chicos 33 dezembro 2011

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e-zine de prosa e poesia de Cataguases - MG

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Page 1: Chicos 33 dezembro 2011
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Chicos N. 33

Dezembro 2011

e-zine de literatura e idéias

de Cataguases – MG

Capa

De Gabriel Franco sobre foto de Vicente Costa

Editores Emerson Teixeira Cardoso

José Antonio Pereira

Colaboradores desta edição

Álvaro Alves de Faria

Antônio Perin

César Cantoni

Eloah F. Giacomelli

Flausina Márcia da Silva

Francisco Marcelo Cabral

Marcelo Benini

Mariano Shifman

Renata Pallottini

Ronaldo Cagiano

Fale conosco em: [email protected]

Visite-nos em: http://chicoscataletras.blogspot.com/

Dedim de prosa Esta é nossa última edição de 2011. Publicada no último

dia do ano. Portanto desejamos a todos um ótimo 2012.

Nosso maior poeta Chico Cabral nos presenteia com

uma fornada de magnifico poemas. Saboreiem com prazer são

como os finos pães de um divino boulanger.

Stephen Crane surgiu numa conversa de bar e resolvemos

compartilhar com vocês um pouco sua poesia.

Apresentamos dois poemas da paulistana Renata

Pallottini

Marcelo Benini reaparece por aqui com seus belíssimos

passarinhos.

Um poema do último livro de Ronaldo Cagiano vertido

para o espanhol por Mariano Shifman

Apresentamos a vocês mais um poeta argentino, desta

vez é César Cantoni de La Plata.

O baiano de Itaobim, Antônio Perin nos fala de um

catador de latinhas em Havana.

José Antonio Pereira “viaja” no tempo em uma crônica

sobre Cataguases.

Publicamos aqui o fantástico discurso de Saint –John

Perse quando de sua premiação com o Prêmio Nobel.

Flausina Márcia da Silva nos fala de sua recente leitura de

O livro de João de Rosário Fusco

Emerson Teixeira Cardoso faz um breve relato das

atividades do CAC Grupo que sacudiu Cataguases nos anos 60.

O poeta Álvaro Alves de Faria revela sua indignação com

UBE – União Brasileira de Escritores.

Page 3: Chicos 33 dezembro 2011

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Sumário

CHICO CABRAL Poema e outros inéditos 03 STEPHEN CRANE Quatro poemas 07 RENATA PALLOTTINI Alguma coisa e outro poema 12 MARCELO BENINI Três estudos para passarinho 14 RONALDO CAGIANO De las cosas y su ritmo 16 CÉSAR CANTONI Dizia minha avó espanhola e outros poemas 18 ANTÔNIO PERIN Os relógios do cubano 20 MARIANO SHIFMAN A entrega 23 JOSÉ ANTONIO PEREIRA A pracinha da fábrica velha 28 SAINT – JOHN PERSE Poesia – Discurso de Estocolmo – 1960 30 FLAUSINA MÁRCIA DA SILVA Deu vontade de resenhar 34 EMERSON TEIXEIRA CARDOSO

Teatro versos teatro, a epopeia do CAC 37 ÁLVARO ALVES DE FARIA UBE, a entidade dos escritores ignora a poesia 39

Page 4: Chicos 33 dezembro 2011

3

Escrevo para a voz e para o ouvido.

palavras que destecem suas redes

e nós, na trilha elástica dos versos,

do ritmo português do decassílabo

Escrevo para dar carne à palavra

Para que brilhe nos sinos da fala

Abra sua corola de ouro rubro

E atinja seu fulgor de jóia cara

Escrevo para o brilho e a beleza

da fala, em seus concertos e conflitos.

A palavra - centelha impermanente

- escrevo-a para vós e para o olvido

Page 5: Chicos 33 dezembro 2011

4

Que marcas do teu rosto no meu rosto

Se acentuam com o tempo, construindo

Uma cópia imperfeita de ti?

Saturado de poemas alheios busquei os meus

No côncavo de minhas pegadas:

Tão longe não fui

Nem tão fundo

Mas de qualquer forma toquei o mundo

E me deixei tocar por seu milagre inconcluso

Insisto em bater à porta das palavras

E que o poema

Me encontre

Preparado para o seu mistério

Page 6: Chicos 33 dezembro 2011

5

Deitada de costas

De seu corpo se desprende

O odor de um cardume de prata

Enquanto a maré lava as dunas

Nas ressacas do outono

Seus braços em arco sob a nuca

Tecem uma grinalda de boninas

E madressilvas em sua boca se abandonam .

Entre suas coxas, um tufo de capim dourado

Ilumina as pétalas de sua rosa profunda.

Espreguiça à música dos pássaros.

Daqui a pouco abrirá os olhos

E o mundo será como uma laranja, perfumado.

Page 7: Chicos 33 dezembro 2011

6

Para Marcus Vinicius Quiroga

Na sala da Rua Duvivier

o cheiro de jasmins

colhidos em jardim público

e a presença do gato

sucumbem ao odor das bananas e peras

que perecem à espera do poema

num canto da mesa

de Ferreira Gullar.

Page 8: Chicos 33 dezembro 2011

7

Stephen Crane (1871-1900),

embora figura menor no cenário da

literatura norte-americana, foi contudo

um precursor da revolução literária

americana que rompeu com as

tradições do passado até então

predominantes nos EUA.

Na ficção Maggie, A Girl of the Streets

(1893) é o primeiro romance norte-

americano verdadeiramente

naturalista. Crane, contudo era um

experimentalista, e assim, no seu

segundo romance, The Red Badge of

Courage (1895) e nos seus primeiros

contos produziu os primeiros exemplos

do moderno impressionismo

americano.

Foi William Dean Howells, um dos seus

"pais literários" que o introduziu à

poesia recentemente publicada, e então

considerada excêntrica de Emily

Dickinson.

Crane reagiu com enorme empatia à

poesia de caráter radical de Emily, hoje

universalmente reconhecida como um

dos gêneros poéticos da literatura

americana. Como resultado dêsse

contato, Crane passou a compor poesias

de um impressionismo imagístico, vinte

anos antes do aparecimento do

movimento que se tornaria conhecido

como "imagismo".

Durante sua vida, Crane publicou dois

volumes de poesia, The Black Riders

and Others Lines (1895) e War is Kind

(1899). A tuberculose ceifou o poeta na

Alemanha (...), para onde fôra

esperançoso de recuperar a saúde.

Page 9: Chicos 33 dezembro 2011

8

I

Um deus irado estava surrando um homem: esbofeteava-o ruidosamente com pancadas trovejantes que reboavam e retumbavam sôbre a terra. O povo todo veio correndo. O homem gritava e lutava e mordia furiosamente os pés do deus. O povo exclamou: "- Ah, que homem maldoso." E - "- Ah, que deus formidável."

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II

No deserto vi uma criatura, nua, bestial, que agachada ao chão segurava nas mãos o seu coração e dêle comia. Perguntei: " - É gostoso, amigo? " - É amargo, amargo", êle respondeu. " - Mas gosto dêle por ser amargo e por ser meu coração".

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III

Vi um homem perseguindo o horizonte: em círculos iam disparando um atrás do outro Perturbei-me com isso. Abordei o homem " - É em vão", eu disse. "você nunca poderá..." " - Mentiroso!" êle exclamou. e continuou a correr.

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IV

Deus jazia morto no céu:

anjos cantavam o hino do fim:

os ventospúrpuros repetiam gemidos,

suas asas gôta a gôta

sangue

derramavam sôbre a terra.

Esta padecente coisa,

tornou-se negra e definhou-se.

Então negra e definhou-se.

Então das cavernas distantes

de pecados mortos

saíram monstros lívidos de desejo.

Lutaram,

brigaram por causa do mundo

- um naco.

Mas da total tristeza, isso foi triste:

Os braços de uma mulher tentando proteger

a cabeça de um homem adormecido

contra as maxilas da última fera.

Traduzidos por Eloah F. Giacomelli

Page 13: Chicos 33 dezembro 2011

12

Renata Pallottini nasceu na cidade de São Paulo, em 20 de janeiro de 1931. Cursou Direito, Filosofia e Dramaturgia. Escreveu e produziu trabalhos para teatro e televisão, entre os quais Vila Sésamo, Malu Mulher e Joana. Publicou vários livros de poesia, prosa, teatro e ensaios, desde 1957, tendo recebido diversos prêmios por seus trabalhos. Foi professora da Escola de Comunicações e Artes (ECA) e da Escola de Arte Dramática (EAD) da Universidade de São Paulo, além de

ministrar cursos de dramaturgia no Brasil e no exterior. Desde 1988 faz parte do corpo docente da Escuela Internacional de Cine y Television de San Antonio de los Baños, em Cuba. Coordenou e participou daAnthologie de la poésie brésilienne, publicada em Paris, em 1998, e que reuniu quatro séculos de literatura brasileira. No mesmo ano, integrou o júri do Prêmio "Casa de las Américas", em Cuba. Vive em São Paulo e às vezes em Atibaia.

Alguma coisa fica

do caminhar contínuo

e deste sono.

Alguma folha fica

da primavera

no outono.

Algum fruto, algum gesto, alguma voz.

Alguma coisa frutifica.

E fica em nós.

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Corta-se o vinho, o sal

Corta-se o pão

Corta-se toda preocupação

Deita-se o corpo à noite

No edredon

E se tenta dormir

Como se nada fosse.

No meio de tudo isso a divisão

Na face dos amantes o amargor

Quando se corta o doce

O sexo o amor

Quando se corta a vida

As formas de carinho

Quando se corta a vida.

Não o sal

Não o vinho.

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Três estudos para passarinho

I

Problema Oblíquo

Tenho um pássaro nas mãos

O que fazer:

Soltá-lo e perdê-lo,

Ou guardá-lo e perdê-lo?

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II

Ao teu lado reparava

Como o beija flor alegra o mundo

Todos os dias, todas as tardes,

No mesmo galho, à mesma hora,

O beija flor.

Hoje reparo

Todos os dias, todas as tardes,

No mesmo galho, à mesma hora,

O beija flor.

III

Solta um passarinho e voa torto

Mas aprende e acha pouso

Voar é profundeza de passarinho.

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Sol nas Feridas, livro de

poemas pode ser adquirido em:

www.dobraeditorial.com.br

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De las cosas y su ritmo

Cuanto de nós, é o que não somos? Ésio Macedo Ribeiro

El sol encendido en mis ojos

hiere la extranjera gestación de los vacíos.

Hay demasiado tiempo en los relojes de la ciudad:

eternidad con sus termitas de acero

atravesando nuestros entrañas

para el triunfo de lo imponderable.

Estamos purgando la existencia

con esas agujas insolentes

condenándonos a un destino de fatigas

o a ningún registro en los obituarios.

Piedra dentro del tiempo,

la muerte, como el molino,

impone el ritmo de las cosas:

pacientemente nos enharina,

granos de nada

en un campo de bacterias.

traducción de Mariano Shifman Del libro O SOL NAS FERIDAS, Dobra Literatura, São Paulo, 2011.

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Poeta argentino, nasceu em La Plata (1951), autor de “Confluências” (1978), “Linhagem humana” (1984), “Continuidade da noite” (1993), “Triunfo do real” (2001), dentre outros.

"Bem-aventurados os nascidos", dizia minha avó espanhola, que não havia lido Sófocles – que disse mais ou menos o mesmo de um modo perdurável – e que uma vez abandonou sua pátria, envolta na fumaça dos bombardeios, para morrer republicanamente nesta, triste e cansada da vida, com a fé intacta em nada.

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Se um país tão lírico como a Alemanha pôde gerar um Adolfo Hitler, faço-me uma pergunta: Há

lirismo inocente?

Eliot tinha uma consciência rançosa e suas roupas cheiravam a cânfora, o que não o impediu ser um poeta à altura do seu tempo, deixando claro que a poesia se encontra sempre acima do homem e que ninguém escreve realmente o que quer senão o que ela lhe dita.

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A Lázaro Macías

Lázaro Macías, 73 anos, é um morador de

rua em Havana. Como toda ilha resistiu por

anos e anos ao bloqueio econômico. Em seu

“neo-empreendedorismo” resistirá à nova

ordem econômica que já vigora em Cuba?

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Depois de uma sopa no bairro chinês

Lázaro caminha pelas ruas de Havana

dois cães sem dono o acompanham

“Não são meus. Não tenho como mantê-los”.

Pendente no tempo, arrasta um saco

catando latas no lixo de hotéis e bares.

Coloridas latas de cervejas e refrigerantes

um vermelho ausente é a Coca Cola.

Bermuda rasgada, sapatos rasgados,

camiseta rasgada, no pulso esquerdo

dois relógios marcam seus tempos.

Um lembra quem ele é.

É o relógio descascado,

marca desconhecida

precisa o levar latas ao deposito.

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O outro lembra quem ele foi.

É o relógio de seu pai

Domingo Macías que ganhou a vida

no caminhão pipa entregando água.

Em seu velho código de honra

Lázaro não pede nem aceita esmola

Não vende – passou quatro dias de fome –

o relógio de seu pai.

Aquele que parou às 18h30,

De uma segunda feira

De um dia 9 qualquer.

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Nasceu em 1969 em Lomas de Zamora, Argentina, formado em

Direito, é autor dos livros de poesia Punto rojo (2009) e

Material de interiores (2010)

Tinha que levar uma encomenda à Rua

Vilardebó, 500; um envelope de papel

madeira com alguma pasta ou livro.

Tratava-se de uma dessas entregas “não

prioritárias” que podiam ser

postergadas para o dia seguinte; preferi

ir no mesmo dia, porém ao entardecer.

Era uma zona escura que eu ainda não

conhecia bem; estava meio perdido.

Para não caminhar demais, perguntei a

um vizinho, um homem entrado em

anos e em quilos, prontamente abrindo

a porta de um saguão.

As pessoas se assustam diante de

estranhos (sobretudo quando baixa o

sol) e apressa o passo ou se esconde;

mas dessa vez não. O homem ouviu a

pergunta, deu meia-volta pouco depois,

com certa dificuldade – talvez sofresse de

um problema no quadril -, e me olhou de

frente enquanto esfregava a barbicha e

encarava as sobrancelhas muito densas.

Havia me visto antes em outro lado?

- São cinco quadras depois dessa;

passe a avenida e é a primeira. Depois,

uma quadra e meia à esquerda.

Desejou-me sorte.

Na área não havia placas com

nomes das ruas, mas o percurso me

pareceu simples; chegar à primeira

avenida, caminhar até à quadra seguinte

e logo dobrar à esquerda. Estranhou-me

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a crescente quantidade de automóveis

antigos na medida em que me

aproximava do destino. Às vezes dentro

de uma mesma cidade (e ainda de um

mesmo bairro) há diferenças que não se

explicam só pelo poder aquisitivo.

Indiossincrasias, pensei.

Segui a indicação, nada

complicada. Constatei que a altura foi a

correta. Tinha que estar em frente ao

domicílio procurado: dos lados do

biombo se via uma placa de bronze de

consultório ou estúdio.

- Ah, sim, as pastas para o doutor.

Passe.

Atendeu-me uma mulher de uns

trinta e cinco anos, alta, corpulenta.

Não havia muita luz, de modo que não

pude ver-lhe em detalhes a cara; feia

não era, ainda que a boca grande

tornava-a um pouco tosca.

Adentrei o saguão, que estava às

escuras. Disse que a lâmpada do

corredor havia queimando um pouco

antes. Pediu-me que passasse à sala de

espera do estúdio para poder ler os

dados do envelope e acusar o

recebimento.

Era uma sala ampla, de tetos

altos, com um revestimento de cores

desbotadas e uma proteção com mapas

mundi e frases em latim. Sentia-me

bastante exausto logo depois de uma

jornada cansativa; duzentas e

cinqüenta, trezentas quadras a pé. Não

havia razão para que recusasse seu

convite para sentar. A mulher tinha que

ir até o segundo escritório buscar o

doutor. Antes de retirar-se me serviu

suco de uma jarra apoiada sobre uma

mesinha de café coberta por revistas em

branco e preto. O sabor da bebida,

demasiado doce, viscoso, é o último que

de que me lembro até depois de me

despertar.

Encontro-me estendido sobre uma

cama gigantesca, de pelo menos três

lugares. No momento estou só, com o

tronco nu; também me retiraram o cinto.

Não posso recordar como cheguei até ao

cômodo; não sei o que me deram para

tomar. Mas apesar de estar bastante

apreensivo, não sinto a angústia

imaginável em uma situação assim, à

mercê de qualquer coisa.

Na casa, tingida por uma difusa luz

avermelhada de um pedestal, não há

relógios, e o meu não funciona. A janela

dá para outra casa interna, de modo que

não tenho meios de saber a hora, se é de

noite ou se amanheceu. Penso em gritar,

mas meu temor, estranhamento, não é

proporcional ao esforço que precisaria

fazer. O que mais me preocupa é meu

estado de relaxamento, uma indolência

que percorre todo meu corpo e que não

me deixa em boas condições no caso de

ter que defender-me ou tentar escapar.

Passa um longo tempo, que segundo

meus cálculos é de pelo menos meia

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hora. Só então junto forças para

levantar-me da cama e tratar de abrir a

porta: o faço sem dificuldade. Na parte

contígua vejo três mulheres

semidespidas, de calcinhas e com

despojados sutiãs. A maior – que é

ruiva-, de grandes seios e uma pinta

sobre o ângulo dos lábios, não chega

aos vinte e cinco anos. As outras duas

asseguram ter vinte, ainda que pareçam

menores: uma loura do tipo alemã,

cabelo curto e nariz demasiado

arrebitado que lhe dá ares de bebê, e

uma delicada morena de traços

indianos, cabelos muito escuros,

azeviche, longuíssimo e sedoso. As três

nasceram para ser desejadas.

- Se continuares comportando-te

tão bem como até agora, terá mais

sobremesa -, disse a maior.

- Enganas-te, querida, teremos

que nos comportar muito bem. Ele

pagou todas as despesas na última

noite, agora nós temos que... -

acrescenta a morena.

- Terás que comportar-se bem

com as três, papi, interrompe a loira.

Por acaso eu não te atraio tanto como

as outras?... Hoje vou ser a primeira.

Não posso recordar nada do que

me atribuem. Não estou louco, não

estou sonhando, as mulheres são reais e

eu gosto muito, mas os desejos naturais

de minha primeira reação

transformam-se imediatamente em

cansaço, de modo que não posso explicar

muito bem, algo assim como uma ilusão

que murcha. Apenas tenho forças para

continuar parado escutando-as falar de

mim. Quero sentar-me ou voltar a

dormir: sequer me interessa perguntá-

las todo o que supostamente passou na

noite anterior. Ou saber o que pode

acontecer esta noite. Vou me sentindo

cada vez mais leve, desprendido de meu

corpo, como se não houvesse gravidade.

Tenho que dormir. Durmo.

Acordo em outro quarto. Ao

contrário do primeiro, neste a luz do sol

estala contra cada objeto da cômoda, das

mesas de luz, sobre um mural a la

mexicana que cobre grande parte de uma

das paredes. Esta cama é convencional,

de dois lugares. Não bem me sento e em

volta emerge do banheiro da suíte uma

mulher de uns trinta anos, figura

estilizada, vestida com saia cinza,

apertada, mas de corte formal, e uma

espécie de camisola branca, muito

engomada, com colarinho bordado. O

ruído dos tacos, desmedidos, parece-me

desagradável. No cabelo, entre louro e

cinza, carrega uma rede.

Eu sou e não sou eu. Sim, porque não

me abandonou a consciência de todo o

meu passado até o momento da entrega:

não perdi a memória de minha vida

anterior, primeiro passo até a loucura.

Page 27: Chicos 33 dezembro 2011

26

E não, não sou eu de todo, porque

aquele, a ideia de mim que sobrevive na

lembrança, estaria desesperado por

conhecer o que vem acontecendo desde

que cruzou a porta de entrada. Estou

nervoso, é inegável. Mas como só estar

antes de um exame ou frente a uma

entrevista de trabalho.

- Vou às compras – deixa escapar

ao passar a altiva dama -: chegaram

umas novidades nas lojas do centro. Ah,

gostaria de usar hoje o pérramus¹ e o

chapéu que lhe presenteei em seu

aniversário.

- Que aniversário, que pérramus,

que chapéu, podes responder-me?

Criou um mal-estar que não sinto

e ela franze a testa com uma raiva que

nem percebe. O jogo de dupla ficção

anula-se por si mesmo. Ela sai sem

responder-me e eu me retiro para

dormir.

A casa, embora situada em pleno

bairro de classe média, tem ou aparenta

ter uma superfície descomunal. Na

ponta de uma lustrosa mesa de

escritório, ovalada, de comprimento

não inferior a dez metros, analiso os

traços de vinte homens de terno. Uns

têm perfil de ave, outros de tubarão,

com o queixo contraído, alguns de

felinos: todos se assemelham a animais

predadores. Muito me surpreende eu

estar ali, mas não que eles estejam. O

mais jovem de todos se refere a mim

como meu pai. Não sei o que pensar nem

o que sentir; mas se o visse na calçada em

frente, preferiria destruí-lo: para bater-

lhe ou por ser insuportável.

O tempo não é o que cremos o que

fazemos com ele, senão o que ele faz de

nós. De e não com, porque o tempo é

sujeito ativo: não necessita colaboração,

consulta, nem compromisso de suas

criaturas. Volto ao primeiro quarto, o

escuro, o que me levou outra vez até ele

mesmo, como a serpente que morde a

própria cauda. Posso observar-me em

um espelho pela primeira vez desde que

cheguei à casa. Não sei se envelheci,

porque a imagem interna que tenho de

mim corresponde à imagem que o

espelho me devolve. Cansaço não me

falta, mas não o de costume, físico, senão

um profundo esgotamento mental.

Necessito que alguém me abra a porta,

agora fechada. Prestes a voltar e deitar

por causa do tédio ou resignação, entra a

corpulenta mulher do início. Está ou se

considera mais velha, porque agora me

trata de senhor: julgo aos outros como a

mesma forma com que me julgam. Mas

prefiro não averiguar nada. Aproveito a

porta aberta e saio.

Ontem, em outro extremo da

cidade, e já sem esperança de vê-lo

novamente, encontrei-me com meu

cicerone. Aparentemente, não havia

mudado nada, mas senti isso como uma

falácia. Pelo menos, variou a percepção

Page 28: Chicos 33 dezembro 2011

27

que eu tinha dele. Se soubesse de onde

me enviou aquele entardecer, era o

contrário do que então me pareceu: um

simples homem de subúrbio. Mas se ele

não soube, ninguém sabe nada, nem ele

nem eu. E não foi isso que pensei dele

nem de mim quando perguntei-lhe pelo

nome de uma rua.

- Como estamos indo?

Não me agradam os plurais

descarados em que me incluem sem

autorização.

- Diga-me a verdade.

- Não o entendo.

Avancei um par de passos.

Necessitava vê-lo mais de perto,

descobrir uma chave ou uma armadilha.

Quiçá, imaginou que eu ia golpeá-lo.

Suas sobrancelhas estavam despen-

teadas.

- Está bem, vou lhe dizer. Equivoquei-

me.

- Não o acuso de nada. Onde eu estava?

Chegamos ainda mais perto. Seu

rosto era um velho retrato de família.

- Me consultaste na rua Viladerbó e nem

me lembrei da mudança do nome. Te

mandei a Ballivián, que assim se

chamava quando eu tinha a mesma

idade sua. Tomaste-me como distraído e

te mandei ao passado. Te vi tão

igualzinho a mim que a confusão foi

mais forte que eu. Se te fiz sofrer,

desculpe-me, te peço por Deus.

Fiquei pálido – me conheço -, mas

não reparou em minha falta de cor ou

não se interessou. Seguiu explicando já

mais calmo, quase dono da situação.

- Foste ao passado que justamente um

pouco antes me havia vindo à mente. Se

me analisasse um pouco havias dado

conta, menino: te mandei ao passado

pelo qual não passei. Não ao que me

recordo, senão a outro, ao que

vislumbrei, mas não vivi. Como foram as

coisas?

Ainda confuso, como se flutuasse

entre as distorções de um sonho (o seu,

o meu?) tratei de pensar uma resposta

razoável. Notei-lhe um olhar um pouco

vidrado. Dizer-lhe bem poderia torná-lo

amargo; dizer-lhe mal também, se é que

por alguma razão me considerava.

Afinal, qual era a verdade? Estava

tentando perguntar-lhe se isso que

atravessei pode ter sido meu futuro. No

me animei.

- Veja, é como tudo: questão de gosto,

questão de costume.

O velho esboçou algo parecido a

um sorriso e me deu aquele envelope,

que não havia encontrado destinatário.

Não quis averiguar o que ele tinha.

Tampouco quis abri-lo. Ainda que não

fizesse falta: estava vazio. Ainda tremia,

apressei o passo até a estação sem olhar

atrás.

(¹) Espécie de sobretudo ou abrigo de inverno, muito

usado em meados do século passado na Argentina

Page 29: Chicos 33 dezembro 2011

28

Dia destes, saindo de

um supermercado, cruzei aquela praça

em frente à fábrica velha, resolvi parar

e sentar em um de seus bancos. Ou

seria assentar? Como ouço muito por

aqui. Pintores pintavam de marrom a

parte do prédio onde até recentemente

funcionou o Bar da Loura. Raramente

estive, como agora, sentado em um

destes bancos, mas sempre passei por

sua calçada, vindo ou indo para a Vila

ou Bairro Haidée, locais onde morei

muitos dos anos de minha vida. Ela é

uma praça única, forma um pequeno

retângulo fechado pelos três lados, já

que um dos lados menores é a rua que

liga a estação ferroviária a vila.

Na maioria das vezes em que parei nestas

imediações, foi com meu pai no Bar

Pinguim, que antes de desaparecer foi

cenário de gravações baseadas na obra

do Ruffato, o bar ficava no térreo do

Hotel Pires. Parávamos ali para um

guaraná após cortar o cabelo na

Barbearia do Seu Euclides, que ficava no

mesmo prédio, junto à entrada do hotel.

Era dali que observava o movimento na

pracinha, principalmente quando as

tecelãs saíam da fábrica. Isto quando não

me distraía com o Horizonte, pescador

do rio Pomba com algum dourado

brilhando em sua fieira de peixes.

Lembrei-me que lá na minha infância

funcionou um cinema naquele prédio,

acho que pertencia ao pessoal do Hotel

Pires, nunca vi filme ali, mas uma placa

era sempre colocada na mesma calçada

por onde eu, não só eu, mas também

meus amigos e a maioria da população

passavam um monte de vezes por dia no

nosso ir e vir. O cinema acabou e várias

atividades foram sucedendo, de uma

Page 30: Chicos 33 dezembro 2011

29

fábrica de colchões a outros tantos

negócios até que fracionaram o prédio.

Muitos anos depois, morando noutra

cidade, lá aportei no Bar do Quim. Em

uma noite de sábado quente, ainda

vivíamos a ditadura militar, eu, meus

amigos Zé Tarcísio Lima, estudando em

Viçosa e o Fernando Cesário, que

acabara de retornar à cidade, varamos

uma madrugada num bom papo nestes

mesmos bancos; enquanto o Quim,

naquela bonifaciana paciência dele, vez

ou outra nos trazia uma cerveja. Quim

herdara do pai, o Seu Bonifácio, o jeito

calmo e sereno de lidar com todos.

Muitos anos depois, tomando umas

cervejas comigo e o Toquinho, o

Emerson aqui do Chicos, lá no Depósito

de Pão Nossa Senhora do Rosário, nos

contou algumas peripécias do seu

tempo por aqui. Uma delas aconteceu

em um domingo pela manhã, quando,

para atender uns sobrinhos que faziam

um churrasco, foi ao bar por volta de

onze horas buscar umas cervejas, ao

abrir as portas deu de cara com o

Antônio Jaime. Nosso poeta, tranqui-

lamente sentado em uma das mesas,

tomava uma gelada cerveja. Quim

fechara o bar com o Antônio Jaime no

banheiro.

O Toquinho relembrou de um caso

ocorrido com o Fabinho Leite. Este,

uma ave noturna chegava ao bar

sempre de madrugada com sua risada

alta e na mesma altura soltava: Quim me

dá uma coca! Até o dia em que Quim o

chamou a um canto e disse: Fabim! Por

favor, ao entrar aqui peça coca cola.

Neste horário, sempre entra algum

viciado. E a polícia tá de olho no bar. Eu

não quero problemas. Ao que o Fabinho

prontamente retrucou: O Quim deixa de

viadagem! Que diferença faz. Coca e

cola não é tudo o que os caras querem

cheirar?

Tempos depois surgiu ali uma igreja, que

usava uma placa igual a do cinema,

vendendo o seu negócio. Nela, lia-se

entre outras pérolas, duas curiosíssimas

“Não percam todas as sextas feiras show

de milagres.” e mais em baixo: “Diaria-

mente sessão de descarrego de encostos”.

Há tempos a igreja que convivia de

“parede e meia” com o Bar da Loura

migrou e em seu lugar surgiu uma

sinuca, os cânticos foram substituídos

pela conversa dos jogadores e o ruído do

entrechoque das bolas de bilhar. O bar

fechou. Parece-me que convivia melhor

com a igreja.

O vento que sopra anunciando uma

chuva de verão trás o forte cheiro da

tinta. Acabam por me trazerem de volta

aos meus dias atuais e seus afazeres. Vou

mais volto. Gostei de sentar ali.

Entristece-me, ver a cidade lentamente

desmanchando e apagando seu passado e

perceber que tudo vai virando escombros

na memória de seus moradores.

Page 31: Chicos 33 dezembro 2011

30

Poesia Discurso de Estocolmo

(1960)

"Aceitei para a poesia a homenagem

que aqui lhe é prestada, e que me

apresso a lhe restituir.

Poucas vezes a poesia ocupa um lugar

de honra. É que parece vai

aumentando a dissociação entre a obra

poética e a atividade de uma sociedade

sujeita às servidões materiais.

Distância aceita pelo poeta, mas não

procurada por ele, e que seria a mesma

para o sábio, não fossem as aplicações

práticas da ciência.

Mas, do sábio, como do poeta, é o

pensamento desinteressado que aqui se

pretende honrar. Que, ao menos, aqui

já não sejam considerados como irmãos

inimigos. Porquanto é a mesma a

interrogação que eles fazem sobre um

mesmo abismo, e só os modos de

investigação é que diferem.

Quando se mede o drama da ciência

moderna, que até no absoluto

matemático descobre os seus limites

racionais; quando se vê, na física, duas

grandes doutrinas-mestras formularem

uma um princípio geral de relatividade e

outra um princípio quântico de

incerteza e de indeterminismo que

limitaria para sempre a própria

exatidão das medidas físicas; quando se

ouviu o maior inovador científico deste

Page 32: Chicos 33 dezembro 2011

31

século, iniciador da cosmologia

moderna e responsável pela mais vasta

síntese intelectual em termos de

equações, invocar a intuição em

socorro da razão e proclamar que "a

imaginação é o verdadeiro terreno de

germinação científica", chegando

mesmo até a reclamar para o sábio o

benefício de uma verdadeira "visão

artística" -, não se está no direito de

considerar o instrumento poético tão

legítimo como o instrumento lógico?

Na realidade, toda criação do espírito é

principalmente "poética" no sentido

próprio do termo; e, na equivalência

das formas sensíveis e espirituais, uma

mesma função se exerce, inicialmente,

para o empreendimento do sábio e

para o do poeta. Entre o pensamento

discursivo e a elipse poética, quem vai

mais longe e de mais longe? E, dessa

noite original em que tateiam dois

cegos de nascença, um aparelhado com

a ferramenta científica e o outro

assistido pelas únicas fulgurações da

intuição, quem é que mais cedo e mais

cheio de breve fosforescência se

exalça? Não importa a resposta. O

mistério é comum. E a grande aventura

do espírito poético não cede em coisa

alguma às aberturas dramáticas da

ciência moderna. Podem alguns

astrônomos ter-se perturbado ao

extremo com uma teoria do universo

em expansão; não há menos expansão

no infinito moral do homem - esse

universo. Por mais que a ciência recue

as suas fronteiras, e em todo o arco

estendido dessas fronteiras, ainda se

ouvirá correr a matilha caçadora do

poeta. Porque, se a poesia não é, como se

disse, o "real absoluto", é certamente a

mais próxima cobiça e a mais próxima

apreensão desse real, nesse limite

extremo de cumplicidade em que, no

poema, o real parece informar-se a si

mesmo.

Pelo pensamento analógico e simbólico,

pela iluminação remota da imagem

mediadora e de associações estranhas,

enfim, pela graça de uma linguagem em

que se transmite o próprio movimento

do Ser, o poeta investe-se de uma super-

realidade que não pode ser a da ciência.

Haverá no homem dialética mais

empolgante e que mais o comprometa?

Quando os próprios filósofos desertam o

limiar da metafísica, ao poeta sucede

reintroduzir aí o metafísico; e então a

poesia, e não a filosofia, é que se revela a

verdadeira "filha da interrogação",

consoante a expressão do filósofo antigo

a quem ela foi mais suspeita.

Porém, mais do que modo de

conhecimento, a poesia é primeiramente

modo de vida - e de vida integral. O

poeta existia no homem das cavernas,

existirá no homem das idades atômicas,

Page 33: Chicos 33 dezembro 2011

32

porque é parte irredutível do homem.

Da exigência poética, exigência

espiritual, nasceram as próprias

religiões, e pela graça poética a

centelha do divino vive para sempre no

sílex humano. Quando as mitologias se

esboroam, é na poesia que acha refúgio

o divino; talvez mesmo o seu "relais". E

até na ordem social e no imediato

humano, quando as Portadoras de pão

do antigo cortejo cedem o passo às

Portadoras de archotes, é ainda na

imaginação poética que se acende a

alta paixão dos povos em busca da

claridade.

Ufania do homem em marcha por sob a

sua carga de eternidade! Ufania do

homem em marcha debaixo do seu

fardo de humanidade, quando para ele

se abre um humanismo novo, de

universalidade real e de integralidade

psíquica... Fiel ao seu ofício, que

consiste no aprofundamento do

mistério do homem, a poesia moderna

arrosta uma empresa cujo

prosseguimento interessa a plena

integração do homem. Não há nada de

pítico em tal poesia. nada, tampouco,

de puramente estético. Ela não é arte

de embalsamador ou de decorador.

Não cria pérolas cultivadas, nem

trafica simulacros ou emblemas, e não

poderia contentar-se com nenhuma

festa musical. A si alia, em seus

caminhos, a beleza, aliança suprema,

porém não faz dela seu fim nem seu

pábulo único. Recusando-se a dissociar

da vida a arte, e do amor o

conhecimento, ela é ação, é paixão, é

poder e novação sempre, que desloca os

limites. O amor é seu lar, a insubmissão

sua lei, e seu lugar está em toda parte,

na antecipação. Ela jamais se quer

ausência ou recusa.

Nada espera, no entanto, das vantagens

do século. Presa ao seu próprio destino e

livre de toda ideologia, ela se conhece

igual à própria vida, que por si mesma

nada tem a justificar. E é com um mesmo

amplexo, como com uma só grande

estrofe viva, que ela abraça, no presente,

todo o passado e todo o futuro, o

humano, como o sobre-humano, e todo o

espaço planetário com o espaço

universal. A obscuridade que lhe

exprobam não se prende à sua natureza

própria, que é esclarecer, e sim à

própria noite que ela explora e que a ela

cabe explorar: a da própria alma e do

mistério em que o ser-humano imerge. A

sua expressão sempre vedou a si mesma

o obscuro, e essa expressão não é menos

exigente do que a da ciência.

Assim, por sua adesão total ao que é, o

poeta mantém para nós ligação com a

permanência e com a unidade do Ser. E

sua lição é de otimismo. Uma mesma lei

de harmonia rege para ele o inteiro

Page 34: Chicos 33 dezembro 2011

33

mundo das coisas. Nada pode acontecer

que, por natureza, exceda a medida do

homem. Os piores cataclismos da

história não passam de ritmos sazonais

numa mais vasto ciclo de

encadeamentos e de renovações. E as

Fúrias que atravessam o cenário, tocha

erguida, iluminam apenas um instante

do longuíssimo tema em curso. As

civilizações maturescentes não morrem

de modo algum com os estertores de um

outono; mudam apenas. Só a inércia é

ameaçadora. Poeta é aquele que rompe

para nós a acostumança.

E assim é que, mau grado seu, o poeta

se acha também ligado ao

acontecimento histórico. E, do drama

de seu tempo, nada lhe é estranho. Que

a todos diga ele claramente o gosto de

viver esse tempo forte! Porquanto

grande e nova é a hora em que se nasce

de novo! E a quem, então, haveríamos

de ceder a honra de nosso tempo?...

"Não temas, diz a História, levantando

um dia a sua máscara de violência; e,

com a mão levantada, faz aquele gesto

conciliatório da Divindade asiática no

mais forte da sua dança destruidora,

"não temas nem duvides - porque a

dúvida é estéril e o temor é servil. Antes,

escuta essa batida ritmada que minha

mão erguida imprime, inovadora, na

grande frase humana, em criação

permanente. Não é verdade que a vida

possa renegar-se a si mesma. Não há

nada vivo que do nada proceda, nem

que pelo nada se apaixone. Porém,

tampouco, nada conserva forma ou

medida sob o incessante afluxo do Ser.

A tragédia não está na própria

metamorfose. O verdadeiro drama do

século está na distância, que se deixa

crescer, entre o homem temporal e o

homem intemporal. Será que o homem

aclarado sobre uma vertente vai

obscurecer-se sobre a outra? E o seu

amadurecimento forçado, numa

comunidade sem comunhão, não

passará de falsa maturidade?... "

Ao poeta indiviso cabe atestar entre nós

a dupla vocação do homem. E é isto

alçar perante o espírito um espelho

mais sensível às suas potencialidades

espirituais. É evocar no próprio século

uma condição humana mais digna do

homem original. É, enfim, associar

mais ousadamente a alma coletiva à

circulação da energia espiritual no

mundo... Face à energia nuclear, a

lâmpada de argila do poeta bastará a

seu propósito? Basta, se de argila se

lembrar o homem.

E é suficiente, para o poeta, ser a má

consciência do seu tempo.

In: PERSE, Saint-John. "Poemas". Tradução de

Bruno Palma. Rio de Janeiro : Grifo, 1971

Page 35: Chicos 33 dezembro 2011

34

Deu vontade de resenhar

O Livro de João, romance de

autoria do Rosário Fusco, um dos

principais criadores da Revista Verde,

anunciadora do modernismo de Minas

Gerais, começa com as “reminiscências”

do narrador que, “num dia de outubro”,

é acusado de ser amante de Carmélia,

pelo marido desta.

A narrativa é intrigante, logo de início,

pois João, o narrador, fora confundido

com algum outro, suposto amante,

merecedor da morte. Para se safar

do confronto, João estabelece um

diálogo absurdo com seu quase

assassino. Chega ao cúmulo de dizer que

a mancha no lençol de sua cama

resultara de um encontro com seu

assistente de trabalho, cuja beleza

desconcertante...

A origem da mancha afinal é mais

prosaica, conforme explicações posteri-

ores. A presença do marido invasor, no

quarto de João, se explicará também.

Rosário responde às prováveis

interrogações do leitor, no fio mesmo da

narrativa.

João trabalha num laboratório de

análises clínicas, localizado em região de

meretrício do Rio de Janeiro e próximo

da sua residência. Sobre a época, posso

dizer que leio uma edição de 1944, a

única parece.

Ele fala da pensão onde mora, uma

edificação de estilo datado, e manifesta

seu “apego às coisas que sugiram

imagens do passado.” Compara a uma

futura decadência, quando seu aposento

“envergonharia um chiqueiro.”

Page 36: Chicos 33 dezembro 2011

35

João inventa um joão para desviar a

cólera de Moreira, o marido de

Carmélia, mas não se livra da invenção,

enreda-se com ela. Os solilóquios de

João e seu outro irrigam a narrativa com

a seiva cultural daquele contexto bra-

sileiro. Foi uma escolha interessante do

autor, trabalhar com dois joões, em vez

de um Quixote e um Pança, por exemplo.

As personagens aparecem na trama

como tipos, caracterizados pelo modo de

agir socialmente e de pensar sobre as

coisas da vida. Poucos têm nome pró-

prio, Moreira e Carmélia, que geram as

reminiscências, são nomeados. Os

outros são o Major, devoto enamorado

da Dona da Pensão, de quem o amor da

vida toda, aparece doente, “só para

morrer” e um casal formado pelo

Fotógrafo e a Loura. São personagens

sem tradição, pertencem ao cotidiano e

ao anonimato. João não, suas reflexões

evocam sua mãe e uma história de vida.

O texto de João chega a ser filosófico –

humano, para ele, é “um adjetivo mise-

rável, qualificador de grandezas e misé-

rias.” Tece considerações várias sobre a

situação criada com o suicídio da Loura,

que estava grávida do Fotógrafo,

foragido, após matar um suspeito de

caso amoroso dela. Considera o agir da

polícia, a importância dos nomes e, mais

enfático conclui que “A morte não altera

coisa alguma no cotidiano dos vivos e

mortos.” “A morte de Cristo foi

espetacular, rebelou os elementos: daí o

seu prestígio. Antes dele a morte era im-

portante, depois dele, perdeu a impor-

tância. A ressurreição da carne, prome-

tida e conceituada, desmoralizou o mis-

tério do fim”. Este é um dos parágrafos

mais ousados do livro. João acredita

na alma. “Mas na alma ligada à carne,

alma que deita comigo, levanta comigo,

escova os dentes...” Declara participação

do mistério, mas duvida da igualdade

dos homens diante das leis dos homens

e de Deus. “Somos e não somos. Depen-

de do boletim meteorológico, das

oscilações da bolsa e das notas (colunas)

sociais.” João se enreda nos aconteci-

mentos das vidas dessas personagens,

ao ponto de se mudar para a residência

de Moreira e Carmélia, por insistência

deste último. Em alguns momentos das

relações de João com elas, determinados

aspectos de sua conduta atraem a

simpatia do leitor, sem truques. É o caso

de sua compaixão pela Loura e dos seus

escrúpulos quanto aos expedientes

pouco lícitos de que se vale o Fotógrafo.

João observa o casal Moreira e Carmélia

de dentro do pacto conjugal deles e diz a

si mesmo, “Tu és o catalisador João”.

Isso não autoriza o leitor a deduzir que

João fez uma escolha, porque o tema

destino é recorrente em suas reflexões,

fala de uma linhagem de decisões

anteriores às nossas.

Page 37: Chicos 33 dezembro 2011

36

“... (Moreira) afirmara-me, certa vez,

que, no amor, o que se ama é a inquieta-

ção...” Nesse capítulo XXII, entram em

cena os sentimentos, inaugurados com o

ciúme. São mais de 60 páginas carrega-

das de minúcias e ousadias sobre o en-

volvimento de João num possível triân-

gulo amoroso e sua inépcia para posicio-

nar-se. Ao final do vigésimo nono

capítulo, o leitor se depara com um João

que acode Carmélia, quando da chegada

de Moreira, logo após a saída de um

homem, recebido por ela no quarto do

casal. Era terça-feira, dia de João e

Moreira, incentivados por Carmélia,

irem se “distrair”. João se furtara dessa

vez, andava arredio.

Por que as coisas não podem ser ditas

simplesmente, entre as pessoas? O

narrador pergunta. No entanto, o Livro

de João é narrativa construída a partir

do não dito e se sustenta nisso. Rosário

Fusco talvez dissesse, é e não é, depende

do leitor e do João da Bíblia.

Os sentimentos desse enredo desenre-

dam-se. “Moreira, para justificar as

concubinas que tomava, atribuía aman-

tes à mulher. E, eu, por desejar possuí-

la, queria disputá-la, não com o marido,

mas com os outros que me tivessem

antecipado na posse de mesma

natureza.” João desatina e

intervém nos acontecimentos de forma

inesperada. Uma outra personagem, o

ginecologista da Carmélia, se vê em

situação parecida com a do João, na

confusão do início do livro. Agora,

porém, há uma descrição das verdades e

das mentiras, síntese do novo papel

desempenhado pelo João, não mais

aquele envolto com exames de urina da

Carmélia, solicitados por Moreira. Não

freqüenta mais seu calabouço,

profundezas da sua alma.

O autor nos adverte: “Nos livros, as

descrições dos sentimentos pertencem,

noventa por cento, ao poder, à força da

sensibilidade de quem lê. A imaginação

monta e desmonta cenas que as palavras

ajudam a construir, para que as

assistamos numa sucessão de imagens,

que se propõe, vivas, ao nosso espírito.

Por instantes, a alucinação da coisa

descrita se apossa de nós, e nos domina,

despótica e voluntariosa. Mas a verdade

é que só podemos rever o já visto, sentir

o já sentido. Narrai a mais delicada

história de amor a quem nunca amou e

rir-se-á de vós.”

Estamos já no capítulo XXXII e nada vou

dizer sobre os dois últimos, vinte

páginas, porque me intriga ainda, como

no início, o final.

O texto de Rosário Fusco é denso e

telegráfico ao mesmo tempo, sua

temática lembra Dostoiévsky e o livro

não tem prazo de validade, ao contrário

das edições. O exemplar que li está

caindo aos pedaços, literalmente. Uma

pena!

Page 38: Chicos 33 dezembro 2011

37

Teatro versus teatro, a

epopeia do CAC

Os Beatles começavam a acontecer

no Hit parade. Pelé jogava no Santos, o

tropicalismo ainda engatinhava e o

cinema novo era a grande promessa de

nossa cinematografia.

Foi nesse contexto artístico e

histórico que surgiu por estas bandas e

barrancas do Rio Pomba o Centro de

Arte de Cataguases. Falar dele, dando

ao mesmo tempo minha íntima, posto

que modesta contribuição para

relembrar da sua existência a partir do

Cine Clube Sergei Einstein, é a

incumbência que me foi delegada.

O CAC foi um grupo de arte surgido

na esteira dos muitos movimentos

culturais de Cataguases da década de

sessenta. Os caquistas se propunham

dentre outras coisas a manter aqui um

centro de arte; com certeza achavam que

os que já existiam não eram o bastante.

O ano, 1964; o grupo, uns seis gatos

pingados capitaneados por um jovem

(mas aquela altura nem tão jovem

assim) Paulo Bastos Martins. Em

tempo hábil cuidaram de arranjar tudo:

estatutos, ata, alvarás e os cambaus.

A cidade não tinha até então tantos

espaços culturais o que fazia com que

suas atividades acontecessem sempre

em locais diferentes. O auditório do

colégio, a sala da maçonaria, os

subterrâneos do prédio do cinema, onde

havia ainda algumas mesas

remanescentes da época em que teria

sido um salão de bilhar.

Page 39: Chicos 33 dezembro 2011

38

Ali aconteciam os eventos: Teatro do

Absurdo: encenação de “O Mestre” de

Ionesco; exposição de quadros de Isaac

Monteiro, judeu holandês, naturalizado

brasileiro e a Mostra Fantástica de

Clério Benevenuto, artista local

emergente que se dizia descendente

direto do próprio Benevenuto Cellini,

exatamente nesta ordem em que estão

relacionados.

Mas o campo de atuação dos moços

caquistas até que era bem mais

abrangente. Incursionaram pela

música concreta – atenção pessoal, eu

disse música – literatura, pintura,

escultura e acreditem ou não, até

radiodramaturgia. Em matéria de

cinema arriscaram-se a voos mais altos

chegando a produzir um filme de longa

metragem, O Anunciador, até

recentemente, única fita rodada aqui

depois do ciclo da Phebo de Humberto

Mauro. Aliás, a quem foi dedicado.

O CAC foi um Sesaugatac no dizer de

um de seus integrantes e mais ativos

participantes (não por acaso o ator

principal no filme que acabei de citar)

Carlos Moura, e teria dado aí a palavra

final em relação ao movimento, mas

efemérides são efemérides, então vamos

lá: Sesaugatec, nada mais é que a

inversão do nome da cidade de

Cataguases, truque que demorei a

decifrar.

Acho que o Centro de Arte de

Cataguases se realizou melhor mesmo

foi no tablado. Produziram peças que se

não foram excelentes no que concerne

as suas montagens, já que desprovidas

de respaldo técnico, primavam pela

originalidade dos temas, pelos seus

processos de improvisação, experi-

mentação e inventividade.

A própria noção de dramaturgia

implica a existência de um texto que é

onde enquanto gênero literário este se

realiza. Os caquistas resolveram

romper com este critério inventando o

teatro sem o texto, sem nenhuma

bolação.

As peças tinham títulos bombásticos:

Humanidade Acorrentada; Invenções

Opus I; Introdução ao suicídio; as

apresentações eram feitas às sextas

feiras no palco do Cine Teatro

Cataguases (antigo nome do Cine

Edgard) quando não havia programado

nenhum filme de cowboy e a plateia era

composta essencialmente de

convidados.

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39

UBE, a entidade dos escritores

ignora a Poesia

Para quem não sabe, UBE quer

dizer União Brasileira de Escritores. Já

foi uma entidade séria. Já foi uma

entidade representativa. Hoje não é

mais. Nem sei, ao certo, o tempo em que

fui associado da UBE-SP. Mas são mais

de quatro décadas, seguramente.

Participei de muitas campanhas de

eleição na UBE. Nunca aceitei qualquer

cargo de direção na entidade.

Trabalhava por uma chapa por

convicção literária e também

ideológica.Sou apenas um poeta. Um

poeta que se dedicou a vida inteira à

Poesia. Também sou um jornalista que

se dedicou a vida inteira ao jornalismo

cultural, à crítica e à promoção de livros.

Por exemplo, no suplemento “Jornal de

Domingo” que criei e editei por 13 anos

no extinto Diário de S. Paulo, dos

Diários Associados, havia lugar para

todos, democraticamente, até para

desafetos declarados. Por esse trabalho

em favor do livro e da literatura foram-

me concedidos dois Prêmios Jabutis de

Imprensa, da Câmara Brasileira do

Livro, e três Prêmios Especiais da

Associação Paulista de Críticos de Arte.

Nesse tempo, anos 70, 80, a UBE ainda

era a UBE, que participava inclusive das

questões políticas, com posições

coerentes e firmes em defesa de

escritores que enfrentavam problemas

com a ditadura. Eu, por exemplo, fui

preso cinco vezes pelo Dops, como

subversivo.

Page 41: Chicos 33 dezembro 2011

40

A última prisão tento esquecer até hoje,

mas sei que não esquecerei nunca.

Voltando ao assunto: nunca aceitei

cargo de direção na UBE, quando ela

era, de fato, uma entidade represen-

tativa dos escritores. Hoje não é mais.

Sempre pertenci a uma corrente comba-

tiva no jornalismo. Mesmo nas questões

culturais. E na literatura também. Um

poeta e jornalista por mais de quatro

décadas associado à UBE, sem nenhuma

mancha que pudesse desabonar a mim

ou a entidade. Pois agora a UBE realizou

um Congresso de Escritores na cidade de

Ribeirão Preto. A bem da verdade, fui

cogitado, numa conversa de um ou dois

minutos, durante um lançamento de

livro, para realizar no evento uma

Oficina de Poesia, coisa que está na

moda. Declinei e sugeri que a UBE

promovesse, no Congresso, uma leitura

de poemas, com a participação de

muitos poetas. Afinal, ao meu ver, isso

caberia facilmente numa programação

tão extensa. Insisti na leitura de poesia

com vários nomes, por acreditar que os

poetas enriqueceriam o evento. Insisti

várias vezes. Não obtive resposta

nenhuma. O poeta Luis Avelima enviou-

me uma mensagem generosa pedindo

que eu me inscrevesse no evento. Mas o

fez, acredito, em nome pessoal. Senti

que a idéia de uma leitura de poesia com

a participação de vários poetas estava

fora de cogitação. O Congresso de

Escritores foi realizado deixando

subtendido na sua programação que

Poesia é artigo de segunda ou terceira

categoria. E para falar sobre poesia

brasileira, a UBE convidou o poeta

português, Luis Serguilha, que se

encontrava no Brasil na ocasião. Nada

contra o poeta. Mas a UBE deu a

entender que não temos gente capaz de

falar sobre poesia brasileira. Temos sim:

escritores e ensaístas de peso, sérios,

honestos e que, aliás, participaram do

Congresso, mas discutindo outros

assuntos. Estavam no evento escritores,

ensaístas e poetas que conhecem a fundo

a Poesia do Brasil. Mas não: preferiu-se

um poeta de fora para falar sobre a

poesia brasileira. Eu, particularmente,

vejo nisso uma afronta. Diante desse

descaso em relação à Poesia, pedi meu

desligamento da UBE, uma entidade

muito distante daquela que conheci.

Hoje, uma entidade que diz ser de

escritores e que, de maneira inexpli-

cável, relega a um segundo plano a

Poesia de um país que é considerada

uma das mais ricas do mundo. Escrevi

uma carta ao senhor presidente da UBE

pedindo meu desligamento. Ele não

respondeu pessoalmente, por falta de

educação ou por descaso. A resposta foi

lacônica, assinada pela Secretaria

Administrativa.

Page 42: Chicos 33 dezembro 2011

41

A seguir, agradeci o meu desligamento

com outra carta. Apresento toda essa

documentação aqui. No final, isso tudo

revela a cara deste país em que vivemos.

A UBE, hoje, é uma entidade que

ninguém sabe ao certo o que significa ou

representa. Lamentavelmente.

*****

A seguir, a troca mensagens entre

o ex-associado poeta Álvaro Alves de

Faria e a UBE de São Paulo:

*****

1.

Caro Joaquim Maria Botelho

Presidente da UBE-SP

Não sei ao certo há quanto tempo sou associado da

União Brasileira dos Escritores em São Paulo,

mas, pelos meus cálculos, há mais de 40 anos.

A realização do recente Congresso de

Escritores em Ribeirão Preto constituiu, para

mim, uma profunda decepção.

Acreditei que, a esta altura da vida e por tanto

tempo sendo um associado, poderia sugerir algo

que, ao meu ver, enriqueceria o evento.

Por várias vezes pedi que fosse realizada

uma sessão de leitura de poemas, com vários

poetas convidados. Nada individual.

O que mais choca é saber que um poeta

estrangeiro - contra o qual nada tenho, por ser

inclusive meu amigo - foi convidado para falar

sobre poesia brasileira.

Para mim, particularmente, isso soa como

um verdadeiro insulto, porque temos aqui - e nem

é preciso dizer - gente capacitada que poderia falar

sobre a produção de poesia neste país.

Senti, então, que a Poesia, nesse

Congresso, foi tratada como um artigo de

"segunda categoria", talvez uma "arte menor", tal o

descaso que a UBE dedicou a esse gênero literário.

Tal o descaso que a UBE dedicou aos

poetas de São Paulo, particularmente, e de outros

Estados do país.

Para mim, isso é inaceitável.

Sendo assim, não me sinto representado

em nada na UBE e peço meu desligamento de seu

quadro associativo.

Peço por gentileza que esta solicitação seja

atendida, porque é em caráter irrevogável.

Agradeço sua atenção

Atenciosamente,

Álvaro Alves de Faria

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42

2.

Caro Álvaro,

o presidente chegou a convidá-lo pessoalmente no

lançamento do livro Gente Pobre para que você

desse uma oficina sobre poesia.

A programação do Congresso contou com uma

oficina de poesia e uma palestra do Serguilha

sobre a poesia.

Também foi realizado um sarau poético aberto a

todos os presentes.

O nosso presidente discorda dessa afirmação.

Mas o seu pedido de desligamento está acatado.

Secretaria Administrativa da UBE

3.

Senhores da UBE-SP:

Eu agradeço, sinceramente, e lamento muito

encerrar minha ligação com a UBE, de mais de

quatro décadas, desta maneira.

De fato, o presidente falou-me sobre uma Oficina

de Poesia numa conversa de um ou dois minutos,

durante o lançamento de um livro, local

totalmente inadequado para tratar de um assunto

assim. Como resposta sugeri que fizéssemos uma

leitura de poemas, com muitos poetas, o que, ao

meu ver, enriqueceria o evento.

Achei que, a esta altura da minha vida e

sendo sócio da UBE há tanto tempo, poderia fazer

essa sugestão numa programação que teve de tudo.

Infelizmente, a sugestão sequer foi

discutida, mesmo com minha insistência.

Mas, o mais vergonhoso, ao meu ver, é

chamar um poeta estrangeiro, Luis Serguilha, de

Portugal, para falar sobre poesia brasileira, com

tantos especialistas em poesia que temos na

própria UBE, muitos dos quais estiveram em

Ribeirão Preto. Nomes de peso na literatura do

Brasil.

Tenho publicado muitos livros em

Portugal, mas se algum dia eu fosse convidado

para falar sobre poesia portuguesa naquele país,

por uma questão ética, eu recusaria.

Agradeço meu afastamento e tenho mais

um lamento a somar: Eu me dirigi ao Senhor

Presidente da entidade e acredito que até por um

gesto de elegância e de educação, o mínimo, a

resposta a este assunto deveria ter sido escrita por

ele e não por uma "secretaria" impessoal.

Mas, no resumo de tudo, isso revela bem

no que se transformou a UBE-SP, a entidade que

diz representar os escritores brasileiros.

Agradecido

Ávaro Alves de Faria

Page 44: Chicos 33 dezembro 2011