a litigÂncia de mÁ-fÉ e os recursos protelatÓrios...

60
Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VI, Nº 7 - Dezembro de 2005 461 A LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ E OS RECURSOS PROTELATÓRIOS NO PROCESSO DE CONHECIMENTO Victor Martins Ramos Rodrigues* SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Necessárias considerações preliminares. 3. A incidência da litigância de má-fé no processo civil. 4. Formas de interposição de recurso com intuito manifestamente protelatório. 5. Conclusão. 6. Referências. RESUMO: Busca-se aqui a melhor e mais simplificada forma de demonstrar as multi-facetas da litigância de má-fé no sistema processual brasileiro. No entanto, deve ser considerado a impossibilidade de concordância de opiniões sobre este tema, sendo diretamente acessado os aspectos em que a doutrina e a jurisprudência nacionais convergem ou divergem. ABSTRACT: It is sought herein the best and simplest manner to demonstrate the multi faces of the malicious abuse of legal process in the Brazilian legal system. However, it must be considered the impossibility of agreement on the subject, being directed accessed the aspects where the national doctrine and jurisprudence converge or diverge. *Advogado, mestrando em Direito com área de concentração em Relações Privadas e Constituição pela FDC – Faculdade de Direito de Campos.

Upload: phamdan

Post on 01-Dec-2018

215 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VI, Nº 7 - Dezembro de 2005

VICTOR MARTINS RAMOS RODRIGUES 461

A LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ E OS RECURSOSPROTELATÓRIOS NO PROCESSO DE

CONHECIMENTO

Victor Martins Ramos Rodrigues*

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Necessáriasconsiderações preliminares. 3. A incidência dalitigância de má-fé no processo civil. 4. Formas deinterposição de recurso com intuito manifestamenteprotelatório. 5. Conclusão. 6. Referências.

RESUMO: Busca-se aqui a melhor e maissimplificada forma de demonstrar as multi-facetas dalitigância de má-fé no sistema processual brasileiro. Noentanto, deve ser considerado a impossibilidade deconcordância de opiniões sobre este tema, sendodiretamente acessado os aspectos em que a doutrina e ajurisprudência nacionais convergem ou divergem.

ABSTRACT: It is sought herein the best and simplestmanner to demonstrate the multi faces of the maliciousabuse of legal process in the Brazilian legal system.However, it must be considered the impossibility ofagreement on the subject, being directed accessed theaspects where the national doctrine and jurisprudenceconverge or diverge.

*Advogado, mestrando em Direito com área de concentração em RelaçõesPrivadas e Constituição pela FDC – Faculdade de Direito de Campos.

Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VI, Nº 7 - Dezembro de 2005

A LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ E OS RECURSOS... 462

Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VI, Nº 7 - Dezembro de 2005

VICTOR MARTINS RAMOS RODRIGUES 463

1. Introdução

As normas que regulamentam a atividade processualsão, via de regra, de ordem pública, de sorte que, nãopodem ser substituída pela vontade das partes. O exercíciodo direito público subjetivo e abstrato de ação faz nascera relação processual, essa, por sua vez, fonte de poder,obrigações, direitos e ônus para todos os sujeitos doprocesso - juiz e partes - bem como para o representantedo Ministério Público, terceiros intervenientes e Auxiliaresda Justiça. A partir do momento em que a lide é posta emjuízo, através da ação, o interesse passa a ser público,mesmo tratando-se de conflito entre particulares, issoporque a finalidade do processo é, no mínimo ambígua:primeira, solucionar o conflito (interesse particular) e,segunda, fazer valer as regras contidas no ordenamentojurídico mantendo a ordem social (interesse público).

Nesse contexto, em suma, busca-se aqui a melhore mais simplificada forma de demonstrar as multi-facetasda litigância de má-fé no sistema processual brasileiro.No entanto, é válido lembrar que um tema tão abrangentedificilmente é passivo de concordância de opiniões. Maspor isso mesmo, serão explanados de forma simples ediretamente acessível os pontos em que a doutrina e ajurisprudência pátria se convergem ou divergem, somentea título demonstrativo.

No Brasil, a litigância de má-fé é imputada à parteque exercita a anormalmente os direitos de ação, defesae recurso, assegurados pela Constituição Pátria, mediantea prática e uso de argumentos manifestamente infundados,em verdadeira deslealdade processual e condutatemerária. Então, será o litigante de má-fé, aquele quetenha consciência de ter injustificadamente instaurado aação ou a ela resistido, ou ainda, aquele quenecessariamente deveria ter tido consciência de o ter feito.

Na legislação brasileira, está a litigância de má-fédisciplinada nos artigos 14, 16, 17, 18 e 22 do Código de

Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VI, Nº 7 - Dezembro de 2005

A LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ E OS RECURSOS... 464

Processo Civil, sendo que o artigo 14 rege os deveres daspartes e de todos aqueles que de qualquer forma participamdo processo, a fim de não extrapolarem suas atitudes, sendoa redação de seu caput estabelecido pela Lei 10.358/2001,a qual será brevemente abordada a seguir. O artigo 16 regea necessidade de responsabilizar o litigante de má-fé comoautor, réu ou interveniente. Já o artigo 17 é mais taxativo nadefinição das atitudes capazes de imputar a litigância demá-fé às partes. O artigo 18 é o que dita os poderes do juizem condenar de ofício ou a requerimento o praticante dalitigância de má-fé à indenização por prejuízos que a partecontrária sofreu, incluídos os honorários advocatícios e asdespesas que efetuou. Finalmente, o artigo 22 do CPC háde ser compreendido dentro de uma visão sistemática,qualquer que seja a responsabilidade das partes por danoprocessual.

Bem, compreende-se dessa forma, a necessidadede tentar impedir que a falta consciente ao uso da verdade,a utilização de armas desleais, as manobras ardilosas quetendem a perturbar a formação de um reto convencimentodo órgão judicial ou a fim de procrastinar o andamento deum processo, atrapalhem a administração da justiça edesviem do rumo correto, a atividade jurisdicional.

2. Necessárias considerações preliminares

Segundo se tem notícia pelos estudos e doutrinas,o dever de correção e de honestidade, vale dizer, lealdadee boa-fé, no que tange ao ajuizamento e desenvolvimentodo processo retroage à Grécia antiga, reconhecidamenteo berço da cultura e da civilização, em época que já haviaa preocupação com a obrigação relacionada à veracidadee à boa-fé nos atos do processo civil. A parte que nãocumprisse fielmente o juramento prestado no átimo doajuizamento do pleito, tornava-se alvo de aplicação de penaou sanção determinada para aquela finalidade.

Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VI, Nº 7 - Dezembro de 2005

VICTOR MARTINS RAMOS RODRIGUES 465

Na Roma antiga, a litigância temerária em seuordenamento jurídico, tanto no que se referia à ação doautor quanto à contestação levada a efeito pelo acionado,era veementemente repelida, assim por que, a singelasucumbência de um dos proponentes no processo denatureza civil, recebia uma pena cominada ao vencido, decaráter pecuniário, que ao final revertia em prol do eráriopúblico. Todavia, a mera ocorrência da sucumbênciabastava para que a referida sanção fosse aplicada, eisque prevalecia a ilação de que o dever de veracidade elealdade processual havia sido vulnerado.

A autora Rosemery Brasileiro explica que talcominação da pena era procedida de uma promessasolene ante o juiz da causa pelas partes autora e ré, nosentido de que seria paga ao Estado determinada quantiacaso a pretensão ou a contra-pretensão movimentadapelas partes não fosse justa ou certa. Na mesma linha, aexistência das chamadas “penas processuais” com oescopo de impedir-se as partes de lançar mão daschamadas “chicanas processuais”.1

No Brasil contemporâneo, Alcides Mendonça deLima2 informa que:

O Código de Processo Civil de 1939,vigente até 31 de dezembro de 1973,foi o primeiro diploma nosso que traçouregras em torno do “princípio daprobidade” que, evidentemente,abrange a vedação do “abuso do direitode demandar”.

Depois, acrescenta o mesmo autor3:

1 BRASILEIRO, Rosemery. Considerações sobre a litigância de má-fé no códigode processo civil. Revista da Associação Cearense do Ministério Público,Fortaleza, ano 3, n. 7, maio-jul. 2003.2 LIMA, Alcides Mendonça. Abuso de Direito de Demandar. Revista de Processo,v. 17, p. 59.3 Ibid., p. 59.

Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VI, Nº 7 - Dezembro de 2005

A LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ E OS RECURSOS... 466

Eram, porém, normas pouco precisase muito condensadas. De qualquermaneira, houve a louvável tentativa dolegislador (puramente pessoal,porquanto, na época, o CongressoNacional estava fechado, comodecorrência da implantação dochamado “Estado Novo”, períododitatorial) de enfrentar o problema,mesmo sem grandes resultadospráticos.

Em suma, essas considerações remontam a origemda figura da litigância de má-fé desde a antigüidade até osurgimento da primeira norma regulamentadora do referidoinstituto no sistema processual civil brasileiro.

2.1. Do abuso de direito no exercício da demanda

Vale lembrar, que alguns princípios regem o fenômenoda litigância de má-fé no processo. Alguns desses princípiosvêm por demonstrar o principal motivo da necessidade decompelir o litigante de má-fé, veja-se alguns dessesprincípios que no âmbito jurídico brasileiro servem defundamento para reprimir a prática da litigância de má-fé.

Quanto à liberdade no direito de ação, afirma-se quetodo titular de um direito poderá pleitear ao Estado aprestação jurisdicional para garanti-lo ou protegê-lo. Aleitura que se faz, mutatis mutandis, é que não haverádireito se não houver ação que o proteja.4

A Constituição Federal de 1988 estabelece em seuart. 5º, nº XXXV que, verbis: “A lei não excluirá daapreciação do poder judiciário lesão ou ameaça a direito.”5

4 ERPEN, Jéferson Antonio. O abuso do direito no exercício da ação e a livreconcorrência. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, PortoAlegre, n. 22 , p.121, mar.-abr. 2003.5 BRASIL. Constituição (1988). São Paulo: Manole, 2003.

Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VI, Nº 7 - Dezembro de 2005

VICTOR MARTINS RAMOS RODRIGUES 467

Ou seja, todos têm acesso à justiça para postular tutelajurisdicional preventiva ou reparatória relativamente a umdireito. No entanto, será necessário preencher os requisitospara a propositura da ação.

Sempre que estiverem preenchidas as condiçõesda ação (art. 267 nº VI) e os pressupostos processuais(art. 267 IV) do Código de Processo Civil, ou seja, sempreque forem obedecidas as forma dos atos processuais,estará legitimado o exercício do direito de ação. Da mesmaforma, é garantido à parte o exercício de sua defesa noprocesso civil. A questão que se coloca é quando o direitode ação é utilizado de forma abusiva, a fim de servir demeio a cercear ou obstaculizar o direito alheio. Para regularessas questões, haveria que se observar os limites dasprerrogativas para o exercício do direito, isto é, até onde aação é permitida, e onde se inicia o excesso.

Para, Hérber Mender Batista,6 as normas de conduta,em geral, deveriam ser aplicadas à hipótese vertente, nocaos, à observação do exercício de direito subjetivo semque tal cause a outrem um mal desnecessário, e isto sepode lograr obter no cumprimento das obrigaçõesordinárias, normais de cada ato da vida.

O abuso de direito tem fonte formal no Código Civilde 1916, que compunha a teoria do abuso de direito comoprincipal fundamento para o ensejo à aplicação daresponsabilidade civil em seu art. 160. Tal teoria, a partirdaí, passou sempre se apoiar e fixar nos princípios dedireito civil, pelo fato de caracterizar-se por ser produto dedoutrina. Então, o entendimento majoritário era que a teoriado abuso do direito nascia no direito privado e aplicava-se, trasladando-se ao direito processual, que aboliaqualquer anormalidade no exercício de qualquer direito,fluindo cada vez mais o entendimento do direito modernode que os institutos éticos devem prevalecer sempre sobreos elementos individuais.

6 BATISTA, apud. ERPEN, op. cit., p. 124.

Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VI, Nº 7 - Dezembro de 2005

A LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ E OS RECURSOS... 468

Chegou-se ao conceito de ato ilícito, que foi atribuídoao exercício irregular de um direito. Então, foi no Códigode Processo Civil de 1939 que o abuso de direitoprocessual recebeu uma ampla fundamentação legal, deforma genérica, ganhando conceituação legal e sançãoespecífica. Dentre as várias normas de índole sancionária,existiram os art. 3º e 63 do referido CPC que,generalizadamente definiam o conceito e asconseqüências do abuso do direito. O atual sistema, oCódigo de Processo Civil de 1973 não quis invocargenericamente os vícios do ato processual sob aabrangência do direito civil. Teve o atual Código apreocupação em inserir várias normas de caráterrepressivo e sancionador, com destaque às partes einteressados, com abrangência igualitária a todos queintervenham no processo, aperfeiçoando a aplicação doprincípio como o alicerce principal do ego social. A práticaprocessual e forense representa forte propulsor do sentidode respeito e utilidade indispensável que o Poder Judiciáriorepresenta à sociedade, que deve ser aliada à buscaincessante da efetividade do processo.

No atual Código de Processo Civil, observa-se umsentido maior no dever de veracidade e lealdade de todosaqueles que intervêm na relação processual com aampliação para o dever de probidade, pela definição dediversas condutas proibidas aos sujeitos processuais.

2.1.1. Princípio da lealdade processual

A teoria do abuso de direito, que tem suas raízesfincadas na moral, encontra no princípio da lealdadeprocessual o seu grande aliado. É dever não só das partes,mas também dos advogados e de todos os demais queparticiparem do processo, exercer o seu direito commoralidade e probidade, não só nas suas relaçõesrecíprocas, como também perante órgão jurisdicional. Odesrespeito do dever de lealdade processual se traduz

Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VI, Nº 7 - Dezembro de 2005

VICTOR MARTINS RAMOS RODRIGUES 469

em ilícito processual, com as sanções decorrentes. OCPC do Brasil também preceitua que entre os deveresdas partes e dos seus procuradores está o de procedercom lealdade e boa-fé, além dos outros previstos nosdemais artigos, principalmente o artigo 17 e seus incisos.

A Lei 10.358/2001 abrangeu tal responsabilidade atodos os demais participantes, que de qualquer formaparticipam do processo, e não apenas às partes e aosseus advogados, podendo ser incluído nesse rol, por umainterpretação literal, por exemplo, o perito, o assistente deperito, as testemunhas, enfim todos os demaisparticipantes da lide.

Daí, afirmar que ao desrespeito do dever de lealdadeprocessual e dos que o integram, e que se traduz no ilícitoprocessual, abrangente do dolo e fraude processuais,correspondem algumas sanções não só processuaiscomo também pecuniárias. Na previsão do que impõe odever de lealdade e boa-fé, o Código de Processo CivilBrasileiro deixa a verificação de sua ocorrência ou não acritério do juiz. Portanto, é ato discricionário.

Então, o dever de dizer a verdade é o fundamentoda lealdade processual e é de ordem subjetiva e nãoobjetiva. O postulante deve acreditar no que afirma. Esseé o dever relativo aos fatos, porquanto o direito é conhecidopelo juiz.

2.1.2. Teoria do abuso do direito no processo

Abusa de seu direito aquele que viola a sua finalidade.O interesse individual não pode prevalecer sobre o dacoletividade. A teoria do abuso do direito veio alargar oâmbito das responsabilidades, cerceando o exercício dosdireitos subjetivos, no desejo de satisfazer melhor oequilíbrio social e delimitar, tanto quanto possível, a açãonefasta do egoísmo humano. Como corretivo indispensávelao exercício do direito, ela veio limitar o poder dos

Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VI, Nº 7 - Dezembro de 2005

A LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ E OS RECURSOS... 470

indivíduos, mesmo investidos de direitos reconhecidospela lei, conciliando estes direitos com os da coletividade.

A teoria do abuso de direito é a reação contra aamoralidade e conseqüências anti-sociais que decorremda doutrina clássica dos direitos absolutos. O exercíciode um direito não é incompatível com a noção de culpa,mas o conceito de culpa, que acolhe, quando trata doabuso de direito, não é o conceito clássico, mas o de culpasocial, ou seja, o desvio da missão social do direito, e porconseqüência óbvia, de todo o processo.

Na fixação do abuso de direito, há o critério subjetivoem que só há o exercício abusivo do direito com a intençãode lesar o direito de outrem. Há também, o critério objetivoou finalista, em que será anormal o exercício do direitoquando contrariar sua finalidade social econômica.Servem à demonstração dos fundamentoscaracterizadores da litigância de má-fé na relaçãoprocessual em que as partes se utilizam dos mais variadosartifícios para alcançar seu objetivo.

2.2. O princípio da boa-fé

O instituto do Princípio da Boa-Fé é o que deveriareger toda e qualquer relação entre duas pessoas, quandohá um bem em jogo, seja ele um bem material ou o própriodireito pretendido. Sabe-se que nem sempre, ou quasenunca, a boa-fé é utilizada em tais relações, o que com odecorrer do processo persecutório irá trazer transtornospara uma parte e vantagem para a outra. Este princípio élargamente utilizado como fundamento para decisõesjudiciais acerca de litígios que envolvem, a má-fé, seja elaem contratos, compras e vendas, locações, enfim, umagama de oportunidades que dêem espaço para a utilizaçãoda má-fé. Afim de dirimir tais conflitos, o princípio da boa-fé é amplamente invocado pelo poder judiciário, servindocomo base de todas as decisões em que haja conflitocausado pela má-fé.

Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VI, Nº 7 - Dezembro de 2005

VICTOR MARTINS RAMOS RODRIGUES 471

Do latim, bona fides: boa-fé, boa confiança.Convicção de alguém que acredita estar agindo de acordocom a lei, na prática ou omissão de determinado ato. Nodireito imobiliário, é habitual conceituá-la como a convicçãodo adquirente do imóvel de que, sobre este, não pesanenhum ônus - dever processual: Art. 14, II do CPC. Estaé uma definição bem sintetizada do que seja boa-fé.

Tal princípio é estreitamente ligado à Lealdadeprocessual, visto que ambos têm por objetivo o resultadojusto para ambas as partes, ou seja, uma decisão proferidasem qualquer tipo de vício ou fator que possa prejudicaruns e favorecer outros. Dessa decisão, o juiz deverá sebasear nos fatos, analisá-los imparcialmente e, provadaa existência de má-fé, julgar de acordo com o livreconvencimento à modo que se suprima o dolo de eivar oprocesso com vícios resultantes de má-fé, proferindo umasentença que transpareça o verdadeiro sentido de Justiça.

Enfim, a boa-fé deve ser entendida como o estadode espírito de quem, confiantemente, com intenção purae desprovida de qualquer malícia, ou, esperando umresultado positivo, pratica por erro o ato que julgavaconveniente e lícito, quando na verdade, pratica um atoque poderá não lhe satisfaz na medida que era esperadapor ele, vindo por acontecer um resultado que poderá sercontrário à suas expectativas e interesses. Tais errospoderão ocorrer por intermédio da má-fé de outrem, ouseja aquele que com estado psicológico, por malícia,voluntária e conscientemente, pratica, em proveito próprio,qualquer ato que tenha por fim induzir alguém a erro oucausar-lhe dano.

O que vale dizer, mais especificamente, noprocesso judicial, aquele que praticar os atos elencadosno art. 17, não respeitando os deveres descritos no art.14, tornando-se responsável de acordo com o art. 16 epodendo sofrer as sanções do art. 18 e seus parágrafos.

Somente estas considerações preliminares não sãosuficientes para demonstrar com clareza e convicção o

Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VI, Nº 7 - Dezembro de 2005

A LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ E OS RECURSOS... 472

que de fato, a litigância de má-fé é capaz de influenciarnegativamente na relação processual.

Como é ensinado por Ana Lúcia Iucker Meireles deOliveira:

O abuso processual só existe quandose compõem seus pressupostossegundo texto legal; e nunca se apreciaantes de ter produzido seus efeitos,porque então se estariam a peneirar,liminarmente, a pretensão à tutelajurídica, a pretensão processual, aação e a prática dos atos processuais.7

Essas considerações preliminares possibilitam umamelhor visão interpretativa dos aspectos relativos àlitigância de má-fé em espécie, a fim de situar a teoria aoato de má-fé em concreto. Pode-se, contudo, evidenciarque a sua ocorrência na prática será de difícil detecção epunição quando não houverem provas cabais de suaocorrência, pois de certa forma, o contraditório e a ampladefesa são institutos que se utilizados de má-fé, se tornamhábeis a disfarçar ou maquilar a prática de algum ato demá-fé, mitigando-o a ponto de torná-los válidos. A exemplodo acima exposto, observe-se a hipótese de utilização deprovas pré-existentes em momentos distintos da açãocomo sendo provas novas, atravancando o deslinde daação.

3. A incidência da litigância de má-fé no processo civil

Os dispositivos legais insculpidos no Código deProcesso Civil têm sido progressivamente alterados no

7 OLIVEIRA, Ana Lúcia Iucker Meireles de. Litigância de má-fé. São Paulo:Revista dos Tribunais, 2000.

Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VI, Nº 7 - Dezembro de 2005

VICTOR MARTINS RAMOS RODRIGUES 473

sentido de atualizá-los e moldá-los à melhor interpretaçãoem relação à sua aplicabilidade prática. Nesse sentido,observa-se que as Leis reformadoras contribuem com alapidação de tais regras processuais, exercendo assimimportante papel, possibilitando uma melhoria nodesencadeamento dos atos processuais e no procederdas partes.

Sabe-se que os atos processuais, por seremcomplexos e seqüenciais, estão sujeitos a uma série deexigências, que são os requisitos processuais, entendendopor requisito a circunstância ou conjunto de circunstânciasque devem existir num ato para que seja considerado válidoe para que produza os efeitos a que se destina.

Nesse sentido, extrai-se das lições de RoqueKomatsu o seguinte ensinamento: “Os requisitosprocessuais são modelos legais que se propõem àatividade do processo. E diz-se modelo legal porque a suaorigem é a lei e não a vontade dos sujeitos do processo.”8

As leis reformadoras vieram para aperfeiçoar asregras já anteriormente existentes, trazendo novosrequisitos processuais para a prática dos atos noprocesso. Atinente para a concentração dos comentáriosàs leis em relação ao tema da litigância de má-fé, observar-se-á o enfoque apenas em relação as Leis que vieram aalterar os dispositivos legais inerentes ao tema, tratando-se então de concentrar alguns breves comentáriosindispensáveis às Leis 6.771/80; 8.952/94; 9.668/98 e10.358/2001.

3.1. Breves comentários à Lei 6.771/80:

A Lei 6.771/80 trouxe grandes mudanças no textodo art. 17 do Código de Processo Civil, modificando

8 KOMATSU, Roque. Da invalidade no processo civil. São Paulo: Revista dosTribunais, 1991.

Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VI, Nº 7 - Dezembro de 2005

A LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ E OS RECURSOS... 474

substancialmente seus incisos. O texto anterior a esta leiprevia a reputação ao litigante de má-fé pela prática dosatos previstos em seus incisos.

O inciso I antes da modificação não possibilitava umaleitura e, conseqüentemente uma interpretação clara ecristalina do pretendido pelo legislador quando dispunhasobre a possibilidade de se deduzir pretensão ou defesacuja falta de fundamento possa ser razoavelmentedesconhecida. Ora, inegavelmente uma grave falhalegislativa foi corrigida no sentido de esclarecer que ofundamento que não se pode desconhecer é o fundamentolegal, ou seja, de texto expresso em Lei ou fatoincontroverso.

O antigo inciso I ao tentar coibir a prática de atos delitigância de má-fé, esbarrou talvez, no medo de ferir oprincípio do direito de ação e do contraditório, pois olegislador, antes da lei reformadora obscureceu a normaao tentar explicá-la. Pecou pelo excesso e pela falta depraticidade.

Ademais, no inciso II foi subtraída a expressãointencionalmente talvez para abarcar em um só inciso aintenção do legislador pretendida para os antigos incisosII e III. A praticidade e a simplicidade tornou possível umainterpretação direta e correta, no sentido de que alterar averdade dos fatos, entende-se também o ato de omitir fatosessenciais ao julgamento da causa. De qualquer forma, oque se pretende pelo legislador, tanto antes quanto apósa reforma é coibir a má-fé na prática dos atos processuais.

3.2. Breves comentários à Lei 8.952/94

Apenas para seguir a ordem cronológica dasalterações relativas às disposições legais inerentes àlitigância de má-fé no processo civil, traz-se aqui à bailaalguns comentários à Lei 8.952/94.

A referida lei, no que tange à litigância de má-fé,alterou primeiramente o caput do art. 18 do Código de

Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VI, Nº 7 - Dezembro de 2005

VICTOR MARTINS RAMOS RODRIGUES 475

Processo Civil, que previa de forma genérica e imprecisaque o litigante de má-fé indenizaria a parte contrária pelosprejuízos que esta sofreu, acrescidas dos honoráriosadvocatícios e todas as despesas que efetuou.

Pois bem, o amadurecimento legislativo aliado àdificuldade de aplicabilidade prática do instituto, trouxe anecessidade de alteração da norma do caput do art. 18 doCPC. A Lei 8.952/94 veio a suprimir tal falha, acrescendoque é o juiz quem condenaria o litigante de má-fé aopagamento de indenização pecuniária à parte prejudicada.Todavia ainda persistiam falhas técnicas que seriamposteriormente suprimidas pela Lei 9.668/98.

Ademais, a Lei 8.952/94 trouxe inovação ao extirparum ato processual que atravancava a efetividade práticada condenação do caput do art. 18, qual seja, a liquidaçãona execução, quando inexistissem elementos quepossibilitassem a declaração do valor da indenizaçãopelo juiz.

O legislador então, definiu que o valor da indenizaçãonão será superior a vinte por cento do valor da causa, ouliquidado por arbitramento, devendo ser fixado desde logo,o quanto antes, a fim de agilizar o trâmite processual edar maior efetividade à coibição das práticas de atos demá-fé no processo.

3.3. Breves comentários à Lei 9.668/98

A primeira grande modificação trazida pela Lei9.668/98 foi a inclusão do sétimo inciso ao art. 17acrescendo, como conduta repugnável e caracterizadacomo ato de má-fé, a interposição de recurso com finsmanifestamente protelatórios, o que vinha ocorrendo naprática com freqüência assustadora, justamente por faltade previsão legal.

Com a inclusão deste inciso, a admissibilidade dosrecursos, principalmente nos tribunais superiores vêmsofrendo um crescente decréscimo, além de outros fatores

Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VI, Nº 7 - Dezembro de 2005

A LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ E OS RECURSOS... 476

impeditivos injustificáveis. Sabe-se que os tribunaissuperiores estão abarrotados de recursos, os quais nãotêm viabilidade de serem analisados e julgados um a um,sofrendo uma análise superficial e pobre, sendo julgadosaqueles semelhantes aos montes, sem qualquer critériode análise mais apurada.

Assim sendo, o inciso VII do art. 17 do Código deProcesso Civil produziu duplo efeito positivo, o primeirodeles é a óbvia redução da interposição de recursosmeramente protelatórios, o segundo efeito diz respeito àsingela, mas importante diminuição do número derecursos nos sobrecarregados tribunais superiores.

Uma série de medidas para desafogar os tribunaissuperiores está sendo tomada, como o crescentedesestímulo à interposição de recursos através deexigências formais surreais e a obstacularização doconhecimento dos recursos interpostos com fundamentospouco convincentes e na maioria das vezes desprovidosde fundamentação inócua, o que acaba por gerar novasinterposições de recursos dessas decisões.

Enfim, o tema, em relação aos recursos e suasfalhas é de grande interesse, mas que não deve serabordado no presente trabalho sob pena de fataldesvirtuamento de sua temática, que frise-se aqui, é aapresentação dos aspectos inerentes à litigância demá-fé.

Outra importante atualização foi possível no Códigode Processo Civil através da Lei 9.668/98, qual seja, noart. 18, expandiu o poder/dever aos tribunais, e não apenasaos juízes, de condenar o litigante de má-fé ao pagamentoda indenização à parte por ele prejudicada.

Não obstante, a fim de desestimular e punir alitigância de má-fé, incluiu ainda a condenação aopagamento de multa não excedente a um por cento dovalor da causa, além da já referida indenização. Vislumbra-se que o legislador utilizou a expressão “condenará”, como

Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VI, Nº 7 - Dezembro de 2005

VICTOR MARTINS RAMOS RODRIGUES 477

sendo uma imposição legal caso caracterizada a condutade má-fé no processo. Disto, subtraia-se que, a litigânciade má-fé deverá ser decretada pelo juiz, medianteprovocação ou de ofício, por ser matéria de ordem pública.Todavia, a litigância de má-fé, embora ainda existente,dificilmente será declarada pelo juiz se não existiremprovas cabais que a evidenciem no processo, É o que senota na prática forense.

3.4. Breves comentários à Lei 10.358/2001

A lei em comento é a que trouxe as modificaçõesmais substanciais, a ponto de se tornar perceptível, pelamelhor interpretação, a crescente repugnância dolegislador em relação à litigância de má-fé no processo. Aprimeira grande modificação da Lei 10.358/2001 é aextensão do rol dos sujeitos às condutas enumeradas nosincisos do art. 14.

No caput do art. 14, o que antes era apenascompetência, após a legislação supra se tornou um deverde agir com as condutas nele estipuladas. São deveresnão apenas restritos às partes e seus respectivosadvogados, mas em relação a todos aqueles que dequalquer forma participam do processo.

Quando o legislador entendeu por bem ampliar o roldos sujeitos aos deveres estipulados nos incisos do art.14, certamente se deu pelo fato de que, puníveis osadvogados e as partes, a contrario sensu os demaisparticipantes seriam impuníveis em relação às suascondutas maliciosas, a não ser pelas puniçõesadministrativas e disciplinares dos assim puníveis, queinevitavelmente só ocorreriam mediante representação aoórgão competente.

Como o processo não se restringe à participaçãoativa das partes e advogados, nada mais justo que ampliara responsabilização aos demais participantes, como porexemplo, as testemunhas, os peritos e seus assistentes,

Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VI, Nº 7 - Dezembro de 2005

A LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ E OS RECURSOS... 478

os oficiais de justiça, os avaliadores, e demaisparticipantes, pois igualmente praticam atos de cunhodecisivo na produção de provas e fatos, e, porconseqüência óbvia, influem diretamente na formação daconvicção do magistrado julgador.

E mais, a lei 10.358/2001 incluiu ainda, como deverde conduta o cumprimento com exatidão dos provimentosmandamentais e a não criação de embaraços à efetivaçãode provimentos judiciais, de natureza antecipatória ou final.

Nas notas explicativas ao anteprojeto de Lei nº. 14,elaborado pelos processualistas Athos Gusmão Carneiroe Sálvio de Figueiredo Carneiro que precedeu a Lei 10.358/2001, já se vislumbrava a verdadeira intenção da mudança,qual seja, aplicar a sanção pecuniária diretamente aoresponsável pelo ato atentatório ao exercício da jurisdição.É a punição à brasileira do instituto anglo-americanodenominado contempt of court, ou entre nós, a litigânciade má-fé.9

A sanção, quando aplicada, era geralmente dirigidaà pessoa jurídica a que estava vinculado o servidor, nãotendo qualquer efeito psicológico, na forma de coaçãoindireta, sobre o agente responsável pelo cumprimento daordem judicial. Desse modo, era freqüente a ordem judicialser simplesmente ignorada pelo servidor, sem quequalquer penalidade lhe fosse imposta. Todavia, após amodificação, com a ameaça de sofrer a sanção pecuniária,certamente o agente responsável pela prática do ato,titubeará antes de descumprir a ordem judicial que lhe foraimposta.

Esse inciso trouxe grande desenvolvimento notramitar processual, vez que fortaleceu em muito o princípioda efetividade do processo, tão almejado por todos, exceto

9 CARNEIRO, Athos Gusmão; TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo, Anteprojeto de Lein. 14 (versão final). Revista Jurídica Virtual, n. 2, jun. 99. Disponível em http://www.presidencia.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_02/antproj_lei_cpc14.htm.Acesso em: 6 jan. 2004.

Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VI, Nº 7 - Dezembro de 2005

VICTOR MARTINS RAMOS RODRIGUES 479

pelos litigantes de má-fé. Assim, os mandamentosprocessuais antes em muito intencionalmente retardadose obstacularizados pelos responsáveis pelo seu fiel eimediato cumprimento, agora, estão sendo devidamenterespeitados e cumpridos com maior agilidade, certamentepor receio de serem punidos por infringência do inciso Vdo art. 14, acrescido pela Lei 10.358/2001.

Por fim, outra modificação trazida pela Lei 10.358/2001 foi o acréscimo do parágrafo único do art. 14, com aorientação no sentido de que a violação do disposto noinciso V do art. 14 é constituída como sendo ato atentatórioao exercício da jurisdição, o que dá plena liberdade ao juizde aplicar a multa em montante que será fixado de acordocom a gravidade da conduta limitada aos vinte por centodo valor da causa, diretamente ao responsável, semprejuízo às demais sanções cabíveis sejam elas criminais,civis ou processuais.

Nesse sentido traz-se à baila os ensinamentos deTeresa Arruda Alvim Wambier10 ao formar simples, porémeficiente, analogia explicativa quanto à aplicabilidade dasnormas sancionadoras, das quais não deve o magistradose furtar:

As normas que se encaixam narealidade como se fossem um lego sãoaquelas em que (...) a hipótese deincidência está descrita de modo claroe exauriente. Como é sabido, lego éum brinquedo de origem escandinava,em que um pino encaixa num orifício,sendo que este encaixe se dá de modoperfeito. (...) Alguma dessas normas,de fato, não reclamam do juiz senão

10 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Controle das decisões judiciais por meiode recursos de estrito direito e de ação rescisória: recurso especial, recursoextraordinário e ação rescisória: o que é uma decisão contrária à lei? SãoPaulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 130.

Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VI, Nº 7 - Dezembro de 2005

A LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ E OS RECURSOS... 480

um rápido exame para que se dêemconta de que têm de decidir semmargem alguma de discricionariedade.

Todavia, o referido parágrafo único não é aplicávelaos advogados que se sujeitam exclusivamente aosestatutos da OAB, ou seja, por ser a Lei 8.906/94 leiespecífica disciplinar dos advogados, o legislador fez aressalva de sua aplicabilidade em relação aos advogados.

Todavia, o Superior Tribunal Federal, decidiu pelaextensão da ressalva aos advogados do setor privado edo setor público no julgamento da ADIn 2.652-6 propostapela Associação Nacional dos Procuradores de Estado –ANAPE, nos seguintes termos:

O Tribunal, por unanimidade, julgouprocedente o pedido formulado nainicial da ação para, sem redução detexto emprestar à expressão‘ressalvados os advogados que sesujeitam exclusivamente aos estatutosda OAB’, contida no parágrafo únicodo art. 14 do Código de Processo Civil,com redação imprimida pela Lei 10.358/2001 interpretação conforme a Carta,a abranger advogados do setor privadoe do setor público (DOU e DJU03.12.2003).11

Por fim, a Lei 10.358 não se restringiu a alterarapenas a Seção I do Capítulo III do Título II do Livro I do

11 BRASIL, Supremo Tribunal Federal, Tribunal do Pleno. Ementa: Ação deiretade inconstitucionalidade. Impugnação ao parágrafo único do artigo 14 docódigo de processo civil, na redação dada pela lei nº10.358/2001. Procedênciado pedido. ADIn nº. 2.652-6. Associação Nacional dos Procuradores de Estadoem face do Presidente da República e do Congresso Nacional. Relator: Min.Maurício Corrêa. Julg. em 3 maio 2003. Publicado no DJ DATA-14 nov. 2003 PP-00012 EMENT VOL-02132-13 PP-02491.

Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VI, Nº 7 - Dezembro de 2005

VICTOR MARTINS RAMOS RODRIGUES 481

Código de Processo Civil. A mesma Lei, fez importantesatualizações legislativas, além das modificaçõessupracitadas, nos artigos 253 e seus incisos I e II, no caputdo art. 407, no parágrafo único do art. 433, no inciso IV doart. 575, nos inciso III e VI do art. 584, além de acrescer osartigos 431-A e 431-B.

As modificações trazidas pela Lei 10.358/2001trouxeram uma melhor efetividade do processo, que sujeitoàs tantas atualizações, tende a ser mais eficiente esimplificado, sempre respeitados os princípios a eleinerentes, preenchendo lacunas que ensejavam a litigânciade má-fé, conforme dispõem os autores do anteprojetonas suas exposições de motivos em relação ao art. 253alterado, in verbis:

É alterado o ‘caput’ do art. 253, a fim deque a distribuição seja feita pordependência não apenas nos casos deconexão ou continência com outro feitojá ajuizado, como ainda nos casos de‘ações repetidas’, que versem idênticaquestão de direito. Evitar-se-ão, assim,as ofensas ao princípio do juiz natural,atualmente ‘facilitadas’ nos foros dasgrandes cidades: o advogado, ao invésde propor a causa sob litisconsórcioativo, prepara uma serie de açõessimilares e as propõe simultaneamente,obtendo distribuição para diversas varas.A seguir, desiste das ações quetramitam nos juízos onde não obteveliminar, e para os autores dessasdemandas postula litisconsórciosucessivo, ou assistência litisconsorcial,no juízo onde a liminar haja sido deferida.A alteração desse artigo do CPC foiinclusive sugerida pelo Tribunal RegionalFederal da 1ª Região, por ofício datadode 19.05.1994, e encaminhado aoConselho da Justiça Federal (of. 270/94-

Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VI, Nº 7 - Dezembro de 2005

A LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ E OS RECURSOS... 482

PRESI), com esse objetivo: obstar as“distribuições conduzidas.”12

Enfim, a Lei 10.358/2001 veio a recalcar as frestaslegislativas ainda existentes, não que estas ainda nãoexistam, mas foram mitigadas com regras menosfavoráveis à ocorrência da litigância de má-fé.

3.5. Identificação da má-fé nos atos praticados noprocesso

Como dantes dito, a problemática reside naidentificação da má-fé. A litigância temerária decorre daviolação do princípio da lealdade e boa-fé processual. Asnoções de lealdade e probidade, não são jurídicas, masdecorrem da experiência social. A lealdade é o hábito dequem é sincero e, naturalmente, abomina a má-fé e atraição; enquanto que a probidade é própria de quem atuacom retidão, segundo os ditames da consciência. Alitigância de má-fé é a qualificação jurídica da conduta,legalmente sancionada, daquele que atua em juízoconvencido de não ter razão, com ânimo de prejudicar oadversário ou terceiro, ou criar obstáculos ao exercício doseu direito, desvirtuando a finalidade do processo.

Verifica-se, portanto, que o delito processual emanálise apenas estará configurado se houver dolo, ouseja, o animus deliberado de lesar a outra parte ouprocrastinar deliberadamente a marcha processual. Éoportuno ressalvar também que parte da doutrinaentende que a culpa grave poderá ensejar a condenaçãopor litigância de má-fé. As situações passíveis derepressão estão arroladas no art. 17 do CPC. O inciso

12 CARNEIRO, Athos Gusmão; TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo, Anteprojeto deLei nº 14 (versão final). Revista Jurídica Virtual, n. 2, jun. 1999. Disponível em:http://www.presidencia.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_02/antproj_lei_cpc14.htm.Acesso em 06 jan. 2004.

Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VI, Nº 7 - Dezembro de 2005

VICTOR MARTINS RAMOS RODRIGUES 483

I do referido dispositivo inclui no rol temerário aqueleque deduz pretensão ou defesa contra texto expressode lei ou fato incontroverso.

Uma das mais repulsivas hipóteses de improbidadeprocessual está alinhada no inciso II do art. 17 do CPC ese fará presente quando a parte, simplesmente, alterar arealidade fática, ou seja, a verdade. Neste caso, desdeque não se verifique a presença de dolo, igualmente nãose poderá intitular de má-fé o ato praticado bem comosuas alegações. Se a parte relata os fatos da forma comoos interpretou, embora apontando conclusões diversas,mas em desconformidade com os seus reais efeitos, nãopode ser acusada de os ter alterado, descabendo acondenação por improbidade processual.

A utilização do processo para a obtenção de fimilegal, da mesma forma, não pode ser tolerada (art. 17, III,do CPC). Alguns doutrinadores restringem o campo deaplicação da hipótese aos casos em que o fim é buscadoem detrimento do adversário, não se confundindo, portanto,com os casos de conluio ou simulação, que já estãotratados pelo art. 129, do CPC. Outro exemplo de litigânciatemerária reside na oposição injustificada ao fluxo doprocedimento, no qual a malícia é elemento essencial, quenão se confunde com as hipóteses que tutelam objetivosidôneos ou juridicamente relevantes, cuja análise deve ficarreservada ao prudente arbítrio do juiz.

Finalmente, os dois últimos incisos do art. 17consagram a deslealdade processual nos casos em quea parte procede de modo temerário em incidentes ou atosprocessuais ou provoca incidentes desprovidos da menorjuridicidade, bem como interpondo recursos com fins tãosomente protelatórios.

O melhor entendimento é o que diz que proceder demodo temerário corresponde a proceder sem razão, semponderação, com manifesta imprudência, em detrimentoda parte contrária. Já os incidentes infundados estãoligados à resistência injustificada ao andamento do

Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VI, Nº 7 - Dezembro de 2005

A LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ E OS RECURSOS... 484

processo. Ambos os casos poderão decorrer de dolo eculpa grave. Como se verifica, na tipificação da má-fé,deverá o Juiz avaliar o comportamento ético das partes,investigando, com maior profusão, o elemento volitivo (doloou culpa) daquele que é considerado suspeito de agir emdesconformidade com os princípios da lealdade e boa-féprocessual.

Disciplina o artigo 17 do Código de Processo Civilque reputa-se litigante de má-fé, portanto faltando com alealdade processual, dentre outros, aquele que procederde modo temerário em qualquer incidente ou ato doprocesso e provocar incidentes manifestamenteinfundados. A má-fé do litigante temerário, autorizadoraaplicação da pena por perdas e danos, além das jádispostas no parágrafo único do art. 14 e no art. 18, ambosdo Código de Processo Civil, é aquela resultante da relaçãoprocessual e não da relação material envolvida noprocesso.

O Estado e a sociedade apresentam-seprofundamente empenhados para que o processo decorrade forma eficaz, reta, prestigiada e útil a sua principalfunção, a de distribuir justiça, ou seja, alcançar suaefetividade. Daí decorre a intenção dos legisladores emfundamentar os procedimentos processuais sobre osprincípios da boa-fé e da lealdade processual das partes,advogados, do juiz e de “todos aqueles que de qualquerforma participam do processo.”13

A lei, portanto, não acolhe nem tolera de qualquer formaa má-fé e serve de artifício ao juiz, conferindo-lhe poderespara que, mesmo de ofício, atue contra a fraude processual.

A punição à litigância de má-fé deve serextremamente rigorosa, para exigir-se a lealdade

13 BRASIL. Lei 5.869, de 11 de Janeiro de 1973. Código de processo civil, art.14, caput., 6. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VI, Nº 7 - Dezembro de 2005

VICTOR MARTINS RAMOS RODRIGUES 485

processual como forma de concreção do direito àjurisdição, não sendo confundida a coação como restriçãoao exercício de direito, ao contraditório, ou até mesmo nodevido processo legal, que abrange também, outrosdireitos constitucionais assegurados pelo art. 5º da CartaMagna, deverá uma finalidade ser a regente de toda essarelação, qual seja, o resultado ideal e justo ao litígioexistente.

Pois, aquele que abusa de seu direito é porque violaa finalidade primordial do processo. Não só o doloprocessual ou culpa grave é capaz de caracterizar a má-fé, mas também qualquer diligência anormal que se fiquecaracterizada capaz de modelar resultados injustos. Asleis processuais criam diversos deveres para as partes,seus procuradores e os demais participantes do processo.Os principais deveres estão descritos no Capítulo II, TítuloII, Livro I, do CPC, denominado de “Dos Deveres dasPartes e dos seus Procuradores”, relembrando que aredação do caput do art. 14 foi modificada pela Lei 10.358/2001 no sentido de ampliar o rol de sujeitos à norma.

Com essas explanações iniciais, é que, de formafundada, será analisada cada inciso do artigo 17, ou seja,os atos que caracterizam o litigante de má-fé no processo.O código de Processo Civil, após sistematizar os deveresdas partes e dos demais participantes do processo, nosartigos 14 e 15, concretiza especificamente aquele quedeve ser considerado litigante de má-fé em seu artigo 17,enumerando taxativamente cada um deles, a saber:

3.5.1. Deduzir pretensão ou defesa contra textoexpresso de lei ou fato incontroverso

Deduzir pretensão ou defesa contra texto expressode lei, só por si, não poderá ensejar a improbidadeprocessual, até porque se presume a boa-fé quando apostura apreciada tiver por suposto a inconstitucionalidadeou a injustiça da lei ou decorrer de decisão judicial anterior.

Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VI, Nº 7 - Dezembro de 2005

A LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ E OS RECURSOS... 486

Haverá, sim, nesta hipótese, litigância de má-fé quando aparte, por exemplo, citada em ação conexa, deixar decomunicar a prevenção, ou quando cometer errogrosseiro, de suma gravidade, geralmente atribuível aoadvogado. Naquele primeiro caso, a presunção deimprobidade é absoluta (iure et de iure), inadmitindo,portanto, prova contrária.

Ato incontroverso é todo aquele incontestável ouindubitável. Será, portanto, considerado de má-fé, quempleitear ou defender interesses sustentando seu pedidocontra texto expresso em lei, bem como requerer oudefender-se diante de um ato incontestável. Tal desrespeitoà letra disposta legalmente deverá ser analisada com rigorobjetivo, pois, do contrário, todo aquele que tivesse perdidoa demanda seria, teoricamente, litigante de má-fé. Misterque o reconhecimento da má-fé se informe pelo que nãoé indispensável, em razão de ter sido ultrapassado o limiteda razoabilidade. Assim:

“PROCESSUAL CIVIL. LITIGANTE DEMÁ-FÉ. OFENSA AO ART. 17, I DOCPC. Não incorre me pena por litigânciade má-fé, nos termos do art. 17, I doCPC, quem deduz defesa reconhecidapela sentença.”14

Em rigor, todo réu seria considerado litigante de má-fé porque contestou contra o texto expresso em lei. Esteponto esbarra em outro princípio já concretizado, o daampla defesa. Mas isso é fonte de ampla discussão,valendo dizer que, o princípio da ampla defesa é aplicadoa todos diferentemente, pois a situação fática de cada caso

14 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Processual Civil. Litigante de má-fé:ofensa ao art. 17, I do CPC. Resp. 17.089/SP, Ministro Dias Trindade, Julgamentoem 09 mar. 1992. Publicado no DJ em 13 abr. 1992, também disponível em: http://www.stj.gov.br/SCON/pesquisar.jsp. Acesso em 6 jan. 2004.

Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VI, Nº 7 - Dezembro de 2005

VICTOR MARTINS RAMOS RODRIGUES 487

permitirá um limite para exercer sua defesa. Ao ultrapassaresse limite, aí sim, estar-se-ia caracterizando a litigânciade má-fé da parte. O que é primordial é a necessidade dojuiz aplicar a coibições previstas em lei nos casos em quese torna perceptível a prática dos atos processuais demaneira destoada com a lealdade e a boa-fé.

Para que se torne possível uma aprimoradacompreensão no que tange à identificação da má-féprocessual deve ser abordado nesta oportunidade oPrincípio da Eventualidade, que é uma primazia dentroda esfera do direito processual quando tange à defesado réu, visto que este princípio serve de freio para toda equalquer possibilidade de procrastinar o feito processual.Explicando, tal princípio se faz presente em todas asformas de manifestação das partes no processo. Esteprincípio quer dizer que todas as oportunidades que aspartes tenham de se manifestar no processo, devam serfeita de maneira una, ou seja, devem alegar ou semanifestar de uma só vez, todos os fatos. Todas asalegações devem ser produzidas no primeiro momentoem que houver oportunidade de serem expostos nosautos, mesmo que contraditórias as alegações entre si,certo de que, se esperará para alegar um, depois outro,e assim sucessivamente, ou seja, o desenvolvimentoprocessual normal.

É um princípio que dificulta, na prática, aprocrastinação do feito processual, visto que o réu,principalmente, se vê impelido a argüir na peça de defesa,todas as alegações, contraditórias entre si, sob pena de oréu perder tal faculdade de apresentar suas manifestaçõesde defesa no processo pela preclusão, pois não o fez nomomento adequado. Toda matéria de defesa deve serargüida na peça de defesa sob pena de preclusão. Umaexceção é em relação a matéria concernente a direitosuperveniente, que são as questões que o juiz podeconhecer ex officio, a exemplo da decadência. Outraexceção são aquelas matérias que possam ser argüidas

Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VI, Nº 7 - Dezembro de 2005

A LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ E OS RECURSOS... 488

em qualquer momento processual, abraçada pordeterminação legal expressa, a exemplo da prescrição.

Então, reconhece-se que o princípio da eventualidadeé de suma importância na esfera processual,principalmente no que tange à defesa do réu porque evitauma demora injustificável, um possível retardamento dotrâmite legal normal do processo pelas alegaçõesparceladas, devendo ser todas elas apresentadas demaneira una na primeira oportunidade que existir.

3.5.2. O ato de alterar a verdade dos fatos

Por ser o dolo a forma jurídica da má-fé, o inciso IIdo artigo 17 deverá ser interpretado com bastante cautela,sob pena de se obstar a defesa da parte, do contrário,todo aquele que falseasse não dizendo a verdade serialitigante de má-fé. É fato parecer uma utopia, uma metalongínqua e ideal a exigência de absoluta veracidade nasdemandas, no que entender, tal ideologia importa em dizera verdade contra seus próprios interesses.

A verdade exigida é subjetiva, devendo a parte fazera comunicação de conhecimento, conforme sabe, e tãosomente nesses limites, sob pena de, extrapolando-os,estar-se-ia necessariamente mentindo pois alegaria fatodo qual não tem conhecimento. As partes têm o dever deexpor o que sabe, e não o dever de saber e expor. Então,o rigor deve ser aplicado junto à cautela, pois exigir danatureza humana em obrigar expor os fatos em juízoconforme a verdade ou proibi-las de formular pretensões,nem alegar defesa, cientes de que são destituídas defundamento, se assemelha, em termos práticos, com aprópria ação comparada de se cometer um suicídio. Veja:

“RECURSO ESPECIAL. CÁLCULO DELIQUIDAÇÃO. VALORES INSERTOSNA CONTA, POSTERIORMENTECONSTATADOS QUE FORAM

Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VI, Nº 7 - Dezembro de 2005

VICTOR MARTINS RAMOS RODRIGUES 489

L E V A N T A D O SADMINISTRATIVAMENTE. Nãocomunicação do fato nos autosjudiciais. Litigância de má-fé.Condenação da autora. Prejudicialidadedo recurso especial pelasuperveniência de fato que tornainócua a decisão a ser proferida. Agravoprovido parcialmente”.(AgREsp. 35.687/SP, Turma 2, RelatorMin. Américo Luz, DJ: 28/08/95).15

3.5.3. Usar do processo para conseguir objetivo ilegal

O processo é instrumento de satisfação do interessepúblico na composição dos litígios mediante a corretaaplicação da lei. Cabe ao magistrado reprimir os atosatentatórios à dignidade da Justiça, e assim poderá imporao litigante de má-fé, no mesmo processo eindependentemente de solicitação da outra parte, aindenização referida no art. 18 do CPC, que apresentacaráter nítido de pena pecuniária. A utilização do processopara conseguir objetivo ilegal é tratada no art. 17 em seuinciso III.

Porém, existe uma peculiaridade nessa atitude, eladeve ser unilateral, ou seja, uma das partes, sem oconhecimento da outra utilizar-se do processo com fimilegal. Se fosse uma vontade bilateral, caracterizaria-se oprocesso fraudulento de que trata o art. 129 do Código deProcesso Civil, que também enseja a aplicação da penapara ambos os litigantes, que provocaram em conluio atutela jurisdicional com a instauração de um processo

15 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso especial: cálculo de liquidação:valores insertos na conta, posteriormente constatados que foram levantadosadministrativamente. AgResp. 35.687/SP, Ministro Américo Luz, Julgamentoem 21 jun. 1995. Publicado no DJ em 13 abr. 1992, também disponível em http://www.stj.gov.br/SCON/pesquisar.jsp. Acesso em: 6 jan. 2004.

Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VI, Nº 7 - Dezembro de 2005

A LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ E OS RECURSOS... 490

eivado de má-fé ab initio. Aplica-se a pena da litigância demá-fé a ambos, devendo o magistrado seguir fielmente aconduta estipulada no inciso III do art. 125 do Código deProcesso Civil, pois a fraude foi por consciência de cadauma das partes, não importa, se combinado ou não, umcontra o outro ou por acordo.

O objetivo ilegal procurado pela parte litigante deveser aquele considerado contrário à lei, isso é, para não secaracterizar o inciso I, devendo as pretensões mostrar-se diversas do dispositivo legal que as regem. Mas, noentanto, o objetivo ilegal não pode ser erroneamente ligadoao pedido, mas sim ao objetivo final perseguido com autilização do processo. O processo deve ser utilizado demeio para obter condições diversas da ordem social e legalpara que se caracterize a litigância de má-fé.

3.5.4. Opor resistência injustificada ao andamento doprocesso

As resistências injustificadas são conhecidas nomeio forense como “chicanas”. Resta caracterizadaquando a parte se recusa a praticar atos que importem noimpulsionamento normal do processo ou prática atosdesnecessários ou inúteis. Se a conduta for omissiva,exige-se que deva ter a natureza de dar andamento aoprocesso. Geralmente praticada pelo réu, que não teminteresse no desfecho rápido na solução da lide, mas, emalguns casos, o autor pode aproveitar-se da situaçãoprocessual, quando deseja usufruir pelo maior tempopossível dos benefícios decorrentes da concessão de umamedida liminar.

Podem consistir tanto em atos, quanto em omissõesque venham com o objetivo de atrasar o trâmite legal doprocesso, atrapalhar o andamento processual, porqualquer das partes, autora ou ré.

Geralmente, a parte que mais tem oportunidades deutilizar meios hábeis a atravancar o curso normal do

Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VI, Nº 7 - Dezembro de 2005

VICTOR MARTINS RAMOS RODRIGUES 491

processo é a parte ré, através de interposição de petiçõese requerimentos que, em grande parte das vezes,objetivam “ganhar tempo” para si, mas sem a preocupaçãocom a rápida e efetiva dissolução do litígio.

Esse inciso é genérico, por abranger todos os tiposde ações, sendo certo que, qualquer ato ou omissão quecaracterize uma vontade da parte em atrasar o desfechoprocessual a fim de “ganhar tempo” e com issodesrespeitar a parte contrária, opondo resistênciainjustificada ao normal andamento do processo, éconsiderada litigância de má-fé, na abrangência do art. 17e seu inciso pertinente. Nesse sentido:

“LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. As hipótesescontempladas no art. 17 do CPC dizem,com o comportamento censurável daparte em relação ao processo. Eventualconduta injurídica, extra-processual, deque resulte dano a terceiro, pode servirde fundamento a pleito indenizatório,mas não caracteriza litigância de má-fé. Não realiza o contido no item IV doart. 17 o fato de a parte defender tesesjurídicas que o julgado teve comoinsustentáveis. A previsão legal do itemI é a de “pretensão contra texto expressoem lei”. Caso em que, ademais, umadas teses corresponde a entendimentoplacitado pelo STF, embora superadopela jurisprudência do STJ.”16

16 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Litigância de má-fé. Resp. 117.483/SP, Ministro Eduardo Ribeiro, Julgamento em 06 maio 1997. Publicado no DJem 23 jun. 1997, também disponível em http://www.stj.gov.br/SCON/pesquisar.jsp. Acesso em: 6 jan. 2004.

Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VI, Nº 7 - Dezembro de 2005

A LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ E OS RECURSOS... 492

3.5.5. Procedimento temerário em qualquer incidenteou ato do processo

Temerário é um vocábulo oriundo do Latim,temerarius. Segundo o Dicionário Brasileiro da LínguaPortuguesa, temerário é o que se arroja aos perigos, sempensar nas conseqüências que daí possam advir; que sediz ou faz sem fundamento justo. Ainda, precipitado;imprudente; audacioso; arriscado ou atrevido.17 Essafigura exige, para sua caracterização, o elemento subjetivo.Note-se que a hipótese é a de prática de atos processuais,posto que o dispositivo legal utiliza o termo “proceder”.Está excluída, portanto, a lide temerária, inclusa naprevisão do inciso.

Temeridade na linguagem legal pode ser consideradaa manifestação do dolo substancial, ou seja, com aconsciência do injusto. Neste inciso, não é necessáriosaber se tem razão ou não o litigante no incidente, massim a maneira como se porta, se em desrespeito à lealdadee à boa-fé. É muito abrangente, pois a proibição datemeridade significa nada mais do que o respeito aosdeveres do artigo 14 do CPC. Desta forma:

“PROCESSUAL CIVIL. ATO JUDICIAL.EFEITO SUSPENSIVO ÀAPELAÇÃO, INOCORRÊNCIA DEILEGALIDADE OU ABUSO DEPODER. NÃO ADMISSIBILIDADE,DISTRIBUIÇÃO SIMULTÂNEA DEAÇÕES IDÊNTICAS. LITIGÂNCIA DEMÁ-FÉ. É jurisprudência assente nesta2ª. Seção do Tribunal Regional Federal(3ª. Região) de que o mandado de

17 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Pequeno dicionário brasileiro dalíngua portuguesa. 11. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1971.

Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VI, Nº 7 - Dezembro de 2005

VICTOR MARTINS RAMOS RODRIGUES 493

segurança não se presta a outorgarefeito suspensivo a recurso queoriginalmente não o possui, seindemonstrados o abuso ou ilegalidadecapazes de ocasionar dano irreparável.A distribuição simultânea de duasações idênticas, sem que ocorra adesistência em uma delas, configuraa litigância de má-fé, prevista nosartigos 14, II e 17, V do Código deProcesso Civil. Denegada a ordem.”18

Esse inciso é um dos que mais abarca o princípioda boa-fé no art. 17 e nele faz base concreta para regeros pressupostos legais, morais e sociais no decorrer dalide, onde o processo serve de ferramenta para a melhorsolução.

3.5.6. Provocar incidentes manifestamente infundados

Ocorre quando, in limine, já se verifica a ausênciamínima de fundamento na inicial ou na defesa,dispensando-se, assim, a análise do elemento subjetivo.Não resta configurada essa espécie de litigância de má-fé quando a parte, simplesmente, argüi preliminares ouinterpõe recursos, mesmo contra Súmula dos TribunaisSuperiores.

Na provocação de incidentes infundados, a parteutiliza-se dos meios à sua disposição para criar situaçõesreveladas como infundadas. É estritamente necessáriasua fundamentação. Tais incidentes, se desprovidos de

18 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Processual Civil: atojudicial: efeito suspensivo a apelação, inocorrência de ilegalidade ou abusode poder: não admissibilidade: distribuição simultânea de Ações idênticas.Litigância de Má-Fé. MS. 3000.339/SP, Juiz Márcio Moraes,. Publicado noDOE/SP em 23 jun. 1997, também disponível em http://www.trf3.gov.br. Acessoem 6 jan.2004.

Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VI, Nº 7 - Dezembro de 2005

A LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ E OS RECURSOS... 494

fundamentação palpável, serão considerados de má-féprocessual, pela falta de fundamento sólido que expliqueou pelo menos forneça qualquer indício sobre a realmotivação de aquele incidente.

Qualquer incidente que modifique situação fática doprocesso deve ser considerado e estar devidamentefundamentado. Tais incidentes sempre causam umretardamento processual, não sendo errôneo afirmar quea finalidade da ação incidental tem ligações subliminarescom o impedimento do trâmite normal do processo. A faltade fundamentação deve ser aferida de plano, pois se exigirgrande esforço e por qualquer razão demandar dificuldadeou dúvida a favor de quem deverá ser julgado procedenteou não, tal incidente não pode ser considerado comoinfundado.

Por fim, traga-se à baila o julgado do TribunalRegional Federal da 1ª. Região acerca da litigância demá-fé com fulcro no art. 17, inciso VII do Código deProcesso Civil:

“PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOSDECLARATÓRIOS. HONORÁRIOS DESUCUMBÊNCIA . FORMA DE FIXAÇÃO.INCIDENTE DESNECESSÁRIO EPROCASTINATÓRIO. MULTA. A partedeve ler o inteiro teor do acórdão para, sóapós, se nele detectar omissão, embargá-lo, de modo a evitar a prática de atoprocrastinatório e desnecessário, comose revela in casu, em que o embargante,por residir em cidade que não é sede detribunal, opõe recurso baseado apenasno que concluiu da ementa publicada,lançando conjecturas sobre questãorelativa ao modo de fixação dos honoráriosadvocatícios de sucumbência, que estádevidamente esclarecida no arresto a quo.

Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VI, Nº 7 - Dezembro de 2005

VICTOR MARTINS RAMOS RODRIGUES 495

Litigância de má-fé. Arts. 14, IV e 17, VIdo CPC. Multa.”19

Quanto à interposição de recurso com intuitomanifestamente protelarório, descrito no inc. VII do art. 17do CPC, será dedicado um capítulo em particular dopresente trabalho devido às extensas consideraçõesacerca das abordagens doutrinárias, bem como citaçõesjurisprudenciais acerca do tema específico.

4. Formas de interposição de recurso com intuitomanifestamente protelatório

Não há como se falar em interposição de recursoscom intuito manifestamente protelatório sem antescomentar, mesmo que superficialmente, alguns aspectosmais relevantes que tangem à interposição dos recursose alguns dos princípios que os regem, em especial oprincípio da fungibilidade, que é o que mais possibilita, emtese, a litigância de má-fé. Nessa esteira, algunsdoutrinadores contemporâneos são cautelosos em seuscomentários, seguindo uma linha de pensamento semprevoltada para a efetividade do processo.

Segundo Nelson Nery Júnior,20 “não podem os litígiosse perpetuar no tempo, mediante mecanismos diversos,entre os quais se encontra a interposição de um recurso”.É nessa esteira que os demais doutrinadores entendemque a necessidade de rígido controle quanto à interposiçãodos recursos deve ser adotada, sem, contudo, obstar oexercício da ampla defesa e do contraditório.

19 BRASIL. TRF 1ª. Região. EDAC 103.349/MG. Relator Juiz Aldir Passarinho,DJ. 1 ago. 1994.20 NERY JÚNIOR, Nelson. Teoria geral dos recursos, 6. ed. atual. ampl. ereform. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VI, Nº 7 - Dezembro de 2005

A LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ E OS RECURSOS... 496

Com as recentes reformas processuais, aincessante busca da efetividade do processo é prioridadeque deve continuar a ser perseguida por todos. Em relaçãoà necessidade de reformas do processo civil, oprocessualista Mauro Cappelletti21 diz que:

Hoje, contudo, parece-me que a liçãoda história dos últimos anos vaiprecisamente no sentido daoportunidade de pôr um limite àsintervenções da máquina do Estado,que com freqüência se reveloudemasiado lenta, forma, rígida,burocraticamente opressiva.

Vislumbra-se que as reformas processuais tendema buscar a efetividade processual com a simplificação deseus atos, sem desleixar-se dos seus efeitos sociais, ouseja, sua repercussão extra-partes. Sabe-se que oprocesso produz efeitos na esfera jurídica e afetam nãoapenas as partes que participaram efetivamente doprocesso, mas em todo meio social em que vivem.

Essa responsabilidade social está tenazmenteinterligada com litigância de má-fé, pois se, em sede derecurso manifestamente protelatório, a prestaçãojurisdicional ficar obstada pela interposição do referidorecurso, possivelmente os seus efeitos não semanifestarão da forma pretendida e necessária, sendocerto de que a demora na prestação jurisdicional é capazde amputar a efetividade processual.

Com isso, deve-se atentar para o respeito aosprincípios processuais em sede de recurso. Todavia,impertinente enumerá-los, comentá-los e aprofundar

21 CAPPELLETTI, Mauro. Problemas de reforma do processo civil nassociedades contemporâneas. Revista de Processo, ano 17, n. 65, p.134,jan.-mar. 1992.

Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VI, Nº 7 - Dezembro de 2005

VICTOR MARTINS RAMOS RODRIGUES 497

comentários a respeito, a não ser em relação ao princípioda fungibilidade dos recursos, que ao que parece é o maisutilizado pelos litigantes de má-fé para procrastinar o feito.

O recurso interposto incorretamente pode sersubstituído pelo que seria adequado à situação. Em suma,essa é a finalidade do princípio da fungibilidade.

4.1. O inciso VII do art. 17 do Código de Processo Civil

Esse é um inciso acrescentado ao art. 17 pela Lei9.668/98 conforme já supra exposto. Antes dessaalteração legal, já previa o parágrafo único do art. 538 doCPC, a possibilidade de condenação do Embargante apagar ao Embargado multa, não excedente a 1% sobre ovalor da causa e com o advento da Lei n.º 8.950, de13.12.94, a multa foi aumentada, autorizando a suaelevação a até 10%, em caso de reiteração dos embargosprotelatórios.

A definição do que seja recurso manifestamenteprotelatório não é fácil. Sobre recurso, correto dizer quetem-se dito que em sede de direito processual, respondea uma exigência psicológica do ser humano, refletida emsua natural e compreensível inconformidade com asdecisões judiciais que lhe sejam desfavoráveis.

Não resta dúvida de que este sentimento é decisivopara explicar a criação e a permanência, historicamenteuniversal, do instituto dos recursos. Mas não se deveperder de vista que o sentimento, em que se buscafundamentar os recursos, resume-se à compreensívelsegurança de que as partes podem gozar quando sabemque o juiz que decidiu a causa terá sempre sua decisãosujeita ao julgamento de outro magistrado, do mesmonível ou de nível superior, o que o tornará maisresponsável no momento da formação de sua convicçãoe o obrigará a fundamentar de maneira mais detalhada econvincente o seu julgamento.

Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VI, Nº 7 - Dezembro de 2005

A LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ E OS RECURSOS... 498

Isto, no entanto, não legitima que se prodigalizemos recurso, reduzindo a limites intoleráveis a jurisdição deprimeiro grau. Vê-se assim, que o princípio constitucionalimplícito do recurso e o princípio do duplo grau de jurisdiçãonão podem gerar um abuso de direito, sob pena de restarconfigurada a litigância de má-fé.

A jurisprudência é nítida em afirmar que:

“PROCESSUAL – AGRAVOREGIMENTAL – AUSÊNCIA DENOVO ARGUMENTO – LITIGANTE DEMÁ-FÉ. Não merece provimento agravoregimental que se limita a repetir tesesjá sustentadas no recurso especial ejá decididas. Age como litigante demá-fé a parte que opõe recursopretendendo rediscutir matériaconsolidada no STJ. O abuso do direitoao recurso, contribuindo parainviabilizar, pelo excesso de trabalho,o STJ, presta um desserviço ao idealde justiça rápida e segura.”22

Entende-se, todavia, que não se pode criar umpadrão do que seria o recurso protelatório. O juiz deveráapreciar concretamente, caso a caso, a existência daintenção de procrastinar o feito, importando assim, aconduta do litigante, em má-fé, que se exige, porconseguinte, o elemento subjetivo.

Ensina Adroaldo Leão, com eficiência em suaclássica obra que: “A protelação da lide ainda é a formade abuso mais encontradiça na vida forense. Éconseqüência sempre de incidentes processuaisinfundados e contrários ao princípio da celeridade.”23

22 BRASIL. STJ. Turma 1, AGA 131.672/DF. Relator Min. Humberto Gomes deBarros, DJ. 24 nov. 1997.23 LEÃO, Adroaldo. O litigante de má-fé, Rio de Janeiro: Forense, 1982.

Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VI, Nº 7 - Dezembro de 2005

VICTOR MARTINS RAMOS RODRIGUES 499

4.2. Breves comentários críticos ao princípio dafungibilidade

O problema que exige maior atenção é a questãodas condições para a incidência do princípio dafungibilidade no direito brasileiro atual. A prática processualevidencia que existem muitos questionamentos aindaexistentes acerca da perfeita adequação dos recursos nosistema recursal atual. Essas dúvidas derivam às vezesdas terminologias por vezes impróprias ainda existentesno Código de Processo Civil. Já outras dúvidas decorremde contradições doutrinárias e entendimentosjurisprudenciais conflitantes. O princípio da fungibilidadesurge como forma alternativa de amenizar esse graveproblema.

A fungibilidade não está expressa em norma doCódigo de Processo Civil, apenas no texto referente à suaexposição de motivos nos itens 31 a 33, fazendo mençãoainda sobre a simplificação do sistema recursal.24

Assim, percebe-se que o princípio da fungibilidadenão pode ser utilizado indiscriminadamente, sob pena defatal abertura de portas à litigância de má-fé no processo.Por isso, alguns requisitos prévios são indispensáveis àsua incidência, certo de que sua aplicabilidade, justamentepor culpa do excesso de litigância de má-fé vem sendogradativamente mitigada pelos tribunais.

Se ainda subsiste no processo civil brasileiro, oprincípio da fungibilidade só é aceito em casos deimpropriedades existentes no próprio código ou pela dúvidasuscitada pela divergência doutrinária e pela jurisprudênciadiscordante que envolva o litígio em questão.

24 NERY JÚNIOR, op. cit., p. 139.

Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VI, Nº 7 - Dezembro de 2005

A LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ E OS RECURSOS... 500

4.2.1. Dúvida objetiva sobre adequação do recursocabível

Requisito primordial que seve ser observado a fimde tornar possível a aplicabilidade do princípio dafungibilidade é o da existência de dúvida, quenecessariamente deve ser objetiva, sobre qual o recursocorreto a ser interposto. Essa dúvida, como já predito, podedecorrer de impropriedade técnica ou obscuridade naredação do código processual ao definir uma decisãointerlocutória como sentença ou ao contrário, a exemplodo art. 790 do CPC conjugado com o art. 558, em sede deexecução, em que se trata de decisão interlocutória e nãode sentença, como consta no art. 790.

Outra fonte que pode suscitar a dúvida legítima àaplicação do princípio da fungibilidade é a divergênciadoutrinária e jurisprudencial acerca do assunto em debate.Essa sim é a mais abrangente em relação à interposiçãodos recursos. Ora, sabe-se que em sede da matéria dedireito, quase nada é unânime, arriscando dizer que atéas questões mais evidentes e objetivas são passíveis dedivergências doutrinárias, e, por conseguinte,jurisprudencial.

Tal fato de existir divergência acerca de quase todosos institutos jurídicos parte do princípio de que osoperadores do Direito são seres humanos, portanto,passíveis de erros e possuidores de uma atribuiçãoindividual inegável a qualquer indivíduo que seja, qual seja,o livre arbítrio para pensar e formar opiniões. Emseqüência, analise-se que essas opiniões serãonecessariamente formadas por influências externas deoutras opiniões e fatos vividos pelo indivíduo que pensa.

Decerto ainda afirmar que a policultura social,econômica, política, religiosa, étnica e de costumes é quedetermina o modo de pensar e agir de cada indivíduo. Porisso, e por ser o Direito espécie do gênero das matériassociais aplicadas, raramente o operador – humano – do

Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VI, Nº 7 - Dezembro de 2005

VICTOR MARTINS RAMOS RODRIGUES 501

Direito convergirá suas opiniões na exata medida dasopiniões de outros operadores do Direito. Parece ser umaquestão lógica.

Isso interessa em relação à litigância de má-fé nosentido de que, se devidamente fundamentada emopiniões divergentes de pensadores e operadoresilustres na área jurídica, sempre existirá a dúvidadecorrente de divergência doutrinária e jurisprudencial.Portanto, sempre será possível a interposiçãointencional de um recurso errôneo com f insprotelatórios, que, se est iver devidamentefundamentado em opiniões divergentes, não seráconsiderado de má-fé, transformando o princípio dafungibilidade em um respaldo legal à litigância de má-fé, o que não se pode conceber em nenhumordenamento jurídico.

Ressalte-se aqui que essa questão não foi abordadaaqui definitivamente, até mesmo por se tratar de umaopinião, formada pelo livre arbítrio e certamenteinfluenciada por outras opiniões e fatores culturais esociais personalíssimos.

O que se pretende é questionar e suscitarquestionamentos acerca da legitimidade deste requisito,qual seja, a dúvida objetiva decorrente de divergênciadoutrinária e jurisprudencial acerca da adequação recursalcomo sendo requisito à aplicação do princípio dafungibilidade em sede recursal, discordandosubstancialmente, com a devida vênia, de Nelson NeryJúnior,25 quando diz que:

Evidentemente, o só fato de doutrinae/ou jurisprudência divergirem sobre aadequação recursal em determinadocaso configura a nosso juízo dúvida

25 NERY JÚNIOR, Nelson. Op. cit., p. 160.

Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VI, Nº 7 - Dezembro de 2005

A LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ E OS RECURSOS... 502

objetiva e fundada, ensejando dessartea aplicação do referido princípio.

Por fim, a dúvida objetiva como terceiro requisito paraa aplicabilidade do princípio da fungibilidade pode decorrerdo erro do magistrado julgador ao proferir erroneamenteum pronunciamento em lugar de outro. Todavia essa éuma hipótese rara que deve ser analisada restritivamente,no sentido de que a falibilidade humana é característicainerente a todos. Ora, o que se deve atentar é para afinalidade do ato, relativizando-se a forma.

A título de exemplo, retire-se da obra de Nelson NeryJúnior26 o seguinte:

Hipótese, ainda, do terceiro grupo podeser vislumbrada em decisão ocorridano Paraná, pela qual o juiz, entendendohaver incompetência absoluta, ao invésde remeter os autos ao juízocompetente como manda o CPC 113,§2.º, indeferiu a petição inicial. O TJPRconheceu do recurso de apelaçãointerposto contra a decisão.

Conclui-se que o recurso interposto erroneamentecom base na dúvida objetiva deve ser fundamentado deforma a convergir o máximo possível com o entendimentodo julgador, sendo um artifício ainda utilizável paraaplicação do princípio da fungibilidade, o que de certaforma possibilita a litigância de má-fé pela interposição derecurso com intuitos protelatórios.

4.2.2. Inexistência de erro grosseiro

Em relação a este requisito certo afirmar que oconceito de erro grosseiro é extremamente subjetivo,

26 NERY JÚNIOR, Nelson. Op. cit., v. 657, n. 140, p. 148

Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VI, Nº 7 - Dezembro de 2005

VICTOR MARTINS RAMOS RODRIGUES 503

motivo pelo qual não pode ser definido concretamente, demaneira a ser aceito no meio jurídico. O entendimento quese tem acerca de erro grosseiro é que sua ocorrência sedá na hipótese de interposição do recurso errado quandoo correto se encontra previsto de forma expressa no corpodo texto legal que o rege.

Desta forma, não se pode reconhecer comoabsolutamente errôneo a definição de sinônimo do errogrosseiro, a incapacidade técnica do profissional habilitadopela parte para funcionar em seu favor no processo, sendo,portanto, fator extrínseco ao procedimento processual eda lei que o rege, devendo ser objeto de responsabilizaçãodos órgãos e entidades competentes.

Para ser mais específico, o advogado que não possuicapacidade de evitar um erro considerado grosseiro, éporque agiu, no mínimo, com negligência às normasprocedimentais do processo, podendo ser taxado deimperito por tal ato, ou seja, dois dos requisitos da culpasubjetiva estão caracterizados. Isso se considerado queo erro grosseiro como sendo requisito à aplicação dafungibilidade em sede recursal ocorre quando, interpostorecurso errôneo, a definição e o procedimento do recursocorreto está “expressamente previsto no texto da lei.”27

Daí também surge a dúvida quanto à legitimidadedeste requisito para a aplicação do princípio dafungibilidade dos recursos, certo de que impropriedadetécnica tamanha, a ponto de não ser observado textoexpresso em lei, não pode ser analisada sob a óticaprocessual ou jurídica, mas sim sob a ótica administrativade ordem profissional. Não se defende aqui a aplicabilidadede punição do profissional como litigante de má-fé, massim o não conhecimento do recurso.

27 NERY JÚNIOR, Nelson. Op. cit., p. 162. Apud. Bermudes, Comentários, cit.,n. 26-A, p. 43. Aliter Dinamarco, conceituando a fungibilidade como “ainterposição de um contra expressa previsão legal de outro” recurso. InAnais do V Encontro dos Tribunais de Alçada do Brasil – Cíveis, Rio deJaneiro, p. 225, 1982

Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VI, Nº 7 - Dezembro de 2005

A LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ E OS RECURSOS... 504

Parece aqui, que a única conceituação de errogrosseiro como sendo a hipótese de não observância detexto expresso em lei é muito restrita, devendo seralargada, mas sem exageros sob pena de coerção dedireitos fundamentais. A necessidade de expandir oconceito de erro grosseiro é tarefa árdua, pois um tênuediferencial entre a coerção de direitos e a coerção dalitigância de má-fé reside neste conceito dado peladoutrina.

Atenção deve ser dada para que o princípio dafungibilidade dos recursos não fique banalizado na práticaforense, pois se o erro for considerado escusável emcertas hipóteses para que se torne aplicável o referidoprincípio, em tese, sempre seria aplicável em sederecursal. É uma questão acalorada que merece especialatenção quanto a escusabilidade ou não do erro queensejou a propositura errônea do recurso, por isso, deve-se procurar definir quanto antes, o conceito de errogrosseiro para fins de aplicação do princípio dafungibilidade, sob pena de banalizá-lo.

4.2.3. Prazo do recurso interposto menor do que oprazo do recurso adequado

Este requisito pode ser o esclarecedor de muitasquestões em relação aos requisitos supra-expostos nosentido de que quando interposto recurso inadequado emprazo menor do que o do recurso adequado, aplicar-se-iaa fungibilidade. Pois bem, parece ser este o mais legítimodos requisitos para a aplicação do princípio.

Não que a interposição do recurso errôneo no prazoinferior descaracterize uma possível má-fé do recorrente,mas se o recorrente o fez conscientemente, livre do errogrosseiro e convicto de que estaria apresentando o recursocorreto, expondo suas razões de forma devidamentefundamentada, não é justo negar-lhe o conhecimento e ojulgamento do recurso.

Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VI, Nº 7 - Dezembro de 2005

VICTOR MARTINS RAMOS RODRIGUES 505

Note que há uma coincidência necessária com orequisito da dúvida objetiva no sentido de ter sido interpostoo recurso errôneo, convicto de ser o adequado, com adiferença peculiar de ter sido interposto no prazo menordo que o do recurso correto, livre de erro inescusável.

Ora, o sistema processual exige a necessidade daaplicação do princípio da fungibilidade dos recursos emrespeito ao princípio da economia processual, sob penade atravancamento da prestação jurisdicional. Tal fatodeve-se à busca da efetividade do processo. Porém,adequar um recurso interposto erroneamente exige muitacautela e razoabilidade para sopesar as conseqüências.

A interposição do recurso errôneo no prazo inferiorao do recurso correto é a característica que mais afastade si a má-fé, pois certamente o recorrente gostaria dedispor de mais tempo para pesquisar e fundamentarmelhor suas razões. E mais, se porventura o recorrente,ao estar convicto de que suas fundamentações sãosuficientes para formar a convicção do julgador, ou ainda,necessitasse do rápido ajuizamento do recurso porqualquer razão, não querendo esgotar o prazo do seurecurso, interpondo-o antes do prazo fatal, por que motivoso recorrente interporia o recurso incorreto?

Ao contrário, se interposto o recurso errôneo depoisde transcorrido o prazo da interposição do recurso coreto,mesmo sob a alegação de existir dúvida objetiva quanto àadequação, a própria dúvida deveria servir de impulso,aliado à boa ética, para a interposição do recurso com omenor prazo. Se a dúvida é escusável, com muito maisrazão aplicar o princípio da fungibilidade nos casos deinterposição de recurso com o prazo menor. A solução paraos casos de dúvida objetiva quanto à adequação do recursoparece residir na interposição do recurso errôneo de menorprazo. A má-fé estaria em muito mitigada e limitada àqualidade técnica dos profissionais que funcionam comopatronos nos processos. É uma forma de privilegiar a boa-fé do profissional equivocado, por assim dizer.

Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VI, Nº 7 - Dezembro de 2005

A LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ E OS RECURSOS... 506

4.3. A problemática envolvendo os embargos dedeclaração

Sabe-se que os embargos de declaração são umaespécie de recurso por estarem devidamente capituladosno Título X do CPC, que trata dos recursos. Inegável,portanto, sua natureza jurídica de recurso.

Em suma, os embargos de declaração ou embargosdeclaratórios são utilizáveis quando ocorre obscuridade,confusão, incerteza ou falta de declaração, na sentençaou acórdão, de matéria de mérito que necessariamentedeveria estar solucionada de maneira clara e precisa noato decisório.

O Código de Processo Civil já previu em sua redaçãooriginal a punição para os casos de interposição do recursode embargos de declaração com finalidades protelatóriasno parágrafo único do seu art. 538, impondo uma multano valor de um por cento sobre o valor da causa, devendoesta multa ser elevada até dez por cento na reiteração dainterposição do recurso com tal finalidade.

Portanto, vislumbra-se que o parágrafo único do art.538 é norma anterior à Lei 9.668/98 que acresceu ao art.17 o inciso VII, que se correlaciona com o disposto no art.14 inciso IV. Não é correto entender que a Lei 9.668/98revogou o disposto no art. 538, parágrafo único, pois oartigo 18 do mesmo código prevê que além da referidamulta, uma indenização pelos prejuízos causados, nocaso, pela interposição de recurso protelatório. É, portanto,norma genérica que abrange todos os recursos, sendoconsiderado o art. 538, norma específica tratada emcapítulo especial relativo aos embargos de declaração.

O legislador entendeu melhor dispor sobre tal matériade maneira específica, concedendo uma novapossibilidade para a reapresentação dos embargos dedeclaração, coibindo o recorrente de abusar do seu direitode recorrer, sob pena de incidir em multa, que pode atingiro montante de dez por cento sobre o valor da causa no

Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VI, Nº 7 - Dezembro de 2005

VICTOR MARTINS RAMOS RODRIGUES 507

caso de reiteração protelatória, além de condicionar ainterposição de outro recurso ao depósito do valor da penaaplicada.

Justamente por serem os embargos de declaraçãouma arena aberta às possibilidades de litigância de má-fé, é que sua admissibilidade possui um critério deavaliação mais requintado e rigoroso. A prática forensemostra a exemplar punição dos litigantes de má-fé pelainterposição de recurso de embargos de declaração comfins protelatórios. Nesse sentido, a jurisprudência doEgrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro éuníssona em condenar o litigante de má-fé nas hipótesesem comento:

“Decisão que, ao apreciar o recurso deembargos de declaração, interpostospela ora agravante, condenou-a nopagamento das custas em décuplo.Inconformismo manifestado através dorecurso de agravo de instrumento.Provimento parcial do recurso.Tratando-se de embargos dedeclaração protelatórios, a sanção aser aplicada é a do Parágrafo Único,do artigo 538, do Código de ProcessoCivil, descabendo a condenação nodécuplo das custas.”28

No caso jurisprudencial acima, o Tribunal corrigiuimperfeição de decisão interlocutória proferida em primeirainstância ao não aplicar a multa prevista no art. 538,parágrafo único do Código de Processo Civil, o que reafirmasua aplicabilidade específica nos casos de interposição deembargos de declaração com finalidade protelatória.

28 BRASIL. TJERJ, 15ª Câm. Cível, Agravo de Instrumento, n. 2004.002.06468,Rel. Des. Nilton Montego. J. 22 set. 2004.

Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VI, Nº 7 - Dezembro de 2005

A LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ E OS RECURSOS... 508

Especificamente em relação aos embargos dedeclaração propriamente ditos interpostos contra acórdão,decidiu recentemente o mesmo Tribunal:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO -INEXISTÊNCIA DE DEFEITOS -PRETENSÃO INFRINGENTE -IMPOSSIBILIDADE MANIFESTA -REJEIÇÃO - FINALIDADEPROTELATÓRIA MULTA. 1. OsEmbargos Declaratórios são cabíveis sóse existir alguma contradição,obscuridade ou omissão no Acórdão(CPC, art. 535, inc. I e II) e por isso têmque ser rejeitados se com eles pretendero embargante apenas obter efeitoinfringente, o que é impossível na via denatureza exclusivamente integrativa dosEmbargos de Declaração, pois issoimplicaria em rever o julgamento enenhum Órgão Julgador pode rever assuas próprias decisões. 2. Verificando-se que os Embargos Declaratórios foramopostos com a finalidade única de obteralongamento de prazo recursal,constituindo-se, por isso em instrumentode protelação, deve ser imposta àembargante a multa do artigo 538 doCPC. 3. Embargos Declaratórios que serejeita e que se declara protelatórios,impondo-se multa à embargante29.

Conclui-se que os tribunais estão atentos para aquestão da interposição de embargos de declaração coma finalidade meramente protelatória, coibindo tal práticano rigor da lei.

29 BRASIL. TJERJ. 16ª Câm. Cível. Agravo de Instrumento, n. 2004.002.12077,Rel. Des. Miguel Ângelo Barros. J. 5 out. 2004.

Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VI, Nº 7 - Dezembro de 2005

VICTOR MARTINS RAMOS RODRIGUES 509

4.4. Recursos interpostos por meio de vias eletrônicasem respeito à Lei 9800/99

A mais recente forma de abertura dada pelolegislador à possibilidade de litigância de má-fé foivislumbrada no texto da Lei 9.800/98, ao permitir autilização de meios eletrônicos para ajuizamento da petiçãoou comunicação processual emergencial para que seaproveite o prazo legal para o aforamento da peça recursal.Todavia, previu apenas especificamente a utilização do fac-símile fazendo possível a utilização alternativa de outromeio similar.

Ora, a expressão “outro meio similar” decomunicação eletrônica descrita na referida lei é umconceito muito abstrato e indefinido. A utilização da analogianesse ponto já pode ser ensejadora de litigância de má-fé. A não definição do que seja “outro meio similar” abreas portas para as mentes mais criativas burlarem o fielprocedimento recursal, agindo de má-fé.

E mais, a Lei exigiu, somente, que o original da peçafosse protocolizado no prazo de cinco dias. Entende-sepor similar aquilo que tem a mesma natureza ou executafunção semelhante a uma entidade determinada, isto é,atinge finalidade idêntica. Atente-se novamente para oprincípio da efetividade.

O correio eletrônico que transmite textos escritosde um remetente a um destinatário é similar ao fac-símile,desde que o meio de envio e o de recepção dacomunicação sejam legitimamente conexos. Isto ensejaa utilização de chaves para a reversão da mensagem queseguiu criptografada para o seu destino, ou seja, quandoa mensagem sair do local da qual foi remetida deve sercriptografada para evitar interceptações não desejadas deinteressados ou de exploradores virtuais, chamados decrackers, que são aqueles que quebram os códigossecretos que protegem determinado programa oucomunicação eletrônica encriptada.

Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VI, Nº 7 - Dezembro de 2005

A LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ E OS RECURSOS... 510

A criptografia é tema da área de concentração naengenharia eletrônica, não cabendo aqui tentar expor commaiores detalhes técnicos o que seja sua definição e suasformas de utilização. O que se quer demonstrar nopresente trabalho é a necessidade de segurança elegitimidade nas comunicações eletrônicas entre oremetente e o órgão judiciário destinatário da petição oudo recurso.

Se o juízo ou tribunal destinatário dispõe de recursoseletrônicos para recepção, conforme dispõe o art. 5º daLei 9.800/98, o conhecimento de recurso remetido por e-mail não pode ser obstado. Cite-se, a título exemplificativoa situação do Tribunal Regional Federal da 1ª Região e oTribunal Regional do Trabalho de Santa Catarina, que jápossuem o sistema de peticionamento eletrônico viainternet. E por fim, cite-se o Superior Tribunal de Justiça,que dispõe de tecnologia capaz de receber com segurançaas petições remetidas pela internet.

Por completa falta de previsão legal específica, noscasos em que houver prejuízos de qualquer ordem para aparte que enviou a petição por meios eletrônicos nos casosem que o órgão jurisdicional lhe dispôs tal possibilidade,não errôneo arriscar dizer que, analogicamente, pode oórgão responsável responder objetivamente na forma doque dispõe o art. 37, §6º da Constituição da RepúblicaFederativa do Brasil, pois trata-se, evidentemente, deserviço colocado à disposição pública.

Parece aqui, que há uma possibilidade clara deaplicação do princípio da fungibilidade quando, por falhatécnica do mecanismo disposto pelo órgão jurisdicional,a petição ou o recurso chega a seu destino com dadosincompletos ou errôneos, desde que não estejasubstancialmente prejudicada a ponto de impedir acompreensão de suas razões e a finalidade pretendida.

O que se pode alegar em favor da aplicação doprincípio da fungibilidade em tais casos é que, ao aceitarque as petições sejam enviadas por meio eletrônico,

Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VI, Nº 7 - Dezembro de 2005

VICTOR MARTINS RAMOS RODRIGUES 511

dispondo de mecanismos para tanto, o órgão jurisdicionalassume a responsabilidade objetiva pela segurança eperfeição, tanto no envio quanto no recebimento dos dadosna exata forma em que foram elaborados.

As únicas possibilidades de excludente daresponsabilização do fornecedor do referido serviçoocorreria nos casos em que a senha ou chave criada/fornecida ao remetente fosse perdida, esquecida ourepassada a terceiros. Outra excludente seria o nãoseguimento dos padrões formais estipulados pelofornecedor do serviço. Todavia, exigir-se-ia que taisressalvas estivessem previamente destacadas emcláusulas no contrato de adesão e no momento docadastramento do usuário dos serviços fornecidos aopúblico, sob pena de responsabilização plena e integraldo fornecedor do serviço.

Decerto que a própria evolução do Direito e dasociedade está a exigir que a interpretação restritiva dotexto normativo, no caso, o art. 1º da Lei nº 9.800/99,conceda espaço a uma interpretação contemporânea, aqual se reporta não apenas ao programa normativo, qualseja, o sentido da disposição legal dado pelo seu intérpreteoficial, mas, principalmente, ao âmbito normativo que é arealidade regulada pela norma, exigindo o reconhecimentode práticas legítimas já sedimentadas e aceitas pelasociedade da tecnologia da informação.

Todavia, devido à completa falta de doutrina elegislação específica acerca da aplicabilidade do princípioda fungibilidade dos recursos em tema de segurança nascomunicações eletrônicas, tais comentários não passamde hipóteses criadas pela interpretação analógica dasregras e opiniões existentes em relação ao meioconvencional de interposição de recursos e a aplicaçãodo princípio da fungibilidade.

Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VI, Nº 7 - Dezembro de 2005

A LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ E OS RECURSOS... 512

4.4.1. O problema da assinatura no documentoeletrônico

Destaque-se ainda, que nenhum dispositivo da Lei9.800 faz qualquer menção ou referência em relação àexigência ou necessidade de aposição da assinatura napeça processual enviada eletronicamente. Desta forma,em decorrência da negligência da lei em relação ànecessidade de assinatura no documento eletrônicoperfeitamente recepcionado, não se pode aceitar aalegação de ser tal documento considerado apócrifo,resultando a invalidade do ato e a perda do prazo para oajuizamento da peça.

Aqui, se torna evidente a necessidade de aceitação,conhecimento e posterior julgamento da manifestação, quedeve ser considerada legítima após transcorrer o percursovirtual sem qualquer interferência externa e chegar a seudestino na exata forma em que foi remetida. Questiona-se então se seria razoável obstar o seu conhecimento pelosimples fato de não constar no recurso eletronicamenteinterposto ou se melhor seria torná-lo legítimo pelaconvalidação do ato, privando pela sua finalidade?

Nesse sentido, Roque Komatsu dispõe que:

Diante do princípio da conservação,fundado em razões de economia dosvalores jurídicos, o direito tem interesseem eximir-se de produzir novo atojurídico, quando é possível proceder auma readaptação do ato já existente.A realidade mostra que se reconheceimportância nos atos imperfeitos.30

Em respeito ao princípio da efetividade e daeconomia processual, a fim de evitar confusão processual,

30 KOMATSU, Roque. Op. cit., p. 260.

Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VI, Nº 7 - Dezembro de 2005

VICTOR MARTINS RAMOS RODRIGUES 513

respeitando a celeridade processual, não há dúvidas emafirmar que a aceitação do recurso interpostoeletronicamente sem a assinatura do subscritor é direitoassegurado à parte, com muito mais razão por decorrerde omissão legislativa em relação a tal característica.

Interprete-se assim, que a diretriz lógica indica queapenas o original, isto é, o recurso formalmente emanualmente protocolizado, é que necessita da assinaturado subscritor, situação na qual poderá ser analisada aregularidade da capacidade postulatória do subscritor.Atente-se aqui para o que dispõe o art. 284 do Código deProcesso Civil, que permite a convalidação do ato irregularou defeituoso, no caso, a possibilidade de a inicial serassinada posteriormente à sua juntada aos autos.

Em relação ao tema, a jurisprudência do SuperiorTribunal de Justiça já decidiu em relação ao recursointerposto eletronicamente, nas palavras do MinistroRelator Humberto de Barros que: “De outro modo, não háfalar-se em recurso inexistente, por falta de assinatura doadvogado do embargante. No caso, basta a assinatura nooriginal, remetido oportunamente.”31

4.4.2. Da litigância de má-fé nos casos de interposiçãode recurso por meios eletrônicos

O art. 4º, parágrafo único da Lei 9.800 determinaque, sem prejuízo de outras sanções, o usuário do sistemaserá considerado litigante de má fé se não houver perfeitaconcordância formal entre o original remetido e o originalentregue manualmente em juízo. Nas hipóteses deutilização dos recursos eletrônicos, a transmissão dedados é revestida de outros contornos de insegurança

31 BRASIL. STJ. Primeira Turma. Ag 389.941/SP. Voto Min. Humberto Gomesde Barros. Disponível em: http://ww2.stj.gov.br/revistaeletronica/. Acessoem: 7 jan. 2005.

Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VI, Nº 7 - Dezembro de 2005

A LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ E OS RECURSOS... 514

para o usuário, em razão das características específicasde vulnerabilidade do ambiente virtual.

A problemática em relação à litigância de má-fé noscasos de peças interpostas através de comunicaçãoeletrônica certamente reside na segurança da transmissãodos dados. Apesar da Lei 9.800 não mencionar a adoçãode qualquer mecanismo de segurança por parte dosistema receptor, prescreve a inteira responsabilidade dousuário do sistema pela qualidade e fidelidade do materialtransmitido, sob a possibilidade de aplicação das penasacima descritas.

Isto posto, conclui-se que integridade do arquivoeletrônico somente se viabiliza em ambiente tecnológicoque se revista de sistema de segurança que impossibilite,ou minimize, a possibilidade de adulteração dasinformações contidas no documento. Registre-se ainda,que mesmo a Lei 9.800/98 não prevendo a necessidadede adoção de qualquer mecanismo de segurança por partedo sistema receptor, não pode considerar-se de inteiraresponsabilidade do usuário do sistema a qualidade efidelidade do material transmitido, devendo assumir talencargo o fornecedor do serviço. É o que se incorporadas lições de direito administrativo, direito civil e direito doconsumidor. Em apertada síntese, aquele que dá a maioreschances, ou ainda, viabiliza a oportunidade derradeira deocorrência do dano deve ser responsabilizado pelas suasconseqüências.

5. Conclusão

Com todas as considerações acima apresentadas,é válido dizer que a natureza jurídica do instituto é de abusode direito, previsto primeiramente na lei material,transportada e adaptada para a lei processual, gerandoresponsabilidade pelos danos causados no exercício dademanda e que os litigantes de má-fé são raramentepunidos, e que a falta de postulação da partes, decorrente

Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VI, Nº 7 - Dezembro de 2005

VICTOR MARTINS RAMOS RODRIGUES 515

do descrédito, da conveniência ou ignorância da matériae, sobretudo, a omissão do Poder Judiciário são os fatoresresponsáveis pela impunidade do litigante de má-fé.

Mesmo a atual sistematização da matéria, nos arts.16 a 18 do CPC, tecnicamente melhor do que a do Códigoanterior em seus arts. 3º e 63, se cumprida fosse,descongestionaria bastante o Poder Judiciário, suprindo,por esse meio, a imperfeição da sua reforma no que tangea celeridade processual. O critério objetivo deve continuarmerecendo a preferência do legislador, quando fixar aresponsabilidade das partes e de seus procuradores pordolo processual.

A boa casuística do art. 17 do CPC tem carátertaxativo e deve permanecer na legislação futura compossíveis melhorias. É sabido também, que aresponsabilidade das partes por dano processual, previstano processo de conhecimento, tem cabimento noprocesso de execução, no cautelar e no mandado desegurança e que é ilegal a majoração dos honorários dopatrono de parte prejudicada, com o fim de punir o litigantede má-fé. O sistema brasileiro optou por elencar ashipóteses de litigância de má-fé, de forma a tipificar ascondutas a fim de facilitar a identificação e opreenchimento do conceito.

Assim, o dano causado pelo litigante de má-fé éapurado, por economia processual, no mesmo feito,independentemente de ação própria. Para que hajacondenação ao ressarcimento dos danos causados pelolitigante de má-fé não é necessário o requerimento da parteprejudicada. Pode ser declarada a litigância de má-fé deofício, por ser matéria de ordem pública, qual seja, atoatentatório ao exercício da jurisdição, a ser feita, logo apósa prática do ato abusivo ou, se for conveniente à parte,mediante provocação depois de conhecer a extensão dodano que sofreu.

Daí, a sanção a ser imposta ao litigante de má-fédeverá constar da sentença ou da decisão interlocutória

Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VI, Nº 7 - Dezembro de 2005

A LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ E OS RECURSOS... 516

que encerra o incidente. A condenação pela litigância demá-fé tem duplo caráter, a pena e a indenização, pois setrata sempre de ressarcimento de dano moral, podendohaver também a cumulação com danos materiais.

Ao contrário da condenação em perdas, cujo pedidodeve ser da iniciativa da parte prejudicada, pode o juizdeclarar, ex officio, o litigante em estado de má-fé. Porém,não deve haver a condenação do litigante de má-fé semsua prévia audiência, sob pena de ofensa ao contraditório.

O juiz ou tribunal ao proferir a sentença, decisão ouacórdão deve, de ofício e necessariamente, manifestar-se, em todos os processos, sobre a ocorrência ou não dedolo processual. a omissão, pelo juiz ou tribunal,autorizaria a interposição de embargos declaratórios.

Então, restou que a litigância de má-fé é um dosartefatos mais repudiados no sistema jurídico processualbrasileiro, não só pelo fato da deslealdade processual edo abuso de direito, mas principalmente pela proibição eilegalidade dos resultados alcançáveis com essa prática.

Por fim, a principal pretensão do trabalho aquiexposto é provocar o questionamento acerca danecessidade de mitigação do princípio da fungibilidaderecursal e, principalmente de que as reformas seguintesvenham a punir mais rigorosamente o litigante de má-fé,que pode ser favorecido materialmente pela argúcia deseu patrono, que é aquele quem efetivamente manipulaos atos processuais, impulsionando ou obstando o trâmitedo processo, prejudicando num todo a sua eficácia emdetrimento da boa-fé de seu ex adverso.

Referências

BARBI, Celso Agrícola. Comentários ao código deprocesso civil. Rio de Janeiro: Forense, 1975. v.1.

Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VI, Nº 7 - Dezembro de 2005

VICTOR MARTINS RAMOS RODRIGUES 517

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil(1988). São Paulo: Manole, 2003.

BRASIL. Lei 5.869, de 11 de Janeiro de 1973. Código deprocesso civil, art. 14, caput. 6. ed. rev. atual. e ampl. SãoPaulo: Revista dos Tribunais, 2004.

BRASILEIRO, Rosemery. Considerações sobre a litigânciade má-fé no código de processo civil. Revista daAssociação Cearense do Ministério Público, Fortaleza,ano 3, n. 7, maio-jul. 2003.

CAPPELLETTI, Mauro. Problemas de reforma doprocesso civil nas sociedades contemporâneas. Revistade processo, ano 17, n. 65, p. 134, jan.-mar., 1992.

CARNEIRO, Athos Gusmão; TEIXEIRA, Sálvio deFigueiredo. Anteprojeto de Lei nº. 14 (versão final). RevistaJurídica Virtual, n. 2, jun.1999. Disponível em: http://www.presidencia.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_02/antproj_lei_cpc14.htm. Acesso em: 6 jan. 2004.

DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma do código deprocesso civil. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 1997.

ERPEN, Jéferson Antonio. O abuso do direito no exercícioda ação e a livre concorrência. Revista Síntese de DireitoCivil e Processual Civil, Porto Alegre, n. 22 , p.121, mar.-abr. 2003.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Pequenodicionário brasileiro da língua portuguesa. 11. ed. Rio deJaneiro: Civilização Brasileira 1971.

FORNACIARI JÚNIOR, Cilto. Embargos de DeclaraçãoProtelatórios, Revista Dialética de Direito Processual, SãoPaulo, n.18, set. 2004.

Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VI, Nº 7 - Dezembro de 2005

A LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ E OS RECURSOS... 518

GRECO FILHO, Vicente. Litigância de má-fé,In: TEIXEIRA,Sálvio de Figueiredo (coord.). Reforma do código deprocesso civil. São Paulo: Saraiva, 1996.

GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro.5. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. v. 1.

KOMATSU, Roque. Da invalidade no processo civil. SãoPaulo: Revista dos Tribunais, 1991.

LEÃO, Adroaldo. O litigante de má-fé, Rio de Janeiro:Forense, 1982.

LIMA, Alcides Mendonça. Abuso de direito de demandar.Revista de Processo, São Paulo, v. 17, p. 59.

MAIA, Valter Ferreira. Litigância de má-fé no código deprocesso civil. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

NERY JÚNIOR, Nelson. Teoria geral dos recursos. 6.ed.atual. ampl. e reform. São Paulo: Revista dos Tribunais,2004.

OLIVEIRA, Ana Lúcia Lucker Meirelles de. Litigância demá-fé. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

PADILLA, Luiz R. Nuñes. Litigância de má-fé no CPCreformado. Revista de Processo, São Paulo, v. 78, n. 20p. 101-107, abr.-jun. 1995.

STOCO, Rui. Abuso do direito e má-fé processual. SãoPaulo: Revista dos Tribunais, 2002.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. As Inovações no códigode processo civil, em matéria de processo de conhecimento.In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (coord.) Reforma do Códigode Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 1996.

Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VI, Nº 7 - Dezembro de 2005

VICTOR MARTINS RAMOS RODRIGUES 519

VINCENZI, Brunela Vieira de. A boa-fé no processo civil.São Paulo: Atlas, 2003.

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Controle das decisõesjudiciais por meio de recursos de estrito direito e de açãorescisória: recurso especial, recurso extraordinário e açãorescisória: o que é uma decisão contrária à lei?. São Paulo:Revista dos Tribunais, 2002. p. 130.

Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VI, Nº 7 - Dezembro de 2005

A LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ E OS RECURSOS... 520