ciÊncia e tecnologia : evoluÇÃo, inter...

12
CIÊNCIA E TECNOLOGIA : EVOLUÇÃO, INTER-RELAÇÃO E PERSPECTIVAS WALDIMIR PIRRÓ E LONGO Engenheiro Metalúrgico, M.E., PhD.,L.D., Professor Titular (Artigo publicado na A DEFESA NACIONAL e revisado em Julho de 2004)

Upload: vuongtruc

Post on 27-Jul-2018

214 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

CIÊNCIA E TECNOLOGIA : EVOLUÇÃO,

INTER-RELAÇÃO E PERSPECTIVAS

WALDIMIR PIRRÓ E LONGO Engenheiro Metalúrgico, M.E., PhD.,L.D., Professor Titular

(Artigo publicado na A DEFESA NACIONAL e revisado em Julho de 2004)

CIÊNCIA E TECNOLOGIA : EVOLUÇÃO, INTER-RELAÇÃO E PERSPECTIVAS

WALDIMIR PIRRÓ E LONGO

RESUMO

Ciência e Tecnologia percorreram, ao longo da história, caminhos a princípio distintos até tornarem-se praticamente indissociáveis e fator central do vertiginoso progresso da humanidade. Descreve-se a evolução da ciência e tecnologia desde os primórdios da humanidade, sua crescente inter-relação, até chegarem a fazer parte das preocupações políticas e estratégicas governamentais da maioria dos países. . Em seguida são feitas algumas considerações sobre as perspectivas futuras do desenvolvimento científico e tecnológico. 1.0 - Introdução O cidadão comum do mundo atual, ainda que mediamente educado, tem incorporado à sua cultura a noção que a geração das modernas tecnologias depende crescentemente de conhecimentos científicos. Alguns chegam ao exagero de acreditar que tecnologia seja o termo usado para exprimir ciência aplicada, o que na realidade não é o correto, pois muitas tecnologias de sucesso ainda são geradas pelo empirismo e pela intuição. Sabato (1) costumava dar como exemplo o "container", uma das tecnologias de maior impacto no setor de transportes nas últimas décadas, cuja criação nada deveu a conhecimentos científicos, mas tão somente à intuição e ao perfeito conhecimento dos problemas relacionados com os transportes, de uma maneira geral, e aos equipamentos então em uso. Apesar dessa ressalva, a verdade é que na atualidade, cada vez mais as tecnologias são geradas a partir de conhecimentos científicos. Expressões hoje correntes como alta tecnologia ou tecnologia avançada e tecnologia de ponta, são cunhadas para exprimir aquelas tecnologias intensivas em uso de conhecimentos científicos empregados estão na fronteira da ciência, no limiar do desconhecido no seu campo específico.

2

A estreita inter-relação entre a ciência e a tecnologia deu inclusive origem ao binômino "Ciência e Tecnologia", abreviadamente expresso por "C&T" e tratado normalmente no singular. Acontece que nem todos têm a exata noção quão recentemente a tecnologia passou a ser gerada a partir de conhecimentos científicos pré-existentes, e como chegamos a era da busca de novos conhecimentos científicos, não somente para satisfação intelectual, mas como insumo central para a evolução econômica e social. Na realidade, ao longo da história da humanidade, a ciência e a tecnologia percorreram caminhos durante muito tempo distintos, até tornarem-se praticamente indissociáveis e fator central do progresso. 2.0 - A Revolução Científica. A Ciência Moderna. A Ciência Moderna, ou melhor dizendo, a tradição científica a que pertencemos, é fruto do que a história tem chamado de Revolução Científica, que teve início no século XVII na Europa. Segundo Kneller (2) , em todas as civilizações, certos homens meditaram sistematicamente acerca do mundo e procuraram as causas de seus fenômenos na própria natureza e não na vontade humana ou sobre-humana. Em cada civilização, o estudo do universo seguia um caminho próprio, explicando os mesmos fenômenos de maneira diferente. Assim, até que os árabes herdassem a filosofia natural grega e a alquimia chinesa, e as transmitissem ao Ocidente, não existia um corpo singular e coerente acerca do universo que fosse difundido de uma civilização para outra. Na China, na Índia, na Grécia Clássica, no Islã e na Europa Medieval, não existia um termo equivalente ao que se entende hoje por "ciência" e nem tampouco uma comunidade científica. Como resultado, as isoladas realizações científicas, no Ocidente e no Oriente durante a Antiguidade, não chegaram a criar uma verdadeira tradição científica. Contribuíram para isso, a deficiência de mecanismos de difusão das idéias, as condições extremamente adversas do ambiente social e as crenças religiosas. Entre 750 d.C. até o final da Idade Média, o Islã estendia-se da Espanha ao Turquestão. Como consequência, os árabes absorveram as realizações científicas e tecnológicas de outras civilizações, unificaram vastíssimo acervo de conhecimentos anteriormente dispersos, contribuindo, ainda significativamente, para aumentá-lo. Aperfeiçoaram a álgebra, inventaram a trigonometria, criaram as lentes e o estudo da ótica e plantaram as bases da química. Quando o Islã declinou, foi a Europa quem herdou a grande síntese de conhecimentos que haviam feito. Ainda segundo Kneller (2) , "longe de ser predestinada, a ciência moderna parece ter surgido, na Europa, em virtude de uma combinação de condições históricas. A Renascença, por exemplo, promoveu o individualismo e o interesse por

3

este mundo em vez do próximo. A Reforma e a Contra-Reforma debilitaram a autoridade da religião institucional e reduziram a oposição religiosa aos empreendimentos seculares. O capitalismo criou uma classe dotada de grande apetite por novos conhecimentos, de simpatia pela experimentação e de uma robusta crença na exploração da natureza. As viagens de descobertas dilataram o mundo conhecido e revelaram uma profusão de novos fenômenos. A noção de um legislador divino tornou a Ciência autoconfiante e respeitável, e o legado da astronomia ptolomaica e da matemática árabe forneceu os instrumentos conceituais para um avanço importante e decisivo. Uma tradição nativa de experimentação foi iniciada com os artesãos e alquimistas da Idade Média, e ampliada depois pelas guerras do século XVI, as quais estimularam os homens instruídos a dominar as tecnologias da artilharia e fortificação. A diversidade da Europa, com seus numerosos povos, línguas e tradições, significou que um clima desfavorável à Ciência num país podia ser contrabalançado por um clima propício em outros países". A estas condições históricas, deve-se acrescentar outra de suma importância, que foi o surgimento da imprensa no século XV. O invento de Guttemberg, associado à disponibilidade de papel, propiciou a difusão dos conhecimentos em escala sem precedentes. Pode-se considerar que o embrião da Revolução Científica está na Renascença italiana. A posição da igreja, porém, inibiu naquela região a evolução da ciência, gerando inclusive o "affaire" Galileu. Como resultado, o centro de gravidade do movimento localizou-se na Inglaterra, transferindo-se, posteriormente, já no final do século XVIII, para a França. No início do século XVII, começa a tomar forma o que passou a ser conhecido como "método científico", e que viria a ter um êxito extraordinário quando aplicado na busca de explicação dos fenômenos da natureza. Segundo Villoro(3) , os primeiros pensadores de grande estatura e influência, que propugnaram pela adoção de métodos gerais para lograr avanços de conhecimento, foram Bacon (1561-1650) e Descartes ( ). Mas o pai do método foi, na realidade, Galileu (1564-1642) que, não se conformando com a observação pura (teoricamente neutra) e nem com a conjectura arbitrária, propôs a formulação de hipóteses para explicar o fenômeno em observação e a submissão das mesmas à verificação experimental. Com isso, funda as bases da dinâmica, primeira fase da ciência moderna. O número de indivíduos que se interessavam pelo avanço dos conhecimentos acerca do universo cresceu rapidamente. Um indício disto foi a fundação de sociedades ou academias , compostas por pessoas que se reuniam para discutir as suas descobertas e propor novas questões. Assim, na península itálica surgem a Academia Scretorum Naturae, em Nápoles (1560), a Academia dei Lincei, em Roma (1603 a 1630) e a Academia del Cimento, em Florença (1651). Em Londres forma-se o Colégio Filosófico ou Invisível (1645), cujos membros se reuniam no Greshan College, e que mais tarde viriam a dar origem ao Royal Society (1662). Em Paris, é fundada a Academie des Sciences (1666). Com relação a publicações científicas, acredita-se que o periódico independente mais antigo publicado foi o

4

"Journal des Savants", editado em Paris em 1665(5) . Meses depois surgiu, em Londres, as "Philosophical Transactions of Royal Soceity". Assim, no século XVII, a ciência já estava institucionalizada na Europa, firmando-se como um campo de conhecimento distinto do conhecimento filosófico, com normas de procedimento próprias e com o reconhecimento, pela sociedade, de sua importante função social. Esse estágio é caracterizado pelo fato de que a ciência e as técnicas utilizadas para a produção de bens e serviços são praticamente independentes. As interações, quando existentes, são fluidas, complexas e pouco perceptíveis. Essa separação pode ser explicada por diversos fatores(5) . Em primeiro lugar, porque o conhecimento científico era incipiente e pouco difundido; mesmo durante a Revolução Científica, tornando o seu desenvolvimento extremamente lento. Segundo, por causa da divisão da sociedade em classes, com a profunda separação entre o trabalho intelectual e o físico. Em terceiro, porque as tecnologias de produção se restringiam à manufatura, empregando ferramentas muito simples que serviam para complementar as habilidades ou amplificar a força muscular dos trabalhadores. 3.0 - A Revolução Industrial ou Tecnológica. A Revolução Industrial, que muitos historiadores chamam apropriadamente de Revolução Tecnológica, teve início na Inglaterra, em 1740 para outros, sendo caracterizada pela introdução das máquinas no processo produtivo, pela organização do trabalho de forma intensiva e pela ampliação do sistema de crédito. A Revolução Tecnológica tem sido dividida em duas fases (6) , segundo as fontes de energia e indústrias básicas propulsoras das transformações, a saber: a “revolução do carvão e do ferro”, que vai de 1780 a 1850, e a “revolução do aço e da eletricidade”, de 1850 a 1914. Até a Revolução o homem havia, paulatinamente, aperfeiçoado instrumentos que amplificavam a sua força muscular ou ampliavam suas habilidades, conforme mencionado anteriormente. A introdução da máquina, porém, permitiu não somente a realização do trabalho em escala e velocidade muito maiores, como a substituição do homem no trabalho físico direto. Em consequência, a máquina passou a ser o elemento técnico central do processo produtivo. A mudança da manufatura artesanal para a fábrica, implicou em profundas alterações, principalmente com a desvalorização da habilidade manual do artesão, a destruição das relações sociais da produção até então vigentes e o rompimento com a tradição. O fato é que, ao iniciar-se o século XX, com exceção de poucas regiões, a Europa encontrava-se praticamente industrializada. Novamente foi a Inglaterra o berço das transformações que tiveram como marco inicial a criação e aperfeiçoamento da máquina a vapor, realizada por T.

5

Newcomen e J. Watt, entre 1712 e 1769, e sua aplicação à indústria têxtil, cujos teares mecanizados foram desenvolvidos e aprimorados por J. Wyatt, L. Paul, S. Crompton, J. Hargreaves e R. Arkwright, entre 1758 e 1760. Em 1782, o acionamento por máquinas a vapor já havia se generalizado em outros ramos industriais. No entanto, não se pode afirmar que, de início, ocorreu a aplicação sistemática da ciência à solução dos problemas industriais. A maioria das inovações de importância capital, para o início da industrialização, foi obtida de maneira empírica. Segundo A.R. Hall e M.B. Hall(7) , “os primórdios da tecnologia moderna, na chamada Revolução Industrial do século XVIII e começos do século XIX, deveram virtualmente nada à ciência e tudo aos frutos da tradição de invenção nas artes mecânicas e artesanais”. As invenções da Revolução Industrial foram “os resultados de experimentos empíricos, produtos do engenho artesanal e de grandes quantidades de trabalho árduo”. A Revolução Industrial foi realizada por homens sem educação sistemática em ciência ou tecnologia, não havendo, praticamente, intercâmbio de idéias entre os cientistas e os inventores dos processos industriais. Assim, pode-se afirmar que a contribuição inicial da ciência para a Revolução Industrial não foi a de introduzir o conhecimento científico no processo produtivo, mas, sim a de criar uma ambiência à inovação. Na realidade, ao longo dos tempos, a ciência preocupou-se em responder inicialmente às questões representadas pelos fenômenos da natureza, passando, gradativamente, a explicar também as indagações oriundas das máquinas, processos e produtos criados pelo próprio homem. Somente em fins do século XIX, a tecnologia começou a fazer uso significativo da ciência, quando principalmente a indústria química e os usos de energia elétrica se apoiaram em descobertas científicas. A partir de então, e crescentemente, máquinas, processos e produtos começam a surgir, a partir dos avanços do conhecimento científico, invertendo-se cronologicamente à cadeia de ligação entre ciência e tecnologia. A ciência passa a suprir a tecnologia não só de descobertas específicas, como também com o uso cada vez mais amplo do método científico de investigação, suas técnicas laboratoriais e a certeza da importância da pesquisa na solução de problemas do setor produtivo. Segundo Sabato(8) , o início da busca sistemática de tecnologias com a aplicação intencional da ciência, teve início no Lunar Society de Birminghan, em 1760, e no laboratório do químico J. von Liebig (1803-1873), em Giessen, Alemanha, por volta de 1830. Em 1836, ocorre um evento decisivo, quando W.H. Perkin, assistente do Royal College of Chemistry em Londres, descobre um corante sintético, cuja produção e uso industrial é, em seguida, desenvolvido por empresas alemãs, substituindo os corantes naturais com vantagens técnicas e econômicas. Na década de 1880 são construídas as primeiras usinas geradoras de eletricidade para uso público, graças à tecnologia da energia elétrica, que se assenta em conhecimentos científicos acumulados em mais de dois séculos, oriundos dos

6

trabalhos de Gilbert, Oersted, Faraday, Ampère e Volta, entre outros. Tal tecnologia jamais poderia ser criada por intuição ou empirismo. Nessa mesma década, torna-se clara e se profissionaliza a função da pesquisa e do desenvolvimento experimental (P&D) na geração de tecnologias. Nesse particular, Thomas Alva Edison pode ser tomado como exemplo do novo paradigma de desenvolvimento industrial que viria a se cristalizar no século seguinte. Provavelmente, Edison foi o primeiro “fabricante de tecnologias” (8), pois seu “laboratório” de pesquisa, localizado em Menlo Park, New Jersey, era organizado à semelhança de uma indústria de produção de bens físicos, com os objetivos a serem atingidos fixados previamente, tendo em vista oportunidades comerciais, e perseguidos sistematicamente, através da experimentação. Valendo-se dos conhecimentos científicos disponíveis, principalmente na área elétrica, desenvolveu a lâmpada, o regulador de voltagem, o medidor de quilowatt-hora, fusíveis, chaves, materiais isolantes, diversos tipos de dínamos, o fonógrafo, o cinetoscópio e centenas de outros inventos, perfazendo, ao todo, 1.097 patentes. Paralelamente à sua atividade de pesquisa aplicada e desenvolvimento experimental, Edison criou empresas industriais para fabricação de seus inventos, cujas atividades rotineiras de produção eram distintas daquelas da “fábrica de tecnologia”(8) .Foram criadas por Edison a General Eletric - GE e a Radio Corporation of América – RCA. O paradigma de desenvolvimento industrial que se torna claro, a partir de então, destaca a função criar, inovar, da função produzir. Passa a ser fundamental a existência, dentro da organização produtiva, de um pólo inovador que supra, continuamente, de tecnologias novas ou aperfeiçoadas,a produção de bens ou de serviços A partir daí, a produção de tecnologias, através do uso sistemático e premeditado do método e descobertas da pesquisa científica, ganhou corpo e, paulatinamente, estendeu-se para todos os ramos de atividades, tornando-se parte do processo industrial. O potencial tecnológico do método experimental foi comprovado, e o conhecimento dos fenômenos da natureza passou a ser procurado para fins econômicos e não somente intelectuais. 4.0 – Da Segunda Grande Guerra aos nossos dias. Ciência e Tecnologia – C&T é, hoje, elemento central do Poder Nacional, não somente no campo militar mas, principalmente, nos campos político e econômico. Indiscutivelmente, a superioridade científica e tecnológica é fator decisivo nas guerras. Disto resulta que, atualmente, o maior investimento em C&T seja realizado pelo setor de defesa, mais especificamente, pelas Forças Armadas dos países mais desenvolvidos, liderados pelos Estados Unidos da América do Norte.

7

Porém, a ligação entre C&T e a Expressão Militar do Poder não foi sempre explicita e institucionalizada. Ela evoluiu ao longo da história, paralelamente ao desenvolvimento da ciência e da tecnologia como fatores determinantes do progresso econômico e social. H.G. Wells afirma, a esse respeito, que nenhuma história da humanidade escrita com seriedade, mesmo aquelas que se ocupam dos períodos mais remotos, pode ignorar as aplicações militares das invenções pacíficas, nem a influência das necessidades militares como mãe de inúmeras inovações de grande utilidade e emprego civil. Apesar disso, o engajamento amplo e sistêmico da comunidade científica e tecnológica na guerra, é fato recente, tendo ocorrido a partir do preparo e ao longo do transcurso da Segunda Grande Guerra. Durante o mencionado conflito mundial, cientistas e pesquisadores foram mobilizados, em escala sem precedentes, na busca de soluções dos mais variados problemas, envolvendo desde o desenvolvimento de artefatos bélicos até as aplicações de estatística na tomada de decisões militares. Em ambos os lados beligerantes, os resultados da intervenção direta do Estado no desenvolvimento científico e tecnológico, visando objetivos específicos deu resultados extraordinários. Exemplos marcantes do sucesso da intervenção do Estado são o desenvolvimento e o uso da energia nuclear, aviões a jato, o radar, o DDT, computadores, materiais sintéticos, aparelhos de comunicação, e inúmeras outras tecnologias concebidas para fins militares e que se tornaram fontes de valiosos produtos de vasto uso civil. Adicionalmente, torna-se evidente no pós-guerra que a capacidade científica e tecnológica passaria a ser o grande ordenador do Poder nos seus desdobramentos político, econômico e militar a nível mundial. Dos fatores de produção – capital, mão-de-obra, matéria-prima e tecnologia – o último passaria a predominar sobre os demais em valor estratégico. Países dotados de capital, mão-de-obra, matérias-primas abundantes mas sem tecnologia, estariam em desvantagem face a países detentores de tecnologia, mesmo carente dos demais fatores. A disponibilidade de tecnologias abriria as portas para o domínio dos demais fatores onde eles estivessem (9) . A competição comercial entre empresas, e por extensão, entre nações, seria ditada pela capacidade de inovação e pela produtividade, ambas resultantes da ciência e da tecnologia (9). Com a crescente complexidade das modernas tecnologias emergentes do conflito, cada vez mais apoiadas em avanços científicos, passou-se a exigir para a sua geração um custoso complexo de instalações de pesquisa, desenvolvimento experimental, testes e homologação, que ultrapassam, em muitos casos, a capacidade individual das empresas em produzi-las sozinhas (9) . Como consequência do acima exposto, e tendo em vista a impossibilidade de se antever, na ocasião, uma paz real e duradoura em todo o mundo, ciência e tecnologia passaram à categoria de preocupação política primordial dos países mais desenvolvidos. Assim, esses governos ampliaram a atuação do Estado

8

nesse campo com políticas específicas e o seu reconhecimento institucional, através da criação de órgãos, mecanismos, procedimentos, uma burocracia especializada e suportes financeiros e de infra-estrutura (9). Nas décadas que se seguiram ao final da Segunda Guerra Mundial, tanto os países desenvolvidos, como alguns em vias de desenvolvimento, criaram seus sistemas de ciência e tecnologia e estabeleceram políticas e estratégias explícitas para o setor, adotando modelos de gestão que vão desde a descentralização, como o norte-americano, até a total centralização, como o da, então, União Soviética. No governo dos Estados Unidos da América, o setor passou a se fazer presente, no Executivo, através de assessoramento especializado ao Presidente da República, realizado por uma Secretaria ocupado por um Conselheiro. Na URSS, a questão era tratada por um Comitê Estatal. Assim, pode-se dizer que ao final da Segunda Guerra Mundial, ocorreu o reconhecimento da Ciência e Tecnologia (C&T) como parte fundamental do Poder Nacional e, portanto, objeto de vigorosas políticas e estratégias nos planejamentos da ação governamental dos estados modernos. 5.0 – Perspectivas Desde a Revolução Científica, a geração de novos conhecimentos científicos por unidade de tempo apresenta um crescimento contínuo ao longo dos anos, de tal maneira que o conhecimento acumulado tem sido um crescimento exponencial. Paralelamente, na medida que a ciência avança, ao invés de decrescerem as indagações sobre o universo e seus fatores, tem ocorrido algo diferente, ou seja, em geral a cada resposta que os cientistas dão, tem correspondido o surgimento de novas questões, que são, por seu turno, mais complexas e, portanto, mais difíceis de serem desvendadas. Assim, embora não se vislumbre o fim das indagações – o que provavelmente nunca venha a ocorrer no campo da ciência – o que deve acontecer é um decréscimo na taxa de geração de novos conhecimentos. Com o extraordinário aumento do campo do conhecimento científico, este foi sendo subdividido, compartimentado, para aprofundamento especializado. Em consequência, os cientistas progrediram no sentido de entender cada vez mais de áreas mais restritas, ou seja, “passaram a entender cada vez mais de muito menos”. Acontece, porém, que a natureza não é compartimentada; ao contrário, é complexa e exige, via de regra, um espectro contínuo de conhecimentos para sua compreensão. Como resultado, o avanço do conhecimento científico e as aplicações tecnológicas deste, exigirão, cada vez mais, pesquisadores e engenheiros com uma sólida formação multidisciplinar, além de equipes envolvendo ampla gama de competências e habilidades (10). As novas e revolucionárias tecnologias que estão sendo criadas, serão crescentemente fruto da ciência aplicada. As consequências dessa realidade são visíveis. Em primeiro lugar, o setor produtivo e os governos têm investido,

9

crescentemente, na geração de novos conhecimentos científicos, com o intuito de usufruir as vantagens econômicas, políticas e militares, que as tecnologias deles decorrentes possam trazer. Em segundo lugar, isto poderá se complicar as questões relativas à divulgação e livre acesso e uso dos conhecimentos científicos, como praticadas até hoje, tendo em vista os interesses econômicos e estratégicos envolvidos nas suas aplicações. Hoje, é difícil discernir a fronteira entre a ciência e tecnologia, e poderá haver um cerceamento no fluxo de ambas, em virtude da luta pela hegemonia em mercados pelas empresas e pelo Poder entre nações ou blocos de nações. No que tange à velocidade de aplicação de novos conhecimentos, há uma tendência a ser cada vez menor o tempo decorrido entre a invenção e a correspondente inovação, entendendo-se por invenção “a primeira concepção do produto em forma substancialmente comercial”, e por inovação “ a primeira aplicação comercial ou a venda” do mesmo (11). Para exemplificar tal fato, a tabela 1 apresenta para alguns produtos as datas das invenções e as correspondentes inovações tecnológicas (12). Note-se que o transistor levou apenas dez anos entre o laboratório e o seu emprego comercial. Um estudo de quinhentas inovações, realizado por Gee (13), abrangendo o período de 1953 a 1973, nos Estados Unidos, Canadá, Inglaterra, Alemanha e Japão, concluiu que o tempo médio levado entre as invenções e as inovações resultantes era de 7,7 anos para a Inglaterra, 7,4 anos para os Estados Unidos, 5,2 anos para a Alemanha e de 3,4 anos para o Japão. A infra-estrutura laboratorial e humana, atualmente exigida para a pesquisa nas fronteiras do conhecimento humano, é complexa e cara, limitando drasticamente o número de entidades, ou mesmo nações, que podem suportar um esforço amplo e continuado de pesquisa e desenvolvimento experimental. Assim, quanto mais a ciência e a tecnologia avançam num dado setor, constata-se ser menor o número de empresas no mercado, sobrevivendo sómente aquelas que se mantêm na fronteira do conhecimento e que, simultaneamente, são criativas, inovadoras. Estas conquistam o mercado, acumulam capital e, portanto, podem custear o novo avanço da ciência e da tecnologia, que exige, a cada passo, mais competência e recursos. Este processo altamente seletivo, continuará ocorrendo tanto no nível micro, envolvendo empresas, como no nível macro, envolvendo nações. A esse respeito pode-se afirmar que a história do avanço científico e tecnológico tem sido também a história da concentração do Poder econômico, militar e, por extensão, político, nos níveis regional e mundial (10). Em virtude do acima exposto, empresas de um dado ramo, ameaçadas de perderem a corrida tecnológica, tenderão a se fundir ou a se consorciar para compartilharem os custos da pesquisa e do desenvolvimento experimental que as livre da obsolescência e consequente desaparecimento. Por razões semelhantes, deverá crescer a cooperação entre nações, principalmente entre aquelas que se atrasaram no desenvolvimento científico e tecnológico, na tentativa de diminuírem a incômoda dependência em que se encontram seus setores produtivos de conhecimentos oriundos dos países mais desenvolvidos. As questões internacionais relativas a investimentos, propriedade intelectual e ao comércio de serviços técnicos deverão agravar-se. De um lado, os países desenvolvidos, tecnologicamente avançados, buscando abertura de mercados

10

para suas empresas e fechamento das possibilidades de acesso por terceiros às tecnologias por eles geradas. Por outro lado, países em desenvolvimento, tentando proteger seus mercados para o crescimento de empreendimentos nacionais e buscando preservar o acesso mais flexível às tecnologias que necessitam para o seu desenvolvimento. Este quadro exigirá elevada competência no que se tem chamado “ diplomacia tecnológica”, para o trato dessas questões. Finalmente, pelo extraordinário valor estratégico do fator Ciência e Tecnologia para a soberania nacional e para o desenvolvimento econômico e social, deverá ocorrer uma crescente participação e intervenção do Estado nas questões relativas ao seu desenvolvimento. Assim, em ciência, tecnologia e inovação, a tendência do Estado é de ser “máximo” e não “mínimo”. 6.0 - BIBLIOGRAFIA 1- SABATO, J.A. – Aula proferida no PROTAP, FINAEP, Nova Friburgo, 1975. 2- KNELLER, GEORGE F. – A Ciência como atividade humana. São Paulo, Universidade de São Paulo, 1978. 3- VILLORO, A. LUÍS – Que é, e qual a aplicação do método científico ? In: BUNGE, Mário. Epistemologia: curso de atualização. Trad. Cláudio Navarra.São Paulo, Ed. Univ. São Paulo, 1980. Cap. 1, p. 5. 4- DAMPIER, WILLIAM CECIL – História da Ciência e das suas relações com a filosofia e a religião. Ed. Lisboa, Ed. Inquérito, 1945, 683 p. 5- LOMOV, N.A. – Scientific – Technical progress and the revolution in military affairs. Washington, D.C., The United States Air Force, 1973. 6- REVOLUÇÃO industrial In: GRANDE HISTÓRIA UNIVERSAL. Rio de Janeiro, Bloch Editores, 1976, v. 3, p. 515. 7- HALL, A.R. & HALL, M.B. – A brief history of science.New York, American Library, 1964., p. 219. 8- SABATO, J.A. – Using sciecne to manufacture technology, Impact of Science in Society, 25 (1): 37, 1975. 9- LONGO, W.P. – Ciência e Tecnologia e a Expressão Militar do Poder Nacional: histórico da interação, A Defesa Nacional, 732, 1987, p. 107. 10- LONGO, W.P. – Ciência e Tecnologia e a concentração do Poder, A Defesa Nacional, 733, 1987, p. 26.

11

11- ENOS, JOHN – The rate and direction of inventive activity, Princeton University Press, 1962. 12- MARCHETTI, C. - Society as a learning system: discovery, invention and innovation cycles revisited, Technological Forecasting and Social Changes, vol. 18, 1980, p. 267. 13- GEE, S. - Factors affecting innovation time, Research Management, vol. XXI, n0 1.

TABELA 1

PRODUTO INOVAÇÃO INVENÇÃO

Lâmpada elétrica 1879 1800

Turbina hidráulica 1880 1824

Transformador 1885 1831

Motor a gasolina 1886 1860

Rádio 1922 1887

Solda a arco 1898 1849

Insulina 1922 1889

Radar 1934 1887

Foguete 1935 1903

Televisão 1936 1907

Penicilina 1941 1922

Estreptomicina 1944 1921

Xerox 1950 1934

Transistor 1950 1940

FONTE : MARCHETTI, C. - Society as a learning system: discovery, invention and innovation cycles revisited, Tecnological Forecasting and Social Changes, vol. 18, 1980, p.267.

12