ciências da linguagem - rickardo · 2011. 8. 2. · ciências da linguagem a linguagem não é...

36
Ciências da Linguagem A linguagem não é somente um instrumento de comunicação, como se anuncia numa perspectiva mais restrita. Mais que isso, ela faz parte da própria natureza do humano e perpassa suas buscas em todas as áreas do conhecimento e da vida cotidiana. É através dela, principalmente, que o homem apreende a definição de si mesmo, que estabelece parâmetros para compreender- se e para investigar e compreender o mundo e seus semelhantes. Ou seja, é nessa imersão que somos constituídos como sujeitos. A linguagem se estrutura através de signos, os mais diversos, em sistemas que seguem seu Curso histórico e social, num enredar-se de signos da/na cultura. Nesse mesmo sentido, não se pode isolar o significado, limitando-o à linguagem verbal. O significado constitui-se incerto nos múltiplos sistemas semióticos, dentro dos quais e pelos quais o "estar o homem no mundo" se configura. Tendo em vista este contexto mais amplo da linguagem e dos atores que a constituem e que nela se constituem, é que as atividades de ensino e pesquisa em Ciências da Linguagem foram concebidas. A disciplina abre, nesta perspectiva, um quadro de referência que possibilita trabalhar a linguagem em sua dimensão discursiva, viva e dinâmica. Código Visual Formas não representativas Talidade a) A qualidade como possibilidade b) A qualidade materializada c) As leis das qualidades Marca do gesto a) A marca qualitativa do gesto b) O gesto em ato c) As leis físicas e fisiológicas do gesto Invariância a) As leis do acaso b) As réplicas como instâncias da lei c) A abstração das leis Formas não representativas Formas figurativas Formas representativas 1 Talidade a) A qualidade como possibilidade b) A qualidade materializada c) As leis das qualidades A Figura como Qualidade a) A figura sui generis b) As figuras do gesto c) A figura como tipo e estereótipo Representação por analogia: a semelhança a) Representação imitativa b) Representação figurativa c) Representação ideativa 2 Marca do gesto a) A marca qualitativa do gesto b) O gesto em ato c) As leis físicas e fisiológicas do gesto A Figura como registro: a conexão dinâmica a) Registro imitativo b) Registro físico c) Registro por convenção Representação por figuração a) Cifra por analogia b) Cifra de relações existenciais c) Cifra por codificação 3 Invariância a) As leis do acaso b) As réplicas como instâncias da lei c) A abstração das leis A Figura como convenção: a codificação a) A codificação qualitativa do espaço pictórico b) A singularização das convenções: o estilo c) A codificação racionalista do espaço pictórico Representação por convenção: o sistema a) Sistemas convencionais analógicos b) Sistemas convencionais indiciais c) Sistemas convencionais arbitrários Página 1 de 36 Ciências da Linguagem 02/08/2011 file:///G:/!_SiteRicKardo/ciling/ciling_arquivos/CienciasLinguagem_txt.htm

Upload: others

Post on 08-Oct-2020

2 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Ciências da Linguagem - RicKardo · 2011. 8. 2. · Ciências da Linguagem A linguagem não é somente um instrumento de comunicação, como se anuncia numa perspectiva mais restrita

Ciências da Linguagem

A linguagem não é somente um instrumento de comunicação, como se anuncia numa perspectiva mais restrita. Mais que isso,

ela faz parte da própria natureza do humano e perpassa suas buscas em todas as áreas do conhecimento e da vida cotidiana. É

através dela, principalmente, que o homem apreende a definição de si mesmo, que estabelece parâmetros para compreender­

se e para investigar e compreender o mundo e seus semelhantes. Ou seja, é nessa imersão que somos constituídos como

sujeitos.

A linguagem se estrutura através de signos, os mais diversos, em sistemas que seguem seu Curso histórico e social, num

enredar­se de signos da/na cultura. Nesse mesmo sentido, não se pode isolar o significado, limitando­o à linguagem verbal. O

significado constitui­se incerto nos múltiplos sistemas semióticos, dentro dos quais e pelos quais o "estar o homem no mundo"

se configura. Tendo em vista este contexto mais amplo da linguagem e dos atores que a constituem e que nela se constituem,

é que as atividades de ensino e pesquisa em Ciências da Linguagem foram concebidas. A disciplina abre, nesta perspectiva, um

quadro de referência que possibilita trabalhar a linguagem em sua dimensão discursiva, viva e dinâmica.

Código Visual

Formas não representativas

Talidade

a) A qualidade como possibilidade

b) A qualidade materializada

c) As leis das qualidades

Marca do gesto

a) A marca qualitativa do gesto

b) O gesto em ato

c) As leis físicas e fisiológicas do gesto

Invariância

a) As leis do acaso

b) As réplicas como instâncias da lei

c) A abstração das leis

Formas não representativas Formas figurativas Formas representativas

1

Talidade

a) A qualidade como possibilidadeb) A qualidade materializadac) As leis das qualidades

A Figura como Qualidade

a) A figura sui generisb) As figuras do gestoc) A figura como tipo e estereótipo

Representação por analogia: a

semelhança

a) Representação imitativab) Representação figurativac) Representação ideativa

2

Marca do gesto

a) A marca qualitativa do gestob) O gesto em atoc) As leis físicas e fisiológicas do gesto

A Figura como registro:

a conexão dinâmica

a) Registro imitativob) Registro físicoc) Registro por convenção

Representação por figuração

a) Cifra por analogiab) Cifra de relações existenciaisc) Cifra por codificação

3

Invariância

a) As leis do acasob) As réplicas como instâncias da leic) A abstração das leis

A Figura como convenção: a

codificação

a) A codificação qualitativa do espaço pictóricob) A singularização das convenções: o estiloc) A codificação racionalista do espaço pictórico

Representação por convenção: o

sistema

a) Sistemas convencionais analógicosb) Sistemas convencionais indiciais c) Sistemas convencionais arbitrários

Página 1 de 36Ciências da Linguagem

02/08/2011file:///G:/!_SiteRicKardo/ciling/ciling_arquivos/CienciasLinguagem_txt.htm

Page 2: Ciências da Linguagem - RicKardo · 2011. 8. 2. · Ciências da Linguagem A linguagem não é somente um instrumento de comunicação, como se anuncia numa perspectiva mais restrita

Formas figurativas

A Figura como Qualidade

a) A figura sui generis

b) As figuras do gesto

c) A figura como tipo e estereótipo

A Figura como registro:

a conexão dinâmica

a) Registro imitativo

b) Registro físico

c) Registro por convenção

A Figura como convenção:

a codificação

a) A codificação qualitativa do espaço pictórico

b) A singularização das convenções: o estilo

c) A codificação racionalista do espaço pictórico

Formas representativa

Representação por analogia:

a semelhança

a) Representação imitativa

b) Representação figurativa

c) Representação ideativa

Representação por figuração

a) Cifra por analogia

b) Cifra de relações existenciais

c) Cifra por codificação

Representação por convenção:

o sistema

a) Sistemas convencionais analógicos

b) Sistemas convencionais indiciais

c) Sistemas convencionais arbitrários

O Visual no domínio do sin­signo indicial dicente. Quando proponho que a linguagem sonora está na matriz da primeiridade, a

visual na matriz da secundidade e a verbal escrita na terceiridade, não pretendo, com isso, destacar uma categoria para cada

linguagem com a exclusão das outras. Sabe­se que as categorias fenomenológicas são onipresentes. Elas estão sincrônica e

simultaneamente presentes em todos os fenômenos, de modo que, quando o fenômeno se apresenta no seu caráter de signo,

os três níveis semióticos ­ iconicidade, indexicalidade e simbolicidade ­ estão indissoluvelmente conectados e intrinsecamente

Página 2 de 36Ciências da Linguagem

02/08/2011file:///G:/!_SiteRicKardo/ciling/ciling_arquivos/CienciasLinguagem_txt.htm

Page 3: Ciências da Linguagem - RicKardo · 2011. 8. 2. · Ciências da Linguagem A linguagem não é somente um instrumento de comunicação, como se anuncia numa perspectiva mais restrita

urdidos. O prefixo sin sugere a ideia de único, singular , aqui e agora. Peirce também se refere ao sin­signo como um objeto da

experiência direta. Portanto, quando se fala do caráter de segundo no visual, não se verifica a inflexibilidade da grade de

categoria, mas ao contrário dinâmica, comparativa, visto que a própria dominância do indicial na visibilidade só adquire seu

verdadeiro relevo quando comparada à dominância do icônico na sonoridade e à dominância do simbólico no verbal. Veja (no

livro: Santaella, Lúcia: Matrizes da Linguagem e Pensamento: sonora, visual, verbal.) as páginas: 204/205 e 211 ­ 260

Um breve resumo do texto do Livro

Capitulo V - A matriz visual e suas modalidades

­ A forma como eixo da linguagem visual

“Forma” costuma ser usada para se aplicar a um objeto, “arranjo” se aplica a um lugar e “ordem” a um acontecimento.

Existem três significados gerais para o termo “forma”:

­ figura de um objeto em três dimensões;

­ a projeção de tal objeto em uma superfície chapada, seja através da luz do objeto, seja pelo ato humano de desenhar ou pela

operação de construção geométrica, de que são exemplos as imagens, pinturas, desenhos e esboços;

­ a forma geométrica abstrata composta de linhas imaginárias, planos ou de suas famílias.

Há três grandes ramos, que seriam os principais tipos de formas visuais, segundo Gibson:

(1) o primeiro ramo diz respeito à forma de objetos físicos:

(1.1) forma sólida: uma superfície física fechada envolvendo uma substância de alguma espécie, a margem entre dois estados

da matéria;

(1.2) forma de superfície: uma superfície física chapada com suas bordas (papel);

(2) o segundo tipo se refere às formas sobre superfícies:

(2.1) forma em esboço: traçados físicos feitos com tinta, lápis ou pintura em uma superfície, geometricamente representando

as bordas de uma forma de superfície ou as margens de uma forma sólida;

(2.2) forma pictórica: definida como qualquer representação de um objeto físico em uma superfície através de desenho,

reprodução, pintura, fotografia ou outros meios;

(2.3) forma do plano: esboços indicando a projeção do plano ou visão do plano, é exemplificada por um desenho de

engenharia.

(2.4) forma perspectiva: esboço indicando uma projeção perspectiva ou visão perspectiva das bordas de uma forma de

superfície. Isso sempre envolve uma transformação (compressão relativa ou esforço)

(2.5) forma sem sentido: traçados em uma superfície que não representam especificamente um objeto reconhecível. A

projeção é crua ou inacurada, os traçados são acidentais, os traçados seguem um plano ou sistema que não se destina a ser a

projeção de um objeto reconhecível.

(3) o terceiro tipo se refere às formas geométricas:

(3.1) forma geométrica plana: uma linha fechada imaginária em um plano imaginário;

(3.2) forma geométrica sólida: uma superfície fechada imaginária em um espaço imaginário de três dimensões;

(3.3) forma projetada: uma forma geométrica em um plano que está em exata correspondência com outra forma em um outro

plano, a correspondência sendo definida como ponto a ponto ou uma a uma.

“Forma” também não se restringe ao visual, pois se trata de um conceito fartamente empregado tanto na música quanto na

linguagem verbal.

Segundo Santaella, o eixo da visualidade está na forma.

O termo “representação” nos ajuda a delimitar as formas que são objeto da classificação, quer dizer, signos visuais.

Página 3 de 36Ciências da Linguagem

02/08/2011file:///G:/!_SiteRicKardo/ciling/ciling_arquivos/CienciasLinguagem_txt.htm

Page 4: Ciências da Linguagem - RicKardo · 2011. 8. 2. · Ciências da Linguagem A linguagem não é somente um instrumento de comunicação, como se anuncia numa perspectiva mais restrita

Em alguns casos, a expressão “representação visual” é mais ampla do que o termo “imagem”.

Aumont divide as imagens em temporalizadas e não­temporalizadas:

temporalizadas: são as imagens “que se modificam ao longo do tempo, sem a intervenção do espectador e apenas pelo efeito do dispositivo que as produz e apresenta”;

não temporalizadas: são as imagens “que existem idênticas a si próprias no tempo”.

Aumont estabelece um outro conjunto de distinções: imagem fixa vs. Imagem móvel.

A imagem fixa é certamente uma imagem não­temporalizada.

Em Santaella e Nöth (1998:76), a imagem fixa foi definida como aquela cujo dispositivo a registra em um suporte fixo.

As razões para a restrição às formas fixas se explicam porque na ideia das matrizes das linguagens, sonoras, visual e verbal, está a busca do tipo de realização mais pura com que essas matrizes podem se manifestar.

É no discurso narrativo que o verbal encontra seu foco otimizado de temporalidade referencial para encontrar seu ponto máximo de pulverização na criação poética, esta limítrofe com a música e a visualidade.

­ As formas não­representativas.

­ A qualidade reduzida a si mesma: a talidade.

Talidade quer dizer qualidade tal qual é, em si mesma, sem relação com nenhuma outra coisa.

São qualidades sensíveis presentificadas na sua talidade, criando a visão de formas nunca vistas anteriormente.

É certo que, para se manifestar com o máximo de indefinição quanto àquilo que sugerem e com o máximo de redução à sua própria talidade, essas formas não podem ser senão manchas, configurações tão caprichosas quanto as nuvens, ritmos motivos visuais em estado puro, tensão e distensão de energia.

Essa modalidade da forma é tão tenra e branda, tão monódica, que nos levaria a pensar ser impossível subdividi­la internamente.

A qualidade como possibilidade

Possibilidade significa aquilo que ainda não é, que ainda não se realizou.É da ordem daquilo que logicamente precede a existência.Trata­se aqui indubitavelmente do ícone puro.

Qualidades em estado de possibilidade só podem ser uma quase­idéia, a quase­visão interior a caminho de uma forma ainda não capturada que os criadores conhecem bem.

No mundo das formas, qualidades como possibilidades aparecem sob a espécie de quase­sígnos, formas movediças que “como um metal líquido estão ainda em estado de fusão [...] lugar de um espaço virtual dado como uma entidade fluída com poder evocador”.

São formas em nascimento.

A qualidade como materializada

Qualidade materializada é a qualidade encarnada em algo, que toma corpo, encontrando seu lugar no tempo e no espaço.

É uma simples presença, presentidade ou qualidade de presença, anterior a qualquer representação ou referência.

Pinturas monocromáticas ou quaisquer outros tipos de superfícies que aparecem tão­só e apenas como putra cor são, evidentemente, exemplos da qualidade materializada.

A proeminência da qualidade materializada também se faz sentir em obras de arte que parecem consistir de unidades desconectadas.

Uma tela de televisão fora de sintonia, quando o bombardeamento de elétrons do tubo catódico converte a tela em simples pulsação de luz, é também exemplar da qualidade materializada.

Página 4 de 36Ciências da Linguagem

02/08/2011file:///G:/!_SiteRicKardo/ciling/ciling_arquivos/CienciasLinguagem_txt.htm

Page 5: Ciências da Linguagem - RicKardo · 2011. 8. 2. · Ciências da Linguagem A linguagem não é somente um instrumento de comunicação, como se anuncia numa perspectiva mais restrita

As leis naturais das qualidades

Machlis chamou de “acorde da natureza” que o som como qualidade tem leis pertencentes à sua própria natureza de matéria

sonora.

Quando uma onda de som chega ao ouvido humano, além de ter a sensação de ouvir a frequência do som, tem­se a sensação

adicional de ouvir outros sons, que não chegaram ao ouvido e que têm frequências 2,3, ...vezes a frequência do som captado.

Sons com essas frequências se chamam harmônicos.

Esse conjunto de sobretons produzidos fisicamente por vibração simpática nos leva a constatar que o acorde tônico emerge de

modo tão verdadeiro porque a natureza o criou, através desse fenômeno dos sobretons.

A realidade ordenada do som que emerge de leis físicas, também vai aparecer no mundo das cores e das formas. De fato, as

qualidades, especialmente aquelas que são detectadas pelos ouvidos e olhos, organizam­se de acordo com leis físicas.

Assim acontece com as cores.

A região de longitudes de onda a que o olho humano é sensível se chama espectro visível. Este se organiza de acordo com

longitudes de ondas diferenciadas.

A cor de uma substância, portanto, está relacionada com o mecanismo com que a luz interage com a matéria.

As qualidades que estão na base das formas visuais já são governadas por leis.

A própria forma se organiza na percepção de acordo com leis definíveis que apresentam homologias com a organização das

formas no mundo puramente físico.

Toda percepção envolve um desejo de compreender e que a estrutura mais simples, mais ordenada facilita a compreensão.

Arnheim argumenta que esse comportamento perceptivo elementar não é senão o reflexo de processos fisiológicos análogos

que ocorrem no cérebro. “Se houvesse evidência independente que tornasse plausível que uma tendência similar em direção a

uma estrutura ordenada também existisse nesses processos cerebrais, poder­se ia pensar na ordem perceptiva como a

manifestação consciente de um fenômeno universal não só fisiológico, mas também físico”.

Para haver correspondência entre o físico e o mental, as atividades do cérebro deveriam ser pocessos de campo.

Arnheim nos diz que nada é contrário à assunção de que esses processos de campo de fato ocorram na área sensória do

cérebro.

Na física, eles são bem comuns.

Köhler buscou fenômenos correspondentes nas ciências físicas.

Os estudos empreendidos pelos gestalistas lhes revelaram fatos físicos regidos por leis do máximo e do mínimo.

As formas ordenadas surgem como o resultado visível de forças físicas que estabelecem, sob condições de campo, as

configurações mais equilibradas possíveis.

Brotando de forças puramente físicas, as formas ordenadas obedecem a leis que Santaella caracteriza como leis naturais da

qualidade.

Na percepção e nas representações plásticas e visuais que o ser humano produz, a presença dessas leis é fato incontestável.

A qualidade como acontecimento singular: a marca do gesto.

Qualidades manifestas são qualidades encarnadas em objetos singulares.

Quando essas qualidades não têm nenhum poder de referencialidade em relação ao mundo exterior, elas acabam apontando

para o gesto que lhes deu origem.

Ficam inevitavelmente imprimidas as marcas do modo como foram produzidas.

São justamente esses vestígios que nos permitem detectar a origem das diferenças de qualidade.

A expressão “marca do gesto” não se trata apenas do gesto corporal­humano, mas do gesto produtor em geral.

Página 5 de 36Ciências da Linguagem

02/08/2011file:///G:/!_SiteRicKardo/ciling/ciling_arquivos/CienciasLinguagem_txt.htm

Page 6: Ciências da Linguagem - RicKardo · 2011. 8. 2. · Ciências da Linguagem A linguagem não é somente um instrumento de comunicação, como se anuncia numa perspectiva mais restrita

A marca do gesto, nas formas visuais, apresenta analogias com a origem da fonte do som que é inalienável na música.

No caso das formas visuais, uma vez que elas estão plasmadas em um suporte fixo, sua realidade física e material é um dado

tão evidenciado que não há como ocultar as marcas de sua produção.

O vestígio da origem física das formas não se manifesta apenas nas suas diferenças qualitativas.

O gesto da escolha do artista transforma em uma obra singular um produto de massa industrial feito para o uso cotidiano.

Submodalidade da marca do gesto é importante para as formas tridimensionais, tais como cerâmica e escultura.

São importantes para o desenho, pintura e caligrafia orientais.

A marca qualitativa do gesto

Não há como apagar por completo de uma qualidade visual, seja ela a cor, a linha, o traçado, o volume, a dimensão, a textura

etc., a marca do gesto através do qual essa qualidade foi produzida.

Marca qualitativa do gesto quer dizer impressão de origem.

A marca qualitativa do gesto torna­se indicadora do tipo de modo de produção de que a imagem advém.

A marca qualitativa do gesto, é um aspecto que domina nas formas visuais não­representativas porque não sendo referenciais,

essas imagens só têm poder de indicar sua própria qualidade.

Embora o gesto em si seja mais nítido quando a imagem é não­representativa, ele também pode se tornar dominante em uma

imagem figurativa.

O gesto em ato

O gesto da escolha, o acontecimento singular desse gesto, puro gesto, é arte.

Duchamp foi o primeiro a se dar conta das repercussões que os objetos, objetos industrialmente produzidos, traziam para a

arte.

Do mesmo modo que uma palavra muda de sentido quando se desloca de um contexto para o outro, também os objetos

encontram nos usos, inevitavelmente contextuais, a consumação de seus significados.

Inserem­se nessa modalidade do gesto em ato, todos os tipos de intervenções artísticas, inclusive as urbanísticas.

Também como gesto em ato caracteriza­se a fotografia, a marca do gesto do fotógrafo, do ato fotográfico que nela fica retida.

As leis físicas e fisiológicas do gesto

Por mais que o gesto de dar forma a uma matéria possa parecer desregrado, caótico, casual, espontâneo e livre, esse gesto

acaba obedecendo a leis físicas e fisiológicas das quais não se pode fugir.

Segundo Arnheim, nem mesmo o gesto mais rudimentar do desenho produzido por uma criança escapa às leis fisiológicas. “O

olho e a mão são pai e a mãe da atividade artística. [...] Desenhar, pintar e modelar são partes do comportamento motor

humano. [...] A forma, o tamanho e a orientação da atividade manual é determinada pela construção mecânica do braço e da

mão”.

A qualidade como lei: a invariância.

Mesmo as cores, qualidades aparentemente desregradas, na realidade configuram­se num sistema que obedece a leis

definidas e precisas.

Kandinsky elaborou uma autêntica morfologia e uma sintaxe exata e detalhada dos elementos básicos da composição

pictórica.

Página 6 de 36Ciências da Linguagem

02/08/2011file:///G:/!_SiteRicKardo/ciling/ciling_arquivos/CienciasLinguagem_txt.htm

Page 7: Ciências da Linguagem - RicKardo · 2011. 8. 2. · Ciências da Linguagem A linguagem não é somente um instrumento de comunicação, como se anuncia numa perspectiva mais restrita

Quanto às leis da forma, por outro lado, a teoria gestáltica já as desvendou com todas as minúcias, revelando que qualquer

padrão visual aparece como um todo organizado.

As qualidades visuais se erigem em sistemas constituídos por unidades de base constantes e regras gramaticais e sintáticas

precisas.

A série, o ritmo, a progressão, a polaridade, a regularidade, a lógica interna da seqüência e do arranjo são leis da estrutura.

As leis do acaso

Mentes aliviadas das exigências das estruturas organizadas podem se contentar com a casualidade, a ausência de forma de

materiais, acontecimentos e sons acidentais.

Assim como o som, a visualidade também pode, a seu modo, quer dizer, com menos liberdade, fazer experimentos com as leis

do acaso.

Uma obra tem vários níveis de leitura.

Para aqueles que não percebem as diferenças em cada uma das esculturas, o efeito da qualidade de configuração do conjunto

já pode ser lido como “Qualidade reduzida a si mesma: a talidade”, sob o domínio da “Qualidade materializada”.

As réplicas como instâncias da lei

O protótipo mais abstrato da “Qualidade como lei: a invariância”, das formas não­representativas, está nas formas

geométricas.

De acordo com Gibson há dois tipos de formas geométricas:

­ a forma plana: é uma linha fechada imaginária num plano imaginário. Linhas geométricas e planos podem ser especificados

pelas equações da geometria analítica mais acuradamente do que podem ser desenhados no papel. As formas geométricas são

infinitamente variáveis e apenas poucas delas têm nome.

­ a forma sólida: é uma superfície fechada imaginária em um espaço imaginário em três dimensões. Nas palavras de Gibson:

“As formas da geometria sólida são certamente tão sólidas quanto o céu azul. Elas são, de fato, o protótipo de todos os

fantasmas”.

Tendo isso em vista, pode­se concluir que as formas geométricas manifestas são réplicas de leis abstratas ou formas gerais que

só podem ser concebidas como entidades hipotéticas sem existências no mundo físico.

Interessados em analisar os componentes permanentes do mundo visível, os cubistas rejeitaram as ilusões tridimensionais da

pintura tradicional, concentrando­se nas superfícies bidimensionais.

Cada obra funciona como uma réplica das leis gerais abstratas de que partem.

Invariância e variação, polaridade e integração, contraste e harmonia são algumas das regularidades gerativas e estruturais

dessa arte. Por isso mesmo, a arte abstrata se aproxima das características sintáticas da música.

A abstração das leis

A imagem infográfica é o exemplo mais privilegiado da abstração das leis nas formas visuais, por ser uma realidade em

metamorfose perpétua, pois escapa das fronteiras da imagem fixa, caracterizando­se muito mais como uma linguagem híbrida,

fortemente temporalizada cuja chave de decifração semiótica está muito mais na sintaxe musical do que estritamente nas

formas visuais.

As qualidades em si mesmas organizam­se em sistemas físicos de leis.

“Qualidade como lei: a invariância” refere­se ao modo como as formas podem se configurar obedecendo a leis abstratas cujas

bases estão na geometria.

“As leis naturais das qualidades” são físicas, as “Qualidades como lei” têm bases matemáticas.

Página 7 de 36Ciências da Linguagem

02/08/2011file:///G:/!_SiteRicKardo/ciling/ciling_arquivos/CienciasLinguagem_txt.htm

Page 8: Ciências da Linguagem - RicKardo · 2011. 8. 2. · Ciências da Linguagem A linguagem não é somente um instrumento de comunicação, como se anuncia numa perspectiva mais restrita

As formas figurativas

Só há percepção de objeto se existirem diferenças de intensidade entre as excitações provenientes de diversas partes do campo.

Todo objeto sensível não existe senão em relação com certo “fundo”.

A expressão “objeto sensível” não se aplica apenas às coisas visíveis, mas a toda espécie de objeto ou fato sensível. O fundo não tem contornos próprios, pois é a figura que possui uma forma, enquanto o fundo não a tem.

A figura é sempre uma estrutura mais forte, oferecendo mais estabilidade, mais resistência à variação do que o fundo.

A identificação de qualquer figura depende das diferenças de excitação que separam a figura do fundo.

Os modelos da gelstat são sempre formas geométricas ou similares.

As formas referenciais ou denotativas, também chamadas de figurativas não apresentam ambiguidade ou oscilação entre figura e fundo.

Nas formas, que buscam reproduzir o aspecto exterior das coisas, os elementos visuais são postos a serviço da vocação mimética, ou seja, produzir a ilusão de que a imagem figurada é igual ou semelhante ao objeto real.

Entre os convencionalistas mais ardorosos está Umberto Eco.

Eco rejeita todos os critérios de semelhança comumente adotados, tais como analogia, motivação, propriedades comuns etc. pois considera­os ingênuos.

Sem semelhança e sem referente, torna­se bastante tortuoso tentar definir as formas figurativas.

A figura como qualidade.

Esta modalidade está centrada exclusivamente na figura.

É a figura que é posta em relevo.

Trata­se de atentar para aquilo que a figura tem de primeiro, suas qualidades. Não apenas as qualidades em si , mas a qualidade da figura como figura, no sentido que aqui está sendo dado para a figura, quer dizer, referencial, denotativa, enfim, figurativa e indicial, pois, de fato, trata­se aí de uma figura que indica algo que está fora dela.

A figura sui generis

Esta submodalidade diz respeito às formas referenciais que apontam para objetos ou situações existentes fora do signo, mas assim o fazem de modo ambíguo.

A figura não visa reproduzir ilusoriamente uma realidade externa, mas é um universo à parte com qualidades próprias.

Embora não seja a modalidade dominante, “qualidade sui generis” é também importante para as imagens ideoplásticas em oposição às fisioplásticas.

Enquanto estas se caracterizam como cópias da projeção retiniana, aquelas buscam uma espécie de figuração primária através de um processo de destilação da aparência física do visível.

As figuras do gesto

O gesto produz figuras que lhes são próprias.

O caso mais exemplar das “figuras do gesto” está nos grafites. Trata­se de figuras que registram a qualidade do movimento e da energia que foi imprimida ao traço no instante de sua feitura.

A diferença entre esta submodalidade e a modalidade da “Marca do gesto” fica evidente se levarmos em conta que, na “Marca do gesto”, esta marca é o que prevalece na imagem, visto que se trata aí de imagens não­representativas.

No caso das “figuras do gesto”, prevalece a figuratividade que tem a qualidade própria do gesto, figuras que só o gesto pode criar, pois nelas fica imprimido o traçado do ato moto.

Página 8 de 36Ciências da Linguagem

02/08/2011file:///G:/!_SiteRicKardo/ciling/ciling_arquivos/CienciasLinguagem_txt.htm

Page 9: Ciências da Linguagem - RicKardo · 2011. 8. 2. · Ciências da Linguagem A linguagem não é somente um instrumento de comunicação, como se anuncia numa perspectiva mais restrita

O tipo de personalidade, o humor ou a experiência naquele momento particular de quem traça as linhas ou manuseia o pincel influenciam a qualidade das figuras do gesto.

A figura como tipo e estereótipo

Ao construir qualquer figura, digamos, a figura de um castelo, o desenhista, gravurista, escultor etc., sempre seleciona uma imagem tópica extraída do conjunto de seus estereótipos mentais.

Esse estereótipo é, então adaptado para incorporar traços distintivos de um castelo particular. É isso que Gombrich chama estereótipo adaptado. Uma fórmula ou esquema visual mental é adaptado e ajustado para dar conta de uma figura singular que se quer registrar.

Quando certos modos de adaptação de um estereótipo mental em figuras singulares se repetem de um artista para outro tem­se o que se pode chamar de estilo de época que redunda em figuras que adquirem o caráter de tipos.

Trata­se aí de tipos de figuras que se constituem em estilos históricos.

A figura como registro: a conexão dinâmica

Conforme a própria denominação já evidencia, essas formas correspondem, no universo da linguagem visual, às manifestações mais próximas da indexicalidade, isto é, registro de objetos ou situações existentes.

A imagem é nitidamente determinada pelo objeto que ela capturou num dado espaço e tempo.

O protótipo da “Figura como registro: a conexão dinâmica” está na fotografia e também na holografia, pois nestas a conexão entre imagem e objeto é existencial, espacial, temporal, na medida em que a imagem se origina de uma relação de causalidade a partir das leis da ótica.

Peirce distingue entre índices genuínos, aqueles em que a relação entre signo e objeto é uma relação existencial.

Registro imitativo

O que caracteriza o registro é a conexão espacial, temporal, enfim, existencial da figura com aquilo que ela denota.

O traçado da figura imita, assemelha­se à forma visível do objeto denotado.

Por isso mesmo, essas imagens são altamente icônicas.

Entretanto, seu funcionamento sígnico não se dá pelo lado icônico, mas indicial.

Na sua versão posterior da fidelidade pictórica, Gibson a trata dentro de uma moldura cognitiva de unidades de percepção elementares que permanecem constantes mesmo com a mudança de posição do observador. Então, a fidelidade passa a ser uma questão de similaridade de tipos de informação que se tornam disponíveis em um ponto de observação

Costuma­se dizer que a fidelidade das imagens realistas é menor do que a das fotografias.

As propriedades visuais mais relevantes de um objeto são a forma, o contorno, proporção de suas bordas e superfície.

No caso da escultura realista, entretanto, as propriedades da figura podem ser mais fiéis às propriedades do objeto imitado, tais como forma, proporção, tamanho, cor, textura etc.

O funcionamento indicial das imagens realistas é muito peculiar. Essas imagens são indiciais porque apresentam uma correspondência de fato, uma conexão dinâmica e uma relação efetiva com seus objetos.

Registro físico

O protótipo do registro físico é a fotografia.

O referente real é sentido como dominante na fotografia, comenta Metz que a foto “é um vestígio deixado sobre uma superfície especial pela combinação de luz e ação química” que, mais precisamente, pode ser descrita como”o efeito químico de uma causalidade física.

A impressão é um traço que um corpo físico imprime sobre ou em outro corpo físico.

Página 9 de 36Ciências da Linguagem

02/08/2011file:///G:/!_SiteRicKardo/ciling/ciling_arquivos/CienciasLinguagem_txt.htm

Page 10: Ciências da Linguagem - RicKardo · 2011. 8. 2. · Ciências da Linguagem A linguagem não é somente um instrumento de comunicação, como se anuncia numa perspectiva mais restrita

O traço pode distinguir as impressões por:

— contato direto: são o efeito de uma ação mecânica ou química direta do material impregnante sobre o corpo impresso.

— à distância: exigem a intervenção de um elemento físico intermediários entre o material impregnante e a impressão.

Zunzunegui e Dubois também enfatizam o índice fotográfico no caráter de traço do real, da conexão física, singularidade,

designação e testemunho próprios da fotografia.

Sotang diz que “a fotografia não é só uma imagem [...] uma interpretação do real; é também uma marca, um rastro direto do

real, como uma pegada ou uma máscara mortuária. [...] Uma fotografia nunca é menos do que o registro de uma emanação

(ondas de luz refletidas pelos objetos), um vestígio material daquilo que foi fotografado...”.

A fotografia é recebida como imagem indicial.

A centralidade indexical própria da fotografia não significa que ela não possa buscar se afastar desse eixo em direção quer das

formas não­representativas, de um lado, quer das formas simbólicas, de outro.

Registro por convenção

A figura é produzida através do registro, quer dizer, ela é efetivamente determinada pelo objeto que ela indica, dependendo

de uma conexão dinâmica, existencial com esse objeto.

A figura não é produzida através de uma máquina ou dispositivos de registro, mas dominantemente a partir de convenções,

isto é, regras ou normas de representação figurativa que determinam modos especializados de registros.

A imitação, para se realizar, deve se submeter a regras convencionais que dependem de um conhecimento e aprendizado não

só das convenções que regem o registro, mas também da natureza do próprio objeto indicado.

No “registro imitativo”, imita­se meramente a aparência visual do objeto, suas qualidades de aparência, no “Registro por

convenção”, imitam­se também e, por vezes exclusivamente, as relações internas, os processos intrínsecos do objeto

denotado.

Mapas e diagramas

Os mapas são muito instrutivos porque funcionam como uma espécie de síntese das três submodalidades da “Figura como

registro”, tanto o “Registro imitativo”, quanto o “Registro por convenção”, com alguns traços do “Registro físico”, pois muitos

mapas são construídos a partir de fotos.

Os mapas têm ainda em comum com as figuras imitativas o fato de que estas são projeções geométricas.

Os mapas registram as figuras de acordo com leis causais de projeção ótica.

Sé é certo que a convenção, isto é, o nível legi­sígnico e simbólico, domina nos mapas, os outros dois níveis, o indicial ou

relações existenciais e o icônico ou relações por semelhança, também neles se fazem presentes.

Os signos verbais e os vários símbolos de assinaturas dos mapas, assim como a escolha das cores, que nos mapas são

eminentemente arbitrárias, são símbolos.

O nível indicial está, antes de tudo, na função fundamental de um mapa que é a de servir como indicador de um certo

território.

A função indicial do mapa só pode ser cumprida se houver uma similaridade, uma relação icônica, entre a figura indicadora e o

território indicado.

Goodman estabelece a diferença entre diagramas analógicos e digitais.

Traduzindo em uma terminologia peirciana, o analógico está para o icônico, do mesmo modo que o digital está para o

simbólico.

Assim, os desenhos graduados para máquinas, por exemplo, são analógicos, os diagramas de hidrato de carbono são digitais e

os mapas de estradas são mistos.

Quaisquer que sejam, entretanto analógicos ou digitais, os diagramas apresentam sempre uma alta dose de

convencionalidade.

Esta varia em graus que vão do projetivo, mais icônico, até a abstração simbólica.

Quanto mais arbitrário, mais o diagrama terá poder para especificar qualquer coisa, concreta ou abstrata.

Página 10 de 36Ciências da Linguagem

02/08/2011file:///G:/!_SiteRicKardo/ciling/ciling_arquivos/CienciasLinguagem_txt.htm

Page 11: Ciências da Linguagem - RicKardo · 2011. 8. 2. · Ciências da Linguagem A linguagem não é somente um instrumento de comunicação, como se anuncia numa perspectiva mais restrita

Não obstante a dominância do visual nos mapas e diagramas, não se pode esquecer que a linguagem verbal e mesmo os

símbolos matemáticos, aritméticos e algébricos, neles desempenha um papel importante.

A grande ênfase na fotografia como ícone e como índice gerou uma espécie de obliteração de seu caráter também

convencional, simbólico.

A fotografia só existe, quando há uma intenção explícita de alguém que domina o know­how e quando um aparato técnico

imenso está disponível.

O traço registrado pela câmera fotográfica depende de um número extraordinariamente vasto de mediações.

Ainda também a fotografia é uma atividade técnica de alta precisão, resultante da “aplicação técnica de conceitos científicos

acumulados no curso de pelo menos cinco séculos de pesquisa nos campos da ótica, mecânica e química, assim como da

evolução do cálculo matemático e do instrumental para operacioná­lo”.

Apesar dos processos de codificação que permitem o funcionamento do aparato técnico, que são certamente elementos de

terceiridade, a fotografia não deixa de ser o efeito químico de uma causalidade física, eletromagnética.

Vem daí sua proeminência indexical.

A figura como convenção: a codificação

Entram em cena os sistemas de convenções gráficas utilizados para reproduzir o visível.

O termo “convenção” é utilizado para se referir às “relações semióticas colocadas por uma comunidade humana entre um

signo e o que ele transmite, sem que o signo e o seu objeto sejam ligados de outra maneira a não ser por essa

convenção” (Schaeffer).

Nas formas visuais figurativas, não é só a convenção que liga o signo, no caso a figura, àquilo que ele denota, visto que os

aspectos icônicos e indexicais figurativas, torna­se proeminente o fato de que não se pode simplesmente imitar a forma

exterior de um objeto sem ter antes aprendido como construir tal forma.

A forma monocular é aquela que estabelece racionalmente e com plena consciência matemática aquilo que pode ser

legitimamente chamado “plano figurativo”.

São muitos os sistemas de convenções ou formas de codificação da construção figurativa.

A codificação qualitativa do espaço pictórico

Há regras a serem seguidas, mas elas são ditadas pela qualidade dos elementos pictóricos. Tais características correspondem

ao momento da arte medieval, entre o século II e VI, quando se dá a desintegração ou destruição da unidade pictórica herdada

da antiguidade clássica.

Com elementos qualitativos, mas codificados pictoricamente dentro de uma certa racionalidade, em uma região mista entre a

codificação qualitativa e a codificação racionalista encontra­se a arte da antiguidade clássica.

Essa é uma arte dos corpos, não só do corpo visível, mas tangível.

Depois da invenção da perspectiva, surgiram modos de codificação pictórica que criam versões qualitativas da racionalidade

perspectivista.

A singularização das convenções: o estilo

Cada artista, cada autor dá à convenção que recebe como herança uma marca que lhe é própria.

Isso se chama estilo.

Quando determinadas regras são passadas de um artista a outro, sistematicamente repetidas de uma geração a outra, cria­se

um estilo que funciona como marca histórica de um determinado modo de tratar a figuração.

O estilo não é uma marca apenas histórica, mas também individual.

Página 11 de 36Ciências da Linguagem

02/08/2011file:///G:/!_SiteRicKardo/ciling/ciling_arquivos/CienciasLinguagem_txt.htm

Page 12: Ciências da Linguagem - RicKardo · 2011. 8. 2. · Ciências da Linguagem A linguagem não é somente um instrumento de comunicação, como se anuncia numa perspectiva mais restrita

Cada artista faz uso pessoal das convenções aprendidas.

É isso que faz todo artista ser um tradutor.

No estilo, o que está em jogo é o modo particular como o artista acolhe e transforma ao seu modo.

A codificação racionalista do espaço pictórico

Não se deve haver, na história da iconografia e da arte, um sistema de codificação do plano visual mais racionalista do eu a perspectiva monocular.

A perspectiva central se tornou onipresente não só na arte, mas também nos ofícios, além de que ela está introjetada no dispositivo fotográfico.

As bases das construções infográficas são matemáticas.

Essas imagens são fundamentalmente numéricas.

Os números podem simular qualquer tipo de imagem.

Entretanto, na sua essência, elas são imagens metamórficas.

Elas têm duas faces: aquela que aparece na tela, um superfície sensível qualitativa, e a outra face racional, abstrata, geral, puramente matemática, comandando os desígnios do sensível.

Formas representativas

As formas representativas, também chamadas de simbólicas, são aquelas que, mesmo quando reproduzem a aparência das coisas visíveis, essa aparência é utilizada apenas como meio para representar algo que não está visivelmente acessível e que, via de regra, tem um caráter abstrato e geral.

Símbolo é um representamen.

Segundo Santaella e Nöth, formas visuais se tornam símbolos quando o significado de seus elementos só pode ser interpretado com a ajuda do código de convenções culturais.

Toda forma visual baseia­se em convenções.

Estando em nível de terceiridade, as formas visuais representativas ou simbólicas são muito instrutivas para se compreender o modo como a terceiridade embute a secundidade e esta, a primeiridade.

Por serem formas, muitas vezes figurativas, diagramáticas ou até mesmo imagens, elas mantêm um nível acentuado de indexicalidade, quer dizer, as figuras indicam algo do mundo visível, do que se depreende seu nível de secundidade, denotativo, denotativo, referencial.

Uma vez para cumprir sua função de signo, o legi­signo simbólico prescinde de qualquer relação de similaridade e também de relações indiciais, no limite, as formas representativas ou simbólicas podem cobrir toda a gama de sistemas codificados aos quais são adscritos significados convencionais.

Nas formas representativas, o foco de dominância desloca­se para a relação signo­interpretante.

Não apenas as formas representativas têm um caráter geral, mas os objetivos aos quais se referem são de natureza geral.

Representação por analogia: a semelhança

Estas são formas simbólicas no sentido peirciano.

Embora essas formas se estruturem em sistemas e representem seus objetivos através de leis gerais, estabelecidas por hábito ou convenção, há, no entanto, entre ambos (signo e objeto), uma relação de analogia que se caracteriza por um certo teor de semelhança aparente ou diagramática.

Portanto, convenções culturais são necessárias ao entendimento dessas formas, mas a arbitrariedade de seus símbolos associa­se a elementos de semelhança entre signo e objeto.

Representação imitativa

Há uma proeminência da função mimética na representação.

Como representação, a forma visual está ligada ao seu objeto por uma convenção ou sistema de convenções, mas o aspecto

Página 12 de 36Ciências da Linguagem

02/08/2011file:///G:/!_SiteRicKardo/ciling/ciling_arquivos/CienciasLinguagem_txt.htm

Page 13: Ciências da Linguagem - RicKardo · 2011. 8. 2. · Ciências da Linguagem A linguagem não é somente um instrumento de comunicação, como se anuncia numa perspectiva mais restrita

imitivativo se faz tão presente que a convencionalidade funciona como uma sustentação imperceptível.

É enorme a variedade de tipos de notações musicais que nasceram neste século como fruto do abandono do sistema tonal e de seu secular sistema de notação.

Quanto mais mimética, mais a partitura é puramente sugestiva.

Representação figurada

É quando as convenções de representação se realizam através de figuras denotativas.

A “representação figurada” é um tipo de escritura.

Certamente, uma escritura de tipo especial, pois nela a ligação entre signo e objeto não é inteiramente arbitrária, mas figurada.

A figura, de fato, indica aquilo que ela denota.

Entretanto, aquilo que ela denota não é um singular, mas um geral.

Pictografias são tipos de escrituras cujos caracteres são figurativos.

As figuras são sempre esquemáticas e representam objetos visíveis ou ações.

As escrituras não alfabéticas têm todas elas muitos elementos pictográficos.

Nenhuma língua pode ser escrita apenas com pictogramas.

Os pictogramas não se limitam às escrituras antigas.

As figuras esquemáticas de homem e de mulher colocadas nas portas dos WCs públicos são exemplos de pictogramas.

Representação ideativa

Enquanto os pictogramas são figuras particulares que representam os conceitos de objetos ou ações concretas correspondentes às figuras indicadas, os ideogramas representam conceitos ou idéias abstratas.

Quanto mais abstratas são as idéias representadas mais os ideogramas serão compostos, consistindo da combinação de dois ou mais caracteres que motivam o significado de um novo conceito.

A combinação entre caracteres para gerar um conceito abstrato não é arbitrária, mas é ditada por princípios analógicos.

Representação por figuração: a cifra

Originalmente, o termo “cifra” se refere a um sistema que substitui letras de um texto corrido por letras ou números secretos equivalentes.

O código Morse e o código braile são códigos cifrados, na medida em que têm a estrutura de um alfabeto cifrado.

Numa extensão do sentido original do termo “cifra”, a presente modalidade das formas visuais quer se refere às figuras que não guardam mais qualquer analogia com o objeto representado, de modo que essas figuras adquirem uma natureza hermética e críptica.

Nessa modalidade também se enquadram os códigos cifrados figurativos, que e igualmente só podem ser decodificados quando se dispõe de uma chave para a sua decifração.

Cifra por analogia

As analogias aparecem apenas quando, no confronto com os objetos que elas representam, as formas são decifradas.

Casos que também merecem ser analisados são os das imagens de sensorialmente remoto ou de diagnóstico médico que costumam ser consideradas como imagens cifradas.

Sendo fruto de um registro físico, elas são marcadas pela similaridade, analogia com aquilo que registram.

Cifra de relações existenciais

O material de base está na própria vida e na memória que ela deixa.

Página 13 de 36Ciências da Linguagem

02/08/2011file:///G:/!_SiteRicKardo/ciling/ciling_arquivos/CienciasLinguagem_txt.htm

Page 14: Ciências da Linguagem - RicKardo · 2011. 8. 2. · Ciências da Linguagem A linguagem não é somente um instrumento de comunicação, como se anuncia numa perspectiva mais restrita

Os mecanismos de fragmentação, deslocamento, identificação e condensação que comandam esse tipo de sintaxe foram preciosamente descritos por Freud.

Se não fosse a esquize do sonho, na qual estamos implicados, de certo modo, sonhar seria como assistir a um filme.

Cifra por codificação

A polissemia do termo código advém de sua origem em dois domínios diferentes: aquele da esfera pública das leis e o da esfera secreta da criptografia.

O código secreto é um recurso correlacional para se substituir os signos de um código primário, usualmente uma linguagem natural, em código secreto.

Na teoria da informação, o termo é definido como um recurso correlacional no processo de codificação e decodificação ou como repertório de signos.

Segunda a semiótica, um dos critérios mais comuns para a definição de código está na convencionalidade que os caracteriza.

Uma vez que um código só é verdadeiramente cifrado quando faz uso de caracteres inventados, o aspecto visual desses caracteres se torna muito proeminente. É por isso que os códigos cifrados se enquadram nas formas visuais que apresentam a “Representação por figuração”.

Também são exemplos da “Cifra por convenção” as gravuras simbólicas da alquimia na medida em que essas gravuras colocam o observador diante de enigmas que eram utilizados para resguardar dos profanos os conhecimentos sagrados.

Representação por convenção: o sistema

As formas visuais preenchem sua função representativa prescindido das relações de similaridade e das relações figurativas, indicativas do objeto.

Elas representam seus objetos em função de convenções sistêmicas estabelecidas, de modo que as formas são partes integrantes de um sistema.

“Um sistema é um conjuntos de objetos juntamente com as relações entre os objetos e entre os seus atributos”, Hall e Fagen.

“Um conjunto de elementos e o conjunto de relações existentes entre esses elementos”, Klaus.

Sistemas convencionais analógicos

Todo corpo simbólico consiste de caracteres e regras para combiná­los.

Nas teorias dos códigos, a diferença entre a codificação analógica e a digital tornou­se muito popular nos anos 60 e 70. Imagens e mensagens alfabéticas escritas eram consideradas como exemplares desses dois tipos de codificação.

Por analogia entende­se algum tipo de relação motivada, similaridade existente na relação entre representação e representado, não importando os meios através dos quais a representação se expressa.

Sistemas convencionais indiciais

O mundo da indústria, comércio e seus sucedâneos na publicidade.

Transformar em um logotipo quando o design das letras é explorado visualmente em uma composição eficaz.

Logomarcas, por sua vez, podem ser logotipos, mas não o são necessariamente.

Elas podem ter naturezas diversas.

Mas o que importa nelas é o valor de um nome próprio.

Sistemas convencionais arbitrários

O protótipo de um sistema convencional arbitrário está na escrita fonética.

Tradução visual em grafemas dos sons da fala.

Esse sistema é complexo, na medida em que sua descoberta significou a descoberta do comando altamente arbitrário da

Página 14 de 36Ciências da Linguagem

02/08/2011file:///G:/!_SiteRicKardo/ciling/ciling_arquivos/CienciasLinguagem_txt.htm

Page 15: Ciências da Linguagem - RicKardo · 2011. 8. 2. · Ciências da Linguagem A linguagem não é somente um instrumento de comunicação, como se anuncia numa perspectiva mais restrita

combinatória sonora abstrata que compõe as línguas.

Jacques Derrida afirma que toda língua já é uma escritura, antes de ser escrita, visto que a combinatória da língua se constitui

em uma engenhosa maquinaria altamente econômica de inscrições abstratas que prescreve a fala.

O ideal de um sistema alfabético seria representar cada fonema por um grafema. Mas cada língua tem seu próprio sistema

fonêmico, tão arbitrário quanto qualquer outro.

A mais mista e complexa dentre todas as formas de escritura deve ser o hieróglifo.

Esta escritura é composta por pictograms, ideogramas, rebus e escrita fonética, podendo funcionar como uma síntese das

principais submodalidades das “Formas representativas”.

O rebus é uma técnica importante para se reduzir o número de caracteres de um sistema de escritura.

Ele é um pictograma ou ideograma cujo uso original é estendido para uma outra palavra homófona.

Qualquer caráter hierogliífico é uma figura de algum objeto na natureza, animado ou inanimado, mas em textos eles são

usados de formas diversas, além do seu uso mais simples como figura.

Eles podem representar ideias.

Além disso, cada figura de cada objeto dever ter tido um nome, de modo que cada figura correspondia também a uma palavra.

Existia ainda, na escritura egípcia, um outro tipo de signo, os determinativos, que serviam para ajudar a determinar o

significado preciso de uma palavra.

A estas foi dado o nome de fonética.

Esses signos fonéticos, por sua vez, são de dois tipos: silábicos e alfabéticos. Enquanto os silábicos representam sílabas, os

alfabéticos representam fonemas, consoante e vogais.

Os hieróglifos não eram escritos em uma sequência linear.

Eram agrupados em quadrados ou retângulos imaginários de modo a assegurar o arranjo mais harmonioso e minimizar a

possibilidade de lacunas.

As nove modalidades com seus 27 desdobramentos e especialmente suas misturas parecem dar conta de todas as múltiplas

variações possíveis de manifestação das formas visuais fixas.

De acordo com a lógica peirciana, cada item elencado na terceira categoria embute inalienavelmente os itens elencados na

segunda e primeira categorias, assim como os itens elencados na segunda categoria embutem os da primeira.

A partir disso, pode­se concluir que os caracteres levantados pela classificação funcionam sempre em termo de proeminência,

só funcionando por exclusão caso caminhemos de baixo para cima.

A maior parte das formas de representação visuais nasce da mistura e na intersecção de algumas das submodalidades.

Código Sonoro

O som está no domínio do quali­signo icônico, remático

Segundo C.S.Peirce, a semiótica da música ( do sonoro) é representativa de uma variedade de teorias, modelos e métodos.

As Classes são construções abstratas que nos ajudam a compreender as misturas exibidas pelos signos existentes. As três

classes de propriedades que permitem ao signo se relacionar com seu objeto são:

­ a mera qualidade que o signo possui de si mesmo, sua primeiridade;

­ o fato de ser um existente, sua secundidade;

­ a lei, sua terceiridade.

As sintaxes do acaso As sintaxes dos corpos sonoros As sintaxes das convenções

1 O puro acaso A heurística das qualidades sonoras O ritmo e a primeiridade

2 O acaso como busca A dinâmica das gestualidades sonoras A melodia e a secundidade

3 as modelizações do acaso O som sob a tutela das abstrações A harmonia e a terceiridade

Página 15 de 36Ciências da Linguagem

02/08/2011file:///G:/!_SiteRicKardo/ciling/ciling_arquivos/CienciasLinguagem_txt.htm

Page 16: Ciências da Linguagem - RicKardo · 2011. 8. 2. · Ciências da Linguagem A linguagem não é somente um instrumento de comunicação, como se anuncia numa perspectiva mais restrita

Na relação com o objeto, o signo é icônico porque, em si mesmo, o signo é uma simples qualidade, ou seja um quali­signo,

uma qualidade que é um signo. Este quali­signo se apresenta, também, em três níveis. Lembrando­nos eu um ícone é

estritamente uma possibilidade envolvendo uma possibilidade; o ícone é algo mental em estado emergencial, ainda não

inteiramente fatual. A sonoridade é aquela eu mais se aproxima do ícone puro.

Nossa percepção, portanto, será triádica: percepto, percipuum e juízo perceptivo.

Essa conversão ou tradução pode se dar em três níveis de acordo com os processos perceptivos humanos: 1. Como mera

qualidade de sentimento;

2. De modo surpreendente; e

3. Sob a forma de um hábito interpretativo.

Sendo assim: O som físico é o percepto; Entre o som lá fora e sua interpretação perceptiva existe o percipuum, sistema

fisiológico sensorial da audição que começa no ouvido e é transmitido ao cérebro pelo nosso sistema nervoso; reagir a algo

que se apresenta à nossa percepção é produzir um juízo perceptivo. Toda sintaxe é ícone.

Dito isso, passamos a sintaxe como eixo da matriz sonora. Segundo a teoria gerativa transformacional, de Chomsky, a sintaxe

se refere ao componente gerativo da gramática, enquanto os outros dois componentes têm uma natureza interpretativa: o

fonológico e o semântico. As modalidades da sintaxe sonora são apenas nove, mas estão desdobradas em 27. São elas:

As sintaxes do acaso:

1. O Puro jogo do acaso

1.1. as possibilidades do acaso

1.2. as eventualidades do

1.3. acaso

1.4. as leis do acaso

2. O acaso como busca

2.1. a busca em aberto

2.2. Entre o acaso e a escolha

2.3. Métodos para a emergência do acaso

3. As modelizações do acaso

3.1. Sons e fractais

3.2. Sons e dissipações

3.3. Sons e catástrofes

As sintaxes dos corpos sonoros

1. A heurística das qualidades sonoras

1.1. Acusmática e rimagem

1.2. Apagamento dos vestígios referenciais

1.3. Multidimensionalidade: textura e tempo

2. A dinâmica das gestualidades sonoras

2.1. O gesto no comando da sintaxe

2.2. O gesto manipulatório dos materiais

2.3. A gestualidade sonora no espaço externo

3. O som sob a tutela das abstrações

3.1. Arquétipos e modelos

3.2. As regras e a gramática

Página 16 de 36Ciências da Linguagem

02/08/2011file:///G:/!_SiteRicKardo/ciling/ciling_arquivos/CienciasLinguagem_txt.htm

Page 17: Ciências da Linguagem - RicKardo · 2011. 8. 2. · Ciências da Linguagem A linguagem não é somente um instrumento de comunicação, como se anuncia numa perspectiva mais restrita

3.3. O computador como ferramenta lógica

As sintaxes das convenções musicais

1. O ritmo e a primeiridade

1.1. Proto­ritmo e aleatório

1.2. Repetição e ritmo cíclico

1.3. As leis e a convencionalidade do ritmo

2. A melodia e a secundidade

2.1. A sucessão aleatória de eventos sonoros

2.2. A melodia como atualização

2.3. A convenção das regras

3. A harmonia e a terceiridade

3.1. A harmonia e as leis do acaso

3.2. As leis da acústica e a harmonia da natureza

3.3. Os sistemas convencionais da harmonia

Para um aprofundamento se faz necessário a leitura do Capítulo IV ­ p. 97 até 182

Um breve resumo do livro:

Capitulo IV - A matriz sonora e suas modalidades

­ A música é uma linguagem?

A música pode ser considerada como uma linguagem.

A semiologia colocou à mostra que as formas de codificação e de comunicação humanas não se restringem apenas à

linguagem verbal, oral ou escrita, mas abrangem todos os tipos de sinais que operam no seio da vida social, tornando possíveis

a comunicação e a cultura.

Comparações entre a linguagem verbal e a música já eram ensejadas tanto pela realidade gramatical da língua quanto pela

natureza temporal do desenvolvimento dos sons da música.

Os paralelos e as divergências entre a língua e a música foram publicadas em um artigo por George P. Springer. Segundo ele a

linguística e musicologia progrediram muito no isolamento e descrição das unidades.

As unidades:

1. na língua: traços distintivos , fonemas, morfemas, palavras, sentenças, enunciados;

2. na música: tons, temas, frases, secções, movimentos, peças.

3. Essas unidades se organizam em hierarquias ascendentes no eixo da sucessividade.

4. na música essas unidades são separáveis naquilo que é chamado de cadência.

5. na linguística essas unidades são separáveis naquilo que é chamado de junturas.

Na música, segundo Springer, o código está para a escritura musical tanto quanto a mensagem está para a performance.

Página 17 de 36Ciências da Linguagem

02/08/2011file:///G:/!_SiteRicKardo/ciling/ciling_arquivos/CienciasLinguagem_txt.htm

Page 18: Ciências da Linguagem - RicKardo · 2011. 8. 2. · Ciências da Linguagem A linguagem não é somente um instrumento de comunicação, como se anuncia numa perspectiva mais restrita

O poder expressivo da música está na sua forma.

Podemos dizer que há paralelos significativos da musicologia com a teoria linguística:

1) a escritura da língua é comparada à notação musical;

2) nível fonêmico da língua pode ser comparado com o nível das escalas musicais;

3) ambos os níveis correspondem a sistemas tipicamente fechados referentes aos princípios que governam a formação dos fonemas e dos padrões tonais;

Nettl dedicou estudos à classificação dos tipos de estruturas musicais e linguísticas e à análise musical calcada em princípios linguísticos. Ele também busca as áreas de cooperação entre a língua e a fala além de retomar a discussão do significado na música à luz do significado verbal.

Já Harweg não acredita na similaridade entre música e língua.

Cooke defende a ideia de que a música é uma linguagem da emoção aparentada à fala: cada fragmento de uma obra tem um único significado emocional consistente com alguma emoção do compositor, mas tal emoção só se explica através da verbalização que os compositores fazem de suas intenções.

Martin afirma que a expressão “linguagem musical” não é uma metáfora. Para comprovar tal afirmação, coloca em causa o postulado saussuriano do signo, o conceito que se liga indissociavelmente ao significante:

não existiriam signos musicais, pois o lado conceitual do signo estaria faltando na música.

Então Martin propõe o retorno ao sentido original da palavra signo: “O signo é uma entidade reconhecível, suscetível de receber um significado por convenção, mas que deve também ser examinada por ela mesma”.

Para Baroni a gramática significa o estudo de regras gerativas que levam em consideração todas as suas funções semióticas implícitas. Ele propõe uma gramática gerativa da melodia que busca levar em conta a grande variedade e mobilidade de formas característica das linguagens musicais da tradição europeia e das músicas não ocidentais. Baroni também reconhece a grande diferença entre a gramática da língua e a gramática da música.

Staïanova diz que o signo do discurso comunicativo e as unidades do enunciado musical são de natureza muito diversas. Assim a autora propõe que as noções de signos mais propícias à musicologia deveriam estar naquelas do ícone e do diferencial significante, pois estas rompem com a distinção entre significado e significante.

Nattiez é comentado por Henrotte. Este diz que o primeiro não faz a distinção entre os três papéis muito distintos na experiência semiótica da música, desempenhados pelo compositor, o intérprete e o ouvinte. Nattiez também confunde música com musicalidade.

Henrotte, então, diz que a música é considerada como linguagem porque ela funciona como a língua.

Já Jakobson considerou a língua como um fenômeno semiótico porque todo fenômeno linguístico funciona sempre e apenas como signo.

Leipp opta pela conclusão de que a música não é uma linguagem, mas um jogo, quando afirma que os sons musicais não são capazes de recobrir nenhuma significação.

O paralelo entre música e língua só se presta à música tonal ou quaisquer tipos de músicas convencionais:

As analogias entre língua e música cessam quando se sai do universo da música tonal para entrar no universo da música pós­tonal, da música concreta, eletrônica e eletroacústica.

Tudo o que vem depois do tonalismo não tem mais condições de ser comparado ao verbal.

É cada vez mais natural a música ser considerada uma linguagem entre os músicos. Mesmo assim, a palavra linguagem não é tomada como sinônimo de língua:

Língua tem seu sentido expandido para uma visão fundamentalmente sintática da linguagem; não se deve abandonar a reflexão sobre o estatuto da música como linguagem, mas sim redimensionar essa reflexão dentro de perspectivas semióticas distintas e distantes do modelo impositivo da linguística.

Deleuze e Guatarri declaram que “a distinção língua­fala foi feita para colocar fora da linguagem todos os tipos de variáveis que trabalham a expressão ou a enunciação”. Distinguem dois tipos de línguas: “umas que se definiram pelo poder das constantes; outras, pela potência das variações. Concluem que não se trata de dois tipos de línguas, mas de dois tratamentos possíveis de uma mesma língua”.

Podemos notar que Peirce trabalha não só com a noção de signo genuíno, mas também com a noção de signo degenerado ou

Página 18 de 36Ciências da Linguagem

02/08/2011file:///G:/!_SiteRicKardo/ciling/ciling_arquivos/CienciasLinguagem_txt.htm

Page 19: Ciências da Linguagem - RicKardo · 2011. 8. 2. · Ciências da Linguagem A linguagem não é somente um instrumento de comunicação, como se anuncia numa perspectiva mais restrita

quase signo. De suas classificações resulta um grande número de misturas entre signos. A classificação das várias modalidades que compõem cada uma das matrizes da linguagem, a sonora, a visual e a verbal respeita as diferenças entre essas três matrizes, não impondo o modelo de uma sobre as outras.

­ O som no domínio do quali­signo icônico, remático.

Segundo a teoria de Peirce, a semiótica da música é representativa de uma variedade de teorias, modelos e métodos.

Para ele, há três grandes classes de signos:

a) o quali­signo icônico, remático;

b) o sin­signo indicial, discente;

c) o legi­signo simbólico, argumental.

As classes são construções abstratas que nos ajudam a compreender as misturas exibidas pelos signos existentes.

A três grandes classes de propriedades que permitem ao signo se relacionar com seu objeto são:

­ a mera qualidade que o signo possui de si mesmo, sua primeiridade;

­ o fato de ser um existente, sua secundidade;

­ a lei, sua terceiridade.

Nas relação com o objeto, o signo é icônico porque , em si mesmo, o signo é uma simples qualidade, ou seja um quali­signo, uma qualidade que é um signo.

O som é airoso, ligeiro, fugaz.

A música é o único tipo de manifestação sígnica que pode se apresentar dominantemente como mera qualidade monádica, simples imediaticidade qualitativa, presença pura, movente e fugida, tão pura que chega a permitir sua liberdade de qualquer comparação com algo que lhe seja semelhante, de qualquer discriminação daquilo que lhe dá corpo, de qualquer intelecção da lei ou regras que nela se atualizam.

O quali­signo funciona como signo por meio de qualidades;

Estas qualidades se apresentam como meras possibilidades abstraídas de qualquer relação empírica, espaço­temporal da qualidade com qualquer outra coisa que não sejam qualidades idênticas ou similares.

Assim, quali­signos são signos disponíveis e abertos, signos de múltiplas possibilidades.

Dentro da lógica peirciana o quali­signo se apresenta em três níveis:

1) em nível de primeiridade;

2) em nível de secundidade;

3) em nível de terceiridade.

Ícone é um signo que representa seu objeto por semelhança e nenhuma linguagem pode ser mais propicia do que a linguagem sonora para exemplificar os variados níveis da iconicidade.

O quali­signo remático é a primeira classe de signos e é dominante na sonoridade.

“Um ícone é estritamente uma possibilidade envolvendo uma possibilidade”.

Peirce diz que “um signo por primeiridade é uma imagem do seu objeto e, em termos mais restritos, só pode ser uma ideia”.

Um ícone puro é algo mental em estado emergencial, ainda não inteiramente fatual. Só pode ser uma idéia antes que ela se concretize como tal.

Página 19 de 36Ciências da Linguagem

02/08/2011file:///G:/!_SiteRicKardo/ciling/ciling_arquivos/CienciasLinguagem_txt.htm

Page 20: Ciências da Linguagem - RicKardo · 2011. 8. 2. · Ciências da Linguagem A linguagem não é somente um instrumento de comunicação, como se anuncia numa perspectiva mais restrita

Ícone puro é ícone em estado nascente.

A sonoridade em gestação é aquela que mais se aproxima do ícone puro.

“Um ícone é um representamen daquilo que ele representa e para a mente que o interpreta como tal”.

Diferente da tradição, onde todas as teorias da percepção conhecidas são diádicas, a teoria peirciana é triádica:

Três elementos:

1) o percepto;

2) o percipuum;

3) o juizo perceptivo.

O percepto corresponde àquilo que comumente é chamado de estímulo. Algo fora de nós, se apresenta à nossa percepção.

Tão logo o percepto atinge os nossos sentidos, ele é imediatamente convertido em percipuum.

Essa conversão ou tradução pode se dar em três níveis de acordo com os processos perceptivos humanos:

1) como mera qualidade de sentimento;

2) de modo surpreendente;

3) sob a forma de um hábito interpretativo.

No primeiro nível, a consciência de quem percebe é assomada por uma onda vaga e indefinida de sentimento.

No segundo nível, o percepto aparece sob a forma do inesperado, produzindo o efeito da surpresa e mesmo do choque.

No terceiro nível, surge mais propriamente o juízo perceptivo. É através do juízo perceptivo que reconhecemos aquilo que é percebido.

O som físico é o percepto.

A organização perceptiva que se manifesta nas relações percebidas como qualidades sensíveis é o juízo perceptivo.

Entre o som lá fora e sua interpretação perceptiva existe o percipuum, sistema fisiológico sensorial da audição que começa no ouvido e é transmitido ao cérebro pelo sistema nervoso.

Embora o terceiro nível predomine na imensa maioria dos atos perceptivos, há situações perceptivas inesperadas que ficam sob a dominância da surpresa e do choque.

A música é um dos poucos tipos de signos cujo processo interpretativo pode para no nível das qualidades de sentimento.

Reagir a algo que se apresenta à nossa percepção é produzir juízos perceptivos.

Toda sintaxe é ícone.

A sintaxe como eixo da matriz sonora.

Sintaxe quer dizer o modo pelo qual elementos se combinam para formar unidades mais complexas;

Ela pressupõe a existência de elementos a serem combinados.

As línguas naturais podem funcionar com padrão para as estruturas sintáticas pois são capazes de revelar traços universais nelas contidos.

A gramática tradicional utilizava a palavra como elemento mínimo.

Mas para Saussure, a unidade mínima é o signo.

O signo não se confunde com aquilo que a gramática chama de palavra, mas se refere à união de significante e significado na qual se plasma um sentido.

Página 20 de 36Ciências da Linguagem

02/08/2011file:///G:/!_SiteRicKardo/ciling/ciling_arquivos/CienciasLinguagem_txt.htm

Page 21: Ciências da Linguagem - RicKardo · 2011. 8. 2. · Ciências da Linguagem A linguagem não é somente um instrumento de comunicação, como se anuncia numa perspectiva mais restrita

Martinet elaborou o princípio da dupla articulação:

­ a primeira é a dos monemas, unidades mínimas significativas;

­ a segunda é a fonológica, correspondendo a um alfabeto finito de fonemas com sua atividade combinatória correspondente,

cuja única função é a de permitir a distinção entre vários monemas.

Segundo a teoria gerativa transformacional, de Chomsky, a sintaxe se refere ao componente gerativo da gramática, enquanto

os outros dois componentes têm uma natureza interpretativa: o fonológico e o semântico.

Para explicitar suas estruturas, a música fez uso de uma terminologia emprestada da gramática da língua.

Na música, as notas, como elementos discretos, são, via de regra, consideradas as unidades mínimas.

Quando os padrões melódicos e rítmicos formados pela combinação das notas se plasmam numa idéia musical completa, são

chamados de motivos ou frases.

Na sintaxe musical há um sistema de pontuação, as cadências, indicando pausas, à maneira das pausas respiratórias da língua.

A música é uma linguagem que, além das sintaxes similares às da língua, também trabalha com as sintaxes da simultaneidade,

sintaxes harmônicas, texturais, espessas, homólogas às sintaxes das linguagens plásticas, visuais.

Assim, as menções que são feitas a uma gramática da tonalidade não são metafóricas, mas literais.

A música tem as características de uma sintaxe discursiva, quase dissertativa, vindo daí a expressão “discurso musical”,

utilizada com tanta frequência especialmente no contexto da música tonal.

A sintaxe do movimento é feita de tensões e relaxamentos, em suma, de uma sintaxe tipicamente narrativa.

A música também conta histórias, uma história de sons.

O crescimento da complexidade sintática, em todos os seus níveis, foi uma das marcas fundamentais da música pós­tonal, a

música da primeira metade deste século.

Aquilo que distingue o som do ruído não passa de uma questão sintática.

A música sempre teve na sintaxe sua chave­mestra.

Hoje, cada estúdio de música eletroacústica é um laboratório de sintaxe e cada composição que é nele produzido, um tubo de

ensaio sintático.

As modalidades da sintaxe sonora.

As modalidades da sintaxe sonora são apenas nove, mas estão desdobradas em 27.

Trata­se de classes muito vastas que têm por intenção indicar quais são as possibilidades mais gerais de engendramento e

organização, isto é, de sintaxe, que o som apresenta.

A sintaxe é o ponto forte da sonoridade, aquilo que a funda como matriz do pensamento e linguagem, assim como a forma

funda a matriz visual e o discurso, a matriz verbal.

As nove modalidades da sintaxe sonora diagramaticamente assim se apresentam:

1.1 As sintaxes do acaso

1.1.1 O puro jogo do acaso

1.1.2 O acaso como busca

1.1.3 As modelizações do acaso

1.2 As sintaxes dos corpos sonoros

1.2.1 A heurística das qualidades sonoras

1.2.2 A dinâmica das gestualidades sonoras

1.2.3 O som sob a tutela das abstrações

1.3 As sintaxes das convenções musicais

Página 21 de 36Ciências da Linguagem

02/08/2011file:///G:/!_SiteRicKardo/ciling/ciling_arquivos/CienciasLinguagem_txt.htm

Page 22: Ciências da Linguagem - RicKardo · 2011. 8. 2. · Ciências da Linguagem A linguagem não é somente um instrumento de comunicação, como se anuncia numa perspectiva mais restrita

1.3.1 O ritmo e a primeiridade

1.3.2 A melodia e a secundidade

1.3.3 A harmonia e a terceiridade

A numeração acima é indicadora da lógica que rege as categorias de primeiridade, secundidade e terceiridade.

A classificação de Xenakis, acima mencionada, está centrada no tempo e não na sintaxe.

Os seres sonoros possuem caracteres que não são temporais.

­ As sintaxes do acaso.

Sob o ponto de vista da sintaxe, possibilidades qualitativas, altamente indeterminadas, quer dizer, libertas de quaisquer regras ou leis regendo suas ocorrências, só podem ser sintaxes do acaso.

Para Peirce, o acaso é um evento ontológico real. O acaso é real em si mesmo e não o resultado de nossa ignorância a respeito de uma causa oculta de que o acaso seria o efeito.

Algo só pode crescer através do poder da espontaneidade que abre espaço para a variação criativa.

Se não houvesse acaso, não haveria crescimento.

No momento em que a linguagem musical rompe as molduras dos sistemas pré­estabelecidos de leis e regras que prescrevem o ato de compor, essa linguagem fica mais flagrantemente exposta às irrupções do acaso.

O puro jogo do acaso.

Na primeira divisão (1.1) a das sintaxes do acaso, a modalidade (1.1.1) nos apresenta o puro jogo do acaso.

É a pura visão da sintaxe sonora como pura possibilidade, eventualidade em aberto, leve, solta, não constrangida por nenhuma determinação, nenhum controle.

A sonoridade é a fonte, o embrião mais legítimo de todas as sintaxes possíveis.

As possibilidades do acaso

Se o acaso é ontologicamente real, ele é possibilidade que pode se transformar em ocorrência a qualquer momento.

Quanto menos um dado fenômeno ou um dado processo estiverem sob o domínio de leis cristalizadas, regras, normas ou convenções, tanto mais eles estarão sendo rondados pelas possibilidades do acaso.

No mundo do som, dos sons e ruídos que podem se combinar a qualquer momento, as possibilidades do acaso estão continuamente em aberto, para continuamente irem se transformando em evento na medida mesma em que vão se atualizando.

As eventualidades do acaso.

As eventualidades do acaso decorrem diretamente de suas possibilidades.

São eventos sonoros cuja sintaxe se configura sem o governo de qualquer tipo de lei, na ausência completa de qualquer regra ou controle.

As leis do acaso.

É sabido que o acaso tem leis, conforme a teoria das probabilidades já provou.

A probabilidade é uma quantidade contínua. O problema geral das probabilidades é, de um dado estado de fatos, determinar a probabilidade numérica de um fato possível.

O acaso como busca.

Trata­se aí parodoxalmente de um acaso propositado que resulta de procedimentos e de gestos que são deliberadamente executados de modo a propiciar a ocorrência de eventos sonoros casuais.

Aqui, a sintaxe sonora é sempre eventual, um evento sintático.

A busca em aberto.

O ritual da vida é acompanhado de sons. A vida como ruído, o ruído como vida.

Página 22 de 36Ciências da Linguagem

02/08/2011file:///G:/!_SiteRicKardo/ciling/ciling_arquivos/CienciasLinguagem_txt.htm

Page 23: Ciências da Linguagem - RicKardo · 2011. 8. 2. · Ciências da Linguagem A linguagem não é somente um instrumento de comunicação, como se anuncia numa perspectiva mais restrita

Entre o acaso e a escolha.

Ping squash é uma espécie de jogo sonoro entre dois percussionistas que jogam sobre os instrumentos de percurssão com

raquetes de ping­pong o que produz sonoridades inabituais.

Métodos para a emergência do acaso

Nas Variações ou Cartridge music, Cage se descarta de qualquer referência à grafia musical tradicional, deixando ao intérprete

a tarefa de decidir por si mesmo a definição do material musical que ele irá associar ao processo proposto.

Novas munições para a música aleatória surgiram com o advento do computador como meio para a composição.

As modelizações do acaso.

“Modelização está sendo aqui empregado como um termo genérico para sintaxes sonoras que lidam com o acaso, mas de

maneira mais ou menos racionalizada, programada, formalizada em modelos matemáticos ou físicos.

Conforme Xenaskis, a abstração do princípio serial teve o grande mérito de buscar para a música uma formalização mais

radical do que aquela do tonalismo.

Das leis estocásticas para a utilização dos computadores como meio para compor foi apenas um pulo que Xenaskis não

demorou a dar, ao desenvolver um programa computacional que não deixava de introduzir certas incertezas para que cada

compositor pudesse imprimir sua própria personalidade no resultado sonoro que obtivesse.

Sons e fractais.

Fractal é um termo criado por Mandelbrot para descrever um ramo pouco explorado da matemática relativo a formas que não

podem ser facilmente descritas com o uso da geometria e cálculo padrões.

Sons e dissipações.

Numa definição simplificada, dissipativo quer dizer que se trata de sistemas ou subsistemas que estão continuamente

flutuando.

Além das estruturas dissipativas, entretanto, para enriquecer o espectro das soluções inarmônicas, Riotte propõe a introdução,

no campo das ondas sonoras, de parâmetros que cumpram a função de atratores estranhos.

Sons e catástrofes.

Preocupado com o movimento do continuum sonoro, Trevor Wishart estabeleceu analogias com os sistemas descritos na

teoria dos tratores estranhos.

Qualquer sistema regido por esse regime levará a um resultado inteiramente errado quanto à previsão de sua finalização.

Certas mudanças que ocorrem em fluxos contínuos de som, podem talvez ser relacionados a modelos desenvolvidos na teoria

das catástrofes.

As sintaxes dos corpos sonoros.

Segundo Wishart, a altura e o ritmo só podem ser capturados de um modo muito particular, determinados pelas exigências da

notação analítica ela mesma.

Os instrumentos clássicos foram construídos de modo a eliminar do som tudo aquilo que pudesse ferir o reconhecimento das

alturas.

Devido à neutralidade de seus modelos e à elementaridade de seus processos em relação aos processos produtores naturais, a

síntese permite colocar a percepção fora das categorias experimentais e construir, em particular através de processos de

interpolação e extrapolação, um contínuo no qual os sons instrumentais ocupam apenas pontos particulares.

Sem rejeitar necessariamente as notas e os intervalos musicais, mas considerando­os como uma província de um território

muito mais vasto, os músicos atuais delineiam a noção de corpos sonoros.

A música dos corpos sonoros só pôde se livrar da composição musical concebida como escrita de sons, devido ao advento da

gravação sonora.

O som é concreto porque, através da gravação, sem perder sua realidade sensível, ele se estabiliza, fica gravado em uma fita,

oferecendo­se à percepção em toda a riqueza de seus aspectos, repetível a bel­prazer de quem o queira ouvir.

Costuma­se dizer que a gravação fez para o som aquilo mesmo que a fotografia fez para a imagem.

Heurística das qualidades sonoras.

Página 23 de 36Ciências da Linguagem

02/08/2011file:///G:/!_SiteRicKardo/ciling/ciling_arquivos/CienciasLinguagem_txt.htm

Page 24: Ciências da Linguagem - RicKardo · 2011. 8. 2. · Ciências da Linguagem A linguagem não é somente um instrumento de comunicação, como se anuncia numa perspectiva mais restrita

Para uma explicação sobre o termo heurística:

A heurística (do greco ευρίσκω, heurísko, literalmente "descubro" ou "acho") é uma parte da epistemologia (Epistemologia ou teoria do conhecimento (do grego ἐπιστήμη [episteme], ciência, conhecimento; λόγος logos], discurso) é um ramo da Filosofia que trata dos problemas filosóficos relacionados à crença e ao conhecimento.

A epistemologia estuda a origem, a estrutura, os métodos e a validade do conhecimento (daí também se designar por filosofia do conhecimento). Ela se relaciona ainda com a metafísica, a lógica e o empirismo, uma vez que avalia a consistência lógica da teoria e sua coesão fatual, sendo assim a principal dentre as vertentes da filosofia (é considerada a "corregedoria" da ciência). Sua problematização compreende a questão da possibilidade do conhecimento: Será que o ser humano conseguirá algum dia atingir realmente o conhecimento total e genuíno, fazendo­nos oscilar entre uma resposta dogmática ou empirista? Outra questão abrange os limites do conhecimento: Haverá realmente a distinção entre o mundo cognoscível e o mundo incognoscível? E finalmente, a questão sobre a origem do conhecimento: Por quais faculdades atingimos o conhecimento? Haverá conhecimento certo e seguro em alguma concepção a priori? )e do método científico.

A etimologia da palavra heurística é a mesma que a palavra eureka, cuja exclamação se atribui a Arquimedes no conhecido episódio da descoberta de como medir o volume de um objeto irregular utilizando água.

A palavra heurística aparece em mais de uma categoria gramatical. Quando usada como substantivo, identifica a arte ou a ciência do descobrimento, uma disciplina suscetível de ser investigada formalmente. Quando aparece como adjetivo, refere­se a coisas mais concretas, como estratégias heurísticas, regras heurísticas ou silogismos e conclusões heurísticas. Naturalmente que estes usos estão intimamente relacionados já que a heurística usualmente propõe estratégias heurísticas, que guiam o descobrimento.

É a parte da pesquisa que visa favorecer o acesso a novos desenvolvimentos teóricos ou descobertas empíricas. Define­se procedimento heurístico como um método de aproximação das soluções dos problemas, que não segue um percurso claro mas se baseia na intuição e nas circunstâncias a fim de gerar conhecimento novo. É o oposto do procedimento algorítmico (Um algoritmo é uma sequência finita de instruções bem definidas e não ambíguas, cada uma das quais pode ser executada mecanicamente num período de tempo finito e com uma quantidade de esforço finita.

O conceito de algoritmo é frequentemente ilustrado pelo exemplo de uma receita, embora muitos algoritmos sejam mais complexos. Eles podem repetir passos (fazer iterações) ou necessitar de decisões (tais como comparações ou lógica) até que a tarefa seja completada. Um algoritmo corretamente executado não irá resolver um problema se estiver implementado incorretamente ou se não for apropriado ao problema.

Um algoritmo não representa, necessariamente, um programa de computador, e sim os passos necessários para realizar uma tarefa. Sua implementação pode ser feita por um computador, por outro tipo de autômato ou mesmo por um ser humano. Diferentes algoritmos podem realizar a mesma tarefa usando um conjunto diferenciado de instruções em mais ou menos tempo, espaço ou esforço do que outros. Tal diferença pode ser reflexo da complexidade computacional aplicada, que depende de estruturas de dados adequadas ao algoritmo. Por exemplo, um algoritmo para se vestir pode especificar que você vista primeiro as meias e os sapatos antes de vestir a calça enquanto outro algoritmo especifica que você deve primeiro vestir a calça e depois as meias e os sapatos. Fica claro que o primeiro algoritmo é mais difícil de executar que o segundo apesar de ambos levarem ao mesmo resultado.

A heurística de uma teoria deveria particularmente indicar os caminhos e possibilidades a serem aprofundadas na tentativa de torná­la uma teoria progressiva, isto é, capaz de garantir um desenvolvimento empírico, prevendo fatos novos não percebidos no momento da elaboração do núcleo dessa teoria.

Historicamente a heurística foi por muitos séculos confundida com a justificativa das descobertas empíricas. Com a elaboração teórica de Francis Bacon, o desenvolvimento das ciências indicava a possibilidade de uma elaboração teórica capaz de sobreviver ao "crivo negativo da experiência". Considerava­se que uma teoria científica devesse ser capaz de produzir hipóteses passíveis de confirmação ou rejeição através de experimentos.

Tal concepção tendia a fornecer um critério que justificava a posteriori as novas descobertas mas não indicava caminhos concretos, operativos, para realizá­las.

Ao longo do século XX o debate sobre o problema da demarcação levou a distinguir claramente esses dois aspectos, porém justamente essa distinção levou a maior parte dos cientistas a renunciar à elaboração de uma única teoria da heurística.

A partir da constatação de que o desenvolvimento das ciências ocorre de modo desigual à base de evoluções de características muito diferentes entre si (mudanças teóricas, resultados empíricos imprevistos, mudanças culturais) renunciou­se a delinear uma única teoria da heurística.

Portanto atualmente os estudos sobre a heurística concentram­se sobretudo no interior de cada ciência. Pode­se assim falar de uma heurística da matemática ou da biologia, por exemplo.

Mas a heurística das ciências em geral permanece como uma questão apenas teórica ou terminológica, no

Página 24 de 36Ciências da Linguagem

02/08/2011file:///G:/!_SiteRicKardo/ciling/ciling_arquivos/CienciasLinguagem_txt.htm

Page 25: Ciências da Linguagem - RicKardo · 2011. 8. 2. · Ciências da Linguagem A linguagem não é somente um instrumento de comunicação, como se anuncia numa perspectiva mais restrita

sentido de que dificilmente será possível formular pressupostos de Heurística suficientemente gerais, exceto em

um nível de abstração tal que ela se torna pouco operativa e pouco relevante.

A capacidade heurística é uma característica dos humanos, cujo ponto de vista pode ser descrito como a arte de

descobrir e inventar ou resolver problemas mediante a criatividade e o pensamento lateral (Pensamento laterial

define quando temos uma orientação ou um ponto de vista diferente na linha normal )ou pensamento

divergente (Pensamento divergente é um processo de pensamento cujo objetivo é achar o maior número

possível de soluções para um problema. Essa habilidade é usada para gerar ideias e resolver algo criativamente,

em oposição ao pensamento convergente, que consiste em achar uma única solução apropriada a um

problema. ).

Geralmente a heurística é aplicada quando um problema é complexo ou traz informações incompletas. No geral,

pode ser considerada como um atalho aos processos mentais e, portanto, é uma medida que preserva e

conserva os recursos mentais. A heurística funciona efetivamente na maioria das circunstâncias mas também

pode conduzir à polarização na tomada de decisão ou no desenvolvimento de julgamentos. O conjunto de

soluções heurísticas começa frequentemente de um raciocínio por analogia. Um exemplo de atalho mental é o

uso de estereótipos. O julgamento de um indivíduo com base no estereótipo do grupo ao qual pertence pode

resultar em erro, já que o indivíduo pode ser mais ou menos representativo desse estereótipo.

Parte­se aí da pura apreensão do som livre, em si, como possibilidade qualitativa positiva, sem nenhum desvio para a indicação

de sua origem, ou de suas fontes, daquilo que o causou.

Acusmática e rimagem

Para Bayle, há uma dificuldade anômica que se manifesta na impossibilidade quase constitutiva de encontrar um nome

conveniente para a coisa musical, evocada tanto como concreta, ou como eletrônica, experimental ou informática.

Acusmática, como técnica da escuta aprofundada, a escuta das escutas inesgotáveis.

A imagem de som não se confunde com a fotografia, tantas vezes invocada, mas sim com o cinema. Não o cinema referencial,

mas o “experimental”, polifônico, quando este trabalha na substância das sua imagens e as superpõe, jogando com a

sobreimpressão, contrapondo os planos e as sequências.

Contrariamente àqueles que, dominados pelo desejo de uma ilusão referencial, só admitem a noção de imagem sonora no

sentido de paisagem de som, sentido que não vai além de uma miragem auditiva, anedótica.

A música acusmática é constituída de embaraçamentos, de miríades, música que enfrenta a desordem caótica, nela se

impregnando, constituída de complexidades que jamais se esgotam em cada escuta e que se superpõem em camadas de

apreciação variada dos valores da atenção.

Apagamento dos vestígios referenciais.

Sua classificação está centrada em dois eixos:

Primeiro eixo:

(1) sintaxe abstraída, a sintaxe que é abstraída a partir da percepção dos materiais;

(2) mistura entre sintaxe abstraída e sintaxe abstrata;

(3) sintaxe abstrata, aquela que é fruto da criação e manipulação de formas e estruturas a priori.

Segundo eixo:

(1) predomínio do discurso auditivo, puramente sonoro, não­referencial;

(2) combinação do discurso auditivo e mimético;

(3) predomínio do discurso mimético, quando o som cria paisagens que mantêm uma referência a situações fora da

sonoridade.

Esses dois eixos se cruzam, levando a uma grade de nove combinações possíveis.

A classificação de Emmerson cruza o eixo do signo em si (tipos de sintaxes) com o eixo da relação signo com o objeto (mímesis

ou não­mímesis).

Página 25 de 36Ciências da Linguagem

02/08/2011file:///G:/!_SiteRicKardo/ciling/ciling_arquivos/CienciasLinguagem_txt.htm

Page 26: Ciências da Linguagem - RicKardo · 2011. 8. 2. · Ciências da Linguagem A linguagem não é somente um instrumento de comunicação, como se anuncia numa perspectiva mais restrita

Através de transformações, são destruídas as pistas que poderiam indicar a origem dos sons.

­ Multidimensionalidade: textura e tempo.

Aquilo que, há alguns anos, se denominava justaposição, foi se tornando crescentemente complexo com as perspectivas abertas pela multidimensionalidade sonora, passando a se chamar também sobreposição, interposição, interpolação, coexistência variegada de planos que se atraem ou se repelem, compressões, eflúvios, criando efeitos de tapeçaria espessa, textura e densidade.

Música é tempo, desde os milionésimos de segundo em que se operam as mudanças no interior do espaço espectral até o movimento dos sons no espaço.

Há dois modos de se perder o sentido do ordenamento sequencial dos sons: ou os elementos podem estar relativamente desordenados em alguma propriedade ou ele sucedem tão rapidamente que não podemos captar sua ordem.

A textura é uma sequência na qual nenhuma ordem é percebida.

As duas propriedades fundamentais da textura são o campo e densidade.

O campo se refere a um agrupamento de valores diferentes que persiste através do tempo.

Os eventos no fluxo da textura também podem ter uma certa densidade ou separação evento­ataque que não podemos medir dentro da percepção.

Quanto à textura, a definição de Smalley não é menos clara do que a de gesto. A textura está relacionada com a padronização do comportamento interno, energia dirigida para dentro ou reinjetada, autopropagadora.

A textura opera com mais prioridade no eixo das analogias, montagem, distribuição, do que no eixo da contiguidade, que é mais próprio do gesto.

A dinâmica das gestualidades sonoras.

De acordo com a divisão de Smalley, textura e gesto são as duas estratégias estruturantes fundamentais associadas com o desenvolvimento temporal da sonoridade multinivelada.

Gestos são irreversíveis, únicos. Repetir um gesto já é um outro gesto.

De modo geral, em toda música produzida nos instrumentos tradicionais, a gestualidade do intérprete é fundamental para a realização da morfologia do som.

Gestualidade mais sutil é aquela que se traduz no movimento que o corpo faz para a produção de um som, sem que esteja inscrito sonoramente no resultado.

Ainda mais rente ao corpo é o gesto corporal puro, pistas que o compositor quer deixar como traço de sua presença.

Nesse novo contexto, como quer Wishart, “o gesto é essencialmente uma articulação do continuum que se revela na morfologia interna dos objetos sonoros e também forma geral de grupos, frase”.

O gesto no comando da sintaxe.

Para aqueles que aceitam a multidimensionalidade do continuum sonoro como um substrato válido para a composição física, a estrutura gestual se torna o foco primário do esforço organizacional.

Na música convencional, baseada em escalas e notas, o espaço sonoro resulta da percepção da diferença na altura dos sons, a saber, a diferença entre sons graves e agudos.

Parece haver uma força de atração natural da textura em relação ao espaço e uma força de atração da gestualidade em relação ao tempo.

O gesto manipulatório dos materiais.

O uso de uma multiplicidade de materiais sonoros na música eletroacústica, incluindo o som de instrumentos acústicos, partiu de uma tradição radiofônica de que a música concreta se originou.

Passos mais propriamente manipulatórios são na música de fita, as operações manuais na fita magnética.

É a manipulação que também está presente na montagem e especialmente na colagem dos materiais sonoros.

A gestualidade sonora no espaço externo.

Também fundamental para a sintaxe gestual é aquilo que Smalley classificou como o quinto aspecto do espaço na música eletroacústica.

No contexto da música acusmática, Bayle também se notabilizou pela proposta de um modo novo de difusão espacializada, gestual, das fontes acústicas.

Página 26 de 36Ciências da Linguagem

02/08/2011file:///G:/!_SiteRicKardo/ciling/ciling_arquivos/CienciasLinguagem_txt.htm

Page 27: Ciências da Linguagem - RicKardo · 2011. 8. 2. · Ciências da Linguagem A linguagem não é somente um instrumento de comunicação, como se anuncia numa perspectiva mais restrita

A dinâmica das gestualidades sonoras.

A classificação da sintaxe dos corpos sonoros estabelecidos por Lucia Santaella, é uma classificação triádica.

Na sintaxe dos corpos sonoros, que corresponde ao nível (1.2), temos, na modalidade (1.2.1), a heurística da qualidades sonoras. Esta opera de acordo com os princípios que Emmerson chama de sintaxe abstraída da escuta dos materiais e, nela, a textura (uma das estratégias estruturantes, segundo Smalley), desempenha um papel sintático fundamental.

Arquétipos e modelos.

No estrato menos formalizado das sintaxes sob a tutela das abstrações, os compositores usam desde mapas estelares e grades de números místicos até fórmulas abertas.

Em um sentido mais estrito, modelo é “um sistema matemático que procupra colocar em operação propriedades de um sistema representado”.

O modelo é uma abstração formal.

As regras e a gramática.

Mais fiéis e rentes a uma sintaxe abstrata estão as composições concretas, eletrônicas ou eletroacústicas que se baseiam em uma gramática para a combinatória dos sons.

Com o surgimento da aparelhagem eletrônica, os compositores puderam levar a racionalidade permutacional do serialismo às últimas consequências na medida em que essa aparelhagem veio lhes permitir uma intimidade minuciosa com os parâmetros do som e com o cálculo das variações de todo fenômeno sonoro em função desses parâmetros.

O computador como ferramenta lógica

Segundo Manchover, a tecnologia computacional funciona como uma ferramenta enormemente poderosa não só para a definição e distinção dos materiais sonoros, mas também para as conexões entre eles.

O fator mais importante, especialmente para as questões da sintaxe sonora de que estamos tratando, está na capacidade do computador para a descrição conceitual de processos musicais.

As sintaxes das convenções musicais.

Foi sem dúvida radical a ruptura decorrente da expansão da sonoridade e da introdução das sintaxes dos corpos sonoros em meados do século XX.

Embora origens da música estejam enredadas em uma bruma de conjecturas próprias da carência de documentação, Xenakisformula a hipótese de que a música antiga não estava baseada apenas nas gamas ou modos, mas em tetracordes e sistemas.

Essa hipótese de Xenakis é importante na medida em que busca uma base lógica e abstrata comum a todas as músicas.

Os componentes fundamentais da música.

É lugar comum a menção ao ritmo, melodia e harmonia como elementos constitutivos da música.

Todos os sons musicais estão submetidos a uma variabilidade na sua duração, quer dizer, o som pode ser sustentado em extensões variáveis do tempo.

Assim como os sons variam na sua sustentação no tempo, eles também variam no seu grau de força e suavidade.

Ritmo, melodia e harmonia são independentes e quase sempre inseparáveis.

Embora inseparáveis esses três componentes da música são inconfundíveis, o que permite o artifício de sua separação para fins de análise.

O ritmo e a primeiridade.

O ritmo musical está diretamente conectado com aquilo que se constitui no sistema nervoso central da música: o tempo.

A música é, antes de tudo, uma arte do tempo. Seu meio é o som físico que só existe na medida em que, acionado por uma fonte, vibra no ar, movendo­se no tempo.

Página 27 de 36Ciências da Linguagem

02/08/2011file:///G:/!_SiteRicKardo/ciling/ciling_arquivos/CienciasLinguagem_txt.htm

Page 28: Ciências da Linguagem - RicKardo · 2011. 8. 2. · Ciências da Linguagem A linguagem não é somente um instrumento de comunicação, como se anuncia numa perspectiva mais restrita

Não é fácil definir ritmo, terceiro componente do tempo musical. Há uma infinidade de definições de ritmo.

Segundo Miller, o ritmo é produzido por dois fatores: acento e duração.

A ênfase em uma nota para fazê­la soar mais forte é chamada de acento.

Quando aparece em qualquer nota numa série de pulsos regularmente recorrentes, o acento produz o ritmo.

Outro fator que produz o ritmo é a duração.

Qualquer combinação de notas de diferentes durações produz ritmo.

Se tanto o acento quanto a duração podem produzir ritmo, a combinação de ambos só aumenta o potencial de complexidade do ritmo.

Infelizmente, é muito comum se confundir o ritmo musical com a noção de compasso, pulso, velocidade de pulso e acento.

“Compasso é uma fatia abstrata de tempo... é uma forma de medida, metro, métrica”.

“O pulso é uma sucessão regular de batimentos imaginários... acelerar o pulso é tocar mais rápido”.

“O ritmo é uma subdivisão do tempo em durações... ele é independente da métrica”. (Netrovski)

O ritmo é primordial na música do que decorre sua dominância no âmbito da primeiridade.

Proto­ritmo e o aleatório.

Neste nível de pura primeiridade, primeiro do primeiro, nem poderíamos falar na existência do ritmo, mas na sua mera potencialidade.

Ritmo no sentido de alvorecer, o alvorecer da vida e da linguagem.

Ritmo como imagem sem figura que brota das entranhas da poesia.

Certos fenômenos naturais, como uma tempestade, ou quase naturais, como o burburinho informe de uma multidão no saguão de uma sala de teatro ou de cinema à espera da abertura de uma sessão, são exemplos sonoros do ritmo como acaso, ritmo aleatório.

Repetição e o ritmo cíclico.

Nessa contiguidade e extensão do gesto rítmico em relação a um evento, gesto que marca e intensifica a ocorrência aqui e agora de um acontecimento, tem­se a proeminência da secundidade no ritmo.

É o ritmo em ato, factual. Gesto que se repete como rito de presença.

As leis e a convencionalidade do ritmo.

A natureza está prenhe de ritmos: solares, lunares, telúricos (Relativo à Terra).

Presidindo a regularidade, o retorno cíclico desses ritmos, estão as leis da natureza, as leis da fisiologia.

Nos ritmos da natureza física e biológica, encontram­se exemplos flagrantes do funcionamento da lei.

O ritmo, ele mesmo, é lei, no sentido que Peirce deu ao termo “lei”.

Realmente, embora sejam variadas, todas as definições de ritmo convergem para o seu caráter de lei ou, conforme a terminologia de Peirce, o seu caráter de legi­signo, que é também um caráter de todos os outros elementos a ele correlatos na constituição do tempo musical.

Em suma, sentimos o ritmo, vivemos o ritmo, e vivemos no ritmo.

Entretanto, só somos capazes de compreender o ritmo e compreender o tempo em que o ritmo se tece, porque somos seres simbólicos, seres pensantes.

O ritmo mantém sua vocação para a primeiridade, vocação que só empalidece quando as figuras rítmicas ficam reduzidas a fórmulas convencionais.

A melodia e a secundidade.

A melodia tem uma grande diversidade de caracteres.

Página 28 de 36Ciências da Linguagem

02/08/2011file:///G:/!_SiteRicKardo/ciling/ciling_arquivos/CienciasLinguagem_txt.htm

Page 29: Ciências da Linguagem - RicKardo · 2011. 8. 2. · Ciências da Linguagem A linguagem não é somente um instrumento de comunicação, como se anuncia numa perspectiva mais restrita

Segundo Miller, a melodia se constitui de sons consecutivos que variam em altura e duração.

A melodia tem um grande número de propriedades.

A primeira delas é o ritmo, um dos componentes do tempo.

A melodia não pode existir sem o ritmo.

No sentido físico, a melodia não é senão uma sucessão de sons, ou melhor, de alturas.

Outra prioridade da melodia é sua dimensão. Esta tem dois aspectos: a extensão das alturas, quer dizer, a distância que vai entre a altura mais grave até a mais aguda.

O segundo aspecto se refere ao comprimento, longo ou curto.

Ainda outra propriedade melódica é a da progressão.

Esta se refere aos intervalos entre as notas, na medida em que a melodia se move de uma nota para a outra.

São tantas as facetas da melodia que parece legítimo postular que essas facetas se agrupam em três grandes classes, de acordo com as categorias fenomenológicas de Peirce.

A sucessão aleatória de eventos sonoros.

Neste nível primeiro, a melodia está longe da submissão a qualquer tipo de ordem.

Ela não se submete à ordem das escalas, uma vez que escalas são padrões pré­estabelecidos de intervalos dentro dos quais a sucessividade melódica pode se desenvolver. Em nível de primeiridade, o grau de desprendimento da melodia de quaisquer intencionalidades é tão radical que também não se pode falar de improvisação, visto que quase toda improvisação tem uma forte carga de convencionalidade embutida que costuma ser ingenuamente ignorada.

Para continuar a chamar de melodia nível meramente nascente da sucessão sonora, é necessário ampliar sobremaneira o que se entende por melodia, integrando ao seu sentido aquilo que aparentemente não faz sentido.

A melodia como atualização.

Qualquer sucessividade sonora no ato mesmo de sua atualização, a ocorrência de notas, sons, massas sonoras ou ruídos cedendo passagem uns aos outros numa sequência ou acontecimento temporal, apresenta­se sob o predomínio da secundidade.

O ato de fazer a melodia ir soando sucessivamente através de um instrumento, que pode ser inclusive a voz humana, é o resultado de uma ação que leva o instrumento a reagir em função do estímulo recebido, ficção, extensão, conexão corpo­a­corpo do intérprete com seu instrumento.

A convenção das regras.

Em sua face de terceiridade, a melodia é uma sucessão de alturas definidas e organizadas numa ordem temporal de acordo com as leis ou regras de um sistema musical determinado.

Na base dos sistemas musicais encontram­se as escalas.

A importância da escala para uma melodia é fundamental porque uma escala determina um certo padrão de intervalo entre notas.

Há uma imensa variedade de padrões melódicos, inclusive padrões ad hoc.

Onde quer que haja padrões, por mais situacionais ou circunstâncias que eles sejam, aí então a melodia estará sob o domínio da terceiridade.

A harmonia e a terceiridade.

Entre os componentes da música, a harmonia é certamente a mais complexa, mais sofisticada do que o ritmo e a melodia, tendo aparecido comparativamente tarde na história da música.

A harmonia é a combinação simultânea das notas em contraposição à consecutividade da melodia.

Enquanto a harmonia é vertical, a melodia é horizontal.

É a harmonia que dá profundidade à melodia, do mesmo modo que a perspectiva dá profundidade a uma pintura.

Quando dois ou mais sons soam sucessividade, eles delineiam um intervalo melódico. O intervalo é a diferença de altura entre duas notas.

Página 29 de 36Ciências da Linguagem

02/08/2011file:///G:/!_SiteRicKardo/ciling/ciling_arquivos/CienciasLinguagem_txt.htm

Page 30: Ciências da Linguagem - RicKardo · 2011. 8. 2. · Ciências da Linguagem A linguagem não é somente um instrumento de comunicação, como se anuncia numa perspectiva mais restrita

Quando duas notas soam simultaneamente, elas criam um intervalo harmônico.

Um grupo de três ou mais notas prescritas pelas leis e convenções da harmonia soando juntas são chamadas de acorde.

Sob o ponto de vista da construção, o acorde mais simples é uma tríade.

As tríades principais são construídas com o primeiro grau da escala, chamando de tônica, o quarto grau da escala,

subdominante, e o quinto grau da escala, dominante.

Como a melodia, a harmonia também tem propriedades.

A principal delas, relacionada tanto com a construção quanto com a progressão dos acordes, está na distinção entre

consonância e dissonância.

A consonância é uma combinação de notas cujos intervalos são exclusivamente consoantes.

A consonância ocorre quando combinação de notas do acorde produz uma sensação de relaxamento e repouso.

A dissonância cria a tensão dinâmica que impulsiona a música para a frente.

Além de consonantes e dissoantes, as harmonias podem ser simples ou complexas.

As simples consistem de construções e progressões que envolvem poucas notas.

As complexas acionam um grande número de notas que progridem de modo não convencional.

Ligada de certa forma à simplicidade e complexidade, surge a diferença entre harmonia diatônica e a cromática.

Na primeira, há poucas alterações de notas.

Numa harmonia cromática, há um joga rico de alteração das notas.

Semitons e tons inteiros são nossas unidades de medida.

Relacionada com a harmonia e dependente dela existe uma propriedade muito importante da música que se chama

tonalidade.

Definida com simplicidade, trata­se de uma propriedade que cria um senso de gravitação na direção de uma nota central que

sustenta uma tríade chamada de tom.

A maioria das músicas é escrita em um tom, de modo que a harmonia está relacionada a uma única nota e sua tríade que

recebe o nome de tônica.

Outro conceito importante ligado à tonalidade é o da modalidade.

Por criar uma sensação de um tom central, essa música pode também ser considerada tonal.

A harmonia e as leis do acaso.

Sem seu nível de primeiridade, a harmonia só pode ser concebida como adensamento sonoro aleatório.

Em movimentos causais, produzindo uma grande quantidade de eventos sonoros simultâneos.

As leis da acústica e a harmonia da natureza.

Em nível de secundidade, a harmonia se apresenta como interação simultânea de fenômenos acústicos.

Trata­se aqui dos fenômenos de consonância e dissonância sob um ponto de vista acústico o que nos permite detectar as leis

acústicas que operam na série harmônica.

As leis da física dizem que nenhum som é ouvido sozinho.

Todo som movimenta um conjunto de sobretons produzidos por um fenômeno físico conhecido sob o nome de vibração

simpática.

As leis físicas que determinam diretamente o fenômeno acústico são manifestações da harmonia em nível de secundidade.

Os sistemas convencionais da harmonia.

Embora o sistema harmônico que está na base do tonalismo seja, de fato, fruto de convenções culturais e históricas, trata­se aí

de convenções não inteiramente arbitrárias, mas com forte grau de motivação.

Quando nós, seres humanos fazemos música, estamos apenas puxando a corda da natureza.

Página 30 de 36Ciências da Linguagem

02/08/2011file:///G:/!_SiteRicKardo/ciling/ciling_arquivos/CienciasLinguagem_txt.htm

Page 31: Ciências da Linguagem - RicKardo · 2011. 8. 2. · Ciências da Linguagem A linguagem não é somente um instrumento de comunicação, como se anuncia numa perspectiva mais restrita

Na elaboração das nove modalidades, provavelmente como fruto da extrema votatilidade da música, uma nova camada de

recursividade triádica começou a brotar naturalmente de dentro de cada uma das nove modalidades: é o desdobramento em

27 modalidades.

Código Verbal

Narração, descrição e dissertação C. S. Peirce concluiu que tudo que a nossa mente é capaz de apreender, tudo que aparece à

consciência, assim o faz numa gradação de três e não mais do que três elementos formais:

1. qualidade de sentimento

2. ação e reação

3. mediação.

Suas conclusões, contudo, foram ainda além disso. Esses modos de apreensão não são, para ele, apenas elementos presentes

no ato de apreender os fenômenos, e, portanto, fatores devidos à natureza peculiar da nossa mente, mas são também

elementos formais de todo e qualquer fenômeno, seja ele físico, psíquico , real, imaginário, sonhado, lembrado,

experimentado, enfim, todo e qualquer fenômeno , desde uma névoa no horizonte, o murmurar de um rio, uma interjeição até

um teorema matemático. Nos fenômenos, a graduação dos elementos se expressa como: 1. Qualidade, 2. Reação, 3.

Representação.

Em síntese, esses elementos formais, que Peirce chamou de categorias, são os filamentos mais gerais , abstratos e universais

de todo o universo. Por serem tão universais a ponto de se presentificarem em tudo e qualquer coisa. Peirce resolveu esvaziar

os termos de qualquer conteúdo material, reduzindo­os à sua natureza puramente lógica. Daí as categorias passarem a ser

designadas por :

1. primeiridade = mônada

2. secundidade = relação diádica

3. terceiridade = relação triádica

Em cada fenômeno particular, a ropagem aparente dessas categorias se modifica, mas o substrato lógico sempre permanece.

Se tomarmos o caso do universo físico, como um outro exemplo, nele, as categorias aparecerão sob a forma de :

1. acaso

2. leis mecânicas

3. a tendência evolutiva do universo para adquirir novos hábitos.

No caso dos tipos de discurso verbal, a correspondência com as categorias aparece da maneira a seguir. A descrição ­ é um tipo

de discurso que basicamente busca reconstruir nas palavras as qualidades das coisas. Essas qualidades são captadas pelos

nossos sentidos: olhos, ouvidos, tato, paladar, olfato. Assim , o que é descrito é tudo aquilo que nossos sentidos captam. A

categoria lógica da primeiridade , em Peirce, diz respeito , entre outras coisas, ao aspecto qualitativo dos fenômenos. Portanto,

a relação da descrição com a primeiridade impõe­se quase que naturalmente. A narração se constitui basicamente do relato

linear ou alinear de ações que se desenrolam no tempo. Ora, a categoria fenomenológica da secundidade é uma categoria

diádica que tem sua exemplificação mais típica na ação e reação, elemento mínimo da narrativa. A dissertação lida com redes

conceituais, logicamente estruturadas nos leva imediatamente a terceiridade. Na narrativa temos ainda três divisões:

espaciais, temporais e causais. Mais uma vez três tipos de narrativa apresentam uma correspondência com as três categoriais .

Para Peirce também devemos lembrar as categoriais de raciocínio ou argumento:

1. abducção em nível de primeiridade

2. indução, secundidade

3. dedução, terceiridade

Uma vez que a dissertação é um discurso que se estrutura numa sequência lógica, seguindo princípios que guiam o raciocínio,

a analogia dos três tipos de raciocínio estipulados por Peirce com os três tipos de dissertação ( hipotética, relacional e

argumentativa) fica facilmente estabelecida. Chegamos , assim, a hipótese dos três níveis de descrição. Essa hipótese foi

trabalhada em duas facetas. De um lado, extraindo consequências das três categorias que fossem cabíveis à descrição. De

outro começaram a aparecer numa limpidez cristalina:

1. a descrição qualitativa

2. a descrição indicial

3. a descrição conceitual

Página 31 de 36Ciências da Linguagem

02/08/2011file:///G:/!_SiteRicKardo/ciling/ciling_arquivos/CienciasLinguagem_txt.htm

Page 32: Ciências da Linguagem - RicKardo · 2011. 8. 2. · Ciências da Linguagem A linguagem não é somente um instrumento de comunicação, como se anuncia numa perspectiva mais restrita

Então vamos entender o processo:

Leituras: A descrição ­ pag. 292 até pag. 315 A narração ­ pag. 316 até pag. 339 A dissertação ­ pag. 339 até pag. 365

O Legi­signo simbólico, argumental Lembrando os três:

1. quali­signo ( primeiridade)

2. sin­signo ( secundidade)

3. legi­signo ( terceiridade)

Se no quali­signo tenho a relação ao objeto a que este se assemelha ele funciona como ícone , logo será um quali­signo

icônico. No sin­signo tenho a relação ao objeto que este indica, esse signo funciona como um ídice e em relação ao

interpretante ele está apto a produzir uma existência concreta. Já no legi­signo a relação é simbólica temos um argumento que

se segue de uma conclusão. A linguagem verbal é o exemplo mais evidente de legi­signo por pertencer ao sistema de uma

língua, palavras interpretadas que representam aquilo que por força de lei oferecem em um sistema.

A Eleição das Triades

A eleição das "trindades" como suportes classificatórios e categorizadores, é óbvio, antecede em milênios a obra peirceana,

bastando lembrar Platão ou o catolicismo. Seja uma obsessão sua ou não (como ele mesmo admite), devemos nos lembrar que

toda teoria procura reduzir, em maior ou menor grau, a multiplicidade e complexidade universais em um todo ordenado, que

faça sentido. Neste sentido, a filosofia peirceana vai entender a realidade de forma pansemiótica – isto é, tudo como

semioticamente analisável – e classificável fenomenologicamente segundo três categorias:

primeiridade – categoria do "desprevenido", da primeira impressão ou sentimento (feeling) que recebemos das coisas;

secundidade – categoria do relacionamento direto, do embate (struggle) de um fenômeno de primeiridade com outro,

englobando a experiência analogística e

terceiridade – categoria de inter­relação de triplo termo; interconexão de dois fenômenos em direção a uma síntese, lei,

regularidade, convenção, continuidade etc.

As qualidades puras, imediatamente sentidas, são típicas da primeiridade. As relações diádicas, analítico­comparativas, são

exemplos de secundidade. As palavras, por se remeterem a algo para alguém, são fenômenos de terceiridade. Para que passemos

agora da filosofia à semiótica vamos ao signo.

O signo – que nesse universo vai do desenho infantil até o mais rigoroso tratado de lógica, incluindo o homem que os produz

como um signo também – é concebido como uma tríade formada pelo representamen – aquilo que funciona como signo para

quem o percebe –, pelo objeto – aquilo que é referido pelo signo – e pelo interpretante – o efeito do signo naquele (ou

naquilo, podendo­se aí incluir os seres ou dispositivos comunicativos inumanos como os computadores) que o interpreta. Vale

lembrar com Merrell (1998:49) que não devemos pressupor que o signo e seu objeto "são sempre entidades concretas ­

Descrição Narração Dissertação

1

Qualitativa

1.imagética

2.diagramática

3.metafórica

Espacial

1. icônica

2. indicial

3. simbólica

Conjectural

1. flutuante

2. factual

3. conceitual

2

Indicial

1.sugestiva

2. Pars pro toto

3. Denotativo

Sucessiva

1. Descompasso temporal

2. Grau zero narrativo

3. Sucessividade cronológica

Relacional

1. comentários dos fatos

2. uso de exemplos

3. generalização empírica

3

Conceitual

1. Forma e aparência

2. Função e finalidade

3. Definição geral

Causal

1. difusa

2. imediata

3. mediatizada

Argumentativa

1. opinativa

2. comparativa

3. interpretativa

Página 32 de 36Ciências da Linguagem

02/08/2011file:///G:/!_SiteRicKardo/ciling/ciling_arquivos/CienciasLinguagem_txt.htm

Page 33: Ciências da Linguagem - RicKardo · 2011. 8. 2. · Ciências da Linguagem A linguagem não é somente um instrumento de comunicação, como se anuncia numa perspectiva mais restrita

espaço­temporais ­ ou até objetos físicos. Peirce sempre cuidava para evitar esse erro". Em muitos casos podemos experimentar a concretude de signos, objetos e representamina embora em outros eles careçam de qualquer materialidade. Exemplo disso pode ser o signo "Pégasus", escrito nessa página. Embora ele esteja materialmente representado aqui, dele derivará na mente do leitor (com certeza quase absoluta) um signo mental de "cavalo alado" cujas partes e objeto referido carecem de concretude. Ainda assim, é inegável que no exemplo dado algo representou alguma coisa para alguém, o que atende plenamente à definição de signo. Passemos então a uma melhor definição das partes que o compõem:

O representamen é o sustentáculo de um signo ou aquilo que funciona como signo, remetendo a algo para um interpretante. É através dele que o signo se remete por alguma causa (seja a semelhança, indicação ou convenção) a um objeto.

Este objeto exterior ao signo, chamado de objeto dinâmico, é "espelhado" no interior do signo, "imagem" esta que se denomina objeto imediato.

Se encontramos duas facetas para o objeto (o objeto dinâmico e o imediato), para o interpretante (que muita gente confunde com um indivíduo, quando na verdade trata­se mais do resultado interpretativo em si mesmo) vamos encontrar três. A capacidade de um signo produzir algo numa mente qualquer, isto é, seu total potencial sígnico, é o interpretante imediato. Para que se dê um processo de semiose é necessário que esse potencial se realize, sempre parcial e singularmente, na mente de alguém ou de um dispositivo interpretativo, ou seja que se realize um interpretante dinâmico. Quando esse interpretante dinâmico atinge a terceiridade, isto é, quando engendra uma interpretação simbólica, caracteriza­se um novo signo "de caráter lógico [...] que Peirce chama de interpretante em si" (Santaella, 1983:82). Embora a composição de um signo não seja linearizável, propomos o esquema abaixo para facilitar a sua compreensão:

REPRESENTAMEN suporte ou fundamento (material ou mental) do signo

OBJETO IMEDIATO objeto dentro do signo ("especular")

OBJETO DINÂMICO objeto fora do signo (referido)

INTERPRETANTE IMEDIATO potencial de interpretações

INTERPRETANTE DINÂMICO singularização do interpretante

INTERPRETANTE EM SI novo signo (representamen) na mente

O processo de apreensão de um signo é chamado de semiose. Ela envolve um movimento espiralado, na medida em que toda apreensão sígnica pode tornar­se o reinício de uma nova semiose.

Para melhor compreender os tipos de signo segundo suas características referenciais e fenomenológicas, Peirce desenvolveu classes ou categorias, organizadas em tricotomias (taxonomias tríadicas).

A primeira tricotomia organiza os signos segundo as características do próprio signo, isto é, do representamen. O representamen foi dividido nas categorias de quali­signo, sin­signo e legi­signo. O quali­signo é uma qualidade sígnica, imediata, tal como a impressão causada por uma cor. É, na verdade, um pré­signo ou uma ante­materialidade sígnica de um signo. Tal qualidade apresentada num concreto qualquer, isto é singularizada ou individualizada, é já um sin­signo. Um sin­signo, por sua vez, pode gerar uma idéia universalizada – uma convenção substitutiva do conjunto que a singularidade representa – sendo assim um legi­signo.

Da relação entre o representamen e o objeto advém a segunda e mais importante tricotomia, no entender de Peirce: ícone, índice e símbolo. O ícone, de forma semelhante ao quali­signo, representa apenas uma parte da semiose na qual o representamen evidencia um ou mais aspectos qualitativos do objeto. Os retratos ilustram bem essa categoria. A iconicidadede um signo funda­se no que Nöth chama de "homologias estruturais", isto é, na semelhança entre representamen e objeto.

Se há uma relação direta entre estas duas partes do signo sem no entanto tratar­se de similaridade, falamos já da categoria dos índices. Uma nuvem escura pode significar chuva, embora sejam muito diferentes uma da outra. As relações orgânicas de causalidade são típicas dessa categoria, onde o representamen indica (para) o objeto. Outra característica dos índices é sua singularidade, o que na linguagem seria exemplificado pelos nomes próprios.

O nome de um objeto qualquer – "cadeira" por exemplo – refere­se não só a uma cadeira em particular ("esta cadeira", por exemplo, seria um índice) mas a uma idéia geral de "objeto composto de um assento sustentado a uma determinada distância do solo através de um ou mais pés e um encosto fixado angularmente em relação ao assento". Por este motivo, transcende a secundidade indiciática em direção à categoria simbólica. Os símbolos são arbitrários, no sentido de que são socialmente convencionados e mutáveis (cadeira no Brasil, chair na Inglaterra e chaise na França), mas não absolutamente acidentais ou arbitrárias – haja vista as homologias já descobertas entre as mais diversas línguas do planeta e a impossibilidade de alteração individual desses signos. Os tipos, generalidades e idéias são signos simbólicos pois não se restringem à singularidade. Ao contrário, abrem­se à multiplicidade e universalidade por seu alto grau de abstração. É claro que cada repetição da palavra cadeira neste texto apresenta­se singularmente. No entanto, Peirce denomina cada singularização de um símbolo como réplica do tipo original.

Página 33 de 36Ciências da Linguagem

02/08/2011file:///G:/!_SiteRicKardo/ciling/ciling_arquivos/CienciasLinguagem_txt.htm

Page 34: Ciências da Linguagem - RicKardo · 2011. 8. 2. · Ciências da Linguagem A linguagem não é somente um instrumento de comunicação, como se anuncia numa perspectiva mais restrita

Analisemos, a título de exemplo dessas duas primeiras tricotomias, algumas características do signo abaixo:

Uma Cruz

Quanto à primeira tricotomia: este, como todo e qualquer outro signo, é qualissígnico na medida em que apresenta cores e

formas a serem percebidas como algo (representamen). A imagem produzida pelos pixels de luz de um monitor ou da tinta no

papel é sinsígnica enquanto exemplar único . Se esse representamen for capaz de significar não apenas uma imagem específica

de cruzes em cemitérios, mas todas as cruzes de qualquer cemitério, torna­se então um legi­signo. Como se pode ver, um

signo pode acumular categorias dependendo da forma como ocorre o processo de semiose.

Quanto à segunda tricotomia: essa foto representa uma cruz num cemitério por semelhança. A palavra "cruz", por exemplo, não

se assemelha em nada ao objeto representado na foto. Já a foto, certamente, é um ícone por essa relação de similaridade entre

representamen e objeto. Por outro lado, uma imagem escaneada de uma foto que foi revelada de um filme batido no cemitério de

Carinhanha­mirin­BA (uma das cidades mais importantes da região de Carinhanha­mirin­BA). Ainda que de forma mediata, há uma

relação física (indicial) entre o objeto e o representamen (já que uma série de fótons foram refletidos pelo objeto representado no

filme (negativo), que sofreu o processo físico de revelação e ampliação (positivo) que, por sua vez, foi escaneado também por meios

físicos até se tornar essa imagem que você vê). A imagem, assim, indica a existência material de um cemitério em Carinhanha­mirin­

BA (como você já deve estar desconfiando, não existe Carinhanha­mirin). Além de índice, essa imagem da cruz pode significar uma

característica da religião do morto: trata­se de um suposto cristão. A cruz da foto pode representar para alguém a própria doutrina

cristã, tornando­se nesse caso específico um símbolo, isto é, uma representação abstrata, convencional, de algo. De novo

encontramos a riqueza combinatória e interpretativa das categorias peirceanas.

A mais complexa e racional categorização dos signos – a terceira tricotomia – refere­se à relação entre representamen e

interpretante, donde emergem o rema, o dicente e o argumento. A categoria remática engloba o que na lógica formal se

chama de termo, isto é, um enunciado impassível de averiguação de verdade, descritivo como um nome ou palavra. A palavra

"cruz", isolada e fora de qualquer contexto, é certamente um rema.

Caso faça parte de uma assertiva qualquer, classifica­se como dicente (ou dicissigno). Ao contrário do rema, o dicente parece

pedir confirmação de veracidade: "essa cruz representada na foto está colocada sobre o túmulo do meu avô", "meu carro é

azul­vandyke" ou "o nosso salário está alto demais". O dicente, enquanto secundidade e dialogicidade, é altamente

informativo – ainda que exija averiguação, na medida em que não fornece os motivos pelos quais afirma algo.

Se fornecesse, já não seria dicente, mas argumento. Enunciados encadeados de forma a evidenciar a condição de verdade de

uma conclusão, ou seja, discursos de caráter persuasivo ou silogismos formais, são exemplos de argumentos. Por exemplo: "a

cruz da foto acima está colocada sobre o túmulo do meu avô porque a probabilidade de haverem escrito o seu nome,

Sebastião dos Santos Farias e Silva, sobre um túmulo errado é deveras reduzida, especialmente considerando­se que o índice

de mortalidade em Carinhanha­mirin dificilmente ultrapassa o de um morto por dia (já que a cidade conta com menos de 500

habitantes) e, além disso, no dia do enterro de meu avô ninguém mais foi enterrado, excluindo­se assim a possibilidade de

troca ou engano de túmulo". Esse foi um argumento (dedutivo e, devo confessar, pouco elegante quando comparado aos

exemplos de Aristóteles ou Peirce, mas vá lá Carinhanha­mirin também não existe...).

Como lógico, Peirce se preocupa em classificar os argumentos e verificar sua condição de verdade. Ao lado das já conhecidas

dedução e indução, identifica uma terceira operação lógica criativa (ainda que arriscada) chamada abdução. Se a dedução

parte do geral para o particular e a indução percorre o caminho oposto, a abdução – também chamada, algumas vezes, de

hipótese – afirma um caso a partir de uma regra e de um resultado. Assim temos:

Dedução

Regra: todos os feijões deste pacote são brancos.

Caso: estes feijões são deste pacote.

\ resultado: estes feijões são brancos.

Indução

Caso: estes feijões são deste pacote.

Resultado: estes feijões são brancos.

\ regra: todos os feijões deste pacote são brancos.

Hipótese

Regra: todos os feijões deste pacote são brancos.

Resultado: estes feijões são brancos.

\ caso: estes feijões são deste pacote." (Peirce, 1972, 149­150)

Página 34 de 36Ciências da Linguagem

02/08/2011file:///G:/!_SiteRicKardo/ciling/ciling_arquivos/CienciasLinguagem_txt.htm

Page 35: Ciências da Linguagem - RicKardo · 2011. 8. 2. · Ciências da Linguagem A linguagem não é somente um instrumento de comunicação, como se anuncia numa perspectiva mais restrita

Os argumentos dedutivos exigem um alto grau de informação, e portanto de esforço, para chegarem a pouco mais do que

tautologias (Vício de linguagem que consiste em dizer por formas diversas, sempre a mesma coisa). E mesmo para esse pouco,

estão já a fazer uso da indução. O alto grau de risco da indução, por sua vez, pede ao pesquisador criativo que o leve mais longe,

que produza através da abdução, novas possibilidades de conhecimento, especialmente através de um resgate do uso de nossa

capacidade intuitiva. Especialmente quando se trata de seu uso nas ciências ditas "humanas". A preocupação obsessiva com o

método pode levar, como é bastante comum, a abordagens quantitativistas inadequadas para determinados "objetos" de

pesquisa. De nossa parte, alertamos para o fato de que as propostas classificatórias semióticas exigem­nos o cotejo contextual, já

que nenhum signo tem existência per si ou a priori, mas sempre relativamente a tal contexto ( certo?).

Frente à complexidade de cada uma das tricotomias até aqui estudadas e tendo em vista um processo inverso de remontagem

pós­esquartejante, Peirce propõe que do seu entrecruzamento combinatório resultariam não 27 (3 x 3 x 3 tricotomias), nem 45

(as 27 com os argumentos multiplicados por 3), mas 10 classes possíveis de existência de signos (Peirce, 1972:110). Estas

combinações excluem, por insuficiência lógica/ontológica ( o ser enquanto ser), categorias como quali­signos não icônicos, sin­

signos simbólicos etc. São elas:

Dez classes: as combinações tricotômicas

Ainda que não tenhamos certeza de que os gaúchos tenham se inspirado em Peirce ao cunhar esta gíria, consideramos trilegais

essas classes por permitirem que, ao olharmos para um determinado objeto de investigação, consigamos verificar como ele se

compõe e articula. Uma inocente home­page internetiana pode esconder, por trás de fontes iconicamente curvilíneas, uma

apologia a símbolos ciber­sensuais subliminares para o olho não conscientemente semiótico. Esse exemplo pode ser

aprofundado através do conhecimento e aplicação da classificação combinatória dos três componentes básicos do signo, como

segue (Nöth, 1995:93­94):

1. Quali-signo icônico remático: "é uma qualidade que é um signo". Ex.: sensação do vermelho.

2. Sin-signo icônico remático: "é um objeto particular e real que, pelas suas próprias qualidade, evoca a idéia de um outro

objeto". Ex.: diagrama dos circuitos numa máquina particular.

3. Sin-signo indicial remático: "dirige a atenção a um objeto determinado pela sua própria presença" Ex.: grito de dor.

4. Sin-signo indicial dicente: além de ser diretamente afetado por seu objeto, "é capaz de dar informações sobre esse objeto".

Ex.: cata­vento.

5. Legi-signo icônico remático: "ícone interpretado como lei". Ex.: diagrama num manual.

6. Legi-signo indicial remático: "lei geral ?que requer que cada um de seus casos seja realmente afetado por seu objeto, de tal

modo que simplesmente atraia a atenção para esse objeto?"(Peirce). Ex.: pronome demonstrativo.

7. Legi-signo indicial dicente: "lei geral afetada por um objeto real, de tal modo que forneça informação definida a respeito

desse objeto". Ex.: placa de trânsito.

8. Legi-signo simbólico remático: "signo convencional que ainda não tem o caráter de uma proposição". Ex.: dicionário.

9. Legi-signo simbólico dicente: "combina símbolos remáticos em uma proposição, sendo, portanto, qualquer proposição

completa". Ex.: qualquer proposição completa.

10. Legi-signo simbólico argumental: "signo do discurso racional". Ex.: silogismo (premissas e conclusões).

quali-signo ícone rema

sin-signo índice dicente

legi-signo símbolo argumento

Matrizes da linguagem e pensamento: sonora, visual, verbal: aplicações na hipermídia (Google books)

http://books.google.com.br/books?id=f­3QmOPYpqIC&pg=PP1&dq=Matrizes+da+Linguagem+e+Pensamento#v=twopage&q=&f=falseAcesso

Bibliografia Básica:

PINKER, Steven. O instinto da linguagem: como a mente cria a linguagem. São Paulo, SP: Martins Fontes,

2004. 627 p. ISBN 8533615493 (broch.)

Página 35 de 36Ciências da Linguagem

02/08/2011file:///G:/!_SiteRicKardo/ciling/ciling_arquivos/CienciasLinguagem_txt.htm

Page 36: Ciências da Linguagem - RicKardo · 2011. 8. 2. · Ciências da Linguagem A linguagem não é somente um instrumento de comunicação, como se anuncia numa perspectiva mais restrita

SANTAELLA, Lucia. Matrizes da linguagem e pensamento: sonora, visual, verbal: aplicações na hipermídia.

São Paulo, SP: Iluminuras: Fapesp, 2001 ­ 2009 432p. ISBN 8573211520 (Broch.)

SANTAELLA, Lucia. Semiótica aplicada. São Paulo, SP: Thomson Learning,2002. 186p. ISBN 8522102767 (broch.)

Complementar:

AGUIAR, Vera Teixeira de. O verbal e o não­verbal. São Paulo: UNES, 2004.

MARCONDES FILHO, Ciro. Sociedade tecnológica. São Paulo: Scipione, 1994.

MATTELAR, Armand. História da sociedade da informação (trad. Nicolas NyimiCampanário). São Paulo:

Loyola, 2002.

JAKOBSON, Roman. Linguística e comunicação. 20 . ed. São Paulo, SP: Cultrix, 2005. 162 p. ISBu 8531602270

(Broch.)

MARCONDES FILHO, Ciro. Sociedade tecnólogica. São Paulo, SP: Scipione,1994. 111p. ISBN 8526222244 (liv. prof.)

SANTAELLA, Lucia. O que é semiótica. São Paulo, SP: Brasiliense,

1996­1998. 84 p. ISBN 851101103X (broch.)

Página 36 de 36Ciências da Linguagem

02/08/2011file:///G:/!_SiteRicKardo/ciling/ciling_arquivos/CienciasLinguagem_txt.htm