ciclo de premiaÇÃo 2002 apresentação -...

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Este livro integra uma série de análises sobre as experiências fina- listas dos ciclos anuais de premiação do Programa Gestão Pública e Cidadania, que se realizam desde 1996. O Programa é uma iniciativa da Fundação Getulio Vargas e da Fundação Ford, com apoio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Mais do que a premiação, seu objetivo é a disseminação das práticas inova- doras dos governos subnacionais (prefeituras, governos estaduais e or- ganizações próprias dos povos indígenas). Para isso, o Programa tem produzido livros, vídeos e programas de rádio sobre as experiências, além de manter na Internet um banco de dados com todas as inscrições recebidas para os ciclos de premiação ( http://inovando .fgvsp.br). A organização deste livro faz parte do es- forço para disseminar tais inovações e possibilitar que um número cada vez maior de governos subnacionais encontrem soluções adequadas aos problemas de suas comunidades. Apresentação CICLO DE PREMIAÇÃO 2002

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Page 1: CICLO DE PREMIAÇÃO 2002 Apresentação - ceapg.fgv.brceapg.fgv.br/sites/ceapg.fgv.br/files/u26/relatorio_completo_2002.pdf · Fax: (11) 287-5095 E-mail: inovando@fgvsp.br ... no

Este livro integra uma série de análises sobre as experiências fina-listas dos ciclos anuais de premiação do Programa Gestão Pública eCidadania, que se realizam desde 1996. O Programa é uma iniciativada Fundação Getulio Vargas e da Fundação Ford, com apoio do BancoNacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Maisdo que a premiação, seu objetivo é a disseminação das práticas inova-doras dos governos subnacionais (prefeituras, governos estaduais e or-ganizações próprias dos povos indígenas).

Para isso, o Programa tem produzido livros, vídeos e programas derádio sobre as experiências, além de manter na Internet um banco dedados com todas as inscrições recebidas para os ciclos de premiação(http://inovando.fgvsp.br). A organização deste livro faz parte do es-forço para disseminar tais inovações e possibilitar que um número cadavez maior de governos subnacionais encontrem soluções adequadasaos problemas de suas comunidades.

ApresentaçãoCICLO DE PREMIAÇÃO 2002

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2 As 20 experiências finalistas de 2002 representam bem a riquezado material recebido pelo Programa, tanto no que se refere à abrangênciageográfica quanto à diversidade de áreas de atuação. Em relação aoprimeiro aspecto, por exemplo, chama a atenção a presença de duasexperiências de Roraima (Programa Braços Abertos, de Boa Vista, e Pro-jeto Anike), no extremo norte do país, e de outras quatro da região Sul(Cidadania em Cadeia para o Direito do Futuro, do Presídio Masculinode Florianópolis; Formação de Parcerias e Geração de Renda nas Comu-nidades Rurais, de Lontras-SC, Licenciamento Ambiental para Redesde Infra-Estrutura Urbana, de Porto Alegre e Consórcio Intermunicipalde Resíduos Sólidos Urbanos – Citresu, de dez municípios gaúchos).

Qualquer que seja a região, as inovações acontecem tanto na zonarural como nos grandes e médios centros urbanos. No entanto, a pre-sença expressiva de iniciativas com origem nos municípios eminente-mente rurais chama a atenção para o fato de que, não obstante a cres-cente urbanização do país, ainda têm grande importância as ações vol-tadas à população do campo. Para essa população, têm se destacado asexperiências que buscam eliminar o clientelismo e estabelecer práticasde gestão participativa, estímulo ao associativismo e apoio à agricultu-ra familiar como forma de gerar renda e impulsionar o desenvolvimen-to local. Caminham nessa direção duas experiências que se desenvol-vem em contextos bem diferentes: o Programa Boa Safra, de Limoeirodo Norte (CE) e a Formação de Parcerias e Geração de Renda nas Co-munidades Rurais, de Lontras (SC)

No que se refere à diversidade de áreas de atuação, estão contem-pladas desde a agropecuária até a segurança pública. Observa-se tam-bém uma variedade em relação ao público abrangido pelas experiênci-as: algumas tem um caráter generalizante, beneficiando grandes par-celas da população. Outras, mais focalizadas, dirigem-se a grupos es-pecíficos (como o Programa de Atenção à Pessoa Portadora de Ostomia,da cidade do Rio de Janeiro), incluindo mulheres (Centro Integrado deAtendimento à Mulher - CIAM, do Rio de Janeiro, e Comissão Perinatal,de Belo Horizonte), comunidades indígenas (Projeto Jejy, dos guaranisdo litoral paulista, além do já mencionado Projeto Anike) e crianças(Escola Pantaneira, de Aquidauana-MS).

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3Da mesma forma, há experiências complexas, que envolvem umamultiplicidade de projetos (Fortalecimento da Cadeia Produtiva do SetorTêxtil, de Campina Grande-PB, e o já citado Programa Braços Aber-tos), e outras mais simples, focadas num objetivo bem preciso.

Deve-se ressalvar, porém, que diversas iniciativas se desenvolvemnuma zona fronteiriça entre duas ou mais áreas, até porque qualquerclassificação sempre implica um grau de arbitrariedade por parte dequem analisa as experiências. Os responsáveis por sua execução estãomais interessados em resolver os problemas da população do que emsaber se o programa, projeto ou atividade pertence a esta ou aquelaárea. O Projeto Amigos do Lixo (Guaratinguetá-SP), por exemplo, vol-ta-se para a temática ambiental, mas também se preocupa com a in-clusão social de um segmento da população pobre. Já o Projeto Movi-mento das Mulheres Empreendedoras (Ceará), por sua vez, destina-se apromover a geração de renda, mas ao mesmo tempo apresenta umimportante impacto sobre as questões de gênero.

Por fim, há temas que perpassam várias iniciativas, seja como oenfoque principal, seja como um de seus aspectos secundários. Esse éo caso do empreendedorismo (no supracitado projeto de CampinaGrande e também no Pró-Confecções, de Goianésia-GO; bem comono Projeto Movimento das Mulheres Empreendedoras), da participaçãopopular (Rede Pintadas, de Pintadas-BA, além dos mencionados Or-çamento Participativo Interativo, Conselhos Comunitários de DefesaSocial e Programa Braços Abertos), do associativismo (Programa BoaSafra, Formação de Parcerias e Geração de Renda nas ComunidadesRurais e Projeto Amigos do Lixo, só para citar alguns) e da melhoriados serviços públicos Poupatempo e Comissão Perinatal, entre outros).

Como pontos em comum entre todas as experiências, destacam-se o impacto positivo que elas apresentam na vida de seus beneficiários,a possibilidade de serem repetidas em outras localidades e a utilizaçãoresponsável dos recursos públicos, visando à auto-sustentabilidade. Taiscaracterísticas ajudam a defini-las como inovações e a compor o retra-to de uma gestão pública com cidadania.

Os organizadores

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Versão em formato PDF

Programa Gestão Pública e Cidadania

ProjetoRede Pintadas

finalistas do ciclo depremiação 2002

Fernando Fischer eAntônio Nascimento

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20 Experiências de Gestão Pública e Cidadania/Organizadores: Gabriela Spanghero Lotta, Hélio Batista Barboza,Marco Antonio Carvalho Teixeira e Verena Pinto. São Paulo: ProgramaGestão Pública e Cidadania, 2003272 p.

Inclui bibliografia.

1. Políticas públicas – Brasil. 2. Administração pública – Brasil.I. Lotta, Gabriela Spanghero. II. Barboza, Hélio Batista. III. Teixeira, MarcoAntonio Carvalho. IV. Pinto, Verena. V. Programa Gestão Pública eCidadania.

CDD-352

Originalmente publicado em:20 Experiências de Gestão Pública e Cidadania

Gabriela Spanghero Lotta, Hélio Batista Barboza,Marco Antonio Carvalho Teixeira e Verena Pinto (orgs.)

Copyright © Gabriela Spanghero Lotta, Hélio Batista Barboza,Marco Antonio Carvalho Teixeira e Verena Pinto

Direitos da edição reservados aoPrograma Gestão Pública e CidadaniaAv. 9 de Julho, 2029 – 2º andar da Biblioteca01313-902 – São Paulo – SPTel: (11) 3281-7904 / 3281-7905Fax: (11) 287-5095E-mail: [email protected]://inovando.fgvsp.br

Impresso no Brasil / Printed in Brazil

Todos os direitos reservados. A reprodução não autorizada destapublicação, no todo ou em parte, constitui violação da lei dedireitos autorais.

1ª edição – 2003

Capa/editoração: Liria OkodaImpressão: Gráfica Dedone

Versão gráfica em formato PDF: Liria Okoda

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ResumoA Rede Pintadas é uma organização informal instituída em 1999

que reúne 11 entidades do Município de Pintadas, interior da Bahia.Congrega organizações sociais, projetos de autogestão, organizações pro-dutivas, culturais e religiosas. De forma representativa, tem como fun-ções principais avaliar, propor, planejar e implementar políticas públi-cas, além de empreender esforços e iniciativas de geração de emprego erenda. Possui um coordenador remunerado que tem a responsabilidadede acompanhar as atividades das 11 entidades e articular ações integra-das. A responsabilidade da Prefeitura Municipal de Pintadas é acessóriaà Rede, sendo uma das suas protagonistas e principal articuladora. Estetexto destaca os alcances políticos e sociais da Rede, além dos elemen-tos históricos que são essenciais para a compreensão de todo o processo.

Fernando Fischer eAntônio Nascimento1

ProjetoRede PintadasPINTADAS (BA)

1 Administradoresformados pela Escolade Administração daUniversidade Federalda Bahia.

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4 Contexto do MunicípioPintadas é um pequeno município de pouco mais de 11 mil habi-

tantes (IBGE), situado no semi-árido baiano, na área do Polígono dasSecas, na Microrregião de Feira de Santana, a cerca de 200 km ao noro-este de Salvador..

Aproximadamente 63,8% de sua população reside na área rural –em contraposição com a média de 37,6% do Estado da Bahia. Os índi-ces pluviométricos indicam precipitações irregulares, que variam entre300 e 1000 mm/ano e uma média anual de 600 mm, o que denota umaárea de convivência permanente com a seca.

Ainda há uma forte concentração de terras em Pintadas, sendoque 80% dos produtores possuem somente 15% delas. Os grandes fa-zendeiros dedicam-se à pecuária bovina extensiva, atividade que pres-cinde de mão-de-obra intensiva, enquanto que os pequenos produto-res criam cabras e ovelhas e cultivam alimentos de subsistência comomilho, feijão e mandioca, altamente suscetíveis à seca.

A concentração fundiária, o uso inadequado dos recursos naturais,o baixo nível de renda e a escassez das oportunidades de emprego tor-naram-se, ao longo dos anos, forças propulsoras de um fenômeno localque chama a atenção pelos números: a migração sazonal para o Sudes-te, em particular o Estado de São Paulo.2 A cada ano, cerca de três miltrabalhadores, majoritariamente homens, partem para trabalhar fun-damentalmente nas usinas de álcool do interior de São Paulo. Se con-siderarmos a População Economicamente Ativa (PEA) e a populaçãoabsoluta, esse número é bem mais do que expressivo. Ele afeta o modose dão como as interações sociais e tem uma relação direta com o papelassumido pelas mulheres e pelos jovens.

A mulher acabou assumindo todas as responsabilidades na ausên-cia do marido/companheiro, desde as tarefas mais prosaicas até a ges-tão financeira de suas propriedades, o que certamente se refletiu nocontexto social local. Observa-se que a questão de gênero permeou eainda perpassa todos os movimentos sociais de Pintadas.

Quanto aos índices de maior amplitude no campo social, como oICV - Índice de Condições de Vida (0,472), IDH – Índice de Desen-volvimento Humano (0,387) e IDI – Índice de Desenvolvimento In-

2 O Município possuilinhas de transporte

rodoviário diretopara São Paulo,porém não para

Salvador (ummicroônibus faz a

ligação para Feira deSantana).

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5fantil (0,366), temos que Pintadas situa-se na faixa de baixo desenvol-vimento humano, de acordo com a metodologia do Programa de De-senvolvimento das Nações Unidas (PNUD).

HistóricoPara entender melhor o que é hoje o Município de Pintadas e o

Projeto Rede Pintadas, é preciso voltar ao início da década de 80 eremontar ao surgimento do movimento social que deu origem a essaexperiência.

Papel da Igreja

Como muitas localidades espalhadas pelo Brasil, a gênese da mo-bilização social em Pintadas se deu por meio das Comunidades Ecle-siais de Base (CEBs), grupos criados pela Igreja Católica para traba-lhar outras questões ligadas não somente à espiritualidade e à religio-sidade dos fiéis, mas à realidade cotidiana das pessoas.

Baseando-se em tradições populares voltadas ao trabalho solidárioe apoio mútuo – tendo expressões significativas, como o “boi rouba-do” (lavrador beneficiado com a atividade coletiva oferece um almoçomatando um boi, com festa ao longo do dia de trabalho) e a “Baleia”(em que durante um turno do dia se carpe a roça de um dos integran-tes da comunidade) e o “boi comunitário” – a Igreja encontrou umterreno fértil para fortalecer a prática da solidariedade, gratuidade epartilha por parte dos trabalhadores rurais, fundamentos do espíritocristão, segundo a Teologia da Libertação. O mutirão convertia-se, as-sim, em um instrumento de trabalho a serviço da comunidade.(MOURA, 2001).

A partir desses esforços de sensibilização e mobilização, forma-ram-se subgrupos, que canalizaram as iniciativas e as práticas prega-das pela Igreja: o Conselho Pastoral das Comunidades (CPC), para oqual cada uma das 32 comunidades elegia dois representantes e oConselho Pastoral de Jovens (CPJ), com representantes jovens de cadacomunidade. É nesse ponto que se inicia um processo deconscientização das comunidades acerca de temas sociais como seca,

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6 miséria, pobreza, oportunidades, educação, opressão, terra, reformaagrária, política, etc. As comunidades começavam a enxergar de umamaneira diferenciada a crueza da sua realidade nordestina, em plenosemi-árido baiano. O fatalismo de que “tudo deve-se a Deus” e nadatem resolução passa a ser refletido, questionado e colocado em xequepelas comunidades. Paulatinamente, desenvolve-se uma consciênciados direitos e deveres dos cidadãos, que se traduziu, inicialmente, naluta pela terra.

Nesse contexto, o Conselho Pastoral de Jovens e um grupo maisamplo de jovens denominado JPL (Juventude Procurando a Liber-tação) assumiram um papel importante e simbólico, pois demons-traram concretamente que o futuro estava sendo construído em umaespécie de celeiro de lideranças.

É interessante notar hoje – justamente quando o protagonismojuvenil e questões de gênero estão na ordem do dia de instituições definanciamento e apoio às ONGs – que esses temas já fazem parte davida de Pintadas há muitos anos. Percepção, essa, corroborada pelofato de que grande parte das lideranças das instituições que compõema Rede ser de ex-integrantes desses grupos jovens. Além disso, não épor acaso que Pintadas tem uma associação de mulheres, uma prefeitamulher por dois mandatos seguidos e três vereadoras.

Em paralelo à crescente conscientização social, um fato marcou acomunidade profundamente e toda a trajetória da participação popu-lar em Pintadas: a Luta do Lameiro.

Luta do Lameiro

“Em Pintadas, uma coisa nasce a outra”.(Elias Oliveira Rios, Escola Família Agrícola)

Em 1985, dezesseis famílias foram expulsas de suas terras na Co-munidade do Lameiro por um grileiro, o que gerou forte solidariedadedos agricultores do município às famílias, com decisivo apoio da IgrejaCatólica e do Sindicato dos Trabalhadores Rurais.

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7De certa forma, a Luta do Lameiro foi a pedra angular dos movi-mentos sociais em Pintadas. Segundo Julita Trindade de Almeida,Secretária da Saúde de Pintadas e ex-integrante do JPL, a “luta daterra foi uma escola, durante dois anos”, com o surgimento de váriosoutros movimentos a partir desse acontecimento, que envolveu di-retamente 16 famílias pela luta da posse de terras.

Depois de inúmeros mutirões, negociações políticas, debates, ma-nifestações populares e confrontos, o então programa de reforma agráriado governo federal desapropriou 250 hectares de terra para que essasfamílias fossem assentadas. No entanto, logo houve a percepção deque a terra era importante, mas sozinha não resolveria o problema damaioria dos produtores familiares da região, obrigados a emigrar partedo ano para São Paulo em busca da subsistência.

Desse modo, houve um grande intercâmbio entre as comunida-des e uma aproximação de pessoas ligadas à Companhia de Desenvol-vimento e Ação Regional da Bahia (CAR), ligada à Secretaria de Pla-nejamento, do Governo do Estado da Bahia, à Superintendência deDesenvolvimento do Nordeste (Sudene) e à Empresa de AssistênciaTécnica e Extensão Rural da Bahia (Ematerba), órgão vinculado àSecretaria da Agricultura do Governo da Bahia, que se envolveramdiretamente na resolução do conflito, deixando um saldo de conheci-mentos técnicos que mais tarde seriam incorporados pelas comunida-des. Perduram até hoje os vínculos, pessoais inclusive, entre esse gru-po e o município de Pintadas.

Resultou daquele momento a sensibilização a respeito da lutapela terra e de que isso não era uma problemática exclusiva daque-las 16 famílias, mas de grande parte das famílias do município.Afinal, suas demandas não poderiam ser tão diferentes das apre-sentadas pelo restante da população: terra, produção, renda, saú-de, educação, apoio, participação popular, segurança, etc. Apesardos anos conturbados, a Luta do Lameiro deixou um saldo positivodesproporcional à sua amplitude pontual. O capital social decor-rente desse processo foi muito importante para a construção doque seria o Projeto Pintadas/BNDES.

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8 Projeto Pintadas/BNDES3

“Novos grupos, a partir da percepçãode que lutas específicas se travavam em lutas maiores.”

(Maria Alvina de Souza Silva,Vereadora do PT e Presidente da

Associação de Mulheres de Pintadas)

Com o apoio de técnicos da Companhia de Desenvolvimento e AçãoRegional da Bahia, procuraram-se alternativas produtivas que viabilizas-sem a agricultura familiar e foi elaborado um projeto de US$ 1,5 milhãopara 300 famílias, financiado a fundo perdido pelo BNDES.

A idéia era constituir vários grupos de sete a 10 famílias, cada umadoando ao grupo três hectares de terra por um período de 10 anos paraconstituir uma área que seria trabalhada coletivamente pelas famíliasdo grupo. Em alguns grupos, famílias doaram mais terra para permitira participação de produtores sem-terra. Os investimentos e o trabalhona terra do grupo seriam coletivos, permitindo a escolha das melhoresáreas para construir o açude, plantar mandioca, etc. Nos anos de 1989,90 e 91 foram criados respectivamente 15, 12 e sete grupos, chegandoa 32 grupos no total, em vez dos 44 previstos.

Hoje, não existe mais nenhum grupo em funcionamento. Todos sedesfizeram, a maioria deles inclusive bem antes do final do projeto. Pode-se dizer, conforme José Albertino Lordelo, técnico da CAR com váriosanos de relação com o município e ex-coordenador do Plano de Desen-volvimento do Assentamento do Lameiro, que o “projeto carecia deracionalidade econômica, pois não havia gestores, mas lideranças” emisturava dialeticamente a “iniciativa privada e a coletividade”.

No entanto, além de ter sido espaço de experimentação e de difu-são técnica, os grupos do Projeto Pintadas/BNDES foram também umespaço de recomposição dos laços sociais que permitiram reforçar asrelações de confiança e solidariedade entre os produtores e a constru-ção de uma identidade de grupo como agricultores familiares. Do mes-mo modo, o papel do Projeto Pintadas/BNDES foi absolutamente no-tável, na medida em que colocou os produtores em contato com pesso-as, instituições externas e até internacionais, que apóiam até hoje odesenvolvimento do município.

3 Esse trechocompila e

reorganizainformações do

trabalho de Bazin(vide Referências

Bibliográficas).4 Dados relativos a

2002.

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9Embora o financiamento do BNDES fosse a fundo perdido, osgrupos efetuaram o ressarcimento da metade do dinheiro recebidopara formar um fundo rotativo que continua beneficiando a comuni-dade até hoje, tendo viabilizado, por exemplo, a construção do CentroComunitário de Serviços de Pintadas (CCSP).

A organização do Projeto Pintadas/BNDES permitiu um acúmu-lo de capital social que atualmente se reflete no dinamismo da RedePintadas e no desenvolvimento do município. Dessa forma, esse Pro-jeto não pode ser encarado como mal sucedido, sob pena de enfocar-mos apenas o lado econômico e desprezarmos os aspectos sociais.

Prefeitura Popular de Pintadas

“Mas onde ficou a luta política?”(Neusa Cadore, Prefeitura de Pintadas)

“O poder público municipal é resultado dessarede de relações sociais”.

(Welber Santos, Coordenação da Rede Pintadas)

O Projeto Pintadas/BNDES, ligado diretamente à produção, sus-citou o questionamento de que faltava um projeto político para omovimento, o que desencadeou a formação do Partido dos Traba-lhadores (PT) no município, em 1988. Apesar da derrota enfrentadanas duas primeiras eleições, 1988 e 1992, um caminho sem volta nocampo político-partidário (e da gestão pública) tinha se iniciado,com o engajamento de diversas lideranças no corpo do Partido. Nota-se, desde sempre, uma linha tênue que separa o que é político-parti-dário e o que é social e comunitário, numa espécie de comunhão dosinteresses públicos e coletivos que se operacionaliza por meio e naRede Pintadas.

Grande parte do corpo de técnicos e profissionais que compõe aPrefeitura ou integram o PT local têm um duplo papel junto a RedePintadas, como é o caso da prefeita, da secretária de Educação, dopresidente do SICOOB Sertão e da Câmara de Vereadores, dapresidenta da Associação das Mulheres, do secretário da Agricultura,entre outros. Há papéis, funções e atribuição dentro de cada institui-

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10 ção, ao lado das atividades próprias da Rede, que não se chocam, massim se complementam.

Depois que o Partido dos Trabalhadores conquistou a Prefeiturade Pintadas, em 1996, o município não recebeu mais nenhum apoiodo governo da Bahia, sob o comando do grupo do senador AntônioCarlos Magalhães, do Partido da Frente Liberal (PFL). Como exem-plo, tem-se o fechamento do único estabelecimento bancário, do en-tão Banco do Estado da Bahia (BANEB), antes do início do governopetista em 1997, obrigando as pessoas a uma jornada de ida e volta de50 Km ao município vizinho de Ipirá.

Nesse caso, o tiro político saiu pela culatra. A comunidade, comajuda da Prefeitura ao longo desse ano, fundou em 1998 a CrediPinta-das, hoje SICOOB Sertão, que além de exercer funções bancárias atuana área de microcrédito. O que seria uma tragédia em termos econô-micos para o município (e, de fato, foi um transtorno no ano de 1997)hoje constitui um dos trunfos da Rede Pintadas, que é a gestão finan-ceira de grande parte dos recursos repassados por parceiros externos àsinstituições integrantes da Rede e, também, do fundo rotativo, forma-do a partir do Projeto Pintadas/BNDES.

Para desenvolver o município nessas condições adversas, a Prefei-tura, em conjunto com os atores sociais organizados, tem utilizado aRede Pintadas para o estabelecimento de parcerias com instituiçõesnacionais e estrangeiras, buscando financiar vários projetos comuns.

Centro Comunitário de Serviços de Pintadas

“Há um jeito especial de se organizar em Pintadas”.(Julita Trindade de Almeida, Secretária da Saúde de Pintadas

e ex-integrante do grupo Juventude Procurando a Libertação - JPL)

O Centro Comunitário de Serviços de Pintadas (CCSP) nasceu apartir de uma ação conjunta da Paróquia de Pintadas, Sindicato dos Tra-balhadores Rurais, Movimento de Jovens, com o apoio da Diocese de RuyBarbosa, além de diversas associações comunitárias. O Centro passou aser a entidade gestora do Projeto Pintadas/BNDES, com a finalidade decapacitar e prestar assistência técnica aos pequenos produtores. Com o

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11tempo, ganhou importância e autonomia, a ponto de se tornar, durante oProjeto Pintadas/BNDES, um verdadeiro fórum de desenvolvimentomunicipal e de discussão de ações de interesse público. A busca por recur-sos para a criação de alternativas à geração de empregos e renda em Pin-tadas, assim como de opções de produção e convivência com a seca, dire-cionou os passos do Centro na articulação com apoios de fontes externasà Pintadas, à Bahia e ao Brasil, tanto financeira como tecnicamente.

Hoje, o CCSP funciona como a entidade que desenvolve a inter-relação entre as demais instituições que integram a Rede, sendo asede física desta, com certa infra-estrutura de apoio (vide Anexo I).De acordo com Arievaldo Almeida de Oliveira, a Rede Pintadas “foiuma opção estratégica para não sobrecarregar a estrutura do Centro”e “se constituiu em um projeto do Centro” sem qualquer traço depossessividade, mas de representatividade de um grupo e de interes-ses mais amplos de toda a comunidade. Desde o seu surgimento, vemservindo também “como um incubadora social, fortalecendo as insti-tuições que nascem em Pintadas, sendo um braço inicial de sustenta-ção e apoio”. Afinal, o capital social acumulado ao longo de seus quase15 anos de existência não pode ser desprezado.

Nesse contexto, a constituição de novos projetos configura novosnúcleos de desenvolvimento que, aos poucos, crescem, estruturam-see ganham autonomia e institucionalidade. O número desses núcleosde desenvolvimento, oriundos do Projeto Pintadas/BNDES, da IgrejaCatólica local, do Sindicato de Trabalhadores Rurais, etc., cresceu aponto de os atores locais sentirem a necessidade de se organizar den-tro de uma rede (a “Rede Pintadas”) para articular todas as ações eorganizações que visam ao desenvolvimento do município.

Rede Pintadas

“Tudo que a gente organiza tem a funçãode resolver um problema e ampliar a questão social”.

(Dernival Almeida – Rádio Comunitária)

A Rede Pintadas está inserida em um contexto maior – denomi-nado “Movimento Social Pintadas” no Informativo n° 1 da Rede Pin-

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12 tadas. Apesar de não existir formalmente, o Movimento procura arti-cular e organizar as instituições e as pessoas de forma conjunta embusca do bem comum do município. O principal papel da Rede é o decanalizar as discussões, lutas, pleitos e projetos para uma discussãomais ampla, representativa e democrática. Foge-se completamente domeios tradicionais de “planejamento de gabinete”, rumo a formas par-ticipativas de se pensar a coisa pública e planejar a gestão social, assimcomo a administração pública de forma integrada.

Dentro desse contexto, a Rede não constitui um projeto nos mol-des tradicionais a que estamos acostumados. Trata-se mais de um des-dobramento natural que emanou da comunidade como uma necessi-dade lógica de um grupo de instituições e pessoas com uma visão con-vergente: o desenvolvimento local de Pintadas.

Segundo Welber Santos, coordenador da Rede Pintadas, remune-rado por meio de um convênio com o Serviço Alemão de CooperaçãoTécnica (DED), a Rede Pintadas é uma “coisa que surgiu daqui, pari-da daqui (grifo nosso e dele), em um movimento endógeno”. Nessesentido, difere completamente das estratégias do Comunidade Ativa,que na Bahia foi incorporado pelo programa do governo estadual como incongruente nome de Faz Cidadão, de indução do desenvolvimen-to local e promoção da participação. Em Pintadas, não houve e nem háagente externo à comunidade induzindo o que quer que seja. “As dis-cussões de assuntos de interesse geral, sob uma perspectiva mais am-pla, dizem respeito a todos”, continua o coordenador da Rede, e “nos-sa função, como Rede, é evitar a sobreposição de idéias e a duplicidadede esforços, tendo um pensamento e um plano de ação que vise aten-der às diversas demandas sociais de Pintadas”.

A Rede, por outro lado, não significa perda de autonomia das ins-tituições que a integram. No entanto, em assuntos mais complexos,que saem do micro-contexto de cada instituição e envolvem mais or-ganizações sociais e a necessidade de articulação, há um direciona-mento estratégico para discussões colegiadas, que ordinariamente acon-tecem a cada dois meses. Assim, a Rede aborda as dimensões religio-sas, econômicas, políticas, sociais e culturais, de acordo com ValcyrAlmeida Rios, líder do SICOOB Sertão e vereador petista.

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13Outro ponto importante da Rede Pintadas, ainda segundo Valcyr,é que “houve uma preocupação em não se transformar em mais umaONG, pois o espaço é a Rede e não uma nova instituição”. Aqui, valefrisar o conceito de “rede interna” colocado por Turck (2001) que seaplica perfeitamente ao caso de Pintadas:

“Síntese da experiência e conhecimento profissional dos

atores sociais em uma ação conjunta e participativa,

objetivando a construção de uma práxis interdisciplinar no

atendimento a situações individuais e/ou coletivas que

emergem em um determinado contexto social”.

Para Neusa Cadore, não há a dicotomia conflituosa de “poder pú-blico versus Rede”, pois a experiência baseia-se numa “nova espéciede relação das pessoas com o poder público local”, na qual os cidadãos,de fato e de direito, se apropriam da gestão pública.

De acordo com Valcyr, a Rede é um exemplo de que “a sociedadeestá criando outros mecanismos de controle social”, tendo como linhamestra um “processo de representação natural”.

Dentre os objetivos da Rede Pintadas, listados no Informativo n°1da Rede, temos:

a) promover maior articulação entre as entidades em torno de umprojeto comum;

b) integrar e fortalecer atividades de cada entidade;c) articular e dinamizar o Movimento (Social) de Pintadas;d) promover encontros para a troca de experiências (interna e ex-

terna)e) descobrir novos parceiros.

Fazendo uma análise do problema que se quer resolver ou, pelomenos, amenizar com o Projeto Rede Pintadas – apesar de não estarexpresso em documentos – podemos inferir que a Rede Pintadas teriacomo objetivo mais amplo o desenvolvimento econômico e social domunicípio, e, como objetivo específico, a articulação das instituiçõesem prol de projetos de interesse da comunidade.

Entre os objetivos arrolados, podemos afirmar que os mesmos es-

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14 tão sendo atingidos, embora não haja indicadores e metas para umaavaliação consistente, tratando-se apenas de uma constatação a partirdos relatos no grupo de discussão e das entrevistas realizadas durante avisita de campo.

Segundo José Albertino Lordelo, as principais inovações da Rede são:i) rompimento do fluxo de fiscalização exclusiva dos conselhos

municipais, diluindo o controle social entre mais pessoas;ii) cada entidade, por meio de seus representantes, é um gestor de

políticas públicas em potencial;iii) autonomia de ação dentro da rede, na construção e estabeleci-

mento de parcerias;iv) horizontalidade das relações.

Como modelo de gestão interna, a Rede Pintadas possui um coor-denador que assume o papel de tentar adequar e conformar cada inte-ração: i) às instituições pertinentes; ii) ao tipo de apoio; iii) no formatomais adequado e, se possível; iv) contemplar um número maior deinstituições da Rede.

Salienta-se que isso não é uma função exclusiva do coordenador, oque nesse caso não pode ser encarado como fato negativo, muito pelocontrário. Várias pessoas detêm um poder informal de articular emnome da Rede, simplesmente por fazer parte desta. As decisões, comexceção da parte mais ligada às questões administrativas e de caráteroperacional, são discutidas em assembléia, que são facilmente convo-cadas e constituídas.

Outro fato que chama a atenção na Rede Pintadas é a quantidadede projetos existentes que mobilizam parcerias com instituições nacio-nais ou estrangeiras. A Rede Pintadas canaliza, atualmente, todo o capi-tal de relações de cada uma das instituições que a integram. Há umarede informal de parceiros europeus que apóiam as iniciativas e projetosda Rede e as parcerias podem ser articuladas a partir da Rede ou comoiniciativa de uma das instituições isoladamente. A depender do caso, obenefício pode ser individual ou coletivo, não havendo normas nem re-gras definidas, sendo as interações dinâmicas, de acordo com o potenci-al parceiro, financiador, apoiador, patrocinador ou doador.

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15No campo governamental, não há qualquer relação com o gover-no estadual, mas há uma série de convênios com o governo federal,conforme pode ser constatado na Secretaria Federal de Controle. Sur-preendentemente, entre as prefeituras municipais do Partido dos Tra-balhadores na Bahia – total de sete, entre grandes e pequenas cidades4

– não há intercâmbio, apoio ou suporte de qualquer estrutura estadu-al ou nacional do Partido dos Trabalhadores. Na Tabela 1, foram listadostodos os parceiros da Rede.

TABELA 1

Instituições parceiras da Rede Pintadas

Instituição PaísCoordenadoria Ecumênica de Serviços (CESE) Brasil (sede Salvador)

IL CANALE Itália

DED – Deutscher Entwicklungsdienst (ou Serviço AlemanhaAlemão de Cooperação Técnica e Social)

DISOP – Dienst voor Internationale BélgicaSamenwerking aan Ontwikkelingsprojecten

(ou Organização para a CooperaçãoInternacional a Projetos de Desenvolvimento)

Comunita Montana (13 cidades associadas em Itáliatorno da Província de Régio Emília)

Peuples Solidaires França

Fundação Clemente Mariani Brasil (sede Salvador)

Universidade Federal da Bahia Brasil(Escola de Nutrição, Faculdade de Educação,

Faculdade de Arquitetura, Fundação Politécnica –Departamento Hidráulica e Saneamento)

Caritas Brasileira Brasil

MIVA – MISSIONARY VEHICLE ASSOCIATION Holanda

AVSI – Associazone Volontari per il ItáliaServizio Internationalle

Kindermissionswerk Alemanha

CastelNovo Monti (Prefeitura italiana) Itália

SIMFR – Solidarité Internationale des Mouvements BélgicaFamiliaux de Formation Rurale (ou Associação

Internacional dos Movimentos de Formação Rural)

Numa análise comparativa da Rede Pintadas com outras iniciati-vas similares nota-se um diferencial quanto à autonomia da Rede emrelação ao poder público. Como movimento endógeno da própria co-munidade, há uma relativa independência da Prefeitura, o que, por

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16 outro lado, não minimiza a importância da administração petista noandamento e na evolução da Rede. As trocas e complementariedadessão inúmeras e em diversos projetos. Fica difícil, nesse contexto, dife-renciar exatamente o que é sociedade civil organizada, apoio da Prefei-tura e voluntariado. As fronteiras fundem-se dentro da Rede.

No âmbito mais operacional, destacam-se como elementos de di-namização do funcionamento da Rede as funções exercidas pelo coor-denador específico, com formação em nível de 3º grau, cursando espe-cialização e remunerado por meio de um convênio com o Serviço deCooperação Técnica Alemã (DED).

Não obstante o caráter informal da Rede, a centralização e, maisimportante, a responsabilização de uma pessoa a tudo que diz respeitoà Rede acaba surtindo efeitos positivos em seu funcionamento.

Quanto aos pontos fracos, destaca-se a inexistência de um plane-jamento estratégico, que delineie um plano operacional de atividadesnorteado por cenários no médio e no longo prazos. Também falta umaestratégia de monitoramento e avaliação da Rede, assim como da mai-oria das instituições que a constituem.

A ligação atávica da Rede Pintadas com a Prefeitura precisa serobjeto de uma reflexão séria e independente. Novas eleições munici-pais estão por vir nos próximos dois anos e a possibilidade de um ter-ceiro mandato do PT ainda é uma incógnita. A Rede e suas atividadesdecorrentes devem ser pensadas diante das duas possibilidades – novomandato para o PT ou derrota para a oposição – sob pena, em caso dederrota, de se perder grande parte das condições estruturais favoráveisà Rede. Alternativas e estratégias suplementares devem ser definidas,dentro de uma lógica de planejamento institucional.

O potencial de replicabilidade dessa experiência é comprovado naprática pelas diversas visitas que o município tem recebido de técnicosque procuram conhecer a Rede e a sua operacionalização. Feitas asconsiderações culturais de outras regiões, agrupamentos sociais e orga-nizacionais, é perfeitamente plausível sua adaptação para outros con-textos. O único detalhe que não poderá ser replicado é o capital huma-no de Pintadas e toda sua história de mais 20 anos de lutas no camposocial, com seus erros e acertos, derrotas e vitórias.

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17O Projeto Rede Pintadas corresponde, assim, a uma nova valida-ção prática da importância da ação coletiva no âmbito da gestão socialem nível municipal. Integrando em forma de rede a gestão públicamunicipal a uma estrutura de poder colegiada da sociedade civil orga-nizada, a experiência mostra que é possível romper com a inércia doisolacionismo político e geográfico, superar e conviver com adversida-des climáticas e naturais, empreender articulações com organizaçõescomplexas e integrar diferentes interesses pessoais e institucionais emtorno do bem comum: o desenvolvimento social e econômico do mu-nicípio da forma mais ampla, democrática e participativa possível.

Referências Bibliográficas

Bazin, Frédéric. O Projeto Pintadas: do apoio à agricultura familiar ao desenvolvimentoterritorial. Disponível em http://www.pronaf.gov.br/Encontro/textox/Pintadas%2003%2006.docArquivo consultado em 15 de agosto de 2002.

Cooperativa de Crédito Rural de Pintadas (SICOOB Sertão). Relatório do Conselhode Administração do Exercício de 2001. Pintadas: 2001.

Cooperativa de técnicos em desenvolvimento urbano e regional (ctd). Pintadas:perfil sócio-econômico do município. Pintadas: dez de 2000.

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Censo Demográfico 2000.Brasília, 2000.

Moura, Maria Suzana et al. Desenvolvimento Local Sustentável: O que Sinalizam asPráticas. In: XXIII CONGRESSO DA ASSOCIAÇÃO LATINOAMERICANA DESOCIOLOGIA (ALAS). Guatemala: nov. de 2001.

Prefeitura Municipal de Pintadas. Plano de Desenvolvimento Sustentável doMunicípio. Pintadas: 2002.

Prefeitura Municipal de Pintadas. Plano Municipal de Educação 2002 a 2010.Pintadas: 2002.

Prefeitura Municipal de Pintadas. Resultados dos Trabalhos dos grupos do I CongressoPopular de Pintadas 2002. Pintadas: 2002.

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Secretaria Federal de Controle. Relação dos Convênios e Repasses da União doMunicípio de Pintadas. Disponível em http://www.planalto.gov.br/cguArquivo consultado em 10 de agosto de 2002

Sudene. Perfil Municipal Pintadas. Disponível em www.sudene.gov.br. Arquivoconsultado em 15 de agosto de 2002

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18 Instituições da rede

Instituições que fazem parte da Rede Pintadas:

1) Prefeitura Municipal

2) Paróquia Nossa Senhora da Conceição

3) Escola Família Agrícola (EFA). Nasceu da necessidade dos produtores do ProjetoPintadas/BNDES de proporcionarem aos seus filhos uma educação voltada para asatividades rurais, de forma a favorecer sua permanência no campo.

4) Cooperativa de Crédito Rural de Pintadas (SICOOB Sertão). Grupo de 50produtores se organizou em 1997 para fundar um banco cooperativo, que nasceu em1998, com o nome de CREDIPINTADAS, reabrindo a possibilidade de investimentonos pequenos mercados. Hoje conta com três agências, em Pintadas, Ipirá e Capelado Alto Alegre.

5) Cooperativa Agroindustrial de Pintadas (COOAP). Nasceu depois do PROCAP(Projeto de Criação de Caprinos e Ovinos de Pintadas), seguindo a preocupação dosprodutores, que não esqueceram dos problemas que tiveram nos primeiros anos doProjeto Pintadas/BNDES, quando conseguiram boas safras de alho e cebola, mas nãosua comercialização. Por isso, parte dos fundos coletados foi destinado à criação deum abatedouro de caprinos e ovinos.

Anexou-se ao PROCAP, mais tarde, um fundo destinado a financiar a criação dessesanimais, formado a partir dos reembolsos dos produtores do Projeto Pintadas/BNDESe de um aporte de fundos de várias entidades parceiras da Rede Pintadas, que éatualmente administrado financeiramente pelo SICOOB Sertão.

6) Associação de Apicultores (ASA). Surgiu das discussões sobre a necessidade dediversificar a renda dos produtores e incentivar o reflorestamento. A associação émembro da COOAP e possui um entreposto comunitário de mel, nas dependênciasda EFA, onde o mel é centrifugado e armazenado.

7) Associação de Mulheres de Pintadas (AMP). Surgiu em 1993, como resultado daluta das mulheres pela conquista de seu espaço, por meio do dialogo, da participaçãona comunidade e na sociedade como um todo.

8) Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Pintadas (STR). Nasceu como delegacia doSindicato de Ípirá. Com a emancipação do município de Pintadas em 1985, ganhouindependência, deixando de ser apenas uma delegacia. Fundado em 1986, manteveuma participação ativa nos movimentos rurais de Pintadas e região.

9) Associação Cultural Beneficente Padre Ricardo. Devido à possível marginalizaçãodos jovens, um grupo de párocos se reuniu para pensar no problema. Em 1993,iniciou-se um projeto de reeducação, com a fabricação de água sanitária, que seestendeu para fabricação e reforma de móveis em 1995. Mantêm parceria com aAVSI desde 1994, que se encarrega de nutrição diária dos meninos. Consolidou-secomo associação em 1995 e, em 1997, firmou convênio com o Banco do Brasil paraaquisição do maquinário e construção de duas salas, onde funciona o Projeto.

10) Rádio Comunitária de Pintadas (RADACOM). Originalmente vinculada àsmobilizações da comunidade em prol de melhores condições de vida, é o meio decomunicação e informação de todo o município, em especial da zona rural. O

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19primeiro programa da RADACOM foi transmitido em 1997 em caráterexperimental. Apesar de estar em constante atrito com a Anatel, tem umaprogramação diária de 14 horas.

11) Cine Rheluz. Espécie de cinema móvel, que oferece a oportunidade de lazer,cultura e educação às populações urbana e rural. Inspirada na Pastoral da Juventudedo Meio Popular (PJMP), a formação do grupo de jovens aconteceu com o apoio daAssociação Beneficente Pe. Ricardo e os equipamentos foram adquiridos com oapoio do Serviço Alemão de Cooperação Técnica e Social (DED).

12) Centro Comunitário de Serviços de Pintadas (CCSP). Foi criado em 1988 paragerir o Projeto Pintadas/BNDES e apoiar os agricultores familiares do município,permitindo que as relações entre os produtores ultrapassassem os limites dos gruposou das comunidades para conformar uma organização maior no nível municipal,como se fosse uma federação dos grupos de produção. Nos primeiros anos, quando oprojeto esteve mais ativo, organizava às segundas-feiras – quando os produtores sedeslocam para a feira, na cidade – uma reunião das lideranças das comunidades coma direção colegiada do centro e o conselho gestor (igreja, sindicato, associações,etc.). Mensalmente, havia uma reunião de todos os associados. Com isso, o CCSP setornou um fórum de discussão sobre o desenvolvimento do município, que chegou acongregar 274 famílias, o que ajudou não apenas a reforçar os laços entre pessoas,famílias e comunidades, mas também a forjar os elementos de um projeto dedesenvolvimento conjunto.

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Versão em formato PDF

Conselhos Comunitáriosde Defesa Social

finalistas do ciclo depremiação 2002

Lessandra da Silva

Programa Gestão Pública e Cidadania

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20 Experiências de Gestão Pública e Cidadania/Organizadores: Gabriela Spanghero Lotta, Hélio Batista Barboza,Marco Antonio Carvalho Teixeira e Verena Pinto. São Paulo: ProgramaGestão Pública e Cidadania, 2003272 p.

Inclui bibliografia.

1. Políticas públicas – Brasil. 2. Administração pública – Brasil.I. Lotta, Gabriela Spanghero. II. Barboza, Hélio Batista. III. Teixeira, MarcoAntonio Carvalho. IV. Pinto, Verena. V. Programa Gestão Pública eCidadania.

CDD-352

Originalmente publicado em:20 Experiências de Gestão Pública e Cidadania

Gabriela Spanghero Lotta, Hélio Batista Barboza,Marco Antonio Carvalho Teixeira e Verena Pinto (orgs.)

Copyright © Gabriela Spanghero Lotta, Hélio Batista Barboza,Marco Antonio Carvalho Teixeira e Verena Pinto

Direitos da edição reservados aoPrograma Gestão Pública e CidadaniaAv. 9 de Julho, 2029 – 2º andar da Biblioteca01313-902 – São Paulo – SPTel: (11) 3281-7904 / 3281-7905Fax: (11) 287-5095E-mail: [email protected]://inovando.fgvsp.br

Impresso no Brasil / Printed in Brazil

Todos os direitos reservados. A reprodução não autorizada destapublicação, no todo ou em parte, constitui violação da lei dedireitos autorais.

1ª edição – 2003

Capa/editoração: Liria OkodaImpressão: Gráfica Dedone

Versão gráfica em formato PDF: Liria Okoda

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Um dos mais graves problemas hoje no Brasil refere-se ao aumen-to significativo e generalizado da violência. Estudiosos e especialistasno assunto reconhecem que as ações nessa área devem partir da cons-trução de uma nova concepção de segurança pública, que tradicional-mente tem sido tratada somente como uma questão de polícia. Entre-tanto, as experiências evidenciam que nem todas as questões de segu-rança pública são problemas exclusivamente policiais. A promoção deuma segurança pública democrática requer a ação de vários atores so-ciais e depende da articulação de políticas sociais implementadas emparceria entre governos estaduais e municipais e que envolvam a par-ticipação dos cidadãos.

Essa mudança na concepção de segurança pública teve início, noCeará, a partir de 1985, por intermédio da Polícia Militar, que criou osConselhos de Segurança em alguns bairros de Fortaleza. Mas a medi-da não trouxe os resultados esperados, pois esse canal tornou-se espa-

Lessandra da Silva1

Conselhos Comunitáriosde Defesa SocialESTADO DO CEARÁ

1 Socióloga,jornalista e mestre emadministração públicapela Escola Brasileirade AdministraçãoPública, da FundaçãoGetulio Vargas (FGV-EBAPE).

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4 ço apenas para a denúncia de ações envolvendo marginais e, algumasvezes, até policiais. Isso colocava em risco os cidadãos que faziam adenúncia, afastando-os ainda mais dos policiais. Considerava-se que asegurança pública era de competência exclusiva da polícia e os cida-dãos observavam apenas o efeito repressivo à violência. Portanto, eranecessário agir de forma mais ampla e de maneira preventiva, focali-zando a “defesa social”.

Pensando nisso, o governo do Ceará, por meio da Secretaria Es-tadual de Segurança Pública e Defesa da Cidadania (SSPDC), cria-da em 1997, estabeleceu novas diretrizes fundamentadas principal-mente em: integração das polícias, mudança de comportamento dopolicial, inovação administrativa e tecnológica e parceria entre a po-lícia e a comunidade.

Para o cumprimento dessas diretrizes várias ações foram tomadas,entre elas a criação da Diretoria da Cidadania, dentro do organogramainstitucional da Secretaria. A Diretoria tem a missão de realizar a

integração entre os diversos segmentos da comunidade e órgãos daSegurança Pública do Estado do Ceará, sendo também responsávelpela formação, acompanhamento e apoio aos Conselhos Comunitári-os de Defesa Social do Estado do Ceará (CCDS).

O Programa CCDS vem sendo desenvolvido desde fins da décadade 90, quando um decreto garantiu sua implementação em todos osmunicípios cearenses, estipulando critérios para sua gestão. O principalobjetivo do Programa é o envolvimento das comunidades na construçãode uma sociedade solidária e pacífica. A partir de ações integradas naárea social, o Programa soma esforços e divide responsabilidades para oaprimoramento da segurança pública e para o combate às causas da vio-lência. Tem como objetivo específico aproximar a sociedade civil e osórgãos de segurança pública, revertendo uma relação de desconfiançaque sempre permeou a relação entre esses atores sociais.

O principal desafio é consolidar uma mudança de paradigma, noqual o papel da polícia seja transformado por uma mentalidade naqual a formação do policial esteja orientada para a focalização na pre-venção da violência, na dimensão pedagógica. É importante que essesprofissionais se reconheçam como agentes promotores da paz. Da mes-

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5ma forma, a expectativa é de que a comunidade também participedesse processo como co-produtora da harmonia social, a partir dacapacitação do cidadão para elaborar, implementar e fiscalizar políti-cas públicas voltadas à prevenção da violência.

O Conselho Comunitário de Defesa Social2 é uma instituição for-mada pelos mais diversos segmentos representativos da comunidade,de um município ou bairro. O processo de formação desses conselhosé democrático, sendo permeado por uma ampla divulgação esensibilização da população local, que elege os conselheiros para atuarna promoção da ”defesa social”, por meio de ações e projetos ligadosàs políticas públicas.

Os resultados do ProgramaO Programa CCDS tem alcançado resultados importantes e ex-

tremamente significativos, que integram ações na área econômica,

ambiental, social e cultural como forma de prevenção e combate àviolência e que alteram a relação entre a instituição policial e a comu-nidade. Até agosto de 2002, já haviam sido criados cerca de 850 Con-selhos (envolvendo diretamente 15.000 mil “voluntários da paz”), quese encontram espalhados pelos 184 municípios do Estado, com rami-ficações que abrangem bairros, distritos, vilas, povoados, litoral, serrae sertão do Ceará.

Cada município tem pelo menos um Conselho (sede) que, pos-teriormente, de acordo com as especificidades locais, pode dissemi-nar-se pelos bairros com a designação de Conselhos-Satélites. Fo-ram criados ainda, por iniciativa da própria comunidade, apoiadospela Diretoria da Cidadania da Secretaria de Segurança Pública eDefesa da Cidadania, os CCDS Juvenis , com o objetivo de engajaros jovens em ações que buscam a promoção de uma “cultura da paz”e da solidariedade. Atualmente, existem cerca de 300 jovens envol-vidos diretamente com os Conselhos, comprometidos com o desen-volvimento de estratégias e operações voltadas para a inserção doadolescente num ambiente sociocultural que o mantenha afastadodas drogas e da violência.

2 Os Conselhos sãoentidades civis, compersonalidade jurídicade direito próprio,registradas emcartório, de acordocom seu estatuto.

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6 Cada Conselho atua de forma específica, de acordo com as cir-cunstâncias locais. Por exemplo: em Caucaia, município situado naGrande Fortaleza, os jovens do CCDS formaram um grupo musicaldesignado “Fazedores da Paz”, compondo e cantando músicas que pro-movam a paz. Num outro bairro, com alta incidência de pichações emprédios, praças públicas e monumentos, os conselheiros conseguiramreunir os jovens e canalizar essa capacidade para as artes.

Existem vários projetos desenvolvidos pelos CCDS para o públicoadolescente: cursos de música, teatro, artesanato, torneios desportivos,capoeira, cursos de iniciação ao mercado de trabalho, cursos deinformática, cursos de línguas, seminários, oficinas, entre outros. Umaspecto interessante é que os próprios jovens são os formuladores eexecutores dos projetos implementados, o que contribui para que elesdesenvolvam habilidades gerenciais e para que tenham autonomia eresponsabilidade na consecução das ações.

Além disso, outras ações voltadas a esse público vêm sendo desem-

penhadas em articulação com outros órgãos. A Secretaria de Seguran-ça Pública e Defesa da Cidadania, por meio da Diretoria de Cidada-nia, em parceria com a Secretaria Estadual de Educação, a Associaçãode Escolas Particulares do Ceará e a Secretaria Estadual de Cultura eDesporto, promoveu em 2002 o III Encontro Estadual: “Estudantespensando Segurança Pública”. Trata-se de um concurso artístico, comparticipação dos estudantes de escolas públicas e particulares dos mu-nicípios cearenses, que tem por objetivo envolver os jovens na reflexãoacerca da segurança pública.

Os estudantes puderam inscrever seus trabalhos em duas grandesáreas: Literatura, com a temática: ”Um mundo sem violência: vamosjuntar forças e dividir responsabilidades”; e Artes Visuais, cujo tema é:“A segurança que queremos, a paz tão encantada”.

O Programa também realiza Encontros Regionais entre conse-lheiros de municípios próximos. Além disso, promove anualmente oEncontro Estadual dos CCDS, que tem por objetivo reunir e inte-grar os conselheiros de todos os municípios do Ceará para trocar ex-periências, informações, avaliar as ações, divulgar os projetos execu-tados, elaborar novas estratégias, firmar acordos, compromissos e

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7metas para o ano seguinte3 , visando a melhoria da segurança públi-ca e o combate à violência.

Trata-se de debater acerca da “Segurança Pública que temos e aque queremos”. O encontro tem um caráter interativo e possibilita adiscussão integrada de políticas públicas, pois reúne representantesde vários municípios. Esse evento integra a comunidade, as autorida-des e instituições da segurança pública e outros órgãos operacionais,representantes dos poderes executivo e legislativo municipal. Na oca-sião, o Secretário Estadual de Segurança Pública apresenta os investi-mentos feitos pelo Estado na área, prestando contas à população. Alémdisso, outros órgãos são convocados para divulgar os programas quevem implementando. Até agosto de 2002, já haviam sido realizadosquatro grandes encontros estaduais.

Os CCDS também promovem a Caravana da Defesa Social, ondesão realizadas atividades de educação preventiva às drogas e à violência.Geralmente, essas atividades desenvolvem-se nas escolas, com o intuito

de reunir pais e filhos. A Caravana da Defesa Social é realizada pelaSecretaria e pelos Conselhos, envolvendo as Polícias Civil, Militar e oCorpo de Bombeiros, além de outros órgãos como a Secretaria de Edu-cação (SEDUC), Secretaria de Trabalho e Ação Social (SETAS), Secre-taria Estadual de Ouvidoria Geral e Meio Ambiente, Conselho Munici-pal da Criança e do Adolescente e Conselho Tutelar.

Além de atuar em campanhas preventivas nas escolas, a Caravanaenvolve uma ação de repressão ao tráfico de drogas, articulada com ope-rações executadas nos bairros, como forma de identificar pontos de ven-das de drogas. Os CCDS também foram incluídos num vídeo-educativo,realizado pela Secretaria Nacional Antidrogas (Senad), como experiên-cia exitosa de prevenção ao uso indevido de drogas lícitas e ilícitas.

As parcerias e realizações dosConselhos Comunitários de Defesa Social:as especificidades locais

O novo modelo de Segurança Pública do Ceará, que vem atuandoprincipalmente na prevenção da violência, criando mecanismos departicipação cidadã na gestão e na articulação de políticas públicas,

3 Nesses encontrossão elaboradas as“Cartas de Fortaleza”,que manifestam umconjunto de intençõesfirmadas pelosparticipantes doEncontro Estadual deCCDS. Trechos dasegunda carta, escritano II Encontro, em1999, quandoanalisadoscomparativamentecom trechos daterceira carta,elaborada no IIIEncontro, sinalizam osavanços e obstáculosexperimentados pelosintegrantes dos CCDS.Na segunda “Carta deFortaleza” registrou-se: “O entrosamentoentre comunidade e osComandantes daPolícia e Corpo deBombeiros é bom,mas a maioria dosservidores da políciamilitar e civil ainda nãosabe tratar comdignidade o cidadão enem respeitar otrabalho dosconselheiros do CCDS(....) é necessário maisdivulgação para essaparceria”. Na terceiracarta, um ano depois,verifica-se: “Aconsciência popularde que a violência nãoé só problema desegurança públicaestá aumentando, oenvolvimento efetivodos CCDS emcampanhas educativasestá cada vez maisintenso (...). Registra-se melhora norelacionamento dacomunidade com osórgãos de segurançapública”.

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8 fundamenta-se em sólidas parcerias que vêm sendo definidas e dese-nhadas ao longo desse processo.

Uma concepção mais realista da segurança pública reconhece anecessidade de se ultrapassar o campo exclusivo das forças policiais nocombate a violência. Trata-se de uma visão sistêmica, integrada e aber-ta dos problemas da segurança, por meio do envolvimento na gestãoda segurança da comunidade e de outras agências públicas e civis queprestam serviços essenciais à população. A eficácia na segurança públi-ca depende de ações extra-policiais, tais como o ambiente comunitá-rio e a oferta de serviços básicos como iluminação, saneamento, coletaregular de lixo, ocupação ordenada do solo urbano, amplas áreas delazer e garantias sociais que promovam à cidadania.

Para tanto, não se pode prescindir de estabelecer parcerias e acordosde cooperação entre instâncias públicas estaduais e municipais, institui-ções privadas e organizações não governamentais sem fins-lucrativos.

Nesse sentido, percebe-se uma forte presença dos CCDS em todas

essas frentes. As parcerias são estabelecidas com os governos do Esta-do e dos municípios, organizações não governamentais, associaçõescomunitárias, conselhos setoriais locais, empresários, Sebrae, órgãosdo Poder Legislativo e do Judiciário. Várias ações podem ser destaca-das na atuação dos Conselhos, mas suas práticas não ocorrem de for-ma homogênea. Cada CCDS desenvolve suas atividades de acordocom as características socioculturais dos bairros nos quais atuam, apartir de suas próprias demandas e potencialidades.

Os espaços onde funcionam os CCDS também se orienta por essadiversidade. Alguns deles construíram, com recursos da comunidade,uma estrutura que conta com biblioteca para atender à comunidade,amplas salas destinadas às oficinas artísticas e de formação profissio-nal, creches (geralmente em parceria com a Secretaria Estadual de AçãoSocial – SETAS), e uma área reservada para o atendimento jurídico àcomunidade, realizado por advogados voluntários. Outros alugaramum local e conseguem mantê-lo a partir de parcerias firmadas comempresas, comerciantes e com doações dos próprios conselheiros. Al-guns Conselhos funcionam em salas cedidas pelo poder público esta-dual e municipal. Muitos outros ainda não dispõem de local para reali-

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9zação de seus encontros, que ocorrem em espaços públicos, como pra-ças ou “sentados à sombra de uma árvore”.

O atendimento às necessidades locais resulta num amplo lequede alternativas de ações orquestradas pelos CCDS nas mais diversasáreas de atuação. Alguns criaram o “Dia da Ação Cidadã”, um proje-to que leva às comunidades serviços como saúde preventiva, assis-tência jurídica, emissão de documentos, eventos ligados à preven-ção de drogas, divulgados a partir de peças teatrais escritas pelosadolescentes, corte de cabelo, entre outros. Em Juazeiro do Norte,por exemplo, esse projeto ocorre mensalmente, de forma itinerante,pelos bairros do município.

Os CCDS também promovem a cultura e o esporte, quer pormeio de oficinas de dança, teatro, música, capoeira, vôlei, futeboletc., ou por meio de eventos como os “Jogos Comunitários”, paraincentivar a integração entre os bairros. Por reconhecer o caráteramplo da questão relacionada à segurança pública, tais como o aces-

so a serviços básicos, os CCDS também encaminham ofícios aos ór-gãos competentes, solicitando obras para a comunidade, como sane-amento, iluminação e água.

Entre as realizações, observam-se também atuações na área dasaúde, na qual os cidadãos, organizados no CCDS, conseguem ambu-lância e doação de equipamentos hospitalares. Dessa forma, contribu-em para que sejam abertas novas unidades de atendimento à saúde,contando, na maior parte das vezes, com a adesão voluntária de médi-cos e enfermeiros.

Destaca-se, entre as parcerias realizadas pelos CCDS, o papel es-tratégico destinado à educação. A escola tem servido como um espaçoespecial para muitas atividades ligadas à prevenção da violência4 . APolícia Militar, por meio do Programa Educacional de Resistência àsDrogas e à Violência (PROERD) 5 , com apoio do CCDS, tem desen-volvido nas escolas um amplo programa de prevenção às drogas.

Em Sobral, por exemplo, em agosto de 2002, três policiais, espe-cialmente preparados para essa atividade, estavam envolvidos comoficinas lúdicas, lidando com 760 crianças e adolescentes nas esco-las, com a temática da violência e prevenção às drogas. Além disso,

4 “Respeitar ocidadão acima detudo é o lema, hoje,da polícia. Oentrosamento dapolícia com acomunidade éessencial. A parceriatem que ser naatuação sobre osproblemas sociais.Portanto, o eloassentado na trilogiapolícia, família eescola é fundamentalpara o exercício dacidadania. A políciamilitar hoje temprojeto para auxiliar oanalfabeto aaprender a ler.Fizemos salas deaulas no quartel e auniversidade estadualcedeu professorespara ensinar osadultos a ler”.Depoimento do majorresponsável pelomunicípio deQuixadá.

5 O PROERD chegouao Brasil em 1992,por meio da PolíciaMilitar do Rio deJaneiro.

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10 conforme citado anteriormente, todos os anos tem sido realizadoconcurso para que os estudantes do ensino médio reflitam sobre asegurança pública.

Alguns conflitos, incivilidades e desordens que geralmente desem-bocam nos órgãos policiais têm sido resolvidos nas sedes dos própriosCCDS, principalmente no que se refere a desentendimentos familia-res e à ocupação de terra. Os conselheiros reúnem pais e filhos, mari-dos e esposas, e servem como mediadores na resolução de conflitos.Quando o jovem está envolvido com gangues, conselheiros do CCDSe delegados reúnem-se com os familiares e buscam soluções. Geral-mente os conselheiros fazem acompanhamento do desenvolvimentodesses jovens na escola, encaminhando-os para cursosprofissionalizantes, oficinas de dança, capoeira, buscando aproximá-los de outros adolescentes envolvidos com o CCDS juvenil, compro-metidos com a disseminação da “cultura da paz”.

No que concerne à geração de emprego e renda, alguns CCDS

possuem núcleos gestores que buscam a promoção de emprego, pormeio de contatos com empresas e encaminhamento para vagas dispo-níveis no mercado, servindo como uma central de informações. Alémdisso, algumas obras realizadas na comunidade procuram envolver aspessoas desempregadas como forma de gerar renda. Os CCDS tam-bém promovem cursos de capacitação profissional, arrecadação de ali-mentos e distribuição de bolsas alimentícias para famílias em risco.

Alguns CCDS criaram o que chamam de “Amigos do Prato”: dis-tribuição diária de refeições em comunidades extremamente caren-tes. Essa ação conta ainda com dicas nutricionais, por meio doreaproveitamento de alimentos que geralmente não são utilizados emsua plenitude.

Entre outras realizações dos Conselhos destacam-se: promoçõesde campanhas sobre lixo e esgoto, doação de sangue, conscientizaçãosobre direitos e deveres do cidadão, direitos da mulher, distribuiçãode cartilhas para orientar a população quanto à prevenção de assaltosà residência e ao comércio e mutirões de limpeza e de construção decasas. São realizadas também caminhadas pela paz. Os CCDS exer-cem ainda um papel fiscalizador nas políticas públicas, não apenas na

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11área de segurança. Um exemplo é o controle que fazem do ProgramaBolsa-Escola.

Os CCDS também participam de medidas mais diretamente vol-tadas para os órgãos específicos da segurança pública. Promovem en-contros envolvendo comerciantes, conselheiros e policiais para a dis-cussão de estratégias de prevenção à criminalidade local. Identificam,em algumas circunstâncias, pontos onde ocorre maior incidência deviolência e informam aos policiais. Algumas vezes solicitam a implan-tação de postos policiais e o aumento de seu efetivo.

Em relação a essa área específica de atuação dos Conselhos Co-munitários de Defesa Social diretamente com os órgãos de segurança,destaca-se o engajamento da comunidade no atendimento de neces-sidades básicas e imediatas para a prevenção e combate à violência.Em alguns municípios, a comunidade, por meio dos CCDS, organi-zou-se para que a infra-estrutura dos departamentos e unidades dapolícia tivessem melhor qualidade para uma atuação mais eficaz. Nesse

sentido, os Conselhos conseguiram doações de computadores, obtive-ram recursos destinados à compra de motos para os policiais e arreca-daram fundos para a melhoria das delegacias.

Acopiara, um município situado a 360 quilômetros de Fortaleza,é um exemplo dessa mobilização para melhorar as condições dosórgãos de segurança pública. O CCDS local se uniu à Prefeitura eaos promotores públicos para construir uma delegacia de polícia maismoderna. Anteriormente, a delegacia estava situada num prédio alu-gado, gerando ônus de R$ 500,00 mensais ao Estado. Já o posto po-licial, sob responsabilidade da Prefeitura, acumulava aluguéis atra-sados. O CCDS promoveu sorteios e a arrecadação de verbas e dematerial de construção entre a comunidade local. Tais eventos possi-bilitaram arrecadar R$ 74 mil. A Prefeitura cedeu o terreno e desti-nou R$ 54 mil para a compra de equipamentos. Se a delegacia fosseconstruída com recursos públicos, a previsão de custos estimada erade cerca de R$ 500 mil. A nova delegacia foi erguida com a mão-de-obra dos presos da cadeia pública, que foram remunerados e tiveramas penas revistas. A Prefeitura destina R$ 4 mil mensais para auxiliara Polícia Militar e a Polícia Civil da cidade em despesas com pneus,

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12 gasolina, alimentação e pagamento de funcionários de serviços ge-rais. Esses recursos para a manutenção da delegacia são gerenciadospelos conselheiros do CCDS.

Em Camocim, município situado no litoral cearense, uma açãodesenvolvida pelo CCDS local também demonstra a diversidade dosprojetos implementados. Como a cidade não oferecia muitas oportu-nidades de trabalho, vários homens tiveram que se deslocar para ou-tras regiões à procura de emprego. Muitos nunca mais retornaram,abandonando suas famílias, o que resultou em prostituição de mulhe-res e crianças. O CDDS aproximou-se desse grupo e promoveu cursosde costura. Atualmente, essas mulheres se organizaram em uma coo-perativa e estão exportando seus trabalhos. O conselho local tambémtem buscado desenvolver um planejamento municipal que impulsio-ne a potencialidade turística da região. Muitas crianças e adolescentesque vivem nas ruas estão sob acompanhamento dos conselheiros, res-ponsáveis pela organização de cursos de surf e de guia turístico mirim.

Aspectos InovadoresO programa apresenta um amplo leque de dimensões inovadoras,

principalmente porque contempla a proposta de integrar a política desegurança pública às políticas sociais e ações comunitárias. Identifica-se uma mudança de foco, pois a noção de segurança pública se expan-de, incorporando novos atores. Mulheres, crianças, adolescentes,detentos, famílias e pessoas em risco social tornam-se alvos e protago-nistas de projetos específicos voltados para a proteção de direitos e aconscientização quanto aos deveres da cidadania.

O novo modelo de Segurança Pública do Estado do Ceará, partedele representado pelo programa CCDS, é movido por princípios epressupostos distintos daqueles que tem caracterizado as políticas desegurança tradicionais, concentradas exclusivamente na ação de polí-cia. Portanto, torna-se inovador por assinalar a importância da partici-pação da sociedade civil na esfera da segurança pública e por ampliar oescopo do que se tem considerado, tradicionalmente, como segurançapública. Além disso, o Programa também inova ao definir novos pro-

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13blemas e apontar novos métodos e abordagens para enfrentá-los, semperder a referência do respeito aos direitos humanos mas, ao contrário,ressaltando sua importância.

A integração alcançada pelas ações desenvolvidas no âmbito doCCDS ocorre em vários níveis e esferas. O Programa tem sido extre-mamente bem sucedido na integração entre as Polícias Militar, Civil eCorpo de Bombeiros, o que representa um grande desafio nas políticasde segurança de outras regiões do Brasil.

O CCDS possibilita a colaboração intersetorial entre agênciasestatais e civis, pois cada município dispõe de vários conselhossetoriais, seja na área de saúde, educação ou meio ambiente. Assegu-ra um espaço que possibilita uma visão sistêmica desses diversos pro-blemas, contribuindo para uma alocação mais eficiente e eficaz depolíticas e ações públicas.

O Programa envolve ainda uma articulação intergovernamentalhorizontal, por meio dos Encontros Regionais e do Encontro Estadual

dos CCDS, nos quais são debatidos os principais problemas enfrenta-dos pelos Conselhos Comunitários de cada município, as formas comoforam enfrentados e as metas para o ano seguinte.

Especialmente inovadora é a mudança nas formas de gestão daspolíticas desenvolvidas. Nesse sentido, destaca-se a articulação verti-cal, envolvendo os governos estadual e municipal, pois algumas pre-feituras têm atuado como parceiras do estado no combate à violên-cia. Tradicionalmente a questão da segurança pública é reivindicadaapenas nas esferas do governo federal e estadual, instâncias respon-sáveis pelas forças armadas e policiais. No caso do Ceará, percebe-sea atuação do poder municipal e de outras instituições ligadas à soci-edade civil.

Conforme demonstram alguns estudos, a ausência ou fragilidadedas interações regulares entre polícia e administração municipal é umdos fatores que limita a promoção de políticas de segurança pública.Os CCDS atuam como impulsionadores dessa interatividade, aproxi-mando as polícias do poder municipal e da população.

Observa-se que a “integração” envolvida nessa experiência signifi-ca mais do que articular as diversas agências responsáveis por serviços

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14 públicos essenciais. Trata-se de romper o isolamento no qual por váriasdécadas permaneceram os órgãos de segurança pública, envolvendoinstituições policiais e a população em ações conjuntas para promoçãoda cidadania, preservação de direitos e combate à violência, estrategi-camente articulados por um programa voltado para a inclusão social.

A nova concepção de segurança públicae os impactos sobre a cidadania

O novo modelo de policiamento pressupunha, ao contrário do an-terior, flexibilidade organizacional, descentralização, e abertura ao tra-balho conjunto com as comunidades e com outros órgãos de serviçopúblico, implicando ampla reformulação de mentalidades, estruturase rotinas institucionais.

Esse novo modelo de segurança pública e a implantação dos CCDSinicialmente provocaram fortes resistências tanto dentro das corporações

policiais – por implicarem mudanças nas formas de exercício da autori-dade e em práticas há muito arraigadas – quanto da parte de setores dapopulação civil que clamavam por repressão pura e simples. Os policiaisviam negativamente a aproximação com a comunidade, pois considera-vam que os atores sociais não estavam tecnicamente preparados para aproblemática e se tornariam uma “vigília” constante, cobrando ações epouco contribuindo para a rotina policial6 .

Esse comportamento contrário à atuação do CCDS ainda existe,mas muitos avanços podem ser apontados. A própria integração entreas polícias não foi tarefa de fácil realização, mas os resultados já seevidenciam. O impacto sobre a cidadania é visível por meio de práticasque resultaram numa nova mentalidade na relação entre os agentes dasegurança pública e os cidadãos.

Atualmente, policiais civis, militares, bombeiros, inspetores e de-legados se engajam voluntariamente nos CCDS. Observa-se tambémum aumento crescente na credibilidade e confiança da população nosórgãos de segurança pública. A atuação se faz preventivamente e tam-bém sobre grupos marginalizados: presidiários, prostitutas e jovensdelinqüentes.

6 “Depois que ospoliciais perceberam

que a comunidadequeria ajudar, mas

não vigiá-los,passaram a seaproximar dos

CCDS.” Depoimentode um conselheiro

do CCDS.

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15Alguns depoimentos tratam freqüentemente da eliminação degangues, a partir da atuação dos Conselhos. O presidente de um dosConselhos contou à autora que em seu bairro havia três gangues, umadelas chamada de “renascidos do inferno”. A partir da implantação doCCDS Juvenil, foram realizadas reuniões envolvendo os “gangueiros”,policiais, delegados e pais. Firmou-se um pacto pela paz, e os adoles-centes passaram a promover eventos no CCDS. Assim, a negociaçãode conflitos, que passa a ser realizada no âmbito dos CCDS, faz dessainstituição um “amortecedor da violência”.7

Os resultados mostram a eficácia do Programa, pois se verifica aredução da criminalidade: menor incidência de ações contra opatrimônio público (pichações, lâmpadas e telefones públicos quebra-dos), regiões que estão há três anos sem crimes envolvendo mortes,eliminação de gangues, entre outros. Um dos líderes de um CCDSsituado num bairro com elevado número de pessoas em situação derisco social relatou que a região era muito violenta e que depois da

implantação do CCDS o local há três anos não registrava homicídios.O quadro abaixo demonstra a queda nos índices de criminalidade

num conjunto de 11 municípios cearenses, pertencentes a uma áreacircunscricional da Polícia:

Ocorrências 1999 2000 2001 2002Homicídio arma de fogo 27 24 17 08Roubo a cargas 12 00 07 02Roubo a pessoas 41 21 18 13Roubo a carro pagador 01 00 00 00Armas de fogo apreendidas 14 139 163 72Armas de fogo apreendidas 1067 2326 3526 1120Tráfico de drogas 11 07 08 05

A partir da implementação do CCDS nesses municípios, em 2002,percebe-se uma queda no número de homicídios. O grande númerode armas apreendidas é atribuído à participação da população, quepassou a denunciar os infratores. Muitos crimes ocorriam na forma deviolência familiar. A atuação do CCDS com as famílias é consideradafundamental para a diminuição da violência doméstica, principalmentecom relação à mulher.

7 Depoimento deLúcia Macedo,Secretária deDesenvolvimentoSocial - Caucaia.

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16 Extremamente relevante é o fato de a promoção da cidadania ocor-rer também pelo conhecimento que o CCDS possibilita a respeito dofuncionamento dos órgãos públicos. Adultos e adolescentes que antesnão sabiam quais instâncias procurar para exercer sua cidadania, atu-almente têm autonomia para tomar decisões e ações com resultadosdiretos voltados para o bem-estar social. O CCDS indica para os cida-dãos os percursos e procedimentos racional-legais necessários para apromoção de seus direitos e deveres. Segundo a representante da Dire-toria da Cidadania, a população “não agia porque não sabia como agir”.

Modelos como o CCDS geram resistências nas polícias (por contada tradição do militarismo assentado na rigidez e na hierarquia). Qual-quer governo disposto a implementar tal iniciativa deve estar prepara-do para essas resistências e para a pressão por resultados imediatos eespetaculares de moralização da polícia e combate ao crime, até porparte da opinião pública.

Os pontos fortes e os desafios do processode construção da segurança pública democrática

Outros aspectos positivos do Programa também merecem desta-que. Apesar de o apoio do secretário estadual ser apontado como fatorestratégico para o alcance do Programa, já existe legislação que garan-te a existência dos CCDS. Além disso, as comunidades estão forte-mente organizadas, o que contribui para a continuidade da iniciativa,independentemente de quem esteja à frente da Secretaria de Seguran-ça Pública e Defesa da Cidadania.

As parcerias também são fundamentais, pois ocorrem verticalmentee horizontalmente. Nesse sentido, a cooperação dos municípios na pro-moção de segurança pública é algo inovador e um ponto estratégicopara que as ações possam ter mais eficácia.

A desburocratização e descentralização das atividades contribuempara o sucesso do Programa. A isenção político-partidária da propostaé apontada pelos participantes da iniciativa como ponto fundamentalpara o êxito dessa experiência de democracia participativa na gestãoda segurança pública. A disposição ao diálogo por parte de alguns seg-

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17mentos das corporações policiais se ampliou nos últimos anos. Oprotagonismo de ações de defesa social por parte dos policiais mostraa mudança de comportamento. A capilaridade e amplitude das açõesde defesa social e número de beneficiários do programa também seconstituiu como aspecto forte.

Apesar de grandes avanços, existem grandes dificuldades. O Pro-grama tem como meta a capacitação técnica de todos os seus conse-lheiros. Entretanto, os recursos destinados diretamente à Diretoria deCidadania, oriundas do orçamento anual da própria Secretaria, so-mam R$ 80 mil. 8 São gastos com pagamento das despesas das viagensde monitoramento realizadas pela equipe da Diretoria da Cidadania ecom o Encontro Estadual Anual de Conselheiros. Os cidadãos apon-tam a necessidade de maior investimento material, por parte do go-verno estadual, em viaturas e melhoria da infra-estrutura das delega-cias. Algumas cidades reforçam a importância de aumentar o efetivopolicial. Há necessidade, portanto, de ampliar os recursos para a pre-

venção à violência.

8 Em relação a essesrecursos, para 2003existia uma previsãoorçamentária queampliaria os recursosvoltados para acapacitação dosconselheiros e para aelaboração de umlivro técnico, poisatualmente sãodistribuídas cartilhas.

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Versão em formato PDF

Projeto Movimentodas Mulheres

Empreendedoras

finalistas do ciclo depremiação 2002

Elaine GurovitzFrancine Arouca Lemos

e Luis Fujiwara

Programa Gestão Pública e Cidadania

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20 Experiências de Gestão Pública e Cidadania/Organizadores: Gabriela Spanghero Lotta, Hélio Batista Barboza,Marco Antonio Carvalho Teixeira e Verena Pinto. São Paulo: ProgramaGestão Pública e Cidadania, 2003272 p.

Inclui bibliografia.

1. Políticas públicas – Brasil. 2. Administração pública – Brasil.I. Lotta, Gabriela Spanghero. II. Barboza, Hélio Batista. III. Teixeira, MarcoAntonio Carvalho. IV. Pinto, Verena. V. Programa Gestão Pública eCidadania.

CDD-352

Originalmente publicado em:20 Experiências de Gestão Pública e Cidadania

Gabriela Spanghero Lotta, Hélio Batista Barboza,Marco Antonio Carvalho Teixeira e Verena Pinto (orgs.)

Copyright © Gabriela Spanghero Lotta, Hélio Batista Barboza,Marco Antonio Carvalho Teixeira e Verena Pinto

Direitos da edição reservados aoPrograma Gestão Pública e CidadaniaAv. 9 de Julho, 2029 – 2º andar da Biblioteca01313-902 – São Paulo – SPTel: (11) 3281-7904 / 3281-7905Fax: (11) 287-5095E-mail: [email protected]://inovando.fgvsp.br

Impresso no Brasil / Printed in Brazil

Todos os direitos reservados. A reprodução não autorizada destapublicação, no todo ou em parte, constitui violação da lei dedireitos autorais.

1ª edição – 2003

Capa/editoração: Liria OkodaImpressão: Gráfica Dedone

Versão gráfica em formato PDF: Liria Okoda

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O Projeto Movimento das Mulheres Empreendedoras surgiu comoiniciativa governamental em Fortaleza (CE) no ano de 1999, sendo resul-tado direto de demandas apresentadas por mulheres pobres da periferiada cidade.

Sua gênese remonta ao início da década de 90. Nessa época, aSecretaria Estadual de Planejamento (Seplan) do governo do Ceará, aPrefeitura de Fortaleza, o Programa das Nações Unidas para o Desen-volvimento (PNUD) e a agência de Cooperação Técnica Alemã (GTZ)começaram a desenvolver um trabalho de mobilização social e gera-ção de emprego e renda em favelas de Fortaleza.

O eixo central dessa iniciativa foi o Projeto Pró-Renda Urbano –com ênfase no desenvolvimento urbano de bairros populares de Forta-leza. Como o público beneficiário era composto majoritariamente pormulheres4 , um dos resultados do Projeto foi o início de um movimen-to de organização e mobilização feminina em bairros periféricos de

Elaine Gurovitz1,Francine Arouca Lemos2

e Luis Fujiwara3

Projeto Movimentodas MulheresEmpreendedorasFORTALEZA (CE)

1 Bacharel emEconomia pelaFaculdade deEconomia,Administração eContabilidade daUniversidade de SãoPaulo (FEA/USP) emestre emAdministraçãoPública e Governopela FGV-EAESP.

2 Aluna do curso deAdministraçãoPública da FGV-EAESP.

3 Bacharel emAdministraçãoPública pelaUniversidadeEstadual PaulistaJulio de MesquitaFilho (Unesp), mestre

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4 Fortaleza.Na comunidade de Goiabeiras, por exemplo, formou-se um grupo

de mulheres que se encontrava semanalmente em um Centro Comuni-tário5 mantido pelo Estado. A pauta dos encontros era formada, geral-mente, pela discussão acerca dos problemas da comunidade e das suaspossíveis soluções. Também era comum a realização de trabalhos emgrupo, pois dessa forma se aprendiam novas técnicas artesanais e haviaum aumento da produtividade, uma vez que as mulheres podiam con-tar com o auxílio umas das outras.

Em 1999, a Secretaria Estadual do Trabalho e Ação Social (SE-TAS)6 do governo do Ceará realizou uma pesquisa sobre mulheresegressas de cursos profissionalizantes e constatou que elas encontra-vam dificuldades para se inserir no mercado formal de trabalho. Namesma época, grupos de mulheres organizadas demandavam do po-der público estadual apoio para iniciativas efetivas de geração de em-prego e renda.

Como resultado das pressões comunitárias e das conclusões dapesquisa, foi criado o Projeto Movimento das Mulheres Empreende-doras, que promoveu a institucionalização e a replicação do movi-mento ocorrido em Goiabeiras. Por meio deste projeto, o Estado doCeará promove a auto-estima das mulheres7 , oferece capacitaçãogerencial para egressas de cursos profissionalizantes e estimula oassociativismo, além de apoiar a comercialização do artesanato e deoutros produtos e serviços.

O Projeto contou, desde o início, com o apoio técnico do ConselhoCearense dos Direitos da Mulher, com a participação de MariaErmenegilda da Silva, a “Gilda” que preside o Conselho e, à época doinício da institucionalização do Movimento, trabalhava em um dosCentros Comunitários.

Foram realizados cinco encontros de capacitação, reunindo o cor-po técnico do Movimento, representantes da Casa do Caminho8 comespecialização em gênero, técnicos da Universidade Federal do Cearáe representantes da sociedade civil (Associações de Bairro, Comunitá-rias, de Moradores, etc). De acordo com Paulo Guedes, Coordenadordo Centro Comunitário Luiza Távora: “o gênero deu foco ao Projeto”.

em AdministraçãoPública e Governopela FGV-EAESP e

doutorando emadministração

pública pela LindonB. Johnson Schoolof Government da

University of Texas,em Austin (EUA).

4 Diversas autoras eautores realizam

pesquisas sobre oprocesso de

pauperização dasmulheres observadoem âmbito mundial.

Segundo aOrganização

Internacional doTrabalho (OIT) as

mulheres sãomaioria no setor

informal daeconomia brasileira,

uma vez quepossuem dificuldade

de inserção nomercado formal.

Concomitantemente,os estudos

demográficos(PNAD, IBGE,SEADE) vêm

demonstrando quehouve um aumentoreal no número de

famíliasmonoparentais

chefiadas pormulheres.

5 Os CentrosComunitários

surgiram em 1975como Centros

Sociais Urbanos. OsCentros são um

instrumentodescentralizado de

execução depolíticas públicas da

área social. Compequenas variações,

as atividadesdesenvolvidas têm

como foco otrabalho com toda a

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5Como resultado da incorporação do enfoque em gênero, o Movi-mento pode trabalhar tanto a questão produtiva como também ques-tões relativas à inserção social e ao cotidiano das mulheres. SegundoGilda, “a questão de gênero está sendo levada às mulheres [para ajudar]na sua própria formação e também na educação das crianças; para evi-tar, assim, a reprodução dos valores de uma sociedade machista”. Dessaforma, espera-se que as novas gerações tenham efetivamente novosvalores, com maior respeito às diferenças de gênero, classe social, raçae etnia.

O diferencial deste Projeto em relação a outras práticas similaresestá no trabalho desenvolvido no sentido de concretizar a sociabilida-de feminina. Nesse caso, a integração das beneficiárias e o fortaleci-mento da identidade feminina transformam-se, rapidamente, em mo-vimentos organizados de mulheres. O resgate da cidadania é clara-mente entendido como o primeiro passo para promover a autonomiafinanceira de mulheres pobres da periferia de Fortaleza.

O Movimento das Mulheres Empreendedoras alia o aspecto eco-nômico e financeiro do processo de capacitação profissional com umaestratégia de inserção social que trabalha o ser humano em sua pleni-tude.

Atualmente funcionando em dez Centros Comunitários de For-taleza, o Projeto Movimento das Mulheres Empreendedoras tem comoobjetivos capacitar e gerar emprego e renda para trabalhadoras autô-nomas egressas do Plano Estadual de Qualificação Profissional9 ; apoi-ar o financiamento de projetos pessoais e coletivos focados na susten-tabilidade social e econômica de pessoas, grupos e famílias; mobilizare organizar mulheres da periferia de Fortaleza; estimular o trabalhoassociativista e cooperativado; e promover feiras artesanais, exposi-ções diversas, eventos de moda, etc.

Atualmente são beneficiadas 392 mulheres, o que significa, segun-do a coordenação do projeto, 15% da clientela potencial desta iniciativa.As ações se estruturam por meio da oferta de cursos profissionalizantese de técnicas artesanais, além da capacitação gerencial e de reuniõessemanais denominadas “Encontros Marcados”. Nas reuniões, as mu-lheres tratam da organização dos eventos comerciais, trabalham em gru-

família, incluindogrupos específicoscomo idosos,crianças eadolescentes,mulheres e apopulação pobre. OsCentros são umaforte referência devalorização local umavez que estão bem“próximos” dascomunidades.

6 A Secretaria doTrabalho e AçãoSocial passou a ter aatual configuraçãoem 1991, com umareforma administrativaque extinguiu aFundação deAssistência Social(FAS) e a FundaçãoEstadual do Bem-Estar do Menor doCeará (FEBEM/CE)cujas atividadespassaram a ser deresponsabilidade daSETAS.

7 O Movimento dasMulheresEmpreendedoras éum movimento abertoà participaçãomasculina. Existemalguns poucoshomens trabalhandodiretamente comoartesãos, mas amaioria do públicoatendido é formadapor beneficiárias.

8 A Casa do Caminhoé uma instituiçãovinculada à SETAScujo objetivo central éprestar assistência amulheres vítimas deviolência. Trata-se deprograma premiadopelo ProgramaGestão Pública eCidadania em 1998.

9 Trata-se de

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6 pos e recebem noções básicas sobre temas específicos como sexualida-de, DST/AIDS e contracepção, violência doméstica e sexual, discrimi-nação, gravidez e aborto na adolescência10 .

Neste sentido, é fundamental o papel desempenhado pelo ProjetoAmor à Vida na capacitação, a respeito desses temas, do corpo técnicogovernamental, bem como na formação de agentes multiplicadoresnas comunidades. O Amor à Vida é uma ação interinstitucional coor-denada pela Secretaria do Trabalho e Ação Social, mas executada con-juntamente com a Secretaria Estadual de Educação Básica, a Secreta-ria Estadual de Saúde e o Fundo das Nações Unidas (FNUAP).

Nas entrevistas realizadas durante a visita de campo foram cons-tantes as citações ao Amor à Vida, especialmente em relação a ques-tões sobre violência doméstica e contracepção. Também são realiza-das oficinas que atuam no resgate da auto-estima e de valores relaci-onados à cidadania e aos direitos fundamentais.

Dona Conceição, beneficiária que participou de atividades do Amor

à Vida, diz como sua vida mudou: “eu aprendi a me conhecer... antes narelação a dois eu levava tudo a ferro e fogo ... melhorou muito a comunica-ção [do casal] ... eu recebia muito panfleto e levava para o pessoal de casaque lia, depois a gente conversava”.

A formação proporcionada por esse Projeto, entretanto, parece tersido mais bem sucedida no caso de discussões relacionadas à sexuali-dade, contracepção e gravidez na adolescência. “Petinha”, beneficiáriaque mora no bairro do Pirambu, relata que aprendeu a “não tratar ofilho [de forma] diferente da filha”. As informações obtidas no ProjetoAmor à Vida referentes à contracepção foram disseminadas em casa,segundo ela: “muita coisa mudou em minha vida. Eu vi um filme emque chegava o filho em casa com camisinha e tudo bem, já a menina nãopodia. Isso está errado”.

Já nos cursos de empreendedorismo, o Estado oferece capacitaçãoprofissional (gerenciamento, marketing, plano de negócios e área téc-nica), e apoio à comercialização de produtos.

Para promover a capacitação profissional, o Projeto Movimentodas Mulheres Empreendedoras conta com o apoio do Sebrae-CE. Nestecaso, o trabalho também segue a linha de estímulo à cidadania. Se-

iniciativa integradaao Plano Nacionalde Qualificação do

Trabalhador(PLANFOR)

financiado comrecursos do FAT.

10 Também sãorealizadas

esporadicamenteoficinas de

criatividade, eventosfestivos de

integração coletiva(chamados

“piqueniques”) e, nocaso do Mucuripe,

cursos de biodança,cujo intuito é

estimular ao mesmotempo o bem-estar

corporal epsicológico das

beneficiárias.

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7gundo Francisco Vidal, consultor do Sebrae-CE, o trabalho segue doiseixos. O principal é o resgate da auto-estima; posteriormente, busca-se democratizar o acesso dos artesãos a mercados consumidores dealta renda.

Nos cursos mensais, de 80 horas, são trabalhados aspectos básicosde auto-sustentabilidade econômica para pequenos negócios. Utiliza-se uma linguagem simples, de modo a facilitar a compreensão porparte do público beneficiário. Para Vidal, é importante fazer a pessoaacreditar que “mesmo em um ambiente macroeconômico de crescimentozero, ela pode começar a crescer a partir do local, em uma perspectiva dedesenvolvimento social”.

A Federação das Indústrias do Estado do Ceará é outra entidadeparceira. Por meio do Instituto Euvaldo Lodi, fornece apoio logístico,técnico e financeiro na realização dos cursos e de alguns eventos decomercialização.

A Secretaria Estadual de Cultura e Desporto, por sua vez, auxilia

na divulgação dos eventos e cede, para algumas artesãs do Movimen-to, espaço privilegiado para a comercialização dos produtos nas de-pendências do Centro de Arte e Cultura Dragão do Mar, situado emum local de grande afluência de turistas.

Outra parceria é feita com a Universidade Federal do Ceará(UFCE). Alguns professores atuam junto ao Movimento como con-sultores de plano de trabalho e promovem a capacitação do corpo téc-nico. O trabalho em parcerias é estimulado pela Secretaria do Traba-lho e Ação Social. Conforme o entendimento do Secretário, , EdílsonAzim Sarriline, trata-se de uma forma de “agregar valor” às atividadesdesenvolvidas na Secretaria.

Os técnicos do governo estadual atuam como facilitadores para aorganização dos grupos nos diversos bairros, mas há claramente a co-gestão das atividades e autonomia decisória para os grupos, quandoorganizados. Em cada local o Movimento das Mulheres Empreende-doras assume uma feição: fatores comunitários, bem como a coorde-nação de cada centro, influenciam diretamente o grau de desenvolvi-mento do grupo e suas características positivas e negativas.

No Centro Comunitário do Mucuripe, por exemplo, a autono-

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8 mia é tão grande que, segundo a coordenação, em alguns casos ogrupo realiza eventos de comercialização de forma independente, ar-ticulando suas próprias parcerias. O grupo se auto-denomina Movi-mento Mucuripe11 .

Recentemente, foi feito um recadastramento individual a partirdo qual foi elaborado o perfil do público beneficiário do Mucuripe.Também foram levantados dados sobre a atividade profissional de cadaparticipante, gerando informações sobre a matéria-prima utilizada, osequipamentos existentes, estoques e o rendimento produzido.

O CC Mucuripe recebeu um repasse de R$ 14 mil do Fundo deAmparo ao Trabalhador (FAT)12 . O grupo decidiu montar um fun-do rotativo de pequenos empréstimos, com dois meses de carência,parcelamento em seis vezes e juros de 1% ao mês. A análise de cré-dito para definir o montante emprestado é feita de forma simplifi-cada e tem como base o orçamento familiar. Para a gestão dos re-cursos foi formado um Comitê, com membros do próprio grupo,

responsável pela definição de multas e a resolução de possíveis ca-sos de inadimplência.

O fundo rotativo atinge uma importância ainda maior se levarmosem consideração o fato de que o maior problema enfrentado pelasmulheres empreendedoras é o acesso restrito às linhas de crédito ofe-recidas pelo mercado. Segundo a coordenação do Movimento, 60% dasbeneficiárias fazem empréstimos por meio do fundo rotativo.

Em outro Centro Comunitário, no Pirambu, também existe umfundo rotativo que funciona com características semelhantes ao doMucuripe, mas que foi instituído com recursos da comunidade. Alémdisso, há também um armazém comunitário que fornece parte da ma-téria-prima para as artesãs, com preços e prazos melhores que os demercado, funcionando como uma cooperativa de compras.

O repasse de verbas do FAT, no caso do Pirambu, foi utilizadopara a aquisição de equipamento adequado para prover som ambien-te nas feiras, como uma forma de chamar a atenção do público eaumentar as vendas.

Há também um trabalho desenvolvido com o Sindicato dos Ar-tesãos Autônomos do Ceará. Para um artesão expor seus produtos

11 No bairro deMucuripe o Centro

Comunitáriopromove uma

atuação ampla. Alémdas atividades do

cotidiano, o Centrotornou-se um espaço

público onde acomunidade

desenvolve diversasatividades de

interesse coletivo.Dentro deste

contexto destaca-seo grupo de “hip-hop

nordestino” quetrabalha com a

prevenção às drogasem escolas do

bairro, o de teatro, ea rádio comunitária

Mucuripe, criada em1998 por jovens dacomunidade para a

divulgação deinformações deinteresse social.

12 O Fundo deAmparo ao

Trabalhador (FAT) éum fundo especial,

de natureza contábil-financeira, vinculado

ao Ministério doTrabalho e Emprego(MTE), destinado aocusteio do Programa

do Seguro-Desemprego, do

Abono Salarial e aofinanciamento de

Programas deDesenvolvimento

Econômico. Todosos Centros

receberam a mesmaverba, oriunda de

um prêmio pago aoMovimento das

MulheresEmpreendedoraspelo Ministério da

Previdência eAssistência Social.

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9em feiras e praças públicas é necessária a obtenção da carteira deartesão. O sindicato vai até os Centros Comunitários para cadas-trar as artesãs e emitir as carteiras. Dessa forma, o processo é maisrápido e simples.

O trabalho desenvolvido nos Centros fortalece a identidade indi-vidual, cultural e comunitária das beneficiárias. A experiência promo-ve o resgate e a valorização do local como um espaço possível de arti-culação do desenvolvimento econômico e social de forma sustentável.Está se iniciando, inclusive, um processo de capacitação das comuni-dades sobre desenvolvimento local sustentável, por intermédio de umaparceria com a ONG Instituto de Revitalização para o Trabalho (IRT),que realiza cursos relacionados a este tema.

O fortalecimento comunitário e cultural se manifesta mais clara-mente nos trabalhos com o artesanato – uma das principais atividadeseconômicas do Estado, uma vez que gera forte demanda turística13 . OMovimento não trabalha somente com artesanato: há diversas benefi-

ciárias que trabalham com o fornecimento de alimentação e com ou-tros produtos. Mas o artesanato é o carro-chefe, em torno do qual searticulam outras formas de produção e comércio. É o artesanato típicoque estimula a realização de feiras e eventos diversos.

As beneficiárias do Projeto são capacitadas para se adequar a umpadrão de qualidade. Somente dessa forma podem utilizar os pontosde comercialização da Central de Artesanato do Ceará (CEART). Otrabalho da CEART estimula o desenvolvimento das artesãs e se inse-re em um contexto mais amplo de preservação cultural.

O custo desse tipo de treinamento consome a maior parte dos R$140 mil de orçamento anual do Projeto. O valor da hora aula-paga aosprofessores e professoras é de R$ 12,00. A principal fonte de recursos éo Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), que responde por cerca deR$ 120 mil anuais. O restante é complementado pelo orçamento pró-prio da Secretaria do Trabalho e Ação Social, sendo a verba destinadapreferencialmente para a realização de eventos de comercialização.

O Estado, no caso da CEART, funciona como um entreposto queapóia a produção e a comercialização artesanal. As lojas trabalham comprodutos que têm grande rentabilidade e outros que possuem valor

13 O artesanatocearense tem forteinfluência indígena(barro, corda epalha), européia(renda e labirinto) enegra (cerâmicacozida). A junçãodessas três escolasculturais formou ummosaico artesanalextremamente rico ediversificado cominserção no mercadonacional einternacional e comparticipação em feirasde grande porte emSão Paulo (Gift F air) ena Europa (Hannovere Frankfurt).

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10 cultural. A renda obtida com a comercialização dos produtos rentáveisserve para financiar aqueles que não têm a mesma inserção no merca-do consumidor. Assim, o trabalho do governo estadual e do Movimen-to das Mulheres Empreendedoras acaba por estimular a sociodiversi-dade, preservando uma matriz produtiva artesanal de origem tradicio-nal sertaneja.

Os resultados do trabalho são visíveis. O aumento da renda indi-vidual foi citado por praticamente todas as beneficiárias entrevista-das.14 Como conseqüência houve, na maioria dos casos, um aumen-to também da renda familiar15 . Isso ocorreu porque, com o Movi-mento, abriu-se um canal efetivo de distribuição das mercadoriasproduzidas por meio das feiras e dos eventos que são promovidos. Acapacitação gerencial, por sua vez, possibilitou maior organizaçãoprodutiva para os grupos de mulheres, que dessa forma obtiveramganhos de escala na aquisição de insumos e acesso ao crédito comcondições especiais.

É difícil estabelecer relações de causalidade entre aumento de rendae auto-estima. Entretanto, de acordo com o depoimento das beneficiári-as, pode-se afirmar que isso ocorreu em Fortaleza, uma vez que a possi-bilidade de ganhos financeiros maiores significou, para as mulheres emquestão, o domínio do espaço público para além dos limites do lar.

Isso pode ser claramente percebido na comunidade de Mucuripe,onde residem muitos pescadores. O ganho obtido pelas mulheres com oartesanato chega a ser maior do que o obtido pelos homens com a pesca,de forma que por meio de um estímulo produtivo as mulheres têm ga-nhado visibilidade.

“Quando você vive dentro de casa não tem renda, depende de al-guém. A auto-estima aumenta quando você sai de casa, começa a conhe-cer outras pessoas e lugares.”, conta “Petinha”, moradora do bairro doPirambu . “Meu marido chegou a ficar desempregado e nossa vida conti-nuou”. Na mesma comunidade, Gildenize vai ainda mais longe: “eusou homem e mulher na minha casa, sustento seis filhos”.

Esses relatos indicam que o aumento da renda possibilitou àsmulheres rever sua inserção no tecido social e as formas de relaciona-mento intrafamiliar. O fato é que o empoderamento de mulheres

14 O projetotrabalha com alguns

indicadores dedesempenho, dentreos quais encontra-seo aumento da renda

familiar per capita.Entretanto, como o

trabalho édesenvolvido de

formadescentralizada, é

difícil determinaruma média geral

entre as unidades deprodução.

15 Conformedepoimentos, emdiversos casos o

aumento da rendadas mulheres foi

acompanhado peloaumento do

desempregomasculino, o que

impediu o aumentoreal da renda dafamília como um

todo.

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11inseridas em um contexto de grande pobreza passa necessariamentepela autonomia financeira. Há uma clara submissão ao poder mas-culino por conta da falta de acesso a meios monetários.

Ainda que tenham obtido maior visibilidade, as mulheres do Mo-vimento continuam sofrendo com um problema observado em âmbi-to mundial – a tripla jornada de trabalho. O aumento de renda e amaior participação feminina no orçamento familiar não promoveramqualquer alteração na divisão sexual do trabalho em relação às tarefasdomésticas das famílias. Isso leva a mulher a praticar uma tripla jor-nada de trabalho – no ambiente profissional, na comunidade e dentrode casa.

Depoimentos como o de Marisol exemplificam bem esta ques-tão: “ainda tenho que arrumar a casa, dar conta do marido e dos fi-lhos, trabalhar e dar conta de tudo”. Em algumas famílias os compa-nheiros, bem como os filhos, ajudam as mulheres nas tarefas profis-sionais, mas a participação masculina se limita, na maioria dos ca-

sos, a algum tipo de suporte indireto como, por exemplo, divulgar oseventos de comercialização, montar as barracas ou transportar omaterial de exposição16 .

A divisão sexual do trabalho também aparece de forma crítica quan-do se percebe que o trabalho produtivo desenvolvido se caracterizapela profissionalização das atividades domésticas. Por um lado, issoestimula a reprodução de uma visão retrógrada, segundo a qual o am-biente doméstico é essencialmente feminino. Trata-se da afirmaçãodo estereótipo sexual da mulher como rainha do lar.

Por outro lado, foi esse tipo de trabalho que permitiu o empodera-mento das mulheres em um primeiro momento, com o aumento darenda e a conquista do espaço público. As próprias mulheres se senti-ram mais valorizadas com o aumento da importância dado às suasatividades cotidianas. O que pode ser notado no orgulhoso depoimentode Lourdes: “eu já sabia fazer isso, mas agora sou uma profissional, vivodo meu trabalho”.

Além da renda, a sociabilização promovida pelo Movimento tam-bém foi fundamental para o resgate da auto-estima das mulheres deFortaleza atendidas por esta iniciativa. Há uma identificação muito

16 Segundoinformações dacoordenação doProjeto, cerca de 150homens auxiliamindiretamente asmulheresempreendedoras.

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12 grande entre as mulheres beneficiárias; suas histórias de vida são pare-cidas e as trocas de experiências são constantes, o que favorece o cres-cimento pessoal, o maior envolvimento das famílias e até o equilíbriodas relações intrafamiliares. Damásio Freitas, marido de uma artesã,não hesitou em afirmar que “tudo melhorou, o [nosso] relacionamentoficou mais equilibrado”.

Por tudo isso, pode-se considerar o Movimento das Mulheres Em-preendedoras como uma iniciativa governamental inovadora: trata-sede um projeto descentralizado e intersetorial que se destaca pela sim-plicidade. De certa forma, a iniciativa trouxe à tona o empoderamentoque as mulheres já possuíam por conta do trabalho comunitário ante-riormente exercido.

Seu mérito reside em auxiliar na organização desse empoderamentoe na ampliação do trabalho para comunidades não tão bem articula-das, gerando com isso capital social, o que de certa forma garante acontinuidade da experiência.17

O foco dado pela incorporação de uma perspectiva de gênero tam-bém é inovador e faz com que a pobreza seja entendida não somentecomo privação de renda, mas também como acesso a direitos univer-sais e serviços públicos essenciais.

A história da mulher brasileira é uma história de esquecimento. Arecente conquista de acesso à educação e ao mercado de trabalho ain-da não foi suficiente para promover a visibilidade e o empoderamentodas mulheres. Projetos como o Movimento das Mulheres Empreende-doras, que consideram as diferenças de gênero, apontam para o surgi-mento de mudanças culturais de longo termo, o que pode levar a con-figuração de uma nova sociedade, permeada por novos valores e pelaigualdade efetiva entre homens e mulheres.

No curto prazo, este projeto permite que centenas de mulheres deFortaleza resgatem, ao menos parcialmente, sua auto-estima e sua ci-dadania. Na trilha do empoderamento surgem novos desafios e so-nhos. Marisol, uma das beneficiárias do Projeto, residente no bairro doMucuripe, contou-nos que antes de entrar para o Movimento vivia umperíodo difícil em sua vida: estava triste e doente. Ela sofre de diabetese teve uma encomenda de quinhentas peças cancelada. Parte do traba-

17 O Estado doCeará teve ao longo

dos últimosdezesseis anos

quatro governosafinados do ponto de

vista político eadministrativo, com

três gestões deTasso Jereissati e

uma de Ciro Gomes.Trata-se de uma

conjuntura diferenteda observada

usualmente no setorpúblico brasileiro,

marcado porrupturas

administrativasconstantes.

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13

Bibliografia

CRESPO, Antonio Pedro Albernaz & GUROVITZ, Elaine. A pobreza como umfenômeno multidimensional. RAE Eletrônica. São Paulo: 2001.

SECRETARIA ESTADUAL DO TRABALHO E ASSISTÊNCIA SOCIAL. Amor àvida: um relato de experiências. Fortaleza: FNUP, 1999.

SECRETARIA ESTADUAL DO TRABALHO E ASSISTÊNCIA SOCIAL. SETASem foco. Vol. 15. Fortaleza: agosto de 2002.

SECRETARIA ESTADUAL DO TRABALHO E ASSISTÊNCIA SOCIAL. A arte dopovo cearense. Fortaleza: 1999

lho estava pronto e foi difícil arrumar comprador, um primo disse queiria comprar a produção, mas somente para ajudá-la. Ela entrou emum quadro depressivo e pensou até em suicídio. Atualmente, Marisolé só sorrisos, parece outra mulher: “hoje eu sou quase uma empresária.Tenho três pessoas que trabalham para mim. Estou quase chique !”

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Versão em formato PDF

Programa Boa Safra

finalistas do ciclo depremiação 2002

Roberta Clemente

Programa Gestão Pública e Cidadania

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20 Experiências de Gestão Pública e Cidadania/Organizadores: Gabriela Spanghero Lotta, Hélio Batista Barboza,Marco Antonio Carvalho Teixeira e Verena Pinto. São Paulo: ProgramaGestão Pública e Cidadania, 2003272 p.

Inclui bibliografia.

1. Políticas públicas – Brasil. 2. Administração pública – Brasil.I. Lotta, Gabriela Spanghero. II. Barboza, Hélio Batista. III. Teixeira, MarcoAntonio Carvalho. IV. Pinto, Verena. V. Programa Gestão Pública eCidadania.

CDD-352

Originalmente publicado em:20 Experiências de Gestão Pública e Cidadania

Gabriela Spanghero Lotta, Hélio Batista Barboza,Marco Antonio Carvalho Teixeira e Verena Pinto (orgs.)

Copyright © Gabriela Spanghero Lotta, Hélio Batista Barboza,Marco Antonio Carvalho Teixeira e Verena Pinto

Direitos da edição reservados aoPrograma Gestão Pública e CidadaniaAv. 9 de Julho, 2029 – 2º andar da Biblioteca01313-902 – São Paulo – SPTel: (11) 3281-7904 / 3281-7905Fax: (11) 287-5095E-mail: [email protected]://inovando.fgvsp.br

Impresso no Brasil / Printed in Brazil

Todos os direitos reservados. A reprodução não autorizada destapublicação, no todo ou em parte, constitui violação da lei dedireitos autorais.

1ª edição – 2003

Capa/editoração: Liria OkodaImpressão: Gráfica Dedone

Versão gráfica em formato PDF: Liria Okoda

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O Programa Boa Safra é uma iniciativa da Secretaria Municipal deDesenvolvimento Rural e Meio Ambiente (Sederma), da Prefeitura deLimoeiro do Norte, no Ceará, tendo como objetivo a mecanização daspropriedades agrícolas de base familiar do município e, ao mesmo tem-po, o desenvolvimento e a organização das associações de agricultores.Além disso, o Boa Safra propicia aos beneficiários, a partir do momen-to em que são cadastrados como produtores rurais, o acesso a outrosprogramas governamentais. Em troca, os agricultores entregam parteda safra de alimentos à Prefeitura, que utiliza os produtos na merendaescolar. Dessa forma, a merenda passou a ser oferecida em todos osdias letivos e a ter produtos frescos e de qualidade.

Limoeiro do Norte localiza-se a 200 km de Fortaleza, no BaixoJaguaribe, ocupando uma área de 771 km², com uma população esti-mada de 45.088 habitantes, dos quais 18.780 se encontram em árearural. O PIB total do município em 1996 era de aproximadamente R$91 milhões e o PIB per capita era de R$ 2.014,00.2

Roberta Clemente1

Programa Boa SafraLIMOEIRO DO NORTE (CE)

1 Mestre eDoutoranda emAdministraçãoPública e Governopela FGV-EAESP.

2 Dados do censode 1996. Fonte:Instituto dePlanejamento doCeará (Iplance).

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4 O município não se enquadra nos critérios de atendimento peloPrograma de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), do go-verno federal, pois seu Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) ésuperior a 0,5 e não há assentamentos de sem-terras. Não se enquadratambém no Banco da Terra (programa de crédito fundiário do Minis-tério do Desenvolvimento Agrário, que financia a compra de imóveisrurais e a implantação de obras de infra-estrutura básica aos pequenosempreendedores rurais), pois este prevê áreas de, no mínimo, 55 hec-tares por agricultor – as propriedades nas quais os agricultores de Li-moeiro do Norte trabalham têm, em média, de dois a três hectares e,no máximo, seis hectares.

De acordo com os dados do último recadastramento rural, de 1992,há 1.466 imóveis rurais em Limoeiro do Norte, assim distribuídos: 1.411minifúndios ocupando 14.255,4 hectares; 43 pequenas propriedadesocupando 4.407,6 hectares; 10 médias propriedades, ocupando 4.722,1hectares e duas grandes propriedades, ocupando 3.483,1 hectares.

Limoeiro do Norte situa-se em uma região onde há projetos deirrigação, como o Agropolo Baixo Jaguaribe, com estabelecimentos queusam a tecnologia de forma intensiva. A paisagem do município apre-senta grande diversidade, incluindo áreas de sertão, chapada e tam-bém áreas de vale, com aluviões. Nos terrenos irrigados por pivô cen-tral, há plantio de milho, feijão, tomate e melancia; nas áreas de irriga-ção localizada, produz-se melão, melancia, mamão e tomate.

Nas áreas não irrigadas, predomina a agricultura de subsistência,com o cultivo de feijão e mandioca. Em grande parte do ano, a únicafonte de água nessas áreas são os caminhões-pipas da Prefeitura. Emépocas de seca, quando é decretado o estado de calamidade pública,o Estado e o governo federal também fornecem caminhões-pipas.Até 2001, não havia qualquer controle sobre a água distribuída, masnesse ano, por sugestão da Secretaria de Desenvolvimento Rural eMeio Ambiente, a Prefeitura decidiu distribuir em seus caminhõessomente água tratada. Porém, ainda não há dados epidemiológicosdisponíveis para aferir os resultados da mudança sobre as condiçõesde saúde da população.

A Coordenadoria de Defesa Civil da Secretaria de Desenvolvimento

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5Rural e Meio Ambiente elaborou um cadastro único das famílias po-bres do município para o programa federal Bolsa-Renda.3 De acordocom esse cadastro, 10 mil famílias têm renda familiar inferior a R$ 90per capita, mas somente 1.455 se enquadraram nos critérios do Pro-grama Bolsa-Renda. A seleção dos beneficiários foi elaborada por umacomissão composta por representantes da Igreja, do Sindicato dos Tra-balhadores Rurais, das Associações Comunitárias, da Empresa de As-sistência Técnica e Extensão Rural do Ceará (Emater/CE) e da Prefei-tura. De acordo com a Secretaria, o envolvimento da comunidade foifundamental para garantir a transparência e diminuir a pressão sofri-da pela Prefeitura. “Separamos a pobreza da miséria”, lamenta o se-cretário, Carlos Celedônio.

Segundo dados do Projeto Incra/FAO4 , os agricultores familiares ocu-pam 43,5% da área do Nordeste brasileiro, produzem 43% de todo oValor Bruto de Produção e ficam com apenas 26,8% do valor dos finan-ciamentos agrícolas da região. O Nordeste concentra 49,7% de todos os

estabelecimentos agrícolas familiares do país e absorve 14,3% do finan-ciamento rural destinado a essa categoria de agricultores.

De acordo com esse mesmo estudo, em Limoeiro do Norte, 6.005pessoas trabalham em estabelecimentos rurais, sendo que 4.815 sãotrabalhadores em estabelecimentos familiares. Destes, 1.987 são clas-sificados como trabalhadores “quase sem renda”. As associações deagricultores são bastante difundidas no município em decorrência doProjeto São José, desenvolvido pelo governo do Ceará em convêniocom o Banco Mundial. O Projeto busca apoiar os pequenos produtoresrurais e os grupos comunitários, por meio de suas associações, quepodem solicitar investimentos em sistemas comunitários de abasteci-mento de água, habitações rurais, eletrificação rural, mecanização agrí-cola, implantação de agroindústrias, reforma e ampliação de escola,postos de saúde, creche e casa de cultura, dentre outros.

No que se refere ao ambiente político de Limoeiro do Norte, aatual gestão é composta por pessoas “de fora do sistema”: apesarde a prefeita Arivan Lucena ser do PSD, seu secretariado é compos-to por pessoas de diversos partidos políticos, inclusive do PT. Con-forme o relato de integrantes da gestão atual, a cidade estava “aban-

3 A concessão dobenefício bolsa-rendaé limitada, no âmbitoestadual, a até 50%das famílias ruraisresidentes nosmunicípios do semi-árido que estejam emestado de calamidadepública ou emsituação deemergênciareconhecida pelogoverno federal. Asfamílias devematender aos seguintescritérios: I - possuirrenda per capitainferior a 1/3 dosalário mínimo; II -manter osdependentes de 7 a14 anos matriculadosna escola; III - prestarserviços comunitáriosindicados peloConselho Municipalde DesenvolvimentoRural Sustentável.(Fonte: Portaria n.°203, de 2001, doMinistério deIntegração Regional).

4 GUANZIROLI,Carlos Enrique (FAO)e CARDIM, SilviaElizabeth de C. S.(Incra). Novo Retratoda AgriculturaFamiliar: o BrasilRedescoberto.Projeto deCooperação TécnicaIncra/FAO. Brasília,2000. Disponível emhttp://www.incra.gov.br/fao

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6 donada”, após mais de vinte anos sob o governo de grupos que sealternavam no poder. A Câmara Municipal tem 19 vereadores, dosquais 17 fazem oposição sistemática à administração, que tem go-vernado por meio de Medidas Provisórias5 . Nada indica, porém,que esta não seja uma gestão transparente e legalista, comprometi-da com os direitos dos cidadãos. É o que se pode deduzir, por exem-plo, do acesso às contas da administração (abertas a todos osmunícipes) e da criação de um Diário Oficial do Município, quetorna públicas as decisões governamentais.

O Programa Boa SafraO Programa Boa Safra começou a ser engendrado logo após as elei-

ções municipais, em outubro de 2000, quando se criaram comissõestemáticas para a elaboração do Plano de Governo. A comissão de agri-cultura, coordenada pelo atual secretário de Desenvolvimento Rural e

Meio Ambiente, identificou a necessidade de se garantir que os agri-cultores pudessem utilizar o trator em suas atividades na lavoura.

O fornecimento de trator pela administração municipal não é no-vidade no interior do país: algumas prefeituras dispõem de máquinaspróprias e as cedem ou alugam aos agricultores. A prefeitura de Limo-eiro do Norte, no entanto, não tem tratores próprios: as gestões anteri-ores alugavam as máquinas para emprestá-las aos agricultores. Porém,de acordo com os agricultores entrevistados, isso não era feito de for-ma regular e o trator não era acessível a todos os interessados. O Pro-grama Boa Safra inova ao oferecer o trator a todos os interessados,independentemente de sua relação com a Prefeitura. Um dos obstácu-los enfrentados foi a resistência dos cabos-eleitorais da prefeita, que sesentiram ameaçados pelo compromisso com a universalização do Pro-grama. Isso exigiu uma atitude firme de apoio ao Programa por parteda prefeita, que também enfrentou oposição, no âmbito da adminis-tração municipal, por enfocar os agricultores mais pobres, em detri-mento do agribusiness.

Como a chuva começa geralmente em março, assim que a atualgestão tomou posse foi dado início ao Programa, em parceria com as

5 “Se a modapega…Prefeita da

cidadezinhacearense de

Limoeiro do Norte,dona Ariovan Lucena

resolveu radicalizar.Sem apoio da

Câmara deVereadores e sem ter

como pagar a folhade funcionários, hádez dias governa o

município com baseem medida

provisória que elamesma editou. Suaassessoria jurídica

jura que pode. Masnão se sabe de

nenhum caso noBrasil.” (Coluna Fax

Brasília, Revista Istoén.º 1715, de 15/08/

2002).

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7associações comunitárias de agricultores e com as cooperativas. Taisentidades ajudam a cadastrar os interessados e algumas fornecemtratores e tratoristas, recolhendo o pagamento em produtos agríco-las dos beneficiários.

Diante da falta de um cadastro dos agricultores do município, aSecretaria de Desenvolvimento Rural e Meio Ambiente pretende con-frontar o cadastro de beneficiários do Boa Safra com o do programaestadual Hora de Plantar, que distribui sementes aos produtores agrí-colas. Dessa forma, a Secretaria pretende traçar um quadro mais acu-rado dos agricultores de Limoeiro do Norte; bem como aliar-se aosagentes comunitários de saúde para identificar e cadastrar eventuaisagricultores que tenham ficado à margem dos programas. O cadastrodos interessados é importante para que eles possam provar sua condi-ção de trabalhadores rurais e se beneficiar de outras políticas governa-mentais, em especial as previdenciárias. O cadastro do cônjuge per-mite o enquadramento das mulheres agricultoras como trabalhadoras

rurais, garantindo o seu acesso à licença-saúde, licença- maternidadee à aposentadoria, que muitas vezes é a única fonte de renda monetá-ria das famílias da região.

As associações são os braços e pernas do Programa, porque auxili-am na elaboração do cadastro, na execução dos serviços de mecaniza-ção e na cobrança dos produtos. De acordo com a Secretaria de De-senvolvimento Rural e Meio Ambiente, sem as associações o Progra-ma seria inexeqüível. Se, por um lado, a Prefeitura não dispõe de tra-tor, por outro lado as associações que possuem máquinas próprias nãoteriam dinheiro para arcar com o combustível, a manutenção e os cus-tos de execução dos serviços de mecanização nas áreas nas quais seusassociados produzem. Nem sempre os tratores pertencem às associa-ções, muitas vezes elas alugam tratores de terceiros: devido aos incen-tivos fiscais concedidos às associações, um empresário lucra mais alu-gando seu trator para uma associação operar do que se tentasse execu-tar diretamente o trabalho.

O Programa Boa Safra não atende somente os agricultores ligadosàs associações comunitárias, mas como essas entidades são as principaisresponsáveis pela execução do serviço, seus integrantes têm prioridade,

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8 o que incentiva os demais a se filiarem. É mais difícil identificar e cobraros agricultores não associados, que muitas vezes ficam à margem dosprogramas governamentais por falta de acesso à informação.

Em 2002, esperava-se que o Programa tivesse uma demanda bemmaior do que a de 2001, seu primeiro ano de funcionamento. De fato,na área de sequeiro foram atendidas 1613 famílias em 2002, contra1324 em 2001.6 O aumento da demanda era esperado devido ao inte-resse das famílias em participar do Programa Bolsa-Renda. Para parti-cipar desse Programa, os agricultores devem ter plantado no ano ante-rior à solicitação do benefício.

O crescimento da demanda, combinado à restrição orçamentária eàs boas chuvas de janeiro de 2002, fizeram com que, nas áreas de se-queiro, o tempo de utilização do trator fosse reduzido à metade. Paraos não proprietários, o período de utilização passou de três horas parauma hora e meia. Os proprietários, que tinham direito a seis horas,passaram a utilizar o trator por três horas. Quando há seca (o que ocor-

reu em seis anos da década de 90 e em 2001), o trator é imprescindívelpara o preparo do solo, que é feito nos primeiros dias de chuva, nor-malmente em março ou, eventualmente, a partir de janeiro.

Já nas áreas irrigadas, o preparo do solo tem inicio em meados doano (agosto, setembro), quando não há necessidade de trator nas áreasde sequeiro (já houve a colheita e não é época de fazer o preparo dosolo). Nessas áreas irrigadas, o preparo do solo utilizando força manualé muito difícil. Por isso, em 2002, somente para as áreas irrigadas esta-va previsto que o período de utilização do trator se mantivesse em trêshoras para não proprietários e seis horas para proprietários.

Em 2001, a seca motivou a decretação do estado de calamidadepública no município, o que obrigou à flexibilização do orçamentomunicipal para que fossem priorizados os programas voltados à popu-lação mais atingida pela estiagem. Cerca de R$ 155 mil se destinaramà execução do Programa Boa Safra. Para o ano de 2002, a Lei Orça-mentária autorizava uma dotação menor, de R$ 85 mil, dos quais R$68 mil já haviam sido gastos até agosto, somente na área de sequeiro.As verbas do Programa são administradas pela Secretaria de Desenvol-vimento Rural e Meio Ambiente, mas os produtos recebidos em paga-

6 Nas áreasirrigadas, onde 392

famílias foramatendidas em 2001,a época de preparo

do solo para oplantio de 2002

ainda não haviacomeçado quando a

autora visitou omunicípio.

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9mento pela utilização do trator são doados às secretarias municipaisde Educação, Saúde e de Desenvolvimento Humano e Cidadania, àmerenda escolar, ao Programa de Erradicação de Trabalho Infantil(PETI) – reativado em 2001 – e à distribuição de cestas básicas.

Os agricultores pagam pela utilização do trator entregando à Pre-feitura parte da sua produção de alimentos. Em 2001, ano de seca,houve um retorno de 30% do total investido; em 2002, os responsáveispelo Programa calculavam receber 50 a 60%. Eles dizem ter percebidoque, quanto mais miserável o agricultor, mais ele se esforça para pa-gar. Em uma das associações comunitárias visitadas pela autora, osagricultores queixaram-se de que as chuvas tinham sido fracas e quemuitos não conseguiram produzir o suficiente nem para a própria sub-sistência. Apesar disso, alguns relataram que haviam se sacrificado paracomprar feijão e doar às escolas.

O sistema de coleta é bastante descentralizado: os produtos po-dem ser entregues na sede da Secretaria de Desenvolvimento Rural e

Meio Ambiente, em uma das três administrações regionais da Prefei-tura, nas associações comunitárias ou ainda nas escolas, para onde sãolevados aos poucos pelos filhos dos produtores. A utilização dos ali-mentos na merenda escolar de seus filhos (além das doações aos do-entes e aos mais necessitados), incentiva os agricultores não só a efeti-var o pagamento, como também a manter a qualidade dos produtos ea evitar a utilização de agrotóxicos, conforme apontaram os responsá-veis pelo Boa Safra e alguns agricultores entrevistados

Diversos agricultores até fizeram questão de doar alimentos deforma independente do ressarcimento pela utilização do trator, oque fez com que a Secretaria organizasse a coleta das doações. Em-presas e agricultores que produzem frutas na área irrigada passarama doar produtos que, embora sejam de boa qualidade, estão fora dasespecificações para a exportação. Antes, esses produtos eramdestruídos: em 2001, por exemplo, uma grande empresa produtorade melões para exportação enterrou 600 toneladas da fruta. Junta-mente com os demais municípios da região, a administração muni-cipal de Limoeiro do Norte empenhou-se para que parte da produ-ção fosse doada, ao invés de destruída. Uma vez que a Prefeitura

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10 não dispõe de carros para a coleta, as secretarias de DesenvolvimentoRural e Meio Ambiente e de Educação fizeram uma parceria paradividir o custo do aluguel de veículos.

De acordo com dados fornecidos pela Secretaria de Desenvolvi-mento Rural e Meio Ambiente, até julho de 2002 as doações recebidasforam as seguintes:

Produto 2001 2002 (até julho)

Arroz (kg) 150 -Banana (kg) 4.043 1.360Mamão (kg) 3.155 9.406Melancia (unidades) 326 6.378Melão (kg) 26.721 60Milho Verde (espigas) 5.590 9.850Pimentão (kg) 5 -Tomate (kg) 115,5 -

Graças ao Programa Boa Safra, a merenda escolar – que, muitasvezes, é a única fonte de alimentação dos estudantes – passou a seroferecida em todos os dias letivos. Além disso, os alimentos são fres-cos e de qualidade, o que garante uma merenda variada e nutritiva.Para a compra dos alimentos destinados à merenda escolar, o gover-no federal faz um repasse equivalente a R$ 0,13 per capita para oensino fundamental e R$ 0,06 per capita para a educação infantil. Onúmero de alunos é calculado com base no ano anterior, sem previ-são de acréscimo de alunos de um ano para outro. Por isso, até 2001não havia merenda todos os dias. Em 2001 e em 2002, além dos ali-mentos comprados com recursos federais, as escolas oferecerammacaxeira, feijão, milho, leite, mel, uva, melancia e melão. “O BoaSafra salvou a lavoura!”, comemora a secretária de Educação de Li-moeiro do Norte, Áurea Alexandre.

As prefeituras da região costumam comprar a merenda de fornece-dores de outros Estados, por meio de licitação. A Secretaria de Desen-volvimento Rural e Meio Ambiente de Limoeiro do Norte tem procu-rado convencer essas prefeituras a criar mecanismos para priorizar osprodutores locais.

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11Os beneficiários do ProgramaEmbora esteja aberto a todos os produtores, o Programa atrai ape-

nas os que não dispõem de outros recursos (como bois para traçãoanimal), pois o intervalo de tempo para o preparo do solo é curto e osagricultores da região precisam preparar o solo nas mesmas épocas: oscinco primeiros dias após a chuva nas áreas de sequeiro e os meses deagosto ou setembro nas áreas irrigadas.

O público atendido pelo Programa encontra-se claramente numasituação de exclusão social, sem recursos nem mesmo para a comprade mudas e sementes. Aliás, esse é o motivo para que tanto a Prefeitu-ra como o governo do Estado tenham programas de doação de mudase sementes. Muitos dos atendidos pelo Programa “assinaram” os con-tratos de empréstimo do trator carimbando os polegares, o que de-nuncia o baixo grau de instrução dos beneficiários.

Devido à falta de dinheiro circulante, os agricultores freqüente-mente negociam mediante a troca de mercadorias: um deles revelou à

autora que recentemente havia trocado dois bois por 500 metros dearame, para fazer uma cerca. No entanto, esses agricultores geralmen-te consideram inviável a utilização de bois no trabalho de preparar osolo para o plantio, devido ao custo de manutenção dos animais. Al-guns apontam, ainda, que muitas vezes os bois são roubados para ser-virem de alimento.

Nas reuniões com agricultores, o secretário de DesenvolvimentoRural e Meio Ambiente procura enfatizar a importância da sindicali-zação e da participação em associações comunitárias, como forma deacesso aos programas governamentais e aos direitos de cidadania. Atéo momento, porém, apenas uma dessas entidades demonstra uma or-ganização coesa e um certo nível de conscientização política: a Associ-ação dos Ex-posseiros e Trabalhadores Rurais de Consulta e SantaMaria, cujos integrantes ocupam e trabalham há dez anos em umaárea de propriedade do antigo Departamento Nacional de Obras Con-tra as Secas (DNOCS).

Na tabela abaixo vê-se a distribuição das horas de trator e o mon-tante gasto nas áreas de sequeiro e irrigada.

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12 Sequeiro Área Irrigada2001 2002 2001 2002

Horas R$ Horas R$ Horas R$ Horas R$

3.996,86 89.170,00 2.565,6 68.001,30 2.804 65.800,00 0 0

No que se refere ao gênero dos beneficiários, o número de mulhe-res que firmam o contrato diretamente com a Secretaria é reduzido(131 em 2001 e 193 em 2002). No entanto, apesar de não abordardiretamente a questão de gênero, o Programa tem uma implicaçãoimportante sobre a situação das mulheres. A Secretaria de Desenvolvi-mento Rural e Meio Ambiente incluiu os dados do cônjuge (nome,nacionalidade, RG, CPF, profissão e residência) no contrato de presta-ção de serviços. Para as agricultoras, isso permite o seu enquadramentocomo trabalhadoras rurais e o acesso a benefícios de diversos progra-mas governamentais dos quais eram excluídas por falta de registro,como licença-gestante, licença-saúde e aposentadoria.

Aspectos inovadoresBaseado numa idéia muito simples, o Programa Boa Safra inova ao

estabelecer uma relação de parceria entre a Prefeitura e os agricultores,superando o antigo paternalismo. Ao mesmo tempo, a experiência esti-mula o associativismo rural, tendo em vista que as associações de agri-cultores são as principais responsáveis pela execução do Programa. Ainiciativa pode ser adotada em diversos municípios brasileiros, em espe-cial os que dispõem de associações e cooperativas agrícolas organizadas.

Ao pretender universalizar o acesso à mecanização agrícola, o Pro-grama aborda uma questão relevante para todo o Brasil, considerando-se que há no país, de acordo com os dados do projeto Incra/FAO, maisde dois milhões de estabelecimentos familiares nos quais é utilizadasomente a força manual:

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13Estabelecimentos Número de Estabelecimentos com:Familiares

Só Força Força Energia Assist. Associação Uso deManual Animal ou Elétrica Técnica Cooperativa Adubos e

Mecânica Corretivos

Limoeiro 632 1.249 1.237 255 483 861do Norte

Total Brasil 2.062.691 2.076.678 1.516.393 690.110 522.746 1.520.406

FONTE: CENSO AGROPECUÁRIO 1995/96, IBGE. ELABORAÇÃO: CONVÊNIO INCRA/FAO .

Entretanto, o Programa é bastante recente e está em fase de adap-tação. Muitos agricultores reclamam do pequeno número de horas aque cada um tem direito para a utilização do trator. Eles apontam queisso atrasa o preparo da terra e pode comprometer a produção, tendosido sugerido que o número de horas fosse calculado de acordo com aárea a ser cultivada.

São características fundamentais do Programa a universalizaçãodo atendimento, a existência de critérios claros, o fortalecimento dasassociações de agricultores e a preocupação com a identificação e ainclusão da população marginalizada pelos demais programas gover-namentais, em especial os de combate à pobreza. Apesar de onerar oorçamento da Secretaria de Desenvolvimento Rural e Meio Ambiente,o fato de o produtor ressarcir a Prefeitura com produtos que serãodoados a escolas, hospitais e cestas básicas é um poderoso incentivopara que os agricultores se esforcem para cumprir o seu compromisso,pois permite que eles dêem vazão à sua generosidade. Além disso, porestarem pagando pela utilização do trator, os agricultores participamda fiscalização do serviço, evitando fraudes e controlando a qualidadedo trabalho dos tratoristas nas suas roças. Entretanto, somente o tem-po poderá mostrar se o Programa Boa Safra conseguirá se impor frenteà cultura clientelística que permeia a região.

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Versão em formato PDF

ProgramaPró-Confecções

finalistas do ciclo depremiação 2002

Mônica Mazzer Barroso

Programa Gestão Pública e Cidadania

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20 Experiências de Gestão Pública e Cidadania/Organizadores: Gabriela Spanghero Lotta, Hélio Batista Barboza,Marco Antonio Carvalho Teixeira e Verena Pinto. São Paulo: ProgramaGestão Pública e Cidadania, 2003272 p.

Inclui bibliografia.

1. Políticas públicas – Brasil. 2. Administração pública – Brasil.I. Lotta, Gabriela Spanghero. II. Barboza, Hélio Batista. III. Teixeira, MarcoAntonio Carvalho. IV. Pinto, Verena. V. Programa Gestão Pública eCidadania.

CDD-352

Originalmente publicado em:20 Experiências de Gestão Pública e Cidadania

Gabriela Spanghero Lotta, Hélio Batista Barboza,Marco Antonio Carvalho Teixeira e Verena Pinto (orgs.)

Copyright © Gabriela Spanghero Lotta, Hélio Batista Barboza,Marco Antonio Carvalho Teixeira e Verena Pinto

Direitos da edição reservados aoPrograma Gestão Pública e CidadaniaAv. 9 de Julho, 2029 – 2º andar da Biblioteca01313-902 – São Paulo – SPTel: (11) 3281-7904 / 3281-7905Fax: (11) 287-5095E-mail: [email protected]://inovando.fgvsp.br

Impresso no Brasil / Printed in Brazil

Todos os direitos reservados. A reprodução não autorizada destapublicação, no todo ou em parte, constitui violação da lei dedireitos autorais.

1ª edição – 2003

Capa/editoração: Liria OkodaImpressão: Gráfica Dedone

Versão gráfica em formato PDF: Liria Okoda

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O ProgramaPor meio de um conjunto de ações articuladas entre si e coordena-

das pela Prefeitura Municipal de Goianésia (GO), o Programa Pró-Confecções visa a geração de emprego e renda mediante o fortaleci-mento de micro e pequenos empresários do setor de confecções. Comum investimento inicial de cerca de R$ 300 mil (R$2 00 mil da Prefei-tura e o restante dos demais parceiros), o Programa já apresenta sinaisde sucesso.

Para qualificar a mão-de-obra, foi criada uma unidade do Servi-ço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) em fevereiro de 2001,na qual são ministrados cursos técnicos com o apoio do Fundo deAmparo ao Trabalhador (FAT). O Banco do Povo, que já vinha atu-ando no município desde 1999, oferece microcrédito aos trabalha-dores informais, que podem se estabelecer por conta própria ou tor-narem-se membros da Cooperativa de Costura, criada em julho de

Mônica Mazzer Barroso1

ProgramaPró-ConfecçõesGOIANÉSIA (GO)

1 Graduada emAdministração deEmpresas pela FGV-EAESP, mestra emAdministração deONGs pela LondonSchool of Economicsand Political Science(LSE) e doutorandaem Políticas Sociaistambém na LSE.

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4 2001 para fortalecer a categoria e possibilitar produção em maior es-cala. O Centro Comercial, inaugurado em junho de 2001, viabiliza ainstalação de um ponto de venda para os produtores e a Associaçãodos Confeccionistas proporciona o deslocamento dos confeccionis-tas para Goiânia e Brasília para a compra de matéria-prima e vendada produção.

ContextoPor meio do incentivo ao crescimento da economia individual ou

familiar, o Programa Pró-Confecções procura resgatar o indivíduo dainformalidade e criar condições para que ele exerça seus direitos decidadão. Optou-se pelo setor de confecções por esta atividade já seapresentar como vocação econômica local, não necessitando de mão-de-obra sofisticada nem de grandes investimentos financeiros. Alémdisso, existe a facilidade de se gerar um grande número de empregos

de forma descentralizada, beneficiando muitas famílias e, sobretudo,aproveitando em grande parte a força de trabalho feminina. As ativi-dades do setor também mostram-se adequadas para esse fim, já que seadaptam bem às modalidades de micro e pequenas empresas, coope-rativas e associações.

De acordo com o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) ela-borado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento(PNUD), Goianésia apresentou, em 1991, um IDH médio inferior aodo Brasil, ao do Centro-Oeste e ao de Goiás, mas superior ao da suamicrorregião2 . Ao se subdividir o índice em longevidade, educação erenda, fica evidente que a maior fraqueza do município é a baixa ren-da de sua população.

Diante dessa constatação, o desenvolvimento de programas degeração de emprego e renda tornou-se prioridade do governo mu-nicipal. O Programa Pró-Confecções começou a ser executado noinício de 2001 e o desenvolvimento de seu plano de ação teve aparticipação da Assessoria de Planejamento e da Secretaria de De-senvolvimento, Ciência e Tecnologia do município, do Serviço Bra-sileiro de Apoio à Micro e Pequena Empresa (Sebrae), da Associa-

2 Fonte: Atlas dodesenvolvimento

humano no Brasil,1997

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5ção dos Confeccionistas e de empresários do setor.Uma pesquisa realizada em Goianésia revelou a existência de apro-

ximadamente 250 microprodutores do setor de confecções no municí-pio, sendo quase todos trabalhadores informais, que tinham baixa qua-lificação técnica e gerenciavam os negócios de maneira pouco profissi-onal. A opção pelo setor de confecções também foi influenciada pelarápida transformação do município vizinho, Jaraguá, que em poucosanos e sem apoio algum do governo local se consolidou como centroconfeccionista, por meio de pequenos empreendimentos.

Como Goianésia sempre se caracterizou por possuir grandes em-presas e grandes propriedades, o que significa alta concentração derenda, era preciso desenvolver um setor que se adaptasse ao cresci-mento do auto-emprego, às micro e pequenas empresas e à populaçãofeminina de baixa renda. Assim, devido à influência do pólo industrialde confecção de Jaraguá e à sua proximidade com importantes centrosde distribuição (Distrito Federal e Goiânia), o município está vivendo

uma acelerada aglomeração de micro e pequenas indústrias de confec-ção, todas ainda em estágio embrionário de desenvolvimento.

É importante mencionar que, ao longo dos últimos 20 anos, Goi-ás vem se consolidando como forte pólo regional da indústria de con-fecções, apresentando um quadro muito favorável no contexto naci-onal, uma vez que das 13 mil empresas ligadas ao setor no Brasil, 5mil estão localizadas neste estado. No pequeno município deGoianésia (49.160 habitantes3 ), situado a 170km da capital de Goiás,o mercado é composto por empresas de micro e pequeno porte tipi-camente familiares e mais de 90% ainda está na informalidade.

Inovando simplesmenteDurante o processo de concepção do Programa, realizado em con-

junto com os diversos atores sociais ligados ao setor confeccionista(Prefeitura, Sebrae, confeccionistas, associados e Banco do Povo), ob-servou-se a necessidade de se investir em programas de geração deemprego e renda que tivessem uma atuação contínua e integrada, deforma a garantir sustentabilidade aos empregos criados. Para isso, o

3 Fonte: InstitutoBrasileiro deGeografia eEstatística, Censo2000 (http://www.ibge.net/cidadesat)

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6 Programa foi elaborado a partir da articulação de diversas ações coor-denadas entre si, que abrangem todas as etapas da cadeia produtiva,desde a produção até o seu escoamento. Ou seja, capacita-se o cida-dão, viabiliza-se o microcrédito, assegura-se o emprego como coopera-do e instala-se o ponto de venda.

Essa preocupação com o fortalecimento da cadeia produtiva surgedo reconhecimento de que há uma forte interdependência entre osdiversos atores que compõem o setor: a sobrevivência de um dependedo desenvolvimento de todos. Embora seja dada maior ênfase ao auto-emprego, novos postos de trabalho têm sido criados pelas micro, pe-quenas e médias empresas que absorvem pessoas capacitadas nos cur-sos profissionalizantes.

Etapas do Programa Pró-Confecções1. Capacitação Profissional e Empresarial

2. Viabilização de Microcrédito

3. Criação de uma Cooperativa de Costura

4. Criação de um Centro Comercial paraos pequenos produtores

5. Apoio à Associação dos Confeccionistas

6. Criação de Lavanderia Industrial de Tecidos

7. Projeto de Implantação de uma Incubadora deConfecções (esta etapa ainda estava em fase denegociação com potenciais parceiros)

Antes do atual governo municipal, as precondições para o funciona-mento de um programa como o Pró-Confecções já existiam, mas nãoeram vistas como um sistema integrado e complementar. O potencialdo setor confeccionista estava latente e, de certo modo, marginalizado.Hoje, até mesmo Jaraguá inveja a atenção especial que o setor tem rece-bido do governo municipal de Goianésia. “O Prefeito de Goianésia bemque podia trocar de lugar com o de Jaraguá”, brinca Dulce Rosa, presi-dente da Associação Comercial e Industrial de Jaraguá.

O elemento de inovação do Pró-Confecções não se limita à criaçãoda rede de parceiros ou ao fato de a iniciativa alcançar toda a cadeiaprodutiva. Mais do que isso, o Programa tem exercido influência indi-reta sobre as relações de gênero entre o seu público-alvo, além de re-presentar uma alternativa sustentável de geração de emprego e renda

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7diante do potencial desemprego em massa que pode resultar da imi-nente mecanização do corte da cana-de-açúcar, principal produto agrí-cola do município atualmente.

Parcerias: garantia de sustentabilidadeApesar de ser coordenado pela Prefeitura de Goianésia (por inter-

médio da Secretaria de Desenvolvimento, Ciência e Tecnologia e daAssessoria de Planejamento), o Programa Pró-Confecções não seriaviável sem a participação e o comprometimento dos diversos parceirosque executam suas ações. Pode-se dizer que o governo local é um im-portante facilitador, que possibilita o cumprimento bem-sucedido detodas as etapas do Programa.

Setor Público Organizações da Sociedade CivilFundo de Amparo ao Banco do Povo – Goianésia

Trabalhador (FAT) (Associação Civil de Crédito Comunitário)

Senai – Goianésia e Goiânia Associação dos Confeccionistas de Goianésia

Sebrae – GO Cooperativa de Costura

Sistema CNI

Empreendedor Comodatário da Lavanderia

Um importante fator que explica a harmonia entre o governolocal e seus diversos parceiros é o baixo custo adicional exigido paracontribuir para o Programa, uma vez que se busca aproveitar estru-turas já existentes e em funcionamento, como é o caso do Senai, doBanco do Povo e do Sebrae. Com um investimento inicial de aproxi-madamente R$ 300 mil, foi possível colocar em funcionamento pra-ticamente todos os componentes do Programa. Destes R$ 300 mil,cerca de R$ 200 mil correspondem ao investimento da Prefeitura emreformas de instalações físicas, subsídio aos cursos de capacitação doSenai e ajuda financeira com aluguéis. Os R$ 100 mil restantescorrespondem aos gastos dos demais parceiros, principalmente emcursos de capacitação. A parceria com o Banco do Povo não implicanenhum gasto adicional, uma vez que os financiamentos concedidossão parte de um fundo rotativo que tem apresentado baixas taxas deinadimplência (em torno de 1,3%).

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8 Levando-se em consideração que o investimento inicial da Prefei-tura incluiu uma série de despesas com a construção e a reforma deespaços físicos, o custo anual de manutenção do Pró-Confecções paraa Prefeitura deve girar em torno de R$ 65 mil, tendendo a diminuir, jáque os auxílios referentes às estruturas criadas devem se tornar auto-sustentáveis dentro de poucos anos. Quanto aos gastos dos demaisparceiros, embora não se tenha acesso a um valor exato, deve ser míni-mo o investimento financeiro.

Como se dão as parcerias

Em convênio com o Senai e com o apoio do FAT, foi executada areforma do espaço físico e implantada uma escola de cursos técnicosde modelagem em malha, cotton e lycra, modelagem em tecido plano,modelagem de calça, camisa e bermuda, cortador de confecção, cos-tura industrial, desenho de moda, gerente de produção, chefia e lide-rança. Tais cursos, que normalmente custam em torno de R$ 200,00por mês em unidades convencionais do Senai, são oferecidos por umvalor mensal simbólico de R$ 10,00. O Senai de Goiânia também ofe-receu duas vagas para o Curso Técnico em Vestuário, com duração dedois anos, para duas pessoas escolhidas pela Associação dos Confecci-onistas. A Prefeitura arca com as despesas de hospedagem e alimenta-ção dessas pessoas.

O Sebrae, por sua vez, oferece os cursos “Brasil Empreendedor”,“Orientação para o crédito: como administrar sua empresa”, “Vendas eMarketing”, “Relações humanas e habilidades interpessoais” e “Desen-volvimento Gerencial”. Dessa forma, busca-se desenvolver seu espíritoempreendedor. Junto com o sistema CNI, o Sebrae foi também parcei-ro no Programa de Apoio à Competitividade das Micro e Pequenas In-dústrias para o setor de vestuário, no período de junho a dezembro de2001. Fizeram parte desse Programa 15 confecções locais.

O Banco do Povo oferece microcrédito para os trabalhadores in-formais do setor, com financiamento de capital de giro (aquisição dematéria-prima) e de investimento (aquisição de equipamentos), como valor de R$ 300,00 a R$ 2 mil e juros de 1% ao mês. O Banco doPovo é uma iniciativa estadual que está presente em cerca de 140

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9municípios e tem obtido enorme sucesso em Goianésia.A Cooperativa de Costura foi criada com o objetivo de fortalecer

a categoria, possibilitando produção de qualidade em maior escala eacesso a centros consumidores maiores. A Prefeitura Municipal arcoucom a reforma das instalações físicas, pagamento do aluguel duranteo período de dois anos e um empréstimo mensal para aquisição dematerial de expediente e contratação de um gerente de produção, queé pago com a produção da Cooperativa. O Banco do Povo liberou fi-nanciamento aos cooperados para aquisição das máquinas industriaisde costura.

O Centro Comercial (mini-shopping de confecções, composto por70 boxes de 4,00m2, provadores, banheiros público e sede da Associa-ção dos Confeccionistas) possibilita que os pequenos produtores pos-suam um ponto de venda, aumentando sua renda e visibilidade. APrefeitura arcou com a reforma do prédio e a construção dos 70 boxes.O aluguel e os custos de manutenção são rateados entre os lojistas.

A Associação dos Confeccionistas de Goianésia conta com 180associados, que contribuem com uma mensalidade de R$ 5,00 cada.Com o apoio da Prefeitura, a Associação subsidia o transporte sema-nal dos microempreendedores associados para centros consumidoresmaiores – Goiânia e Brasília – para a aquisição de matéria-prima evenda da produção em feiras e lojas. A adesão crescente de novos sóci-os faz com que a Associação seja também uma grande beneficiáriadas iniciativas de capacitação profissional.

A Prefeitura construiu um galpão de 250m2 para abrigar uma La-vanderia Industrial de Tecidos, que foi oferecida à iniciativa privadaem sistema de comodato pelo período de dois anos. A Prefeitura con-tribuiu com as instalações físicas, cabendo ao empreendedor comoda-tário a aquisição das máquinas e equipamentos. Essa iniciativa visagarantir às confecções o acesso às tendências da moda na tinturaria elavagem dos tecidos, condição importante para assegurar competitivi-dade ao setor.

A comunidade foi envolvida por meio de um processo participa-tivo de discussão do município sobre seus problemas, ameaças e opor-tunidades, o que resultou na elaboração de um plano de desenvolvi-

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10 mento socioeconômico conforme as prioridades definidas pela pró-pria comunidade. Desse modo, a Prefeitura de Goianésia e diversasinstituições de ensino, de classe e de fomento elaboraram programasintegrados, compostos por ações interligadas e interdependentes quebuscam o desenvolvimento de atividades consideradas vocações na-turais do município, dentre elas o setor confeccionista.

Assim, desde o início do processo houve uma grande preocupaçãoem se assegurar o envolvimento da comunidade no Programa parapossibilitar um senso de apropriação da idéia e garantir sua sustenta-bilidade, independentemente de futuras mudanças de governo.

Resultados e perspectivasPode-se afirmar que hoje o ambiente para o desenvolvimento de

pequenos empreendimentos no setor de confecções em Goianésia émais favorável do que em Jaraguá, onde o setor é a base da economia

local. Com o Programa, costureiras informais se vêem possibilitadasde expandir suas atividades e oferecer melhores condições de vida parasuas famílias.

No entanto, ainda não se pode dizer o mesmo sobre a inserçãodos excluídos no mercado de trabalho. Embora o Programa procureatender com o microcrédito prioritariamente as pessoas que estãorecebendo a Renda Cidadã Estadual (R$ 45,00/mês) e a Renda Ci-dadã Municipal (R$ 18,00/mês)4 , apenas 22% (50 do total de 228financiamentos) deste grupo foi contemplado de fato. Questiona-se, neste caso, o risco que tais programas de caráter assistencialistaoferecem a iniciativas mais sustentáveis tais como o microcrédito eo próprio Pró-Confecções.

Quanto às metas mais específicas do Programa, é interessante ob-servar que várias delas já foram inclusive superadas. É o caso do nú-mero de participantes dos cursos profissionalizantes em confecção.Até julho de 2002, aproximadamente 1923 pessoas já tinham partici-pado dos cursos técnicos organizados em parceria com o Senai, sendoa meta capacitar 300 pessoas/ano. Quanto à geração de emprego erenda, o Banco do Povo já financiou 228 contratos, gerando 309 em-

4 Este critério foiestabelecido porrepresentar, em

geral, os maisnecessitados e

excluídos domercado de

trabalho.

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11pregos e atingindo o montante de R$ 111 mil em financiamento dematéria-prima e R$ 94 mil em financiamento de máquinas industri-ais. O setor de confecções representa 39% do total de contratos, sendoque a meta era 150 empregos/ano, com 150 financiamentos/ano.

Além disso, a Cooperativa de Costura conta com 20 cooperados eo Centro Comercial, com 37 lojistas, que obtêm um faturamento men-sal médio de R$ 500,00. Quanto às 15 confecções que participaramdo Programa de Apoio à Competitividade das Micro e Pequenas In-dústrias, oferecido pelo Sebrae e pelo sistema CNI, o resultado foi oganho de produtividade e a diminuição do desperdício de matéria-prima e energia elétrica, tornando as empresas mais competitivas. “Ocurso estava bem dentro da nossa realidade”, observa “Fatinha”, daAnjo da Guarda Confecções, uma das participantes do Programa. “Atéa ordem das máquinas o professor mudou para diminuir o desperdí-cio de tempo”, conta. “A gente acha que já sabe tudo, mas esse cursome ensinou coisas que eu nunca imaginava.”

É marcante a inclusão do público feminino no Programa, o quecausa um impacto sobre relações de gênero. Nas ações de capacitaçãoprofissional do Senai, 84,2% dos participantes são mulheres e, incluin-do os cursos do Sebrae, 76,6%. Já quanto ao microcrédito, 91,2% dosfinanciados na área de confecção são mulheres.

Outros impactos do Programa, que fazem parte de suas metas, sópoderão ser mensurados no médio e no longo prazos, como o aumen-to da arrecadação tributária decorrente da formalização de empresasinformais, o aumento da competitividade das confecções devido aodesenvolvimento tecnológico e à implantação de programas de quali-dade e o desenvolvimento de um pólo confeccionista na região.

Dado o êxito das primeiras etapas do Programa, estava em nego-ciação com o Sebrae e com a Secretaria de Ciência e Tecnologia doEstado de Goiás (SECTEC) a implementação de mais um compo-nente do Pró-Confecções: uma Incubadora de Confecções. Espera-seque as empresas incubadas agreguem valor aos seus produtos e pro-cessos por meio do incremento de seu nível tecnológico.

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12 Oportunidades e desafiosO Programa Pró-Confecções é hoje uma realidade e pode se tornar

um exemplo de estratégia de geração de emprego e renda para outroscontextos, caso seja conduzido com seriedade e cautela, reconhecen-do-se seus pontos fortes, bem como suas fraquezas.

Oportunidades

O próprio potencial de replicabilidade do Programa é um aspectopositivo do Pró-Confecções. Da mesma forma que o setor confeccio-nista é uma vocação de Goianésia, outros municípios poderiam adap-tar o formato do Pró-Confecções para outros setores produtivos. Issose torna possível na medida em que a localidade tenha potenciais par-ceiros dispostos a oferecer sua estrutura, como no caso de Goianésia. Apresença de atores sociais dispostos a participar de um esforço como oPró-Confecções é precondição para que tal iniciativa se viabilize.

Outra oportunidade observada é o fato de a atividade ser promis-

sora e grande geradora de emprego e renda, uma vez que é compostapor empreendimentos não prejudiciais ao meio ambiente, constituin-do-se ainda em um grande mercado para a mão-de-obra feminina, vis-to que 80% das confecções são lideradas por mulheres.

Ainda em relação a esse aspecto, é interessante mencionar que amovimentação em torno do setor de confecções está transformando asrelações de gênero. São numerosos os casos de maridos que deixamseus empregos - como catadores de cana-de-açúcar, entre outros - paraajudar as esposas na confecção. As mulheres obtêm vantagens pessoaisdessa mudança, já que trabalham em casa e, assim, podem dividir asresponsabilidades familiares e profissionais com seus maridos.

O Programa também tem possibilitado maior proximidade entre apopulação de baixa renda e os agentes públicos, o que pode ser notadona relação de igualdade e confiança existente entre o Banco do Povo eseus financiados. A sede da instituição é vista pelos beneficiários comoum local onde podem entrar sem fazer cerimônia, tomar um cafezi-nho e discutir seus problemas de igual para igual. O mesmo ocorre emrelação aos demais parceiros, inclusive a Prefeitura. Os moradores domunicípio não hesitam em procurar o prefeito Otávio Lage de Siquei-

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13ra Filho, conhecido por todos como “Otavinho”, para discutir ques-tões relativas ao Programa ou outros assuntos referentes à administra-ção da cidade.

O fato de o Programa ter sido concebido sob a premissa da susten-tabilidade torna-o “propriedade” da própria população, e não da Pre-feitura ou de qualquer um dos parceiros envolvidos. Com isso, possi-bilita-se ao cidadão de Goianésia o exercício dos direitos de cidadaniaem todas as etapas do Pró-Confecções: ao obter crédito sem ser discri-minado, ao negociar a aquisição de equipamentos e matéria-primacom dignidade, ao ter condições de se desenvolver profissionalmentepor meio da capacitação e ao poder administrar seu próprio empreen-dimento de forma autônoma e dentro de um ambiente de cooperaçãoe ajuda mútuas.

“Estamos aqui na ‘ralação’”, diz Lúcia de Fátima Fonseca, organi-zadora das viagens a Brasília e Goiânia da Associação dos Confeccio-nistas de Goianésia. “Mas o bom é que todo mundo ‘rala’ junto”, acres-

centa. “Quando alguém briga no ônibus que leva o pessoal para ven-der suas roupas nas feiras de Brasília, tem logo que fazer as pazes antesde descer. Tá tudo muito bom, se melhorar estraga.”

Desafios

Apesar dos diversos pontos fortes do Programa Pró-Confecções, éimportante observar que há também uma série de desafios a seremenfrentados. Uma das dificuldades é a falta de cultura empreendedoraentre a camada mais pobre da população e a necessidade de se forma-rem lideranças para assumir a Associação e a Cooperativa. De modogeral, a população mais pobre se sente incapaz de aprender e se quali-ficar para o mercado de trabalho e, sobretudo, não tem auto-confiançapara se habilitar ao microcrédito. Isso pode ser comprovado pelo pe-queno número de beneficiários dos Programas de Renda Cidadã querecorrem ao Banco do Povo.

Quanto à liderança, ainda é difícil encontrar, dentre os cooperadose associados, alguém que esteja disposto a liderar todo o grupo e de teriniciativa. Tanto a Cooperativa como a Associação são ‘filhos’ que ogoverno municipal ajudou a criar e pretende emancipar, mas que ain-

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14 da não estão preparados para caminhar sozinhos. Estão sendo planeja-dos cursos de desenvolvimento de liderança para as duas entidades.Ao mesmo tempo em que se buscam líderes entre as pessoas que vi-vem a realidade dos confeccionistas, tais pessoas também precisam sededicar à sua atividade e dividir o tempo com a nova função – já que,em alguns casos, o cargo não é remunerado.

A inexistência de instrumentos de acompanhamento e avaliaçãoé também um obstáculo, principalmente porque a análise dos resul-tados deveria servir de referência para a adoção e incremento dasações, visando atender as necessidades específicas que naturalmentevão surgindo ao longo do tempo. O que se tem hoje em dia sãoresultados quantitativos do Programa, que, de certo modo, dificul-tam a distinção entre eficiência e eficácia das ações. É importanteque se desenvolvam instrumentos de medição que integrem resulta-dos quantitativos e qualitativos.

Como o Programa abrange toda a cadeia produtiva confeccionista,

um desafio que precisa ser considerado é a qualidade de sua influênciasobre toda a cadeia produtiva do setor, chegando até as tecelagens,fornecedoras da matéria-prima. Embora seja uma atividade que apa-rentemente não apresenta riscos ambientais, conforme a utilização dematéria-prima aumenta é importante estar atento quanto à idoneida-de e responsabilidade social desses fornecedores.

Fala-se muito em aumento da competitividade das confecções pormeio do desenvolvimento tecnológico e da implantação de programasde qualidade. No entanto, é importante também que se pense em umsalto de qualidade em termos de design do produto, que representamaior valor agregado e acesso a mercados consumidores mais sofisti-cados, sem, necessariamente, implicar em aumentos brutais nas quan-tidades produzidas.

Por fim, embora o Programa seja conduzido de modo a se tornarautônomo e independente de eventuais mudanças bruscas de gover-no, não se pode negar que atualmente a iniciativa ainda está fortemen-te associada à Prefeitura, e, sobretudo, à figura do prefeito. O governoatual é caracterizado por uma visão empresarial extremamente dinâ-mica, priorizando a capacitação dos cidadãos para que se apropriem

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15de seu próprio destino – prova disso é que 38,73% dos gastos orça-mentários do município em 2001 correspondem a despesas com edu-cação. O desafio, portanto, é conciliar proximidade e autonomia emrelação à coordenação do Programa.

O Programa Pró-Confecções representa um importante passo parao combate à concentração de renda – problema comum encontradopelo Brasil afora, e fortemente presente do município de Goianésia.Na medida em que o programa é desenvolvido em uma região marca-da por poucos grandes empresários e proprietários de terra, a tendên-cia é que o número de micro e pequenos empreendedores aumente ea enorme quantidade de assalariados, principalmente provenientes docorte da cana-de-açúcar, diminua. Tudo isso é promovido por meio deuma estratégia participativa desenvolvida conjuntamente entre governolocal, iniciativa privada, organizações da sociedade civil e o própriopúblico-alvo – a população de baixa renda.

- Prefeitura Municipal de Goianésia (2002). Apoio à Criação e Implantação deIncubadora de Confecções de Goianésia . Goianésia.

- Prefeitura Municipal de Goianésia (2001). Guia Goianésia. Goianésia.

- Prefeitura Municipal de Goianésia (2002). Goianésia em Ação. Ano II Número 03.Goianésia.

Documentos examinados

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Versão em formato PDF

ProgramaEscola Pantaneira

finalistas do ciclo depremiação 2002

Fatima Elisabete Pereira Thimoteo

Programa Gestão Pública e Cidadania

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20 Experiências de Gestão Pública e Cidadania/Organizadores: Gabriela Spanghero Lotta, Hélio Batista Barboza,Marco Antonio Carvalho Teixeira e Verena Pinto. São Paulo: ProgramaGestão Pública e Cidadania, 2003272 p.

Inclui bibliografia.

1. Políticas públicas – Brasil. 2. Administração pública – Brasil.I. Lotta, Gabriela Spanghero. II. Barboza, Hélio Batista. III. Teixeira, MarcoAntonio Carvalho. IV. Pinto, Verena. V. Programa Gestão Pública eCidadania.

CDD-352

Originalmente publicado em:20 Experiências de Gestão Pública e Cidadania

Gabriela Spanghero Lotta, Hélio Batista Barboza,Marco Antonio Carvalho Teixeira e Verena Pinto (orgs.)

Copyright © Gabriela Spanghero Lotta, Hélio Batista Barboza,Marco Antonio Carvalho Teixeira e Verena Pinto

Direitos da edição reservados aoPrograma Gestão Pública e CidadaniaAv. 9 de Julho, 2029 – 2º andar da Biblioteca01313-902 – São Paulo – SPTel: (11) 3281-7904 / 3281-7905Fax: (11) 287-5095E-mail: [email protected]://inovando.fgvsp.br

Impresso no Brasil / Printed in Brazil

Todos os direitos reservados. A reprodução não autorizada destapublicação, no todo ou em parte, constitui violação da lei dedireitos autorais.

1ª edição – 2003

Capa/editoração: Liria OkodaImpressão: Gráfica Dedone

Versão gráfica em formato PDF: Liria Okoda

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“Todo mundo fala que a Amazônia é o pulmão do mundo. Distoeu estou convicto, mas tenho certeza que o Pantanal é o coração”. Adeclaração de João Ildefonso Murano, proprietário da fazenda São José,em Aquidauana (MS), revela a valorização, pela comunidade local, doPantanal e de sua significação para a biodiversidade.

No Pantanal, o ciclo das águas determina a vida de seres huma-nos, animais e plantas. Na época da seca, de maio a outubro, a paisa-gem se apresenta coberta de verde, rios, vazantes, e baías. Aves mi-gratórias, onças pintadas, jacarés e capivaras podem ser vistos pelasestradas pantaneiras. Na estação da cheia, que se estende de novem-bro a abril, os rios da região alagam grande parte dos campos e trans-formam a planície em um imenso mar de água doce, beneficiando asespécies aquáticas.

Consciente de que as enchentes e secas são responsáveis pela ri-queza e pela vida no Pantanal, o pantaneiro sabe que deve adaptar o

Fatima Elisabete Pereira Thimoteo1

ProgramaEscola PantaneiraAQUIDAUANA (MS)

1 Pedagoga e mestraem AdministraçãoPública e Governopela FGV-EAESP .

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4 seu ritmo às condições impostas pela natureza. No período das cheias,o transporte se torna ainda mais difícil e em muitas áreas do Pantanalsó se pode chegar de barco. Diante dessa realidade, surgiu a questão decomo garantir aos meninos e meninas que vivem em fazendas distan-tes o acesso e a permanência na escola?

Para solucionar esse problema, a partir de 1998, a Prefeitura deAquidauana, por meio da Secretaria de Educação, uniu-se aos fazen-deiros da região e, posteriormente, ao WWF – Brasil2 , em uma parce-ria que resultou na criação e implementação da Escola Pantaneira.

Adequada à realidade local, a Escola tem, como pilares, um calen-dário diferenciado, que respeita o ciclo das águas no Pantanal, e umcurrículo diversificado, que objetiva resgatar a arte e a cultura locais.

Pantanal: o contexto do mar de Xaraés3

Para se ter a exata dimensão dos resultados alcançados, da adequa-

ção à realidade local e da efetividade do Programa, é necessário com-preender o contexto em que este se desenvolve, destacando-se as con-dições geográficas, na medida em que elas exercem enorme impactona vida das comunidades pantaneiras.

O Pantanal compreende uma imensa planície alagável de quase170 mil km² localizados no Brasil, Bolívia e Paraguai. Em terras brasi-leiras concentram-se 80% deste ecossistema (138.183 Km²), nos esta-dos do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.

Segundo o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos RecursosNaturais Renováveis (Ibama), a localização geográfica do Pantanal éparticularmente relevante por se caracterizar como um elo de ligaçãoentre o Cerrado, no Brasil Central, o Chaco, na Bolívia, e a regiãoAmazônica, ao Norte, apresentando elementos desses váriosecossistemas. Na paisagem, a imensa planície apresenta leves ondula-ções, sendo rica em depressões rasas e com limites demarcados porvariados sistemas de elevações, como chapadas, serras e maciços.

O pantanal é reconhecido como uma das mais exuberantes e di-versificadas reservas naturais do planeta.4 Além de rica flora, apresen-ta variadas espécies de savanas, cerrados, campos de matas e pastagens

2 O WWF - Brasil éuma organização

não-governamentalbrasileira ligada à

WWF Internacional,cuja missão é

preservar abiodiversidade,

promover o usosustentável dos

recursos naturais ecombater a poluição

e o desperdício.

3 As fontes dasinformações citadas

são: http://www.riosvivos.org.br;

http://www.mre.gov.br/

ndsg/textos/pantan-p.htm; http://

www.electronicartworker.com/pantanal; http://

www.guianatura.com.br/pantanal/textos/

pan_texto_07.html ehttp://

www.brazilnature.com/pantanal/

4 Em novembro de2000, a Unesco

declarou o P antanalcomo reserva da

biosfera. A áreacorresponde a 250

mil km² e engloba asprincipais unidadesde conservação, o

entorno das unidadese as nascentes dos

principais rios.

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5naturais. O Pantanal concentra a maior densidade faunística das Amé-ricas, em razão das condições que apresenta para a reprodução animal.Nos seus rios, terras e céus distribuem-se mais de 230 espécies de pei-xes, 80 de mamíferos e 50 de répteis. Na região já foram catalogadasmais de 650 espécies de aves aquáticas. Por apresentar tamanha diver-sidade, é possível caracterizar onze sub-regiões5 , ou pantanais, cadaum com suas características próprias de flora, fauna e aspectos físicos.

Esse complexo patrimônio ecológico é regido pelo signo das águas.Todo o conjunto dos pantanais faz parte da bacia do Alto Paraguai.Seu principal escoadouro é o Rio Paraguai, que tem como mais impor-tantes afluentes: na margem direita, os rios Jauru, Cabaçal e Sepotubae Negro e, na margem esquerda, o Cuiabá (com seus afluentes SãoLourenço e Piquiri), o Taquari, o Miranda (com seu afluente Aqui-dauana) e o Apa.

A baixa declividade desses rios dificulta o escoamento das águasda chuva e dos rios que nascem no planalto e, por esse motivo, quase

metade da área do Pantanal é alagada na época das cheias. A paisagemque se forma faz com que o Pantanal seja lembrado nas lendas indíge-nas como um grande lago cheio de ilhas, o “mar de Xaraés”.

Ao saírem dos seus leitos, os rios inundam grandes áreas e for-mam uma rede de lagoas, baías e baixadas alagadas, interligadas peloscorixos. Só escapam à inundação as cordilheiras e algumas ilhas6 . Umagrande quantidade de matéria orgânica é levada pela correnteza a gran-des distâncias e, durante a vazante, os detritos depositados nas mar-gens e praias de rios e lagoas fertilizam o solo, no qual brota a pasta-gem natural que alimenta o gado. Na seca, as aves migratórias, em seuciclo de reprodução, são atraídas pelos peixes concentrados nas baíasque permanecem inundadas, formando ali seus ninhos e viveiros.

Assim como a vida, a economia do Pantanal se relaciona ao ciclodas águas. Associada aos fatores ambientais, a principal atividade eco-nômica da região é a pecuária bovina de corte. Praticada de formaextensiva, o sistema de criação abrange a cria e a recria, com poucasdivisões nas pastagens e quase nenhum manejo. Apenas as grandespropriedades7 são economicamente viáveis, visto que os rebanhos têmque ser levados para as áreas secas, na época de intensa inundação. A

5 As onze regiõescatalogadas peloPlano deConservação daBacia do AltoParaguai são:Pantanal de Barão deMelgaço; doParaguai; do Taquari;do Poconé; deCáceres; doPaiaguás/Nhecolândia; doAquidauana; doAbrobral/Negro; doMiranda; doNabileque e de PortoMurtinho.

6 Há uma grandevariedade de termosusados pelopantaneiro paradescrever aspeculiaridades dageografia local, porexemplo: baías sãolagoas temporáriasou permanentes detamanho variado, queapresentam muitasespécies de plantasaquáticas; salinas sãoas baías de águasalgada que resultamda concentração desais minerais no solo,após a evaporação; otermo corixo designao canal por onde aságuas das lagoas,dos brejos ou doscampos baixosescoam para os riosvizinhos e ascordilheiras sãopequenas faixas deterreno não inundável(1 a 3 metros acimado relevo da área)com vegetação decerrado, cerradão oumata.

7 Quase 20% daspropriedades têmacima de milhectares.

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6 pecuária extensiva é a atividade mais compatível com a preservação doPantanal, pois o principal alimento para o gado é a pastagem nativa, oque não interfere no equilíbrio ecológico da região.

O solo da planície, em geral alagável e de baixa fertilidade, apre-senta limitações à lavoura, fazendo com que a agricultura seja poucodesenvolvida e se resuma à modalidade de subsistência nas fazendas.Nos planaltos, apesar das limitações quanto à fertilidade, topografiaou escassez de água, existem situações favoráveis à agricultura. As re-servas minerais também trazem divisas para a região, sendo explora-dos o ferro, o manganês e o calcário no Pantanal sul e o ouro no Panta-nal norte.

Apesar de ser a atividade mais antiga do Pantanal, é recente oincentivo à pesca, que vem se destacando como atividade econômi-ca, com a comercialização de algumas espécies. A atividade turísticacresceu na última década, incrementando a infra-estrutura e aperfei-çoando os serviços relacionados ao Turismo Ecológico, Rural e à Pes-

ca Esportiva.A ocupação das margens dos rios por garimpos, as queimadas, o

desmatamento feito por fazendas de grãos e a utilização de agrotóxicosnas lavouras, entre outros, têm provocado graves danos aos rios da re-gião, como o assoreamento e a poluição das águas. Outra ameaça àregião surgiu a partir da diminuição da rentabilidade da pecuária ex-tensiva, que fez com que fazendeiros vendessem ou arrendassem asterras. Além do êxodo rural, a medida provocou a substituição dos tra-balhadores locais por pessoas de outras regiões.

Entretanto, integrar-se à realidade pantaneira e saber convivercom suas adversidades não é tarefa comum. O pantaneiro herdou aagilidade física e o respeito à natureza dos primitivos habitantes, osGuaranis, Paiaguás e Guatós. Assim, a natureza permaneceu pratica-mente inalterada mesmo depois de 200 anos de ocupação e explora-ção econômica.

O difícil acesso às fazendas, as grandes distâncias entre elas ouentre a sede e o retiro obrigaram-no a habituar-se à solidão e ao isola-mento. A cooperação se manifesta no manejo tradicional do gado ounas festividades típicas entre as fazendas. Seus principais meios de trans-

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7porte são o cavalo pantaneiro, que resiste ao trabalho dentro d’água, eas embarcações de tamanhos e tipos diferentes. O pantaneiro é va-queiro, caçador, pescador e canoeiro. O zelo por sua independênciapode causar atrito com o patrão e levar ao rodízio do peão por outrasfazendas. Contudo, ele mantém o respeito e o apego à sua terra.

Aquidauana: portal do Pantanal sulAquidauana ou “lugar das araras grandes”, em tupi-guarani, é a

porta de entrada para o Pantanal sul mato-grossense. Fundada peloMajor Teodoro Rondon em 15 de agosto de 1892, a vila foi elevada amunicípio em 1906.

Localizada à margem direita do Rio Aquidauana, a cidade fica a130 km da capital, Campo Grande. A área territorial do município éde 16.958,50 km2, sendo 70% localizada na sub-região do Pantanalde Aquidauana.

De acordo com o Censo do IBGE (2000), a população do municí-pio é de 43.440 habitantes, sendo apenas 9.624 (22,15%) residentes naárea rural. Além da sede, com 35.869 habitantes, o município possuiquatro distritos: Piraputanga (745 hab.), Camisão (902 hab.),Cipolândia (913 hab.) e Taunay (5011 hab). Neste último distrito selocalizam várias aldeias indígenas da nação Terena.8

Uma estimativa de 1997 indicava que estavam fora da escola13,17% da população em idade escolar, o que equivale a dizer que 958crianças e adolescentes estavam excluídos do sistema de ensino. Peloscálculos da Secretaria de Educação, pelo menos 50% deles residiamnas fazendas do pantanal, o que dificultava seu acesso à escola.

Para os pais de crianças de 7 a 14 anos que vivem nas fazendas, amanutenção dos filhos na escola implicava desagregação familiar: quan-do possível, as esposas e os filhos tinham que morar na cidade paragarantir a escolaridade das crianças, mas os peões tinham que perma-necer nas fazendas para garantir o sustento da família.

Em 1998, os trabalhadores da Fazenda Campo Novo procuraramo proprietário, reivindicando a implantação de uma escola no local, afim de que pudessem permanecer com suas famílias. Ao levar a rei-

8 O municípiomantém um projetoespecífico deescolarizaçãoindígena chamadoRaízes do Saber. Noano de 2002, as cincoescolas e trêsnúcleos atendiam1354 alunos deEnsino Fundamentale 111 alunos deEducação Infantil.

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8 vindicação dos trabalhadores ao poder público, o fazendeiro ofereceuuma área da fazenda para a instalação da escola.

Dessa forma, iniciava-se uma parceria que fez surgir no municípiode Aquidauana um programa de educação com o objetivo deuniversalizar o atendimento no ensino fundamental, garantindo o aces-so de crianças e adolescentes à escola obrigatória e melhorando as con-dições de vida e bem-estar dos trabalhadores e suas famílias.

Escola Pantaneira: adequaçãoàs realidades do Pantanal

Em consonância com as diretrizes para a educação rural,estabelecidas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, aEscola Pantaneira foi concebida pela Secretaria de Educação, Culturae Esporte de Aquidauana, tendo como pilares:

I. uma organização escolar própria com oito horas diárias de aula e

ano letivo com seis meses de duração, respeitando o ciclo das águas eII. uma proposta de conteúdos curriculares e metodologias apro-

priadas às necessidades e interesses dos alunos do Pantanal, que alémde adequar-se à natureza do trabalho na região levasse ao resgate daarte e da cultura locais.

Com a aprovação do Conselho Estadual de Educação, a EscolaPantaneira iniciou suas atividades em abril de 1998 com três núcleosinstalados: Fazenda Campo Novo, Fazenda Querência e FazendaTabôco. A implantação dos outros sete núcleos foi gradativa, nas fa-zendas São José, Porto Novo, São Roque e Baía das Pedras em 1999; oNúcleo da Fazenda Tupaceretã em 2000 e, finalmente, as FazendasIguaçu e Santana, em 2001.

A Lei Municipal nº 1730 criou oficialmente a Escola Pantaneira nacidade de Aquidauana em 2000. A aprovação da Lei pela CâmaraMunicipal refletiu o apoio político ao Programa, além de constituiruma garantia institucional à sua continuidade independentemente dasalterações na gestão municipal.

Em 2002 a Escola já funcionava em dez núcleos, incluindo o nú-cleo-sede na Fazenda Tabôco. O quadro de pessoal inclui 19 professo-

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9res, 11 auxiliares e uma diretora de ensino.As dificuldades impostas pelas distâncias e pelas condições das

estradas no interior do Pantanal obrigaram à revisão da idéia original,na medida em que a instalação dos núcleos nas fazendas e a organiza-ção da jornada de oito horas não puderam superar as dificuldades como transporte dos alunos.

A distância de Aquidauana para as fazendas no interior do Panta-nal varia de 50 km (São José) a 220 km (Baía das Pedras), o que fazcom que os percursos realizados com transporte terrestre em estradasde terra, com precárias condições, tenham longas durações. Além dis-so, como muitas fazendas ficam distantes até 30 km do ponto ondepassa o transporte escolar, a ida à escola começa com um percurso acavalo ou de trator, da residência até a porteira principal, na rodovia.

Por isso, mesmo não sendo parte da idéia original, o regime deinternato ou semi-internato se tornou uma opção para a permanênciadas crianças diante das condições adversas. A adoção desse regime fez

com que, além de ensinar, os professores assumissem umamultiplicidade de papéis, na medida em que muitos alunos passarama ficar alojados nos núcleos sob os seus cuidados, em tempo integral.

As atividades começam às 7 horas. Após o café e os cuidados coma horta, a manhã é dedicada ao trabalho didático sistemático com asdisciplinas do currículo. Depois do almoço, predominam atividadeslúdicas, recreação, jogos, passeios, teatro, histórias, música, filmes, ar-tesanato, etc. Há também um tempo destinado ao reforço escolar. Ascrianças em regime de internato cumprem uma escala de ajuda aosauxiliares da escola nos serviços de limpeza da cozinha e dos banhei-ros e na distribuição das refeições. Os cuidados com os objetos pesso-ais, roupas e camas são responsabilidade das crianças.

Quanto ao conteúdo curricular, são trabalhados os conhecimen-tos sistematizados nas disciplinas da base comum, entre elas Portu-guês, Matemática, Ciências Naturais, História e Geografia, Arte eEducação Física. Na parte diversificada9 , a escola trabalha com arealidade específica do Pantanal e com a educação ambiental. As-sim, por exemplo, as crianças aprendem sobre a vida da fauna e daflora regional, conhecem o trabalho no campo, sua importância, seus

9 A língua inglesa é alíngua estrangeiraque compõe a partediversificada da gradecurricular. A disciplinaé trabalhada desde o1º Ano do EnsinoFundamental (1ªsérie)

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10 instrumentos, sua rotina, etc. Um diferencial do ensino é justamentepoder aproveitar as práticas rurais, como a ordenha da vaca, a vacina-ção de animais, o cultivo de verduras, plantas medicinais e mudas, aprodução de queijo e sabão, etc. As questões ambientais são traba-lhadas como temas geradores ou projetos para os quais concorrem osconteúdos sistematizados. Além da horta, os núcleos trabalham tam-bém a coleta seletiva do lixo, devido ao impacto ambiental provoca-do pelo mesmo, aproveitando os recursos obtidos com a venda para aaquisição de materiais.

O trabalho é desenvolvido com o objetivo que os alunos atribuamsignificado ao que aprendem sobre a questão ambiental, o que só podeocorrer na medida em que relacionem o aprendizado à realidade coti-diana, sobre a qual devem refletir. O que se busca é que o aluno possautilizar o conhecimento sobre o seu meio para compreender a sua rea-lidade e atuar sobre ela.

Uma idéia, vários parceirosA parceria realizada com os proprietários de fazendas tem funda-

mental importância para o Programa. Além da participação nas ativi-dades do núcleo e na sua organização, os proprietários comparecemàs reuniões bimestrais convocadas pela Secretaria, e contribuem comrecursos materiais e financeiros, como cessão de instalações para asaulas, alimentação e higiene; cessão de instalações para a acomoda-ção do(s) professor(es) e alunos em regime de internato; doação degêneros alimentícios para a complementação da merenda (ovos, car-ne e leite).

A articulação entre os fazendeiros culminou com a organização deuma associação para representar a escola, a Associação de Parceiros,Pais e Professores da Escola Pantaneira (APPPEP). Sob a presidênciade um dos proprietários, a APPPEP estabeleceu contatos com entida-des ligadas à conservação ambiental, conquistando o apoio de duasimportantes organizações, que mantêm projetos específicos para o Pan-tanal: o WWF-Brasil e a CI – Conservation International – Brasil.10

Em 1999, os técnicos do WWF – Brasil conheceram a proposta da

10 Informaçõessobre os programas:

“P antanal parasempre” da WWF –

Brasil no sitehttp://

www.wwf.org.br;“Conservação do

EcossistemaPantaneiro”, da CI-

Brasil, no sitehttp://

www.conservation.org.br/proj/index.html.

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11escola por meio de alguns fazendeiros e identificaram a possibilidadede fazer uma parceria importante para a conservação do Pantanal. Ademanda apresentada pela Secretaria à entidade se referia à capacitaçãodos professores, no intuito de garantir a qualidade no ensino.

A idéia era aproveitar as condições naturais, capacitando os pro-fessores a conceber o próprio Pantanal como uma grande escola. As-sim, conscientes de que o Pantanal tem sua cultura própria e umaforma de vida diferente, eles poderiam ensinar as crianças a valorizar ea preservar as riquezas que lá existem. Por sua vez, a manutenção dosprofissionais capacitados no Programa foi a única condição negociadapela entidade com a Secretaria. Para a ONG, as metas quanto ao Pro-grama são: consolidar a identidade da Escola Pantaneira; realizar in-tercâmbios com escolas com características semelhantes; despertar ospais e as comunidades rurais para a importância dessa escola e concre-tizar parcerias com os diversos atores em uma esfera institucional, tra-balhando com clareza o papel de cada um.

Iniciado em dezembro de 1999, o processo de formação tem ocor-rido por meio de oficinas, envolvendo os professores, auxiliares e téc-nicos da Secretaria. Os sete encontros já realizados enfocaram a auto-estima dos professores; a construção do grupo e habilidades sociais; oresgate da arte e da cultura locais; a relação entre educação ambientale Escola Pantaneira; o fortalecimento da relação entre professor e co-munidade escolar; a sistematização e o registro das experiências; o forta-lecimento da identidade pantaneira; o aprimoramento do projeto pe-dagógico; as metodologias de intervenção comunitária; e o manejoagropecuário e artesanato em couro.

Além da doação de livros para a biblioteca da Escola e da distribui-ção aos professores dos Cadernos de Educação Ambiental11 , destaca-se a realização da exposição “Escola Pantaneira: Resgatando a CulturaLocal”, com o objetivo de divulgar à população da cidade a vivência eo conhecimento produzidos pelo Programa.

Mais recentemente, a parceria com a CI – Brasil resultou na doa-ção de aparelhos de vídeo e televisão para todos os núcleos e de umcomputador para as tarefas administrativas.

A parceria com a Universidade Federal do Mato Grosso do Sul

11 Esse material foiproduzido pelo WWFem parceria com oInstituto Ecoar para aCidadania a partir deexperiências deeducação ambientalefetivadas noPantanal. O material écomposto de um livrotexto e um guia deatividades paraalunos.

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12 (UFMS) se refere à assistência médica aos alunos (pediatria, oftalmo-logia, ortopedia e cardiologia), por meio do projeto “UFMS vai à esco-la”; além de formação em nível superior para os docentes; orientaçãotécnica para a sistematização do Projeto Político-Pedagógico da EscolaPantaneira; avaliação do currículo proposto; e a elaboração do Regi-mento Escolar.

Um aspecto fundamental é o compromisso dos professores e auxi-liares que trabalham na Escola, compartilhando os valores e princípiosnorteadores do Programa.

Para a manutenção do Programa, os dados da Secretaria indicamque são investidos R$ 285 mil por ano para custear despesas com pes-soal; material didático e pedagógico; transporte escolar e alimentação.Desse valor, 60% são recursos próprios do município; 30% são recursosdo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamen-tal e Valorização do Magistério (Fundef); 5% são recursos do Ministé-rio da Educação (por meio do Fundo Nacional para o Desenvolvimen-

to da Educação (FNDE) e 5% dos fazendeiros. Por esses dados, o cus-to médio por aluno é de R$ 934,43, superando o valor estimado peloFundef para o custo/aluno no estado, que é de R$ 664,30 (1ª a 4ª séri-es) e R$ 697,51 (5ª a 8ª séries).

Entre os itens discriminados pela Secretaria, observa-se que só como transporte escolar está prevista uma despesa de R$ 30 mil. Emboranão incluído na quantia apresentada, o custo médio da capacitação éestimado em R$ 5 mil anuais por professor, segundo as informações doWWF-Brasil.

Principais avanços e resultadosPode-se dizer que há um forte impacto do Programa na auto-esti-

ma dos envolvidos: alunos alfabetizados, participantes, pais e fazen-deiros orgulhosos e professores valorizados.

O investimento na qualificação docente produz efeitos importan-tes para o seu desenvolvimento pessoal e profissional, com conseqüên-cias positivas para a aprendizagem dos alunos. Dos 19 professores queatuam na Escola, 11 têm formação superior completa e oito professo-

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13res estão matriculados no curso de pedagogia.Quanto à capacitação continuada, os resultados para a prática de

sala de aula foram considerados, pelos professores, como muitosatisfatórios. Ainda que submetido a um regime de contrato temporá-rio de serviço, a estabilidade do quadro docente no Programa é funda-mental para sua implementação, na medida em que fortalece o grupoe garante a continuidade do processo. Além disso, a formação contí-nua não se restringiu aos docentes, sendo também capacitados osmotoristas para o trabalho com as crianças.

A divulgação do trabalho desenvolvido na Escola é realizada emencontros e seminários promovidos pelo WWF com educadores deoutros “pantanais” e se torna importante para a consolidação da iden-tidade da Escola, para a socialização das experiências e para o seuenriquecimento.

Com relação ao desempenho escolar, os dados analisados indicama melhoria dos índices de aprovação dos alunos, que passaram de

57,35% em 98 para 90,41% em 2000, com ligeira queda para 85,03%em 2001. Entretanto, pode-se argumentar que a elevação dos índicesde aprovação está relacionada à organização em ciclos de aprendiza-gem.12 Ainda, a inserção das crianças em escolas da cidade e seu bomdesempenho têm sido acompanhados pelos professores da EscolaPantaneira com orgulho.

Merece destaque a redução nos índices de transferências e desis-tências. No ano da implantação, os pedidos de transferência totalizaram29,41% do total de matrículas. Em 2001, o índice de solicitações foi deapenas 7,87%. As desistências passaram de 5,88% em 1998 para 1,18%em 2001. Para a Secretaria, os dados confirmam a declaração dos pro-prietários quanto à maior estabilidade dos trabalhadores e trabalhado-ras nas fazendas, após a implantação da Escola. Além da escolaridadedas crianças, homens e mulheres mantêm seus empregos nas fazendase permanecem na zona rural.

Nos cinco anos de funcionamento, a Escola ampliou em 450% oseu atendimento, sendo a ampliação de três para dez núcleos um fatordeterminante. Iniciando com 68 alunos matriculados em três núcleos,nos anos seguintes à implantação foram registrados: 142 alunos em

12 A organização emciclos deaprendizagem ousistema deprogressãocontinuada não prevêa retenção dosalunos anualmente,porque se baseia naconcepção de que aaprendizagem é umprocesso que seefetiva em ritmosdiferentes e que podeultrapassar o períodoletivo anual. Portanto,a retenção, senecessária, só ocorreao final do ciclo.

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14 1999; 167 alunos em 2000, 254 alunos em 2001 e 305 alunos em 2002.A implantação gradativa do segundo ciclo (5ª a 8ª séries) é mais

um ponto positivo para o Programa. Embora sua operacionalizaçãoseja mais complexa por exigir um número maior de professores (es-pecialistas por disciplina para cada turma), atualmente estão em fun-cionamento turmas de 5º e 6ª séries em dois núcleos, com 34 alunosmatriculados.

A grande defasagem entre a idade do aluno e a série cursada retra-ta a dramática situação provocada pela falta de condições de acesso epermanência na escola, que o Programa visa eliminar - nos dados dematrícula, observam-se adolescentes ingressando na primeira série comaté 17 anos. Do total de matrículas na Escola, quase 10% dos alunostêm mais de 15 anos de idade e os índices de matrícula com idadedefasada variam de 42% a 83%, registrando-se 56% para as 4ªs e 83%para as 5ªs séries. Tais números parecem indicar que o abandono dosque ingressavam na escola ocorria após a alfabetização.

Embora os dados disponíveis na Secretaria indiquem que aindanão se conseguiu universalizar o atendimento às crianças que residemno Pantanal, a realidade apresentada faz crer que o principal mérito doPrograma é a inclusão de 63,67% delas no sistema educacional.

As limitações e as propostasUma das limitações se dá no fato de as turmas de 1ª à 4ª série

serem multisseriadas, o que representa um desafio maior ao trabalhodo professor. Os instrumentos metodológicos aprendidos nos cursosde capacitação ajudam na tarefa de ensinar, pois permitem que o mes-mo tema seja trabalhado com todas as crianças, adequando-se o con-teúdo ao potencial de cada aluno. Mesmo assim, os professores obser-vam que a subdivisão em duas etapas – 1ª e 2ª séries e 3ª e 4ª – poderiamelhorar a aprendizagem.

As dificuldades com o transporte representam um problema paraalunos e professores. As condições das estradas são responsabilidadede outras esferas de governo e, além dos custos, o impacto ambientalde qualquer intervenção deve ser analisado. Para os alunos, por exem-

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15plo, a jornada torna-se muito longa, na medida em que às 8 horas deaulas acrescenta-se o tempo total do percurso de ida e volta. Uma so-lução possível seria a instalação de outros núcleos mais próximos aosalunos. Tal medida, no entanto, depende do recenseamento de crian-ças em idade escolar nas fazendas da região.

Outra dificuldade é a distância dos núcleos à cidade. Segundo osprofessores, seria importante a ida semanal à cidade. Eles avaliam quea completa inserção no ambiente escolar por até três meses pode serprejudicial ao seu desempenho. Tal problema é ainda mais grave nosnúcleos mais distantes e nos menores, onde não há a possibilidade derevezamento com os colegas.

A insuficiência de recursos para universalizar o ensino fundamen-tal e infantil é outro fator limitante. A universalização almejada estáatualmente restrita ao ensino fundamental regular. Entretanto, cabeao poder público garantir não só o atendimento aos jovens e adultosque não cursaram o ensino fundamental na idade oportuna, mas tam-

bém o atendimento à educação infantil. No caso dos adultos, outradificuldade é compatibilizar os horários das aulas com as atividadesdo campo.

A participação dos pais também é referenciada pelos docentes dasfazendas mais distantes, especialmente em relação aos alunos do in-ternato. No entanto, as condições locais justificam uma participaçãomais restrita. Uma iniciativa na Fazenda Campo Novo tem sidoimplementada com o objetivo de envolver a comunidade na escola.Toda segunda-feira as mães acompanham os filhos à escola e, às sex-tas-feiras, elas vêm buscá-los mais cedo. Nesses encontros, elas partici-pam de atividades na escola, envolvendo trabalhos manuais, artesana-to, culinária ou tarefas escolares.

As condições das instalações físicas e a falta de recursos materiaissão também limitações apontadas pelos professores de alguns núcleosvisitados. Assim como em outros aspectos, a diferenciação entre asfazendas pode ser facilmente observada.

Por último, devem ser consideradas como propostas da Secretariaa ampliação do acesso ao ensino regular e a continuidade da implanta-ção do segundo ciclo; a ampliação do atendimento para jovens e adul-

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16 tos; a melhoria das instalações físicas da escola por meio de reformas ea construção de núcleos em terrenos doados pelos proprietários; alémda criação do Sistema Municipal de Ensino.

ConclusãoNa Escola Pantaneira, o trabalho transcende as salas de aula. As-

sim, “O Pantanal é a escola”. A educação ambiental, como desenvolvi-da na Escola, trabalha a valorização dos recursos naturais e da culturalocal, buscando criar uma consciência quanto à preservação do ambi-ente, para que futuras gerações também tenham o privilégio de usu-fruir dele.

A valorização, aliás, é um princípio neste Programa. Valoriza-se afamília, o trabalho e a educação das crianças. Pais, professores, fazen-deiros e outros parceiros se unem ao poder público e, comprometidoscom a preservação dos recursos naturais, com o desenvolvimento sus-

tentável e com a cidadania, participam e se co-responsabilizam pelaeducação das meninas e meninos pantaneiros.

Nas palavras da menina Thais, ex-aluna da fazenda Querência: “AEscola Pantaneira é uma conquista para nós daqui do Pantanal, e nóstemos que dar valor por isso que nós temos aqui.” Sua mãe se envol-veu como professora leiga desde o início do Programa, Atualmente, aprofessora Ivanete cursa Pedagogia. Ela afirma que o reconhecimentoda importância do seu trabalho para a sua comunidade tem sido moti-vo de grande alegria.

No seio desse impressionante ecossistema, ao percorrer estradasde terra, não é difícil reconhecer que se está próximo de um dos núcle-os. Na porteira principal, pode-se ler a seguinte inscrição: “Esta fazen-da mantém uma Escola Pantaneira”.

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Versão em formato PDF

Programa ComissãoPerinatal de

Belo Horizonte

finalistas do ciclo depremiação 2002

Programa Gestão Pública e Cidadania

Dora Porto

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20 Experiências de Gestão Pública e Cidadania/Organizadores: Gabriela Spanghero Lotta, Hélio Batista Barboza,Marco Antonio Carvalho Teixeira e Verena Pinto. São Paulo: ProgramaGestão Pública e Cidadania, 2003272 p.

Inclui bibliografia.

1. Políticas públicas – Brasil. 2. Administração pública – Brasil.I. Lotta, Gabriela Spanghero. II. Barboza, Hélio Batista. III. Teixeira, MarcoAntonio Carvalho. IV. Pinto, Verena. V. Programa Gestão Pública eCidadania.

CDD-352

Originalmente publicado em:20 Experiências de Gestão Pública e Cidadania

Gabriela Spanghero Lotta, Hélio Batista Barboza,Marco Antonio Carvalho Teixeira e Verena Pinto (orgs.)

Copyright © Gabriela Spanghero Lotta, Hélio Batista Barboza,Marco Antonio Carvalho Teixeira e Verena Pinto

Direitos da edição reservados aoPrograma Gestão Pública e CidadaniaAv. 9 de Julho, 2029 – 2º andar da Biblioteca01313-902 – São Paulo – SPTel: (11) 3281-7904 / 3281-7905Fax: (11) 287-5095E-mail: [email protected]://inovando.fgvsp.br

Impresso no Brasil / Printed in Brazil

Todos os direitos reservados. A reprodução não autorizada destapublicação, no todo ou em parte, constitui violação da lei dedireitos autorais.

1ª edição – 2003

Capa/editoração: Liria OkodaImpressão: Gráfica Dedone

Versão gráfica em formato PDF: Liria Okoda

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Os primeiros passosA Comissão Perinatal de Belo Horizonte para Redução da Morta-

lidade Materna, Infantil e Perinatal implementa, desde 1993, práticasque promovam a melhoria da qualidade do atendimento e a reduçãoda mortalidade de mulheres e recém-nascidos. Atendendo tanto a po-pulação residente na cidade quanto a que vive em sua área deabrangência – 39 municípios próximos e outros 476 pactuados – osserviços de saúde de Belo Horizonte realizam aproximadamente 30mil partos anuais.

A preocupação com a grande quantidade de mortes evitáveis nociclo gravídico-puerperal e na primeira fase de vida da criança deter-minou que fosse instituída, em 1993, uma Comissão, composta porrepresentantes de diversas áreas da Secretaria Municipal e da socieda-de civil organizada, para estabelecer parâmetros de atendimento quepudessem reverter o quadro inquietante. As medidas adotadas naque-la época procuravam garantir a assistência adequada à gestante e ao

Programa ComissãoPerinatal de Belo HorizonteBELO HORIZONTE (MG)

Dora Porto 1

1 Pesquisadora doNúcleo de Estudos ePesquisas sobre aMulher daUniversidade deBrasília (Nepem –UnB).

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4 bebê, aumentando a capacidade instalada da rede para melhorar oatendimento, do pré-natal ao pós-parto.

Para alcançar esse objetivo foram tomadas, ainda naquele ano, al-gumas medidas em relação ao acesso a serviços de pré-natal. O acom-panhamento passou a ser feito em todos os 130 postos de saúde, faci-litando o ingresso da gestante e diminuindo a necessidade de se deslo-car para conseguir atendimento.

O agendamento das consultas foi outra providência, visando ga-rantir a continuidade da atenção durante toda a gravidez. Evitandoque as gestantes se desloquem além do indispensável ou enfrentemlongas filas para conseguir marcar a consulta, o agendamento estimu-la seu retorno mês a mês, possibilitando maior eficácia nomonitoramento das alterações em seu estado de saúde e do desenvol-vimento do bebê.

Também a participação do profissional de enfermagem no acom-panhamento ao pré-natal procurou garantir qualidade à atenção pri-

mária, ampliando o foco da relação entre usuárias e profissionais. Talmedida tira esses profissionais dos serviços burocráticos aos quais es-tão restritos, permitindo-lhes exercer a profissão na qual foram treina-dos, “empoderando” a categoria.

Os profissionais de enfermagem contribuem com seu conhecimen-to para o alcance da cura, trazendo para a consulta o levantamentosistemático das condições de vida da gestante, percebida então comoser social, inter-relacionado ao contexto em que vive. Isso qualifica oatendimento, ampliando a abrangência do serviço e alterando a formacomo é recebida e tratada a usuária. A participação da equipe de en-fermagem contribui igualmente para diminuir a sobrecarga de traba-lho acumulada sobre os médicos e reduzir o tempo de espera peloatendimento.

Para melhorar a operacionalização, foram adotadas também ou-tras medidas. A garantia de realização dos exames recomendados parao pré-natal, a oferta de medicamentos e de suplemento nutricionalpara grávidas e lactantes foram formas encontradas para garantir aresolutividade do atendimento.

Proporcionando condições mais adequadas de monitorar o desen-

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5volvimento da gravidez e trazendo como conseqüência maior tran-qüilidade para usuárias e profissionais, tais providências foramfortalecidas pela distribuição da bolsa e agenda da gestante que, juntocom o material informativo, procuram esclarecer a usuária sobre osprocessos orgânicos da gravidez, dando-lhe condições para entendê-los e para se relacionar com o profissional com maior autonomia. Aesse conjunto de intervenções, buscou-se acrescentar a vinculação dagestante ao hospital onde seria realizado o parto e o acesso ao pré-natal de alto risco em todos os casos necessários.

Na prática, porém, a implementação desses dois últimos projetosrevelou-se tarefa extremamente difícil, esbarrando em circunstânciasestruturais e operacionais que interferiam diretamente na possibilida-de de efetivá-los.

O saltoO ano de 1999 foi marcante no processo de transformação alcan-

çado pela Secretaria, que culminou com o início da superação dosproblemas no atendimento às gestantes e seus bebês na rede munici-pal. Naquela ocasião, foram deslocados para a Secretaria, passando aintegrar a Comissão, diversos profissionais que vinham atuando naprestação de serviços em hospitais e postos de saúde. Seu contato coma dinâmica de serviço e o conhecimento das dificuldades ali enfrenta-das havia despertado em muitos deles a necessidade de estudar deta-lhadamente o fluxo do atendimento, buscando identificar seus pon-tos críticos.

Esse processo de estudo, discussão e negociação exaustivos esten-deu-se ao longo de todo o ano. Do esforço coletivo emergiu um mode-lo de monitoramento e avaliação da assistência que, de fato, melhoraa utilização dos recursos disponíveis. O diagnóstico obtido com essetrabalho comprovou que a superação dos entraves no atendimento àsgestantes de risco e a garantia de internação para todas as mulhereseram questões intrinsecamente relacionadas. Sua eliminação não es-tava atrelada apenas à resolutividade do pré-natal, mas passava pelaavaliação da qualidade do atendimento nos hospitais e maternidades.

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6 O trabalho desenvolvido pela Comissão é fortalecido pela atuaçãode dois comitês que investigam tanto as mortes maternas quanto asdos bebês: o Comitê de Prevenção do Óbito Materno e, recentemente,o Comitê de Prevenção do Óbito Infantil e Perinatal. Articulando-secom diferentes setores da Secretaria, as investigações levadas a cabonesses comitês permitem elucidar as razões dos óbitos, apontando osfatores estruturais e operacionais nos serviços que contribuem ou de-terminam mortes evitáveis de mulheres e bebês.2

Um levantamento criterioso dos fatores que influenciaram cadamorte é realizado, buscando identificar as causas concretas dos óbitos.O trabalho de investigação levanta dados sobre o atendimento e ascondições de vida da gestante, revelando exatamente em qual elo dacadeia da prestação dos serviços acontecem falhas. A investigação dosComitês subsidia todo o processo de estudo, monitoramento e as to-madas de decisão.

A investigação começa com uma engenhosa inovação: o recolhi-

mento diário nos cartórios da cidade de todas as Declarações de Óbito(DO). Esse trabalho garante o acesso aos dados de forma ágil, reduzin-do o tempo de espera de semanas ou meses.

Tais dados são entregues ao setor de Epidemiologia, que faz a sele-ção e separação de todos os óbitos maternos ou perinatais declarados.São colocadas sob suspeita para averiguação as mortes de mulheres emidade fértil, entre 10 e 49 anos, que possam também estar relacionadasà gravidez. No caso das crianças, são averiguados os óbitos perinatais eneonatais com peso ao nascer igual ou maior que 2.000g (1.500g paraóbitos ocorridos em hospitais que atendem ao alto risco) e todos osóbitos pós-neonatais, excluindo os óbitos por malformações congêni-tas. Esses procedimentos permitem identificar os casos nos quais asfalhas dos profissionais no preenchimento das DOs impedem a classi-ficação exata da causa mortis, gerando a subnotificação (MS,2002).Para eliminá-las, foi produzido um informativo para ajudar os médicosna hora de preencher as DOs. Além disso, aqueles que atuam no IMLforam sensibilizados para realizar a abertura de útero em mulheres emidade fértil, assegurando que nenhum caso de morte materna deixe deser notificado.

2 Segundo oMinistério da Saúde

e o Comitê dePrevenção do Óbito

Infantil e Perinatal, oscritérios

internacionaisadotados pelo Brasil

classificam comomorte materna os

óbitos decorrentesde intervenções

obstétricas,omissões,

tratamento incorretoou combinação

destas causas. Elapode ocorrer

durante a gestaçãoou até 42 dias após

seu término. A mortematerna tardia

acontece no períodode um ano a partir oparto. A mortalidade

perinatal éclassificada segundo

o tempo de vida dobebê, sendo

subdividida emneonatal precoce(de 0 a 7 dias de

vida) e pós-neonatal(ocorrida até 27 dias

de vida). Taisindicadores estãovinculados muitas

vezes a causaspreveníveis, seja na

assistência ao pré-natal ou no

atendimento aoparto. (MS, 2002;

SMSA, 2002).

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7Depois da seleção inicial, é feito um levantamento sobre a proce-dência da gestante e a documentação é enviada para o Controle e Ava-liação Hospitalar. Este setor distribui a investigação entre diversas ins-tâncias, o distrito sanitário onde residia a mulher ou o distrito de ocor-rência do óbito quando não se tratar de moradora de Belo Horizonte.São levantados os dados dos prontuários no hospital onde a mulher foiatendida, tanto os registros médicos quanto os da enfermagem, e soli-cita-se aos supervisores hospitalares que procedam à investigação inloco. Por meio de uma visita aos familiares da mulher, busca-se enten-der melhor suas condições de saúde e de vida. Procedimento similar éfeito para averiguar as causas do óbito infantil.

Pode-se dizer que as investigações desenrolam o fio que percorretodo o atendimento, tecendo um quadro no qual é possível conheceronde estão os nós. Se o óbito tanto da mulher quanto da criança ocor-reu antes do final do tempo previsto para a gravidez, considera-se quea falha possa ter ocorrido no atendimento pré-natal. Se a gestante en-

tra em trabalho de parto e dá à luz um bebê viável (com mais de 1.500gde peso e sem malformação) e um dos dois falece em seguida, issoaponta para falhas na atenção hospitalar.

A partir desses dados, os Comitês montam um pequeno históricoque servirá, em uma perspectiva ampla, como indicador epidemioló-gico, auxiliando as decisões da Comissão e mostrando onde é precisointervir. Dessa forma, é possível analisar a prestação de serviços, esta-belecendo um rol de procedimentos para orientar o fluxo da rede quegaranta a qualidade do atendimento em cada etapa do processo.

Como os dados são desagregados por Distrito Sanitário e estabe-lecimento de saúde, é possível saber ainda em que posto e até comquais profissionais o pré-natal foi feito. Do mesmo modo, pode-sedeterminar o hospital onde foi realizado o parto e, pelo prontuário,levantar todos os procedimentos do atendimento. Isso possibilita queos casos ocorridos em cada local sejam discutidos pelas equipes dopróprio serviço.

Essa discussão coletiva, baseada em fatos concretos, auxilia a sen-sibilização dos técnicos e dos outros profissionais que dão suporte àsatividades, como porteiros, atendentes e auxiliares. Examinar cada caso,

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8 compartilhando responsabilidade e conhecimento, fortalece a equipe,estabelecendo uma dinâmica de avaliação livre de medo e de culpa,voltada à superação das dificuldades. A Comissão considera que osestudos de caso do próprio posto ou hospital melhoram o desempe-nho das equipes, capacitando-as a atuar com mais eficácia e contribu-indo para que os erros que causaram morte não voltem a se repetir.

A avaliação da mortalidade materna e infantil em Belo Horizontemostrou que a maioria dos óbitos registrados decorreram de um in-trincado conjunto de fatores estruturais, de organização e de procedi-mentos. A somatória de obstáculos gerava absoluta inadequação en-tre a capacidade de resolução do serviço e as necessidades do atendi-mento na atenção hospitalar.

As tensões geradas por causa desses obstáculos se multiplicavam,acrescentando ao sofrimento das mulheres e crianças atendidas o hor-ror de muitos profissionais frente a suas limitações para melhorar asituação. Como cada estabelecimento atuava isoladamente, seu único

recurso parecia ser fechar a porta às gestantes. Voltados à superaçãodas dificuldades imediatas, buscavam com essa estratégia estabelecerum mínimo de equilíbrio operacional, mas cada serviço olhava só paradentro, para si mesmo.

Como tais problemas eram constantes em todos os hospitais, a“cultura de fechar a porta” espalhou-se rapidamente, atingindo todosos prestadores de serviço. Encontrar uma maternidade passava a serresponsabilidade da própria gestante, que às vezes chegava a percor-rer, em transporte coletivo, até cinco hospitais, na tentativa de conse-guir internação.

A jornada longa e exaustiva empreendida pela mulher para embusca de atendimento, um direito que lhe é constitucionalmente ga-rantido, aumentava a dor e desespero do parto. O desespero da mu-lher repercute na criança: o sofrimento do recém-nascido, demonstra-do pelo baixo APGAR3 , era nesses casos quase sempre muito grande.

Muitas vezes, os hospitais deixavam de atender as gestantes mes-mo dispondo de leitos obstétricos, devido à elevada ocupação dos pou-cos leitos de risco neonatais. Como não havia um sistema unificadoque intermediasse a oferta e a demanda por leitos obstétricos e neo-

3 APGAR é um índiceusado para testar avitalidade do recémnascido, aplicado a

partir do instante donascimento.

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9natais entre todos os estabelecimentos, o fluxo de atendimento emcada um deles era aleatório. Assim que os leitos da pediatria estives-sem ocupados, o responsável entrava em contato com a portaria de-terminando o fechamento da maternidade, até que a situação se nor-malizasse.

Pelo relatório feito pela Comissão em 1999, o déficit estimado deleitos de CTI neonatal e berçário de risco era de 45 e 35 leitos, respec-tivamente. Os dados levantados mostram que “em 1993, cerca de 50%dos recém-nascidos com peso de nascimento menor que 1500g nasce-ram em hospitais que não contam com unidade de assistência ao re-cém nascido” (SMSA,1999; Accioly,1997).

O panorama caótico do atendimento gerou grandes discussões naComissão que, em reuniões semanais, juntando gestores, profissio-nais, administradores de hospitais e usuários, buscavam soluções. Oprocesso acabou gerando conseqüências extremamente positivas para(quase) todos os envolvidos. A Secretaria concluiu que conhecer a

rede e incorporar os problemas das unidades traz mais segurança aogestor. Os profissionais entenderam a importância da articulação en-tre as instituições. Os administradores perceberam a função social dasinstituições que representam e descobriram que precisavam melhorara qualidade do serviço oferecido. As usuárias sentiram na pele os efei-tos que as mudanças provocaram.

Diante disso, a Secretaria decidiu investir no aumento da quanti-dade de leitos. O repasse de recursos para a demanda de alto risco emdiversas maternidades aliviou a pressão a que vinham sendo submeti-dos os serviços. Embora esse desafogo já produzisse resultados na qua-lidade do atendimento, era urgente melhorar a operacionalização dosserviços para melhorar a utilização dos novos leitos.

Assim, as providências para viabilizar o atendimento entraramem uma segunda fase e foi determinado que os Centros de Saúdeseriam, a partir daí, a única porta de entrada do sistema para osserviços de pré-natal, parto e puerpério. Dessa forma, cada um delesficaria responsável por indicar à gestante o hospital onde seria aten-dida no parto.

A construção do processo de referência, seja para as consultas de

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10 pré-natal de alto risco ou para a vinculação entre os centro de saúde ehospitais, foi um processo de engenharia trabalhoso que implicou acriação de uma rede. Para superar tais limitações foi necessário quetodos os prestadores dos diferentes níveis estivessem articulados, re-gulando oferta e demanda conjuntamente. Isso só se tornou possívelcom a intensificação e o aprimoramento do trabalho de dois setores: aCentral de Internação e a de Marcação de Consultas.

Embora a vinculação ao hospital tenha resolvido o antigo proble-ma da peregrinação das gestantes em busca de atendimento, de inícioprovocou uma certa insatisfação em algumas usuárias que queriam odireito de escolher o hospital. A marcação de consultas para o pré-natal de risco também era outro ponto que ainda apresentava dificul-dades. Os hospitais resistiam à marcação centralizada e liberavampoucas vagas para preenchimento na Central. “Foi uma queda debraço entre os hospitais e a Secretaria. A primeira tensão era convencê-los do básico: de que a paciente já ia com a consulta marcada. Aí eles

ofereciam seis, 20, 30 consultas, o que acabava desqualificando o tra-balho da Central. Os centros de saúde não conseguiam consulta. Fo-ram dois anos de briga”.4

As duas Centrais são informatizadas e trabalham de forma pareci-da, apesar de terem dinâmicas internas próprias. Várias videofonistasescaladas para diferentes tarefas recebem os pedidos e buscam a vaga,mapeando todos os leitos desocupados, no caso das internações, e le-vantando as agendas das especialidades por instituição, quando se tratadas consultas. Trabalhando em tempo real, encaixam os pedidos devaga das usuárias, intermediados pelos centros de saúde, à disponibi-lidade da rede. Produzem relatórios diários avaliando a procedência ea urgência dos pedidos e seu resultado.

Na internação, a prioridade de acesso é determinada por um mé-dico que avalia as informações obtidas no pedido de vaga. São consi-derados o quadro de saúde da paciente, os recursos da instituição ondeestá internada e os riscos do transporte. Quando a dificuldade é namarcação de consultas, a Central liga para a unidade de saúde e parao médico que está pedindo a vaga, tentando encontrar uma forma decontornar esse obstáculo.

4 Depoimentocolhido em entrevista

realizada pelaautora.

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11O monitoramento contínuo permite corrigir o rumo das ativida-des durante o processo e alcançar diferentes resultados: a alocação dofluxo entre todas as instituições da rede evita que qualquer parte delafique sobrecarregada. A marcação centralizada fortalece o compro-misso dos profissionais com a instituição na qual prestam serviço, di-minuindo a possibilidade das horas destinadas à jornada de trabalhoserem desviadas para outras atividades. Por fim, contribui para redu-zir a tensão das usuárias, que têm maior facilidade em conseguir umavaga. Agora, a gestante de alto risco consegue uma consulta.em, nomáximo, sete a 10 dias,

O trabalho da Central de Internação possibilitou ainda adotar umaalternativa inédita para solucionar a carência de leitos nas CTIs neo-natais. Com a integração entre as diversas maternidades, foi possívelsuperar as resistências de profissionais e instituições que dificultavama transferência da criança para outro hospital onde pudesse recebertratamento mais adequado. Embora ainda existam objeções a essa

prática, principalmente por parte dos pediatras, ela já acontece emalgumas instituições. A sensibilização das equipes para o problemaparece ser fundamental para conseguir sua definitiva aceitação.

Qualidade no atendimentoSe a articulação dos serviços em rede maximizou a utilização dos

recursos e melhorou de fato a capacidade de operacionalização dosdiferentes níveis de atenção, para alcançar a resolutividade faltava aindarefinar os procedimentos, a fim de garantir a qualidade da assistência.Segundo relatório da Comissão “em torno de 20% dos partos ocorre-ram em hospitais sem os quesitos mínimos de segurança”(SMSA,1999). Das 16 maternidades que operavam na cidade, cincoforam consideradas abaixo da crítica. Destes estabelecimentos, umfoi descredenciado e quatro acabaram sucumbindo à estratégia de nãoencaminhar-lhes pacientes.

Dentre as instituições que não se adequavam às exigências, esta-vam hospitais tradicionais da cidade, que reagiram violentamente àexclusão. Dessa luta saiu vencedora a Comissão. Como havia envolvi-

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12 do todas as instituições dispostas a qualificar seus serviços, criandoresponsabilização pelos resultados e parâmetros éticos para o atendi-mento, o processo acabou por consolidar a união entre a Secretaria e asdemais prestadoras de serviço.

Nesse momento, o respaldo da Vigilância Sanitária foi fundamen-tal. Tradicionalmente trabalhando na dimensão infra-estrutural, a Vi-gilância aprofundou seu trabalho, elaborando instrumentos de avalia-ção para perceber também outros aspectos importantes para o bomatendimento. Contemplando os três níveis de ação, seus relatórios con-firmavam as avaliações das outras áreas, trazendo para a Comissão acerteza de que a desqualificação daqueles estabelecimentos era justa.

Participando da Comissão, a Vigilância Sanitária começou a traba-lhar roteiros de avaliação diferentes dos tradicionais, qualificando ostécnicos para avaliar os procedimentos invasivos e complexos, bem comode cada etapa, de cada processo por que passara o paciente. Enquantonão existia roteiro, o objetivo era só cartorial: avaliar o hospital para ele

receber o alvará. Depois do Programa, a Vigilância incorporou novaspráticas e criou novos modelos de avaliação com critérios estabeleci-dos em conjunto.

Trabalho em equipeOutro grupo aliado, interessado em instaurar práticas mais efici-

entes de atendimento, é o dos supervisores hospitalares. Coordenadospelo setor de Controle e Avaliação Hospitalar, os supervisores atuamnos próprios hospitais, avaliando dia a dia a execução das rotinas eprocedimentos. Verificando a forma como é prestado o atendimentoe, muitas vezes, antecipando-se nas investigações de óbito determina-das pela coordenação, sua atuação foi de extrema importância pararefinar a qualidade do atendimento.

Implantado em fevereiro de 2002, o Programa de Saúde da Famí-lia (PSF) também pretende ser instrumento para a qualificar o atendi-mento. Fortalecendo o serviço dos Centros de Saúde e ampliando oacesso ao sistema, o PSF vem trabalhando na busca ativa das gestantese puérperas. Embora não tenha conquistado ainda resultados signifi-

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13cativos no segundo caso, o Programa aumentou a captação para o pré-natal em 60% desde seu início. A Comissão espera que a entrada doPSF na rede contribua substancialmente para melhorar o atendimen-to à maternidade na atenção básica: a captação para o pré-natal aindano primeiro trimestre de gestação e na consulta puerperal.

A integração entre os diferentes setores da Secretaria possibilitouque cada um deles percebesse sua posição dentro da estrutura de pres-tação de serviço. Tal integração brotou de um processo relacional, nasreuniões, o que fortaleceu a confiança, indispensável ao desenvolvi-mento de um projeto em comum. Atuando como multiplicadores des-se processo de construção de novas práticas de gestão em seus diferen-tes setores, os membros da Comissão expandiram o potencial trans-formador do trabalho, incluindo outros profissionais da rede que nãoparticipam das reuniões.

Os esforços individuais que, até então, alguns profissionais vinhamempreendendo para alcançar o melhor resultado em suas práticas de

serviço foram incorporados como estratégias coletivas para a rede, per-passando todos os níveis do atendimento. O caráter social do trabalhoda área da saúde foi evidenciado e reconheceu-se a importância daarticulação entre os níveis de atendimento para a hierarquização darede. Ao se tornar uma grande equipe orientada por um propósito co-mum – garantir à usuária o acesso a um serviço de qualidade – o traba-lho desenvolvido tanto pelo gestor quanto pelo profissional da pontapassou a ser pautado pelo compromisso com o atendimento e a res-ponsabilidade em relação aos resultados.

A coletivização das estratégias de ação, construídas através do di-álogo, permitiu a cada setor maior autonomia. À medida em que cadaum deles incorporava o propósito comum e adequava sua realização àsnecessidades operacionais específicas de sua área, foi possível conquis-tar a liberdade de planejar a dinâmica de trabalho de forma criativa. Orespeito pela ousadia de buscar a desburocratização da gestão é tãomais relevante quando se considera que as transformações na operaci-onalização e nos procedimentos na área de saúde podem significar adiferença entre vida e morte.

O suporte dessas transformações está alicerçado na apropriação

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14 e no uso dos instrumentos analíticos, os indicadores epidemiológicose os trabalhos teóricos que deles se utilizam. Os dados gerados pelaEpidemiologia deixaram de ser apenas quadros estáticos da realida-de, produzidos somente para a formulação de programas no nívelfederal, passando a ter uma importância chave no desenho da políti-ca pública local. Auxiliando a antecipar soluções e medir o impactodas ações implementadas, configuram-se elementos imprescindíveispara desenhar projetos conseqüentes de políticas públicas para omunicípio, propostas que espelhem coerência entre os recursos dis-poníveis e as necessidades.

A incorporação desses instrumentos no processo de tomada de de-cisão possibilitou um salto significativo na qualidade do atendimentooferecido, permitindo à gestão sair da simples constatação do fato ocor-rido e mergulhar nas razões que o originam. A identificação dessesfocos auxilia a transpor a posição crítica e cega à qual o gestor munici-pal está costumeiramente confinado.

Alguns ajustesNão existem ainda providências para mapear também o processo

de aborto induzido, que se sabe com certeza ser a causa da morte degrande quantidade de mulheres. Apesar do aborto químico ter dimi-nuído o número dessas mortes, elas ainda são freqüentes e devem serconsideradas problema de saúde pública. No entanto, o assunto évisto com certo grau de moralidade, a partir do qual não se faz dis-tinção entre os abortos naturais e os induzidos. Não enfrentar essasituação, não debatê-la nem desagregar os dados a ela referentes trazuma perda de qualidade para o serviço que, deixando de aprofundaro conhecimento sobre o aborto induzido, reduz sua eficiência parapreveni-lo e tratá-lo.

Parece pouco resolvida também a questão da participação do go-verno estadual no processo de gestão. Sendo a parte que menos investeem saúde e com quadros técnicos esvaziados, o Estado é omisso e nãoapóia sequer sua própria Secretaria. Por ser capital, Belo Horizonte éreferência de todos os municípios para a alta complexidade e a saúde é

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15financiada, em sua maior parte, apenas pela Prefeitura e pelo SUS, sobregime de gestão plena. Absorvendo essa grande demanda, o gestormunicipal acaba fazendo o papel do Estado e arcando com parte desuas responsabilidades. Para ultrapassar esse obstáculo, a Secretariavem buscando a integração entre os municípios para garantir à popu-lação dessas áreas acesso ao serviço de alta complexidade.

A sistematização deste processo de trabalho é também essencialpara que a experiência acumulada não fique restrita ao mesmo con-junto de pessoas e possa ser repetida por outros atores, em outros con-textos. É também importante aprofundar a relação com as universi-dades para um intercâmbio de idéias mutuamente produtivo. Se aexperiência da Comissão já demonstrou que o contato com a teoria éimportante para desenhar programas, sabe-se que a academia necessi-ta conhecer melhor as novas formas de gestão dos serviços para ade-quar os currículos e oferecer uma formação compatível às necessida-des do mercado.

Alçando vôoApós 12 anos de esforços para pôr em prática as medidas garanti-

das pela Constituição de 1988, os princípios teóricos e operacionaispara o SUS, determinados pela Lei Orgânica, ainda não espelham arealidade da prestação de serviço no país. As experiências empreendi-das em nível local e regional têm demonstrado que “(...)colocar emprática dinâmicas participativas inovadoras não é fácil(...), pois requermudança e mobilização permanente” (Bandeira,2002; Jacobi,1989).As dificuldades são maiores à medida que as transformações pretendi-das implicam mudança cultural. E é preciso repetir que nos grandesmunicípios brasileiros tal processo deve acontecer em larga escala, paraatingir milhões de pessoas.

O trabalho desenvolvido pela Comissão Perinatal de Belo Hori-zonte revelou-se uma surpreendente iniciativa para atingir esse objeti-vo. Foi crescendo pelo caminho, rompendo resistências e alterando ocontexto. Embora pareça ter se processado de maneira intuitiva, o de-senvolvimento do Programa e a experimentação desse processo tam-

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16 bém parecem ter mudado o quadro da atenção. Talvez tenha facilitadoa experiência o fato de o serviço oferecido no pré-natal, parto e puerpé-rio implicar inter-relação entre os três níveis de prestação de serviço: aatenção básica, a média e a alta complexidade. A integração entre elesé fundamental para alcançar a integralidade e superar a dicotomia en-tre prevenção e atendimento curativo.

Outros setores da Secretaria, responsáveis pelo desenvolvimentodos diversos programas de adolescentes, idosos, portadores de patolo-gias, etc., têm agora como missão adequá-los a suas necessidades espe-cíficas, incorporando esta forma de trabalhar. Também o Estado pro-cura repeti-lo, reproduzindo esta dinâmica na Comissão Metropolita-na. Se a integração alcançada no nível local puder ser transposta para oestadual, reproduzida em cada município, pela relação inter-setorial epela regionalização e hierarquização, a Integralidade na prestação dosserviços poderá ser expandida para toda a região. A transformação naspráticas de gestão da Secretaria vêm trazendo à cidadã de Belo Hori-

zonte a garantia do direito a serviços de qualidade, prestados por rederegionalizada e hierarquizada.

Cumpre ainda sistematizar a experiência, resgatar os registros, re-gistrar a dinâmica do processo de trabalho, estudá-los e desenvolveruma metodologia. Dessa forma, a experiência pode ultrapassar os li-mites do tempo e do espaço, sendo apropriada por todos que tiveremcontato com o relato sobre o Programa e quiserem reproduzi-lo.

A Comissão vem a cada dia se abrindo à participação dos diferen-tes grupos, incorporando os representantes dos hospitais conveniadosao Sistema Único de Saúde (SUS) e os usuários, por meio da represen-tação dos Conselhos Municipal de Saúde, Municipal de Direitos daMulher e da Pastoral da Criança. Assim, está continuamente aperfei-çoando seu processo deliberativo, garantindo a participação popularna formulação e implementação das políticas públicas.

A representatividade dos usuários na Comissão pode ser atestadapela importância que o hospital Sofia Feldman vem adquirindo na rede.O hospital recebe investimento maciço da Prefeitura, tornando-se umhospital público, mas não gerenciado pelo município e sim em conjun-to pela direção, responsável pela parte técnica e pela Associação Co-

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17munitária de Amigos e Usuários do Hospital Sofia Feldman (ACAU).A ACAU desenvolveu seu próprio sistema de monitoramento, apli-cando avaliações, tabulando e analisando os resultados, bem como fa-zendo relatórios periódicos sobre a opinião das usuárias. A entidadeimplementa programas de excelência técnica e humanização do aten-dimento como o da “Mãe Substituta” e a “Doula”.

Construído em mutirão pela comunidade em um terreno doado,o Sofia tem se destacado como referência nacional de atendimentohumanizado para a gestante e o recém-nascido. Em espaço privativo,o hospital recebe a parturiente e acompanhantes permitindo o conta-to do pai com a criança.

Conta também com uma casa de parto com ambiente bonito etranqüilo, quartos aconchegantes e bem equipados, onde as parturi-entes podem inclusive escolher fazer o parto dentro d’água. Na casade parto, o nascimento é acompanhado por enfermeira obstétrica sobsupervisão médica.

Os bebês que necessitam de cuidados especiais são internados emum centro de atendimento bem aparelhado e atendidos por uma equipetranqüila, solícita e bem preparada.

Cartelas nas paredes e nos berços descrevem os sinais fisionômicosque permitem identificar desconforto e sofrimento na criança. As mãese a equipe partilham o cuidado com o bebê dando-lhe o conforto ne-cessário. Embora o SUS não custeie a diária das mães garantindo suapermanência junto ao bebê, a ACAU banca a internação e garanteesse direito à mãe e ao bebê. “A diária dela custa menos que a do bebê.Com a presença dela o bebê fica bom mais rápido e acaba que no finalé melhor e sai mais barato”.5

O destaque dado ao trabalho do Sofia mede o interesse da Co-missão no fortalecimento do controle social. Reconhecer os méri-tos do trabalho realizado pela equipe e pela comunidade é“empoderar” a população, dando-lhe a possibilidade do exercícioda cidadania ativa. Essa transformação da hierarquia de poder, essaapropriação da coisa pública, que deixa de ser “de ninguém” e pas-sa a ser “de todos” é o retrato mais fiel do êxito do processo detrabalho da Comissão Perinatal.

5 Depoimento colhidoem entrevistarealizada pela autora.

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18 Referências

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas Públicas. Área Técnica deSaúde da Mulher. Manual dos Comitês de mortalidade materna. Brasília, Ministérioda Saúde, 2002.

BRASIL. Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte. Relatório do Comitê dePrevenção do óbito Infantil e Perinatal. Belo Horizonte, s.d. mimeo.

JACOBI, Pedro. “Descentralização municipal e participação dos cidadãos”. Lua Nova –Revista de Cultura e Política, In BANDEIRA, Lurdes e VASCONCELOS Márcia.Eqüidade de gênero e políticas públicas: reflexões iniciais. Brasília, AGENDE, 2002.

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Versão em formato PDF

OrçamentoParticipativo Interativo

finalistas do ciclo depremiação 2002

Antonio Faria e Otávio Prado

Programa Gestão Pública e Cidadania

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20 Experiências de Gestão Pública e Cidadania/Organizadores: Gabriela Spanghero Lotta, Hélio Batista Barboza,Marco Antonio Carvalho Teixeira e Verena Pinto. São Paulo: ProgramaGestão Pública e Cidadania, 2003272 p.

Inclui bibliografia.

1. Políticas públicas – Brasil. 2. Administração pública – Brasil.I. Lotta, Gabriela Spanghero. II. Barboza, Hélio Batista. III. Teixeira, MarcoAntonio Carvalho. IV. Pinto, Verena. V. Programa Gestão Pública eCidadania.

CDD-352

Originalmente publicado em:20 Experiências de Gestão Pública e Cidadania

Gabriela Spanghero Lotta, Hélio Batista Barboza,Marco Antonio Carvalho Teixeira e Verena Pinto (orgs.)

Copyright © Gabriela Spanghero Lotta, Hélio Batista Barboza,Marco Antonio Carvalho Teixeira e Verena Pinto

Direitos da edição reservados aoPrograma Gestão Pública e CidadaniaAv. 9 de Julho, 2029 – 2º andar da Biblioteca01313-902 – São Paulo – SPTel: (11) 3281-7904 / 3281-7905Fax: (11) 287-5095E-mail: [email protected]://inovando.fgvsp.br

Impresso no Brasil / Printed in Brazil

Todos os direitos reservados. A reprodução não autorizada destapublicação, no todo ou em parte, constitui violação da lei dedireitos autorais.

1ª edição – 2003

Capa/editoração: Liria OkodaImpressão: Gráfica Dedone

Versão gráfica em formato PDF: Liria Okoda

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IntroduçãoAs experiências precursoras no Brasil de controle e participação

social sobre o orçamento público em governos locais datam do final dadécada de 70. Embora nem todas tivessem a pretensão ou sequer fos-sem conhecidas à época como experiências de orçamento participativo(OP) ou tenham tido continuidade, ficaram conhecidos os casos deLajes (SC) e Boa Esperança (ES) – adotadas entre 1978 e 1982 – e,posteriormente, Diadema (SP), iniciada em 1983 e Vila Velha (ES),ocorrida entre 1986 e 1989. Dada a sua longevidade e importânciarelativa, a experiência de Porto Alegre ganhou destaque nacional e in-ternacional, possibilitando a projeção do OP como uma novametodologia de gestão pública participativa3 .

Aos poucos, vem crescendo o número de municípios que, de algumaforma, têm adotado a prática do orçamento participativo como políticapública de participação popular, mesmo com diferentes metodologias eobjetivos. Segundo dados da pesquisa realizada pelo Fórum Nacional de

OrçamentoParticipativo InterativoIPATINGA (MG)

Antonio Faria1 e Otávio Prado2

1 Mestre emAdministração Públicae Governo pela FGV-EAESP.

2 Geólogo ehistoriador pela USPe mestrando emAdministração Públicae Governo pela FGV-EAESP.

3 Ver tambémCARVALHO &FELGUEIRAS, 2000 eJACOBI & TEIXEIRA,1996. LeonardoAVRITZER (2992)realizou umimportante estudocomparativo entre asexperiências de PortoAlegre e BeloHorizonte.

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4 Participação Popular (FNPP), 103 municípios brasileiros afirmaram pra-ticar o orçamento participativo entre 1997 e 20004 .

Em Ipatinga (MG), município de 212 mil habitantes, práticas degestão democrática foram instituídas por lei e têm se aperfeiçoado como passar dos anos. Exemplos disso são a organização do orçamentoparticipativo em Conselhos Regionais, articulados com o ConselhoMunicipal do Orçamento – ambos regulamentados por um RegimentoInterno de 1998 – e a realização anual de um Congresso Municipal dePrioridades Orçamentárias (COMPOR), que em 2002 teve a sua 13ªedição e contou com a participação de mais de 5 mil pessoas.

Desde 2001, o orçamento participativo em Ipatinga tem recebidoalgumas inovações, graças aos recursos de interatividade oferecidos pelaInternet, associados ao sistema de geoprocessamento, implantado nomunicípio em 1997. A introdução do processo de indicação de priorida-des e votação por meio eletrônico e de outros mecanismos que estão sen-do desenvolvidos permite aos cidadãos acompanhar o andamento das

obras e fiscalizar a execução orçamentária no município, além de fornecerà prefeitura novos canais de comunicação com a população.

AntecedentesA história do orçamento participativo em Ipatinga se iniciou em

1989, durante o primeiro mandato do prefeito Chico Ferramenta, doPartido dos Trabalhadores. As discussões sobre o formato do orçamentoparticipativo envolveram a criação do Conselho Municipal de Orça-mento (CMO), em 1990, e a divisão do município em regionais orça-mentárias, compostas por bairros, distritos e comunidades rurais, pas-síveis de serem agrupados de acordo com suas características físicas,geográficas, culturais, sociais e econômicas.

Embora a prática venha se aperfeiçoando ano após ano, tendo ocor-rido alterações ao longo do percurso, desde 1990 os participantes dasreuniões nas regionais elegiam os Conselheiros do seu respectivo Con-selho Regional de Orçamento (CRO). Eram escolhidos também, emuma plenária específica, os integrantes do CMO.

No total, 402 conselheiros (201 efetivos e 201 suplentes) integram

4 Cf. CARVALHO etalii, 2002.

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5os oito CROs. Até o ano de 1999, as diretorias dos CROs (presidente,vice-presidente e relator) eram escolhidas durante as assembléias pre-paratórias para o COMPOR. No ano 2000, pela primeira vez, o pro-cesso de escolha dessas diretorias executivas foi realizado com o votodireto dos moradores. O pleito envolveu quase seis mil votantes emtoda a cidade, sendo bastante concorrido em quatro regionais.

Atualmente, o Conselho Municipal de Orçamento é composto por106 integrantes (53 efetivos e 53 suplentes), dentre eles o prefeitomunicipal, o vice-prefeito, os secretários, os vereadores, os represen-tantes das associações de moradores e outras entidades não-governa-mentais. As atribuições do Conselho compreendem tanto a definiçãodas obras que serão realizadas no município quanto o acompanha-mento de seu andamento, incluindo os trabalhos de fiscalização daexecução orçamentária.

As reivindicações da população são processadas por meio das as-sociações de moradores, que conhecem de fato o cotidiano e os pro-

blemas dos bairros. As associações estão representadas nos respectivosconselhos regionais e se encarregam de encaminhar a eles a lista deobras de infra-estrutura identificadas como necessárias.

A cada dois anos, os moradores de todas as regionais elegem osconselheiros regionais de orçamento – na proporção de um para cadamil habitantes – que, por sua vez, elegem os conselheiros municipaisdo orçamento – à base de um para cada 10 mil moradores. De acordocom o regimento interno do orçamento participativo, além dos conse-lheiros eleitos, são membros natos do CMO, durante a vigência doseu mandato, os três conselheiros que formam a diretoria executivade cada um dos conselhos regionais.

A população também vota e define em assembléias as prioridadesdos bairros que compõem a sua regional, que, por sua vez, são defen-didas pelos diversos delegados reunidos no COMPOR.5 Nessa oca-sião é aprovada e referendada uma lista de obras e serviços que aten-dem de forma proporcional a toda a cidade, e serve de base para a leiorçamentária do ano seguinte.

Os coordenadores do orçamento participativo de Ipatinga consi-deram que a experiência passou por três estágios distintos:

5 Além do prefeito,vice-prefeito,secretários municipaise vereadores, sãodelegados doCOMPOR – comdireito a voz e voto –cinco representantesde cada conselhomunicipal instituído,um representante decada associação demoradoresreconhecida por lei,um representante decada clube deserviço, umrepresentante decada entidade declasse, trêsrepresentantesindicados pelaassociação dedeficientes físicos, eos delegados efetivose suplentes quecompõem cada umdos CROs.

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6 1) De 1989 a 1996 – A definição das ações prioritárias pela popula-ção era organizada setorialmente, segundo a área de atuação do go-verno municipal, isto é, saúde, educação, meio ambiente, habitação,infra-estrutura e saneamento.

2) De 1997 a 2000 – Houve a inclusão da discussão do PlanoPlurianual (PPA) no processo do orçamento participativo e o estabele-cimento de cotas orçamentárias diferenciadas para as regionais. Coma inovação, passou a ser possível identificar e diferenciar conjunta-mente com a população os projetos a serem realizados no curto e nolongo prazos, isto é, intervenções urbanas localizadas ou obrasestruturantes e que beneficiam todo o município. Nesse período tive-ram também início as Caravanas de Participação Popular.

3) A partir de 2001 – Com a implantação do site do orçamentoparticipativo, tornou-se possível a indicação de obras prioritárias pormeio do voto eletrônico. Com o objetivo de ampliar a participaçãodos cidadãos no processo do OP, uma série de outros recursos de

interatividade vêm sendo desenvolvidos.O orçamento participativo de Ipatinga dispunha em 2002 de R$ 3

milhões das receitas correntes, mais a totalidade das receitas de capi-tal, para aplicação em obras de infra-estrutura no município. Essemontante, destinado à execução do Plano de Investimentos definidopela população, corresponde a 12% do orçamento total do município.Ele foi distribuído entre as nove regionais segundo um cálculo queleva em consideração vários critérios de ponderação, buscando-se, as-sim, uma distribuição mais justa dos recursos.

Todo o processo tem conseguido gerar um crescente número departicipantes nos congressos municipais que se realizam ano após ano.Em 2001, participaram cerca de duas mil pessoas; calcula-se em maisde cinco mil pessoas o número de participantes em 2002.

O ciclo do orçamento participativoO orçamento participativo de Ipatinga é legalmente instituído,

garantindo aos moradores não apenas o poder de definir prioridades,mas também de fiscalizar a execução das obras e serviços públicos por

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7meio dos conselhos regionais e do Conselho Municipal de Orçamen-to, também instituídos por lei. O ciclo do orçamento participativocompreende seis momentos distintos:

1) Prestação de contas: no mês de março, o prefeito e o secreta-riado fazem, na plenária de abertura do COMPOR, a prestação decontas da execução orçamentária do ano anterior, apresentando tam-bém as diretrizes e a previsão orçamentária para o ano seguinte.

2) Eleição dos conselheiros: cada uma das regionais orçamentá-rias elege seus conselheiros regionais e municipais, incluindo os su-plentes, totalizando 402 pessoas em todo o município. A eleição, queocorre a cada dois anos, é direta, sendo realizada em assembléiasconvocadas com várias semanas de antecedência. Para se tornar con-selheiro de uma regional orçamentária, o candidato deve ser maior de18 anos e residir em algum dos bairros que a compõem.

3) Caravana da participação popular: os conselheiros visitam, nomês de julho, os locais onde se localizam as reivindicações a serem

priorizadas pelas regionais. A estratégia das visitas é levar os conselhei-ros de uma dada regional a conhecer os problemas das outras regionais,de forma que possam avaliar melhor o que é efetivamente prioritário,conforme as carências de infra-estrutura urbana existentes.

4) Assembléias preparatórias: os conselheiros eleitos discuteme definem as prioridades de sua respectiva regional, juntamente comos moradores, com os representantes das associações de moradores edas entidades organizadas. Nessa fase são analisadas também as pro-postas encaminhadas por intermédio do site na Internet e que foramprocessadas e analisadas do ponto de vista da viabilidade financeirapelo Departamento de Orçamento da Secretaria de Planejamento.

5) Congresso municipal de prioridades orçamentárias: os con-selheiros de todas as regionais, juntamente com os representantes deentidades organizadas, referendam as prioridades discutidas nas as-sembléias preparatórias que serão efetivamente incluídas no orçamentomunicipal para execução no ano seguinte.

6) Fiscalização da execução orçamentária: Os conselhos orça-mentários regionais reúnem-se a cada dois meses para acompanhar arealização das obras eleitas no COMPOR. O Conselho Municipal ana-

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8 lisa mensalmente a prestação de contas da Prefeitura e repassa as in-formações aos conselhos regionais, que se encarregam de fazer a di-vulgação para os moradores das respectivas regionais.

RecursosO OP de Ipatinga é coordenado pela Prefeitura, por meio da Secre-

taria de Planejamento (SEPLAN), e conta com o apoio de outras secre-tarias, como a Assessoria de Comunicação Social (ACS), do ServiçoMunicipal de Dados (suporte em informática) e a Secretaria Municipalde Administração (suporte em infra-estrutura). Cerca de 50 pessoasestão envolvidas na implementação da política, sendo dois funcionáriosna coordenação; 17 estagiários (monitores para ponto de acesso); novefuncionários do Departamento de Orçamento, que atuam na organiza-ção dos eventos, contato com conselheiros e monitoramento do site;cinco funcionários da Secretaria Municipal de Administração (apoio de

infra-estrutura e motoristas); dois funcionários da ACS (assessoria deimprensa e fotógrafo) e 15 funcionários de diversas secretarias que au-xiliam na organização dos eventos e credenciamento de participantes.Além dos servidores acima mencionados, quando da realização doCOMPOR conta-se com a apoio de servidores das áreas de carpintaria,elétrica, hidráulica e parques e jardins, totalizando cerca de 30 pessoasna preparação do ginásio onde o evento é realizado.

Com todo o processo do orçamento participativo de Ipatinga cal-cula-se que a prefeitura gaste anualmente R$ 212.300,00, o quecorresponde a menos de 10% do total destinado ao Plano de Investi-mentos. Esses recursos são divididos entre despesas como: aluguel delinhas telefônicas, locação de microcomputadores, locação de ônibuspara a Caravana da Participação Popular, provedor de Internet, paga-mento de pessoal, publicidade e outras despesas gerais.

Graus de interatividadeO site da Prefeitura de Ipatinga existe desde 1997. No período

inicial, oferecia aos internautas apenas informações gerais sobre o

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9município (como a história de Ipatinga e a agenda de eventos), alémda prestação de contas da Prefeitura e da localização de projetos emdesenvolvimento. Desde 1996, no entanto, Ipatinga já investia nogeoprocessamento, uma moderna e cada vez mais indispensável ferra-menta para o planejamento municipal.

No ano 2000, a partir de um novo conceito que se desenvolvia emtorno das discussões sobre governo eletrônico e cidades virtuais, foicriado o Portal do Cidadão, desenvolvido em parceria da Assessoria deComunicação Social com o Serviço Municipal de Dados (Dataserv) ecom uma empresa de tecnologia. Além de fornecer no site Perfil doMunicípio um valioso documento para estudantes, empresários e de-mais cidadãos que queiram saber mais sobre a cidade, o Portal tam-bém dispõe de links para outros sites, como o do Geoprocessamento,Guia do Cidadão, Mídia do Cidadão, Orçamento Participativo e Se-cretaria Municipal de Fazenda.

Em 2001, foi criado um site específico para o orçamento

participativo, também intitulado COMPOR. A maior parte das pági-nas que compõem o site do COMPOR, que se aproxima da marca de10 mil acessos, é interativa.6 O site é atualizado diariamente e todo omaterial de divulgação produzido pela Assessoria de ComunicaçãoSocial da Prefeitura é veiculado também na Internet, como forma decativar os internautas. O Portal do Cidadão pretende garantir maisagilidade e ainda mais transparência nas ações do poder público mu-nicipal, oferecendo uma série de serviços para a sociedade. A tendên-cia é que sejam oferecidas cada vez mais opções ao usuário, como opagamento de contas on line.

Para o uso dos serviços, inicialmente o usuário precisa se cadas-trar, fornecendo algumas informações-chaves, como nome, endereço,escolaridade, data de nascimento, e-mail, etc. Caso não possua umendereço eletrônico próprio, o internauta é direcionado para um por-tal que forneça o serviço gratuitamente. Graças ao “sistema de parti-cipação popular on line”, o cidadão tem resposta imediata à sua solici-tação, recebendo após o primeiro acesso uma mensagem automáticado prefeito e sendo convidado a participar das assembléias preparató-rias. Ele passa ainda a receber, via e-mail, informações diárias sobre o

6 O Portal doCidadão, no entanto,já ultrapassou amarca de 240 milconsultas.

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10 andamento do orçamento participativo e outros eventos da prefeitu-ra. Todos os usuários podem votar, desde que estejam previamentecadastrados. Assim, de posse do seu e-mail e da sua senha, o cidadãopassa a ter, permanentemente, a possibilidade de indicar melhorias eatuar como agente fiscalizador.

No primeiro caso, as indicações são encaminhadas para análisepelo Departamento de Orçamento da SEPLAN, que analisa as priori-dades indicadas e as encaminha ao órgão competente para levanta-mento do custo de execução e implantação (sua viabilidade técnico-financeira) antes de encaminhá-la para a respectiva regional. Obrasvultosas e que demandam maior quantidade de recursos tendem a serdiscutidas no âmbito do PPA; obras menos custosas são incluídas noPlano de Investimentos a ser definido no processo anual do orçamen-to participativo.

Cadastrado como agente fiscalizador, o usuário pode selecionar asobras que deseja acompanhar, a partir de um leque de opções que

abrange vários graus de interatividade. Pode, por exemplo, selecionarapenas uma obra, ou várias que estão sendo realizadas apenas no seubairro, ou na sua regional, ou em várias regionais simultaneamente;pode ainda acompanhar a execução de todas as obras que foram pro-gramadas. Como as obras são georreferenciadas, o sistema gera ummapa da região, fornecendo, além de sua localização exata, o respecti-vo COMPOR que as aprovou. O site do orçamento participativo éalimentado por fotos que retratam o andamento das obras. São forne-cidos também detalhes sobre o tipo de obra, dimensão, estágio, valororçado e ano de definição.

No período de indicação de prioridades que antecede o COM-POR, o cidadão faz as indicações pela Internet das suas obrasprioritárias e vota nas de sua preferência. Para que não haja duplicidadede votos, um banco de dados associado ao sistema registra o voto decada usuário e permite detectar não só o elenco de indicações, mastambém associar as preferências com o perfil do usuário, gerado du-rante o processo do seu cadastramento. Dessa forma, garante-se quesomente usuários cadastrados possam votar e apenas uma vez paracada indicação.

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11Segundo dados da SEPLAN, em 2001 houve um aumento de 44,6%no número de indicações de obras a serem priorizadas no orçamentoparticipativo. Das 723 obras indicadas, 17% foram encaminhadas pelosite do COMPOR, inaugurado naquele ano. Em 2002, o aumento foide 166%: das 1927 indicações, 70% ocorreram pelo site.

Fatores de inovaçãoUma importante distinção deve ser feita quando consideramos os

conceitos de acesso e acessibilidade na administração pública. Acessosignifica a possibilidade de consultar ou adquirir informações gover-namentais eletronicamente; acessibilidade significa a facilidade comque alguém pode fazer uso da possibilidade de consultar informaçõesgovernamentais eletronicamente.7 Em ambos os aspectos o OrçamentoParticipativo Interativo de Ipatinga é inovador.

Quanto ao acesso, é possível obter uma extensa série de dados

relativos ao município e também acompanhar a execução das obraspropostas e aprovadas pelo Orçamento Participativo Interativo.

Quanto à acessibilidade, a prefeitura de Ipatinga oferece à popu-lação, durante a fase de indicação e votação de prioridades, computa-dores conectados ao Portal do Cidadão. Monitores treinados auxiliamos cidadãos que quiserem utilizar o meio eletrônico para indicar obraspara o orçamento participativo. Por essas razões, todo o processo tor-na-se realmente inovador e tem o potencial para ser replicado em ou-tros locais que já adotaram alguma forma de orçamento participativo,bastando para isso investimento em infra-estrutura e compromisso dopoder público em prover pontos de acesso ou telecentros e aperfeiçoaros mecanismos de acessibilidade.

O portal da Prefeitura de Ipatinga foi construído de forma a per-mitir uma grande interatividade com os usuários. Para isso, o portalconta com uma série de instrumentos que facilitam a acessibilidadeaos diversos dados e informações. Quanto à participação via Internetnas discussões do Orçamento Participativo Interativo, destaca-se a cri-ação de ferramentas de acesso à votação.

O desenvolvimento de outros recursos de interatividade no site

7 Cf. GovernmentsOnline InternationalNetwork. E-democracyon GOL countries,2001. disponível emhttp://www.governments-online.org/.

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12 do orçamento participativo tem o potencial de gerar com o tempo no-vos instrumentos de conscientização dos munícipes no trato com acidade que os abriga, e talvez mesmo contribuir para a construção denovos laços de solidariedade entre os usuários, sejam eles liderançascomunitárias, conselheiros e delegados do OP, ou cidadãos que têmdireito à eficiente prestação de serviços públicos. A própria noção deidentificar prioridades requer um comprometimento dos cidadãos comideais de justiça social; requer ainda o esforço e treinamento de umolhar mais abrangente, isto é, para além das fronteiras da própria rua,bairro ou regional.

Nesse sentido, a Caravana da Participação Popular é outro mo-mento de todo o processo que merece ser destacado. A possibilidadede avaliar os diferentes níveis de carência de infra-estrutura urbanaexistentes contribui para o processo de negociação das prioridades en-tre as regionais orçamentárias. São freqüentes, por exemplo, os “em-préstimos de recursos” da cota pré-estabelecida de uma regional para

outra. Assim, o processo do orçamento participativo de Ipatinga pro-move algo mais do que a mera competição por obras públicas entre asregionais, qualificando todo o processo de participação popular.

Até o ano de 2001, eram usados os seguintes critérios de pondera-ção para a divisão de cotas orçamentárias diferenciadas: o número dehabitantes, a renda familiar, a média domiciliar, a carência de pavi-mentação, a carência de área de lazer, a coleta de lixo e o IPTU. Em2002, os conselheiros aprovaram novos critérios baseados no ÍndiceSocial, no Índice de Gestão e no Índice de Cidadania Participativa. Aprincipal inovação com relação a anos anteriores é uma importanteabordagem da noção de cidadania não apenas do ângulo dos direitos,mas também dos deveres. Se, por um lado, os indicadores sociais e degestão procuram abranger as carências existentes – sejam elas resulta-do do histórico processo de exclusão social ou de deficiências na pres-tação de serviços por parte do poder público municipal – os indicado-res de cidadania (inadimplência de IPTU, incidência de casos de den-gue e participação no COMPOR) incidem na contrapartida da popu-lação e a incentivam.

Finalmente, é importante ressaltar que, ao contrário do que afir-

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13mam os detratores do orçamento participativo, em Ipatinga a amplia-ção da participação tem sido efetivamente crescente. Além disso, háindícios de que todo o processo contribui para o surgimento de novaslideranças da sociedade civil e para incrementar a visibilidade do Po-der Legislativo, que tem, muitas vezes, atuação insignificante no pro-cesso de governo dos municípios brasileiros. Uma evidência é oenvolvimento que os vereadores têm demonstrado para com o orça-mento participativo, esforçando-se para a criação de novos canais decomunicação com a comunidade, como o disk-Câmara, um programade rádio e a publicação de um jornal de circulação bimestral.

Dificuldades e desafiosApenas um pequeno número de moradores possui

microcomputador pessoal e tem acesso à Internet. As dificuldades queos demais moradores enfrentam por falta desses recursos constituem

uma preocupação central para os coordenadores do OrçamentoParticipativo Interativo. Políticas de inclusão digital, a exemplo dostelecentros inaugurados na cidade de São Paulo e em outras capitais,demandam uma quantidade significativa de recursos e requerem aparticipação das demais as esferas de governo, além da municipal. Afim de solucionar essa dificuldade, em 2002 a Prefeitura estava emnegociação com o BNDES para prover todas as escolas municipais comlaboratórios de informática. Os laboratórios poderiam funcionar, in-clusive, nos fins de semana, atraindo a população jovem e adulta, den-tro de um projeto mais abrangente de inclusão digital.

Um dos principais desafios que se apresentam para o OrçamentoParticipativo Interativo de Ipatinga é o aproveitamento do potencialpedagógico que todo o processo oferece. Ao criar condições de capaci-tar a população e as entidades da sociedade civil, o processo conseguedesmistificar a elaboração do orçamento e toda a tecnicidade que osustenta, assim como as burocracias que tendem a se insular nas ad-ministrações locais.

A maioria das decisões ainda se refere aos investimentos e às obraspúblicas e torna-se cada vez mais necessário ampliar o controle social

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14 sobre o orçamento, abrangendo todas as receitas e despesas da prefei-tura, e incluir, por exemplo, a discussão sobre o perfil dos gastos compessoal e custeio da prefeitura.

Outro desafio é aproveitar algumas facilidades que a Internet ofe-rece, como a realização de fóruns eletrônicos permanentes de discus-são de políticas públicas, o que pode contribuir para qualificar aindamais a participação popular e o formato institucional do orçamentoparticipativo. Os fóruns podem ser um instrumento para a democrati-zação das decisões sobre alternativas de políticas sociais e para o esta-belecimento futuro de prioridades entre programas públicos e não ape-nas entre obras.

Considerações finaisMuitos estudos e programas fornecem evidências empíricas de que

o orçamento participativo melhora o desempenho da administração

em termos de eficiência e promove maior eqüidade na distribuiçãodos recursos públicos. O orçamento participativo tem demonstrado acapacidade de se tornar um instrumento de participação da populaçãode baixa renda e de transferência de recursos materiais para essa faixada população, ao inverter prioridades estabelecidas há décadas, e limi-tar a ação dos mediadores políticos, substituindo-os por fóruns nosquais a população toma as principais decisões.

O processo do orçamento participativo em Ipatinga – que objeti-va, como em outras experiências sérias, a radicalização da democracia,o fortalecimento da participação popular e da transparência e o con-trole social da administração pública – vem sendo aperfeiçoado pelasferramentas de interatividade que a Internet oferece, tendo contribuí-do, ao menos potencial e virtualmente, para que o cidadão se tornealgo mais do que um mero beneficiário de obras e serviços públicos epassa a ser também um fiscal dos seus interesses e dos interesses dacoletividade. Mais do que identificar, sugerir e indicar investimentosprioritários, a população de Ipatinga pode acompanhar todo o proces-so, da licitação até a execução final, podendo assim cobrar maior efici-ência administrativa, caso alguma obra esteja com problemas.

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15O processo de informatização não deve, no entanto, esvaziar amobilização e os espaços de participação, duramente construídos econquistados ao longo desses 13 anos.

Referências bibliográficas

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Versão em formato PDF

Programa deFortalecimento da CadeiaProdutiva do Setor Têxtil

finalistas do ciclo depremiação 2002

Leandro Pinheiro

Programa Gestão Pública e Cidadania

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20 Experiências de Gestão Pública e Cidadania/Organizadores: Gabriela Spanghero Lotta, Hélio Batista Barboza,Marco Antonio Carvalho Teixeira e Verena Pinto. São Paulo: ProgramaGestão Pública e Cidadania, 2003272 p.

Inclui bibliografia.

1. Políticas públicas – Brasil. 2. Administração pública – Brasil.I. Lotta, Gabriela Spanghero. II. Barboza, Hélio Batista. III. Teixeira, MarcoAntonio Carvalho. IV. Pinto, Verena. V. Programa Gestão Pública eCidadania.

CDD-352

Originalmente publicado em:20 Experiências de Gestão Pública e Cidadania

Gabriela Spanghero Lotta, Hélio Batista Barboza,Marco Antonio Carvalho Teixeira e Verena Pinto (orgs.)

Copyright © Gabriela Spanghero Lotta, Hélio Batista Barboza,Marco Antonio Carvalho Teixeira e Verena Pinto

Direitos da edição reservados aoPrograma Gestão Pública e CidadaniaAv. 9 de Julho, 2029 – 2º andar da Biblioteca01313-902 – São Paulo – SPTel: (11) 3281-7904 / 3281-7905Fax: (11) 287-5095E-mail: [email protected]://inovando.fgvsp.br

Impresso no Brasil / Printed in Brazil

Todos os direitos reservados. A reprodução não autorizada destapublicação, no todo ou em parte, constitui violação da lei dedireitos autorais.

1ª edição – 2003

Capa/editoração: Liria OkodaImpressão: Gráfica Dedone

Versão gráfica em formato PDF: Liria Okoda

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Histórico e contextoNa história do desenvolvimento econômico de Campina Grande

o comércio e o algodão sempre aparecem em posição de destaque.Segundo Ricardo Arruda, gerente da Agência Municipal de Desenvol-vimento Econômico (AMDE), desde meados do século XIX a cidadeconfigurou-se como um entreposto comercial importante, sobretudopela sua posição geográfica estratégica no conjunto do Estado da Paraíbae de Estados vizinhos.

A importância do comércio como fonte de ocupação e renda parauma população crescente, oriunda do êxodo rural, revela-se com a cri-se do algodão e posteriormente com a crise industrial no município.Atualmente, Campina Grande é uma referência regional para oabastecimento de grande parte do interior do Estado. Em conversacom munícipes, logo se percebe que o comércio, grande parte nainformalidade, é hoje quem mais emprega e contribui para a renda

Programa deFortalecimento da CadeiaProdutiva do Setor TêxtilCAMPINA GRANDE (PB)

Leandro Pinheiro1

1 EngenheiroFlorestal formadopela Universidade deSão Paulo, trabalhacom questõessocioambientais emdiversas regiões dopaís desde 1993.Coordenouprogramas noConsórcioIntermunicipal dasBacias dos RiosPiracicaba, Capivari eJundiaí, no Centro deEnsino Superior deBarueri, no ProjetoSaúde e Alegria, entreoutros. Tambémavalia projetos einiciativas dedesenvolvimentolocal sustentávelapoiados pelo PD/A –

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4 familiar. Nesse contexto, o algodão é o passado, um passado que des-perta saudosismo.

A cultura do algodão viveu seu apogeu na década de 50, quandoCampina Grande se apresentava como a segunda cidade no mundoem exportação de pluma (algodão sem caroço). “Um algodão de qua-lidade pela resistência e comprimento das fibras”, destaca FranciscoAssis, gerente do consórcio de exportação denominado Associação dePromoção e Exportação de Produtos Têxteis. Entretanto, um aprimo-ramento tecnológico originalmente concebido para fazer uso dos resí-duos da fiação possibilitou a utilização de algodão com qualidade in-ferior de fibras. A chegada do bicudo reduziu significativamente aprodutividade, que na época era em média de 400kg/ha. A região seviu impossibilitada de competir com a produtividade de culturasirrigadas em Santa Catarina e posteriormente da região do cerrado,uma vez que a qualidade da fibra não era mais limitante.

A crise industrial se iniciou alguns anos depois. O parque têxtil

instalado na região começou a perder mercado para São Paulo (em-presas instaladas na região do Bom Retiro). A entrada de grandes re-des de varejo e de supermercados na área do vestuário mudou as ca-racterísticas do mercado. O setor viu sua margem de lucro desapare-cer ao mesmo tempo em que inflação, juros, ausência de crédito pre-judicavam iniciativas produtivas. Segundo Maria Salette Almeida Leal,diretora geral da Confecção Teen Shirt , a quebradeira foi geral e pou-cas empresas fecharam antes de falir. O parque industrial estagnadofrente ao crescimento populacional tornou escassas as oportunidadesno mercado de trabalho, confirmando a sensação, que se percebe emconversas com munícipes, de falta de perspectivas.

No campo, não surgiu um substituto para a cultura do algodão.Os pequenos produtores se voltaram para a agricultura de subsistên-cia (milho e feijão) e os produtores de médio e grande porte para apecuária extensiva de baixa produtividade. Algumas experiências comagricultura irrigada tiveram impactos desastrosos devido à salinizaçãodo solo.2

Percorrendo a zona rural observam-se várias áreas abandonadas,algumas com antigos plantios de sisal, pastagens degradadas e peque-

PPG7 e PrêmioFENEAD – Ação

Nacional dosEstudantes

Universitários paraSoluções Sociais.

2 Em várias regiõesdo Estado, a água

subterrânea ésalobra e seu uso

continuado nairrigação ocasiona asalinização do solo,

que o inutiliza para aagricultura.

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5nas áreas com palma (tipo de cacto) utilizada na alimentação decaprinos. Um ambiente semi-árido de terrenos bastante pedregosos ealguns afloramentos rochosos indicando que os solos devem ser rasos.Pontes atravessam os leitos secos de ribeirões intermitentes. Casascaiadas bem dispersas de produtores que receberam aquela terra porherança contrastam com as áreas sistematicamente mais adensadasdos assentamentos rurais.

As políticas estaduais para o setor rural apontam algumas iniciati-vas pontuais com culturas irrigadas, eletrificação rural e outros temasmarginais. Nada que indique uma alternativa de produção agrícola noEstado e em especial para esta população de micro e pequenos produ-tores. A estrutura da Emater, órgão estadual responsável pela extensãorural, mostra-se subdimensionada e incapaz de apoiar os produtores.Novamente a sensação de falta de perspectiva pode ser identificada.

Diante dessa situação, a Prefeitura de Campina Grande decidiucontribuir efetivamente para a geração de renda e emprego no muni-

cípio, criando a Agência Municipal de Desenvolvimento Econômico,em 1999. 3 Dentre os diversos programas da Agência, o ProgramaMultissetorial envolve a organização de segmentos sociais, qualifica-ção profissional e microcrédito. Neste último componente, a equipeda AMDE começou a identificar uma forte tendência dos pequenosempreendedores de se dirigirem para o setor têxtil. Entre 1999 e 2000,foram apoiados mais de 100 pequenos empreendimentos relaciona-dos ao setor (Relatório da AMDE, 2000).

Tal interesse pode ser explicado pelo contingente de funcionáriosqualificados demitidos do parque industrial têxtil outrora instalado.Além disso, muitas das empresas ainda em funcionamento optavampor terceirizar parte de seu sistema produtivo por meio da mão-de-obra de grupos informais, reduzindo assim seu quadro funcional e osencargos patronais. Esses pequenos empreendimentos também abas-tecem o comércio local das sacoleiras, que distribuem os produtos nosmunicípios da região. Parte desses pequenos empreendimentos adici-ona aos produtos características regionais, incluindo componentesartesanais de crochê e bordados, com boa aceitação local, como sepode observar nas vitrines do comércio no centro da cidade.

3 Iniciativa premiadapelo ProgramaGestão Pública eCidadania em 2000.Ver: FARIAS, AndréLuís Assunção de.;LIMA, Lívio OliveiraAdelino de; eTRINDADE, UrâniaCatão Maribondo.“Agência Municipal deDesenvolvimento”. In:FARAH, MartaFerreira Santos eBARBOZA, HélioBatista. 20Experiências deGestão Pública eCidadania – ciclo depremiação 2000. SãoPaulo: ProgramaGestão Pública eCidadania, 2001. Vertambém: BARBOZA,Hélio Batista eFUJIWARA, LuísMário. Histórias de umBrasil que funciona.São Paulo: ProgramaGestão Pública eCidadania, 2000.

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6 Paralelamente, a Embrapa Algodão, sediada em Campina Gran-de, com a missão de viabilizar soluções para o desenvolvimento doagronegócio do algodão, apresentava o resultado de um trabalho de12 anos: o algodão colorido (marrom). Desenvolvido a partir de umavariedade nativa da região, conhecida como algodão mocó, esse novocultivar apresentava características adequadas ao cultivo e aobeneficiamento, além do diferencial da coloração marrom. Uma par-ceria estratégica possibilitou que inicialmente esse cultivar fosse in-troduzido apenas no Estado da Paraíba, para o qual está adaptado.

Analisando tais informações, a equipe da AMDE decidiu traba-lhar o setor produtivo de maneira mais organizada e integrada, crian-do o Programa de Fortalecimento da Cadeia Produtiva do Setor Têx-til de Campina Grande.

ESQUEMA DA CADEIA PRODUTIVADO SETOR TEXTIL

TECNOLOGIASEMENTESSELECIONADAS RECURSOS

SEMENTESFINANCIADAS

INFORMAÇÃOMERCADO

MARCA

PLUMA

ALGODÃOCOM CAROÇO

FIO

TECIDOSDESIGN

PEÇASACABADAS

ACABAMENTOSDIFERENCIADOS

MALHA

AVIAMENTOS

SEMENTES

CUSTEIO DACAPACITAÇÃO

Faepa

DESENVOLVIMENTOTÉCNOLÓGICO

Embrapa

DISTRIBUIÇAOFINANCIAMENTO

Credação

CAPACITAÇÃO DOSPRODUTORES

Senar

PRODUÇÃOMicro e Pequenos

ProdutoresARMAZENAMENTOBENEFICIAMENTO

Campal

COMERCIALIZAÇÃO*Consórcio

de Exportação

AMDE*Coordenação

FIAÇÃOEmbratexProvisório

CONFECÇÕES*Empresas

TECELAGEM*Empresas

do Pólo Têxtil

DESEN. PRODUTOSLabvestSENAI

MALHARIAEmpr. de João Pessoa

Provisório

AVIAMENTOSLojas locais

ARTESANATO*Cooperativas

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7O funcionamento do Programae o papel da AMDE

Conforme pode ser observado no esquema apresentado acima, aAMDE integrou e coordenou diversos atores locais em torno de umPrograma que busca transformar uma potencialidade da região emoportunidades efetivas de geração de renda e ocupação.

Por intermédio da Credação (instituição sem fins lucrativos focadaem microcrédito), sementes do algodão colorido desenvolvido pelaEmbrapa foram colocadas à disposição dos microprodutores da regiãona forma de empréstimo. Os microprodutores também receberam trei-namento para o plantio, manejo de pragas e colheita, oferecido peloServiço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) e custeado pela Fe-deração da Agricultura do Estado da Paraíba (Faepa). Em alguns ca-sos, os agentes multiplicadores de cada região também buscaram nasprefeituras e em outras entidades apoios complementares para os pro-dutores, como empréstimo de maquinário, fertilizantes e pesticidas.

Os produtores foram acompanhados pelos técnicos e mais intensa-mente pelos agentes multiplicadores durante o processo de cultivo ecolheita, dispondo, assim, de insumos e informação para plantar oalgodão colorido e obter bons resultados.

O algodão colhido é transportado, armazenado e beneficiado pelaCooperativa de Produtores de Algodão (Campal). Parte das sementesfoi selecionada para os plantios subseqüentes e parte foi destinada àprodução de ração animal a ser distribuída para os produtores envolvi-dos no Programa. O algodão sem caroço foi então encaminhado paraa fiação na Embratex, uma empresa da região. Como a produção épequena, a empresa não demonstrou interesse em continuar com oprocesso de fiação nos próximos anos, dados os custos operacionaisdesse processo. A AMDE então passou a articular com outras entida-des, como o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) ainstalação de uma fiação no município para suprir essa deficiência dacadeia produtiva. Novamente se destaca o papel de articulação daAMDE no sentido de fortalecer a cadeia produtiva.

O fio é então encaminhado para as tecelagens do município, quefuturamente integrarão um pólo têxtil, e provisoriamente para umamalharia em João Pessoa. A malha produzida retorna a Campina Gran-

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8 de para as confecções. A AMDE também trabalha para trazer ao mu-nicípio uma malharia que torne desnecessário o envio do material paraJoão Pessoa.

Em busca de um produto diferenciado, a AMDE também envol-veu o Laboratório do Vestuário do Senai em Campina Grande no de-senvolvimento de produtos. As confecções que integram o pólo têxtilem implantação passam a dispor de matéria-prima diferenciada (teci-dos e malhas feitos com o algodão colorido) e de apoio para o desen-volvimento de produtos e coleções. De maneira complementar, for-maram-se cooperativas para agregar valor aos produtos, com acaba-mentos artesanais diferenciados. Potencializa-se, dessa forma, a gera-ção de postos de trabalho na cadeia produtiva. Finalmente, consti-tuiu-se um consórcio de exportação para comercializar a produção comuma marca forte

A organização desses atores locais não se daria de forma espontâ-nea; a articulação e a retaguarda institucional propiciada pela AMDE

possibilitam, assim, que diversos obstáculos sejam superados. A atua-ção da AMDE, como será detalhado mais adiante, também se carac-teriza por buscar relações mais justas entre os diversos atores envolvi-dos. Dessa forma, evita-se que a cadeia produtiva tenha elos fracos ese potencializam os benefícios sociais.

Análise do ProgramaA iniciativa é constituída basicamente de ações de apoio a diver-

sos segmentos da cadeia produtiva e da integração desses segmentosem um plano estratégico. A figura antes apresentada procura repre-sentar a cadeia produtiva tal como foi possível identificar durante atrabalho de campo. É provável que não estejam inseridos alguns par-ceiros não visitados ou mencionados nas diversas entrevistas.

O papel da AMDE na coordenação dessa iniciativa é nítido. Ob-serva-se um esforço consciente de coordenação das diversas forças queinteragem na cadeia produtiva e uma capacidade de articular essesdiversos atores em torno de um objetivo comum. Nesse papel, a Agênciatem superado divergências políticas e limites territoriais. Dada a difi-

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9culdade dos municípios menores em contar com pessoal qualificadoem seu quadro funcional, o papel de articulação de iniciativas nessaescala e com essa natureza normalmente surgem da iniciativa priva-da, do terceiro setor ou órgãos estaduais.

O Programa tem abrangência regional, envolvendo atores em di-versos municípios (com partidos diferentes), com escala comparável àde uma iniciativa estadual. Vinte e oito municípios da região estãoenvolvidos na proposta, plantando o algodão colorido. Oarmazenamento e beneficiamento são feitos em Patos, a malha emJoão Pessoa. Para concretizar esse trabalho fora dos limites de Campi-na Grande, a AMDE desenhou e implementou uma engenhariainstitucional com o envolvimento de entidades sem fins lucrativos.

A estrutura da AMDE é enxuta, ágil e qualificada, gerando confi-ança no setor empresarial, conforme relatado por empresários de di-versos setores envolvidos na cadeia têxtil.4 Por outro lado, constata-senos relatos que tais características se limitam a AMDE, não permeando

a estrutura da Prefeitura como um todo. Funcionários da AMDE men-cionaram dificuldades em interagir com outras secretarias municipaisdevido às diferenças no sistema de trabalho.

Embora críticas sejam apresentadas, a AMDE e o Programa sãobem vistos pela população em geral, pela sociedade civil organizada5

não envolvida com a proposta e pela oposição política no município.6

De maneira geral, a comunidade não envolvida diretamente com aproposta tem pouca informação e desconhece os mecanismos pelosquais a iniciativa pretende se viabilizar.

A coordenação geral do trabalho é realizada por mulheres . No es-quema apresentado as etapas coordenadas prioritariamente por mu-lheres estão destacadas com um asterisco. Entretanto, foi possível iden-tificar o envolvimento feminino em todas as etapas do trabalho. Quan-do questionadas sobre eventuais preconceitos sofridos, as mulheresem posição de liderança fizeram referência ao histórico machismopresente no Estado e admitiram já terem passado por situações dessanatureza. A diretora presidente da AMDE, Silvana Nunes da Costa,mencionou dificuldades ocorridas no passado, por ser mulher e negra,mas ressaltou que iniciativas como esta podem contribuir para mudar

4 Entrevistados:Maria S. A. Leal (TeenShirt); Nora C. O.Cavalcanti (Entrefios );Maysa Motta Gadelha(Consórcio); além deempresário do setorde transportes quetrabalham para asconfecções

5 O autor visitou oCentro de AçãoCultural (Centrac),que trabalha comorçamentoparticipativo edesenvolvimentosustentável na região.A visita foi sugeridapela oposição políticaà atual gestãomunicipal.

6 Entrevista comVanderlei Medeiros,assessor da oposiçãoa atual gestão.

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10 esse cenário. Não foi possível identificar uma estratégia deliberada defavorecimento das mulheres no processo ou preocupações com igual-dade de oportunidades.

A iniciativa faz uso de conceitos de mercado justo (fair trade) pro-curando benefícios proporcionais e lucros repartidos entre todos osenvolvidos na cadeia. Vários dos empresários entrevistados fizeramreferência aos produtores e artesãos e já haviam em algum momentovisitado plantios e cooperativas de trabalho. Existe um movimento deaproximação dos atores dos diversos elos da cadeia, o que favorece aexplicitação dos objetivos comuns.

O sistema de implementação e gerenciamento da proposta é descen-tralizado. Procura-se favorecer lideranças locais e fortalecer ou organizarassociações de produtores, cooperativas e clubes de mães. Cada municí-pio conta com um facilitador local que é responsável pelo acompanha-mento dos plantios. São técnicos da Emater, vereadores, líderes de associ-ações de produtores, funcionários de prefeituras de diversos partidos que

trabalham sem um ganho adicional em prol da proposta.Os envolvidos na cadeia constituíram um grupo que se reúne men-

salmente, possibilitando a troca de informações e o planejamento in-tegrado das ações. Estão presentes o Senar, a Credação, a AMDE, oSINDVEST, a Natural Fashion (marca do Consórcio de Exportaçãocriado para trabalhar as peças de algodão colorido), a Embrapa e oSenai entre outros. Este fórum de discussão permanente é o InstitutoCasaca de Couro 7 . É pequena a participação dos produtores no Insti-tuto: alguns de seus representantes foram convidados, mas não com-pareceram às reuniões. Provavelmente, isso se deve à dificuldade deorganização dos produtores, em meio ao generalizado esvaziamentode sindicatos e associações de produtores rurais.

A preocupação ambiental está presente no discurso dos responsá-veis pela iniciativa. embora não figure entre as principais preocupa-ções do Programa. Uma vez que não é necessário tingir o fio, o impac-to ambiental se reduz. Um dos plantios do algodão colorido foi feitode forma orgânica e obteve bons resultados. Existe o interesse em sedifundir o sistema orgânico de plantio, mas na maior parte dos planti-os, foi utilizado defensivo contra o bicudo.

7 Casaca de couro éuma ave da região

que utiliza gravetoscom espinhos emtoda parte externa

de seu ninho.

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11O Programa: perspectivados envolvidos e beneficiários

“Todo o dinheiro deste algodão já tem destino certo”, explicouum produtor do município de Picuí, mostrando parte da colheita ar-mazenada em sua casa. A produtividade de sua plantação estava emtorno de 800 a 1000kg/ha e o produto alcançava preços de R$800,00 aR$1000,00/ha. “Um produtor de um assentamento de Patos recebeuR$3000,00, ele disse que nunca tinha visto tanto dinheiro junto” des-creveu o motorista da AMDE, quando guiava o autor pela cidade.

Neste primeiro ciclo de plantio, foram cadastrados 252 produto-res e se implantou uma área de 516,35ha. Cada produtor plantou en-tre um e três ha dependendo da mão de obra e área disponível. Tantoa equipe técnica quanto os produtores já identificaram oportunidadesde melhorar o manejo e aumentar a produtividade para até 1200kg/ha. Os produtores se mostraram bastantes satisfeitos com o resultado:segundo eles, o algodão colorido é melhor do que as culturas que plan-

tavam anteriormente. É possível observar que os produtores estãodominando as técnicas essenciais de cultivo e manejo, numa indica-ção de que o trabalho de extensão tem gerado bons resultados.

Esse algodão perene, uma vez plantado, é colhido por três safras.O trabalho de colheita tem forte participação feminina e é considera-do um trabalho leve. O combate ao bicudo inclui uma etapa de cataçãodos botões que caem (onde a fêmea depositou os ovos) que é realiza-do com a ajuda das crianças. Segundo os técnicos, a tarefa tem umcomponente cultural e lúdico e não constitui uma atividade pesada.

Em conversa com produtores que não haviam plantado, consta-tou-se que havia um certo descrédito em relação à proposta e quemuitos tinham receio de se envolver em um negócio incerto. “Eu fi-quei com medo desse negócio do algodão colorido, achei melhor es-perar pra ver”, confessou um dos produtores. Outros mencionaramque não efetuaram o plantio porque a área já estava ocupada comoutras culturas.

De maneira geral, os produtores que não plantaram o algodão noano anterior se mostraram interessados em se envolver no próximociclo de plantio e os que haviam plantado estão planejando ampliar a

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12 área. O próximo ciclo de plantio deve atingir 1000 há, 500 produtorese 50 municípios.8

O trabalho do agente multiplicador, ou animador local, que emPicuí era um vereador do município, mostrou-se fundamental e foireconhecido pelos produtores. Era possível identificar um bom ca-nal de comunicação entre os produtores, o animador local e a equi-pe da AMDE. Segundo a equipe da Agência apenas em duas locali-dades o trabalho dos agentes multiplicadores não saiu a contento.A solução para esses casos sairia de uma conversa com as liderançasdo município em questão, reforçando o caráter descentralizado doprocesso decisório.

Uma vez colhido, o algodão está sendo armazenado e beneficiadona Campal, no município de Patos. A AMDE, em conjunto com aEmbrapa, conseguiu envolver este parceiro e fazer uso de toda umainfraestrutura já instalada. A Cooperativa também está transportandoo algodão das regiões produtoras para os armazéns. O armazenamento

é um detalhe muito importante do processo. A AMDE distribui paraos produtores sacos de algodão adequados ao armazenamento, garan-tindo a qualidade do produto. Esse nível de detalhe pode ser observa-do em todo o trabalho relativo ao Programa.

A fiação está sendo feita provisoriamente na Embratex, empresado grupo Coteminas. Inicialmente a empresa resistiu em se envolvercom o trabalho devido à escala reduzida de produção do algodão colo-rido. A resistência foi vencida por meio da pressão política de empresasenvolvidas no Consórcio. “Quando o Lula veio visitar Campina Gran-de pedimos que ele intercedesse junto ao seu vice, que é o dono daEmbratex”, relata Nora Cavalcanti, da Entrefios. Tendo identificadonessa etapa do processo um provável gargalo, a AMDE está negocian-do com o Senai para trazer uma fiação ao município. A malha estásendo feita em João Pessoa, uma vez que não existe uma empresa querealize tal função na região.

Para Maysa Gadelha, presidenta do consórcio de exportação, a pos-sibilidade de outras regiões passarem a produzir o algodão ou a confec-cionar peças com o mesmo material não chega a preocupar. “Há trêsanos trabalhamos nesta proposta.”, explica. “Cada passo dado deu

8 O Estado daParaiba tem 223

municípios. Nestepróximo ciclo de

plantio a iniciativa daAMDE estará

envolvendo 22,4%dos municípios do

Estado.

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13muito trabalho. Não será fácil chegar onde estamos”.O estilista Ângelo Rafael Farias, responsável pelo Laboratório do

Vestuário (LabVest) do Senai em Campina Grande, descreve como olaboratório cresceu com o avanço da marca Natural Fashion. Orgu-lhoso, ele apresenta as fotos das peças confeccionadas com o algodãocolorido e destaca a importância da iniciativa para o município e aregião. “Não vejo a hora de as mulheres começarem a ganhar dinhei-ro com este trabalho, dignidade é dinheiro no bolso” , conta Ângelo.Todo o trabalho realizado pelo estilista é pago pela Natural Fashion eeste respaldo possibilitou a estruturação do laboratório e a formaçãoda equipe.

As lojas de aviamentos previstas no projeto do pólo têxtil9 , aindanão instaladas, vem ao encontro das preocupações dos clubes de mu-lheres e cooperativas. “Os aviamentos são muito caros nas lojas dacidade e para comprar mais barato tem que comprar muito e enco-mendar de longe”, explica uma participante do clube de mães do Bair-

ro do Lucas. O clube, inclusive, está passando por uma capacitação emcooperativismo e temas relacionados.

A idéia é transformar os clubes de mães em cooperativas de traba-lho. É um processo de médio prazo e bastante trabalhoso, mas queapresenta o maior potencial de inclusão dessas comunidades na cadeiaprodutiva e de distribuição dos benefícios gerados. Conforme disse-ram as trabalhadoras de uma das cooperativas já formadas, trata-setambém de uma das poucas alternativas de geração de renda. Um ou-tro aspecto a ser considerado é a preocupação com o resgate cultural ea forte identificação do produto com o município.

Cada cooperativa deve trabalhar elementos diferentes para nãohaver concorrência entre elas. Enquanto uma trabalha com as varan-das de redes e outros acabamentos, outra faz bicos de crochê e umaterceira se prepara para começar a tecelagem com máquinas e galpãoobtidos em regime de comodato pela AMDE.

Parte desse trabalho era antes gerido por atravessadores, que fazi-am a comunicação entre as empresas e os grupos de mulheres, normal-mente organizados em clubes de mães. Os atravessadores ficavam comsignificativa parte do pagamento pelo trabalho desenvolvido pelas

9 O Centro deProdução eComercialização doSetor de Confecções– Pólo Têxtil deCampina Grande éum projeto que fazparte dessePrograma. Uma áreajá foi desapropriadapara a instalação dasempresas.

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14 mulheres. O presidente de uma das cooperativas explicou que, atual-mente, Para cada rede terminada (com os acabamentos de punho evaranda). a Entrefios paga R$ 10,00. sendo R$ 1,00 para a cooperativae R$ 9,00 para a cooperada. Antes, a responsável ficava com R$ 2,40.No caso da rede de algodão colorido, o pagamento atinge R$ 12,00..Atualmente, estão sendo desenvolvidos trabalhos com 10 clubes demães/cooperativas, envolvendo em torno de 300 mulheres.

As atividades do programa envolvendo (i) micro e pequenos pro-dutores; (ii) clubes de mães e associações; e (iii) micro e pequenasempresas relacionadas ao setor (por meio do microcrédito) demons-tram uma preocupação com os elos mais fragilizados da cadeia e aaplicação dos conceitos de mercado já mencionados.

Considerações finaisDesse conjunto de depoimentos e informações, a impressão que

fica é a de que a proposta está se consolidando e que o processo funci-ona com uma certa autonomia em relação à AMDE. Essa autonomiareforça a idéia de que o processo de coordenação está se dando demaneira eficiente. A boa coordenação não é aquela que centraliza, masa que organiza. A proposta inova pelo caráter estratégico e articulado.

Observa-se também que os atores se apropriam gradualmente daproposta, compartilhando a responsabilidade pela sua execução e peloseu sucesso. É difícil prever os resultados dessa iniciativa na problemá-tica da inclusão e do combate a pobreza, tanto quanto predizer comoesses diversos atores, por meio dos canais de participação observados,poderão interferir no desenho original do Programa. Os conceitos quediferenciam essa proposta de um simples incentivo governamental paraum determinado setor parecem bem difundidos e a todo o momentosurgem no discurso dos envolvidos e beneficiários. Discurso este plenode perspectivas e planos para o futuro.

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15Documentos Consultados

AMDE. Relatório de Gestão. Campina Grande, 2002

Prefeitura Municipal de Campina Grande. Lei 3668/99 – Cria uma Empresa Públicadenominada Agência Municipal de Desenvolvimento AMDE e dá outras providências.

Agência Municipal de Desenvolvimento AMDE – Informativo . Campina Grande,sem data

AMDE. Programa de Fortalecimento da Cadeia Produtiva do Setor Têxtil de CampinaGrande. Campina Grande, 2002

Natural Fashion. Natural de Campina Grande. Campina Grande, sem data

EMBRAPA, Recomendações técnicas para o cultivo do Algodoeiro Mocó Precoce. Brasília,1997

Arruda, R. A. A. Perfil Econômico da Região. Campina Grande, sem data

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Versão em formato PDF

CIAMCentro Integradode Atendimento

à Mulher

finalistas do ciclo depremiação 2002

Janaina Valéria de Mattos

Programa Gestão Pública e Cidadania

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20 Experiências de Gestão Pública e Cidadania/Organizadores: Gabriela Spanghero Lotta, Hélio Batista Barboza,Marco Antonio Carvalho Teixeira e Verena Pinto. São Paulo: ProgramaGestão Pública e Cidadania, 2003272 p.

Inclui bibliografia.

1. Políticas públicas – Brasil. 2. Administração pública – Brasil.I. Lotta, Gabriela Spanghero. II. Barboza, Hélio Batista. III. Teixeira, MarcoAntonio Carvalho. IV. Pinto, Verena. V. Programa Gestão Pública eCidadania.

CDD-352

Originalmente publicado em:20 Experiências de Gestão Pública e Cidadania

Gabriela Spanghero Lotta, Hélio Batista Barboza,Marco Antonio Carvalho Teixeira e Verena Pinto (orgs.)

Copyright © Gabriela Spanghero Lotta, Hélio Batista Barboza,Marco Antonio Carvalho Teixeira e Verena Pinto

Direitos da edição reservados aoPrograma Gestão Pública e CidadaniaAv. 9 de Julho, 2029 – 2º andar da Biblioteca01313-902 – São Paulo – SPTel: (11) 3281-7904 / 3281-7905Fax: (11) 287-5095E-mail: [email protected]://inovando.fgvsp.br

Impresso no Brasil / Printed in Brazil

Todos os direitos reservados. A reprodução não autorizada destapublicação, no todo ou em parte, constitui violação da lei dedireitos autorais.

1ª edição – 2003

Capa/editoração: Liria OkodaImpressão: Gráfica Dedone

Versão gráfica em formato PDF: Liria Okoda

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Um olhar retrospectivo para a situação das mulheres nas socieda-des ocidentais certamente revelará muitas mudanças ocorridas nas úl-timas décadas. Uma das mais importantes talvez seja sua crescentepresença no espaço público, tradicionalmente ocupado pelos homens.O número de mulheres trabalhando fora de casa, freqüentando cursosuniversitários, e mesmo aparecendo desacompanhadas em locais pú-blicos de lazer tem crescido muito, refletindo uma mudança significa-tiva nos costumes.

Apesar disso, a violência de gênero continua fazendo parte da vidade um grande número de mulheres, de todas as idades e camadas soci-ais. O impacto da violência de gênero atinge vários aspectos da vidadas mulheres, incluindo problemas com a saúde, dificuldades de de-sempenho profissional, acadêmico, entre outros. Os custos econômi-cos e sociais desse tipo de violência também são altos, tanto para aspessoas como para o Estado.

CIAMCentro Integrado deAtendimento à MulherESTADO DO RIO DE JANEIRO

Janaina Valéria de Mattos1

1 Socióloga.mestranda emAdministração Públicae Governo da FGV-EAESP.

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4 Geralmente associada à ocorrência de agressões físicas, a violên-cia de gênero envolve diferentes formas de práticas discriminatóriascontra as mulheres, desde a educação diferenciada até a morte porhomicídio. A origem do problema reside na situação estrutural de de-sigualdade entre mulheres e homens que, no limite, significa a sujei-ção à força masculina na solução de conflitos no relacionamento ou nasatisfação sexual dos agressores. A violência contra a mulher ocorretanto na rua como em casa, mas vários estudos demonstram que ograu de insegurança doméstica para a população feminina é maior, ouseja, a porcentagem de mulheres que são atacadas por parentes e co-nhecidos é significativamente maior do que a de agredidas por estra-nhos, tendência que se inverte no caso masculinos.

AgendaO combate à violência de gênero é hoje uma das maiores priorida-

des da agenda internacional de direitos humanos e uma das condiçõesindispensáveis para a promoção da eqüidade no mundo. A Conferên-cia Mundial sobre Direitos Humanos, realizada em 1993, pela Organi-zação das Nações Unidas (ONU), reconheceu na violência contra amulher uma violação dos direitos humanos e um obstáculo ao desen-volvimento, à paz e aos ideais de igualdade entre os seres humanos.

Em 1994, a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir eErradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará)estabeleceu que a violência contra a mulher inclui: violência física,sexual e psicológica que ocorra dentro da família ou unidade domésti-ca; na comunidade, incluindo violação, abuso sexual, tortura, maustratos de pessoas, tráfico de mulheres, prostituição forçada, seqüestroe assédio sexual no local de trabalho, bem como em instituições edu-cacionais, estabelecimentos de saúde ou em qualquer outro lugar; ouque seja praticada ou tolerada pelo Estado ou seus agentes, onde querque ocorra. A Convenção recomenda que todos os esforços devem serfeitos para prevenir essas formas de violência e atender às suas vítimascom respeito e eficiência.

No Brasil, é possível verificar, principalmente desde a década de

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580, uma série de avanços no sentido de desmontar alguns suportes daviolência de gênero e de introduzir recursos para enfrentar sua inci-dência. São exemplos: a elaboração do Programa de Atenção Integralà Saúde da Mulher (PAISM), as conquistas constitucionais, com opleno reconhecimento da igualdade entre homens e mulheres na vidapública e na vida privada, o repúdio legal à violência doméstica, oreconhecimento da união estável como unidade familiar, a garantiade direitos reprodutivos, as leis estaduais e municipais que criaram osconselhos, as delegacias de mulheres e os primeiros abrigos para mu-lheres vítimas de violência doméstica, a legitimação dos serviços deatendimento das vítimas de violência sexual, a criação de órgãos deapoio jurídico e de proteção, dentre outros avanços.

A soma de todas essas conquistas certamente tem contribuído paragarantir maior segurança às mulheres. No entanto, eliminar a violên-cia das relações entre homens e mulheres não é tarefa que se resolvasomente no plano formal. É preciso influenciar também a forma como

eles se relacionam no cotidiano, realizar uma mudança cultural queestabeleça o respeito às diferenças, buscando outras maneiras para asolução dos conflitos, sem que o uso da força seja considerado umrecurso natural.

HistóricoNo centro da cidade do Rio de Janeiro, numa casa centenária,

restaurada e adaptada a suas novas funções, funciona o Centro Inte-grado de Atendimento à Mulher (CIAM), um serviço que o governodo Estado do Rio de Janeiro oferece a mulheres em situação de violên-cia de gênero.

O projeto CIAM foi criado com base no reconhecimento de que aviolência de gênero é um fato que exige intervenções e ações do Esta-do para assegurar os direitos das mulheres garantidos pela Constitui-ção. Em 1998, somente no município do Rio de Janeiro, foramregistrados 31.206 casos de agressões físicas contra mulheres, em suamaioria praticados por pessoas da família. No ano 2000, mais 24.603crimes contra mulheres foram registrados apenas nas delegacias

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6 especializadas de atendimento à mulher 2 . Apesar de elevados, essesnúmeros certamente estão subestimados, pois é comum as mulheresnão recorrerem às delegacias de polícia para denunciar as agressões deque são vítimas, nos casos de violência doméstica.

O Centro faz parte de um conjunto de ações promovidas e coor-denadas pelo Conselho Estadual dos Direitos da Mulher (CEDIM),órgão do governo estadual, vinculado ao Gabinete Civil, que tem aatribuição de assessorar, formular e monitorar políticas públicas desti-nadas à promoção da igualdade de gênero e ao combate à discrimina-ção contra as mulheres. Além de um Conselho Deliberativo, integra-do por mulheres da sociedade civil, o CEDIM conta também com umcorpo técnico permanente, formado por especialistas de diversas áre-as. Atua prestando serviços por meio de ações próprias e em parceriacom outros serviços fornecidos pelo Estado. Realiza estudos, pesqui-sas e campanhas públicas, além de ser um espaço de denúncia de situ-ações de discriminação.

O CEDIM funciona num imóvel tombado pelo Patrimônio His-tórico e restaurado pelo Governo do Estado, localizado também nocentro da cidade do Rio de Janeiro, próximo ao CIAM. Nas suas de-pendências há um espaço cultural, com café literário, livraria, sala deexposição de artes plásticas, auditório multimídia, duas bibliotecas,uma convencional e outra virtual3 (que disponibiliza pela Internetinformações de interesse da população feminina), além de uma “fá-brica cultural”, projeto financiado pelo Banco Interamericano de De-senvolvimento (BID), que oferece cursos e oficinas para a formação ecapacitação de jovens filhos de mães chefes de família.

Como resposta à crescente demanda da população feminina queprocurava o CEDIM em busca de atendimento psicossocial e jurídicopara situações de violência, foi formada, em 1993, uma comissão paraimplantação de um centro de atendimento. Essa comissão, formadapor funcionárias do CEDIM e representantes do movimento organi-zado de mulheres, elaborou o projeto CIAM, com inspiração na expe-riência do Pró-Mulher LBA/CEDIM. O Pró-Mulher, primeiro serviçode atendimento interdisciplinar a mulheres vítimas de violência noEstado do Rio de Janeiro, foi implantado pelo CEDIM em convênio

2 Fonte citada emmaterial de

divulgação do CIAM:Asplan – Polícia Civildo Estado do Rio de

Janeiro

3 Ver:www.cedim.rj.gov.br

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7com a Fundação Legião Brasileira de Assistência (LBA), e funcionoude 1988 a 1992, quando foi extinto em conseqüência de mudançasprogramáticas da LBA.

RecursosEntre a elaboração do Projeto CIAM, em 1993, e sua inauguração

oficial em março de 2001, as diversas gestões do CEDIM empenha-ram-se nas negociações para a implantação, aquisição e reforma dacasa para o funcionamento do Centro, contratação e capacitação depessoal para formar a equipe técnica, etc. Inicialmente implantado nasede do CEDIM/RJ, o CIAM funcionou por dois anos, até março de2001, como projeto-piloto. Desde essa data o serviço funciona em sedeprópria (imóvel do Estado).

O gasto orçamento anual com o CIAM, previsto para 2002 noorçamento do Estado do Rio de Janeiro é de R$ 170 mil, sendo R$ 120

mil para o custeio das atividades (pagamento de pessoal e despesas demanutenção) e R$ 50 mil para despesas com projetos. O governo doEstado responde por 100% dos recursos financeiros para a manuten-ção do serviço.

A equipe do CIAM é composta por dezoito pessoas, todas mulhe-res. No atendimento direto às usuárias trabalham três assistentes soci-ais, cinco psicólogas e duas advogadas. Mas também fazem parte daequipe uma diretora, duas assistentes administrativas, duas psicólo-gas responsáveis pelo “Disque-Mulher”, e três estagiárias de psicolo-gia. Algumas técnicas não pertencem aos quadros do Estado, ocupan-do cargos em comissão. Outras são cedidas por órgãos estaduais, comoa Secretaria de Saúde e o Metrô. Todas as profissionais da equipe pas-saram por seleção e capacitação específicas para o trabalho no CIAM.O projeto é gerenciado por uma Comissão de Monitoramento, com-posta também por mulheres (diretora e assistente administrativa doCIAM, coordenadoras de políticas setoriais e de projetos especiais doCEDIM e presidente do CEDIM).

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8 FuncionamentoTodas as mulheres que procuram o CIAM recebem o primeiro

atendimento para identificação da demanda e primeiras orientações.São elegíveis para o acompanhamento os casos de violência domés-tica, sexual e discriminação. O serviço funciona apoiado numa redeformada por delegacias de mulheres, juizados especiais criminais,casas-abrigo, Defensoria Pública, hospitais, organizações da socie-dade civil, etc. A ligação do CIAM com outras organizações se dápor meio de parcerias formais (convênios e termos de cooperaçãotécnica) e informais, constituindo uma rede de referência e contra-referência para mulheres vítimas de violência. São oferecidas diver-sas atividades de orientação e apoio, como grupos de reflexão, jurídi-co, atendimento aos filhos acompanhantes, Disque-Mulher, entreoutros serviços.

A parceria com a Secretaria de Trabalho e com o Sebrae permite aoferta de cursos de qualificação (como de informática e o de Mulhe-

res Empreendedoras), e encaminhamento para Centros de Oportuni-dade. Essa é uma atividade importante do atendimento, pois a depen-dência econômica é um fator em muitos casos condicionante da sub-missão da mulher frente ao homem provedor. Algumas atividades sãorealizadas no próprio CIAM, e outras oferecidas por outras entidadesque compõem a rede. Além do trabalho com as mulheres, o CIAMtambém encaminha agressores para grupos de reeducação e reflexão,realizados pelo Instituto NOOS, uma ONG parceira.

Os grupos de reflexão são encontros semanais, coordenados porpsicólogas e assistentes sociais. Reúnem mulheres de variadas gera-ções, graus de instrução, e camadas sociais, para a discussão de umasituação que é comum a todas elas, contribuindo para a consciênciade que o problema não é individual, mas que diz respeito à organi-zação da sociedade, e que compete também a elas a tarefa de pro-mover mudanças.

As reuniões dos grupos são talvez o único espaço em que, protegi-das de seus agressores e de possíveis pressões familiares, essas mulhe-res podem compartilhar seus sentimentos e refletir sobre os vários fa-tores sociais, culturais e emocionais que permeiam as relações violen-

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9tas e que dificultam a saída do lugar de submissão. A experiência con-tribui para o resgate da auto-estima e do poder de decisão dessas mu-lheres, geralmente fragilizadas pela exposição permanente aos maustratos, assustadas com a possibilidade de novos ataques, inibidas nacapacidade de promover mudanças em suas vidas.

Coordenados por duas advogadas, os grupos jurídicos realizamreuniões semanais, e visam esclarecer dúvidas quanto a direitos e ins-trumentos legais, preparar as mulheres para as audiências judiciais eincentivar o questionamento quanto aos limites e falhas que se verifi-cam na aplicação das leis nos casos de violência doméstica.

O trabalho dos grupos tem também o objetivo de consolidar asdenúncias, pois muitas mulheres registram as ocorrências, mas nãodão prosseguimento ao processo, deixando de comparecer às audiên-cias, ou tentando retirar a queixa. Isso ocorre ou porque reataram comseus companheiros, ou por que têm medo de represálias que culmi-nem em mais violência. O pior é que muitas vezes as mulheres não

fazem a denúncia, porque sabem que dificilmente o agressor serápenalizado. Para melhor compreender essa atitude aparentementecontraditória e dimensionar a importância do grupo jurídico do CIAM,vale acompanhar o que vem ocorrendo com os processos judiciais re-lacionados à violência de gênero.

De maneira geral, as ocorrências de violência de gênero são regis-tradas nas Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DE-AMs), que no Rio de Janeiro foram implantadas a partir de 1986, como objetivo de criar um espaço em que as mulheres pudessem fazersuas denúncias sem constrangimentos, diante de policiais capacitadospara lidar com a violência de gênero.

Tais delegacias especializadas têm competência para receber asqueixas e apurar os crimes de lesão corporal, ameaça, estupro e aten-tado violento ao pudor, maus-tratos, abandono de incapaz, constran-gimento ilegal, seqüestro e cárcere privado, sedução, aborto provoca-do por terceiros, corrupção de menores e rapto. Caso seja necessário,após o registro da ocorrência, a vítima deve ser encaminhada ao Insti-tuto Médico Legal (IML) para fazer um exame médico (exame decorpo de delito), do qual resultará um laudo técnico, que determinará

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10 a gravidade da lesão. A partir daí são adotados todos os procedimen-tos legais: instalação do inquérito policial, investigação, identificaçãoe indiciamento do réu, conclusão do inquérito e encaminhamento aoFórum para o início da ação penal. Esses eram os procedimentos nor-malmente adotados.

Embora haja várias críticas com relação a seu funcionamento, acriação das DEAMs foi uma importante conquista do movimento demulheres. Entretanto, em 1995 foi criada uma lei que, ao contrário,tem representado um retrocesso na apreciação dos casos de violênciade gênero. Trata-se da lei que deu origem aos Juizados Especiais Cri-minais (JECRIMs).

Esta lei foi criada para tratar de infrações penais de menor poten-cial ofensivo, ou seja, aquelas cujas penas máximas previstas não se-jam superiores a um ano. O objetivo dessa lei é desafogar o sistemaJudiciário, resolvendo mais rapidamente casos como conflitos entrevizinhos e brigas de trânsito. No Juizado, um conciliador atenderá a

vítima e o agressor e tentará uma conciliação. Caso as partes não che-guem a um acordo, vítima e agressor serão ouvidos por um juiz que,após examinar as provas, dará a sentença, geralmente relacionada àreparação dos danos.

A criação dessa lei mudou o papel das DEAMs, pois desde então,em casos de lesões consideradas leves ou de crimes de ameaça, a dele-gacia deve encaminhar o registro ao JECRIM, que passa a ser o res-ponsável pela decisão sobre a ocorrência. Estima-se que 70% dos pro-cessos que tramitam nos JECRIMs sejam relativos à violência contramulheres. Nos casos de violência doméstica, na maioria das vezes, apena aplicada tem sido a exigência do pagamento de uma cesta básicapara alguma instituição filantrópica, aumentando a decepção frente àjustiça, o constrangimento e o risco para as mulheres, que muitas ve-zes são mais brutalmente agredidas em conseqüência de terem de-nunciado seus agressores.

A equipe do CIAM entende, juntamente com outros setores domovimento de mulheres, que essa lei precisa ser modificada, pois ne-nhuma lesão corporal ocorrida nas relações familiares deveria ser con-siderada de menor potencial ofensivo, principalmente se considerada

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11a proximidade social do agressor com a vítima, contraditoriamenteconsiderado um agravante pelo Código Penal4 . O CIAM participa deum fórum ligado ao Poder Judiciário, que está promovendo uma ava-liação, por parte dos usuários, sobre o funcionamento dos JECRIMsno Estado do Rio de Janeiro.

A iniciativa partiu de setores do próprio Judiciário, que têm cons-tatado a inadequação dessa lei para os casos de violência doméstica. OCIAM também está aplicando os questionários e deverá encaminharuma proposta de alteração à Comissão encarregada da avaliação. Aproposta que será encaminhada pelo CIAM prevê a aplicação de me-didas penais alternativas à tradicional cesta básica, como a prestaçãode serviços à comunidade ou a freqüência a grupos ou ações que favo-reçam a reflexão.

Mas, segundo a equipe do CIAM, mudanças na lei não parecemser a solução adequada para a solução do problema, mas sim a criaçãode um delito e lei específicos para os casos de violência doméstica,

que sairiam da competência do Juizado Especial Criminal. Nesse sen-tido, estão articulados com setores que apóiam a mesma proposta, jáque a criação do delito é uma tarefa mais difícil de ser realizada, poisdepende de iniciativa do Poder Judiciário Federal.

Paralelamente às articulações para a criação de uma nova lei, aequipe do CIAM, juntamente com a Comissão de Segurança da Mu-lher, está empenhada na sensibilização dos operadores do direito paraa questão da violência doméstica contra a mulher. A Comissão deSegurança da Mulher, nomeada pelo governador do Estado, foi cria-da para a implantação e monitoramento de políticas públicas e açõesgovernamentais na área de segurança e defesa dos direitos da popu-lação feminina. Representantes de diversos órgãos governamentais(Defensoria, Ministério Público, Centros de Atendimento, PolíciaCivil, Secretaria de Segurança) e ONG’s (Cepia, Ser Mulher) inte-gram esta comissão, que é presidida pela presidenta do CEDIM. OCIAM também faz parte da comissão e é através dela que está con-seguindo pôr em prática as idéias de mudança na lei e criação denovo tipo penal.

4 Código PenalBrasileiro, artigo 61,parágrafo II, item f

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12 MonitoramentoO monitoramento das ações desenvolvidas pelo CIAM vem sendo

realizado por uma equipe de pesquisadoras com o apoio da FundaçãoCarlos Chagas Filho de Apoio à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro(FAPERJ). A pesquisa prevê a coleta, sistematização, análise de dadose comparação com outras experiências, e objetiva a construção de in-dicadores de avaliação que possam orientar a formulação, implemen-tação e reorientação de políticas. Os primeiros resultados foram apre-sentados em julho de 2001. A segunda etapa da pesquisa também jáfoi finalizada. Até o momento, buscou-se traçar o perfil e conhecer ostipos e os possíveis fatores desencadeadores do processo de violênciade gênero.

A terceira etapa da pesquisa, cujo projeto já foi encaminhado àFAPERJ, pretende ampliar o foco de análise, incluindo uma investiga-ção sobre o impacto dos encaminhamentos prestados pelo CIAM, se-jam eles de caráter jurídico ou de reflexão, na vida cotidiana das mu-

lheres que freqüentam ou freqüentaram o serviço.Essa nova orientação da pesquisa tem como objetivo principal in-

vestigar como se desenvolve o percurso que se inicia a partir do pri-meiro atendimento no CIAM, de modo a identificar as maiores difi-culdades e as melhores iniciativas institucionais para a solução satisfa-tória dos conflitos. Espera-se que o conhecimento desses resultadoscontribua para aprimorar o serviço, identificando também em outrospontos da rede de apoio os mecanismos que vêm funcionando e aque-les que têm sido pouco operantes nesse processo.

A equipe do CIAM mantém também uma parceria informal coma organização não-governamental Cidadania, Estudo, Pesquisa, Infor-mação e Ação (CEPIA), para aperfeiçoamento das equipes das duasentidades (palestras, encontros temáticos), além de fornecer publica-ções sobre direitos humanos e direitos das mulheres.

Outra atividade de monitoramento é a participação no Fórum deServiços de Atendimento à Mulher Vítima de Violência, criado emagosto de 2001, a partir de um diagnóstico realizado pela Comissão deSegurança da Mulher sobre os recursos institucionais disponíveis noRio de Janeiro para mulheres vítimas de violência. O fórum discute

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13temas de interesse comum como dificuldades dos serviços, novas pro-postas de atendimento e articulações com outras entidades, e elaborasugestões para ações da Comissão.

DificuldadesA equipe do CIAM enfrenta uma série de dificuldades na busca de

seus objetivos. Um deles é a falta de acesso direto a recursos, cujoencaminhamento ao projeto depende da intermediação do CEDIM.Parte das usuárias deixa de comparecer aos atendimentos, ou de se-guir os encaminhamentos para outros serviços por falta de dinheiropara a condução, o que inviabiliza o processo de superação da situaçãode violência. Um projeto para distribuição de vales-transporte paraessas pessoas, como medida emergencial, já foi aprovado pelo CEDIM,mas aguarda há meses a liberação da verba.

Outro problema apontado tem sido a falta de pessoal capacitado

para lidar com a questão da violência de gênero em outros órgãos,públicos e privados, o que dificulta os encaminhamentos necessáriospara o atendimento integral e a expansão do serviço para outras locali-dades do Estado. Nesse sentido, cabe destacar a dificuldade desensibilização e capacitação de alguns setores do sistema judiciário,principalmente entre os operadores do direito que atuam como conci-liadores, membros do Ministério Público, e também entre os juízes.Estes últimos, no que se refere à aplicação de penas mais adequadasdo que a cesta básica, por exemplo, e para o afastamento do agressordas proximidades da vítima. A equipe do CIAM entende que, como amaior porcentagem dos casos enquadrados na lei são de violência do-méstica, deveria haver um programa de sensibilização para asespecificidades do problema.

Resultados e aspectos de inovaçãoO trabalho da equipe do CIAM deve ser avaliado sob dois aspectos

principais, que apresentam diferentes tipos de desdobramentos e re-sultados. Um deles diz respeito ao atendimento direto às mulheres

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14 que procuram o serviço, e o outro está relacionado às diversas articula-ções (fóruns, redes, etc) das quais participa, e cujo objetivo é a supera-ção dos mecanismos que dificultam a efetivação da plena cidadaniadas mulheres. O resultado que se pode esperar de um trabalho comoesse é, no entanto, de difícil mensuração, embora seja possível apre-sentar alguns indicadores.

Desde 1999, o CIAM já atendeu cerca de 4 mil mulheres, sendomais de 90% os casos de violência doméstica (violência física, psicoló-gica e sexual perpetrada por maridos/companheiros). Já foram realiza-dos aproximadamente 120 encontros dos grupos de reflexão e 40 dosgrupos jurídicos; sessenta audiências foram acompanhadas pelas ad-vogadas do CIAM; 180 usuárias foram encaminhadas para postos daSecretaria do Trabalho; 80 participaram em cursos de qualificação pro-movidos pelo CEDIM em parceria com o SEBRAE; e 200 participa-ram em cursos de informática promovidos pelo CEDIM em parceriacom a Secretaria de Trabalho. Atualmente o número de casos novos

que chegam mensalmente ao CIAM é de 180, em média. Como oatendimento é continuado, a cada mês cerca de 500 mulheres partici-pam das atividades individuais e grupais, para acompanhamento psi-cossocial e jurídico.

Como já mencionamos, o CIAM atualmente realiza a terceira fasede uma pesquisa que deve permitir uma análise qualitativa de seu tra-balho. A partir dessa pesquisa, poderão ser encontradas respostas paraperguntas como: “Qual a proporção de casos que podem ser considera-dos resolvidos?”, “Qual o percurso dos casos e como eles são concluí-dos quando são encaminhados à justiça?” “Qual a opinião das mulhe-res atendidas quanto ao resultado obtido para seu problema?”.

De qualquer modo, alguns indicadores resultam da observação daequipe: manifestações de amadurecimento, crescimento e fortaleci-mento pessoal, como a volta aos estudos, a procura por inserção nomercado de trabalho, o retorno à vida social com o restabelecimentode amizades e atividades de lazer, a retomada de vínculos familiares, oestabelecimento de novos relacionamentos, etc.

Em conversa com a autora, uma das participantes da reunião dogrupo jurídico relatou que, em conseqüência de haver sido encami-

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15nhada pelo CIAM, foi bem atendida na sua primeira audiência judi-cial. “Ninguém nunca conversou abertamente comigo sobre essesassuntos”, disse uma outra: Já no grupo de reflexão, uma moça quehavia reatado com o companheiro agressor respondeu às críticas deuma das mulheres dizendo: “Não é ele que tem que mudar, quemdeve mudar sou eu. Hoje eu sei o que quero e o que admito aceitarna relação”.

Quanto aos resultados esperados das articulações com outros ór-gãos, são igualmente de difícil mensuração, embora algumas conquis-tas já possam ser apresentadas. Por exemplo: no que diz respeito àsensibilização e à capacitação dos operadores do direito para as especi-ficidades da questão da violência de gênero, foi realizado, em julho de2002, o I Encontro de Trabalho entre a Defensoria Pública e o CE-DIM para discussão sobre Gênero e Violência.

Além disso, O CEDIM e a Defensoria Pública firmaram um con-vênio, pelo qual o Núcleo Especial de Defesa dos Direitos da Mulher

Vítima de Violência (NUDEM) realiza plantão semanal no CIAM paraas ações jurídicas na área de família. Há ainda uma norma que dispõesobre o procedimento a ser adotado pelos defensores públicos nos ca-sos de violência doméstica e de gênero. De acordo com essa disposi-ção, “os defensores públicos dos Núcleos de Atendimento, das VarasCíveis, e das Varas de família deverão dar prioridade às partes encami-nhadas, por ofício, pelo NUDEM, pelo CEDIM e pelas DEAMs”.

Em parceria com prefeituras municipais, o CEDIM vem implan-tando no interior do Estado os Núcleos Integrados de Atendimento àMulher (NIAMs). Até agosto de 2002, o Estado contava com dezNIAMs, nos municípios de Barra Mansa, Nova Iguaçu, Angra dos Reis,Petrópolis, Quissamã, Três Rios, Resende, Nova Friburgo, Campos dosGoytacazes e Paracambi. Outros núcleos estão sendo implantados nosmunicípios de Búzios, Queimados e Niterói, respondendo à demandada população e do movimento de mulheres.

Em parceria com o Instituto NOOS, o CIAM presta atendimentoaos homens agressores, o que constitui um importante fator de inova-ção. A participação desses homens em grupos de reflexão tem o obje-tivo de romper os estereótipos que orientam a identidade feminina

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16 para a submissão e a masculina para a dominação, e não para um de-senvolvimento positivo das relações pessoais.

A busca de uma intervenção integrada no problema da violênciade gênero é talvez a maior conquista do CIAM, que inova justamentepor promover ações que incidem sobre todas as esferas em que a dis-criminação de gênero pode ser combatida, seja no plano formal, bus-cando alterações na formulação e aplicação das leis, seja no terreno docotidiano, buscando a construção de novos paradigmas para as rela-ções entre homens e mulheres, pautados no respeito às diferenças e nodiálogo. A parceria e a interlocução com outros órgãos, públicos e pri-vados, produzem resultados em vários níveis, diferenciando o trabalhodo CIAM de outras experiências, muitas vezes bem intencionadas, masque se caracterizam pelo isolamento e pela fragmentação das ações.

Referências Bibliográficas

Izumino, Wânia Pasinato. Justiça e violência contra a mulher: o papel do sistema judici-ário na solução de conflitos de gênero - São Paulo: Annablume: FAPESP, 1998

León, Giulia Tamayo. Questão de vida - Balanço Regional e desafios sobre o direito dasmulheres a uma vida livre de violência – CLADEM, Comitê Latino-americano e doCaribe para a Defesa dos Direitos da Mulher, 2000

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Versão em formato PDF

Programa deAtenção à Pessoa

Portadora de Ostomia

finalistas do ciclo depremiação 2002

Programa Gestão Pública e Cidadania

Ricardo Luiz Pereira Bueno

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20 Experiências de Gestão Pública e Cidadania/Organizadores: Gabriela Spanghero Lotta, Hélio Batista Barboza,Marco Antonio Carvalho Teixeira e Verena Pinto. São Paulo: ProgramaGestão Pública e Cidadania, 2003272 p.

Inclui bibliografia.

1. Políticas públicas – Brasil. 2. Administração pública – Brasil.I. Lotta, Gabriela Spanghero. II. Barboza, Hélio Batista. III. Teixeira, MarcoAntonio Carvalho. IV. Pinto, Verena. V. Programa Gestão Pública eCidadania.

CDD-352

Originalmente publicado em:20 Experiências de Gestão Pública e Cidadania

Gabriela Spanghero Lotta, Hélio Batista Barboza,Marco Antonio Carvalho Teixeira e Verena Pinto (orgs.)

Copyright © Gabriela Spanghero Lotta, Hélio Batista Barboza,Marco Antonio Carvalho Teixeira e Verena Pinto

Direitos da edição reservados aoPrograma Gestão Pública e CidadaniaAv. 9 de Julho, 2029 – 2º andar da Biblioteca01313-902 – São Paulo – SPTel: (11) 3281-7904 / 3281-7905Fax: (11) 287-5095E-mail: [email protected]://inovando.fgvsp.br

Impresso no Brasil / Printed in Brazil

Todos os direitos reservados. A reprodução não autorizada destapublicação, no todo ou em parte, constitui violação da lei dedireitos autorais.

1ª edição – 2003

Capa/editoração: Liria OkodaImpressão: Gráfica Dedone

Versão gráfica em formato PDF: Liria Okoda

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São várias as razões pelas quais uma pessoa necessita ser opera-da para construir um novo caminho de saída das fezes ou da urina.Atualmente, esse tipo de intervenção se realiza por meio da criaçãode um ostoma, ou estoma, na parede abdominal, pelo qual as fezesem consistência e quantidade variável, e a urina, em forma de go-tas, são expelidas.

O ostoma, por suas características, não poderá ser controlado vo-luntariamente. É por essa razão que se torna necessária a utilização deuma bolsa de coleta de fezes ou urina.

No Rio de Janeiro, até 1970 não havia atendimento especializadopara o portador de ostomia, portanto tampouco havia orientação es-pecializada. O operado era informado onde se vendiam bolsas coleto-ras para sua ostomia e era o comerciante da loja que indicava o tipo debolsa que o paciente deveria utilizar.

Programa de Atençãoà Pessoa Portadorade OstomiaRIO DE JANEIRO (RJ)

Ricardo Luiz Pereira Bueno1

1 Administrador deempresas, comaprimoramento emAdministração emSaúde e especialistaem AdministraçãoHospitalar e deSistemas de Saúdepelo PROAHSA.Atualmente émestrando emAdministração Públicae Governo na FGV-EAESP.

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4 O município não foi pioneiro nesse atendimento, e sim os gruposde Fortaleza e Goiânia. O grupo de Fortaleza foi o primeiro a ser regis-trado como Clube dos Colostomizados do Brasil, em 1975.

Em 1979, uma assistente social carioca foi para os Estados Uni-dos, onde se especializou e voltou ao Brasil iniciando suas atividadesassistenciais no Hospital Universitário Pedro Ernesto, e em seguidano Instituto Nacional do Câncer (INCA). Ela incentivou a formaçãode clubes de ostomizados. Cada unidade hospitalar passou a formarseu grupo. Os responsáveis pelos grupos eram voluntários, assistentessociais e enfermeiros, que reuniam seus grupos mensalmente para pres-tar orientações sobre a utilização da bolsa.

Em meados da década de 1980, a então Sociedade Brasileira dosOstomizados (SBO) firmou convênio com a Legião Brasileira de As-sistência (LBA), por meio do qual eram repassados recursos para aassociação, que ficou responsável pela compra e distribuição das bol-sas de ostomia. Porém, o número de cadastrados elevou-se sensivel-

mente, ocasionando um aumento na dispensação de bolsas e de ori-entações para o auto-cuidado, até que a associação passou a não termais condições de atender a todos. O número de atendimentos che-gou a 90 portadores de ostomias por dia, para cerca de 6 voluntários.

Apesar dos avanços, em uma pesquisa realizada em dezembro de1993 pela Sociedade Brasileira dos Ostomizados, foram encontradasalguns aspectos um tanto curiosos, senão alarmantes, sobre a condi-ção dos portadores de ostomias (Brasil, 1993):

- 36% Não foram informados previamente sobre a necessidadede criar-se um estoma;

- 37% dos ostomizados não haviam recebido informações sobrecomo cuidar de seu estoma dos profissionais de saúde respon-sáveis pelo seu atendimento;

- 73% Sentiam-se tristes após a alta do serviço hospitalar;- 90% Diziam se preocupar com os odores e com a impossibilida-

de de manter o mesmo estilo de vida que tinham antes daostomia;

- 54% Tinham dificuldade em obter o material adequado a suaostomia;

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5- 58% dos familiares entrevistados diziam não saber o que erauma ostomia; e

- 67% Não participavam de grupos de ostomizados para educa-ção em saúde.

No início da década de 90, a Associação dos Ostomizados do Riode Janeiro (AORJ) mobilizou-se e após cinco anos conseguiu a cria-ção, pela municipalidade, do Programa de Atenção à Pessoa Portadorade Ostomia. Após a definição da política seguiu-se uma busca de localonde as atividades do Programa seriam realizadas. Muitas unidadesrejeitaram sediar o Programa, até que o então diretor do InstitutoMunicipal de Medicina Física e Reabilitação Oscar Clark (IOC) re-solveu oferecer sua unidade. Fundado em 1930, o Instituto passou àadministração municipal em 1940 e hoje é uma das duas UnidadesAmbulatoriais Especializadas.do Rio de Janeiro.

No próprio Instituto houve grande insatisfação e parte do quadro

de enfermagem foi transferido para outras unidades. Nesse momen-to, a atual coordenadora do Programa foi convidada a implementar aexperiência, que iniciou suas atividades em agosto de 1995.

Antes do início do Programa, os doentes relatam que existiamcasos de portadores de ostomias que, não conseguindo a doação debolsas pelas associações de ostomizados, utilizavam-se de embala-gens plásticas de leite para simular a bolsa coletora. A fixação erafeita com cola ou barbante. No caso das crianças, fraldas eram colo-cadas no cólon.

No início do Programa, em 1995, havia um local para guarda demateriais, um consultório para atendimento e as próprias enfermei-ras realizavam o pedido do material, a especificação das bolsas, aentrega, o controle do estoque e o atendimento dos beneficiários.No segundo semestre de 1996, foi instituída a instância colegiada dedecisão, um Conselho Técnico com amplos poderes decisórios sobreas ações do Programa.

Atualmente, o Programa conta com dois consultórios, uma áreaseparada para a dispensação e outra para o estoque. Há funcionáriospara o controle do estoque e entrega das bolsas e na presidência do

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6 órgão colegiado de decisão está a representante dos beneficiários. Emparte, essas mudanças se deram devido à necessidade de aumentar onúmero de consultas de enfermagem, com o objetivo de suprir a de-manda dos pacientes, uma vez que não era possível a contratação depessoal extra.

O Programa presta atendimento individualizado para pessoas por-tadoras de um estoma. Além desse atendimento e da dispensação debolsas, são realizadas atividades de orientação para o auto-cuidado, aidentificação e o acompanhamento de complicações, contando comsuporte psicológico e nutricional. O Programa está subordinadoinstitucionalmente a um Conselho Técnico do qual os beneficiáriosparticipam com direito a voto e veto.

O Programa também é responsável por atividades de suporte ad-ministrativo, tais como controle de estoque, especificação de materi-ais, previsão de compras, controle de produtividade por enfermeira eelaboração de impressos. O Instituto mantém uma base de dados

epidemiológicos dos pacientes.

Perfil dos beneficiáriosDos beneficiários inscritos no Programa, no período de 1995 a

junho de 2002, 58% são do sexo feminino, 45,7% encontram-se nafaixa etária dos 60 aos 79 anos, sendo que 76,1% dos beneficiáriospertencem à faixa etária dos 40 aos 79 anos.

Quanto à procedência, 10,99% dos pacientes são da zona sul dacidade do Rio de Janeiro, com renda mediana superior a R$ 2.000,00.Entretanto, existem pacientes que residem nas favelas da Rocinha edo Vidigal, onde a renda mediana é de R$ 345,00. A maior parte(54,08%), são domiciliados na zona norte da cidade, onde a rendamediana é de R$ 1.200,00. A segunda maior freqüência (27,81%), éde pacientes da zona oeste da cidade, com renda mediana de R$ 517,50.A região com menor número de beneficiários é a região central, com7,12% da freqüência. Com relação à renda, 57,68% dos beneficiáriosrecebem até três salários mínimos regionais do Rio de Janeiro.

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7Atividades desenvolvidasAs atividades listadas abaixo foram observadas durante os dois

dias da visita de campo:- Consultas agendadas;- Consultas de pronto-atendimento;- Pedido de inter-consulta com outras especialidades;- Reunião dos grupos para educação em saúde;- Controle de estoque permanente;- Reuniões do Conselho Técnico;- Treinamento em serviço;- Treinamento individual para o auto-cuidado;- Adaptação do equipamento à necessidade do paciente2 .

A equipe do Programa também apresentou evidências da realiza-ção das seguintes atividades:

- Pesquisas de Satisfação do Usuário;

- Especificação de materiais, com a participação dos beneficiários;- Reuniões para discussão de casos;- Eventos científicos; e- Visitas domiciliares.

PrincípiosO município do Rio de Janeiro, dada a sua importância política

e social para a região Sudeste e para o país, precisa desenvolver téc-nicas, programas e ações sociais que tenham impacto na questãosocial, tanto do ponto de vista da exclusão, quanto do ponto de vistada eqüidade.

Conforme demonstrado nas edições mais recentes do GlobalHealth Report, tornados públicos pela Organização Mundial da Saúde(OMS), países ou regiões com menor renda tendem a apresentar ospiores níveis de indicadores de saúde.

Desde 1988, a Constituição brasileira tem, dentre os princípios paraa saúde, a universalidade, igualdade, eqüidade, e o controle social, en-volvendo ações de prevenção, tratamento e reabilitação. O poder públi-

2 Dependendo dotipo de complicaçãoque acomete odoente, as bolsaspassam por umprocesso “criativo deadaptação”, para queo paciente possautilizá-la.

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8 co tem instituído espaços para a participação da sociedade civil nos con-selhos de saúde, mas dificilmente em programas específicos.

O Programa de Apoio à Pessoa Ostomizada tem como objetivos:- Prestar assistência universalizada ao portador de ostomias;- Criar um centro de referência na rede de reabilitação do muni-

cípio;- Garantir acompanhamento multidisciplinar aos portadores de

ostomia (nutricionistas, psicólogos);- Garantir a distribuição gratuita de equipamentos;- Desenvolver melhorias ou novas práticas e dissemina-las atra-

vés da rede pública;- Permitir a participação cidadã.

MetasEsses objetivos são desdobrados em metas e planos de ação espe-

cíficos. A equipe do Programa trata-as como categorias eminentementequalitativas:

- Referenciar todos os portadores de ostomia do município doRio de Janeiro (aproximadamente 3 mil pessoas).

- Padronizar o atendimento, bem como os equipamentos utiliza-dos;

- Garantir aderência ao Programa por meio de grupos;- Promover eventos científicos para atualização e treinamento da

rede;- Criar um conselho que permitisse a participação dos usuários

em todos os aspectos do Programa.

Planos de açãoPara cada meta foi desenhado um plano de ação.Buscando referenciar toda a população portadora de ostomia do

Rio de Janeiro, o Programa recorreu ao banco de registros da AORJ einformou a rede pública e conveniada da existência do Programa, pormeio de correspondência oficial. De certa forma, houve uma migra-ção automática dos ostomizados domiciliados no município, dado que

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9a AORJ não mais fornecia as bolsas coletoras para esses pacientes. Existeuma portaria da então Secretaria Nacional de Vigilância Sanitária queobriga o poder público a dispensar as bolsas coletoras.

Com o intuito de garantir uma atenção integral de boa qualida-de ao portador de ostomia, a equipe se reuniu e estabeleceu o fluxode trabalho, bem como seus formulários impressos. Assim, o porta-dor de ostomia passa por consulta com psicólogos e nutricionistasda unidade.

Como o IOC é a unidade responsável na rede municipal pela im-plementação do Programa de Apoio à Pessoa Portadora de Ostomia,um de seus planos de ação é voltado à realização de treinamentos eeventos científicos. Desde a implementação, o Programa realiza umevento chamado “Semana de Enfermagem”, onde são expostos traba-lhos científicos, realizados por funcionários do IOC no Programa. Maisrecentemente, desde o ano de 2000, outros eventos vem sendo reali-zados freqüentemente: as Jornadas de Enfermagem e as reuniões para

discussão de casos considerados de interesse científico. As Jornadassão realizadas no primeiro semestre de cada ano, e as discussões decaso são realizadas mensalmente.

O plano para garantir aderência do paciente ao Programa envol-ve uma consulta obrigatória a cada seis meses. Além da consulta, sãoorganizados grupos abertos3 de educação em saúde, com clientelaespecífica. As reuniões desses grupos versam sobre alimentação, ori-entação psicológica e irrigação (procedimento que permite a elimi-nação programada do conteúdo do intestino). Os grupos de orienta-ção psicológica são destinados aos novos pacientes, e têm periodici-dade mensal, objetivando não só o tratamento mas também um su-porte inicial ao ostomizado. Quando necessário, os grupos aconse-lham um acompanhamento regular pela equipe de psicologia. O gru-po de educação alimentar não tem periodicidade definida e os paci-entes interessados são cadastrados e convocados por telefone diasantes do início das reuniões.

Mais recentemente, vem se estruturando um novo grupo, o deirrigação, que tem como objetivo difundir essa técnica entre uma cli-entela específica. Esse grupo, por ser novo, não tem ainda uma perio-

3 Não são destinadosao portador de umtipo específico deestoma.

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10 dicidade de encontros bem estabelecida, mas suas reuniões têm sidorealizadas trimestralmente desde o início de suas atividades, em feve-reiro de 2002.

Para garantir a participação dos beneficiários no Programa, os fun-cionários do IOC, em conjunto com a Sociedade Brasileira de Osto-mizados, encaminharam pedido ao diretor da unidade para a norma-lização do Programa. No documento, eles definiram a necessidade deuma equipe multiprofissional e de um cadastro de beneficiário naunidade e sugeriram a quantidade de equipamentos mensais a seremdispensados. Como exemplo, podemos citar o plano para redução donúmero de modelos de equipamentos adquiridos pelo Programa. Ha-via cerca de 70 modelos, o que dificultava a compra de materiais porlicitação, tanto pelo valor, quanto pelas especificações necessárias acada item. A equipe do Programa constituiu uma comissão de padro-nização das bolsas coletoras distribuídas.

Também foi proposta a melhoria efetiva e a maior organização da

assistência, além da criação de uma instância decisória na qual os be-neficiários pudessem intervir diretamente. A proposta para composi-ção do Conselho era a seguinte: um membro da Secretaria Municipalde Saúde, um membro da direção do Instituto, um médico especialis-ta, o responsável pela assistência no Programa e o representante deuma associação dos ostomizados do município. As idéias foram acei-tas e a direção do Instituto criou um processo que tinha por objetodispor sobre a normalização do Programa de Atendimento aoOstomizado, no âmbito da Secretaria Municipal de Saúde. Esse atoadministrativo culminou com a edição da Resolução 529/96, da Se-cretaria, que instituiu o Conselho Técnico de Atenção à Pessoa Porta-dora de Ostomia, com competência para normalizar, supervisionar,controlar e avaliar a assistência.

Conselho TécnicoO Conselho Técnico do Programa é um órgão colegiado compos-

to por representante dos beneficiários, da rede assistencial, da unida-de onde são desenvolvidas as atividades, por um médico cirurgião pro-

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11fessor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio deJaneiro (UFRJ) e por uma das enfermeiras especialistas líderes do Pro-grama. O Conselho, desde sua implantação, em 1996, vem tendo im-portante atuação no Programa, tornando-se o principal locus decisórioem termos de planejamento e normalização das ações, bem como nasquestões orçamentárias.

Diversas demandas dos usuários são canalizadas pelo Conselhopara as autoridades competentes. Exemplo disso é a realização de pes-quisa de satisfação do usuário, que mesmo sem uma periodicidadedefinida é realizada para detectar problemas. As duas primeiras pes-quisas se referiam ao atendimento, porém a terceira foi uma pesquisarealizada com os beneficiários para verificar a inadequação de umabolsa de preço inferior, que participava da licitação. Com o resultadoda pesquisa, a comissão de julgamento pôde desclassificar o produto.

Segundo os seus integrantes, o Conselho tinha como objetivo pro-curar normatizar a assistência e melhorar a compra de materiais para

evitar a interrupção da distribuição, porém hoje existe a possibilidadede acompanhamento dos pacientes desde logo após o ato cirúrgico,garantindo assim uma vida mais digna às pessoas portadoras deostomias. Porém, o objetivo principal atualmente é responder as de-mandas do pacientes na busca da melhor assistência, por meio doaperfeiçoamento do atendimento, dentro dos recursos públicos dispo-níveis, pois os custos operacionais são altos.

O Conselho se reunia semestralmente até 2001, avaliando e acom-panhando de forma incipiente os processos de compras, além da ade-quação de equipamentos. Em 2002, o Conselho pretendia se dedicartambém à avaliação do processo de trabalho de todo o Programa. Paraisso, intensificaram as reuniões de trabalho: somente no primeiro se-mestre foram realizadas quatro reuniões.

Os membros do Conselho Técnico consideram-no importante parareduzir as despesas e melhorar o atendimento. A maioria dos pacien-tes está satisfeita, conforme evidenciado em pesquisas de satisfaçãodo usuário. A cada avaliação são estabelecidas novas metas. As queestão em pauta são: estruturar melhor o serviço de atendimento do-miciliar e sistematizá-lo; capacitar os profissionais dos serviços hospi-

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12 talares para compreender o que acontece com o portador de ostomia emelhorar a interface entre o programa e as unidades hospitalares pró-prias do município, mesmo porque muitas das cirurgias são realizadasem regime de emergência e os procedimentos de alta hospitalar dei-xam a desejar, pois não informam direito ao paciente sobre os serviçosde reabilitação.

O usuário é o fiel da balança para o Programa. É por meio dasassociações que os membros do Conselho sabem que o índice de co-bertura é alto, apesar das dificuldades de obtenção de dados, uma vezque os dados referentes ao procedimento que ocasiona a ostomia mui-tas vezes não estão descritos corretamente na Autorização de InternaçãoHospitalar do SUS.

Dentre as metas atingidas em 2002 está a redução do número deitens fornecidos pelo Programa de 70 para 32, buscando maior racio-nalidade por meio da composição de um conselho técnico de compras;o aumento no número de inscritos no Programa; a qualificação e ade-

quação das bolsas e a sistematização da assistência com novos impres-sos e divulgação. Uma frustração do Conselho foi que o Programa nãoconseguiu montar cursos regulares de capacitação dos profissionais darede municipal de saúde.

O Conselho valoriza em suas avaliações não só a melhoria da qua-lidade de vida, mas a própria ressocialização, o retorno às atividadeslaborativas e do cotidiano, a adequação do equipamento para tornarpossível a retomada da vida, inclusive no aspecto afetivo e sexual, deforma a que não haja um desperdício dos recursos públicos. Uma pre-ocupação grande é que a maioria dos pacientes entre 40 e 50 anos ousão aposentados, ou não retomam suas atividades normais, vindo en-tão a ocupar postos precários no mercado de trabalho apenas para quea atividade lhes proporcione recursos mínimos de sobrevivência. Issoocorre porque o portador de ostomia fica de fato afastado do processolaborativo e em muitos casos a ostomia se torna uma barreiraintransponível para o retorno ao mercado de trabalho extremamentecompetitivo. Ademais, a maior parte dos beneficiários não tem umgrau de instrução elevado e portanto tende a executar trabalhos queexigem mais do seu físico.

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13InovaçãoDurante o ano de 2001, foi iniciada uma pesquisa-piloto que tinha

o objetivo de verificar a aplicabilidade de uma nova técnica para filtraros gases expelidos. Os primeiros mecanismos foram divulgados na dé-cada de 1930, mas só a partir de 1950, com o advento de equipamen-tos mais seguros, passaram a ser largamente utilizados na Inglaterra enos Estados Unidos. A vantagem do novo método está em permitir ocontrole voluntário do esvaziamento das fezes, mantendo-se ocolostomizado livre do escape de fezes e da eliminação de odores desa-gradáveis, dispensando-o da utilização de bolsas coletoras.

A implementação dessa nova tecnologia vem ao encontro dosanseios dos pacientes em minimizar ou eliminar seus problemas rela-cionados à utilização de bolsas coletoras. Além dos benefícios citados,o sistema reduz as irritações na pele – dermatites. Existem muitosrelatos de pacientes que abandonaram suas atividades e ocupaçõesdevido a complicações em sua ostomia e até mesmo pela simples utili-

zação da bolsa, que ao encher causa uma elevação de aproximada-mente 4 cm na região do estoma.

Essa pesquisa utilizou os critérios da comunidade científica parapesquisas com seres humanos conforme preconizado pelo gestor doSUS, utilizando como observações os beneficiários que compuses-sem uma amostra estatística representativa do universo de inscritosno Programa

O questionamento que se faz à nova técnica é quanto ao custo,porém os benefícios compensam, conforme foi demonstrado pelo pro-jeto-piloto que envolveu 25 pacientes elegíveis. A pesquisa revelou re-sultados animadores, que serviram de embasamento por parte do Con-selho Técnico para a primeira compra de obturadores pelo Programa.Entre esses resultados, destacam-se o fim dos barulhos e odores inde-sejáveis, a possibilidade do controle da eliminação de fezes e o fim dovolume na ostomia, o que tem feito com que as pessoas melhorem suaauto-estima e que voltem a suas ocupações e atividades que realiza-vam antes da ostomia. Este processo inicial envolveu a compra de dis-positivos para a utilização por um grupo de 23 pacientes4 durante seismeses, numa licitação que totalizou R$ 30 mil.

4 Os outros doispacientes que faltamfaleceram devido asua patologia debase, em ambos oscasos a AIDS.

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14 O público-alvo para a nova técnica é de 40 a 50% dos beneficiáriosativos no Programa, ou seja, de 480 a 600 beneficiários. Esse públicoserá atendido paulatinamente, dentro das possibilidades orçamentári-as do Instituto.

ResultadosO Programa tinha 3.092 pacientes inscritos até junho de 2002, dos

quais 45,19%, continuam ativos na unidade, 8,67% faleceram, 5,6%foram desligados por terem seu trânsito intestinal reconstituído, 0,19%foram transferidos para outros programas de acordo com suas necessi-dades de saúde, e 40,36% dos inscritos abandonaram o Programa, ouseja, não realizam uma consulta há mais de seis meses. O elevado índi-ce de abandono se deve em sua maior parte a problemas sociais queimpedem o acesso do paciente ao serviço de saúde, como na maiorparte dos programas que demandam atenção continuada.

As três principais causas de ostomia dos pacientes inscritos são Ne-oplasma Maligno de reto (42,16%), Neoplasma Maligno de cólonsigmóide (3,7%) e lesão por arma de fogo (3,4%). Quase a totalidadedas lesões por arma de fogo está na faixa etária de 0 a 29 anos.

O Programa distribuiu, até junho de 2002, uma média mensal de13.500 bolsas coletoras para seus beneficiários, número 27,28% maiorque em 2000. Desse total, 70,5% são do tipo bolsa plástica recortávelcom barreira adesiva. A despesa somente com esse item é de R$28.350,00 por mês, a preços de setembro de 2001.

Por sua vez, o número de matrículas tem se mantido no patamarde 30 ao mês, há pouco mais de um ano, porém com queda de aproxi-madamente 17% se comparado a 2000. Entretanto, o número de aten-dimentos realizados pelo Programa hoje é 35,3% superior à quantida-de realizada em 2000. Isso significa que o Programa parece ter estabi-lizado o número de atendimentos, portanto já atendeu a demandareprimida que existia antes de sua efetiva implementação.

Existem grupos mensais de integração para novos beneficiáriose outros grupos são formados eventualmente, de acordo com as ne-cessidades.

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15O Programa tem desenvolvido uma série de instrumentos admi-nistrativos para normatizar a assistência e as bolsas coletoras, apresen-tando uma redução de 54,29% no número de itens adquiridos.

A última Semana de Enfermagem contou com mais de 180 ins-critos, um aumento superior a 70%, se comparado ao mesmo noano anterior.

Com base nesses resultados, pode-se dizer que o programa temconseguido atingir as metas definidas pelo Conselho Técnico.

ConclusãoO Programa de Atenção a Pessoa Portadora de Ostomia permite,

por intermédio do Conselho Técnico, o empowerment dos beneficiáriospara lutarem pelos seus direitos e preferências dentro da estrutura deum programa institucionalizado.

É importante a voz e voto do representantes dos beneficiários nas

decisões do Programa, como fruto de uma parceria com a Associaçãodos Ostomizados do Rio de Janeiro. Todos se consideram advogadosdos interesses dos pacientes e é o representante dos beneficiários quepreside o Conselho. Segundo os próprios membros, o Conselho é for-mado são pessoas que defendem a dignidade do beneficiário.

É grande o número de beneficiários que são aposentados e res-ponsáveis pela renda familiar. A maioria dos beneficiários são pessoasque recebem até três salários mínimos, a maior parte das bolsas decolostomias são importadas, estando sujeitas à volatilidade do preçodo dólar. Existe então sensível impacto na redução da pobreza5 , já que70% das bolsas utilizadas custam por volta R$ 3,00 para o Programa,no mercado em torno de R$ 5,00. Cada paciente utiliza em média 16bolsas por mês e o Estado gasta algo em torno de R$ 48,00 mensais,enquanto que no mercado o paciente pagaria R$ 80,00, o que repre-senta 40% do salário mínimo nacional e 33% do salário mínimo cario-ca. Há, também, uma percepção de que a classe média esta empobre-cendo e tende a utilizar mais os serviços de saúde, porém o Programaainda não dispõe de dados sobre esse fenômeno.

O Programa tem grande impacto sobre a condição dos portadores

5 Devido à elevaçãoda renda pessoaldisponível.

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16 de ostomias, principalmente no que se refere ao esforço de umaintegração melhor desse indivíduo à sociedade, sendo que a condiçãode ostomizado normalmente é resultante de outro processo traumáti-co, tanto no aspecto saúde-doença, quanto no aspecto da violência so-frida pelo seu corpo.

Existem algumas conseqüências negativas, como por exemplo, oaumento do preço das bolsas coletoras no mercado quando há umafalha na compra pelo Programa. Porém, o impacto da nova técnica temse revelado muito positivo, possibilitando, por exemplo, o retorno dosbeneficiários ao mercado de trabalho e aos seus hábitos de vida anteri-ores na sociedade.

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Versão em formato PDF

CITRESUConsórcio Intermunicipal

de Tratamento deResíduos Sólidos Urbanos

finalistas do ciclo depremiação 2002

Eduardo de Lima Caldas

Programa Gestão Pública e Cidadania

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20 Experiências de Gestão Pública e Cidadania/Organizadores: Gabriela Spanghero Lotta, Hélio Batista Barboza,Marco Antonio Carvalho Teixeira e Verena Pinto. São Paulo: ProgramaGestão Pública e Cidadania, 2003272 p.

Inclui bibliografia.

1. Políticas públicas – Brasil. 2. Administração pública – Brasil.I. Lotta, Gabriela Spanghero. II. Barboza, Hélio Batista. III. Teixeira, MarcoAntonio Carvalho. IV. Pinto, Verena. V. Programa Gestão Pública eCidadania.

CDD-352

Originalmente publicado em:20 Experiências de Gestão Pública e Cidadania

Gabriela Spanghero Lotta, Hélio Batista Barboza,Marco Antonio Carvalho Teixeira e Verena Pinto (orgs.)

Copyright © Gabriela Spanghero Lotta, Hélio Batista Barboza,Marco Antonio Carvalho Teixeira e Verena Pinto

Direitos da edição reservados aoPrograma Gestão Pública e CidadaniaAv. 9 de Julho, 2029 – 2º andar da Biblioteca01313-902 – São Paulo – SPTel: (11) 3281-7904 / 3281-7905Fax: (11) 287-5095E-mail: [email protected]://inovando.fgvsp.br

Impresso no Brasil / Printed in Brazil

Todos os direitos reservados. A reprodução não autorizada destapublicação, no todo ou em parte, constitui violação da lei dedireitos autorais.

1ª edição – 2003

Capa/editoração: Liria OkodaImpressão: Gráfica Dedone

Versão gráfica em formato PDF: Liria Okoda

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O Consórcio Intermunicipal de Tratamento de Resíduos SólidosUrbanos (Citresu) é composto por 10 dos 21 municípios da região Ce-leiro do Rio Grande do Sul. Como o próprio nome sugere, a principalatividade econômica da região é a agricultura. Os 21 municípios, todosde extensão e população pequenas, ocupam aproximadamente 4.708Km2

e possuem 149.590 habitantes. Os 10 municípios pertencentes ao Con-sórcio representam aproximadamente 40% da área da região do Celeiroe possuem em torno de 53% da população regional.

O problema comum que motivou a organização dos municípiosem torno do Consórcio foi a destinação inadequada dos resíduos sóli-dos. Anteriormente, a maioria dos municípios contratava empresas paracoletar resíduos e depositá-los em algum aterro sanitário ou “lixão” deoutro município, o que, além de representar aumento de custo do trans-porte, em decorrência da maior distância entre as residências dos mu-nícipes e o provável aterro ou “lixão”, não significava a resolução, mas

CITRESUConsórcio Intermunicipalde Tratamento deResíduos Sólidos UrbanosRIO GRANDE DO SUL (INTERMUNICIPAL)

Eduardo de Lima Caldas1

1 Eduardo de Lima

Caldas é economista,

mestre em administração

pública e governo (FGV-

EAESP) e pesquisador do

Instituto Pólis.

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4 sim a transferência do problema ambiental. Os resíduos coletados emTrês Passos, por exemplo, eram depositados pela empresa contratadaem um “lixão” localizado a 105km de distância, no município de Pal-meira das Missões.

Também havia “lixões” individuais, o que implicava em risco demulta e punição por parte do Ministério Público, em decorrência dastransgressões das Leis Ambientais. Em 1997, apenas o município deSede Nova possuía um aterro, sendo que os demais depositavam seusresíduos em “lixões” ou enterravam-nos de forma inadequada.

Assim, a necessidade de resolução do problema motivou os muni-cípios a pensarem na constituição de um consórcio intermunicipalque pudesse dar um destino final aos resíduos sólidos.

Durante mais de um ano, foram feitas negociações entre os pre-feitos e para a captação dos recursos que viabilizariam um espaço co-mum para o destino dos resíduos sólidos. Tais negociações deram ori-gem a um consórcio intermunicipal, cujo objetivo central é destinaradequadamente os resíduos sólidos produzidos no âmbito dos 10 mu-nicípios a ele pertencentes. Já os objetivos específicos são: conseguirmelhorar a separação do lixo; destinar adequadamente os resíduos só-lidos urbanos e comercializar os materiais recicláveis.

Para alcançar os objetivos, as ações do Consórcio estão articuladasem três eixos:

Separação doméstica dos resíduos sólidos. Esta separação de-pende fundamentalmente de campanha de sensibilização realizadano âmbito de cada município, financiada com recursos próprios decada um. O consórcio, neste aspecto, é somente um espaço para oacompanhamento das campanhas e troca de experiências.

Coleta seletiva orientada pelas prefeituras. A coleta também érealizada no âmbito de cada prefeitura e não cabe ao consórcio definira forma de realização da coleta – que pode ser por uma empresa ousecretaria municipal, ou ainda pela contratação de empresa privada.O que se deve ponderar na hora da decisão, no entanto, é que umacoleta inadequada compromete o tempo de vida útil do aterro e dimi-nui o volume de resíduos reaproveitáveis.

Tratamento e destino dos resíduos sólidos. Este eixo é gerenci-

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5ado no âmbito do consórcio, responsável pela triagem, seleção e desti-no final dos resíduos.

Cada município, orientado pelas decisões da Assembléia de Pre-feitos, precisa realizar adequadamente a separação e coleta dos resí-duos sólidos para permitir posteriormente uma boa triagem, maiorquantidade de resíduos reaproveitados e redução dos rejeitos que efe-tivamente ocuparão espaço no aterro.

OrigemA idéia do Consórcio surgiu no município de Três Passos, maior

município da região Celeiro (24.656 habitantes), estimulada pela dis-posição de se fazer uma usina de reciclagem; pela demanda populaci-onal; e pela necessidade de reduzir custos, já que a prefeitura gastavamais de 3,5% do orçamento anual apenas custeando a coleta do lixo.

A idéia de construir a usina era compartilhada com a prefeita deSão Martinho. Apesar de a demanda populacional não estar organiza-da ou representada, seja por um partido ou alguma entidade da socie-dade civil, havia alguns entusiastas, dentre os quais uma professora,também presidente do Conselho do Meio Ambiente de Três Passos eDiretora de uma escola municipal.

Uma das primeiras ações foi realizada por essa escola, que organi-zou uma campanha interna de coleta seletiva. No entanto, depois deconvencidos pela campanha sobre a importância da coleta seletiva, osalunos viam o lixo novamente misturado pelas funcionárias da escola.A indignação serviu de aprendizado. Havia necessidade de sensibili-zar os funcionários diretamente envolvidos com a campanha que, porsua vez, também reclamavam do trabalho em vão quando o caminhãoda coleta municipal misturava os resíduos separados no interior daescola. A partir daí, começaram as negociações entre a escola, a comu-nidade, os professores e a Prefeitura.

Tais motivações, entretanto, não eram comuns aos sete municípi-os que deram origem ao Consórcio. A possibilidade de convênio como Ministério da Saúde, por meio da Fundação Nacional da Saúde, ecom o Governo do Estado do Rio Grande do Sul, para viabilizar o

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6 financiamento do aterro sanitário e da central de triagem, foram estí-mulos importantes para juntar esforços e interesses dos prefeitos quetinham problemas semelhantes a resolver.

O Consórcio teve início em abril de 2000, ou seja, no final dagestão 1996-2000, depois de muita negociação entre sete prefeitos -dos quais quatro foram reeleitos nas eleições seguintes. Formalizado,o Consórcio aceitou recentemente a adesão de outros três municípi-os: Tiradentes do Sul, Esperança do Sul e Braga.

Depois de realizados estudos técnicos, tanto do ponto de vistaambiental quanto do ponto de vista da localização e do custo de trans-portar os resíduos, ficou decidido que tanto a Central de Triagem quan-to o Aterro ficariam localizados no município de Humaitá.

A Promotoria Pública exerceu papel importante, sugerindo e esti-mulando a participação de outros municípios - que foram intimados eautuados pelo destino inadequado de seus resíduos sólidos.

Assim, a formação do Consórcio com 10 prefeituras foi fruto doesforço intencional e direcionado de alguns prefeitos; do estímulo ins-titucional e financeiro dos governos federal e estadual e da pressão,tanto da Promotoria quanto da oposição e da opinião pública, em ca-sos específicos de alguns municípios.

Por deliberação da Assembléia dos Prefeitos, instância máximapara tomada de decisões do Consórcio, 10 será o número máximode municípios consorciados, em decorrência da capacidade de arti-culação e do tamanho do aterro. Isso, entretanto, não impede que,após a articulação de outros consórcios com municípios próximos,haja algum tipo de ação coletiva entre consórcios para barateamentode transporte dos resíduos e de negociação de melhores preços parao material reciclável.

O Consórcio está articulado em dois níveis: um geral, entre municí-pio, e outro interno, peculiar a cada município. O primeiro nível dearticulação está diretamente relacionado a um volume maior de inves-timento para a construção do Centro de Triagem e acondicionamentode terreno para tratamento e destino dos resíduos sólidos, à configura-ção jurídica do consórcio, ao número de municípios participantes, àforma de gestão e de financiamento. Já o segundo nível está relacionado

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7à separação doméstica e à coleta seletiva dos resíduos sólidos, bem comoà mobilização dos atores sociais que sensibilizam a população e reali-zam a separação dos resíduos ainda nas residências.

Funcionamento do ConsórcioTodos os dez municípios têm participação na Assembléia dos Pre-

feitos, instância máxima de decisão. A Assembléia se reúne formal-mente a cada dois meses e sua principal função é tomar decisões sobreo planejamento de campanhas conjuntas, novos investimentos, for-mas de financiamento, associação de novos municípios e avaliação davida útil do aterro, que está diretamente associada ao aumento ou àredução do volume de resíduos sólidos não recicláveis.

A Assembléia dos Prefeitos também é responsável pela escolha daExecutiva e do Conselho Diretivo, composto por um representante decada município (geralmente o próprio prefeito).

Em termos operacionais, o Consórcio tem um coordenador indicadopela Assembléia dos Prefeitos e 31 funcionários responsáveis pelo recebi-mento, triagem e enfardamento dos resíduos selecionados, bem comopelo acondicionamento dos rejeitos e pela manutenção do aterro.

O coordenador tem funções de organização: informa constante-mente os prefeitos sobre o funcionamento da central de triagem; seresponsabiliza pela pesquisa de preços e comercialização dos resíduose pela contabilidade do Consórcio; organiza o trabalho na Central;supervisiona a manutenção do aterro e as campanhas municipais desensibilização; acompanha o recebimento do lixo e controla a entradae saída dos resíduos sólidos na Central de Triagem.

O coordenador é também responsável por fazer as mediações en-tre os prefeitos e o cotidiano da Central de Triagem; os órgãos de fis-calização e a manutenção do aterro; bem como entre os trabalhadorese os programas municipais de Saúde.

O regime de trabalho segue a legislação trabalhista do setor priva-do (CLT), portanto, os trabalhadores não são nem funcionários públi-cos nem estão organizados em cooperativas. Eles recebem R$ 230,00mensais, acrescidos de 40% pela insalubridade do trabalho. O Consór-

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8 cio também recolhe os encargos sociais e paga vale-transporte.Os trabalhadores são atendidos pelo serviço médico do município

de Bom Progresso e participam dos programas de saúde preventiva domesmo município.

Existe o reconhecimento, por parte dos prefeitos e dos coordena-dores, quanto à necessidade de se melhorarem as condições de traba-lho, em termos de segurança e saúde.2

O trabalho na Central de Triagem e no Aterro consiste em recebere triar os resíduos, condicionando-os e enfardando-os em seguida paravendê-los. O rejeito é destinado ao aterro.

Coleta, triagem e destinodos resíduos sólidos

Uma vez consolidado o Consórcio, os municípios iniciaram ascampanhas de sensibilização, que são permanentes e fundamentaispara o bom funcionamento do Projeto e para o aumento da vida útildo aterro.

As campanhas de sensibilização foram iniciadas dez meses antesdo começo da coleta seletiva, ancoradas em duas estratégias. Por umlado, o Projeto acionou os meios de comunicação de massa, principal-mente as rádios locais, realizou ciclos de palestras e uma campanhapublicitária com outdoors espalhados pelos principais pontos do mu-nicípio. A outra estratégia incluiu a articulação de uma rede de atoressociais para divulgar os princípios dos “Três R” – Redução, Reutiliza-ção e Reciclagem dos Resíduos Sólidos, bem como os calendários derecolhimento dos Resíduos Secos e Úmidos.

Dentre os atores sociais participantes do Projeto, destacam-se, emcada município, as escolas (municipais e estaduais, públicas e particu-lares) e as igrejas, principalmente a Católica e a Luterana do Brasil.No interior dos governos municipais, há na maioria dos municípiosum envolvimento importante da Secretaria de Saúde, principalmentepor meio do Programa Saúde da Família, em decorrência da proximi-dade entre os agentes comunitários de saúde e as famílias.

No caso do Município de Três Passos, foram estabelecidas parceri-

2 Em visita à Central de

Triagem e em conversa

com os trabalhadores,

foi possível tratar dos

assuntos de segurança

e saúde do trabalho. A

prefeita de Três Passos

já havia observado

anteriormente a

necessidade de

algumas melhorias,

como barra de

segurança em redor da

esteira e aquisição de

luvas de amianto.

Atualmente, os

trabalhadores usam

botas de borracha e

luvas, mas se recusam a

usar máscaras e

tampões nos ouvidos.

Eles estão negociando

melhores condições

para alimentação, pois

estão insatisfeitos com

o refeitório, que

possibilita apenas o

aquecimento da

comida. A vigilância

sanitária proíbe a

construção ou a

adequação de uma

cozinha. A alternativa

discutida atualmente é a

compra diária de

“marmitex”.

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9as com o Sindicato dos Trabalhadores Rurais, Conselho Municipal doMeio Ambiente, Escolas, Câmara de Indústria e Comércio, IgrejaCatólica e suas diversas comunidades, Igreja Luterana do Brasil, Se-cretaria Municipal da Saúde (por meio do Programa Saúde da Famí-lia), escoteiros e com a Companhia Rio Grandense de Saneamento,que capacitou seus funcionários para um trabalho de sensibilizaçãonas escolas. Alguns municípios estabeleceram também convênios coma Emater, para obter auxílio em programas de compostagem domésti-ca nas zonas urbanizadas e em zonas rurais.

Além de servirem especificamente ao Projeto de Coleta Seletiva,essas campanhas motivaram diversas ações inesperadas e pontuais nointerior de algumas associações. Uma dessas ações, por exemplo, foi acriação da Cooperativa de Alunos do Ensino Fundamental do Distritode Santo Antônio, na qual os alunos são efetivamente os gestores dacooperativa e conhecem os diversos aspectos da reciclagem e comerci-alização do papel: recebimento do material, moagem, produção dopapel reciclado e de artefatos, como caixas de presente, dentre outros.Outro efeito inesperado foi a inserção tanto da cooperação quanto daprodução e destino de resíduos sólidos no currículo escolar, como te-mas transversais que perpassam as demais disciplinas.

As prefeituras divulgam os dias de coleta e a população separa emsuas residências e no comércio os resíduos em dois grupos: seco eúmido. Na região rural, a coleta é feita trimestralmente, até porque ovolume de resíduos úmidos tende a zero, uma vez que os própriosagricultores têm suas “composteiras” e reaproveitam o resíduo úmidotransformando-o em adubo. Já os resíduos secos são acondicionadosem galpões. Faz-se um esforço para que os resíduos não tomem chu-va, uma vez que os molhados ficam inaproveitados.

As empresas responsáveis pela coleta transportam os resíduos atéa Central de Triagem. O resíduo “úmido” é depositado diretamentena “composteira” onde é tratado e transformado em adubo. O resíduo“seco” é recebido e depositado numa esteira, onde é separado em vá-rios grupos, organizados de acordo com a demanda por recicláveis,dos quais destacam-se: papel, papelão, plástico branco, garrafas plásti-

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10 cas, PVC, vidro de conserva, alumínio, panela, fio de cobre, madeira elenha, vidro de café solúvel, sucata de ferro, plástico colorido, papelmisto, garrafas, baterias, válvulas de gás, pilhas, garrafões e vidros.

O trabalho de triagem ocupa 14 funcionários: um no início daesteira, que abre as sacolas de lixo; dois que reviram o lixo das sacolase separam o papelão; em seguida cada funcionário distribuído ao re-dor da esteira se responsabiliza por separar os resíduos nos grupos enu-merados acima.

Uma vez triado, o resíduo é prensado, pesado e contabilizado. Osresíduos que permanecem até o final da esteira são destinados ao ater-ro. Portanto, quanto melhor é a separação domiciliar e a coleta munici-pal, tanto mais fácil é o trabalho de triagem, maior o volume de resídu-os vendidos com menor ocupação do aterro. Para a venda, há um traba-lho de pesquisa de preço e contato prévio com os consumidores.

FinanciamentoO financiamento do Consórcio está dividido em dois níveis: um

relacionado aos investimentos; e outro às despesas de manutenção.Os investimentos totais foram de R$ 630.610,50, com obras e ter-

raplanagem. Desse valor, R$ 330 mil vieram da Fundação Nacional daSaúde (Funasa); R$ 170 mil do Governo do Estado do Rio Grande doSul e R$ 130.610,50 dos sete municípios que iniciaram o Consórcio,distribuídos de acordo com a população urbana de cada um deles.

Atualmente os custos de manutenção estão orçados em R$ 360mil anuais. De acordo com experiência prévia, foi estimado que 35%desses custos serão financiados com a venda de material reciclado. Osoutros 65% serão rateados entre os 10 municípios pertencentes aoConsórcio, de acordo com a população urbana de cada um deles.

O critério adotado está diretamente relacionado com a produçãoe o custo da coleta e triagem da maior parte do volume de resíduossólidos que é de origem urbana. Os resíduos “úmidos” de origem ruralsão reaproveitados no interior das propriedades, e os “secos”, além deproduzidos em escala muito menor que os de origem urbana, são re-colhidos pelas prefeituras de três em três meses.

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11ResultadosUm dos resultados positivos do Projeto foi a implantação de cam-

panhas educacionais de separação adequada e coleta seletiva durantetodo o ano, alcançando a maioria absoluta da população urbana. Alémdisso, 100% dos “rejeitos” são destinados ao aterro sanitário, o querepresenta o fim dos “lixões”, e 10% da matéria orgânica é compostada.

Além desses resultados, destacam-se também: uma aproximaçãomaior entre esses municípios para a resolução de outros problemascomuns; a formação de cooperativa estudantil para reaproveitamentode papel; a transversalidade dos temas meio ambiente e limpeza urba-na aplicados nas disciplinas escolares e a redução de custos de coleta edestino de resíduos por parte dos municípios. Especificamente paraTrês Passos, o custo de aproximadamente R$ 240 mil anuais que ante-riormente era destinado ao pagamento da empresa coletora dos resí-duos, hoje é suficiente para financiar as campanhas de sensibilização,a coleta dos resíduos e sua parte do rateio no Consórcio, que acondici-ona adequadamente os rejeitos.

Limites e PossibilidadesDentre os limites e possibilidades destacam-se:Perda do lixo molhado em dias de chuva. Esse problema, no

entanto, pode ser solucionado com a manutenção das campanhas desensibilização, enfatizando a necessidade de guardar por mais um oudois dias o lixo quando o tempo estiver chuvoso.

Busca de novos mercados que ofereçam melhores preços

para os materiais recicláveis. Assim como as campanhas de sen-sibilização, esse trabalho é feito incessantemente. O surgimentode novos Consórcios pode ser uma forma de melhorar as condiçõesde mercado.

Surgimento de mercado de catadores. O bom acondicionamentodos resíduos por parte dos moradores fez surgir um mercado de cata-dores de papelão e sucata, mas ainda não se deu um encaminhamentoà organização desse mercado.

Resistência de uma parcela da população que ainda não ade-

riu à coleta seletiva. Essa dificuldade pode ser superada com o suces-

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12 so e a continuidade do Projeto e das campanhas, além da pressão daprópria sociedade, o que já vem ocorrendo.

Organização do trabalho na forma assalariada, que, caso o Pro-jeto seja replicado, pode resultar na formação de cooperativas.

Mecanismos ainda incipientes de controle da quantidade de

material coletado. Há o reconhecimento deste problema por partedos dirigentes e esforços de captação de recursos para a compra deuma balança. Assim será possível fazer a pesagem dos resíduos antesde irem para a esteira de triagem. Atualmente, tudo é feito por estima-tiva e por amostragem. De qualquer modo, deve-se registrar que ospróximos recursos de investimento serão aplicados na compra da refe-rida balança.

Outros resíduos: a coleta e destino dos resíduos hospitalares

e do agrotóxico ainda é tratada separadamente pelos municípios.

No caso de Campo Novo, por exemplo, os resíduos hospitalares sãobem acondicionados e recolhidos mensalmente por empresa privadacontratada pela Prefeitura. Os entulhos, no caso de Três Passos, sãorecolhidos por empresa privada paga pelos moradores.

Comentários FinaisNesta experiência confluem duas preocupações atuais da gestão

pública: uma relacionada a articulação de atores intermunicipais e ou-tra relacionada ao meio ambiente, e mais propriamente à coleta, sele-ção e destino de resíduos sólidos.

Trata-se de modelo de fácil replicabilidade que, aliás, já está sen-do sugerido pelo Ministério Público da Região Celeiro do Rio Gran-de do Sul.

Quatro fatores podem ser apontados como inovadores no projeto:Político, por juntar num mesmo Consórcio prefeitos de diversos

partidos para solucionar problemas comuns e também por romper lici-tações e contratos, geralmente muito custosos, com empresas de cole-ta de lixo. Sabe-se que os custos com coleta e destino de resíduos sãoaltos e o poder de pressão desse setor empresarial é muito forte. O

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13Consórcio permite revisão, barateamento e até rompimento dos refe-ridos contratos.

Organizacional, na medida em que os municípios se juntam emtorno de um Consórcio para resolver impasses comuns a todos eles.Trata-se de medida que permite ganhos de escala, redução de custos eotimização da utilização e ocupação de espaço destinado aos resíduossólidos. Essa medida pode ser aplicada por qualquer município, e, prin-cipalmente, pelos 2.195 municípios brasileiros com menos de 10 milhabitantes;

Ambiental, uma vez que esse tipo de ação, focada nos 3R´s – Re-aproveitamento, Reutilização e Reciclagem – e a intensa sensibiliza-ção da população tem o potencial de mudança de hábito e possibilita oaumento da vida útil dos aterros e o adequado acondicionamento dosresíduos e dos rejeitos;

Econômico, com ganhos de escala tanto no investimento coletivoquanto no transporte dos resíduos reciclados. Outro aspecto econômi-co que merece destaque é que parcela dos custos é financiada com avenda dos próprios resíduos reciclados.

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14 ANEXO 1

Partidos políticos, prefeitos e população dosmunicípios que integram o Citresu

Município Eleições 2000 Eleições 1996 Popul.

Partido Prefeito Partido Prefeito

Bom PMDB/PTB Oniro Solano PDT/PTB/ Oniro Solano 2.831Progresso Bones PMDB Bones

Braga PPB/PDT Hermes PPB/PDT Antonio JuarezIenerich de Jesus Mello 4.198

Campo Novo PDT/PT Zancan PTB/PMDB Bruno Siro/PFL Seefeld 6.721

Crissiumal PPB/PDT Walter Heck PPB Alvicio Pereira/PTB Duarte 15.180

Esperança PTB Romildo PTB Romildodo Sul Heimburg Heimburg 3.755

Humaitá PPB/PTB Luiz Carlos PDT/PMDB Darcisio RubemSandri Scheeren 5.228

São Martinho PMDB/PDT Araci Zelia PDT/PMDB Araci Zelia/PV Kolling Irber Kolling Irber 6.321

Sede Nova PPB Walter PPB Walter MarodinMarodin Lopes Lopes 3.208

Tiradentes PPB/PTB Florentino PPB/PTB Florentinodo Sul /PMDB Schneider /PMDB Schneider 7.497

Três Passos PSDB/PMDB Zila Maria PPB/PMDB Zila Maria/PPB/PFL Breitenbah /PSDB Breitenbah 24.656

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Versão em formato PDF

Licenciamento Ambientalpara Redes de

Infra-Estrutura Urbana

finalistas do ciclo depremiação 2002

Antônio Sérgio Araújo Fernandese Fernanda Oliveira

Programa Gestão Pública e Cidadania

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20 Experiências de Gestão Pública e Cidadania/Organizadores: Gabriela Spanghero Lotta, Hélio Batista Barboza,Marco Antonio Carvalho Teixeira e Verena Pinto. São Paulo: ProgramaGestão Pública e Cidadania, 2003272 p.

Inclui bibliografia.

1. Políticas públicas – Brasil. 2. Administração pública – Brasil.I. Lotta, Gabriela Spanghero. II. Barboza, Hélio Batista. III. Teixeira, MarcoAntonio Carvalho. IV. Pinto, Verena. V. Programa Gestão Pública eCidadania.

CDD-352

Originalmente publicado em:20 Experiências de Gestão Pública e Cidadania

Gabriela Spanghero Lotta, Hélio Batista Barboza,Marco Antonio Carvalho Teixeira e Verena Pinto (orgs.)

Copyright © Gabriela Spanghero Lotta, Hélio Batista Barboza,Marco Antonio Carvalho Teixeira e Verena Pinto

Direitos da edição reservados aoPrograma Gestão Pública e CidadaniaAv. 9 de Julho, 2029 – 2º andar da Biblioteca01313-902 – São Paulo – SPTel: (11) 3281-7904 / 3281-7905Fax: (11) 287-5095E-mail: [email protected]://inovando.fgvsp.br

Impresso no Brasil / Printed in Brazil

Todos os direitos reservados. A reprodução não autorizada destapublicação, no todo ou em parte, constitui violação da lei dedireitos autorais.

1ª edição – 2003

Capa/editoração: Liria OkodaImpressão: Gráfica Dedone

Versão gráfica em formato PDF: Liria Okoda

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1. IntroduçãoA utilização de serviços que necessitam de rede subterrânea ou

aérea é algo que se expande cada vez mais nas grandes cidades brasi-leiras. Às redes subterrâneas mais antigas de água encanada, esgoto,energia elétrica e telefonia fixa, somam-se na última década os servi-ços de gás encanado, TV a cabo e Internet. Além disso, no espaço aé-reo os serviços de telefonia celular e TV por assinatura cresceram so-bremaneira no último decênio.

O avanço tecnológico acelerado e o aumento da demanda por ser-viços dessa natureza trazem um problema para a gestão municipal dasgrandes cidades, que é a regulação do espaço subterrâneo e aéreo. Àmedida que surgem novas empresas para instalar seus serviços em redesubterrânea, o espaço torna-se cada vez mais limitado e a hipótese deesgotamento do uso do subsolo vai se tornando uma realidade. Nolongo prazo, a utilização livre e desenfreada do subsolo pode ser preda-

LicenciamentoAmbiental para Redes deInfra-Estrutura UrbanaPORTO ALEGRE (RS)

Antônio Sérgio Araújo Fernandes1

e Fernanda Oliveira2

1 Doutor em CiênciaPolítica pelaUniversidade de SãoPaulo (USP).

2 Bacharel emAdministraçãoPública pela EAESP-FGV e monitoraacadêmica doPrograma GestãoPública e Cidadania.

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4 tória para o ambiente urbano da cidade.Ao prognosticar esse problema, a Prefeitura de Porto Alegre, por

meio da Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SMAM), resolveuutilizar a partir de 1998 o procedimento de licenciamento ambientalna instalação de redes subterrâneas e aéreas de serviços públicos, vi-sando incentivar o desenvolvimento sustentável da cidade. Até então,o uso do subsolo não constituía uma matéria sujeita à regulação porparte do poder público municipal e a implantação de redes de infra-estrutura na cidade era um processo meramente documental, apenasde cadastramento propriamente dito. Nenhum tipo de regulação eraimposta as empresas, pois não se cogitava a hipótese de problemas deesgotamento do uso do subsolo.

A partir da resolução 237/97, do Conselho Nacional do Meio Am-biente (Conama), que em seu art. 6º prevê a competência municipalpara o licenciamento das atividades e empreendimentos de impactosocial, os municípios passaram a ter o poder, dentro de sua competên-cia administrativa constitucional, de elaborar legislação própria defi-nindo atividades ou empreendimentos sujeitos a licenciamento, deacordo com a realidade local. A partir dessa resolução, a Prefeitura dePorto Alegre criou a Lei 8.267/98 – Lei de Licenciamento Ambiental,que visa organizar, entre outras atividades capazes de degradar o am-biente urbano da cidade, a ocupação dos espaços aéreos e subterrâne-os, tendo como referencial a orientação do uso racional e sustentáveldesses espaços.

O contexto e o ProgramaEm Porto alegre, assim como em qualquer capital brasileira, tra-

dicionalmente a esfera municipal autorizava a perfuração do solo e autilização do subsolo, sem, contudo, manter o registro das redes im-plantadas. Assim era, por exemplo, com a Companhia Estadual deEnergia Elétrica (CEEE)3 e com a Companhia Rio Grandense de Te-lecomunicações (CRT). Até o final da década de 90, esses serviçoseram prestados exclusivamente por empresas estaduais, ou órgãos dogoverno do Estado que obtinham da Prefeitura uma espécie de auto-

3 Até setembro de1997, ano em que foi

privatizado o setorelétrico do estado doRio Grande do Sul, a

única empresa queoperava no estado

nos sistemas degeração,

transmissão edistribuição de

energia era a CEEE.Antes da

privatização, a CEEEfoi dividida em seisempresas: duas de

geração (umahidráulica e outratérmica), uma de

transmissão e três dedistribuição, cada

uma ficandoresponsável pela

distribuição em umaregião do Estado. Aregião Centro-Oeste

ficou a cargo daempresa privatizada

Distribuidora Gaúchade Energia S.A. (AES

Sul); a Norte-Nordeste ficou com

a Rio GrandeEnergia S.A. (RGE),também privatizada;

e a região Sul-Sudeste, que inclui

Porto Alegre,continua com a

CEEE, aindaempresa pública.

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5rização “automática” para instalar suas redes subterrâneas. Essa auto-rização, sem ressalvas do município para utilização do seu subsolo pelaesfera estadual, pode ser explicada por duas razões:

1. O município se subordinava ao governo do Estado e à União,dada a falta de autonomia política da esfera municipal no Bra-sil durante o regime militar. Tal situação mudou nas capitaissomente a partir de 1985, com a eleição para prefeito, e se con-solida na Constituição de 1988, passando o município a com-por o pacto federativo, junto com os Estados e a União; e

2. A condição de monopólio estatal desses serviços não impunhaqualquer barreira de natureza técnico-operacional para sua ins-talação. Ou seja, nenhum tipo de problema ou ambiente maiscomplexo capaz de inviabilizar a expansão das redes era consta-tado.

Foi na privatização do setor de telefonia fixa4 que se observou emPorto Alegre um novo contexto no que se refere à abertura de dutos eredes de infra-estrutura subterrânea na cidade. Na década de 90, aárea de telecomunicações no Brasil, assim como em vários países, pas-sou por importantes avanços, com a difusão cada vez maior da telefo-nia celular e da Internet. No que se refere a esta última, o desenvolvi-mento da fibra óptica promoveu um aumento surpreendente na capa-cidade das linhas de transmissão. É a chamada banda larga, que re-quer a instalação de redes de fibras ópticas no subsolo urbano, os de-nominados backbones. Além da Internet, os serviços de TV a cabo,junto com a ampliação das linhas de telefonia fixa tradicional, reque-rem a construção de dutos, postes, caixas de passagem, armários dedistribuição e estações de rádio-base para sua instalação. O excesso deredes de infra-estrutura subterrânea pode levar a escavações desneces-sárias, além de inviabilizar a instalação de novas empresas por falta deespaço disponível.

É nesse contexto que a Prefeitura de Porto Alegre, por meio de suaSecretaria de Meio Ambiente, utiliza o licenciamento ambiental comoinstrumento de gestão, visando, entre outras coisas, regular o uso do

4 A Companhia RioGrandense deTelecomunicações(CRT) era a empresaestadual que atuavana área de telefoniano Rio Grande do Sul,junto com aCompanhia TelefônicaMelhoramento eResistência (CTMR),que pertencia àPrefeitura de Pelotas.Com a privatização, aCRT e a CTMR foramadquiridas pela BrasilTelecom, entretantoambas mantiveramsua área de atuaçãoseparada. A CRTBrasil Telecom atendea todo o Rio Grandedo Sul, com exceçãodos municípios dePelotas, Arroio dosPadres, Capão doLeão, Morro Redondoe Turuçu, que sãoservidos pela CTMRBrasil Telecom. Aempresa-espelho daBrasil Telecom no RioGrande do Sul é aGlobal Village Telecom(GVT). No serviço detelefonia celular, aCRT Celular e a Telet(Claro Digital)compõem a ofertadeste serviço. Paraligações de longadistância (DDD e DDI),além da Embratel e daIntelig, maisrecentemente aTelefonica de SãoPaulo também passoua operar no Estado.Na área de linhas decomunicação em altavelocidade por meiode fibra ópticaterrestre, além dasempresas de telefoniafixa, surgiram novasoperadoras como a AT& T, Pegasus Telecom,Eletronet, Engesul,entre outras.

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6 subsolo e do espaço aéreo da cidade. A aplicação do licenciamentoambiental tem como principal objetivo desenvolver o zoneamento dasredes aéreas e subterrâneas, conjugando a racionalização do uso des-sas áreas com a preservação do ambiente urbano.

Um dos principais produtos do licenciamento é o compartilha-mento das redes entre as empresas. Adotando o compartilhamento,a Prefeitura tem incentivado e potencializado a organização do es-paço subterrâneo. Tendo os empreendedores como parceiros e per-mitindo o acesso de várias empresas ao subsolo do município, a Pre-feitura procura gerenciar o processo de ocupação subterrânea de for-ma a evitar que dutos sejam abertos constantemente na cidade. Ocompartilhamento tem induzido a operações concertadas entre asempresas e a Prefeitura, como, por exemplo, a construção de redessubterrâneas consorciadas.

Toda e qualquer solicitação de uso de espaços públicos para ex-tensão de redes aéreas ou subterrâneas, bem como do mobiliário ur-bano de propriedade municipal, está normatizada pelo Decreto Mu-nicipal 12.789/00. Esse Decreto disciplina o licenciamento ambientale o registro de informações decorrentes da implantação, ampliação eextensão das redes de infra-estrutura para serviços públicos, tais comotelecomunicações, TV a cabo, gás, água, esgoto e eletricidade. Em seuartigo 3º, o Decreto estabelece que todos os interessados em implan-tar ou ampliar redes de infra-estrutura somente poderão fazê-lo pelautilização da rede de infra-estrutura urbana municipal – a fim de evi-tar a proliferação de escavações no espaço local. Para tanto, a Prefeitu-ra deve planejar o compartilhamento de redes aéreas e subterrâneas.5

O artigo 18 abre ao município a possibilidade de converter o paga-mento mensal da Concessão de Uso do subsolo em dação em paga-mento – visando à construção da rede pública de infra-estrutura urba-na por meio de operações concertadas com os operadores interessados(consórcios, parcerias, compartilhamento do espaço).

A dação em pagamento significa que, ao invés de pagar um valorpelo uso do subsolo urbano, a empresa poderá construir o duto e en-tregá-lo à Prefeitura como pagamento pela utilização dos espaços depropriedade municipal. A empresa também pode doar à Prefeitura

5 O DecretoMunicipal 13.161/01instituiu parâmetros

para implantação deredes e de

elementos de infra-estrutura aparentesno espaço público,

fixando padrões parapostes, caixas de

passagem earmários dedistribuição.

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7cabos de fibras ópticas ou caixas de passagem. O valor investido pelaempresa que construiu o duto dado em pagamento ao município serácompensado mensalmente do valor do preço público de concessão,como uma espécie de isenção. Finalizada a compensação, o empreen-dedor se submeterá ao pagamento mensal pela concessão de uso, nasmesmas condições dos demais concessionários.

Os dutos dados em pagamento ficam à disposição das próximasempresas que ganharem a concessão da Agência Nacional de Teleco-municações (Anatel) para se instalar em Porto Alegre. Nos percursosonde já existirem dutos de propriedade municipal, passíveis de rece-ber fibra óptica ou cabo, não serão admitidas novas escavações. Aempresa interessada em colocar cabo ou fibra óptica deverá utilizaros dutos existentes, pagando ao município uma mensalidade pelouso do subsolo.6

Para implantar ou ampliar uma rede, a empresa deve apresentar àPrefeitura um projeto de viabilidade, contendo: Planta Índice; ProjetoExecutivo com Anotação de Responsabilidade Técnica (ART); Me-morial Descritivo da Obra; Planos de Desvios de Trânsito e Requeri-mento de Licença de Abertura. Para a avaliação de viabilidade do pro-jeto, sob a coordenação da Secretaria Municipal de Meio Ambiente(SMAM), foi formado o Grupo Técnico, composto por secretarias edepartamentos municipais com competências específicas para delibe-rar em sua área de atuação.

O grupo técnico reúne-se quinzenalmente e é composto pelos se-guintes órgãos e secretarias: Secretaria do Planejamento Municipal(SPM) – responsável pela verificação do atendimento de condicio-nantes relativas ao mobiliário urbano; Secretaria Municipal de Obrase Viação (SMOV) – que avalia as condições e procedimentos quanto àabertura e recuperação do leito das vias; Departamento de EsgotosPluviais (DEP) – que analisa a compatibilidade do projeto com asredes de esgoto pluvial existentes ou projetadas; Departamento Mu-nicipal de Águas e Esgotos (DMAE) – que analisa a compatibilidadedo projeto com as redes de águas e esgoto cloacal existentes ouprojetadas; Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) –que avalia as condições de tráfego e interrupções necessárias durante

6 A fórmula que aPrefeitura de PortoAlegre encontroupara determinar ovalor do preçopúblico é a seguinte:P = Ót Lt x v Bt x Ht xVt x K; onde P é opreço em R$ daconcessão para arede de infra-estrutura licenciada; té o trecho urbanoonde passa a rede,conforme listagem delogradouros e facesde quadra definidapela tabela de valoresdo município; Lt é ocomprimento linearem metros (m) darede em cada trechourbano; Ht é a alturaem metros (m) daestrutura por ondepassa a rede em cadatrecho urbano; Vt é omontante em R$/m2definido conformetabela do município,que estipula osvalores vigentes deavaliação de mercadopara cada trechourbano; K é ocoeficiente decobrança pelaconcessão para arede, definido em 1%.

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8 a obra; Companhia de Processamento de Dados do Município de Por-to Alegre (Procempa) – que determina a conversão de pagamentomensal da concessão de uso do subsolo em dação de pagamento.

Em alguns casos, como no das companhias de gás natural, podemser exigidos também Estudos de Impacto Ambiental (EIA) e Relató-rio de Impacto do Meio Ambiente (RIMA), para se verificar os efeitossobre a vegetação e sobre redes de infra-estrutura existentes, além dosriscos de prevenção de acidentes relacionadas ao abastecimento degás. Uma vez analisado e aprovado o projeto, a Secretaria Municipalde Meio Ambiente concede uma Licença de Operação7 . As licençasambientais têm prazo de validade máxima de um ano, podendo sersolicitada renovação com antecedência mínima de 120 dias deexpiração do prazo fixado na respectiva licença, ficando este automa-ticamente prorrogado até a manifestação definitiva da Secretaria.

Utiliza-se o convite público para chamar as empresas à construçãoe compartilhamento da rede subterrânea. Esse instituto é usado paraatrair o maior número possível de empresas na implantação de redesem determinadas vias do município. Tais vias são definidas pela Pre-feitura quando se trata de trechos a serem implantados ou revitaliza-dos, como também são definidas pelas empresas quando se busca aten-der a demanda construída em processo de ampliação da malha. Ematendimento ao convite público, as empresas de telecomunicações têmsido incentivadas a projetar redes compartilhadas, por meio de reuni-ões com a Prefeitura, nas quais é definido o traçado e a quantidade dedutos para a formação de bancos de dutos. O consórcio é definido apartir da manifestação das empresas no sentido de convergência deprojetos de rede.

De acordo com informações da Secretaria de Meio Ambiente, de1998, quando da implantação do licenciamento, até setembro de 2001,já haviam sido emitidas licenças referentes a 650 Km de rede aérea ede 100 Km de rede subterrânea, especificamente para serviços de tele-fonia e fibra óptica. A rede de gás natural licenciada neste período éde 14 Km de extensão. Até o momento as três maiores redes subterrâ-neas consorciadas que estão licenciadas são:

1. Rede Voluntários – Composta pelas empresas Intelig, Eletronet

7 Antes de obter aLicença de

Operação, aempresa devereceber duas

licenças anteriores: aLicença Prévia,

concedida na fasepreliminar do

planejamento darede, e que dizrespeito à suaconcepção e

localização; e aLicença de

Instalação, queautoriza a instalação

da rede de acordocom as

especificaçõesconstantes nos

planos e projetosaprovados.

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9e Telefonica, mais a rede municipal da Procempa, situa-se naAvenida Voluntários da Pátria.

2. Rede Centro Borges – Composta pelas empresas Intelig, Pe-gasus Telecom, AT & T, Global Village Telecom (GVT),Telefonica, mais a rede municipal da Procempa.

3. Rede Perimetral e Av. Carlos Gomes – Composta pelas em-presas Intelig, Pegasus Telecom, AT & T, Global Village Telecom(GVT), Telefonica, Embratel, Brasil Telecom e Engesul.

Impactos sobre a gestãomunicipal e a cidadania

Um dos principais impactos do Licenciamento Ambiental em PortoAlegre é a construção da Infovia Procempa, por meio da dação empagamento de dutos, cabos de fibras ópticas e caixas de passagens. AProcempa é uma das mais importantes aliadas da Secretaria de MeioAmbiente no processo de Licenciamento Ambiental. Sua participa-ção no grupo técnico teve como conseqüência a instalação de umarede de fibra óptica própria que atende a toda a Prefeitura de PortoAlegre. Como tem a função de avaliar a conversão do pagamentomensal da concessão para dação em pagamento, a empresa municipalpôde coordenar a implantação de sua própria Infovia. A InfoviaProcempa é uma rede de cabos de fibra óptica, ou seja, um backbonepróprio, com extensão de 55 km, capaz de oferecer serviços de comu-nicação de dados, imagens, voz e Internet para toda a administraçãomunicipal de Porto Alegre. A infra-estrutura disponível para a expan-são da rede (dutos subterrâneos), também conseguida pelo instrumen-to da dação em pagamento, já ultrapassa 200 km. Ou seja, existem,além dos 55 Km atualmente ocupados pela Prefeitura, mais 145 Kmde dutos já construídos que aguardam instalação de redes, tanto embairros centrais da cidade quanto na periferia de Porto Alegre8 .

Um dos benefícios mais importantes da Infovia Procempa é a in-tegração dos diversos órgãos públicos municipais em rede de telefoniadigital. Um exemplo disso na administração municipal pode ser ob-servado no fato de que hoje a Prefeitura ,em seus diversos prédios, já

8 Além dasatividades voltadaspara o atendimentodas demandas daPrefeitura Municipalde Porto Alegre, aProcempa possuilicença para operarserviços corporativosdetelecomunicações.Desse modo, areferida infra-estrutura emtelecomunicações jáimplantada,possibilita nãoapenas economias,mas também aobtenção de receitasquando da prestaçãode serviços paraclientes privados. OPortoweb, provedorcomercial de Internetda Procempa, é umexemplo dessesserviços.

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10 não precisa utilizar várias linhas telefônicas para a comunicação entreórgãos e secretarias. A comunicação telefônica se dá através da redede telefonia digital instalada com a Infovia, o que proporciona umaeconomia de consumo telefônico da ordem de R$ 1,7 milhão.

Além da rede de telefonia digital facilitar a comunicação entreórgãos e secretarias da Prefeitura de Porto Alegre, ela também propor-ciona maior agilidade nos sistemas de informação já instalados, taiscomo gestão financeira e orçamentária, planejamento, monitoramentodos transportes, gerenciamento e controle do sistema de saneamento.Uma outra característica é a possibilidade de descentralizar o uso deinformações, como é o caso da parceria com a Secretaria Municipal deSaúde no desenvolvimento do Infovia Saúde. Esse projeto visa darmaior eficiência aos processos administrativos, além de acesso à infor-mação, melhoria do atendimento ao cidadão, bem como a racionali-zação na utilização dos recursos públicos na área da saúde.

Um dos benefícios trazidos pela Infovia Saúde, ainda em fase deteste, é a disponibilidade de informações de um mesmo pacientepara vários hospitais da rede estadual e municipal. As informaçõesdos pacientes (exames, prontuários, diagnósticos) atendidos em umhospital qualquer dentro do anel da Infovia Procempa, ficam dispo-níveis on line para qualquer outro hospital caso o mesmo pacienteprocure outra unidade hospitalar. Neste caso, o médico que atendero paciente pela primeira vez terá acesso imediato à sua memóriaclínica e patológica.

Outra conseqüência da instalação da Infovia Procempa é a am-pliação da informatização nas escolas municipais visando a inclusãodigital. Segundo informações da Procempa, 91,3% dos alunos já sãoatendidos por trabalho pedagógico que qualifica as atividades depesquisa e de comunicação utilizando os recursos de informática9 .Além do uso da informática e da internet em sala de aula, há tam-bém a instalação de microcomputadores interconectados na Infoviaem espaços comunitários (centros sociais, parques, associações debairro, etc.), os chamados Telecentros. No momento, existem cincoTelecentros em funcionamento e até o final de 2002 pretendia-seinaugurar mais cinco10 .

9 O projeto“Informática na

Educação: UmaRede para Inclusão

Digital” obteve asegunda colocação

do PrêmioExcelência em

Informação Pública,no Congresso

Nacional deInformática Pública

(CONIP 2001), nacategoria

“Universalização dosServiços e Redes

Públicas deComunicação e

Informação”.

10 Os Telecentros jáem funcionamento

em Porto Alegreencontram-se nos

bairros MárioQuintana, Santa

Teresa, Cristal,Camaquã e Serraria.

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11Com a Infovia Procempa também foi possível agilizar a amplia-ção dos canais de participação popular, por meio da inserção do Or-çamento Participativo na Internet desde o início de 2001. Pela rede,os cidadãos podem apresentar demandas, posteriormente avaliadaspelos delegados eleitos e encaminhadas às discussões na Rodada In-termediária, na qual os cidadão são convidados a participar, comdireito a voz.

Considerações FinaisApesar de Porto Alegre ser a primeira capital brasileira a criar o

Licenciamento Ambiental para redes de infra-estrutura subterrâneaou aérea, essa é uma legislação municipal que está sendo adotada nosúltimos três anos por algumas capitais e grandes cidades do país. Issopode ser observado no caso do Rio de Janeiro, com o Decreto 18.627/00; Campinas, com a Lei 10.639/00; Curitiba, com o Decreto 327/00;São Paulo, com o Decreto 38139/99. Além das grandes cidades, cida-des médias e pequenas, como Florianópolis, com o Decreto 746/00, eOsasco, com o Decreto 8.944/00, elaboraram leis de licenciamentoambiental para instalação de redes de infra-estrutura urbana.

Evidentemente, a mera existência do texto legal não garante suaeficácia, ou seja, a prática da lei vai depender do cumprimento rigo-roso desta por parte do poder público municipal. Nesse aspecto, ocaso de Porto Alegre é bem sucedido e até pioneiro, dado que não seobserva nas outras cidades um ordenamento do subsolo e do espaçoaéreo tão rigoroso como na capital gaúcha. Isso se deve em grandeparte a uma variável política de sustentação da proposta de licencia-mento ambiental para redes de infra-estrutura urbana. Ou seja, olicenciamento ambiental faz parte de uma conduta política da ad-ministração municipal no sentido de regular e preservar de formasustentável o ambiente urbano em seu subsolo e espaço aéreo. Talorientação se reflete no gerenciamento do processo pelo grupo téc-nico, formado por diversos órgãos da administração municipal, queconsegue desenvolver um trabalho de gestão pública integrada, semconflitos de competência.

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12 A capacitação técnica da equipe de governo é outro fator funda-mental para o bom desempenho do processo de Licenciamento Ambi-ental. Prefeituras que não disponham de um quadro técnico bem pre-parado, seguramente não terão condição de sustentar a prática de umalegislação como esta. No caso de Porto Alegre, além da Secretaria deMeio Ambiente, a Procempa desempenhou um papel fundamental nosentido de conduzir o processo de licenciamento e ao mesmo tempogerar para o conjunto da administração municipal um ganho na áreatecnológica, que foi a Infovia Procempa.

No que se refere ao mérito do Programa em si, é importante notarque o licenciamento ambiental para redes de infra-estrutura urbanaconstitui uma prática de gestão local que toma para si um papel regu-lador legítimo do poder público municipal. Afinal, o subsolo e o espaçoaéreo da cidade são, antes de mais nada, esferas de competência local.Assim, ninguém mais competente do que o município para assumiressa tarefa.

Quanto à regulação desenvolvida pelo Programa, percebe-se que,ao invés de limitar a atuação destas, a mediação da Prefeitura estimu-lou a ocupação sustentável do subsolo, possibilitando a instalação denovas empresas em Porto Alegre sem impedimentos de ordemambiental. Nesse sentido, a regulação induziu a competição e não ocontrário. Além disso, ao adotar a dação em pagamento pelo uso doespaço público de concessão, a Prefeitura terminou por incentivar umaação coletiva entre as empresas, que beneficiou o conjunto damunicipalidade, uma vez que os custos da instalação ficaram concen-trados nas empresas e os benefícios da ocupação sustentável do espaçosubterrâneo e aéreo serão apropriados pelo conjunto dos cidadãos dePorto Alegre.

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13FontesReferências Bibliográficas,Documentos e Sites

Anatel – Agência Nacional de Telecomunicações. www.anatel.gov.br.

Arioli, Magda C. Satt. et al. “As redes de infra-estrutura aéreas e subterrâneas comoum elemento de ordenação do espaço urbano”. In: Redes de Infra-Estrutura e GestãoMunicipal. Porto Alegre: Prefeitura Municipal, 2001, mimeo.

Associação Brasileira de Empresas Prestadoras de Serviços Especializados deTelecomunicações. www.telcomp.org.br.

Favreto, Rogério. “Bens públicos municipais e o uso remunerado do seu subsolo eparte aérea”. In: Redes de Infra-Estrutura e Gestão Municipal. Porto Alegre:Prefeitura Municipal, 2001, mimeo.

Instituto Socioambiental. www.socioambiental.org.

Ministério do Meio Ambiente. www.mma.gov.br.

Pinheiro, Ivan Antônio. “Inovação em políticas Públicas: a legislação ambientalcomo instrumento de modernização tecnológica – o caso da Infovia do Município dePorto Alegre”. UFRS, mimeo.

Prefeitura Municipal de Porto Alegre. www.portoalegre.rs.gov.br.

Prestes, Vanêsca Buzelato. “Considerações jurídicas sobre as redes de infra-estruturasubterrânea na experiência de Porto Alegre”. In: Redes de Infra-Estrutura e GestãoMunicipal. Porto Alegre: Prefeitura Municipal, 2001, mimeo.

PROCEMPA. www.procempa.com.br.

PROCEMPA. Desenvolvimento das Infra-Estruturas de Telecomunicações nasCidades. In: Redes de Infra-Estrutura e Gestão Municipal. Porto Alegre: PrefeituraMunicipal, 2001, mimeo.

Schimitt, Nara Medina. et al. A metodologia do licenciamento das redesdesenvolvida em Porto Alegre. In: Redes de Infra-Estrutura e Gestão Municipal. PortoAlegre: Prefeitura Municipal, 2001, mimeo.

Torino, Rafael P. Metodologia de cobrança. In: Redes de Infra-Estrutura e GestãoMunicipal. Porto Alegre: Prefeitura Municipal, 2001, mimeo.

Leis e DecretosPrefeitura Municipal de Porto Alegre. Decreto n.º 12.789 de 05/6/2000 – Disciplina olicenciamento ambiental.

Prefeitura Municipal de Porto Alegre. Decreto n.º 13.161 de 19/3/2001 – instituiparâmetros para a implantação de redes e demais elementos de infra-estruturaaparentes no espaço público.

Prefeitura Municipal de Porto Alegre. Decreto n.º 13.384 de setembro de 2001 –Regulamenta a Lei 8.712 de 19 de janeiro de 2001, revoga artigos do Decreto 12.789

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14 de 07 de junho de 2000, dispõe sobre o preço público a ser cobrado pela utilizaçãodos espaços de propriedade municipal e dá outras providências.

Prefeitura Municipal de Porto Alegre. Lei Municipal n.º 8.267 de 29/12/1998 –Dispõe sobre o licenciamento ambiental no Município de Porto Alegre, cria a Taxade Licenciamento Ambiental e dá outras providências.

Prefeitura Municipal de Porto Alegre. Lei Municipal n.º 8.279 de 20/01/1999 –Disciplina o uso do mobiliário urbano e veículos publicitários e dá outrasprovidências. In: Redes de Infra-Estrutura e Gestão Municipal. Porto Alegre:Prefeitura Municipal, 2001e.

Prefeitura Municipal de Porto Alegre. Lei Municipal n.º 8.712 de 19/01/2001 –Dispõe sobre os serviços de infra-estrutura que utilizam o solo e o subsolo depropriedade municipal, autoriza a cobrar pela utilização e pela passagem dos dutosno bem público e dá outras providências.

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Versão em formato PDF

Projeto Anike 2002

finalistas do ciclo depremiação 2002

Luis Fujiwara

Programa Gestão Pública e Cidadania

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20 Experiências de Gestão Pública e Cidadania/Organizadores: Gabriela Spanghero Lotta, Hélio Batista Barboza,Marco Antonio Carvalho Teixeira e Verena Pinto. São Paulo: ProgramaGestão Pública e Cidadania, 2003272 p.

Inclui bibliografia.

1. Políticas públicas – Brasil. 2. Administração pública – Brasil.I. Lotta, Gabriela Spanghero. II. Barboza, Hélio Batista. III. Teixeira, MarcoAntonio Carvalho. IV. Pinto, Verena. V. Programa Gestão Pública eCidadania.

CDD-352

Originalmente publicado em:20 Experiências de Gestão Pública e Cidadania

Gabriela Spanghero Lotta, Hélio Batista Barboza,Marco Antonio Carvalho Teixeira e Verena Pinto (orgs.)

Copyright © Gabriela Spanghero Lotta, Hélio Batista Barboza,Marco Antonio Carvalho Teixeira e Verena Pinto

Direitos da edição reservados aoPrograma Gestão Pública e CidadaniaAv. 9 de Julho, 2029 – 2º andar da Biblioteca01313-902 – São Paulo – SPTel: (11) 3281-7904 / 3281-7905Fax: (11) 287-5095E-mail: [email protected]://inovando.fgvsp.br

Impresso no Brasil / Printed in Brazil

Todos os direitos reservados. A reprodução não autorizada destapublicação, no todo ou em parte, constitui violação da lei dedireitos autorais.

1ª edição – 2003

Capa/editoração: Liria OkodaImpressão: Gráfica Dedone

Versão gráfica em formato PDF: Liria Okoda

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O Estado de Roraima situa-se no extremo norte do Brasil; fazfronteira com a Guiana e a Venezuela em sua parte superior e com osEstados do Amazonas e do Pará em sua parte inferior. Trata-se deum Estado recente, instituído com a promulgação da Constituiçãode 1988. A base de sua economia se estrutura em torno da minera-ção2 e da agropecuária.

Em relação aos demais Estados da Amazônia Legal, Roraima sedistingue por algumas características peculiares. Em primeiro lugar,destaca-se a paisagem da região, formada pelas escarpas do Escudodas Guianas. O nome do Estado vem da presença marcante dessetipo de formação montanhosa: Roraima significa “serra verde” emlíngua yanomami.

Na área central de Roraima há um grande vale, que corta o Estadoem sentido diagonal, onde se encontra a vegetação de cerrado (savana),que cobre cerca de um terço do território e favorece a criação de gado

Projeto Anike 2002ESTADO DE RORAIMA

Luis Fujiwara1

1 Bacharel emAdministração Públicapela UniversidadeEstadual PaulistaJulio de MesquitaFilho (Unesp), mestreem AdministraçãoPública e Governopela FGV-EAESP edoutorando emadministração públicapela Lindon B.Johnson School ofGovernment daUniversity of Texas,em Austin (EUA).

2 O território deRoraima é rico emouro, diamantes,cassiterita, bauxita,cobre, areia, argila egranito. Muitas dasreservas mineraisencontram-se emterritório indígena, o

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4 de forma extensiva. A prática da pecuária extensiva, bem como dogarimpo, foi largamente utilizada como parte de uma estratégia deinvasão e ocupação das Terras Indígenas (TI)3 . A proliferação de fa-zendas de gado pode ser ilustrada por uma frase muito popular naregião: “uma terra sem gado não tem dono”.

Em Roraima existem 32 terras indígenas, habitadas por 14 povosdiferentes, a grande maioria pertencente às etnias Makuxi, Wapixanae Yanomami. As terras indígenas totalizam 18 mil km2, o que corres-ponde a aproximadamente 40% do território do Estado. Cerca de 16%dos 324 mil roraimenses são de origem indígena.

Pode-se facilmente constatar como o contexto político e produti-vo foi gerando condições estruturais pouco favoráveis para um reco-nhecimento pleno dos direitos indígenas. As políticas oficiais do Esta-do seguiram o modelo da integração militar, pressionando as popula-ções indígenas e impondo um modelo autoritário e desenvolvimentis-ta que atendia, sobretudo, os interesses hegemônicos, baseados empolíticas clientelísticas e de exploração da dignidade humana. (RE-PETTO: 2002, p. 74).

A Terra Indígena Raposa Serra do Sol é um exemplo de como sãosistematicamente desrespeitados os direitos indígenas em Roraima.Com 1,6 milhão de hectares, essa Terra Indígena está localizada naregião de cerrado no nordeste do Estado de Roraima.

Nesse local, a situação é tensa. Em um passado recente, ocorre-ram diversos confrontos entre índios e invasores, principalmente a partirdo início da década de 90, quando garimpeiros expulsos de territórioyanomami invadiram Raposa Serra do Sol em busca de ouro e outrosminérios. Também existem dentro dessa área diversas plantações dearroz e fazendas de criação extensiva de gado.

Trata-se de uma área indígena já demarcada, porém ainda nãohomologada, o que possibilita a existência de tais irregularidades. Otuxaua (liderança) do Aldeamento Camará, Arnóbio Silveira Batista,fala com pesar de um passado “massacrante” e da luta pela posse daterra tomada de seus ancestrais. “Aceitamos a presença do branco emnossas terras e depois fomos expulsos”, diz ele.

A situação das terras indígenas em Roraima é a mais complexa da

que faz com que oEstado seja palco

freqüente deconfronto entre

garimpeiros e índios.Em alguns locais os

próprios índiosfazem a extração

mineral, seguindo osmétodos aprendidos

com garimpeirosbrancos.

3 Conforme aConstituição

brasileira, capítuloVIII, artigo 231, terras

indígenas são“aquelas habitadas

em caráterpermanente [pelos

índios], as utilizadaspara suas atividades

produtivas, asimprescindíveis àpreservação dos

recursos ambientaisnecessários ao seu

bem-estar e asnecessárias à sua

reprodução física ecultural, segundo

seus usos, costumese tradições”.

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5Amazônia: além dos conflitos políticos de uma região rica em minéri-os e pontilhada de fazendas e ocupações ilegais, existe a cisão do mo-vimento indígena. “Muita gente trabalha contra sua própria terra, seupróprio povo”, afirma o tuxaua Arnóbio. “Muitos companheiros acre-ditam nos políticos e acabam nos atrapalhando”.

O resultado mais visível de toda essa conjuntura é um processo deaculturação e fragmentação social que pode levar à extinção de co-nhecimentos tradicionais de várias etnias. Disso decorre a crença, am-plamente disseminada na sociedade brasileira, de que os índios estãosumindo. “Na marcha dos 500 anos, algumas pessoas queriam tocaros índios para saber se eles realmente existiam”, lembra Arnóbio.

Mas nem tudo são más notícias. Estimativas feitas por diversosestudiosos, antropólogos, demógrafos e profissionais de saúde consta-tam que a maioria dos povos indígenas tem crescido, em média, 3,5%ao ano, muito mais que a média de 1,6% estimada para a populaçãobrasileira em geral no período de 1996 a 2000 (ISA: 2000, p. 80)4 . Ocrescimento populacional alarga a base da pirâmide demográfica indí-gena: a maioria da população é composta por crianças, jovens e ado-lescentes. Além disso, estão em funcionamento diversos programas eprojetos que estimulam a reprodução dos valores culturais e dos co-nhecimentos tradicionais das sociedades indígenas.5

O Projeto Anike é uma dessas iniciativas. Surgido em 2000, o Pro-jeto se estrutura a partir da valorização e do resgate da cultura tradici-onal dos povos indígenas de Roraima. O trabalho se desenvolve emtorno de um dos principais instrumentos formais de aculturação: asescolas indígenas.

De acordo com o antropólogo chileno REPETTO (2002, p. 67), aanálise do modelo de escola indígena historicamente presente emRoraima nos leva à constatação de que a “educação teve como princi-pal objetivo comprometer os novos trabalhadores [índios] com o proje-to de Pátria hegemônico da sociedade brasileira”, distanciando-se dosobjetivos e necessidades dos povos indígenas. Em relação a essa fase,o mesmo autor considera mais adequado falar em “educação para in-dígenas”, ao invés de “educação indígena”.

As escolas para índios surgiram em Roraima nos anos 30, por ini-

4 O crescimento dapopulação indígenaressuscitou o medo,entre as eliteseconômicas epolíticas de Roraima,de que os índios,devidamenteorganizados,passassem a ter umpoder muito grandeno âmbito estadual.Há umposicionamentopolítico claro parafrear iniciativas dehomologação eregistro de terrasindígenas, que sesustenta na tese deque os índios nãopodem atrapalhar o“desenvolvimento” deRoraima e do Brasil.

5 Várias dessasiniciativas forampremiadas peloPrograma GestãoPública e Cidadania,desde 1996. A esserespeito, consultar osoutros livros da série20 Experiências deGestão Pública eCidadania.

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6 ciativa do Serviço de Proteção ao Índio (SPI)6 . Foi na década de 60,entretanto, que se estabeleceu uma rede de escolas em áreas indíge-nas, estruturada pela Igreja Católica. “[Nas] onze escolas em malocasMakuxi e Wapixana os professores eram, em sua maioria, brancos for-mados no colégio de Prelazia, em Boa Vista” (CIDR: 1990, p. 22).

Esse padrão prevaleceu, com pequenas alterações, até a década de70, quando foi ampliado o número de escolas. Além disso, as escolaspassaram ao controle do governo do território, que criou um centro deformação para professores indígenas em Surumu. Iniciava-se uma fasemarcada pelo “caráter integracionista preconizado pelo Estatuto doÍndio (Lei nº 6.001/73)” (MEC: 1999, p. 9).

As escolas “tornaram-se o meio principal para descaracterizar cul-turalmente as malocas indígenas. Primeiramente por causa do tipo deestruturação (tempos de ensino). Para as culturas indígenas não exis-te, tradicionalmente, um tempo específico de ensino, nem um lugarfixo para isso” (CIDR: 1990, p. 23).

Além da dificuldade de manter as crianças em salas de aula, sen-tadas durante horas, havia também uma questão fundamental relati-va ao conteúdo pedagógico utilizado.

“Os programas de ensino nada têm a ver com a vida das malocas.São os mesmos que se desenvolvem na cidade e a vida que descrevemrefere-se só a esta. Quando se fala de índios, é unicamente para iden-tificá-los como selvagens ou tipos folclóricos que viviam aqui antesdos brancos trazerem a civilização. Pode-se imaginar a confusão queeste fato gera na cabeça de um menino de dez anos que se descobre‘coisa do passado’” (CIDR: 1990, p. 23).

Tal situação começou a mudar em 1991, quando o Ministério daEducação, por meio da Portaria Interministerial 559/91, incorporouem suas ações “o princípio do reconhecimento da diversidade sócio-cultural e lingüística do país e o direito à sua manutenção” (MEC:1999, pg. 9).7 Ainda que a Portaria tenha sinalizado uma mudançapositiva, na prática pouca coisa mudou: o Estado ainda exercia umpapel tutelar em relação aos povos indígenas e às suas demandas naárea da educação.

Nessa mesma época, começou a se articular a Organização dos

6 O Serviço deProteção ao Índio

(SPI) foi fundado porCândido Rondon em

1910. Trata-se dainstituição que

precedeu a atualFundação Nacional

do Índio (Funai).

7 Além de efetivaruma mudança de

princípios, a Portariatambém promoveu a

instituição deNúcleos de

Educação EscolarIndígena (NEI) nas

secretariasestaduais, estimulou

a formação deprofessoresindígenas e

estabeleceu ascondições para

regulamentação dasescolas indígenas no

que se refere aocalendário escolar,

metodologia deensino e avaliação

de materiaisdidáticos adequados

à realidade sócio-cultural dassociedadesindígenas.

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7Professores Indígenas de Roraima (OPIR), no bojo de um processomais amplo de articulação e institucionalização de movimentos indí-genas em todo o país. A OPIR foi uma das primeiras organizaçõesdesse tipo em Roraima8 , mas sua atuação só se desenvolveu a partirdo final dos anos 90.

A gênese do Projeto Anike está profundamente ligada à OPIR.Em 1998, a Organização procurou o Conselho Indígena de Roraima(CIR) para promover uma oficina de elaboração de projetos com osprofessores indígenas. O intuito era ensinar os professores a captarrecursos, o que ajudaria ambas as instituições e as diversas comunida-des atendidas. O curso foi dado pelo antropólogo chileno Repetto Re-petto, que dava aulas na Universidade Federal de Roraima. “Na pri-meira oficina veio uma professora, na segunda cerca de vinte, na ter-ceira outras vinte, mas não desanimamos”, conta o antropólogo.

Uma vez composto o grupo (formado majoritariamente por mu-lheres), iniciou-se um processo de avaliação dos principais problemasenfrentados pelos docentes indígenas em suas comunidades. Foramdestacados três problemas: a ausência de formação adequada; o con-texto de violência observado nos aldeamentos e a falta de materialdidático diferenciado. Para discutir essas questões foram formados doisgrupos durante o curso: um para tratar a questão da formação e outropara cuidar do material didático.

A questão da violência, por sua vez, ficou sob incumbência daOrganização das Mulheres Indígenas de Roraima (OMIR), porqueentre as sociedades indígenas de Roraima as mulheres desenvolvemum papel “moralizador” de suma importância. As principais queixasdecorriam da incidência de alcoolismo e de práticas de violência in-trafamiliar. Na estrutura de poder dos aldeamentos makuxi, por exem-plo, o processo político é dominado pelos homens, porém cabe às mu-lheres a “articulação de bastidores”, sendo que esta geralmente pro-duz resultados mais efetivos9 . Recentemente, por conta da crescenteimportância da OMIR, as mulheres passaram a ter assento no conse-lho anual de lideranças indígenas.

Desses grupos temáticos, o que avançou mais foi o que cuidava dodesenvolvimento do material didático. Suas atividades resultaram num

8 Outras instituiçõessurgidas nessa épocaforam a Associaçãodos Povos Indígenasde Roraima (APIR) e oConselho indígena deRoraima (CIR).

9 Isso ocorre porquea lógica que permeiaas relações degênero entre essespovos é uma lógicadecomplementariedade:um homem só érespeitadoplenamente comohomem se ao seulado existir umamulher e vice-versa.Nesse contexto, asmulheres sãovalorizadas por seupapel social, que secaracteriza, entreoutros aspectos, peloconhecimento dasplantas medicinais.Trata-se de umalógica contrária à quepodemos observarnas sociedades“brancas”, nas quaispredomina oconfronto entrehomens e mulheres.

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8 trabalho de conclusão de curso que se tornou o embrião do ProjetoAnike. Os objetivos do Projeto são: consolidar a identidade dos povosindígenas de Roraima, valorizando sua auto-estima e sua autonomia;fomentar a construção crítica do processo histórico e espacial vivenci-ado por essas populações; fortalecer a atuação da OPIR e consolidar asbases de uma política permanente de formação de professores e pro-dução de material didático diferenciado.

Para cumprir seus objetivos, o Projeto Anike conta com a parceriade diversas entidades. A OMIR colabora com a mobilização das pro-fessoras indígenas e oferece a contrapartida dos investimentos neces-sários à realização de cursos e atividades de coordenação. O ConselhoIndígena de Roraima (CIR) e a Associação dos Povos Indígenas doEstado de Roraima (APIR) executam um trabalho de caráter político,facilitando a inserção do Projeto Anike nos aldeamentos. Também for-necem o transporte e a infra-estrutura que são necessários nos cursose oficinas realizados nas comunidades.

A Divisão de Educação Indígena (DEI) da Secretaria Estadual deEducação, Cultura e Desporto é outra entidade parceira. Apóia finan-ceiramente os cursos e oficinas, por meio da cessão de material deconsumo. Também libera os professores para participar de atividadesextra-classe e auxilia a articulação da iniciativa nas escolas indígenas,fazendo com que o Projeto beneficie cerca de 25% dos 513 professoresindígenas existentes no Estado. Entre os funcionários da Divisão deEducação Indígena, existe a percepção de que todos os 11 mil alunosindígenas de Roraima também serão beneficiados pelo Projeto, con-forme o material didático diferenciado for ficando pronto10 .

Todos os funcionários da DEI são indígenas e a maioria tambémfaz parte da OPIR. Isso gera uma grande cumplicidade e, conseqüen-temente, maior suporte para o Anike, o que pode ser notado no depo-imento de Natalina da Silva Messias, chefe da DEI. “Pela primeira vezo próprio indígena está registrando sua verdadeira história”, diz ela.“Estamos resgatando a nossa cultura, que perdemos muito nos tem-pos da escola tradicional”, acrescenta. “Estamos construindo um ma-terial especifico para o nosso povo por meio de um trabalhoparticipativo. Antes o material vinha de outras regiões e Estados, não

10 Já existem doislivros de história

prontos, ambos emlíngua makuxi e

destinados para a 1ae a 2a séries do

ensino fundamental.Em agosto de 2002,estava no prelo um

terceiro produto: umlivro de história e

geografia, emmakuxi, wapixana e

português,direcionado para

alunos da 5a a 8asérie.

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9estava de acordo com a nossa realidade”.Na Universidade Federal de Roraima há o Núcleo Insikiran de

Formação de Professores Indígenas, gerado a partir da demanda daOPIR e da exigência do Ministério da Educação para que se acabecom a figura do professor leigo (sem formação) até 2007. Os mem-bros da equipe técnica do Núcleo afirmam, inclusive, que se sentemcomo “filhos do Anike”. O Núcleo Insikiran oferece suporte técnicoao Projeto.

Encontra-se em fase de estudos a implantação de um curso de ter-ceiro grau para a formação de professores indígenas na UniversidadeFederal de Roraima. Atualmente, estão sendo analisadas experiênciassimilares, como a da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul.

O Projeto Anike conta também com o apoio da Funai e do Mi-nistério da Educação, mas de forma apenas eventual. Tais parceriasfuncionaram melhor no primeiro ano de implantação do Anike, masse resumiram ao apoio financeiro (compra de material de consumoe contratação de recursos humanos) para a realização de trabalhosde campo.

A metodologia de trabalho do Projeto Anike promove a capacita-ção de professores indígenas para fazer o registro oral da história deseus povos. Posteriormente, a partir dos depoimentos gravados e es-critos, eles participam de oficinas para a produção de material didáti-co para o ensino médio e fundamental. O fortalecimento da Organi-zação dos Professores Indígenas de Roraima (OPIR), entidade res-ponsável pelo Projeto, é importante para o êxito dessa atividade.

Do ponto de vista operacional, o Projeto Anike possui quatromomentos marcantes, sendo o primeiro deles o de início das ativi-dades, em julho de 2000, quando o Ministério da Educação finan-ciou um curso para quarenta professores indígenas (cinco de cadauma das oito regiões que hoje possuem coordenações regionais des-te Projeto). O curso preparou esses professores para a realização deuma pesquisa de campo que privilegiava o registro da história oral,por meio de entrevistas.

Tais entrevistas foram feitas em uma segunda fase, com depoi-mentos colhidos em diversos aldeamentos de etnias diferentes. Bus-

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10 cava-se ouvir os índios mais velhos, ou os que tivessem conhecimen-to das lendas e histórias de seu povo, praticamente desaparecidas. Oprincipal problema enfrentado nessa fase do Projeto Anike decorriada falta de equipamentos audiovisuais para o registro dos depoimen-tos, além das dificuldades financeiras para viabilizar o custoso tra-balho de campo.

Em novembro do mesmo ano, com o apoio financeiro da Funai,foi realizada uma oficina para avaliar os resultados do trabalho de cam-po. Apesar das dificuldades causadas pela falta de equipamentos ade-quados para a gravação dos depoimentos, o material reunido a partirdas entrevistas foi considerado satisfatório, sendo classificado nas se-guintes categorias: “histórias antigas”, “vida familiar”, “produção”,“chegada dos brancos”, “danças”, “tradições” e “alimentação”.

Em 2001, a OPIR, com recursos próprios, trabalhou na sistemati-zação do conhecimento registrado, realizando oficinas com alunos eprofessores para a produção de textos históricos e ilustrações. Nessasoficinas, os índios mais velhos contavam histórias aprendidas com seuspais e avós. Os professores posteriormente estimulavam as crianças aproduzir desenhos sobre a lenda ou a história contada.

Os melhores desenhos foram passados para o nanquim e coloridoscom técnicas especiais, com o intuito de se utilizá-los na produção domaterial didático diferenciado. Ao mesmo tempo, os responsáveis peloProjeto discutiram com as diversas comunidades indígenas o planeja-mento das atividades escolares, que passaram por uma reformulação.

Em primeiro lugar, as atividades nas escolas começaram a incluiruma participação maior da comunidade. Esta, por sua vez, desenvol-veu um sentimento de pertencimento em relação às escolas. Alémdisso, destaca-se o ensino bilíngüe: segundo um estudo do InstitutoSocioambiental (ISA), 85% das línguas indígenas do Brasil foram ex-tintas, e a média de falantes das línguas que sobreviveram é inferior a200 pessoas. A presença, na escola, da língua materna e dos costumestradicionais, tem funcionado como um atrativo para as crianças. Poroutro lado, o ensino do português também é importante: “a línguados brancos é um importante instrumento de luta para os índios”,disse uma liderança indígena entrevistada pelo autor.

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11A proposta de construção de um modelo de educação diferenciadatambém tem sido contemplada, conforme se pode notar, por exem-plo, na própria organização das atividades: as crianças acompanhamos homens que vão trabalhar no roçado, onde elas aprendem sobreaspectos importantes da vida produtiva e das diversas culturas típicasda região, como a mandioca. Trata-se de uma verdadeira aula de bio-logia ao ar livre, que favorece o resgate de conhecimentos tradicionaise produz impacto direto na alimentação das comunidades. Além deaprenderem a manipular sementes e de redescobrirem técnicas pro-dutivas, as crianças tomam conhecimento da biodiversidade presenteem suas comunidades, observando animais e plantas e preservandoum conhecimento secular que até então estava em desuso.

No retorno à escola as atividades continuam: os alunos são leva-dos a produzir vários textos e trabalhos sobre a experiência no roçado,recebendo uma orientação específica conforme a disciplina estudada.Se a aula é de matemática, por exemplo, as crianças elaboram umrelatório com o número de mudas plantadas, obtido por meio de cál-culos simples. Nas aulas de português, o que vale é elaborar uma reda-ção sobre as atividades no roçado. Dessa forma, as crianças desenvol-vem sua auto-estima e uma nova consciência acerca do que significaser índio. O cotidiano escolar torna-se atrativo porque passa a traba-lhar com a realidade diária dos alunos e alunas, e não mais com refe-rências exógenas.

Todas as atividades comunitárias são entendidas como parte inte-grante da escola. Com isso, o processo de aprendizado deixa de serestringir às quatro paredes da sala de aula. “Vivemos a nossa realida-de, e assim levamos as pessoas a entender o que é ser Makuxi, o que éser indígena”, explica o diretor de uma das escolas, Telmo Ribeiro.

A principal dificuldade enfrentada pelo Projeto decorre da falta derecursos para o desenvolvimento de suas atividades. No ano 2000, osrecursos somaram R$ 65 mil e o dinheiro veio principalmente da Funaie do Ministério da Educação. Em 2001, o Projeto recebeu apenas R$ 13mil, financiados pela OPIR e pelo governo do Estado. Além da falta deverbas, a burocracia envolvida na liberação do dinheiro também é apon-tada pela coordenação do Projeto como um grande obstáculo, tendo

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12 causado, inclusive, o cancelamento de diversas atividades.Mesmo com essas dificuldades, os resultados já começam a apare-

cer. No Aldeamento Camará11 , por exemplo, o processo iniciado peloProjeto Anike promoveu o ressurgimento de manifestações culturaistradicionais. O resgate das lendas e da história dos povos indígenasrevitalizou a identidade cultural da comunidade e estimulou a valori-zação de práticas que estavam em desuso, como as músicas e dançastípicas (Parishara, Tucui, Aleluia, etc.).

Os índios reconhecem a importância da iniciativa. “Com o Proje-to, cresceu o interesse pela busca de nossas raízes” constata o diretorTelmo Ribeiro. “Ao contrário do que se pensa, nossa cultura não aca-bou! Estamos rastejando atrás dela, assim nossos costumes estão cadavez mais vivos!”.

Para o coordenador regional do Conselho Indígena de Roraima,Marinaldo Justino, o aprendizado das danças, da língua materna e dasmúsicas, “fortalece, nas crianças, a cultura e as crenças indígenas”. Defato, é possível perceber nos alunos uma nova postura, fruto do resgateda auto-estima e do orgulho de sua condição de índios. “Eu adorocantar porque canto sobre as coisas de minha vida, na minha língua”,ressalta Gerlys Medeiros, 18 anos, aluna da sétima série de uma escolano Aldeamento Camará. Ela descreve as mudanças que o Projeto trou-xe para sua vida e a de sua comunidade:

“Quando vou para outros lugares, as pessoas falam sua língua ma-terna; eu também quero falar a minha. Os cantos e danças surgiramcom o Projeto Anike; agora nós já fazemos apresentações em outrasaldeias e cidades. Antes a escola não trabalhava com a cultura indígenae agora nós estamos de mãos dadas com todos aqueles que queremnos conhecer melhor. Parece que o branco tirou nossa inteligência, nossacultura, mas isso nós vamos trazer de volta” (entrevista ao autor).

O caráter inovador do Projeto Anike evidencia-se a partir da cons-tatação de que não existem muitos projetos de resgate e produção dematerial didático para indígenas, em especial para o ensino médio.Além disso, a experiência se destaca pela autonomia conquistada porprofessores e comunidades indígenas. É possível afirmar que a educa-ção indígena em Roraima está sendo gerenciada efetivamente pelos

11 Esta aldeia,situada na Terra

Indígena RaposaSerra do Sol, é

formada por 187pessoas oriundas de37 famílias. No local

funciona a EscolaIndígena Índio

Gabriel, na qualtrabalham cinco

professoresindígenas, e tambémo Centro Camará de

Formação Makuxipara o

desenvolvimento dalíngua materna desta

etnia.

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13índios, o que configura uma grande mudança num Estado comoRoraima, marcado pelos conflitos entre brancos e índios.

O Projeto Anike focaliza o registro e a valorização da história e dasabedoria dos índios ao mesmo tempo em que busca articular açõespara promover a disseminação desse tipo de conhecimento. Assim, oProjeto estimula a sociodiversidade e o respeito às diferenças étnicas,o que acaba estimulando indiretamente a biodiversidade. Exemplodisso é o resgate da língua makuxi, que possibilitou a sistematizaçãode conhecimentos herdados ancestralmente, como as rezas dos pajés.Tal sistematização, por sua vez, desencadeou o registro de algumasplantas e de alguns animais.

Segundo REPETTO (2002, pg. 279), as escolas que existiam an-tes do Projeto Anike acabavam “por motivar a migração dos indígenasem direção às cidades, sem oferecer, contudo, uma compreensão pro-funda dos códigos em jogo na atual situação de relações interétnicas”,o que resultava em violência, alcoolismo, pobreza e drogadição paradiversos jovens indígenas de Roraima. Com o Projeto, os jovens pas-sam a ter orgulho de sua identidade cultural. “Queremos liberdade,para que nossos jovens tenham inteligência e sabedoria”, diz MarinaldoJustino, explicitando um novo sentimento de esperança: “Só se cons-trói o futuro olhando para o passado”, afirma.

Deste passado faz parte uma lenda sobre o surgimento do povoMakuxi. Diz a lenda que em um buraco do Monte Roraima, nasceuuma índia. O guerreiro Makunaima achou essa índia e a desposou,tendo com ela dois filhos: Anike e Insikiram, os dois primeiros índiosda etnia Makuxi. Anike era o mais jovem e se caracterizava pela saga-cidade e pelo espírito curioso. No princípio dos tempos foi ele quemenriqueceu a cultura makuxi com diversas lendas e mitos.

Parece que a história se repete: novamente o bravo guerreiro Anikese arrasta pela floresta, “rastejando” a cultura de seu povo. Trata-se deuma iniciativa que vai além de oferecer ensino bilíngüe diferenciado ede resgatar a cultura de povos indígenas. O Projeto Anike constitui, naverdade, um poderoso instrumento de consolidação dos direitos indí-genas, tão pouco respeitados nos dias de hoje.

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14 Bibliografia

CENTRO DE INFORMAÇÃO DIOCESE DE RORAIMA. Índios e brancos emRoraima. Boa Vista: Diocese de Roraima, 1990.

INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL. Povos indígenas no Brasil. São Paulo: InstitutoSocioambiental, 2000.

INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL. Amazônia Brasileira 2000 (mapa). São Paulo:Instituto Socioambiental, 2000.

LEITE, Marcelo. A Floresta Amazônica. São Paulo: Publifolha, 2001.

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Parecer nº 14/99 – Diretrizes Curriculares Nacionaisda Educação Indígena. Brasília: MEC, 1999.

MONTANHA, Vilela. Os bravos de Oixi. Petrópolis: Ed. Vozes, 1994.

REPETTO, Maxim. Roteiro de uma etnografia colaborativa: as organizações indígenase a construção de uma educação diferenciada em Roraima, Brasil. Tese de Doutorado.Universidade de Brasília. 2002 (mimeo).

REVISTA ÉPOCA. Somos índios. São Paulo: nº 218, julho de 2002.

Pessoas entrevistadas

Arnóbio Silveira Batista - Tuxaua TI Raposa Serra do Sol

Bartolomeu da Silva Tomas - Artista plástico e monitor do Projeto Anike

Edson Morapé - Aluno do Aldeamento Camará

Enlton - Professor Makuxi

Fausto da Silva - Funcionário da DEI

Gerlys Medeiros - Aluna do Aldeamento Camará

Idelvânia de Oliveira - Chefe Substituta da DEI

Irani Barbosa dos Santos - Funcionária da DEI e Coordenadora da OMIR

Ivonete Ribeiro Paulino - Aluna do Aldeamento Camará

Luciana Lima Pinto - Coordenadora da OMIR em Camaá

Maria Auxiliadora de Souza Mello - Coordenadora do Núcleo Insikiran

Maria Luiza - Núcleo Insikiran

Marinaldo Justino - Coordenador Regional CIR

Maxim Repetto - Núcleo Insikiran

Natalina da Silva Messias - Chefe da DEI

Raimundo Souza Paulino - Coordenador Regional da OPIR – Baixo Cutinga

Telmo Ribeiro Paulino - Diretor Escolar

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Versão em formato PDF

ProgramaBraços Abertos

finalistas do ciclo depremiação 2002

Silvia Regina da Costa Salgado

Programa Gestão Pública e Cidadania

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20 Experiências de Gestão Pública e Cidadania/Organizadores: Gabriela Spanghero Lotta, Hélio Batista Barboza,Marco Antonio Carvalho Teixeira e Verena Pinto. São Paulo: ProgramaGestão Pública e Cidadania, 2003272 p.

Inclui bibliografia.

1. Políticas públicas – Brasil. 2. Administração pública – Brasil.I. Lotta, Gabriela Spanghero. II. Barboza, Hélio Batista. III. Teixeira, MarcoAntonio Carvalho. IV. Pinto, Verena. V. Programa Gestão Pública eCidadania.

CDD-352

Originalmente publicado em:20 Experiências de Gestão Pública e Cidadania

Gabriela Spanghero Lotta, Hélio Batista Barboza,Marco Antonio Carvalho Teixeira e Verena Pinto (orgs.)

Copyright © Gabriela Spanghero Lotta, Hélio Batista Barboza,Marco Antonio Carvalho Teixeira e Verena Pinto

Direitos da edição reservados aoPrograma Gestão Pública e CidadaniaAv. 9 de Julho, 2029 – 2º andar da Biblioteca01313-902 – São Paulo – SPTel: (11) 3281-7904 / 3281-7905Fax: (11) 287-5095E-mail: [email protected]://inovando.fgvsp.br

Impresso no Brasil / Printed in Brazil

Todos os direitos reservados. A reprodução não autorizada destapublicação, no todo ou em parte, constitui violação da lei dedireitos autorais.

1ª edição – 2003

Capa/editoração: Liria OkodaImpressão: Gráfica Dedone

Versão gráfica em formato PDF: Liria Okoda

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Introdução

“A participação popular será o eixo do novo governo municipal..Esse novo jeito de governar será implantado através do Programa AdministraçãoParticipativa, que criará canais para uma efetiva participação da população nas

ações do governo municipal”.

Nessa declaração contida no Programa de Governo, divulgado ediscutido durante a campanha eleitoral (2000), pode ser identificadaa origem do Programa Braços Abertos, implementado pela atual ad-ministração eleita no município de Boa Vista, capital de Roraima, con-siderado um dos lugares mais remotos do País.

Gerenciado pela Secretaria Municipal de Gestão Participativa eCidadania, núcleo estratégico de coordenação do governo, o Progra-ma é, segundo seus gestores, o grande guarda-chuva da administração.Ele constitui o referencial para ações desenvolvidas pelo município e oestruturador e consolidador dos princípios do Programa de Governo.

ProgramaBraços AbertosBOA VISTA (RR)

Silvia Regina da Costa Salgado1

1 Jornalista,documentalista,mestre em Ciênciasde Comunicação,doutoranda pelaEscola deComunicação e Artesda USP.Coordenadora daUnidade de Produçãode Documentação eInformação e da Redede Comunicação deExperiênciasMunicipais (RECEM)da Fundação PrefeitoFaria Lima – Centrode Estudos ePesquisas emAdministraçãoMunicipal (CEPAM).

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4 O principal instrumento do Programa, confundindo-se com ele, éo Censo realizado no início da gestão, com a consultoria da empresaDiagonal Urbana de São Paulo.2 O Censo foi feito a partir da divisãoda cidade em três áreas, considerando-se as características dehomogeneidade em relação às variáveis demográficas, socioeconômicase físico-espaciais. Foram pesquisados 74.310 imóveis, 4.490 estabele-cimentos econômicos, 40.265 casas e 41.906 famílias, significando 70%da população integralmente “mapeada”.

Realizado em 39 dos 50 bairros3 , o Censo propiciou o conheci-mento da realidade de cada habitante e o conseqüentedimensionamento dos problemas, facilitando a implementação deuma proposta de gestão compartilhada. A equipe gestora é unâni-me em mencionar como primeiro resultado do Censo o fato de suarealização ter permitido que a cidade recuperasse mais de R$ 1milhão por mês na transferência do Fundo de Participação dosMunicípios (FPM) por ter apontado falhas na contagem do Censooficial do IBGE.

Mobilizando, de janeiro de 2001 a agosto de 2002, 420 reuniõescom a presença de 244.971 participantes, o Programa implementa-seem três etapas que, na prática, se interpõem e se integram. Naestruturação inicial, o trabalho social nos bairros teve como objetivosgarantir o entendimento do Programa pelas organizações sociais, lide-ranças informais e moradores (apresentação e discussão); aplicar osselos (selagem e aplicação do questionário da pesquisasocioeconômica); realizar pesquisa qualitativa; produzir o diagnósti-co; e devolver, em reuniões por bairro, os resultados da pesquisa paradiscussão e apresentação de sugestões. O diagnóstico socioeconômicoda cidade tornou possível a elaboração de uma proposta de interven-ção para a minimização dos problemas sociais apontados. Foram tam-bém estimulados e formados grupos representativos dos interessescoletivos das comunidades por meio das organizações sociais existen-tes nos bairros e da representatividade dos moradores.

O desenvolvimento de um plano emergencial por seis meses, in-clusive promovendo a continuidade e melhoria de programas já exis-tentes – integrando-os no escopo do trabalho –, possibilitou que o

2 Selecionada apartir de uma

concorrência públicarealizada em nível

nacional, conformedocumentação

analisada.

3 A pesquisacensitária foi

aplicada nos bairrosdas áreas 1 e 2. Na

área 3, constituída debairros considerados

de boa qualidade,habitados

predominantementepor população de

classe média eclasse média alta,

com acesso a bens eserviços, não foi

aplicada pesquisacensitária. Foram

utilizados dados doIBGE e de outras

fontes.

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5município fosse administrado de maneira concomitante às ações deplanejamento.

O Programa atingiu, em 18 meses, as metas físicas propostas, ten-do também aberto outras frentes como resultado das demandasidentificadas no cotidiano pela comunicação entre a gestão e as co-munidades. A pesquisa socioeconômica e o georreferenciamento doselo cadastral, a construção do banco de dados e, a partir deste, a gera-ção de produtos por bairro, têm sido utilizados em todas as ações. Acidade mapeada de forma regionalizada e focalizada, pelo levanta-mento de 25 variáveis, e a utilização cotidiana dessas informações exi-gem o desenvolvimento, o gerenciamento e a execução de ações querespondam às questões e aos problemas identificados.

O Programa envolve diretamente os 1.322 representantes eleitospelos bairros (192 oriundos de organizações sociais e 1.130 da popula-ção em geral), que, num processo de capacitação contínua, discutemcom a equipe gestora os Planos Locais de Ação Integrada. Os Planostêm, como linhas de ação estratégica, o atendimento a grupos sociaisvulneráveis (risco e insalubridade e degradação e isolamento)4 ; o aten-dimento aos grupos sociais por segmento (jovens de 15 a 18 anos,terceira idade, portadores de deficiência especial, comunidades indí-genas); as ações de massa (violência e drogadição); e o desenvolvi-mento do potencial turístico da região.

São 14.715 crianças e adolescentes participando de projetos queoferecem bolsas-incentivo; 75% da cidade atendida pelo ProgramaSaúde da Família; mais de 12 mil postos de trabalho gerados com acontratação de mão-de-obra local para os serviços de infra-estruturarealizados nos bairros; o atendimento de 840 pessoas em programa decombate à desnutrição moderada e grave na forma de semi-internato;participação de 550 adolescentes e jovens (15 a 21 anos) em situaçãode risco pessoal e social em oficinas terapêuticas que, por meio de umconjunto de ações, buscam resgatar a cidadania e prepará-los para umofício; 2.503 jovens, adultos e idosos em processo de alfabetização;melhoria de 460 casas e início do processo de regularização fundiária;construção de 2.573 banheiros; implantação de três casas denomina-das Casa-Mãe, beneficiando 75 crianças de dois a três anos, e de inici-

4 Risco einsalubridade:famílias em situaçãode indigência (comrenda mensal de atémeio salário mínimo);adolescentes de 15 a21 anos fora daescola e do mercadode trabalho; famíliasque utilizam práticasinadequadas dedestinação final dolixo; famíliasresidentes em imóveisinsalubres; famíliasresidentes em imóveissem instalaçãosanitária; violência.Degradação eisolamento: chefes defamíliasdesempregados;famílias que utilizamligações clandestinasou não têmfornecimento de águae energia regulares;adultos e jovensanalfabetos; famíliasna linha da pobreza(renda mensal até umsalário mínimo);crianças e jovens forada escola.

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6 ativas para geração de trabalho e renda voltados para o incentivo àagricultura e os pequenos negócios, como o Projeto Estufa, a Agênciade Crédito Popular, os Tanques de Piscicultura, entre outros.

Enfrentando as dificuldades inerentes à implantação do Progra-ma, a cidade bonita e planejada que cresceu desordenadamente nosanos 80 e, sobretudo, durante os 90, concentra hoje 62% da populaçãototal do Estado, que foi território até 1988. O “Programa da Participa-ção”, como é chamado pela população, pode ser considerado umaexitosa combinação de uma base informativa como instrumento deplanejamento municipal e da estratégia de ação focada no preparo dascomunidades para participarem da construção de um programa dedesenvolvimento local.

O Censo: focalização edimensionamento dos problemas

A opção por uma divisão da cidade diferente da oficial, definidapelo IBGE, é o primeiro diferencial que surge da busca por um instru-mento mais efetivo, inclusive por causa em função da experiência daequipe, que já havia participado da primeira gestão da prefeita TeresaJucá (1993/96). Trabalhar de forma censitária com as denominadasáreas 1 e 2 foi outra escolha. Trinta e nove bairros tiveram todos osdomicílios visitados, enquanto oito bairros (os mais antigos), com-postos pelas classes média e média alta, foram trabalhados a partir dosdados do Censo do IBGE 2000. Era preciso identificar as carênciasdas áreas 1 e 2 com o maior detalhamento possível. Os bairros consi-derados em processo de consolidação, média qualidade de vida – comoportunidades de acesso à cultura, lazer, saúde e asfalto – compuse-ram a Área 2 e tiveram uma abordagem diferenciada no questionárioe na sua aplicação.

Com licença?... Inicia-se o ProgramaUma equipe qualificada, composta e treinada pela Secretaria

gestora, vai a campo identificando os moradores mais antigos, os re-presentantes das organizações sociais existentes e outros moradores

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7que exercem influência na comunidade. Todos são cadastrados. OPrograma é, então, apresentado e discutido.

Consideradas como pedido de licença para que o Programa entrenos bairros, as denominadas “Reuniões de Partida”, por meio de açõesde mobilização, convocam a população para atuar na busca de umpropósito comum e compartilhado pelos moradores e pela adminis-tração. São as primeiras reuniões de rua (78 nos 39 bairros) que prepa-ram as comunidades para o Censo e popularizam a concepção e asetapas do Braços Abertos.

Realiza-se, então, a selagem de 74.310 imóveis, em parceria com oCurso de Edificações da Escola Técnica Federal. São selecionados 70formandos, que puderam cumprir seus estágios obrigatórios e que, su-pervisionados pela equipe gestora, identificam imóvel por imóvel comum selo e aplicam o questionário. Esses questionários recebem umaleitura crítica de outra equipe, para garantia total do preenchimentorealizado, incluindo o retorno para checagem de lacunas ou falhas.

A pesquisa qualitativa...Uma proposta de intervenção

Como resultado da pesquisa5 com os moradores mais antigos elideranças, realizada paralelamente ao Censo, são obtidas informa-ções sobre a ocupação; os primeiros problemas; as formas de organiza-ção para resolvê-los; as dificuldades que permanecem; o levantamen-to das principais necessidades e, finalmente, as sugestões para um tra-balho parceiro com a Prefeitura para administrar a cidade. Tais infor-mações passam também a fazer parte da base informativa que, junta-mente com outras fontes, como o IBGE, permitiram a etapa de elabo-ração do diagnóstico.

Um seminário (junho de 2001), envolvendo as secretarias muni-cipais, busca a integração das linhas de ação entre o secretariado, apartir do nivelamento conceitual, e a construção do planejamento es-tratégico. Grupos de discussão desenvolvem, então, os Planos Locaisde Ação Integrada, focalizando os problemas e definindo alternativasde solução. Esboçadas as linhas de ação de cada secretaria e definidas

5 O Programapermitiu que BoaVista reconstitua eregistre a história debairros que surgiramnuma velocidademuito grande. Até adécada de 80 eramapenas 8 bairros bemestruturados. Hojetudo é bem diferentedo tempo (antes de1890) em que aFreguesia do Carmopassou à categoria devila, com o nome deBoa Vista do RioBranco, e suapopulação era de1.000 habitantes.Bem diferentetambém do períodode 1964 a 1985, noqual Roraima,administrado peladitadura militar, iniciaseu processo decrescimento econseqüenteevolução daocupação do solo.Ou ainda da BoaVista que se tornaCapital com atransformação doterritório federal deRoraima (Constituiçãode 1988) e a possedo primeirogovernador eleito(1991).

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8 as responsabilidades e os recursos necessários, o processo segue envol-vendo sempre a vertente institucional, que se refere aos agentes dogoverno municipal, e a comunitária, voltada à estruturação ecapacitação das organizações representativas, para ampliação das ba-ses de representação e implantação da gestão compartilhada

O Plano Global e Emergencial é elaborado para seis meses e, ten-do como base as reivindicações levantadas bairro a bairro, contemplaações de grande impacto e baixo custo, como a Operação Faxina (fe-vereiro a junho de 2001), que gera 800 empregos e retira 206.000 to-neladas de lixo; a Campanha “Boa Vista Cidade Limpa”, lançada emmaio de 2001 para a limpeza da cidade, empregado 346 cidadãos; aOperação Asfalto6 , cuja primeira etapa (fevereiro a julho de 2001),contando com recursos exclusivos da Prefeitura, alcança 210 ruas, ge-rando 120 postos de trabalho, além de aproveitar a custosaterraplenagem feita pelo ex-prefeito que, candidato à reeleição, a uti-lizara como ação de campanha.

Paralelamente, são implementadas as ações de planejamento e abusca de financiamento do Habitar Brasil – BID para a melhoria dos460 imóveis insalubres no Bairro Centenário.

Enquanto isso... CompartilhandoCom o diagnóstico pronto, reuniões de rua em cada bairro7 apre-

sentam os dados socioeconômicos identificados na Pesquisa e a popu-lação é chamada para participar de uma forma mais direta do planeja-mento das ações. Entretanto, a mesma base informativa que viabilizao conhecimento da realidade, indispensável para a proposta, revelauma questão que a prefeita Teresa Jucá traduz: “Como implantar umsistema de gestão compartilhada, quando 44% da população informanão saber reivindicar melhoria para a coletividade; 42% afirma nuncater reivindicado nada; e 70% declara não ter relação com nenhum tipode associação?”

Diante dessa realidade, somada ao fato de que 95% dos presiden-tes de associações de bairro ou clubes de mães são remunerados pelogoverno do Estado, o que descaracteriza esses representantes, o Pro-

6 Trata-se daprimeira

reivindicação dapopulação na

pesquisa. A segundaetapa contou com

recursos também daCaixa Econômica

Federal e atinge setebairros. Entre junho

e dezembro de 2002,seria concluída a

terceira etapa, queatinge 24 bairros

(recursos ampliadospela parceria com o

Ministério daIntegração).

7 As reuniões de ruacontam

normalmente com700 cadeiras sempre

ocupadas econstituem um

momento de levantara auto-estima,

segundo osgestores. As ruas

ficam repletas, coraisde crianças e

adolescentes fazema abertura com o

Hino Nacional. Háapresentação de

teatro (oficinas doProjeto Crescer), daOrquestra Sinfônica

formada porcrianças, jovens e

outros. Mas o eventoprincipal é o debate

entre aadministração e as

pessoas, comopudemos verificar

durante a visita, emreunião que contoucom cerca de 1.000

pessoas.

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9grama decide trabalhar com 10% de representantes das organizaçõesjá estruturadas e com 1% dos representantes da população de cadabairro. Tratava-se de buscar uma representação mais realista. A popu-lação escolhe, por voto direto, 192 representantes de organizações e1.130 representantes entre os moradores. São eles que compõem, con-juntamente com a Prefeitura, o Conselho de Gestão Compartilhadaque, inclusive, trabalhará o orçamento participativo.

Com 208.514 habitantes, o município tem um orçamento anualde R$ 98 milhões (65% provenientes do repasse do FPM; 15% do Es-tado e o restante de arrecadação própria). Nesse cenário, busca-se ainserção das comunidades como atores na política local, discutindode forma coletiva e transparente os problemas, as demandas aponta-das e as alternativas.

Os resultados da Pesquisa mostram um quadro desalentador dasituação socioeconômica do município: 58% da população vive na li-nha de indigência e da pobreza. São localizados, com nome e endere-ço, os grupos sociais vulneráveis, como aqueles que se encontram emrisco e insalubridade: as 10.189 famílias residentes em imóveis insalu-bres; as 9.504 residentes em imóveis sem instalação sanitária; as 4.406que utilizam gambiarra/gato para abastecimento de energia elétrica eaquelas que vivem sem energia. Ou, ainda, as famílias consideradasem degradação e isolamento: 11.716 na linha de pobreza, 13.193 emsituação de indigência; 550 crianças entre 7 e 14 anos fora da escola;4.924 chefes de família desempregados (1.404 fazendo “bicos”) e 6.011adultos e jovens analfabetos.

São identificados, também, o que o Programa denomina “grupossociais por segmento”, como o formado por pessoas da terceira idade(2.620 vivendo na linha de pobreza e 2.855 na indigência); os porta-dores de deficiência especial (1.324); as 15 comunidades indígenas.

Além desses grupos, há 26.539 jovens, dos quais 17.393 vivem nalinha de pobreza ou indigência. Destes, 5.891 não estudam, 1.911 nãotrabalham e 1.490 não trabalham nem estudam. A pesquisasocioeconômica traz surpresas para a administração e para a popula-ção. Descobre-se, por exemplo, que aí estaria perfeitamente mapeadaa origem das “galeras”, que provocavam brigas (e até mortes), quando

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10 se encontravam nos espaços públicos, como os do carnaval, e incenti-vavam outros adolescentes a integrar as “galeras” de seus bairros parapoderem sair de casa sem serem agredidos.

Focalizando políticas...alcançando resultados

“O Centro de Boa Vista não é a Praça do Garimpeiro, são as crian-ças e os adolescentes”, declara a prefeita Teresa Jucá, referindo-se às14.715 crianças e adolescentes atendidos com bolsa-incentivo. São vintee três iniciativas dirigidas a esse grupo de cidadãos, desde as resultan-tes de parcerias com o governo federal, como Bolsa-Escola, Bolsa-Ali-mentação, Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) eAgente Jovem até o inovador Projeto Crescer.

Projeto CrescerO Censo traz indicadores de que jovens entre 15 e 21 anos que

não trabalhavam e não estudavam constituiriam potencialmente osformadores das “galeras” em bairros, provocando violência e incenti-vando o consumo de drogas. A implementação do Projeto EsporteNoite Adentro agrega, então, aos seus objetivos, o de facilitar a identi-ficação e a aproximação desse público. Se, das 19 às 22 horas, o Espor-te Noite Adentro transforma-se , em importante espaço de lazer parajovens e famílias inteiras, após esse horário uma habilidosa equipe doPrograma - monitores preparados - consegue “mapear” os formadoresde “galeras” e usuários de drogas.

O Projeto Crescer, que foi concebido no Programa de Governocomo capacitação do jovem para o trabalho, assume uma nova con-cepção a partir do Censo. Para os gestores, esses adolescentes e jovensprecisam de mais do que profissionalização. Surge o novo Crescer,primeira ação do Programa: oficinas terapêuticas (marcenaria, serra-lheria, fabricação de pães, moda, costura e oficina de teatro, localiza-da no Beiral, bairro central, tradicional ponto de prostituição e vendade drogas) que buscam a reintegração desses jovens à família e à co-munidade, aumentando sua auto-estima.

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11Assistência médica, odontológica e psicológica, vale-transporte,lanche e uma bolsa-incentivo no valor de R$ 100,00 têm significadomudança na qualidade de vida dos participantes, de suas famílias e dacomunidade. Enquanto a estratégia em relação aos jovens é atraí-lospara o Projeto e, então, despertá-los para outros interesses, há umapreocupação para que a comunidade compreenda a opção da gestãopor essa proposta e não por medidas convencionais aplicadas a gruposcom esse perfil. Além de estarem fora da escola e do mercado de tra-balho, muitos desses adolescentes e jovens utilizam drogas, sobretu-do o álcool.

Com um custo de R$ 480,00 por adolescente, o Crescer recebeu oPrêmio Petrobrás Geração da Paz (R$ 400 mil) e tem atraído a atençãodaqueles que dele tomam conhecimento, como o governo do Japão,que doou microcomputadores, o Ministério da Ação Social (R$ 70mil) e, mais recentemente, a Fundação Abrinq e a Infraero.

Em 2002, o Projeto contava com 11 oficinas, freqüentadas por550 jovens, e buscava-se a ampliação por meio de novas parcerias,como o Unicef, que discutia a metodologia e acompanhava sua im-plantação.

Estava sendo estruturada a comercialização dos produtos das ofi-cinas. Além disso, a inserção do Projeto na cidade pode ser verificadanos serviços prestados, como a fabricação de pães destinados a outrosprojetos sociais; as apresentações de teatro nas reuniões de rua; a pro-dução de embalagens; a recuperação de postes de iluminação; a fabri-cação de placas de rua e sinalização de trânsito e a organização deeventos, antes perturbados por eles.

Além do Crescer...Para os Projetos cujos recursos são basicamente do governo fede-

ral, o Programa busca ampliação e melhoria de gestão. No Programade Erradicação do Trabalho Infantil, (PETI) o atendimento passou de725 crianças para 3.560. Das mil bolsas-escola iniciais, passou-se a maisde 7 mil. O Agente Jovem tem o grupo ampliado de 75 para 725 ado-lescentes que atuam junto à comunidade (bolsa mensal de R$ 65,00),

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12 e que, além de participarem de diversas ações, tiveram papel decisivonos ótimos resultados obtidos no ano passado, no combate à dengue eà malária8 , o que credenciou Boa Vista a obter recursos do governofederal para a área de saúde.

Com recursos da Prefeitura, o Programa desenvolve outros proje-tos, como o “Menino do Dedo Verde”, no qual 308 adolescentes entre12 e 17 anos recebem atendimento educacional e complementar naárea de técnicas agrícolas, além de uma bolsa-incentivo mensal de R$108,00. Na Guarda Mirim são 120 adolescentes entre 15 e 17 anos,com bolsa de R$ 120,00; no Estagiário Júnior, o grupo é formado por40 jovens (18 e 19 anos) com bolsa de R$ 108,00; e no Artcanto, coralque já tem dois CDs gravados, são 100 crianças e adolescentes entre 8e 16 anos, com bolsa de R$ 65,00.

A parceria com a Associação Civil Amigos da Orquestra Sinfônicada Venezuela. (Ciudad Bolívar) propiciou a formação da OrquestraInfanto-juvenil Bi-nacional, da qual fazem parte 202 crianças, adoles-centes e jovens entre 7 e 21 anos. Despertar a criatividade artísticapela música é também o objetivo dos Corais nas Escolas, que envol-vem 665 crianças de 7 a 12 anos. Desenvolvido com o Senai, o Apren-dendo uma Profissão oferece bolsa mensal de R$ 65,00 a 105 jovens de16 a 18 anos.

Entre 7 e 14 anos, todas as 550 crianças localizadas fora da escolajá ingressaram ou reingressaram na rede escolar. Há também 302 ado-lescentes (15 a 18 anos) sendo alfabetizados. Muitos são encaminha-dos pelo Projeto Crescer, que origina salas de alfabetização e salas dereforço escolar para propiciar a reintegração à escola.

Gerar trabalho e renda...Uma difícil tarefa

“Toda ação da Prefeitura tem que gerar empregos e, mesmo reco-nhecendo que são empregos temporários, a população está tendo ondetrabalhar e tendo oportunidade de participar diretamente da propos-ta”, comenta a secretária de Gestão Participativa e Cidadania, MiraCunha. No início do Programa, constatou-se a existência de 4.924 chefes

8 As ações deprevenção foraminiciadas ainda à

época da seca. Alémdisso, a Prefeitura

articulou o trabalhode várias secretarias

e a sociedade civil.Grandes reuniões

nos bairros, com aparticipação das

autoridades,lideranças

comunitárias ereligiosas, resultaram

numa mobilizaçãosem precedentes da

população. De 208casos em agosto de

2001, a cidaderegistrou sete até dia

20 de agosto de2002.

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13de famílias desempregados e, destes, 1.404 vivendo do popular “bico”.As dificuldades inerentes à criação de emprego em quaisquer lu-

gares agravam-se onde a indústria praticamente não existe e o comér-cio é frágil a ponto de não existir um shopping center. O garimpo, quena década de 80 atraía muita gente, está proibido em terras indígenas.A agricultura, uma opção com potencial, enfrenta o obstáculo das dis-tâncias para o escoamento da produção. Ainda assim, o Programa bus-ca alternativas e a primeira relaciona-se com as obras demandadas pelopróprio Programa.

A parceria com a iniciativa privada para aproveitamento de mão-de-obra local gera um compromisso com as empresas que vencem aslicitações para realização das obras e estas passam a contar com traba-lhadores dedicados a empreendimentos que beneficiam seu própriobairro ou vizinhança. As construções e obras e serviços de infra-estru-tura básica9 ocupam mão-de-obra local, gerando renda.

O Projeto Estufa surge da necessidade de investir nos moradoresdo cinturão verde que têm vocação agrícola, bem como de superar adependência da importação de hortaliças de outros Estados. “A idéianão é fabricar agricultor e sim localizá-lo“, diz a prefeita.

O Censo mostrou que as dificuldades surgidas pela falta de assis-tência, pelas pragas e pela comercialização precária não fizeram comque tais pessoas abandonassem suas roças, estando dispostas a conti-nuar vivendo como produtores urbanos. Constata-se a necessidade deassistência técnica e infra-estrutura. Como, na região, numa metadedo ano chove e na outra o sol é implacável, a proteção plástica, redu-zindo a luminosidade e a umidade nos canteiros, é apontada comouma tecnologia fundamental. A equipe10 também estuda cada varie-dade das espécies cultivadas pelos produtores, orientando-os a partirda análise das condições certas para um ciclo de produção rentável.

São implantadas quatro unidades-pilotos, com recursos própriosda Prefeitura. Comprovada a produtividade nas estufas instaladas e aviabilidade da plasticultura como método agrícola, são elaborados pro-jetos para obter recursos do governo federal. Com os resultados positi-vos, a Prefeitura obtém financiamento da Superintendência da ZonaFranca de Manaus (Suframa) para implantar 84 estufas, e do Ministé-

9 Boa Vista constróiobras como: uma vilaolímpica; umcomplexo turístico;um parque esportivo;centro turístico; praçada alimentação;terminal deintegração; ProjetoOrla. Há também aOperação Asfalto e aOperação Calçada;drenagens;esgotamentossanitários; duplicaçãode avenidas; aterrosanitário. São aindaoito praças emreforma e três emconstrução. O ProjetoReluz, terceirareivindicaçãoidentificada pelapesquisa, que unerecursos da Prefeiturae do governo federal,quando concluído,beneficiará 26 bairrose 26 mil famílias.

10 São doisengenheirosagrônomos e quatrotécnicos que visitamperiodicamente asestufas paraacompanhar o ciclode produção. NoDepartamento deAgricultura ePecuária, visitado pornós, os técnicoscontinuampesquisandomaneiras deaumentar a produçãoe aprimorar aqualidade dashortaliças.

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14 rio da Previdência e Assistência Social para outras 120 unidades.As 88 estufas que já estão em pleno funcionamento mudaram a

vida dos agricultores e de suas famílias e empregam até três pessoascomo ajudantes. Com um custo de R$ 5 mil cada uma, elas têm suaprodução escoada para supermercados e feiras populares. As outras 120estavam sendo construídas no cinturão verde da cidade.

Criada em julho de 2001 por meio de um convênio entre a Prefei-tura e o Banco do Brasil, a Agência de Crédito Popular destina-se aofortalecimento do setor terciário, com a facilitação do acesso aomicrocrédito e a regularização dos empreendimentos.

A Prefeitura buscou, desde o início, uma parceria com o Sebrae,que fornece subsídios para discussão conjunta com os empreendedo-res como forma de demonstrar os empreendimentos viáveis e tambémgarantir uma diversidade de negócios. Além da abertura de um canalde financiamento, a Prefeitura investe também no treinamentogerencial e administrativo das pessoas atendidas.

A agência, que já beneficiou 460 pequenos empresários com R$1,7 milhão em financiamentos de até R$ 5 mil, tem atraído atençãopela inadimplência mínima, graças sobretudo ao monitoramento feitopelo Programa, que “sempre chega perto da família que não conseguiupagar uma parcela, verificando se ela precisa de um empurrão, como alocalização de uma encomenda para uma oficina de costura”,exemplifica a secretária de Gestão Participativa e Cidadania.

Outros problemas. mais surpresas docenso: o banheiro e o lixo

“Como falar em cidadania, quando 9.504 famílias não possuembanheiros?” A interrogação é da própria prefeita. Diante da situação, éincansável a busca por recursos – para prover essas famílias de ummódulo básico/padrão contendo privada, descarga, lavatório de mão.O Programa obtém recursos, inicialmente, da Fundação Nacional deSaúde (Funasa) e, depois, da Caixa Econômica Federal.

De junho de 2001 a agosto de 2002 são construídos 2.573 banhei-ros-padrão, atendendo 30% das famílias. Muitas famílias conseguiram

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15construir banheiros com recursos próprios, como resultado do traba-lho educativo realizado em conjunto pelas secretarias municipais deSaúde e Desenvolvimento Social e a Funasa.

Os resultados do Censo também demonstraram a necessidade deações para a coleta de lixo e a Pesquisa relacionou a intensa presençade lixo em locais públicos com a falta de hábito das famílias – a maio-ria vinda do interior – de utilizar recipientes e lugares adequados.. OPrograma implementou um projeto de humanização da coleta e pas-sou a atender 100% da cidade (dez caminhões novos e 173 garis equi-pados e treinados).

O Projeto Boa Vista Limpa envolve várias secretarias municipais, asfamílias e as escolas, inclui ações e campanhas educativas, conscientizandoa população de sua co-responsabilidade nessa questão.

Aspectos inovadores do gerenciamentoExceto o próprio Censo, todos os projetos desencadeados por ele tive-

ram uma experiência-piloto. Para a prefeita, a ação-piloto faz parte daproposta de gestão compartilhada, trazendo maior credibilidade e pro-movendo a participação ativa da comunidade em todo o processo. Alémdisso, na busca constante por parcerias, mostra-se mais que um projetono papel. Esse investimento inicial tem significado uma estratégia bem-sucedida, e o Projeto Casa Mãe é o seu exemplo mais recente.

Implantado em 2002 para atender crianças de dois e três anos, o Pro-jeto conta com três casas localizadas em bairros onde a população reivin-dica creches. Cada casa atende 25 crianças, no máximo, e não tem a es-trutura de uma creche convencional. Há três mães crecheiras selecionadasno próprio bairro e acompanhadas por um grupo de profissionais da Se-cretaria Municipal de Educação e do próprio Programa.

O custo de construção da Casa Mãe é de R$ 40 mil, enquantouma creche do Ministério da Educação para 80 crianças custa em tor-no de R$ 282 mil. O funcionamento e, sobretudo, a proposta dessainiciativa já atraíram recursos do governo do Japão para mais três ca-sas e também a fizeram ser adotada pelo Unicef, com o qual os gestoresdiscutem a transformação dessas unidades em espaço para os pais nos

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16 fins de semana e referência para as mulheres, principalmente na ques-tão da violência doméstica.

O Projeto Casa Mãe foi encaminhado ao Ministério da Previdên-cia Social, para a obtenção de recursos destinados à construção de mais10 casas. Essa postura proativa na captação de recursos é outro dife-rencial do Programa. Maria Helena Vercilho, secretária de Planejamento,explica que “a busca por qualquer brecha, sempre de acordo com asreivindicações apontadas pela Pesquisa, é uma constante e as informa-ções apresentadas pelo Censo são uma verdadeira carta de apresenta-ção de Boa Vista”. Isso ocorreu, por exemplo, com a implantação de 48equipes do Programa de Saúde da Família (PSF), ampliando o grupodas cinco que funcionavam. O PSF atende 75% do município e gera432 empregos entre médicos, enfermeiros, auxiliares de enfermagem eagentes de saúde.

Flexibilidade no lugar de “receitas” prontas é outro aspecto ino-vador do Programa. O cronograma estabelece, por exemplo, o mês dedezembro de 2002 como o início do orçamento participativo a serimplementado pelo Conselho de Gestão Compartilhada, compostopela Prefeitura e por representantes. Mas a proposta é dinâmica, aponto de comportar avanços e recuos e a reprogramação de processose atividades.

Com relação aos custos do Programa, os gestores explicam que aopção pela contratação de uma empresa de consultoria foi fundamen-tal para o conhecimento real e profundo da realidade e a implementaçãodo Plano de Governo. O Censo e o monitoramento das informaçõespermitem a realização das ações e, sobretudo, a efetivação de uma pro-posta metodológica de implantação de gestão compartilhada. A atuali-zação do Censo, em janeiro de 2003, seria de responsabilidade dasequipes que foram capacitadas em todas as etapas. O orçamento anualda Secretaria Municipal de Gestão Participativa e Cidadania é de R$1.680.000,00 e a despesa anual do Programa Braços Abertos resulta docontrato com a Diagonal Urbana Consultoria S/C Ltda (R$1.523.000,00).

Cada indivíduo, cada comunidade, incluindo as 15 indígenas,11

são componentes da transformação de Boa Vista. O Programa está per-

11 Apesar de estarsendo estimulado odesenvolvimento deprojetos agrícolas ede artesanato componto de venda na

cidade, além daprestação de

atendimento médicoe odontológico, a

Prefeitura buscaparceiros para o

estudo e avaliaçãoda situação desses

índios, a fim deelaborar propostas

mais efetivas.

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17mitindo a construção de uma comunidade na qual a violência entre osjovens não é vista como problema exclusivo da Prefeitura, mas de to-dos, e isso pode ser verificado na gradativa aceitação do Projeto Cres-cer, pela presença de seus participantes nas mais diversas atividades emobilizações da cidade, como as relacionados à Campanha da Paz edo Projeto Humanização do Trânsito12 .

Presencia-se o surgimento de espaços de discussão e decisão quefortalecem a co-responsabilidade nas ações. Um exemplo disso foi asolução do problema dos camelôs, hoje presente em grande parte dascidades brasileiras. Tendo o Programa como articulador e mediador,esse segmento de trabalhadores está organizado e, partir de decisõesconjuntas, é parceiro da Prefeitura no Projeto de Humanização da ÁreaDestinada ao Comércio Informal – “Calçadão do Camelôs”, que dis-ciplinou esse tipo de comércio, atendendo também a reivindicaçãodos comerciantes formalmente estabelecidos.

Outras dimensões da inovaçãoAinda que o Braços Abertos apresente ações comuns a outras

iniciativas, é preciso distingui-lo pela proposta de administração in-tegrada, focalizada e regionalizada, que envolve as esferas de deci-são e prestação de serviços da administração municipal e as diferen-tes comunidades.

Boa Vista inova na complexa tarefa de implementar um planeja-mento municipal na perspectiva de um sistema racional e democráti-co de decisão sobre o processo de desenvolvimento local. Destaca-se,ainda, a rapidez (18 meses) com que a administração municipal reali-zou grandes mudanças, indicadas tanto pelas ações implementadas eseus resultados quanto pela credibilidade que o Programa alcançou.Diferentemente da usual falta de informações em nível local, o muni-cípio implementa políticas públicas tendo uma base informativa queinstrumentaliza atividades de planejamento, controle e avaliação.

A forma como as comunidades estão sendo preparadas faz partede uma estratégia de ação também inovadora. Considerando a im-portância do processo de implantação de gestão participativa, os

12 Pelas estatísticasdo Detran, em 2001,no auge dascampanhasdesenvolvidas pelomunicípio, Boa Vistaregistrou uma quedade 39% no númerode acidentes, que porsua vez ocasionouuma redução de 33%no número de mortesno trânsito.

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18 gestores informam que o descrédito e a desconfiança iniciais estãosendo vencidos.

A qualidade e a coesão dos secretários municipais e das equipestécnicas envolvidas constitui um aspecto central dos êxitos obtidos eresulta do compromisso com a proposta, mas também das ações contí-nuas de capacitação e de reflexão, inclusive sobre as relaçõesinterpessoais. A concepção do Programa e a existência da Secretariagestora que acompanha as demandas e seu atendimento apontam parauma intersetorialidade das ações, facilitada pela comunicação cotidia-na entre os componentes da equipe e destes com as comunidades.

Além da complexidade inerente à proposta de gestão compartilha-da, a sustentabilidade do Programa é um grande desafio. Suas fraque-zas envolvem fatores como a presença ainda marcante da culturaclientelista arraigada na população e a dependência de recursos da Uniãoe do Estado. Tradições políticas como as que perpetuam conflitos polí-tico-partidários e que deveriam ser encerrados com o processo eleito-ral, comprometem a construção de uma relação de parceria com o go-verno do Estado. Apesar de concentrar 62% da população total deRoraima, Boa Vista e o Programa padecem da falta de recursos estadu-ais para implementar ações e, principalmente, ampliar o atendimentodas que estão em funcionamento, preocupação central dos gestores.Por mais complexa que seja a questão da sustentabilidade, além deampliar as possibilidade de obtenção de recursos por meio das parceri-as, o Programa deve focar na busca de alternativas para a ampliação dabase econômica do município.

Um dos pontos fortes do Programa é que seus resultados e o nívelde organização já alcançados fazem com que sua continuidade nãoseja tão improvável quanto costumam ser tantas iniciativas. É difícilimaginar que as próximas gestões consigam administrar o municípiode outra forma, principalmente após sua total implantação. Alteraçõescomo as verificadas no comportamento dos vereadores, que deixam debuscar a administração para solicitar favores pessoais e passam a fre-qüentar as reuniões para acompanhar e participar das discussões dacomunidade, ou dos indivíduos que não vão mais ao microfone parareivindicações que não sejam coletivas, são indicadores de que a pro-

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19posta de gestão compartilhada poderá ser plenamente implementada.O Censo e o banco de dados construído a partir dele permitem o

dimensionamento dos problemas, a focalização das políticas sociais eo acompanhamento dos resultados. A constituição de uma base infor-mativa para o planejamento poderia e deveria ser reproduzida em ou-tros municípios. É preciso lembrar, entretanto, que o Programa BraçosAbertos insere tal iniciativa numa concepção de gestão compartilha-da, priorizando a inclusão social como objetivo e a provisão e melhoriados serviços como obrigações básicas do poder público.

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Versão em formato PDF

Programa Cidadaniaem Cadeia para

o Direito do Futuro

finalistas do ciclo depremiação 2002

Marco Antonio Teixeira

Programa Gestão Pública e Cidadania

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20 Experiências de Gestão Pública e Cidadania/Organizadores: Gabriela Spanghero Lotta, Hélio Batista Barboza,Marco Antonio Carvalho Teixeira e Verena Pinto. São Paulo: ProgramaGestão Pública e Cidadania, 2003272 p.

Inclui bibliografia.

1. Políticas públicas – Brasil. 2. Administração pública – Brasil.I. Lotta, Gabriela Spanghero. II. Barboza, Hélio Batista. III. Teixeira, MarcoAntonio Carvalho. IV. Pinto, Verena. V. Programa Gestão Pública eCidadania.

CDD-352

Originalmente publicado em:20 Experiências de Gestão Pública e Cidadania

Gabriela Spanghero Lotta, Hélio Batista Barboza,Marco Antonio Carvalho Teixeira e Verena Pinto (orgs.)

Copyright © Gabriela Spanghero Lotta, Hélio Batista Barboza,Marco Antonio Carvalho Teixeira e Verena Pinto

Direitos da edição reservados aoPrograma Gestão Pública e CidadaniaAv. 9 de Julho, 2029 – 2º andar da Biblioteca01313-902 – São Paulo – SPTel: (11) 3281-7904 / 3281-7905Fax: (11) 287-5095E-mail: [email protected]://inovando.fgvsp.br

Impresso no Brasil / Printed in Brazil

Todos os direitos reservados. A reprodução não autorizada destapublicação, no todo ou em parte, constitui violação da lei dedireitos autorais.

1ª edição – 2003

Capa/editoração: Liria OkodaImpressão: Gráfica Dedone

Versão gráfica em formato PDF: Liria Okoda

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O Programa Cidadania em Cadeia para o Direito do Futuro, sob aresponsabilidade da administração do Presídio Masculino de Floria-nópolis em parceria com pequenos empresários, teve início em 1997,com o objetivo de melhorar o ambiente entre os detentos, oferecendo-lhes novas perspectivas de ressocialização por meio da criação de opor-tunidades de trabalho no interior da prisão. Outras iniciativas, como:os cursos de alfabetização, cursos profissionalizantes e os eventos co-memorativos envolvendo os familiares dos reeducandos, também fa-zem parte do Programa.

Contextualização socioeconômicado Estado de Santa Catarina

Localizado na região Sul do Brasil, o Estado de Santa Catarinaconta com 5,3 milhões de habitantes – o equivalente a cerca de 50%da população da capital de São Paulo –, e possui indicadores sociaisbem melhores que a média nacional. Seu Índice de Desenvolvimento

Programa Cidadaniaem Cadeia parao Direito do FuturoPRESÍDIO MASCULINO DE FLORIANÓPOLIS (SC)

Marco Antonio Teixeira1

1 Cientista Político,doutorando emCiências Sociais naPUC-SP e, membroda equipe doPrograma GestãoPública e Cidadania.

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4 Humano (IDH) é de 0,816 – o quarto melhor entre os 27 estadosbrasileiros –, enquanto o nacional é 0,753. A taxa de mortalidade in-fantil é de 16,3 por mil nascidos vivos, ao passo que a média brasileiraé 29,6. Também chama a atenção o fato de 83% dos catarinenses te-rem concluído o 1º ciclo do ensino fundamental, dados bem melhoresque os 69,6% relativos à média verificada no país.2

No que se refere aos índices de violência, a taxa de mortalidadepor homicídio para cada 100 mil habitantes no ano de 1996, de acor-do com dados do Ministério da Saúde, foi 8.31, o que representou oterceiro menor índice do país. A taxa nacional nesse mesmo períodofoi de 24,763 .

Governado por Esperidião Amin, do Partido Progressista (PPB), aprincipal atividade econômica do Estado é o setor de serviços, querepresenta 52,4% do seu Produto Interno Bruto (PIB). O PIB per capitaestadual foi o quinto maior do país em 1998, ficando atrás do DistritoFederal, São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.

O sistema prisionalQuanto ao sistema prisional, Santa Catarina acaba não repetindo

o bom desempenho dos indicadores sociais e reproduz um problemacrônico do país: a superlotação das prisões. Os dados fornecidos pelaDiretoria de Administração Penal revelam que há em todo o Estado4651 detentos, enquanto a capacidade legal do sistema é de 3021 va-gas, o que representa um déficit de cerca de 50%.4

Diante desse quadro, não seria imprudente afirmar que a superlo-tação gera uma péssima qualidade de vida no sistema prisional e tam-bém funciona como um estímulo para rebeliões, brigas entre os pró-prios presos e tentativas de fuga.

Foi com o objetivo de propiciar uma melhoria na qualidade devida do detento e prepará-lo para o retorno à sociedade que a direçãodo Presídio Masculino de Florianópolis, em parceria com uma empre-sária da cidade, criou o Programa Cidadania em Cadeia para o Direi-to do Futuro, em 1997.

Com isso, buscou-se fazer o que na maioria dos Estados brasilei-

2 Os dados sobre oIDH foram

divulgados peloPNUD em 2002 e

foram localizados noendereço eletrônico

www.uol.com.br/folha/especial/2002/

eleicoes/estados-santa_catarina.shtml.

As demaisinformações são do

Censo 2000 doIBGE.

3 IBGE, 1998.

4 Os dados relativosao número de

detentos em todo osistema prisional

referem-se ao anode 2001.

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5ros não vem sendo realizado: o cumprimento dos direitos dos presos,previstos na Lei de Execução Penal (7210/84), principalmente em re-lação a temas como o trabalho e a assistência.

A Lei de Execução Penal e osdireitos dos detentos

Em vigor desde 1984, a Lei de Execução Penal traz uma série dequestões relativas aos direitos do detento e ao tratamento que ele devereceber enquanto estiver sob a guarda do Estado. No Capítulo II, es-tão previstos, como obrigação do Estado, seis tipos de assistência: 1)material; 2) saúde; 3) jurídica; 4) educacional; 5) social; 6) religiosa.

A assistência material refere-se a disponibilização de alimentação,vestuário e instalações higiênicas adequadas. Em relação à saúde, odetento tem o direito de receber atendimento médico, farmacêutico eodontológico de caráter preventivo e curativo. O preso sem recursosfinanceiros possui o direito de recorrer à assistência jurídica sob a res-ponsabilidade das unidades da federação. Quanto ao acesso à educa-ção, o Estado é obrigado a oferecer para o detento o ensino funda-mental integrado ao sistema escolar. A assistência social tem um cará-ter mais amplo e compreende desde o acompanhamento da rotina doreeducando, até a sua preparação para o retorno à vida em sociedade.A assistência religiosa é garantida com liberdade de culto e o presonão está obrigado a participar das atividades desenvolvidas pelas di-versas entidades religiosas que atuam no sistema prisional.

No Capitulo III, estão regulamentadas as questões relativas ao tra-balho. O trabalho do preso é considerado um dever social e condiçãode dignidade humana, tendo as finalidades educativa e produtiva. ALei ainda determina que se ofereçam as condições adequadas de higi-ene e segurança. Essas atividades profissionais não estão sujeitas aoregime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e a remuneraçãonão pode ser inferior a 3/4 do salário mínimo. A remuneração deve sedestinar para a assistência à família e para as despesas pessoais dopreso. A pena do detento é reduzida em um dia para cada três diastrabalhados.

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6 Um breve perfil dos detentos doPresídio Masculino de Florianópolis

Localizado nas proximidades da região central de Florianópolis, oPresídio Masculino abriga uma população carcerária formada majori-tariamente por jovens sem formação profissional. No quadro I, apre-sentamos um perfil etário dos detentos.

QUADRO I

Perfil do detento por faixa etáriaFaixa etária (%)

De 18 a 25 anos 39.9De 26 a 30 anos 43.9De 31 a 40 anos 9.6

+ de 41 anos 6.6FONTE: PRESÍDIO MASCULINO DE FLORIANÓPOLIS/2002

Chama a atenção o fato de cerca de 84% dos detentos terem entre18 e 30 anos de idade. Isso reforça ainda mais a necessidade de seestabelecer iniciativas que possam de fato ressocializá-los para o retor-no à liberdade. No quadro seguinte destacaremos qual era profissãoexercida antes de chegarem ao Presídio.

QUADRO II

Atividades profissionais que o detento exerciaProfissão Em (%)

Desempregado 27.5Pedreiro 19.1

Pintor 13.9Comerciante 10.2

Cozinheiro 6.9Outras 22.4

FONTE: PRESÍDIO MASCULINO DE FLORIANÓPOLIS/2002

No quadro II podemos verificar que, no momento em que come-teram o delito pelo qual cumprem pena, estavam desempregados quaseum terço dos presos. Também notamos que a maior parte exercia ati-vidades profissionais de baixa escolarização. No quadro III destacare-mos quais são os tipos de delitos mais comuns entre os detentos.

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7QUADRO III

Tipos de delitos cometidos pelos detentosDelitos por artigo Em (%)

Artigo 157 (assalto) 31.1Artigo 12 (tráfico) 29.7Artigo 155 (furto) 18.4

Artigo 121 (homicídio) 8.4Outros 12.4

FONTE: PRESÍDIO MASCULINO DE FLORIANÓPOLIS/2002

Conforme podemos verificar no quadro acima, a maior parte dosdetentos chegou ao Presídio por delitos como tráfico de drogas, furtoe assalto, o que indica a necessidade de se oferecerem perspectivasprofissionais para que essas pessoas não voltem a cometer novamenteos mesmos delitos quando retornarem à convivência social.

O Presídio sempre teve problemas comuns aos dos demais presí-dios do país: tentativas de fugas, brigas, desacatos e rebeliões, além detambém abrigar um número de detentos (311) muito acima de suacapacidade legal (160), caso fossem respeitados os requisitos quanto àocupação das celas, fixados na Lei de Execução Penal.

Com um quadro dessa natureza, logo se imaginaria que o PresídioMasculino de Florianópolis permaneceria como um lugar marcadopela tensão e pela possibilidade permanente de fugas e rebeliões. Essasituação começo a se inverter em 1997, quando se iniciou o ProgramaCidadania em Cadeia, com a instalação da primeira empresa que ofe-receu ocupação profissional para os detentos.

As experiências de trabalho com osdetentos do Presídio de Florianópolis

Papel da Terra: a primeira empresa a atuar no Presídio

A empresa de papel reciclado Papel da Terra foi pioneira na im-plantação de oficinas de trabalho para os detentos do Presídio Mas-culino de Florianópolis. Esse pioneirismo nasceu de uma experiên-cia pessoal de sua proprietária, Zuleica de Medeiros, no Presídio daPapuda no Distrito Federal. Professora do Departamento de Artesda Universidade de Brasília (UnB), Zuleica havia iniciado um traba-

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8 lho semelhante com os detentos da capital federal, mas teve queabandoná-lo após uma grande rebelião inviabilizar a continuidadede sua iniciativa. Com isso, mudou-se para Santa Catarina dispostaa continuar a experiência em condições diferentes das existentes nacapital federal, pois o Presídio de Florianópolis abriga um númerode presos bem menor.

Ao chegar, ela procurou o Presídio Masculino e propôs a instalaçãode uma oficina de papel reciclado nas dependências daquela unidadeprisional. Inicialmente, ela conseguiu um pequeno espaço, onde seinstalou e passou a treinar os presos encaminhados para a atividade.Até então, tudo ocorria de maneira informal, não havia nenhum con-vênio oficializado, mas o sucesso da experiência despertou o interessedo Presídio em formalizá-la, para atrair outros empresários.

Num evento público ocorrido em 1999, foi formalizado um con-vênio entre a empresa Papel da Terra e a Secretaria de Justiça e Ci-dadania, com duração de quatro anos.5 Esse convênio criou as se-guintes obrigações: o compromisso do Presídio é oferecer o espaçofísico para a instalação das oficinas e o número de presos necessáriospara o trabalho; enquanto a empresa se compromete a remunerar osdetentos em no mínimo 2/3 do salário mínimo, além de fornecer ochamado “kit dignidade”.6 A jornada de trabalho foi fixada em 40horas semanais de segunda à sexta-feira. Nessa mesma cerimônia, ogovernador resolveu estimular iniciativas semelhantes para todo osistema prisional do Estado, elegendo a experiência desenvolvida daPapel da Terra como modelo.

Atualmente, os trabalhos desenvolvidos pela Papel da Terra bene-ficiam 15 detentos. As folhas de papel reciclado são produzidas noPresídio e se transformam em agendas, blocos para recados, cartões,caixinhas para embalagens, porta-retrato, cadernos e etc. Na produ-ção das folhas de papel, os presos utilizam restos de cana-de-açúcar,grama, eucalipto, bananeira e outros.

A empresária Zuleica de Medeiros se mostra orgulhosa pelo fatode os presos que trabalham na oficina da Papel da Terra manipularemdiariamente estiletes, barras de ferro e outros instrumentos e nuncaterem tentado organizar uma rebelião, comportando-se como traba-

5 Convêniosemelhante foi

firmado com todasas empresas que

passaram a atuar noPresídio Masculino.

6 Trata-se de umacesta contendo

sabão em pó,desodorante,

sabonete, aparelhode barbear, xampu,

creme dental, etc.

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9lhadores em situação de liberdade. Segundo ela, os detentos valori-zam o que alcançaram e sabem que uma rebelião ou briga entre elespode colocar todo o Programa em risco. Zuleica afirma que a experi-ência tem se mostrado muito eficaz na “reciclagem de vidas”.

A empresária não considera apenas os aspectos econômicos comoos benefícios mais imediatos para quem emprega a mão-de-obra dopreso. Segundo ela, a baixa remuneração e a ausência de obrigação emarcar com os direitos trabalhistas não são tão importantes quanto à“excelente” qualidade da mão-de-obra do detento. A empresa nãopossui nenhuma linha de produção de papel reciclado fora dos murosdo Presídio. Apenas a transformação do papel num produto final éfeita fora do ambiente da prisão. Portanto, não houve substituição demão de obra regular pela do detento em razão de a empresa ter inici-ado suas atividades no sistema prisional de Florianópolis.

A Mensageiro dos Ventos

Antes de instalar uma unidade de produção nas dependências doPresídio Masculino de Florianópolis, Selma Santos Fernandes, propri-etária da Mensageiro dos Ventos, já havia trabalhado em campanhasde prevenção ao HIV/AIDS em organismos internacionais e em ONGs.Sua experiência com os detentos ocorreu após receber um convite deZuleica de Medeiros no ano de 1998.

Selma foi convencida a se instalar no Presídio após Zuleica terrelatado a sua experiência de um ano com a oficina de reciclagem,além de lhe dar ótimas referências acerca da qualidade do trabalhodesenvolvido pelos detentos.

Empregando cerca de 30 presos, a Mensageiro dos Ventos produzmóbiles, sino dos ventos e birutas, que são utilizados para decorarapartamentos, casas, lojas e escritórios. A montagem de todo essematerial é feita dentro do Presídio. Selma relata que o detento produzum material de alta qualidade e que isso é um dos principais motivosque a faz manter a sua linha de produção dentro do sistema prisional.

Questionada sobre as vantagens financeiras obtidas por quem con-trata a mão-de-obra no sistema prisional, Selma reconheceu tambémser esse um fator de estímulo, mas ponderou para o risco de o empre-

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10 sário ter que assumir os prejuízos da perda de material e maquinário,em decorrência de rebeliões ou brigas que podem ocorrer a qualquermomento no interior do Presídio.

Ela se diz muito estimulada a ampliar a quantidade de detentosenvolvidos com os trabalhos, já que a demanda por seus produtos vemaumentando. Porém, vê nas restrições físicas existentes no Presídioum obstáculo para a expansão de sua linha de produção. A Mensagei-ro dos Ventos emprega, atualmente, um egresso que havia trabalhadona oficina do Presídio Masculino. Por ser desenhista, esse egresso exer-ce uma função de coordenação de atividades e é considerado impor-tantíssimo para o desenvolvimento de novos produtos. A montagemda oficina no Presídio não provocou qualquer redução de postos detrabalho na Mensageiro dos Vento.

Oficinas de extensões Fortaleza efábrica de grampos Monte e Brinque

São iniciativas que chegaram ao Presídio em razão da repercus-são do trabalho já desenvolvido pelas empresas Papel da Terra e Men-sageiro dos Ventos. Alceu Lisboa, proprietário da oficina de exten-sões elétricas, soube das experiências de trabalho com detentos pormeio da Pastoral Carcerária. Como precisava expandir a empresaque funcionava na sua residência, resolveu visitar o Presídio paraconhecer os trabalhos.

Alceu relata que a partir desse momento viveu um grande pro-cesso de transformação na visão que tinha sobre o preso. “Antes euqueria ver qualquer pessoa na minha frente, menos um preso”, afirmaAlceu. “Pensava que eles tinham que morrer, mas depois de conhecer arealidade do Presídio vi que as coisas não eram da forma que eu imagi-nava”, conta.

Empregando dois detentos, Alceu Lisboa espera melhorias nomercado para oferecer mais trabalho para os presos. A empresa aindafunciona em sua própria residência e com o mesmo número de funci-onários que possuía antes utilizar a mão-de-obra de detentos. Ele dizque, caso consiga ganhar mercado, priorizará o aumento de produção

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11dentro do Presídio. Isso é possível porque as atividades realizadas pe-los detentos podem ser desenvolvidas na própria cela.

O proprietário da empresa Monte e Brinque, Hélio da Silva, tam-bém chegou ao Presídio após tomar conhecimento de que os presosdesenvolviam atividades profissionais para algumas empresas. Procu-rou obter mais informações e visitou as experiências desenvolvidasantes de decidir utilizar a mão-de-obra dos detentos.

Fabricante de grampos para roupas, lixas para os pés e brinquedoseducativos, ele destaca algumas vantagens na utilização da mão-de-obra do detento: 1) a qualidade da mão-de-obra; 2) a criação de boasperspectivas para o preso após o cumprimento da pena; e 3) o baixocusto da mão-de-obra. Na opinião de Hélio da Silva, é necessário mai-or sensibilização dos empresários no sentido de não só empregar ospresos que estão cumprindo pena, como também de oferecer oportu-nidades para os que voltam à sociedade. Hélio afirma que a empresadeve absorver alguns dos detentos que hoje trabalham no Presídio,tão logo concluam o cumprimento de suas penas.

Empregando 120 detentos, a Monte e Brinque também conta coma possibilidade de ampliar suas atividades pelo fato de os presos ape-nas montarem as peças de seus produtos, uma tarefa que eles podemexecutar nas próprias celas. Segundo Hélio da Silva, o trabalho com osdetentos não provocou demissão de funcionários na sua empresa.

Outras atividades profissionais realizadas no Presídio

Além das empresas já destacadas, existem outras iniciativas. Umadelas é a marcenaria, que absorve a mão de obra de três detentos eque foi montada por um preso que buscava ocupar o tempo ocioso.Mesmo após ele ter sido transferido para uma unidade prisional dointerior, a marcenaria permaneceu funcionando e atualmente produzberços, cadeiras, mesas, tábuas de churrasco e bancos de igrejas. Osprodutos são feitos sob encomenda e a renda vem sendo revertidapara as famílias dos detentos envolvidos com o trabalho.

Há outras atividades mais esparsas vinculadas à produção de arte-sanato. Alguns familiares de presos trazem a matéria-prima para queeles produzam tapetes, bonecas de pano e quadros com acabamento

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12 de bordados. Segundo Luiz Francisco Darella Neto, administrador doPresídio, essas atividades ocupam 90 presos simultaneamente.

Os impactos das atividadesinternas para o Presídio

Esse conjunto de atividades vem provocando impactos que po-dem ser mensurados por meio do decréscimo nos números de fugas,brigas, desacatos, princípios de rebelião, tentativas de fuga, tentativasde suicídio e homicídios no interior do Presídio. O quadro IV traz osdados acerca do número de fugitivos desde o ano de 1997 até o ano de2002. Os dados do último ano estão atualizados até 31/07.

QUADRO IV

Nº de fugitivos 1997-20021997 311998 101999 022000 022001 012002 01

FONTE: PRESÍDIO MASCULINO DE FLORIANÓPOLIS

No quadro IV, podemos verificar que a quantidade de fugas noPresídio caiu significativamente desde o período em que os detentospassaram a desenvolver atividades profissionais no interior do Presí-dio. No próximo quadro verificaremos como se comportaram os nú-meros referentes a brigas e desacatos.

QUADRO V

Nº de brigas e desacatos 1997-20021997 371998 261999 262000 162001 032002 00

FONTE: PRESÍDIO MASCULINO DE FLORIANÓPOLIS

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13As informações contidas no quadro V, também revelam o impactopositivo de se ocupar o tempo ocioso dos detentos. Desde 1998, o nú-mero de brigas e desacatos declinou de 26 para três em 2001, e zeroaté 31/07/2002. No quadro VI, traremos informações acerca da quan-tidade de tentativas de rebelião.

QUADRO VI

Nº de tentativas de rebelião1997 031998 021999 062000 012001 002002 00

FONTE: PRESÍDIO MASCULINO DE FLORIANÓPOLIS

Do quadro VI podemos visualizar uma concentração no númerode tentativas de rebelião em 1999, segundo ano de funcionamento doPrograma. Nos anos subseqüentes não se registrou nenhuma tentativade rebelião. Apenas em 1999 houve uma rebelião. No próximo quadroapresentaremos o número de tentativas de fuga.

QUADRO VII

Nº de tentativas de fuga1997 121998 161999 162000 112001 032002 00

FONTE: PRESÍDIO MASCULINO DE FLORIANÓPOLIS

A leitura do quadro VII também permite afirmar o impacto positi-vo do Programa. Desde que esta experiência foi implementada, o nú-mero de tentativas de fuga declinou de 16 em 1999 para três em 2001.Até o mês de julho de 2002 não ocorreu nenhuma tentativa de fuga. Onúmero de homicídios no Presídio será destacado no próximo quadro.

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14 QUADRO VII

Nº de homicídios1997 021998 021999 032000 002001 012002 00

FONTE: PRESÍDIO MASCULINO DE FLORIANÓPOLIS

Do quadro VIII, conclui-se que o número de homicídios no interi-or do Presídio também é pequeno. Porém, também podemos afirmar aexistência de uma sensível redução nesses números quando compara-mos os anos de 1999 e 2001. Destaca-se ainda a inexistência de homi-cídios no ano 2000 e em 2002, até julho..

Um dado que comprovaria ainda mais a eficiência do ProgramaCidadania em Cadeia, refere-se ao número de egressos que voltaram acometer delitos. Porém, esses dados não estão disponíveis e são difí-ceis de serem mensurados isoladamente para um único sistemaprisional. Uma pessoa que ficou detida num determinado lugar evitacometer um outro crime no mesmo local quando volta à liberdade.

A avaliação do Programa na voz dos detentos

No relato dos detentos, nota-se que o desenvolvimento de ativida-des profissionais dentro do Presídio traz dois tipos de benefícios dire-tos: 1) o fato de estar ocupado evita que o preso busque alternativas defuga e também diminui a ocorrência de brigas com outros detentos; 2)o salário resultante da atividade profissional, por menor que seja, servepara ajudar na manutenção de suas famílias, o que provoca uma di-minuição no sentimento de culpa que carregam e também funcionacomo uma maneira de manter o vínculo familiar. Muitos depoimentosvão nessa direção.

O detento Jorge Simões de Oliveira, condenado a 13 anos de pri-são por homicídio e funcionário da oficina de reciclagem de papel, dizque o fato de exercer uma atividade profissional no interior da prisãofaz o tempo passar mais rápido e além disso é uma forma e permite queele contribua com o sustento dos quatro filhos e da esposa. Ele tem espe-

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15rança de que a atividade profissional aprendida no Presídio seja a suaalternativa de sobrevivência quando voltar à liberdade.

Desenvolvendo atividades de montagem de extensões de fios paraa empresa Fortaleza, Antonio Carlos Rodrigues dos Santos, conde-nado a 16 meses de prisão por assalto a mão armada afirma que ofato de trabalhar no Presídio pode fazer com que ele tenha uma ima-gem melhor lá fora e consiga um emprego rapidamente para continuarajudando no sustento dos seus quatro filhos. Para ele, o trabalho reli-gioso também contribui para uma expectativa positiva em relação aomomento da liberdade.

O outro montador de extensões de fios da Fortaleza, Denis Carlosda Silva, condenado a 12 anos por homicídio, relata a mudança de seucomportamento após o início de suas atividades profissionais no inte-rior do Presídio. Segundo ele, não só o fato de trabalhar o tornou umapessoa mais calma, como também todos os detentos também estão bemmais calmos.

Um outro relato importante é de Charles Martins, condenado aquatro anos de prisão por tráfico de drogas. Ele conta que o trabalho ofaz esquecer a condição de preso e contribui para a recuperação da auto-estima. Lembra que a sua realidade no Presídio antes de trabalhar eraa de uma pessoa que andava de cabeça baixa e que não via mais ne-nhum sentido na vida.

Outros atores e o Programa Cidadaniaem Cadeia para o Direito do Futuro

Diversas entidades desenvolvem atividades dentro do Presídio Mas-culino de Florianópolis ou são encarregadas de acompanhar o dia-a-dia dos presos, bem como o tratamento que eles recebem. São exem-plos os diversos segmentos religiosos, a Pastoral Carcerária e a Comis-são de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil de SantaCatarina (OAB-SC).

Os representantes das igrejas Assembléia de Deus, Batista, Católi-ca, Congregação Cristã e Universal do Reino de Deus, todas com efe-tiva atuação na assistência espiritual ao detento, revelam que desde o

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16 momento em que as atividades profissionais começaram a ser desen-volvidas pelos presos, eles se tornaram mais calmos e mais motivadospela espera do momento da liberdade. Segundo os religiosos, essas ati-vidades têm provocado um processo de ressocialização, além de au-mentar a presença dos familiares dos presos nos períodos de visitas enas datas comemorativas, que se transformam em momentos de con-fraternização entre os detentos e as suas famílias.

O presidente da OAB-SC em visita surpresa ao Presídio no dia 20/02/2002 reconheceu a existência de superlotação, mas afirmou que essaprisão apresenta uma perspectiva melhor de ressocialização de presos.Quando indagado acerca de realidade de outras unidades prisionais doEstado ele disse que, na penitenciária o problema é mais grave, porquehá apenas dois projetos de trabalho que envolvem alguns presos. Destaforma não há como o sistema penal funcionar como previsto por lei.

Quem também procura destacar a importância do Programa Ci-dadania em Cadeia é Antônio Boaventura dos Santos, ex-presidenteda Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasilde Santa Catarina, e atual coordenador do Centro de Atendimentodas Vítimas de Crime, vinculado à mesma entidade. Segundo ele, arealidade do Presídio no período até o ano de 1996 era péssima e láocorriam maus tratos aos presos. Antônio Boaventura considera quehouve uma sensível mudança no ambiente do Presídio após aimplementação das atividades profissionais e dos cursos de alfabetiza-ção. Como evidência dessa transformação, o advogado aponta que hojehá uma relação muito boa entre os presos e os funcionários do Presí-dio. Ele observa também que atualmente os detentos almejam muitomais a liberdade para o reinicio de uma nova vida do que em períodosanteriores, quando o objetivo principal era fugir antes do cumprimen-to da pena. Para Antônio Boaventura, o Presídio perdeu o estigma de“depósito de gente” e hoje reeduca o detento.

Duas mães de ex-detentos que hoje estão em liberdade, CristinaMoraes e Roselene Sodré, concordam que o Presídio não é a escóriado mundo nem um depósito de seres irrecuperáveis, como antes pensa-vam. Essa convicção surgiu depois que seus filhos cumprirem penasde um ano no Presídio. Hoje, elas procuram, junto com os filhos,

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17visitar os “amigos” que ainda estão por lá. Fazem parte de uma equi-pe de voluntários formada para visitar os presos que não são visita-dos pela família.

Outras atividades que fazem parte doPrograma Cidadania em Cadeia

Além das atividades profissionais dirigidas aos presos, também sãooferecidos cursos que vão desde a alfabetização até a profissionalização.Todos são realizados no Presídio e estão articulados em parcerias comórgãos do governo estadual e com uma universidade, por meio de re-cursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).

Os cursos de alfabetização e o supletivo do 1º grau são oferecidospela Secretaria Estadual da Educação e ocorrem no interior da própriaprisão. A administração do Presídio organiza o espaço físico e a Secre-taria de Educação fornece os professores e o material pedagógico. Osupletivo do 1º grau é oferecido e organizado da mesma maneira. To-dos os presos considerados analfabetos e os que não completaram o 1ºgrau têm direito a freqüentar esses cursos.

Os cursos profissionalizantes resultam de uma parceria da Secre-taria de Justiça e Cidadania com a Universidade do Vale do Itajaí (Uni-vali), e conta com recursos do FAT. A população do Presídio Masculi-no se beneficia de cursos profissionais em cozinha industrial, manu-tenção de prédios, artesanato, garçom com noções de espanhol, cabe-leireiro e técnico na área de conservas.

ConclusãoTudo o que vem sendo desenvolvido contribui para que uma pes-

soa entre no Presídio e em momento nenhum se sinta tomada pelomedo de uma rebelião ou de alguma violência. Em todos os locais detrabalho os presos manipulam uma série de ferramentas que poderi-am ser utilizadas para desencadear uma briga ou até mesmo uma re-belião. Porém, fica claro que o preso se comporta como um profissio-nal em liberdade e que busca cumprir sua jornada de trabalho não sópara receber o salário, mas também para se beneficiar da redução da

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18 pena em um dia para cada três dias trabalhados. A perspectiva é a de“pagar” pelo delito que cometeu e buscar uma nova oportunidadequando a liberdade for reencontrada.

Destaca-se também o perfil dos empresários que atuam no Presí-dio. Três deles já tinham algum histórico de envolvimento com traba-lhos sociais. O empresário que ainda não havia vivenciado nenhumtipo de trabalho social relata ter havido uma mudança significativa nasua vida após o início de sua convivência com os presos.

Não se deve escamotear os benefícios que são destinados aos em-presários que empregam mão-de-obra do sistema prisional. Porém,mesmo que se considere muito baixo o valor de 3/4 do salário mínimo,acrescentado de um “kit cidadania”, o significado que essas atividadestêm para o detento é incalculável. Mais que o valor financeiro recebi-do, a experiência profissional do preso tem contribuído para a manu-tenção do laço familiar e para que suas perspectivas de retorno à soci-edade sejam bem melhores.

Todos os detentos estão envolvidos com algum tipo de atividade.Os que não estão nas oficinas de trabalho acabam sendo direcionadospara os cursos de formação profissional ou de alfabetização.

Experiências como esta inovam não por trazer algo que é inéditona sociedade, mas por fazer o que nesse país tem sido muito difícil,principalmente em se tratando de sistema prisional: cumprir o queestá previsto na lei.

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Versão em formato PDF

Formação deParcerias e Geração

de Renda nasComunidades Rurais

finalistas do ciclo depremiação 2002

Ricardo Bresler

Programa Gestão Pública e Cidadania

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20 Experiências de Gestão Pública e Cidadania/Organizadores: Gabriela Spanghero Lotta, Hélio Batista Barboza,Marco Antonio Carvalho Teixeira e Verena Pinto. São Paulo: ProgramaGestão Pública e Cidadania, 2003272 p.

Inclui bibliografia.

1. Políticas públicas – Brasil. 2. Administração pública – Brasil.I. Lotta, Gabriela Spanghero. II. Barboza, Hélio Batista. III. Teixeira, MarcoAntonio Carvalho. IV. Pinto, Verena. V. Programa Gestão Pública eCidadania.

CDD-352

Originalmente publicado em:20 Experiências de Gestão Pública e Cidadania

Gabriela Spanghero Lotta, Hélio Batista Barboza,Marco Antonio Carvalho Teixeira e Verena Pinto (orgs.)

Copyright © Gabriela Spanghero Lotta, Hélio Batista Barboza,Marco Antonio Carvalho Teixeira e Verena Pinto

Direitos da edição reservados aoPrograma Gestão Pública e CidadaniaAv. 9 de Julho, 2029 – 2º andar da Biblioteca01313-902 – São Paulo – SPTel: (11) 3281-7904 / 3281-7905Fax: (11) 287-5095E-mail: [email protected]://inovando.fgvsp.br

Impresso no Brasil / Printed in Brazil

Todos os direitos reservados. A reprodução não autorizada destapublicação, no todo ou em parte, constitui violação da lei dedireitos autorais.

1ª edição – 2003

Capa/editoração: Liria OkodaImpressão: Gráfica Dedone

Versão gráfica em formato PDF: Liria Okoda

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ApresentaçãoO Programa Formação de Parcerias e Geração de Renda nas Co-

munidades Rurais do Município de Lontras é uma iniciativa conjuntada equipe técnica da Secretaria Municipal do Desenvolvimento Rural,Agricultura e Meio Ambiente, e da equipe local da Empresa de Pes-quisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina S.A. (Epagri),ligada à Secretaria de Estado do Desenvolvimento Rural e da Agricul-tura de Santa Catarina. O Programa criou um espaço democrático dediálogo entre o poder público e as associações comunitárias e de pro-dutores do município, efetivado no Conselho Municipal de Desenvol-vimento Rural (CMDR).

O CMDR é o órgão responsável pela formulação das políticas dedesenvolvimento rural e pela decisão sobre o uso dos recursos públi-cos, dos equipamentos da Prefeitura e pelo investimento na área rural.A atribuição de decidir sobre o uso dos recursos do Programa Nacional

Formação de Parceriase Geração de Renda nasComunidades RuraisLONTRAS (SC)

Ricardo Bresler*

* Professor e vice-coordenador docurso de graduaçãoda FGV/EAESP.

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4 de Fortalecimento da Agricultura Familiar, na linha Infra-estrutura eserviços nos municípios (Pronaf/Infra-estrutura), do governo federal,efetivou o CMDR como um fórum ativo e participativo. Meios deprodução, que antes eram precariamente utilizados, passaram a sergerenciados pelas associações e, nesse processo, a ser efetivamenteutilizados, propiciando a infra-estrutura necessária para o incrementoda renda dos pequenos agricultores e para a melhora na qualidade devida das famílias dos produtores.

O LugarO município de Lontras está localizado no Alto Vale do Itajaí, Santa

Catarina, e é assim chamado porque, no passado, esse mamífero habi-tava a região. A maior parte da população – 7.936 habitantes (IBGE,1996) – descende da colonização alemã (iniciada em 1890) e italiana.Lontras desmembrou-se do município de Rio do Sul, emancipando-se em 31/12/1961.

Apesar de atualmente existirem alguns empreendimentos indus-triais (principalmente têxteis) e comerciais, a história, e o presente,indicam a atividade agropecuária de subsistência, diversificada, comoformadora da identidade do município. Há controvérsias em relaçãoaos dados: o IBGE (1996) contabiliza 38,7% das pessoas como popu-lação rural, a partir da localização da residência fora do perímetro ur-bano. Os técnicos da Prefeitura contestam esse valor, indicando quepelo menos 60% da população vive da atividade rural, argumentandoque grande parte das propriedades do perímetro urbano tem perfilrural – o que pôde ser observado durante a visita de campo.

A topografia não favorece as atividades agropecuárias rentáveis:apenas 20% da terra é plana, 40% é ondulada e 40% montanhosa. Alémdisso, apesar da presença abundante de água, o solo é consideradopobre. A maior parte dos agricultores possui uma pequena proprieda-de (o censo agropecuário do IBGE, 1985, indicou que 68% das propri-edades têm até 20 hectares), na qual praticam a agropecuáriadiversificada: quase todos cultivam hortaliças, plantam cebola, milho,fumo, mandioca, batata inglesa, feijão e arroz, dentre outros cultivos;

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5possuem rebanhos (bovino, suíno e ovino principalmente); praticam aapicultura e a piscicultura. Nessa diversidade, as famílias produzemquase tudo de que necessitam. Algumas dessas atividades geram ren-da, mas de forma instável e limitada.

Fontes de rendaDe modo geral, nenhuma dessas atividades predomina nas pro-

priedades, e os agricultores trabalham um pouco com cada produto.Como fonte de renda, além da agropecuária de subsistência, destaca-se a venda de fumo, de cebolas e do mel. A atividade que produzentrada de dinheiro para o agricultor varia dependendo do mercado e,como todos praticam a agricultura familiar em pequenos lotes, essadependência ocorre numa situação de extrema vulnerabilidade, comexíguo poder de barganha em relação aos compradores.

Vários depoimentos de agricultores e de técnicos indicaram queaté a década de 80 o leite era a atividade que gerava renda, mas nin-guém soube indicar as razões para que ela tivesse sido abandonadadurante a década de 90. O fumo parece ser, atualmente, o cultivo quepropicia geração de renda mais “estável” nos últimos anos. Uma falsaestabilidade, que gera muitos desconfortos e precauções: no depoi-mento dos técnicos percebe-se o incomodo com os efeitos nocivos doproduto final, enquanto os agricultores mais antigos se mostram rece-osos quanto às artimanhas da indústria fumageira.

Para que o agricultor possa vender seu fumo a essa indústria, eledeve comprar todos os insumos (semente, adubos, venenos, etc.) in-dicados pela indústria que, normalmente, financia “sem juros” a aqui-sição desses. É possível obter financiamento de outras fontes para aaquisição desses insumos, mas aí o desafio passa a ser operacional (dequem comprar, onde, etc.), tarefa que ninguém se aventura a empre-ender. O fumo cultivado em estufas é vendido por um preço melhor,mas aí o agricultor precisa construir estufas de acordo com asespecificações técnicas da indústria, que, normalmente, presta asses-soria e concede financiamento para a construção. Nesses casos, o pa-gamento do valor financiado se dá no prazo de seis anos.

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6 A desigualdade no poder de barganha entre as partes é tamanhaque resta ao agricultor aceitar as condições impostas ou não traba-lhar nesse cultivo. José, um agricultor experiente, comentou que em2001 a indústria “soltou o laço” e, e em 2002, “prendeu” uma sériede agricultores que aumentaram a área destinada a esse plantio. Coma sabedoria de quem ganhou muito dinheiro na última safra de fumo(o suficiente para comprar um caminhão, alvo de admiração), Josécomenta que no ano passado o preço do fumo subiu, ficando “quaseirreal”, e com isso alguns agricultores que tinham pequenas áreasdestinadas a esse cultivo foram seduzidos, abandonando outros cul-tivos para destinar tempo, trabalho e terreno para o plantio do fumo.José, pelo contrário, reduziu a sua área de plantio, prevendo preçosmenores – o preço oferecido só é definido pela indústria após a co-lheita da safra.

Como o fumo, todos os cultivos dependem de atividades que agre-guem valor ao trabalho do agricultor para que se possa obter umaremuneração melhor. As atividades que agregam valor ao trabalho doagricultor, por sua vez, dependem da disponibilidade de meios de pro-dução (máquinas, equipamentos, instalações, etc.). Na maior partedas vezes, a escala de produção do agricultor familiar não compensa aposse desses equipamentos. Assim, normalmente tais atividades sãodesempenhadas por intermediários, os quais conseguem trabalharnuma escala que os produtores, isolados, não conseguem alcançar.Diferentemente do fumo, os outros cultivos podem ser beneficiadossem a intervenção das indústrias.

A possibilidade de o pequeno agricultor também executar algu-mas atividades da cadeia produtiva, a fim de agregar valor ao fruto doseu trabalho, é pré-requisito para a criação das condições que lhe per-mitam permanecer na terra e melhorar sua qualidade de vida. Paraque o agricultor possa internalizar essas atividades, ele precisa dispordos meios de produção. A escala de produção da agricultura familiar,quase sempre, torna economicamente inviável a posse individual des-ses equipamentos.

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7Alguns dos meios de produção que melhorariam as condições dotrabalho do agricultor já estavam disponíveis para o uso dos agriculto-res de Lontras no galpão da Prefeitura, mas eram precariamente utili-zados e poderiam servir a práticas clientelistas que favoreceriam al-guns em detrimento de outros. Diversos fatores contribuem para ex-plicar a má aplicação dos recursos, dentre eles a distância entre a Pre-feitura e as terras dos agricultores e a diferença entre o tipo de traba-lho do agricultor e o dos servidores municipais.

Como em muitas regiões em que prevalece a agricultura famili-ar, as terras dos agricultores se encontram espalhadas, dispersas aoredor de um centro municipal, alguns lotes mais próximos e outrosmuito distantes. No caso de Lontras, soma-se a isso a ondulação doterreno. Para alguns agricultores, ir até a Prefeitura significa abrirmão de um precioso tempo de trabalho. Fazer a reserva para o usodo trator, por exemplo, pode implicar algumas horas não trabalhadasem outras atividades.

O tipo de trabalho do agricultor e do servidor municipal é dife-rente em diversos aspectos, dentre eles a temporalidade. A naturezado trabalho de um agricultor familiar implica sujeição as intempéri-es climáticas: se chover, algumas atividades se inviabilizam. Os ser-vidores municipais (como os tratoristas) estão sujeitos a outra lógicade trabalho, com tempo previamente determinado, independente-mente de São Pedro.

Para ilustrar o tipo de empecilho que essa diferença representa,vamos imaginar que um agricultor tenha feito a reserva de um tratorpara uma quarta-feira e que nesse dia tenha chovido intensamente.Esse agricultor estará impedido de fazer um uso útil do equipamento.Se na quinta-feira continuar a chover, mesmo que na sexta o sol voltea raiar, o solo ainda não estará em condições de “receber” os serviçosdo trator. Nesse caso, o trator só poderia ser utilizado no sábado, diaem que o tratorista não trabalha. Resultado: o equipamento e o servi-dor municipal não trabalharam, o agricultor não conseguiu utilizar oequipamento quando previsto e necessário, e é provável que na segun-da-feira já exista outra reserva para o uso do trator.

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8 O Semear do ProgramaO Programa de Formação de Parcerias e Geração de Renda teve

início oficial em julho de 1997. O processo que gerou condições favo-ráveis à sua implantação remetem à passagem da década de 1980 paraa de 90, com a formação da equipe responsável pelo Programa e pelacriação do Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural (CMDR),em 92. Inicialmente formalizado como um fórum consultivo, o CMDRpassou por uma série de alterações substanciais no decorrer do tempo.

No mesmo ano, a legislação municipal foi alterada, passando aatribuir poder deliberativo ao Conselho. A alteração, contudo, nãogarantiu a efetivação desse poder nem sequer do funcionamento doCMDR. Nos primeiros anos, portanto, o Conselho foi inoperante,para não dizer inexistente. De acordo com os depoimentos dos técni-cos da Secretaria Municipal do Desenvolvimento Rural, Agricultura eMeio Ambiente, nesse momento faltava vontade política para viabilizaro funcionamento do Conselho. Também faltava, segundo esses técni-cos, legitimidade para que os representantes de cada comunidade re-presentassem os agricultores – todos os “representantes” eram, nessafase, escolhidos pelo Poder Executivo.

Apesar do desconforto dos técnicos com essa situação, eles alegamque não havia condições de alterá-la naquele momento. A oportuni-dade surgiu em 1996, ano em que o município foi incluído no Pronaf/Infra-estrutura. “No início de 1997, um grupo-tarefa percorreu o mu-nicípio, em reuniões com agricultores, arrecadando subsídios para aelaboração do Plano Municipal [de Desenvolvimento Rural. Em julhode 1997, numa assembléia que contou com a presença de aproxima-damente 150 agricultores, quase 20% do total do município, o planofoi retificado e aprovado”1 .

O Conselho Municipal do Pronaf (CMP) foi criado em novembrode 1997, como órgão deliberativo responsável pelo gerenciamento dosrecursos do Pronaf/Infra-estrutura no município. O processo de for-mulação do Plano Municipal de Desenvolvimento Rural (PMDR), queculminou com a criação do CMP, propiciou as condições necessáriaspara que o perfil dos componentes do Conselho fosse diferente dos“representantes” do CMDR. Os integrantes do CMP de fato repre-

1 Conforme textoque consta no

questionário deinformações

complementaresenviado ao

Programa GestãoPública e Cidadania.

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9sentavam suas comunidades, sendo por elas escolhidos sem a necessi-dade de ter seus nomes sancionados pelo prefeito. O CMP passou aser composto pelo Prefeito, pelo presidente da Câmara dos Vereado-res, pelo Secretário da Agricultura, por um assessor técnico (indicadopelo prefeito) e por mais quatro conselheiros – os presidentes do Sin-dicato dos Trabalhadores Rurais, da Associação dos Apicultores, daAssociação dos Piscicultores, e o presidente do CMDR. Além disso,garantia-se assento para o presidente de qualquer Associação que re-presentasse os agricultores e se constituísse legalmente. Essa garantia,e o bom trabalho do CMP, representaram um estímulo adicional paraa formação das associações comunitárias, e são a precondição paraque o Programa exista tal qual hoje em dia.

A ocupação do CMP, o surgimento de novas associações, aefetividade das decisões do CMP e os frutos colhidos pelos própriosagricultores em seus lotes – juntamente com o completo esvaziamen-to do antigo CMDR – culminaram com a reestruturação deste ulti-mo. Em 2002, uma lei municipal atribuiu ao novo CMDR ogerenciamento de todos os planos municipais ligados à atividade ru-ral. A lei preservou as conquistas do CMP e extinguiu a divisão entreos dois conselhos.

O Programa de Formação de Parcerias e Geração de Renda é frutoda iniciativa conjunta da equipe (seis pessoas) da Secretaria de Agri-cultura com a equipe local (três pessoas) da Empresa de PesquisaAgropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina S.A. (Epagri), liga-da à Secretaria de Estado do Desenvolvimento Rural e da Agricultura.A sintonia e a sinergia das duas equipes é tamanha que qualquer pes-soa que não tenha sido formalmente apresentada aos técnicos temdificuldade para identificar a instituição de origem de cada um. Mes-mo os agricultores freqüentemente confundem quem é da Prefeiturae quem é da Epagri.

O Programa e as ParceriasA própria união entre os técnicos da Prefeitura e da Epagri pode ser

considerada a parceria pioneira que plantou as condições para os bons

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10 frutos colhidos pelo Programa e que, antes disso, garantiu as condiçõesdemocráticas de funcionamento do CMDR. A sinergia entre as duasequipes foi construída ao longo de aproximadamente 10 anos: a primei-ra das nove pessoas dessa equipe começou a trabalhar em 1987, e apartir daí os outros foram se agregando ao grupo. O último a se juntarfoi o veterinário, em 1996. Eles nunca foram ameaçados pela alternân-cia dos grupos políticos que assumiram a prefeitura nesse período,2

embora tais grupos estivessem aparentemente descomprometidos como que o Programa se tornou. Todos os integrantes da equipe são funcio-nários de carreira e buscam a democratização do espaço público e oaprofundamento da parceria com a rede associativista.

Do lado da Prefeitura, os técnicos foram se alternando no cargo desecretário municipal de Agricultura, o que acabou servindo para au-mentar a cumplicidade entre eles. Do lado da Epagri3 , os técnicoscomentam que, nos últimos anos, a empresa de extensão rural assu-miu, além da preocupação técnica, uma preocupação social (relativa àorganização social dos produtores) na prestação dos serviços.

A união das duas equipes está por trás do crescimento da redeassociativista em Lontras, que em agosto de 2002 já conta com 10associações, além de outros grupos que estavam se organizando. Inici-almente se formaram as associações de produtores (Apilo e Alapi),abertas a todas as pessoas do município, sendo que a Alapi conta, tam-bém, com produtores de outros municípios da região. Aos poucos, osprodutores foram percebendo o potencial da união, alimentando avontade de formar associações comunitárias que representassem osseus interesses em todas as atividades. A falta de legitimidade dos“representantes” que ocupavam o CMDR, em sua fase inicial, e aefetividade do CMP, foram insumos para que os próprios produtoresse unissem aos técnicos na formação das associações comunitárias,que em agosto de 2002 eram oito e agregavam 460 sócios (aproxima-damente 60% das famílias rurais, segundo os dados do IBGE, ou cercade 40%, segundo as estimativas da Prefeitura):

Associação dos Piscicultores de Lontras (Apilo)Associação Lontrense de Apicultores (Alapi)Associação Comunitária de Dona Paula (ACDP)

2 PFL, PMDB e oantigo PPB haviamassumido o poder

municipal ao longodos últimas anos.

3 A Epagri resultouda união, em 1991,

da Associação deCrédito Rural de SC

(Caresc), com aEmpresa de

PesquisaAgropecuária de SC

(Empasc) e com aAssociação de

Crédito e AssistênciaPesqueira do Estado

de SC (Carpesc).

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11Associação Comunitária de Ribeirão Pinheiro (ACORP)Associação Comunitária de Cotias e Pomerana (ACCOP)Associação Comunitária de Concórdia (ACCO)Associação Comunitária de Lontrinhas (ACOL)Associação Comunitária de Margem Esquerda (ACOM)Associação Comunitária de Alto Subida e Atafona (ACOAS)Associação Comunitária Ribeirão do Salto (ACORS)

Cada associação possui seu próprio regimento e define seu modusoperandi, elegendo seus representantes e criando seus próprios meca-nismos de fiscalização. Sempre que necessitam, as associações con-tam com o apoio sociotécnico dos profissionais da Prefeitura e daEpagri, preservando sua autonomia. No Conselho Municipal de De-senvolvimento Rural, efetiva-se a parceria entre as associações e, de-las, com o Poder Público.

Os recursos do Pronaf/Infra-estrutura são considerados um insumoessencial para a consolidação do Programa e, principalmente, do pro-cesso democrático que o sustenta. Nesse sentido, todos indicam a CaixaEconômica Federal, responsável pelo repasse e pela fiscalização dosrecursos, como uma parceira do Programa.

O atual CMDR é composto pelo: prefeito, pelo presidente da Câ-mara de Vereadores, pelo secretário de Agricultura, por um assessortécnico (nomeado pelo prefeito), por um representante da Epagri, pelopresidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, pelos presidentesde cada uma das dez associações, por um Representante da CRAVIL(sindicato regional) e por dois representantes dos jovens rurais (elei-tos pelas associações). O CMDR realiza reuniões mensais, nas quaisos representantes trocam informações, apresentam suas demandas,discutem e definem o que fazer com os recursos destinados ao inves-timento na área rural.

O ProgramaO Programa pode ser dividido em duas partes: o financiamento

das metas do Plano Municipal de Desenvolvimento Rural com os re-

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12 cursos, principalmente, do Pronaf/Infra-estrutura; e a organização co-munitária, por meio da participação das associações no CMDR. O fi-nanciamento do Programa foi dividido entre os recursos do Pronaf/Infra-estrutura, a Prefeitura e as associações. Entre 1997 e 2001, o In-vestimento realizado foi de R$ 681.526,50, assim distribuídos (valoresem R$):

Ano Investim. Pronaf (%) Prefeitura (%) Associaçoes (%)1997/98 242.733,72 186.371,78 (76,8) 46.361,94 (19,1) 10.000,00 (4,1)

1998/99 114.388,74 91.881,54 (80,3) 17.507,20 (15,3) 5.000,00 (4,4)

1999/00 161.904,04 146.904,04 (90,7) 10.000,00 (6,2) 5.000,00 (3,1)

2000/01 162.500,00 150.000,00 (92,3) 7.500,00 (4,6) 5.000,00 (3,1)

Total 681.526,50 575.157,36 (84,4) 81.369,14 (11,9) 25.000,00 (3,7)

Por meio da participação das Associações, foram definidas algu-mas áreas prioritárias para o Investimento, todas visando melhorar ascondições de trabalho: equipamentos para o preparo do solo, facilida-des na aquisição de insumos, adição de valor ao trabalho do agricultore meios de escoamento do excedente produzido. Além do Investimen-to realizado na profissionalização e no treinamento dos agricultores,algumas frentes de ação se destacam:

Incentivo a Produção: promove o melhor uso dos equipamen-tos da Prefeitura. Dos tratores que existiam na Prefeitura, somentedois puderam ser aproveitados. Com os recursos do Pronaf/Infra-es-trutura, foram adquiridos três novos tratores, além de outros vinte equi-pamentos para o manejo do solo. Por meio do CMDR, a Prefeituratransferiu o serviço para as associações: todos os equipamentos ficam àdisposição delas. Em muitos casos, associações próximas dividem en-tre si a responsabilidade por um equipamento – foram construídosgalpões abertos, em mutirão, para abrigar as máquinas e os implementosagrícolas. Cada Associação é responsável por alocar o uso dos equipa-mentos para os agricultores, que assumem as despesas de funciona-mento e manutenção. Antes disso, a Prefeitura registrava uma médiade 2,11 horas diárias para o uso desses equipamentos. No novo forma-to organizacional, o tempo de uso aumentou em mais de 100%, pas-

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13sando para uma média de 4,78 horas diárias. A Secretaria de Finançasapontava, em 1998 e 99, um déficit de R$ 13 mil. No novo formato, oCMDR já registrou um acúmulo de sobras (a diferença entre o quecada associação gasta e o que arrecada pelo uso dos equipamentos) deR$ 16 mil, recursos que são reinvestidos na própria comunidade. To-dos os agricultores, membros ou não de alguma associação, têm acessoao uso dos equipamentos.

Viabilização da Apicultura: possibilita o beneficiamento do mel.A Prefeitura, em parceria com a Alapi, construiu a Casa do Mel, ondeé produzida a cera alveolada, fornecida aos apicultores. O espaço tam-bém serve ao beneficiamento do mel bruto e ao armazenamento dasembalagens para a comercialização. A Casa do Mel possui o certifica-do estadual de comercialização e faz parte da Federação das Associa-ções de Apicultores de SC (FAASC), bem como da Confederação Bra-sileira de Apicultura (CBA). O mel é comercializado em embalagenscom rótulos padronizados da Alapi e a identificação do produtor, queé responsável pela comercialização do que produz. A Casa do Mel é daPrefeitura, sendo administrada pela Alapi, que beneficia aproximada-mente 30 toneladas de mel por ano (com capacidade de dobrar essevolume). Além disso, apesar de não operar com produtos derivados domel, a Alapi estimula e assessora os produtores para essas atividades.

Incremento da Piscicultura: promove a piscicultura e garante aprodução de alevinos em Lontras. A Prefeitura, em parceria com aApilo, construiu a Estação de Produção de Alevinos II, barateando ocusto para os produtores, garantindo qualidade genética e sanitária eproporcionando ao município a auto-suficiência no abastecimento dosalevinos (que antes eram importados, com alto índice de mortalida-de). Em terreno da Prefeitura, gerenciado pela Alapi, foram construídos7 mil m2 de tanques escavados para a criação dos alevinos. Além disso,a Apilo passou a promover e difundir a piscicultura e o hábito de con-sumo do peixe (como em diversos lugares do Brasil, o peixe não fazparte dos hábitos alimentares), criando a Feira do Peixe Vivo. Trata-sede um espaço, na cidade, em que se realizam feiras para a

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14 comercialização dos peixes dos produtores lontrenses, além de diver-sos eventos para a disseminação da piscicultura. Um desses eventos é oPeixe na Mesa, ciclo de reuniões nas quais para a difusão de novasreceitas e formas de preparo do peixe. O aumento da comercializaçãode alevinos indica a repercussão dessas ações: antes da construção daEstação, os produtores compravam de 100 mil a 130 mil alevinos porano, volume que hoje supera 200 mil. Em 2002, até agosto, já haviamsido comercializados 247 mil.

Revitalização da Bovinocultura de Leite: complementa a rendados produtores, por meio de resfriadores de leite colocados à disposi-ção das associações. Inicialmente projetava-se o funcionamento de doisgrandes tanques na cidade, mas o projeto logo foi alterado para a aqui-sição de 13 pequenos resfriadores (de 1.500 litros) nas próprias associ-ações, já que a maior parte dos criadores não produz uma quantidadede leite que compense o transporte até a cidade. Cada associação co-munitária definiu suas próprias regras, mas de modo geral identificou-se um produtor disposto a construir uma casinha para o resfriador e ase responsabilizar pela manutenção do equipamento, rateando as des-pesas entre os usuários do resfriador. Diariamente, um produtor (re-munerado pela associação) passa nas propriedades e recolhe o leitepara abastecer o resfriador, numa operação que não leva mais do queduas horas. A cada dois dias, com o resfriador praticamente cheio, umcomprador passa para retirar o leite. Com o aumento da quantidade ea melhoria da qualidade, o leite, que muitas vezes não chegava nem aser comercializado (pelo desinteresse do comprador em pequenas quan-tidades), passou a ser vendido por um preço 30% maior do que o obti-do anteriormente, chegando a R$ 0,38. O mais importante é que todosos produtores passaram a obter o mesmo preço, qualquer que seja oexcedente vendido. A comercialização do leite aumentou devido à rendaproporcionada por essa atividade.

Programa de Beneficiamento da Produção: promove condi-ções de agregar valor aos produtos, por meio de instalações adequadaspara a separação de cebolas e a secagem de grãos, principalmente do

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15milho. O vale do Itajaí é um grande produtor nacional de cebolas e emLontras isso não é diferente. Sem a separação por tipos e por tamanho,a cebola é comercializada pelo menor preço. A Prefeitura construiu,em terreno próprio, um galpão com equipamentos para a separaçãodas cebolas, que é administrado por um representante de todas as as-sociações. Em sua primeira safra, foram separadas 500 toneladas decebola (aproximadamente 15% da produção do município), quase todavendida para outros municípios: com a agregação de valor, melhorou aremuneração dos produtores. Para o uso efetivo e constante desse es-paço, contudo, ainda não foi encontrado um modelo ideal de funcio-namento: para que a separação seja feita de forma adequada e eficien-te, estima-se que sejam necessárias 10 pessoas trabalhando em tempointegral de outubro a março, mas nesse período há outros trabalhos ase executar nas propriedades. Técnicos e agricultores se mostram in-comodados com essa situação e estão, constantemente, em busca deuma alternativa para o uso efetivo desses equipamentos. Ao lado des-se galpão, encontra-se o galpão de secagem de grãos, que também épropriedade da Prefeitura, gerenciado por um representante das asso-ciações. Como a umidade é muito alta, sem esse beneficiamento osgrãos perdem muito do seu valor. Em 2001, passaram pelo galpão 252toneladas de grãos e, em 2002, 390 toneladas.

Incentivo à Comercialização: apóia a divulgação ecomercialização dos produtos das famílias agricultoras. A Prefeituraconstruiu a Casa de Venda de Produtos Coloniais, às margens da BR470, estrada que margeia Lontras e liga o litoral (a 170 km) à serracatarinense (a 150 km). Na Casa, pode-se encontrar uma variedade deprodutos, como os mais diferentes tipos de geléias, pães, licores, aguar-dentes, mel, enchidos, doces e salgados variados, além de produtosartesanais como bordados, crochês, etc. Em agosto de 2002, a Casaainda era administrada pela Prefeitura, mas já existia um grupo, com-posto principalmente por mulheres, organizando-se para formar umaassociação e assumir o gerenciamento da Casa.

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16 ComentáriosO Programa de Formação de Parcerias e Geração de Renda nas

Comunidades Rurais, da Prefeitura de Lontras, criou condições para oaprofundamento das relações democráticas entre o poder público mu-nicipal e a sociedade civil organizada (representada pelas associações).Por meio da consolidação do CMDR, viabilizou o uso efetivo dos re-cursos públicos, garantindo condições para que as famílias agricultorasincrementassem sua renda e melhorassem sua qualidade de vida. Ésimples e é inovador, ao viabilizar o diálogo, ao compartilhar o diag-nóstico e dividir responsabilidades, atendendo as reais necessidadesdos produtores rurais – sem que o poder público pretendesse assumiratribuições nas quais teria dificuldade de ser efetivo (gerenciar os re-cursos que estão nas associações, por exemplo). Por meio da transpa-rência e da participação no processo decisório, o Programa conseguiutambém criar predisposições que coíbem não só o desperdício dos re-cursos públicos, como também as práticas nefastas no uso desses re-cursos, como o seu uso em favor de interesses particulares e privados.

Há pontos a serem melhorados, dentre eles, como o funcionamen-to do galpão de separação de cebolas – mas esse é um aspecto pontual,para o qual há mobilização em busca de uma solução. Além disso, deve-se destacar uma aparente falta de ações que procurem fortalecer aequidade nas relações de gênero – aspecto que reproduz as práticastradicionais e que ainda não foram objeto de uma ação mais consis-tente. Na equipe de técnicos da Prefeitura e da Epagri, das nove pesso-as, três são mulheres e, pelo que foi observado, as condições de traba-lho são iguais. A falta de equidade é mais forte, como parece ser gene-ralizado no Brasil, no trabalho rural. Existe o Clube de Mães, com sedeprópria, local em que as mulheres se reúnem para desenvolver váriasatividades (há aulas de pintura, crochê, etc.). Porém, apesar de propi-ciar diversão às mulheres e promover a troca de informações essenciaispara uma mudança de atitude, não é possível apontar isso como umamudança significativa. Por outro lado, há sinais que indicam um movi-mento, espontâneo, que pode no futuro reverter essa situação: a arti-culação para a formação da associação que provavelmente assumirá aadministração da Casa de Venda de Produtos Coloniais; e o fato de

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17haver uma entre os representantes dos Jovens Agricultores no CMDR.Apesar de ser a única mulher do Conselho, é interessante notar que háequilíbrio na representação dos jovens (um rapaz e uma moça), o quealimenta esperanças de, no futuro, a equidade de gênero se efetivar.

Em relação à capacidade de financiamento do Programa, com otérmino do repasse dos recursos do Pronaf/Infra-estrutura, pode-se dizerque, aparentemente foram criadas condições para que a manutençãodo que foi investido seja coberta com recursos locais. É praticamenteimpossível afirmar se isso vai ou não acontecer, mas as sobras das asso-ciações e a formação do Fundo de Desenvolvimento Rural apontamnessa direção.

Isso parece ser um desafio para todos os projetos que visam o for-talecimento da agricultura familiar, diversificada e de subsistência –que resistem a concentrar os investimentos em práticas de monoculturaque, mesmo diante de todos os riscos socioeconômicos e ambientais,são capazes de gerar poupança no curto prazo. O fortalecimento daagricultura familiar propicia incremento de renda para os agricultores,ativa a economia local e cria condições para melhorar a qualidade devida de todos, já que ninguém é excluído por não ter certa quantidadede terra ou algum outro recurso para investir em determinada cultura.Um aspecto fundamental, nesse sentido, é o respeito à realidade localque o Programa promove, fomentando a melhora da qualidade de vidacom os recursos disponíveis na própria região.

De forma geral, a experiência do Programa de Lontras pode serdisseminada por vários outros municípios similares, nos quais esse tipode agricultura é praticado. Para isso, o mais importante é o compro-metimento dos servidores municipais, o fortalecimento das associa-ções e do protagonismo social, a prática do diálogo entre a sociedadecivil e o poder público estatal e a efetivação da decisão conjunta sobreo destino dos recursos públicos.

Essa disseminação já está em curso: Prefeitura, CMDR e associa-ções são freqüentemente visitadas por organizações comunitárias erepresentantes do poder público de municípios da região, com desta-que para os que fazem parte da Associação dos Municípios do AltoVale do Itajaí (Amavi). O prêmio recebido da Caixa Econômica Fede-

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18 ral, de Melhores Práticas em Gestão Local, em 2001, contribuiu para oaumento da visibilidade do Programa e, conseqüentemente, do núme-ro de visitas.

Os técnicos também organizam visitas a outros municípios e pro-jetos para que os associados possam trocar experiências com iniciati-vas similares, com isso fomenta-se um desenvolvimento regional inte-grado. Outros grupos que ainda não formaram associações estão semobilizando para isso: além do grupo que pretende gerenciar a Casade Produtos Coloniais, encontra-se em fase adiantada a formação daAssociação dos Pequenos Produtores Agroartesanais, e em algumascomunidades começam a se formar associações de jovens – provavel-mente reflexo dos resultados do trabalho das associações e da partici-pação dos jovens no CMDR.

No cerne de tudo isso, destaca-se a seriedade, comprometimento eo prazer de trabalhar de cada uma das pessoas da Secretaria de Agri-cultura e da Epagri, e a competência com que criaram e mantêm asinergia entre todos. A construção dessa equipe, o comprometimentocom a população local e com um ideal de justiça, aliados ao bom traba-lho de negociação política, permitiram a construção de uma gestãopública que aos poucos criou, e vai aprofundando, um espaço públicoarejado, aberto e democrático.

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Versão em formato PDF

PoupaTempoCentral de Atendimento

ao Cidadão

finalistas do ciclo depremiação 2002

Veronika Paulics

Programa Gestão Pública e Cidadania

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20 Experiências de Gestão Pública e Cidadania/Organizadores: Gabriela Spanghero Lotta, Hélio Batista Barboza,Marco Antonio Carvalho Teixeira e Verena Pinto. São Paulo: ProgramaGestão Pública e Cidadania, 2003272 p.

Inclui bibliografia.

1. Políticas públicas – Brasil. 2. Administração pública – Brasil.I. Lotta, Gabriela Spanghero. II. Barboza, Hélio Batista. III. Teixeira, MarcoAntonio Carvalho. IV. Pinto, Verena. V. Programa Gestão Pública eCidadania.

CDD-352

Originalmente publicado em:20 Experiências de Gestão Pública e Cidadania

Gabriela Spanghero Lotta, Hélio Batista Barboza,Marco Antonio Carvalho Teixeira e Verena Pinto (orgs.)

Copyright © Gabriela Spanghero Lotta, Hélio Batista Barboza,Marco Antonio Carvalho Teixeira e Verena Pinto

Direitos da edição reservados aoPrograma Gestão Pública e CidadaniaAv. 9 de Julho, 2029 – 2º andar da Biblioteca01313-902 – São Paulo – SPTel: (11) 3281-7904 / 3281-7905Fax: (11) 287-5095E-mail: [email protected]://inovando.fgvsp.br

Impresso no Brasil / Printed in Brazil

Todos os direitos reservados. A reprodução não autorizada destapublicação, no todo ou em parte, constitui violação da lei dedireitos autorais.

1ª edição – 2003

Capa/editoração: Liria OkodaImpressão: Gráfica Dedone

Versão gráfica em formato PDF: Liria Okoda

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Ter acesso a informações ou serviços públicos ainda é, para muitagente, sinônimo de peregrinação por diversas repartições, enfrentandofilas e funcionários mal humorados, esperas intermináveis em ambi-entes quase abandonados. A essa imagem ainda se junta a de mesasentulhadas de papéis a serem morosamente carimbados.

Para mudar essa imagem, que em muitos casos era reflexo darealidade, e garantir aos cidadãos o acesso a informações e docu-mentos, de maneira simplificada e ágil, inclusive para que deixemde depender dos serviços de intermediários, foi implementado peloGoverno do Estado de São Paulo o Programa PoupaTempo. O Pro-grama caracteriza-se pela reunião de diversos serviços públicos emum só local de fácil acesso, com horário de atendimento ampliado.Os funcionários são especialmente treinados para o atendimento eos procedimentos são simplificados, garantindo qualidade, rapidez edifusão das informações.

PoupaTempoCentral de Atendimento ao CidadãoESTADO DE SÃO PAULO

Veronika Paulics1

1 Veronika Paulics éjornalista, mestre emAdministraçãoPública pela FGV-EAESP e diretora doInstituto Pólis

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4 Do ponto de vista do Estado, há um aumento da eficiência naprestação de serviços, significando redução de custos. Tal redução de-corre do aumento da produtividade do pessoal e dos ganhos em escalaobtidos com a concentração de serviços em um único espaço, tornan-do mais eficiente a aplicação dos recursos.

A população é beneficiada pela melhoria de sua qualidade de vida,resultante de economia de tempo em deslocamentos e filas de espera;economia de dinheiro nos gastos com locomoção e no pagamento aintermediários; reconhecimento de sua cidadania, refletido na quali-dade do atendimento, no relacionamento com funcionários capazesde solucionar seus problemas, no conforto do ambiente e, finalmente,na oportunidade de participar da avaliação dos serviços oferecidos.

HistóricoA idéia do PoupaTempo surgiu em 1994, quando o então candidato a

governador, Mário Covas, propôs a implementação de uma espécie deshopping de serviços públicos. A principal inspiração vinha das discussõesem torno das propostas de reforma do Estado, especialmente dos textosde Hélio Beltrão sobre processos de desburocratização. A idéia centralera, em vez de alterar internamente o Estado para então mudar o atendi-mento ao cidadão, buscar uma nova forma de atender as demandas docidadão e, a partir disto, pressionar por mudanças internas ao Estado.

Nessa mesmo época também começaram a despontar as experi-ências do Serviço de Atendimento ao Cidadão, do Governo do Estadoda Bahia; da Rua da Cidadania, de Curitiba; e a Ação Global promo-vida pela Rede Globo, que consistia em organizar caravanas que leva-vam até a população a possibilidade de ter acesso a documentos.

Em 1995, Covas assumiu o governo e em 1996 montou uma equi-pe constituída por especialistas em informática, recursos humanos earquitetura, que garantiriam as mudanças essenciais: treinamento dofuncionalismo, simplificação de procedimentos e ambiente agradávelpara receber o cidadão. Essa equipe estava ligada à Secretaria de Go-verno e Gestão Estratégica, que coordena e gerencia o projeto, e àCompanhia de Processamento de Dados do Estado de São Paulo

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5(Prodesp), que implanta e administra os Postos de Serviços.Para garantir a mudança na forma de se atender a população, a

primeira preocupação foi capacitar os recursos humanos. Seria neces-sário valorizar o funcionalismo público, resgatar sua auto-estima, ofe-recer-lhe condições adequadas de trabalho.

A segunda preocupação foi buscar a racionalização e a simplifica-ção de procedimentos, incluindo aí a informatização. Um exemploera a emissão de carteira de identidade, que levava de 30 a 60 diaspara ficar pronta.

O terceiro aspecto referia-se à infra-estrutura e arquitetura, quedeveriam estar de acordo com os princípios da qualidade, do respei-to e da rapidez na prestação dos serviços e em relação ao cidadãoque os demanda.

A primeira unidade foi inaugurada em 1997, na Praça da Sé, nocentro de São Paulo, por representar uma confluência de linhas demetrô, ônibus e outros serviços públicos e privados. Estava dado oprimeiro passo. Mas, apesar do sucesso da unidade da Sé, o desafiopara a equipe era avançar na proposta, ir além da reunião física dealguns órgãos, estabelecer um novo padrão de qualidade.

Atualmente há oito unidades implantadas, sendo quatro na capi-tal (Sé, Alfredo Issa, Santo Amaro, Itaquera), duas no interior (Cam-pinas e São José dos Campos) e duas na região metropolitana (SãoBernardo do Campo e Guarulhos). Ao todo, atendem cerca de 55 milpessoas por dia.

Os serviços mais procurados são o de emissão de carteira de iden-tidade, no Instituto de Identificação Ricardo Gumbleton Daunt; emis-são de carteira de trabalho, intermediação de mão-de-obra e seguro-desemprego, na Secretaria de Emprego e Relações do Trabalho; e li-cenciamento de veículos, renovação e segunda via da carteira nacio-nal de habilitação, no Detran.

Processo de implementaçãoUm dos pontos mais difíceis do processo de implantação do Pou-

paTempo foi estabelecer o diálogo com os órgãos públicos considera-

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6 dos fundamentais ao Programa. Para garantir o processo, foram esco-lhidos representantes de cada órgão, que tivessem tanto a capacidadetécnica para lidar com as questões que surgem no cotidiano de aten-dimento à população, como para responder por questões políticas re-ferentes ao órgão. Além disso, também havia questões políticas quedificultavam o diálogo entre órgãos de diferentes níveis de governo.

Foi feito inicialmente um diagnóstico de atendimento nos princi-pais serviços (fluxos de atendimento, tempo de atendimento, tempode espera) e nas filas das “repartições públicas”, mapeando as dificul-dades e demandas da população. Em seguida foram realizados váriosdebates com os participantes, sobre posturas, desburocratização e aten-dimento com isonomia, para garantir a adesão efetiva de todos. Opasso seguinte foi a realização do levantamento e análise das informa-ções sobre os procedimentos exigidos dos cidadãos em todos os servi-ços a serem disponibilizados, com identificação dos nós críticos e es-tabelecimento de metas. E, por último, a identificação, em cada servi-ço a ser oferecido, de aspectos relevantes para a inovação no atendi-mento (seleção de funcionários, treinamento, informatização, racio-nalização, barateamento de custos para o cidadão, entrega do docu-mento, etc.)

Estando os órgãos convencidos da importância de se implementaro PoupaTempo, surgiu uma outra dificuldade: eles não se sentiam ca-pazes de prestar os serviços, ou por falta de equipamento ou por faltade recursos humanos. E se sentiam ainda mais incapazes de alterar osprocedimentos.

A função do coordenador do processo de implementação do Pou-paTempo era motivar os diversos órgãos a refletir sobre o modo comofaziam a emissão de documentos ou forneciam informações. Maisdo que discutir os procedimentos burocráticos, a proposta era aten-der da melhor forma o cidadão, e para garantir esta “melhor forma”,propunha-se alterações na lógica interna de funcionamento daqueleórgão. A preocupação presente era que os serviços não fossem execu-tados da mesma maneira como eram executados nos órgãos de ori-gem, mas que se buscasse um processo mais simples que permitissereduzir a burocracia e os procedimentos. Para isso, foram esquadri-

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7nhados os serviços para entender como funcionam e como seria pos-sível simplificá-los.

Por exemplo, um dos desafios de quando se iniciou o Programaera saber por que a carteira de identidade demorava de 30 a 60 diaspara ficar pronta. O que seria necessário para que o cidadão pudesseter acesso ao seu documento em 15 minutos? Tais perguntas levaramà informatização do banco de dados, da captação das digitais e daimagem, à interligação entre cartórios, etc. Levaram também a cria-ção de uma unidade do PoupaTempo que só emite carteira de identi-dade. Nem todas as carteiras de identidade são entregues em 15 mi-nutos, mas o prazo máximo de entrega é de cinco dias.2

Para garantir a adesão dos órgãos à proposta inovadora, o Poupa-Tempo ofereceu mobiliário, equipamento e capacitação, a partir dasespecificações apresentadas por cada órgão, para a prestação de deter-minados serviços e o atendimento de uma determinada demanda. Fir-maram-se convênios com cada um dos órgãos explicitando os direitose deveres de cada uma das partes, inclusive a possibilidade futura derateio dos custos.

Uma outra preocupação da equipe do PoupaTempo foi garantirque o cidadão pudesse resolver seus problemas em uma única ida aoposto. Para isso, incluiu no projeto áreas para serviços de apoio, comofotografia, fotocópia, plastificação, além de serviços que garantissemo bem-estar de quem utiliza a unidade: lanchonete, telefone, sanitári-os, fraldários.

Tanto no caso de autarquias, como a Sabesp, ou de empresas pri-vatizadas que prestam serviço de concessão pública, ou ainda que for-necem serviço de apoio, a coordenação do Poupatempo assume o trei-namento dos recursos humanos e define conjuntamente o layout, masnão fornece equipamentos, mobiliário nem uniforme.

Atualmente, são oferecidos mais de 500 serviços e informações deórgãos públicos, da iniciativa privada, de concessionárias de serviçospúblicos, de associações e entidades da sociedade civil. São órgãos par-ceiros do PoupaTempo3 : Banco Nossa Caixa S/A, Caixa EconômicaFederal, Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano doEstado de São Paulo (CDHU), Comissão de Serviços Públicos de

2 Há muita diferençano processo deemissão de umaprimeira via decarteira de identidadepara uma pessoa de12 anos e a emissãode segunda via deum adulto, porque osprocedimentos paraverificar veracidadedas informações sãomuito distintos. Osdocumentos quelevam cinco dias paraserem entregues sãoos de adultos cujosdados ainda nãoestavam no banco dedados informatizadodo Instituto deIdentificação.

3 Embora nem todosestejam presentes emtodas as unidades e aparceria com umaprefeitura somenteocorreu na unidadede São Bernardo doCampo.

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8 Energia, Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, DepartamentoEstadual de Trânsito (Detran), Departamento de Investigações sobreo Crime Organizado/Divisão de Investigações sobre Furtos e Roubosde Veículos e de Cargas, Departamento de Homicídios e de Proteçãoà Pessoa, Empresa Metropolitana de Planejamento da Grande SãoPaulo (Emplasa), Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, InstitutoNacional do Seguro Social, Instituto de Pesos e Medidas do Estado deSão Paulo, Junta Comercial do Estado de São Paulo, Polícia Civil –Instituto de Identificação Ricardo Gumbleton Daunt, Companhia deSaneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), Secretaria deEstado da Cultura, Secretaria do Emprego e Relações do Trabalho,Programa Jovem Cidadão/Meu Primeiro Trabalho/Secretaria do Em-prego e Relações do Trabalho, Secretaria da Fazenda, Secretaria doMeio Ambiente, Seade – Fundação Sistema Estadual de Análise deDados, SOS Criança/Febem, Tribunal de Justiça – Juizado EspecialCível e Prefeitura do Município de São Bernardo do Campo (todas asSecretarias).

Além disso, há parceria com o Shopping Center Colinas de SãoJosé dos Campos, associações e entidades de bairro, Associação dosRegistradores de Imóveis de São Paulo, Associação dos Registradoresde Pessoas Naturais do Estado de São Paulo, Banco Itaú, Banco 24Horas, Banco do Brasil, Bradesco, Banespa, Eletropaulo Metropolita-na Eletricidade de São Paulo, Serviço de Apoio às Micro e PequenasEmpresas (Sebrae) , Serviço Social da Indústria (Sesi), Telefônica –Telecomunicações de São Paulo e Associação das Empresas de Trans-porte Coletivo e Urbano de Campinas (Transurc).

Recursos HumanosDepois que o cidadão consegue descobrir aonde ir para ter aces-

so a algum serviço público, reclama-se, em geral, do próprio atendi-mento. A visão que se tem dos funcionários públicos que atendem apopulação é que, em sua maioria, são descorteses, mal humorados,desinformados e desinteressados. Não raro privilegiam amigos ouquem os suborna.

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9A equipe do PoupaTempo, ao olhar para essa realidade, ao invésde concluir que seria preciso começar do zero, contratando pessoasque nunca tivessem sido funcionários públicos, decidiu apostar numprocesso de valorização do funcionalismo, oferecendo treinamento es-pecífico, mobiliário e equipamentos adequados, além de um ambien-te agradável de se trabalhar.

E como havia uma constatação difusa de que estava “sobrandogente” no Estado, a proposta foi organizar processo seletivo internoque identificasse as pessoas com perfil para atender a população, rea-locando as pessoas que aparentemente estavam “sobrando”. Não pu-deram participar desta seleção interna os funcionários de atividades-fim, como professores, médicos e policiais.

Todos passaram por um processo seletivo, buscando-se identificaras pessoas que sabiam atender bem o público; que tinham capacidadede raciocínio; que estivessem abertas à mudança; que tivessem inicia-tiva e soubessem trabalhar em equipe.

Para identificar estas qualidades, houve uma prova escrita de co-nhecimentos gerais e raciocínio lógico. Na segunda fase, foram aplica-das dinâmicas grupais, acompanhadas por um psicólogo. Na terceirafase foram realizadas entrevistas pela equipe do PoupaTempo, paradetectar se a pessoa realmente era adequada para o trabalho de aten-der a população. Essa lógica de seleção se mantém, embora atualmen-te já não haja mais funcionários públicos disponíveis.

Além do processo de seleção, identificou-se que muitos funcioná-rios públicos foram se desmotivando ao longo de suas carreiras. Espe-cialmente o trato cotidiano com o público é um trabalho muito des-gastante. E para evitar a desmotivação e criar espaços de resgate daimportância de se atender bem o cidadão, a equipe do PoupaTempoconstatou que seria fundamental oferecer, alem de um processo decapacitação e treinamento no momento da seleção, momentos decapacitação continuados.

O primeiro grande treinamento tem apoio do Senac, no que se refe-re a atendimento, e da Prodesp, no que se refere à parte de informática.E há uma grande participação da própria equipe do PoupaTempo, para

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10 apresentar o que é o Programa, quais são suas premissas no que se refereà missão do serviço público, cidadania, garantia de direitos, a superaçãodas práticas clientelistas, dos preconceitos, dos privilégios, etc. Por fim,todos passam por um treinamento de um mês que se refere à capacitaçãoespecífica no órgão onde estará trabalhando.

A “reciclagem” ocorre uma vez por ano, envolvendo todos os fun-cionários, em grupos de 30 pessoas. O principal material para essareciclagem é a discussão de “causos”. A partir dos acontecimentos ocor-ridos no cotidiano, pode-se gerar discussões quanto à melhor formade encaminhamento dos problemas, gerando uma aprendizagem quetambém é uma avaliação do próprio funcionamento da unidade deatendimento do PoupaTempo. Há reuniões internas a cada unidade ea cada posto para resolver problemas que surgem no cotidiano.

Com o tempo e a inauguração de diversas unidades do Poupa-Tempo, já não havia de onde tirar pessoas de dentro do próprio qua-dro de funcionários do Estado. Passou-se, então, para a contratação deterceirizados, especialmente para recepção e orientação do cidadãoque procura informações nos postos.

Além disso, há os funcionários que os próprios órgãos integran-tes do Programa deslocam para trabalhar nas unidades do Poupa-Tempo e os contratados por autarquias ou empresas privadas queintegram o sistema.

Todos passam pelo mesmo processo de seleção. Caso um funcio-nário de algum órgão não se encaixe no perfil desejado pela Poupa-Tempo, solicita-se sua substituição.

Todas as pessoas que trabalham no PoupaTempo ficam subordi-nadas administrativamente à coordenação da Unidade, embora sigamsubordinadas tecnicamente aos supervisores dos órgãos e empresasnos quais trabalham.

InstalaçõesA primeira unidade do PoupaTempo foi instalada num prédio que

pertencia ao Governo do Estado de São Paulo. Os critérios para esco-lha eram que fosse num local de fácil acesso, que permitisse acolher

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11diversos serviços e que fosse um ambiente agradável.Para seguir esses critérios, nem todas as unidades do PoupaTempo

puderam ser instaladas em prédios públicos. Em alguns lugares paga-sealuguel, como no Shopping Center de São José dos Campos; em outros,como São Bernardo, estabeleceu-se uma parceria com a Prefeitura.

A vantagem de se instalar a unidade dentro de um shopping center,mesmo não sendo a localização ideal, é o fato de o próprio shoppingfazer as reformas necessárias para a instalação da unidade, poupandorecursos ao poder público. E como a unidade do PoupaTempo atraimilhares de pessoas a cada dia, dinamiza economicamente o shopping,permitindo negociar a redução do valor do aluguel.

A maioria das unidades ocupam prédios que são grandes galpões,permitindo uso de divisórias que ampliam ou reduzem os espaços decada um dos serviços prestados de acordo com as demandas. Tambémos móveis, a sinalização, os pontos de telefonia e eletricidade permi-tem o rearranjo da unidade sempre que necessário.

As instalações prevêem espaços de espera próximos ao posto onde oserviço é oferecido. Quando o cidadão chega à unidade do PoupaTem-po é abordado por uma recepcionista que procura orientá-lo da melhormaneira possível. Para facilitar o acesso aos postos, há sinalização comcores e números. Ao longo dos corredores também há orientadores queajudam a localizar os serviços demandados. Todos os funcionários sãofacilmente identificáveis pois estão de uniforme e crachá.

Chegando no posto onde é prestado o serviço que procura, o cida-dão recebe uma senha, que explicita a previsão do tempo de espera.Caso necessite de serviços de apoio, estes também estão bastante si-nalizados. E se houver algum problema, como queda de sistema, porexemplo, todos são informados do que está ocorrendo e do tempoprevisto para que o atendimento volte ao normal. Caso alguém optepor voltar no dia seguinte, recebe uma senha que garante sua priori-dade no atendimento.

Não são atendidos despachantes. No caso de alguém estar comsolicitação de mais de um serviço, recebe tantas senhas quantos servi-ços está solicitando, para evitar distorção do tempo previsto de esperados que virão em seguida.

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12 Em algumas unidades, como a de São Bernardo, por exemplo, se apessoa está com uma criança de 3 a 12 anos, pode deixá-la numa áreareservada por uma hora, onde terá atendimento especializado com brin-cadeiras educativas e alternativas de leitura. A criança se diverte e oadulto tem mais tranqüilidade para resolver seus problemas.

As instalações do PoupaTempo não são utilizadas apenas pelas pes-soas que procuram os serviços ou informações. As salas de leitura (comlivros, jornais, revistas e gibis), lanchonetes, sanitários, correios, acessoà Internet, totens bancários e as áreas de espera são utilizados por todaa população do entorno, que encontra ali um espaço público seguropara substituir ruas e praças consideradas perigosas nos grandes cen-tros urbanos. A título de exemplo, a unidade de Santo Amaro, próximaao Largo Treze, atende 14 mil pessoas por dia, em média, sendo que17 mil pessoas passam na unidade a cada dia.

O tamanho das unidades varia de 1600 m² (Alfredo Issa, onde so-mente se emite carteira de identidade) a 10 mil m² (Itaquera). Indepen-dentemente da localização, todas as unidades seguem um mesmo pa-drão de instalação: mobiliário, equipamentos, uniformes, sinalização.

Além da localização, também o horário de funcionamento interfe-re na acessibilidade. Diferentemente das repartições públicas, as uni-dades do PoupaTempo funcionam das 7 às 19 horas, de segunda asexta-feira, não fechando na hora do almoço; e das 7 às 13 horas aossábados. Os funcionários se organizam por turnos intermediários paragarantir o padrão de atendimento em horários de maior procura.

Pela manhã, normalmente as pessoas chegam por volta das 6 ho-ras para serem atendidas. Meia hora antes de abrir a unidade, já sãodistribuídas senhas de acordo com o serviço procurado, agilizando oatendimento. E à noite, a unidade fecha às 19 horas e todos quetiverem entrado até a hora de fechamento da unidade são atendidosno mesmo dia.

Para garantir o atendimento foi necessário negociar com agênci-as bancárias do PoupaTempo horários de funcionamento diferencia-dos do restante da rede bancária. Em compensação, somente aten-dem pagamentos diretamente relacionados aos serviços oferecidosno PoupaTempo.

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13GerenciamentoTodos os serviços são acompanhados pela coordenação da unida-

de. Os serviços de maior demanda estão interligados em rede, e ossupervisores e a gerência podem acompanhar remotamente o atendi-mento. O programa de senhas também gerencia filas e faz o registrodas estatísticas.

Com essa forma de gerenciar a unidade, é possível acompanhar aprodutividade de cada um dos funcionários e o tempo de espera e deatendimento de cada um dos serviços prestados. Além disso, o sistemapermite ampliar ou reduzir o número de postos de atendimento, deacordo com a demanda, ou ainda, alterar o tipo de serviço prestadopelo posto.

Por meio do gerenciamento, pode-se constatar as falhas no atendi-mento, procurando-se resolvê-las na própria unidade. Caso a origemdo problema não esteja na unidade, contata-se o órgão prestador deserviço. Desta forma, em nome de um atendimento de qualidade aocidadão, aciona-se o órgão prestador do serviço, para que altere seusprocedimentos, ou pelo menos melhore a sua capacidade de comuni-cação e explicação dos problemas.

Um exemplo disso é o Detran. Quando o sistema caía, o Detranera contatado e o relatório que explicava o problema era tão cifradoque nem o supervisor do posto conseguia explicar o que estava se pas-sando, muito menos apresentar as perspectivas de retorno à normali-dade. Esse tipo de situação fugia às regras do PoupaTempo. Depois demuitas negociações, passou-se a ter relatórios claros, que apontavamas causas do problema e o prazo previsto para solução.

CustosA gerência também é responsável por acompanhar todos os custos

da unidade. É realizado um rateio dos custos de água, luz, telefonia,manutenção, copa e limpeza, levando em conta a metragem ocupadapelos os postos prestadores de serviço. Os órgãos federais, as autarqui-as e empresas privadas repassam esse valor para o Tesouro do Estado.

Os custos não incluem ainda a remuneração do funcionalismo.Avalia-se que, em média, cada serviço prestado custa R$ 3,00 para os

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14 cofres públicos. Considerando-se que são realizados cerca de 55 milatendimentos diários e que as unidades ficam abertas 300 dias noano, isto significa cerca de 16,5 milhões de pessoas atendidas no ano.O gasto orçamentário com custeio, operação e investimentos para asunidades do PoupaTempo está previsto em, aproximadamente, R$47,5 milhões.

Por outro lado, nem todos os serviços são gratuitos, como a segun-da via da carteira de identidade, que custa R$ 15,00 para o cidadão, eque é um dos serviços mais demandados. Os gastos da unidade deSanto Amaro, por exemplo, são da ordem de R$ 400 mil por mês. Ali,são emitidas em média mil segundas vias de carteira de identidade pordia, o que significa uma entrada de recursos da ordem de R$ 300 milpor mês, sem considerar os outros serviços pagos e a parte do rateioque é pago pelas empresas privadas e autarquias.

Segundo a Superintendência do PoupaTempo, as fontes de recur-sos são advindas em sua maioria do governo estadual (97,3%); umaparte do governo federal, referente ao ressarcimento de despesas decondomínio do INSS, CEF e ECT (1,3%); e outra pequena fatia dainiciativa privada (1,4%).

TeleatendimentoO importante não é só a emissão de documentos, mas a garantia

do acesso à informação.Para que o acesso seja garantido e que a informação tenha unifor-

midade, há um guia – uma base de dados sobre todos os serviços, uti-lizada tanto para o teleatendimento, quanto nos totens e na internet.Nem sempre o acesso ao serviço é o mais difícil para o cidadão, muitasvezes o mais difícil é saber onde ir para obter o serviço desejado.

O 0800 tem uma equipe de cerca de 80 pessoas, garantindo o aten-dimento presencial no horário comercial, e atendimento por máquinadas 22 às 6 horas. O teleatendimento não só contata a empresa e apre-senta a lista de serviços oferecidos: os atendentes telefônicos do Pou-paTempo passam vários dias dentro de uma unidade para conhecer osserviços que são oferecidos e como eles são prestados, para que a infor-

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15mação prestada o cidadão via telefone faça sentido. Dessa forma, oatendimento deixa de ser frio ou irreal, como costumam ser outrossistemas de atendimento telefônico.

Integração com a comunidadeA prestação de serviços pelo PoupaTempo não se restringe às ativi-

dades dentro dos postos. Procura-se realizar um forte trabalho de inte-gração com a comunidade local, por meio de reuniões, eventos comu-nitários e levando, sempre que possível, alguns serviços públicos paraas regiões e comunidades mais carentes. Devido a esse trabalho inte-grado e participativo, ocorrem várias campanhas comunitárias, bus-cando atender as principais necessidades da comunidade local.

Um desses trabalhos é o realizado pelo PoupaTempo de SantoAmaro, que presquisa cursos de qualificação profissional gratuitos nascomunidades locais, para atender os cidadãos mais carentes, utilizan-do o banco de dados disponível. O cadastramento de candidatos paraqualificação e requalificação profissional é coordenado pela Secretariado Emprego e Relações do Trabalho, também realizado pelos PostosPoupaTempo.

Além disso, há uma equipe de voluntários que se oferece paraescrever cartas, a exemplo do que acontece no filme Central do Bra-sil. As cartas são escritas a mão, em uma folha simples, garantindoassim o envio sob a forma de “carta social”, que pode ser enviada porR$ 0,01.

Em alguns lugares, como no PoupaTempo de Itaquera, foi instala-do o Sistema Fácil, que dispõe lado a lado os órgãos de que se necessi-ta para abrir e manter um pequeno ou médio empreendimento, comoSecretaria da Fazenda, INSS, Sebrae.

O importante é não padronizar o PoupaTempo, para garantirque em cada lugar seja respeitada a demanda local: se na cidade deSão Paulo não há demanda para serviços da Secretaria de Agricul-tura, por exemplo, o mesmo talvez não ocorra na região do Pontaldo Paranapanema.

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16 Uma outra forma de se aproximar das comunidades e alcançartodos os bairros é constituir uma unidade móvel, mas o custo eleva-do de manutenção do equipamento e da equipe ainda não permitiusua efetivação. A proposta é que a chegada da unidade doPoupaTempo móvel seja algo similar à chegada de um circo numacidade do interior, levando não só serviços de emissão de documen-tos, mas também o acesso às mais variadas informações, atendimen-to na área de saúde, eventos culturais, palestras sobre diversos assun-tos, acesso à internet, etc.

AvaliaçãoO PoupaTempo facilita o feedback dos usuários, que podem livre-

mente se manifestar.Por meio do teleatendimento, das fichas de manifestações e da

Internet chegam algumas reclamações, manifestações, sugestões. Asavaliações do público são em geral de elogio e sugestão. Chegam maisou menos 2 mil manifestações por mês, sendo todas respondidas. Nocomeço, foram instalados totens de avaliação, mas constatou-se que,além de muito caros, não funcionavam.

Com mais de 37 milhões de atendimentos realizados in loco e maisde 5 milhões de teleatendimentos, desde a implementação da primei-ra unidade (Posto Sé), em 1997, os principais resultados obtidos peloPrograma PoupaTempo vão muito além da quantidade de pessoasatendidas. Em pesquisa do Ibope (realizada periodicamente), para ava-liar os principais projetos implantados pelo Governo, o PoupaTempoobteve 98% de aprovação pela população, sendo o paradigma do servi-ço público.

A emissão da carteira de identidade, que levava de 60 a 90 dias,hoje pode ser conseguida nos postos PoupaTempo no mesmo dia ouem até cinco dias: o formulário é preenchido eletronicamente e o do-cumento é feito por meio de capturas digitais (da imagem fotográfica,das impressões digitais e da assinatura).

Um outro indicador do sucesso do Programa PoupaTempo é o in-teresse manifestado pelos shopping centers e hipermercados em busca

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17de parcerias para a viabilização de novas unidades na capital e no inte-rior do Estado.

DificuldadesDentre as dificuldades encontradas pelo PoupaTempo estão a re-

lação entre os diversos órgãos que prestam serviços à população e anecessidade de se garantir que sejam feitas as alterações para a simpli-ficação dos procedimentos.

Embora haja demanda por parte da população, alguns serviços ain-da não são prestados pelo PoupaTempo. Dentre eles, o alistamentomilitar, a emissão e transferência de título de eleitor, a emissão depassaporte e a defesa dos direitos do consumidor.

Há dificuldade de modernizar a retaguarda das organizações queparticipam do Programa, especialmente no que se refere a horários defuncionamento (de nada adianta atender a população na unidade doPoupaTempo em horário ampliado, se não há mais ninguém para re-solver questões nas sedes das organizações), técnicos especializados,monitoramento da qualidade do atendimento, adequados às necessi-dades do PoupaTempo.

Também a falta de funcionários públicos estaduais é uma grandedificuldade. Para os primeiros postos foi possível realizar processos se-letivos internos para garantir a recepção e a orientação ao atendimen-to. Para as unidades seguintes foi preciso contratar estagiários e servi-ços terceirizados, que são mais rotativos. Algumas vezes, a altarotatividade é boa porque traz pessoas sempre motivadas. Por outrolado, demanda constantemente novos processos de capacitação.

Sob certos aspectos, a própria imagem positiva do PoupaTempogera dificuldades para o atendimento. A notícia que se propaga boca-a-boca é que no PoupaTempo tudo se resolve. Como isso não éverdade, inclusive porque há dificuldade de englobar muitos dosserviços públicos municipais e federais, muitas vezes ocorre de ocidadão estar à procura de um serviço que foge completamente daalçada do Programa.

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18 PerspectivasA grande perspectiva da coordenação do Programa PoupaTempo é

avançar no sentido de garantir uma tal integração informatizada entretodos os serviços oferecidos nas Unidades que todos os postos de traba-lho possam atender todo cidadão independentemente de sua demanda.Para isso é preciso avançar também na qualificação dos funcionários,para que sejam multitarefeiros, ou seja, que todo funcionário entendaos processos referentes a todos os serviços e documentos oferecidos naunidade (atualmente são oferecidos mais de 500 serviços). Essa propos-ta é denominada e-PoupaTempo, porque prevê atendimentos por meioda Internet, nem sempre necessitando de um atendente.

Com uma configuração dessas, será possível criar pequenos postosde e-Poupatempo, permitindo acesso a todas as informações e a emis-são de todos os documentos. Os pequenos postos poderão ser distribu-ídos de maneira mais pulverizada, em escolas, postos de saúde, termi-nais rodoviários, sedes de associações comunitárias, etc.

InovaçãoO direito a informações e esclarecimentos, uma das premissas básicas

do Programa PoupaTempo, é um dos aspectos que o diferencia de outraspráticas públicas e privadas: no caso de qualquer interrupção ou alteraçãono atendimento (queda de sistemas, mudança de procedimentos, etc.) apopulação é avisada pelos funcionários e pelo Disque PoupaTempo.

O Programa PoupaTempo é uma revolução cultural: por um lado,o rigoroso treinamento (inicial e periódico) dos funcionários e o forne-cimento das condições de trabalho capacita-os como agentes forma-dores para a cidadania. A qualidade do atendimento à população e aabertura de canais para ela se manifestar fazem com que assuma aconsciência do seu direito de ser bem servida.

A prestação de serviços pelos Postos PoupaTempo não se restringeàs atividades intramuros, nas 12 horas diárias, de segunda à sexta-feirae nas seis horas, aos sábados. Os funcionários deslocam-se até as co-munidades de bairros, creches, escolas e hospitais em programaçõesque permitem democratizar o acesso aos segmentos sociais mais ca-rentes. Participam também nas parcerias com a sociedade civil em ati-

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19vidades socioculturais: Campanhas de Vacinação, de Agasalho, Con-tra a Violência, Anti-Drogas, Festas Populares, etc.

O PoupaTempo consegue superar práticas muito arraigadas na re-lação entre o Estado e a população, como a criação de dificuldadespara vender facilidades e o atendimento diferenciado para conheci-dos, parentes ou para quem pode pagar.

O PoupaTempo também inova ao promover a integração entre ór-gãos e serviços (popularmente conhecidos como “repartições públicas”)que passam a se complementar, não apenas porque estão localizados nummesmo endereço ou porque oferecem um mesmo padrão de atendimen-to. O Programa desencadeia um processo que permite o diálogo entreesses órgãos e serviços, desburocratizando os procedimentos para simpli-ficar os fluxos, tendo em vista a melhoria do atendimento ao cidadão.

O funcionário público sente-se valorizado não só dentro da organi-zação, mas também fora, na medida em que é um Programa visto posi-tivamente pela opinião pública. Os funcionários chegam a trabalhar maisdo que no órgão de origem, porque se reconhece e se sente valorizadocomo um elemento fundamental para concretização da cidadania.

Quando da instalação de uma unidade do Poupatempo, há cursospara todos, mostrando que a questão não é só fazer documentos, mastambém mudar a cultura da administração pública, que em geral criadificuldades para vender facilidades. No PoupaTempo o objetivo é quenunca haja filas, que todos sejam atendimentos igualmente em todo oEstado, independentemente de se estar numa unidade da capital ou dointerior do Estado, num bairro central ou num bairro periférico.

O padrão Poupatempo vai se interiorizando pelos órgãos públicos,que vão procurando fazer igual, não só na emissão de documentos,mas em todos os atendimentos ao cidadão.

A presença dos serviços de apoio – fotocópia, fotografia, lanchonete,telefones, agências bancárias – permite ao cidadão economizar tempo edinheiro que seriam gastos em locomoção na busca desses serviços.

Finalmente, do ponto de vista da reforma administrativa, o Pro-grama oferece uma nova estratégia, partindo da atividade-fim (aten-dimento à população) para alterar a atividade-meio (procedimento,informatização, etc.).

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Projeto Jejy

finalistas do ciclo depremiação 2002

Luiz Carlos Beduschi Filho

Programa Gestão Pública e Cidadania

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20 Experiências de Gestão Pública e Cidadania/Organizadores: Gabriela Spanghero Lotta, Hélio Batista Barboza,Marco Antonio Carvalho Teixeira e Verena Pinto. São Paulo: ProgramaGestão Pública e Cidadania, 2003272 p.

Inclui bibliografia.

1. Políticas públicas – Brasil. 2. Administração pública – Brasil.I. Lotta, Gabriela Spanghero. II. Barboza, Hélio Batista. III. Teixeira, MarcoAntonio Carvalho. IV. Pinto, Verena. V. Programa Gestão Pública eCidadania.

CDD-352

Originalmente publicado em:20 Experiências de Gestão Pública e Cidadania

Gabriela Spanghero Lotta, Hélio Batista Barboza,Marco Antonio Carvalho Teixeira e Verena Pinto (orgs.)

Copyright © Gabriela Spanghero Lotta, Hélio Batista Barboza,Marco Antonio Carvalho Teixeira e Verena Pinto

Direitos da edição reservados aoPrograma Gestão Pública e CidadaniaAv. 9 de Julho, 2029 – 2º andar da Biblioteca01313-902 – São Paulo – SPTel: (11) 3281-7904 / 3281-7905Fax: (11) 287-5095E-mail: [email protected]://inovando.fgvsp.br

Impresso no Brasil / Printed in Brazil

Todos os direitos reservados. A reprodução não autorizada destapublicação, no todo ou em parte, constitui violação da lei dedireitos autorais.

1ª edição – 2003

Capa/editoração: Liria OkodaImpressão: Gráfica Dedone

Versão gráfica em formato PDF: Liria Okoda

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Origens do Projeto e contextualizaçãoO Projeto Jejy surgiu da iniciativa de Vando dos Santos Karai, um

índio guarani da aldeia do Ribeirão Silveira, localizada no municípiode São Sebastião, no litoral do Estado de São Paulo. Percebendo queestava cada vez mais difícil encontrar palmito (Euterpe edulis) na mata,Vando resolveu buscar novas formas de exploração da planta. “Era ne-cessário andar até oito quilômetros para encontrar palmitos no tama-nho adequado para o corte”, diz ele. A escassez dessa espécie vegetalna Mata Atlântica não afeta apenas a aldeia indígena do RibeirãoSilveira. Um estudo realizado nas comunidades quilombolas da regiãodo Vale do Ribeira apontou uma situação muito parecida: o valor co-mercial do palmito, cada vez mais raro e distante, estimula ospalmiteiros clandestinos a entrarem na floresta com freqüência, usan-do até a violência para se manter em atividade. Com o palmito desa-parecem também os animais silvestres que dele se alimentam, como acapivara, a paca e o porco-do-mato. As pessoas que dependem da ex-

Projeto JejyALDEIA INDÍGENA DO RIBEIRÃO SILVEIRA - SÃO SEBASTIÃO (SP)

Luiz Carlos Beduschi Filho1

1 Engenheiroagrônomo, mestre edoutorando emCiência Ambiental noPrograma de Pós-Graduação emCiências Ambientaisda Universidade deSão Paulo (Procam/USP).

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4 ploração da palmeira passam a enfrentar dificuldades cada vez maio-res (WONGTSCHOWSKI, 2002).

Para superar tais dificuldades, Vando Karai teve de trilhar um ca-minho que se iniciou há 10 anos, de forma muito simples, com a cole-ta de sementes do palmito-juçara na mata e o plantio em um viveiroimprovisado próximo à sua casa. Essa iniciativa solitária logo ganhoua adesão da comunidade, que passou a compartilhar as preocupaçõesde Vando. O apoio da Casa da Agricultura de São Sebastião, numsegundo momento, foi fundamental para a ampliação da experiência.Um engenheiro agrônomo da Casa da Agricultura ofereceu 300 mu-das de palmito-pupunha (Bactris gasipaes), que tem um ciclo de de-senvolvimento mais rápido, para serem plantadas na aldeia e serviremcomo matrizes de sementes. Posteriormente, foram introduzidas mu-das de palmito-açaí (Euterpe oleracea) e de palmito-híbrido (Euterpeedulis x Euterpe oleracea).

Hoje, a aldeia do Ribeirão Silveira possui mudas de palmito emvários estágios de desenvolvimento, em locais próximos às casas dasfamílias. Existe uma concentração tão significativa de plantas que épossível observar, segundo Vando Karai, “a volta de espécies animais,como pequenos mamíferos e pássaros, o que torna a vida na aldeiamelhor”. O quadro forma um nítido contraste com a situação do pal-mito no restante da Mata Atlântica, o que torna o Projeto Jejy umexemplo de sucesso na busca de novas formas de convivência entreHomem e Natureza.

A dinâmica do viveiro segue uma lógica bem simples. As semen-tes são coletadas na mata e plantadas em sementeiras no viveiro. Apósseis meses, ao atingirem 20 cm, são doadas, vendidas ou transferidaspara os canteiros. A simplicidade da iniciativa demonstra como pe-quenas ações podem resultar em transformações sociais e ambientaissignificativas, como será apresentado adiante.

O trabalho é feito pela família de Vando Karai e, em alguns mo-mentos, entra em funcionamento um sistema de mutirão, prática bas-tante comum na aldeia2 . Nesses mutirões, cabe ao líder organizar otrabalho e garantir a alimentação dos participantes. Chama a atençãoo fato de que não existe, neste sistema, uma relação que possa ser

2 Durante a visita decampo, foi possível

observar umtrabalho realizado

em regime demutirão. Um grupo

de índios estavatrocando o telhado

de palha da Casa deReza.

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5caracterizada como mercantil: as pessoas não trabalham em troca dedinheiro ou de outras compensações econômicas, mas são agraciadas,eventualmente, com mudas de palmito ou com pequenos presentes,como roupas e calçados.

Esse caráter não-mercantilista com que o Projeto se desenvolveutalvez seja a chave para sua grande aceitação pela comunidade, aomesmo tempo em que pode causar uma certa estranheza a quem vemde um mundo marcado pelas relações capitalistas de produção. Per-guntas do tipo “como é feita a divisão do trabalho e dos ganhos?” sãorecebidas pelos índios com um olhar profundo e um sorriso que mis-tura ingenuidade e compaixão pela ignorância do investigador. “Aspessoas são convidadas a ajudar, e elas vêm”, afirmam. “Aqui a gentese ajuda bastante, se um precisa de alguma coisa, o outro empresta”.

As mudas são doadas para as pessoas que moram na aldeia planta-rem próximo a suas casas. “Agora está ficando bom; quando isso aquitiver crescido, vai ficar uma maravilha”, disse um jovem que estavacuidando das mudas plantadas ao redor de sua nova casa. De fato, elehavia plantado um grande número de mudas de palmito e de espéciesfrutíferas, o que demonstra, de imediato, um dos resultados do Proje-to, que é incentivar as pessoas a plantarem hoje os frutos que preten-dem consumir amanhã.3

Parte da produção é vendida, principalmente para a Funai, que seentusiasmou com o Projeto e tem adquirido mudas de palmito com oobjetivo de estimular o plantio em outras aldeias. As prefeituras deSão Sebastião e de Bertioga também são compradoras e suas enco-mendas aumentaram graças à diversificação da produção nos viveiros,que agora incluem mudas de plantas ornamentais, como helicônia(Heliconia brasiliensis) e bastão-do-imperador (Phaeomeria magnifica).Como essas plantas são muito usadas em projetos paisagísticos nolitoral, a demanda das duas prefeituras cresceu, trazendo um aportemaior de recursos para o Projeto.

Um acordo com o juiz de Bertioga também tem contribuído paraa ampliação das atividades. O acordo determina que os cortadoresilegais que são autuados reponham 400 mudas para cada palmito-juçaracortado. As mudas devem ser compradas dos viveiros da aldeia, a um

3 Isso também nosleva a perceber que anoção de tempo paraos índios é muitodiferente da nossa.Não existe oimediatismo, a buscado retorno rápido doinvestimento emtrabalho, tão comumao branco. Alémdisso, o sentimentode pertencer aoterritório estimulaações de longoprazo.

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6 custo de R$ 1,50 por muda. O transgressor vai até a aldeia, acompa-nhado pelo juiz, compra as mudas e conhece o trabalho dos índios,sendo estimulado a colaborar com o esforço de evitar a extinção daespécie. Segundo Márcio Alvim, técnico da Funai, alguns dos infrato-res, após a visita ao viveiro da aldeia, demonstraram vontade de inici-ar o plantio de palmito e abandonar a extração ilegal.

Parte das mudas produzidas é doada para outras aldeias guaranis.Nos últimos dois anos, foram doadas mudas para as aldeias de Barra-gem e Krucutu, na Grande São Paulo. A intenção é ampliar as doaçõespara outras aldeias guaranis do litoral de São Paulo.

Um dos aspectos que mais chama a atenção no Projeto Jejy é aforma como ele se iniciou e se desenvolveu. Não foram utilizadas“modernas técnicas de planejamento”, não foram feitas reuniões paradecidir como seria resolvido o problema da escassez do palmito e se-quer foram utilizadas “técnicas de diagnóstico ambiental” para iden-tificar o problema. Ao contrário, foi a percepção direta da existênciade uma realidade indesejada que colocou em movimento os atoressociais. Estes passaram a buscar e a implantar formas simples de en-frentar a situação.

O caminho trilhado pelo Projeto Jejy encerra uma importante li-ção para as comunidades que lidam com problemas semelhantes, poisdemonstra a força da iniciativa local. Por outro lado, o desenvolvi-mento do Projeto aponta para a necessidade de serem incorporadasnovas formas de gestão, pois a ampliação da experiência demanda novosconhecimentos da comunidade, que passa a se relacionar cada vezmais com o mundo exterior4 . Esse aspecto foi evidenciado pelo Presi-dente da Associação Comunitária, Marcos Guarai, que relatou as difi-culdades relacionadas à prestação de contas para o governo federal – ainiciativa da aldeia do Ribeirão Silveira faz parte dos Projetos De-monstrativos tipo A, do Ministério do Meio Ambiente (PD-A). A lógi-ca que preside a ação dos índios é muito diferente da lógica institucionaldo Ministério, o que torna necessário o apoio da Funai na gestão ad-ministrativa e financeira do Projeto.

4 Esse ponto serámais explorado na

conclusão. Porenquanto, basta

observar que acomunidade, em

especial as pessoasdiretamente ligadas

ao Projeto,dependem muito da

mediação dostécnicos da Funai

para orelacionamento com

o mundo exterior.

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7Da construção da problemáticaambiental à ação coletiva

O Projeto Jejy ilustra de forma muito clara as proposições dos au-tores da sociologia ambiental, para quem os problemas ambientaistêm de ser construídos socialmente (HANNINGAN, 1995; BERGERE LUCKMAN, 1985; BECK, 1992). Segundo tais autores, é a partirdessa construção social que as ações são articuladas. No caso da aldeiaindígena do Ribeirão Silveira, a diminuição do número de plantas depalmito-juçara nas matas só se tornou um problema quando o líderdo Projeto, Vando Karai, e a própria comunidade identificaram a situ-ação como indesejada. Podemos afirmar, portanto, que a construçãosocial da problemática da extinção do palmito-juçara se dá a partir dainiciativa de Vando, que aos poucos envolveu toda a aldeia num pro-cesso de transformação da realidade.

Porém, a simples construção social de uma questão ambiental nãosignifica que ela será objeto de algum tipo de ação para a sua transfor-mação. Se voltarmos ao exemplo do Vale do Ribeira, observaremosque naquela região a problemática também está sendo construída. Noentanto, embora as comunidades do Vale do Ribeira já identifiquemna extinção do palmito-juçara um problema, elas não conseguem arti-cular uma ação coletiva para enfrentá-lo, como fizeram os índios daaldeia do Ribeirão Silveira.

O comportamento típico no Vale do Ribeira segue a lógica da açãocoletiva proposta por OLSON (1965), segundo a qual, em grupos gran-des, o esforço individual é tão pequeno que não é notado pelos de-mais integrantes. Assim, não existe qualquer estímulo para que o in-divíduo se junte à ação coletiva, o que leva, como no Vale do Ribeira,ao insucesso de qualquer iniciativa. A tendência predominante, nes-ses casos, é o comportamento individual classificado por Olson comosendo do tipo “carona” (free-rider), ou seja, o indivíduo espera obtervantagens do esforço coletivo sem contribuir para tal esforço.

Seguindo esse mesmo raciocínio, o trabalho clássico de HARDIN(1968) sobre a “tragédia dos comuns” leva a um verdadeiro desespe-ro quando se pensa sobre o futuro dos recursos naturais. Para ele, autilização coletiva levaria fatalmente ao esgotamento dos recursos,

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8 uma vez que os indivíduos agiriam de acordo com a lógica descritapor Olson.

O aspecto mais inovador do Projeto Jejy é a capacidade de refutaressas teorias, que ainda influenciam significativamente a formulaçãode políticas públicas para o manejo dos recursos naturais. Esta aldeiaindígena demonstra que é possível, sim, articular esforços individuaisnum projeto coletivo de construção de um ambiente mais saudávelpara todos, graças a um tipo diferenciado de relação entre a comuni-dade e a natureza e entre os integrantes da própria comunidade.

Como afirma OSTROM (1990), “a realidade mostra que é possí-vel as comunidades se organizarem para manejar os seus recursos co-muns de acordo com regras de convivência que são as mais adaptadaspara elas”. Segundo essa autora, “as comunidades criam instituiçõesque permitem o acúmulo de capital social, que será utilizado de for-ma produtiva pelos atores”. A palavra-chave, portanto, é “cooperação”.

Pode parecer que a cooperação só é possível porque os índios sãofortemente unidos por laços de parentesco e por um sentimento depertencimento ao território, características que os diferenciam deoutras comunidades.5 De fato, essas características contribuem deci-sivamente para a articulação da ação coletiva, sendo fundamentaispara o seu sucesso. Contudo, isso não significa que outros grupos nãopossam “aprender a cooperar”.

O Projeto Jejy, intuitivamente, está contribuindo para que a suaprática se transforme em modelo de ação coletiva, principalmente aoestimular outras aldeias e grupos de pessoas a partilharem do seu es-forço. As escolas, indígenas e não indígenas, visitam o Projeto e plan-tam a sua sementinha de palmito, levando para casa a semente dorespeito à natureza.

A participação de Vando Karai no Conselho Municipal de Desen-volvimento Rural de São Sebastião também contribui para que outrosagricultores aprendam que a conservação da natureza pode ser benéfi-ca para eles. As outras aldeias, já sensibilizadas pelo exemplo do Proje-to Jejy, estão buscando replicar a iniciativa nos seus territórios, sendoapoiadas pela Funai, que também passa a entender tal atividade comovantajosa para todos.

5 Tal argumentopode ser reforçado

pelo trabalho dePUTNAM (1998)

sobre a democraciaitaliana. Para o autor,

o surpreendentedesenvolvimento do

norte da Itália,quando comparadoao sul deste país, é

fruto de umaprendizado

histórico que incluinoções como

civismo,solidariedade e

diversas formas deinstituições queestimularam, ao

longo do tempo, oacúmulo de capitalsocial. Resta saber

como o capital socialpode ser criado nas

comunidades quenão têm a tradição

de cooperação. Emoutras palavras, tais

comunidades podemaprender a cooperarou estão fadadas ao

fracasso?

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9Para a aldeia, esse reconhecimento do seu esforço agrega novaspessoas e contribui para o surgimento de outras iniciativas. Atualmente,a comunidade conta com dois viveiros instalados e outro em fase deimplantação. É possível perceber o orgulho com que os índios falamdo Projeto que, ao mesmo tempo, induz uma alteração na forma comoa sociedade percebe a presença da aldeia na região: se antes os Guaraniseram vistos como um povo sujo, preguiçoso, indolente, agora são umexemplo, uma referência para a região. A mudança se traduz no apoiocrescente que a aldeia recebe das prefeituras de Bertioga e de São Se-bastião. “Em alguns projetos a gente entra com os índios; todos que-rem colaborar com a aldeia”, brinca o técnico da Funai, Márcio Alvim.

O próprio relacionamento entre a aldeia e a Funai pode se alterarà medida que a comunidade assuma, gradativamente, as rédeas doprocesso. Embora ainda seja grande a dependência em relação ao ór-gão federal, é possível perceber que a comunidade ganha uma cres-cente autonomia. Contribuiu bastante nesse sentido a criação, em2000, de uma associação comunitária na aldeia. Além disso, o técnicoda Funai tem procurado estimular formas autônomas de gestão dosprojetos desenvolvidos pelos Guaranis do Ribeirão Silveira.6

À guisa de conclusãoOs principais pontos fortes do Projeto Jejy são:a) a incorporação, nas práticas diárias dos índios, da preocupação

com a conservação de um importante recurso natural ameaça-do de extinção na Mata Atlântica7 ;

b) a disseminação dessa preocupação para outras esferas da socie-dade, mostrando que é possível atuar coletivamente para a con-servação da natureza, por meio de iniciativas simples;

c) a geração de uma fonte de renda adicional por meio de ativida-des de conservação ambiental;

d) a disseminação da iniciativa para outras aldeias guaranis quevivem na Serra do Mar8 ;

e) a incorporação, mediante atividades práticas, da preocupaçãoambiental nas escolas da região, em especial na escola da aldeia;

6 Um exemplosignificativo dessamudança foi aintermediação daFunai no projeto dehabitação indígena,realizado comrecursos daCompanhia deDesenvolvimentoHabitacional e Urbano(CDHU), do governodo Estado de SãoPaulo. O projetoarquitetônico dasmoradias foi definidoapós um processo denegociação mediadopela Funai e procurarespeitar ascaracterísticas culturaisda comunidade. Aoinvés de telhas debarro, o telhado dascasas é feito de palha;algumas paredes sãode alvenaria e outrassão de eucaliptotratado. As casas têmum espaço desocialização, onde éfeito o artesanato. Oprocesso denegociaçãodemonstrou que épossível adequar osprojetos àsnecessidades dosíndios, transformandoalguns aspectospráticos sem modificaros aspectos culturais.

7 Durante umacaminhada pela aldeia,encontramos váriaspessoas cuidando dasmudas.

8 No início de nossavisita, por exemplo, ocacique Adolforecebeu umtelefonema do caciqueda aldeia de Peruíbe,que queria conhecer oprojeto Jejy.

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10 f) a capacidade de articular diversas instituições em torno do Proje-to, como é o caso das prefeituras de Bertioga e de São Sebastião,do Poder Judiciário de Bertioga, da organização não-governamen-tal Cáritas e também do Ministério do Meio Ambiente, por meiodo Programa de Projetos Demonstrativos (PD-A).

O principal fator de inovação, como destacado anteriormente,é a capacidade de articular uma ação coletiva que busca principal-mente a convergência entre conservação da natureza e geração derenda para a comunidade, conforme os princípios do desenvolvi-mento sustentável.

Atualmente, contudo, o Projeto vive um momento de inflexão,que representa um importante desafio para a comunidade. Enquantose destinava a produzir mudas apenas para a recuperação do palmitoem áreas da aldeia ou de outras comunidades indígenas, o Projetopodia ter uma gestão relativamente simples. No entanto, surgirão no-vas demandas conforme a comunidade se integrar ao mercado, querseja vendendo mudas de plantas ornamentais na região, quer seja ven-dendo palmito para restaurantes. A primeira dessas demandas, de acor-do com o relato das pessoas envolvidas no Projeto, está relacionada aotransporte dos produtos (mudas e palmito cortado). Trata-se de umanecessidade muito aparente para os índios: quando perguntados so-bre quais as maiores dificuldades para o avanço do Projeto, eles logoapontam a falta de um meio de transporte que esteja o tempo tododisponível na aldeia.

No entanto, existem outras necessidades urgentes, como acapacitação para atuar no mercado e para planejar o futuro do Projeto.A operação concentra-se nos problemas imediatos, resolvendo-os àmedida que surgem, e essa falta de planejamento pode dificultar acontinuidade da iniciativa. Como está prevista a implantação de umamáquina para produção de polpa de açaí, tal problema pode assumirdimensões ainda mais sérias, uma vez que o equipamento deve am-pliar a participação da comunidade no mercado regional.

Portanto, é importante manter o espaço permanente de discus-são entre todos os envolvidos no Projeto para que os desafios do

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11futuro sejam enfrentados com a serenidade de quem conhece e valo-riza o seu passado e tem a coragem de assumir, no presente, as réde-as do seu destino.

Bibliografia

BERGER, Peter L. e LUCKMANN, Thomas (1999). A Construção Social daRealidade: tratado de sociologia do conhecimento. Tradução de Floriano de SouzaFernandes. Petrópolis, Vozes, 1985. 18a Edição

HANNINGAN, John A. (1995). Environmental sociology: a social construcionistperspective. London, Routledge.

HARDIN, G. (1968). The Tragedy of Commons. Science 162:1243-8.

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WONGTSCHOWSKI (2002). Desvendando redes ao redor de quilombos e florestas:um estudo de caso no Vale do Ribeira. Dissertação de Mestrado. WageningenUniversity, Holanda.

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Projeto “Amigos do Lixo”

finalistas do ciclo depremiação 2002

Luis Antônio Lacerda Aímola

Programa Gestão Pública e Cidadania

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20 Experiências de Gestão Pública e Cidadania/Organizadores: Gabriela Spanghero Lotta, Hélio Batista Barboza,Marco Antonio Carvalho Teixeira e Verena Pinto. São Paulo: ProgramaGestão Pública e Cidadania, 2003272 p.

Inclui bibliografia.

1. Políticas públicas – Brasil. 2. Administração pública – Brasil.I. Lotta, Gabriela Spanghero. II. Barboza, Hélio Batista. III. Teixeira, MarcoAntonio Carvalho. IV. Pinto, Verena. V. Programa Gestão Pública eCidadania.

CDD-352

Originalmente publicado em:20 Experiências de Gestão Pública e Cidadania

Gabriela Spanghero Lotta, Hélio Batista Barboza,Marco Antonio Carvalho Teixeira e Verena Pinto (orgs.)

Copyright © Gabriela Spanghero Lotta, Hélio Batista Barboza,Marco Antonio Carvalho Teixeira e Verena Pinto

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Impresso no Brasil / Printed in Brazil

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1ª edição – 2003

Capa/editoração: Liria OkodaImpressão: Gráfica Dedone

Versão gráfica em formato PDF: Liria Okoda

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“Antes eu fazia bico de pedreiro.Trabalhava no lixão era muito difícil.Muito sujo ficava doente. Agora não.

Estou trabalhando no amigo do lixo estou contente.Ganho meu dinheiro onesto sou respeitado na sociedade.

E agradesso a todos que nós apoia. Muito obrigado.”

Depoimento de Carlos Alberto dos SantosAgente ambiental

Contexto socioeconômicoO município de Guaratinguetá situa-se no Estado de São Paulo,

em uma importante artéria rodoviária, a via Dutra, entre as metrópo-les de São Paulo e Rio de Janeiro. Várias indústrias se implantaram emGuaratinguetá pela sua posição geográfica e devido às vias de acesso.Existem cerca de 36 indústrias de pequeno porte, 15 de médio porte e18 grandes industrias, perfazendo um total de 69. A BASF é a maiorempresa do município, com 1.300 funcionários, sendo responsável por55% da receita municipal, estimada em R$ 45 milhões.2

Projeto “Amigos do Lixo”GUARATINGUETÁ (SP)

Luis Antônio Lacerda Aímola1

1 Pós-graduando doPrograma de Pós-graduação emCiências Ambientaisda Universidade deSão Paulo (Procam-USP).

2 Dados fornecidospela Prefeitura deGuaratinguetá.

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4 De acordo com dados do IBGE, Guaratinguetá possui cerca de105 mil habitantes, sendo 98 mil na área urbana e 7 mil na área rural,dos quais 36 mil trabalham em algum setor da atividade econômicalocal. Em relação a esse total, apenas 25% possui algum tipo de con-trato formal de trabalho.

A origem e odesenvolvimento do Projeto

O Projeto “Amigos do Lixo” nasceu da síntese de dois outros pro-jetos. Um deles, elaborado pelo engenheiro André Luiz de Paula Mar-ques, técnico da Secretaria de Serviços Urbanos de Guaratinguetá eespecialista em tratamento do lixo urbano, buscava realizar um pro-grama integrado de gestão dos resíduos sólidos para Guaratinguetá.Isso significava, entre outras coisas, a introdução da coleta seletivapara a reciclagem em toda a cidade e a transformação do “lixão” emum aterro sanitário. No longo prazo, previa-se a sua transferência parauma área fora da cidade.3

O outro projeto, elaborado pela psicóloga e técnica social da CaixaEconômica Federal, Ana Marina Lourenço Pereira de Almeida, coloca-va em evidência a preocupação com a situação social dos catadores do“lixão” e dos que trabalhavam na rua, sem contudo esquecer a dimen-são ambiental do tratamento que o município vinha dando ao lixo.

Como se percebe, apesar de terem sido elaborados por pessoasdiferentes, os projetos se complementavam em seus objetivos. Por isso,seus autores iniciaram uma série de reuniões com vários representan-tes de setores importantes da sociedade civil buscando viabilizar umprojeto comum e legitimá-lo do ponto de vista social com a adesão desetores externos a administração pública.

Dessa forma, elaborou-se um projeto para a coleta seletiva de lixocom a finalidade de melhorar as condições de trabalho dos catadores einiciar um processo de participação de toda a comunidade na preser-vação do meio ambiente. Nascia ali, em junho de 2000, a idéia origi-nal do Projeto Amigos do Lixo. O engenheiro André e a psicólogaMarina tem sido, desde então, os coordenadores desse Projeto.

3 MARQUES, AndréLuis de Paula;

PEREIRA DEALMEIDA, Ana

Marina L. AgentesAmbientais – ProjetoAmigos do Lixo (CD-

Rom).Guaratinguetá, São

Paulo, julho de 2002.

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5O antigo sistema de acondicionamento e coleta de lixo de resídu-os sólidos domiciliares em Guaratinguetá não era muito diferente dosistema de outros municípios brasileiros. Como a coleta não era feitade forma seletiva, todo o lixo do município era despejado no “lixão”,onde se podia presenciar diariamente a disputa pelo material reciclável,mesmo sujo e contaminado, por homens, mulheres e até crianças.

O “lixão” tem uma área de aproximadamente quatro hectares, numaárea inclinada, e após o início do Projeto passou a contar com uma cercade proteção todo o lixo a ele destinado passou a ser coberto com terra.Está localizado a cerca de oito quilômetros do centro da cidade e aaproximadamente um quilômetro do rio Paraíba. Entre o “lixão” e o rioencontra-se uma plantação de arroz que, pela sua localização, supõe-seque receba diariamente o chorume4 produzido no lixão.

TABELA 1

Os resíduos sólidos em GuaratinguetáQuantidade de lixo (orgânico e reciclável) coletado no município:

Coleta Diária: 50 ton / diaColeta Anual 12.500 ton/ano

Estimativa de material reciclável produzido no município:Coleta Diária: Entre 10 e 12,5 ton / diaColeta Anual 3.125 ton/ano

A primeira fase: o projeto-pilotoO planejamento do projeto foi iniciado em julho de 2000 e con-

tou com o apoio de vários cidadãos voluntários, dentre eles estudan-tes, professores e empresários locais. Primeiramente foi feito um le-vantamento das pessoas que exerciam a atividade de coleta no lixão enas ruas centrais da cidade, suas condições socioeconômicas, seus há-bitos e costumes. De posse dos resultados, organizaram-se reuniõescom os catadores para discutir as suas necessidades, suas expectativas,a atividade em si e suas aplicações sociais e ambientais, bem como aimportância de se organizarem para o aperfeiçoamento de sua ativi-dade. Nessas reuniões, pôde-se constatar o grande interesse das pesso-as em melhorar suas condições de vida.

Em seguida foi feita uma avaliação do mercado para o materialreciclável e dos potenciais compradores da região, pois existem no

4 Trata-se do líquidoresultante doacúmulo de resíduossólidos e que polui osolo, subsolo elençóis freáticos.

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6 município e cidades vizinhas vários depósitos de sucatas, que já esta-vam sendo abastecidos pelos próprios catadores.

Para dar início à coleta seletiva, foram confeccionados dez carri-nhos, financiados por um empresário local. Foram também confeccio-nados 800 folhetos explicativos de como separar o material reciclável,com ênfase na educação ambiental, e 3 mil adesivos para a divulgaçãodo Projeto, subvencionados pelo Serviço Autônomo de Águas de Gua-ratinguetá (SAAEG) e por empresários.

Com o apoio do Senac, do Sebrae e de várias outras organizações,foi realizado o primeiro curso de capacitação profissional para os cata-dores. A metodologia e o material utilizado foram fornecidos peloCompromisso Empresarial para a Reciclagem (Cempre), firmando as-sim o conceito de que os catadores formam uma categoria profissio-nal e ressaltando o caráter de utilidade pública dos serviços por elesprestados. A estrutura do curso foi dividida em sete módulos: relaçõeshumanas, limpeza pública, saúde do catador, trânsito, reciclagem, prin-cípios do cooperativismo e aspectos práticos da cooperativa.

A partir de então, os catadores passaram a ser chamados de agen-tes ambientais. Tal denominação teve dois propósitos: 1) enfatizar orelevante papel dos catadores na preservação ambiental; e 2) ao tratá-los como uma categoria profissional, buscava-se também eliminar oestigma que é atribuído a pessoas que sobrevivem dos materiaisrecicláveis retirados do lixo.

Em seguida foi realizado um trabalho porta-a-porta, envolvendoalunos de escolas e cidadãos de vários segmentos da sociedade com oobjetivo de conscientizar e apresentar os agentes ambientais aos mo-radores da região de implantação do projeto-piloto.

Considerando que o sucesso da implantação de um programa decoleta seletiva está diretamente relacionado à participação da popu-lação na separação dos materiais recicláveis, o Projeto buscou sensi-bilizar a comunidade. Para isso, deu-se ênfase ao caráter social doProjeto, apelando mais à solidariedade dos moradores com a situa-ção dos “catadores” do que propriamente à preocupação com os as-pectos ambientais.

O projeto-piloto foi implantado na zona oeste de Guaratinguetá,

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7nos bairros Pedregulho e Alto Pedregulho, com características tantocomerciais como residenciais e com uma população de 8.878 habitan-tes, em sua maioria de classe média. A região foi escolhida porquenela já havia sido desenvolvido anteriormente um trabalho de coletaseletiva: o Projeto ¨Luxo do Lixo¨, da Obra Social Nossa Senhora daGlória, juntamente com a Cáritas Brasileira, regional de São Paulo.

Para a coleta seletiva domiciliar, os bairros foram divididos emrotas, sendo cada agente ambiental responsável por uma rota, o quepossibilita um contato direto entre o agente e os moradores, criandoum vínculo entre ambos. Ao acompanhar as atividades de “Dona Vera”,uma agente ambiental, o autor pôde constatar o forte vínculo entre elae os moradores. Cada morador se empenha em separar o materialreciclável para a “Dona. Vera” e não para um “lixeiro da prefeitura”ou algum outro “catador”. O espírito de solidariedade do moradorpara com o agente ambiental é um dos pontos altos do Projeto.

No dia 7 de setembro de 2000, os agentes ambientais foram apre-sentados à população de Guaratinguetá, durante as comemoraçõescívicas deste dia. Os agentes participaram das festividades juntamen-te com seus filhos, o que representou um importante momento paraas novas atividades que estavam assumindo, pois muitos tinham ver-gonha do trabalho que faziam por considerá-la indigna. “Antes, nósestávamos escondidos dos olhos dos outros lá no lixão”, lembra DonaVera. Nesse mesmo dia, a população foi informada a respeito dos ma-teriais que podem ser reciclados, preparando-se para colaborar com otrabalho dos catadores.

A Cooperativa Amigos do LixoO Projeto Amigos do Lixo já conquistou o apoio de empresas pri-

vadas, instituições e da Prefeitura. Para que se tenha uma idéia daimportância desse apoio, somente o papelão coletado da BASF tempermitido aos Amigos do Lixo pagarem a parcela mensal relativa aofinanciamento da compra de um caminhão.

A Prefeitura emprestou um terreno para a construção da Central deTriagem Amigos do Lixo e um caminhão com motorista para a realiza-

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8 ção da coleta de material juntado pelos Agentes Ambientais em suasrotas. Vários empresários têm doado material de construção, uniformes,equipamentos de segurança e voluntários ministram um curso de alfa-betização para adultos. Fundamental nesse processo também tem sidoa participação da Associação Comercial de Guaratinguetá, que mobili-za vários empresários para dar suporte ao Projeto.

Com o propósito de divulgar o Projeto, promover a inserção socialdos Agentes Ambientais e recolher materiais recicláveis, os própriosagentes participam freqüentemente de festas e eventos organizadosno município. Os coordenadores do Projeto também realizam pales-tras em escolas e empresas na busca de novos parceiros. Desde de-zembro de 2001 vem ocorrendo um curso de alfabetização de adultosque contribui para que os agentes ambientais ampliem os seus hori-zontes de atuação.

A implantação do Projeto de coleta seletiva vem proporcionandoaos agentes ambientais uma expressiva mudança comportamental ede suas expectativas de melhoria da qualidade de vida. O valor recebi-do pelo trabalho está vinculado à produção mas não é inferior ao salá-rio mínimo (dados de 2002) . Além disso, percebe-se uma melhora noaspecto de higiene pessoal e também uma preocupação com a aparên-cia pessoal: eles se vestem de forma mais apresentável, as mulheresestão mais vaidosas e uma grande parte conseguiu se desvencilhar doalcoolismo. Alguns já estão conseguindo fazer melhorias em suas ca-sas e até já sonham com a casa própria. Assim, não sentem mais vergo-nha de sua atividade, pois surgiu a consciência da relevância da profis-são e sobretudo porque a comunidade os trata como “amigos”.

TABELA 2

Os ganhos dependem da produtividadedo agente ambiental

Remuneração mensal do Agente Ambiental em agosto/2002Mínimo R$ 180,00 Máximo R$ 580,00

Também há uma constante preocupação por parte dos coordena-dores com questões relativas a igualdade de gênero e raça. Dos 60agentes ambientais, 35 são mulheres. O número maior de mulheres

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9em relação aos homens reflete a situação anterior ao Projeto, quandoelas já predominavam no trabalho de separação de materiais recicláveisnas ruas e no lixão da cidade.

TABELA 3

Quantidade de Agentes Ambientaisdesde o início do Projeto

Quantidade de Agentes AmbientaisAté agosto de 2001 - 23 Homens – 18 Mulheres – 13Até Setembro de 2001 - 40 Homens – 19 Mulheres – 21A partir de março de 2002 - 60 Homens - 25 Mulheres – 35

A proporção entre negros e brancos é de aproximadamente trêsnegros para um branco, o que não indica qualquer tipo de discrimina-ção racial, mas reflete também a situação previamente existente.

Com os apoios recebidos do poder público, do comércio e das in-dústrias, os Amigos do Lixo ampliaram a sua atuação para além dosbairros do projeto-piloto, atendendo quase 60% da população da cida-de. Já foram coletadas até o momento 700 toneladas de materiais reci-cláveis (Tabelas 4 e 5).

Cada agente tem rotas previamente definidas para coleta e emum local próximo a cada uma delas há um Ponto de Entrega Voluntá-ria (PEV), no qual o agente guarda o seu carrinho e junta o materialpor ele coletado ou entregue voluntariamente pelos moradores da suaregião. Até o momento, esses PEV’s são áreas emprestadas por algummorador ou instituição. Com uma certa freqüência, o caminhão passapelo PEV, retira todo o material e o leva para a Central de Triagem,onde os resíduos são pesados, separados por tipo, prensados eenfardados para a venda. Cada agente ganha por produção e há umrigoroso controle sobre a identificação do seu material ao chegar àCentral. Os agentes que optaram por trabalhar na Central ganhamum salário fixo.

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10 TABELA 4

Total de Pessoas Atendidas

Total de Pessoas Atendidas:Até agosto de 2001 15.000 pessoasAté Setembro de 2001 25.000 pessoasA partir de março de 2002 60.000 pessoas

Em fevereiro de 2002, com o auxílio do Banco do Povo do gover-no estadual, a Cooperativa Amigos do Lixo de Guaratinguetá conse-guiu adquirir, por meio de financiamento, um caminhão para o au-mento da coleta seletiva no município. Em abril do mesmo ano, foirealizado o 3o Curso de Capacitação Ambiental, do qual participa-ram 41 novos agentes.

TABELA 5

Os resultados sobre a coleta dematerial reciclável

Resultados Obtidos (período: setembro/2000 a março/2002)

Coleta Diária (em média) 1,5 ton / diaColeta 19 meses 700 tonQualidade de material coletado pelos Amigos do Lixo:Papel 55 ton/períodoPapelão 310 ton / períodoPlástico 180 ton/períodoMetal 90 ton/períodoVidro 65 ton / períodoPercentual de materiais recicláveis coletados no município:22,5 % do total arrecado no município / anoValor cumulativo arrecadado pela cooperativa até o presente:R$ 96.550,00

Graças ao apoio de várias instituições públicas e privadas, os agen-tes ambientais e os candidatos a agentes (catadores que ainda per-maneciam no lixão) passaram também por um curso sobre coopera-tivismo. O curso foi o ponto de partida para a formação da Coopera-tiva Amigos do Lixo de Guaratinguetá. O atual presidente da Coo-perativa, Adilson Januário dos Santos, 35 anos, vivia desde criançacom seus pais no lixão.

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11O Futuro dos Amigos do LixoOs Amigos do Lixo querem crescer ainda mais e garantir autono-

mia e a permanência de seu empreendimento. Apesar de algumas bre-ves resistências no início, sobretudo dos sucateiros que compravammaterial dos catadores, o Projeto tem contado com o apoio crescenteda comunidade de Guaratinguetá.

Desde o início, a meta era que todos os bairros da cidade fossematendidos com serviços de coleta seletiva. Estima-se que para isso se-rão necessários aproximadamente 100 agentes ambientais. Por outrolado, comparando-se as Tabelas I e VI, vê-se que o potencial de mate-rial reciclável ainda a ser coletado é enorme, o que serve para estimu-lar ainda mais toda a equipe dos Amigos do Lixo.

Para que tal expansão seja possível, os coordenadores do Projetoestão se articulando no sentido de: a) buscar novos recursos e parcei-ros; b) construir mais dois Centros de Triagem, sendo que o terrenopara um deles também já foi cedido pela Prefeitura; c) comprar maisum caminhão para coletar todo o material resultante do aumento daprodução e buscando, assim, maior independência em relação ao ca-minhão emprestado pela Prefeitura.

Há também uma preocupação com a melhoria da qualidade doprocesso de coleta desde a origem até a venda dos produtos. Paraatender a essa preocupação, pretende-se contar com o apoio de algu-mas empresas parceiras para a construção de várias casinhas com for-ma e cores padronizadas, que funcionarão como PEV’s e serão insta-ladas em praças ou jardins de cada região coberta por um agenteambiental. Até o momento, os agentes têm usado garagens ou galpõesemprestados, além de ficar fora do alcance da maioria da populaçãoda área, não têm uma infra-estrutura adequada para dar suporte aotrabalho do agente.

Os Amigos do Lixo também querem obter autonomia em relaçãoao poder público, e por isso querem obter a concessão, por meio deum projeto de lei, das áreas emprestadas pela Prefeitura. A concessão,pelo período de 20 anos, evitaria uma possível interrupção do projetopor causa de eventuais mudanças de governo. O atual prefeito temsido um grande parceiro dos Amigos do Lixo e já se mostrou também

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12 favorável à formulação desse projeto de lei. Por outro lado, os própriosvereadores da cidade são simpáticos ao Projeto, e tudo indica que tam-bém serão favoráveis ao pleito dos catadores.

A permanência do Projeto ao longo do tempo também pode sergarantida pelos tipos de parcerias que os Amigos do Lixo desenvolvemcom empresas doadoras de material, bem como com os compradoresdos materiais recicláveis. Por exemplo: a BASF é o principal parceiroaté aqui e devido à sua política ambiental e de responsabilidade social,tem interesse em cooperar com um projeto como este, o que indicauma permanência dessa parceria por um longo tempo.

Além disso, um dos importantes objetivos dos Amigos do Lixo éaumentar para 21 o número de produtos comprados por empresas queatestem, via Declaração Oficial da CETESB, que o seu processo dereciclagem e produção é ambientalmente sustentável. Atualmente sãosete produtos, e com essa expansão pretende-se garantir a sustentabili-dade ambiental por todo o ciclo de vida de cada produto coletado,vendido e reciclado.

Tal sistema permitirá também parcerias exclusivas com empresasinteressadas em doar material reciclável, mas que façam exigênciasquanto ao destino final do material. Nesse sentido, os Amigos do Lixotambém inovam e criam um diferencial com relação a qualquer outrosistema de coleta de material reciclável na cidade e na região.

Finalmente, é objetivo constante capacitar continuamente os coo-perados, em especial os da diretoria e da administração, para que con-tinuem gerenciando a Cooperativa independentemente dos fundado-res e coordenadores do Projeto. Pretende-se que aos poucos a Coope-rativa seja gerida pelos próprios cooperados.

Conclusão: urubus, gaviões e garçasO “lixão”, além de comprometer a preservação do meio ambiente

pela poluição do solo, do ar e da água, representa ainda um enormedesperdício de matérias-primas. Além disso, a atividade do catador éinsalubre, desumana e prejudicial à qualidade de vida de quem a pra-tica e vergonhosa para a sociedade que a permite.

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13O Projeto Amigos do Lixo demonstra reunir as características deuma iniciativa voltada para a preservação do meio ambiente e à inclu-são social. Ao coletar o material na fonte geradora, evita-se a contami-nação com outros tipos de materiais presentes no lixo, proporcionan-do uma boa qualidade aos materiais recuperados e um preço melhorno momento da comercialização. O Projeto permite, ainda, que oscatadores de lixo passem a integrar uma nova categoria profissional: ade agentes ambientais, prestando à sociedade um serviço de extremautilidade pública.

A experiência promove a cidadania não apenas dos catadores, comode toda a coletividade, ao envolvê-la em um processo social e ambien-tal. Com isso, o Projeto se aproxima de outras importantes iniciativasde reciclagem e de promoção da cidadania dos catadores, alinhando-se ao Movimento Nacional dos Catadores.5

É muito comum vermos urubus sobrevoando os lixões em buscade matéria orgânica em putrefação, mas quase nunca os gaviões, quenão se alimentam desse tipo de matéria. Com a retirada dos catadoresdo lixão de Guaratinguetá, iniciou-se a formação do aterro sanitário,que tem reduzido em muito a exposição daquela matéria orgânica acéu aberto. Por isso, hoje podem ser vistos gaviões sobrevoando e ca-minhando pelo aterro: “É um sinal de que o lixo é ‘mais limpo’”, diz oengenheiro André.

Guaratinguetá significa, em tupi-guarani, “terra das muitas gar-ças”. Em uma pracinha próxima á Central de Triagem, cuja manuten-ção é de responsabilidade do Projeto Amigos do Lixo, vemos uma pla-ca fincada na grama, com a frase “Coletando Materiais, ReciclandoVidas”. Hoje, os Amigos do Lixo podem sonhar e voar alto, como gar-ças, pois estão libertos da obscuridade. Hoje eles são cidadãos.

5 Revista dosCatadores de Vida,Publicação doMovimento Nacionaldos Catadores deMateriais Recicláveis.São Paulo, (2002).