chamuças de bacalhau 8

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Chamuças de Bacalhau Wrestling de camiões do lixo não embala nada. A Rita e o Feng Shui. A Luísa do Porto. Serpentes drunfadas e elefantas em greve. Forte de Amer e as escapadelas do Marajá. Esquemas das 1001 noites. Queremos vidros nas janelas. Pior é impossível. Ir ou não ir ver o Taj Mahal? 1

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Aventuras na India

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Chamuças de Bacalhau

Wrestling de camiões do lixo não embala nada. A Rita e o Feng Shui. A Luísa do Porto. Serpentes drunfadas e

elefantas em greve. Forte de Amer e as escapadelas do Marajá. Esquemas das 1001 noites. Queremos vidros nas janelas. Pior é impossível. Ir ou não ir ver o Taj Mahal?

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VIIIWe want window from a glass….but cannot afford it!

Perfeição era o tanas a fazer o pino! Foi só a pior noite de sempre. Ora vejamos, assim que íamos tentar adormecer começa-se a ouvir uma sirene. Parecia que o Titanic vinha contra nós todos os 10 minutos, sem exagero. Como se isso não bastasse para afugentar o João Pestana, ainda havia os canos, do que devia ser uma casa de banho (ou várias a) fazer um barulho infernal.

Exactamente às 4 da manhã começa a entrar pela conduta de ar um barulho tão extraordinário que pareciam dois camiões do lixo a fazer wrestling. Eu não podia acreditar naquilo tudo ao mesmo tempo. E para ajudar, a Rita decidia tossir de vez em quando, mesmo para cima da minha cara, os meus olhos abertos fixavam o tecto, em vão, à procura de algum tipo de consolo divino ou de uma bigorna fatal. Foi só às 5, quando se começou a ouvir uns cânticos misturados com o resto da sinfonia que eu me levantei furiosa e fui abrir a luz, para dar como uma Rita que também não tinha pregado olho mas que nem tinha estado com forças para mandar vir.

E perguntam os meus amiguinhos, o que é que se faz numa situação destas? Em que estamos tão cansadas que só apetece ficar em coma por uma hora, só uma horita ligada à máquina? Bem, fizemos o que se faz um pouco por todo o mundo: ligar a televisão e esperar pela manhã gloriosa. É nisto que a Rita me confessa que para além daquela confusão toda ela tinha passado a noite cheia de medo daquele lado do quarto. -Epá ó Mami, passei a noite toda cheia de medo deste lado do quarto.

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-Medo do lado? Mas que lado? - pergunto eu verdadeiramente intrigada. -Este aqui, da casa de banho e do armário esquisito, sei lá, é sinistro. -Porra, Rita, que grande imaginação, que paciência para ainda te pores a brincar ao Feng Shui, ein? E essa tosse? Era cá um ventinho sempre que tossias! Um minuto de silêncio antes de desatarmos a rir: -E se fossemos tomar o pequeno-almoço ao Pearl e trocar de quarto? -Foi a melhor ideia que já tiveste.

Ficamos tanto tempo a explicar ao anormal da recepção porque é que queríamos outro quarto que eu ia virando Jack Nicholson, no “Shining”. Aliás, estávamos tão furiosas a explicar porque é que aquele quarto era o quinto dos infernos, em tons de verde, que ficamos nos píncaros quando finalmente subimos no elevador, até ao telhado, para ver o quarto novo. Apesar de ficar ao lado do que parecia uma família de refugiados paquistaneses, ao menos era maior e mais arejado. Sorrimos e tivemos exactamente 5 minutos para engolir à pressa o pequeno-almoço e descer para conhecer a Luísa.

Bem, a Luísa era mesmo o que estávamos a precisar naquele dia. A Luísa é um tónico que só podia ter nascido no Norte e estava a fazer a última parte da sua aventura indiana completamente sozinha. Quando chegámos cá a baixo já ela estava à nossa espera, num carro branco que parecia ter saído do 3º Reich, com um motorista bizarro e um guia magrito, de bigodinho à malandro e brinquinho na orelha.

-Então pá, que caras são essas? Dormiram mal? Epá, vocês nem imaginam onde é que estes gajos já me levaram. Caraças, esta gente é toda doida, ontem enfiaram-me num bairro tão sinistro que

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eu pensei cá para mim “Luísa agora é que “tás” mesmo lixada” mas depois épa era uma ourivesaria, no meio daquela merda toda.

Ahhhh, como é bom voltar a falar português com alguém, como é delicioso poder aplicar o vernáculo a tudo o que é opinião, poder dizer mal e dizer bem. Poder dizer na velha língua. E assim fomos nós, trocando belas ideias e muitos palavrões enquanto passeávamos por Jaipur (que é uma cidade fotogénica e caótica, paradoxalmente feita a régua e esquadro por um marajá especialmente dado à geometria. Pintada de molho de cocktail para receber o príncipe Albert em 1876, assim ficou para sempre.) E nós íamos de carro a ouvir as explicações do guia, que de vez em quando nos mandava sair para nos tirar fotografias em pontos estratégicos, enquanto ia fazendo a legenda “Ora aqui temos o Hawamahal, construído pelo Marajá Sawai Pratab Singh. Também conhecido por Palácio dos Ventos pois como podem observar, a fachada é só janelas, e lá dentro é uma corrente de ar que não se pode!”. Uau, dissemos nós. E foi com esta cara que ficamos na fotografia que ele nos tirou, enquanto nos empurrava de novo para o carro.

Na estrada para Amer, a Luísa ia-nos contando a sua aventura e quando chegava à parte de Goa, ficava com um ar de quem tinha ido à Lua em Lua de Mel, e dizia “Goa é que é, vão se passar”. E eu e a Rita ficávamos com um ar algo sonhador a pensar “Mas é o quê?”

Em menos de nada, chegamos a Amer, uma cidadela plantada no meio do deserto, a brilhar ao sol. Na paragem para a foto panorâmica, ficamos ao lado de um encantador de serpentes. É mesmo aquela coisa que só se vê nos desenhos animados, mas ao vivo mete um dó que nem vos conto. Então não é que a dita cobra está completamente drunfada. E o tipo começa a tocar o pífaro e ela nem sabe para que lado se há de esticar. E fica ali a dar guinadas para fora do cestinho até levar com a tampa em cima por falta de verba para continuar o espectáculo. Fugimos de novo para o carro e dirigimo-nos para o forte que ficava em cima da montanha. É nesta

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altura que se combina o próximo momento musical da viagem que passamos a intitular “Dumbo quer voar!”

Oh, andar de elefante. Que sonho tornado realidade. Quem nunca se imaginou a desbravar a savana, em cima de um paquiderme, naquele passo lento e majestoso, rodeados de verdes e sombras, espicaçados pelos sons estridentes das aves e dos animais ferozes. Pois podem continuar a imaginar, que agora irão ter a narração do acontecido.

Selva, nem vê-la. O percurso proposto era uma custosa subida até ao dito forte. Com muitas curvas alucinantes e engarrafamento animal q.b. Ainda tivemos que esperar vinte minutos numa fila de estrangeiros igualmente excitados que eram bombardeados por tudo o que era criancinha a tentar impingir tarecos. Chegadas à nossa vez, pagámos 550 Rs pela partilha da boleia. E, todas emocionadas, lá nos instalámos atrás do motorista. Podemos já acrescentar que passamos os 15 minutos da idílica viagem, entre uma felicidade extrema e uma acalorada discussão com o dito motorista, que ficou com mais trombas que o elefante quando percebeu que não tínhamos dólares para dar.

A nossa elefanta (porque como mais tarde soubemos, eram todas fêmeas para não darem problemas) era tão velha que deve ter dado boleia ao avô do Nehru e tinha um ar de quem se pudesse, fazia um sindicato. Andava lentamente atirando-nos de um lado para o outro, enquanto dizíamos “Gorjeta? Já pagamos 550Rs ainda queres gorjeta? É que nem pensar”. Às tantas o homem parou o elefante e já nem arrancava, mas nós batemos tanto o pé que ele lá voltou à marcha. No fim lá lhe demos 40 Rs das 200Rs que ele queria e fomos encontrar uma Luísa toda chateada, que apesar de ter começado depois de nós, tinha feito a viagem em 5 minutos.

Posso garantir-vos que o Forte de Amer é belíssimo e tem um palacete lá dentro cheio de truques refrescantes para os tempos

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quentes. Foi isso que registámos das explicações do guia, isso e as tácticas do marajá para ir visitar umas mulheres a meio da noite sem as outras saberem. Basicamente os quartos estavam ligados por uma série de túneis pelos quais o dito homem se orientava nas suas escapadelas. E nós estávamos ali a imitá-lo, a subir de cabeça baixa, e chegamos à conclusão que o desgraçado já devia chegar à cama bem cansado. Com o que o guia remata, “Oh não, nós os homens indianos somos muito potentes”, perante a minha cara desconsolada de quem não queria nem saber!

Passamos umas horas a admirar a arquitectura e a escultura deste sítio, cheio de cantinhos fotogénicos com vistas soberbas para o deserto entre colunas trabalhadas. Nós as três e mais umas centenas de turistas fotografantes. Como não havia electricidade, em vez de café, bebemos uma coca-cola e sentamo-nos de cara ao sol, felizes com tanta beleza.

É claro que tanta beleza só podia abrir o apetite. E na descida para o carro fintamos todos os putozinhos vendedores de 20 mini-elefantes (quem é que precisa de 20 mini-elefantes?) que havia. Antes do almocinho tiramos uma foto em frente ao Jalmahal, um palácio em cima de um lago, completamente surreal. Já desesperadas por nutrientes, o vemos o guia fazer mais uma paragem. Só para “conhecerem esta fábrica de tecidos”, antes de conseguir dizer “não” já estava a tentar adivinhar de que cor ia ficar estampado um elefante num pedaço de tecido-demonstração. Por acaso acertei com o Verde, e fiquei com uma souvenir, mas não ia ser só com isso que íamos sair de lá.

Depois da demonstração da estampagem começou uma autêntica visita de estudo à quarta classe, onde pudemos ver artesãos a fazer tapetes. Cada etapa ia sendo explicada pelo nosso guia com um ar de douta sabedoria e depois de lavado e penteado, lá víamos o tapete em seu esplendor. Sensibilizadas com a questão eis nos a entrar numa ampla sala cheia de sofás onde já se encontrava uma família de americanos a sorver coca-colas.

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Sentamo-nos e começamos a perceber o esquema. É que, para quem está de fora, isto é claramente um esquema comercial. Mas para nós tudo era uma surpresa. Estamos as três sentadinhas e o senhor começa a dar estalinhos com os dedos, aos quais obedecem dois ajudantes que pegam nos rolos de tapete e os fazem rolar aos nossos pés. E nós, com um barulho seco, víamos revelados os tapetes voadores mais bonitos que alguma vez mirei. Brilhavam como veludo à luz e nem apetecia pisar. Na verdade, o que me apetecia mesmo era finar-me logo ali, entre os cujos, para o sono eterno, mas esse ainda havia de tardar.

Quando já tínhamos aí uns dez deitados à nossa frente, começámos a ladainha do “não vamos comprar nada, não temos dinheiro, somos estudantes” e outros etecetras. E como é óbvio para cada desculpa nossa, o monhézinho apresentava outras tantas facilidades. Já cansadas de sermos atropeladas por tão engenhosos argumentos, lá dissemos, “olhe que somos mochileiras, onde é que íamos levar um tapete destes?”. E não é que depois de estalar os dedos, vemos os dois rapazes dobrarem, em menos de nada, um tapete até ficar praticamente do tamanho de uma chiclete! O homem olha para nós, com ar de gladiador vitorioso e arranha um presunçoso “NOOOOOOOOOOO PROBLEM Madams.”

“Tapetes é que não amigo, ainda se fossem uns lencinhos”. Ficar calada nunca foi o meu forte e dez minutos mais tardes estávamos praticamente a ser aduladas por um harém de rapagões que nos mostravam sedas atrás de sedas. Não resisti e fui experimentar um sari azul índigo que me ficava tão bem que me ia desgraçando. A Rita faz me uma cara de “É caríssimo, não leves isso pá”. E eu agradeci o desencantado conselho, perguntando em voz alta, “Então, quem é que me quer ajudar a despir isto?” Viva, que homens tão prestáveis!

Tivemos que comprar o lencinho, ficou a 300 Rs mas eles juraram que era pura seda e nós acreditamos porque só queríamos ir almoçar. Finalmente no carro, já sonhávamos com a bela refeição

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quando paramos em frente a um prédio branco em cuja fachada morriam motivos muito propositadamente neo-clássicos. “Olá, o que vem a ser isto agora?”. O guia diz que é só um centro comercial, que não precisávamos de pagar nada era só para ver. Lá saímos do carro contrafeitas e entrámos no edifício. O que vimos deixou-nos de boca aberta.

O edifício tinha três ou quatro andares de lojas chiquérrimas e, tirando a senhora que estava à porta para nos receber, não tinha absolutamente mais ninguém! Imaginem o Colombo sem vivalma. Era qualquer coisa do género. A bela indiana que nos recebeu começou literalmente a mostrar-nos as lojas uma a uma! Foda-se! Ela dizia “As sedas” e apontava para a porta. Nós entravamos na loja, víamos as sedas ao preço de um carro e saímos. “As peles”, “Os bordados de Caxemira”, “A Prata”, “O Ouro”, aquilo parecia o sítio onde os reis magos se iam abastecer antes do Natal. E nós às tantas passamo-nos com tanto sorrisinho amarelos e dissemos “A Comida”. Adeus!

A comida aconteceu num restaurante para turistas ao qual viramos costas depois de ver o menu, mas cujo empregado veio atrás a dizer que faziam tudo por 100 Rs e lá nos deliciamos com um Thali enquanto um bailarino do Rajastão saltitava à nossa volta com movimentos femininos e tocava o seu instrumento de cordas.

Ainda tínhamos muitas visitas pela frente mas perguntamos muito respeitosamente se podíamos não ir ver mais monumentozinho nenhum, nem loja, nem centro comercial, nem nada. Só queríamos mesmo dar uma volta pelo centro de Jaipur, sentir o trânsito, o cheiro da fruta ao sol, os tecidos a serem tingidos em grandes baldes coloridos, as pequenas lojas de tudo, o fervilhar da multidão sem rosto e esses lirismos todos sem fim!

É isso que estamos a ver agora. Subimos ao terraço de um templo com centenas de pombas e estamos a ver tudo isso com aquela bela distancia que as mulheres dos marajás tinham. Mas ou

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não fossemos nós aventureiras, decidimos descer para conhecer as gentes. São mais ou menos estas gentes que vão dar com uma mota em cima da Rita, num momento mais confuso de transito, mas foi só mais susto que outra coisa. De repente e vá-se lá saber porquê os lencinhos começaram a dar um jeitão para nos tapar a cara, é sempre bom voltar ao anonimato europeu.

Estamos agora a voltar para o hotel e apesar de não nos lembrarmos da rua do mesmo, sabemos que não era num sítio assim tão mau. Estamos num bairro assustador, com varas de porcos a comer lixo, crianças que brincam de qualquer maneira e gente que olha para nós de lado. E nós olhamos de lado para as gentes, e umas para as outras já com aquela impressãozinha no estômago que diz “foge”. E de repente o carro entra para o quintal de uma casa. Três homens esperam por nós.

Pronto, já nos desgraçámos todas. Saímos do carro e o guia prometia que estava tudo bem. E nós não acreditávamos nem um bocadinho mas não tínhamos sítio melhor para ir. Eu começo a tentar decorar o sítio. O numero da porta, o nome da rua, “onde é que estamos?” Entramos por uma porta lateral para uma sala às escuras. “Eu devia ter dado ouvidos à minha mãe, bolas.”

-Rita onde é que estás?-Estou aqui.-O que é isto pá?-Não faço ideia!-Merda!

De repente faz se luz, os olhos levam um bocado de tempo a habituar-se ao brilho. É que de repente tudo brilha! São vitrines e vitrines com jóias, prata, ouro, pedras e gemas. São colares e pulseiras e brincos de todos os feitios “Ahh, cabrões, só podia ser isto” exclamava a Luísa. Pelos vistos já não era a primeira vez que visitava os Judeus de Amesterdão na Índia. Se aquilo fosse o cofre do

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Champalimaud em plena favela, eu até podia estar surpreendida, mas era só mais uma maluquice indiana. Lá nos tentaram impingir tudo acompanhado de um cházinho, mas queríamos era sair dali para fora rapidamente. Constatámos que depois daquele dia capitalista o que precisávamos mesmo era de umas cervejinhas no telhado do hotel ao pôr-do-sol e combinamos isso mesmo com a Luísa para uma hora depois.

Se dissesse que voltamos alegremente ao nosso quarto e dormimos uma bela sesta nessa hora, estaria a mentir descaradamente. Nem coisa que se esperasse podia acontecer numa terra de pernas para o ar. Ora bem, quando chegámos ao nosso novo quartinho no telhado, sentimos uma leve corrente de ar. Foi aí que, afastamos as cortinas e percebemos que as janelas não tinham vidro! Tínhamos dois problemas: o frio de noite e a família de refugiados. Como o dia tinha sido cansativo decidimos nem tentar, descemos à recepção e expusemos o problema.

-Queremos um quarto novo!-Not possible. Já não há mais.-Então vamos sair do hotel.-Qual é o problema com o novo quarto?-Não tem vidro nas janelas.-E qual é o problema com o quarto?Faço uma cara de estúpida que dura um segundo. Não valia a

pena explicar porque é que queríamos vidros nas janelas. Mais valia reforçar o objectivo de mudar de quarto. Eu ia aprendendo!

-Queremos um quarto com vidro nas janelas!-Esperem, já se resolve o problema. – disse o indianozinho

antipático enquanto vira costas. – Tomem isto. – Entregando-nos um jornal.

Segunda cara de estúpida, que desta vez dura mais tempo para tentar perceber se ele estava mesmo a falar a sério. Estava.

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-Nós NÃO queremos jornal nas janelas. Queremos vidro, e se não trocarmos de quarto vamos embora.

-Está bem. Podem ir.Já estamos a virar costas quando vem o gerentesinho acalmar

os ânimos. “Folgou agora um quarto querem vê-lo?” Assim já nos entendemos. O novo quarto não cumpria uma única alínea dos códigos hoteleiros do tempo da CEE. Era metade de um quarto que tinha sido dividido em dois por uma estrutura de madeira e vidro fosco tapado por uns cartazes. “São capazes de ouvir um bocado de barulho do casal do quarto ao lado” diz o idiota entre risinhos. Terceira cara de estúpida já com uma raiva assassina “Oh, Rita tu anda-me cá ver esta merda”.

Dizia o gerente que tinham mais um para escolha, mas ficava ao lado do elevador por isso não garantia silêncio. “Ouça lá, mas não tem quartos sem problemas?” Tinha, tinha, mas custava 600 Rs. “Vamos lá ver isso então.” Vimos o nosso novo quarto durante uns segundos findos os quais, o quadro do hotel estoirou e ficou tudo às escuras uma boa meia hora.

Foi uma meia hora refasteladas na cama a pensar que íamos pagar mais, mas que ao menos o quarto valia a pena, era espaçoso. Foi a meia hora de descanso antes das luzes se acenderem e percebermos que estávamos enganadas. Este belo quarto de papel de parede vintage era o cenário perfeito para o “Psycho” do Hitchcock. Tinha uma bela casa de banho “Rosa como Jaipur” slogan bestial da Rita, cuja parede acabava antes de chegar ao tecto e portanto comunicava em sons com a casa de banho do quarto ao lado.

Já o dito quarto reunia todos os problemas dos quartos anteriores, não só as janelas não tinham vidros, como tinha uma portinha sem fechadura para o quintal de sei lá quem. Havia bastantes armários sinistros que nem tivemos coragem de abrir, e uma misteriosa porta castanha fechada à chave. Portanto em todas as paredes menos a da cabeceira da cama, tínhamos portas e janelas

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e armários (incrível). Fizemos pois a única coisa que havia a fazer. Perdemos 10 minutos a rir que nem umas perdidas daquela maluquice toda e começamos a tentar arranjar uma maneira para abrir as garrafas de cerveja.

Foi nestes preparos que chegou a Luísa e resolveu logo o problema na cabeceira da cama que muitas bordoadas depois, deu um belíssimo abre caricas. Pobre Luísa, não se divertiu muito nesta matiné, pois estávamos a rever o orçamento de Estado, já sob o efeito do Atarax. A questão shakespeareana que se punha era ir ou não a Agra ver o Taj. Por um lado queríamos ir por outro, íamos gastar uma dinheirama. Aquilo estava a dar muita celeuma, sobretudo porque o orçamento não podia passar as 1000 Rs por dia, cerca de 20 euros, e o Taj ficava um bocado fora de sítio.

Vai de então que a Rita telefona ao Atish a pedir ajuda, que nos dá uma proposta milionária, que eu recuso logo de olhos muito abertos. Num rasgo de iluminação lá decidimos estar mas é quietinhas e ir para a cama que o dia já tinha sido comprido.

A Rita ainda levou a Luísa para ir conhecer o Antoni e o restaurante do Palace. Adeus Luísa, obrigada pela loucura! Caí na cama e não me levantei mais. Adeus ó Taj. Olá noite descansada…

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