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CETCC- CENTRO DE ESTUDOS EM TERAPIA COGNITIVO- COMPORTAMENTAL DIRNEI GODINHO DE MORAES TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL APLICADA EM CASOS DE DEPENDÊNCIA QUÍMICA: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA SÃO PAULO 2014

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Page 1: CETCC- CENTRO DE ESTUDOS EM TERAPIA COGNITIVO ... · Terapia Cognitivo-Comportamental ... técnicas específicas da abordagem da terapia cognitivo ... também denominada via do reforço,

CETCC- CENTRO DE ESTUDOS EM TERAPIA COGNITIVO-

COMPORTAMENTAL

DIRNEI GODINHO DE MORAES

TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL APLICADA

EM CASOS DE DEPENDÊNCIA QUÍMICA: UMA REVISÃO

BIBLIOGRÁFICA

SÃO PAULO

2014

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DIRNEI GODINHO DE MORAES

TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL APLICADA

EM CASOS DE DEPENDÊNCIA QUÍMICA: UMA REVISÃO

BIBLIOGRÁFICA

Monografia apresentada ao Centro de Estudos em

Terapia Cognitivo-Comportamental (CETCC), curso

de especialização, para obtenção do titulo de

Especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental.

Orientador: Profª. Msc. Eliana Melcher Martins

Coorientador: Profª. Drª. Renata Trigueirinho Alarcon

SÃO PAULO

2014

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Fica autorizada a reprodução e divulgação deste trabalho, desde

que citada á fonte.

Moraes, D. G. Terapia Cognitivo-Comportamental aplicada em casos de dependência química: uma revisão bibliográfica. Dirnei Godinho de Moraes, Eliana Melcher Martins, Renata Trigueirinho Alarcon – São Paulo, 2014. 37 f + CD-ROM Trabalho de Conclusão de Curso (especialização) – Centro de Estudos em Terapia Cognitivo-Comportamental (CETCC). Orientação: Profª. Msc. Eliana Melcher Martins Coorientação: Profª. Dra. Renata Trigueirinho Alarcon

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Dirnei Godinho de Moraes

Terapia Cognitivo-Comportamental aplicada em casos de dependência

química: uma revisão bibliográfica.

Monografia apresentada ao Centro de Estudos em

Terapia Cognitivo-Comportamental como parte das

exigências para obtenção do título de Especialista

em Terapia Cognitivo Comportamental.

BANCA EXAMINADORA

Parecer: ____________________________________________________________ Orientadora: Profa. Msc. Eliana Melcher Martins _____________________________ Parecer: ____________________________________________________________ Coorientadora: Profa. Dra. Renata Trigueirinho Alarcon ________________________

São Paulo, ___ de __________________ de ______

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DEDICATÓRIA

À toda minha família pelo apoio e compreensão.

À Eliana Melchior e Élcio Martins pelos ensinamentos e amizade.

À Renata Alarcon pelo estímulo e paciência na orientação, tornando possível

a conclusão desta monografia.

Aos meus colegas do curso pelas trocas de experiências.

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AGRADECIMENTOS

Em especial, gostaria de agradecer:

A orientadora Profª Msc. Eliana Melcher Martins por compartilhar sua

experiência profissional, pelo carinho e dedicação demonstrados durante

todo o período do curso e principalmente na troca de experiência nas

supervisões de caso e Élcio Martins pelos ensinamentos e amizade.

A coorientadora Profª Drª Renata T. Alarcon pela disponibilidade em

ajudar em momentos mais difíceis e pela compreensão. Agradeço de

coração a tolerância extra-ano curricular.

A todos o(a)s colegas de turma que me incentivaram a não desistir e lutar

pelas minhas realizações, onde fui privilegiado por compartilhar, de duas

turmas ótimas de formação 2012/2013, primeira e segunda turma.

A todas as pessoas que direta e/ou indiretamente colaboraram com o

desenvolvimento deste trabalho.

A minha amiga Dra. Iara Diefenthaeler pela ajuda direta no início deste

trabalho, aguentando minhas ansiedades e tribulações existenciais.

A minha Família, base e motivo de tudo isso poder ser realizado.

A Deus, por tudo.

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RESUMO

Esta pesquisa bibliográfica teve por objetivo verificar como as intervenções da Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) estão sendo utilizadas pelos colegas psicólogos que atuam na rede de atenção a saúde mental do Brasil, e demais instituições com o foco claro no Transtorno de Uso de Substâncias (TUS) e analisar quais os resultados obtidos destas intervenções. O método utilizado foi uma busca, nas bases de dados SCIELO e Google Acadêmico, de artigos indexados em português, no período de publicação de 2004 a 2014 pelos descritores: abuso de drogas terapia cognitivo-comportamental, dependência química terapia cognitivo-comportamental, com faixa etária acima dos 16 anos. Como resultado verificou-se que, além da utilização de protocolos com base na tríade cognitiva utilizando técnicas específicas da abordagem da terapia cognitivo-comportamental para reestruturação cognitiva de pensamentos disfuncionais, foi encontrada uma série de técnicas como: Técnicas de Substituição por Imagens Positivas (SIP), Relaxamento Respiratório (RR), Treinamento em Habilidades Sociais (THS) e a Prevenção de Recaídas (PR). Observou-se que: o maior número dos trabalhos encontrados utilizou-se destas técnicas em grupo, pela possibilidade de atender um número maior de pacientes. A carência de estudos empíricos, grupo controle, aplicação de protocolos específicos para o TUS, em estudos nacionais foi de nítida percepção no resultado da pesquisa: um déficit enorme, até mesmo de trabalhos em inglês, facilmente traduzido para o português. Assim há necessidade de que mais trabalhos nacionais sejam realizados e divulgados, para que mais profissionais e pacientes possam se beneficiar dos recursos desta, que podemos considerar assim, abordagem. Palavras-chave: Terapia Cognitiva Comportamental. Abuso De Drogas. Dependência Química.

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ABSTRACT

This literature review aimed to verify how interventions of cognitive-behavioral therapy (CBT) are being used by fellow psychologists who work in the network of mental health care in Brazil, and other institutions with the clear focus on Substance Use Disorder (TUS) and analyze what were the results of these interventions. The method used was a search on SCIELO database, Google Academics, articles indexed in Portuguese, in the 2004 publication period to 2014 by the descriptors: drug abuse cognitive behavioral therapy, addiction cognitive behavioral therapy, aged over 16 years. As a result it was found that, in addition to using protocols based on techniques using specific cognitive triad of cognitive-behavioral therapy approach to cognitive restructuring of dysfunctional thoughts, a number of techniques have been found as: Substitution Techniques for positive images (SIP), Breathing Relaxation (RR), Social Skills Training (SST) and Relapse Prevention (RP). It was observed that: the largest number of other papers was used group of these techniques, the possibility of meeting a higher number of patients. The lack of empirical studies, the control group, application specific protocols for the TUS in national studies was clear perception in the search result: a huge deficit, even work in English, easily translated into Portuguese. So there is need for more national activities are carried out and published, so that more professionals and patients can benefit from this resource, which we can consider as well, approach. Keywords: Cognitive Behavior Therapy. Drug Abuse. Drug Dependence.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Via dopaminérgica mesocorticolímbica, também denominada via do

reforço, da gratificação ou do prazer. O sistema de recompensa. "Estruturas que

compõem o sistema límbico têm um papel crucial na expressão das emoções e na

atividade do sistema de recompensa do cérebro (área tegmental ventral e nucleus

accumbens). A experiência do prazer e a modulação da recompensa acontecem a

partir de uma 'cascata' de recompensa, ou seja, um encadeamento de neurônios que

interagem dentro do sistema límbico, por meio de diversos neurotransmissores. O

consumo prolongado de drogas altera o regime desses últimos. A deficiência de um

ou mais neurotransmissores (em especial a dopamina) pode suplantar a sensação

de bem-estar por ansiedade, mal-estar e fissura por uma substância capaz de aliviar

tais sintomas negativos” ............................................................................................ 17

Figura 2 – Sistema de neurotransmissão que modulam a via dopaminérgica

mesocorticolímbica e que são alvos da ação das drogas (GABA: ácido gama-

aminobutírico) ............................................................................................................ 18

Figura 3 – Modelo Cognitivo de Beck para o uso de substâncias psicotrópicas ....... 19

Figura 4 – Modelo cognitivo-comportamental de recaída. ......................................... 29

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Estudos brasileiros sobre Intervenções da TCC em casos de

dependência química, especificando o número de pacientes, tipo de estudo e

número de sessões ................................................................................................... 23

Tabela 2 – Estudos brasileiros sobre Intervenções da TCC em casos de

dependência química, especificando os instrumentos da TCC utilizados ................. 24

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 10

1.1 Classificação de algumas drogas ................................................................. 12

1.2 Entendo a neurobiologia da dependência (qual a atuação das substâncias no

SNC) ...................................................................................................................... 16

1.3 A dependência de substância na perspectiva do modelo cognitivo de Aaron

Beck ...................................................................................................................... 18

2 OBJETIVO ......................................................................................................... 21

3 MÉTODO ........................................................................................................... 22

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO ......................................................................... 23

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................... 34

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 35

ANEXOS ................................................................................................................... 37

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1 INTRODUÇÃO

As mais recentes descobertas neurocientíficas associadas à constelação de

conceitos e teorias biológicas, psicológicas e sociais relativas à compreensão do

comportamento humano é um desafio que podemos atribuir aos nossos dias atuais.

Este arcabouço de saberes é fundamental para o entendimento, avaliação e

tratamento de dependência química.

Para estas condições, os fatores determinantes acontecem de maneira tão

complexa que se torna difícil mensurar uma etiologia presente em todos os

indivíduos afetados com esta síndrome (VOGEL, 1997; BAU & HULTZ, 2000 apud

GIGLIOTI & GUIMARAES, 2010). Segundo os mesmos autores, em sendo a

dependência química uma condição multifatorial/causal, pode-se prever alguns

conjuntos de fatores que podem estar envolvidos neste desenvolvimento: aspectos

genéticos e neurobiológicos; comorbidades psiquiátricas; estrutura psicológica do

individuo e seus recursos de defesa para lidar com as emoções e situações difíceis;

a oferta e disponibilidade de acesso a(s) substância(s); o tipo desta(s) substância(s);

histórico familiar e possíveis disfunções; risco de hereditariedade, de estresse e de

situações traumáticas de vida; entre outros fatores.

Nos dias atuais é possível entender a dependência química como uma

doença crônica com atuação no cérebro, onde o uso continuado de substâncias

psicoativas provoca comprovadas mudanças na estrutura e no funcionamento desse

órgão (KALIVAS & VOLKOW, 2005 apud LARANJEIRA & RIBEIRO, 2010). Com

isto, estas alterações iniciam ou amplificam comportamentos de natureza impulsiva

que, anteriormente, pouco ou nada interferiam na vida do individuo e seus grupos de

convivência. A condição tênue entre o biológico e o psicossocial, muitas vezes,

confunde familiares e profissionais da área que podem abordar o assunto de

maneira focalizada, podendo levar a condutas parciais – por vezes equivocadas –

que poderão comprometer a boa evolução de condução em muitos casos de

tratamento (SCHUCKIT, 2006 apud LARANJEIRA, 2010).

A dependência química é caracterizada por compulsão para a busca e

obtenção da substância, perda do controle sobre a quantidade de consumo e

emergência de sentimentos negativos como disforia, ansiedade, irritabilidade

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quando o aceso à droga é impossibilitado. Essas características tornam o tratamento

de tais pacientes, difícil e desafiador, principalmente pela pouca adesão e pelo alto

número de recaídas (ARGIMON, 2009 apud GIGLIOTI & GUIMARAES, 2010).

Segundo a OMS, na Classificação de Transtornos Mentais e de

Comportamento da CID-10 (1993):

[...] um diagnóstico definitivo de dependência deve usualmente ser feito somente se três ou mais dos seguintes requisitos tenham sido experenciados ou exibidos em algum momento durante o ano anterior: (a) Um forte desejo ou senso de compulsão para consumir a substância;

(b) Dificuldades em controlar o comportamento de consumir a substância em termos de seu início, término ou níveis de consumo;

(c) Um estado de abstinência fisiológico (ver F1.x.3 e F1x.4) quando o uso da substância cessou ou foi reduzido, como evidenciado por: síndrome de abstinência característica para a substância ou o uso da mesma substância (ou de uma intimamente relacionada) com a intenção de aliviar ou evitar sintomas de abstinência;

(d) Evidência de tolerância, de tal forma que doses crescentes da substância psicoativa são requeridas para alcançar efeitos originalmente produzidos por doses mais baixas (exemplos claros disto são encontrados em indivíduos dependentes de álcool e opiláceos, que podem tomar doses diárias suficientes para incapacitar ou matar usuários não tolerantes);

(e) Abandono progressivo de prazeres ou interesses alternativos em favor do uso da substância psicoativa, aumento da quantidade de tempo necessário para obter ou tomar a substância ou para se recuperar de seus efeitos.

(f) Persistência no uso da substância, a despeito de evidência clara de consequências manifestantes nocivas, tais como dano ai fígado por consumo excessivo de bebidas alcoólicas, estados de humor depressivos consequentes a períodos de consumo excessivo da substância ou comprometimento do funcionamento cognitivo relacionado à droga; deve-se fazer esforços para determinar se o usuário estava realmente (ou se poderia esperar que estivesse) consciente da natureza e extensão do dano.

Jungermam & Zanelatto (2009) consideram que apesar dos comportamentos

aditivos gerarem um padrão comum na atitude dos indivíduos, com muitas

características cognitivas e comportamentais observadas e compartilhadas entres os

usuários de substâncias psicoativas, há muitos aspectos que são particulares e que

estão diretamente relacionados ao perfil de substância de escolha deste indivíduo.

Zanelatto & Sakiyama (2011) apud Diehl & Cordeiro & Laranjeira & cols

(2011) comentam que um tratamento pode ser considerado eficaz quando este

atende o máximo possível as variáveis de necessidades para um dependente

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químico, dentro de um âmbito médico-psiquiátrico, pessoal, emocional, psicológico,

familiar, social, acadêmico, profissional e etc.

Segundo Laranjeira & Ribeiro (2010), a possibilidade de aplicação de um

conjunto de técnicas terapêuticas estruturadas e orientadas, conforme as

necessidades do indivíduo, afetam tanto os processos de estruturação de

pensamento bem como os padrões de comportamento, até então tidos como

disfuncionais e prejudiciais ao indivíduo. A condição de uma mudança cognitiva (ao

nível do pensamento) gera uma mudança comportamental (ao nível da ação), sendo

que o contrário, neste raciocínio, irá fazer-se verdadeiro da mesma forma. Portanto,

dentro dos problemas relacionados à dependência de substâncias psicoativas, o

conjunto e combinação de uma abordagem de reconhecimento na esfera cognitiva e

de um conjunto de procedimentos de mudanças ao nível do comportamento

proporciona a chance de uma maior eficácia ao tratamento.

1.1 Classificação de algumas drogas

Antes de nos preocuparmos claramente com a classificação de substâncias

psicotrópicas vamos compreender alguns conceitos sistematizados pela OMS

(Organização Mundial da Saúde) (1981).

Droga: “qualquer entidade química ou misturas de entidades (outras que

não aquelas necessárias para a manutenção da saúde, como, por

exemplo, água e oxigênio) que alteram a função biológica e

possivelmente a sua estrutura.”

Drogas psicoativas: “são aquelas que alteram comportamento, humor e

cognição.”.

Drogas psicotrópicas: “agem no SNC produzindo alterações de

comportamento, humor e cognição, possuindo grande propriedade

reforçadora e sendo, dessa maneira, passíveis de autoadministração.”

São os psicotrópicos, portanto, as substâncias que podem levar à

dependência.

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Para o CEBRID (Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas

Psicotrópicas) em parceria com o Departamento de Psicobiologia - Unifesp/EPM,

mais complicada é a seguinte palavra: “psicotrópico”.

[...] percebe-se claramente que ela é composta de duas outras: psico e trópico. Psico é fácil de se entender, pois é uma palavrinha grega que significa nosso psiquismo (o que sentimos, fazemos e pensamos, enfim o que cada um é). Mas trópico não é, como alguns podem pensar, referente a trópicos, clima tropical e, portanto, nada tem a ver com uso de drogas na praia! A palavra trópico aqui relaciona-se com o termo tropismo que significa ter atração por. Então psicotrópico significa atração pelo psiquismo e drogas psicotrópicas são aquelas que atuam sobre o nosso cérebro, alterando de alguma maneira o nosso psiquismo.

Segundo Zanelatto & Laranjeiras (2013), resumindo então, as drogas

psicotrópicas podem ser classificadas em três grupos, de acordo com a atividade

que exercem junto ao nosso cérebro:

Depressores da Atividade do Sistema Nervoso Central: diminuição da

atividade do sistema, lenteando seu funcionamento. Já em termos de

efeito as consequências desse fenômeno podem ser aumento do sono,

dificuldade de concentração, lentidão motora e de reflexos.

Benzodiazepínicos: medicamentos que tem como propriedade a redução

do estado de tensão e de ansiedade (também chamados de ansiolíticos).

A ação desta classe de substâncias atua no sistema neurotransmissor

GABAérgico. Risco claro de dependência quando usado sem orientação

de um especialista.

Álcool: álcool etílico provoca alterações no sistema glutamatérgico,

provocando alterações no neurotransmissor glutamato e liberação do

ácido GABA e assim disfuncionando a atuação da serotonina, acetilcolina

e de opióides endógenos responsáveis pela liberação de dopamina no

nosso sistema de recompensa dopaminérgico.

Solventes: produtos que percebem a classe dos hidrocarbonetos:

mecanismo de ação complexo, mas parece relacionar partes do efeito do

álcool e parte dos benzodiazepínicos. Exemplos: cola, benzina, gasolina,

vernizes, esmaltes, removedores, fluido de isqueiro, acetona, lança

perfume.

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Opiáceos: extraída da planta popularmente chamada de papoula-do-

oriente, Papaver somniferum, dai vem à extração da morfina e da

codeína. Uma pequena modificação na estrutura química da morfina dá

origem à heroína. Também encontramos substâncias sintéticas como

metadona, meperidina e propoxifeno.

Estimulantes da Atividade do Sistema Nervoso Central: a aceleração

do sistema nervoso acelera a atividade psicomotora. O aumento desta

excitabilidade pode aumentar o estado de alerta e atenção, diminuição do

sono, apetite, pode gerar sensação de euforia.

Cocaína e crack: extraída da folha da coca, após o refino dá origem a

pasta base de onde vem à fabricação da cocaína, em forma de pó, ou

misturada com bicarbonato de sódio para fabricação do crack. A diferença

de uso entre estas duas substâncias confere características bem

diferentes quanto à potência e à duração do seu efeito.

Anfetaminas: substancias sintéticas com grande poder estimulante e

euforizante, muitas vezes usadas para diminuição de fadiga e aumento do

estado de atenção. Junto à própria anfetamina, existe um grupo de

derivados como femproporex, dietilpropiona, metilfenidato, pemolina,

mazindol, as metanfetaminas (ice, cristal) e o ecstasy. Para ambas as

substâncias o efeito ocorre no bloqueio da receptação de dopamina nas

fendas sinápticas do sistema de recompensa. Isto confere as anfetaminas

um efeito mais duradouro quando comparada a cocaína, lembrando que

esta última também tem propriedades anestésicas e vasoconstritoras.

Tabaco: dentre as várias substâncias químicas identificadas no cigarro e

capazes de causar danos à saúde, a nicotina é a substância presente na

folha do tabaco potencialmente causadora de dependência por suas

propriedades farmacológicas agindo em diversos neurotransmissores, os

principais são a dopamina, noradrenalina, serotonina e acetilcolina.

Perturbadores da Atividade do Sistema Nervoso Central: podem

provocar perturbação no sistema com quadros alucinatórios, na grande

maioria de natureza visual. Algumas podem ser consideradas

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psicoticomiméticas porque podem propiciar estados psicóticos (delírios,

alucinações, perda da noção de realidade).

Cannabis: principio ativo puro é o tetra-hidrocanabinol (THC). É esta

concentração que determina a sua potência. É uma mistura de folhas,

sementes, caule e flores da Cannabis sativa, nome dado à planta.

Provoca alterações cognitivas como dificuldade das associações e

fragmentação nos pensamentos; déficit na memória de fixação e da

atenção; dificuldade de elaborar conceitos lógicos e tomada de decisão;

alterações no humor, apetite e sono.

LSD: dietilamida do ácido lisérgico é considerada a droga mais clássica

no contexto de potência alucinógena, obtida de maneira sintética. Ela

bloqueia a ação de uma substância que age sobre a dopamina. O

aumento da dopamina gera a sensação euforizante da substância

gerando alucinações visuais, auditivas e misturas dos sentidos.

Cogumelos: na realidade são cogumelos não comestíveis dos gêneros

Psilocybe, Panaeolus e Conocybe. Seus princípios ativos são a

psilocibina e a psilocina. Os sintomas, mesmo sendo de impacto

supostamente mais leve, mas semelhantes aos efeitos do LSD.

Ayahuasca: já temos estudos que comprovam o poder deste agente

psicodélico em gerar tolerância e dependência. Este agente natural

recebe o nome de N-dimetiltriptamina- DMT. Esta substância é consumida

em forma de chá e utilizada em rituais religiosos do Santo Daime, com

objetivo de proporcional introspeção facilitando o autoconhecimento.

Anticolinérgicos: substância capaz de bloquear a ligação do

neurotransmissor acetilcolina aos seus receptores. Quando utilizados em

doses elevadas, podem provocar delírio, confusão mental e perda da

memória para fatos recentes, além de alguns efeitos somáticos como

dilatação da pupila, boca seca, dificuldade de urinar e diminuição do

trânsito intestinal. Esta substância pode ser encontrada em plantas como

beladona, mandrágora e plantas do gênero Datura.

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1.2 Entendo a neurobiologia da dependência (qual a atuação das substâncias

no SNC)

Almeida, Bressan & Lacerda (2011) apud Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols

(2011) chamam a atenção que mesmo existindo avanço científico alcançado na área

de dependência química, parte-se sempre da idéia que o uso prolongado de

substâncias com potencial de abuso no cérebro, outros aspectos como sociais,

culturais, educacionais e comportamentais têm papel central para o risco também o

desenvolvimento da síndrome da dependência. O que sabemos hoje, através destes

estudos, na esfera neurobiológica, é que as substâncias psicotrópicas agem

principalmente na esfera das vias dopaminérgicas que estão relacionadas

diretamente com nossos circuitos motores, límbicos e cognitivos dos núcleos de

base.

Esses mecanismos genéticos podem definir uma transição entre os possíveis

padrões de uso que podem ser nomeados como “recreacionais” até um padrão

norteado por comportamento reconhecido pela perda de controle e seu impacto em

um possível desenvolvimento da dependência. Diversos estudos caminham no

entendimento que existe aí, uma transição de reprogramação de circuitos neuronais

que são responsáveis pelo processo da motivação, comportamentos de

recompensa, memória, condicionamento, habituação, o funcionamento executivo e o

controle inibitório, assim como a reatividade ao estresse e suas consequências.

Essa transição é influenciada geneticamente, neurologicamente e através do

ambiente, assim como suas consequentes interações, que podem determinar o

curso e a gravidade do transtorno (ALMEIDA, BRESSAN & LACERDA, 2011 apud

DIEHL et al 2011).

Dos mesmos autores, hoje estes circuitos neuronais podem ser descritos:

1) O conhecido sistema de recompensa cerebral, localizado no nucleus

accumbens;

2) O córtex orbitofrontal, região diretamente ligada à motivação;

3) Região da amígdala e do hipocampo responsáveis pela memória e

aprendizagem;

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4) Córtex pré frontal e o giro do cíngulo anterior, ligados ao controle e

planejamento.

A maioria das substâncias atua aumentando o tônus de neurotransmissão da

dopamina, noradrenalina e serotonina, e agem no bloqueio da recaptação desses

neurotransmissores.

Figura 1 – Via dopaminérgica mesocorticolímbica, também denominada via do reforço, da gratificação ou do prazer. O sistema de recompensa. "Estruturas que compõem o sistema límbico têm um papel

crucial na expressão das emoções e na atividade do sistema de recompensa do cérebro (área tegmental ventral e nucleus accumbens). A experiência do prazer e a modulação da recompensa

acontecem a partir de uma 'cascata' de recompensa, ou seja, um encadeamento de neurônios que interagem dentro do sistema límbico, por meio de diversos neurotransmissores. O consumo

prolongado de drogas altera o regime desses últimos. A deficiência de um ou mais neurotransmissores (em especial a dopamina) pode suplantar a sensação de bem-estar por ansiedade, mal-estar e fissura por uma substância capaz de aliviar tais sintomas negativos”

Fonte: http://apps.einstein.br/alcooledrogas/novosite/atualizacoes/as_115.htm.

Giglioti & Guimaraes (2010) inferem que, embora as drogas de abuso

apresentem diferenças na sua neurofarmacologia, todas, de alguma maneira, ativam

o sistema dopaminérgico mesocorticolímbico (Figura 1). Este sistema é responsável

pela modulação das nossas emoções e comportamento. A ativação do nucleus

accumbens e de suas interações, é o responsável pelos efeitos reforçadores

prazerosos ou de gratificação. Mesmo com o foco no sistema dopaminérgico,

importantes vias glutamatérgicas, serotoninergicas, GABAérgicas, opioidergicas e

canabinoides também o modulam (Figura 2).

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Figura 2 – Sistema de neurotransmissão que modulam a via dopaminérgica mesocorticolímbica e que são alvos da ação das drogas (GABA: ácido gama-aminobutírico)

Drogas

Glutamato Noradrenalina

GABA Serotonina

Opióide Canabinóide

Via dopaminérgica mesocorticolímbica

Fonte Giglioti & Guimaraes (2010).

Para Palmini (2007) apud Giglioti & Guimarães (2010) a repetição “o uso da

droga e obtenção de prazer”, seguido “queda dos níveis plasmáticos da droga e

sensações de desprazer, disforia, tristeza, apatia”, estão ligados com modificações

moleculares duradouras nos neurônios do sistema central de recompensa (SCR).

Pode-se explicar, segundo o autor, a seguinte sequência: o uso em repetição da

substância modifica as células neuronais e isto gera um estado químico cerebral no

qual a vontade do uso passa a ser cada vez maior, para assim, poder amenizar ou

interromper um possível processo de crise de abstinência. Isto é, a vontade já não é

necessariamente pelo prazer da substância; ela pode ser uma busca para “escapar

do desprazer”.

1.3 A dependência de substância na perspectiva do modelo cognitivo de Aaron

Beck

Para os especialistas, o tratamento de dependência de substâncias, na sua

abordagem terapêutica deve ter como principais propósitos o não uso de

substâncias, a reabilitação física, psicológica e social e principalmente a manutenção

para a prevenção da recaída. Para estes casos, é indicado que a terapia aborde

direta e abertamente o uso de substâncias, tenha um contexto de praticidade para

além do ambiente do consultório e objetivos muito bem definidos. Por isso Ferreira &

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Laranjeiras (1998) apud Giglioti & Guimarães (2010) acreditam na justificativa da

escolha da terapia cognitivo comportamental (TCC) e suas técnicas como

possibilidade de ajudar o paciente a reduzir comportamentos disfuncionais e

aprimorando a possibilidade de comportamentos mais adaptativos.

Na visão de Beck (1993) apud Giglioti & Guimarães (2010), alguns elementos

propõem parte deste modelo, como: situações, estímulo internos e/ou externos, as

crenças (cristalizadas) que levam aos pensamentos automáticos, fissura (desejo

intenso do uso da substância), crenças permissivas que facilitam o uso, o plano de

ação e a recaída, tudo isto contribuindo para uma manutenção de do padrão de uso

(Figura 3).

Figura 3 – Modelo Cognitivo de Beck para o uso de substâncias psicotrópicas

Fonte Giglioti & Guimaraes (p. 131, 2010).

Para os autores Zanelatto & Laranjeiras (2013), conceitualmente um modelo

pode ser explicado como um conjunto de hipóteses sobre uma estrutura e seu

comportamento pelo qual se procura explicar, a partir de uma teoria científica, as

propriedades de um fenômeno. Como todo modelo é uma redução de um fenômeno

complexo, ele pode ser falho em algum determinado ponto. E concluem que este é o

caso do desenvolvimento da dependência de substâncias; nenhum modelo, até o

momento, conseguiu considerar todos os aspectos envolvidos no nascimento e

manutenção desta doença, ou seja, explicar os motivos do primeiro episódio, do uso

1- Situação e Estímulo

2- Crenças centrais sobre o uso de

drogas

3- Pensamento automático

4- Fissura

5- Crenças permissivas

6- Plano de ação 7- Uso continuado (recaída)

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ocasional e do aparecimento dos padrões de uso abusivo, nocivo ou de

dependência.

Para estes mesmo autores, como é sabido que existe mais de uma

fundamentação científica para explicar este modelo, parece ser necessário que os

melhores contemplem os aspectos como: entendimento satisfatório da maioria dos

fenômenos envolvidos no transtorno de uso de substâncias; maior intersecção entre

eles; menor quantidade de contradições entre si; explicação tanto do surgimento

como da manutenção da dependência; suporte teórico para as intervenções e

técnicas neles apoiadas; e maior número de evidências cientificamente provadas.

Beck (1993), como já é sabida, salienta a maneira como uma pessoa

interpreta uma situação específica influencia suas emoções, suas motivações e seus

comportamentos. E tudo isto é moldado pelas crenças (pensamentos, normas,

valores) ativadas nesta situação. O autor descreve então que o modelo cognitivo

apoia-se no fundamento teórico que o afeto e o comportamento de uma pessoa são,

em grande parte, determinados pelo modo como este indivíduos estruturam o seu

mundo, seja ele interno e/ou externo.

De acordo com o modelo de Beck, o uso de substâncias é considerado uma

forma ou estratégias compensatórias que procuram anular o que é nomeado de

crenças e/ou pensamentos disfuncionais e os estados emocionais que as

acompanham. Crenças relacionadas ao uso são consideradas de natureza

permissivas ou de expectativa positiva. Situações que possam ser ativadoras destes

perfis de crenças disfuncionais podem resultar em craving (fissura) facilitando este

uso. A terapia cognitiva tem como um dos objetivos principais modificar e

reestruturar estes grupos de crenças disfuncionais, com o intuito de diminuir esta

fissura e ir interrompendo este uso com a possibilidade de trabalhar habilidades na

prevenção da recaída.

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2 OBJETIVO

O presente trabalho teve como objetivo analisar, segundo revisões

bibliográficas, como pode se dar o tratamento de indivíduos diagnosticados com

Transtorno de Uso de Substâncias (TUS), no âmbito nacional, sem a especificação

de uma única substância, com enfoque na Terapia Cognitivo-Comportamental e

suas técnicas.

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3 MÉTODO

Foi realizada uma pesquisa junto às bases de dados SCIELO e Google

Acadêmico, de artigos indexados em português, no período de publicação de 2004 a

2014 que abordassem os problemas de dependência de substâncias, como também

a Terapia Cognitiva Comportamental e suas implicações. Os descritores utilizados

foram: abuso de drogas, terapia cognitivo-comportamental, dependência química,

terapia cognitivo-comportamental.

Para esta pesquisa, foram consideradas as revisões de trabalhos com

pacientes adolescentes e adultos, com faixa etária inicial dos 16 anos em diante,

excluindo desta pesquisa outras comorbidades associadas, como o transtorno

bipolar, borderline, depressão e ansiedade, psicoses, tendo como critério de

inclusão o consumo de substância e suas consequências. Foram incluídos todos os

trabalhos que trouxeram em seu escopo a utilização da TCC como terapêutica no

tratamento de dependentes químicos.

Como a Terapia Cognitivo-Comportamental pode também incluir outras

técnicas relacionadas, foi incluído um destaque para essas técnicas.

Os resultados da busca nas duas bases de dados evidenciaram 146 artigos

relacionados às palavras chaves, dos quais somente 08 foram selecionados para

este trabalho.

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4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Oito estudos foram relacionados para esta pesquisa. Nas tabelas abaixo

(tabela 1 e tabela 2) estão destacados o número de participantes, tipo de estudo,

número de sessões e quais instrumentos da TCC foram utilizados.

Tabela 1 – Estudos brasileiros sobre Intervenções da TCC em casos de dependência química, especificando o número de pacientes, tipo de estudo e número de sessões

Referência Número de

pacientes Tipo Número de sessões

Araujo; Oliveira;

Piccoloto;

Magrinelli,

2004.

N=77

Coleta de dados sobre

conteúdos dos sonhos de

dependentes de álcool.

12 sessões.

Zeni e Araújo,

2009. N=32

Quase experimental de análise

quantitativa.

Da Silva &

Serra, 2004. _

Coleta de dados para

estabelecimento de um

Programa de Tratamento.

12 a 24 sessões.

Marlatt &

Range, 2008. N= grupo Intervencionista - grupo

27 sessões de 90 min.

com frequência de duas

vezes por semana.

Mathias & Cruz,

2007. N=01 Intervencionista - grupo 32 sessões.

Scali &

Ronzani, 2007.

N=100

Grupo 01 N= 50

dependentes de

álcool

Grupo 02 N= 50 não

dependentes.

Coleta de dados de crenças

pessoais à cerca do uso do

álcool.

Não especificado.

Ismael, 2007.

N= 61 fumantes com

idade entre 18 a 60

anos.

Intervencionista-grupo e

individual. 06 meses.

Dos Santos; da

Rocha; Araújo

(2014).

N=34 dependentes

de crack.

Ensaio clínico tipo quase-

experimental. 01 sessão

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Tabela 2 – Estudos brasileiros sobre Intervenções da TCC em casos de dependência química, especificando os instrumentos da TCC utilizados

Referência Instrumentos

Araujo; Oliveira;

Piccoloto; Magrinelli,

2004.

RPD e técnicas de Prevenção de Recaída.

Zeni e Araújo, 2009. BAI, CCQB, EAV. Exposição de imagens, seguida do Relaxamento

Respiratório (RR).

Da Silva & Serra, 2004.

RPD, Reestruturação cognitiva, Identificação de crenças básicas,

Identificação dos estágios de motivação, Situações de riscos, Decisões

aparentemente irrelevantes, Mudança de estilo de vida, Treinamento de

Habilidades e Prevenção de Recaída.

Marlatt & Range, 2008.

RPD, Reestruturação cognitiva, Identificação de crenças básicas,

Identificação dos estágios de motivação, Situações de riscos, Decisões

aparentemente irrelevantes, Mudança de estilo de vida, Treinamento de

Habilidades e Prevenção de Recaída.

Mathias & Cruz, 2007. Entrevista Motivacional e Prevenção de Recaída.

Scali & Ronzani, 2007. IECPA – Inventário de Expectativas e Crenças Pessoais acerca do

Álcool.

Ismael, 2007.

Inventário Beck de depressão – BDI, Sensibilização e Psicoeducação

sobre os aspectos do tabagismo, Monitoramento do uso do cigarro,

adaptado para o RPD, Técnica do adiamento de comportamento,

dessensibilização sistemática, Exercícios de respiração e relaxamento,

Técnicas de Assertividade e Enfrentamento.

Dos Santos; Da Rocha;

Araújo (2014).

BAI, CCQB, EAV. Exposição de imagens negativas (avaliação do

craving). Após a técnica Substituição por Imagens Positivas (SIP), para

nova avaliação do craving.

Para, Araújo et al. (2008), o craving ou fissura, entendido como o desejo

intenso por uma substância, é um dos pontos importantes, se não o mais importante,

no tratamento de dependentes químicos. A sensação de craving possui

componentes fisiológicos, cognitivos, afetivos e comportamentais que, muitas vezes,

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acabam levando ao retorno do uso da substância em pacientes que se encontravam

em abstinência.

Na prática clínica é possível perceber o nível de dificuldade que existe no

estágio de manutenção, onde o paciente já alcançou a abstinência, mas ainda não

internalizou as práticas da TCC que são correlacionadas com as práticas de

Prevenção de Recaída.

Uma pesquisa sobre o conteúdo dos sonhos de alcoolistas (ARAUJO;

OLIVEIRA; PICCOLOTO; MAGRINELLI, 2004) suscita o interesse para

aproveitamento terapêutico destes conteúdos na perspectiva cognitivo-

comportamental. A interpretação dos sonhos deve integrar seus conteúdos como

outros comportamentos emitidos pelo paciente. A pesquisa evidenciou aspectos

relacionados ao conteúdo onírico e o desejo agudo de uso de álcool (craving) e a

possibilidade precoce deste tipo de sonho como uma situação de risco, que poderá

trazer resultados mais efetivos quanto à prevenção de recaída. Neste contexto foram

utilizadas técnicas e estratégias de enfrentamento, prevenção de recaída e

intervenções para aumentar a aderência ao tratamento.

Em um recente artigo publicado, dos Santos; da Rocha; Araújo (2014)

procuraram avaliar a técnica cognitiva de substituição por imagem positiva (SIP), em

pacientes dependentes do crack, no manejo do craving. Na dependência química, a

técnica SIP estimula o paciente para avaliação cognitiva dos benefícios da

abstinência e, dessa forma, fortalece também a melhora da autoeficácia, isto é,

melhora a percepção para a habilidade eficaz nas situações do craving, diminuindo o

risco de uso da substância.

Araújo et al. (2008), em uma revisão bibliográfica para o entendimento do

craving, demonstrou em pesquisas realizadas na área de dependência química, que

as abordagens como a terapia cognitivo-comportamental, associada a

farmacotereapia dentro de um modelo biopsicossocial são as mais indicadas para o

tratamento destes pacientes, já que conseguem integrar os diversos modelos

teóricos existentes. Utilizar recursos e técnicas comportamentais, como o

relaxamento e o recondicionamento, e cognitivos, como a reavaliação de crenças

disparadoras de craving, somados ao apoio bioquímico pode, portanto, ser muito

importante para auxiliar os dependentes químicos a manejar o craving.

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Em outro estudo Zeni e Araújo (2009), para o manejo do craving e dos

sintomas de ansiedade em usuários de crack, foi proposta a técnica do relaxamento

respiratório (RR), dentro de uma estratégia para evitar uma recaída. Mesmo o

estudo apresentando algumas limitações metodológicas, a intervenção possibilitou a

experiência da técnica do RR como uma estratégia de prevenção de recaída que

pode ser ensinada no ambiente clínico e ser aplicada em qualquer momento e lugar.

Se convertido em hábito e realizado adequadamente, o RR é uma técnica que pode

contribuir com o aumento do senso de autoeficácia do dependente de crack, pois

pode melhorar a sua capacidade de lidar com a ansiedade e o craving – fatores

centrais do comportamento de abuso da substância.

Uma das pesquisas teve como objetivo mostrar uma possibilidade para

atuação de médicos psiquiatras, visando melhora no atendimento e tratamento da

dependência química. O estudo salientou que mesmo não sendo propriamente uma

modalidade psicoterápica, a Prevenção de Recaídas (PR) e o Treinamento de

Habilidades (TH), são instrumentos importantes associados à terapia cognitivo-

comportamental (DA SILVA & SERRA, 2004). O estudo também sugeriu uma

estruturação de sessões, com base nas seguintes técnicas:

1. Monitoramento dos pensamentos automáticos negativos. Pode ser

utilizado um diário no qual o paciente registra seus pensamentos e as

situações que o eliciaram;

2. Traçar as conexões entre a cognição, o afeto e o comportamento;

3. Realizar uma reestruturação cognitiva examinando os pensamentos

automáticos disfuncionais e lidando com eles: procurar evidências a favor

e contra (teste de realidade); desafiá-los com questões do tipo: "o que de

pior vai acontecer?", "quais são meus recursos reais para lidar com

isso?"; avaliar a real importância dos pensamentos, procurando não

catastrofizar, distanciar-se deles, ou enfrentá-los;

4. Mapear as cognições tendenciosas e procurar alternativas de avaliação

mais orientadas na realidade, adquirindo flexibilidade cognitiva;

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5. Identificar e alterar as Crenças Básicas que predispõem a fazer

avaliações distorcidas de suas experiências; e, por fim,

6. Lidar com imagens disfuncionais, eliciando-as e modificando-as.

Dentro de um estudo sobre tratamento não farmacológico para dependência

química, foram relatados seis modalidades de tratamento: entrevista motivacional,

terapia cognitiva-comportamental, prevenção de recaída, terapia familiar, programa

de 12 passos e, por último, a redução de danos. Segundo Cafruni, Brolese, Lopes

(2014) a TCC foi apontada como a mais promissora das intervenções no tratamento

da dependência química, junto a outras técnicas associadas ao TCC.

Para os autores Da Silva & Serra (2004), a Prevenção de Recaída explora

cognições e comportamentos associados apenas ao uso de drogas, através de

técnicas motivacionais, de reestruturação das cognições e de modificação do

comportamento e apresenta boa eficácia, comprovada em estudos clínicos. Já o

Treinamento de Habilidades visa identificar situações reais e emocionais e, através

de técnicas psicodramáticas, explorar cada situação envolvida no comportamento do

dependente. O objetivo é uma flexibilização de respostas. As situações de risco para

uso de droga são testadas objetivamente através de dramatizações, até que o

paciente encontre a melhor estratégia para si.

Com base na literatura para o desenvolvimento de programas de tratamentos

efetivos, foi descrito um modelo de tratamento em grupo que foi usado em

dependentes de álcool com 27 sessões de 90 min., duas vezes por semana. Os

encaminhamentos foram através da Divisão de Vigilância da Saúde do Trabalhador

da Universidade Federal do Rio de Janeiro para o Centro de Pesquisa e

Reabilitação do Alcoolismo, indicando que este tipo de tratamento poderia ser uma

alternativa a outros tratamentos em uso (MARLATT & RANGE, 2008). As técnicas

utilizadas foram treinamento de habilidades intrapessoais e interpessoais,

estratégias de resolução de problemas, técnicas de comunicação, treinamento de

assertividade, estímulo à expressão de sentimentos, valorização de atividades

prazerosas, prevenção de recaída.

Em um relato de caso, Mathias & Cruz (2007) destacam o uso da Entrevista

Motivacional associada com a Prevenção de Recaída por terem características

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estruturadas, diretivas e focais, podendo ter como base a terapia cognitivo-

comportamental. A entrevista motivacional mostrou-se bem eficiente na sua proposta

que é motivar o paciente a interromper o uso da(s) substância(s) e não abandonar o

tratamento, tendo como base os estágios motivacionais de mudança. Já a

abordagem da prevenção de recaída possibilitou, segundo o relato dos próprios

pacientes, que eles tivessem coragem de retornar ao grupo e retomar o tratamento.

Esta proposta, na atuação do serviço público, pode ser uma alternativa para

contemplar um número maior de pacientes em comparação aos atendimentos

individuais, já que entendemos as dificuldades deste serviço, pela alta quantidade de

procura do mesmo.

Marlatt e Donovan (2009) descrevem a Prevenção de Recaída como um

programa de automanejo que visa melhorar o estágio de manutenção do Processo

de Mudança de Hábitos. A técnica se contrapõe aos modelos de doença e moral,

admitindo que a dependência química seja um mau hábito adquirido e passível de

mudança, com a participação do paciente. Para tanto, é necessário explorar de

modo sistemático as crenças e os comportamentos que facilitam a manutenção do

hábito. De acordo com o modelo da PR (Figura 4), diante de uma situação de alto

risco, existem duas possibilidades: 1) resposta de enfrentamento e 2) nenhuma

resposta de enfrentamento. Na primeira possibilidade, a cada vez que o paciente

tem resposta adequada que o proteja do uso de droga, há aumento da autoeficácia

(avaliação positiva sobre sua própria capacidade de atingir uma meta). Com isso,

diminui a probabilidade de recaída. No caso contrário, a falta de resposta de

enfrentamento leva a uma diminuição da autoeficácia que, associada a cognições

disfuncionais sobre os efeitos da droga, leva ao uso inicial e aumenta a

probabilidade de recaída. As cognições disfuncionais relacionadas ao

comportamento de busca e uso de drogas podem ser:

1) Expectativa positiva de resultado,

2) Efeito de violação da abstinência.

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Figura 4 – Modelo cognitivo-comportamental de recaída.

Fonte (Marlatt & Donavan, p. 32, 2009).

Um projeto desenvolvido em Juiz de Fora - MG, através do Programa de

Atenção a Dependentes Químicos (PADQ – SUS/JF), procurou avaliar as crenças

pessoais acerca do uso de álcool (SCALI & RONZANI, 2007). De acordo com o

estudo, estas crenças geradoras da manutenção do consumo podem ser descritas

em três grandes categorias:

1. As crenças antecipatórias, que criam as expectativas de recompensa,

gratificação e prazer com relação ao consumo da substância;

2. As crenças de alívio, onde se deposita uma expectativa de que o uso

trará o alívio, em contrapartida ao desconforto e sofrimento;

3. As crenças permissivas ou facilitadoras onde o individuo considera

aceitável o consumo de substância, e mesmo com possíveis

consequências negativas, estas são desvalorizadas pelo individuo.

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Dois dos instrumentos utilizados foram o Inventário de Expectativas e

Crenças Pessoais acerca do Álcool (IECPA) e a escala de ansiedade de Beck (BAI).

Scali & Ronzani (2007), de forma geral, avaliaram que os resultados corroboram a

teoria da terapia cognitiva do uso de álcool, a qual postula que crenças positivas

influenciam o comportamento mais liberal sobre o uso do álcool. Foi observado que,

quanto maior a expectativa e quanto maior o número de crenças (pensamentos)

positivas sobre o álcool, maior foi o consumo entre os participantes do grupo de

dependentes de álcool, em relação ao grupo de não dependentes. Este estudo

destacou a importância da identificação e estudo destas crenças, sendo que elas,

em algumas situações, colaboram para o uso abusivo e nocivo.

Em uma tese de doutorado com tabagistas de 18 a 60 anos, desenvolvida no

Hospital do Coração da USP (HC) junto ao Programa de Abordagem Integral ao

Fumante (PAIF), Ismael (2007) teve como objetivo estruturar um programa de seis

(06) meses de duração, com base na terapia cognitivo-comportamental e suas

técnicas. O estudo foi muito bem embasado e revela que a utilização da terapia

cognitivo-comportamental, associada à medicação, ao invés da simples inclusão de

técnicas comportamentais, pode ser o diferencial a contribuir para a efetividade do

tratamento. As técnicas estão apresentadas na Tabela 2.

Na consideração do OBID (Observatório Brasileiro de Informações sobre

Drogas), segundo referência do NIDA (National Institute on Drug Abuse), foi

estabelecido um Guia Baseado em Pesquisa, onde são citados treze princípios,

como base de compreensão para um efetivo tratamento (NIDA apud OBID):

1. Não há um tratamento único, que seja apropriado para todos. É muito importante que haja uma combinação adequada entre tipo de ambiente, intervenções e serviços para cada problema e necessidade da pessoa, contribuindo para o sucesso do tratamento e para o retorno a uma vida produtiva na família, trabalho e sociedade.

2. O tratamento deve estar sempre disponível.

Considerando que os dependentes químicos possam ter dúvidas sobre se iniciam ou não um tratamento, é muito importante aproveitar a oportunidade quando eles sinalizam estar prontos para o mesmo. Pode-se perder candidatos potenciais para o tratamento, caso este não esteja disponível imediatamente ou não seja acessível com facilidade.

3. O tratamento efetivo deve contemplar as várias necessidades da pessoa, não somente o seu uso de drogas.

Para ser efetivo, o tratamento deve ser dirigido ao uso de drogas, mas também a qualquer outro problema médico, psicológico, social, profissional e jurídico da pessoa.

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4. O plano de tratamento deve ser continuamente avaliado e, se for o caso, modificado para assegurar que se mantenha atualizado com as mudanças nas necessidades da pessoa.

Um paciente pode necessitar de combinações de serviços que variam durante o tratamento e recuperação. Além do aconselhamento ou psicoterapia, o paciente pode necessitar também de medicamentos, outros serviços médicos, terapia familiar, orientação educacional (para os filhos), orientação vocacional e outros serviços sociais e/ou legais. É fundamental que o tratamento esteja apropriado a idade, sexo, grupo étnico e cultural do paciente.

5. É importante que o paciente permaneça durante um período adequado de tempo no tratamento.

A duração apropriada do tratamento para uma pessoa depende de seus problemas e necessidades. As investigações indicam que na maioria das vezes, começa-se a se verificar uma melhoria significativa depois de três meses de tratamento. Quando se chega a este ponto, os tratamentos adicionais podem culminar em uma recuperação acelerada. Considerando que muitas pessoas abandonam cedo este processo, os programas devem incluir estratégias que comprometam e mantenham os pacientes no tratamento.

6. O aconselhamento (individual e/ou em grupo) e outros tipos de psicoterapias comportamentais são componentes indispensáveis do tratamento efetivo para a dependência.

Durante a terapia, os pacientes tratam de seus problemas de motivação, desenvolvem habilidades para recusar o uso da droga. Substituem atividades em que se utilizavam das substâncias por outras úteis e construtivas em que não há o uso de drogas, e melhoram suas estratégias para a resolução de problemas. A psicoterapia comportamental também melhora as relações interpessoais e facilita a reinserção do indivíduo em sua família e na própria comunidade.

7. Para muitos pacientes, os medicamentos formam um elemento importante do tratamento, especialmente quando se combinam com os diferentes tipos de terapia.

A metadona e o L-a-acetilmetadol (LAAM) são muito efetivos para ajudar aqueles indivíduos dependentes de heroína e outros opióides, pois auxiliam na estabilização de suas vidas e na redução do uso de drogas. O naltrexone também é um medicamento eficaz para dependentes de opióides que sofrem de dependência ai álcool ao mesmo tempo. Para os fumantes, os produtos que substituem a nicotina (adesivos e gomas de mascar) ou a medicação (bupropiona) podem ser componentes efetivos do tratamento. Para pacientes com outros transtornos mentais associados à dependência de drogas, a combinação de tratamentos psicológicos e medicamentosos é crucial para o sucesso.

IMPORTANTE: No Brasil, as seguintes medicações podem ser utilizadas na prática clínica como adjuvantes no tratamento específico da dependência de substâncias psicoativas:

Para álcool: dissulfiram, naltrexone e acamprosato

Para nicotina: bupropiona e reposição de nicotina

Para opióides: naltrexone e clinidina. A metadona (um opióide sintético, quem tem ser uso preconizado em nosso meio como analgésico), embora efetiva como fármaco de reposição em dependência à opióides, não tem seu uso liberado oficialmente para este fim no Brasil.

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8. No caso de indivíduos com problemas de dependência ou abuso de drogas que ao mesmo tempo apresentam outros transtornos mentais, deve-se tratar os dois problemas de uma maneira integrada.

Frequentemente se vêem transtornos de dependência e outros transtornos mentais num mesmo indivíduo. Os pacientes que apresentam as duas condições devem ser avaliados e tratados conforme ambos os transtornos.

9. A desintoxicação médica é apenas a primeira etapa do tratamento para a dependência e, por si só, pouco faz para modificar o uso de drogas em longo prazo.

A desintoxicação médica trata cuidadosamente de sintomas físicos agudos da síndrome de abstinência, que ocorrem quando se deixa de usar alguma droga. Ainda que a desintoxicação por si só raramente seja suficiente para ajudar as pessoas dependentes a conseguir abstinência em longo prazo, para alguns indivíduos serve como um precursor fortemente indicado para o tratamento efetivo da dependência de drogas.

10. O tratamento não precisa ser voluntário para ser efetivo.

O tratamento pode ser facilitado pela forte motivação do paciente. Entretanto, medidas compulsórias ou recompensas dentro da família, do ambiente de trabalho ou do próprio sistema judiciário podem incrementar significativamente a porcentagem de indivíduos que entram e que se mantém no processo, bem como o sucesso do tratamento da dependência de drogas.

11. O uso de drogas durante o tratamento deve ser supervisionado constantemente.

Durante o período de tratamento, há risco de recaídas ao uso de substâncias psicoativas. A supervisão objetiva do uso de drogas e álcool durante o tratamento, incluindo análise de urina ou outros exames, pode ajudar o paciente a resistir a seus impulsos de usar estas substâncias. Este tipo de supervisão também pode proporcionar uma evidência precoce do uso de drogas, para que o plano de tratamento do paciente possa ser reajustado. Informar os resultados aos pacientes, cujo resultado tenha sido positivo para o uso recente de substâncias, pode ser um elemento importante no processo de tratamento.

12. Os programas de tratamento devem incluir exames para HIV/AIDS, hepatite B e C, tuberculose e outras enfermidades infecciosas, conjuntamente com a terapia necessária para ajudar aos pacientes a modificar ou substituir aqueles comportamentos que os colocam a si e aos outros em risco de serem infectados.

A terapia pode ajudar aos pacientes a evitar comportamentos de alto risco. Também pode ajudar as pessoas que já estão infectadas a manejar sua doença.

13. A recuperação da dependência de drogas pode ser um processo em longo prazo e frequentemente requer várias tentativas de tratamentos.

Tal como em outras doenças crônicas, a recaída pode ocorrer durante ou depois de tentativas exitosas de tratamento. Os pacientes podem necessitar de tratamentos prolongados e várias tentativas de tratamento para poder conseguir a abstinência em longo prazo e um funcionamento completamente reestabelecido. Participação em programas de autoajuda durante e depois do tratamento serve de apoio para a manutenção da abstinência.

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Este documento cita a Terapia Cognitivo-Comportamental como uma das

abordagens para uso com os pacientes na formulação e implantação de um plano

de tratamento.

É importante destacar, como titulo de orientação e organização terapêutica,

que as modalidades da Entrevista Motivacional e Programa de Prevenção de

Recaída, são na verdade, instrumentos que convergem para o emparelhamento com

a TCC, mas possuem técnicas e dinâmicas próprias que podem e são aplicadas

isoladamente.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Mesmo apresentando algumas limitações metodológicas, a pesquisa revelou

que no Brasil já é possível perceber um aumento considerável de estudos utilizando

a Terapia Cognitivo-Comportamental. Observou-se que os novos estudos pouco

abrangem o foco inicial da TCC baseada especificamente na reestruturação

cognitiva. Mas foi possível perceber a utilização de técnicas específicas empregadas

na TCC (por exemplo, respiração diafragmática, entrevista motivacional etc) que

demostram convergir para uma derivação de protocolos aplicados em vários

transtornos, inclusive no TUS.

É necessário que, nós profissionais da área da saúde, compreendamos a

complexidade do tratamento dado ao paciente dependente, na mesma proporção

que somos convidados a refletir na nossa existência biopsicossocial e o quanto

somos afetados pelo social. Este fator também é bastante abordado em técnicas de

habilidades sociais e de enfrentamento.

Mesmo com a necessidade de mais estudos e publicações apoiados em

evidências, a maioria dos estudos aponta para a necessidade de continuo

desenvolvimento do profissional e suas práticas, mas parece ser inegável a

contribuição da TCC para este tipo de tratamento, desde que, conjugado com outros

instrumentos que convirjam com a mesma.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ANEXOS

Termo de Responsabilidade Autoral

Eu Dirnei Godinho de Moraes, afirmo que o presente trabalho e suas

devidas partes são de minha autoria e que fui devidamente informado da

responsabilidade autoral sobre seu conteúdo.

Responsabilizo-me pela monografia apresentada como Trabalho de Conclusão

de Curso de Especialização em Terapia Cognitivo Comportamental, sob o título “

TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL APLICADA EM CASOS DE

DEPENDÊNCIA QUÍMICA: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA.”, isentando,

mediante o presente termo, o Centro de Estudos em Terapia Cognitivo-

Comportamental (CETCC), meu orientador e coorientador de quaisquer ônus

consequentes de ações atentatórias à "Propriedade Intelectual", por mim praticadas,

assumindo, assim, as responsabilidades civis e criminais decorrentes das ações

realizadas para a confecção da monografia.

São Paulo, __________de ___________________de______.

__________________________

Assinatura do (a) Aluno (a)