cesário verde
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De… Eça de Queirós (1845 -1900)
a… Cesário Verde (1855- 1886).
“Estavam no Loreto; e Carlos parara , olhando, reentrando na
intimidade daquele velho coração da capital. Nada mudara. A mesma
sentinela sonolenta rodava em torno à estátua de Camões. Os mesmos
reposteiros, com brasões eclesiásticos, pendiam de duas igrejas. O Hotel
Aliança conservava o mesmo ar mudo e deserto. Um lindo sol dourava o
lajedo; batedores de chapéu à faia fustigavam as pilecas; três varinas, de
canastra à cabeça, maneavam os quadris, fortes e ágeis na plena luz. A
uma esquina, os vadios em farrapos fumavam; e na esquina defronte, na
Havanesa, fumavam também outros de sobrecasaca, politicando.
- Isto é horrível, quando se vem de fora! – exclamou Carlos. - Não é a
cidade, é a gente. Uma gente feiíssima, encardida, molenga, reles,
amarela, acabrunhada!
- Todavia Lisboa faz diferença – afirmou Ega, muito sério. – Oh faz
muita diferença! Hás-de ver a Avenida… (…)
Foram descendo o Chiado. Do outro lado, os toldos das lojas
estendiam no chão uma sombra forte e dentada. E Carlos reconhecia,
encostados às mesmas portas, sujeitos que lá deixara havia dez anos, já
assim encostados, já assim melancólicos. Tinham rugas, tinham brancas.
Mas lá estacionavam ainda, apagados e murchos, rente das mesmas
ombreiras, com colarinhos à moda.”
Ainda … Eça de Queirós (1845-1900), Os Maias
Decadência
“ – Falhámos a vida, menino! – creio que sim. Mas todo o mundo mais ou
menos a falha”
Impossível, desgraçado, parolo, poltrão, torpe – eis alguns dos termos
queirosianos acrimoniosos para achincalhar o país. O que os Maias
fundamentalmente intentam é mostrar uma comunidade que perdeu,
precisamente a consciência da sua própria dignidade restando-lhe apenas
morrer, apagar-se do firmamento das nações vivas e fortes – ou continuar a
rir-se dolorosamente de si mesmaJoão Medina, Eça de Queirós e a Geração de 70
Ler “O sentimento dum ocidental” equivale a ler Eça de Queirós
transformado em poeta, significa entrar em contacto com uma poesia realista.Georg Rudolf Lind, O real e a análise – O mundo poético de Cesário Verde”
Cesário Verde
O poeta do quotidiano
E TANGEM-ME EXCITADOS, SACUDIDOS, O TACTO, A VISTA, O OUVIDO, O GOSTO, O OLFACTO...
Cesário 1855 – 1886
- 1855: A 23 de Fevereiro, num prédio da Rua da Padaria (junto à Sé
de Lisboa), nasce José Joaquim CESÁRIO VERDE, filho de Maria da
Piedade dos Santos Verde e de José Anastácio Verde.
– 1857: Peste em Lisboa; a família Verde refugia-se na sua quinta de
Linda-a-Pastora.
– 1865: Os Verde passam a morar na Rua do Salitre (Lisboa). Cesário
conclui a instrução primária e começa a estudar inglês e francês.
– 1872: Cesário começa a trabalhar na loja de ferragens do pai, na
Rua dos Fanqueiros. Com 19 anos, tuberculosa, morre Maria Julia,
irmã de Cesário. Unicamente, a minha doce irmã,
Como uma ténue e imaculada rosa,
Dava a nota galante e melindrosa
Na trabalheira rústica, aldeã.
E foi num ano pródigo, excelente,
Cuja amargura nada sei que adoce,
Que nós perdemos essa flor precoce,
Que cresceu e morreu rapidamente!
Ai daqueles que nascem neste caos,
E, sendo fracos, sejam generosos!
As doenças assaltam os bondosos
E - custa a crer - deixam viver os maus!
A Biografia
– 1873: Cesário matricula-se no Curso Superior de Letras, onde conhece e se torna grande amigo do escritor Silva Pinto. Publica os seus primeiros poemas no Diário de Notícias.
– 1874: Publica mais poemas no Diário de Notícias (Lisboa) e nos jornais do Porto Diário da Tarde e A Tribuna. Ramalho Ortigão crava-lhe uma Farpa a propósito do poema Esplêndida. Boémia revolucionária no “Martinho”.
– 1875: Cesário conhece e faz amizade com Macedo Papança (futuro conde de Monsaraz). Continua a publicar poemas no Mosaico (Coimbra), n’A Tribuna e n’O Porto. Começa a dirigir a loja da Rua dos Fanqueiros e a quinta de Linda-a-Pastora.
– 1876: Desenvolve negócios. Frequenta a casa de Papança, na
Travessa da Assunção, onde se cruza com Guerra Junqueiro, Gomes
Leal e João de Deus. Os Verde mudam-se para a Rua das Trinas.
– 1877: Volta a colaborar no Diário de Notícias. Queixa-se dos primeiros
sintomas de tuberculose.
– 1878: Passa a viver em Linda-a-Pastora. Nos jornais publica Noitada,
Manhãs Brumosas, Em Petiz.
– 1879: Publica Cristalizações no primeiro número da Revista de
Coimbra. É atacado pela republicana Angelina Vidal n’A Tribuna do
Povo e pelo monárquico Diário Ilustrado
– 1880: Publica O Sentimento dum Ocidental no número do Jornal de
Viagens (Porto) dedicado ao tricentenário de Camões. Os Verde
exportam maçãs para Inglaterra, Alemanha e Brasil.
– 1881: Cesário participa no “Grupo do Leão” e convive com Abel
Botelho, Alberto de Oliveira, Fialho de Almeida, Gualdino Gomes e com
os pintores José Malhoa, Silva Porto, Columbano e Rafael Bordalo
Pinheiro.
– 1882: Morre, tuberculoso, Joaquim Tomás, irmão de Cesário.
– 1883: Cesário viaja para França, numa tentativa malograda de
exportar vinhos portugueses.
– 1884: Publica Nós. Deixa de frequentar os meios literários. Activa
negócios, produz, compra e exporta frutas. Recolhe-se a Linda-a-
Pastora.
– 1885: Agrava-se o seu estado de saúde mas regressa a Lisboa e
continua a trabalhar na loja da Rua dos Fanqueiros.
– 1886 (31 anos): Extremamente doente, instala-se em Caneças. Vai
depois para casa de um amigo, no Lumiar (às portas de Lisboa), onde
vem a morrer a 19 de Julho.
- Curo-me? Sim, talvez. Mas como ficou eu? Um cangalho, um canastrão, um grande cesto roto, entra-me a chuva, entra-me o vento no corpo escangalhado...
- Queres alguma coisa?
- Não quero nada. Deixa-me dormir.
São as últimas palavras do poeta.
– 1887: Silva Pinto edita O Livro de Cesário Verde.
A época – Lisboa do final de séc. XIX
. As pessoas do campo rumavam para as grandes cidades,
nomeadamente Lisboa, na tentativa de melhorar as condições de vida. O
que provocou o crescimento da cidade. Estes homens ocupavam-se de
trabalhos pesados, eram estivadores, pedreiros…
. Os laços com o campo e os hábitos rurais permaneciam fortes e a cidade
parecia asfixiante aos novos habitantes.
. Lisboa tinha os primeiros candeeiros a gás (1848) e chegavam também
ao Chiado os primeiros candeeiros eléctricos (1878)
. Grande parte das ruas eram de terra, malcheirosas e escuras. A muitas
das vielas e escadinhas a civilização não chegara.
. Nos bairros antigos a higiene era deplorável, havia animais domésticos e
as casas estavam cheias de parasitas.
. A rede de água não chegava a todas as casas.
. Os contrastes entre ricos e pobres eram enormes.
. No centro da cidade entre portais e vãos de escada, amontoavam-se
cegos estropiados, crianças abandonadas e velhos paralíticos.
.
. Os albergues nocturnos abarrotavam de gente suja e esfarrapada.
. Os trabalhadores ganhavam salários irrisórios e estavam sempre à
beira do desemprego.
. A sua ementa era insuficiente o que sustenta as altas taxas de
mortalidade de Lisboa e Porto. A tuberculose e as pneumonias eram
as doenças mais frequentes.
. As condições de vida eram atrozes: sem condições de trabalho, sem
dignidade, sem segurança…
. Foi-se generalizando a ideia de que o Estado tinha de intervir na
defesa dos mais desfavorecidos.
A obra
. A recepção dos poemas de Cesário Verde publicados na Imprensa foi
péssima
. Os leitores estavam habituados ao sentimentalismo romântico e
detestaram aqueles versos que traziam para a poesia a realidade
quotidiana da cidade e do campo, através de uma linguagem que lhes
parecia pouco poética e demasiado prosaica.
. Poeta do quotidiano e do banal, inebriado pela cor, prendeu-se ao
imediato da natureza luminosa e às pessoas recortadas na paisagem.
Deve-se-lhe a renovação impressionista da linguagem poética, depois
prosseguida pelo movimento modernista.
. Ele fornece-nos fotografias verbais que são verdadeiras imagens da
época: as ruas, a iluminação, o gás, os quartéis, as tipóias e a fauna
humana: militares e peixeiras, padeiros e dentistas.
. Transparecem também as simpatias e antipatias ideológicas daquela
época
Cidade de contrastes : a cidade carregando o peso aristocrático do
passado, ou a cidade dos novos bairros da jovem burguesia, ou ainda a
“outra cidade”, a dos bairros de trabalhadores com origem camponesa.
O poeta deambula, desvendando para si e para o leitor os bairros pobres
que circundam o centro cosmopolita da cidade.
. São ainda descritas personagens que se situam entre um e outro
mundo: o criado, caixeiros, lojistas e a “actrizita”
. Em Cesário “ver é conhecer”, é descobrir o que se esconde atrás
das aparências, daí a percepção acutilante e minuciosa da cidade,
revelando todas as zonas mais sombrias do retrato impressionista
que faz da cidade.
. Toda esta construção realista tem por detrás uma consciência social
e uma inteligência que filtra as sensações.
Este “eu” cosmopolita conhece/vê a cidade e vê-se a si no espelho
que ela é.
A poesia nasceria da impressão que o “fora” deixa no “dentro” do
artista.
. O sujeito poético projecta-se nas coisas exteriores com o peso da sua
vida interior, a fim de apreender a imagem fugaz das coisas, em perpétuo
dinamismo.
. A dicotomia cidade/campo
A nível pessoal a cidade significa a ausência, a impossibilidade ou a
perversão do amor e o campo a sua expressão idílica
A cidade significa opressão e o campo a liberdade. Assim o poeta assume
o campo como uma realidade a ser descrita: Um campo de que o trabalho
e os trabalhadores são parte integrante e com os quais o poeta se
identifica
A mulher
. Dois tipos de mulher: a mulher esplêndida, madura, destrutiva
associada à cidade e ao Norte; e a jovem simples, terna e
vulnerável, associada ao campo
Fim
Prof. Maria de Lurdes Augusto