linguasagem - revista eletrônica de popularização científica em ciências da linguagem
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Domnio Pblico
A SEMNTICA E O CORTE SAUSSURIANO:
LNGUA, LINGUAGEM, DISCURSO
Por Claudine Haroche, Michel Pcheux e Paul Henry
Seja pelo vis de uma hiptese sobre a essncia da cultura
concebida como um conjunto de sistemas simblicos que englobam tanto a
linguagem quanto outros sistemas como os mitos, a arte ou a economia ou
ento, revestido por um empirismo triunfante[1], pela evocao de uma
metodologia geral das humanidades[2] e at mesmo de uma cincia das
cincias, a referncia lingstica tornou-se, em diversas disciplinas, um
lugar comum. Uma confuso entre lngua e linguagem pois assim que
se deve considerar desempenha um papel crucial na questo. Se no
perdermos de vista que a referncia a Saussure tambm um lugar comum,
existe a um duplo paradoxo que no deveria deixar de nos surpreender.
Primeiramente, no se pode deixar de ser atingido pelo cuidado que Saussure
empenhou em separar teoricamente lngua e linguagem. Por outro lado, como
foi recentemente lembrado por Claudine Normand[3], resistindo aos apelos
das evidncias empricas que Saussure pde formular os conceitos que
fundam a lingstica como cincia[4]. As diversas exploraes ideolgicas das
atuais teorias lingsticas (e no, para sermos mais precisos, dos
conhecimentos lingsticos) se caracterizam por um deslizamento contnuo
entre lngua e linguagem, conjugado a um retorno forado a um empirismo
renovado[5] pelo formalismo. Para resumir, em nome da prpria ruptura
saussuriana, defende-se, em certa medida, o oposto.
Para compreender o que est em questo aqui, necessrio levar em
conta o que se passou no interior da prpria lingstica. Assim sendo,
tentamos primeiramente transpor a teoria lingstica fora de seu prprio
campo na medida em que a lingstica aparece como uma cincia. Com isso a
alamos posio de uma cincia piloto, um modelo, da mesma maneira que
se quis fazer da psicologia um modelo terico de todas as cincias, ou sua
base de reduo. Em segundo lugar, essa explorao ideolgica da lingstica,
sua reinscrio fora de seu prprio campo, no teriam sido possveis sem a
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existncia de dificuldades interiores prpria lingstica, e produzidas pelas
mesmas causas.
Continua a ser um lugar comum dizer que a semntica foi abandonada
pelos lingistas por um longo perodo, o que talvez no seja sem razo[6]. J
antecipando o que nos propomos a dizer na seqncia, cremos poder defender
que, se a ruptura saussuriana foi suficiente para permitir a constituio da
fonologia, da morfologia e da sintaxe, ela no conseguiu impedir o retorno ao
empirismo em semntica. Ao contrrio, parece que o desenvolvimento da
fonologia tornou possvel esse retorno, ao fazer dela um modelo que permitiu
reinterpretar, em um quadro formalista, concepes muito tradicionais da
semntica. O paradoxo apenas aparente: a histria das cincias nos fornece
numerosos exemplos desse tipo de processo.[7]
Isso que acabamos de afirmar implica que aquilo que designamos hoje
sob o nome de semntica depende apenas parcialmente de uma abordagem
lingstica. Evidentemente, no se trata de cair no legalismo, decretando
aquilo que de direito depende ou no da lingstica. Quando falamos em
abordagem lingstica, ns nos referimos, na verdade, a um conjunto deconceitos que foram produzidos por lingistas e a uma prtica especfica do
lingista sobre a linguagem, estreitamente ligada a esses conceitos.
Afirmamos portanto que nem os conhecimentos que permitem produzir esses
conceitos, nem essa prtica em si podem recobrir completamente o atual
campo da semntica, exceto no quadro de uma vaga analogia, que no passa
de uma invaso ideolgica na teoria lingstica. Nessas condies, a
semntica (enquanto teoria das regies deixadas de lado do campo de
aplicao dos conceitos e da prtica dos lingistas) supe uma mudana de
terreno ou de perspectiva.Nossos objetivos neste estudo sero, em primeiro lugar, apoiar e
desenvolver as teses crticas que acabamos de apresentar e, em segundo,
indicar como possvel conceber, atualmente, a mudana de terreno ou de
perspectiva que nos parece indispensvel.
Para os gramticos e neo-gramticos, a semntica estava reduzida ao
estudo da mudana de sentido das palavras. Se nos reportarmos ao Curso de
Lingstica Geral[8], preciso inicialmente observar que a palavra
semntica[9] no figura nele. Contudo, quando agrupamos o que pode ser
relacionado questo, convm fazer uma distino entre, por um lado, aquilo
que concerne oposio valor-significao, assim como s relaes
associativas e, por outro, as questes consagradas analogia e aglutinao.
Na verdade, essa distino est recoberta pela oposio entre a lingstica
sincrnica e a lingstica diacrnica. Mas, a propsito das mudanas
analgicas, Saussure esboa uma anlise das relaes entre essas duas
ordens, o que demanda alguns comentrios.
Nos captulos consagrados analogia, encontramos um certo nmero
de idias que Saussure toma emprestado de seus predecessores. Em
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particular, ele assume a responsabilidade sobre o modelo das propores[10]:
reao : reacionrio : represso : x, em que x = repressionrio
Desse modo pode ser explicada a apario histrica de novas formas. Mas o
Curso de Lingstica Geral inova quando prope (p.191-5) sucessivamente que
tudo gramatical na analogia (p.192), visto que a analogia inteiramente
gramatical e sincrnica(p.193), pois as formas se mantm porque so
refeitas analogicamente sem cessar(p.200). Retornamos idia de que as
unidades existem somente pela coeso do sistema das oposies e das
relaes. preciso destacar que no somente a analogia explica a apario
histrica de formas novas, mas ainda que ela estrutura permanentemente o
sistema das unidades significantes que s podem se manter por elas . Uma
ponte assim estabelecida entre sincronia e diacronia, mas, ao mesmo
tempo, esboada uma dialtica em particular a respeito do par
liberdade/sistema sobre a qual teremos de voltar. Essa dialtica introduz-se
na prpria noo de gramtica, que, no Curso de Lingstica Geral no seencontra sem relao com a concepo encontrada em Port-Royal a seu
respeito.
Com efeito, lemos (p.191-2) que ... a analogia de ordem
gramatical ela supe a conscincia e a compreenso de uma relao que une
as formas entre si. E que enquanto a idia nada representa no fenmeno
fontico, sua interveno se faz necessria em matria de analogia.
Mais frente, logo depois de Saussure ter reafirmado que tudo
gramatical na analogia, acrescentado que a criao, que lhe constitui o
fim, s pode pertencer, de comeo, fala ela a obra ocasional de uma
pessoa isolada (p.192). Certamente, essa assero imediatamente
corrigida, colocando que a criao analgica s possvel se as condies
lingsticas de sua produo estiverem reunidas sob a forma de uma
proporo incompleta na lngua. No menos verdade que, com isso,
Saussure deixe aberta uma porta pela qual vo se lanar o formalismo e o
subjetivismo. Quando procuramos compreender a raiz dessa dificuldade, a
encontramos no fato de que, para Saussure, a idia no saberia ser de outra
forma seno totalmente subjetiva, individual. Portanto, visto que atrs de
toda analogia h necessariamente uma idia, preciso obrigatoriamente
passar pela fala e pelo sujeito individual.
Essa relao entre idia e analogia nos leva oposio valor-
significao. Trata-se de uma oposio capital, pois em seu nome que
Saussure declara guerra contra a concepo da lngua como nomenclatura (p.
97 e 158). A atitude fundamental de Saussure a esse respeito consiste na
idia de que, do ponto de vista lingstico, o valor domina a significao: Em
todos esses casos, pois, surpreendemos, em lugar de idias dadas de
antemo, valores que emanam do sistema. Quando se diz que os valores
correspondem a conceitos, subentende-se que so puramente diferenciais,
definidos no positivamente por seu contedo, mas negativamente por suasrelaes com os outros termos do sistema. Sua caracterstica mais exata
ser o que os outros no so. (p. 136). Mais frente, a propsito do conceito
julgarest especificado que ele simboliza a significao mas que esse
conceito nada tem de inicial, no seno um valor determinado por suas
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relaes com outros valores semelhantes, e sem eles a significao no
existiria (ibid.). Em resumo, quando afirmo simplesmente que uma palavra
significa alguma coisa, quando me atenho associao da imagem acstica
com o conceito, fao uma operao que pode, em certa medida, ser exata e
dar uma idia da realidade mas em nenhum caso exprime o fato lingstico
na sua essncia e na sua amplitude (ibid.).
O princpio da subordinao da significao ao valor pode ser
considerado como o centro da ruptura saussuriana[11]. esse princpio,
estreitamente ligado idia de lngua como sistema, que abre a possibilidade
de uma teoria geral da lngua, permitindo a interpretao de particularidades
fonolgicas, sintticas e morfolgicas de qualquer lngua. Mas e a semntica?
Devido ao papel que nela se atribui fala e ao sujeito, tudo aquilo que diz
respeito analogia encontra-se em segundo plano em relao a essa ruptura.
Isso porque a subordinao da significao ao valor quanto a tudo que se
refira ao fato lingstico em sua essncia e em sua amplitude tem
precisamente por efeito interromper bruscamente todo retorno ao sujeito,
quando se trata da lngua: a significao de ordem da fala e do sujeito, s ovalor diz respeito a lngua.
Acabamos de constatar, portanto, que o Curso de Lingstica Geral
partilha do ponto de vista de que a analogia no caminha em direo ao
centro da ruptura que, por outro lado, ali se manifesta. Cremos que preciso
ir mais longe e deixar claro que, se essa ruptura abre passagem para a
fonologia, para a sintaxe e para a morfologia, deixa entretanto de fora de seu
campo uma boa parte daquilo que atribumos semntica.
Vamos mostrar o porqu, voltando-nos sobre outras passagens do
Curso de Lingstica Geral concernentes a essa questo e recorrendo a uma
parte do que foi feito nesse domnio.
Fomos diretamente ao princpio de subordinao da significao ao
valor, passando por cima de argumentos para o justificar. Um desses
argumentos : Se as palavras estivessem encarregadas de representar os
conceitos dados de antemo, cada uma delas teria, de uma lngua para outra,
correspondentes exatos para o sentido mas no ocorre assim, conclui
Saussure (p.135). O exemplo de louer em francs[12], ao qual correspondem
dois termos em alemo, mieten e vermieten, dado a ttulo de ilustrao.
No h, pois, entre estes dois termos, correspondncia exata de valores. O
argumento coloca, portanto o problema da traduo, mas no se deve perder
de vista o que ele visa mostrar, a saber: do ponto de vista da lngua, s conta
o valor e no a significao. Em particular no preciso ver aqui o incio de
uma tese geral sobre a possibilidade ou a impossibilidade de traduzir.
Entretanto sabemos, por outro lado, que essa possibilidade freqentemente
invocada com base em teses sobre a universalidade do mundo de
significaes manifestadas pela linguagem e, inversamente, que as
dificuldades da traduo, inclusive a impossibilidade de uma traduo total,
so utilizadas tomando por base teses culturalistas[13].
Ora, do ponto de vista saussuriano a respeito da lngua e do valor
frente quele a respeito das significaes e da linguagem, h uma mudana
radical de perspectiva. Apesar dessa mudana de perspectiva e ainda que a
referncia traduo tenha, neste caso, sempre um alcance terico e no
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prtico , continuamos a colocar de imediato o problema por meio daquele
sobre a correspondncia entre duas ou mais lnguas como se no interior de
uma mesma lngua no ocorressem problemas de traduo. Ora, se
considerarmos, por exemplo, o domnio da poltica e da produo cientfica,
constataremos que as palavras podem mudar de sentido segundo as posies
determinadas por aqueles que as empregam.
Consequentemente, quanto a discursos considerados a partir de
posies diferentes se colocam verdadeiramente problemas de traduo, deequivalncia e de no-equivalncia que, ao nosso ver, no podem ser
regrados quando ligados a diversos subsistemas da lngua[14].
Com efeito, um indcio que mostra que as coisas no so assim to
simples quanto faria supor a idia de uma diferenciao em subsistemas.
Tudo se passa como se a correspondncia entre teoria geral e estudo
particular de uma dada lngua desaparecesse no nvel semntico. Certamente,
semnticas gerais foram propostas, mas elas no fornecem quase nada de
princpios que permitam depreender as particularidades das lnguas, ou dos
estados de lngua, etc, como o caso da fonologia, da morfologia ou dasintaxe. Existem, por outro lado, descries semnticas de diversas lnguas,
mas so descries que permanecem sem ligao com as teorias. Se elas
permanecem em grande parte desligadas de descries concretas das lnguas,
as semnticas gerais nem por isso se libertam de todos dados concretos.
Elas vo simplesmente busc-los em outros lugares, entre eles na filosofia,
na lgica, na psicologia e, talvez ainda, em outras disciplinas como a
antropologia e a sociologia[15].
Essas disciplinas fornecem, portanto o concreto, mas recortado de
outra forma que no fosse o concreto lingstico de uma dada lngua nacional.Sem dvida, ressaltamos que esses componentes sociais e literrios no
esto ausentes dos domnios fonolgico (r fricativo uvularurbano na Frana
/ r vibrante apical, ainda presente na zona rural francesa), morfolgico
(variaes histricas dos prefixos e sufixos, criao de palavras novas ligadas
apario das ferrovias... ou do socialismo), sinttico (a gramaticalidade no
varia, ao menos em suas zonas de fronteira, em funo de dados scio-
histricos?). Entretanto, aqui s se trata (salvo talvez pelo ltimo ponto) de
propriedades secundrias do ponto de vista lingstico, que a teoria geral no
se encontra na obrigao de explicar.
O caso totalmente diferente para a semntica. Com efeito, o lao
que une as significaes de um texto s suas condies scio-histricas no
meramente secundrio, mas constitutivo das prprias significaes. Como
havamos acertadamente observado, falar diferente de produzir um
exemplo de gramtica. Podemos esperar estender nesse momento a teoria
lingstica para uma semntica geral (cincia geral das significaes) que
libertaria a lingstica do pelourinho formal da gramtica? As diversas
cincias sociais que se encarregaram das questes sobre o sentido e sobre
a expresso das significaes insistem junto lingstica para que essas
questes sejam resolvidas com os meios tericos que esta ltima dispe.Destaquemos entretanto, que tais questes no tm lugar na problemtica
saussuriana, na medida em que elas dizem respeito ao que rejeitado na
fala, fora do todo homogneo que constitui o sistema da lngua. Mas o prprio
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fato de que essa concepo da lngua tenha desempenhado um papel crucial
na formao da fonologia, da sintaxe e da morfologia pde exercer uma
presso que tende a fazer adotar o mesmo modelo sobre o campo da
semntica.
Assim sendo, a oposio lngua/fala, historicamente necessria
constituio da lingstica, caminha lado a lado de certa ingenuidade de
Saussure em relao sociologia, o que plenamente explicvel pelo fato de
os prprios socilogos contemporneos de Saussure compartilharem-na namaior parte dos casos. Essa ingenuidade repousa sobre uma ideologia
individualista e subjetiva da criao[16], cujos afloramentos reconhecemos
em correntes neo-kantianas e neo-humboltdianas do sculo XIX alemo,
insistentemente repetida at nossos dias. Dizemos isso porque o prprio
Noam Chomsky recorre explicitamente a ela na sua polmica contra o
behaviorismo e o empirismo, e nas suas crticas no tocante linguagem
concebida como instrumento de comunicao. No encontramos ainda essa
mesma ideologia na idia de Jakobson, segundo a qual, do nvel do fonema ao
nvel do encadeamento das frases, passaramos da determinao lingstica aesta liberdade pela qual o sujeito falante diz o que jamais ouviremos duas
vezes? O par liberdade/determinao ou, se preferirmos,
criatividade/sistema possui as propriedades circulares de um par ideolgico,
na medida em que cada um dos dois termos em oposio pressupe o outro:
a criatividade supe com efeito a existncia de um sistema que lhe permita
fazer irromper, e todo sistema nada mais do que o efeito resultante de uma
criatividade anterior. A noo de sistema seja por caracterizar uma
classificao realista das propriedades objetivas da realidade, seja por
designar um princpio de viso, um recorte da realidade por um sujeito
(psicolgico, antropolgico, histrico, esttico, etc.) aparece portanto como
o complemento indispensvel da criatividade no interior do campo da
linguagem. Em outros termos, a oposio lngua-fala introduzida por
Saussure se encontra repetida analogicamente no interior da fala sob a forma
da oposio sistema/criatividade (resultante da transposio de oposies tais
como paradigma/sintagma, sincronia/diacronia, etc.).
Baseado nisso, a distino clssica entre um universo imanente da
significao e seu universo manifestado pde ser reformulado, tendo a
descoberta dos sistemas fonolgicos das lnguas naturais desempenhado um
papel decisivo nessa reformulao. Lembremos esquematicamente como essa
operao, cujo modelo de propores foi o ponto de partida, pde ser
conduzida. Da mesma maneira que todo fonema realizado por uma srie de
traos distintivos, supe-se que a significao global de uma unidade
significativa seja decomponvel em muitos semas, elementos de significao
ou componentes semnticos. Do mesmo modo que o jogo das oposies entre
fonemas determina o conjunto dos traos fonticos que tm um valor
distintivo fonolgico, o jogo das oposies entre unidades significativas que
fixa o conjunto dos elementos de significao que podem ser realizados. Uma
vez que nenhum sistema fonolgico esgota a combinatria dos traosdistintivos pelos quais so produzidas as oposies fonolgicas (h casas
vazias no sistema de ordens e de sries), afirmamos que o conjunto das
unidades significativas, enquanto agrupamentos de elementos de significao,
no esgota a combinatria desses elementos. A partir da, todo discurso
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comportaria uma parcela de rudo semntico j que, sendo dadas as
disponibilidades lexicais, cada unidade, na qualidade de agrupamento,
suscetvel de introduzir elementos de significao desnecessrios ou
redundantes em relao manifestao global da significao dos discursos
em questo. Pela mesma ao podemos tambm explicar a existncia de
vrios planos de leitura correspondentes a vrios encadeamentos possveis
de elementos de significao tomados em cada agrupamento. A existncia
desse rudo semntico e da pluralidade dos planos de leitura representariao descompasso existente entre o universo imanente da significao (aquele
dos elementos de significao) e seu universo manifestado (aquele de
agrupamentos de elementos manifestados pelas unidades significantes).
Resta-nos examinar sobre o qu se funda o paralelismo entre
estrutura fonolgica e estrutura semntica. Observaremos, em primeiro lugar,
que existe uma estreita relao entre essa concepo da semntica e o modo
como a questo do valor tratada no Curso de Lingstica Geral, mas,
precisamente, no se trata mais dos valores, mas das significaes. Para bem
compreender porque essa anulao da distino valor-significao est
carregada de conseqncias, preciso que nos voltemos sobre o papel do
conceito de valor na constituio da fonologia e da sintaxe. Conforme j
dissemos, o conceito de valor est diretamente ligado idia da lngua como
sistema e quilo que concordamos denominar o princpio de unidade da
lngua, princpio que, para ns, funda a prtica do lingista sobre a linguagem
a partir de Saussure. Um aspecto da ruptura saussuriana que parece no ter
despertado muita ateno o fato de que ruptura sobre o plano terico
corresponde uma transformao profunda da prtica do lingista sobre a
linguagem. A gramtica histrica estava baseada sobre comparaes entre
elementos isolados pertencentes a lnguas diferentes, supostamente ligadas
por filiao histrica: a lingstica ps-saussuriana atribui prioridade s
operaes de comutao, de comparaes regradas, etc. no interior de uma
mesma lngua, isto , ao funcionamento das lnguas em relao a si prprias
no quadro de uma lingstica geral que a teoria desse funcionamento . Em
tal perspectiva, o princpio de unidade da lngua essencial, pois esse
princpio que funda as operaes em questo: assim como na gramtica
histrica e na filologia era a suposta filiao histrica que justificava as
comparaes, na lingstica ps-saussuriana o pertencimento a uma mesma
lngua, a um mesmo sistema. S se pode falar de lnguas diferentes, dedialetos, de patos, de pidgins, ou de crioulos em referncia ao princpio da
unidade da lngua. Como j sabemos, a colocao em prtica desse princpio
na constituio da teoria particular da fonologia ou da sintaxe dessa ou
daquela lngua faz intervir critrios semnticos. Em outros termos, o princpio
da unidade da lngua, que funda a prtica do lingista sobre a linguagem, s
pode funcionar se certos elementos semnticos forem supostamente
conhecidos. De quais elementos semnticos se trata? Quem quer que tenha
colaborado um pouco para demonstrar estruturas fonolgicas de uma lngua e
para o estudo de sua sintaxe sabe que os critrios semnticos aos quais
necessrio recorrer so amplamente sobredeterminados: a demonstrao de
um fonema nunca repousa sobre um nico par mnimo, assim como no
reconhecemos a existncia de uma relao de transformao entre somente
duas frases, mas entre sries de frases sintaticamente equivalentes. Em
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resumo, no a significao propriamente dita que est em causa (em
muitos casos concretos, podemos discutir a equivalncia entre uma frase
ativa em francs e sua passiva correspondente) mas aquilo que Saussure
designava por valor. A distino valor-significao e sua anulao na
construo de uma semntica concebida sobre o modelo da fonologia colocam
um rduo problema terico.
Essa conjuntura se encontra complicada pelo fato de que, uma vez
anulada a distino significao-valor, o princpio de unidade da lngua podeser perfeitamente reinscrito em qualquer ideologia que coloque a
universalidade do esprito humano e a intercambialidade dos sujeitos falantes.
Essas ideologias parecem at poder fundament-lo ao dar ao conceito de
lngua uma aparente substncia. Nada de extraordinrio, portanto, que
psicologias e sociologias, que hoje em dia atribuem a essas ideologias
aparncias de cincias, tenham sido convocadas em auxlio pelos prprios
lingistas. preciso reconhecer nisso tambm que a posio de Saussure
pode parecer contraditria na medida em que ele afirma que a lngua uma
instituio social e que a lngua uma forma e no uma substncia ( CLG,
p. 141).
Alm dessa questo, a prpria noo de universo imanente da
significao coloca a questo dos universais semnticos, isto , de um
sistema metalingstico capaz de descrever a realidade, aplicando-se sobre
ela como uma rede. Essa imagem da rede parece-nos subentender a
existncia de uma correspondncia real[17]entre os universais lingsticos da
significao e dos universais extra-lingsticos (psicolgicos, biolgicos,
antropolgicos, etc.). Entendemos que essa correspondncia que em geral
assegurada por uma cadeia interdisciplinar do gnero: lingstica,
psicolingstica, psicologia, sociologia, antropologia, filosofia, lgica ,
repousa na realidade, ao nosso ver, sobre um postulado real ista que
dissimula um certo nmero de dificuldades concernentes prpria natureza
dos universais. Se cessarmos por um s instante de os considerar como
uma cpia-matriz da realidade e se nos interrogarmos sobre sua efetiva
origem histrica, logo constataremos tratar-se de uma justaposio de
classificaes muito diversas, das quais algumas provm diretamente de
distines conceituais produzidas por disciplinas cientficas existentes num
dado momento de sua histria, ao passo que as outras refletem relaes
sociais inscritas em prticas (econmicas, polticas ou ideolgicas) igualmente
situadas historicamente (sistemas documentrios, catlogo telefnico, seguro
social, descrio do ambiente, etc.).
O efeito do postulado realista a respeito dos universais portanto o
de anular a distino entre aquilo que depende de uma prtica cientfica por
um lado e, por outro, daquilo que o efeito de uma ideologia, explicitamente
organizada sob a forma de uma prtica administrativa entre outras (criao
de sistemas semnticos artificiais), ou implicitamente estruturado como
sistema de representaes.
A conseqncia dessa anulao conduz a uma posio epistemolgicalaxista, que por sua vez leva a considerar as cincias como os mais bem
fundamentados universais culturais e tecnolgicos, o que corresponde,
finalmente, ao modo mais eficaz de apreender a realidade. Como podemos
no ver que essa formulao trai a secreta proximidade do realismo com o
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problemtica subjetivista centrada sobre o indivduo) e contra o formalismo
(no confundir a lngua como objeto da lingstica com o campo da
linguagem). Isso implica, a ttulo de contrapartida positiva, a introduo de
novos objetos posicionados em relao ao novo terreno terico que
determina as formas e os contedos da mudana. Em grande medida os
objetos e os termos que os designam so, naturalmente, novos somente aos
olhos do provincialismo terico que caracteriza cada uma das cincias
humanas frente a suas vizinhas, sobretudo sendo dado o recalcamento-
disfaramento[20] que ali se exerce frente aos conceitos do materialismo
histrico.
No portanto intil lembrar, muito brevemente, que, sendo dada
uma formao social a um momento determinado de sua histria, ela se
caracteriza, por meio do modo de produo que a domina, por um estado
determinado pela relao entre classes que a compem. Essas relaes se
expressam por intermdio da hierarquia das prticas que esse modo de
produo necessita, sendo dado aparelhos por meio dos quais se realizam
essas prticas essas relaes correspondem posies polticas eideolgicas, que no constituem indivduos, mas que se organizam em
formaes que mantm entre si uma relao de antagonismo, de aliana ou
de dominao.
Falaremos de formao ideolgica para caracterizar um elemento
suscetvel de intervir como uma fora confrontada a outras foras na
conjuntura ideolgica caracterstica de uma formao social em um momento
dado. Cada formao ideolgica constitui desse modo um conjunto complexo
de atitudes e de representaes que no so nem individuais e nem
universais, mas que se relacionam mais ou menos diretamente a posies
de classes em conflito umas em relao s outras.
Avanaremos, apoiando-nos sobre grande nmero de observaes
contidas naquilo que denominamos os clssicos do marxismo, que as
formaes ideolgicas assim definidas comportam necessariamente, como um
de seus componentes, uma ou vrias formaes discursivas interligadas, que
determinam o que pode e deve ser dito (articulado sob a forma de uma
arenga, de um sermo, de um panfleto, de uma exposio, de um programa,
etc.) a partir de uma posio dada numa conjuntura dada: o ponto essencial
aqui que no se trata apenas da natureza das palavras empregadas, mas
tambm (e sobretudo) de construes nas quais essas palavras se combinam,
na medida em que elas determinam a significao que tomam essas palavras:
como apontvamos no comeo, as palavras mudam de sentido segundo as
posies ocupadas por aqueles que as empregam[21]. Podemos agora deixar
claro: as palavras mudam de sentido ao passar de uma formao discursiva
a outra.
Isso corresponde a dizer que a semntica, suscetvel de descrever
cientificamente uma formao discursiva, assim como as condies de
passagem de uma formao a outra, no saberia se restringir a uma
semntica lexical (ou gramatical), mas deve procurar fundamentalmente darconta dos processos, administrando a organizao dos termos em uma
seqncia discursiva, e isso em funo das condies nas quais essa
seqncia discursiva produzida[22]. Chamaremos de semntica discursiva
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a anlise cientfica dos processos caractersticos de uma formao discursiva,
essa anlise que leva em considerao o elo que liga esses processos s
condies nas quais o discurso produzido (s posies s quais deve ser
referido).
Dito isso, convm dissipar imediatamente um outro equvoco
possvel, que consistiria em deduzir daquilo que foi anteriormente exposto
que a lngua, desaparece como realidade autnoma, que a lingstica deve
ceder o lugar ao materialismo histrico e que a prpria gramtica na
verdade apenas um assunto de luta de classe[23]!
Aos princpios tericos produzidos dessa forma correspondem certo
nmero de disposies prticas que comeamos a desenvolver. Sem expor
aqui as vrias consideraes metodolgicas que nos tm orientado, nem o
detalhamento dos procedimentos que levaram ao atual programa detratamento automtico AAD[24], tentaremos indicar brevemente suas
principais caractersticas, referindo-nos ao trabalho de Zellig Harris da forma
como est resumido no artigo Anlise do discurso publicado no nmero 13
desta mesma revista[25]. Nesse trabalho, Harris alia as preocupaes
concernentes s relaes entre a cultura e a lngua a uma tentativa de
estender a anlise lingstica alm dos limites de uma nica frase. Por outro
lado, ele se recusa explicitamente em atribuir a priori uma importncia mais
ou menos grande a esta ou quela ocorrncia, toda anlise que tenderia a
descobrir a presena ou ausncia, em um texto, de certas palavrasparticulares escolhidas pelo lingista, seria uma busca sobre o contedo do
texto, que repousaria finalmente sobre o sentido das palavras
escolhidas[26].
Alguns pontos, no entanto, parecem-nos trazer dificuldades.
Primeiramente, o exemplo da anlise proposta apia-se sobre um nico
texto[27]: trata-se, portanto, de referir o texto a si mesmo, pressupondo ser
ele suficientemente repetitivo e estacionrio para que se possam extrair
equivalncias por essa superposio[28]. Por outro lado, a definio de
equivalncia[29] entre dois elementos e sobretudo a significao dessa
equivalncia levanta alguns problemas[30]. Retornaremos a isso num
instante.
A aplicao do mtodo de anlise AAD, que apela a uma anlise
lingstica prvia em enunciados elementares (bastante prximos dos
esquemas-ncleos harrisianos), levam em considerao pontos tratados
acima, efetuando uma comparao regrada entre vrios textos que
constituem um corpus discursivo tido como representativo de um certo estado
de condies de produo caractersticas de uma formao discursiva dada.
Ressaltemos que uma deciso terica extra-lingstica se encontra ligada a
essa etapa da constituio do corpus[31]. No que tange ilustrao que
apresentamos esquematicamente abaixo, essa deciso consistiu em reunir
num corpus quarenta e trs folhetos de propaganda poltica, distribudos pela
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organizao estudantil FER ao longo do ms de maio de 1968, o que supe a
priori que as condies de produo dominantes do discurso dessa
organizao permaneceram estveis ao longo desse perodo.
Por outro lado, o fato de que cada unidade discursiva seja
sistematicamente comparada ao conjunto das outras unidades do corpus torna
a considerar que o corpus desempenha o papel de um dicionrio, j que a
partir dessas comparaes que so definidas as equivalncias entre diferentes
sub-seqncias. Da mesma forma no se trata mais de uma cadeia de equivalncias
(B = C, M = N, etc.), mas de uma superposio de sub-sequncias
contextualmente equivalentes.
Vejamos trs exemplos dos resultados obtidos:
1) Os trabalhadores esto/entram em luta contra o desemprego/as
suspenses/as demisses/os regulamentos/de Gaulle.
2) preciso se organizar/organizar a luta/aderir/reforar a UNEF.
3) A luta pela defesa das liberdades/da UNEF/do marxismo/realizao da
juno(operrios-estudantes)/vitria do proletariado/uma internacional da
juventude.
O exame dessas equivalncias (contidas entre os traos verticais nos
esquemas acima) coloca em evidncia um problema que se colocava tambm
a propsito dos exemplos de equivalncias dados por Harris. Seja, com
efeito[32], as duas equivalncias seguintes:
E1 = na metade do outono e E2 = as primeiras friagens
chegam
no fim do ms de outubro comeamos a nos aquecer
Pensamos que a significao da equivalncia no a mesma nos dois
casos. Em E1 podemos explicitar a equivalncia por no meio do outono, isto
, no fim do ms de outubro. Em E2, ao contrrio, parece-nos que a
equivalncia repousa sobre uma outra relao semntica que no a
identidade: poderamos explicitar por as primeiras friagens chegam, portanto
comeamos a nos aquecer, ou ainda comeamos a nos aquecer, porque as
primeiras friagens chegam. Isso leva a estabelecer uma distino entre as
substituies simtricas do tipo E1 e substituies no-simtricas do tipo E2.
Quanto a isso, observemos que essa propriedade de simetria/no-
simetria no se liga naturalmente aos pares de termos em substituio, mas
depende da formao discursiva em que essa substituio se efetua. Alm
disso, parece que, diferentemente das substituies simtricas, as
substituies no-simtricas subentendem a possibilidade de umasintagmatizao (cf. acima a portanto b ou b por que a)[33]. O estado atual
do mtodo de anlise utilizado no permite perceber as rupturas de simetria
ligadas a uma sintagmatizao. Contudo nada impede de pensar que no futuro
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no seja possvel estabelec-las, seja a partir do corpus estudado, seja a
partir de um corpus eventualmente dependente de uma outra formao
discursiva que explicitaria por sintagmatizao algumas equivalncias do
primeiro.
Essa direo de pesquisa nos parece suscetvel de desembocar numa
anlise dos efeitos de sentido implcitos ligados relao entre diversas
formaes discursivas.
Por outro lado, a questo da existncia de substituies no-sintagmatizveis nos parece ser teoricamente muito importante. Isso na
medida em que ela desemboca numa nova interpretao dos mecanismos da
sinonmia em relao com o da metonmia, ligada contrariamente
metfora possibilidade de uma sintagmatizao.
Para concluir, indicaremos muito brevemente duas questes que, no
nosso entendimento, comandam diretamente o desenvolvimento dessa
direo de pesquisa.
O primeiro ponto diz respeito urgente necessidade de se definir de
qual semntica o lingista pode legitimamente fazer uso em sua prtica
lingstica (anlise fonolgica, morfolgica e sinttica). A questo da
identidade de sentido (cf. acima) particularmente em sua relao ao estudo
lingstico das transformaes decisiva quanto a isso, e supe que o uso
espontneo da noo de aceitabilidade (semntica e gramatical) seja
determinado pelos lingistas no campo especfico de sua prtica.
O segundo ponto consiste em destacar a importncia dos estudos
lingsticos sobre a relao enunciado/enunciao, pela qual o sujeito
falante toma posio em relao s representaes de que ele o suporte,
desde que essas representaes se encontrem realizadas por um pr-
construdo lingisticamente analisvel. sem dvida por essa questo, ligada
da sintagmatizao das substituies caractersticas de uma formao
discursiva, que a contribuio da teoria do discurso ao estudo das formaes
ideolgicas (e teoria das ideologias) pode atualmente se desenvolver mais
proveitosamente.
Texto publicado inicialmente no Jornal Comunista LHumanit, depois na
Revista Langages, nmero 24, em 197, posteriormente publicado em
MALDIDIER, D. LInquietude du Discours: textes de Michel Pcheux. ditions du
Cendres, 1990, p.133-53 e, em portugus In BARONAS, R. L. Anlise do
Discurso: apontamentos para uma histria da noo-conceito de formao
discursiva. So carlos, SP: Pedro & Joo Editores, 2007, p. 13 - 32.
Agradecemos vivamente a Claudine Haroche pela autorizao para
traduo e republicao deste texto.Traduo Roberto Leiser Baronas e
Fbio Csar Montanheiro.
Claudine Haroche atualmente Diretora de Pesquisa no CNRS, Paris,
Frana. Michel Pcheux desapareceu tragicamente em dezembro de 1983.
[1] Os lingistas foram os primeiros a compreender por onde se deveria
comear caso se quisesse empreender um estudo objetivo do homem. Os
primeiros pararam de colocar a carroa na frente dos bois, e reconheceram
que, antes de fazer histria de um objeto determinado, antes de se colocar
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questes de origem, de evoluo, de difuso, antes tambm de explicar o
carter de um objeto pelas influncias externas (o carter de uma lngua pela
estrutura da sociedade, ou o de uma ideologia pelas relaes de produo,
etc.), conviria primeiramente circunscrever, definir e descrever esse objeto.
In: Ruwet, N. Lingtica e Cincias do Homem.Esprit, n.11, 1963. p.566.
(Grifos dos autores deste artigo).
[2] Hjelmslev, L. e Ulldall, H.J.An Outline of Glossematics.Copenhague:
Munsgaard, 1957.
[3] Normand, C. Propositions et notes en vue dune lectura de F. de
Saussure .La Pense, n.154, 1970. p.34-51.
[4]Para evitar qualquer ambigidade, coloquemos desde j que, se o artigo
de Claudine Normand traz esclarecimentos importantes, pois deixa na sombra
tudo aquilo que diz respeito prtica especfica do lingista sobre a
linguagem. Retornaremos a esse ponto mais adiante.
[5]Certamente no se trata do empirismo vulgar que conduzia alguns, sob
pretexto de ser possvel fazer experincias de fontica com aparelhos de
medida, considerando que somente esse ramo da lingstica teria alguma
cientificidade.
[6]Cf. Lyons, J. Linguistique gnrale: introduction la linguistique thorique.
Trad. francesa. F. Dubois-Charlier et D. Robinson. Paris: Larousse, 1970.
p.307.
[7]Ver, entre outros, M. Pcheux, Ideologia e histria das cincias: os
efeitos do corte galileano em fsica e em biologia. In: Pcheux, M. e Fichant,
M. Sobre a histria das cincias. Paris: Mspero, 1969.
[8] Ferdinand de Saussure, Cours de linguistique gnrale, publicado por F.Bally e A. Sechehaye. Paris: Payot, 1965. Traduo brasileira: Curso de
Lingstica Geral. Traduo de Antnio Chelini Jos Paulo Paes e Izidoro
Blinkstein. So Paulo: Editora Cultrix, 1969.
[9]Se acreditarmos em G. Mounin (Histoire de la linguistique. Paris: PUF,
1967): Podemos pensar que a influncia de Bral sobre Saussure certa
(p.219). Ora, Bral o inventor da palavra semntica, de modo que a
ausncia do termo em Saussure no seria contingencial.
[10] CLG 187 201. Notemos de passagem que esse modelo o fundamento
da anlise componencial. NT. Substitumos a paginao das passagens do
Curso de Lingstica Geral de Ferdinand de Saussure da edio francesa
utilizada pelos autores pela paginao da edio brasileira do Curso de
Lingstica Geral. Traduo de Antoni Chelini, Jose Paulo Paes e Izidoro
Blikstein. So Paulo, SP: Cultrix, 1969.
[11]Esse princpio parece ter preocupado Saussure durante toda a sua vida.
Notas pessoais sobre as personagens das mitologias germnicas, bem
anteriores ao Curso, atestam tal afirmao. Ver GODEL, R. Les sources
manuscrites du Cours de linguistique gnrale de Ferdinand de Saussure
Genve, Droz e Paris: Minard, 1957.[12]N.T. Assim como seu correspondente em portugus, louersignifica tanto
dar quanto tomar em aluguel.
[13] Ver por exemplo, Mounin, G. Les problmes teoriques de la
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traduction . Paris: Gallimard, 1963. p.59-69.
[14]Para evitar todo e qualquer equvoco e ainda que nos rendamos a ele,
coloquemos claramente desde j que no se trata de negar a existncia de
diferenas fonolgicas, sintticas e morfolgicas entre classes ou camadas
sociais. O destaque atribudo a essas diferenas objeto da maior parte dos
trabalhos em sociolingstica. Exceto o fato de que certo nmero desses
trabalhos parecem ter tido por objetivo real demonstrar o carter
supostamente primrio da linguagem das classes inferiores (ver entre
outros: Schatzman, L. e Strauss, A. Classes Sociais e Modos de Comunicao.
American Journal of Sociology, n.60, 1954, p.329-38) o simples fato de
colocar o problema em termos de diferenciao da lngua privilegia os
aspectos fonolgicos, sintticos ou morfolgicos em detrimento dos aspectos
semnticos.
[15] J. Lyons, op cit., p.307.
[16]CLG, p.138-139.
[17]Cf. uma expresso ambgua de G. Mounin: o mesmo campo semntico,
isto , aqui, a mesma superfcie de realidadeLes problmes teoriques de la
traduction, p.88).
[18]Lenine, Materialisme et empiriocriticisme , (Ouvres compltes, t. XIV,
p. 303, ditions sociales, 1962.
[19]Falando das categorias utilizadas pelo sistema de anlise de textos,
General Inquirer, os autores desse mtodo declaram: Na nossa
perspectiva, podemos fazer referncia a tais categorias denotativas como
das unidades naturais da linguagem, visto que elas correspondem s
distines habituais, admitidas numa comunidade lingstica... De taiscategorias naturais da linguagem provm variveis para as cincias sociais
quando elas so integradas, isoladamente ou em combinao, numa
proposio referente ao comportamento humano. In P. J. Stone, D. C.
Dumphy, M. S. Smitd, D. M. Olgivie, Cambridge Mass. MIT Press, 1966. p.
138.
[20]Pcheux, M. Les sciences humaines et le moment actuel, La Pense, n.
143, 1969, p. 62 79.
[21]Recordemo-nos da polmica de Lnin contra o idealismo velado por uma
terminologia pretensamente marxista, o idealismo vestido em termosmarxistas acomodado em vocabulrio marxista (op. cit., p.344)
[22]O termo condies de produo foi introduzido em Problmes de
lanalyse de contenu, Henry, P.e Moscovici, S. Langages, n.11, 1968, p.37.
Ver igualmente Pcheux, M. Analyse Automatique du discours, Paris: Dunod,
1969. p.16-29.
[23]Cf. particularmente a propsito das teorias de Nicolas Marr, o artigo de
Vinogradov, Triompher des consequences du culte de la personalit dans la
linguistique sovitique.Langages, n.15, 1969. p.67-84. Cf. igualmente
Cahiers marxistes-lninistes n.12-13. Art, langue: lutte de classe. Mspero,1966. p. 26-42 e o comentrio de Balibar, ibid., p.19-25.
[24]Ver sobre esse ponto M. Pcheux, Analyse Automatique du discours e
C. Haroche e M. Pcheux, Manuel pour lutilisation de la mthode danalyse
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automatique du discours, onde resultados mais completos so apresentados,
com novas perspectivas de desenvolvimento.
[25] Harris, Z. S. Analyse du discours . Langages, n.13, 1969. p.8-15.
[26]Harris, Z. S., artigo citado, p.13.
[27] Millions Cant Be Wrong, art. cit., p.20.
[28]Harris d como exemplo textos repetitivos: as lendas que produzem
eco..., os provrbios..., os slogans..., ou ... as relaes cientficas secas masprecisas. Art. cit., p.15.
[29]Lembremos que, segundo Harris, se tivermos duas seqncias AB/AC,
deduziremos da que B = C, e que essa equivalncia pode constituir o ponto
de partida de uma nova equivalncia. Por exemplo, MB/NC implicar ento
em M = N, etc.
[30]Sobre esse ponto Harris permanece bastante vago: Os resultados
formais obtidos por esse gnero de anlise fazem mais do que definir a
distribuio das classes, a estrutura dos segmentos ou mesmo a distribuio
de tipos de segmentos. Eles podem tambm revelar as particularidades nointerior da estrutura, em relao ao restante da estrutura. Podem mostrar em
que algumas estruturas se assemelham a outras ou em que elas se
diferenciam. Podem ainda conduzir a numerosas concluses sobre o texto.
Ibid., p.43-4.
[31] antes de tudo pela necessidade terica dessa deciso que o mtodo
apresentado se separa do empirismo caracterstico dos mtodos de anlise
factorial aplicados ao estudo dos textos.
[32] Harris, art. cit. p. 15.
[33]Do mesmo modo, nos trs exemplos citados, percebemos substituies
simtricas (suspenses/demisses) e substituies no-simtricas (ligadas a
sintagmatizaes do tipo de Gaulle criou os regulamentos ou preciso
aderir UNEFpara refor-la, etc.).
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