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Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VI, Nº 7 - Dezembro de 2005 377 CIDADANIA PARTICIPATIVA: O CASO DO ORÇAMENTO MUNICIPAL DE IPATINGA-MG Fernando Laércio Alves da Silva * SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Orçamento público: uma necessidade do estado contemporâneo. 3. O processo de democratização pós 88: dos modelos tradicionais à cidadania participativa. 4. Montagem e realização do orçamento participativo: a experiência do município de Ipatinga – MG. 5. Conclusão. RESUMO: No contexto de redemocratização nacional e a partir da Constituição de 1988, que almeja garantir a democracia formal e material, pretende-se, com este trabalho, desenvolver sobre o orçamento participativo, um dos instrumentos de participação popular direta. Neste sentido, pautar-se-á a abordagem do tema em duas etapas, uma teórica e outra prática, focada no município de Ipatinga, MG. ABSTRACT: In the context of national re- democratization and from the 1988 Constitution, which aims to garantee the formal and material democracy, it is intended, with this work, to develop on the participative public budget, one of the instruments of direct popular participation. In this sense, it will be sought to face the problem in two phases, one theoretical and another applied, focused on the city of Ipatinga, MG. * Professor do Curso de Direito da Universidade Presidente Antonio Carlos e Mestrando em Direito – Área de Concentração Políticas Públicas e Processo, pela Faculdade de Direito de Campos

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Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VI, Nº 7 - Dezembro de 2005

FERNANDO LAÉRCIO ALVES DA SILVA 377

CIDADANIA PARTICIPATIVA: O CASO DOORÇAMENTO MUNICIPAL DE IPATINGA-MG

Fernando Laércio Alves da Silva*

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Orçamento público: umanecessidade do estado contemporâneo. 3. Oprocesso de democratização pós 88: dos modelostradicionais à cidadania participativa. 4. Montageme realização do orçamento participativo: aexperiência do município de Ipatinga – MG. 5.Conclusão.

RESUMO: No contexto de redemocratizaçãonacional e a partir da Constituição de 1988, que almejagarantir a democracia formal e material, pretende-se, comeste trabalho, desenvolver sobre o orçamento participativo,um dos instrumentos de participação popular direta. Nestesentido, pautar-se-á a abordagem do tema em duasetapas, uma teórica e outra prática, focada no municípiode Ipatinga, MG.

ABSTRACT: In the context of national re-democratization and from the 1988 Constitution, whichaims to garantee the formal and material democracy, it isintended, with this work, to develop on the participativepublic budget, one of the instruments of direct popularparticipation. In this sense, it will be sought to face theproblem in two phases, one theoretical and another applied,focused on the city of Ipatinga, MG.

* Professor do Curso de Direito da Universidade Presidente Antonio Carlos eMestrando em Direito – Área de Concentração Políticas Públicas e Processo,pela Faculdade de Direito de Campos

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1. Introdução

O último quarto do século XX mostrou-se, no Brasil,um período de intensas mudanças dos cenários jurídico epolítico pela derrocada do regime militar que governava opaís desde a década de 60 e abertura de um processo deredemocratização.

Um dos pilares dessa nova fase política é a CartaConstitucional promulgada em 1988. A chamada“Constituição Cidadã”, tem por meta a garantia dademocracia não apenas formal, manifestada de temposem tempos pela escolha direta dos integrantes dosPoderes Executivo e Legislativo nas três esferas deGoverno, Federal, estadual e Municipal, mas também deprocessos de participação direta da população nadeterminação das políticas públicas.1

Exatamente dentro desse contexto é que sepretende, no presente trabalho, dissertar acerca de umdos instrumentos de participação popular direta nos rumospolíticos do Estado que se vem desenvolvendo ao longodos últimos anos, denominado orçamento participativo.

Através dele, segundo seus defensores, os cidadãosde determinada localidade definem diretamente asprioridades orçamentárias, possibilitando uma atuaçãogovernamental mais incisiva sobre os reais problemaslevantados pela própria sociedade civil.

Nesse sentido, pautar-se-á a abordagem do temaem duas etapas, uma teórica e outra prática.

Na primeira, serão analisados, sucintamente, osprincipais aspectos do orçamento público e como a elasse adequa o modelo orçamentário com participação popular.

Já na segunda etapa, com base nos elementoslevantados, propões um estudo de caso, tomando-se para

1 COSTA, Juliana Pedrosa, Gestão Democrática das Cidades. Revista deDireito Municipal, p. 81-102, jul.-set. 2004.

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análise a experiência do Município de Ipatinga-MG, que jáhá alguns anos adota o orçamento participativo paradefinição das políticas públicas.

2. Orçamento público: uma necessidade do estadocontemporâneo

2.1. Noções gerais

As noções de receita, despesa e, por conseguinte,orçamento público nos moldes atuais são criação recente,não ultrapassando o Estado Moderno.

No entanto, desde os tempos mais antigos sabe-seque, por vezes, recorre o poder soberano ao povo para ocusteio de suas necessidades mais urgentes, falando-sesempre em um mecanismo, ainda que embrionário deaferição de despesas e receitas consideradas essenciaispelo soberano.

Assim, por exemplo, no Regime Feudal, sendonecessária alguma despesa extraordinária, recorria o reiou, quando o caso, o senhor feudal a seus súditos, como,por exemplo, em caso de guerras, os quais, emAssembléia, deliberavam acerca do solicitado, conformerelata Aliomar Baleeiro2

Tais situações, no entanto, era considerada exceção,vez que, na época, graças ao fracionamento do poder nasinstituições feudais, os gastos dos senhores feudais e dopróprio rei eram custeados, em regra, por suaspropriedades dominicais.

Mesmo porque, também, não havia uma atuaçãodiretamente em favor da população que justificasse opatrocínio por parte dela nos gastos do soberano, sendo

2 BALEEIRO, Aliomar. Uma introdução à ciência das finanças. 16. ed. Rio deJaneiro: Forense, 2002. p. 413

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sempre tenso o processo de deliberação sobre o custeiode seus gastos pelos integrantes do corpo local.3

Com a superação do Regime Feudal, passando peloEstado Moderno e, atualmente, pelo Estado Contemporâneo,não só o paradigma sobre a titularidade do poder político foialterada, passando dos monarcas para o povo.

Nesse processo, a própria discussão acerca dafinalidade do Estado se modificou, agora visto como umente a serviço de seus soberanos no atendimento de suasnecessidades fundamentais.

Por isso, também, tendo aumentado sobremaneiraas necessidades a serem custeadas pelo Estado,necessário que se eleve, na mesma proporção, asreceitas necessárias a seu desenvolvimento.

Inerente, porém, à própria natureza da sociedadecontemporânea, as necessidades públicas são tremendase, por que não dizer, ilimitadas, passando desde aquestões básicas, como saúde, trabalho e moradia, aoutras de maior complexidade, como ensino superior,forças armadas, estradas, etc.

Lado outro, porém, a capacidade contributiva paracusteio dessas necessidades é limitada e restrita emqualquer lugar do globo, mas especialmente em Estadoscomo o brasileiro, com uma economia instável e alto graude desníveis sociais.

Ora, o binômio necessidades ilimitadas Xpossibilidades reduzidas impede a plena satisfação,exigindo a escolha dentre elas de quais serão em cadamomento histórico atendidas, bem como de onde virãoas verbas para tanto.

Simplificadamente essa é a função do orçamento emgeral, opção de despesas conforme a capacidade de custeio.

Tal regra vale tanto para os microcosmos individuais,nos quais os indivíduos assalariados se exercitam para

3 BALEEIRO. Op. cit., p. 411-417

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conseguir cobrir as despesas domésticas, como para oambiente estatal, devendo o poder público abranger noslimites das receitas o máximo de despesas possíveis.

E, com relação ao poder público, essencial semostra a realização de uma política orçamentária, vez queé ela que definira os rumos trilhados pelo estado paraatendimento das necessidades públicas

Nesse sentido, define Eloy Arantes Ferreira:

“Orçamento é um ato, que aprovandoos planos de governo, autoriza-o arealizar as despesas e arrecadar asreceitas, por certo período.” 4

Ou, conforme também ensina o mestre Baleeiro, éo ato pelo qual se autorizaria, ao longo de um determinandoperíodo, mediante prévia análise, as despesas destinadasao funcionamento de serviços públicos ou outrosinteresses do Estado, bem como da arrecadação dasreceitas demandadas para custeio de tais despesas.5

2.2. Aspectos políticos e econômicos do orçamentopúblico

Uma visão mais superficial e simplista do orçamentopúblico poderia facilmente cair no equívoco de considerá-lomero quadro técnico contábil organizado tão-só para coordenarcomparativamente as despesas e receitas públicas, de sortea garantir maior ordem na atividade administrativa.

De fato, um dos efeitos do orçamento público é esse,porém não o único e, menos ainda, ainda mais nos diasatuais, o mais importante.

4 Apud BARROS, Luiz Celso de. Ciências das finanças. 5. ed. Bauru: Edipro,1999. p. 3855 Op. cit., p. 411

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Mais que isso, o orçamento público tem o papel dedisciplinar a atividade estatal, dando-lhe o norte a seguirem suas políticas sociais, econômicas, etc.6

Ou, nas palavras de Carlos Vaz:

“É uma peça de governo muito maiscomplexa do que isso, porque é oprocesso e o conjunto integrado dedocumentos pelos quais se elaboram,se expressam, se aprovam, seexecutam e se avaliam os planos eprogramas de obras, serviços eencargos governamentais, comestimativa da receita e fixação dasdespesas de cada exercíciofinanceiro.” 7

Em outras palavras, o órgão competente paradeliberação do orçamento público tem em suas mãos boaparcela do poder de decisão acerca de quaisnecessidades estatais serão (e em que proporção) e quaisnão serão atendidas num dado exercício financeiro.

E não só isso. Não se pode deixar de considerar quea atuação governamental não se restringe à realização depolíticas de caráter assistencial, tendo se tornado atividadeprecípua do Estado a realização de investimentos nas áreasde infraestrutura básica à atração de bons negócios àeconomia regional, ou, em dadas circunstâncias, atémesmo ele diretamente intentar tais negócios.

Tudo isso amplia o leque das decisões a seremtomadas pelo órgão orçamentário quando de sua feitura

6 GUEDES, Álvaro Martins, Controle financeiro e orçamentário público e adescentralização administrativa no Brasil. Revista do Tribunal de Contas daUnião. p. 13-26, jul.-set. 2000.7 VAZ, Carlos. A constituição e as duas vertentes orçamentárias: participaçãono orçamento e orçamento participativo. Revista da Faculdade de Direito daUFF, Niterói, v. 3, p. 91, 1999.

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e, por conseqüência, impossível evitar que o orçamentopúblico passasse a ser instrumento político.

Dessa forma, sempre se tenta guiar as diretrizesorçamentárias na direção dos interesses dos gruposdominantes na ocasião.8

Exatamente pela importância que tem ao bomfuncionamento da máquina pública, e pelasconseqüências que gera à sociedade, a definição dosorçamentos públicos não fica (e nem pode ficar) a cargode um ou de poucos indivíduos.

Pelo mesmo motivo, não pode ficar exclusivamentenas mãos do Poder Executivo, especialmente em regimespresidencialistas, como é o caso do Brasil, sob pena denão retratar as reais necessidades estatais, mas só asque se revelam a esse órgão.

Em atenção a essa questão, desde 1964 a LeiFederal nº 4.320/64 determina a necessidade de passara elaboração orçamentária pelo crivo do PoderLegislativo, não só na esfera federal, como também naestadual e na municipal.

2.3. Breves considerações sobre o processoorçamentário

Não se pretende nesse breve trabalho uma análiseexaustiva acerca do orçamento público, mas apenas oestudo de um de seus aspectos, o caráter político,essencial para a compreensão do instituto conhecido pororçamento participativo.

8 Tal comentário não tem por objetivo realizar qualquer crítica ou acusação demanipulação orçamentária, não passando de uma observação a nosso veróbvia de que, como no Estado Democrático de Direito o orçamento público éfeito na seara de debates e conflitos de opiniões e interesses dos maisdiversos, sempre um dos grupos em debate, o mais coeso, terá maisinteresses abrangidos pela versão final do orçamento.

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No entanto, para que oportunamente se entre nessaseara, importante se faz uma análise, ainda que sucintasobre o processo de elaboração do orçamento público.

Nos artigos 165 a 169 o legislador constitucional de1988 positivou as questões fundamentais à elaboração ecumprimento do orçamento público, deixando a cargo denorma infraconstitucional a tarefa de mais detalhadamentesistematizar a atividade orçamentária, o que se dá,atualmente por meio da Lei Federal nº 4.320/64.

Conforme em se pode compreender pela análise detal instituto normativo, o orçamento público, fundamentadonos princípios de unidade, universalidade e anualidade,realiza seu ciclo perfeito em cinco fases: proposta,apreciação parlamentar, sanção da lei, execuçãoorçamentária e encerramento do ciclo pela prestação decontas ao término do exercício financeiro.9

Inicia-se o ciclo orçamentário no momento em queo chefe do Poder Executivo, no prazo estabelecidolegalmente, a dizer, pela Carta Constitucional Federal, sefor o caso de orçamento federal, pela Carta Estadual, seorçamento estadual, ou pela Lei Orgânica, se municipal,entrega ao Poder Legislativo a proposta de lei orçamentáriapara o exercício seguinte, nos termos, do art. 22 da lei nº4.320/64, na qual deverá constar detalhadamente afixação de despesas, conforme sua natureza e respectivaprevisão de receitas necessárias.

Importante ressaltar que a formulação da proposta,como já mencionado, é de competência privativa do PoderExecutivo, que nesse mister observará, na eleição dasdespesas orçamentárias, os programas de governo.

Encaminhada ao Poder Legislativo, inicia-seregularmente o processo de debates, proposições deemendas e votação para aprovação ou não da lei

9 BARROS. Op. cit., p. 417

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orçamentária, nos termos do Regimento Interno daCasa Legislativa.

Há que se observar, porém, que as alterações eemendas formuladas pelos parlamentares devem estar emconsonância com o disposto no art. 33 da Lei nº 4.320/64.

Não obstante uma certa limitação à atividadeparlamentar no que tange ao oferecimento de emendasou modificações à proposta orçamentária encaminhadapelo Executivo, sua participação não se resume a umaanuência cega ao texto original.

Ao contrário, tem os parlamentares, nas três esferasde poder, função essencial nessa questão. Comocolegiado eleito diretamente pelo povo, mais legitimidadepossuem as Casas Legislativas que o próprio Executivona definição das prioridades orçamentárias queefetivamente interessam à população.

Como já mencionado superficialmente, é oorçamento público instituto de fundamental importância àgovernabilidade do Estado e ao cumprimento de seu papelem favor dos interesses públicos, razão pela qual não podeficar sua feitura e condução a cargo de um ou poucosindivíduos, mas sim de um quorum mínimo retrate acomposição social e, assim, permita que seus interessessejam trazidos a baila.

Dissertando sobre esse tema, Osvaldo MaldonadoSanches, com propriedade, ensina que

“Nas sociedades que acolhem afórmula representativa de organização– como a brasileira e as da maioriadas nações ocidentais -, a vontadegeral do povo é manifestada porintermédio dos mandatários eleitospara integrar o Poder Legislativo.Apenas estes têm legitimidade paradefinir, para cada período de tempo, aspolíticas públicas, as prioridades e os

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programas de gasto que interessam àmaioria dos segmentos da populaçãoque representam.” 10

Ressalte-se que o Poder Legislativo não temcompetência, nesse múnus, para apresentar qualqueralteração na proposta orçamentária que importe emaumento de despesa, o que não impede, porém, que possapropor e alcançar inversões nos gastos do Estado emrelação ao projeto originário do Executivo.

E exatamente nesse ponto é que manifesta seupapel caso se detecte que a proposta não está plenamenteconcorde com a vontade e a necessidade real dasociedade ou com o planejamento de governo previsto peloplano plurianual.

Infelizmente, porém, e aqui já se adianta uma críticacom que se fundamentam os projetos de orçamento comparticipação direta da população, os chamadosorçamentos participativos, muitas vezes os parlamentaresdesviam-se de seu papel quando da discussão e votaçãoorçamentária.

Comprometidos com “clientelas e patrocinadores decampanha” muitas vezes preocupam-se em ofereceremendas ao orçamento que lhes beneficiem direta ouindiretamente. Ou ainda projetos meramente eleitoreiros,que apenas mascaram os verdadeiros problemas sociais.

Mais detidamente, porém, trataremos disso à frente,vez que questão crucial em nossa abordagem.

Retornando à discussão acerca do regularandamento do processo orçamentário, discutida eaprovada, com emendas ou não, a proposta encaminhadaao Legislativo, retorna à mesa do Chefe do Poder Executivopara sanção ou veto.

10 SANCHES, Osvaldo Maldonado. A atuação do Poder Legislativo noorçamento: problemas e imperativos de um novo modelo. Revista de InformaçãoLegislativa, ano 35, n. 138, p. 7, abr.-jun.1998.

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Em regra, é sancionado o Projeto de LeiOrçamentária normalmente, a não ser que entenda queas emendas à proposta pelo Legislativo impossibilitem aele, Executivo, fielmente cumprir seus objetivosorçamentários.11

Nesse caso, abre-se a possibilidade de vetar parcialou mesmo totalmente a matéria, tal como ocorre emqualquer processo legislativo.12

Promulgada e publicada, pronta está a leiorçamentária para entrar em vigor. Necessário lembrarque, como se inicia e finda o período orçamentáriojuntamente com o ano civil, isto é, respectivamente, nosdias 1º de janeiro e 31 de dezembro, deverá estarsancionada e publicada a lei orçamentária até o trigésimoprimeiro dia do mês de dezembro do exercício anterior aoque se destina.

Em outras palavras, a Lei que conduzirá o exercícioorçamentário do ano de 2006, na esfera federal, porexemplo, deverá ser publicada no Diário Oficial da Uniãoaté o dia 31 de dezembro de 2005, sob pena de iniciar oEstado o próximo exercício sem o devido embasamentolegal, o que cria inúmeros problemas e atrasos.

Advindo o novel exercício financeiro,concomitantemente trata o Estado de iniciar as atividadesarrecadadoras de suas receitas e as de execução dasrespectivas despesas, exatamente nos termos em queconsta da norma legal, com as devidas captações dereceitas e empenhos de despesas.

E, transcorrido regularmente o exercício financeiro,encerra-se o cumprimento do orçamento exatamente no

11 BARROS. Op. cit., p. 42912 Ainda que realize o Chefe do Poder Executivo veto parcial ao Projeto de LeiOrçamentária aprovado pelo Legislativo, poderá a matéria retornar ao textosancionado caso o veto venha a ser derrubado pelo parlamento. Casocontrário, entrará em vigor a Lei Orçamentária tal como sancionada peloChefe do Executivo e publicada no órgão de imprensa oficial.

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dia 31 de dezembro do ano-exercício, vez que, no diaseguinte,1º de janeiro, tem início um novo períodoorçamentário.

Não se finda, contudo, o ciclo orçamentário, queainda requer que o Chefe do Poder Executivo apresente aprestação de contas do período ao Poder Legislativo, que,apreciando-a à luz do parecer apresentado pelo Tribunalde Contas, julgará a prestação, aprovando-a, caso em quese encerra efetivamente o ciclo orçamentário ouestabelecendo, em caso de vícios, as medidas a seremtomadas.

Trata-se essa, em verdade, de fase tão importantequanto a da votação do orçamento.

A fase de apreciação e votação da propostaorçamentária, como já mencionado, é essencial por setratar do momento primeiro em que o Legislativo fiscalizaa vontade do Executivo em cumprir ou não as prioridadesverdadeiras do Estado, alterando-o (o orçamento) em casode alguma incongruência.

Por sua vez, a fase de julgamento das contaspúblicas se mostra imprescindível por ser o momentoordinário último para fiscalizar o efetivo cumprimento dalei orçamentária pelo administrador público.

Exatamente por isso é ela de competência, semprejuízo do controle interno já feito pelo executor daatividade administrativa, dos membros do Legislativo,órgão colegiado e hierarquicamente independente doPoder Executivo, seguindo de forma patente o princípiodos “freios e contrapesos” do sistema tripartite de poderes.

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3. O processo de democratização pós 88: dos modelostradicionais à cidadania participativa

3.1. A mudança de paradigmas no último quarto doSéculo XX

“Em nível interno, democracia sob oviés político é a capacidade dasociedade em se organizar e participarativamente; sob o viés sócio político-econômico, é a consagração dosdireitos mínimos, necessários a umavida digna; sob o viés sócio-cultural, éuma educação que propicia ao povodefinir seus próprios valores. Nessasegunda relação, cidadania é sinônimode democracia, e como tal não existejamais em uma sociedade cujaparticipação nas estruturas político-econômico-social e cultural, é permitidaapenas a uma minoria, que paraexerce-la tem como condição aexclusão e conseqüentemente amarginalização da maioria.” 13

Esse exatamente é o clima que, desde o final dadécada de 70 tem se intensificado no cenário mundial e,diferente não poderia ser, também no Brasil.

O enfraquecimento do regime militar não apenas emseu aspecto político, mas também econômico, já queintroduziu o Brasil em uma intensa crise em fins da décadade 70 e início dos anos 80, teve como resultado ofortalecimento do poder político da sociedade civilorganizada, representada por suas categorias políticopartidárias, sindicais e religiosas, processo que sefortaleceu com a anistia política e teve seu ponto chave

13 COSTA. Op. cit., p . 83

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na promulgação da Carta Constitucional de 1988, marcona transição militarismo-democracia.

A principal vitória no período, sem dúvida alguma,foi a redemocratização, ou, em alguns aspectos, ademocratização política, com livre escolha popular dascadeiras de chefe do Poder Executivo e dos Parlamentaresem todas as esferas de governo.

Passada, porém, a euforia inicial, de concreto sórestou a certeza de que a simples democracia política nãose mostrou suficiente para a implementação dastransformações que o Estado tanto necessita.

De fato, os paradigmas que sustentam o modelopúblico-administrativista nacional ainda permitem imensaslacunas que impedem a comunicação direta indivíduo/Estado e, com isso, que os interesses e necessidades doprimeiro se efetivem como prioridades do segundo.14

Não se quer dizer que a estrutura tradicional queconduz a atividade pública não se tenha erigido paraatender ao interesse coletivo, mas sim que o seu modelocentralizado decisório por vezes se mostra viciado, nãoconseguindo abarcar ou mesmo penetrar na discussãodo que venha ou não a ser do interesse coletivo.

E, o que é pior, essa forma estrutural não se mostracapaz de impedir a busca de segundos interesses pelosadministradores públicos, mascarados por falhassistêmicas.15

Em resposta a isso, o que se vê na maioria dosEstados Ocidentais, e entre eles se inclui o Brasil, é abusca de alternativas que levem à descentralização

14 MOLL, Luiza Helena. Orçamento participativo de Porto Alegre. RevistaSeqüência, ano17, n. 32, p. 94, jul. 1996.15 Nesse sentido Juliana Pedrosa Costa comenta: “na maioria dos países dedemocracia liberal, o sistema de representação vive um processo de crisede legitimidade, que se expressa claramente, mediante diversos fatores eformas de comportamento dos cidadãos, que estão cada vez maisdesconfiados do sistema eleitoral e apáticos em suas manifestações políticas,”Op. cit., 88

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administrativa, que pode ser entendida como um processode redistribuição do poder e dos meios de se exercê-lo, oque não necessariamente coincide com processos dedesconcentração administrativa.16

E os grupos políticos e de contestação, apercebidosde que o processo de democratização política nãonecessariamente implicou em democratizaçãoeconômico-social passaram a pleitear, então, ainstitucionalização de espaços nos quais essa últimapudesse de fato se manifestar.

Seu objetivo, parafraseando Regina RUARO, é acorreção das distorções e anacronismos surgidos ao longodos períodos anteriores de gestão centralizada da respublica, permitindo, pela universalização dos debates, oefetivo controle sobre os serviços sociais por parte doscidadãos.17

Em outras palavras, a “bandeira” deixou de se pautarsob o tema democracia política, vez que já alcançada, nocaso brasileiro, em 1988, para ter como palavra de ordema democracia participativa.

Passa-se a uma releitura dos conceitos dedemocracia e cidadania, que só se concretizam nomomento em que o individuo efetivamente se percebeintegrante do todo, participando ativamente nosmecanismos de ação política.

Não que a tradicional democracia representativaesteja caminhando para a extinção.

Longe disso, mesmo porque a estrutura estatalcontemporânea faz dela instituto imprescindível, sendoimpensável a aplicação da democracia direta em todasas questões públicas.

Entretanto, em assuntos específicos é essencial queo povo manifeste diretamente, sem a presença de

16 RUARO, Regina Linden. Reforma administrativa e a consolidação da esferapública brasileira: o caso do orçamento participativo no Rio Grande do Sul.Revista Interesse Público, ano 5, n. 19, p. 83, maio-jun. 2003.17 Op. cit., p. 84

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interlocutores, sua vontade soberana, a fim de garantirmaior legitimidade às decisões políticas tomadas.

“A democracia não é apenas umsistema de governo, uma modalidadede Estado, um regime político, umaforma de vida. É um direito dahumanidade, dos povos e doscidadãos. Portanto, democracia eparticipação se exigem. Democraciaparticipativa constitui em umatautologia virtuosa, porque não hádemocracia sem participação, sempovo, mas povo sujeito ativo e passivodo processo político, no plenoexercício dos direitos de cidadania. (...)A democracia participativa não é umademocracia direta. Trata-se dedemocracia semidireta, marchando nosentido da democracia direta, querepresentará por muito tempo algunsdos mecanismos da democraciarepresentativa.” 18

3.2. Municípios e democracia participativa: o campofértil para o orçamento público participativo

Como se trabalhar, porém, essa democraciaparticipativa dentro de um Estado de dimensõescontinentais como o Brasil? Ou mesmo em seus Estados-membros?

Impossível? Cremos que não, e exemplo prático desua potencialidade já se demonstrou no Estado do RioGrande do Sul.19

18 COSTA. Op. cit., p. 88-8919 Vide RUARO. Op. cit.

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Não é, porém, algo que se construa da noite para odia, mas um exercício experimental lento e progressivo,que deve iniciar-se em pequenas células para, a partirdelas, se expandir paulatinamente.

Mesmo porque não se poder perder jamais devista que seu requisito basilar é a descentralização dasdecisões.

Ora, nesse contexto, o ambiente mais propíciopara o desenvolvimento da gestão participada da coisapública é a municipalidade. E isso tanto em virtude dafacilidade de mobilização popular e de seus diversosgrupos, como pela maior facilidade em se apontar asquestões mais urgentes.

Trata-se ela, a democracia participativa, de ummovimento que cresce a partir das pequenas reuniões decondomínios, associações de bairro, comunidadesparoquiais, etc, e que daí se expandem, tornandonecessária a criação de conselhos que transitemlivremente nas esferas locais de poder, como a Prefeiturae a Câmara de Vereadores.

E não só por essa razão é o município a célula-baseda democracia participativa.

O Estado Brasileiro passou, ao longo de todo oséculo XX, mas especialmente, a partir de sua segundametade por um forte processo de urbanização.

A população, até então eminentemente rural,rapidamente se transportou para as cidades, trazendo paraestas os seus problemas, ou pior, fazendo surgir novosproblemas até então desconhecidos ou pouco conhecidos.

Um exemplo típico a se citar é o do déficithabitacional: o êxodo rural se deu a partir da propagandade que a vida na cidade seria mais fácil, com maioresoportunidades de emprego, estudo, saúde, progressosocial, etc.

Saem, então, os indivíduos de suas células ruraisem busca da “Canaã” urbana. Lá chegando, porém, além

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de não encontrarem nenhuma das sonhadas promessas,vêem-se sem moradia, obrigando-se, então, a buscarabrigo sob as encostas ou nas favelas.

Mas por que estamos tratando disso? Exatamentepara demonstrar que o processo de democratização efetivapassa pela descoberta dos problemas locais e dosinstrumentos de pressão para que os órgãos estatais seocupem prioritariamente de tais questões.

E perceba-se, que deles se ocupem não porbenevolência para com o “povo sofrido”, mas sim porqueseu papel de gestor da coisa pública consiste exatamenteem efetivar individualmente os direitos fundamentaisassegurados pela Carta Constitucional de 1988.

Mas tal efetivação somente se torna possível quandohá um processo de comunicação, de pressão direta doscidadãos sobre o governo.

É, nesse contexto, a proposta do orçamentoparticipativo um dos institutos mais interessantes e,aparentemente, mais eficazes na busca da efetivação dosdireitos fundamentais pela participação popular.

E isso por uma razão muito simples, a melhormaneira de se levar à efetivação dos direitos sociais pelamáquina administrativa consistem em se permitir aosbeneficiários dos direitos a participação na definição dostrabalhos a serem empreendidos pelo poder público.

É bem verdade que dificilmente se conseguirá reunirtodo o povo, mesmo no microcosmo municipal, a se reunirem debate para o apontamento das prioridades a seremabrangidas pelo orçamento público, mas ainda assim, apulverização da discussão em núcleos maiores que osimples diálogo prefeitura-vereança permite ummapeamento mais efetivo acerca do que deva ou não serenquadrado como despesa pública.

Na verdade, não se trata de uma considerávelalteração da estrutura formal do processo legislativoorçamentário, vez que, como se verá oportunamente peloexemplo do município de Ipatinga-MG. Trata-se, sim, de

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uma abertura do leque de formação da propostaorçamentária original e dos instrumentos de controle daexecução orçamentária, já que, conhecendo bem o teordo orçamento formulado, tem os cidadãos maiorcapacidade para fiscalizar o seu cumprimento.

4. Montagem e realização do orçamento participativo:a experiência do município de Ipatinga-MG

4.1 Um município marcado pela busca do diálogo e dademocracia

Antes de se tratar das regras de elaboração doorçamento público no município de Ipatinga-MG, importanteuma breve abordagem das características básicas dalocalidade que, a nosso ver, foram fundamentais para oatual estágio de participação popular na governança.

Localizado na região leste do Estado de MinasGerais, entre os municípios de Caratinga e Itabira, trata-se Ipatinga de um município relativamente novo, tendo suaorigem ligada à estrada de ferro que liga os municípios deItabira-MG e Vitória-ES.

Originariamente era apenas um pequeno vilarejo,que, contudo, passou por acelerado processo decrescimento a partir da década de 60, com as obras deconstrução da Usina Siderúrgica Intendente Câmara –USIMINAS, tendo o distrito se emancipado no ano de 1964.

A partir daí, com a atividade siderúrgica em francocrescimento, mais e mais pessoas migraram para omunicípio, diversificando-se as atividades econômicas. E,hoje, apesar de ainda dependente em grande parte dasatividades da Usiminas, outras indústrias fixadas em outrosmunicípios da região, como a Cenibra S/A e o comérciotambém movimentam a vida econômica municipal.

Assim, acabou o município de Ipatinga por tornar-seo municio central da Região Metropolitana do Vale do Aço,

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composta também pelos municípios de CoronelFabriciano, Timóteo e Santana do Paraíso, além de outrosmunicípios menores que integram a Microrregião do Valedo Aço.

Em uma área total de 166,5 Km2 entre área urbanae rural, o município de Ipatinga concentra uma populaçãototal de cerca de 227 mil habitantes, dos quais 36,4%pertencem à população economicamente ativa, PIB deR$2,93 bilhões, renda per capta de R$13.200,00 e receitalíquida anual de R$199,5 milhões.20

Com essas características trata-se Ipatinga demunicípio de médio porte no contexto nacional, refletindopossibilidades e problemas comuns tanto às demaiscidades interioranas como a municípios maiores, dentreos quais, conforme relatado em entrevista aos órgãosoficiais, relativo índice de desemprego, aumento dacriminalidade, etc.

Além disso, outro ponto que chama atenção nomunicípio é o índice de politização e participação dosórgãos da sociedade civil.

Desde a sua origem como município, sempre ligadae confundida com a própria história da Usina IntendenteCâmara, a atuação sindical e de pastorais sempre marcoua história local, tornando elevado o grau de formaçãopolítico-partidária da população se comparada com orestante do país, especialmente pela atuação demovimentos de centro-esquerda.

Nesse contexto, desde a eleição municipal de 1988,já sob a égide na Nova Carta Constitucional, passou omunicípio por quatro administrações do Partido dosTrabalhadores, a dizer, três mandatos de “ChicoFerramenta” (1989-1992, 1997-2000 e 2001-2004) e ummandato de João Magno de Moura (1993-1996).

20 Todos os dados ora citados foram fornecidos pela Secretaria dePlanejamento do Município de Ipatinga e também constam do sitio oficial domunicípio. Disponível em: http://www.ipatinga.mg.gov.br e do último Censo

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Tais comentários são importantes ao tema porque,exatamente graças a essas características sócio-político-econômicas é que se chegou a implantar no município asregras do orçamento formulado com participação populara dizer, dois elementos fundamentais: de um lado o índicede receita pública e,de outro, a tendência política local.

Foi a forte presença sindical o principal sustentáculodas bases eleitorais que permitiram o comando contínuodo município pelo Partido dos Trabalhadores por dezesseisanos consecutivos, tempo suficiente para se trabalhar aimplantação dos principais programas defendidos pelopartido, dentre os quais o orçamento participativo.

Como já mencionado, a sociedade contemporânealuta pela efetivação do Estado Democrático de Direito enada mais favorecedor a tal luta, em tese, que um governode base esquerdista como é a proposta do PT.

4.2. Orçamento participativo: origem, previsão legale evolução21

4.2.1. Como o processo começou e sua atual previsãonormativa

A idéia da implantação do orçamento participativono município de Ipatinga, promessa de campanha do entãocandidato a prefeito Francisco Carlos “Chico Ferramenta”Delfino iniciou sua concretização tão logo ele se elegeuprefeito municipal em seu primeiro mandato, no ano de1989, quando se iniciaram as discussões acerca dametodologia a ser aplicada.

21 Todos os dados ora citados foram fornecidos pela Secretaria dePlanejamento do Município de Ipatinga ou retirados de LOTTA, GabrielaSpanghero et al. Orçamento Participativo Interativo IPATINGA (MG). In: 20Experiências de Gestão Pública e Cidadania. São Paulo: Programa GestãoPública e Cidadania, 2003.

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No ano de 1990 esse projeto passa a integrar a LeiOrgânica Municipal, mais especificamente seu artigo 103assegurou a participação direta da população na gestãodo município, por meio de diversos conselhos municipais,colaborando na definição das políticas públicas a seremadotadas e, em seu artigo 104, inciso VII, criaespecificamente o Conselho Municipal Orçamentário(CMO), com o munus de ser o veículo de participação dacomunidade na definição das prioridades orçamentárias.

E, para organização do CMO criaram-se tambémos CRO’s (Conselhos Regionais de Orçamento, deatuação local nas diversas regiões em que se dividiu omunicípio, facilitando, assim, a aferição das prioridades eo diálogo popular e, alinhavando tudo isso, o COMPOR(Congresso Municipal de Prioridades Orçamentárias).

Desse processo, porém, trataremos em tópicoapartado.

Atualmente, além da Lei Orgânica Municipal,disciplinam a organização do orçamento participativooutras normas legais, a dizer, as Leis Municipais nº 1.345,de 22 de setembro de 1994 e nº 1.771, de 18 de abril de2000 e a Resolução nº 005, de 28 de agosto de 1998.

4.2.2. De 1989 a 2005

A evolução do processo de elaboração popular doorçamento municipal de Ipatinga pode ser dividida,conforme ensinamento de FARIA e PRADO22 e os dadosatuais fornecidos pela SEPLAN (Secretaria dePlanejamento) do Município em basicamente quatro fases.

Em um primeiro momento, que se estendeu entre1989 e 1996, quando a proposta ainda era incipiente ecausava desconfiança e estranheza, especialmente aos

22 Orçamento Participativo Interativo IPATINGA (MG), Op cit.

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políticos de oposição ao governo, a definição das açõesprioritárias pela população se limitava ás obras referentesàs chamadas pequenas despesas, isto é, projetos deexecução limitada a um exercício financeiro específico, comoobras de saneamento básico, asfaltamento de ruas, etc.

A partir do ano de 1997, quando o orçamentoparticipativo já havia se consolidado perante a sociedadelocal como um meio de exercício da cidadania suaabrangência foi ampliada, passando os fóruns dediscussão e Conselhos (CRO e CMO) na definição dasmetas dos Planos Plurianuais (PPA’s), estabelecendo-secotas específicas para as diversas regiões conforme asnecessidades de cada localidade sanáveis somente pormedidas de médio e longo prazo.

Com isso permite-se uma atuação mais eficaz emenos emergencial das políticas públicas.

No ano de 2001 outra fase se inicia, na qual passa-sea primar pela criação de veículos de ampliação e facilitaçãoda participação popular nas decisões orçamentárias.

A primeira medida nesse sentido foi a criação deum sítio eletrônico específico para a divulgação de matériase envio de propostas com acesso livre a toda acomunidade.

Além disso, intensificaram-se as chamadasCaravanas de Participação Popular, por meio das quaisos conselheiros visitam os locais de realização das obraspropostas, o que garante uma análise e opção maiseficiente das propostas mais necessárias.

Segundo dados oficiais, nesse período asAssembléias de discussão já contavam com aparticipação de mais de 5000 pessoas no total.

A quarta fase, que está em curso desde o início dopresente ano de 2005, em que outra legenda assume acadeira do Poder Executivo Municipal, o PMDB, por meiodo Prefeito Sebastião Quintão, ocorre a ampliação doorçamento participativo em duas vertentes.

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Em primeiro plano pelo aumento da verba a eledestinada que, até então era de cerca de 04 milhões dereais para obras em geral e passa para 08 milhões, dosquais 02 milhões destinados especificamente para aeducação e 02 milhões para a área da saúde.

E, em segundo plano, seguindo a idéia dedemocratização máxima, foram instalados terminais decomputação em diversos pontos do município, com acessoà Internet e presença de técnicos aptos a auxiliar e fomentarparticipação popular pelo envio de opiniões sobre asnecessidades municipais e pela concessão do direito devoz a qualquer dos presentes (e não só os membros dosConselhos) nas reuniões do COMPOR, o que cria aperspectiva de aumento real da participação popular.

4.2.3. Da estrutura de formação e execução doorçamento municipal

Antes de passarmos à análise do processo deelaboração orçamentária em Ipatinga, necessária se fazuma breve explicação sobre a estrutura dos órgãosenvolvidos na questão, quais sejam, a Secretaria dePlanejamento Municipal, os Conselhos Regionais deOrçamento, o Conselho Municipal Orçamentário e oCongresso Municipal de Prioridades Orçamentárias.

- Secretaria Municipal de Planejamento – SEPLANNos termos do artigo 7º da Lei Municipal nº 1.345/

94, a Secretaria de Planejamento – SEPLAN é órgão deassessoramento ao Prefeito e de coordenação geral dasatividades relacionadas com a formulação eacompanhamento da execução de todo o planejamentomunicipal.

Trata-se, assim, de uma das mais importantespastas da Administração Pública Municipal, por elapassando as decisões sobre a viabilidade das principaispolíticas adotadas na gestão local.

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Dentre suas atribuições podemos citar a elaboraçãoda política de desenvolvimento do Município, a execuçãodos programas de desenvolvimento físico municipal, adireção e coordenação da elaboração da propostaorçamentária, dentre tantas outras. Mas, entre asprincipais, com certeza, destaca-se a de conduzir,juntamente com o gabinete do prefeito, vice e os órgãosde participação popular, a elaboração da propostaorçamentária.

- Conselhos Regionais de OrçamentoOs Conselhos Regionais de Orçamento – CRO’s,

fundamentados no artigo 5º, VI da Lei Orgânica Municipale instituídos para a facilitação das atividades do ConselhoMunicipal Orçamentário, sendo, inclusive parte dele, pelaResolução nº 005/1998 do CMO são os órgãos derepresentação direta da participação da comunidade dosbairros na elaboração do Orçamento Municipal, sendo desua competência a apresentação das prioridadesorçamentárias no COMPOR.

A idéia de criação dos CRO’s é, ao mesmo tempo,extremamente simples e eficiente. Pelas própriasdimensões do município de Ipatinga, impossível seria emuma única reunião, ou um único órgão, a sondagem detodos os principais problemas municipais.

Mesmo porque, os mais de cinqüenta bairros quecompõem o município (além de sua zona rural) possuemcaracterísticas físicas e humanas muito diferentes entre si.

Assim, atendendo às semelhanças e diferençasentre as localidades municipais, dividiu-se o município emoito regiões orçamentárias, para cada uma delas sendocriado um Conselho Regional Orçamentário, responsávelpela eleição das prioridades locais e sua apresentação edefesa nas reuniões do CMO e do COMPOR.

- Conselho Municipal de OrçamentoComposto por parte dos delegados efetivos dos

CRO’s, além dos secretários municipais de obraspúblicas, do meio ambiente, de saúde, de educação,

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cultura, esporte e lazer, de governo e ação social, dedesenvolvimento econômico e de planejamento, além doprefeito municipal e vice, é o Conselho Municipal deOrçamento (CMO) o órgão de participação direta dacomunidade na definição das prioridades orçamentáriasdas Regionais.

Sua competência passa pelas atividades de sugerir,fiscalizar e deliberar sobre as receitas e despesas doorçamento municipal, bem como de acompanhar suaexecução ao longo do exercício.

É, em verdade, o principal órgão dentro do projeto deorçamento popular, já que realiza diretamente a intermediaçãoentre o Executivo e as comunidades regionais.

- Congresso Municipal de Prioridades OrçamentáriasO termo Congresso Municipal de Prioridades

Orçamentárias – COMPOR, na realidade, é usado comdois significados, como referência a todo o ciclo doorçamento participativo, que vai desde a abertura daprimeira plenária com a prestação de contas do exercícioanterior até o encerramento do exercício em discussão,como também a reunião específica de definição dasprioridades orçamentárias que comporão o orçamentopúblico em debate.

Comenta-se aqui o seu segundo significado, pelo qualse trata o COMPOR de reunião anual, aberta ao público, naqual os conselheiros de todas as regionais, juntamente comos representantes de entidades organizadas, referendamas prioridades discutidas nas assembléias preparatóriasque serão efetivamente incluídas no orçamento municipalpara execução no ano seguinte.

Nesse Congresso, costumeiramente a todos ospresentes é concedido o direito de voz23 e, nos termos doartigo 2º, § 4º da Lei Municipal nº 1.771/2000, tem direito avoz e voto os delegados eleitos em assembléia geral de

23 Segundo informações fornecidas em entrevista com o Secretário Municipal dePlanejamento de Ipatinga, Dr. Rodrigo Quintão, realizada no dia 21 de jul. de 2005.

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cada uma das Regiões Orçamentárias e representantesdo Executivo Municipal.

Pode-se dizer que é o momento em que mais severifica a atividade democrática direta no orçamentoparticipativo, uma vez que as deliberações alcançadas nareunião do COMPOR vincularão o projeto de LeiOrçamentária apresentado pelo Poder Executivo àCâmara de Vereadores.

Alias, interessante comentar que, conforme sepercebeu pela confrontação entre os projetos de leiorçamentária apresentados à Vereança e os textosefetivamente aprovados nos últimos oito anos,pouquíssimas foram as alterações dos vereadores sobreas propostas encaminhadas.

4.2.4. A composição do orçamento municipal

Seguindo determinação das Constituições Federale Estadual (Minas Gerais), bem como da Lei OrgânicaMunicipal, o orçamento público de Ipatinga, no que tangeà definição das despesas, é dividido em cinco partes:verbas destinadas ao pagamento de pessoaladministrativo; ao custeio das despesas materiais dasentidades da Administração Direta e Indireta Municipal; aocusteio das despesas da Câmara de Vereadores (cujaelaboração é autônoma); ao pagamento de dívidas, entreas quais se incluem empréstimos contraídos, precatóriosjudiciais, etc; e, por fim, as despesas de investimento, queabrangem tanto a execução de pequenas obras, como areforma de praças, asfaltamento de determinadas ruas,etc como a realização de obras mais vultuosas, definidasno Plano Plurianual, como ocorreu no último ano e no atual,por exemplo, a construção do Hospital Público Municipal.24

24 Segundo dados do orçamento municipal de 2004 e 2005 e informaçõesfornecidas pelas Secretarias Municipais de Planejamento e de Saúde.

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Por uma questão estrutural, a nosso ver inerente aopróprio processo evolutivo na implantação do orçamentointerativo, ainda não são levadas à discussão popular aintegridade das despesas públicas, mas somente a últimadas cinco partes do orçamento, chamada despesas deinvestimento.25

Ponto positivo, entretanto, é que, segundo dadosoficiais, toda a destinação das verbas devidas parainvestimento (seja para pequenas obras, seja para asprevistas nos Planos Plurianuais) é definida de formaparticipada.26

4.2.5. O ciclo do orçamento participativo

O ciclo orçamentário interativo em Ipatinga pode serdividido em, basicamente, cinco ou seis fases, conformeo ano: Abertura, Eleição dos Conselheiros (se for o caso,já que o mandato dos conselheiros é de 02 anos), Caravanade Participação, Assembléias Preparatórias, COMPOR empor fim, quando do início do exercício orçamentário,fiscalização da execução orçamentária, que se finda naabertura do ciclo seguinte.

a) AberturaA abertura do ciclo de elaboração orçamentária

interativa se dá em sessão solene pública, sempre no mêsde março, dividindo-se em duas partes: prestação decontas do exercício anterior pelo prefeito, vice e secretáriosmunicipais, ocasião em que podem, inclusive, sersabatinados pelos Conselheiros e apresentação dasdiretrizes e previsões orçamentárias o exercício seguinte,

25 FARIA; PRADO mencionam em seu artigo a crença de que, em um futuronão muito distante, todas as receitas e despesas municipais serão objeto dediscussão pública, vez que se mostraria cada vez mais necessária aampliação do controle social, fato já percebido pela população. Op. cit.26 Segundo dados fornecidos pela Secretarias Municipais de Planejamento.

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o que servirá de norte para a condução dos trabalhos dosConselheiros e da população na definição das prioridades.

b) Eleição dos conselheiros regionais e municipaisde orçamento

Essa fase do ciclo somente ocorre bienalmente, vezque esse é o período de mandato dos conselheiros.

Sendo o caso, a eleição dos conselheiros se dá deforma bastante simples.

Em assembléias públicas especificamenteconvocadas para esse fim, os cidadãos residentes nosbairros que integram a regional orçamentária maiores dedezesseis anos elegem os membros do ConselhoRegional efetivos e suplentes, sempre na proporção de 1efetivo e 1 suplente para cada 1.000 habitantes da região.27

Por sua vez, os representantes populares no CMO,chamados Delegados Regionais, são eleitos por cada CROà base de 1 efetivo e 1 suplente para cada grupo de 10.000habitantes da região que representa.

Uma vez eleitos, tanto os Conselheiros Regionaiscomo os Municipais, tomam posse do cargo no mês dejaneiro do ano subseqüente ao da eleição.

c) Caravana de Participação PopularExperiência pioneira do Município de Ipatinga,

consistem as Caravanas de Participação em visitas dosConselheiros às áreas onde se localizam asreivindicações que aspiram por priorização em cadaregional.

As visitas são feitas pelos conselheiros em cada umdas regionais, de forma a se permitir o conhecimentoefetivo dos problemas de sua própria regional e dasdemais, o que facilita, ao final, o trabalho de definição dasprioridades orçamentárias no COMPOR.

27 Nos termos do artigo 4º da Resolução nº 005/98 do CMO, podem eleger-seConselheiros Regionais os cidadãos maiores de 18 anos que residirem emum dos bairros componentes da Região Orçamentária.

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d) Assembléias PreparatóriasEm datas previamente marcadas e divulgadas em

toda a regional são realizadas Assembléias nas quais osConselheiros Regionais, em conjunto com os moradoresde sua Região e membros de entidades organizadasdebatem e elegem, dentre as reivindicações levadas pelosmoradores e as levantadas via Internet (que sãopreviamente fornecidas pela SEPLAN), as prioridades daregião a serem levadas ao COMPOR.

Nessas assembléias são pesadas não apenas anecessidade das reivindicações, mas também aviabilidade de serem executadas, o que se faz com baseno conhecimento da previsão orçamentária para a regiãodefinida pelo Poder Executivo na abertura do ciclo.

Definidas as prioridades regionais, passa-se aaguardar a realização do COMPOR.

e) COMPORE, fechando a fase de participação pública na

elaboração da proposta orçamentária, em datapreviamente definida na Abertura do ciclo realiza-se oCongresso Municipal de Prioridades Orçamentárias.

Em estrutura montada para comportar o maiornúmero de pessoas possível, geralmente um dos ginásiospoliesportivos do município, reúnem-se os DelegadosRegionais (membros do CMO) e os membros do PoderExecutivo, a dizer, prefeito, vice e secretários, todos comdireito a voz e voto.

Participam também do Congresso osrepresentantes de entidades organizadas e demais dopovo do município que, embora sem direito a voto, temdireito a voz na defesa de prioridades regionais.

Após oportunidade de discussão em torno de todasas prioridades levadas ao COMPOR, os membros comdireito a voto definem quais farão parte do orçamentopúblico do exercício seguinte.

Encerrado o Congresso, órgão competente do PoderExecutivo redige a proposta orçamentária final, que é

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encaminhada para debate e votação pela Câmara deVereadores, seguindo, a partir daí o regular andamento dequalquer orçamento público.

f)Execução orçamentáriaO trabalho dos Conselhos Regionais e Municipal de

Orçamento, porém, não se encerra no COMPOR.Ao longo de todo o exercício orçamentário são

realizadas reuniões em ambos os Conselhos parafiscalização da execução do orçamento. A título deinformação, o Conselho Municipal reúne-se mensalmentepara análise da prestação de contas do Executivo, e osConselhos Regionais, de posse de tais informações e doacompanhamento direto das obras, reúne-sebimestralmente.28

5. Conclusão

No momento em que foi pensada a realização dessebreve trabalho, sob inspiração das primeiras aulas deDireito Financeiro no Programa de Mestrado em Direito,Área de Concentração Políticas Públicas e Processo, daFaculdade de Direito de Campos ainda não tinha o autorconcepção de toda a importância político-social em tornoda atividade orçamentária.

Ao contrário, guardava-se uma visão muito tecnicistasobre o orçamento público em qualquer de duas esferas,em muito contaminada pela falta de atenção dada àmatéria pela maioria dos Cursos de Graduação em Direitodo país.

Ao longo da atividade de pesquisa, no entanto, essavisão foi, aos poucos se transformando. Especialmente a

28 Em atendimento às necessidades fiscalizatórias tem os conselheirosmunicipais e regionais orçamentários de Ipatinga amplo acesso a todas asobras em execução no Município definidas no orçamento participativo.

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partir do momento em que se iniciou o trabalho depesquisa de campo no município de Ipatinga-MG.

Nesse momento, inclusive, chegou-se a temer quea temática analisada se distanciasse do Direito Financeirae se tornasse simplesmente um trabalho de caráter político,ou, o que seria pior, político-partidário e, portanto, alheio àcientificidade proposta originalmente.

Entretanto, e essa é a primeira observaçãoimportante nessas linhas derradeiras, impossíveldissociar-se a atividade orçamentária do Estado daatuação política de seus dirigentes.

Toda ação estatal, e nisso se inclui a de realizaçãode políticas públicas, é marcada pela plataforma degoverno, logo, é uma ação política. O que não pode é deixarde ser política para tornar-se “politicagem”.

Nesse sentido, inclusive, o orçamento participativo,ao menos dentro do modelo instituído no município deIpatinga, mostra-se exatamente como um mecanismo dedefesa da democracia de da verdadeira política.

Conscientes de seu papel transformador, osipatinguenses, ao longo dos 15 anos de experiência econstrução do Orçamento Participativo, paulatinamenteforam abandonando as práticas de barganha política, tãocomuns, infelizmente, no Brasil, isto é, de se eleger esteou aquele político porque prometeu tal ou qual benefício,como um simples asfaltamento de rua.

Mostra-se o orçamento público planejado eexecutado com participação e fiscalização popular um dosmais legítimos instrumentos democráticos dos temposatuais. Isso porque reflete, ou ao menos se aproxima omáximo possível, das reais aspirações sociais, garantindo,inclusive maior eficácia governamental.

Segundo dados fornecidos pela Secretaria dePlanejamento de Ipatinga, nos últimos anos o COMPORe as Assembléias regionais tem registrado,no total, aparticipação de uma média de 7000 pessoas, entre

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membros dos CMO’s, CRO’s, líderes populares e cidadãoscomuns, número esse que aumenta a cada exercício financeiro.

Um número ainda tímido se comparado com o totalde 227 mil habitantes do município, mas ainda sim maislegitimador das prioridades orçamentárias que umaelaboração fechada entre prefeito, secretários e os poucostreze vereadores do município. Apesar de tímido, por sercomposto de moradores de todas as regionais domunicípio, retrata a realizada de cada uma delas, levandoa uma construção mais fiel das necessidades municipais.

O fato é que a experiência orçamentária participativano município de Ipatinga, ao menos aparentemente, vemsurtindo resultado, tornando o município, inclusive, modelode gestão democrática municipal.

Enfim, bem reflete o orçamento participativo arealidade dessa primeira década do Século XXI, na qual ademocracia deixa de ser definida simplesmente comodemocracia política para se tornar algo maior, umademocracia ampla, onde haja efetiva participação do povona governança estatal.

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