jornal de popularização científica
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O Corpo
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04.08.2013
ISSN: 2236-8221
Edição n. 47, Agosto de 2015 Vitória da Conquista, Bahia.
O corpo é discurso
Nesta edição, O Corpo é discurso apresenta um Pocket Comix por Renato Lima, da Belas
Artes—UFRJ. O Corpo traz sua mais nova sessão: “Espaço Caymmi de Poesia” com três
poemas de Marco Antônio Jardim e apresenta o Grupo de Pesquisa “Observatório do
Discurso.” Além disso, traz entrevista realizada por Gessica Soares com a Profª Drnda
Virgínia Moraes e um artigo escrito por Rogério Modesto, doutorando pela Universidade
de Campinas. O Corpo é Discurso traz também a divulgação do II DCIMA e dica de leitura.
ISSN: 2236-8221
EXPEDIENTE DE
O CORPO É DISCURSO
Editores
Nilton Milanez
(LABEDISCO/CNPq/UESB)
Ricardo Amaral
(PPGMLS/FAPESB)
Vilmar Prata
(PPGMLS/FAPESB)
Organizador
George Lima
(PPGLIN/CAPES)
Joanne Nahla
(IC-CNPq)
Matheus Vieira
(IC-CNPq)
Revisão
Samene Batista
(PPGMLS/CAPES)
Tyrone Chaves
(PPGLIN/CAPES)
Vinícius Reis
(PPGMLS/LABEDISCO)
Diagramador
Ítalo Alberto
Secretária
Géssica Soares
Editoração eletrônica
(MARCA DE FANTASIA)
Henrique Magalhães
Jornal de popularização científica
Acesse o site do Labedisco: www2.uesb.br/labedisco Contato: [email protected]
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Renato Lima é graduado em Pintura pela Escola de Belas Artes - UFRJ. Para saber mais sobre o autor e
suas produções, acesse também o site Pockets - Histórias de Bolso ou a página de Facebook Pocketscomics.
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Realização:
ENTRE MAR E CÉU - PARTE I
Não. Não se vá tão precipitadamente ao encontro da noite escura. Depois de febre, dor, náusea, indisposição, há soro, sangue e abstração.
Antibiótico, antitérmico, antídoto à dúvida sem cura.
Viver, insistentemente, é mais que ternura.
Não. Não se vá tão facilmente ao abismo da noite escura.
Tudo que vem agora é mar. E dias de brandura.
Às vezes ar, noutras brisa que esbofeteia a face.
Eu respiraria.
Antes da curva da colina, do crepúsculo da tarde ao alvorecer, há mar.
Aquela imensidão que voga sobre suas próprias águas que não absorvem azul.
Água salina próspera de vida em ouro refletido do sol nu.
Uma visão ao mesmo tempo tão leve e esmagadora quanto a respiração do iogue contemplativo. Como numa oração celta, eu estava ali para recordar que havia sol. E era vivo.
Ali, na claridade, me vi. Te vi.
Calmo, claro, embevecido de fé, tocando os pés nos sete mares de força estranha.
Tempo, espaço e essa beleza rara de infinito azul profundo.
Um pouco à esquerda do mundo, pensamentos estrangeiros desbotados, cabelos enrodilhados atrás da nuca clara, descompromis-
sados do calor. Vestiam colares de couro e silêncio.
Dias e marés trazendo bons companheiros, sombra, água fresca, risos e incensos. Não. Não se vá tão apressadamente à noite escura.
Vista branco, pra iluminar as sombras da areia em reverência às urdiduras dos deuses.
Bem pode ser uma camiseta branca qualquer, com imagem gráfica de Radharani, pedindo licença à devoção. E um pote de barro com água, também branca, a pousar em suas mãos.
Dobre as barras da bermuda alva, para que respingue água salgada de mar nas pernas nuas.
Amarre no tornozelo uma peça de cordas trançadas, de cor musgo, com uma pedra reluzente.
Perto do dia nascer, olhe, na direção do indizível, aquela cor ilimitada do horizonte. Chore, se quiser.
Lágrima que derrama à fronte é o mesmo que sal comum à extensão de água tão imponderável que mais parece a completa ausên-
cia do ruído do mundo. Eu, como um navio enferrujado beijando a areia, ponho-me ao seu lado, conspirando os fios da praia a esta ventura.
Não, Deus. Não se lance tão amavelmente ao curso da noite escura.
(inspirado no poema "Não vás tão gentilmente nessa
boa noite escura", de Dylan Thomas)
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Realização:
ENTRE MAR E CÉU - PARTE II
Deus? Onde está?
Inflamo e clamo diante da morte do dia que deixou de brilhar. Antes pecar, que amar esta noite escura.
É aqui, Senhor. Aqui é meu lar. Este cintilante ponto azul. Daqui mesmo avisto a luz das estrelas e muito além do que seja e do que for.
Dos eventos do horizonte, além mesmo de onde vou. Vejo ao longe, ao infinito, todo esse extenso amor, essa Criação.
Vejo os que conheço, os que ouvi falar e todo aquele que já existiu.
Reencontro o cabeludo vizinho, o vigia da bicicleta, o porteiro do prédio e o outro da esquina que viveu em linha reta. Na poeira suspensa de um breve raio de sol, revejo o silêncio.
Vejo o hippie da pracinha, o barman com um cigarro, o mestre de yoga, a filha de Didi, a moça que passeia com o cão e o verdureiro falastrão. Enxergo o jovem rapaz com a Bíblia nas mãos, a menina do andar de baixo e meu gato persa à espera no portão.
É aqui, neste mundo solitário, que amo. E avisto nossa ilusão premeditada de que somos privilegiados na imensidão.
Nós, homens das estrelas. Destas que nascem e morrem e, quando fenecem, emitem raios ultravioletas.
Ah, as tais estrelas. Quase todas elas cadentes, brilhando atrás das nuvens cinzas em seus pontos Força monumental da natureza, desprovida de gravidade.
Eu e minha pequena e infundada verdade. Mas é daqui, Senhor, deste mundo habitado que tergiverso sobre outras tantas e singulares moradas dos sistemas estelares.
Deixe-me, por favor, nesta fronteira do espaço-tempo.
Porque é aqui que elevo meu pensamento a Ti. Ergo muito acima das teorias, lá onde tudo se resume.
Sim, eu sei, muito menor é este juízo do que a mais silenciosa sinfonia das leis que regem as galáxias, mas é um louvor à Sua direção. A esta combinação solícita e perfeita que nos faz, dia após dia, pousar felizes sobre as nebulosas espirais.
Sou um flanair das massas astrais, Senhor. Não deixe, portanto, eu ir tão desencanto à noite escura.
Meu coração ainda bate em órbita. Ainda vivo! Ainda perdura.
Cheio de poeiras cósmicas, buracos negros e desconhecimentos, mas, na alta noite que se faz, tão enlevado e agradecido vivo. Permita-me notar, com olhos marejados, esta noite pontilhada das velhas estrelas de Sua infinita casa.
Deixe-me contemplá-las, as estrelas, daqui mesmo, Senhor.
Assim, encerro-me por inteiro num breve poema de amor.
(inspirado no filme "Inrestelar", dirigido por Cristopher Nolan,
no vídeo "Pálido Ponto Azul", de Carl Sagan, e no livro "O Gran-
de Enigma", de Léon Denis)
Realização:
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Realização:
Smailly Cristian é Graduado em Letras Vernáculas pela Universidade do Estado da Bahia - UNEB,
campus XXI.
ENTRE MAR E CÉU - PARTE II
Deus? Onde está?
Inflamo e clamo diante da morte do dia que deixou de brilhar. Antes pecar, que amar esta noite escura.
É aqui, Senhor. Aqui é meu lar. Este cintilante ponto azul. Daqui mesmo avisto a luz das estrelas e muito além do que seja e do que for.
Dos eventos do horizonte, além mesmo de onde vou. Vejo ao longe, ao infinito, todo esse extenso amor, essa Criação.
Vejo os que conheço, os que ouvi falar e todo aquele que já existiu.
Reencontro o cabeludo vizinho, o vigia da bicicleta, o porteiro do prédio e o outro da esquina que viveu em linha reta. Na poeira suspensa de um breve raio de sol, revejo o silêncio.
Vejo o hippie da pracinha, o barman com um cigarro, o mestre de yoga, a filha de Didi, a moça que passeia com o cão e o verdureiro falastrão. Enxergo o jovem rapaz com a Bíblia nas mãos, a menina do andar de baixo e meu gato persa à espera no portão.
É aqui, neste mundo solitário, que amo. E avisto nossa ilusão premeditada de que somos privilegiados na imensidão.
Nós, homens das estrelas. Destas que nascem e morrem e, quando fenecem, emitem raios ultravioletas.
Ah, as tais estrelas. Quase todas elas cadentes, brilhando atrás das nuvens cinzas em seus pontos Força monumental da natureza, desprovida de gravidade.
Eu e minha pequena e infundada verdade. Mas é daqui, Senhor, deste mundo habitado que tergiverso sobre outras tantas e singulares moradas dos sistemas estelares.
Deixe-me, por favor, nesta fronteira do espaço-tempo.
Porque é aqui que elevo meu pensamento a Ti. Ergo muito acima das teorias, lá onde tudo se resume.
Sim, eu sei, muito menor é este juízo do que a mais silenciosa sinfonia das leis que regem as galáxias, mas é um louvor à Sua direção. A esta combinação solícita e perfeita que nos faz, dia após dia, pousar felizes sobre as nebulosas espirais.
Sou um flanair das massas astrais, Senhor. Não deixe, portanto, eu ir tão desencanto à noite escura.
Meu coração ainda bate em órbita. Ainda vivo! Ainda perdura.
Cheio de poeiras cósmicas, buracos negros e desconhecimentos, mas, na alta noite que se faz, tão enlevado e agradecido vivo. Permita-me notar, com olhos marejados, esta noite pontilhada das velhas estrelas de Sua infinita casa.
Deixe-me contemplá-las, as estrelas, daqui mesmo, Senhor.
Assim, encerro-me por inteiro num breve poema de amor.
COMEMORAÇÃO
Estou vivo!
É que venho do sol. Lá de onde o Deus de todos os deuses me escuta.
E de onde ouço as coisas de outros amores infinitos muito além da conduta solar.
No clarão vasto das estrelas a se consumirem, na grande noite maravilhada a se devorar,
vivo!
E se eu encontrar, no caminho, algum outro ser com bastante sentimento pra me dar, nem
pergunto sobrenome, já que é o amor universal que conduz o homem.
Estou vivo!
E não tenho mais idade pra temer a morte, ainda que a tempestade pareça um tanto forte.
Nestas horas, ando sobre o mar.
E vou dar na varanda encantada do amanhecer.
Vou, atemporal, findar-me em mim mesmo, nos meus dedos, na minha língua, na face do
meu verbo ser.
Ao meio-tempo, sentado ao meio-fio da vida, inverto, sorrindo, o cenário e começo tudo
outra vez.
Amo tudo outra vez.
É que estou vivo. Com os poros abertos ao mundo e um modo de ver a fundo esta comemo-
ração.
Estou forte, intenso e decidido a seguir todo sólido e todo líquido no corpo e na calma.
Vivo nos gestos da alma.
Com o mesmo olhar e murmúrio do menino que, dentro de mim, confundia a paisagem.
Mas, ao longo dos anos, mudei o destino pra dias de estiagem.
Hoje é dia de visita! Saio da varanda e vou à sacada sentir o cheiro da chuva que passou.
No horizonte, entardeceu.
Mudo de história, alinho ao sereno bom que toma assento em meu coração e colho liberda-de na amplidão.
Vida, tempo, gratidão.
MARCO ANTONIO JARDIM MELO : é, por formação, historiador. Mas trabalha com a área de publicidade e
jornalismo há muitos anos. Paralelo ao ofício em exercício, Marco Antonio é escritor desde os oito anos de
idade. Seu primeiro poema foi publicado na obra "Vozes do Meu Sentir", de Elvarlinda Jardim, sua mãe, tam-bém escritora e representante da Academia Conquistense de Letras. Começou com um blog de exercício estilístico, já passou pelos formatos das crônicas do cotidiano (quando começou com o Tome Sua Pílula) e,
hoje, voltou às origens, escrevendo e publicando poemas nas redes sociais.
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O Observatório do Discurso (UFPB – CNPq) é um grupo de pesquisa que conta com professores, pesquisadores e alunos
do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Universidade Federal da Paraíba – Campus I. São de interesse do
grupo as discussões em torno da constituição epistemológica da Análise do Discurso de linha francesa, mais precisamente
aquela que deriva de Michel Pêcheux e se apropria das discussões empreendidas por Michel Foucault, bem como as discus-
sões que se referem à perspectiva metodológica oferecida por esta disciplina à análise dos mais diversos objetos. Episte-
mologicamente, interessa-nos pensar o lugar da Análise do Discurso nas Ciências Humanas e suas alianças com outros
campos de saber, tais como a História, a Comunicação e a Semiologia, a fim de ampliar o alcance da disciplina frente à mul-
tiplicidade de discursos produzidos na atualidade. Do mesmo modo, interessa-nos pensar na aplicabilidade analítica dessas
alianças, fazendo trabalhar uma metodologia que não perca de vista a constituição histórica dos discursos em suas mais
diversas durações, e que ao mesmo tempo faça valer a composição sincrética dos enunciados com os quais nos deparamos
hoje.
Atualmente, o Observatório conta com duas linhas de pesquisa. A primeira delas está voltada à análise dos discursos pro-
duzidos em torno das lutas por identidades, particularmente por identidades de minorias, na tentativa de melhor compreen-
der nossa constituição enquanto sujeitos do atual momento histórico. Esta linha é coordenada pela Profa. Dra. Amanda Bra-
ga, que orienta dois projetos de Iniciação Científica (PIBIC 2015): o primeiro deles intitula-se A presença feminina no discur-so político: memória e acontecimento, desenvolvido pela aluna graduanda Flávia Gabriella Falcão Toscano Ramalho; e o se-
gundo intitula-se Discurso, memória e identidade: uma análise do verbete Paraíba em dicionários, desenvolvido pela aluna
graduanda Emília Querino Celestino.
A segunda linha de pesquisa, por sua vez, tem como objetivo analisar os percursos discursivos da mídia em suas mais di-
versas modalidades. Na esteira do pensamento arquegeneológico de Foucault, o intuito é investigar procedimentos discipli-
nares e regimes de verdade que constituem o dizer jornalístico enquanto "portador de um saber" na esfera social. Numa
articulação com os postulados da Nova História (a história das irregularidades e rupturas), propõe-se, com base nas atuais
demandas sociais, escutar dizeres outros, histórias outras que foram emudecidas ao longo do tempo, mas significativas e
atuantes para a configuração de grandes acontecimentos. Esta linha é coordenada pela Profa. Dra. Edjane Gomes de Assis,
que atualmente orienta o projeto de licenciatura (PROLICEN 2015) intitulado A leitura de gêneros jornalísticos e sua inserção no ensino médio, desenvolvido pelas alunas graduandas Juliana Andrea Cirino da Silva, Allyciane Silva Moraes e Amanda Go-
mes Olimpio Flor.
O Observatório do Discurso se reúne semanalmente, a fim de discutir os textos da área, bem como
os textos que dialogam com as pesquisas atualmente desenvolvidas. Neste mês de agosto, o grupo se
prepara para realizar o I CIPAD – I Ciclo de Palestras em Análise do Discurso, que ocorre no dia 24/08
e conta com a presença das Professoras Marlène Coulomb-Gully (Université de Toulouse, França) e
Vanice Sargentini (UFSCar), tendo como tema “gênero e discurso político". O evento acontece no Cen-
tro de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal da Paraíba, Campus de João pessoa.
dades do brincar neste contexto de desen-
volvimento infantil e de aproximar o mundo
concreto vivido pela criança que está no
campo, assim como a sua cultura, da for-
mação inicial dos professores de Educação
Infantil, e de outros profissionais que atu-
am com essas crianças. Essa aproximação
é pensada de forma concreta, pois os co-
nhecimentos acerca da cultura infantil das
crianças pesquisadas se reverterão em
possibilidades novas de diálogo nas disci-
plinas de Psicologia que leciono e que fa-
zem parte dos currículos das licenciatu-
ras, particularmente Pedagogia, e do curso
de Psicologia. Além disso, esse conheci-
mento produzido estará na pauta das ativi-
dades de extensão que retomarei ao final
do doutorado e de outras que surgirão,
geradas a partir daqui.
É fundamental que a identidade e a cul-
tura dos sujeitos do campo sejam fortale-
cidas para que políticas sejam construídas
a partir desta realidade; a brincadeira é
exatamente o veículo que possibilita a
emergência das especificidades dos sujei-
tos que brincam e facilita o acesso do pes-
quisador ao universo do campo.
Gessica Soares: Em contato com
seu trabalho, observamos que você faz
referência a uma “pluralização dos
modos de ser criança”. Como se cons-
titui essa pluralização nas infâncias
encontradas, na comunidade em que
foi desenvolvida a sua pesquisa?
Virgínia Moraes: Faço referência a
infâncias, no plural, fazendo menção à
pluralização dos modos de ser criança na
contemporaneidade, ou seja, reconhecen-
do que não existe um único modo de vi-
venciar a infância. É diferente ser criança
na América ou na Europa, ser criança no
Norte ou Sul do Brasil, ser criança em
cidade grande ou cidade pequena, ser
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Gessica Soares: Qual o significado
do brincar para a infância? Como esse
significado se apresenta no brincar da
infância no campo?
Virgínia Moraes: Compartilho, a par-
tir da Psicologia Sócio Cultural, da con-
cepção do brincar como um processo
construído socialmente pelo sujeito, que
se modifica em função do meio cultural e
da época em que esse sujeito vive, sendo
que esse processo tem reconhecida im-
portância para o desenvolvimento e
aprendizagem do ser humano. Desta for-
ma, entendo que a criança, quando brin-
ca, carrega para a brincadeira o seu
repertório cotidiano, as marcas das suas
relações e os elementos da sua cultura.
Consequentemente, a criança do campo,
quando brinca, carrega para a brincadei-
ra as marcas da cultura de onde vive – o
campo – e o brincar se constitui em um
veículo carregado de significações.
A pesquisa que desenvolvo atualmente
no doutorado sobre o brincar e a cultura
das crianças que moram no campo é uma
tentativa de compreender as especifici-
“a criança do campo,
quando brinca, carre-ga para a brincadeira as marcas da cultura
de onde vive – o cam-po – e o brincar se
constitui em um veícu-lo carregado de signi-
ficações”
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criança na zona urbana ou zona rural. A
diferença consiste na diversidade de
experiências envolvendo os modos de
viver: vestimenta, alimentação, brincadei-
ras, escolarização, relação com o traba-
lho, configuração familiar, entre tantos
outros processos que constituem as vi-
das das crianças. Por conseguinte, na
pesquisa que realizo atualmente reconhe-
ço a necessidade de ampliar o conheci-
mento da realidade vivenciada por infân-
cias das quais ainda não me aproximei e
investiguei: as crianças que estão nas
zonas rurais, compondo as infâncias do
campo. Nós temos uma ampla zona rural
no município de Vitória da Conquista,
inclusive a UESB tem como vizinha uma
longa faixa rural e entendo que temos o
compromisso de atuar junto a essa reali-
dade, como temos o compromisso de
pensar em políticas públicas a partir das
demandas das comunidades.
Gessica Soares: Observamos que
sua pesquisa foi desenvolvida direta-
mente com as crianças. Há uma dife-
rença entre pesquisa sobre criança e
pesquisa com criança? Como você
observou a recepção dessas crianças
para as atividades que você propôs?
Virgínia Moraes: Sim, em se tratando
de crianças como participantes de pes-
quisa podemos falar de pesquisas sobre
crianças e pesquisa com crianças. Em
minha pesquisa de campo para a constru-
ção da tese de doutoramento o propósito
foi de converter a voz e as expressões da
criança em contribuições efetivas para a
atuação de profissionais que desenvolvem
atividades com elas, de forma que os re-
sultados produzidos sejam revertidos para
as crianças, legitimando os seus direitos: à
educação, cultura, saúde, entre outros,
pois os estudos que contam com a contri-
buição das crianças reafirmam direitos
que lhe são inerentes. É importante ressal-
tar que as crianças se expressão também
com gestos, movimentos, expressões faci-
ais, etc, e todo esse universo deve ser
considerado como linguagem. Além disso,
percebo as crianças como sujeitos criati-
vos no seu processo educacional (que é o
lócus do meu trabalho), que a partir do
momento em que são escutadas podem
contribuir para a ruptura do processo
adultocêntrico que marca fortemente os
espaços que as crianças frequentam, in-
clusive os espaços educacionais. A ideia é
de fomentar as discussões sobre a con-
cepção da criança como sujeito de direito
e sujeito político que pode colaborar na e
para a construção de práticas que consi-
derem as suas marcas, os seus desejos e
as suas especificidades. Esse processo se
torna possível a partir da compreensão de
que as crianças estão aptas a informar
sobre as realidades vividas, como prota-
gonistas sociais que podem sair da condi-
ção de invisibilizadas e ocupar o espaço
nos contextos que vivenciam suas infân-
cias. Apresenta-se, assim, o desafio de
produzir uma ciência atenta às crianças,
suas vozes e seus desejos, mais do que às
imagens; uma ciência que dê visibilidade
às crianças enquanto atores políticos
concretos. Da mesma forma está posto o
desafio de produzir políticas e práticas
que considerem as vozes dessas crian-
ças.
Quanto à recepção das crianças com
relação aos procedimentos da pesquisa,
que envolveram o fato de serem fotogra-
fadas no processo de observação e de
participarem de uma roda de conversa na
qual recebiam uma fotografia delas pró-
prias para que pudéssemos conversar a
respeito, avalio como bastante positiva. A
roda de conversa revelou algumas singu-
laridades: após o encantamento inicial ao
se verem nas fotografias, as crianças
demonstravam curiosidade para ver as
fotografias dos colegas e não se conten-
tavam em comentar somente as próprias
fotos. Houve grande interação grupal e,
apesar de ser mais difícil manejar o grupo
de crianças de 4/5 anos de idade, consi-
dero possível o emprego desse recurso
metodológico com tais crianças. As ses-
sões de observação promoveram uma
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intimidade fundamental com a linguagem
e as expressões das crianças, facilitando
o diálogo durante a roda de conversa.
Assim, ver e ouvir as crianças com aten-
ção e cuidados (solicitar autorização,
explicar o trabalho e responder às inda-
gações) foi um exercício fundamental
para compreensão da realidade das cri-
anças.
Gessica Soares: Compreendendo
que esse não foi o objetivo norteador
de seus estudos, no entanto, pela sua
proximidade com o universo infantil,
gostaríamos de saber como você ob-
serva as manifestações do corpo no
brincar.
A. Como que o brincar influencia na
formação da identidade de gênero
dessas crianças?
B. Como o brincar pode influenciar
na construção da sexualidade da cri-
ança?
Virgínia Moraes: O corpo tem uma
relação estreita com as manifestações
infantis e é difícil pesquisar os processos
que dizem respeito às crianças sem con-
siderar o corpo. Por exemplo: na roda de
conversa que realizei com as crianças o
objetivo maior foi registrar o discurso
das mesmas sobre o brincar, mas as
rodas foram videogravadas exatamente
para registrar a estreita relação entre
corpo e o discurso.
Ao mesmo tempo em que as manifesta-
ções infantis contam com expansão corpo-
ral, as instituições educacionais cerceiam
o corpo. Os espaços para brincar são deli-
mitados, as crianças são acomodadas em
cadeiras ou carteiras, o tom de voz é con-
trolado e os movimentos mais valorizados
são aqueles que exigem contenção: movi-
mento de pinça para segurar o lápis ou a
caneta para escrever. A escola desde a
sua criação atende o princípio de discipli-
narização dos sujeitos e, consequentemen-
te, domesticação dos corpos.
Com a sexualidade não é diferente, pois
a relação desta com o corpo é concreta. A
escola nem sempre está aberta ou prepa-
rada para acolher a manifestação da sexu-
alidade como um processo que faz parte
do desenvolvimento infantil, desde a auto-
erotização do corpo até a percepção das
diferenças entre os corpos e as curiosi-
dades que decorrem daí.
Além disso, a associação de brincadei-
ras específicas às meninas ou aos meni-
nos é recorrente em nossa cultura e esse
tema é amplamente discutido nas pesqui-
sas que abordam o brincar. Como a brin-
cadeira é uma das formas de manifesta-
ção da cultura, consequentemente tere-
mos uma forte influência desse processo
na formação da identidade das crianças,
ou seja, a criança carrega para a brinca-
deira os modelos que têm em casa e na
realidade ao seu redor.
CARMEM VIRGÍNIA MORAES DA SILVA : doutoranda em Edu-
cação e Contemporaneidade pela Universidade do Estado
da Bahia. Professora assistente da Universidade Estadual
do Sudoeste da Bahia. Coordenadora do Grupo de Estudos
e Pesquisa Infância e Educação Infantil (UESB/CNPq). Cur-
rículo Lattes: Clique Aqui!
GESSICA DE JESUS SOARES : graduada em História pela
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (2013).
Currículo Lattes: Clique Aqui!
“Ao mesmo tempo em
que as manifestações infantis contam com
expansão corporal, as instituições educacio-
nais cerceiam o corpo”
Página 10 O Corpo
25, 26 e 27 de Novembro acontecerá o II Colóquio
Internacional Mídia e Discurso na Amazônia que
tem como tema: cidade, memória e mediação em
Belém na UFPA.
Para Informações
sobre inscrição
Clique Aqui!
Realização:
Neste texto, gostaria de propor o
acontecimento do corpo no filme Ó paí, ó!
como uma rasura no social. Uma rasura
que se estabelece como resistência. Na
sinopse do filme lemos que ele “faz uma
rasura na superfície de uma reordenação
urbanística do Pelourinho que violentou
territorialidades negras em tentativas vãs
de embranquecimento cultural e de desa-
fricanização dos espaços públicos de Sal-
vador”. A partir, então, de um gesto analí-
tico discursivo que toma o corpo como
materialidade significante (LAGAZZI,
2009), busco compreender essa rasura
não apenas como um processo que afeta
uma (re)organização urbanística, mas que
intervém principalmente no social, na
medida em que “há uma sobredetermina-
ção do urbano sobre a cidade de tal modo
que o [...] discurso do urbano silencia o
real da cidade (e o social que o acompa-
nha)” (ORLANDI, 2004, p. 34).
Diante disso, penso o corpo co-
mo materialidade dessa rasura situada no
terreno do social que acaba sendo sobre-
determinado pelo urbano. A pergunta que
(me) faço, então, é: como os corpos re-
presentados em Ó paí, ó! significam o
social?
Página 11 O Corpo
O filme brasileiro Ó paí, ó!, a
partir de sua narratividade ficcional ins-
talada entre a comédia e o drama, textu-
aliza algumas já conhecidas denuncias
sociais. Violência, preconceito, racismo,
políticas públicas e segurança mostram-
se problematizadas no enlace dessa
“comédia musical”, categorização comer-
cial que identifica o gênero dessa materi-
alidade cinematográfica.
O filme é a adaptação de uma
peça teatral homônima, escrita por Mar-
cio Meirelles, que foi concebida como
forma de protesto contra a política higie-
nista de Antônio Carlos Magalhães, go-
vernador do estado da Bahia no início dos
anos noventa. A história que nos é conta-
da visibiliza o modo de vida de pessoas
que testemunham a contínua transforma-
ção de seu bairro em um lugar para tu-
rista, o que faz com essas pessoas sejam
empurradas (cada vez mais) para as
margens e, por vezes, para a morte. O
filme é, finalmente, a textualização de
histórias de pessoas que cotidianamente,
na trivialidade da vida comum, teimam
em resistir/existir.
“Diante disso, penso
o corpo como materi-alidade dessa rasura
situada no terreno do social que acaba sen-
do sobre-determinado pelo ur-
bano. A pergunta que (me) faço, então, é: como os corpos re-
presentados em Ó paí, ó! significam o
social?”
Página 12 O Corpo
Tomando essa pergunta como
ponto de entrada, sigo a trilha da prática
discursiva materialista que pensa corpo-
sujeito-sentido atrelados, em constitui-
ção mútua (ORLANDI, 2012). Perspectiva
que me permite tratar aqui do corpo
como um acontecimento no discurso:
para além de sua materialidade empírica,
biológica, ele apresenta-se como discur-
so, projetando posições discursivas e
intervindo no real do sentido.
Em Ó paí, ó!, o corpo fantasiado
aparece de forma bastante peculiar, deli-
neando um conjunto de acontecimentos
que colocam as personagens entre o real
e o imaginado, o desejo e a falta, o possí-
vel e o gozo. Para além da fantasia de
uma outra vida, o ato de se fantasiar é
forte nessa produção fílmica: a mulher
que faz da pintura do corpo uma fanta-
sia; os homens que se travestem para
desfilar no circuito da avenida; as mulhe-
res que se fantasiam para viverem uma
sexualidade lesboafetiva no carnaval; o
homem que aceita fabricar carrinhos de
café para ter dinheiro para comprar sua
própria fantasia; a mulher que é barrada
na porta do camarote por não portar uma
fantasia...
Enfim, a relação do corpo com o
social através da fantasia. É essa a regula-
ridade que sigo, porque ela, pela fantasia,
aponta para os modos de ser e de estar no
social.
O recorte que opero no rastro
dessa regularidade focaliza o funciona-
mento discursivo do corpo que usa a fan-
tasia como instrumento de trabalho. Sobre
esse aspecto, chama atenção a textualiza-
ção de três personagens: Mãe Raimunda,
que trabalha jogando búzios no Pelourinho;
a Baiana, que vende os quitutes baianos
típicos; e Lúcia, que recepciona os turistas
na loja de Seu Jerônimo. A mãe de santo, a
baiana de acarajé e a baiana receptiva.
Três formas de, pelo corpo, se relacionar
com o trabalho e com o social. Três modos
de trabalho que atam o corpo a uma vesti-
menta que exige um forte trabalho com a
memória. Essas são formas de elaborar o
corpo na busca por um lugar no social.
Embora haja em Ó paí, ó! uma
espécie de folclorização em torno da figu-
ra da baiana, é muito importante frisar
que tanto na função religiosa, quantos na
função ligada à venda do acarajé, as ves-
timentas relacionadas a estas funções
não se caracterizam meramente como
fantasia, mas dizem respeito a uma tradi-
ção cultural-religiosa e a um posiciona-
mento político. Nesse sentido, a regulari-
dade da fantasia apresenta-se propria-
mente na personagem de Lúcia, sobre
quem vou me deter, porque ela é a alego-
ria do que representam as outras duas
baianas. Retomo Moura (2005) que, ao
problematizar a baianidade e o ser baiano,
nos põe frente a uma questão interessan-
te:
Fizemo-nos profissionais e militan-tes de nosso anúncio para nós
mesmos e o mundo. Costuma ser especialmente importante, para
boa parte dos baianos, elaborar o ser baiano. Especializamo-nos no
próprio acontecimento de ser baia-
no, em nos dizermos baianos; ves-
timos a nossa fantasia a ponto de
toma-la, muitas vezes, como
nosso traje cotidiano. É um narci-
sismo ativo e criativo. A reiteração desse texto certamente não decor-
re de que temos “mais” cultura que outras regiões. Trata-se de uma
especialização que ao longo do tempo se confirmou, inclusive eco-
nômica e empresarialmente, como válida (MOURA, 2005, p. 86, grifos
meus).
Lúcia, diferentemente das ou-
tras duas personagens citadas, utiliza a
“Tomando essa per-
gunta como ponto de entrada, sigo a trilha da prática discursiva materialista que pen-
sa corpo-sujeito-
sentido atrelados”
“O recorte que opero
no rastro dessa regu-laridade focaliza o funcionamento dis-
cursivo do corpo que usa a fantasia como instrumento de tra-
balho”
Página 13 O Corpo
roupa de baiana como uma fantasia que
fundamenta sua possibilidade de traba-
lho. Ela não é uma mãe de santo que utili-
za os trajes típico para cumprir suas
obrigações religiosas. Também não é a
baiana de acarajé que, juntamente com
seu quitute, apresenta-se como um patri-
mônio na relação com a cidade que re-
presenta. Ao contrário, a fantasia em
Lúcia é a uma alegoria, isto é, a repre-
sentação visual de uma metáfora
(HANSEN, 2006) justamente porque ela
encena e incorpora os estereótipos do
baiano cordial e alegre que circulam no já
-dito sobre o baiano, aliando esses este-
reótipos à representação cultural da
baiana. E é esse processo que a faz ga-
nhar a vida e permanecer no Pelourinho.
Uma alegoria que representa um
imaginário de baianidade e que sustenta
a possibilidade mesma de Lúcia poder
estar ali, ocupando aquele lugar/espaço.
No funcionamento da cidade (de Salvador,
uma grande metrópole) estar vestida
(fantasiada) de baiana faz sentido no que
o Pelourinho, e não outros espaços da
cidade, representa enquanto lugar que
produz como efeito a significação do
exótico, do diferente, do turístico. Uma
roupa, uma fantasia, que ata corpo e
cidade. Um nó entre ambos, afinal “o cor-
po social e o corpo urbano são um
só” (ORLANDI, 2004, p. 11). Um nó cujo
ponto central é a vestimenta que “é tam-
bém uma pele social, uma pele emblema,
um signo de distinção para os de fora e
uma marca de pertencimento a um conjun-
to” (ORLANDI, 2012, p. 191).
“Um signo de distinção para os
de fora e uma marca de pertencimento a
um conjunto”, nos diz Orlandi (2012), o que
nos faz pensar que Lúcia só faz parte da-
quele conjunto por sua fantasia. Ela, em
sua fantasia, compõe um cenário. Podería-
mos dizer, então, que a rasura começa a
ganhar corpo no fato de que Lúcia, mesmo
sendo uma moradora do Pelourinho, só
está apta a estar lá por sua fantasia de
baiana que a faz peça constituinte do ima-
ginário estereotípico que este bairro re-
presenta. O Pelourinho que só a aceita por
sua fantasia, pois aquele espaço não é
para ela.
Em um determinado momento do
filme, Lúcia, em tom de ironia, interrompe
uma conversa entre a baiana de acarajé e
Carmen, uma enfermeira que faz abortos
clandestinos no Pelourinho. “Antigamente a
negrada vinha e fazia a festa, agora, com
essa brancada, é um tal de rala a tcheca e
passa a mão”, vai falando a baiana. A in-
tervenção de Lúcia acontece nesse mo-
mento:
Ôh, minha gente, agora que o Pelou-rinho é festa society! Não, baiana,
eu digo isso porque você sabe que esse lugar aqui era um dos últimos
que servia de quilombo pr’esta negrada, né minha gente. Pelouri-
nho agora é ACM: ação, competên-cia, moralidade! E tá tudo empes-
teado de Barbie, tudo cor-de-rosa. Não é “lindo”, Baiana? Não é, abor-
teira de pobre?
O Pelourinho agora é o espaço
da Barbie. Do branco. Do outro. Não é
mais o nosso lugar. Essa é a interpreta-
ção que sustenta a proposição do filme e
que mobiliza a forma das personagens
relacionarem-se com o lugar. Não é mais
um quilombo, mas um lugar turístico,
“embranquecido” e “desafricanizado”, o
corpo que lhe é próprio é o “corpo-
Barbie”. Não há a possibilidade de síntese.
Ao contrário, ou eles ou nós.
Ao pontuar essa nova configura-
ção do Pelourinho, uma configuração que
não lhe é estranha, mas que não lhe agra-
da, Lúcia mostra jogar com essa situação.
Ela faz trabalhar a seu favor esse lugar
Página 14 O Corpo
que lhe foi imputado. Como os outros, ela
resiste. Veste a fantasia sem se esquecer
que ela é mesmo uma fantasia, uma pas-
sagem que liga o seu mundo ao outro. O
ponto de encontro entre duas discursivi-
dades.
Trabalhando, Lúcia, em inglês,
chama cordialmente os clientes: “Please,
please! Visit the shopping!”. Mas, quando
os clientes entram, ela “torce o bico” em
desagrado.
Ao se mostrar como essa baia-
na do imaginário, que é gentil, carismáti-
ca e acolhedora, Lúcia produz como efei-
to de sentido a manutenção desse este-
reótipo, porque ele lhe é útil: a mantém
ligada ao Pelourinho, mesmo que tal liga-
ção seja por uma relação de trabalho e
não propriamente por acolhimento/
pertencimento. Mas é ao fazer cara feita
para a turista, corpo-Barbie, que Lúcia
produz um descompasso entre o real e o
esperado. Ela não é a baiana, mas uma
caricatura, uma representação. Seu ges-
to com a boca produz como efeito de
sentido uma resistência. A sua existência
no Pelourinho, mesmo que sob o signo de
uma fantasia, e a sua indisciplina materia-
lizam um desarranjo que não significa ape-
nas um sujeito cuja presença rasura um
programa de organização urbanística. Elas
materializam mais: um furo no ritual
(PÊCHEUX, 2009) que mostra que o pro-
cesso de interpelação ideológica não acon-
tece sem deixar falhas e que, por isso, a
cordialidade que interpela(ria) a baiana
fazendo com que ela cumprisse o seu papel
social não vá além das aparências.
Se esta é uma resistência, é bom
que se considere que ela não acontece “na
forma heroica a que estamos habituados a
pensar, mas na divergência desarrazoada
de sujeitos que teimam em (r)
existir” (ORLANDI, 2012, p. 234). Não é de
fora, do alhures, mas na (r)existência de
sujeitos que jogam com seus papéis, sem
serem plenamente sufocados por eles. Se
todo ritual supõe falhas e rachaduras
(PÊCHEUX, 2009), “torcer o bico” é rasu-
rar uma ideia de baianidade que, pelo
estereótipo, supõe-se funcionar plena-
mente. É jogar com os sentidos. É fazer de
Lúcia não um mito (da cordialidade), mas
uma trabalhadora comum cuja insatisfa-
ção manifesta-se aqui e ali em pequenos
gestos, mas que não pode ser jamais aba-
fada.
REFERÊNCIAS
HANSEN, João Adolfo. Alegoria: constru-ção e interpretação da metáfora. São
Paulo: Hedra; Campinas: Editora da UNI-
CAMP, 2006. LAGAZZI, Suzy. O recorte significante na
memória. In: INDURSKY, Freda et al (Orgs.). O Discurso na Contemporanei-dade: materialidades e Fronteiras. São
Carlos: Claraluz, 2009. p.67-78.
MOURA, Milton. Identidade. In: RUBIM, An-
tônio (Org.). Cidade e atualidade. Salvador:
EDUFBA, 2005, p. 77-91.
Ó PAÍ, Ó! Direção: Monique Gardenberg e
Dudu Miranda. Produção: Globo Filmes/
Dueto Filmes/Dezenove Som e Imagem/
Natasha Filmes, 2007. 1 DVD (96 mim,)
widescreen, color., baseado na peça Ó paí,
ó!, de Márcio Meirelles.
ORLANDI, Eni. Cidade dos sentidos. Campi-
nas: Pontes, 2004.
ORLANDI, Eni. Discurso em análise: sujeito, sentido e ideologia. Campinas: Pontes Editores, 2012.
PÊCHEUX, Michel. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. 4. ed.
Campinas: Editora da Unicamp, [1975] 2009.
“na forma heroica a
que estamos habitua-dos a pensar, mas na divergência desarra-
zoada de sujeitos que
teimam em (r)existir”
“Veste a fantasia sem
se esquecer que ela é mesmo uma fantasia, uma passagem que li-
ga o seu mundo ao ou-tro. O ponto de en-
contro entre duas dis-
cursividades”
Página 15 O Corpo
Acesse a Conferência ministrada pela Profa. Msnda. Renata Celina Brasil Maciel
(Labedisco/PPGMLS) durante o 3° encontro do curso "O Lampejo do Sentido: Ar-
queologia e Corpo em Michel Foucault". Clicando sobre a imagem a baixo:
Encontro 3
Data: 04 de Maio de 2015, segunda-feira
Leitura do Livro “HETEROTOPIA E SUBJETIVAÇÃO: A Representação Nacional Francesa nos Discursos do Sujeito
da Educação”, escrito por Andréa Zíngara Miranda e Pedro Navarro.
Leitura do livro “Discurso e análise do discurso ”,
escrito por Dominique Maingueneau
Dica de O Corpo
Quais as representações que um aprendiz de outra língua faz da cultura com
a qual ele começa a ter contato? Tais representações são produzidas e/ou
replicadas não só nos materiais didáticos com os quais tem contato, mas em
outras espessuras materiais, como a grande mídia, por exemplo? O projeto
deste livro é impulsionado pela incessante busca por respostas a uma ques-
tão mais abrangente: o que as práticas discursivas fazem de nós hoje? As
reflexões aqui apresentadas são resultado de intensas discussões realizadas
no interior do GEF (Grupo de Estudos Foucaultianos da UEM), que se dedica a
empreender reflexões em torno da (s) obra (s) de Michel Foucault e de seu
alcance quando da análise dos regimes de verdade que, em diferentes épo-
cas, produzem sujeitos/objetos dos discursos. Os efeitos de verdade, oriun-
dos principalmente das mídias, dos livros didáticos de história e de línguas
estrangeiras, possibilitam, via linguagem, construções sociais particulares de
determinados objetos que, aqui, refere-se à França, a qual figura como a
nação modelo, tendo como cenário a língua e a cultura que fascinam o mundo.
A representação nacional francesa tomou forma, em seus discursos, de um
espaço utópico, isto é, de um espaço representado pelos posicionamentos
sem lugar real, mas que pôde ser realizado graças ao espaço heterotópico.
Discurso e análise do discurso é um verdadeiro mapeamento da
análise do discurso (AD), pois passa por todas as questões clássi-
cas, teóricas e metodológicas acerca da AD, e ainda acrescenta
outras. Além disso, o livro expõe de forma refinada a relação da
AD com as ciências humanas e sociais e ainda analisa as implica-
ções da internet e das redes sociais para a AD. Faz um balanço
dos muitos modos de manifestação do discurso - da conversa
casual entre amigos à filosofia, das interações orais às intera-
ções mediadas pela tela do computador -, porque o universo de
discurso em que construímos a nossa identidade e damos sentido
às nossas atividades não pode ser unificado apenas em torno do
modelo dominante da comunicação oral face a face.
O corpo é discurso
Conselho Editorial Internacional
Beatriz de Las Heras (Universidad Carlos III de Madrid)
Jean-Jacques Courtine (University of Auckland)
Martha Guadalupe Loza Vazquez (Universidad Autônoma de Guadalajara)
Philippe Dubois (Sorbonne Nouvelle – Paris 3)
Conselho Editorial Nacional
Adilson Ventura da Silva (Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia)
Amanda Batista Braga (Universidade Federal da Paraíba)
Anderson de Carvalho Pereira (Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia)
Antônio Fernandes Júnior (Universidade federal de Goiás)
Conceição de Maria Belfort de Carvalho (Universidade Federal do Maranhão)
Denise Gabriel Witzel (Universidade Estadual do Centro-Oeste)
Edvania Gomes da Silva (Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia)
Elmo José dos Santos (Universidade Federal da Bahia)
Flávia Zanutto (Universidade Estadual de Maringá)
Francisco Paulo da Silva (Universidade do Estado do Rio Grande do Norte)
Ilza do Socorro Galvão Cutrim (Universidade Federal do Maranhão)
Ivânia dos Santos Neves (Universidade Federal do Pará)
Ivone Tavares Lucena (Universidade Federal da Paraíba)
Leda Verdiani Tfouni (Universidade de São Paulo)
Luzmara Curcino Ferreira (Universidade Federal de São Carlos)
Maíra Fernandes Martins Nunes (Universidade Federal de Campina Grande)
Maria do Rosário Gregolin (Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho)
Maria Regina Baracuhy Leite (Universidade Federal da Paraíba)
Marisa Martins Gama-Khalil (Universidade Federal de Uberlândia)
Mônica da Silva Cruz (Universidade Federal do Maranhão)
Nádia Regia Maffi Neckel (Universidade do Sul de Santa Catarina)
Nilton Milanez (Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia)
Nirvana Ferraz Santos Sampaio (Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia)
Paula Chiaretti (Universidade do Vale do Sapucaí)
Pedro Luis Navarro Barbosa (Universidade Estadual de Maringá)
Sandra Márcia Campos Pereira (Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia)
Simone Hashiguti (Universidade federal de Uberlândia)
Vanice Maria Oliveira Sargentini (Universidade Federal de São Carlos)
Página 17 O Corpo
O Corpo é Discurso
é o primeiro jornal
eletrônico de
popularização
científica da Bahia.
Colaboradores
Popularização da Ciência
A pesquisa científica gera conhecimentos, tecnologias e inovações que benefi-
ciam toda a sociedade. No entanto, muitas pessoas não conseguem compreender a
linguagem utilizada pelos pesquisadores. Neste contexto, a grande mídia e as novas
tecnologias de comunicação cumprem o papel de facilitadores do acesso ao conhe-
cimento científico. Para contribuir com esse processo, em sintonia com o espírito
que anima o Comitê de Assessoramento de Divulgação Científica do CNPq, criamos
esta seção no portal do CNPq. Seja bem-vindo ao nosso espaço de popularização da
ciência e aproveite para conhecer as pesquisas dos cientistas brasileiros e os bene-
fícios provenientes do desenvolvimento científico-tecnológico.