifo [...], sem assinatura, sem timbre, sem autenticação [...]’.” (STJ, 1ª T., AgRg no Ag nº 1357301/MG, Rel. Min. Benedito Gonçalves, j. em 13/3/2012, DJe de 15/3/2012).

“As certidões lavradas por Oficiais de Justiça têm fé pública de acordo com o disposto nos arti-gos 364 e 365 do CPC, contando, portanto, com presunção de legitimidade e veracidade, razão pela qual, qualquer alegação em sentido contrário deve apresentar robusta comprovação” (STJ, 5ª T., HC nº 128593/SE, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. em 13/8/2009, DJe de 14/9/2009).

Art. 426 - O juiz apreciará fundamentadamente a fé que deva merecer o documento, quando em ponto substancial e sem ressalva contiver entrelinha, emenda, borrão ou cancelamento.

Page 296: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

687

André Almeida Garcia

I. Livre convencimento motivado

Chama a atenção a alteração de advérbio constante de dispositivo que impõe o modo como deverá o juiz apreciar documento que “contiver entrelinha, emenda, borrão ou cancelamento”: livremente, dizia o CPC/1973, art. 386; fundamentadamente, é a nova redação do CPC/2015. No entanto, essa modificação terminológica não mudou a substância e o sentido da norma: o texto anterior dizia que juiz apreciaria “livremente” a fé que deva merecer o documento, ao passo que agora deverá fazê-lo “fundamentadamente”.

Em verdade, a liberdade do juiz sempre foi limitada pela própria racionalidade, que de-veria ser exposta justamente na motivação de sua decisão (daí o sistema probatório do livre convencimento motivado (CPC/2015, art. 371) também ser chamado de sistema da persuasão racional).

Ou, de outro modo: não há razão para visualizar nessa alteração qualquer modificação de con-teúdo: como o sistema de valoração da prova pátrio era, e ainda é, o do livre convencimento mo-tivado (ou da persuasão racional), o “livremente” do CPC/1973 era necessariamente interpretado como “livremente motivado” (ou fundamentado), do mesmo modo que o “fundamentadamente” do CPC/2015 deve ser sempre compreendido como “livremente fundamentado” (ou motivado). Motivação que sempre existiu, alçada a patamar constitucional (CF, art. 93, inciso IX), e refor-çada no CPC/2015, art. 489).

II. Vícios extrínsecos

Especificamente com relação aos efeitos que os vícios extrínsecos (entrelinha, emenda, borrão ou cancelamento) trarão para o documento, competirá mesmo ao magistrado, de acordo com sua capacidade de análise, reputar o quanto ainda pode ser utilizado ou não e qual a sua respectiva força probante, deixando isso de modo muito claro na motivação da decisão que proferir (CPC, art. 489).

Art. 427 - Cessa a fé do documento público ou particular sendo-lhe declarada judicialmente a falsidade. Parágrafo único - A falsidade consiste em: I - formar documento não verdadeiro; II - alterar documento verdadeiro.

I. Declaração de falsidade

Não sofreu alterações (CPC/1973, art. 387).

Existem algumas maneiras para que seja declarada a falsidade de um documento: inciden-talmente, por arguição de falsidade (CPC, art. 430); ação declaratória autônoma (CPC, art. 19, inciso II); ação rescisória (CPC, art. 966, inciso VI) e sentença penal. Dependendo de como isso ocorreu, a consequência processual será distinta, sobretudo se já tiver havido sentença lastreada justamente nessa prova.

De qualquer maneira, o essencial é que, uma vez reconhecida a falsidade do documento, a consequência lógica e automática será apenas desconsiderá-lo do conjunto probatório: a partir

Art. 427

Page 297: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

688

André Almeida Garcia

de então, ou amplia-se a atividade instrutória, com a produção de novas provas para suprir a ausência desse documento, ou então profere-se decisão com apoio nos elementos já disponíveis, se suficientes.

Art. 428 - Cessa a fé do documento particular quando: I - for impugnada sua autenticidade e enquanto não se comprovar sua veracidade; II - assinado em branco, for impugnado seu conteúdo, por preenchimento abusivo. Parágrafo único - Dar-se-á abuso quando aquele que recebeu documento assinado com texto não escrito no todo ou em parte formá-lo ou completá-lo por si ou por meio de outrem, violando o pacto feito com o signatário.

I. Ajuste terminológicoA redação do CPC/1973, art. 388, teve alterada apenas o verbete contestada por impugnada

apenas por ajuste terminológico.Conceitualmente, esse preceito encontra-se extremamente relacionado ao anterior, por impli-

citamente também versar sobre falsidade material de documento. Como se trata de um documen-to particular, a mera impugnação sobre a autenticidade (autoria) ou sobre seu conteúdo (quando assinado em branco) já abala a confiança no documento, esvaziando-se sua força probante até seja comprovada sua veracidade. Note-se que, com isso, a impugnação acaba por implicar um ônus probatório para aquele que deseja confirmar que o documento de fato representa a realidade do que aconteceu.

II. Assinatura em brancoCausa certa estranheza, no dispositivo, reproduzido do CPC/1973, a assinatura de papel em

branco. Talvez há 40 anos, quando havia mais confiança entre as pessoas, o número de exemplos pudesse ser mais recorrente; o fato, no entanto, é que não se cogita de muitas hipóteses em que ainda se adote essa prática de preservar um papel em branco assinado guardado com instruções a serem preenchidas de certa maneira caso tal circunstância se verifique. Esse tipo de acerto entre as pessoas não mais se verifica com habitualidade. Contudo, talvez a hipótese de assinatura sob coação, essa assim, ainda remanesça, a justificar a permanência do dispositivo.

Art. 429 - Incumbe o ônus da prova quando: I - se tratar de falsidade de documento ou de preenchimento abusivo, à parte que a arguir; II - se tratar de impugnação da autenticidade, à parte que produziu o documento.

I. Distribuição do ônus da prova

Em princípio, nos moldes do CPC/1973, art. 389, o legislador optou por manter a regra geral

Arts. 428 e 429

Page 298: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

689

André Almeida Garcia

do ônus da prova para a hipótese de falsidade documental, fixando que ele recairá sobre aquele que a arguir (sem prejuízo, no entanto, de o juiz, diante das circunstâncias do caso concreto, eventualmente optar pela sua inversão, adotando-se a técnica da distribuição dinâmica do ônus da prova (art. 373, § 1º, CPC).

No entanto, foi introduzida nova hipótese, em que optou o legislador para, também de maneira apriorística, definir que, em caso de impugnação de autenticidade do documento, aquele que o produziu terá de provar que ele é mesmo de sua autoria, supondo o legislador sua maior facili-dade para fazê-lo.

Aqui, da mesma forma, também será possível, dependendo das especificidades com que se deparar, constatando o magistrado algo que assim se justifique, haver eventual redistribuição desse ônus (caso, ao final, não existam elementos suficientes para a formação do convencimento do juiz).

Art. 429

Page 299: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

690

João Paulo Hecker da Silva

Art. 430 - A falsidade deve ser suscitada na contestação, na réplica ou no prazo de 15 (quinze) dias, contado a partir da intimação da juntada do documento aos autos.Parágrafo único - Uma vez arguida, a falsidade será resolvida como questão incidental, salvo se a parte requerer que o juiz a decida como questão principal, nos termos do inciso II do art. 19.

AutorJoão Paulo Hecker da Silva

I. Objeto

Tanto os documentos públicos quanto os particulares podem ser objeto do incidente de falsi-dade, desde que sejam essenciais para a solução do litígio e constituam pressuposto do próprio pedido feito pelas partes. É possível ainda arguir a falsidade de documento quando este possa influenciar diretamente no resultado da produção da prova no processo, a exemplo de documen-tos contábeis em uma perícia. Pode ser objeto do incidente de falsidade a falsidade material, ou seja, pode-se reconhecer o vício do documento em si, referente à sua formação ou a suas carac-terísticas físicas, tais como a que a assinatura aposta não é verdadeira ou que o documento foi ulteriormente manipulado para adulteração de seus dados. A falsidade ideológica, aquela voltada ao conteúdo do documento, não pode ser objeto de incidente de falsidade porque outra ideia, conteúdo ou realidade dos fatos nele expostos devem ser contestados via outros meios de prova, principalmente quando constituírem ato ou relação jurídica. Nesse caso, será necessário ajuizar demanda de nulidade ou anulação de ato jurídico, mas, se tal pedido tiver sido manejado na de-manda ou em reconvenção, nada impede que se instaure, nesse caso específico, o incidente de falsidade. Há, contudo, doutrina e jurisprudência que admitem, em casos que não pressuponham desconstituição de ato ou relação jurídica, o cabimento do incidente para arguir a falsidade do conteúdo do documento porque seu objetivo seria tão somente o reconhecimento de sua inviabi-lidade como meio de prova de determinado fato.

II. Natureza jurídica

O incidente de falsidade em sua essência é verdadeira ação declaratória incidental e, por isso, seu julgamento produz coisa julgada material se decidida em caráter principaliter (CPC, art. 430, parágrafo único, c.c. 503, caput, § 1º). A ausência do incidente de falsidade não impede que o juiz reconheça de ofício a falsidade de um documento se chegar a essa conclusão em razão das outras provas produzidas ou mesmo que a parte alegue a falsidade como argumento de defesa (CPC, art. 436, inciso III). Contudo, nesses casos, o julgamento a respeito da falsidade do docu-mento não fará coisa julgada material, gerando assim efeitos somente dentro do processo em que foi reconhecida, salvo se houver esse pedido específico, até mesmo em reconvenção (CPC, arts. 19, inciso II, 343 e ss. e 433).

III. Prazo

O incidente de falsidade, se não arguido na contestação ou na réplica, deve ser arguido no pra-zo preclusivo de 15 dias a partir da intimação da juntada do documento nos autos. A despeito de a

Page 300: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

691

João Paulo Hecker da Silva

parte poder arguir a falsidade a qualquer tempo no processo ou mesmo que possa o juiz de ofício reconhecê-la, o prazo de 15 dias é preclusivo no que se refere à qualidade de coisa julgada material da decisão que tratar da falsidade do documento. Caso o juiz prorrogue o prazo para manifestação das partes sobre o documento nos termos do art. 437, § 2º, do CPC, o prazo para a arguição do incidente será do mesmo modo prorrogado, porque sua arguição constitui uma das formas pelas quais a parte pode se manifestar a respeito de documento juntado aos autos. Na hipótese de se tomar conhecimento da falsidade do documento depois do prazo para sua arguição, nem por isso o juiz será impedido de processar o incidente. Isso porque o art. 223, § 2º, do CPC, determina ao juiz que permita a prática do ato se provada justa causa. Evidentemente que a verificação da justa causa para não se ter conheci-mento da falsidade de determinado documento no prazo de 15 dias de sua juntada aos autos não deve servir de salvo conduto para a parte desidiosa que deixou de proceder à análise intrínseca da prova. Na hipótese de falsidade de assinatura da própria parte, é natural que se tenha conhecimento dessa circunstância objetiva logo que se depara com o documento, não sendo possível utilizar o mesmo raciocínio no caso de assinatura de terceiro: para esses casuísmos é que a lei dispõe genericamente que se considera “justa causa o evento alheio à vontade da parte e que a impediu de praticar o ato por si ou por mandatário” (CPC, art. 224, § 1º). O prazo para a arguição da falsidade nesses casos é de 15 dias a partir da ciência da falsidade ou do momento em que passou a ser possível a sua arguição. Não será sempre necessário que a parte venha aos autos e peça para o juiz assinalar novo prazo, uma vez que a arguição de falsidade pode ocorrer nos autos juntamente e na mesma manifestação em que se prova a justa causa para sua não apresentação nos termos do art. 430, caput, do CPC.

IV. Legitimidade

São legitimados para requerer a instauração de incidente de falsidade a parte que não juntou o documento aos autos ou o Ministério Público quando atua como fiscal da lei. A legitimidade pas-siva é de quem trouxe o documento aos auto. Na hipótese de o documento vir aos autos por meio de terceiros (ofícios judiciais, perito judicial, assistente técnico, amicus curiae, etc.), o incidente de falsidade poderá ser manejado pela parte contra quem o documento é produzido ou por quem foi prejudicado, em face daquela parte que foi beneficiada com a juntada. É importante a defi-nição da legitimidade ativa e passiva especialmente para repartição dos ônus da sucumbência.

V. Suspensão

O incidente de falsidade não suspende o processo principal como era previsto no CPC/1973 (art. 394), nem tampouco a instrução do processo.

VI. Sucumbência

Nos termos do art. 85, § 1º, do CPC, o incidente de arguição de falsidade cuja decisão se re-quereu expressamente fosse feito em caráter principaliter tem o condão de obrigar ao vencido o pagamento de honorários advocatícios ao vencedor exatamente por sua natureza de ação decla-ratória incidental (CPC, art. 19, inciso II), assemelhada à reconvenção, expressamente referida em tal dispositivo. Da mesma forma, serão devidas ao vencedor do incidente as custas e despesas incorridas na arguição de falsidade, como honorários periciais, indenização de viagem, remune-ração do assistente técnico, diária de testemunha e demais despesas processuais (CPC, arts. 82, § 2º, e 84). É importante notar que pouco importa se o vencedor da arguição de falsidade sagrou-se do mesmo modo vendedor na ação principal porque os arts. 86 e 87 do CPC expressamente afastam a compensação de honorários ou a chamada sucumbência recíproca. Havendo litisconsortes, cabe ao juiz distribuir a sucumbência entre eles proporcionalmente e de forma expressa, sendo que em caso de omissão responderão todos de forma solidária (CPC, art. 87, §§ 1º e 2º).

Art. 430

Page 301: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

692

João Paulo Hecker da Silva

VII. Honorários advocatícios e quantificação

Nada obstante a grande dificuldade de se quantificar o conteúdo econômico de uma ação declaratória, o art. 292, inciso II, do CPC dispõe que o valor da causa na ação em que tiver por objeto a existência ou a validade de ato jurídico será o do ato ou o de sua parte controvertida. Dessa forma, como na arguição de falsidade documental se obtém a falsidade de um ato jurídi-co, evidentemente que os honorários advocatícios na arguição de falsidade devem ser fixados com base no conteúdo econômico do documento tido como falso. Caso tal documento não tenha conteúdo econômico definido, deverá o juiz fixar um valor por apreciação equitativa, nos termos do art. 85, § 8º, do CPC, sempre tendo em vista o conteúdo patrimonial em jogo com a pretensão declaratória. Em casos nos quais a arguição de falsidade for objeto de recur-so, o art. 85, § 11, do CPC permite ao Tribunal majorar os honorários fixados anteriormente levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal até o teto de 20% sobre o conteúdo econômico do documento em questão. Evidentemente que, se a arguição for decidida como mero incidente, não haverá condenação em honorários ou mesmo em custas ou despesas processuais.

VIII. Julgados

“Não cabe condenação em honorários advocatícios no incidente de falsidade” (STJ, 3ª T., REsp nº 757.846-GO, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. em 6/4/2006, DJ de 15/5/2006).

“Na via do incidente de falsidade documental somente se poderá reconhecer o falso ideoló-gico quando tal não importar desconstituição de situação jurídica” (STJ, 3ª T., AgReg REsp nº 1.024.640-DF, Rel. Min. Massami Uyeda, j. em 16/12/2008, DJ de 10/22009).

“Denunciação da lide em incidente de falsidade. Descabimento. Dissídio. Recurso não conhe-cido. Apresenta-se impertinente a denunciação da lide em incidente de falsidade. Não se confun-dem falsidade de assinatura e falsidade de documento. O enunciado da norma legal não se mostra imprescindível quando se evidenciam a questão federal e a tese desenvolvida” (STJ, 4ª T., REsp nº 2.544-SP, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo, j. em 19/6/1990, DJ de 6/9/1990).

“Incidente de falsidade documental. Legitimidade do Ministério Público. Falsidade ideológi-ca. Cabimento. Intempestividade. Possibilidade de se averiguar a falsidade de ofício e no curso do processo principal” (STJ, 2ª T., EDcl no REsp nº 257263-PR, Rel. Min. Franciulli Neto, j. em 17/5/2001, DJ de 1º/10/2001).

“Ação declaratória incidental. Falsidade de documento. Ajuizamento intempestivo. Prazo es-tipulado pelo art. 390 do CPC. Preclusivo. Extinção do processo. Manutenção. O prazo para a apresentação do incidente de falsidade é preclusivo” (STJ, AgRg no REsp nº 1273629-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. em 14/5/2010, DJ de 8/6/2010).

“Locação. Processual civil. Contrariedade ao art. 535 do Código de Processo Civil. Arguição genérica. Incidência da súmula n.º 284 do Supremo Tribunal Federal. Incidente de falsidade ideológica. Desconstituição da situação jurídica. Impossibilidade. 1. Quanto à suposta contra-riedade ao art. 535, inciso II, do Código de Processo Civil, não foram esclarecidas de maneira específica, quais as questões, objeto da irresignação recursal, não foram debatidas pela Corte de origem, incidindo, portanto, a Súmula n.º 284 do Pretório Excelso. 2. O incidente de falsidade ideológica será passível de admissibilidade tão somente quando não importar a desconstituição da própria situação jurídica. Precedentes. 3. Recurso Especial conhecido e desprovido” (STJ, 5ª T., REsp nº 717.216-SP, Rel. Min. Laurita Vaz, j. em 4/12/2009, DJe de 8/2/2010).

Art. 430

Page 302: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

693

João Paulo Hecker da Silva

Art. 431 - A parte arguirá a falsidade expondo os motivos em que funda a sua pretensão e os meios com que provará o alegado.

I. Pedido

É imprescindível que a arguição de falsidade exponha, como uma verdadeira petição inicial (CPC, art. 319 – em conteúdo e não forma), os fatos e fundamentos jurídicos da pretensão da parte. Isso significa que o pedido, além de fundamentado, deve ser certo e determinado, com a perfeita identificação do documento supostamente falso e no que consiste a falsidade. É impres-cindível também que sejam apontados os meios de prova que se pretende produzir para demons-tração da falsidade, sob pena de preclusão da produção de qualquer prova nos autos.

II. Forma

Não é necessário que a arguição de falsidade, quando apresentada com a contestação ou répli-ca, seja manejada em petição em separado, nem tampouco por meio de incidente a ser autuado em apartado. Em qualquer das hipóteses de cabimento, basta que a arguição de falsidade esteja contida no bojo das respectivas manifestações, devidamente identificada como tal.

III. Indeferimento liminar

Alegações genéricas de falsidade sem apontar no que ela consiste (p. ex., falsidade de assinatura, documento pós-datado, adulteração de determinado dado, troca de determinada página, etc.), que não tenham sido sanadas nos termos do art. 321 do CPC, geram o indeferimento liminar do incidente por absoluta violação ao contraditório e à ampla defesa (CPC, art. 321, parágrafo único). Da mesma for-ma, deve haver a exposição clara dos meios de prova de que a parte pretende se valer para demonstra-ção da falsidade, ou seja, uma clara especificação e justificação das provas a serem produzidas. Essa providência tem razão de ser, não só por constituir requisito formal, mas principalmente na necessária análise que o juiz deve fazer a respeito da pertinência da prova requerida com a demonstração da fal-sidade arguida pela parte. A exemplo de uma evidente correlação lógica entre um pedido de perícia datiloscópica para caso de falsidade de assinatura, o juiz deve questionar seriamente o cabimento de incidente que se baseia em prova testemunhal em um caso que demanda prova pericial.

IV. Ônus da prova

O ônus da prova é de quem argui a falsidade do documento (CPC, art. 429, inciso I). Caso o juiz opte por distribuir diversamente o ônus da prova, a exemplo do art. 373, § 1º, do CPC, deve-rá fazê-lo por decisão fundamentada não só dando à parte efetiva oportunidade de se desincumbir desse ônus, mas também se atendando para que o encargo não seja impossível ou excessivamente difícil (CPC, art. 373, §§ 1º e 2º). Deve-se, a todo custo, evitar as “decisões-surpresa”. De qual-quer forma, como as regras de ônus da prova têm por objetivo evitar o non liquet, há uma tendên-cia no processo civil moderno de atribuir importância às regras sobre o ônus da prova somente na hipótese de ausência ou insuficiência da prova produzida. Isso porque ao juiz incumbe anali-sar o conjunto probatório em sua globalidade, sem perquirir a quem competia o ônus probandi. Constando dos autos a prova, ainda que desfavorável a quem a tenha produzido, é dever do juiz tomá-la em consideração na formação de seu convencimento.

V. Julgados

“De acordo com o art. 389, I do CPC, ‘incumbe o ônus da prova quando: I- se tratar de falsi-dade de documento, à parte que a arguir’. Tendo, na espécie, ficado patente a inércia da parte na

Art. 431

Page 303: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

694

João Paulo Hecker da Silva

condução do processo, não pode ela, depois, querer beneficiar-se de sua própria torpeza, traves-tida de um cerceamento de defesa que jamais existiu. Os juízos de primeiro e segundo graus de jurisdição, sem violação ao princípio da demanda, podem determinar as provas que lhes aprou-verem, a fim de firmar seu juízo de livre convicção motivado, diante do que expõe o art. 130 do CPC. Não é cabível a dilação probatória quando haja outros meios de prova suficientes para o julgamento da demanda, devendo a iniciativa do juiz se restringir a situações de perplexidade diante de provas contraditórias, confusas ou incompletas” (STJ, 3ª T., REsp nº 980191/MS, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. em 21/2/2008, DJ de 10/3/2008).

“Somente há interesse processual para a instauração de incidente de falsidade documental quando o documento que se pretende inquinar de falso tenha relevância ou influência na decisão da causa. Inteligência do artigo 390 do Código de Processo Civil. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. [...] é indispensável que o procedimento de arguição de falsidade seja feito por petição em apartado, incidentalmente ao processo executivo ou no próprio corpo dos em-bargos à execução, consoante se depreende do excerto da decisão proferida pela Ministra Nancy Andrighi, no Recurso Especial n.º 1.024.759-RJ: ‘O art. 390, CPC, tem redação razoavelmente ambígua, pois autoriza a parte interessada suscitar o incidente na contestação ou no prazo de 10 (dez) dias, contados da intimação da sua juntada nos autos’. Ocorre que a doutrina, ao interpretar este dispositivo, tem sido firme ao estabelecer que os prazos diversos dizem respeito a situações distintas. Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, por exemplo, afirmam que ‘a argui-ção do falso pode ocorrer em qualquer tempo ou grau de jurisdição, devendo a parte que tem interesse em fazê-lo suscitá-lo na contestação (quando o documento tenha sido juntado aos autos na petição inicial), ou, então, no prazo de dez dias, contados da juntada aos autos do documento questionado (art. 390 do CPC)’ (Processo de Conhecimento. São Paulo: RT, 2006, p. 359), p. 364- 365). No mesmo sentido, Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery afirmam que ‘o prazo de dez dias, contados da intimação da juntada dos documentos nos autos, é para o caso de os documentos terem sido juntados ou exibidos posteriormente, ou pelo réu em contestação, ou por qualquer parte, em virtude de eventual juntada com base no CPC 397)’ (Código de Processo Civil Comentado e legislação extravagante. 7ª ed. São Paulo: RT, 2003, p. 748). Com a transpo-sição da referida norma para a esfera do processo de execução, as seguintes conclusões podem ser daí extraídas: (i) se a falsidade diz respeito ao próprio título executivo, o incidente haveria de ser suscitado com a defesa, ou seja, no próprio corpo dos embargos do devedor” (STJ, 4ª T., REsp nº 112.959-GO, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. em 24/3/1997, DJ de 10/11/1997).

Art. 432 - Depois de ouvida a outra parte no prazo de 15 (quinze) dias, será realizado o exame pericial.Parágrafo único - Não se procederá ao exame pericial se a parte que produziu o documento concordar em retirá-lo.

I. Contraditório e prazo

Como não poderia deixar de ser, a arguição de falsidade se submete ao contraditório e o prazo para que a parte contrária se manifeste é de 15 dias. Se houver litisconsortes no polo ativo ou passivo, todos eles deverão ser intimados a se manifestar, no mesmo prazo, sobre a arguição de falsidade, até pelo princípio do contraditório e pelo disposto no art. 437, caput e § 1º, do CPC.

Art. 432

Page 304: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

695

João Paulo Hecker da Silva

II. Revelia

A parte que intimada a falar sobre a arguição de falsidade e nada diz é considerada revel e por isso não só incide no caso o disposto nos arts. 344 e ss. do CPC, como também se opera presunção relativa sobre a arguição de falsidade do documento. Exatamente por ser relativa, essa presunção não desonera a parte que arguiu a falsidade de provar suas alegações de fato nem tam-pouco impede que o juiz determine a produção de provas se ainda não convencido da veracidade dos fatos ou se as alegações de fato formuladas pelo autor forem inverossímeis ou estiverem em contradição com prova constante dos autos (CPC, art. 345, inciso IV). A revelia não produz ain-da seus efeitos se alguma das partes contestar a arguição de falsidade ou quando o litígio versar sobre direitos indisponíveis (CPC, art. 345, incisos I e II).

III. Produção de provas

O exame pericial deverá ocorrer como uma verdadeira prova pericial, nos termos dos arts. 464 e ss. do CPC, cujo procedimento ocorrerá sempre em contraditório, facultando às partes a nomeação de assistentes técnicos e oferecimento de quesitos (CPC, art. 465, § 2º) ou mesmo indicando perito de comum acordo, o que a lei convencionou chamar de perícia convencional (CPC, art. 471). O caput do art. 432 do CPC possui um duplo conteúdo implícito na afirmação de que será realizado exame pericial. O primeiro diz que, se o juiz já estiver convencido dos fatos com base na prova documental já produzida pelas partes na arguição de falsidade e na resposta (p. ex., pareceres técnicos juntados pelas partes, revelia ou pelo simples fato de a falsificação ser grosseira), poderá ser dispensada a produção da prova pericial. A dispensa deve ser fundamen-tada, da mesma forma como se opera a dispensa da prova pericial pelo art. 464, § 1º, do CPC. O segundo conteúdo implícito diz que não só a prova pericial poderá ser produzida, mas qualquer outra, desde que apta a amparar a alegação de fato das partes, a exemplo da prova oral no caso de a falsidade ser provada por meio da oitiva da pessoa que participou da formação do documento ou mesmo de inspeção judicial para constatação judicial de alguma situação de fato vinculada à formação do documento. Para aqueles que entendem o cabimento da arguição para declaração de falsidade ideológica, a ampla produção de provas além da pericial se justifica ainda mais pela circunstância objetiva de esses fatos demandarem, no mais das vezes, produção de prova que su-planta o conhecimento técnico ou a mera aferição de defeitos na formalização do documento. De qualquer forma, a racio do art. 432 do CPC é a de permitir a instrução probatória na amplitude necessária no caso concreto, em cumprimento aos princípios do contraditório e da ampla defesa.

IV. Negócio jurídico processual unilateral e retirada do documento

A parte que apresentou o documento arguido como falso pode, no momento em que receber a arguição de falsidade, retirar o documento dos autos. Essa faculdade do parágrafo único do art. 342 do CPC consiste em verdadeiro negócio jurídico processual (CPC, art. 190) unilateral, vale dizer, a juntada ou retirada de qualquer documento nos autos é faculdade que cabe unicamente à parte que a juntou nos autos. A exemplo da desistência da demanda, da cláusula de eleição de foro, da suspensão do processo por convenção das partes, a retirada do documento prevista nesse dispositivo é negócio jurídico processual, apenas não bilateral, ou seja, nesse caso independe de homologação judicial ou mesmo de concordância de quem instaurou a arguição de falsidade. A justificativa dessa sistemática reside no principal objetivo da arguição: impedir que o documen-to juntado influencie o livre convencimento motivado do juiz ao julgar a causa. Evidentemente que se houver a concordância com a retirada do documento, mas ainda assim houver interesse de qualquer das partes (inclusive daquela que desistiu de juntá-lo aos autos), nada obsta que se

Art. 432

Page 305: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

696

João Paulo Hecker da Silva

ajuíze ação autônoma para declarar a sua autenticidade ou sua falsidade (CPC, art. 19, inciso II), que poderá ou não ser distribuída por prevenção à ação preexistente com fundamento em preju-dicialidade ou conexão (CPC, art. 55, § 3º, c.c. art. 286). Caso o documento tenha sido juntado por mais de um litisconsorte, evidentemente será de haver a desistência de todos eles para que a arguição de falsidade reste prejudicada.

V. Julgados

“Incidente de falsidade. Fotografias. Expediente protelatório. Propondo-se a parte que pro-duziu o documento a retirá-lo dos autos, o incidente perde a razão de ser. Fotografias que cor-responderiam a outro estabelecimento de recolhimento de idosos. Equívoco que poderia ser de-monstrado nos autos independentemente do incidente” (STJ, 4ª T., REsp nº 297.440-RJ, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. em 22/3/2001, DJ de 7/5/2001).

“Em sendo o recorrente estranho à relação jurídico-processual, é de se reconhecer a sua ilegi-timidade para suscitar incidente de falsidade. Inteligência do artigo 390 do Código de Processo Civil” (STJ, 6ª T., AgReg-Pet nº 2533-PI, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. em 16/10/2003, DJU de 15/12/2003).

“Agravo regimental no agravo de instrumento. Processual civil. Incidente de falsidade docu-mental. Prova pericial. Responsabilidade pelo pagamento da perícia por quem a requereu. 1. ‘As regras do ônus da prova não se confundem com as regras do seu custeio, cabendo a antecipação da remuneração do perito àquele que requereu a produção da prova pericial, na forma do artigo 19 do CPC’” (STJ, 4ª T., REsp nº 908.728-SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, j. em 6/4/2010, DJe de 26/4/2010).

“O incidente de falsidade se destina em regra à arguição de falsidade material, admitindo-se seu manejo no caso de falsidade ideológica somente nas hipóteses em que o reconhecimento do falso importe, por consequência, apenas efeito declaratório. Portanto, o incidente de falsidade não é via adequada para arguição de falsidade ideológica quando o seu reconhecimento implicar desconstituição de relação jurídica” (TRF-3, AC nº 30363-SP, Rel. Juiz Jediael Galvão, j. em 3/4/2007, DJU de 18/4/2007).

Art. 433 - A declaração sobre a falsidade do documento, quando suscitada como questão principal, constará da parte dispositiva da sentença e sobre ela incidirá também a autoridade da coisa julgada.

I. Coisa julgada material enquanto questão principal

Se a arguição de falsidade for requerida pela parte que seja decidida em caráter principal na sentença, nos termos do art. 430, parágrafo único, do CPC, seu julgamento produz coisa julgada material (CPC, art. 430, parágrafo único, c.c. 503, caput, § 1º), independentemente do resultado. Por se tratar de sentença declaratória, seja pelo reconhecimento da falsidade, seja pela rejeição da pretensão, seu resultado sempre fará coisa julgada material. Para tanto, é preciso que a parte, ao requerer a instauração do incidente, faça pedido expresso de que a arguição seja decidida no dispositivo da sentença, até pela menção pelo legislador do disposto no art. 19, inciso II, do CPC. A omissão desse pedido expresso não impede o julgamento do incidente, mas seu resultado não será acobertado pela coisa julgada material.

Art. 433

Page 306: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

697

João Paulo Hecker da Silva

II. Coisa julgada formal enquanto questão incidental

A parte que argui a falsidade documental por meio do incidente do caput do art. 430 do CPC tem a opção de fazê-lo de forma que o juiz o decida na fundamentação da sentença. Ou seja, a falsidade de determinado documento, se não requerida expressamente como questão principal a ser decidida no dispositivo da sentença, será tratada como mera questão no processo, viabilizando tão somente a impossibilidade de o juiz dele se valer para formação de seu livre convencimento motivado. Nesse caso, a resolução dessa questão não fará coisa julgada material, viabilizando assim a discussão das partes sobre a falsidade do documento em outras esferas ou processos. A eficácia da decisão que resolve o incidente de falsidade enquanto questão incidental será endoprocessual, sendo incapaz de deflagrar efeitos para fora do processo. Na hipótese de o juiz reconhecer de ofício a falsidade de um documento (caso chegue a essa conclusão por outros motivos), o julgamento nesse caso, do mesmo modo, não fará coisa julgada material. Não se opera coisa julgada material também na hipótese de a parte alegar a falsidade como argumento de defesa (CPC, art. 436, inciso III), salvo se houver esse pedido específico em reconvenção ou demanda autônoma (CPC, arts. 19, inciso II, e 343 e ss.).

III. Falsidade documental e art. 503 do CPC

Diz o art. 503, § 1º, do CPC que, em determinadas hipóteses (dos incisos I, II e III e § 2º), a resolução de questão prejudicial, decidida expressa e incidentemente no processo, tem força de lei nos limites da questão principal expressamente decidida. Dessa forma, uma visão sistemá-tica do CPC impõe conferir qualidade de coisa julgada à arguição de falsidade enquanto mera questão incidental se dessa resolução depender o julgamento do mérito, se a seu respeito tiver havido contraditório prévio e efetivo (exceto em caso de revelia e incompetência de juízo), bem como se no processo não houver restrições probatórias ou limitações à cognição que impeçam o aprofundamento da análise da falsidade documental.

IV. Julgados

“A sentença há de limitar-se a seu objeto, ou seja, a falsidade ou autenticidade do documento. As repercussões do decidido serão examinadas no processo em que suscitado o incidente” (STJ, 3ª T., REsp nº 44 509-4-PA, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, j. em 30/5/1994, DJ de 20/6/1994).

“Falsidade documental - alteração na data de vencimento do cheque - adulteração confes-sada - resultado, entretanto, que deve ser analisado pelo juiz na ação principal - confessando o apelado que adulterou o ano de vencimento do cheque, mas sustentando acordo com o apelante nesse sentido, deve ser acolhido o pedido de falsidade, por expressa imposição legal. A força da declaração da falsidade deverá, entretanto, ser valorada juntamente com as demais provas pelo juiz no processo principal” (TJSP, 21ª Câmara de Direito Privado, Ac. nº 7095496000-SP, Rel. José Guilherme Di Rienzo Marrey, j. em 15/5/2008, DJU de 9/9/2008).

“A natureza do incidente de falsidade está calcada na realidade dos autos, como assinalado pelo próprio recorrente, o que está fora do alcance do especial” (STJ, 3ª T., REsp nº 41.158-MG, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes, j. em 20/8/1996, DJ de 30/9/1996).

“O incidente de falsidade documental tem a mesma natureza da ação declaratória incidental” (STJ, 3ª T., REsp nº 30.321-RS, Rel. Min. Cláudio Santos, j. em 24/5/1994, DJ de 27/6/1994).

Art. 434 - Incumbe à parte instruir a petição inicial ou a contestação com os documentos destinados a provar suas alegações.

Art. 434

Page 307: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

698

João Paulo Hecker da Silva

Parágrafo único - Quando o documento consistir em reprodução cinematográfica ou fonográfica, a parte deverá trazê-lo nos termos do caput, mas sua exposição será realizada em audiência, intimando-se previamente as partes.

I. Conceito

O conceito amplo de documento o define como qualquer coisa capaz de representar um fato, não havendo nenhuma necessidade de a coisa ser materializada em papel ou conter informações escritas, podendo consistir em apresentações de imagens cinematográficas, fotográficas ou mes-mo fonográficas. Há de se pensar também nos documentos eletrônicos, naqueles disponíveis na rede mundial de computadores e nos que consistem em programas de computador, cuja instru-mentalização pode ocorrer em diversas mídias. O Direito brasileiro, portanto, adotou um con-ceito amplo, sendo significativa a quantidade de coisas que são consideradas como documentos para fins probatórios no processo judicial. Documento não se confunde com instrumento, sendo o segundo espécie do primeiro. O instrumento é produzido com o objetivo de servir de prova, como ocorre na celebração de um contrato ou de uma escritura.

II. Produção da prova documental

Deve o autor produzir a prova documental já na petição inicial e o réu, na contestação. Trata-se de uma exceção à regra de que as provas no processo são produzidas na fase instrutória. Esse dispositivo deve ser interpretado de forma ampliativa, no sentido de que o documento que emba-sa qualquer pretensão de direito material ou processual deve ser juntado no momento em que o requerimento é feito nos autos. Além disso, em qualquer das intervenções de terceiro (CPC, art. 119-138: assistência, denunciação da lide, chamamento ao processo, incidente de desconsidera-ção da personalidade jurídica, amicus curiae), nos pedidos incidentais de tutela provisória (CPC, art. 294-311: antecipada, cautelar e da evidência), na arguição de falsidade (CPC, art. 430), etc., a juntada de documentos deverá ocorrer no momento do respectivo requerimento.

III. Ônus e preclusão

É ônus do autor juntar a integralidade de prova documental na inicial e, do réu, com a contes-tação ou defesa, sob pena de preclusão. Ultrapassada essa fase, sem que haja justificativa ou que não se enquadre em qualquer exceção legal (p. ex.: documento novo, prova sobre fato novo ou ainda documento que por justa causa não se pode juntar antes – CPC, art. 435, caput e parágrafo único), é vedada às partes a juntada de quaisquer documentos nos autos. Apesar de esse ônus comportar uma série de exceções no que se refere à ocorrência da preclusão, o processo não pode servir de palco para artimanhas processuais que objetivem surpreender as partes ou alcançar al-gum objetivo ilegal. Assim, desde que não decorrente de má-fé ou deslealdade, bem como seja respeitado o princípio do contraditório pela intimação para a parte contrária se manifestar no prazo legal, doutrina e jurisprudência tendem a permitir a juntada de documentos no processo a qualquer momento.

IV. Má-fé e caráter emulativo

Deve o juiz sempre ficar atento a eventuais atitudes das partes que possam configurar quebra da boa-fé processual (CPC, arts. 5º e 322, § 2º) e indeferir a juntada extemporânea de documen-tos se houver qualquer indício de que uma das partes está se valendo da juntada a posteriori para obter alguma vantagem. O juiz deve ainda ficar atento ao caráter emulativo da parte que não

Art. 434

Page 308: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

699

João Paulo Hecker da Silva

junta documentos necessários no prazo, em cujo expediente se objetiva atrasar o andamento do processo, aplicando as sanções processuais por má-fé (CPC, arts. 80 e 81). Quando a não juntada de determinado documento oferecer resistência injustificada à produção de outra prova (p. ex.: perícia técnica), o juiz deve aplicar, sempre que cabível, a consequência do art. 400 do CPC, quando não apresentados no prazo, impedindo sua ulterior juntada.

V. Indeferimento da petição inicial

Segundo o art. 320 do CPC, a petição inicial será instruída com os documentos indispensáveis à propositura da ação. Diante dessa disposição legal, a petição inicial que não vem acompanhada de documentos indispensáveis à sua propositura deve ser indeferida e o processo, extinto sem resolução do mérito, caso o defeito não seja sanado no prazo de 15 dias, nos termos do art. 321, caput e parágrafo único, do CPC. Se houver requerimento do autor nos termos do art. 401 do CPC, para que o réu ou terceiro exiba o documento indispensável à propositura da demanda que em sua posse se encontra, o autor fica dispensado do ônus de juntá-lo na petição inicial.

VI. Apresentação de documentos fonográficos ou cinematográficos

Nos processos físicos, o documento consistente em reprodução cinematográfica ou fonográ-fica, instrumentalizado em CD, pen drive, fita de vídeo ou cassete, etc. pode ser juntado nos próprios autos ou entregue em secretaria para acondicionamento devido e posterior contraditó-rio das partes. Nos processos eletrônicos, a juntada de documentos que não sejam na forma de arquivos Word, PDF ou correlatos têm gerado grandes dificuldades aos operadores do Direito porque o sistema vigente não prevê a possibilidade de se fazer o carregamento dos arquivos. Não há disponibilidade, ainda, de se valer da tecnologia para acessar, via sistema do processo eletrô-nico, outras mídias como vídeos, arquivos de som ou de animação com imagens. Nesses casos, enquanto o sistema do processo eletrônico não se adapta para essas tecnologias, resta ao opera-dor do Direito recorrer novamente à secretaria e apresentar tais arquivos para acondicionamento devido e ulterior vista às partes, nos termos do art. 4º, §§5º e 6º, da Lei nº 11.419/2006 (Lei do Processo Eletrônico) que assim dispõem: “§ 5º - Os documentos cuja digitalização seja tecnica-mente inviável devido ao grande volume ou por motivo de ilegibilidade deverão ser apresenta-dos ao cartório ou secretaria no prazo de 10 (dez) dias contados do envio de petição eletrônica comunicando o fato, os quais serão devolvidos à parte após o trânsito em julgado. § 6º - Os do-cumentos digitalizados juntados em processo eletrônico somente estarão disponíveis para acesso por meio da rede externa para suas respectivas partes processuais e para o Ministério Público, respeitado o disposto em lei para as situações de sigilo e de segredo de justiça”.

VII. Reprodução de documentos fonográficos ou cinematográficos e desnecessidade de audiência

O parágrafo único do art. 434 dispõe que, quando o documento consistir em reprodução cine-matográfica ou fonográfica, a parte deverá trazê-lo nos termos do caput, mas sua exposição será realizada em audiência, intimando-se previamente as partes. Uma vez apresentados tais docu-mentos no processo, sua reprodução deve ocorrer em uma desnecessária audiência. Isso porque não há qualquer relevância de se reproduzir essas mídias com a presença de todas as partes em uma sala de audiência, frequentemente despreparada para esse tento. É recomendável que cada parte, inclusive o juiz, possa, no conforto de seu local de trabalho, reproduzi-las da melhor forma que lhe convier. Na experiência da arbitragem, determinadas Câmaras Arbitrais têm se valido da tecnologia para possibilitar não só a juntada nos processos dessas mídias eletrônicas, como tam-bém possibilitado sua reprodução interativa em salas de audiência devidamente estruturadas para

Art. 434

Page 309: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

700

João Paulo Hecker da Silva

tanto. Contudo, não sendo essa ainda a realidade do Poder Judiciário, pelo menos por enquanto, referida audiência se mostra dispensável e facultativa a sua ocorrência no processo judicial.

VIII. Julgados

“Agravo de instrumento: traslado: necessidade de autenticação das peças que o compõem. Se aplicáveis ao agravo de instrumento as regras disciplinadoras da produção da prova em juízo, não há como afastar a incidência, na espécie, do art. 383 C. Pr. Civil, segundo o qual ‘qualquer reprodu-ção mecânica, como a fotográfica, cinematográfica, fonográfica ou de outra espécie faz prova dos fatos ou das coisas representadas, se aquele contra quem foi produzida lhe admitir a conformidade’, já que a agravada admitiu tacitamente essa conformidade. De qualquer modo, a MP 1490-15/96 (em vigor na data da interposição do recurso) dispensou as pessoas jurídicas de direito público de autenticar as cópias reprográficas de quaisquer documentos que apresentem em juízo” (STF, 1ª T., RE nº 228.048-SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. em 26/5/1998, DJ de 6/11/1998).

“Somente os documentos tidos como indispensáveis é que devem acompanhar a inicial e a defe-sa. A juntada dos demais pode ocorrer em outras fases e até mesmo na via recursal, desde que ouvi-da a parte contrária e inexistentes o espírito de ocultação premeditada e de surpresa de juízo” (STJ, 4ª T., REsp nº 795.862-PB, Rel. Min. Jorge Scartezzini, j. em 17/10/2006, DJU de 6/11/2006).

“Processual civil. Produção de provas. Intimação para especificação das provas a serem produ-zidas. Inércia da parte. Preclusão caracterizada. Cerceamento do direito de defesa. Não ocorrên-cia. 1. O requerimento de produção de provas divide-se em dois momentos. O primeiro consiste em protesto genérico na petição inicial, e o segundo, após eventual contestação, quando intimada a parte para a especificação das provas. 2. Intimada a parte para especificação das provas a serem produzidas e ausente a sua manifestação, resta precluso o direito à prova, mesmo que haja tal pedido na inicial. Precedentes. 3. Não se configura cerceamento de defesa a hipótese em que a parte autora, após a contestação, foi intimada para especificação das provas, contudo, manteve-se silente, o que resulta em preclusão, mesmo que tenha havido pedido na inicial. Precedentes. Agravo regimental improvido” (STJ, 2ª T., AgRg no REsp nº 1376551-RS, Rel. Min. Humberto Martins, j. em 18/6/2013, DJe de 28/6/2013).

Art. 435 - É lícito às partes, em qualquer tempo, juntar aos autos documentos novos, quando destinados a fazer prova de fatos ocorridos depois dos articulados ou para contrapô-los aos que foram produzidos nos autos.Parágrafo único - Admite-se também a juntada posterior de documentos formados após a petição inicial ou a contestação, bem como dos que se tornaram conhecidos, acessíveis ou disponíveis após esses atos, cabendo à parte que os produzir comprovar o motivo que a impediu de juntá-los anteriormente e incumbindo ao juiz, em qualquer caso, avaliar a conduta da parte de acordo com o art. 5º.

I. Exceções ao momento de juntada de documentos

As principais exceções à regra geral de juntada de documentos no processo contida no art. 434 do CPC estão dispostas no art. 435, caput e parágrafo único, do CPC.

Art. 435

Page 310: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

701

João Paulo Hecker da Silva

II. Documentos novos e fatos novos A primeira exceção consiste na possibilidade de se juntar a qualquer tempo documentos novos,

desde que relativos a fatos ocorridos depois da inicial (para o autor) ou da defesa (para o réu). Nesse caso, não poderia se operar qualquer preclusão na produção da prova documental porque sua juntada aos autos na inicial ou defesa não poderia ter ocorrido porque o fato em si não existia.

III. Documentos novos em contraposição àqueles dos autos A segunda exceção consiste na possibilidade de se juntar a qualquer tempo documentos no-

vos, ainda que relativos a fatos “antigos”, mas para se contrapor aos documentos que foram tra-zidos pela parte contrária ou por qualquer dos atores do processo. O que se objetiva aqui é fazer prova contrária à que foi produzida nos autos (em defesa, em réplica ou em qualquer momento no processo) com relação ao mesmo contexto fático.

IV. Documentos novos e fatos pretéritos A terceira exceção, na verdade, constitui uma exceção à primeira, no sentido de que é viável

a juntada de documentos novos sobre fatos pretéritos, ou seja, ocorridos antes da petição inicial ou da defesa, mas desde que por justo motivo: não eram de conhecimento da parte ou não eram acessíveis naqueles momentos. Para que a parte possa se valer de documentos novos sobre fatos pretéritos, a justificativa deve necessariamente vir acompanhada de prova do motivo pelo qual fora impedida de juntá-los, cujo motivo deve passar ao largo de qualquer negligência, imprudên-cia ou imperícia sua, sequer tangenciando a má-fé, já que o juiz está expressamente obrigado a avaliar a pertinência dessa juntada à luz do disposto no art. 5º do CPC: “aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé”.

V. Documentos novos e supervenientesÉ possível a juntada a qualquer tempo de documentos que tenham sido produzidos depois da

inicial, defesa ou de qualquer outra oportunidade dentro do processo em que surja a necessidade de prova documental. São os chamados documentos supervenientes, ou seja, aqueles que não poderiam ter sido juntados no momento em que a lei manda simplesmente porque ainda não existiam. Mesmo que referentes a fatos pretéritos, tais documentos supervenientes podem ser juntados aos autos a qualquer momento, desde que imediatamente após terem sido formados ou criados. Nesses casos, a sua juntada se justifica até pela boa-fé com que as partes têm de agir no processo, já que vêm aos autos na primeira oportunidade em que isso é possível.

VI. Ônus e preclusão É ônus da parte produzir a prova documental por meio de sua juntada nos autos no primeiro mo-

mento em que é possível fazê-lo. O art. 435, caput e seu parágrafo único, do CPC tem fundamento em regra de transparência, de boa-fé (CPC, art. 5º) e na vedação de surpresa às partes e ao próprio juiz. Daí a justificativa para se impor esse ônus, cujo desatendimento gera a preclusão da produção dessa prova específica. Evidentemente, a preclusão da juntada desse documento não impede de a parte, relativamente a tais fatos, tentar prová-los pela produção de outros meios de prova, tais como prova oral, pericial ou inspeção judicial, sempre que requeridos tempestivamente.

VII. Julgados“Juntada de documentos após a inicial. Possibilidade. Precedentes. Reexame probatório. 1. É

admitida a juntada de documentos, em outras fases do processo, até mesmo na via recursal, desde que respeitado o contraditório e inexistente a má-fé. Precedentes. 2. O acolhimento da pretensão recursal quanto à possibilidade de juntada de documentos para comprovar fatos anteriormente

Art. 435

Page 311: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

702

João Paulo Hecker da Silva

alegados, demanda reexame do conjunto fático-probatório dos autos, o que não é possível em sede de recurso especial por força da Súmula nº 7/STJ” (STJ, 3ª T., AgRg no AREsp nº 359719-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. em 25/3/2014, DJ de 3/4/2014).

“A juntada de documentos no curso do processo pelas partes, inclusive em grau de recurso, é admitida desde que não se tratam daqueles que, por serem substanciais ou fundamentais à prova das alegações, devam instruir a petição inicial ou a resposta do réu (art. 396 c/c arts 283 e 297 do CPC). A jurisprudência ressalva também não poder existir má-fé na conduta da parte que pretende a juntada posterior, bem ainda, a necessidade de observância do contraditório, nos ter-mos do art. 398 do CPC. [...] 5. No intuito de evitar declarações de nulidade sem a ocorrência de prejuízo efetivo, a construção pretoriana tem também delineado que, para se exigir o contra-ditório, i) o documento deve ser desconhecido da parte contrária; ii) precisa guardar relevância e pertinência com o deslinde da controvérsia, influindo de forma direta e determinante em sua solução; e iii) seu conteúdo não deve se limitar a mero reforço de argumentação. Hipótese em que o documento juntado aos autos, não obstante a falta de contraditório imediato, era conhecido do recorrente e, ademais, não foi determinante para solução da controvérsia” (3ª T., REsp, nº 1.435.582-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. em 10/6/2014, DJe de 11/9/2014).

“Recurso especial. Processo civil. Indeferimento de prova. Ausência de impugnação oportu-na. Preclusão. Juntada de documento em fase recursal. Vista à parte contrária para manifestação. Necessidade. Princípio do contraditório. 1. Ausente impugnação oportuna ao indeferimento da prova realizado em audiência de conciliação, a questão não pode ser discutida em sede de ape-lação, ante a ocorrência da preclusão. 2. Em atenção ao princípio do contraditório, a juntada de documento novo, mesmo na fase recursal, enseja sempre a manifestação da parte contrária. 3. Recurso especial conhecido em parte e provido” (STJ, 4ª T., REsp nº 592.888-MG, Rel. Min. João Otávio de Noronha, j. em 2/2/2010, DJe de 11/2/2010).

“Agravo regimental. Agravo em recurso especial. Embargos à execução. Negativa de pres-tação jurisdicional. Inocorrência. Juntada de documentos determinada pelo magistrado. Prazo não observado pela parte. Preclusão. Inocorrência. 1. Se as questões trazidas à discussão foram dirimidas, pelo Tribunal de origem, de forma suficientemente ampla e fundamentada, deve ser afastada a alegada violação ao art. 535 do Código de Processo Civil. 2. ‘A iniciativa probatória do magistrado, em busca da veracidade dos fatos alegados, com realização de provas de ofício, não se sujeita à preclusão temporal, porque é feita no interesse público de efetividade da Justiça’ (STJ, 1ª T., AgRg no REsp 1157796-DF, rel. Min. Benedito Gonçalves, j. 18.05.10 DJe 28.05.10). 3. Agravo regimental a que se nega provimento” (STJ, 4ª T., AgRg no AREsp nº 668.463-GO, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, j. em 14/4/2015, DJe de 20/4/2015).

“Previdenciário. Agravo regimental em recurso especial. Aposentadoria rural. Documentação em nome de cônjuge trabalhador urbano. Impossibilidade de prova exclusivamente testemunhal. Aposentadoria rural indevida. Recurso especial representativo da controvérsia. Juntada de docu-mento novo. Preclusão consumativa. Agravo desprovido. 1. Esta Corte, no julgamento do Recurso Especial 1.304.479/SP, representativo da controvérsia, firmou entendimento de que, embora seja admissível a comprovação de atividade rural mediante a qualificação de lavrador do marido na certidão de casamento, é inaceitável a utilização desse documento como início de prova material quando se constata, como no caso em apreço, que o cônjuge, apontado como rurícola, vem a exer-cer posteriormente atividade urbana. 2. A juntada de documentos em sede de Agravo Regimental nesta instância especial mostra-se inviável, à luz da preclusão consumativa” (STJ, 1ª T., AgRg no REsp nº 1312586-SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. em 27/5/2014, DJe de 3/6/2014).

Art. 435

Page 312: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

703

João Paulo Hecker da Silva

Art. 436 - A parte, intimada a falar sobre documento constante dos autos, poderá:I - impugnar a admissibilidade da prova documental;II - impugnar sua autenticidade;III - suscitar sua falsidade, com ou sem deflagração do incidente de arguição de falsidade;IV - manifestar-se sobre seu conteúdo.Parágrafo único - Nas hipóteses dos incisos II e III, a impugnação deverá basear-se em argumentação específica, não se admitindo alegação genérica de falsidade.

I. Ônus e preclusão

É ônus da parte se manifestar sobre qualquer documento juntado ao processo, sob pena de não mais poder se valer das faculdades estatuídas nos incisos do art. 436 do CPC. Essa verdadeira preclusão deve ser interpretada com algum temperamento, já que o juiz, na busca da verdade real e da pacificação com justiça (um dos escopos do próprio processo), não deve ignorar algumas situações, tais como um documento grosseiramente falso ou ainda a absoluta impertinência de uma prova. Afinal, “o juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujei-to que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento” (CPC, art. 371).

II. Devido processo legal

Pelo princípio constitucional do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, a parte tem o direito de manifestar-se sobre todos os documentos dos autos, independentemente de quem os juntou. Mesmo que seja para tão somente arguir a intempestividade da juntada do documento aos autos, a parte tem o direito de, sobre ele, falar. A ausência de intimação gera con-sequência de o juiz dele não poder se valer para fundamentar sua decisão. A questão aqui é de avaliar se a inexistência de contraditório a respeito de determinada documentação seria capaz de anular uma decisão judicial que dela não se utilizou em sua fundamentação ou que nela se tenha afirmado total irrelevância para desate da questão. O juiz, na atividade cerebrina de decidir, vale-se de elementos objetivos contidos no processo, como as provas produzidas, os fatos notórios, as alegações provadas ou não, e ainda de elementos subjetivos, como as regras de experiência. Todo esse arcabouço de elementos converge para formação de seu livre convencimento, mesmo que não seja expressado na motivação da decisão. Assim, para que o juiz possa formar o seu conven-cimento da maneira mais completa e justa possível, deve ele sempre ouvir as partes sobre todo e qualquer elemento de prova dos autos, principalmente os documentos que neles são juntados, sob pena de nulidade da decisão. Se ao juiz não é dado decidir, sequer de ofício, sobre questão sem ouvir as partes (CPC, art. 10), dirá sobre elemento de prova sobre fatos controversos. Aliás, a prova é produzida nos autos não a um juiz específico (p. ex.: juiz de primeiro grau de jurisdição), mas também a todos aqueles que nele oficiarão (p. ex.: desembargadores do Tribunal).

III. Admissibilidade

Impugnar a admissibilidade da prova documental significa negar a assertiva de prova de deter-minado fato, bem como alegar que sua produção é inoportuna, intempestiva, contra os princípios da boa-fé ou ainda em ofensa ao devido processo legal. É o caso da manifestação com contra-

Art. 436

Page 313: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

704

João Paulo Hecker da Silva

posição de outras provas para demonstração de existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito, ou ainda das provas ilícitas, como a interceptação telefônica.

IV. Autenticidade

Documento autêntico é aquele cuja autoria é certa. Segundo o art. 411 do CPC, considera-se autêntico o documento quando o tabelião reconhecer a firma do signatário, a autoria estiver iden-tificada por qualquer outro meio legal de certificação, inclusive eletrônico, nos termos da lei ou quando não houver impugnação da parte contra quem foi produzido o documento.

V. Arguição de falsidade

Arguir a falsidade de determinado documento significa afirmar que, em caso de falsidade material, p. ex., ele é adulterado, com rasuras ou alterações que modifiquem formalmente seu conteúdo ou ainda que a assinatura nela aposta é falsa. Em caso de falsidade ideológica, signifi-ca sustentar que seu conteúdo é falso. Nada obstante os questionamentos acerca da viabilidade de se alegar a falsidade ideológica de determinado documento em arguição de falsidade, esse fundamento pode ser trazido ao processo por meio de incidente específico (CPC, art. 430) ou como mero argumento de defesa (CPC, art. 436, inciso III), cada qual com suas consequências próprias. Em havendo arguição por meio de incidente, este se transcorrerá nos termos dos arts. 430 e ss. Se apresentado como mero argumento de defesa, sem a instauração de incidente, o juiz sobre ele deve resolver como questão secundária na fundamentação, cujo desate não constará do decisório. Por isso, nesse caso, não haverá formação de coisa julgada material. O ônus da prova é de quem argui a falsidade do documento (CPC, art. 429, inciso I).

VI. Julgados

“Não se declara a nulidade do processo com base no art. 398 do CPC se o documento jun-tado aos autos, sobre o qual não foi dada vista à parte contrária, não influiu na solução da con-trovérsia” (STJ, 4ª T., AgRg no AREsp nº 493127-SP, Rel. Min. Marisa Isabel Gallotti, j. em 10/6/2014, DJe de 27/6/2014).

“A ausência de intimação específica para manifestação sobre documentos novos não viola o art. 398 do CPC, se, após a juntada deles, a parte teve acesso aos autos e praticou atos processu-ais. Não se declara a nulidade do processo, igualmente, se o documento juntado aos autos nessas condições não influiu na solução da controvérsia” (STJ, 4ª T., EDcl nos EDcl no Ag nº 83.641-MT, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, j. em 7/4/2015, DJe de 17/4/2015).

“Previdenciário. Processual civil. Documento. Juntada. Manifestação da parte contrária. Au-sência prejuízo. Não ocorrência. Recurso especial conhecido e improvido. 1. É firme a jurispru-dência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que não há falar em violação ao art. 398 do CPC quando a parte não houver sido intimada para se pronunciar sobre documento novo acosta-do aos autos, se este for desinfluente para o julgamento da controvérsia, não acarretando prejuízo para os litigantes. 2. Hipótese em que o Tribunal de origem, com base no conjunto probatório dos autos, firmou o entendimento segundo o qual o documento acostado aos autos pelo recorrido não influiu no julgamento da controvérsia. 3. Recurso especial conhecido e improvido” (STJ, 5ª T., REsp nº 438188-MG, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. em 20/11/2006, DJe de 11/12/2006).

“Processo civil. Mandado de segurança. Cabimento. Ato judicial. Defesa. Manifestação. Parte contrária. Documentos. Manifestação. Parte contrária. Inexistência. Ausência de prejuízo. Ali-mentos definitivos. Exoneração. Recurso especial. Efeito suspensivo. Inexistência. [...] O CPC não impõe a manifestação da parte contrária acerca da defesa apresentada, inclusive pelo litis-

Art. 436

Page 314: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

705

João Paulo Hecker da Silva

consorte, limitando-se a dispor, nos termos do art. 398, seja oportunizada a manifestação sobre documentos juntados. Por outro lado, mesmo havendo a falta de audiência da parte contrária acerca da juntada de documento, não rende ensejo à nulidade quando constatada ausência de prejuízo” (STJ, 3ª T., RMS nº 25837-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. em 21/10/2008, DJe de 5/11/2008).

Art. 437 - O réu manifestar-se-á na contestação sobre os documentos anexados à inicial, e o autor manifestar-se-á na réplica sobre os documentos anexados à contestação.§ 1º - Sempre que uma das partes requerer a juntada de documento aos autos, o juiz ouvirá, a seu respeito, a outra parte, que disporá do prazo de 15 (quinze) dias para adotar qualquer das posturas indicadas no art. 436.§ 2º - Poderá o juiz, a requerimento da parte, dilatar o prazo para manifestação sobre a prova documental produzida, levando em consideração a quantidade e a complexidade da documentação.

I. Contraditório

Da mesma forma que poderão produzir prova documental em momentos predeterminados (CPC, arts. 435 e 434), as partes poderão sobre elas se manifestar. O momento para manifesta-ção do réu sobre documentos juntados pelo autor é na contestação e, do autor, na réplica, sobre documentos juntados com a defesa, sempre sob pena de preclusão.

II. Prazo

O prazo para manifestação a respeito de documentos juntados aos autos é de 15 dias úteis (CPC, art. 219). Entretanto, poderá o juiz dilatar esse prazo em decisão fundamentada se con-siderá-lo insuficiente para a tomada de qualquer das medidas previstas nos incisos do art. 436 do CPC (arts. 7º e 8º). Considerando o fato de que os 15 dias de prazo são contados somente em dias úteis, o que o torna demasiadamente dilatado em via de regra, qualquer ampliação pelo juiz deve se revestir de caráter excepcionalíssimo, em atendimento ao direito das partes de obter a resolução do processo em tempo razoável (CPC, art. 4º). Vale ressaltar que não se confunde complexidade da documentação com o volume ou quantidade de documentos juntados. Cada qual tem sua peculiaridade, diante da circunstância objetiva de que, se por um lado um número grande de documentos pode não gerar propriamente complexidade em sua compreensão, de outro é possível um único documento de poucas folhas conter em si certa complexidade de compreen-são de seu conteúdo.

III. Dilação de prazo para contestação e réplica

Como o prazo de 15 dias coincide com aquele da apresentação de defesa e de réplica, é natural que nessas oportunidades se manifestem as partes sobre os documentos juntados e também sobre as demais matérias previstas nessas manifestações. Nesse contexto, a faculdade do § 2º do art. 437 do CPC permite, do mesmo modo, que o juiz dilate o prazo para a apresentação da defesa ou da réplica, por ser esse um de seus poderes na condução do processo, nos termos do art. 139, inciso VI, do CPC. A grande realidade é que aquele primeiro dispositivo servirá como verdadei-ro fundamento para esse último ampliar os prazos de defesa e de réplica, exatamente para uma

Art. 437

Page 315: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

706

João Paulo Hecker da Silva

melhor adequação às necessidades do conflito de modo a conferir maior efetividade à tutela do direito.

IV. Julgados

“O E. Superior Tribunal de Justiça já decidiu que ‘é nula a sentença ou o acórdão se, tratando-se de documento relevante, com influência no julgamento proferido, a parte contrária não se mani-festou após a sua juntada aos autos” (STJ, 4ª T., REsp nº 6081-RJ, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. em 21/5/1991, DJ de 25/5/1992).

“O fato de o documento ser conhecido da parte contrária não é razão bastante para dispensar-se a vista. Há que se lhe ensejar examiná-lo, e a respeito se pronunciar, pois não se proferirá senten-ça sem que as partes possam se manifestar sobre todos os elementos de prova” (STJ, 3ª T., REsp. nº 49.976-3-RS, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, j. em 10/10/1994, DJU de 14/11/1994).

“Não há que se falar em produção de provas quando o conjunto probatório dos autos é sufi-ciente à valoração e formação da convicção do magistrado, nos termos do artigo 131 do Código de Processo Civil. 2. Nos termos da reiterada jurisprudência do STJ, ‘a tutela jurisdicional deve ser prestada de modo a conter todos os elementos que possibilitem a compreensão da controvér-sia, bem como as razões determinantes de decisão, como limites ao livre convencimento do juiz, que deve formá-lo com base em qualquer dos meios de prova admitidos em direito material, hi-pótese em que não há que se falar em cerceamento de defesa’” (STJ, 1ª T., AgREsp nº 839.217-RS, Rel. Min. José Delgado, j. em 5/9/2006 DJ de 2/10/2006).

“Sendo o juiz o destinatário final da prova, cabe a ele, em sintonia com o sistema de persuasão racional adotado pelo CPC, dirigir a instrução probatória e determinar a produção das provas que considerar necessárias à formação do seu convencimento” (STJ, 3ª T., REsp nº 844778-SP, Rel. Nancy Andrighi, j. em 8/3/2007, DJ de 26/3/2007).

“A ausência de intimação específica para manifestação sobre documentos novos não viola o art. 398 do CPC, se, após a juntada deles, a parte teve acesso aos autos e praticou atos processuais. Não se declara a nulidade do processo, igualmente, se o documento juntado aos autos nessas condições não influiu na solução da controvérsia” (STJ, 4ª T., EDcl no Ag nº 836.413-MT, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, j. em 20/11/2014, DJe de 27/11/2014).

“A alegação da nulidade de publicação errônea deve ocorrer na primeira oportunidade de se falar nos autos” (STJ, 3ª T., RMS nº 31.408-SP, Rel. Min. Massami Uyeda, j. em 13/11/2012, DJe de 26/11/2012).

Art. 438 - O juiz requisitará às repartições públicas, em qualquer tempo ou grau de jurisdição:I - as certidões necessárias à prova das alegações das partes;II - os procedimentos administrativos nas causas em que forem interessados a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios ou entidades da administração indireta.§ 1º - Recebidos os autos, o juiz mandará extrair, no prazo máximo e improrrogável de 1 (um) mês, certidões ou reproduções fotográficas das peças que indicar e das que forem indicadas pelas partes, e, em seguida, devolverá os autos à repartição de origem.

Art. 438

Page 316: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

707

João Paulo Hecker da Silva

§ 2º - As repartições públicas poderão fornecer todos os documentos em meio eletrônico, conforme disposto em lei, certificando, pelo mesmo meio, que se trata de extrato fiel do que consta em seu banco de dados ou no documento digitalizado.

I. Dever de prestar informações

O juiz poderá requerer a prestação de informações e documentos constantes na base de da-dos do poder público e as repartições públicas deverão responder. Eventual recusa ou omissão, prestação de informações falsas ou ainda de documentos, etc. do funcionário ou agente público responsável pode constituir crime conforme o caso (Código Penal, arts. 313-A, 313-B, 314, 319, 320, 323, 325, 326, 330, etc.; Lei nº 12.537/2011, arts. 7, § 4º, 32 e 33).

II. Obtenção extrajudicial de dados públicos

Salvo em hipóteses em que há fundada dificuldade de obtenção extrajudicial dessas informa-ções, o juiz poderá se recusar a requerer às repartições públicas nos termos desse dispositivo, por ser ônus das partes a produção de prova em amparo às suas pretensões. Entretanto, o juiz, em razão de seus poderes instrutórios, poderá requerer, inclusive de ofício, quaisquer dessas informações ou documentos, independentemente de haverem sido previamente requeridos pela parte sem sucesso.

III. Dados sigilosos

Tal dispositivo tem relevância para casos nos quais as partes precisam acessar banco de dados públicos revestidos de sigilo, tais como endereço informado em declaração de imposto de renda para viabilizar a citação ou como prova da residência de uma das partes. Afinal, se as partes pu-derem obter extrajudicialmente a informação, a ausência de sua juntada na inicial ou defesa (ou em demais momentos legalmente previstos) gera a preclusão na produção da prova documental. Uma vez nos autos, essas informações sigilosas devem ter preservado seu sigilo, por meio de arquivamento em pasta própria na secretaria com acesso limitado às partes e seus procuradores.

IV. Lei de Acesso à Informação

A Lei nº 12.527/2011, que regulamentou o art. 5º, inciso XXXIII, da Constituição Federal, dispõe, em seu art. 23, uma plêiade de informações sigilosas que, conforme classificação do caput do art. 24, podem ter seu sigilo mantido por determinado tempo (§§ 1º e 2º). Nada obstante isso, sua finalidade precípua é propiciar ao cidadão o direito fundamental de acesso à informação (art. 3º). Basta, no entanto, valer-se do procedimento previsto na própria lei, nos arts. 10 e ss.

V. Julgados

“Para autorizar a expedição de ofícios ao Banco Central, a 1ª Turma do STJ entendeu rele-vantes os seguintes acontecimentos prévios: falta de nomeação de bens à penhora, frustração das diligências realizadas pelo oficial de justiça e insucesso na busca de bens junto ao departamento de trânsito e ao cartório de registro de imóveis locais” (STJ, 1ª T., AgRg no REsp nº 743.586-SP, Rel. Min. José Delgado, j. em 21/6/2005, DJ de 6/8/2015).

“Execução fiscal - informações sobre existência de bens do contribuinte - requisição de ofício a receita federal - autoridade judiciária - impossibilidade. Não há lei ou convênio que obrigue o Banco Central do Brasil a quebrar sigilo bancário de executado porque ele mudou de endereço.

Art. 438

Page 317: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

708

João Paulo Hecker da Silva

Também não constitui hipótese de requisição regular da autoridade judiciária. A obtenção do atual endereço do devedor e a existência ou não de bens de sua propriedade a serem penhora-dos e obrigação do exequente” (STJ, 1ª T., REsp nº 163405-RS, Rel. Min. Garcia Vieira, j. em 17/4/1998, DJ de 8/6/1998).

“Processual civil e tributário. Agravo regimental no agravo em recurso especial. Execução fiscal. Requisição de informações junto à receita federal. Quebra de sigilo de informações. Prin-cípio da privacidade. Acórdão fundamentado no art. 5º, X, da Constituição Federal. Ofensa ao art. 535 do CPC. Não ocorrência” (STJ, 2ª T., AgRg no AREsp nº 467.094-RJ, Rel. Min. Og Fernandes, j. em 22/4/2014, DJe de 2/5/2014).

“Na hipótese dos autos, o Tribunal de origem negou provimento ao Agravo de Instrumento, ao fundamento de que, ‘tanto o sistema financeiro quanto o Fisco dispõem de incontáveis e pre-ciosas informações da intimidade pessoal e negocial dos cidadãos que, se obtiveram em razão do ofício ou dos poderes que detém, devem guardá-las com rigor absoluto. A quebra do sigilo, assim fiscal como bancário, implica indevida intromissão na privacidade do cidadão, expressa-mente amparada pela Constituição Federal (artigo 5º, X)’. III. Assim, há, no acórdão recorrido, fundamento constitucional, não impugnado mediante recurso extraordinário, o que atrai a inci-dência da Súmula 126 do STJ, que preceitua: ‘É inadmissível recurso especial, quando o acórdão recorrido assenta em fundamentos constitucional e infraconstitucional, qualquer deles suficiente, por si só, para mantê-lo, e a parte vencida não manifesta recurso extraordinário’. Precedentes. IV. Agravo Regimental não provido” (STJ, 2ª T., AgRg no AREsp nº 271.343-RS, Rel. Min. Assuse-te Magalhães, j. em 4/11/2014, DJe de 14/11/2014).

“A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica e remansosa no sentido de que: ‘a requisição judicial à Receita Federal, à Telesp, ao Detran para que informem sobre a declaração de bens do executado somente se admite em casos excepcionais, demonstrado que a exequente esgotou os esforços possíveis para obtê-los, com resultado infrutífero’” (STJ, 4ª T., REsp nº 191961-SP, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. em 1º/12/1998, DJ de 5/4/1999).

“A jurisprudência do STJ acolhe entendimento no sentido de que não se justifica pedido de expedição de ofício a órgãos públicos para obter informações sobre bens de devedor, no exclusi-vo interesse do credor, mormente quando não demonstrado qualquer esforço de sua parte nesse sentido, devendo prevalecer o sigilo de que aquelas são revestidas” (STJ, 3ª T., AgReg no Ag nº 189.288-AL, Rel. Min. Waldemar Zveiter, j. em 17/11/1998, DJ de 18/12/1998).

“A requisição judicial, em matéria deste jaez, apenas se justifica desde que haja intransponí-vel barreira para a obtenção dos dados solicitados por meio da via extrajudicial e, bem assim, a demonstração inequívoca de que a exequente envidou esforços para tanto, o que se não deu na espécie, ou, pelo menos, não foi demonstrado. Falecendo demonstração cabal de que foram exauridas, sem êxito, as vias administrativas para obtenção de informações referentes aos bens dos sócios, não há demonstração de vulneração aos arts. 399 do CPC e 198 CTN, que conferem ao magistrado a possibilidade de requisitá-las” (STJ, 2ª T., REsp nº 204.329-MG, Rel. Min. Fran-ciulli Neto, j. em 9/5/2000, DJ de 19/6/2000).

“As informações sobre a movimentação bancária do executado só devem ser expostas em ca-sos de grande relevância para a prestação jurisdicional. In casu, a varredura das contas em nome do executado, visando posterior penhora, não justifica a quebra do sigilo bancário” (STJ, 2ª T., AgReg no Ag nº 225634-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. em 17/2/2000 DJ de 20/3/2000).

“Não merece trânsito recurso especial que discute questão já superada no âmbito do Superior

Art. 438

Page 318: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

709

João Paulo Hecker da Silva

Tribunal de Justiça, qual seja, a impossibilidade de quebra de sigilo bancário como forma de possibilitar, no interesse exclusivo da instituição credora e não da Justiça, a expedição de ofício ao Banco Central para obtenção de dados acerca de depósitos em nome do devedor passíveis de penhora pela exequente” (STJ, 4ª T., REsp nº 181.567-SP, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. em 16/11/1999, DJ de 21/2/2000).

Art. 439 - A utilização de documentos eletrônicos no processo conven-cional dependerá de sua conversão à forma impressa e da verificação de sua autenticidade, na forma da lei.

I. Autenticidade de documentos eletrônicos juntados em via impressa

No processo convencional, ou seja, aquele de autos físicos de papel, o legislador optou por transformar os documentos eletrônicos em papel impresso. Na conversão do documento digital em físico, deve-se registrar sua autenticação, que pode ocorrer com a própria declaração de au-tenticidade do advogado ao juntá-los nos autos (CPC, art. 425, inciso IV), em casos restritos de documentos judiciais), ou ainda com a certificação por tabelião (CPC, art. 411, inciso II). São comuns os casos de juntada impressa de e-mails, imagens extraídas da rede mundial de compu-tadores, sites de relacionamento ou ainda arquivos contendo dados de computador, que, para não depender do disposto no art. 411, inciso III, do CPC, devem vir acompanhados de ata notarial lavrada por tabelião para certificação de elementos constitutivos importantes, como data de aces-so, do local de extração da informação do sistema, etc.

II. Documentos eletrônicos de áudio e vídeo

Esses documentos até por sua natureza própria não podem ser objeto de reprodução impressa. Contudo, é possível que haja a degravação das falas e dos acontecimentos via transcrição im-pressa em vernáculo ou imagens. Em casos como esses, a via impressa deve ser juntada aos autos com o documento eletrônico em CD, pen drive ou qualquer outra mídia para ser obrigatoria-mente acondicionada em secretaria. Isso porque as partes têm o direito de conferir a veracidade da degravação e das informações ali contidas. A juntada unicamente da via impressa sem estar acompanhada do respectivo arquivo eletrônico, se questionada sua autenticidade, falsidade ou validade, mesmo que de forma genérica pela impossibilidade de se auditar a mídia, deve gerar duas consequências: a primeira de conferir-se prazo para que a parte disponibilize o arquivo eletrônico e, decorrido o prazo sem a disponibilização, ser o documento impresso imediatamente desentranhado dos autos.

III. Julgados

“Prova - Cabe ao juiz, como destinatário da prova, avaliar sobre a necessidade ou não de sua realização - Art. 130 do CPC - Juiz da causa que indeferiu o pedido para que fosse realizada pro-va pericial consistente na degravação de CD de áudio de conversas telefônicas que a agravante manteve com o agravado - Não demonstrado pela agravante que essa prova seja útil ao deslinde da controvérsia - Agravado que não negou que recebeu o dinheiro da agravante - Prova pericial que, em princípio, em nada contribuirá para a formação do convencimento do juiz de origem. [...] Prova - Ação de cobrança - Pretendida pela agravante a permanência, nos autos, do CD de áudio e da transcrição do conteúdo das gravações - Agravado que não impugnou o teor das conversas transcritas pela agravante - Transcrição dessas conversas que pode, eventualmente, servir como

Art. 439

Page 319: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

710

João Paulo Hecker da Silva

fonte de informações ao julgador no momento da prolação da sentença - Prudente a manutenção de tais peças nos autos principais - Agravo provido em parte” (TJSP, 23ª C. de Direito Privado, AI nº 990101767732, Rel. Des. José Marcos Marrone, j. em 30/6/2010, DJe de 14/7/2010).

“Apelação cível. Danos morais. Responsabilidade civil. Transcrições de gravações telefô-nicas. Documentos unilaterais, destituídos de valor probatório. Fitas de áudio não submetidas à perícia. Veracidade do conteúdo não comprovada. Alegada impossibilidade de obtenção de emprego atribuída à demandada. Ausência de prova. Ônus do requerente. Artigo 333, inciso I, Código de Processo Civil. Obrigação de indenizar rejeitada. Sentença de improcedência mantida. Recurso desprovido” (TJSC, 4ª C. Cível, Ac. nº 146693, Rel. Des. Ronaldo Moritz Martins da Silva, j. em 12/11/2009, DJ de 7/12/2009).

“Invertendo a regra geral de distribuição do ônus da prova, o Código de Processo Civil enun-cia em seu art. 389, inciso II, que quando se tratar de contestação de assinatura, o ônus de provar a sua autenticidade é da parte que produziu o documento. Ausente norma específica para os casos em que parte a autora alega não ser dela a voz que aparece no áudio apresentado pelo réu como prova da contratação do empréstimo, aplica-se o dispositivo retro mencionado, atribuindo o en-cargo da perícia ao banco réu, por ter sido quem produziu a prova” (TJMG, 16ª C. Cível, AI nº 10024110419496001, Rel. Des. Batista de Abreu, j. em 31/7/2013, DJ de 9/8/2013).

Art. 440 - O juiz apreciará o valor probante do documento eletrônico não convertido, assegurado às partes o acesso ao seu teor.

I. Contraditório efetivo

As partes, independentemente da espécie de documento, devem ter o direito de sobre ele se manifestarem, sob pena de violação ao princípio do contraditório. No documento eletrônico esse direito se mostra ainda mais premente, já que a sua análise nos autos do processo convencional é limitada à versão impressa em papel. Nos casos em que o documento eletrônico é juntado aos autos somente em mídia própria (CD, pen drive, etc.), o juiz deve garantir que as partes tenham efetivo acesso ao seu conteúdo. Em se tratando de documentos eletrônicos comuns, tais como arquivos Word, PDF, Excel, .jpg, mp3, etc., é de se esperar não haver maiores dificuldades para processá-los em qualquer computador e, com isso, seu conteúdo estar disponível para consulta.

II. Perícia

Em casos nos quais é necessário se valer de programas técnicos específicos ou de configu-rações especiais de computador, pode o juiz não só determinar (de ofício ou a requerimento da parte) a realização de uma prova técnica (perícia) como também simplesmente não aceitar a juntada desse documento eletrônico. De qualquer forma, o caput do art. 440 do CPC permite ao juiz ainda, nesses casos, desconsiderar o valor probante do documento eletrônico se não for apresentada alternativa para que as partes possam ter a exata compreensão de seu conteúdo ou mesmo a possibilidade de verificação de sua autenticidade e falsidade.

III. Definição de documento eletrônico e seu valor probante

Documento eletrônico é aquele em conformidade com o disposto na Medida Provisória nº 2.200/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil). Se seus

Art. 440

Page 320: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

711

João Paulo Hecker da Silva

requisitos não forem observados, e isso constitui matéria eminentemente técnica aferível via perícia judicial, o documento não poderá ser considerado idôneo como meio de prova. Se estiver em conformidade com os requisitos da lei, o juiz poderá levá-lo em consideração para formação de seu livre convencimento motivado.

IV. Julgados

“O termo ‘documento’ não se restringe ‘a qualquer escrito ou papel’. O legislador do novo Código Civil, atento aos avanços atuais, conferiu-lhe maior amplitude, ao dispor, no art. 225 que ‘[a]s reproduções fotográficas, cinematográficas, os registros fonográficos e, em geral, quaisquer outras reproduções mecânicas ou eletrônicas de fatos ou de coisas fazem prova plena destes, se a parte, contra quem forem exibidos, não lhes impugnar a exatidão’” (STF, 2ª T., RHC nº 95.689-SP, Rel. Min. Eros Grau, j. em 2/9/2008, DJe de 16/10/2008).

“Processual civil. Agravo regimental interposto em face de decisão que negou seguimento ao recurso especial. Documento extraído da internet. Ausência de fé pública. Impossibilidade de oposição contra o STJ. Decorrência da medida provisória nº 2.200/01. Juntada de documento em sede de agravo regimental. Inadmissibilidade. Preclusão consumativa. Incidência do art. 511, caput, do CPC. Multa do art. 557, § 2º, do CPC. Recurso improvido. [...] Primeiramente, é im-portante salientar que documento não é somente o papel escrito e assinado. O doutrinador Luiz Rodrigues Wambier (1) informa que: ‘conceitua-se documento como todo objeto capaz de ‘cris-talizar’ um fato transeunte, tornando-o, sob certo aspecto, permanente’. Assim, considera-se do-cumento todo aquele objeto que representa, por meio de alguma linguagem, de forma permanente ou temporária, um fato da vida real, uma manifestação de pensamento. O documento eletrônico, nesse sentido, seria segundo Gandini, Salomão e Jacob (2) aquele ‘que se encontra memorizado em forma digital, não perceptível para os seres humanos senão mediante intermediação de um computador. Nada mais é do que sequência de bits, que, por meio de um programa computacio-nal, mostrar-nos-á um fato’. A Medida Provisória nº 2.200/01 que instituiu a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil, assim como regulou a utilização da certificação digital no Brasil, determina em seu artigo 10, § 1°, que ‘as declarações constantes dos documentos em forma eletrônica produzidos com a utilização de certificação disponibilizado pela ICP-Brasil presumem-se verdadeiros em relação aos signatários’. Por outro lado, a Medida Provisória tra-tou também dos documentos eletrônicos criados sem o ‘atributo’ da certificação digital. O artigo 10, § 2º, da MP determina que ‘não obsta a utilização de outro meio de comprovação da autoria e integridade de documentos em forma eletrônica, inclusive os que utilizem certificados não emitidos pela ICP-Brasil, desde que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento’. [...] Nesta esteira, ainda quando não for documento certificado pela ICP-Brasil, é preciso que haja a aceitação contra quem é oposto. [...] Outrossim, destaco que, segundo o autor argentino Aníbal A. Pardini (3), o documento eletrônico, para ser conside-rado um meio de prova seguro, deve reunir três características capazes de convencer o julgador, quais sejam: a integridade, a possibilidade de se atribuir o documento à pessoa que o subscreve e a autenticidade; todas elas ligadas à impossibilidade de alteração da forma ou do conteúdo do documento. No âmbito da doutrina nacional, vale a pena sublinhar as observações de Renato M.S. Opice Blum (4) quanto à segurança jurídica dos documentos, pelo que transcrevo: ‘Deve-se ressaltar que só é possível atribuir um manto de eficácia jurídica plena aos documentos, em meios tradicionais ou eletrônicos, se esses possuírem determinadas características que tornem possíveis não só a identificação de sua autoria, mas também a certeza de sua não modificação ou indícios de tal. Os documentos, como legítimas manifestações de vontade e representações

Art. 440

Page 321: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

712

João Paulo Hecker da Silva

fáticas, geram responsabilidades e, se alterados, podem trazer prejuízos para pessoas físicas ou jurídicas. Assim, os documentos (em meios físicos ou virtuais) devem, além da originalidade, possuir determinadas qualidades que não permitam que sejam, totalmente ou em parte, modi-ficados, alterados, ou suprimidos sem que tal fato possa ser descoberto. Melhor ainda se, além da possibilidade da descoberta dessas alterações, seja possível obter sua reconstituição, em sua forma original’” (STJ, 4ª T., AgRg no REsp nº 1.103.021-DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 26/5/2009, DJ de 8/6/2009).

“Uso indevido de marca. Danos materiais e morais. Ausência de prova. Documento extraído de sítio eletrônico. Empresa autora que alega utilização de sua marca registrada por outra em-presa, em curso ministrado na mesma área de atuação, pleiteando indenização por danos morais, materiais e lucros cessantes. Apresenta documento extraído de sítio eletrônico. Diante da negati-va expressa da apelada, tinha a empresa apelante o encargo de provar que o documento jungido aos autos era realmente verídico, não bastando, nesse caso, a mera juntada de cópia que se diz extraída pela internet, eis que não configurado como originário de órgão público, requerendo, para tanto, certeza de sua veracidade e não havendo, na atualidade, meios de se aferir a veracida-de da afirmação da autora por não constar no endereço eletrônico outrora indicado. Necessidade de ter realizando uma ata notarial ou mesmo ter providenciado a autenticação do site. Ausência de prova. Exegese do artigo 333, I, CPC. Sentença Mantida. Apelo Desprovido” (TJSP, 2ª C. Re-servada de Direito Empresarial, Ac. nº 00154303220138260003, Rel. Des. Ramon Mateo Júnior, j. em 26/1/2015, DJe de 29/1/2015).

Art. 441 - Serão admitidos documentos eletrônicos produzidos e conservados com a observância da legislação específica.

I. Legislação específica

Os arts. 193-199 do CPC trazem disposições a respeito da prática de atos processuais na forma eletrônica. A Lei nº 11.419/2006, que dispõe sobre a informatização do processo judicial, em seu art. 11 dispõe que “os documentos produzidos eletronicamente e juntados aos processos eletrônicos com garantia da origem e de seu signatário, na forma estabelecida nesta Lei, serão considerados originais para todos os efeitos legais”. A Lei nº 12.682/2012 dispõe sobre a elaboração e arqui-vamento de documentos eletrônicos e em seu art. 3º que “o processo de digitalização deverá ser realizado de forma a manter a integridade, a autenticidade e, se necessário, a confidencialidade do documento digital, com o emprego de certificado digital emitido no âmbito da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil”. A Medida Provisória nº 2.200/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil), em seu art. 10º, § 2º, traz o enten-dimento de que a validade de documentos eletrônicos assinados por meio de certificados não vinculados ao ICP-Brasil está restrita à hipótese de as partes terem previamente sua aceitação e validade ou, depois de apresentado, ter sido aceita pela pessoa a quem foi oposto o documento. A título de exemplo, nos Tribunais Superiores são apenas aceitos os certificados eletrônicos emi-tidos pela ICP-Brasil.

II. Fotos da internet e e-mails impressos

O art. 422 do CPC traz a presunção de conformidade e de prova das imagens reproduzidas nas fotos extraídas da rede mundial de computadores e dos e-mails enviados, desde que não

Art. 441

Page 322: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

713

João Paulo Hecker da Silva

impugnados por aquele contra quem foi produzida a prova. Havendo impugnação, deve ser apre-sentada a respectiva autenticação eletrônica ou, não sendo possível, realizada perícia (CPC, art. 422, §§ 1º e 3º). O mesmo vale para as demais formas de comunicação eletrônica, como blogs, chats, WhatsApp, MSN, Google Talk, Messenger, mensagens de texto, postagens em redes de relacionamento, etc. Uma alternativa à realização de uma custosa e demorada perícia é a pró-pria realização de inspeção judicial pela qual o próprio juiz poderá, em determinadas situações (resguardadas as objeções da parte que dependam de estudo técnico), verificar ele mesmo na rede mundial de computadores ou nos smartphones e tablets das partes ou de terceiros, a própria existência da mensagem, da ocorrência de troca de correspondências, do envio de arquivos como fotos ou vídeos, etc.

III. Julgados

“Concurso público. Ingresso nas atividades notariais e de registro. Exclusão do certame. Fase de investigação de vida funcional e individual. Prova pré-constituída. Certidão desabonadora. Princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. [...] 2. O ato coator é consubstanciado na ex-clusão do recorrente do concurso público por não comprovação de requisito constante do edital, sendo certo que essa exclusão está devidamente comprovada através de comunicação eletrônica (e-mail) recebida, pelo recorrente, em sua caixa de correio eletrônico. Deveras, esse documento tem a propriedade de comprovar o ato coator e as consequências que dele derivam, o que torna despicienda a juntada do edital. Logo, ressoa inequívoco que o writ of mandamus está guarneci-do de prova pré-constituída” (STJ, 1ª T., RMS nº 29.073-AC, Rel. Min. Benedito Gonçalves, j. em 25/5/2010, DJe 28/6/2010).

“Mandamus impetrado contra ato judicial. Teratologia ou prejuízo irreparável ou de difícil reparação. Ausência de demonstração. Agravo não provido. [...] 3. O mandado de segurança não constitui o meio processual adequado para provar um fato. Exige prova pré-constituída do seu di-reito líquido e certo. No caso, busca o impetrante demonstrar que houve uma falha técnica que o impediu de ter acesso aos autos em tempo hábil, a fim de interpor o recurso de agravo regimental. Ocorre que a simples cópia do e-mail mencionado em suas razões não se mostra, por si só, hábil a amparar sua pretensão” (STJ, Corte Especial, AgRg no MS nº 16.007-DF, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. em 5/12/2011, DJe de 27/4/2012).

“Prestação de serviço de assessoria jurídica na regulação do sinistro ocorrido no empreen-dimento conhecido como ‘vila do pan’. Prova escrita consubstanciada na correspondência ele-trônica travada entre as partes. Documento que atende as exigências do art. 1.102-A do CPC. Cumprimento da prestação pelo mandatário. Indenização securitária recebida. Reforma da sen-tença. Conversão do mandado em título executivo. A ação monitória cabe a quem dispuser de prova escrita que demonstre a assunção de responsabilidade de crédito pela outra parte, mas que não constitui título executivo extrajudicial. Prova escrita consubstanciada na correspondência eletrônica travada entre as partes é documento que atende as exigências do art. 1.102-A do CPC, posto que demonstra as bases da contratação do serviço, a correspondente contraprestação e o cumprimento da obrigação assumida pelo Apelante. É devida a constituição de título executivo em favor do apelante convertendo-se o mandado inicial em executivo, posto que admitido pelo réu em documento eletrônico e em sede de embargos monitórios, que o pagamento do serviço so-mente não ocorreu em razão das dificuldades financeiras oriundas do bloqueio na conta-corrente efetivado pela Caixa Econômica Federal, por motivos estranhos à relação jurídica aqui travada. Conhecimento e provimento do recurso” (TJRJ, 22ª C. Cível, Ac nº 00112194820098190209, Rel. Des. Rogério de Oliveira Souza, j. em 28/1/2014, DJe de 24/3/2014).

Art. 441

Page 323: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

714

João Paulo Hecker da Silva

“A impressão de um e-mail é a materialização da prova, sua reprodução mecânica não é a prova em si. Tanto quanto a fotografia deve ser juntada aos autos com seus negativos, o e-mail impresso só terá validade se acessível o próprio e-mail, isto é, o arquivo eletrônico. Em outras palavras, competiria aos agravantes fazer juntar aos autos os dados inseridos na memória do computador ou transmitidos por via eletrônica. Somente assim se viabiliza a perícia. A decisão agravada, isso considerado, é correta. Os agravantes não apresentaram o documento, mas cópia do documen-to. O incidente, portanto, sequer seria necessário, pois de documento não se trata. E, em não se tratando de documento, não há presunção de legitimidade que favoreça os agravantes. Por este motivo, ainda, não compete aos agravados o ônus de demonstrar a falsidade do documento. É importante consignar que, no caso concreto, alega-se a perda do HD em que inserto o e-mail. Isso considerado, a cópia impressa e juntada aos autos deve ser valorada em face das demais provas produzidas. Destarte, deve ser mantida a decisão agravada, não se admitindo como prova a cópia de e-mail apresentada” (TJSP, 2ª C. de Direito Privado, AI nº 389881320118260000, Rel. Des. Neves Amorim, j. em 19/4/2011, DJe 28/4/2011).

Art. 441

Page 324: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

715

Gustavo Badaró

Art. 442 - A prova testemunhal é sempre admissível, não dispondo a lei de modo diverso.

AutorGustavo Badaró

I. Noções gerais: da prova testemunhal

A testemunha é o indivíduo que, não sendo parte nem sujeito interessado no processo, depõe perante um juiz sobre fatos pretéritos relevantes para o processo e que tenham sido percebidos pelos seus sentidos.

Não se deve confundir testemunhar com depor. Testemunhar é presenciar algo, isto é, ter contato com um determinado fato. Depor é declarar perante o juiz o que foi presenciado, isto é, reproduzir o que os sentidos perceberam. A pessoa que presenciou um fato relevante para o processo é testemunha. Já o depoimento é o ato por meio do qual a testemunha narra em juízo os fatos que presenciou.

II. Testemunho direto e indireto

Quanto ao conteúdo, a testemunha pode ser direta ou indireta. As testemunhas diretas são aquelas que falam sobre um fato que presenciaram, reproduzindo uma sensação (por exemplo, visão ou audição) percebida por elas próprias. As testemunhas indiretas depõem sobre conheci-mentos obtidos por intermédio de terceiros e os transmitem ao juiz “por ouvirem dizer”.

A “testemunha de ouvir dizer” não pode ser aceita como verdadeira prova testemunhal, mas sim como uma “prova de segunda mão”. Tal elemento de informação pode ser válido para que se descubra a fonte de prova originária, isto é, a testemunha presencial, e produzir esta prova em juí- zo. Entretanto, a testemunha indireta não é prova válida para o juiz formar o seu convencimento. A “testemunha de ouvir dizer” não tem nenhuma responsabilidade por seu testemunho, mesmo que ele não corresponda à verdade. Além disso, seu depoimento, quanto ao fato, não poderia ser explorado contraditoriamente, pois ela não é fonte originária dos fatos.

De acordo com a forma de percepção dos fatos, as testemunhas podem ser visuais ou auditi-vas. As testemunhas visuais são aquelas que prestam depoimento sobre o que viram. Já as tes-temunhas auditivas prestam testemunho sobre o que ouviram, isto é, foi captado pela audição.

Quanto ao objeto, as testemunhas podem ser próprias e impróprias. Testemunha própria é aquela que depõe sobre o thema probandum, isto é, sobre o objeto do litígio. Já a testemunha imprópria é aquela que prestará depoimento sobre um ato do processo, por exemplo: a testemu-nha instrumentária do auto de prisão em flagrante, quando o acusado se recusa a assiná-lo ou não souber ler (CPP, art. 304, § 3º).

III. Das provas pré-constituídas e provas constituendas: diferenças quanto ao regime do contraditório

Uma importante classificação para a compreensão do regime jurídico da prova testemunhal é a distinção entre a natureza das fontes de prova, na medida em que implicam diferentes modali-

Page 325: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

716

Gustavo Badaró

dades de produção dos meios de prova. As provas pré-constituídas dizem respeito a fontes de co-nhecimento preexistentes ao processo, enquanto as constituendas são constituídas e produzidas com atos do processo. As provas constituendas se formam no âmbito do processo, enquanto as provas pré-constituídas existem fora do processo, em procedimentos extraprocessuais.

As provas constituendas, como, por exemplo, aquelas decorrentes de fontes de provas pes-soais (p. ex.: partes e testemunhas), têm sua produção no curso do próprio processo, exigindo a realização de atividades processuais das partes e do juiz, bem como demandando tempo para sua produção em contraditório. Já as provas pré-constituídas, como os documentos, são simplesmen-te juntadas aos autos do processo, já tendo sido criadas previamente e extra-autos. Justamente por isso, o juízo de admissibilidade e o procedimento de produção de tais provas são diversos.

Aliás, nesse ponto, o próprio ordenamento jurídico diferencia o regime legal de admissão da prova documental dos demais meios de prova. Justamente por se tratar de prova pré-constituída, é desnecessário um prévio juízo de admissibilidade, não havendo necessidade sequer de se per-quirir sobre a relevância do documento. A prova documental é diretamente produzida, isto é, juntada aos autos na própria petição na qual, impropriamente, “se requer a juntada” de algo que já se está juntado aos autos. No máximo, há um juízo a posteriori, em razão de alegações de inad-missibilidade da prova documental, mas por critérios jurídicos de exclusão, como, por exemplo, tratar-se de uma carta obtida por meios ilícitos.

Quanto ao momento de produção da prova documental, embora se exija que a parte instrua a petição inicial e a contestação “com os documentos destinados a provar-lhes as alegações” (CPC, art. 344, caput), no regime anterior a interpretação era bastante restritiva sobre o que eram esses documentos imprescindíveis. Por outro lado, gozou de interpretação larga o conceito de “docu-mento novo” que pode ser juntado a qualquer tempo (CPC, art. 345, caput). A mesma liberdade, porém, não existe para a produção da prova decorrente de fonte pessoal, sujeita a limites legais de admissibilidade e produção bem mais rígidos. Há restrição legal quanto ao momento de reque-rimento da prova oral, o número de testemunhas e o rito para a produção da prova testemunhal.

Quanto a este último aspecto, oralidade da produção do depoimento, em contraditório de parte, na presença do juiz, configura um denominador mínimo de forma oral e de controle dialético, que não pode ser substituído por uma equivalente forma de depoimento escrito, realizado fora do contraditório.

Mas a regra de que a prova deve se formar em contraditório vale somente no processo, ou seja, para as provas constituendas, que propriamente são criadas no processo; já para as outras provas, isto é, as pré-constituídas, o importante é que seja garantido o contraditório, não para a formação da prova, mas para a sua valoração. Neste caso, basta que as provas pré-constituídas sejam submetidas ao contraditório, antes da decisão judicial.

IV. Direito à prova e as regras de admissibilidade da prova

Um princípio epistêmico, um tanto quanto óbvio, é que, quando se busca acertar a veracidade de um enunciado fático, deve se poder utilizar todas as informações úteis para tal finalidade. Bentham já advertia que a prova é a base da justiça, e “excluir a prova é excluir a justiça”!

O direito à prova, porém, admite restrições legítimas, nos casos em que outros valores tute-lados constitucionalmente devem prevalecer. Isto é, o “direito à prova” não implica o “direito à admissão de todas as provas” requeridas pelas partes.

Sendo o direito à prova assegurado constitucionalmente, ainda que de forma implícita, toda e qualquer restrição deve decorrer de hipóteses legais de inadmissibilidade probatória. Os limites

Art. 442

Page 326: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

717

Gustavo Badaró

quanto à admissibilidade da prova podem ter fundamentos extraprocessuais (políticos) ou pro-cessuais (lógicos e epistemológicos).

Os limites lógicos determinam as exclusões de provas impertinentes e irrelevantes ou, o que é o reverso da medalha, a regra geral é que toda prova relevante deve ser admitida. Já os limites epistemológicos, ou regras de exclusão por motivos intrínsecos, buscam previamente restringir o ingresso de elementos de provas que, embora relevantes e dotados de elevado potencial persuasi-vo, poderiam gerar uma inexata reconstrução histórica dos fatos. Hipótese sempre lembrada como limite epistemológico, embora não vigorante entre nós, é a hearsay rule, que veda a utilização do testemunho de ouvir dizer, por não possibilitar o exame cruzado da fonte de prova originária. Finalmente, os limites políticos de admissibilidade da prova, ou por razões de política extrínseca, justificam-se, como facilmente se percebe, pela necessidade de proteção de outros valores, mesmo que capazes de colocar em risco a “descoberta da verdade”. Neste caso, o exemplo clássico é o da vedação das provas obtidas por meios ilícitos, em especial no caso de violação de liberdades públi-cas, como as provas obtidas mediante tortura, interceptação telefônica ilegal, violação do domicílio ou da correspondência. Tais provas, ainda que tenham por objeto fatos pertinentes, relevantes e sejam de elevado potencial cognitivo para a reconstrução dos fatos, não serão admissíveis.

Isso porque, embora a verdade seja algo relevante no processo, não se trata de um fim a ser bus-cado a qualquer custo ou qualquer preço. Não há que se adotar o “princípio de que os fins justificam os meios, para assim legitimar-se a procura da verdade através de qualquer fonte probatória”.

V. Admissibilidade geral da prova testemunhal

A regra é a admissibilidade da prova testemunhal. Sua exceção, a inadmissibilidade nos casos em que há vedação legal. O Código, contudo, nesse dispositivo, não deixa de ser um resquício de um modelo que partia da premissa de uma maior credibilidade e confiabilidade objetiva dos documentos, representando uma positivação da máxima lettres passent témoins, limitando a pos-sibilidade do ingresso da prova testemunhal no processo.

A existência de tais limites se funda na premissa de que, sendo possível a produção de uma prova com melhor idoneidade e potencial cognitivo, não se pode aceitar uma menos qualificada.

VI. Vedações legais à prova testemunhal

Sendo a regra a admissão da prova testemunhal, as hipóteses de sua inadmissão exigem ex-pressa previsão legal, normalmente por impor a forma documental de demonstração de algum fato, como a prova da fiança (CC, art. 819), a prova do estado de casado (CC, art. 1.543), do distrato do contrato escrito (CC, art. 472), do contrato de seguro (CC, art. 758), etc.

Estas exceções à admissão da produção da prova testemunhal não têm nenhuma relação com a valoração concreta que o juiz já tenha exercido sobre o thema probandum ou sobre outros meios de prova. A análise deve ser feita em abstrato, apenas a partir do fato probatório que se pretende demonstrar. Trata-se de julgamento a priori sem qualquer necessidade de juízo de verossimi-lhança da alegação ou mesmo de grau de convencimento gerado sobre outros meios de prova já produzidos, como ocorre, por exemplo, na hipótese do inciso I do art. 443.

Art. 443 - O juiz indeferirá a inquirição de testemunhas sobre fatos:I - já provados por documento ou confissão da parte;II - que só por documento ou por exame pericial puderem ser provados.

Art. 443

Page 327: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

718

Gustavo Badaró

I. Fatos já provados por documento ou confissão

A vedação da inquirição de testemunha sobre fato já provado por documento ou confissão da parte liga-se a uma ideia mais ampla de desnecessidade da prova.

O princípio de economia processual exige maior rigor na admissão de um meio de prova de-corrente de fonte pessoal (depoimento pessoal ou inquirição de testemunhas) que na hipótese de uma fonte real, em especial a juntada de documentos. Neste último caso, tratando-se de prova pré-constituída, a atividade judicial para a sua produção e o tempo necessário para o procedimen-to probatório é baixíssimo. Em verdade a produção já se dá com o próprio requerimento, que já vem acompanhado do meio respectivo. E, mesmo no caso em que seja necessária, por exemplo, a expedição de ofício, a atividade será, praticamente toda ela, extraprocessual.

Logo, se um fato já estiver provado por documento, não se admitirá a prova testemunhal. A referência a “fatos já provados por documentos” do inciso I do art. 447 não se confunde com a do inciso II, relativa a fatos “que que só por documento [...] puderem ser provados”.

O inciso I trata de restrição da prova documental nos contratos de forma livre. Isto é, embora não imposta a forma documental para um determinado negócio jurídico, se já houve a produção de prova documental capaz de comprovar o fato, não há que se admitir a prova testemunhal, que seria inútil para a solução do processo. Já no caso do inciso II do mesmo artigo, trata-se de situação de negócios jurídicos em que a forma escrita é exigida ad substantiam vel probationem. Aqui, a vedação não se dá em razão da inutilidade da prova, por superfluidade, mas em inutilida-de da prova, por sua inadequação.

Voltando a hipótese do inciso I, também não se admitirá a prova testemunhal que tenha por ob-jeto fatos já confessados por uma das partes. No caso da confissão, o fato, ou melhor, a alegação sobre o fato, nem sequer será objeto da prova, posto que o art. 374, inciso II, do CPC estabelece que não dependem de prova os fatos incontroversos.

II. Prova supérflua ou inútil

A vedação de provas sobre fatos já comprovados por documentos ou confessados por uma das partes liga-se à noção de prova supérflua. É dever das partes não produzir provas inúteis ou desnecessárias (CPC, art. 77, caput, inciso III).

A prova supérflua, assim como a prova irrelevante, é uma prova inútil. A não produção de prova manifestamente supérflua tem por finalidade tutelar o princípio de economia processual, na medida em que tais provas levariam a um resultado cognoscitivo já produzido, ou que poderia ser obtido por meio diverso. Nesse caso, a elaboração da prova teria custos consideráveis e não serviria para nada além de produzir uma prova cujo conteúdo já foi amplamente constatado por outros meios de prova já produzidos. Não se trata de um critério originário de inadmissão da prova, mas de fator que operara já no curso da instrução, depois de haver atividade probatória já realizada.

Por outro lado, a inadmissibilidade da prova supérflua é um critério subsidiário, que só deve ser considerado depois de um juízo positivo de pertinência e relevância sobre o próprio meio de prova que se reputa supérfluo. Ou seja, a superfluidade pode levar à exclusão de um meio de prova, ainda que seja pertinente.

Em suma, a prova supérflua não se confunde com a prova irrelevante lato sensu, embora am-bas sejam provas inúteis. A prova supérflua é aquela que tem o mesmo objeto de outra prova já

Art. 443

Page 328: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

719

Gustavo Badaró

produzida no processo. A prova irrelevante é a que tem por objeto fatos que não integram o fato jurídico ou fato principal que constitui a regiudicanda. No primeiro caso a relação é de objeto da prova com objeto da prova, no segundo, de objeto da prova com objeto do processo.

III. Fatos que somente podem ser provados por documentos

A prova testemunhal não será admissível nos casos em que somente por documento ou exame pericial se puder comprovar um fato. Nos casos em que se imponha a elaboração por escrito a um determinado negócio jurídico, a inobservância da forma prescrita em lei implicará a nulidade do ato (CC, art. 166, inciso IV). Logo, o problema não é processual, mas de direito material. A questão não é probatória, de correta reconstrução dos fatos que caracterizam a hipótese de incidência da norma, mas sim de hermenêutica, de verificação dos pressupostos de validade do ato jurídico. Por exemplo, ainda que se pretenda utilizar a prova testemunhal para demonstrar a compra e venda de um imóvel, no máximo seria demonstrada a veracidade de uma situação fática que gerou um negócio jurídico nulo.

IV. Fatos que somente podem ser provados por exames periciais

A prova testemunhal não será admissível nos casos em que somente por documento ou exame pericial se puder comprovar um fato.

Diferentemente da prova documental, que em muitos casos o direito material impõe a forma escrita para certos negócios jurídicos, não há regras que imponham a perícia como comproba-tória de certos atos da vida civil. Todavia, há restrições probatórias, baseadas também em uma desconfiança com a prova testemunhal, que exigem a prova pericial para a demonstração de certos fatos.

V. Julgados

Reconhecendo a impossibilidade da prova testemunhal para demonstrar fato provado por documento

“Transferência de quotas sociais, mediante preço indexado à variação do IGP-M. Indexador mantido em confissão de dívida subsequente ao inadimplemento, bem assim em termo aditivo. Requerimento de produção de prova testemunhal no sentido de que as partes convencionaram a indexação em dólares americanos. Indeferimento, justificado, sem qualquer cerceamento de defesa. Contexto em que a prova testemunhal não poderia se sobrepor à prova documental” (STJ, 3ª T., REsp nº 198.497/MS, Rel. Min. Ari Pargendler, j. em 28/9/1999, v.u.).

“O Tribunal a quo não pode, por um lado, indeferir a prova testemunhal requerida pelo Autor por considerar que os mesmos fatos também foram comprovados documentalmente e, contradi-toriamente, julgar improcedente o pedido por ausência de comprovação. O art. 400 do CPC só autoriza que seja dispensada a prova testemunhal nas hipóteses em que os fatos estejam, efetiva-mente, comprovados por documentos (inciso I) ou nas hipóteses em que tal modalidade de prova seja inadequada, técnica ou juridicamente, porque o direito a ser comprovado demanda conheci-mentos especializados, ou recai sobre negócio jurídico cuja forma escrita seja requisito essencial (inciso II)” (STJ, 3ª T., REsp nº 798.079/MS, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. em 7/10/2008, v.u.).

Reconhecendo que indeferimento de prova testemunhal não cerceia a defesa

“Processual Civil. Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial. Ação Civil Públi-ca. Dano ao Erário. Revaloração da prova para redução da Pena. Possibilidade. Indeferimento de prova testemunhal. Aplicação do art. 400, I, do CPC. Ausência de cerceamento de defesa.

Art. 443

Page 329: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

720

Gustavo Badaró

Reexame de matéria fático-probatória. Súmula 7/STJ. 1. Não há cerceamento de defesa quando o juízo, analisando os documentos carreados aos autos, conclui pela inutilidade de produção de prova testemunhal (art. 400, I, do CPC)” (STJ, 1ª T., AgRg no AREsp nº 117668/SP, Rel. Min. Benedito Gonçalves, j. em 7/8/2012, v.u.).

Art. 444 - Nos casos em que a lei exigir prova escrita da obrigação, é admissível a prova testemunhal quando houver começo de prova por escrito, emanado da parte contra a qual se pretendia produzir a prova.

I. Antecedente legislativo

Não mais subsiste no CPC/2015 a generalizada vedação de prova exclusivamente testemunhal para os contratos acima de dez salários mínimos. Além disso, o art. 1.072, inciso II, do CPC re-vogou expressamente o art. 227 do CC, que continha vedação equivalente da prova testemunhal.

II. Limite legal à prova testemunhal

Hipótese de limite legal à prova testemunhal, exigindo corroboração de prova escrita, é a regra do art. 55, § 3º, da Lei nº 8.213/1991, sobre a prova testemunhal para benefícios previdenciários: “A comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta Lei, inclusive mediante justificação administrativa ou judicial, conforme o disposto no art. 108, só produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento”. No mesmo sentido, inclusive, é a Súmula nº 149 do STJ: “A prova exclusivamente testemunhal é in-suficiente para comprovação da atividade rurícola para obtenção de benefícios previdenciários”.

III. Conceito de “começo de prova por escrito”

A expressão “começo de prova por escrito” não está a indicar a exigência de um documento em sentido estrito. A clara desconfiança com a prova testemunhal parece indicar uma crença do legislador na maior fiabilidade das provas reais sobre as decorrentes de fontes pessoais.

Deve se dar à expressão “prova escrita”, nesse contexto, um sentido amplo, de qualquer su-porte material que contenha um registro de fato juridicamente relevante para o processo sobre o qual se pretenda a produção de prova testemunhal. Embora não falte quem diga que o “escrito” tem que ser um escrito privado em sentido técnico, tal conceito tem que ser relido com a evolu-ção dos tempos e novas formas de registros dos fatos. Assim, essa “prova por escrito” poderá ser um DVD que contenha um arquivo de áudio e vídeo que comprove a celebração de um contrato. Poderá ser, também, por óbvio, um “documento eletrônico” que, do ponto de vista do suporte material e da forma de registro, nada tem de “prova escrita”.

Do ponto de vista do resultado probatório, esse “começo de prova escrita” deve fornecer um mínimo lastro probatório decorrente de fontes reais, para se admitir a prova testemunhal. Ou seja, deve-se poder extrair de tal elemento a probabilidade de que o fato que se pretende provar por tes-temunhas – ou melhor corroborar o que já se tem um início de prova escrita – é verdadeiro. Deve haver, portanto, um nexo lógico entre o conteúdo “escrito” e o conteúdo do fato que se pretende comprovar com a prova testemunhal. Não é necessário que entre ambos haja uma relação de identi-dade ou mesmo de implicação necessária, sendo suficiente que do conteúdo de um se possa inferir logicamente a veracidade do conteúdo do outro, para que a prova testemunhal seja admissível.

Art. 444

Page 330: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

721

Gustavo Badaró

Por fim, tem se exigido que esse “começo de prova escrita” emane da parte contrária, contra quem se pretende utilizar tal prova, ou mesmo de quem a represente, não sendo válida a prova escrita originária, direta ou indiretamente, de terceira pessoa.

IV. Julgados

Reconhecendo que o documento emanado da parte contrária é começo de prova escrita

“É admissível a prova testemunhal, qualquer que seja o valor do contrato, quando houver co-meço de prova escrita, reputando-se tal o documento emanado da parte contra quem se pretende utilizá-lo como prova (art. 402, I, CPC)” (STJ, 4ª T., AgRg no AREsp nº 522.481/MS, Rel. Min. Luiz Felipe Salomão, j. em 9/6/2015, v.u.).

Reconhecendo a possibilidade da prova exclusivamente testemunhal para demonstrar as obrigações e efeitos dos contratos

“Em interpretação edificante e evolutiva do art. 401 do CPC, este Tribunal tem entendido que só não se permite a prova exclusivamente por depoimentos no que concerne à existência do contrato em si, não encontrando óbice legal, inclusive para evitar o enriquecimento sem causa, a demonstração, por testemunhas, dos fatos que envolveram os litigantes, bem como das obri-gações e dos efeitos decorrentes desses fatos” (STJ, 4ª T., AgRg no AREsp nº 315.136/MG, Rel. Min. Marco Buzzi, j. em 6/11/2014, v.u.).

“No tocante ao artigo 401 do CPC, o Acórdão recorrido encontra-se em harmonia com o entendi-mento do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que ‘é admitida a prova exclusivamente teste-munhal para comprovar os efeitos decorrentes do contrato firmado entre as partes, devendo tal prova, no caso ora em análise, ser considerada para a demonstração do cumprimento das obrigações contra-tuais’” (STJ, 3ª T., AgRg no AREsp nº 400.662/RS, Rel. Min. Sidnei Beneti, j. em 25/2/2014, v.u.).

Art. 445 - Também se admite a prova testemunhal quando o credor não pode ou não podia, moral ou materialmente, obter a prova escrita da obrigação, em casos como o de parentesco, de depósito necessário ou de hospedagem em hotel ou em razão das práticas comerciais do local onde contraída a obrigação.

I. A impossibilidade moral e material

O art. 445 prevê hipótese em que se afasta a restrição à produção de prova exclusivamente testemunhal, admitindo-a, ainda que seja o único meio de prova. Trata-se de mais uma exceção, em que se admite a prova testemunhal, mesmo que haja restrição legal à admissibilidade de tal prova, porque se trata de negócios jurídicos ou situações em que, segundo a valoração do juiz, não seria possível ao credor obter um documento escrito, ou não lhe seria razoável moralmente exigir tal prova.

O conjunto de tais situações foi deixado propositalmente aberto pelo legislador, que se vale de expressões amplas e elásticas, que deverão ser valoradas caso a caso, de acordo com aspectos objetivos e subjetivos relevantes.

Caberá à parte que requer a produção da prova testemunhal em tal caso o ônus de alegar e provar a situação de impossibilidade material ou moral de obtenção da prova escrita.

Art. 445

Page 331: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

722

Gustavo Badaró

Trata-se de expressões abertas, seguidas de um rol meramente exemplificativo, no qual o le-gislador se vale da intepretação analógica. Cabe ao intérprete considerar situações semelhantes às do rol, embora não descritas explicitamente pelo legislador, desde que tenham características que impedissem o credor de obter documento, seja do ponto de vista moral (p. ex.: um católico que empresta dinheiro ao padre para uma obra da igreja) ou material.

II. Julgado

Reconhecendo a possibilidade da prova exclusivamente testemunhal para demonstrar contrato entre mãe e filho

“I - Os artigos 400 e 403 do Código de Processo Civil vedam a prova ‘exclusivamente’ teste-munhal para comprovação do pagamento quando o valor exceder o décuplo do salário mínimo; mutatis mutandis, havendo início de prova documental, perfeitamente cabível seu complemento por meio de testemunhas. II - Hipótese que, além de se amoldar à previsão acima, também se inclui na exceção do artigo 402, inciso II, do referido Estatuto, onde é admitida a prova exclu-sivamente testemunhal, porquanto as partes envolvidas no negócio são parentes (mãe e filho)” (STJ, 3ª T., REsp nº 651315/MT, Rel. Min. Castro Filho, j. em 9/8/2005, v.u).

Art. 446 - É lícito à parte provar com testemunhas:I - nos contratos simulados, a divergência entre a vontade real e a vontade declarada;II - nos contratos em geral, os vícios de consentimento.

I. Exceção a vedação da prova testemunhal

O art. 446 deve ser interpretado no contexto de um regime que, admitindo a prova testemunhal como regra, também traga exceções que vedem a utilização de tal prova.

Se a regra geral é a admissão da prova testemunhal, salvo as vedações previstas em lei, a teor do art. 442, uma leitura isolada do art. 446 indicaria tratar-se de uma norma desnecessária. Se em regra admite-se a prova testemunhal, por que explicitar a admissibilidade da prova testemunhal para provar simulação e vícios de consentimento?

O art. 446 trata da exceção à exceção. Ou seja, nos casos de exceção, em que não se admite a prova testemunhal (p. ex.: contrato de fiança), ainda assim o depoimento será admissível para demonstrar a simulação e os vícios de consentimento.

II. Hipóteses de cabimento da prova testemunhal

No caso de demandas em que se controverta sobre a simulação na celebração de contratos, ou a ocorrência de vícios de consentimento em geral, aptos de tornar nulos, será admissível a prova testemunhal, ainda que haja vedação de prova testemunhal em relação ao contrato ou negócio jurídico em si.

Por exemplo, é possível demonstrar a simulação no contrato de seguro, mesmo que este deva ser celebrado por escrito (CC, art. 758). Também se admite a prova testemunhal para demonstrar que a fiança foi dada mediante coação, embora o art. 819 do CC exija que o contrato de fiança seja celebrado por escrito.

Art. 446

Page 332: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

723

Gustavo Badaró

Art. 447 - Podem depor como testemunhas todas as pessoas, exceto as incapazes, impedidas ou suspeitas:§ 1º - São incapazes:I - o interdito por enfermidade ou deficiência mental;II - o que, acometido por enfermidade ou retardamento mental, ao tempo em que ocorreram os fatos, não podia discerni-los, ou, ao tempo em que deve depor, não está habilitado a transmitir as percepções;III - o que tiver menos de 16 (dezesseis) anos;IV - o cego e o surdo, quando a ciência do fato depender dos sentidos que lhes faltam.§ 2º - São impedidos:I - o cônjuge, o companheiro, o ascendente e o descendente em qualquer grau e o colateral, até o terceiro grau, de alguma das partes, por consanguinidade ou afinidade, salvo se o exigir o interesse público ou, tratando-se de causa relativa ao estado da pessoa, não se puder obter de outro modo a prova que o juiz repute necessária ao julgamento do mérito;II - o que é parte na causa;III - o que intervém em nome de uma parte, como o tutor, o representante legal da pessoa jurídica, o juiz, o advogado e outros que assistam ou tenham assistido as partes.§ 3º - São suspeitos:I - o inimigo da parte ou o seu amigo íntimo;II - o que tiver interesse no litígio.§ 4º - Sendo necessário, pode o juiz admitir o depoimento das testemunhas menores, impedidas ou suspeitas.§ 5º - Os depoimentos referidos no § 4º serão prestados independentemente de compromisso, e o juiz lhes atribuirá o valor que possam merecer.

I. Antecedente legislativo

O CPC/2015 traz duas importantes e acertadas exclusões do rol dos sujeitos suspeitos para depor: os condenados por falso testemunho, de um lado, e as pessoas “indignas de fé”, de outro.

Não se reproduziu a suspeição a priori do inciso I do § 3º do art. 405 do CPC/1973, que veda-va o depoimento do “condenado por crime de falso testemunho, havendo transitado em julgado a sentença”. Evidente que o fato de uma pessoa já ter sido condenada por falso testemunho é rele-vante do ponto de vista da valoração do seu testemunho. Até mesmo porque, no depoimento, são valorados não somente o dictum pela testemunha, mas a fides de quem presta seu depoimento.

Todavia, era exagerada a vedação geral do testemunho do condenado por falso testemunho, o que implicaria considerar que quem mente uma vez mente sempre, o que não é correto.

Merecedora de ainda maiores aplausos foi a exclusão da vedação do testemunho de quem, “por seus costumes, não for digno de fé”. Inegavelmente os costumes são distintos no tempo e no espaço. Segundos os “bons costumes” de outrora já se consideraram “indignos de fé” a “meretriz

Art. 447

Page 333: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

724

Gustavo Badaró

e os que as exploram, o ébrio habitual e o jogador profissional”. Mais remotamente, o Direito Canônico já considerou suspeitos infiéis, heréticos, excomungados, e se negou capacidade até mesmo às mulheres. Inegavelmente os costumes são distintos no tempo e no espaço. O que se elencava como caracterizador de pessoas indignas de fé era um desfilar anacrônico e preconcei-tuoso de generalizações e pretenso senso comum, que muitas vezes nem sequer correspondiam ao que geralmente acontece. Nenhuma dessas situações justifica atualmente um temor ou um risco tamanho de falsear a verdade, que justifique, a priori, a exclusão da testemunha, não se lhe admitindo o depoimento. Melhor, portanto, admiti-lo, deixando ao julgador a valoração do mesmo, que envolverá não só o que foi dito, mas também as qualidades e defeitos da testemunha.

II. Dever de depor, proibição de depor e dispensa de depor

Em regra, toda pessoa tem o dever de depor pode servir como testemunha. É o que se extrai, a contrario sensu, dos arts. 448 e 447, respectivamente. Não se pode fazer qualquer distinção em razão de sexo, nacionalidade, condição social ou econômica, fama ou reputação. A regra é a capacidade para depor.

Há, contudo, pessoas que são incapazes para depor (art. 447, § 1º), outras que são impedidas de depor (art. 447, § 1º) e aquelas que são suspeitas (art. 447, § 3º). Além disso, existem sujeitos que estão dispensados do dever de depor (art. 448, incisos I e II).

III. Incapacidade do menor de 16 anos

Não há como negar que, em regra, o depoimento dos menores exige cuidados. A criança, por natureza, é uma pessoa imatura psicologicamente, dotada de forte poder de imaginação e grande sugestionabilidade. Além disso, não tem maturidade moral suficiente para compreender a rele-vância ou a importância de dizer a verdade e o prejuízo que a mentira pode causar para a busca da verdade. Por tudo isto, o testemunho infantil deve ser visto com reserva, o que não significa que seja inadmissível. O Código, contudo, mantendo a tradição, preferiu considerá-la impedida de depor, embora trate-se de incapacidade relativa, como deixa claro o § 4º do art. 447.

Considerando que o dispositivo trata da incapacidade para “depor como testemunha”, evidente que tal norma se refere à produção do meio de prova em juízo, isto é, depor como testemunha. Logo, não importa a data que a pessoa tinha quando testemunhou o fato, captando-o com seus sentidos e regis-trando em sua memória, mas sim o momento em que irá prestar seu depoimento em juízo.

IV. Incapacidade do cego e do surdo

Não há uma exclusão absoluta do depoimento dos cegos e dos surdos. A sua incapacidade so-mente ocorre nos casos em que “ciência do fato depender dos sentidos que lhes faltam”. A razão da incapacidade para o depoimento é óbvia, sendo materialmente impossível ao cego captar fatos que dependam da visão, bem como ao surdo conhecer fatos que dependam da audição. São, pois, incapazes de depor sobre fatos que estão fisicamente inibidos de conhecer.

Evidente que o cego pode depor sobre algo que tenha ouvido, bem como o surdo pode depor sobre algo que tenha visto, não havendo qualquer incapacidade para tanto.

V. Impedimento por parentesco

O bem querer recíproco que, normalmente, há entre os parentes justifica a exclusão, que, contudo, não é absoluta. O legislador parte da premissa de que os parentes seriam capazes dos maiores sacrifícios para proteger os membros de sua família, colocando em risco, até mesmo, seu dever de dizer a verdade.

Art. 447

Page 334: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

725

Gustavo Badaró

O impedimento para testemunhar por parentesco com as partes aplica-se ao cônjuge, incluindo o companheiro, o ascendente e o descendente, em qualquer grau, bem como o colateral, até o terceiro grau, de qualquer das partes. Isso quer no caso de parentesco consanguíneo ou por afinidade.

Para o cômputo dos graus de parentesco, aplica-se a regra do art. 1.594 do CC: na linha reta (ascendente e descendente), os graus são contados pelo número de gerações; na linha colateral, também pelo número de gerações, mas subindo de um dos parentes, até o ascendente comum, e depois descendo até o outro parente.

Embora a lei somente se refira ao parentesco consanguíneo ou por afinidade, entendemos que o mesmo se aplica ao parentesco civil, decorrente de adoção. As razões que levam o legislador a tornar suspeito o parente consanguíneo ou por afinidade não se distingue das do parentesco civil. O bem querer que no primeiro coloca em risco o dever de dizer a verdade também existe no segundo caso.

A mesma impossibilidade do cônjuge e do companheiro vale em relação a união homoafetiva entre a parte e a testemunha. O mesmo amor que une pessoas do sexo oposto une as do mesmo sexo e, se no primeiro caso, torna uma impedida de depor na causa em que a outra é parte, igual impedimento existe no segundo. Poderá haver maior dificuldade probatória, nos casos em que não haja um documento formal, como a certidão de casamento, a demonstrar tais relações, mas, uma vez comprovada por qualquer meio tal situação, é de se reconhecer o impedimento.

O impedimento, contudo, não é absoluto. Não estarão impedidos de depor os parentes das par-tes, quando o exigir “o interesse público” ou, “tratando-se de causa relativa ao estado da pessoa”, a prova não puder ser feita por outra pessoa.

O “estado da pessoa” é o seu modo particular de existir. Pode ser físico, de família e político. O estado físico é o modo de ser da pessoa em relação à integridade mental (sãos de espírito e alie-nados), à idade (menores e maiores), ao sexo (homem e mulher). O estado de família distingue as pessoas em: casadas, solteiras, parentes e afins. O estado político transcende a ordem privada. É o direito constitucional que determina quem é cidadão e quem é estrangeiro.

VI. Impedimento das partes

As partes estão impedidas de atuar como testemunhas em causa própria. A razão do princípio nullus idoneus testis in re sua intelligitur é elementar: o interesse na própria causa. Ninguém pode ser parte e testemunha ao mesmo tempo. A testemunha é, por definição, pessoa estranha ao feito, havendo insuperável incompatibilidade entre as partes no processo e a função de testemunhar.

Isso, contudo, não significa que seus conhecimentos sobre os fatos objeto do processo não serão levados em conta para a correta reconstrução história dos fatos. As partes, assim como as testemunhas, são fontes de provas, mas não deporão na qualidade de testemunha, e sim prestarão seu depoimento.

Se houver litisconsorte, não pode depor como testemunha de uma das partes aquele que con-sigo ocupa o mesmo polo do processo.

O assistente da parte também não poderá depor, justamente por ter interesse jurídico na vitória do assistido.

VII. Impedimento dos representantes das partes

Também é impedido de depor como testemunha quem intervém em nome de uma parte, como o tutor e o representante legal da pessoa jurídica.

Art. 447

Page 335: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

726

Gustavo Badaró

No caso do mandatário ad negotia, se ele representa o mandante no feito, há impedimento para depor como testemunha; se não representa, não haverá incompatibilidade, embora não se possa deixar de considerar que algum interesse poderá ter no feito.

VIII. Impedimento do juiz

O juiz é o destinatário da prova. Evidente que nessa condição ele não poderá ser fonte de pro-va, no caso, testemunha. Ao juiz cabe valorar a prova que lhe é apresentada. Se o juiz presenciou o fato, e atuar como testemunha, está impedido de atuar na causa, sendo hipótese de suspeição (CPC, art. 144, caput, inciso I). Juiz é sujeito processual imparcial e testemunha é fonte de prova. A incompatibilidade é insuperável.

IX. Impedimento do advogado

O advogado e outros que assistam ou tenham assistido as partes estão impedidos de depor. O advogado, inclusive, tem o dever de sigilo profissional que já o dispensaria do dever de depor (art. 448, inciso II), mas o art. 447 foi além, considerando sua função incompatível com a de testemunha, impedindo-o de depor.

O impedimento aplica-se a quem é advogado da parte no próprio processo em que se poderia pretender que fosse chamado a depor, mas também a quem já foi advogado da parte, em outros processos, mesmo que já findos, como se extrai da expressão “tenham assistido”.

X. Suspeição do inimigo

O inimigo da parte é testemunha suspeita, pois há evidente interesse em prejudicá-la. Não mais exige a lei que se trate de inimizade capital. Isso não significa, contudo, que basta a mera malquerença ou animosidade para tornar o testemunho suspeito. A origem da exigência de que a inimizade fosse capital, isto é, ao ponto de desejar a morte do outro, vinha das Ordenações do Reino, cuja definição exigia que se tivesse praticado algum crime contra o outro, ou o houvesse “aleijado ou malferido”. Evidente que não é necessário chegar a tanto, mas a inimizade, para gerar a suspeição da testemunha, deve ser aquela que traduz ódio, rancor ou desejo de vingança.

XI. Suspeição do amigo íntimo

A amizade íntima também é motivo de suspeição, pelo manifesto interesse na solução do lití-gio. Não basta, porém, a mera amizade decorrente das normais relações sociais ou uma simples frequência a um mesmo ambiente de trabalho ou clubes e associações. Amizade íntima é aquela que uma pessoa nutre pela outra como se fosse um parente próximo, é a amizade fraternal, capaz de levar um amigo a todos os sacrifícios pelo outro. Também são indicativos da suspeição por amizade: o trabalho em comum ou a anterior existência de sociedade em negócios, a extrema familiaridade, a frequência assídua na residência do amigo ou a relação de compadrio.

XII. Necessidade do depoimento de testemunhas incapazes, impedidas e suspeitas

Excepcionalmente, pode ser necessário admitir o depoimento de testemunhas suspeitas, im-pedidas ou incapazes. O § 4º do art. 447 admite o depoimento dos menores (incapazes) e das testemunhas impedidas (art. 447, § 2º) e suspeitas (art. 447, § 3º). De se observar que, enquanto em relação aos incapazes a regra admite somente o depoimento dos menores de 16 anos, para os impedidos e suspeitos, a admissão do depoimento, no caso de necessidade, é ampla, para qualquer impedido ou suspeito. O legislador não admite, em caráter absoluto, o depoimento do interdito, do enfermo ou retardado mental (incisos I, II e IV do § 1º do art. 447).

Art. 447

Page 336: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

727

Gustavo Badaró

O legislador não definiu quais serão as hipóteses de “necessidade” do depoimento dos incapa-zes, impedidos ou suspeitos, cabendo ao juiz, no caso concreto, analisar e justificar a necessidade de tal depoimento. Por exemplo, quando se trata de fatos que ocorram no ambiente doméstico, sua prova poderá ser viável apenas com o depoimento de parentes que coabitam com uma das partes. Ou no caso de um evento sucedido em uma creche, com depoimento de menores.

Por outro lado, embora não haja uma vedação de tais depoimentos, bem como não haja uma predeterminação abstrata dos valores da prova testemunhal, de acordo com as características ou condições do depoente, é evidente que tais depoimentos devem ser analisados com muito mais cuidado, sendo seu valor tendencialmente menor que o das testemunhas em geral. É nesse senti-do que o § 5º prevê que tais depoimentos serão prestados sem que se tome o compromisso de a testemunha dizer a verdade “e o juiz lhes atribuirá o valor que possam merecer”.

Art. 448 - A testemunha não é obrigada a depor sobre fato:I - que lhe acarrete grave dano, bem como ao seu cônjuge ou companheiro e aos seus parentes consanguíneos ou afins, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau;II - a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar sigilo.

I. Fatos que acarretem grave dano

A testemunha fica dispensada de depor no caso em que o depoimento, com o dever de dizer a verdade, possa lhe causar dano grave. Foi mantida a expressão aberta “grave dano”, como hipó-tese de dispensa do dever de depor. A testemunha também não é obrigada a depor sobre fato que possa causar grave dano “aos seus parentes consanguíneos ou afins, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau”.

Sem definir o que é esse grave dano nem restringindo a espécie de dano, é de se admitir o dano moral e o dano material. Todavia, os pequenos e médios danos não são suficientes para afastar o dever de depor. Somente os danos de maior monta são aptos a pôr em risco, ao ver do legisla-dor, o dever de dizer a verdade imposto à testemunha, colocando-a em situações que até mesmo poderiam levar a uma exclusão de culpabilidade pelo crime de falso testemunho, em razão da inexigibilidade de conduta diversa.

O art. 77, inciso I, impõe às testemunhas o dever de dizer a verdade. Tal dever, contudo, não é absoluto, sendo excepcionado no art. 448. O inciso I do artigo em comento traz regra inspira-da no princípio nemo tenetur se detegere, segundo o qual ninguém é obrigado a produzir prova contra si. No caso, a previsão é até mais ampla, desobrigando qualquer pessoa de produzir prova contra si ou seu parente enunciado no artigo.

Embora a lei somente se refira a parentes “consanguíneos ou afins”, as mesmas razões de res-peito ao sentimento familiar que afastam o dever de depor da testemunha em relação aos parentes justificam a extensão da dispensa no caso de parentesco decorrente de adoção. A relação de paren-tesco considerada não é a do momento do crime, mas sim a existente por ocasião do depoimento, pois é neste momento que a necessidade de preservação dos laços familiares deve ser observada.

Em tais hipóteses, o legislador previamente realiza o seu juízo de valores e estabelece limites antiepistêmicos, afastando a obrigatoriedade do depoimento, por considerar que há valores em

Art. 448

Page 337: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

728

Gustavo Badaró

conflito, que, no caso concreto, são merecedores de maior tutela que uma busca desenfreada e ilimitada pela verdade.

II. Fatos protegidos pelo sigilo profissional

O inciso II do art. 448 afasta o dever de depor nos casos de fatos protegidos pelo sigilo profis-sional. Isto é, ao lado do dever de veracidade, há também o dever de guardar sigilo profissional. Assim, por uma escolha abstrata do legislador, este deve prevalecer sobre aquele e os fatos de que a testemunha tomou conhecimento em razão de seu estado ou profissão não deverão ser re-velados em juízo.

Assim, por exemplo, o médico não é obrigado a depor sobre as doenças de seus pacientes; o sacerdote, sobre o que soube em segredo de confessionário; ou o advogado, sobre os segredos revelados na relação cliente-advogado.

De se ver, contudo, que não se trata de pessoas proibidas de depor. Neste caso, a vedação da proibição poderia caracterizar prova ilícita e, como tal, não passível de ser valorada. Há, apenas, a dispensa do dever de depor. Todavia, no caso do sigilo profissional, testemunha dispensada do dever de depor poderá prestar o seu depoimento, se a parte interessada no segredo (por exemplo, o paciente) desobrigá-la (por exemplo, o médico). Mesmo assim, o detentor do segredo somente prestará seu depoimento se assim quiser, podendo preferir não depor.

Por outro lado, nos casos em que a lei imponha um dever de sigilo profissional, e não houver a dispensa do titular do segredo, se o profissional depuser mesmo assim, tal ato poderá caracteri-zará crime de violação de segredo profissional (CP, art. 154). Uma vez desobrigado do segredo, a testemunha terá a faculdade de depor, não podendo o juiz lhe impor o testemunho.

III. O sigilo do advogado

O sigilo do advogado, em certo sentido, mostra-se mais intenso que outros sigilos profissio-nais. Isso porque a própria lei impõe o sigilo e, por conseguinte, a proibição (e não mera dispen-sa) do depoimento, mesmo que o causídico seja desobrigado por seu cliente. O Código de Ética e Disciplina da OAB, em seu art. 26, estabelece que “o advogado deve guardar sigilo, mesmo em depoimento judicial, sobre o que saiba em razão de seu ofício, cabendo-lhe recusar-se a de-por como testemunha, [...] mesmo que autorizado ou solicitado pelo constituinte”. Neste caso, o depoimento do advogado, mesmo que dispensado do sigilo por seu cliente, caracterizará prova ilícita.

IV. Outras vedações

Os diplomatas também podem se recusar a depor fora de seus respectivos países. O art. 31, § 2º, da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas prevê que: “O agente diplomático não é obrigado a prestar depoimento como testemunha”.

Art. 449 - Salvo disposição especial em contrário, as testemunhas devem ser ouvidas na sede do juízo.Parágrafo único - Quando a parte ou a testemunha, por enfermidade ou por outro motivo relevante, estiver impossibilitada de comparecer, mas não de prestar depoimento, o juiz designará, conforme as circunstâncias, dia, hora e lugar para inquiri-la.

Art. 449

Page 338: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

729

Gustavo Badaró

I. Local do depoimento

Em geral, a oitiva das testemunhas acontece na sede do juízo (CPC, art. 449, caput). Tal re-gra, contudo, não é absoluta. Excepcionalmente, as testemunhas que, por enfermidade, estejam impossibilitadas de comparecer ao fórum para depor poderão ser ouvidas em local diverso, espe-cialmente designado pelo juiz para inquiri-las (por exemplo, na sua residência, no hospital, etc.). Além da enfermidade, outro motivo pode determinar a oitiva em lugar especial, como a situação de uma pessoa muito idosa.

Outra exceção é prevista no art. 454 do CPC, que confere a determinadas autoridades a prer-rogativa de serem ouvidas em sua residência ou onde exercem a função (por exemplo, na casa do presidente da República ou no gabinete do senador).

A regra geral da oitiva na sede do juízo também é excepcionada pelo § 1º do art. 453, que incorpora a possibilidade de oitiva de testemunha por videoconferência ou recurso tecnológico similar.

Por outro lado, embora o novo art. 449 não preveja a regra geral de que as testemunhas serão ouvidas na audiência de instrução e julgamento, o mesmo regime se encontra no caput do art. 336 do CPC/2015.

Art. 449

Page 339: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

730

João Batista Lopes

Art. 450 - O rol de testemunhas conterá, sempre que possível, o nome, a profissão, o estado civil, a idade, o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas, o número de registro de identidade e o endereço completo da residência e do local de trabalho.

AutorJoão Batista Lopes

I. Dados exigidos para o rol de testemunhasPara que a testemunha seja inquirida pelo juiz, é indispensável que seu nome figure em rol

depositado pela parte no prazo estabelecido no art. 357, § 4º. Referido prazo, que não pode ser superior a 15 dias, é fixado pelo juiz ao ensejo do saneamento do processo e tem caráter preclu-sivo (preclusão temporal). O depósito do rol em cartório, no prazo que for assinado, destina-se a permitir que a parte contrária tome conhecimento das testemunhas e possa oferecer contradita apontando alguma causa de suspeição, impedimento ou incapacidade.

É inquestionável, porém, a possibilidade de o juiz converter o julgamento em diligência para ouvir testemunhas não arroladas tempestivamente pelas partes.

O art. 407 do CPC/1973 dispunha simplesmente que o rol de testemunhas deveria indicar o nome, a profissão e a residência delas.

O CPC/2015 é minucioso a esse respeito acrescentando o estado civil, o número de inscrição no CPF, o número de registro de identidade e o endereço completo da residência e local de trabalho.

Tais dados são importantes para evitar problemas decorrentes da homonímia e também para facilitar a localização da testemunha. A ausência de um dos dados pessoais não justifica, porém, per se, a recusa do juiz em ouvir a testemunha.

Art. 451 - Depois de apresentado o rol de que tratam os §§ 4º e 5º do art. 357, a parte só pode substituir a testemunha:I - que falecer;II - que, por enfermidade, não estiver em condições de depor;III - que, tendo mudado de residência ou de local de trabalho, não for encontrada.

I. Hipóteses em que é possível substituir a testemunha

Como já foi exposto, a parte tem o ônus de apresentar o rol de testemunhas no prazo fixado pelo juiz no saneamento do processo.

Pode ocorrer, porém, a impossibilidade de inquirição das testemunhas arroladas, seja por motivo de falecimento, enfermidade ou mudança de endereço, hipóteses em que se faculta sua substituição.

Page 340: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

731

João Batista Lopes Arts. 452 e 453

A hipótese de falecimento dispensa comentários. Já a enfermidade deve ser comprovada por atestado médico que não deixe dúvidas quanto à impossibilidade de prestar depoimento. Pode ocorrer, porém, que a enfermidade somente impeça a locomoção da testemunha, e não o depoi-mento, caso em que o juiz de deslocará à residência da testemunha, ao hospital ou casa de saúde em que ela estiver internada. A substituição da testemunha por mudança de residência ou de local de trabalho deverá ser precedida de diligência para tentativa de sua localização não sendo suficiente a simples afirmação da parte.

Art. 452 - Quando for arrolado como testemunha, o juiz da causa:I - declarar-se-á impedido, se tiver conhecimento de fatos que possam influir na decisão, caso em que será vedado à parte que o incluiu no rol desistir de seu depoimento;II - se nada souber, mandará excluir o seu nome.

I. Juiz arrolado como testemunha

O juiz é um dos sujeitos da relação jurídica processual (sujeito imparcial) e, à evidência, não pode acumular a função jurisdicional com a de prestar depoimento como testemunha.

O artigo contempla duas hipóteses: a) se o juiz tiver conhecimento dos fatos, terá o dever de declarar-se impedido e, assim, estará em condições de ser ouvido como testemunha; b) se nada souber a respeito dos fatos, limitar-se-á a mandar excluir seu nome do rol apresentado.

Na primeira hipótese, não é dado à parte desistir do depoimento do juiz.

Art. 453 - As testemunhas depõem, na audiência de instrução e julgamento, perante o juiz da causa, exceto:I - as que prestam depoimento antecipadamente;II - as que são inquiridas por carta.§ 1º - A oitiva de testemunha que residir em comarca, seção ou subseção judiciária diversa daquela onde tramita o processo poderá ser realizada por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão e recepção de sons e imagens em tempo real, o que poderá ocorrer, inclusive, durante a audiência de instrução e julgamento.§ 2º - Os juízos deverão manter equipamento para a transmissão e recepção de sons e imagens a que se refere o § 1º.

I. Depoimento das testemunhas na audiência perante o juiz da causa

Assinale-se, de início, que “a audiência é o palco da oralidade” (LIEBMAN). Nela o juiz ouve as partes e as testemunhas mantendo contato direto com elas. Os depoimentos são prestados oralmente, não se admitindo, portanto, sua leitura. Assim, o juiz pode sentir o comportamento

Page 341: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

732

João Batista Lopes Art. 454

dos depoentes, suas evasivas ou outras reações que certamente contribuem para formar sua con-vicção. Cuida-se de dever imposto ao juiz da causa, que não pode ser delegado a servidores ou aos advogados.

II. Exceções à regra geral Essa regra admite duas exceções: a) na produção antecipada de prova, que, em seu perfil atual,

é uma ação autônoma, não há falar em audiência de instrução e julgamento, mas em simples colheita de depoimentos. Nessa hipótese, o juiz que atuar na antecipação da prova não ficará prevento para a causa; b) quando a testemunha residir fora da comarca, será expedida carta pre-catória ou de ordem e, se a residência for fora do país, carta rogatória.

Com o avanço da tecnologia, a lei admite a oitiva da testemunha “por meio de videoconferên-cia ou outro recurso tecnológico de transmissão e recepção de sons e imagens em tempo real”. Com essa redação, o legislador deixa aberta a porta para a utilização de outro meio que venha a ser criado ou descoberto pela tecnologia.

A inovação legislativa tem sido recebida com reservas por alguns sob o argumento de que o contato físico direto do juiz com as partes e as testemunhas é indispensável para que o princípio da oralidade, em sua configuração clássica, seja cumprido.

Contudo, não há como obstar a utilização de novas técnicas de captação de imagens e sons sobretudo nas grandes cidades, em que a mobilidade urbana é um grave problema.

Já a eficácia do § 2º pode ser posta em dúvida considerando que a maioria das comarcas bra-sileiras enfrenta dificuldades financeiras, como é público e notório.

De qualquer modo, o dispositivo serve de apoio para que o Judiciário reivindique recursos financeiros para a modernização de suas instalações e equipamentos.

Art. 454 - São inquiridos em sua residência ou onde exercem sua função:I - o presidente e o vice-presidente da República;II - os ministros de Estado;III - os ministros do Supremo Tribunal Federal, os conselheiros do Conselho Nacional de Justiça e os ministros do Superior Tribunal de Justiça, do Superior Tribunal Militar, do Tribunal Superior Eleitoral, do Tribunal Superior do Trabalho e do Tribunal de Contas da União;IV - o procurador-geral da República e os conselheiros do Conselho Nacional do Ministério Público;V - o advogado-geral da União, o procurador-geral do Estado, o procurador-geral do Município, o defensor público-geral federal e o defensor público-geral do Estado;VI - os senadores e os deputados federais;VII - os governadores dos Estados e do Distrito Federal;VIII - o prefeito;IX - os deputados estaduais e distritais;X - os desembargadores dos Tribunais de Justiça, dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais do Trabalho e dos

Page 342: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

733

João Batista Lopes Art. 455

Tribunais Regionais Eleitorais e os conselheiros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal;XI - o procurador-geral de justiça;XII - o embaixador de país que, por lei ou tratado, concede idêntica prerrogativa a agente diplomático do Brasil.§ 1º - O juiz solicitará à autoridade que indique dia, hora e local a fim de ser inquirida, remetendo-lhe cópia da petição inicial ou da defesa oferecida pela parte que a arrolou como testemunha.§ 2º - Passado 1 (um) mês sem manifestação da autoridade, o juiz designará dia, hora e local para o depoimento, preferencialmente na sede do juízo.§ 3º - O juiz também designará dia, hora e local para o depoimento, quando a autoridade não comparecer injustificadamente, à sessão agendada para a colheita de seu testemunho no dia, hora e local por ela mesma indicados.

I. Testemunhas que são inquiridas em sua residência ou onde exercem sua funçãoA regra geral de que a testemunha deve prestar depoimento na sede do juízo é excepcionada

neste artigo, que concede às autoridades indicadas a possibilidade de opção entre prestarem de-poimento em sua residência ou onde exercem sua função. Não se cuida, à evidência, de privilégio concedido à pessoa física, mas de prerrogativa, em atenção à função pública que exercem.

O cotejo entre o artigo em análise e o art. 411 do CPC/1973 mostra claramente a extensão da prerrogativa a autoridades antes não incluídas, a saber: a) os conselheiros do Conselho Nacional de Justiça; b) os conselheiros do Conselho Nacional do Ministério Público; c) o advogado-geral da União; d) o procurador-geral do Estado; e) o procurador-geral do Município; f) o defensor público-geral Federal e o defensor público-geral do Estado; g) o prefeito; h) os deputados distri-tais; i) os desembargadores dos Tribunais Regionais Federais.

Tomando conhecimento de que uma dessas autoridades foi arrolada como testemunha, o juiz solicitará que ela indique dia, hora e local para a inquirição, enviando-lhe cópia da petição inicial ou da defesa (§ 1º). Se, decorrido um mês, não houver manifestação da autoridade, será designa-da nova data para colheita do depoimento, preferencialmente na sede do juízo (§ 2º). O mesmo procedimento será adotado quando a autoridade deixar de comparecer, injustificadamente, no dia, local e hora por ela mesma designados.

II. Consequência do não comparecimento da autoridadePõe-se a questão de saber como deve o juiz proceder quando a autoridade deixar de compare-

cer à nova data designada pelo juiz para o depoimento.Como é curial, ninguém pode furtar-se ao cumprimento do dever legal de colaborar com a

Justiça, razão por que, na hipótese de omissão da autoridade, é de rigor a aplicação da regra geral da condução coercitiva da testemunha, a teor do art. 455, § 5º.

Art. 455 - Cabe ao advogado da parte informar ou intimar a testemunha por ele arrolada do dia, da hora e do local da audiência designada, dispensando-se a intimação do juízo.

Page 343: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

734

João Batista Lopes Art. 455

§ 1º - A intimação deverá ser realizada por carta com aviso de recebimento, cumprindo ao advogado juntar aos autos, com antecedência de pelo menos 3 (três) dias da data da audiência, cópia da correspondência de intimação e do comprovante de recebimento.§ 2º - A parte pode comprometer-se a levar a testemunha à audiência, independentemente da intimação de que trata o § 1º, presumindo-se, caso a testemunha não compareça, que a parte desistiu de sua inquirição.§ 3º - A inércia na realização da intimação a que se refere o § 1º importa desistência da inquirição da testemunha.§ 4º - A intimação será feita pela via judicial quando:I - for frustrada a intimação prevista no § 1º deste artigo.II - sua necessidade for devidamente demonstrada pela parte ao juiz;III - figurar no rol de testemunhas servidor público ou militar, hipótese em que o juízo requisitará ao chefe da repartição ou ao comando do corpo em que servir;IV - a testemunha houver sido arrolada pelo Ministério Público ou pela Defensoria Pública;V - a testemunha for uma daquelas previstas no art. 454.§ 5º - A testemunha que, intimada na forma do § 1º ou do § 4º, deixar de comparecer sem motivo justificado será conduzida e responderá pelas despesas do adiamento.

I. Intimação da testemunha pelo advogadoO preceito constitui inovação no sistema ao dispensar a intimação da testemunha pela via ju-

dicial, atribuindo esse encargo ao advogado. A ratio legis é reduzir a carga de trabalho confiada aos oficiais de justiça, que poderão ocupar-se de outros encargos mais difíceis (ex.: cumprimento de mandados de reintegração de posse, arresto, etc.)

O problema, porém, é que a intimação (ou informação) pela via postal, com aviso de rece-bimento, nem sempre surte o resultado esperado, já que, em muitas partes do país, esse serviço apresenta deficiências. Se é certo que o serviço postal vem sendo aprimorado ao longo dos anos, não menos exato é que ele ainda não atingiu a segurança exigida para a comprovação de atos pro-cessuais. Em razão disso, certamente serão muitos os problemas decorrentes da não devolução oportuna de sobredito comprovante, cabendo ao juiz considerar as circunstâncias de cada caso.

II. Juntada aos autos do A.R. A lei exige que o advogado junte aos autos, “com antecedência de pelo menos 3 (três) dias da

data da audiência, cópia da correspondência de intimação e do comprovante de recebimento”. E a inércia na realização da intimação faz presumir a desistência da testemunha (§§ 1º e 3º).

Num ponto, porém, o legislador manteve o regime do CPC/1973: no que toca à possibilidade de a parte se comprometer a levar a testemunha para depor, presumindo-se a desistência na hi-pótese de ela não comparecer (§ 2º). Tem-se, pois, que, ao se comprometer a levar a testemunha para depor, a parte assume o risco decorrente do não comparecimento à audiência, ou seja, de não produzir a prova requerida.

Page 344: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

735

João Batista Lopes Art. 456

Também não há inovação relativamente à necessidade de depósito prévio do rol de testemu-nhas, providência indispensável para que o adversário possa, na audiência, oferecer contradita.

III. Hipóteses em que a intimação deve ser feita por oficial de justiça

Há hipóteses, contudo, em que a intimação deverá ser feita pela via judicial. Assim, pode ocorrer a frustração da tentativa de intimação pelo correio. Também será exigida a intimação por oficial de justiça se a parte demonstrar a necessidade de utilização dessa via ou quando a teste-munha for arrolada pelo Ministério Público ou pela Defensoria Pública ou, ainda, se se cuidar de uma das autoridades indicadas no art. 454, servidor público ou militar. Esclareça-se, porém, quanto às autoridades mencionadas no citado art. 454 que cumprirá ao juiz, previamente, solici-tar a elas a designação de data, local e hora para a inquirição.

Art. 456 - O juiz inquirirá as testemunhas separada e sucessivamente, primeiro as do autor e depois as do réu, e providenciará para que uma não ouça o depoimento das outras.Parágrafo único - O juiz poderá alterar a ordem estabelecida no caput se as partes concordarem.

I. Ordem de inquirição das testemunhas

O caput do artigo repete disposição do CPC/1973 (art. 413).

Esclareça-se, de início, que, em rigor técnico, não existem testemunhas do autor, nem testemunhas do réu, pois todas as testemunhas são do juízo e, portanto, terceiros imparciais. O texto legal deve ser entendido como testemunhas arroladas pelo autor e testemunhas arroladas pelo réu.

É natural que as testemunhas arroladas pelo autor sejam ouvidas em primeiro lugar, já que se impõe antes a apuração dos fatos por ele alegados para, depois, verificar-se a ocorrência dos articulados pelo réu. Por outro lado, essa ordem facilita a atuação do advogado do réu, que, ao formular perguntas, poderá valer-se do que foi declarado pelas testemunhas arroladas pelo autor, o que atende ao princípio do contraditório em seu perfil mais atual.

O parágrafo único permite, porém, a inversão dessa ordem, desde que haja concordância das partes.

II. Nulidade da inversão da ordem

Põe-se, porém, a questão: haverá nulidade se o juiz inverter essa ordem sem a anuência das partes?

A questão foi objeto de controvérsia na vigência do CPC/1973 e pode suscitar dúvida com o CPC/2015, considerando-se o disposto no art. 139, inciso VI, que permite ao juiz alterar a ordem de produção dos meios de prova.

Deve prevalecer, porém, a orientação no sentido de que, não havendo concordância das partes, a inversão poderá acarretar nulidade se for comprovado prejuízo para a parte.

Cumpre registrar que, na hipótese de não comparecimento de uma ou mais testemunhas arro-ladas pelo autor, é razoável que o juiz, atento ao princípio da celeridade processual, passe a tomar o depoimento das testemunhas arroladas pelo réu.

Page 345: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

736

João Batista Lopes Arts. 457 e 458

Art. 457 - Antes de depor, a testemunha será qualificada, declarará ou confirmará seus dados e informará se tem relações de parentesco com a parte ou interesse no objeto do processo.§ 1º - É lícito à parte contraditar a testemunha, arguindo-lhe a incapacidade, o impedimento ou a suspeição, bem como, caso a testemunha negue os fatos que lhe são imputados, provar a contradita com documentos ou com testemunhas, até 3 (três), apresentadas no ato e inquiridas em separado.§ 2º - Sendo provados ou confessados os fatos a que se refere o § 1º, o juiz dispensará a testemunha ou lhe tomará o depoimento como informante.§ 3º - A testemunha pode requerer ao juiz que a escuse de depor, alegando os motivos previstos neste Código, decidindo o juiz de plano após ouvidas as partes.

I. Qualificação e contradita da testemunha

1. Qualificação da testemunha

Ao ensejo do oferecimento do rol de testemunhas, a parte deve indicar-lhes os dados que permitam sua identificação (nome, estado civil, profissão, números do CPF e da carteira de iden-tidade e endereço). Em seguida, a testemunha confirmará ou retificará essas informações e será interpelada sobre eventual parentesco ou interesse na causa.

2. Contradita da testemunha

A parte poderá contraditar a testemunha, ou seja, insurgir-se contra a tomada de seu depoi-mento, apontando alguma causa de suspeição ou impedimento.

Apresentada a contradita, o juiz dará a palavra à testemunha para se manifestar sobre a alega-da existência de suspeição ou impedimento e, na hipótese de negativa, possibilitará a produção de prova documental ou testemunhal pela parte que suscitou o incidente.

Não sendo demonstrada a procedência da contradita, o juiz tomará o depoimento da testemu-nha; caso contrário, poderá ouvi-la como informante, sem o compromisso de dizer a verdade, ou dispensar seu depoimento, se outros elementos de convicção houver nos autos.

Importa registrar que, nas causas que envolvem direito de família, é frequente a inquirição de parentes ou amigos da parte, porque justamente essas pessoas é que podem elucidar os fatos controversos.

Esclareça-se, também, que a impugnação à testemunha pode ser apresentada mesmo antes da audiência, e que a dispensa do depoimento por incapacidade independe de oferecimento de contradita.

Art. 458 - Ao início da inquirição, a testemunha prestará o compromisso de dizer a verdade do que souber e lhe for perguntado.Parágrafo único - O juiz advertirá à testemunha que incorre em sanção penal quem fez afirmação falsa, cala ou oculta a verdade.

Page 346: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

737

João Batista Lopes Art. 459

I. Testemunha. Compromisso de dizer a verdade

Como terceiro imparcial, a testemunha tem o dever jurídico de dizer a verdade e, em razão disso, cumpre ao juiz tomar-lhe o compromisso de dizer o que souber e lhe for perguntado sobre os fatos.

II. Juramento

O compromisso de dizer a verdade não se confunde com o juramento, instituto adotado em outros sistemas, em que a testemunha dá sua palavra perante Deus ou os homens, assumindo o dever moral de não mentir.

Sem embargo da discussão jurídica e filosófica a respeito do conceito de verdade, a ratio legis é obrigar a testemunha a relatar tudo o que percebeu, por seus sentidos, que possa contribuir para elucidação dos fatos. Assim, é possível, em muitos casos, que a percepção da testemunha não tenha correspondência exata com os fatos, por decorrer de deficiência sua ou por outros fatores. Por exemplo, a testemunha, sem incorrer em falso testemunho, pode, por falha de percepção ou de memória, declarar, em hipótese de acidente de trânsito, que o sinal semafórico era verde, quando, na verdade, era vermelho.

III. Omissão ou ocultação da verdade

A omissão ou a ocultação da verdade também se incluem no compromisso assumido pela testemunha.

Após assumir o compromisso legal, o juiz advertirá a testemunha de que constitui infração pe-nal fazer afirmação falsa, calar ou ocultar a verdade. Tal advertência pode ser renovada ao longo do depoimento caso haja alguma indicação de falsidade ou hesitação da testemunha.

Na hipótese de o juiz deixar de tomar o compromisso legal e de advertir a testemunha sobre as consequências do falso testemunho, poderá a parte, por seu advogado, requerer que a omissão seja suprida e, em caso de indeferimento, que passe a constar do termo o ocorrido.

De qualquer modo, a omissão do juiz, nessa hipótese, não acarreta a nulidade do depoimento, mas poderá servir como argumento a ser apresentado pela parte nas alegações finais ou em grau de recurso.

Art. 459 - As perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, começando pela que a arrolou, não admitindo juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com as questões de fato objeto da atividade probatória ou importarem repetição de outra já respondida.§ 1º - O juiz poderá inquirir a testemunha tanto antes quanto depois da inquirição feita pelas partes.§ 2º - As testemunhas devem ser tratadas com urbanidade, não se lhes fazendo perguntas ou considerações impertinentes, capciosas ou vexatórias.§ 3º - As perguntas que o juiz indeferir serão transcritas no termo, se a parte o requerer.

Page 347: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

738

João Batista Lopes Art. 460

I. Inquirição das testemunhas diretamente pelas partesTrata-se de inovação em relação ao CPC/1973. Sempre prevaleceu o entendimento de que as

perguntas formuladas pelos advogados deveriam ser endereçadas ao juiz, que, considerando-as pertinentes, as repetiria para a testemunha. O argumento central para essa orientação era a neces-sidade de evitar que os advogados pudessem pressionar ou intimidar as testemunhas, sobretudo quando elas fossem pessoas humildes ou simples. Contudo, o procedimento então adotado era burocrático e passível de falhas, na medida em que as perguntas eram muitas vezes repetidas de forma incompleta pelo juiz, o que provocava incidentes desnecessários.

A alteração legislativa contribuirá, certamente, para a celeridade dos trabalhos da audiência.Deverá o juiz, porém, indeferir perguntas que possam sugerir a resposta e impedir que os ad-

vogados, de algum modo, possam exercer influência nas respostas.II. Inquirição pelo juizA lei permite que o juiz formule perguntas à testemunha antes ou depois da inquirição feita

pelos advogados. Considerando-se que a testemunha, ao cumprir seu dever de comparecer e depor está, tam-

bém, colaborando com a atividade jurisdicional, a lei impõe seja ela tratada com urbanidade não se lhe fazendo perguntas ou considerações impertinentes, capciosas ou vexatórias.

Por último, as perguntas indeferidas deverão ser transcritas no termo, se a parte o requerer.

Art. 460 - O depoimento poderá ser documentado por meio de gravação.§ 1º - Quando digitado ou registrado por taquigrafia, estenotipia ou outro método idôneo de documentação, o depoimento será assinado pelo juiz, pelo depoente e pelos procuradores.§ 2º - Se houver recurso em processo em autos não eletrônicos, o depoimento somente será digitado quando for impossível o envio de sua documentação eletrônica.§ 3º - Tratando-se de autos eletrônicos, observar-se-á o disposto neste Código e na legislação específica sobre a prática eletrônica de atos processuais.

I. Admissibilidade de registro do depoimento por gravaçãoJá foi dito que a audiência é o palco da oralidade (LIEBMAN). É curial, porém, que tudo o

que for dito na audiência (depoimentos, esclarecimentos do perito, alegações, decisões) tem de ser registrado para constar do processo e ser examinado a qualquer tempo, porque verba volant, scripta manent.

II. Registro por taquigrafia ou estenotipiaSem embargo da introdução do processo eletrônico, com suas normas próprias, ainda trami-

tam, em muitas comarcas, processos físicos, hipóteses em que esse registro pode ser feito por taquigrafia, estenotipia ou outro meio idôneo de documentação.

Em qualquer hipótese, os atos processuais praticados na audiência devem ser assinados, fisi-camente, na primeira hipótese e digitalmente na segunda.

Page 348: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

739

João Batista Lopes Arts. 461 e 462

Art. 461 - O juiz pode ordenar, de ofício ou a requerimento da parte:I - a inquirição de testemunhas referidas nas declarações da parte ou das testemunhas;II - a acareação de 2 (duas) ou mais testemunhas ou de alguma delas com a parte, quando, sobre fato determinado que possa influir na decisão da causa, divergirem as suas declarações.§ 1º - Os acareados serão reperguntados para que expliquem os pontos de divergência, reduzindo-se a termo o ato de acareação.§ 2º - A acareação pode ser realizada por videoconferência ou por outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real.

I. Testemunhas referidasAlém das testemunhas arroladas, o juiz poderá ouvir testemunhas referidas em depoimentos

ou em documentos. Cuida-se de um dos poderes instrutórios do juiz cujo exercício visa a com-plementar a prova colhida. Por exemplo, em acidente de trânsito, pode ocorrer que pessoas men-cionadas no boletim de ocorrência não sejam arroladas pelas partes. Nessa hipótese, o juiz pode designar data para ouvi-las a fim de colher maiores informações sobre os fatos.

II. AcareaçãoAcareação, acareamento ou careação é o ato pelo qual o juiz põe frente a frente duas ou mais

testemunhas ou alguma delas com a parte, quando detectar divergência entre seus depoimentos sobre ponto relevante da lide.

O simples conflito entre depoimentos não justifica, porém, a acareação, podendo o juiz dar prevalência a um depoimento sobre outro, desde que coerente e circunstanciado.

III. Acareação é ato discricionário?Discute-se se a acareação é ato discricionário do juiz, ou seja, se bastaria a conveniência ou

oportunidade para sua determinação.

A resposta é negativa, uma vez que os atos judiciais devem ter como suporte a necessidade de sua realização. No que toca aos atos probatórios, o art. 370 é expresso ao estabelecer que o juiz determinará as provas necessárias ao julgamento do mérito, e não as que sejam simplesmente convenientes ou oportunas.

O dispositivo em tela não autoriza, porém, a acareação entre as partes, no pressuposto de que o ato resultaria infrutífero, uma vez que raramente se lograria a alteração do depoimento de uma delas.

Postos os depoentes vis-à-vis, o juiz exporá os pontos em que se registrou divergência e soli-citará explicações que serão reduzidas a termo.

Do mesmo modo que os depoimentos, também a acareação pode ser efetuada por videocon-ferência ou outro recurso igualmente idôneo à transmissão de sons e imagens.

Art. 462 - A testemunha pode requerer ao juiz o pagamento da despesa que efetuou para comparecimento à audiência, devendo a parte pagá-la logo que arbitrada ou depositá-la em cartório dentro de 3 (três) dias.

Page 349: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

740

João Batista Lopes

I. Direito da testemunha ao pagamento da despesa efetuada para comparecimento à au-diência

O comparecimento da testemunha à audiência para prestar depoimento sobre o que souber dos fatos constitui um dever que, porém, para ser cumprido exige, muitas vezes, despesas com transporte e alimentação.

O texto tem aplicação sobretudo na hipótese de comarcas distantes do endereço residencial da testemunha, obrigando esta a deslocar-se em veículo próprio ou coletivo, o que, à evidência, onera seu patrimônio.

Assim, caberá ao juiz apreciar requerimento apresentado pela testemunha e arbitrar valor compatível com as despesas efetuadas, devendo a parte suportá-las imediatamente ou efetuar o devido depósito no prazo de três dias.

Art. 463 - O depoimento prestado em juízo é considerado serviço público.Parágrafo único - A testemunha, quando sujeita ao regime da legislação trabalhista, não sofre, por comparecer à audiência, perda de salário nem desconto no tempo de serviço.

I. Caráter público do depoimento prestado em juízo

O texto não exige maior explicação. Ao comparecer para depor, a testemunha está colaborando para a elucidação dos fatos e, portanto, contribuindo para a efetividade do processo. Assim, o depoimento é considerado serviço público e, como corolário, a testemunha não poderá sofrer desconto em sua remuneração pelo comparecimento a juízo.

Art. 463

Page 350: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

741

William Santos Ferreira

Art. 464 - A prova pericial consiste em exame, vistoria ou avaliação.§ 1º - O juiz indeferirá a perícia quando:I - a prova do fato não depender de conhecimento especial de técnico;II - for desnecessária em vista de outras provas produzidas;III - a verificação for impraticável.§ 2º - De ofício ou a requerimento das partes, o juiz poderá, em substituição à perícia, determinar a produção de prova técnica simplificada, quando o ponto controvertido for de menor complexidade.§ 3º - A prova técnica simplificada consistirá apenas na inquirição de especialista, pelo juiz, sobre ponto controvertido da causa que demande especial conhecimento científico ou técnico.§ 4º - Durante a arguição, o especialista, que deverá ter formação acadêmica específica na área objeto de seu depoimento, poderá valer-se de qualquer recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens com o fim de esclarecer os pontos controvertidos da causa.

AutorWilliam Santos Ferreira

I. Prova pericial – admissibilidade, perito e cabimento

A perícia deve ser determinada quando a prova de determinado fato depender de conhecimen-to técnico ou científico (cf. art. 156, caput). Nas mais diversas áreas, os especialistas (experts) podem ter sua atuação certificada nos planos científico, em geral envolvendo graduação univer-sitária (ex., medicina, engenharia), ou técnico, no caso de cursos em geral mais curtos que os universitários e voltados a objetivos profissionalizantes (ex., corretagem de imóveis, de valores) (sobre perito, v. arts. 156 a 158).

O perito judicial é considerado auxiliar da Justiça (art. 149) e desempenha atividade relevante e de extrema responsabilidade, especialmente por dominar elementos que não são usualmente do co-nhecimento dos sujeitos do processo, o que impõe um controle efetivo sobre este “poder persuasivo”.

Além de conhecimento técnico e científico, nada impede que determinado conhecimento es-pecífico, não decorrente de cursos, possa ser utilizado quando for útil para o esclarecimento do fato probando.

Embora o disposto no § 1º do art. 464 indique as hipóteses para indeferimento da prova pericial, sua aplicação se dá, evidentemente, nos dois sentidos, que são, portanto, requisitos de cabimento deste meio de prova, que devem estar presentes cumulativamente:

1. Utilidade

O fato probando depende de conhecimento especial para ser esclarecido e houver potencia-lidade deste esclarecimento, sendo irrelevante se o juiz possui ou não referido conhecimento, porque não se admite o acúmulo de atividades (juiz-perito).

Page 351: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

742

William Santos Ferreira Art. 464

2. Necessidade

Em casos específicos podem outros meios de prova já terem esclarecido o fato, exemplifica-tivamente, pela juntada de documentos que, por si sós, são suficientes para a solução. Mas por envolver certa medida de elementos para análise crítica, a desnecessidade deve ser cercada de cuidados, porque o óbvio para aquele que não tem elementos para se opor à evidência de uma ou-tra prova pode ser um grande equívoco na análise de quem possua elementos crítico-valorativos fundamentais. Na dúvida, a prova pericial deve ser deferida, não só porque no âmbito probatório vige o in dubio pro direito à prova (arts. 369 e 370, caput), como também porque a necessidade ou não da prova pericial já pode, por si só, ser uma questão técnica.

3. Praticabilidade

Este requisito envolve as condições para os trabalhos periciais, em alguns casos determina-das perícias serão impossíveis por falta de elementos que permitam uma análise. Um cuidado adicional deve ser tomado, nem sempre a perícia direta (com análise do próprio objeto) poderá ser realizada, devido às peculiaridades do caso, pode ser viável uma perícia indireta para que se possa chegar a uma conclusão técnica sobre os fatos controversos.

II. Julgados

“EMENTA: DECISÃO MONOCRÁTICA. RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE INDENI-ZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. CONTRATO DE PARTICIPAÇÃO FINAN-CEIRA. SUBSCRIÇÃO DE AÇÕES. CISÃO DE EMPRESA DE TELECOMUNICAÇÕES BRASILEIRAS SA – TELEBRÁS. NECESSIDADE DE PROVA PERICIAL. COMPLEXIDADE DA CAUSA. NECESSIDADE DE PERÍCIA CONTÁBIL E LIQUIDAÇÃO INCOMPATÍVEL COM O PROCEDIMENTO DOS JUIZADOS ESPECIAIS. INCOMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL. EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. ART. 51, II, DA LEI 9.099/95. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. SENTENÇA ANULADA DE OFÍCIO. RECUR-SO PREJUDICADO” (TJPR, 2ª T. Recursal, Recurso Inominado nº 0000690-61.2014.8.16.0052, Rel. Daniel Tempski Ferreira da Costa, j. em 10/7/2015).

“EMENTA: RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. PROVA PERICIAL. MOMEN-TO DE IMPUGNAÇÃO AO PERITO. PRECLUSÃO. NÃO OCORRÊNCIA. DISCUSSÃO ACERCA DA QUALIDADE TÉCNICO/CIENTÍFICA DO LAUDO PERICIAL. IMPUGNA-ÇÃO APÓS A ELABORAÇÃO DOS TRABALHOS PERICIAIS. POSSIBILIDADE (CPC, ART. 424, I). OMISSÕES RELEVANTES NO JULGADO (CPC, ART. 535). OCORRÊNCIA. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.

1. Quando a prova dos fatos debatidos na lide depender de conhecimento técnico ou científico o juiz será necessariamente assistido por um ou mais peritos, ou seja, profissionais de nível uni-versitário, dotados de especialidade na matéria sobre a qual deverão opinar, realizando exame, vistoria ou avaliação, na condição de auxiliares do juízo (CPC, arts. 145, 420, caput, e 431-B), ressalvadas as hipóteses excepcionais previstas nos arts. 420, parágrafo único, e 427 do CPC.

2. Não estando a matéria suficientemente esclarecida após a apresentação do laudo pericial, poderão as partes formular quesitos suplementares ou nova perícia poderá ser realizada, tendo por objeto os mesmos fatos, com vistas à correção de omissões ou equívocos constatados na primeira perícia (CPC, arts. 437 e 438). Essa segunda perícia não substitui a primeira, pois serão ambas livremente apreciadas pelo julgador, mesmo porque este não fica adstrito ao resultado dos laudos periciais (CPC, arts. 436 e 439).

Page 352: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

743

William Santos Ferreira Art. 464

3. As partes poderão recusar o perito por: a) impedimento ou suspeição (CPC, arts. 138, III, § 1º, e 423), deduzidos na conformidade dos arts. 304 a 306 e 312 a 314 do CPC; e b) deficiência formal de titulação acadêmica, a revelar ser possuidor de currículo profissional insuficiente para opinar sobre a matéria em debate. Nessas hipóteses, deverão deduzir a impugnação logo após a nomeação realizada pelo juiz, sob pena de preclusão.

4. Além das hipóteses destacadas, deve-se atentar que a norma do art. 424, I, do CPC estabe-lece hipótese abrangente de substituição do perito quando ‘carecer de conhecimento técnico ou científico’, o que significa que a substituição poderá se dar não só por discussão quanto à qualifi-cação técnica, formal, do perito, como acima já referido, mas também por deficiente desempenho constatado nos trabalhos periciais que apresenta ao julgador.

5. Nessa última hipótese, que diz respeito à dinâmica dos trabalhos periciais, somente após o exercício do mister pelo técnico nomeado é que poderá a parte prejudicada apresentar impugna-ção, na primeira oportunidade que falar nos autos. Trata-se de impugnação da qualidade técnica ou científica dos trabalhos apresentados pelo perito, e não da qualificação formal desse profissio-nal. Por isso mesmo, somente no decorrer da colheita da prova pericial é que pode ser arguida a questão.

6. No caso dos autos, tem o processo uma complexa e desafiante dilação probatória, pois os litigantes trazem à Justiça o dever de declarar qual das partes ocasionou o atraso na entrega de uma plataforma petrolífera e, com isso, deu causa ao considerável aumento do valor final da em-preitada, que excedeu sobremaneira o orçamento inicial.

7. Assim, a oportuna impugnação dos trabalhos do perito deve ser avaliada pelo julgador, pois não está sujeita àquela preclusão operada após a nomeação do expert não recusada pelas partes. Ao decidir, o juiz poderá substituir o perito ou, dada a complexidade da causa, mandar realizar uma nova perícia, como dispõem os arts. 431-B e 437 a 439 do CPC.

8. Constatando-se violação ao art. 535, II, do CPC, por omissões acerca de questões nevrál-gicas para a completa prestação jurisdicional, deve-se anular o v. acórdão recorrido para que, novamente, sejam julgados os embargos de declaração, sanando-se as omissões existentes e relevantes.

9. Recurso especial parcialmente provido” (STJ, 4ª T., REsp nº 1.175.317/RJ, Rel. Min. Raul Araújo, j. em 7/5/2013, DJe de 26/3/2014).

III. Técnicas periciaisEmbora haja dissenso, pode-se afirmar que a prova pericial é um meio de prova que pode

adotar três técnicas distintas:1. Vistoria Quando demandar análise visual, em geral atestando estado de coisas e pessoal de maneira

mais superficial, pelo que exteriorizam.2. Avaliação Quando o objetivo é definir especificamente o valor de algo.3. Exame A espécie de perícia de maior espectro, que pode ou não também abranger vistoria ou avalia-

ção, mas a estas não se limita, demandando uma análise mais aprofundada, pormenorizada e que pode ter vários objetivos distintos.

Page 353: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

744

William Santos Ferreira Art. 464

IV. Prova técnica simplificada (perícia oral)

Se o ponto controvertido não contiver dificuldades tais que indiquem análises mais aprofun-dadas, pormenorizadas, que imponham trabalhos específicos, ou documentações, ou cálculos, enfim, tudo aquilo que indicasse que a confecção de um laudo pericial seria o mais adequado, concluir-se-á ser uma perícia de menor complexidade, estando autorizada a oitiva do perito e de assistentes-técnicos em audiência.

A determinação judicial de prova técnica simplificada pode se dar de ofício ou a requerimento da parte interessada e consistirá na inquirição de um expert em audiência; embora o § 3º fale que a inquirição será pelo juiz, evidentemente, a prova pericial é um direito das partes e não do Estado-juiz que a utiliza, organiza os trabalhos e decide, portanto a inquirição é coordenada pelo juiz que poderá formular questões, mas as partes não somente poderão formular perguntas, como também arrolar especialistas para serem ouvidos sobre os mesmos pontos, aplicando-se, neste caso, as técnicas de oitiva das testemunhas, inclusive com perguntas diretas.

Está expressamente autorizada, e até indicada, a utilização de recursos tecnológicos volta-dos à adequada compreensão dos esclarecimentos dos experts, não podendo se olvidar que a documentação é sempre fundamental, pois não basta a imediatidade, o contato direto do juiz de primeira instância com os esclarecimentos, pois estes precisarão estar da melhor maneira possí-vel documentados nos autos, para serem utilizados também pelas partes, em debates e eventuais recursos, como também por juízes em outras instâncias.

A legislação claramente visa estimular a adoção de tecnologias como instrumentos que per-mitam maior compreensão dos elementos técnicos, especialmente com o acesso facilitado a estes recursos, o que impõe a quebra de paradigmas, do imobilismo tão caraterístico da seara probatória.

V. Julgados

“EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. PERÍCIA JUDICIAL. INQUI-RIÇÃO DO PERITO NA AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO. DISPENSA DO LAUDO. ART. 421, § 2º, DO CPC. POSSIBILIDADE. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO NÃO PROVIDO.

1. ‘A despeito da informalidade da perícia, o juiz da causa garantiu o acompanhamento do ato processual pelo advogado da parte e por seu assistente técnico, razão por que não se pode ver, em tal procedimento, sequer indício de cerceamento de defesa’ (REsp 1.267.292/SC, Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Sexta Turma, DJe 17/9/12).

2. O reconhecimento da incapacidade técnica do perito nomeado demandaria o reexame de aspectos fático-probatórios da lide, o que também atrai a aplicação da Súmula 7/STJ.

3. Agravo regimental não provido” (STJ, 1ª T., REsp nº 1.316.308/SC, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. em 13/8/2013, DJe de 22/8/2013).

“EMENTA: PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RE-CURSO ESPECIAL. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. PERÍCIA INTEGRADA. CERCEA-MENTO DE DEFESA. NÃO CARACTERIZAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.

1. A questão recursal está na nulidade da perícia integrada. O juiz da causa optou, com base no § 2º do artigo 421 do CPC, pela denominada perícia informal ou integrada, que consiste na

Page 354: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

745

William Santos Ferreira Art. 465

inquirição pelo juiz do perito e dos assistentes, em audiência. Quanto ao ponto, o Tribunal a quo não dissentiu da Jurisprudência do STJ, ao asseverar a legalidade da perícia informal. Precedente ilustrativo: REsp 1.316.308/SC.

2. Outrossim, hão de ser levados em consideração o princípio da livre admissibilidade da prova e o princípio do livre convencimento do juiz que, nos termos do art. 130 do Código de Processo Civil, permitem ao julgador determinar as provas que entende necessárias à instrução do processo, bem como o indeferimento daquelas que considerar inúteis ou protelatórias. Incum-bência dada às instâncias ordinárias.

3. Agravo regimental não provido” (STJ, 2ª T., AgRg no REsp nº 1.468.369/SC, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. em 23/10/2014, DJe de 5/11/2014).

Art. 465 - O juiz nomeará perito especializado no objeto da perícia e fixará de imediato o prazo para a entrega do laudo.§ 1º - Incumbe às partes, dentro de 15 (quinze) dias contados da intimação do despacho de nomeação do perito:I - arguir o impedimento ou a suspeição do perito, se for o caso;II - indicar assistente técnico;III - apresentar quesitos.§ 2º - Ciente da nomeação, o perito apresentará em 5 (cinco) dias:I - proposta de honorários;II - currículo, com comprovação de especialização;III - contatos profissionais, em especial o endereço eletrônico, para onde serão dirigidas as intimações pessoais.§ 3º - As partes serão intimadas da proposta de honorários para, querendo, manifestar-se no prazo comum de 5 (cinco) dias, após o que o juiz arbitrará o valor, intimando-se as partes para os fins do art. 95.§ 4º - O juiz poderá autorizar o pagamento de até cinquenta por cento dos honorários arbitrados a favor do perito no início dos trabalhos, devendo o remanescente ser pago apenas ao final, depois de entregue o laudo e prestados todos os esclarecimentos necessários.§ 5º - Quando a perícia for inconclusiva ou deficiente, o juiz poderá reduzir a remuneração inicialmente arbitrada para o trabalho.§ 6º - Quando tiver de realizar-se por carta, poder-se-á proceder à nomeação de perito e à indicação de assistentes técnicos no juízo ao qual se requisitar a perícia.

I. Perito e especialização

Não basta a confiança do juiz, é determinação expressa do art. 465 do CPC/2015 “perito es-pecializado no objeto da perícia”, devendo, portanto, o juiz identificar do que a perícia deverá tratar e relacionar com os conhecimentos específicos, caso isto não ocorra haverá infringência da norma. A perícia é determinada justamente nas hipóteses em que identificada necessidade de

Page 355: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

746

William Santos Ferreira Art. 465

solução de questão fática que envolva conhecimento especializado ou específico, não podendo este elemento ser afastado, já que é justamente o que justifica os trabalhos instrutórios periciais.

Nas localidades mais distantes, desde que não seja viável economicamente, pelo porte da causa, nomear perito altamente especializado, é possível encontrar um equilíbrio entre o grau de especialização e as condições mínimas para realização de uma perícia efetiva.

II. Julgado“EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO PREVIDENCIÁRIA – IMPROCEDÊNCIA DO

PEDIDO COM BASE NO LAUDO MÉDICO OFICIAL - PEDIDO DE SUBSTITUIÇÃO DE PERITO – PERÍCIA MÉDICA – ESPECIALIZAÇÃO NA MATÉRIA – PEDIDO RECURSAL DE REALIZAÇÃO DE NOVA PERÍCIA SOB ALEGAÇÃO DE CERCEAMENTO DE DEFE-SA – AUSÊNCIA DE ANÁLISE NA SENTENÇA – DECISÃO CITRA PETITA – SENTENÇA ANULADA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO” (TJPR, 6ª Câmara Cível, Apelação nº 636903-1, Rel. Des. Ana Lúcia Lourenço, j. em 6/7/2010).

III. Ônus das partes com a nomeação do perito

Embora o § 1º do art. 465 literalmente indique que “incumbe” às partes, o que relaciona não é uma mera atribuição, faculdade ou dever, porque são atos processuais possíveis, contudo se não realizados haverá para a parte inerte certas consequências, o que denota tratar-se de ônus processuais.

Com a intimação acerca da nomeação do perito as partes podem ter basicamente atitudes de impugnação do perito e de início dos trabalhos periciais. Em relação aos trabalhos, podem indicar assistentes técnicos, isto é, podem também contar com os conhecimentos especializados de um expert, que poderá participar dos trabalhos periciais e apresentar, se o caso, parecer crítico. Podem também as partes apresentar “quesitos”, ou seja, perguntas que à luz do objeto da perícia possam agregar quantitativa e qualitativamente elementos àqueles que normalmente o perito judicial já de-veria realizar. Normalmente os quesitos são apresentados de maneira a induzir, no plano positivo, a perícia a transitar por pontos relevantes que interessem ao formulador destas perguntas.

Em relação ao ônus de apresentar pedido de impedimento ou suspeição do perito há uma ques-tão importante, diferente do que ocorria no CPC/1973. Agora, com a proposta de honorários, o perito, em 5 dias, deve apresentar currículo comprovando sua especialização (§ 2º do art. 465). Ora, currículo não envolve apenas indicação de especialização, mas também referência às ins-tituições de ensino frequentadas, trabalhos e empregos, enfim, elementos que permitam não só analisar a efetiva especialização do perito, como também eventuais elementos que indiquem seu impedimento ou suspeição. Portanto, salvo fatos notórios, o prazo para apresentação de pedido de impedimento e suspeição, cujas causas são as mesmas para o juiz de direito (arts. 144 e 145), somente se iniciará após o conhecimento dos motivos para tais exceções, o que, se os elementos estiverem no currículo, somente da ciência deste é que se iniciará o prazo para as respectivas impugnações, inclusive no tocante a ausência de especialidade do mesmo.

IV. Julgados

“EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PRAZO PARA APRESENTAÇÃO DE QUESITOS E ASSISTENTE TÉCNICO. AUSÊNCIA DE PRE-CLUSÃO. SÚMULA 83/STJ. RECURSO NÃO PROVIDO.

1. De acordo com firme Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o prazo para indi-cação do assistente técnico e formulação de quesitos não é preclusivo, de modo que podem ser

Page 356: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

747

William Santos Ferreira Art. 465

feitos após o prazo de 5 (cinco) dias previsto no art. 421, § 1º, do CPC, desde que antes do início dos trabalhos periciais.

2. O enunciado da Súmula 83/STJ se aplica indistintamente aos recursos especiais fundados nas alíneas ‘a’ e ‘c’ do art. 105 da Constituição Federal.

3. Agravo regimental não provido” (STJ, 4ª T., AgRg no AREsp nº 554.685/RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. em 16/10/2014, DJe de 21/10/2014).

“EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DECLARATÓRIA. PEDIDO DE REDU-ÇÃO DE HONORÁRIOS PERICIAIS. IMPOSSIBILIDADE. PRECLUSÃO. AUSÊNCIA DE MA-NIFESTAÇÃO QUANDO DA INTIMAÇÃO DA PROPOSTA DOS HONORÁRIOS PERICIAIS. SUBSTITUIÇÃO DO PERITO POR EXPERT EM ÁREA IMOBILIÁRIA. IMPOSSIBILIDADE. PRECLUSÃO. AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO QUANDO DA INTIMAÇÃO DA PROPOSTA DOS HONORÁRIOS PERICIAIS, OPORTUNIDADE EM QUE TOMARAM CONHECIMENTO ACERCA DA ESPECIALIDADE DO PERITO. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. IMPOSSI-BILIDADE. AUSÊNCIA DE HIPOSSUFICIÊNCIA 1. Para a inversão do ônus da prova, faz-se necessário, antes de tudo, a constatação de que o consumidor tenha dificuldade para se desincumbir do ônus probatório a justificar a substituição das regras do CPC pela inversão preconizada pelo CDC.RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO” (TJPR, 18ª Câmara Cível, Agravo de Instrumento nº 0047026-85.2014.8.16.0000, Rel. Des. Athos Pereira Jorge Junior, j. em 16/4/2015).

V. Deveres do perito com a nomeação do perito

O perito, no prazo de 5 (cinco) dias da ciência de que foi nomeado, deve apresentar:

a) Proposta de honorários para o trabalho a ser realizado; no qual o valor deverá ser apresen-tado diante do que for necessário para realização da perícia;

b) Currículo com comprovação de especialização, portanto não basta a relação usual de espe-cialidades, cursos realizados, trabalhos e empregos na história do perito nomeado, mas também a demonstração “documental” da especialização, o que representará normalmente o que mais se rela-ciona ao objeto da perícia, em regra, diplomas e certificados emitidos por instituições reconhecidas;

c) Contatos profissionais, com destaque para o obrigatório endereço eletrônico, porque, a partir do Código de Processo Civil de 2015, as intimações pessoais do perito serão realizadas por este meio.

VI. Demais atos após a nomeação do perito

Com a juntada da proposta de honorários, as partes serão intimadas para que se manifestem sobre esta no prazo de 5 (cinco) dias. Sequencialmente o juiz arbitrará o valor dos honorários periciais para os fins do art. 95, já que agora haverá o rateio dos honorários, além das hipóte-ses dos beneficiários da Justiça Gratuita. O § 4º do art. 465 indica que o juiz pode, embora não seja obrigatório, liberar até 50% dos honorários arbitrados, sendo o restante pago ao final, com entrega do laudo e após prestados “todos” os esclarecimentos. Não se fala nas novas regras em “honorários provisórios”, mas em liberação de até metade dos honorários que são definitivos. Isto não significa que, em casos específicos, honorários definitivos não possam ser revistos à luz de trabalhos adicionais necessários e que representaram custos não previstos originariamente, desde que mediante decisão fundamentada e presentes os requisitos da situação não imaginada.

Se a perícia não apresentar conclusões ou for deficiente, com responsabilidade do perito, ao juiz caberá a redução da remuneração, isto sem prejuízo de outras hipóteses em que couber até devolução integral e responsabilização por prejuízos causados às partes.

Page 357: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

748

William Santos Ferreira

VII. Perícias em localidades diversas do juízo por onde tramita a causa

Nos casos em que a perícia deva ocorrer em local diverso da sede do juízo por onde tramite a causa, normalmente a prova ocorrerá por carta (seja de ordem, precatória ou rogatória), hipótese em que, dependendo das peculiaridades, a nomeação de perito e a indicação de assistentes pode ocorrer no juízo onde será realizada.

Art. 466 - O perito cumprirá escrupulosamente o encargo que lhe foi cometido, independentemente de termo de compromisso. § 1º - Os assistentes técnicos são de confiança da parte e não estão sujeitos a impedimento ou suspeição. § 2º - O perito deve assegurar aos assistentes das partes o acesso e o acompanhamento das diligências e dos exames que realizar, com prévia comunicação, comprovada nos autos, com antecedência mínima de 5 (cinco) dias.

I. Perito e assistentes técnicos

Com a nomeação e aceitação, o perito tem o dever de atuar para desincumbir-se do encargo, não sendo necessária a formalização por termo de compromisso, que já se dá com a mera aceitação.

Os assistentes técnicos não assumem compromisso, sendo legalmente definidos como “de confiança da parte”, portanto, a parcialidade técnica, com boa-fé, é legalmente reconhecida, não cabendo falar-se em impedimento ou suspeição.

Embora os trabalhos periciais são presididos pelo perito judicial, é fundamental para obser-vância do contraditório e ampla defesa que os assistentes das partes tenham plenas condições de acesso e acompanhamento das diligências e exames, sempre devendo ocorrer prévia comu-nicação, com comprovação nos autos, com antecedência mínima de 5 (cinco) dias. O objetivo evidente é assegurar a divulgação do ato a ser realizado, permitindo sempre que os assistentes possam participar ativamente da perícia.

Perícia não deve ser considerada tão somente a elaboração e entrega de um “laudo pericial”, porque este é exclusivamente a documentação de todo trabalho realizado, a síntese dos elementos relevantes e a análise técnica com conclusões em linguagem clara e acessível ao juiz e às partes. Por isto, para observância do § 2º do art. 466, não é suficiente a mera intimação para manifes-tação sobre o laudo juntado. Se aos assistentes técnicos não foi assegurado o acompanhamento, quando houver, de diligências ou exames, a perícia está viciada, cabendo o reconhecimento do vício e o reinício dos trabalhos.

Um ponto delicado, mas que não pode ser deixado de lado, é o caso de anulação de perícias com laudos e conclusões já apresentados porque não tiveram os assistentes técnicos o direito de acompanhar o perito. Nestes casos o perito deve ser substituído por outro para novos trabalhos periciais, porque há um risco enorme de apenas formalmente dar aos assistentes ciência, mas simplesmente reiterar tudo que concluiu, até para insistir na correção do que havia feito, o que denota a suspeição do perito e impõe, a bem da solução equilibrada das questões, a nomeação de um outro perito.

Art. 466

Page 358: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

749

William Santos Ferreira

Art. 467 - O perito pode escusar-se ou ser recusado por impedimento ou suspeição.Parágrafo único - O juiz, ao aceitar a escusa ou ao julgar procedente a impugnação, nomeará novo perito.

I. Perito – escusa, recusa ou procedência da impugnação

Quando da nomeação o perito pode escusar-se imediatamente, seja por não ter condições para realizar o trabalho, como também por de plano reconhecer ser impedido ou suspeito.

Também pode inicialmente aceitar e diante do impedimento ou suspeição reconhecer a hipótese.

Finalmente, caso o perito mantenha sua posição de condições para realização da perícia, dian-te do pedido de impedimento ou suspeição, caberá ao juiz a decisão, que, no caso de procedência, caberá a nomeação de outro perito, e na improcedência, o prosseguimento dos trabalhos periciais.

Em primeiro plano a recorribilidade desta decisão ficará para o momento de razões ou contrar-razões de apelação. Porém, em casos urgentes, será possível, diante do não cabimento de agravo de instrumento (art. 1.015), impetração de mandado de segurança.

II. Julgados

“EMENTA: RECURSO ESPECIAL. EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO DO PERITO. OMISSÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO. INEXISTÊNCIA. CAUSAS DE IMPEDIMENTO E SUSPEI-ÇÃO DO JUIZ. EXTENSÃO AO PERITO. ART. 138, III, DO CPC. PRAZO DE ARGUIÇÃO. OFERECIMENTO DE MAIS DE UM INCIDENTE NO MESMO PROCESSO. POSSIBILIDA-DE. INTERESSE NO JULGAMENTO DA CAUSA CONFIGURADO. RECURSO PROVIDO.

1. Consoante dispõe o art. 535 do Código de Processo Civil, destinam-se os embargos de declaração a expungir do julgado eventuais omissão, obscuridade ou contradição, não se carac-terizando via própria ao rejulgamento da causa.

2. Embora o juiz não fique adstrito às conclusões do perito (CPC, art. 436), podendo formar a sua convicção com outros elementos ou fatos provados nos autos, é iniludível que o trabalho por ele realizado, em regra, contribui para a formação do convencimento do magistrado, razão pela qual o laudo pericial não pode conter qualquer eiva de parcialidade, que possa influir no julgamento da causa.

3. Aplicam-se ao perito os motivos de impedimento e suspeição previstos para o juiz (CPC, art. 138, III), devendo o interessado arguir o incidente no prazo de 15 (quinze) dias contados da data em que tomou conhecimento dos fatos. Precedentes.

4. Não há óbice legal que impeça o oferecimento de mais de uma exceção de suspeição no mes-mo processo, desde que, em observância às regras de preclusão e pertinência com a coisa julgada, não estejam elas fundadas em idênticos fatos.

5. No caso, o perito se revela suspeito para elaborar laudo contábil em ação revisional proposta em desfavor do Banco do Brasil, pelo fato de ele próprio figurar como autor em demanda de igual natureza ajuizada contra a instituição financeira.

6. Recurso especial provido” (STJ, 3ª T., REsp nº 1.433.098/GO, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 26/5/2015, DJe de 15/6/2015).

Art. 467

Page 359: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

750

William Santos Ferreira

“EMENTA: ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGU-RANÇA. NOMEAÇÃO DE PERITO JUDICIAL. NECESSIDADE DE SUBCONTRATAÇÃO DE OUTROS PROFISSIONAIS. SEVERA REDUÇÃO DOS HONORÁRIOS PELO JUIZ. HIPÓTESE DE RECUSA LEGÍTIMA DO OFÍCIO. PENALIDADES DO ART. 424, PARÁ-GRAFO ÚNICO, DO CPC. AFASTAMENTO.

1. Trata-se, originariamente, de mandado de segurança atacando ato consistente na ordem de anotação no prontuário de perita junto ao CREA, por motivo de recusa à sua nomeação para atuar em ação de desapropriação indireta, considerada injustificável.

2. A significativa redução dos honorários periciais de forma unilateral e injustificada pelo Juiz constitui hipótese de recusa legítima do perito nas circunstâncias do caso – havia a necessidade de contratação de profissionais de outras áreas de conhecimento para a realização perícia –, sendo inaplicáveis as providências previstas no art. 424, parágrafo único, do CPC.

3. Recurso ordinário em mandado de segurança provido” (STJ, 2ª T., RMS nº 33.485/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. em 9/9/2015, DJe de 16/9/2015).

“EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO – EMBARGOS À EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL – ARGUIÇÃO DE SUSPEIÇÃO DO PERITO – DECISÃO QUE DETER-MINOU A SUBSTITUIÇÃO DE OFÍCIO DO PERITO – IMPOSSIBILIDADE – NECESSIDADE DE PROCESSAMENTO E JULGAMENTO DA EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO – PREVISÃO LEGAL DOS CASOS DE SUBSTITUIÇÃO DO PERITO (ARTS. 423 E 424 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL). RECURSO PROVIDO.

1. Ao juiz do processo não é lícito nos próprios autos do processo em curso reconhecer de oficio a suspeição do perito anteriormente e nomear desde logo um outro em substituição sem a instauração do procedimento incidental que permita a manifestação da parte interessada, na forma do art. 138, parágrafo único, do Código de Processo Civil.

2. Permite-se a substituição do perito somente quando ocorrer um dos motivos previstos no art. 424 do Código de Processo Civil” (TJPR, 14ª Câmara Cível, Agravo de Instrumento nº 0022088-41.2005.8.16.0000, Rel. Des. Celso Seikiti Saito, j. em 22/2/2006).

Art. 468 - O perito pode ser substituído quando:I - faltar-lhe conhecimento técnico ou científico;II - sem motivo legítimo, deixar de cumprir o encargo no prazo que lhe foi assinado.§ 1º - No caso previsto no inciso II, o juiz comunicará a ocorrência à corporação profissional respectiva, podendo, ainda, impor multa ao perito, fixada tendo em vista o valor da causa e o possível prejuízo decorrente do atraso no processo.§ 2º - O perito substituído restituirá, no prazo de 15 (quinze) dias, os valores recebidos pelo trabalho não realizado, sob pena de ficar impedido de atuar como perito judicial pelo prazo de 5 (cinco) anos.§ 3º - Não ocorrendo a restituição voluntária de que trata o § 2º, a parte que tiver realizado o adiantamento dos honorários poderá promover execução contra o perito, na forma dos arts. 513 e seguintes deste Código, com fundamento na decisão que determinar a devolução do numerário.

Art. 468

Page 360: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

751

William Santos Ferreira

I. Substituição do perito e efeitos

Além do impedimento e da suspeição, o perito ainda pode ser substituído por motivos rela-cionados à ausência de condições para desincumbir-se do encargo ou então pela não realização dos trabalhos.

As duas últimas hipóteses encontram-se no art. 468. Por isto, em regra, as partes podem questionar a ausência de capacidade técnica ou científica do perito e, desta forma, obter a sua substituição. Normalmente esta se dá em razão de elementos abstratos, tais como ausência de certificação em área necessária para a perícia, conhecimento geral, mas não do ponto específico da perícia, entre outros.

Também a substituição pode se dar, mesmo presentes condições técnicas e científicas, quando o perito, sem justa causa, não realiza os trabalhos periciais no prazo especificado ou os realiza de maneira insatisfatória. Neste caso, além da comunicação ao órgão de classe, que já existia no sistema de 1973, agora cabe ao juiz também a fixação de multa tendo como base o valor da causa e o possível prejuízo decorrente do atraso. Conforme o § 2º do art. 468, também ocorrerá a determinação de devolução de quantias recebidas antecipadamente, no prazo de 15 (quinze) dias, caso isto não ocorra:

a) Caberá ao juiz fixar um período de até 5 (cinco) anos, em que o perito ficará impedido de atuar como perito, o que ocorrerá não somente na vara respectiva, mas também em outras do mesmo tribunal. Embora isto não esteja expressamente determinado no dispositivo, não faria sentido haver a respectiva punição, admitindo-se que nada mudasse pelas nomeações de outros juízes, retirando qualquer espectro pedagógico da medida, inclusive em desprestígio da atividade jurisdicional. É importante constatar que a pena encontra-se no mesmo local em que determinada a comunicação ao órgão de classe, portanto, há uma natureza mais geral e pública da medida que não se coadunaria com uma restrição apenas ao juízo que determinou o impedimento de atuação. Por isto caberá aos tribunais não somente a manutenção de uma lista de peritos habilitados, mas também daqueles que não poderão ser nomeados.

b) Poderá a parte que despendeu antecipadamente os valores executar, nos termos dos arts. 513 e seguintes, a execução do perito (regime jurídico do cumprimento de sentença), sendo título judicial a decisão que determinou a devolução. Embora silencie o dispositivo, esta deve ocorrer perante o mesmo juízo, porém em autos em apartado para não gerar conturbação com relação ao prosseguimento da demanda que seguirá com os trabalhos periciais e o novo perito.

II. Julgados

“EMENTA: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 535 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. MILITAR. TEMPORÁRIO. REINTEGRAÇÃO PARA TRA-TAMENTO DE SAÚDE. PERÍCIA INCONCLUSIVA. PROFISSIONAL QUE ALEGA NÃO DETER OS CONHECIMENTOS NECESSÁRIOS. VIOLAÇÃO DO ART. 424, I, DO CPC. CERCEAMENTO DE DEFESA CONFIGURADO.

1. Não há violação do art. 535 do CPC quando o Tribunal de Origem resolve a controvérsia de maneira sólida e fundamentada, apenas não adotando a tese do recorrente.

2. A reintegração do militar temporário, para fins de tratamento de saúde, dispensa a relação de causa e efeito da doença com o serviço prestado, sendo suficiente que a moléstia incapacitante tenha se manifestado durante o período de caserna, o que basta para que fique caracterizado o nexo de causalidade.

Art. 468

Page 361: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

752

William Santos Ferreira

3. A Jurisprudência desta Corte Superior é assente no sentido de que ‘o juiz não está adstrito ao laudo pericial, podendo, inclusive, formar a sua convicção com outros elementos ou fatos pro-vados nos autos, desde que dê a devida fundamentação, a teor do disposto no art. 436 do Código de Processo Civil’ (REsp 802.568/SP, Rel. (a) Min. Denise Arruda, DJ 19/10/2006).

4. Verifica-se, todavia, que o Tribunal a quo entendeu não haver comprovação do surgimento da doença do autor durante o período de caserna com base em laudo reconhecidamente frágil, lacunoso e contestável, realizado por profissional que, apesar de ser formado em medicina, reco-nhece expressamente a necessidade de um neurologista para a realização da perícia.

5. Sendo o laudo inconclusivo quanto à moléstia ser ou não preexistente ao ingresso do au-tor no serviço militar, necessária a reabertura da fase de instrução probatória, a fim de que seja produzida nova perícia, por profissional capacitado para tanto, sob pena de cercear o direito de defesa do autor.

6. Recurso especial provido em parte” (STJ, 2ª T., REsp nº 1.215.169/RS, Rel. Min. Castro Meira, j. em 26/4/2011, DJe de 10/5/2011).

“EMENTA: PROCESSO CIVIL - RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURAN-ÇA - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS - DESTITUIÇÃO DE PERITO JUDICIAL - QUEBRA DE CONFIANÇA - SUBSTITUIÇÃO - AFASTAMENTO EX OFFICIO E AD NUTUM - POSSIBILIDADE - AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO.

1 - O perito judicial é um auxiliar do Juízo e não um servidor público. Logo, sua desconstituição dispensa a instauração de qualquer processo administrativo ou arguição por parte do magistrado que o nomeou, não lhe sendo facultado a ampla defesa ou o contraditório nestes casos, pois seu afastamento da função pode se dar ex officio e ad nutum, quando não houver mais o elo de confian-ça. Isto pode ocorrer em razão da precariedade do vínculo entre ele e o poder público, já que seu auxílio é eventual. Além desta hipótese, sua desconstituição poderá ocorrer naquelas elencadas no art. 424, do CPC (‘O perito pode ser substituído quando: I – carecer de conhecimento técnico ou científico; II – sem motivo legítimo, deixar de cumprir o encargo no prazo que lhe foi assinado’). Estas são espécies expressas no texto da lei. Porém, a quebra da confiança entre o auxiliar e o magistrado é espécie intrínseca do elo, que se baseia no critério personalíssimo da escolha do pro-fissional para a função. Assim como pode o juiz nomeá-lo, pode removê-lo a qualquer momento.

2 - Ausência de liquidez e certeza a amparar a pretensão na via mandamental.3 - Recurso desprovido” (STJ, 4ª T., RMS nº 12.963/SP, Rel. Min. Jorge Scartezzini, j. em

21/10/2004, DJe de 6/12/2004).

Art. 469 - As partes poderão apresentar quesitos suplementares durante a diligência, que poderão ser respondidos pelo perito previamente ou na audiência de instrução e julgamento.Parágrafo único - O escrivão dará à parte contrária ciência da juntada dos quesitos aos autos.

I. Quesitos suplementares

Quesitos suplementares são perguntas formuladas pelas partes durante os trabalhos periciais,

Art. 469

Page 362: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

753

William Santos Ferreira

normalmente elaboradas pelos assistentes técnicos destas (mas não necessariamente). O objetivo, em regra, decorre de elementos que as partes almejam que o perito aprecie.

A novidade, em relação ao CPC/1973, está na parte final do caput, em que expressamente consta que a resposta do perito ocorrerá prévia ou na própria audiência de instrução e julgamento.

Uma vez apresentados quesitos suplementares, o escrivão deve dar ciência dos quesitos à par-te contrária, a quem caberá não somente manifestação, como também até quesitos suplementares em contraditório.

Um ponto em que o CPC é omisso é se cabem questionamentos após a entrega do laudo peri-cial. A resposta não pode ser outra senão a de que é possível, até porque, se são possíveis pergun-tas prévias à audiência ou na própria, não faz sentido impedir a parte da respectiva formulação.

II. Julgados

“EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. PERÍCIA. QUESITOS SUPLEMENTARES. INDEFE-RIMENTO. ART. 425 DO CPC.

‘Conquanto seja assegurado à parte apresentar quesitos suplementares, essa faculdade deve ser apreciada com atenção, a fim de se evitar ações procrastinatórias, que retardem a marcha processual’ (REsp n. 36.471/SP, relatado pelo eminente Ministro Aldir Passarinho Junior, DJ 02.05.2000).

Recurso especial não conhecido” (STJ, 4ª T., REsp nº 697.446/AM, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, j. em 27/3/2007, DJe de 24/9/2007).

“EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS – DECISÃO DE INDEFERIMENTO DE QUESITOS SUPLEMEN-TARES – PETIÇÃO INCOMPLETA, CONSTANDO DOS AUTOS APENAS A SUA ÚLTIMA PÁGINA, COM OS REQUERIMENTOS FINAIS – IMPOSSIBILIDADE DE AFERIR QUAIS FORAM OS QUESITOS FORMULADOS, TAMPOUCO DE AVALIAR A SUA RELEVÂNCIA E PERTINÊNCIA PARA O DESLINDE DA CAUSA – QUESISTOS SUPLEMENTARES QUE DEVERIAM SER ENTREGUES DURANTE A DILIGÊNCIA E ANTES DA ENTREGA DO LAUDO PERICIAL – PRECLUSÃO TEMPORAL – INTELIGÊNCIA DO ART. 425 DO CPC – POSSIBILIDADE DE O PERITO PRESTAR ESCLARECIMENTOS EM AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO, ACASO HAJA REQUERIMENTO DO AGRAVANTE, CONFORME RESSAL-VADO PELO JUÍZO A QUO E A TEOR DO ART. 435 DO CPC – AUSÊNCIA DE PREJUÍZO À AMPLA DEFESA – DECISÃO MANTIDA. RECURSO NÃO PROVIDO” (TJPR, 8ª Câmara Cível, Agravo de Instrumento nº 0054200-48.2014.8.16.0000, Rel. Des. Gilberto Ferreira, j. em 28/5/2015).

“EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO – EMBARGOS DE TERCEIRO – FORMULA-ÇÃO DE QUESITOS SUPLEMENTARES – CONFIGURAÇÃO DE NOVA PERÍCIA – ADIAN-TAMENTO DOS HONORÁRIOS PELA PARTE QUE OS FORMULA – SUSPEIÇÃO DO PE-RITO COMPROVADA NOS AUTOS – QUESTÃO DE ORDEM PÚBLICA – PRECLUSÃO NÃO CONSUMADA – PRECEDENTES – NOMEAÇÃO DE NOVO PERITO.

I – ‘(...) I – Os honorários periciais relativos a quesitos suplementares que, como no caso dos autos, configuram em realidade uma nova perícia, devem ser adiantados pela parte que os formula. II – Essa orientação, além de respeitar a real natureza da nova quesitação ainda im-pede eventual comportamento processual malicioso. III – Recurso Especial improvido’. (REsp

Art. 469

Page 363: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

754

William Santos Ferreira

842316/MG, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/05/2010, DJe 18/06/2010).

II – ‘O expert indicado pelo juízo exerce um múnus público ao utilizar seus conhecimentos específicos na elaboração do laudo pericial, no qual estarão contidos subsídios que poderão con-tribuir para o julgador decidir a lide que lhe é apresentada. Como não deve pairar dúvidas quanto à isenção do julgador que irá decidir o conflito de interesses, o mesmo deve ocorrer em relação aos auxiliares da justiça que nela atuam’. (TJPR - 8ª C.Cível - AI - 1007602-3 - Ponta Grossa - Rel.: Guimarães da Costa - Unânime - J. 28.11.2013).

RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO” (TJPR, 11ª Câmara Cível, Agravo de Instrumento nº 0046590-63.2013.8.16.0000, Rel. Des. Gamaliel Seme Scaff, j. em 5/11/2014, DJe de 19/1).

Art. 470 - Incumbe ao juiz:I - indeferir quesitos impertinentes;II - formular os quesitos que entender necessários ao esclarecimento da causa.

I. Atribuições do juiz na perícia

Usualmente a posição do juiz no processo civil brasileiro é extremamente formal, nomeando perito e aguardando entrega do laudo que será objeto de análise no momento da sentença. Difi-cilmente há uma participação ativa do juiz.

O CPC/2015 não muda a redação do art. 426 do CPC/1973, apontando que o juiz tem a incum-bência de indeferir quesitos impertinentes, ou seja, aqueles que não têm qualquer contribuição para a solução da questão fática submetida à perícia. Esta regra, embora literalmente seja a mes-ma do CPC/1973, integra tessitura normativa nova e diferenciada, pois o novo sistema processual aponta como um dos escopos do processo a eficiência (art. 8º), definindo ser dever de “todos os sujeito do processo [juiz é sujeito imparcial] [...] cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva” (art. 6º), sendo dever-poder do juiz deferir provas necessárias e úteis, mas indeferir diligências inúteis e protelatórias (art. 370), portanto espera-se do juiz uma postura mais ativa na organização dos trabalhos periciais, delimitando efetivamente as questões de fato da atividade pericial (art. 357, inciso II), devendo inclusive pleitear ao perito informações de como melhor especificar o espectro da perícia e se o caso até designar audiência para saneamento compartilhado, uma autêntica reunião para definir com as partes, seus advoga-dos, toda a instrução, especialmente em relação à prova pericial.

Certamente muitos trabalhos poderiam ser mais objetivos se, em demandas que justifiquem, haja um trabalho preparatório para evitar perícias incompletas, como objetivos equivocados ou meramente formais. Impõe-se uma nova mentalidade atenta ao princípio da máxima eficiência dos meios probatórios, em que cada etapa da instrução seja efetivamente um momento de contri-buição para a solução das questões fáticas, e não uma mera fase a ser formalmente ultrapassada.

Nesta mesma linha, integra-se o inciso II do art. 470 determinando que é atribuição do juiz também formular quesitos que entenda necessários para o esclarecimento das questões fáticas da causa. Também o juiz pode formular quesitos suplementares ou questões antes ou na audiência de instrução e julgamento.

Art. 470

Page 364: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

755

William Santos Ferreira

II. Julgado“EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO DIRETA.

UTILIDADE PÚBLICA. INDEFERIMENTO DE QUESITOS EXPLICATIVOS CONSIDERA-DOS IMPERTINENTES QUE NÃO CONFIGURA CAUSA DE NULIDADE DA SENTENÇA. PRINCÍPIO DA LIVRE CONVICÇÃO DO JUIZ.

1. ‘A livre apreciação da prova, desde que a decisão seja fundamentada, considerada a lei e os elementos existentes nos autos, é um dos cânones do nosso sistema processual’ (REsp 7.870/SP, 4ª Turma, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 3.2.1992).

2. É bem verdade que o art. 435 do CPC autoriza a parte interessada em obter esclarecimentos do perito e do assistente técnico, mediante a formulação de perguntas sob a forma de quesitos. Deve ser observado, no entanto, o poder atribuído ao magistrado de determinar as provas neces-sárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias, se-gundo a dicção do art. 130 do mesmo diploma legal. O art. 426, I, do CPC, por seu turno, também deixa claro que compete ao juiz o indeferimento de quesitos impertinentes.

3. Hipótese em que o magistrado de primeiro grau de jurisdição considerou impertinentes os quesitos explicativos formulados pela parte expropriada, deixando consignado, na sentença, que todas as provas pertinentes já haviam sido produzidas.

4. O indeferimento de quesitos impertinentes é faculdade atribuída ao julgador durante a fase de instrução do processo, não constituindo causa de nulidade da sentença.

5. Recurso especial provido, para afastar a declaração de nulidade da sentença de primeiro grau de jurisdição, com o consequente retorno dos autos ao Tribunal de origem a fim de que sejam analisadas as demais questões consideradas prejudicadas” (STJ, 1ª T., REsp nº 811.429/SP, Rel. Min. Denise Arruda, j. em 13/3/2007, DJe de 19/4/2007).

Art. 471 - As partes podem, de comum acordo, escolher o perito, indicando-o mediante requerimento, desde que:I - sejam plenamente capazes;II - a causa possa ser resolvida por autocomposição.§ 1º - As partes, ao escolher o perito, já devem indicar os respectivos assistentes técnicos para acompanhar a realização da perícia, que se realizará em data e local previamente anunciados.§ 2º - O perito e os assistentes técnicos devem entregar, respectivamente, laudo e pareceres em prazo fixado pelo juiz.§ 3º - A perícia consensual substitui, para todos os efeitos, a que seria realizada por perito nomeado pelo juiz.

I. Perícia consensualSem correspondência no CPC/2015, a perícia consensual trata-se da indicação pelas partes

de um perito que impõe, salvo situações extraordinárias e mediante fundamentação, a nomeação pelo juiz, não podendo este recusar-se. Portanto, esta modalidade é substitutiva daquela realizada por perito nomeado.

Art. 471

Page 365: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

756

William Santos Ferreira

São requisitos indispensáveis para o cabimento da perícia consensual, cumulativamente: a) partes capazes e b) causa que admita autocomposição.

Há, nesta hipótese, negócio processual típico, mas a definição do perito não significa que as partes ou o juiz fiquem vinculados às conclusões do perito, tanto que o § 3º do art. 471 descreve que esta modalidade “para todos os efeitos substitui a realizada por perito nomeado pelo juiz”, razão pela qual o regime jurídico é o mesmo. Em uma das versões do projeto na Câmara constava que as conclusões técnicas desta “perícia consensual” seriam vinculativas para as partes e para o juiz, no entanto nos trabalhos legislativos isto foi suprimido.

Em que pese ser, para alguns casos específicos, uma solução que reúne pontos positivos, ha-verá aqui, no mínimo, um grande choque, porque no Brasil o “perito” é da confiança (técnica e ética) do juiz que o nomeia.

Particularmente, não vejo aqui obstáculo para este consenso, contudo, caso o juiz não se sinta confortável, sendo ele o responsável pela decisão que precisa ser fundamentada (como a seguir descrito), terá o magistrado, mesmo sem regra literalmente expressa, o dever-poder de nomear “perito-consultor” para análise crítico-consultiva do que foi ou estará sendo realizado.

Art. 472 - O juiz poderá dispensar prova pericial quando as partes, na inicial e na contestação, apresentarem, sobre as questões de fato, pareceres técnicos ou documentos elucidativos que considerar suficientes.

I. Dispensa da prova pericialQuanto há uma questão fática que demande conhecimento especial técnico, científico ou espe-

cífico, a prova pericial deve ser determinada, o que decorre do disposto no art. 464, § 1º, inciso I, interpretado contrario sensu e em combinação com o disposto no art. 156, caput.

Pode ser que, embora exista o fato probando, o contraditório foi de tal modo efetivo que trouxe uma riqueza informativa decorrente de pareceres técnicos ou documentos elucidativos em que o juiz considere suficientemente bem tratados os pontos necessários, a ponto de permitir uma decisão efetivamente bem fundamentada. Neste caso, com todos os cuidados inerentes, a perícia poderá ser dispensada, contudo, não basta que o juiz assim considere ou afirme, será indispensá-vel a demonstração disto no momento da decisão, com expressa fundamentação, conforme impõe o § 1º do art. 489.

É fundamental compreender também que, mesmo que o juiz reúna conhecimentos, por exem-plo, por outra formação que possua (engenheiro, médico, químico, físico, etc.), esta capacitação não pode liberar a prova pericial que não é “do juiz”, mas sim um direito das partes (art. 369). O conhecimento do juiz pode contribuir com quesitos, questionamentos, compreensão efetiva do laudo, mas jamais de forma substitutiva agindo como um juiz-perito. Por isto, o disposto no art. 472 impõe pareceres técnicos ou documentos elucidativos, mas que um conhecedor do direito possa superar para decidir, jamais dependendo de outras áreas de conhecimento, o que, ocorrendo, impõe a determinação da perícia.

II. Julgados“EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. PODER INSTRUTÓRIO DO JUIZ. MATÉRIA COM-

PLEXA. NECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DA PROVA PERICIAL AINDA QUE O MAGIS-

Art. 472

Page 366: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

757

William Santos Ferreira

TRADO DISPONHA DE CONHECIMENTO TÉCNICO. PRESTÍGIO À AMPLA DEFESA E AO CONTRADITÓRIO. COMPLEXIDADE DA MATÉRIA. SÚMULA 7/STJ.

1. O art. 145 do CPC estabelece que ‘quando a prova do fato depender de conhecimento técnico ou científico, o juiz será assistido por perito, segundo o disposto no art. 421’. O art. 421, § 1º, do CPC, por sua vez, dispõe em linhas gerais que o juiz nomeará perito, fixando de imediato o prazo para a entrega do laudo, cabendo às partes indicarem assistente técnico e a apresentarem quesitos.

2. Em se tratando de matéria complexa, em que se exige o conhecimento técnico ou científi-co, a perícia deve ser realizada. O juiz, ainda que não esteja vinculado às conclusões do laudo pericial, não pode realizar os cálculos ‘de próprio punho’. Isso porque, com a determinação da perícia, as partes terão a oportunidade de participar da produção probatória, com a nomeação de assistentes técnicos e a formulação de quesitos.

3. O indeferimento da perícia só pode ocorrer nas hipóteses prevista no parágrafo único do art. 420 do CPC, quais sejam: I) quando a prova de o fato não depender do conhecimento especial de técnico, II) quando for desnecessária, em vista de outras provas produzidas, e III) quando a verificação for impraticável.

4. Assim, a realização da prova pericial, quando o fato a ser demonstrado exigir conhecimen-to técnico ou científico, é um direito da parte, não podendo o magistrado indeferi-la, ainda que possua capacitação técnica.

5. A esta conclusão se chega não apenas em decorrência do prestígio ao contraditório e ampla defesa, mas também da interpretação, feita a contrário senso, do art. 421, parágrafo único, I, do CPC. Este dispositivo permite ao juiz indeferir a perícia quando ‘a prova do fato não depender, do conhecimento especial de técnico’. Ora, se o magistrado pode indeferir a perícia quando a prova do fato não depender de conhecimento especial de técnico, pode-se dizer, então, que, quan-do a prova depender deste conhecimento, ela não poderá ser indeferida.

6. Portanto, no caso dos autos, acertou o Tribunal de origem quando entendeu que, em face da complexidade da matéria, é necessária a realização de prova pericial, facultando às partes a nomeação de assistentes técnicos e a formulação de quesitos.

7. Não há como fugir da conclusão do acórdão recorrido, de que a presente demanda envolve matéria complexa, pois, para isto, seria necessário revolver o contexto fático-probatório, o que esbarra na Súmula 7 desta Corte Superior.

Agravo regimental improvido” (STJ, 2ª T., AgRg no AREsp nº 184.563/RN, Rel. Min. Humberto Martins, j. em 16/8/2012, DJe de 28/8/2012).

Art. 473 - O laudo pericial deverá conter:I - a exposição do objeto da perícia;II - a análise técnica ou científica realizada pelo perito;III - a indicação do método utilizado, esclarecendo-o e demonstrando ser predominantemente aceito pelos especialistas da área do conhecimento da qual se originou;IV - resposta conclusiva a todos os quesitos apresentados pelo juiz, pelas partes e pelo órgão do Ministério Público.

Art. 473

Page 367: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

758

William Santos Ferreira

§ 1º - No laudo, o perito deve apresentar sua fundamentação em linguagem simples e com coerência lógica, indicando como alcançou suas conclusões.§ 2º - É vedado ao perito ultrapassar os limites de sua designação, bem como emitir opiniões pessoais que excedam o exame técnico ou científico do objeto da perícia.§ 3º - Para o desempenho de sua função, o perito e os assistentes técnicos podem valer-se de todos os meios necessários, ouvindo testemunhas, obtendo informações, solicitando documentos que estejam em poder da parte, de terceiros ou em repartições públicas, bem como instruir o laudo com planilhas, mapas, plantas, desenhos, fotografias ou outros elementos necessários ao esclarecimento do objeto da perícia.

I. Fundamentação pericial

A fundamentação é outra marca do CPC/2015 e não se limita aos pronunciamentos judiciais, atingindo, também e de forma correta, o perito, apontando, didaticamente, que o laudo pericial “deve” conter, segundo o art. 473:

a) A exposição do objeto da perícia;

b) A análise técnica ou científica realizada pelo perito;

c) A indicação do método utilizado, esclarecendo-o e demonstrando ser predominantemente aceito pelos especialistas da área do conhecimento da qual se originou;

d) Resposta conclusiva a todos os quesitos apresentados pelo juiz, pelas partes e pelo órgão do Ministério Público.

E ainda impõe a adoção de “linguagem simples” e “coerência lógica”, devendo apontar “como alcançou suas conclusões”.

Como se vê, a perícia não é um ato de “vontade”, mas um “ato vinculado” a um interesse pú-blico e resultado do exercício de um múnus público e, por isto, há expressa vedação a emissão de “opiniões pessoais que excedam o exame técnico ou científico do objeto da perícia”, com isto meras impressões sobre declarações de pessoas, suposições sobre elementos não encontrados, declarações sem confirmação técnica ou científica não serão admitidas.

É dever responder todos os quesitos. O que fica muito claro nas regras atinentes ao laudo é que são intoleráveis atos de fuga, “achismos” sem embasamento técnico ou tergiversação para não enfrentar pontos fulcrais. O perito não pode utilizar do domínio de determinada área do conheci-mento apenas para rotular opiniões sem bases sólidas, como se fossem “constatações científicas”.

Repetindo, a prova pericial é importantíssima para o julgamento, para o juiz, mas, antes de tudo, é um direito das partes, cuja não realização de perícia ou sua aparência de realização são altamente prejudiciais e violadoras dos dispositivos que garantem a sua efetiva realização.

II. Poderes do perito e dos assistentes técnicos

A prova pericial não é exclusivamente o laudo pericial, mas sim todo o conjunto de atos processuais especificamente voltados à apresentação de elementos para a busca da solução de questões fáticas, técnicas ou científicas, elementos estes que não se restringem aos trazidos pelo

Art. 473

Page 368: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

759

William Santos Ferreira

perito judicial, mas também pelos assistentes técnicos e pelas próprias partes, para tal, o perito e os assistentes técnicos podem se valer de todos os meios necessários. O § 3º do art. 473 apresenta apenas um rol exemplificativo, relacionando entre os poderes, por exemplo, ouvir testemunhas, obter informações, solicitando documentos que estejam em poder da parte, de terceiros ou em repartições públicas, bem como instruir o laudo com planilhas, mapas, plantas, desenhos, foto-grafias ou outros elementos necessários ao esclarecimento do objeto da perícia.

Para boa evolução dos trabalhos o perito judicial preside as solicitações, funcionando como um catalisador das solicitações dos assistentes, até para se evitar riscos de exagero, exigências descabidas, violadoras de segredos, etc., contudo, isto não significa que o perito possa obstacu-lizar pretensões regulares e legítimas dos assistentes, que deverão documentar as restrições e comunicar o juiz para que haja correção de rumos.

III. Julgado

“EMENTA: PROCESSUAL CIVIL – PROVA PERICIAL – SEGUNDA PERÍCIA – ARTIGO 429 DO CPC.

I - Tendo em vista os princípios da livre apreciação da prova e da não adstrição do juiz ao laudo pericial, estando devidamente fundamentada a decisão, fica ao seu prudente arbítrio deferir a realização da segunda perícia. Sem que a parte interessada tenha impugnado oportunamente a qualificação do perito ou nomeado assistente técnico, não pode impor ao juiz a realização de nova perícia, apenas porque a primeira lhe foi desfavorável.

II - Para a realização da perícia, o perito e o assistente técnico podem socorrer-se de todos os meios de coleta de dados necessários, inclusive conhecimentos técnicos de outros profissionais, devidamente qualificados nos autos.

III - Só se conhece de recurso especial pela alínea ‘c’ do permissivo constitucional, se o dis-sídio estiver comprovado nos moldes exigidos pelos artigos 541, parágrafo único, do Código de Processo Civil e 255, parágrafos 1º e 2º, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça.

Recurso especial não conhecido” (STJ, 3ª T., REsp nº 217.847/PR, Rel. Min. Castro Filho, j. em 4/5/2004, DJe de 17/5/2004).

Art. 474 - As partes terão ciência da data e do local designados pelo juiz ou indicados pelo perito para ter início a produção da prova.

I. Acompanhamento e atuação durante a perícia

O CPC/1973, embora já apresentasse uma evolução no ponto que assegurava às partes o direito de comunicação de dia e local de início de trabalhos periciais, como já tive oportunidade de criticar, o acompanhamento não pode se limitar apenas ao início, como o art. 474 parece induzir, sendo as-sim, este direito de acompanhamento e atuação se estende por todo o curso dos trabalhos periciais, como novas visitas, análises de documentos, entre outros elementos. Neste ponto o art. 474 não pode ser lido isoladamente, já que o CPC/2015, no § 2º do art. 466, expressamente determina o direito a esta participação, impondo que o perito “deve assegurar aos assistentes das partes o acesso e o acompanhamento das diligências e dos exames que realizar, com prévia comunicação, compro-vada nos autos, com antecedência mínima de cinco dias”, sob pena de nulidade.

Art. 474

Page 369: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

760

William Santos Ferreira

II. Julgados

“EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. CONTRATO DE LOCAÇÃO. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. ILE-GITIMIDADE ATIVA AFASTADA. ASPECTOS FÁTICOS. SÚMULA N. 7 DO STJ. VÍCIO NA CITAÇÃO. NULIDADE SUPERADA PELA CIÊNCIA INEQUÍVOCA DA DEMANDA. NULI-DADE DA PERÍCIA. EXISTÊNCIA DE FUNDAMENTO NÃO ATACADO. SÚMULA N. 283/STF. VALOR DAS ASTREINTES. AUSÊNCIA DE EXORBITÂNCIA. SÚMULA N. 7 DO STJ.

1. Inexiste ofensa ao art. 535, I e II, do CPC quando o Tribunal de origem, ao julgar a causa, examina e decide, de forma fundamentada, as questões relevantes para a solução da lide, não ocorrendo, assim, vício que possa nulificar o acórdão recorrido ou negativa de prestação juris-dicional.

2. Aplica-se a Súmula n. 7 do STJ na hipótese em que a apreciação da tese versada no recurso especial reclama a análise dos elementos probatórios produzidos ao longo da demanda.

3. A nulidade do processo decorrente do vício na citação feita na pessoa de gerente sem po-deres para recebê-la pode ser superada quando houver elementos objetivos e verossímeis aptos a embasar a aplicação da teoria da ciência inequívoca.

4. A ausência de impugnação a fundamento autônomo e suficiente do acórdão recorrido enseja o não conhecimento do recurso especial. Súmula n. 83 do STF.

5. A inobservância de intimação a respeito da produção de prova de que trata o art. 431-A do CPC não ocasiona nulidade absoluta, devendo a parte, para esse fim, demonstrar a existência de prejuízo.

6. A intervenção do STJ para rever multa por descumprimento de decisão judicial limita-se aos casos em que o valor seja irrisório ou exorbitante, o que não se verifica na hipótese em razão das peculiaridades do caso. Incidência da Súmula n. 7 do STJ.

7. Recurso especial parcialmente conhecido e desprovido” (STJ, 3ª T., REsp nº 1.401.198/GO, Rel. Min. João Otávio de Noronha, j. em 3/3/2015, DJe de 10/3/2015).

“EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA DE SEGURO OBRIGATÓRIO – DPVAT. INVALIDEZ PERMANENTE. FRATURA DO QUINTO DEDO DO PÉ DIREITO. AUSÊNCIA INJUSTIFICADA ÀS DATAS DESIGNADAS PARA PERÍCIA JUDICIAL. IM-PROCEDÊNCIA DO PEDIDO INICIAL. INCONFORMISMO FORMALIZADO. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PESSOAL DA AUTORA. CONSTATADA. INOBSERVÂNCIA DO DIS-POSTO NO ART. 431-A DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. NECESSIDADE DE INTIMA-ÇÃO PESSOAL PARA COMPARECIMENTO AO ATO. AUSÊNCIA DE FORMALIZAÇÃO. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DESTA CORTE. SENTEN-ÇA ANULADA. RETORNO DOS AUTOS AO JUÍZO DE ORIGEM PARA PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL. RECURSO PROVIDO” (TJPR, 8ª Câmara Cível, Apelação nº 0002381-35.2011.8.16.0014, Rel. Des. Guimarães da Costa, j. em 16/5/2014, DJe

Art. 475 - Tratando-se de perícia complexa que abranja mais de uma área de conhecimento especializado, o juiz poderá nomear mais de um perito, e a parte, indicar mais de um assistente técnico.

Art. 475

Page 370: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

761

William Santos Ferreira

I. Perícia complexa

A perícia complexa se dá quando houver necessidade de mais de uma área do conhecimento, hipótese em que o juiz nomeia tantos peritos quantas sejam as especialidades. Nada impede que um perito tenha mais de uma área, porém, com as áreas cada vez mais específicas, o processo não poderia ignorar esta realidade e até dela fazer uso, por isto, desde a reforma do CPC/1973 que introduziu o art. 431-B, esta possibilidade foi expressamente prevista.

Devido à especialização, os peritos podem ser da mesma área, mas não da mesma subárea.

Embora na perícia haja mais de um perito, o laudo emitido é apenas um, não se confundem “duas periciais” com “perícia complexa de duas áreas”, neste último caso o laudo é um só, porém os trabalhos periciais são de dois que têm o dever de homogeneizar seus posicionamentos.

Do mesmo modo, havendo perícia complexa, é direito das partes a indicação de mais de um assistente técnico também.

Caso haja mais de uma área do conhecimento, porém o perito reúna as áreas necessárias, nada impede que as partes tenham mais de um assistente técnico.

II. Julgado

“EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. PERÍCIA REALIZADA POR CONTADOR NÃO NO-MEADO PELO JUÍZO. ART. 431-B DO CPC.

1. O artigo 431-B do CPC autoriza a nomeação pelo magistrado de mais de um expert nos ca-sos em que, em razão da complexidade e abrangência de várias áreas técnicas, haja necessidade da participação de mais de um profissional especializado.

2. A nomeação é ato privativo da autoridade judicial, vedando-se a escolha pelo perito nomeado pelo juízo.

3. Recurso especial improvido” (STJ, 2ª T., REsp nº 866.240/RS, Rel. Min. Castro Meira, j. em 22/5/2007, DJe de 8/8/2007).

Art. 476 - Se o perito, por motivo justificado, não puder apresentar o laudo dentro do prazo, o juiz poderá conceder-lhe, por uma vez, prorrogação pela metade do prazo originalmente fixado.

I. Prorrogação do prazo para entrega do laudo

Não é incomum o atraso na entrega dos laudos. O CPC/1973, em seu art. 432, previa a possibi-lidade de, por motivo justificado, o juiz conceder prorrogação “por uma vez” conforme “seu pru-dente arbítrio”. Seguramente por uma extensão muito grande do prazo para entrega, o CPC/2015 foi no art. 476 mais direto, autorizando o juiz a conceder prazo adicional, porém da metade do prazo originariamente fixado.

A regra é clara: autorização adicional, por uma vez e da metade do prazo anterior. Contudo, isto se dá nas hipóteses em que o mesmo escopo vai ser perseguido. Caso haja ampliação do espectro da perícia ou haja algum elemento novo a ser considerado, este prazo da metade pode ser flexibilizado.

Art. 476

Page 371: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

762

William Santos Ferreira

II. Julgado

“EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO ORDINÁRIA DE RESSARCIMEN-TO. APRESENTAÇÃO DE LAUDO PERICIAL. REQUERIMENTO DE PRORROGAÇÃO DO PRAZO PREVISTO NO ART. 433, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC. INDEFERIMENTO. REFORMA. QUESTÃO COMPLEXA. PRAZO DILATÓRIO. APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ART. 432 DO MESMO CÓDEX. RECURSO PROVIDO” (TJPR, 5ª Câmara Cível, Agravo de Instrumento nº 0003398-12.2015.8.16.0000, Rel. Des. Carlos Mansur Arida, j. em 23/6/2015).

Art. 477 - O perito protocolará o laudo em juízo, no prazo fixado pelo juiz, pelo menos 20 (vinte) dias antes da audiência de instrução e julgamento.§ 1º - As partes serão intimadas para, querendo, manifestar-se sobre o laudo do perito do juízo no prazo comum de 15 (quinze) dias, podendo o assistente técnico de cada uma das partes, em igual prazo, apresentar seu respectivo parecer.§ 2º - O perito do juízo tem o dever de, no prazo de 15 (quinze) dias, esclarecer ponto:I - sobre o qual exista divergência ou dúvida de qualquer das partes, do juiz ou do órgão do Ministério Público;II - divergente apresentado no parecer do assistente técnico da parte.§ 3º - Se ainda houver necessidade de esclarecimentos, a parte requererá ao juiz que mande intimar o perito ou o assistente técnico a comparecer à audiência de instrução e julgamento, formulando, desde logo, as perguntas, sob forma de quesitos.§ 4º - O perito ou o assistente técnico será intimado por meio eletrônico, com pelo menos 10 (dez) dias de antecedência da audiência.

I. Entrega do laudo e prazo mínimo para a audiência

O laudo pericial deve ser entregue no prazo designado pelo juiz, não podendo a audiência de instrução ocorrer em prazo menor de 20 dias. Porém, se a perícia não é conclusiva, o prazo para realização da audiência ainda não terá início, não podendo a audiência realizar-se.

O art. 477 ainda especifica com mais clareza inúmeros pontos em relação ao CPC/1973. O perito terá o dever de em 15 dias de sua intimação esclarecer não somente dúvidas das partes, Mi-nistério Público ou do juiz, mas especialmente divergências entre quaisquer uns destes, o mesmo ocorrendo com divergências dos assistente.

Realizada a manifestação complementar do perito, caso persista necessidade, a parte pode requerer comparecimento do perito e de assistentes técnicos em audiência para esclarecimentos, mas devem já formular perguntas, das quais comunicados por meio eletrônico perito e assistentes técnicos com prazo mínimo de 10 (dez) dias. É importantíssimo ficar claro que estes quesitos não impedem a técnica fundamental de reperguntas em audiência, até porque a utilidade da técnica oral estará justamente nestas reperguntas e na análise pelo juiz do comportamento e do conteúdo das repostas.

Art. 477

Page 372: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

763

William Santos Ferreira

Fica claro que o perito tem o dever de enfrentar as divergências com os assistentes e, quando verificar equívocos ou incompletude, ter a elevação técnica e a responsabilidade para reposi-cionar suas manifestações e conclusões, o que somente elevará sua posição ética e de seriedade para com o elevado mister do qual foi incumbido. Isto certamente lhe trará frutos positivos, e não negativos, como usualmente pensam os peritos que insistem em equívocos só porque acham que isto lhes desqualificará perante os juízes que os nomeiam. Esta cultura precisa mudar, ra-pidamente.

A verdade é que falta a nós, trabalhadores no processo, humildade e reconhecimento de que temos falhas e nossas responsabilidades devem falar muito mais alto que nossos egos sustentan-do acertos eternos, impossíveis, que prejudicam severamente a qualidade da prestação jurisdicio-nal e colocam as partes, suas vidas e a verdade em planos secundários, inadmissíveis no Estado democrático de Direito.

II. Julgados

“EMENTA: RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. MILITAR. REFORMA. MOLÉS-TIAS NA ATIVA. DIREITO À REFORMA. NULIDADE DO LAUDO PERICIAL. INEXISTÊN-CIA E INTIMAÇÃO DA UNIÃO PARA COMPARECER AO EXAME. IMPRESTABILIDADE DO ASSISTENTE TÉCNICO. ART. 433, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC. SÚMULA 7/STJ. INEXISTÊNCIA DE ARGUMENTOS APTOS A ENSEJAR A MODIFICAÇÃO DA DECISÃO AGRAVADA.

Agravo regimental improvido” (STJ, 6ª T., AgRg no REsp nº 1.152.955/RN, Rel. Min. Sebas-tião Reis Júnior, j. em 5/6/2012, DJe de 18/6/2012).

“EMENTA: RECURSO ESPECIAL - PROCESSUAL CIVIL - PERITO - PARECER - AS-SISTENTE TÉCNICO - APRESENTAÇÃO INTEMPESTIVA DA MANIFESTAÇÃO - PRAZO PRECLUSIVO - DESENTRANHAMENTO - INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 433, PARÁGRA-FO ÚNICO DO CPC

1. O prazo de que dispõe o assistente técnico para juntada do parecer é preclusivo, cuja apre-sentação extemporânea impõe o seu desentranhamento. Precedentes: REsp 792.741/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, DJ 25/10/2007; REsp 800.180/SP, Rel. Ministro JORGE SCAR-TEZZINI, DJ 08/05/2006; REsp 299.575/MG, Rel. Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO, DJ 15/12/2003.

2. Recurso especial desprovido” (STJ, 1ª T., REsp nº 918.121/SP, Rel. Min. Luiz Fux, j. em 2/12/2008, DJe de 17/12/2008).

“EMENTA: AÇÃO DE COBRANÇA. ROYALTIES. LITISCONSORTE COLIGADA À RÉ. ILEGITIMIDADE PASSIVA. CERCEAMENTO DE DEFESA. PERÍCIA. PEDIDO DE ESCLA-RECIMENTO. NÃO APRECIAÇÃO. OFENSA AO ART. 435 DO ESTATUTO PROCESSUAL.

Não pode sofrer as consequências da condenação quem foi posto no polo passivo exclusiva-mente para apresentar documentos pertinentes à causa.

Pendente pedido de esclarecimento da prova pericial, não pode a lide ser julgada com funda-mento exclusivo na perícia inconclusa em prejuízo de quem postula aclará-la, sem que tal pedido tenha sido apreciado.

Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido” (STJ, 4ª T., REsp nº 737.758/SP, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, j. em 13/2/2007, DJe de 14/5/2007).

Art. 477

Page 373: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

764

William Santos Ferreira

Art. 478 - Quando o exame tiver por objeto a autenticidade ou a falsidade de documento ou for de natureza médico-legal, o perito será escolhido, de preferência, entre os técnicos dos estabelecimentos oficiais especializados, a cujos diretores o juiz autorizará a remessa dos autos, bem como do material sujeito a exame.§ 1º - Nas hipóteses de gratuidade de justiça, os órgãos e as repartições oficiais deverão cumprir a determinação judicial com preferência, no prazo estabelecido.§ 2º - A prorrogação do prazo referido no § 1º pode ser requerida motivadamente.§ 3º - Quando o exame tiver por objeto a autenticidade da letra e da firma, o perito poderá requisitar, para efeito de comparação, documentos existentes em repartições públicas e, na falta destes, poderá requerer ao juiz que a pessoa a quem se atribuir a autoria do documento lance em folha de papel, por cópia ou sob ditado, dizeres diferentes, para fins de comparação.

I. Nomeações preferenciais e gratuidade na perícia

Nas perícias médico-legais e de verificação de falsidade ou autenticidade de documentos, inclusive pelas possíveis implicações criminais, determina-se a nomeação, preferencialmente, de peritos de estabelecimentos oficiais, como institutos de criminalística, departamentos espe-cializados em universidades públicas, entre outros, sendo que nestes casos os autos e eventuais materiais a serem periciados deverão ser enviados ao diretores dos órgãos.

Nos casos em que o exame envolver análise de autenticidade de letra ou firma, o perito está autorizado a requisitar documentos que se encontrarem em repartições públicas, justamente para comparação técnica e, caso não seja possível, admite-se obtenção de letras ou firmas por meio de ditado para comparação, atualmente a autenticidade de meios eletrônicos pode também necessi-tar de diferentes técnicas, que poderão ser empregadas, porque, no plano finalístico, o objetivo será analisar se são de fato de determinada pessoa, porém inútil seria exigir assinaturas físicas.

Se houver beneficiário da justiça gratuita, repartições públicas podem com seus especialistas e expertise colaborar com a Justiça e deverão observar o prazo estabelecido pelo Juiz e tratar o trabalho como preferencial em relação a outros, cabendo pedido de prorrogação do prazo, desde que por justificativa plausível.

Art. 479 - O juiz apreciará a prova pericial de acordo com o disposto no art. 371, indicando na sentença os motivos que o levaram a considerar ou a deixar de considerar as conclusões do laudo, levando em conta o método utilizado pelo perito.

I. Valoração da prova pericial e decisão sobre questões fáticas

Em várias oportunidades chegou-se a afirmar que o CPC/2015 não traria grandes modifica-

Arts. 478 e 479

Page 374: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

765

William Santos Ferreira

ções, não seria uma verdadeira quebra de paradigmas. Todavia, há marcantes modificações que dependerão muito do (re)conhecimento dos participantes do processo, principalmente juízes, advogados e promotores de que não é do que se tratará, mas sim como.

Dentre as mudanças está o que se compreende por contraditório e sua operacionalização (meio) no processo, a vedação a decisões-surpresa e sobre o que deve ser considerado funda-mentação, para tanto havendo o disposto no art. 489, que descreve o que não se admite como fundamentação de qualquer decisão:

a) se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua rela-ção com a causa ou a questão decidida;

b) empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua inci-dência no caso;

c) invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;d) não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a

conclusão adotada pelo julgador;e) limitar-se a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos

determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;f) deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem

demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.Mas, em que pese toda a preocupação identificável no artigo citado, especificamente na va-

loração da prova pericial, há mais uma regra que especifica, ainda mais, o disposto no art. 371, para não dar margem a qualquer dúvida que na valoração da prova pericial deverão ser indicados “na sentença os motivos que levaram o juiz a considerar ou deixar de considerar as conclusões do laudo, levando em conta o método utilizado pelo perito” (art. 479) e esta valoração terá relação direta com a “fundamentação pericial”, pois, se esta não existir, em geral impossibilitada estará a demonstração dos motivos pelo juiz.

Segundo o art. 371: “O juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do su-jeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento.”

Portanto, os deveres de fundamentação pericial e judicial são vasos comunicantes e é de sua conjugação que serão observados os requisitos de validade das soluções das questões fáticas en-volvendo elementos técnicos ou científicos.

Não serão admissíveis declarações como: “convencido dos fundamentos do laudo”, “extraído das conclusões apresentadas pelo expert resulta cristalino...”, enfim, descritivos não para de-monstrar as razões do convencimento, mas que apenas anunciam um convencimento.

No Estado de Direito, a atividade jurisdicional não é um ato de vontade, com isto não cabe se descrever com se vontade do Estado fosse, porque não há suporte político-institucional para tal conduta, daí a imposição de fundamentação na Constituição Federal (art. 93, inciso IX, da CF).

A atividade jurisdicional atende a uma finalidade pública que se, por um lado, autoriza a in-vasão da esfera jurídica do particular pelo Estado-Juiz, por outro, impõe que esta atuação se dê mediante fundamentação justificadora, legitimadora da conduta, isto porque o ato de julgar não é uma tomada de posição, mas antes uma solução escorada em um sistema jurídico e um processo que deve reunir os elementos justificadores para tal atuação, portanto o foco não está na conclu-são (no decisum), mas na sua estrutura de base, na fundamentação descritivo-legitimadora.

Art. 479

Page 375: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

766

William Santos Ferreira

Magistrados e peritos têm papéis fundamentais para a sociedade e a fundamentação efetiva nos processos é dever estabelecido, o que, finalisticamente, enaltece, valida e qualifica seus atos.

II. Julgados“EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO

ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ERRO MÉDICO. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. NÃO CARACTERIZAÇÃO. OFENSA AO ART. 436 DO CPC. INEXISTÊN-CIA. NÃO VINCULAÇÃO AO LAUDO PERICIAL. REEXAME DE PROVAS. NÃO CABI-MENTO. SÚMULA 7/STJ.

1. O Tribunal de origem dirimiu, de forma clara e fundamentada, as questões que lhe foram sub-metidas, apreciando integralmente a controvérsia posta nos presentes autos. Não se pode confundir julgamento desfavorável ao interesse da parte com negativa ou ausência de prestação jurisdicional.

2. Nos termos do art. 436 do CPC, o juiz não está adstrito a conclusões do laudo pericial, uma vez que pode formar suas convicções com base em outros elementos ou fatos existentes nos au-tos, o que ocorreu na espécie.

3. No caso, a Corte de origem, à luz da prova dos autos, concluiu pela configuração de todos os pressupostos da responsabilidade civil. Desse modo, a alteração das conclusões adotadas pelo Tribunal a quo, tal como colocada a questão nas razões recursais, demandaria, necessariamente, novo exame do acervo fático-probatório constante dos autos, providência vedada em recurso especial, conforme o óbice previsto na Súmula 7/STJ.

4. Agravo regimental a que se nega provimento” (STJ, 1ª T., AgRg no AREsp nº 480.046/ES, Rel. Min. Sérgio Kukina, j. em 5/3/2015, DJe de 11/3/2015).

“EMENTA: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. SERVIDÃO ADMINISTRATIVA. REVISÃO DO VA-LOR DA INDENIZAÇÃO. PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO. NE-CESSIDADE DE REEXAME DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ.

1. Concluindo o Tribunal de origem, com base no exame do conjunto fático-probatório dos autos, pelo acolhimento do valor da indenização alcançado pelo laudo do assistente técnico da parte recorrida em detrimento do valor encontrado no laudo do perito judicial, infirmar essas conclusões demandaria, necessariamente, o reexame de fatos e provas dos autos, providência vedada pelo óbice da Súmula 7/STJ.

2. Nos termos do art. 436 do CPC, o juiz não está adstrito ao laudo pericial, podendo formar a sua convicção com outros elementos ou fatos provados nos autos.

3. Agravo regimental não provido” (STJ, 2ª T., AgRg no AREsp nº 428.634/SP, Rel. Min. Eliana Calmon, j. em 10/12/2013, DJe de 18/12/2013).

Art. 480 - O juiz determinará, de ofício ou a requerimento da parte, a realização de nova perícia quando a matéria não estiver suficientemente esclarecida.§ 1º - A segunda perícia tem por objeto os mesmos fatos sobre os quais recaiu a primeira e destina-se a corrigir eventual omissão ou inexatidão dos resultados a que esta conduziu.

Art. 480

Page 376: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

767

William Santos Ferreira

§ 2º - A segunda perícia rege-se pelas disposições estabelecidas para a primeira.§ 3º - A segunda perícia não substitui a primeira, cabendo ao juiz apreciar o valor de uma e de outra.

I. Segunda perícia

A segunda perícia ocorre quando o objeto da perícia não esteja suficientemente esclarecido, envolvendo também dúvida quando aos métodos e critérios adotados pelo perito. A denominação é segunda pois a primeira é válida, sendo que aquela ocorrerá com as mesmas disposições da que lhe foi anterior e no momento da valoração as duas deverão ser consideradas; por isto se dife-rencia completamente da perícia que é anulada, quando a subsequente a substitui, não cabendo a consideração da primeira.

Tanto a anulação quanto a segunda perícia podem ser determinadas pelo juiz a requerimento ou de ofício, incluindo decisão no âmbito recursal, podendo a perícia ocorrer no juízo de primeiro grau ou em sede recursal, o que, em regra, parece ser muito mais eficiente, já que a nomeação e o desenvolvimento já se darão pelo relator e a decisão valorando a prova será pelo órgão colegiado.

II. Julgados

“EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. – PLEITO DE JULGAMENTO MONOCRÁTICO DO RECURSO. IMPOSSI-BILIDADE. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS DO ART. 557, §1º-A DO CPC. – NOMEAÇÃO DE NOVO PERITO. ALTERAÇÃO DA ESPECIALIDADE DA PERÍCIA. APRESENTAÇÃO DE NOVOS QUESITOS. POSSIBILIDADE. NULIDADE DA PRIMEIRA PERÍCIA QUE IM-PLICA A NULIDADE DE TODO O PROCEDIMENTO REFERENTE À REALIZAÇÃO DA PERÍCIA. – NULIDADE DA DECISÃO AGRAVADA. OCORRÊNCIA. CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA NÃO OBSERVADOS. APRESENTAÇÃO DE NOVOS QUESITOS POR AMBAS AS PARTES DIANTE DA NOMEAÇÃO DE NOVO PERITO RELACIONADO À NOVA ÁREA DE ESPECIALIDADE. – RECURSO CONHECIDO E PROVIDO” (TJPR, 9ª Câmara Cível, Agravo de Instrumento nº 0003732-46.2015.8.16.0000, Rel. Des. Vilma Régia Ramos de Rezende, j. em 14/5/2015).

“EMENTA: RECURSO ESPECIAL. ACIDENTE AÉREO. DANOS MORAIS. TERMO INI-CIAL DA PRESCRIÇÃO. DATA DO CONHECIMENTO DA INCAPACIDADE LABORAL PERMANENTE E PARCIAL. PRIMEIRA PERÍCIA INCONCLUSIVA. REALIZAÇÃO DE NOVA PERÍCIA. POSSIBILIDADE. VALOR DA REPARAÇÃO. INDEXAÇÃO AO SALÁRIO MÍNIMO. AFASTAMENTO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

1. As instâncias ordinárias, soberanas no exame do contexto fático-probatório, concluíram que, embora o acidente tenha ocorrido em 12 de fevereiro de 1990, os danos na coluna cervical da vítima protraíram-se no tempo, de maneira que se foram agravando e somente em julho de 1994 pode ser constatado que resultaram na incapacidade laboral parcial e definitiva do autor da ação. Nesse contexto, o marco inicial da prescrição é a data em que a vítima tomou conhecimento das sequelas decorrentes do acidente aéreo, em 15 de julho de 1994.

2. O Código de Processo Civil, em seus arts. 437 a 439, autoriza o julgador a determinar, na fase de instrução probatória, de ofício ou a requerimento da parte, a realização de nova perícia,

Art. 480

Page 377: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

768

William Santos Ferreira

a fim de que a controvérsia trazida aos autos seja suficientemente esclarecida. A segunda perícia destina-se a corrigir eventual omissão ou inexatidão da primeira (CPC, art. 438).

3. Como no presente recurso especial tem-se pedido abrangente de correção de exorbitância do valor fixado na instância ordinária a título de reparação do dano moral, cabe o afastamento da indevida indexação ao salário mínimo vigente na época do efetivo pagamento.

4. Recurso especial parcialmente provido, apenas para afastar a utilização do salário mínimo como fator de indexação do valor reparatório dos danos morais” (STJ, 4ª T., REsp nº 687.071/RJ, Rel. Min. Raul Araújo, j. em 11/9/2012, DJe de 11/4/2013).

“EMENTA: Processo civil. Destituição de perito após a apresentação do laudo pericial, com fundamento em desídia na prestação de esclarecimentos. Nomeação de novo perito e apresen-tação de laudo completo a respeito da matéria, abrangendo, inclusive, a matéria já tratada no primeiro laudo pericial. Conclusões opostas, no primeiro e segundo laudos. Decisão do Tribunal que, não obstante a destituição do perito, acolhe o laudo que ele havia preparado, em detrimento do trabalho do segundo perito. Possibilidade.

- A destituição do perito oficial por desídia ocorreu, não por qualquer motivo relacionado ao trabalho que ele originariamente desenvolveu, mas por falta de emprenho manifestada apenas por ocasião da prestação de esclarecimentos suplementares. Não há menção de má-fé ou impedi-mento do primeiro perito, a invalidar seu trabalho original.

- Com isso, a perícia inicialmente elaborada não é inválida, mas incompleta, demandando a nomeação de novo perito para complementá-la. Não obstante o segundo perito entenda, por um critério técnico, que seria necessário repetir todo o exame da causa, produzindo novo laudo pericial completo, o juiz responsável, bem como o respectivo Tribunal, não ficam vinculados a essa medida. Assim, podem, nos expressos termos do art. 439, parágrafo único, do CPC, apreciar livremente os dois laudos periciais preparados e acolher, tanto o primeiro, como o segundo, con-forme seu livre convencimento.

- Não havendo ilegalidade no procedimento adotado pelo Tribunal, não é possível rever, no Superior Tribunal de Justiça, a conclusão a que ele chegou. A lei possibilita expressamente que o primeiro laudo seja adotado como fundamento para a decisão. Apurar se ele está correto ou equivocado implicaria revolvimento do contexto fático-probatório do processo, o que é vedado pela Súmula 7/STJ.

Recurso não conhecido” (STJ, 3ª T., REsp nº 805252/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. em 27/3/2007, DJe de 16/4/2007).

Art. 480

Page 378: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

769

Ivan Aparecido Ruiz

Art. 481 - O juiz, de ofício ou a requerimento da parte, pode, em qualquer fase do processo, inspecionar pessoas ou coisas, a fim de se esclarecer sobre fato que interesse à decisão da causa.

AutorIvan Aparecido Ruiz

I. Considerações preliminares necessárias acerca da Inspeção Judicial

Estas anotações ao CPC/2015 se referem à inspeção judicial. Encontra-se a mesma na Seção XI (Da Inspeção Judicial), do Capítulo XII (Das Provas), do Título I (Do Procedimento Comum), do Livro I (Do Processo de Conhecimento e do Cumprimento de Sentença), da Parte Especial do Código de Processo Civil de 2015 (Lei federal nº 13.105, de 16 de março de 2015, publicada no DOU de 17 de março de 2015, com período de 1 (um) ano de vacatio legis, nos termos de seu art. 1.045). É de se ressaltar que o CPC/2015, diferentemente do CPC/1973, previu em seu bojo uma Parte Geral, mas não foi nessa Parte Geral que a Inspeção Judicial mereceu tratamento jurídico, como era de se esperar, assim como todo o conteúdo da prova. Pensa-se que o legislador perdeu uma grande oportunidade de fazer esse tratamento no âmbito da Parte Geral, a qual projetaria suas normas para toda a Parte Especial. Como se pode observar, o legislador, embora tenha inovado, nesse diploma legal, ao prever uma Parte Geral, no tratamento da Prova preferiu manter o mesmo entendimento ao cuidá-la no âmbito do Processo de Conhecimento, o qual está inserido na Parte Especial. É de registrar, finalmente, que o CPC/2015 cuida da Prova no contexto do Processo de Conhecimento. Assim, embora não tenha o legislador cuidado da Prova na Parte Geral, todo Capítulo da Prova, no que couber, tem aplicação aos Procedimentos Especiais, aos Procedimentos de Jurisdição Voluntária, ao Livro II, da Parte Especial (Processo de Execução), ao Livro III, da Parte Especial (Processos nos Tribunais e dos Meios de Impugna-ção das decisões judiciais), em especial os processos de competência originária dos tribunais. Ainda, vale lembrar, não só com relação à inspeção judicial, mas a todos os meios de provas, o magistrado ou tribunal, como destinatários da prova, deve estar atento ao comando do art. 1º do CPC/2015, quando estabelece que “O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código”

II. Comparação da redação do CPC/1973 com a do CPC/2015

O art. 481 do CPC/2015, objeto destas anotações, reproduz, sem qualquer alteração em sua redação, o art. 440 do CPC/1973, que tem a seguinte redação, in verbis: “Art. 440. O juiz, de ofício ou a requerimento da parte, pode, em qualquer fase do processo, inspecionar pessoas ou coisas, a fim de se esclarecer sobre fato, que interesse à decisão da causa”.

III. A natureza jurídica da inspeção judicial

A inspeção judicial, embora haja discussão na doutrina, é um meio de prova, tanto que ela vem tratada no Capítulo Das Provas. Este artigo do Código de Processo Civil de 2015 cuida do objeto e da finalidade da inspeção judicial. É uma modalidade de prova que se realiza fora da sede do juízo (edifício do Fórum ou Tribunal), abrindo exceção a regra geral, prevista no art.

Page 379: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

770

Ivan Aparecido Ruiz Art. 481

217 do CPC/2015, de que os atos processuais são realizados ordinariamente na sede do juízo. Consiste ela, portanto, no meio de prova complementar em que o juiz procede a coleta da prova diretamente, por seus próprios sentidos, inspecionando pessoas ou coisas, que possam interessar à causa, influenciando no seu convencimento. É um ato realizado diretamente pelo juiz, onde ele próprio examina a coisa ou a pessoa (o magistrado não se utiliza de instrumentos ou pessoas para colher elementos indispensáveis à formação de seu convencimento). Por isso a cizânia na doutrina a respeito da natureza jurídica da inspeção judicial, considerando-a como prova complementar ou prova especial.

IV. A inspeção judicial e o princípio da imediatidade

Tem-se, aqui, que observar o princípio da imediatidade, porquanto compete ao magistrado proceder direta e pessoalmente à colheita das provas. Aqui, interessante registrar que o CPC/2015 não reproduziu a regra constante do art. 446, inciso II, do CPC/1973 (Compete ao juiz em es-pecial: proceder direta e pessoalmente à colheita das provas), que tratava, especificamente, de modo geral, do princípio da imediatidade. No entanto, o art. 481 do CPC/2015, nos mesmos moldes do CPC/1973, estabelece que “O juiz, de ofício ou a requerimento da parte, pode, em qualquer fase do processo, inspecionar pessoas ou coisas, a fim de se esclarecer sobre fato que interesse à decisão da causa”. Como se percebe, a inspeção judicial é ato pessoal do juiz. É ele que deve proceder a inspeção em pessoas ou coisas. Não pode delegar essa função ou atividade a outrem, nem mesmo aos Auxiliares da Justiça. É que é ele o destinatário da prova, principalmen-te quando da formação de seu convencimento.

V. Incidência da inspeção judicial

Esse meio de prova recai em pessoas e coisas, estas, móveis ou imóveis e, nestes compreen-didos os lugares (v.g. servidão). Entre as pessoas deve-se, também, compreender as partes e os terceiros. Quanto às partes, registre-se que é dever, imposto pelas normas jurídicas processuais, que elas submetam-se à inspeção judicial. O terceiro também está sujeito à inspeção judicial, porquanto tem o dever de colaborar com o Poder Judiciário para o descobrimento da verdade.

VI. Incidência da inspeção judicial em pessoas, em hipóteses que envolvem direitos funda-mentais e direitos da personalidade

Em se tratando de inspeção judicial sobre pessoas deve o juiz, ainda, estar atento aos Direitos Fundamentais e, principalmente, sobre os Direitos da Personalidade, a fim de que não ocorra a violação da intimidade, da vida privada, da honra e da intimidade daquelas, principalmente diante dos Princípios Fundamentais e de um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, que é a dignidade da pessoa humana. A inspeção judicial é ato processual do juiz. Portanto, a inspeção judicial deve ser realizada pessoalmente pelo Juiz, e não por meio de interposta pessoa (Escrivão, Auxiliar da Justiça, Estagiário, etc.), porquanto ele é o destinatário da prova.

VII. A inspeção judicial como meio de prova e o princípio da fundamentação

Em matéria de Prova, em especial no que se refere à inspeção judicial, o magistrado, pelo CPC/2015, além dos comandos estabelecidos na Constituição da República Federativa do Bra-sil de 1988, no concernente aos princípios fundamentais, aos direitos e garantias fundamentais, deve, também, não só estar atento ao comando do art. 93, inciso IX, da CRF/1988, em conjunto com o art. 1º do CPC/2015, mas, sobretudo, cuidar de sua correta aplicação, porquanto todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão fundamentados, sob pena de nulidade (art. 11 do CPC/2015). Em caso de sentença essa exigência da fundamentação também vem previs-

Page 380: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

771

Ivan Aparecido Ruiz Art. 481

ta no art. 489 e seus incisos, devendo o julgador fica atento ao que dispõe o § 1º e incisos I a VI do CPC/2015. Também nesse contexto da inspeção judicial, é importante ressaltar que se o magistrado valer-se dela nos casos da tutela provisória, de urgência (cautelar e antecipada) e de evidência, deverá observar o comando do art. 298 do CPC/2015, que exige que a decisão seja motivada, quanto ao seu convencimento, de modo claro e preciso.

VIII. Do cabimento da inspeção judicial e do poder de iniciativa do juiz quanto a essa modalidade de prova

Tem a inspeção judicial cabimento toda vez que tenha por objetivo esclarecer fato que inte-ressa à decisão a ser proferida pelo órgão jurisdicional, ou seja, quando há um ponto de fato con-trovertido, porquanto fatos incontroversos não dependem de prova. Daí o caráter de complemen-taridade da inspeção judicial. A iniciativa pode ser do próprio juiz, de ofício, sem requerimento das partes. Para tanto deverá haver pronunciamento nesse sentido no processo, normalmente por intermédio de despacho, onde deverá indicar, com precisão, a coisa ou pessoa a ser inspecionada, o fato que necessita de esclarecimento, a nomeação de perito, se for o caso, bem como a men-ção do dia, hora e lugar em que esse ato processual, inspeção judicial, deverá ser realizado. Isto porque os poderes instrutórios do juiz, atualmente, foram remodelados, ampliados. Em matéria probatória não pode mais o magistrado ficar adstrito, sujeito, ao Princípio Dispositivo, em sua leitura original, onde o processo seria “coisa das partes”. Não. O magistrado atual deve ser um sujeito ativo, preocupado com a entrega da prestação jurisdicional pautada na verdade e certe-za. Como afirma a doutrina, o juiz não pode ser visto como um “convidado de pedra”. Vive-se outro tempo, em que o processo tem uma natureza essencialmente pública. Deve o magistrado, no entanto, toda vez que determinar a realização da inspeção judicial, seja de pessoas ou coisas, repita-se, fundamentar a sua decisão.

IX. Momentos da proposição e realização da inspeção judicial

As partes também têm o poder de iniciativa (proposição) dessa modalidade de prova, devendo a parte autora indicar na petição inicial (art. 319, inciso VI, do CPC/2015), ao passo que a parte ré deve especificar na contestação (art. 336 do CPC/2015). Esses são os momentos adequados para a sua proposição pelas partes. No entanto, essa modalidade de prova – inspeção judicial – poderá ser requerida (proposta), deferida e produzida em qualquer momento do curso do proce-dimento, ou no dizer da lei, em qualquer fase do processo, antes da resolução do mérito. Não se deve perder de vista que a inspeção judicial é um meio de prova complementar e, por essa razão, o juiz, sempre visando formar o seu convencimento, poderá determiná-la, de ofício, até mesmo por ocasião do despacho liminar ordinatório. Mas, se entender conveniente, poderá determinar a realização da inspeção judicial depois da produção das demais provas. Apesar de a inspeção judicial (realiza-se de forma endoprocessual e no curso do procedimento) não se confundir com a exibição (realiza-se de forma extraprocessual e antes da incoação do processo), estão as coi-sas móveis sujeitas a ela nas mesmas hipóteses de cabimento desta (arts. 438 e 444, todos do CPC/2015).

X. Julgado

“A utilização da inspeção judicial como meio de prova se justifica sempre que houver neces-sidade de o magistrado melhor avaliar ou esclarecer um fato controvertido, ou seja, naquelas si-tuações em que essa percepção não puder ser obtida pelos outros meios de prova comumente ad-mitidos no processo” (STJ, 3ª T., AgRg. no REsp. nº 1110215/RJ, Agravo Regimental no Recurso Especial nº 2008/0272598-5, Rel. Min. Sidnei Beneti, j. em 27/10/2009, DJe de 6/11/2009, v.u.).

Page 381: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

772

Ivan Aparecido Ruiz Art. 482

Art. 482 - Ao realizar a inspeção, o juiz poderá ser assistido por um ou mais peritos.

I. Comparação da redação do CPC/1973 com a do CPC/2015 O art. 482 do CPC/2015, objeto destas anotações, reproduz a redação do art. 441 do CPC/1973,

com pequena alteração de grafia, sem qualquer alteração de essência do texto. O citado art. 441 do CPC/1973 tem a seguinte redação, in verbis: “Art. 441. Ao realizar a inspeção direta, o juiz poderá ser assistido de um ou mais peritos”.

II. A realização da inspeção judicial, o juiz e os auxiliares da justiça A realização da inspeção judicial direta é ato pessoal do juiz. Não se confunde a inspeção judi-

cial direta, realizada pelo juiz, em pessoas, coisas ou lugares, com a prova pericial em seu sentido estrito, pois por meio dela o próprio juiz quem examina, inspeciona ictu oculi o objeto que deva recair a prova. Poderá, no entanto, o magistrado, na produção dessa modalidade de prova, contar com um Auxiliar da Justiça, no caso o Perito, que, por possuir conhecimento técnico ou cientí-fico, acompanhará e assistirá o juiz nos esclarecimentos de fatos que interessem ao deslinde da causa. É, aliás, o que dispõe o art. 156 do CPC/2015.

III. A inspeção judicial e o perito, bem como os motivos de impedimento e suspeição do perito

No caso do perito, estando presente um dos motivos de impedimento ou de suspeição, poderá a parte interessada arguir o impedimento ou a suspeição, em petição fundamentada e devidamen-te instruída, na primeira oportunidade em que couber falar nos autos do processo, prosseguindo-se o processamento do incidente em separado e sem suspensão do processo nos termos da le-gislação processual civil (art. 148 e parágrafos do CPC/2015). Ressalte-se, no entanto, que “Os assistentes técnicos são de confiança da parte e não estão sujeitos a impedimento ou suspeição” (art. 466, § 1º, do CPC/2015). Saliente-se, também, que o perito, havendo motivo de impedimen-to ou suspeição, poderá ele próprio escusar, comunicando, para tanto, o juiz, em requerimento nesse sentido.

IV. O juiz e o perito, as partes e os assistentes técnicos, na inspeção judicial Entende-se que, em havendo necessidade de o juiz ser assistido por um ou mais peritos,

também as partes, até mesmo em obediência ao Princípio constitucional da ampla defesa e do contraditório (art. 5°, inciso LV, da CRF/1988), deverão ser intimadas para, querendo, indicar os seus assistentes técnicos (auxiliares da parte) para acompanhar a inspeção judicial. A não observância desse direito e garantia da parte, caracterizada pela não intimação, com ofensa ao princípio da ampla defesa e do contraditório levará a nulidade do ato processual inspeção judicial. Evidente que essa possibilidade – o juiz ser assistido por um ou mais peritos – só se mostra possível e viável quando fato a ser comprovado, no momento da realização da inspeção judicial, ou quando a assistência por parte do perito dependerem de conhecimento técnico ou científico (conhecimentos específicos). O perito na inspeção judicial assiste o juiz, acompanhando-o. Na prova pericial, em sentido estrito, o perito externa a sua opinião na condição de alguém que tem conhecimento específico, de especialista, cuja opinião se mostra relevante para o deslinde da causa.

V. Do momento (tempo) para a realização da inspeção judicial A inspeção judicial, como ato processual que é, deve realizar-se em dias úteis, das 6 (seis) às

20 (vinte) horas, podendo ser concluído após as 20 (vinte) horas os atos iniciados antes, quando o adiamento prejudicar a diligência ou causar grave dano.

Page 382: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

773

Ivan Aparecido Ruiz Art. 483

Art. 483 - O juiz irá ao local onde se encontre a pessoa ou a coisa quando:I - julgar necessário para a melhor verificação ou interpretação dos fatos que deva observar;II - a coisa não puder ser apresentada em juízo sem consideráveis despesas ou graves dificuldades;III - determinar a reconstituição dos fatos.Parágrafo único - As partes têm sempre direito a assistir à inspeção, prestando esclarecimentos e fazendo observações que considerem de interesse para a causa.

I. Comparação da redação do CPC/1973 com a do CPC/2015 O art. 483 do CPC/2015, objeto destas anotações, reproduz a redação do art. 442 do CPC/1973,

com pequena alteração de grafia, sem qualquer alteração de essência do texto. Para comparação, veja-se a redação do citado art. 442 do CPC/1973, in verbis: “Art. 442. O juiz irá ao local, onde se encontre a pessoa ou coisa, quando: I - julgar necessário para a melhor verificação ou inter-pretação dos fatos que deva observar; II - a coisa não puder ser apresentada em juízo, sem con-sideráveis despesas ou graves dificuldades; III - determinar a reconstituição dos fatos. Parágrafo único. As partes têm sempre direito a assistir à inspeção, prestando esclarecimentos e fazendo observações que reputem de interesse para a causa”.

II. Local da prática dos atos processuais em geral e da inspeção judicial de coisas Os atos processuais realizam-se, de ordinário, na sede do juízo, no edifício do Fórum ou do

Tribunal. Aí é o habitat próprio para a prática dos atos jurídicos processuais. Excepcionalmente, e quando previsto em norma jurídica processual, essa regra, que é geral, abre exceção, podendo, então, o magistrado dirigir-se até onde se encontre a coisa ou a pessoa. Isso ocorre quando a coisa, pela sua natureza – coisa imóvel – não puder ser transportada à sede do juízo, ou se puder, venha acarretar despesas ou graves dificuldades.

III. Local da prática do ato processual inspeção judicial, envolvendo pessoas Com relação às pessoas, também como regra geral, devem comparecer na sede do juízo e aí se-

rem inquiridas. No entanto, em muitos casos, pelas suas peculiaridades, a legislação abre exceção e permite que o juiz dirija-se até o local onde se encontre a pessoa, como é o caso, por exemplo, das pessoas enfermas, ou, por outro motivo relevante, estiver impossibilitada de comparecer, mas não de prestar depoimento, ou certas autoridades, este em razão de deferência, por motivo da função, ou, ainda, no interesse da justiça. Isto, se for o caso, também se aplica a inspeção judicial.

IV. Participação ou não das partes e do procurador da parte na realização da inspeção judicial

Conforme se depreende do texto legal, as partes, que não sejam objeto da inspeção judicial têm a faculdade (conduta prevista e permitida na lei, cuja conduta se exaure na esfera jurídica da própria pessoa) e o direito de assistir à inspeção judicial, prestando esclarecimentos e fazendo as observações que reputem de interesse ao deslinde da causa, isto porque, diferentemente do dever, não lhe é exigida uma conduta, ou seja, a lei processual não impõe o dever de acompa-nhar o ato processual relativo à inspeção judicial. Apesar de o parágrafo único não ser expresso nesse sentido, o direito de estar presente a esse ato processual – inspeção judicial – também se

Page 383: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

774

Ivan Aparecido Ruiz

estende ao procurador da parte (o advogado devidamente habilitado). Registre-se, novamente, por oportuno, que, para a preservação dos direitos fundamentais, dos direitos da personalidade e a dignidade da pessoa humana da pessoa a ser inspecionada (objeto de exame), poderá o juiz solicitar que a outra parte se retire do ambiente, permanecendo, no entanto, somente, ao ato, o procurador da retirada, assim como de seu assistente técnico, se houver. Assim, embora as partes tenham o direito de assistir à inspeção judicial, acompanhando as diligências, e não o dever, é recomendável que elas, principalmente por meio de seus procuradores, participem desse ato pro-cessual, pois poderão tornar a ampla defesa e o contraditório mais pleno, efetivo e equilibrado, com intervenções e observações.

V. Esclarecimentos e exibição de documentos ou coisas no desenvolvimento da inspeção judicial

Durante a inspeção judicial o juiz, se entender conveniente, poderá solicitar esclarecimentos de outras pessoas, ordenar a exibição de documentos ou coisas, fotografar, filmar os lugares, ordenar a realização de desenhos, gráficos, enfim, praticar todos os atos processuais nesse mo-mento, documentando-os, a fim de que possa, quando da entrega da prestação jurisdicional, estar munido de todos estes elementos probatórios que servirão a formação de seu convencimento, que, necessariamente, constarão da fundamentação de sua decisão.

VI. Local da realização da inspeção judicial e a postura do juiz

Afirma a lei processual que o juiz poderá ir ao local onde se encontre a pessoa ou a coisa quando julgar necessário para a melhor verificação ou interpretação dos fatos que deva observar. O que interessa é a busca da verdade real, muito embora no processo civil se contente com a ver-dade formal. Registre-se, na presente hipótese prevista na lei processual, que o exemplo da ser-vidão ou direito de passagem é de transcendental importância a ida do juiz no local da servidão, o que pode espancar qualquer dúvida de interpretação, formando o seu pronto convencimento acerca da existência ou não da servidão. Ainda poderia pensar em exemplos como de avaliação de coisas, para fins de indenização. A presença do juiz, para fins de exame, pode perfeitamente eliminar dúvida acerca do contido em laudo de avaliação. Também, a título de exemplo, em hi-póteses de imóveis tombados, de incapacidade civil, interdição e prodigalidade, demarcação de área indígena, em que a matéria fática pode-se apresentar extremamente controvertida, incerta e duvidosa. Ainda, o juiz poderá ir ao local onde se encontre a coisa, quando a mesma não puder ser apresentada em juízo sem consideráveis despesas ou graves dificuldades, assim como para determinar a reconstituição dos fatos. Nesta última hipótese, pense-se, por exemplo, nos aciden-tes de veículos, quando diante a controvérsia fática, a inspeção judicial poderá se apresentar com um meio de prova complementar extremamente útil. Nesse contexto, aliás, tem inteira aplicação o conteúdo da norma do art. 217 do CPC/2015.

VII. Julgado

“Ementa INCAPACIDADE CIVIL. INTERDIÇÃO. PRODIGALIDADE. LAUDO PERI-CIAL. - NÃO ESTÁ O JUIZ ADSTRITO AO LAUDO DOS PROFISSIONAIS, PODENDO FORMAR CONVICÇÃO PELAS DEMAIS PROVAS, INCLUSIVE PELA INSPEÇÃO JU-DICIAL. INOCORRÊNCIA DE OFENSA AOS ARTIGOS 450 DO CÓDIGO CIVIL E 1183 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. O REEXAME DAS PROVAS, POR OUTRO LADO, É INCOMPORTÁVEL NA VIA EXTRAORDINÁRIA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO CONHECIDO” (1ª T., RE nº 92040/RJ, Recurso Extraordinário, Rel. Min. Rafael Mayer, j. em 7/4/1981, DJ de 15/5/1981, p. 4.430; Ement., V. 1212-02, p. 500; RTJ, V. 98-01, p. 385).

Art. 483

Page 384: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

775

Ivan Aparecido Ruiz Art. 484

Art. 484 - Concluída a diligência, o juiz mandará lavrar auto circunstanciado, mencionando nele tudo quanto for útil ao julgamento da causa.Parágrafo único - O auto poderá ser instruído com desenho, gráfico ou fotografia.

I. Comparação da redação do CPC/1973 com a do CPC/2015O art. 484 do CPC/2015, objeto destas anotações, reproduz a redação do art. 443 do CPC/1973,

não realizando qualquer alteração do texto. Para comparação, veja-se a redação do citado art. 443 do CPC/1973, in verbis: “Art. 443. Concluída a diligência, o juiz mandará lavrar auto circuns-tanciado, mencionando nele tudo quanto for útil ao julgamento da causa. Parágrafo único. O auto poderá ser instruído com desenho, gráfico ou fotografia”.

II. Inspeção judicial e o auto circunstanciado. Princípio da Documentação A inspeção judicial, como meio de prova complementar e ato processual que é, objetivando

esclarecimentos de fatos que interessem ao deslinde da causa, precisa ser documentada após a sua conclusão. Surge a necessidade de se documentar em virtude do Princípio da Documentação. Deve-se observar, então, nesse momento, o Princípio da Documentação dos atos processuais. Para tanto, o juiz deverá ordenar ao seu auxiliar da justiça, normalmente o escrivão, ou quem o fizer as suas vezes nessa ocasião, que se lavre auto, devidamente circunstanciado e noticiando todo o ocorrido, inclusive os incidentes que possam ter ocorrido durante a realização da inspe-ção judicial, assim como a decisão pronunciada pelo juiz, cujo auto circunstanciado deverá ser juntado aos autos do processo.

III. A presença do Oficial de Justiça como coadjuvante do juiz no desenvolvimento da inspeção judicial

O Juiz, se entender necessário, poderá também ordenar o Oficial de Justiça que esteja presente na inspeção judicial, a fim de coadjuvá-lo. Lavrado o auto deverão ser colhidas as assinaturas de todos que participaram nesse ato processual.

IV. A necessidade do auto circunstanciado quando da realização da inspeção judicial e sua força probatória.

A ausência do auto circunstanciado no processo, apesar da inspeção judicial realizada, torna esse meio de prova sem valor, porquanto isto implicaria apenas conhecimento pessoal do juiz, que não pode ser testemunha de processo que vai julgar. Se apesar da realização da inspeção ju-dicial e da ausência do auto circunstanciado o juiz, ao decidir, na sentença não se valer de meio de prova – inspeção judicial –, mas, sim, de outras provas que forem suficientes à formação de seu convencimento, sua decisão não é nula.

V. Julgados No corpo do voto no AgRg nº 14646/MG encontra-se a seguinte passagem: “Em sua petição

de agravo regimental de fls. 186, esclarecem os agravantes que interpõem o presente recurso, aduzindo as mesmas razões constantes de seu agravo de instrumento e que não foi dado o devido valor à inspeção realizada pelo MM. Julgador monocrático. Ora, todas estas razões foram devi-damente examinadas e rebatidas no despacho agravado de fls. 183/184. Por este está bem claro que o julgador singular, ao proceder à inspeção, não cumpriu o disposto no artigo 443 do CPC,

Page 385: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

776

Ivan Aparecido Ruiz

não mandou ‘lavrar auto circunstanciado, e nada constou do termo sumário’ (fls. 71). Por ser defeituosa, não tem qualquer valor probatório, restando apenas o conhecimento pessoal do julga-dor que não pode ser testemunha de processo que vai julgar” (STJ, 1ª T., AgRg no AG nº 14646, Rel. Min. Garcia Vieira, j. em 9/12/1992, trânsito em julg. 6/5/1993).

“A ausência do auto circunstanciado, lavrado a partir da diligência feita pelo juiz, não é capaz de macular a sentença quando, como no caso dos autos, outras provas forem suficientes à formação da convicção do julgador” (STJ, 4ª T., AgRg no Ag nº 676160, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, j. em 23/11/2010, trânsito em julg. 16/2/2011).

Art. 484

Page 386: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

777

Leonardo Greco

Art. 485 - O juiz não resolverá o mérito quando:I - indeferir a petição inicial;II - o processo ficar parado durante mais de 1 (um) ano por negligência das partes;III - por não promover os atos e as diligências que lhe incumbir, o autor abandonar a causa por mais de 30 (trinta) dias;IV - verificar a ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo;V - reconhecer a existência de perempção, de litispendência ou de coisa julgada;VI - verificar ausência de legitimidade ou de interesse processual;VII - acolher a alegação de existência de convenção de arbitragem ou quando o juízo arbitral reconhecer sua competência;VIII - homologar a desistência da ação;IX - em caso de morte da parte, a ação for considerada intransmissível por disposição legal; eX - nos demais casos prescritos neste Código.§ 1º - Nas hipóteses descritas nos incisos II e III, a parte será intimada pessoalmente para suprir a falta no prazo de 5 (cinco) dias.§ 2º - No caso do § 1º, quanto ao inciso II, as partes pagarão proporcionalmente as custas, e, quanto ao inciso III, o autor será condenado ao pagamento das despesas e dos honorários de advogado.§ 3º - O juiz conhecerá de ofício da matéria constante dos incisos IV, V, VI e IX, em qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto não ocorrer o trânsito em julgado.§ 4º - Oferecida a contestação, o autor não poderá, sem o consentimento do réu, desistir da ação.§ 5º - A desistência da ação pode ser apresentada até a sentença.§ 6º - Oferecida a contestação, a extinção do processo por abandono da causa pelo autor depende de requerimento do réu.§ 7º - Interposta a apelação em qualquer dos casos de que tratam os incisos deste artigo, o juiz terá 5 (cinco) dias para retratar-se.

AutorLeonardo Greco

I. Decisão terminativa

O longo artigo em comento, que corresponde ao art. 267 do CPC/1973, deve ser interpretado conjuntamente com o § 1º do art. 203, no capítulo relativo à sentença e à coisa julgada, que ao presente artigo se refere ao enunciar o conceito de sentença. Em todos os casos enumerados neste

Page 387: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

778

Leonardo Greco

artigo, o juiz extingue o processo sem resolução do mérito, isto é, sem julgar o pedido do autor, sem se pronunciar sobre a sua procedência ou improcedência, seja ele processo de conhecimento, de execução ou cautelar. Poder-se-ia dizer, numa síntese, que o juiz deve assim decidir quando ocorrer a falta de condições da ação ou de pressupostos processuais, se a petição inicial for inepta (art. 330, § 1º), se o autor e até mesmo o réu negligenciarem no dever de colaborar com o juiz no impulsionamento do processo ou se o autor desistir da ação. Está subjacente no dispositivo a noção, que era expressa no CPC/1973, de que em todos esses casos o juiz extingue o processo. E, por isso, no § 7º, o artigo se refere ao cabimento de apelação contra a decisão. No entanto, a alte-ração de redação se justifica porque, se houver cumulação de ações, seja por iniciativa do próprio autor, seja em consequência de reconvenção do réu, pode o juiz excluir da relação processual uma das ações cumuladas, com fundamento em algum dos motivos deste artigo, sem extinguir o processo como um todo. Nesse caso, o recurso cabível, apesar da redação do § 7º, não será o de apelação, será o de agravo de instrumento se a hipótese puder ser capitulada em algum dos inci-sos do art. 1.015. Caso contrário, deverá o prejudicado aguardar a sentença final para impugnar a decisão (art. 1.019, § 1º).

II. Indeferimento da inicial

No inciso I o artigo menciona como fundamento da extinção o indeferimento da petição ini-cial, regulado no art. 330, cabendo observar a esse respeito que nesse indeferimento o CPC/2015 difere do CPC/1973 em dois pontos: por não mais incluir nesse instituto a decretação liminar da decadência ou da prescrição, que constituem matérias de mérito, e por incluir nas hipóteses de inépcia expressamente a indeterminação do pedido (art. 330, § 1º, inciso II, c.c. o art. 324).

III. Paralisação do processo

Os incisos II e III têm o mesmo conteúdo dos incisos correspondentes no art. 267 do CPC/1973, cabendo ressaltar, quanto ao inciso III, que o prazo de trinta dias é bem mais longo porque, no CPC/2015, na contagem dos prazos de dias se incluem apenas os dias úteis (art. 220). Tal como no CPC/1973, nesses casos, antes da decisão de extinção ou de exclusão, o juiz deverá intimar a parte pessoalmente para suprir a falta (§ 1º), aumentando o prazo de 48 horas para cinco dias. A intimação continua a ser pessoal, o que significa, no regime do CPC/2015, intimação por mandado, direta pelo escrivão, pelo correio ou por meio eletrônico, se cadastrado o destinatário para receber esse tipo de intimação. Na intimação pelo correio aplica-se o disposto no parágrafo único do art. 274. O destinatário é a própria parte, e não o seu advogado. O § 2º disciplina a dis-tribuição proporcional das custas, na hipótese de paralisação por mais de um ano por negligência bilateral, e a imputação ao autor das custas e dos honorários da sucumbência se este abandonar a causa por mais de trinta dias. No caso de desistência, a responsabilidade pelas despesas é objeto do art. 90, e, nos demais casos de extinção, parece decorrer do art. 92 que o autor responda pelas despesas e honorários da sucumbência. Parece-me que essas regras não possam se aplicar, quanto aos honorários da sucumbência, aos seguintes casos: a) às hipóteses dos incisos I e VIII, se o indeferimento da petição ou a desistência ocorrer antes de que o réu tenha constituído advogado; b) à hipótese do inciso IX, porque a morte da parte em ação considera intransmissível, é fato inteiramente alheio à vontade de qualquer das partes.

IV. Falta de pressupostos processuais e de condições da ação

Os incisos IV, V e VI, que correspondem no CPC/1973 aos incisos IV, V e VI do art. 267, refe-rem-se à falta de pressupostos processuais e de condições da ação. Quanto às condições da ação, objeto específico do inciso VI, o texto apresenta duas inovações em relação ao diploma anterior.

Art. 485

Page 388: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

779

Leonardo Greco

A primeira é o desaparecimento da possibilidade jurídica como condição da ação, na esteira de boa parte da doutrina que não vislumbra na ilicitude do pedido a ausência de direito à jurisdição, mas verdadeiramente o fundamento para um juízo de improcedência que adentraria ao próprio mérito do litígio. Além dessa crítica, também se argumentou que, como regra, a ilicitude do pedido deveria ser repelida por um juízo definitivo com força de coisa julgada. São argumentos ponderáveis que não podem impedir, entretanto, que o juiz poupe o réu do ônus de se defender de uma pretensão manifestamente ilícita (V. DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direi-to Processual Civil. v. II. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 307-309). A meu ver, o silêncio do Código de Processo Civil de 2015 sobre a possibilidade jurídica do pedido não significa que ela tenha deixado de existir. Ela sobrevive na condição da ação do interesse de agir. Se o pedido é ilícito, o autor não tem necessidade nem utilidade a extrair da pretensão de acolhimento do seu pedido, porque o juiz não poderá acolhê-lo. Aliás, se essa ilicitude transparecer claramente da hipótese formulada pelo autor na petição inicial, esta deverá ser liminarmente indeferida por inepta, porque da narração dos fatos não poderá decorrer logicamente a conclusão pretendida (CPC/2015, art. 330, § 1º, inciso III).

Quanto à falta de pressupostos processuais, que dizem respeito à validade e regularidade da relação processual, a doutrina mais difundida os classifica em subjetivos relativos ao juiz – ju-risdição, competência e imparcialidade –, subjetivos relativos às partes – capacidade de ser par-te, capacidade de estar em juízo e capacidade postulatória – e objetivos – inexistência de fatos impeditivos e a subordinação do procedimento às normas legais (V. SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de Direito Processual Civil. v. I. 29. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 364). Entre esses pressupostos, que devem verificar-se desde o primeiro ato do processo e em todos os atos subsequentes, existem aqueles cuja inobservância gera nulidade absoluta, nulidade relativa ou mera irregularidade. Diante de quaisquer desses vícios, deve o juiz ter assegurado ao autor a possibilidade de supri-los ou remediá-los, nos termos dos arts. 321, 351 e 352. Mas somente nos casos de nulidades absolutas não remediadas ou de nulidades relativas, arguidas oportunamente com comprovado prejuízo e não corrigidas, é que o juiz extinguirá o processo. Nos casos de nulidades relativas não arguidas oportunamente ou sem comprovação de prejuízo, estarão con-validadas, não determinando a extinção do processo. E no caso de meras irregularidades, como o emprego de expressões injuriosas ou de cotas marginais ou interlineares (arts. 202 e 77), o juiz adotará de ofício as providências para corrigi-las, igualmente sem extinção do processo.

V. Convenção de arbitragem

O inciso VII diz respeito à alegação de existência de convenção que submete o litígio ao juízo arbitral que, por força de lei, subtrai a causa da apreciação do Poder Judiciário, retirando do autor o interesse em promover a ação. O dispositivo refere-se à “existência de convenção de arbitra-gem ou quando o juízo arbitral reconhecer sua competência”. Na primeira hipótese está em jogo a existência ou não da convenção de arbitragem. Se o juiz concluir que ela existe e que o seu objeto abrange o da ação que lhe é submetida, deverá extinguir o processo após a devida audiên-cia prévia do autor. Na segunda hipótese, está em jogo a validade da convenção de arbitragem ou a competência do tribunal arbitral para o litígio em questão. A essa segunda hipótese, aplica-se o disposto no art. 20 da Lei nº 9.307/1996, devendo a matéria ser previamente arguida perante o juízo arbitral. Há quem entenda que, nesse caso, tendo o juízo arbitral repelido a arguição de incompetência ou de nulidade da convenção de arbitragem, o processo judicial deve ser extin-to, porque o reexame judicial dessa questão somente poderia ser suscitado ao final do processo arbitral, por meio da ação anulatória da sentença arbitral, de que tratam os arts. 32 e 33 da Lei

Art. 485

Page 389: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

780

Leonardo Greco

de Arbitragem (v. DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. v. I. 17. ed. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 720). Essa interpretação me parece incompatível com o disposto no inci-so XXXV do art. 5º da Constituição. Ninguém pode ser impedido de ingressar em juízo para submeter-se aos deveres e ônus decorrentes de um processo arbitral que considera nulo. Assim, se ainda não tiver havido pronunciamento do tribunal arbitral a respeito da validade da conven-ção de arbitragem ou da sua competência, o juiz deverá pedir o seu prévio pronunciamento, se já instituída a arbitragem. Se declarada por este a sua competência, poderá o juízo suspender o processo por até um ano, nos termos do art. 313, inciso V, do Código de Processo Civil de 2015. Essa suspensão é facultativa, devendo resultar de uma avaliação positiva da probabilidade de acerto da decisão do juízo arbitral.

VI. Desistência da ação

O inciso VIII faculta ao autor desistir unilateralmente da ação. De acordo com o parágrafo único do art. 200, correspondente ao mesmo parágrafo do art. 158 do CPC/1973, essa desistência depende de homologação judicial. No Código de Processo Civil de 1973 (art. 267, § 4º), essa desistência unilateral, independentemente da concordância do réu, tinha o limite temporal do término do prazo para a resposta do réu. O § 4º do artigo ora comentado redige diferentemente a regra, estabelecendo que o limite temporal é o momento de oferecimento da contestação. Se a nova redação deixa mais claro do que a anterior que a contestação antes do término do prazo para resposta também impede, desde então, a desistência unilateral do autor, o que, aliás, era desne-cessário explicitar porque o oferecimento da resposta já teria implicado preclusão consumativa do prazo para apresentá-la, por outro lado, o disposto não prevê a hipótese de revelia, em que se escoe o prazo de resposta sem o seu oferecimento. Parece-me que, nesse caso, preservará o autor a faculdade de desistência da ação até a sentença (§ 5º) ou até que o réu intervenha no processo (art. 346, parágrafo único). Na execução a desistência da ação se sujeita a regras específicas, de acordo com o art. 775.

VII. Morte da parte

O inciso IX determina a extinção do processo por morte da parte, se a ação for intransmissí-vel por força de lei. A morte da parte normalmente determina a suspensão do processo. Mas se a pretensão de direito material exercitada em juízo por qualquer das partes for intransmissível, ou seja, personalíssima, o processo se extingue. É o que ocorre, exemplificativamente, nas ações de separação e de divórcio, na interdição se falecer o interditando, na remoção de tutor ou cura-dor. Nesses casos de ações em curso, mesmo que já tenha sido proferida sentença impugnada por recurso, caducará o processo em relação à postulação inicial. Somente o trânsito em julgado preservará os efeitos de eventual sentença já proferida.

VIII. Outros casos

No inciso X, o artigo admite que, em outros casos, o próprio Código contenha previsão de ex-tinção do processo sem resolução do mérito, como, por exemplo, no art. 115, parágrafo único, pela falta não suprida de citação de litisconsorte passivo necessário. Igualmente nos arts. 76, § 1º; 102, § 1º; 303, §§ 2º e 6º; 313, inciso II e § 3º; 542, parágrafo único; 775, parágrafo único; e 924, inciso I, que contemplam hipóteses abrangidas por um ou mais incisos anteriores do art. 485.

IX. Conhecimento de ofício

O § 3º deve ser interpretado em harmonia com as demais regras que disciplinam os diversos institutos nelas envolvidos. Assim, a decretação de ofício nas hipóteses do inciso IV, falta de

Art. 485

Page 390: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

781

Leonardo Greco

pressuposto processual, não se aplica às nulidades relativas, que dependem de arguição oportuna pelo interessado, nem às irregularidades, que normalmente devem ser corrigidas sem prejuízo da continuidade do processo. Por outro lado, há casos de decretação de ofício não contemplados no dispositivo. Os motivos de indeferimento da petição inicial (inciso I) o juiz conhece de ofício, antes mesmo da citação do réu. Do mesmo modo, a extinção por paralisação do processo durante mais de um ano por negligência bilateral (inciso II) não depende de provocação. Na hipótese de abandono pelo autor por mais de trinta dias (inciso III), o § 6º distingue: até o oferecimento da contestação, é apreciável de ofício; depois, depende de requerimento do réu. Os demais casos prescritos no Código (inciso X), enumerados anteriormente, normalmente se incluem nos pode-res de direção e impulsionamento do processo pelo art. 139, sendo reconhecíveis de ofício. Em todos os casos, entretanto, não se olvide, sejam os de cognição oficial, sejam os de cognição a requerimento de algum interessado, o juiz deverá ouvir previamente a parte prejudicada, nos termos dos arts. 9º e 10 do CPC/2015.

X. Termo final da desistência

O § 5º estabelece que a desistência da ação pode ser requerida até a sentença, o que significa que, proferida esta, a jurisdição do juiz de primeiro se exauriu. Na pendência de recurso contra a sentença, pode haver desistência do recurso, não da ação, embora no mandado de segurança, especialmente quando a desistência da ação já julgada é pressuposto de algum benefício de que possa desfrutar o contribuinte junto à Administração, haja decisões permitindo a desistência da ação, mesmo após a sentença (V. NEGRÃO, Theotonio. Et al. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. 46. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. Nota 2ª ao artigo 6º da Lei 12.016/2009, p. 1.832).

XI. Retratação da extinção

No § 7º, o artigo estende a todos os casos de extinção do processo sem resolução do mérito a possibilidade de retratação do indeferimento pelo juiz no prazo de cinco dias, se interposta apelação, tal como no indeferimento da inicial (art. 331) e na improcedência liminar do pedido (art. 332, § 3º).

Art. 486 - O pronunciamento judicial que não resolve o mérito não obsta a que a parte proponha de novo a ação.§ 1º - No caso de extinção em razão de litispendência e nos casos dos incisos I, IV, VI e VII do art. 485, a propositura da nova ação depende da correção do vício que levou à sentença sem resolução do mérito.§ 2º - A petição inicial, todavia, não será despachada sem a prova do pagamento ou do depósito das custas e dos honorários de advogado.§ 3º - Se o autor der causa, por 3 (três) vezes, a sentença fundada em abandono da causa, não poderá propor nova ação contra o réu com o mesmo objeto, ficando-lhe ressalvada, entretanto, a possibilidade de alegar em defesa o seu direito.

I. Possibilidade de repropositura da ação

Em todos os casos do art. 485, a decisão não examina o mérito da causa, ou seja, não se pro-nuncia sobre a pretensão de direito material do autor, nem sobre as defesas do réu que podem

Art. 486

Page 391: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

782

Leonardo Greco

ilidir essa pretensão. Em consequência, a decisão não produz a imutabilidade da coisa julgada (art. 502), pois esta se restringe às decisões sobre o mérito, porque somente com a prolação destas o Estado-juiz se desincumbe do seu dever de prestar a jurisdição. De fato, em todas essas decisões, a postulação do autor ficou sem resposta e, portanto, o próprio inciso XXXV do art. 5º da Constituição assegura que o autor volte a dirigir-se ao Poder Judiciário, veiculando a mesma pretensão de direito material para vê-la afinal acolhida ou rejeitada. O processo se extinguiu, no todo ou em parte, mas a ação, como direito de exigir do Estado o exercício da jurisdição sobre a pretensão de direito material, sobrevive.

II. Limitações à repropositura e rescisória Mas o Estado não está obrigado a agasalhar pretensões manifestamente inviáveis, quando essa

ausência de condições mínimas para um julgamento da postulação de direito material não é cor-rigida e o autor reitera a mesma petição inicial, com o mesmo defeito. Por isso, o § 1º estabelece que, nos casos de litispendência, de falta de condições da ação ou de pressupostos processuais e de alegação de convenção de arbitragem, é necessária a correção do vício que ensejou a extinção do processo para que a ação seja renovada.

O dispositivo do CPC/1973 correspondente é o art. 268, que veda a renovação da ação apenas na extinção por litispendência, coisa julgada ou perempção. A redação do CPC/2015 não mais menciona a perempção e a coisa julgada, mas inclui o indeferimento da inicial, a falta de condi-ções da ação ou de pressupostos processuais, a existência de convenção de arbitragem. Quanto à perempção, que examinaremos adiante, e à coisa julgada, justifica-se a omissão, porque não comportam a correção do vício, como prescreve o dispositivo.

A proibição de renovação da ação sem que tenha sido corrigido o defeito da postulação ex-tinta poderia induzir à conclusão de que nas hipóteses enumeradas o legislador tivesse, por via transversa, estendido a coisa julgada a decisões sobre matéria estritamente processual ou que, na verdade, essas questões, no fundo, fossem de direito material, como alguns já sustentaram em relação às condições da ação (MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 179-182). A correção do defeito pode dar-se pela rede-finição de algum dos elementos individualizadores da ação – parte, pedido ou causa de pedir (art. 337, § 2º), pela ocorrência de fato superveniente ou pelo suprimento da informação ou da prova da circunstância cuja falta ensejou a extinção do processo. Mas, além disso, a ausência de coisa julgada não pode impedir a renovação da ação, desde que o autor ofereça novos elementos objetivos ou novos argumentos que evidenciem que o defeito não existe. É o que pode ocorrer, por exemplo, na extinção por falta de interesse processual, como condição da ação, em que a necessidade ou utilidade hipotética da postulação pode evidenciar-se numa exposição mais clara dos fatos e circunstâncias que os cercam.

O fato de, nesses casos, o CPC/2015 possibilitar a ação rescisória (art. 966, § 2º) não significa que haja coisa julgada. Abre-se a possibilidade de rescindir a decisão terminativa também por ação rescisória, sem prejuízo da renovação da ação, se corrigido o defeito ou mais bem esclare-cida a sua inexistência.

III. Recolhimento das despesas do processo extinto O § 2º deste artigo, que corresponde à segunda parte do caput do art. 268 do CPC/1973, es-

tabelece, como pressuposto processual para a admissibilidade da nova postulação, a prova do pagamento ou depósito das custas e dos honorários da sucumbência impostos na sentença ou decisão terminativa do processo extinto. Evidentemente dessa exigência estão dispensados os

Art. 486

Page 392: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

783

Leonardo Greco

beneficiários da assistência judiciária gratuita. Dessa comprovação não está isenta a Fazenda Pública, pois o benefício de que desfruta, nos termos do art. 91, diz respeito ao pagamento a final das despesas do novo processo e não do anterior. Também não se aplica a exigência às hipóteses em que não há repetição da mesma ação, com os mesmos elementos individualizadores, mas a alteração da causa de pedir, por exemplo.

Sou obrigado aqui a reproduzir a crítica que fiz alhures à instituição do pagamento ou depósito prévio de despesas processuais como pressuposto processual ou pressuposto de admissibilidade de recurso (v. GRECO, Leonardo. Instituições de Processo Civil. Vol. I: Introdução ao Direito Processual Civil. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 418). A meu ver essa exigência é in-constitucional, porque cria irrazoável obstáculo econômico ao acesso à justiça, estabelecendo verdadeiro solve et repete tão energicamente repelido no campo do Direito Tributário. Obriga-se aquele que não se considera devedor a desembolsar o que considera indevido para poder obter um provimento que reconheça que a dívida não existe.

IV. Perempção da açãoO § 3º regula a perempção, que é a perda do direito de ação por ter dado causa três vezes à

extinção do processo sobre a mesma ação em razão do abandono. A perempção, tal como a coisa julgada, não consta do rol do § 1º, porque não faculta a correção do vício. O dispositivo se apli-ca apenas à hipótese do inciso III do art. 485. A perempção não gera coisa julgada a respeito da demanda veiculada nos processos repetidamente extintos, que não foi objeto de qualquer provi-mento jurisdicional, mas constitui sanção processual ao litigante remisso.

Art. 487 - Haverá resolução de mérito quando o juiz:I - acolher ou rejeitar o pedido formulado na ação ou na reconvenção;II - decidir, de ofício ou a requerimento, sobre a ocorrência de decadência ou prescrição;III - homologar:a) o reconhecimento da procedência do pedido formulado na ação ou na reconvenção;b) a transação;c) a renúncia à pretensão formulada na ação ou na reconvenção.Parágrafo único - Ressalvada a hipótese do § 1º do art. 332, a prescrição e a decadência não serão reconhecidas sem que antes seja dada às partes oportunidade de manifestar-se.

I. Decisão final de mérito

Este artigo, que corresponde ao art. 269 do CPC/1973, trata da sentença de mérito ou sentença definitiva, aquela que julga, no todo ou em parte, o pedido procedente ou improcedente. Diferen-temente da redação original do CPC/1973, o CPC/2015, reproduzindo enunciado originário da Lei nº 11.232/2005, não mais se refere à extinção do processo, pelos motivos explanados no iní-cio do nosso comentário ao art. 485, aos quais acresce o de que a sentença condenatória, encer-rando a fase cognitiva do processo, não extingue o processo como um todo, pois este prosseguirá com a fase de cumprimento de sentença. A partir da referida lei, o processo civil brasileiro criou

Art. 487

Page 393: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

784

Leonardo Greco

o chamado processo sincrético, encadeando a cognição, eventual liquidação e a execução em fa-ses sucessivas do mesmo processo. Assim, a sentença condenatória não mais encerra o processo como um todo, mas apenas a sua fase cognitiva porque o mesmo processo prossegue com o cha-mado cumprimento de sentença. Por outro lado, com a adoção dos institutos da improcedência liminar do pedido (art. 332), do qual se aproxima o disposto no art. 285-A do Código de Processo Civil de 1973, e do julgamento antecipado parcial do mérito (art. 356), decisões interlocutórias poderão conclusivamente julgar um ou mais pedidos cumulados, tenham eles sido formulados pelo autor na inicial ou pelo réu na reconvenção, sem encerrar a própria fase cognitiva do pro-cesso, que terá sequência com a instrução e ulterior julgamento dos remanescentes.

As hipóteses de resolução do mérito são as mesmas do CPC/1973, a saber: julgamento da procedência ou improcedência do pedido, reconhecimento da decadência ou prescrição, reconhe-cimento do pedido por parte do réu, transação e renúncia à pretensão por parte do autor.

II. Julgamento do pedido

No acolhimento ou rejeição do pedido, no reconhecimento e na reconvenção, o art. 487 ex-plicita que são situações que se aplicam tanto à ação quanto à reconvenção, o que parece óbvio, porque a reconvenção é indiscutivelmente uma ação, embora incidente.

III. Decadência e prescrição

Em relação à decadência e à prescrição, cabem algumas observações: a primeira é a de que o juiz não decide principaliter a decadência ou a prescrição, mas como fundamento da improce-dência do pedido, o que já estaria abrangido pela hipótese de acolhimento ou rejeição deste. Por outro lado, seguindo a orientação anteriormente adotada com a edição da Lei nº 11.280/2006, que acrescentou um § 5º ao art. 219 do CPC/1973, todas as hipóteses de prescrição passaram a ser decretáveis de ofício. A inovação positiva que o dispositivo introduz se encontra no parágrafo único, que prescreve que, salvo no julgamento da improcedência liminar do pedido, ao despachar a petição inicial (art. 332), sempre o reconhecimento da decadência e da prescrição deverá ser previamente submetido à manifestação das partes. O preceito reafirma o princípio solenemente proclamado nos arts. 9º e 10, segundo o qual o juiz não pode proferir qualquer decisão que afete os interesses das partes sem ouvi-las antecipadamente, ainda que se trate de matéria cognoscí-vel de ofício. No caso da prescrição, estão em jogo interesses das duas partes: do autor, porque, se acolhida, seu pedido será rejeitado; do réu, que pode renunciar à prescrição, se versar sobre direito patrimonial, para obter uma sentença de improcedência por outros fundamentos. O pre-ceito exclui da prévia audiência das partes o julgamento da improcedência liminar do pedido, o que acrescenta mais uma exceção ao rol constante do parágrafo único do art. 9º. Ainda assim, parece-me que, com fundamento na prescrição de direitos patrimoniais, o juiz não pode julgar li-minarmente improcedente o pedido sem assegurar ao réu a oportunidade de exercer o seu direito de renúncia assegurado pelo art. 191 do Código Civil.

IV. Reconhecimento do pedido, transação e renúncia

O artigo em comento agrupa no inciso III as decisões homologatórias do reconhecimento do pedido, da transação e da renúncia ao pedido. Na primeira e na terceira hipóteses há também, como consequência desses atos, acolhimento ou rejeição do pedido. Na segunda hipótese a ho-mologação normalmente se limita a extinguir o processo, sem se pronunciar sobre a procedência ou não do pedido, porque o direito material é objeto do acordo apresentado pelas próprias partes à homologação. De qualquer modo, as três hipóteses configuram atos de disposição das partes em que a cognição do juiz sobre o direito material não é exaustiva, mas superficial, na qual o

Art. 487

Page 394: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

785

Leonardo Greco

magistrado se limita a verificar o preenchimento de requisitos extrínsecos de validade, como a capacidade das partes, e se o objeto do reconhecimento, renúncia ou transação não vulnera qual-quer disposição de ordem pública.

Esse tratamento está em harmonia com o disposto no § 4º do art. 966, que exclui do âmbito de admissibilidade da ação rescisória justamente os atos de disposição de direitos praticados pelas partes ou por outros participantes do processo e homologados pelo juiz. A impugnação desses negócios processuais somente é cabível por meio de ação anulatória.

Art. 488 - Desde que possível, o juiz resolverá o mérito sempre que a decisão for favorável à parte a quem aproveitaria eventual pronunciamento nos termos do art. 485.

I. Convalidação das nulidades pelo julgamento do mérito

O dispositivo harmoniza-se com os preceitos constantes dos §§ 1º e 2º do art. 282, que esta-belecem que o ato não será repetido, nem sua falta será suprida quando não prejudicar a parte, bem como que, podendo o juiz decidir a causa a favor da parte a quem aproveite a decretação da nulidade, não a pronunciará nem mandará repetir o ato ou suprir-lhe a falta. Essas regras são estendidas expressamente às hipóteses de extinção do processo, total ou parcial, sem resolução do mérito (art. 485). Normalmente, a extinção do processo sem resolução do mérito beneficia o réu da ação ou o autor-reconvindo da reconvenção. Mas há casos, entre os enumerados no art. 485, em que a extinção beneficiaria o autor, como o da desistência unilateral da ação, antes da contestação (§ 4º). Já na hipótese de desistência com a concordância do réu após a contesta-ção, o interesse na extinção é de ambas as partes. Também na extinção pelo reconhecimento da existência de convenção de arbitragem, prejudicadas pelo julgamento do mérito que ignore esse argumento podem ser ambas as partes.

Por outro lado, há nulidades absolutas insanáveis, o que pode parecer uma tautologia, porque toda nulidade absoluta se diz insanável. Invoco aqui o conceito de nulidade absoluta adotado em outra obra (GRECO, Leonardo. Instituições de Processo Civil. Vol. I: Introdução ao Direito Pro-cessual Civil. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 384), como nulidade “insanável, decretável de ofício a qualquer tempo, independentemente de prejuízo, se atinge requisito do ato imposto de modo imperativo para assegurar proteção de interesse público precisamente determinado, o respeito a direitos fundamentais e a observância de princípios do devido processo legal, quando indisponíveis pelas partes”. A instrumentalidade das formas e a máxima de que o processo não pode constituir um fim em si mesmo, o que deve levar o juiz, sempre que possível, a julgar o mé-rito da controvérsia para que o litígio não se perpetue, têm levado o Direito Processual à progres-siva relativização das nulidades absolutas para que o juiz as ignore se a parte por elas prejudicada puder obter um juízo favorável no mérito. Entretanto, como vimos anteriormente, há casos em que o julgamento do mérito pode prejudicar ambas as partes ou até mesmo a parte que viria a ser beneficiada por uma eventual decisão de mérito, como há outros em que a ordem pública estaria violada se o juiz adentrasse no mérito, ignorando o fundamento que ensejaria a não resolução do mérito. Assim, a falta de condições da ação é matéria de ordem pública, porque diz respeito ao direito das partes ao exercício da jurisdição. Em nenhuma hipótese, o juiz pode ignorar a falta de interesse ou de legitimidade da parte, julgando o mérito a favor do réu. Igualmente não pode o

Art. 488

Page 395: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

786

Leonardo Greco

juiz, em caso de morte da parte, julgar o mérito da causa se se tratar de ação considerada intrans-missível por disposição de lei. Neste último caso, desapareceu a legitimidade, como condição da ação, por fato superveniente. Diante da existência de convenção de arbitragem devidamente alegada pelo réu, também não pode o juiz julgar o mérito da causa, mesmo que seja a favor desse réu, porque aquela convenção retira da causa o interesse de agir em juízo, condição da ação.

Haverá casos em que, apesar do benefício para a parte a quem aproveitaria a extinção do pro-cesso sem resolução do mérito, o juiz não pode decidir o mérito da causa, como, por exemplo, o da incapacidade do autor de estar em juízo, que caracteriza a falta de um pressuposto processual subjetivo, sendo menor não representado pelo pai ou responsável. Intimado para regularizar a sua representação e não atendida a intimação, o juiz não pode ignorar o vício de representação do autor e julgar o pedido improcedente a favor do réu. O art. 76 do CPC/2015, tal como o art. 13 do CPC/1973, é categórico, determinando que, nesse caso, não suprida a incapacidade, o processo seja extinto.

Art. 488

Page 396: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

787

Maria Lucia Lins Conceição

Art. 489 - São elementos essenciais da sentença:I - o relatório, que conterá os nomes das partes, a identificação do caso, com a suma do pedido e da contestação, e o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo;II - os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito;III - o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões principais que as partes lhe submeterem.§ 1º - Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.§ 2º - No caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão.§ 3º - A decisão judicial deve ser interpretada a partir da conjugação de todos os seus elementos e em conformidade com o princípio da boa-fé.

AutoraMaria Lucia Lins Conceição

I. Os elementos da sentença

São elementos essenciais da sentença: o relatório, a fundamentação e o dispositivo. A ausência desses elementos pode levar à nulidade ou até mesmo à inexistência da decisão. Mas a omissão, como também eventual incoerência interna entre os elementos da sentença, que comprometam a sua racionalidade, podem ser sanadas por meio de embargos de declaração, ou apelação, isso sem falar em eventual ação rescisória ou ação declaratória de inexistência.

Page 397: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

788

Maria Lucia Lins Conceição Art. 489

II. O relatório

No relatório, o juiz identifica as partes, expõe as alegações de fato e de direito apresentadas tanto pelo autor quanto pelo réu, o pedido, as provas requeridas, as provas produzidas, even-tuais recursos interpostos até então, o teor da manifestação do Ministério Público e de even-tuais terceiros, se tiver havido. Enfim, no relatório, o juiz narra as principais ocorrências ha-vidas no processo. É difícil encontrarem-se decisões que decretem a nulidade da sentença tão só pela falta de relatório. A nulidade é decretada quando a falta desse elemento compromete a compreensão da própria fundamentação (TJMG, 2ª Câmara Cível, Ap Cível/Reex Necessário nº 1.0313.10.021038-1/001, Rel. Des. Raimundo Messias Júnior, DJe de 18/5/2015).

III. A fundamentação

O dever de fundamentar é previsto na CF/1988, art. 93, inciso IX, bem como no CPC/2015, art. 11, que dispõem que todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos e fundamentadas todas as decisões sob pena de nulidade. Na fundamentação, o juiz expõe as razões de fato e de direito que o levaram a formar o seu convencimento quanto ao mérito ou à existência de óbices processuais que o teriam impedido de analisá-lo. No que se refere às provas, não basta ao juiz se referir apenas àquelas que levou em consideração para formar sua convicção, mas deve também expor as razões pelas quais reputou irrelevantes as que deixou de acolher. Deve fazê-lo de forma expressa, clara e coerente, de maneira a que as partes e terceiros possam compreender a decisão e, se for o caso, impugná-la, exercendo o controle sobre a corre-ção do pronunciamento. Além de possibilitar que da decisão se recorra, a fundamentação é meio de se evitar que o juiz decida com base em suas impressões pessoais, cometendo arbitrariedades. Ao proferir decisão fundamentada, o juiz estará observando o dever de cooperar com as partes (CPC/2015, art. 6º), a que o legislador do CPC/2015 atribuiu acentuada relevância. Para evitar que as partes sejam colhidas de surpresa, o juiz deve observar, ainda, o que dispõe o CPC/2015, art. 10, assegurando o prévio contraditório na hipótese de surgirem fundamentos novos (fato ou direito supervenientes, por exemplo), que possam influir no teor do julgamento, ou serem cons-tatadas nulidades absolutas.

IV. O dispositivo

O dispositivo ou decisório é a parte da sentença que contém a resolução do pedido, ou seja, onde o juiz afirma se o acolhe ou rejeita, como também, se for o caso, onde decreta a extinção do processo, sem julgamento de mérito, por eventual óbice processual. Nos termos do CPC/2015, art. 492, é vedado ao juiz proferir decisão de natureza diversa da pedida, bem como condenar a parte em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado. Também lhe é ve-dado deixar de se pronunciar sobre pedido formulado pelo autor. Pelo princípio da congruência, cabe ao juiz pronunciar-se sobre tudo o que foi objeto do pedido e somente sobre o que foi objeto do pedido. A falta de dispositivo implica inexistência jurídica (TJSP, Apelação nº 0000939-21.2010.8.26.0360, Rel. Guilherme Santini Teodoro, j. em 11/3/2014). Nos termos do § 3º deste art. 489, a interpretação da decisão deve-se dar a partir da conjugação de todos esses elementos e em conformidade com o princípio da boa-fé.

V. A fundamentação como manifestação do contraditório

Seguindo a orientação do legislador de que o processo civil deve ser compreendido à luz da Constituição Federal, o art. 489 dá ênfase à garantia da fundamentação, que, além de estar pre-vista expressamente na CF/1988, art. 93, inciso IX, está diretamente relacionada ao princípio do

Page 398: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

789

Maria Lucia Lins Conceição Art. 489

contraditório, também de índole constitucional. O princípio do contraditório, atualmente, não é entendido apenas como o direito da parte de ser cientificada dos atos processuais e de se mani-festar nos autos, demonstrando o direito que alega ter. Compreende, ainda, o direito a que suas alegações sejam levadas em conta no momento da decisão, expondo o juiz as razões pelas quais as acolheu ou rejeitou. Em outras palavras, a motivação é uma das facetas do contraditório e deve estar presente em qualquer decisão judicial, seja sentença, decisão interlocutória ou acór-dão. No RE nº 434.059-3/DF, o ministro Gilmar Mendes manifestou-se sobre a questão, escla-recendo que a pretensão à tutela jurisdicional compreende os seguintes direitos: “(I) – direito de informação [...], que obriga o órgão julgador a informar à parte contrária dos atos praticados no processo e sobre os elementos dele constantes; (II) – direito de manifestação [...], que assegura ao defendente a possibilidade de manifestar-se oralmente ou por escrito sobre os elementos fáti-cos e jurídicos constantes do processo [...]; (III) – direito de ver seus argumentos considerados [...], que exige do julgador capacidade de compreensão e isenção de ânimo [...] para contemplar as razões apresentadas [...] Sobre o direito de ver os seus argumentos contemplados pelo órgão julgador, que corresponde, obviamente, ao dever do juiz de a eles conferir atenção, pode-se afir-mar que envolve não só o dever de tomar conhecimento, como também o de considerar, séria e detidamente, as razões apresentadas” (STF, RE nº 434.059, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ de 11/9/2008, grifo nosso).

É a partir dessa concepção do contraditório que compreende o direito da parte de ser cienti-ficada dos atos processuais e participar do processo, bem como de influenciar na construção da decisão, e ter seus argumentos e provas efetivamente apreciados pelo juiz, que o art. 489, § 1º, do CPC/2015 trata da fundamentação, que deve necessariamente estar relacionada ao caso con-creto, ser expressa, clara, coerente e completa.

VI. Hipóteses em que a decisão não será considerada fundamentada

O art. 489, em seus parágrafos, traça os parâmetros de qualidade da fundamentação, que, se não atendidos, implicarão a nulidade da decisão. De acordo com esse dispositivo legal, que contém um rol meramente exemplificativo, não se reputará fundamentada decisão que se limitar à indicação, reprodução ou paráfrase de ato normativo; que empregue conceitos vagos sem ex-plicar sua vinculação ao caso; que invoque motivos genéricos que poderiam justificar qualquer outra decisão; que não enfrente todos os argumentos deduzidos no processo que, em tese, po-deriam infirmar a conclusão do julgador; que se limite a invocar precedentes ou enunciados de súmula, sem demonstrar sua pertinência ao caso ou que deixe de segui-los, sem esclarecer a dis-tinção com o caso concreto. Desse modo, é nula por vício de fundamentação a sentença que não estabelece o nexo entre o dispositivo de lei aplicado e o caso concreto; que não explica a razão pela qual o princípio da boa-fé, por exemplo, não teria sido observado na situação objeto da lide; que é superficial, genérica, podendo servir a qualquer processo, como a que defere liminar por estarem presentes seus pressupostos, sem relacioná-los à argumentação formulada pelas partes; que não esclarece as razões pelas quais considerou relevantes determinados fundamentos e pro-vas apresentados pelas partes, e desconsiderou outros, ou, em outras palavras, em que o juiz não explica racionalmente as escolhas que fez; que aplica o precedente ou a súmula sem demonstrar a sua similitude fática com o caso em exame, ou, ao contrário, que deixa de aplicar o precedente ou a súmula, sem esclarecer que fator distinguiria os casos e imporia solução diferente. Esse, inclusive, é um dos pontos mais relevantes do CPC/2015: o legislador deixou claro que o juiz pode basear suas decisões em precedentes.

Page 399: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

790

Maria Lucia Lins Conceição Art. 490

VII. Colisão entre normas

Será nula, também, nos termos do art. 489, § 2º, a decisão que, em situação de conflito entre princípios, não explicita como se deu o juízo de ponderação do juiz, que o levou a optar por um ou por outro princípio. No julgamento da ADI nº 4815, por exemplo, o STF expôs os funda-mentos que levaram a Corte a afastar a exigência de prévia autorização para biografias, fazendo prevalecer o princípio da liberdade de expressão da atividade intelectual, face à garantia da in-violabilidade da intimidade e da privacidade dos biografados, aos quais se ressalvou o direito de resposta (STF, ADI nº 4.815, Rel. Min. Cármen Lúcia, j. em 10/6/2015).

Art. 490 - O juiz resolverá o mérito acolhendo ou rejeitando, no todo ou em parte, os pedidos formulados pela parte.

I. A fixação dos limites da lideA sentença de mérito propriamente dita, nos termos do CPC/2015, art. 487, inciso I, é aquela

por meio da qual o juiz acolhe ou rejeita o pedido formulado na ação ou na reconvenção. Em-bora, em regra, seja o autor da ação que formula o pedido, fixando os limites da lide, também o réu, na condição de reconvinte, poderá fazê-lo na hipótese de reconvenção (CPC/2015, art. 343).

II. Cumulação simples de pedidosTanto ao autor da ação principal quanto ao réu reconvinte (que é o autor da reconvenção) é

permitida a cumulação de pedidos. Quando há cumulação simples de pedidos (CPC/2015, art. 327), o juiz deve analisar todos eles, podendo concluir pela sua total procedência ou improce-dência, ou pela procedência de um e improcedência do outro, quando então estará acolhendo em parte os pedidos do autor ou do réu/reconvinte. Quando a sentença aprecia mais de um pedido, é considerada formalmente una, mas substancialmente cindível. O que o juiz não pode é deixar de apreciar algum dos pedidos, pois, em situação como essa, a sentença será infra ou citra petita. O juiz poderá acolher ou rejeitar ambos os pedidos, numa ação em que o autor pede indenização por lucros cessantes e danos morais, bem como poderá condenar o réu ao pagamento dos lucros cessantes, mas não à reparação dos danos morais ou vice-versa. O que não pode é se pronunciar apenas sobre os lucros cessantes, acolhendo-os, ou não, e ser omisso em relação à condenação ao pagamento de indenização pelos danos morais.

III. Cumulação sucessiva e subsidiáriaNa cumulação sucessiva de pedidos, o segundo pedido somente será analisado se o primeiro

for acolhido. Assim, o pedido de reintegração na posse do bem (segundo pedido) será apreciado apenas na hipótese de acolhimento do pedido de rescisão do compromisso de compra e venda (primeiro pedido). A situação é distinta na cumulação subsidiária (CPC/2015, art. 326), ou even-tual. Neste caso, o autor formula um pedido em ordem subsidiária, que somente será apreciado se o principal, pelo qual tem preferência, for rejeitado.

IV. Cumulação alternativa

Há, ainda, a cumulação alternativa, quando o autor formula vários pedidos, satisfazendo-se com a procedência de qualquer deles. A situação é diferente daquela da cumulação simples, em que o autor formula vários pedidos, requerendo a procedência de todos eles e da cumulação sub-sidiária, em que o autor formula os pedidos numa escala decrescente de preferências.

Page 400: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

791

Maria Lucia Lins Conceição Art. 491

V. Sucumbência recíproca

Diz-se que há sucumbência recíproca quando, na cumulação simples de pedidos, o juiz jul-ga procedentes um ou alguns deles e improcedentes os demais. O juiz pode, ainda, em face de pedido único, mas decomponível, acolhê-lo apenas em parte. Também aí haverá sucumbência recíproca, uma vez que autor e réu serão, simultaneamente, vencido e vencedor.

Art. 491 - Na ação relativa à obrigação de pagar quantia, ainda que formulado pedido genérico, a decisão definirá desde logo a extensão da obrigação, o índice de correção monetária, a taxa de juros, o termo inicial de ambos e a periodicidade da capitalização dos juros, se for o caso, salvo quando:I - não for possível determinar, de modo definitivo, o montante devido;II - a apuração do valor devido depender da produção de prova de realização demorada ou excessivamente dispendiosa, assim reconhecida na sentença.§ 1º - Nos casos previstos neste artigo, seguir-se-á a apuração do valor devido por liquidação.§ 2º - O disposto no caput também se aplica quando o acórdão alterar a sentença.

I. Decisão líquida

Este dispositivo diz respeito apenas às ações que têm por objeto obrigação de pagar quantia, e contém a diretriz fixada para o juiz, de que profira decisões líquidas. Ou seja, o juiz deve pro-curar fixar desde logo o quantum debeatur, que é o valor a ser pago pelo vencido, mesmo que o pedido formulado pelo autor tenha sido genérico (CPC/2015, art. 324). Dessa forma, estar-se-á dando concretude aos princípios da razoável duração do processo (CPC/2015, art. 6º) e da efi-ciência da tutela jurisdicional (CPC/2015, art. 8º), permitindo ao vencedor iniciar desde logo a fase de cumprimento de sentença. Ao julgador (seja o magistrado em 1º grau ou os integrantes do órgão colegiado, no Tribunal) caberá expor as razões pelas quais vier a deixar de prolatar decisão líquida.

II. Da liquidação

A liquidação (CPC/2015, art. 509), seja por arbitramento ou pelo procedimento comum, so-mente deverá ser instaurada caso (a) não tenha sido possível determinar, de modo definitivo, o montante devido ou (b) a apuração do valor dependa de prova cuja produção é demorada e dispendiosa. Assim, será necessária a liquidação se, numa ação em que se pede a rescisão do contrato de empreitada para construção de Pequena Central Hidrelétrica (PCH) e indenização por perdas e danos, tiver sido possível, por meio da perícia realizada na fase de conhecimento, apurar-se desde logo a causa do rompimento da barreira, mas não o valor dos danos emergentes (investimentos já realizados para construção da obra) e lucros cessantes, que deverão ser apura-dos por meio de perícia específica.

Page 401: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

792

Maria Lucia Lins Conceição Art. 492

Art. 492 - É vedado ao juiz proferir decisão de natureza diversa da pedida, bem como condenar a parte em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado.Parágrafo único - A decisão deve ser certa, ainda que resolva relação jurídica condicional.

I. O princípio da congruência entre a ação e sentença

O art. 492 está umbilicalmente ligado ao CPC/2015, art. 141, segundo o qual o juiz decidirá o mérito nos limites propostos pelas partes. Significa dizer que deve haver correlação entre o que se pede na ação e o que se julga na sentença, ou, em outros termos, congruência entre o pedido e a tutela jurisdicional, cabendo ao juiz pronunciar-se sobre tudo o que foi objeto do pedido e somente sobre o que foi objeto do pedido. Trata-se do princípio da congruência ou corres-pondência entre a ação e sentença, que está diretamente relacionado ao princípio dispositivo, segundo o qual cabe ao autor, que se diz titular do direito a ser tutelado, provocar a atuação do Poder Jurisdicional, que deve decidir a controvérsia apresentada em juízo. E o autor assim o fará formulando o seu pedido em juízo, por meio da petição inicial (CPC/2015, art. 319, inciso IV), que fixará os limites da lide, cabendo ao juiz decidir de acordo com os mesmos.

II. Sentenças ultra, extra e citra petita

É vedado ao juiz, portanto, conceder em sentença, mais do que se pediu, quando então a de-cisão de mérito será ultra petita, ou algo diferente do que se pediu, com base em causa de pedir que o autor não expôs na inicial, quando então a sentença será extra petita. Destaque-se que o que a lei veda é que juiz julgue com base em fatos (causa de pedir remota) estranhos àqueles apresentados pelo autor. Não será extra petita, porém, a sentença que vier a ser proferida com base em dispositivo legal diferente daquele citado na inicial, pois nesse caso o juiz estará apenas requalificando juridicamente os fatos alegados pelo autor. Serão também ultra ou extra petita as sentenças que julgarem improcedente pedido nem sequer formulado. A sentença infra ou citra petita, por sua vez, não é aquela que acolhe ou rejeita em parte o pedido do autor, mas, sim, a que desconsidera, deixa de julgar pedido que se tenha formulado.

III. A violação ao contraditório na “decisão surpresa”

Especialmente as sentenças ultra e extra petita violam o princípio do contraditório, pois o réu apresenta sua defesa em relação ao pedido tal como formulado na inicial. As decisões, que julgam fora do pedido (extra petita) ou além do pedido (ultra petita), surpreendem o réu, que não tem a oportunidade, que lhe é constitucionalmente garantida, de ser ouvido previamente à sentença, sendo tolhido do seu direito de produzir prova e influir no convencimento do juiz sobre o que acabou sendo concedido ao autor (CPC/2015, art. 10).

IV. Nulidade absoluta

As decisões extra, ultra ou infra petita padecem de nulidade absoluta que pode ser conhecida de ofício e não está sujeita à preclusão. Trata-se de vício que, embora grave, pode ser corrigido no curso do processo. É preciso, porém, compatibilizar o art. 492 com o que prevê o CPC/2015, art. 494. O juiz, de acordo com o art. 494, não pode alterar a sentença depois que tenha sido publicada, mesmo que venha a se dar conta da nulidade absoluta. A parte, entretanto, poderá provocá-lo por meio de embargos de declaração.

Page 402: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

793

Maria Lucia Lins Conceição Art. 492

V. A possibilidade de correção do vício de fundamentação pelo TribunalAinda que a questão não tenha sido suscitada em 1º grau nem no recurso de apelação (ou,

eventualmente, em agravo de instrumento), o Tribunal poderá conhecer o vício de ofício, cor-rigindo-o. De acordo com o CPC/2015, art. 1.013, § 3º, incisos II e III “Se o processo estiver em condições de imediato julgamento, o tribunal deve decidir desde logo o mérito quando: [...] II - decretar a nulidade da sentença por não ser ela congruente com os limites do pedido ou da causa de pedir; III - constatar a omissão no exame de um dos pedidos, hipótese em que poderá julgá-lo”. Note-se que o Tribunal poderá desde logo decidir se a causa estiver madura, ou seja, se estiver devidamente instruída. No caso de decisão extra petita, em que se tenha decidido coisa diversa daquela que foi objeto do pedido do autor, e haja necessidade de produção de prova para que se possa julgar o pedido tal como formulado, o Tribunal, reconhecendo o vício, devolverá os autos ao 1º grau, para novo julgamento ou diligência. O Tribunal somente julgará desde logo o pedido se não houver necessidade de instrução. O mesmo se pode dizer quanto às decisões infra petita: se já houver nos autos elementos para que o Tribunal julgue o pedido sobre o qual o juízo de 1º grau se omitiu, o colegiado deverá fazê-lo. Na hipótese de sentença ultra petita, em regra, o próprio Tribunal reduzirá a decisão de mérito aos limites do pedido, decotando o excesso.

Esse já é o entendimento dos tribunais pátrios. O TRF5, por exemplo, anulou sentença extra petita em que, embora o pedido tivesse sido de concessão do benefício de pensão por morte de segurado especial rural, o magistrado em 1º grau decidiu sobre a concessão de salário-materni-dade. De acordo com o Colegiado local, “apesar de os documentos acostados aos autos servirem como início de prova material, estes não foram corroborados pela prova testemunhal”, razão pela qual determinou a conversão do feito em diligência para que a prova oral fosse produzida, com o retorno do feito, em seguida, à relatora (TRF5, 2ª T., Processo nº 00041198120124059999, AC548373/CE, Rel. Des. Federal Francisco Barros Dias, DJe de 29/11/2012). O TRF2 declarou de ofício a nulidade de sentença que deixou de apreciar pedido relativo à revisão das prestações devidas em financiamento habitacional, determinando que outra fosse proferida pelo juízo de 1º grau, após a realização da perícia contábil, eis que necessária para análise do reajuste das pres-tações (TRF-2, Apelação Cível nº 170681 RJ 98.02.18503-5, Rel. Des. Federal Luiz Paulo S. Araújo Filho, DJU de 8/8/2007). O Tribunal de Justiça do Paraná, à sua vez, de ofício, afastou a limitação da taxa de juros e o expurgo da cobrança capitalizada de juros, impostos pela sentença, por não ter havido pedido nesse sentido, formulado pelo autor na petição inicial (TJPR, Apelação nº 13025860 PR 1302586-0 (Acórdão), Rel. Hamilton Mussi Correa, DJe de 3/3/2015).

VI. Cabimento de ação rescisória As decisões ultra, extra ou infra petita podem ser atacadas por ação rescisória, com base no

CPC/2015, art. 966, inciso V. Esse já é o entendimento do STJ à luz do CPC/1973 (STJ, 2ª T., REsp nº 1226074/RS, Rel. Min. Humberto Martins, j. em 6/5/2014, DJe de 15/8/2014).

VII. Relação jurídica condicionalNos termos do parágrafo único do art. 492 do CPC/2015, a decisão deve ser certa, ainda que

resolva relação jurídica condicional. A regra praticamente reproduz o parágrafo único do art. 460 do CPC/1973, e, de acordo com o STJ, significa que “1. A eficácia da decisão judicial não pode estar condicionada ao cumprimento desse ou daquele requisito da parte, uma vez que cabe à sen-tença reconhecer ou não o direito que se pede. 2. O STJ firmou entendimento de que a sentença que sujeita a procedência ou improcedência do pedido a acontecimento futuro e incerto é nula. In casu, a agravante não pode litigar pelo direito à complementação de aposentadoria, quando ainda nem sequer aposentou-se. [...]” (STJ, 5ª T., AgRAgRg no Ag nº 952.063/SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. em 26/10/2010, DJe de 6/12/2010).

Page 403: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

794

Maria Lucia Lins Conceição

Art. 493 - Se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento do mérito, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a decisão.Parágrafo único - Se constatar de ofício o fato novo, o juiz ouvirá as partes sobre ele antes de decidir.

I. Fato superveniente

Costuma-se afirmar, com acerto, que o julgamento deve refletir o estado de fato da lide no momento da entrega da prestação jurisdicional. O art. 493 leva em conta exatamente isso, ao per-mitir ao juiz conhecer de ofício, bem como às partes levarem ao seu conhecimento fato ocorrido posteriormente ao ajuizamento da ação, desde que tenha o condão de influir no teor da decisão, levando o julgador a acolher ou rejeitar o pedido, ou a nem mesmo conhecê-lo. Nesse sentido o STF entende que a posterior revogação, pela administração pública, do ato impugnado por man-dado de segurança é exemplo de fato novo a ser considerado pelo juiz, ao julgar a ação, posto que leva à extinção do processo sem análise do mérito, pela perda superveniente do interesse de agir (condição da ação) (STF, Ag. Reg. no RE nº 598.609/MG, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe de 15/8/2014).

II. O contraditório

Embora possa parecer, pelo teor do parágrafo único, que as partes deverão ser ouvidas pre-viamente ao julgamento somente na hipótese em que a constatação do fato novo se der de ofício pelo juiz, o contraditório deve ser assegurado também quando o fato superveniente for comuni-cado por uma delas. O outro litigante deverá ser previamente intimado, de modo a evitar decisão surpresa (CPC/2015, art. 10).

III. O que se deve entender por fato novo

Deve-se entender por fatos novos, para fins de incidência do art. 493, tanto aqueles que acon-teceram depois do ajuizamento da ação como os que ocorreram antes, mas as partes deles só vieram a tomar conhecimento posteriormente. A regra aplica-se tanto em 1º grau de jurisdição quanto em grau recursal, inclusive nos tribunais superiores.

IV. Alegação de direito superveniente

A possibilidade de alegação de fato superveniente, em relação ao réu, implica exceção ao princípio da concentração da defesa, nos termos do CPC/2015, art. 342, inciso I. Nesse ponto, há importante aspecto a esclarecer. O CPC/2015, art. 342, inciso I, prevê que, depois da contes-tação, somente é lícito ao réu deduzir novas alegações quando relativas a direito ou a fato su-perveniente. Ou seja, o dispositivo refere-se ao réu e a direito e a fato novo, enquanto o art. 493, ora em comento, alude às partes e se refere apenas a fato novo. Isso, contudo, não significa que somente o réu pode alegar direito superveniente. Não bastasse tal interpretação ser contrária ao princípio da igualdade no processo (CPC/2015, art. 7º), por fato novo devem ser compreendidas todas as situações supervenientes, relacionadas aos fundamentos de fato e de direito, que podem influir no julgamento da lide, como a edição de uma nova norma jurídica, desde que não implique ofensa a direito adquirido, ato jurídico perfeito ou coisa julgada.

Art. 493

Page 404: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

795

Maria Lucia Lins Conceição

V. Fato superveniente durante a fase recursal

O CPC/2015, art. 933, trata da hipótese em que a constatação do fato novo dá-se no decorrer do trâmite recursal. O dispositivo prevê que, se o relator constatar a ocorrência de fato superve-niente à decisão recorrida, que possa influir no julgamento do recurso, intimará as partes para se manifestarem em cinco dias. Se a constatação ocorrer durante a sessão de julgamento, esse será suspenso a fim de que as partes se manifestem especificamente. Se a constatação se der em vista dos autos, deverá o juiz que a solicitou encaminhá-los ao relator, que tomará as providências previstas no caput do CPC/2015, art. 933, e após solicitará a inclusão do feito em pauta, para prosseguimento do julgamento. É entendimento do STJ, que permanece válido na sistemática do CPC/2015, que “se o alegado direito superveniente surgiu antes do julgamento da apelação, era imprescindível, para fins de recurso especial, sua apreciação pelo tribunal recorrido, provocado, se fosse o caso, por embargos de declaração, sem o que configurou-se a ausência de preques-tionamento” (STJ, 1ª T., AgRg no Ag nº 456.538/MG, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 4/8/2003). Em outras palavras, se o direito superveniente surgiu ou o fato tornou-se conhecido quando ainda não havia sido interposto o recurso especial, a parte deve lançar mão dos embargos de declaração, em face do acórdão do Tribunal local, para suscitar a aplicação do CPC/2015, art. 493. Se, porém, a norma foi editada ou o fato surgiu ou tornou-se conhecido após já ter sido interposto o recurso de estrito direito, caberá aos tribunais superiores levá-lo em consideração no julgamento do recurso, seja no exercício do juízo de admissibilidade, seja no rejulgamento da causa: “O art. 462 do CPC não possui aplicação restrita às instâncias ordinárias, devendo o STJ conhecer de fato superveniente que, surgido após a interposição do recurso especial, é suficiente para alterar o resultado do julgado” (STJ, EDcl no AgRg no REsp nº 1145754/ES, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe de 19/8/2014). O STJ já reconheceu como fato novo, relevante para o julgamento do recurso especial interposto em ação de indenização pela utilização indevida de objeto patenteado, a coisa julgada produzida em ação declaratória de nulidade de patente (STJ, 3ª T., EDcl no AgRg nos EDcl no REsp nº 621.179/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. em 18/12/2014, DJe de 5/2/2015). Em outra ocasião, ainda, aplicou legislação editada após a interposição do recurso especial: “O art. 462 do CPC, por seu turno, admite que o fato tido por superveniente, capaz de influenciar no julgamento da causa, deva ser considerado pelo julgador, ainda que em sede recursal. Nas instâncias extraordinárias, esse fenômeno personifica o efeito translativo do recurso, por meio do qual se confere à Corte a prerrogativa de julgar a causa a par-tir da aplicação do direito à espécie, desde que o recurso ultrapasse o juízo de admissibilidade. Essa é a inteligência da Súmula nº 456/STF, que assim orienta: “O Supremo Tribunal Federal, conhecendo do recurso extraordinário, julgará a causa, aplicando o direito à espécie”. Em outros termos, “estabelecida a extensão do pedido contido no recurso, o Tribunal não precisa se ater à legislação invocada pelos litigantes ou mesmo consignada no aresto impugnado, devendo entre-gar a prestação jurisdicional pela aplicação da norma cabível” (STJ, 2ª T., REsp nº 1461382/SP, Rel. Min. Og Fernandes, j. em 2/10/2014, DJe de 13/10/2014).

Art. 494 - Publicada a sentença, o juiz só poderá alterá-la:I - para corrigir-lhe, de ofício ou a requerimento da parte, inexatidões materiais ou erros de cálculo;II - por meio de embargos de declaração.

Art. 494

Page 405: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

796

Maria Lucia Lins Conceição

I. Preclusão consumativaA regra, em nosso sistema, é da inalterabilidade da sentença. Uma vez publicada, opera-se

para o juiz a preclusão consumativa, o que o impede de alterar a decisão, salvo em algumas situ-ações previstas em lei. Ao utilizar o termo publicada a sentença, o art. 494 não está se referindo à publicação, enquanto intimação por meio do órgão da imprensa oficial, mas no sentido de se tornar pública porque foi lançada aos autos ou, na linguagem forense, porque a decisão foi entre-gue em cartório pelo juiz. A partir daí não poderá mais ser alterada.

II. Erros materiais e embargos de declaraçãoO art. 494 prevê duas exceções à regra da inalterabilidade, que têm aplicação tanto em 1º

quanto em 2º graus, bem como nos tribunais superiores: a correção de inexatidões materiais ou erros de cálculo, ou o julgamento de embargos de declaração. O juiz pode corrigir de ofício, ou a requerimento da parte, inclusive depois de transitada em julgado a decisão (STJ, 3ª T., REsp nº 1.294.294/RS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe de 16/5/2014), erros materiais que são aqueles enganos manifestos, involuntários, perceptíveis pelo homem médio. Considera-se erro material, por exemplo, o equívoco do órgão julgador ao redigir dispositivo da sentença, julgando procedente o pedido, quando toda a fundamentação exarada foi no sentido da impro-cedência da ação (STJ, 2ª T., RMS nº 43.956/MG, Rel. Min. Og Fernandes, j. em 9/9/2014, DJe de 23/9/2014). Percebe-se, facilmente, numa situação como essa, que o que está escrito na parte dispositiva da decisão não corresponde à intenção do juiz, havendo na decisão inexatidão material. O erro de cálculo é o erro aritmético, que não se confunde com a aplicação de um ou outro critério de correção monetária e de juros de mora (STJ, 6ª T., EDcl no AgRg no REsp nº 1.175.999/PR, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, DJe de 4/8/2014). Os embargos de declaração, por sua vez, não têm por finalidade específica modificar a decisão. Esse recurso volta-se à corre-ção de contradições, esclarecimento de obscuridades e dissipação de omissões (CPC/2015, art. 1.022). Ocorre, entretanto, que ao suprir quaisquer desses vícios, o juiz poderá acabar alterando o pronunciamento judicial. É o que acontece quando, em ação em que o autor pede indenização por lucros cessantes e danos morais, o juiz julga procedente o primeiro pedido, mas se omite em relação ao segundo, e a parte opõe embargos de declaração para suprir a omissão. O juiz, ao julgar os embargos, poderá concluir que também o segundo pedido é procedente, majorando, portanto, a condenação do autor. Nesse caso, a modificação do julgado será consequência direta da supressão da omissão.

III. Outras hipóteses de cabimento dos embargos de declaraçãoPor meio dos embargos de declaração, ainda, a parte pode provocar a manifestação do juiz

sobre nulidades absolutas (STJ, 6ª T., EDcl nos EDcl nos EDcl nos EDcl no AgRg no Ag nº 1002596/SC, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, j. em 1º/10/2013, DJe de 9/10/2013); outras ques-tões que poderiam até mesmo ser conhecidas de ofício, como a decadência e prescrição (TJPR, 5ª C.Cível, EDC nº 451401-4/01, Castro, Rel. Rosene Arão de Cristo Pereira, unânime, j. em 12/8/2008); sobre fatos e direito supervenientes que podem influir no julgamento da lide (STJ, 1ª T., EDcl no AgRg no AREsp nº 330.023/ES, Rel. Min. Benedito Gonçalves, j. em 24/2/2015, DJe de 4/3/2015); ou sobre tese formada em julgamento de processos repetitivos ou em incidente de assunção de competência aplicável ao caso (CPC/2015, art. 1.022, parágrafo único). O juiz, ao se pronunciar sobre tais questões, poderá eventualmente alterar a decisão embargada, como no caso em que, após julgar procedente a lide, vem a acolher a alegação de prescrição, suscitada em embargos de declaração. Em quaisquer dessas situações, deve-se proporcionar o exercício do direito ao contraditório (CPC/2015, art. 1.023, § 2º). Embora a parte não precise lançar mão dos embargos de declaração para esse fim, esse recurso pode ser oposto também para provocar a correção de erro material ou erro de cálculo (art. 1.022, inciso III).

Art. 494

Page 406: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

797

Maria Lucia Lins Conceição

IV. Outras exceções à regra da inalterabilidade

Além das hipóteses previstas nos incisos do art. 494, constituem exceção à regra da inalte-rabilidade as situações previstas: no CPC/2015, art. 331, que prevê a possibilidade de o juiz se retratar em apelação interposta contra sentença que indefere a petição inicial; no CPC/2015, art. 485, § 7º, que permite ao juiz voltar atrás em apelação interposta contra sentença que extingue o processo sem análise do mérito, por uma das causas indicadas nos incisos desse mesmo dispo-sitivo; no CPC/2015, art. 332, § 3º, que dispõe sobre a retratação em apelação interposta contra sentença que, antes mesmo da citação do réu, julga liminarmente improcedente o pedido do au-tor; no CPC/2015, art. 1.040, inciso II, que prevê a possibilidade de retratação pelo Colegiado local com base em acórdão paradigma oriundo de recurso de estrito direito julgado sob o regime dos repetitivos.

Art. 495 - A decisão que condenar o réu ao pagamento de prestação consistente em dinheiro e a que determinar a conversão de prestação de fazer, de não fazer ou de dar coisa em prestação pecuniária valerão como título constitutivo de hipoteca judiciária.§ 1º - A decisão produz a hipoteca judiciária:I - embora a condenação seja genérica;II - ainda que o credor possa promover o cumprimento provisório da sentença ou esteja pendente arresto sobre bem do devedor;III - mesmo que impugnada por recurso dotado de efeito suspensivo.§ 2º - A hipoteca judiciária poderá ser realizada mediante apresentação de cópia da sentença perante o cartório de registro imobiliário, independentemente de ordem judicial, de declaração expressa do juiz ou de demonstração de urgência.§ 3º - No prazo de até 15 (quinze) dias da data de realização da hipoteca, a parte informá-la-á ao juízo da causa, que determinará a intimação da outra parte para que tome ciência do ato.§ 4º - A hipoteca judiciária, uma vez constituída, implicará, para o credor hipotecário, o direito de preferência, quanto ao pagamento, em relação a outros credores, observada a prioridade no registro.§ 5º - Sobrevindo a reforma ou a invalidação da decisão que impôs o pagamento de quantia, a parte responderá, independentemente de culpa, pelos danos que a outra parte tiver sofrido em razão da constituição da garantia, devendo o valor da indenização ser liquidado e executado nos próprios autos.

I. A hipoteca judiciária como direito real de garantia

A hipoteca é um direito real de garantia sobre imóvel do devedor ou de terceiros, que confere ao credor o direito de excutir o bem e satisfazer seu crédito com o valor daí decorrente. Pode ser convencional, legal ou judicial. Será convencional, quando for constituída mediante acordo de

Art. 495

Page 407: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

798

Maria Lucia Lins Conceição

vontades; legal, quando resultar da lei; e judicial (ou judiciária), quando decorrer de uma decisão judicial condenatória.

II. A hipoteca judiciária se produz automaticamente

A hipoteca judiciária é instituto que visa a assegurar a efetividade dos pronunciamentos que impõem condenação ao pagamento de prestação em dinheiro, pois afeta bem imóvel, que com-põe o patrimônio do vencido, e que poderá ser expropriado, na fase de cumprimento de sentença, utilizando-se o respectivo produto para satisfazer o crédito do vencedor (= credor). É em verdade subespécie da hipoteca legal, uma vez que se constitui independentemente de pedido da parte e do exercício de qualquer juízo de valor pelo juiz. Trata-se de efeito anexo do pronunciamento judicial de cunho condenatório, o que significa que se produz automaticamente, tão só pelo fato de ter sido proferida decisão dessa natureza. Mas não é a toda decisão condenatória que a lei agrega tal efeito. Nos termos do CPC/2015, art. 495, agrega-se tal eficácia apenas às decisões que condenam o réu ao pagamento de prestação consistente em dinheiro, ou que determinam, a pedido do credor ou pela impossibilidade do cumprimento específico, a conversão em prestação pecuniária da prestação originariamente de fazer, não fazer ou de dar coisa.

III. A hipoteca judiciária recai sobre o patrimônio do vencido

É importante destacar que a hipoteca judiciária, diferentemente do que o caput do art. 495 parece sugerir ao se referir a réu, pode recair também no patrimônio do autor, quando ele é o vencido, e, portanto, condenado ao pagamento de honorários advocatícios. Esse capítulo da sen-tença de improcedência é título constitutivo da hipoteca judiciária. Por essa razão, melhor teria sido se o dispositivo legal tivesse se referido a vencido e não a réu.

IV. Possibilidade da eficácia ainda que a sentença seja ilíquida; existam bens arrestados; seja cabível a execução provisória; esteja pendente recurso com efeito suspensivo

O CPC é claro no sentido de que a constituição da hipoteca se dá ainda que: a condenação seja ilíquida. O Tribunal de Justiça do Paraná já decidiu, em autos de ação civil pública por ato de improbidade administrativa que “Ante o fato de a hipoteca judiciária decorrer automaticamente de sentença condenatória, possuindo efeito secundário e acessório, basta que a sentença traga em si alguma condenação pecuniária ou entrega de coisa para assegurar a sua incidência, ainda que a condenação seja ilíquida ou esteja pendente de recurso” (TJPR, 5ª C.Cível, AI nº 697102-6, Maringá, Rel. Luiz Mateus de Lima, unânime, DJe de 12/01/2011); haja bens arrestados para garantia do mesmo crédito; seja cabível execução provisória porque a decisão não se sujeita a recurso com efeito suspensivo. Nesse caso, caberá ao credor escolher entre proceder ao registro da hipoteca judiciária ou dar início à execução provisória, com a realização de penhora; a decisão seja impugnável por recurso com efeito suspensivo.

V. Registro

A hipoteca judiciária deve ser levada a registro, no cartório de registro de imóveis, para asse-gurar ao credor hipotecário o direito de preferência, com base na anterioridade do registro, e o direito de sequela. Ou seja, é a partir do registro que o credor poderá fazer valer a garantia peran-te terceiros, inclusive para fins de evitar fraude à execução, pois o adquirente não poderá alegar desconhecimento da existência da ação e da condenação ao adquirir imóvel gravado por hipoteca judicial (TJSP, 37ª Câmara de Direito Privado, Apelação nº 1023568-97.2015.8.26.0100, Rel. João Pazine Neto, São Paulo, j. em 18/8/2015). Nos termos do § 2º do art. 495, basta ao credor apresentar cópia da decisão judicial perante o cartório de registro de imóveis para que se proceda

Art. 495

Page 408: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

799

Maria Lucia Lins Conceição

ao registro da hipoteca judiciária. Será indispensável, contudo, que sejam adotadas providências voltadas a assegurar, no mínimo, a autenticidade e atualidade da decisão para fins de registro. O credor deverá informar a efetivação da hipoteca judiciária, ao juízo da causa, dentro de 15 dias do respectivo registro. O art. 495 não prevê qualquer sanção para o descumprimento dessa regra, o que não impede que sejam aplicadas à parte, se for o caso, as penas por litigância de má-fé.

VI. O contraditório e a intimação do devedor

Nos termos do art. 495 do CPC/2015, apenas depois do registro da hipoteca, é que o devedor será intimado para dela tomar ciência. O posicionamento do STJ, à luz do CPC/1973, consoli-dou-se em outro sentido, a saber: “3.2. Não obstante constitua a hipoteca judiciária efeito secun-dário próprio da sentença (que condena o devedor à prestação em dinheiro ou coisa), instituin-do-se independentemente do trânsito em julgado, afigura-se imprescindível sua especialização, como forma de individualização do bem a respaldar a obrigação e a oportunizar a intervenção do devedor nesse procedimento. [...] 3.5. Daí a necessidade imperativa, sob pena de nulidade, de se oportunizar ao alvo da medida gravosa sua escorreita participação na eleição do bem em que incidirá o ônus, podendo impugnar a indicação feita pelo virtual credor, fornecendo base empírica para justificar a afetação de determinado imóvel em substituição a outro, seja diante da desproporção do encargo frente ao valor do bem imóvel, ou ante a existência de outra causa a comprometer sua expressão econômica” (STJ, 4ª T., REsp nº 1120024/SP, Rel. Min. Marco Buzzi, j. em 13/11/2012, DJe de 28/6/2013). De acordo com o STJ, portanto, o contraditório deve ser oportunizado previamente ao registro. No sistema instaurado pelo CPC/2015, porém, o possí-vel devedor – e se diz possível porque a garantia pode ser efetivada mesmo que ainda pendam recursos contra a decisão condenatória – somente será intimado após ter-se efetivado o registro da hipoteca, quando então, mediante aplicação subsidiária das regras acerca da penhora, poderá insurgir-se, buscando a liberação de parte dos bens hipotecados ou a substituição do bem imóvel em situações como aquela em que a hipoteca tenha recaído sobre bem de família.

VII. Reforma da decisão condenatória

O § 5º do art. 495 estabelece que, na hipótese de reforma da decisão condenatória de que de-correu a hipoteca judiciária, a garantia deverá ser desfeita, cabendo àquele, que era o vencedor, indenizar, dos prejuízos que sofreu, a parte que até então era considerada devedora. Os prejuízos serão apurados nos próprios autos e a responsabilidade é objetiva.

Art. 496 - Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença:I - proferida contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público;II - que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução fiscal.§ 1º - Nos casos previstos neste artigo, não interposta a apelação no prazo legal, o juiz ordenará a remessa dos autos ao tribunal, e, se não o fizer, o presidente do respectivo tribunal avocá-los-á.§ 2º - Em qualquer dos casos referidos no § 1º, o tribunal julgará a remessa necessária.

Art. 496

Page 409: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

800

Maria Lucia Lins Conceição

§ 3º - Não se aplica o disposto neste artigo quando a condenação ou o proveito econômico obtido na causa for de valor certo e líquido inferior a:I - 1.000 (mil) salários mínimos para a União e as respectivas autarquias e fundações de direito público;II - 500 (quinhentos) salários mínimos para os Estados, o Distrito Federal, as respectivas autarquias e fundações de direito público e os Municípios que constituam capitais dos Estados;III - 100 (cem) salários mínimos para todos os demais Municípios e respectivas autarquias e fundações de direito público.§ 4º - Também não se aplica o disposto neste artigo quando a sentença estiver fundada em:I - súmula de tribunal superior;II - acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;III - entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;IV - entendimento coincidente com orientação vinculante firmada no âmbito administrativo do próprio ente público, consolidada em manifestação, parecer ou súmula administrativa.

I. Reexame necessário e proteção ao erário

O art. 496 dispõe a respeito do reexame necessário, também denominado de reexame obri-gatório, remessa necessária ou duplo grau de jurisdição obrigatório, instituto em torno do qual ainda paira discussão, entendendo alguns que é contrário ao princípio da igualdade, e outros, que sua razão justificadora é resguardar o erário, na defesa do patrimônio público.

II. Natureza jurídica

Não se trata de recurso, pois lhe falta a voluntariedade, mas de condição de eficácia da sen-tença proferida contra a Fazenda Pública, que não transita até que o reexame seja julgado pelo Tribunal (Súmula nº 423 do STF: “Não transita em julgado a sentença por haver omitido o re-curso ex officio, que se considera interposto ex lege”). Em outras palavras, até que seja julgado o reexame necessário pelo Tribunal, não se opera a coisa julgada material em relação à sentença de mérito proferida contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público.

III. Hipóteses de reexame necessário. Processo de conhecimento

O reexame necessário é um instrumento de exceção, razão pela qual o art. 496 deve ser inter-pretado restritivamente. O inciso I do art. 496 refere-se ao processo (ou fase) de conhecimento e às sentenças proferidas contra a Fazenda Pública, entendendo-se como tal as sentenças de mérito contrárias à União, Estados, Distrito Federal, Municípios e suas respectivas autarquias e fun-dações de direito público (seja porque foi julgado procedente pedido formulado em face desses entes, seja porque o pedido por eles formulado foi julgado improcedente). As sentenças proferi-das contra sociedades de economia mista e empresas públicas não se sujeitam ao duplo grau de

Art. 496

Page 410: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

801

Maria Lucia Lins Conceição

jurisdição. As sentenças de mérito dirigidas contra agências reguladoras, por sua vez, sujeitam-se ao instituto, uma vez que têm natureza jurídica de autarquias (TJRS, 22ª Câmara Cível, Reexame Necessário nº 70060537024, Rel. Maria Isabel de Azevedo Souza, DJe de 30/7/2014). O disposi-tivo legal é aplicável tanto nas hipóteses de sentenças de mérito totalmente desfavoráveis quanto apenas parcialmente desfavoráveis à Fazenda Pública.

IV. Decisões interlocutóriasTendo em vista que o CPC/2015 passou a admitir o julgamento parcial de mérito, por meio

das decisões interlocutórias de mérito (CPC/2015, art. 356), estas, em razão do seu conteúdo, também se submetem ao duplo grau de jurisdição obrigatório, que se processará em autos suple-mentares. Não há remessa necessária das demais decisões interlocutórias, ainda que concessivas de antecipação de tutela; de acórdãos, mesmo que proferidos em ações de competência originária dos Tribunais; nem de sentenças processuais, ainda que contenham capítulo que imponha con-denação em honorários de sucumbência contra a Fazenda Pública (STJ, 2ª T., REsp nº 1460980/RS, Rel. Min. Humberto Martins, j. em 24/2/2015, DJe de 3/3/2015).

V. Fase executiva No âmbito do processo de execução, por sua vez, o reexame obrigatório é cabível em relação

às sentenças que julgam, no todo ou em parte, procedentes embargos do devedor à execução fiscal (que é aquela proposta contra o contribuinte, com base em certidão de dívida ativa), a que equivalem aquelas que acolhem objeções, extinguindo a execução, por exemplo, pelo reco-nhecimento da prescrição (TJPR, nº 10296445/PR, Rel. Fernando César Zeni, j. em 25/6/2013, DJe de 16/7/2013), bem como resolvem impugnação ao cumprimento de sentença promovido pela União, Estados, Distrito Federal, Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público (TJSP, 9ª Câmara de Direito Público, AI nº 20325555120148260000/SP 2032555-51.2014.8.26.0000, Rel. Décio Notarangeli, j. em 14/5/2014, data de publicação: 15/5/2014). Note-se que o inciso II do art. 496 alude a embargos à execução fiscal, o que significa dizer que não se submetem ao duplo grau de jurisdição as decisões proferidas em embargos opostos pela Fazenda Pública, em execução fundada em sentença que lhe tenha sido desfavorável, prolatada na fase de conhecimento (STJ, 6ª T., AgRg no REsp nº 1.011.409/RJ, Rel. Min. Marilza May-nard, DJe de 28/2/2014).

VI. Dispensa do reexame necessárioOs §§ 3º e 4º preveem hipóteses de dispensa do reexame necessário. O § 3º exclui o reexame

quando a condenação, em valor líquido e certo, ou o proveito econômico envolvido no litígio for inferior: a mil salários mínimos em relação à União, suas autarquias e fundações de direito público; quinhentos salários mínimos em relação aos Estados e suas capitais, o Distrito Federal, suas respectivas autarquias e fundações de direito público; cem salários mínimos para todos os demais Municípios e respectivas autarquias e fundações de direito público. Não importa o va-lor que tenha sido atribuído à causa, mas o valor da condenação ou do direito controvertido ao tempo em que proferida a sentença. A dispensa não se aplica a sentenças ilíquidas (STJ, 1ª T., REsp nº 1300505/PA, Rel. Min. Ari Pargendler, j. em 21/8/2014, DJe de 1º/9/2014). Enquanto a dispensa do reexame necessário, nas hipóteses do § 3º, está relacionada ao valor da condenação imposta à Fazenda Pública ou ao conteúdo econômico da lide, as hipóteses previstas no § 4º relacionam-se à tese jurídica em discussão no processo, excluindo-se o duplo grau de jurisdição obrigatório quando a sentença contrária à Fazenda Pública estiver em consonância com súmula vinculante dos tribunais superiores ou com precedentes judiciais (CPC/2015, arts. 928 e 947), bem como orientação vinculante interna da Administração, consolidada em parecer ou súmula administrativa.

Art. 496

Page 411: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

802

Maria Lucia Lins Conceição

VII. Procedimento do reexame necessárioNo que diz respeito ao procedimento do reexame necessário, cabe ao juiz determinar a re-

messa dos autos ao Tribunal, independentemente de ter sido interposta, ou não, apelação pelo vencido. Se o juiz não o fizer, o Tribunal pode avocar os autos a pedido das partes ou de ofício. Não há prazo na lei fixado para a remessa. No Tribunal, o procedimento é o mesmo que o da apelação, no que couber. Deve haver inclusão em pauta, com pelo menos cinco dias de antece-dência (CPC/2015, art. 935); é cabível a sustentação oral (CPC/2015, art. 936); a remessa neces-sária pode ser julgada monocraticamente, pelo relator (CPC/2015, art. 932), tal como já dita o enunciado da Súmula nº 253 do STJ; com o julgamento da remessa necessária, opera-se o efeito substitutivo (CPC/2015, art. 1.008).

VIII. Efeito devolutivoA remessa oficial devolve ao Tribunal o reexame de todas as parcelas da condenação supor-

tadas pela Fazenda Pública, inclusive dos honorários advocatícios (Súmula nº 325 do STJ). É defeso, porém, ao Tribunal, no reexame necessário, agravar a condenação imposta à Fazenda Pública (Súmula nº 45 do STJ), mesmo em face de nulidades absolutas flagradas pelo Relator ou o Colegiado (STJ, REsp nº 1437663, Min. Assusete Magalhães, DJe de 4/11/2014), o que não nos parece ser o melhor entendimento.

IX. Ação popularAlém das hipóteses previstas no CPC, há outros casos de remessa necessária. A Lei nº

4.717/1965, que disciplina a ação popular, prevê, em seu art. 19, o duplo grau de jurisdição obrigatório em relação à sentença que extingue o processo sem resolução de mérito ou que julga improcedente o pedido do autor. No caso, o cidadão, que propõe a ação popular, age no interesse público, questionando a validade de atos que considera lesivos ao patrimônio público, à mora-lidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural. Esses bens, que o cidadão visa a tutelar, são reputados pelo legislador mais relevantes que o interesse pecuniário dos entes públicos, razão pela qual não está sujeita ao duplo grau de jurisdição obrigatório a sentença que julga procedente a ação popular, ainda que contra a União, Estados, Distrito Fede-ral, Municípios e respectivas autarquias e fundações de direito público, mas aquela que deixa de admiti-la ou julga a ação improcedente.

X. Aplicação por analogia à ação civil públicaNo STJ há decisões que, por analogia à Lei nº 4.717/1965, entendem cabível o reexame ne-

cessário das sentenças que extinguem sem análise de mérito ou julgam improcedente ação civil pública, embora não haja previsão legal expressa nesse sentido (STJ, 2ª T., AgRg no REsp nº 1219033/RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, j. em 17/3/2011, DJe de 25/4/2011). Seja a pessoa jurídica de direito público autora ou ré, se a ação civil pública (que compõe o microssistema das ações coletivas) vier a ser julgada improcedente ou houver carência, impor-se-á o duplo grau de jurisdição pelo tipo de interesse em jogo (coletivo ou difuso). A questão, porém, não é pacífi-ca, havendo, também no âmbito do STJ, decisões em sentido diverso, que partem da premissa, correta, de que o reexame necessário é um instrumento de exceção e que, por isso, não se aplica a situações não previstas em lei (STJ, 1ª T., REsp nº 1220667/MG, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. em 4/9/2014, DJe de 20/10/2014).

XI. Mandado de segurança

A Lei nº 12.016/2009, art. 14, § 1º, estabelece que se submete à remessa necessária a sentença concessiva de mandado de segurança, independentemente da condição da parte demandada, se pessoa jurídica de direito público ou não.

Art. 496

Page 412: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

803

Maria Lucia Lins Conceição

XII. Demais situações legais

Também se sujeita ao duplo grau de jurisdição a sentença que decide pedido de nacionalidade de filhos de brasileiros nascidos em outro país (Lei nº 818/1949, art. 4º, § 3º). Há previsão na Lei nº 7.853/89 (art. 4º, § 1º), que dispõe sobre o apoio às pessoas com necessidades especiais, de que é cabível o reexame necessário das sentenças que concluírem pela carência ou improcedên-cia de ações civis públicas propostas com base naquele diploma legal. A Lei Complementar nº 76/1993, que disciplina a desapropriação do imóvel rural (art. 13, § 1º), bem como o Decreto-Lei nº 3.365/1941, que dispõe sobre desapropriações por utilidade pública (art. 28, § 1º), tam-bém preveem o duplo grau de jurisdição obrigatório quando o expropriante é condenado a pagar indenização em valor superior àquele oferecido.

XIII. Causas de dispensa

Discute-se se as causas de dispensa do reexame necessário, elencadas no CPC, aplicam-se às hipóteses de reexame obrigatório previstas nessas leis esparsas. O STJ tem entendido que não (STJ, 2ª T., REsp nº 1274066/PR, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. em 1º/12/2011, DJe de 9/12/2011), mas não nos parece que essa seja a melhor solução. O reexame necessário, con-forme já se disse, é instrumento de exceção e como tal a interpretação acerca do seu cabimento deve ser restritiva, o que nos leva a afirmar que as causas de dispensa também se aplicam nessas hipóteses.

Art. 496

Page 413: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

804

Guilherme Rizzo Amaral

Art. 497 - Na ação que tenha por objeto a prestação de fazer ou de não fazer, o juiz, se procedente o pedido, concederá a tutela específica ou determinará providências que assegurem a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente.Parágrafo único - Para a concessão da tutela específica destinada a inibir a prática, a reiteração ou a continuação de um ilícito, ou a sua remoção, é irrelevante a demonstração da ocorrência de dano ou da existência de culpa ou dolo.

AutorGuilherme Rizzo Amaral

I. Tutela específica dos deveres de fazer, não fazer e entregar coisa

O art. 497 trata da tutela dos deveres de fazer, não fazer e entrega de coisa. O dispositivo rea-firma a preferência pela tutela específica, é dizer, aquela que realiza in natura o direito material. Assim, antes de determinar a tutela pelo equivalente ao valor do dano ou pelo valor pecuniário da prestação, o juiz deve, na medida do possível, buscar a realização da tutela específica, salvo se o autor já houver requerido a conversão da prestação em pecúnia (vide art. 499).

II. Tutela pelo resultado prático equivalente

A tutela específica pode ser buscada inclusive mediante técnicas de tutela ou medidas con-cretas distintas daquelas postuladas pelo autor, ou seja, por meio da tutela pelo resultado prático equivalente. Por exemplo, caso o autor postule a interdição de casa noturna em função do ruído excessivo causado pelo som mecânico, pode o juiz, para tutelar o direito do autor, determinar a instalação de isolamento acústico que alcance o mesmo objetivo.

III. Técnicas de tutela

Além da pequena correção no texto do art. 461 do CPC/1973 – que dava a falsa impressão de que a tutela específica da obrigação seria concedida independentemente da procedência do pedido, na medida em que esta somente se vinculava à adoção de providências que assegurassem o resultado prático equivalente ao do adimplemento –, o art. 497 cindiu o regramento contido naquele artigo, mantendo o que era disposto em seu caput e eliminando as referências específicas à concessão da tutela antecipatória e às técnicas de tutela disponíveis (mandamental e executiva), que passam a ser dispostas, respectivamente, nos arts. 297 a 311 e 536 a 537.

De qualquer forma, os deveres de fazer, não fazer e entrega de coisa devem ser tutelados pelas técnicas de tutela mandamental – exercício de pressão para que o réu cumpra voluntariamente a decisão – ou executiva – realização da atividade tendente à tutela do direito pelo próprio Estado, mediante sub-rogação (ex. sequestro, busca e apreensão, etc.), não sendo admitida a técnica de tutela condenatória.

Todas essas medidas preferencialmente devem ser indicadas já na sentença. Todavia, mesmo após o trânsito em julgado desta última, poderá o juiz modificar o comando sentencial, de forma

Page 414: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

805

Guilherme Rizzo Amaral Art. 497

a adequá-lo à situação concreta. É o caso, por exemplo, do réu que, mesmo diante da imposição de multa diária, recusa-se a cumprir a obrigação de fazer. Está autorizado o juiz a determinar medidas que substituam a conduta do demandado, resultando ainda assim na tutela específica do direito do autor. A indústria que se recusa a instalar filtro para evitar a poluição de determinado rio pode ter as suas portas fechadas por determinação judicial, impedindo a sua atividade polui-dora. É claro que, no exemplo, diante do princípio da execução menos gravosa para o devedor (art. 805 do CPC), primeiramente deve lhe ser dada a oportunidade de voluntariamente cumprir o comando sentencial.

Aqui, exerce um papel importante o método de resolução do conflito entre os valores efeti-vidade e segurança. O postulado da proporcionalidade impõe que a técnica de tutela empregada seja adequada, necessária e proporcional em sentido estrito. Atenhamo-nos ao conceito de neces-sidade. A agressão causada à esfera jurídica do demandado, no exemplo anterior, é sem dúvida maior quando do emprego da técnica de tutela executiva. O fechamento de uma fábrica (que traz inclusive reflexo para terceiros, como seus funcionários) causa danos bem maiores do que a de-terminação para que o réu tome as medidas necessárias para o cumprimento da sentença. Nesse particular, muito embora possa ser adequada para alcançar o fim pretendido, a utilização direta da técnica executiva é desnecessária. Esse balanço poderá restar invertido em outras hipóteses nas quais uma medida executiva pode gerar menos transtornos para o réu, com igual ou maior efetividade para o autor. Pensemos na hipótese da sentença de que trata o art. 501 do CPC. O próprio legislador considerou que a substituição da vontade do réu, com a equiparação da sen-tença aos efeitos da declaração de vontade não realizada pelo réu, seria medida mais adequada e menos gravosa para este último. Outro exemplo, este recorrente na jurisprudência, diz respeito à opção pelo bloqueio de valores do erário (medida executiva) em detrimento da imposição de multa diária ao Estado para o cumprimento de seu dever de prover pela saúde dos cidadãos.

Em outros casos, o direcionamento da técnica mandamental poderá variar, de forma a trazer maior efetividade para o autor e menor gravame para o réu. O típico exemplo é o da sustação de protesto, na qual a ordem é dirigida ao tabelionato onde o aponte do título foi realizado, não se cogitando da intimação do réu para que este promova o cancelamento do protesto ou medida de efeitos análogos.

O que importa, ao final, é que o foco da atividade jurisdicional seja a tutela específica ou a produção de resultado prático equivalente, com maior efetividade ao credor e menor gravame possível para o devedor.

IV. Tutela contra o ilícito

O parágrafo único do art. 497 deixa claro o que já se poderia depreender da sistemática an-terior: admite-se a tutela contra o ilícito, que é independente e autônoma em relação à tutela contra o dano. Independe a tutela contra o ilícito, igualmente, da demonstração de culpa ou dolo do agente. Havendo risco de ocorrência ilícito ou já sua configuração, autorizada está a tutela jurisdicional estatal para sua inibição ou remoção.

V. Tutela preventiva

A tutela contra o ilícito pode, ainda, assumir tanto o caráter repressivo quanto preventivo. Assim, o juiz poderá determinar a inibição da prática do ilícito, impedir sua reiteração ou conti-nuação, ou ainda determinar sua remoção. Em qualquer dessas hipóteses, poderá adotar medidas coercitivas (ex. multa periódica – vide art. 537) ou executivas (remoção de pessoas, interdição de estabelecimento, etc. – vide art. 536, § 1º).

Page 415: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

806

Guilherme Rizzo Amaral Arts. 498 e 499

Art. 498 - Na ação que tenha por objeto a entrega de coisa, o juiz, ao conceder a tutela específica, fixará o prazo para o cumprimento da obrigação.Parágrafo único - Tratando-se de entrega de coisa determinada pelo gênero e pela quantidade, o autor individualizá-la-á na petição inicial, se lhe couber a escolha, ou, se a escolha couber ao réu, este a entregará individualizada, no prazo fixado pelo juiz.

I. Tutela dos deveres de entrega de coisaNão houve alterações substanciais no dispositivo que trata do cumprimento da sentença que

reconheça a exigibilidade de obrigação de entregar coisa, na medida em que se mantém, no § 3º do art. 538, praticamente a mesma redação do § 3º do art. 461-A do CPC/1973. Com isso, conti-nuam as técnicas de tutela destinadas ao cumprimento das sentenças de obrigação de fazer e de não fazer também aplicáveis, no que couber, ao cumprimento das sentenças de entrega de coisa.

Assim, ao conceder a tutela específica do dever de entrega de coisa, o juiz poderá tanto de-terminar a entrega desta sob pena de multa (técnica de tutela mandamental) quanto determinar a busca e apreensão da coisa ou a imissão na posse (técnica de tutela executiva). Salvo circuns-tâncias excepcionais (ex. recalcitrância conhecida do réu, risco de perecimento ou violação da coisa, etc.), o juiz deverá fixar prazo para que o réu entregue a coisa, sob pena de multa, e na mesma decisão determinar que, descumprida a decisão, dever-se-á proceder à imediata busca e apreensão ou imissão na posse, sem prejuízo da incidência da multa periódica (art. 537) até que seja realizada a entrega da coisa.

II. Individualização da coisaA sistemática para a individualização da coisa incerta – determinada pelo gênero e quantidade –

continua idêntica àquela prevista no CPC/1973, tendo sido deslocada para o parágrafo único do art. 498 do CPC/2015 que, tal qual o § 1º do art. 461-A do CPC/1973, prevê que caberá ao autor individualizar a coisa incerta na petição inicial caso lhe caiba a escolha; cabendo esta ao réu, o juiz fixará na sentença prazo para que se entregue a coisa individualizada.

III. Retenção por benfeitoriasPassa-se a prever de forma expressa na lei processual (art. 538, § 2º) que o direito de retenção por

benfeitorias deve ser alegado pelo réu ainda na fase de conhecimento, mais especificamente em sua contestação, sendo, portanto, descabida tal alegação em sede de impugnação ao cumprimento de sen-tença. Este já vinha sendo o entendimento doutrinário e jurisprudencial (3ª T., REsp nº 1278094/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. em 16/8/2012, DJe de 22/8/2012) na vigência do CPC/1973.

Assim, não arguido o direito de retenção por benfeitorias pelo réu na contestação, restará preclusa tal oportunidade. Isso não significa que o réu não possa, inclusive por meio de ação autônoma, buscar o ressarcimento das benfeitorias que realizou na coisa, pretensão essa distinta do direito de retenção.

Art. 499 - A obrigação somente será convertida em perdas e danos se o autor o requerer ou se impossível a tutela específica ou a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente.

Page 416: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

807

Guilherme Rizzo Amaral Arts. 500 e 501

I. Tutela pelo equivalente pecuniário

O art. 499 prevê a possibilidade de se converter as obrigações de fazer, não fazer e entrega de coisa em seu equivalente pecuniário. Reafirma, aqui, o quanto já disposto no art. 497: de regra, tal se dará somente quando (i) expressamente requerido pelo autor ou (ii) impossível a tutela específica ou a obtenção da tutela pelo resultado prático equivalente.

No tocante ao requerimento pelo autor, a despeito do que possa dar a entender a redação do art. 499, quando se estiver diante de relação contratual, nem sempre estará autorizado o autor a requerer a conversão da obrigação em perdas e danos. Salvo hipóteses expressamente previstas na relação de direito material existente entre o credor e o devedor – ex. previsão de cláusula penal para a hipótese de descumprimento –, o primeiro deve oportunizar ao segundo a possibi-lidade de cumprir especificamente a obrigação. Somente frustrado o cumprimento da obrigação específica pela sentença é que poderá o autor requerer sua conversão em perdas e danos.

Por outro lado, a busca da tutela específica, ainda que possível, diante das circunstâncias do caso concreto, nem sempre será a medida mais adequada a tomar. Em determinadas situações, o gravame causado pela tutela específica não se justificará diante do benefício trazido por ela. Aqui operará um juízo de proporcionalidade. Exemplo clássico diz respeito à tutela específica das obrigações cujas prestações envolvem a atividade criativa do devedor (direito de autor). A doutrina há muito reafirma a incoercibilidade de tais obrigações, impondo a conversão em perdas e danos como saída mais adequada.

II. Liquidação

Determinada a conversão em perdas e danos, proceder-se-á à sua liquidação, na forma dos arts. 509 e seguintes do CPC.

Art. 500 - A indenização por perdas e danos dar-se-á sem prejuízo da multa fixada periodicamente para compelir o réu ao cumprimento específico da obrigação.

I. Astreintes e indenização por perdas e danos

As astreintes (multa do art. 537) possuem caráter coercitivo, e não punitivo ou ressarcitório. Sendo assim, eventual indenização por perdas e danos não será excluída ou diminuída em razão de ter incidido a multa coercitiva.

Contudo, uma vez requerida a conversão da obrigação específica em perdas e danos, não mais se exigirá seu cumprimento na forma específica pelo réu, de modo que a incidência da multa coercitiva cessará. O crédito dela resultante será, assim, devido, juntamente com eventual inde-nização por perdas e danos.

Art. 501 - Na ação que tenha por objeto a emissão de declaração de vontade, a sentença que julgar procedente o pedido, uma vez transitada em julgado, produzirá todos os efeitos da declaração não emitida.

Page 417: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

808

Guilherme Rizzo Amaral Art. 501

I. Tutela dos deveres de declarar vontade: técnica de tutela executiva

O direito à prestação consistente na declaração de vontade é tutelado por meio de técnica executiva, dado que o Estado age de modo a produzir para o autor titular do direito o mesmo resultado que seria alcançado com o adimplemento do réu.

Não há espaço, aqui, para se conceder prazo para que o réu produza a declaração de vontade que lhe caberia, tampouco para fazê-lo mediante ameaça de multa (tutela mandamental). Dada a praticidade para o autor e menor gravame para o réu, sempre que se estiver diante de inadimple-mento de obrigação de declarar vontade, a técnica de tutela empregada há de ser aquela descrita no art. 501.

II. Antecipação da tutela

Aqueles efeitos que, naturalmente, decorreriam da declaração de vontade podem ser antecipa-dos ao autor, desde que presentes as hipóteses previstas nos arts. 294 e seguintes.

III. Eficácia da sentença e desnecessidade de trânsito em julgado

O art. 501 faz referência ao trânsito em julgado da sentença, associando-o à produção dos efei-tos da declaração não emitida. É preciso ressaltar, contudo, que, independentemente do trânsito em julgado, a sentença, desde que não tenha sua eficácia suspensa (por exemplo, pelo cabimento de recurso com efeito suspensivo), produz efeitos normalmente desde o momento em que é pro-ferida. O que depende do trânsito em julgado da sentença é tão somente a autoridade da coisa julgada material.

Page 418: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

809

Eduardo Talamini

Art. 502 - Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso.

Autor Eduardo Talamini

I. Coisa julgada e Constituição

A coisa julgada é uma garantia constitucional (CF, art. 5º, inciso XXXVI). Ao proibir que a lei fira a coisa julgada, a Constituição está também proibindo que o juiz, que é aplicador da lei, desrespeite a coisa julgada. Há ofensa direta à Constituição quando se desconsidera o próprio cerne da coisa julgada.

II. Coisa julgada material e coisa julgada formal

O dispositivo tem redação razoavelmente apurada. Mas a vinculação da coisa julgada à de-cisão de mérito merece um reparo. A coisa julgada consiste sempre na imutabilidade e indiscu-tibilidade do comando da decisão sobre o qual ela recai. O atributo de formal ou material é do comando, e não da coisa julgada. O comando formal é aquele que se limita a encerrar o processo (ou sua fase cognitiva). Assim, coisa julgada formal consiste na proibição de reabertura e rede-cisão de um processo já encerrado (ou da fase cognitiva processual já encerrada). Toda sentença, seja de mérito ou não, faz coisa julgada formal, pois sempre veicula comando que encerra o processo como um todo ou sua fase cognitiva (CPC, art. 203, § 1º). Como seu comando principal limita-se a isso, a sentença extintiva do processo sem julgamento de mérito não proíbe a repro-positura da ação (CPC, art. 486; Súmula nº 304/STF). Já o comando material é o que repercute sobre a esfera jurídico-substancial dos jurisdicionados (condenando, declarando, constituindo, mandando...). A coisa julgada que recai sobre esse comando – material – proíbe que, mesmo em outro processo entre as mesmas partes, ele seja revisto. Por isso, é comum dizer-se que apenas as sentenças de mérito fazem coisa julgada material. Mas, por exemplo, o comando secundário de condenação em verbas de sucumbência, em regra presente mesmo em sentenças que não julgam o mérito, é material – e empresta essa qualidade à coisa julgada que o acoberta. A coisa julgada material, em princípio, só pode ser revista mediante mecanismos rescisórios previstos em lei (v. nota IX, a seguir).

III. Trânsito em julgado

Enquanto pender ou ainda couber qualquer recurso ou reexame necessário contra a decisão (art. 496), não há seu trânsito em julgado nem, consequentemente, coisa julgada.

IV. Âmbito de incidência: sentenças e decisões interlocutórias

O art. 356 do CPC explicita a possibilidade de solução parcial do mérito, com o prossegui-mento do processo para instrução probatória da outra parcela. O pronunciamento terá natureza de decisão interlocutória, passível de agravo de instrumento (art. 356, § 5º). Transitando em julgado essa decisão interlocutória, ela terá eficácia definitiva (art. 356, § 3º). Em coerência com tais re-gras, atribui-se à interlocutória de mérito transitada em julgado a autoridade de coisa julgada: o art. 502 alude genericamente a “decisão de mérito”, em vez de “sentença”. As referências exclu-

Page 419: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

810

Eduardo Talamini

sivas à “sentença” nos dispositivos legais seguintes devem ser compreendidas como abrangentes da decisão interlocutória de mérito.

V. Coisa julgada e cognição sumáriaA perpetuação de pronunciamentos fundados na simples aparência não é consentânea com um

modelo de processo razoável, exigido pela cláusula do devido processo legal (CF, art. 5º, inciso LIV). A coisa julgada material é incompatível com a cognição superficial de mérito. A decisão proferida nessas condições não é apta a perpetuar-se; é provisória. A atividade jurisdicional am-parada na mera plausibilidade do direito presta-se a produzir resultados rápidos e é imprescin-dível para situações em que há urgência. Mas a celeridade paga um preço: é menos estável. Por isso, a tutela antecipada concedida em caráter antecedente, mesmo quando estabilizada por falta de impugnação recursal do réu, não faz coisa julgada (CPC, art. 304, § 6º). Do mesmo modo, a decisão concessiva de mandado monitório não embargada (CPC, art. 701, § 2º) não faz coisa julgada material: para caber ação rescisória contra tal ato houve a necessidade de uma especial disposição normativa, o que seria desnecessário se o pronunciamento se revestisse daquela auto-ridade. O § 2º do art. 503 do CPC também expressa a incompatibilidade entre cognição sumária e coisa julgada.

VI. Eficácia da sentença e coisa julgadaA coisa julgada não se confunde com os efeitos sentenciais. Ela confere imutabilidade ao

comando do qual se extraem os efeitos da sentença. Portanto, é um plus em relação aos efeitos, conferindo-lhes estabilidade. A distinção é importante para fins práticos, especialmente em rela-ção aos limites subjetivos da coisa julgada (v. art. 506).

VII. Possibilidade de modificação dos efeitos da sentença pelas partesA coisa julgada não imutabiliza os efeitos da sentença, mas apenas o comando sentencial de

que eles provêm. Se a relação jurídico-material for disponível, as partes, mesmo depois do trân-sito em julgado, podem desconsiderar, modificar ou extinguir os efeitos da sentença (o benefi-ciário da condenação pode perdoar a dívida; o réu vencedor da investigação de paternidade pode reconhecer o autor como seu filho; as partes do contrato resolvido por inadimplemento podem pactuar mantê-lo...). O que não se admite é que o Poder Judiciário emita nova sentença entre as mesmas partes e sobre o mesmo objeto.

VIII. Coisa julgada e negócio jurídico processualA coisa julgada (não a eficácia sentencial) está fora do âmbito de disponibilidade das partes.

Mesmo que o réu não argua sua existência, cumpre ao juiz conhecê-la de ofício (CPC, arts. 337, § 5º, e 485, § 3º). Por isso, não é possível um negócio jurídico processual que elimine a coisa julgada ou lhe diminua o alcance. Mas, observados os requisitos do art. 190 do CPC, as partes podem convencionar a obrigação de não rediscutir pronunciamentos e questões que não estão abrangidos pela coisa julgada (o que, em termos práticos, poderia ser impropriamente qualifica-do como uma ampliação dos limites da coisa julgada).

IX. Relativização da coisa julgadaUsa-se o termo para designar a impugnação e desconstituição da coisa julgada em hipóteses e

por vias alheias àquelas autorizadas em lei (arts. 525, §§ 12 e 15, e 966). Ainda que a coisa julgada seja garantia constitucional, por vezes a sentença veicula grave violação à Constituição – estabe-lecendo-se um conflito entre princípios constitucionais. Mas nem mesmo isso autoriza a pura e simples desconsideração da coisa julgada inconstitucional. Será imprescindível a ponderação dos

Art. 502

Page 420: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

811

Eduardo Talamini

valores jurídicos concretamente envolvidos no caso concreto: o princípio que prevalecer sacrificará o outro apenas na medida estritamente necessária para a consecução das suas finalidades.

X. Súmula do STF

Súmula nº 304: “Decisão denegatória de mandado de segurança, não fazendo coisa julgada contra o impetrante, não impede o uso da ação própria”.

XI. Julgados

Todos os julgados citados a seguir referem-se ainda ao CPC/1973. São citados por se referi-rem, no essencial, a normas que equivalem às veiculadas no CPC/2015.

Coisa julgada é garantia constitucional

STF

“Coisa julgada. Garantia constitucional. A garantia constitucional da coisa julgada dirigida a lei, que não poderá prejudicá-la, estende-se a coisa julgada processual, visto que ‘a sentença, que julgar total ou parcialmente a lide, tem força de lei nos limites da lide e das questões deci-didas’ (art. 468 do CPC). Cabe, pois, recurso extraordinário pela letra a, com fundamento em contrariedade ao art. 153, § 3º, da Constituição da República, quando se funda na alegação de que o acórdão recorrido ofendeu a coisa julgada” (STF, 2ª T., RE nº 91.825/PR, Rel. Min. Soares Muñoz, DJ de 26/9/1980, p. 7.427).

“Coisa julgada: a ofensa ocorre no caso de ocorrer erro conspícuo quanto ao conteúdo e à autoridade, em tese, da coisa julgada. Se o reconhecimento da ofensa ao art. 5º, XXXV, CF, depender do exame in concreto, dos limites da coisa julgada, não se tem questão constitucional que autorizaria a admissão do recurso extraordinário” (STF, 2ª T., RE nº 226.887/PE, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 11/12/1998, p. 1.254).

“- A sentença de mérito transitada em julgado só pode ser desconstituída mediante ajuizamento de específica ação autônoma de impugnação (ação rescisória) que haja sido proposta na fluência do prazo decadencial previsto em lei, pois, com o exaurimento de referido lapso temporal, estar-se-á diante da coisa soberanamente julgada, insuscetível de ulterior modificação, ainda que o ato senten-cial encontre fundamento em legislação que, em momento posterior, tenha sido declarada incons-titucional pelo Supremo Tribunal Federal, quer em sede de controle abstrato, quer no âmbito de fiscalização incidental de constitucionalidade. - A superveniência de decisão do Supremo Tribunal Federal, declaratória de inconstitucionalidade de diploma normativo utilizado como fundamento do título judicial questionado, ainda que impregnada de eficácia ex tunc – como sucede, ordina-riamente, com os julgamentos proferidos em sede de fiscalização concentrada (RTJ 87/758 – RTJ 164/506-509 – RTJ 201/765) –, não se revela apta, só por si, a desconstituir a autoridade da coisa julgada, que traduz, em nosso sistema jurídico, limite insuperável à força retroativa resultante dos pronunciamentos que emanam, in abstracto, da Suprema Corte. Doutrina. Precedentes. - O signifi-cado do instituto da coisa julgada material como expressão da própria supremacia do ordenamento constitucional e como elemento inerente à existência do Estado Democrático de Direito” (Agravo no RE nº 592.912/RS, 2ª T., Rel. Min. Celso de Mello, DJe de 21/11/2012).

Intangibilidade da coisa julgada

STF

“COISA JULGADA – INTANGIBILIDADE – ARTIGO 17 – ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS. A cláusula temporária e extravagante do artigo 17 do

Art. 502

Page 421: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

812

Eduardo Talamini

Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Carta de 1988 não alcança situações jurí-dicas cobertas pela preclusão maior, ou seja, pelo manto da coisa julgada” (STF, 2ª T., RE nº 146.331/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 6/3/1998, p. 17).

“5. A introdução, no art. 6º da Lei nº 9.469/97, de dispositivo que afasta, no caso de transação ou acordo, a possibilidade do pagamento dos honorários devidos ao advogado da parte contrária, ainda que fruto de condenação transitada em julgado, choca-se, aparentemente, com a garantia insculpida no art. 5º, XXXVI, da Constituição, por desconsiderar a coisa julgada, além de afrontar a garantia de isonomia da parte obrigada a negociar despida de uma parcela significativa de seu poder de barganha, correspondente à verba honorária. 6. Pedido de medida liminar parcialmente deferido” (STF, Pleno, MC na ADI nº 2.527/DF, Rel. Min. Ellen Gracie, DJe de 22/11/2007).

“Mandado de Segurança. - Determinação de suspensão de pagamento de vantagem pessoal aos impetrantes que fere a coisa julgada. - Mandado de segurança deferido, para tornar sem efei-to a decisão do Tribunal de Contas da União com relação aos ora impetrantes” (STF, Pleno, MS nº 23.758/RJ, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 13/6/2003, p. 10).

Coisa julgada formal e materialSTF“Processual civil. Coisa julgada. A coisa julgada é formal quando não mais se pode discutir no

processo o que se decidiu. A coisa julgada material é a que impede discutir-se, noutro processo, o que se decidiu (Pontes de Miranda). Se a Câmara julgadora do Tribunal de Justiça já decidira sobre a liquidação da sentença, em acórdão transitado em julgado, não poderia outra Câmara, no mesmo processo, voltar a apreciar a mesma questão. Processo conhecido e provido” (STF, 2ª T., RE nº 102.381, Rel. Min. Carlos Madeira, DJ de 1º/8/1986, p. 12.890).

TJPR“PROCESSUAL CIVIL – COISA JULGADA MATERIAL – INOCORRÊNCIA – EXTIN-

ÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO – IMPOSSIBILIDADE – RECUR-SO PROVIDO. Não faz coisa julgada material a decisão que acolhe preliminar de carência da ação por falta de interesse de agir, extinguindo o processo sem julgamento do mérito. Nada impe-de que outra ação seja proposta porque a decisão extintiva somente faz coisa julgada formal, isto é, a imutabilidade da sentença dentro dos estreitos parâmetros do processo em que foi proferida” (Extinto TAPR, 6ª CC, AC nº 073919-7, Rel. Des. Bonejos Demchuk, DJ de 17/3/1995).

Coisa julgada e efeitos da sentençaSTJ “(i) a eficácia da sentença, por ser distinta da eficácia da coisa julgada, produz-se independen-

temente desta; (ii) a eficácia da sentença, desde que não confundida com a figura do trânsito em julgado, não sofre qualquer limitação subjetiva: vale perante todos; (iii) a imutabilidade dessa eficácia, ou seja, a impossibilidade de se questionar a conclusão a que se chegou na sentença, na visão clássica do processo civil, limita-se às partes do processo perante as quais a decisão foi proferida, e só ocorre com o trânsito em julgado da decisão” (STJ, 2ª S, REsp nº 1189679/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe de 12/12/2010).

Relativização da coisa julgadaSTF“2. Deve ser relativizada a coisa julgada estabelecida em ações de investigação de paterni-

Art. 502

Page 422: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

813

Eduardo Talamini

dade em que não foi possível determinar-se a efetiva existência de vínculo genético a unir as partes, em decorrência da não realização do exame de DNA, meio de prova que pode fornecer segurança quase absoluta quanto à existência de tal vínculo. 3. Não devem ser impostos óbices de natureza processual ao exercício do direito fundamental à busca da identidade genética, como natural emanação do direito de personalidade de um ser, de forma a tornar-se igualmente efetivo o direito à igualdade entre os filhos, inclusive de qualificações, bem assim o princípio da pater-nidade responsável” (STF, Tribunal Pleno, RE nº 363.889/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 15/12/2011).

“Investigação de paternidade. Demanda anterior julgada improcedente. Coisa julgada em sentido material. Superveniência de novo meio de prova (DNA). Pretendida ‘relativização’ da autoridade da coisa julgada. Prevalência, no caso, do direito fundamental ao conhecimento da própria ancestralidade. A busca da identidade genética como expressão dos direitos da persona-lidade. Acolhimento da postulação recursal deduzida pela suposta filha. Observância, na espécie, pelo relator, do princípio da colegialidade. RE conhecido e provido. Ressalva da posição pessoal do relator (ministro Celso de Mello), minoritária, que entende que o instituto da res judicata, de extração eminentemente constitucional, por qualificar-se como elemento inerente à própria noção conceitual de Estado democrático de direito, não pode ser degradado, em sua condição de garantia fundamental, por teses como a da ‘relativização’ da coisa julgada. Na percepção pessoal do relator (ministro Celso de Mello), a desconsideração da autoridade da coisa julgada mostra-se apta a provocar consequências altamente lesivas à estabilidade das relações intersub-jetivas, à exigência de certeza e de segurança jurídicas e à preservação do equilíbrio social. A invulnerabilidade da coisa julgada material deve ser preservada em razão de exigências de ordem político-social que impõem a preponderância do valor constitucional da segurança jurídica, que representa, em nosso ordenamento positivo, um dos subprincípios da própria ordem democráti-ca” (STF, RE nº 649154, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, DJe de 28/11/2011).

STJ“A propositura de nova ação de investigação de paternidade cumulada com pedido de alimen-

tos não viola a coisa julgada se, por ocasião do ajuizamento da primeira investigatória – cujo pedido foi julgado improcedente por insuficiência de provas –, o exame pelo método DNA não era disponível tampouco havia notoriedade a seu respeito” (STJ, 3ª T., REsp nº 826.698/MS, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe de 23/5/2008).

“PROCESSO CIVIL. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. REPETIÇÃO DE AÇÃO AN-TERIORMENTE AJUIZADA, QUE TEVE SEU PEDIDO JULGADO IMPROCEDENTE POR FALTA DE PROVAS. COISA JULGADA. MITIGAÇÃO. DOUTRINA. PRECEDENTES. DI-REITO DE FAMÍLIA. EVOLUÇÃO. RECURSO ACOLHIDO. Não excluída expressamente a paternidade do investigado na primitiva ação de investigação de paternidade, diante da preca-riedade da prova e da ausência de indícios suficientes a caracterizar tanto a paternidade como a sua negativa, e considerando que, quando do ajuizamento da primeira ação, o exame pelo DNA ainda não era disponível e nem havia notoriedade a seu respeito, admite-se o ajuizamento de ação investigatória, ainda que tenha sido aforada uma anterior com sentença julgando improcedente o pedido... A coisa julgada, em se tratando de ações de estado, como no caso de investigação de paternidade, deve ser interpretada modus in rebus. Nas palavras de respeitável e avançada doutrina, quando estudiosos hoje se aprofundam no reestudo do instituto, na busca sobretudo da realização do processo justo, ‘a coisa julgada existe como criação necessária à segurança prática das relações jurídicas e as dificuldades que se opõem à sua ruptura se explicam pela mesmíssima

Art. 502

Page 423: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

814

Eduardo Talamini

razão. Não se pode olvidar, todavia, que numa sociedade de homens livres, a Justiça tem de estar acima da segurança, porque sem Justiça não há liberdade’” (STJ, 4ª T., REsp nº 226.436/PR, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 4/2/2002, p. 370).

“AÇÃO DE NEGATIVA DE PATERNIDADE. EXAME PELO DNA POSTERIOR AO PRO-CESSO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. COISA JULGADA. 1. Seria terrificante para o exercício da jurisdição que fosse abandonada a regra absoluta da coisa julgada que confere ao processo judicial força para garantir a convivência social, dirimindo os conflitos existentes. Se, fora dos casos nos quais a própria lei retira a força da coisa julgada, pudesse o magistrado abrir as comportas dos feitos já julgados para rever as decisões não haveria como vencer o caos social que se instalaria. A regra do art. 468 do Código de Processo Civil é liber-tadora. Ela assegura que o exercício da jurisdição completa-se com o último julgado, que se torna inatingível, insuscetível de modificação. E a sabedoria do Código é revelada pelas amplas possibilidades recursais e, até mesmo, pela abertura da via rescisória naqueles casos precisos que estão elencados no art. 485. 2. Assim, a existência de um exame pelo DNA posterior ao feito já julgado, com decisão transitada em julgado, reconhecendo a paternidade, não tem o condão de reabrir a questão com uma declaratória para negar a paternidade, sendo certo que o julgado está coberto pela certeza jurídica conferida pela coisa julgada. 3. Recurso especial conhecido e provido” (STJ, 3ª T., REsp nº 107.248/GO, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ de 29/6/1998, p. 160).

TJPR

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECLARATÓRIA. COISA JULGADA. RELATIVIZA-ÇÃO. FATO NOVO POSTERIOR. PONDERAÇÃO PRINCIPIOLÓGICA. SEGURANÇA JU-RÍDICA. PROPORCIONALIDADE. FORMAS TÍPICAS. PREPONDERÂNCIA DA SEGU-RANÇA JURÍDICA. 1. É possível a relativização da coisa julgada desde que fique assegurado o respeito ao Princípio da Segurança Jurídica. 2. Para a relativização é necessário o esgotamento de todas as vias típicas para sanar os possíveis conflitos principiológicos do caso concreto” (TJPR, 11ª CC, AI nº 938953-5, Rel. Des. Vilma Régia Ramos de Rezende, DJe de 19/2/2013).

“EMBARGOS À EXECUÇÃO DE SENTENÇA – ALEGAÇÃO PELA NECESSIDADE DE RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA – AFASTADO – RELATIVIZAÇÃO QUE DEVE OCORRER SOMENTE EM SITUAÇÕES EXCEPCIONAIS – VALOR DEVIDO A TÍTULO DE INDENIZAÇÃO QUE FOI AMPLAMENTE ANALISADO PELO PODER JUDICIÁRIO, COM O RESPEITO DA AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO DAS PARTES – PERÍCIA QUE DEVIDAMENTE OBSERVOU A DECISÃO PROLATADA – AUTORES QUE OBTIVERAM O TÍTULO DE DOMÍNIO DAS TERRAS MEDIANTE FRAUDE À LEI – INOCORRÊNCIA” (TJPR, 3ª CC, AC nº 1005039-2, Rel. Des. Dimas Ortêncio de Mello, DJe de 21/6/2013).

Art. 503 - A decisão que julgar total ou parcialmente o mérito tem força de lei nos limites da questão principal expressamente decidida.§ 1º - O disposto no caput aplica-se à resolução de questão prejudicial, decidida expressa e incidentemente no processo, se:I - dessa resolução depender o julgamento do mérito;II - a seu respeito tiver havido contraditório prévio e efetivo, não se aplicando no caso de revelia;

Art. 503

Page 424: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

815

Eduardo Talamini

III - o juízo tiver competência em razão da matéria e da pessoa para resolvê-la como questão principal.§ 2º - A hipótese do § 1º não se aplica se no processo houver restrições probatórias ou limitações à cognição que impeçam o aprofundamento da análise da questão prejudicial.

I. A “lide” e os limites objetivos da coisa julgada

A coisa julgada vigora nos limites do pedido e da causa de pedir (art. 301, §§ 1º a 3º), que, conjugados, constituem o objeto do processo (“lide”). Modificando-se qualquer desses dois ele-mentos em relação à ação já sentenciada, tem-se nova ação, cujo conhecimento não é obstado pela anterior coisa julgada. A causa de pedir relevante para esse fim é a remota (fática).

II. Julgamento total ou parcial da lide

Se apenas uma parte do objeto do processo receber julgamento de mérito, apenas essa parcela será objeto da coisa julgada material.

III. Força maior do que a de lei

Nem mesmo uma lei pode desconstituir a coisa julgada (CF, art. 5º, inciso XXXVI).

IV. Questões decididas e coisa julgada

A coisa julgada atinge apenas as questões decididas em caráter principal, como dispositivo da sentença, e não a motivação sentencial (v. CPC, art. 504).

V. Questões prejudiciais: noção

Qualificam-se como prejudiciais as questões atinentes à existência, inexistência ou modo de ser de uma relação ou situação jurídica que, embora sem constituir propriamente o objeto da pretensão formulada (mérito da causa), são relevantes para a solução desse mérito (por exemplo, relação de filiação na ação de alimentos ou de petição de herança; validade do contrato na ação de cobrança de uma de suas parcelas). São inconfundíveis com as questões preliminares, que concernem à existência, eficácia e validade do processo. As preliminares podem conduzir apenas à impossibilidade do julgamento do mérito, não contribuindo para a sua solução (são questões meramente processuais).

VI. Resolução de questão prejudicial e coisa julgada

O disposto no § 1º do art. 503 não constitui exceção à norma do art. 504 do CPC. A decisão ex-pressa da questão prejudicial, uma vez observados os pressupostos dos §§ 1º e 2º, faz coisa julgada precisamente porque se trata de um comando sentencial, e não simples fundamentação. Não se trata de exceção à regra que limita a coisa julgada aos dispositivos. A hipótese constitui exceção, isso sim, à norma que permite que o juiz apenas decida as pretensões efetivamente postas pelas partes. Nesse caso, basta que se estabeleça o efetivo contraditório sobre questão prejudicial do âmbito de competên-cia absoluta do juízo para que o juiz sobre ela emita decisum. Ou seja, em contraste com o CPC/1973, a novidade não está em estender-se a coisa julgada à fundamentação, mas sim em dispensar-se a ação declaratória incidental para que o juiz possa proferir comando sobre a questão prejudicial.

VII. Extinção da ação declaratória incidental como figura geral

Por essas razões, o CPC/2015 não prevê mais, como figura geral, a ação declaratória inciden-

Art. 503

Page 425: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

816

Eduardo Talamini

tal para a solução de questões prejudiciais. Hipótese dessa ação permanece prevista especifica-mente para a declaração de falsidade de documento (CPC, art. 433).

VIII. Pressuposto necessário para o julgamento da lide

Se a questão nem sequer for pressuposto para o julgamento do mérito, ela não se caracteriza como prejudicial. Não poderá ser objeto de comando sentencial nem consequentemente ter sua resolução acobertada pela coisa julgada. Aliás, nessa hipótese, ela não precisa ser solucionada nem mesmo na fundamentação, dada sua irrelevância para a solução da lide.

IX. Contraditório prévio e questão prejudicial

Para que a decisão sobre a questão prejudicial revista-se de coisa julgada, é imprescindível que haja possibilidade plena de contraditório prévio a respeito dela. Vale dizer, não basta o fato de poder-se subsequentemente recorrer da decisão. Há de se permitir o debate e a instrução pro-batória sobre a questão, para que só depois seja decidida.

X. Contraditório efetivo e questão prejudicial

O contraditório também deve ser efetivo. Tal pressuposto tem de ser devidamente compreen-dido. É preciso que a questão seja posta no processo e fique claro para as partes que ela é relevante para a solução da lide e receberá uma decisão expressa. Cumpre ao juiz – em respeito aos deveres de debate e prevenção, ínsitos aos princípios do contraditório e da cooperação (CF, art. 5º, inciso LV; CPC, arts. 6º, 9º e 10) – advertir as partes quanto a isso. Em princípio, o sanea-mento do processo é a ocasião oportuna para tanto (CPC, art. 357). Por um lado, mesmo que o juiz não cumpra esse dever de advertência, se as partes efetivamente debaterem a questão, está preenchido esse requisito para a incidência da coisa julgada. Por outro lado, uma vez posta cla-ramente a existência da questão prejudicial, e sendo dada às partes a oportunidade de instrução jurídica e probatória, está também preenchido o requisito. A circunstância de uma ou ambas as partes, uma vez devidamente cientes de que a questão prejudicial está posta, não se dedicar à sua instrução jurídica e fática, em regra, não obstará que a decisão expressa do juiz sobre tal questão tenha autoridade de coisa julgada. No processo civil, vigora o princípio da disponibilidade do contraditório.

XI. Revelia e não formação da questão prejudicial

Se houver revelia, a decisão sobre ponto prejudicial à solução de mérito não fará coisa jul-gada. A regra expressa na parte final do inciso II do § 1º indica a preocupação do legislador em evitar que se forme contra o revel coisa julgada relativamente a uma pretensão acerca da qual ele não foi citado. Mas tal norma até seria dispensável: ponto é a afirmação (sobre fato e [ou] direito; sobre aspecto processual ou de mérito...) que uma parte faz no processo; se o ponto é impugnado pelo adversário, ele se torna uma questão. Se há revelia, a questão prejudicial nem sequer se constitui.

XII. Cognição plena e questão prejudicial

Se existem restrições probatórias à investigação da questão prejudicial ou por qualquer outra razão, a profundidade da sua cognição é limitada, a decisão acerca dela não fará coisa julgada. A norma do § 2º nada mais é do que expressão da incompatibilidade entre cognição superficial e coisa julgada (v. nota V ao art. 502, anterior).

XIII. Competência absoluta para a questão prejudicial

A exigência de que o juiz detenha competência material (isto é, competência absoluta) para

Art. 503

Page 426: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

817

Eduardo Talamini

julgar em caráter principal a questão prejudicial é apenas requisito para a incidência da coisa julgada, e não para que ele possa dirimir a questão. O juiz estatal civil sempre tem o poder de resolver apenas na fundamentação questões prejudiciais para as quais não teria competência de julgamento em caráter principal. Por exemplo, está apto a resolver a questão relativa à existência de um contrato de trabalho que seja prejudicial ao julgamento do mérito, embora não possa emi-tir a respeito uma decisão expressa apta a fazer coisa julgada material.

XIV. Decisão expressa sobre a questão prejudicial

Para haver coisa julgada, é indispensável decisão expressa do juiz sobre a questão prejudicial. Não basta que ela possa ser intuída, dessumida ou pressuposta a partir da decisão dada ao mérito. É preciso que haja efetivo enfrentamento da questão prejudicial pelo juiz.

XV. Inserção formal do comando

Pouco importa que esse comando resolutório da questão prejudicial esteja formalmente inseri-do na motivação ou na parte dispositiva da sentença ou da interlocutória de mérito. Respeitados os pressupostos dos §§ 1º e 2º, ele fará coisa julgada.

XVI. Súmula do STJ

Súmula nº 344: “A liquidação por forma diversa da estabelecida na sentença não ofende a coisa julgada”.

XVII. Julgados

Limites objetivos da coisa julgada

STJ

“Segundo entendimento pacífico desta Corte, para que se opere a coisa julgada, deve haver tríplice identidade entre as ações, ou seja, suas partes, causa de pedir e pedido devem ser os mesmos” (STJ, 3ª T., REsp nº 332.959/PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJ de 27/6/2005, p. 363).

“É cediço que é o dispositivo da sentença que faz coisa julgada material, abarcando o pedido e a causa de pedir, tal qual expressos na petição inicial e adotados na fundamentação do decisum, compondo a res judicata. Esse o posicionamento do STJ, porquanto ‘a coisa julgada está deli-mitada pelo pedido e pela causa de pedir apresentados na ação de conhecimento, devendo sua execução se processar nos seus exatos limites’ – REsp 882.242/ES, Rel. Min. Laurita Vaz, Quinta Turma, DJe 01.06.2009. Podemos citar ainda: Agravo no AI 1.024.330/SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJe 09.11.2009; REsp 11.315/RJ, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJU 28.09.92; REsp 576.926/PE, Rel. Min. Denise Arruda, DJe 30.06.2006; REsp 763.231/PR, Rel. Min. Luiz Fux, DJ 12.03.2007; REsp 795.724/SP, Rel. Min Luiz Fux, DJ 15.03.2007” (STJ, 1ª S., Reclamação nº 4.421/DF, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 15/4/2011).

TJPR

“Para que se verifique se há coisa julgada entre a causa anteriormente decidida e a nova ação proposta, é necessário verificar se as ações são idênticas, ou seja, se são as mesmas partes, mes-mo pedido e mesma causa de pedir. No caso, como a causa de pedir é diversa, não há que se falar em coisa julgada” (TJPR, 9ª CC, AC nº 943235-5, Rel. Des. Francisco Luiz Macedo Junior, DJe de 6/2/2013).

“O Código de Processo Civil, no concernente à causa de pedir, adotou a teoria da substancia-ção, aliás tradicional em nosso direito; consoante tal sistema, ao contrário do que ocorre com a

Art. 503

Page 427: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

818

Eduardo Talamini

teoria da individuação, a coisa julgada tem menor extensão, de sorte a permitir a renovação do mesmo pedido, desde que baseado em outro fato que o autor aponta como constitutivo do seu in-vocado direito” (TJPR, 3ª CC, AC nº 1487/80, Rel. Des. Plínio Cachuba, DJ de 13/4/1981, p. 6).

Desnecessidade de competência absoluta para enfrentar questão prejudicial apenas na fundamentação da sentença

TJPR

“Agravo de instrumento – Ação ordinária de concessão de pensão por morte – Necessidade de reconhecimento da união estável para a concessão do benefício pleiteado – Alega-se a incom-petência absoluta da Vara da Fazenda para processar e julgar o feito – Decisão agravada afastou a preliminar de incompetência – Desfecho acertado – O reconhecimento da união estável, como motivação para a concessão da pensão, não invade a competência do juízo de família, já que tra-ta-se de fundamento e não o próprio dispositivo da decisão – Os motivos da sentença, a verdade dos fatos e apreciação de questão prejudicial não fazem coisa julgada consoante preconiza o art. 469, I, II e III, do CPC – Decisão mantida – Recurso conhecido e não provido” (TJPR, 7ª CC, AI nº 633806-5, Rel. Des. Luiz Sérgio Neiva de Lima Vieira, DJe de 7/6/2010).

Art. 504 - Não fazem coisa julgada:I - os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença;II - a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença.

I. Limitação da coisa julgada aos comandos decisóriosA autoridade de coisa julgada recai apenas sobre a parte decisória da sentença ou da interlocu-

tória de mérito. Ou seja, somente os comandos que acolhem ou rejeitam os pedidos fazem coisa julgada. Formalmente, eles devem constar da parte dispositiva do pronunciamento decisório. Mas se, por um defeito de técnica redacional, o comando de acolhimento ou rejeição estiver in-serido na motivação, ele fará coisa julgada mesmo assim.

II. Fundamentação não faz coisa julgadaO inciso II apenas especifica essa diretriz, já posta no inciso I. O enfrentamento de questões de

fato e de direito empreendido para o fim de motivar a sentença não fica acobertado pela coisa jul-gada. Ainda que a motivação contenha argumentos que seriam em tese perfeitamente aproveitáveis para a solução de outro objeto processual (pedido e causa de pedir), não será ela vinculante para o juiz que venha a julgar essa outra ação. Esse é o sentido da Súmula nº 239 do STF (v. a seguir).

IV. A relevância da motivação para a compreensão do decisumPor vezes a exata identificação do sentido e alcance do comando – e, portanto, da coisa jul-

gada – depende da consideração dos fundamentos da decisão (por exemplo, determinar o exato alcance de um julgamento parcial de procedência quando o decisum está mal redigido). Mesmo nesse caso, os fundamentos não farão, em si mesmos, coisa julgada.

V. Súmula do STFSúmula nº 239: “Decisão que declara indevida a cobrança do imposto em determinado exer-

cício não faz coisa julgada em relação aos posteriores”.

Art. 504

Page 428: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

819

Eduardo Talamini

VI. Julgados

Questões resolvidas na fundamentação não fazem coisa julgada

STJ

“A fundamentação da sentença não faz coisa julgada, permanecendo livre para nova aprecia-ção judicial, sempre que o objeto do processo seja outro” (STJ, 3ª T., REsp nº 1.151.982/ES, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe de 31./10/2012).

TJPR

“ADUÇÃO DE OCORRÊNCIA DA COISA JULGADA. NÃO ACOLHIMENTO. MATÉRIA TRATADA INCIDENTALMENTE. AUSÊNCIA DA TRÍPLICE IDENTIDADE. ART. 469 DO CPC. A matéria tratada incidentalmente em outro feito, que não guarda similitude com o presente no que tange ao pedido e causa de pedir, não faz coisa julgada, nos termos do art. 469 do Código de Processo Civil” (TJPR, 11ª CC, AC nº 619227-2, Rel. Des. Vilma Régia Ramos de Rezande, DJe de 4/10/2010).

“Ação declaratória. Processo civil. Advogado que postula declaração judicial de que sua atuação profissional não foi negligente. Matéria abordada na fundamentação de sentença proferida no Juizado Especial. Motivo e verdade dos fatos. Coisa julgada. Inocorrência. Inteligência do art. 469, I e II, do CPC. Precedentes jurisprudenciais. Sentença cassada. Recurso provido. Os moti-vos e a verdade dos fatos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença, não fazem coisa julgada, pois somente a parte dispositiva o faz (TJPR, 9ª CC, AC nº 621207-1, Rel. Des. Hélio Henrique Lopes Fernandes Lima, DJe de 23/6/2010).

Comando sentencial faz coisa julgada, ainda quando impropriamente inserido na motivação

TJPR

“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ALEGADA OMISSÃO CONSISTENTE NO FATO DE NÃO TER CONSTADO EXPRESSAMENTE NO DISPOSITIVO DO ARESTO QUE HOUVE INVERSÃO DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS. DECISÃO CONSTANTE DA FUNDAMENTA-ÇÃO, O NECESSÁRIO PARA NÃO SE CONFUNDIR COM MEROS ‘MOTIVOS’ DO ART. 469, I, DO CPC. EXCESSO DE FORMALISMO. DESPROVIMENTO RECURSAL. Consoante entendimento jurisprudencial, ‘é exato dizer que a coisa julgada se restringe à parte dispositiva da sentença; a essa expressão, todavia, deve dar-se um sentido substancial e não formalista, de modo que abranja não só a parte final da sentença, como também qualquer outro ponto em que tenha o juiz eventualmente provido sobre os pedidos das partes’ (RT 623/125)” (TJPR, 7ª CC, ED em AC nº 284061-7/01, Rel. Des. José Maurício Pinto de Almeida, DJ de 19/5/2006, p. 241/243).

Relevância da motivação para a compreensão do dispositivo

STJ

“1. O dispositivo da sentença, comando atingido pela eficácia preclusiva da coisa julgada, deve ser interpretado de forma lógica, de acordo com as premissas que lhe conferem alicerce. Assim, o art. 469 do CPC, ao estabelecer as partes da sentença não abarcadas pela res judicata, pretendeu retirar a imutabilidade das questões que compõem os fundamentos jurídicos aduzidos pelo autor, enfrentados pelo réu e decididos pelo juiz. Porém, não retira os efeitos da coisa julga-da das premissas essenciais à matriz lógica da decisão, mediante a qual se alcançou o comando normativo contido no dispositivo da sentença. 2. Há um eixo lógico que une a causa de pedir à

Art. 504

Page 429: Código de Processo Civil - 2015 - ANOTADO - Parte 2

820

Eduardo Talamini

fundamentação da decisão, e o pedido ao dispositivo. Evidentemente, recorre-se à inicial quando a própria sentença não traz em seu bojo os termos em que o pedido foi acolhido, ou seja, quando o dispositivo é do tipo ’indireto’, simplesmente acolhendo o pedido do autor” (STJ, 4ª T., REsp nº 846.954/MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe de 9/2/2012).

Art. 505 - Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas relativas à mesma lide, salvo:I - se, tratando-se de relação jurídica de trato continuado, sobreveio modificação no estado de fato ou de direito, caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença;II - nos demais casos prescritos em lei.

I. Coisa julgada e preclusão

O caput não apenas reafirma a autoridade da coisa julgada e seus limites objetivos. Nele tam-bém está consagrada a norma da preclusão consumativa do poder decisório do juiz. Ver nota ao art. 507. A preclusão distingue-se da coisa julgada por não repercutir diretamente fora do processo. Em regra, o juiz perde o poder de decidir novamente, no curso do processo, a questão que já decidiu.

II. Relação jurídica continuativa

É aquela cuja hipótese de incidência concerne a fatos ou situações que perduram no tempo, de modo que suas posições jurídicas internas (direitos, deveres, ônus...) podem ser modificadas ou redimensionadas no curso da relação, conforme varie o panorama fático ou jurídico (por exem-plo, direito a alimentos; relação locatícia de imóvel urbano, no que tange ao direito ao valor de aluguel compatível com o preço de mercado; relação previdenciária atinente a auxílio por inca-pacidade temporária, etc.).

III. Falsa exceção à coisa julgada, no inciso I

A decisão de mérito que tem por objeto relação continuativa faz normalmente coisa julgada. Se houver alteração no panorama fático ou jurídico que repercuta sobre as posições jurídicas internas da relação continuativa, tem-se uma nova causa de pedir. Assim, a nova ação, que tome por base esse novo panorama, não será idêntica à anterior, não sendo alcançada pelos limites objetivos da coisa julgada antes estabelecida. Assim, é a técnica a redação do art. 15 da Lei nº 5.478/1968.

IV. Aplicação do inciso I às relações sucessivas que sejam objeto de uma única ação

Pode haver relações jurídicas múltiplas e sucessivas, porém homogêneas, entre os mesmos sujeitos, que podem ser objeto de uma única ação destinada a atingir inclusive as relações futuras (por exemplo, cada incidência do tributo nos sucessivos exercícios ou nas reiteradas operações praticadas pelo contribuinte implica uma específica relação jurídica: essas reiteradas relações, inclusive as futuras, podem ser objeto de uma única ação). Sobrevindo após a coisa julgada al-teração fática ou jurídica que repercuta sobre essas relações, ter-se-á igualmente nova causa de pedir, autorizadora de nova ação.

V. Modo de obtenção de nova sentença, na relação continuativa

Há casos em que o ordenamento prevê uma ação típica para a obtenção de nova sentença relativa ao novo panorama estabelecido na relação continuativa (por exemplo, revisional de ali-

Art. 505