poema em petiz - cesário verde

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Ana Margarida Pinto nº2 11ºA

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Page 1: Poema Em Petiz - Cesário Verde

Ana Margarida Pintonº2 11ºA

Page 2: Poema Em Petiz - Cesário Verde

Em Petiz

IDE TARDE

Mais morta do que viva, a minha companheiraNem força teve em si para soltar um grito;E eu, nesse tempo, um destro1 e bravo rapazito,Como um homenzarrão, servi-lhe de barreira!

Em meio de arvoredo, azenhas e ruínas,Pulavam para a fonte as bezerrinhas brancas;E, tetas a abanar, as mães, de largas ancas,Desciam mais atrás malhadas e turinas2.

Do seio do lugar – casitas com postigos –Vem-nos o leite. Mas baptizam-no3 primeiro.Leva-o de madrugada, em bilhas, o leiteiro,Cujo pregão4 vos tira ao vosso sono, amigos!

1 destro: ágil; hábil.

2turinas: diz-se deuma raça de gadobovino.

3baptizam-no:adicionam-lhe água.

4pregão:anúnciopúblico feito em vozalta.

Petiz: pequeno, menino.

Page 3: Poema Em Petiz - Cesário Verde

Nós dávamos, os dois, um giro pelo vale:Várzeas5, povoações, pegos6, silêncios vastos!E os fartos animais, ao recolher dos pastos,Roçavam pelo teu «costume de percale7».

Já não receias tu essa vaquita preta,Que eu segurei, prendi por um chavelho8? JuroQue estavas a tremer, cosida com o muro,Ombros em pé, medrosa, e fina, de luneta!

5várzeas:planície extensae cultivada .

6pegos: os sítios maisfundos dos rios.

7«costume de percale»:(expressão francesa) fatode percal (tecido dealgodão fino e liso).

8chavelho: chifre.

Page 4: Poema Em Petiz - Cesário Verde

O poema tem 20 versos.

Sendo composto por:

cinco quadras.

Mais morta do que viva, a minha companheiraNem força teve em si para soltar um grito; E eu, nesse tempo, um destro e bravo rapazito, Como um homenzarrão, servi-lhe de barreira!

Em meio de arvoredo, azenhas e ruínas, Pulavam para a fonte as bezerrinhas brancas; E, tetas a abanar, as mães, de largas ancas, Desciam mais atrás malhadas e turinas.

Do seio do lugar – casitas com postigos –Vem-nos o leite. Mas baptizam-no primeiro. Leva-o de madrugada, em bilhas, o leiteiro, Cujo pregão vos tira ao vosso sono, amigos!

Nós dávamos, os dois, um giro pelo vale: Várzeas, povoações, pegos, silêncios vastos! E os fartos animais, ao recolher dos pastos, Roçavam pelo teu «costume de percale».

Já não receias tu essa vaquita preta, Que eu segurei, prendi por um chavelho? Juro Que estavas a tremer, cosida com o muro, Ombros em pé, medrosa, e fina, de luneta!

Page 5: Poema Em Petiz - Cesário Verde

Mais morta do que viva, a minha companheira A Nem força teve em si para soltar um grito; B E eu, nesse tempo, um destro e bravo rapazito, BComo um homenzarrão, servi-lhe de barreira! A

Em meio de arvoredo, azenhas e ruínas, CPulavam para a fonte as bezerrinhas brancas; DE, tetas a abanar, as mães, de largas ancas, DDesciam mais atrás malhadas e turinas. C

Do seio do lugar – casitas com postigos – EVem-nos o leite. Mas baptizam-no primeiro. FLeva-o de madrugada, em bilhas, o leiteiro, FCujo pregão vos tira ao vosso sono, amigos! E

Nós dávamos, os dois, um giro pelo vale: GVárzeas, povoações, pegos, silêncios vastos! HE os fartos animais, ao recolher dos pastos, HRoçavam pelo teu «costume de percale». G

Já não receias tu essa vaquita preta, IQue eu segurei, prendi por um chavelho? Juro JQue estavas a tremer, cosida com o muro, JOmbros em pé, medrosa, e fina, de luneta! I

interpolada

emparelhada

Page 6: Poema Em Petiz - Cesário Verde

Mais morta do que viva, a minha companheiraNem força teve em si para soltar um grito; E eu, nesse tempo, um destro e bravo rapazito, Como um homenzarrão, servi-lhe de barreira!

Em meio de arvoredo, azenhas e ruínas, Pulavam para a fonte as bezerrinhas brancas; E, tetas a abanar, as mães, de largas ancas, Desciam mais atrás malhadas e turinas.

Do seio do lugar – casitas com postigos –Vem-nos o leite. Mas baptizam-no primeiro. Leva-o de madrugada, em bilhas, o leiteiro, Cujo pregão vos tira ao vosso sono, amigos!

Nós dávamos, os dois, um giro pelo vale: Várzeas, povoações, pegos, silêncios vastos! E os fartos animais, ao recolher dos pastos, Roçavam pelo teu «costume de percale».

Já não receias tu essa vaquita preta, Que eu segurei, prendi por um chavelho? JuroQue estavas a tremer, cosida com o muro, Ombros em pé, medrosa, e fina, de luneta!

A rima é sempre consoante.

Predominância da rima rica,

havendo rima pobre apenas em

6 versos (1 e 4; 2 e 3; 9e 12).

Métrica regular com versos

dodecassílabos.

Page 7: Poema Em Petiz - Cesário Verde

Tema: recordação de um passeio pelo campo quando era mais

pequeno, “em petiz”.

Assunto: descrição de uma tarde passada no campo (vista na

perspectiva do presente), onde a presença de vacas a pastar foi o

pretexto para mostrar a valentia e o medo, respectivamente, do

sujeito poético e da sua acompanhante.

Page 8: Poema Em Petiz - Cesário Verde

Divisão

1ª - estrofes 1, 4 e 5

Recordação do carácter destemido do sujeito poético,

contrastando com o da sua companheira; discurso centrado

predominantemente no eu, tu e nós.

2ª - estrofes 2 e 3

Descrição/ parêntesis para falar dos animais que se

observam (vacas) durante o passeio e do alimento de

primeira necessidade que fornecem (leite); discurso

centrado principalmente no ele e elas.

Page 9: Poema Em Petiz - Cesário Verde

O poema está construído em dois tempos diferentes, o da escrita poética

e o da história. O presente é o da escrita, o momento em que o “eu” recorda

um episódio situado “nesse tempo”, aquele em que ele, ainda “rapazito”,

protege a “companheira” do seu próprio susto.

São duas as imagens principais que recorda e que sintetizam o episódio: a

dela, “cosida com o muro”, “a tremer” de susto; e a dele, a segurar “por um

chavelho” uma “vaquita preta”.

No presente da rememoração, o sujeito poético pergunta à

“companheira” se ainda receia uma “vaquita preta” como aquela, o que

parece indicar que o tempo em que a história se passou é o da infância,

sendo ambos muito novos, “em petiz”.

Presente vs Passado

Page 10: Poema Em Petiz - Cesário Verde

Presente vs Passado

Posicionamento actual do eu perante o episódio recordado:

•Interpelação, hesitação, cepticismo quanto às consequências do incidente

na personalidade da figura feminina, “companheira”:

• interrogação retórica “Já não receias tu essa vaquita preta,/Que eu segurei, prendi por um chavelho? Juro “ (vv. 17-18);• anátrofe “Já não receias tu (…)” (v. 17);• expressividade do diminutivo “vaquita” (v. 17);• metáfora “cosida com o muro” (v. 19);• adjectivação “medrosa”, “fina” (v. 20);• exclamação final “Ombros em pé, medrosa, e fina, de luneta!” (v. 20).

Page 11: Poema Em Petiz - Cesário Verde

Na 3ª estrofe, o “eu”, ao fazer a invocação aos “amigos”, está a ligar esse

passado da sua memória com o presente da sua experiência.

Neste contexto, “os amigos”, podem ser os que na cidade recebem o leite

que é no campo produzido e a partir do campo distribuído. É de madrugada

que os leiteiros fazem o transporte do leite, chegando ainda cedo aos locais

onde o vão vender, lançando pregões que acordam os citadinos.

A invocação aos “amigos” (que também podem ser uma imagem do

público do poeta, ou dos leitores do poema) coloca em contraposição aqueles

que produzem e os que consumem.

Presente vs Passado

Page 12: Poema Em Petiz - Cesário Verde

Caracterização da figura feminina - “companheira”

Magra, elegante, burguesa, usa óculos – “o teu costume de percale”; “E fina,

de luneta!” – é um retrato que compõe um tipo de personagem urbana.

Medrosa, insegura – vv. 1, 2, 17, 19, 20 – a situação em que se encontra

provoca nela uma reacção de pessoa com medo, traço que é reiterado no

poema e acentuado pelo facto de se encontrar fora do seu meio, num

ambiente que não domina.

• hipérbole “Mais morta do que viva” (v. 1);• metáfora “cosida com o muro” (v. 19);• expressividade do diminutivo “vaquita preta” (v. 17).

Page 13: Poema Em Petiz - Cesário Verde

Caracterização do eu

Ágil e valente – o “eu” auto-retrata-se como um “rapazito” “destro” e “bravo”

(com alguma ironia, pois, naquele caso, o perigo era mais imaginário do que

real), parece conhecer melhor o meio em que se encontra, a real mansidão

da “vaquita preta” e dos restantes “fartos animais”, revelando uma maior

sintonia com o ambiente campestre e uma maior capacidade de adaptação a

esse mesmo meio. Assim, ele age naquela circunstância “como um

homenzarrão” (de novo a ser irónico).

• adjectivação “um destro e bravo rapazito” (v. 3);• comparação “como um homenzarrão” (v. 4);• antítese “rapazito” vs “homenzarrão” (vv. 3-4).• expressividade do diminutivo e aumentativo (vv. 3-4);

convencido e orgulhoso “E eu, nesse tempo, um destro e bravo rapazito, Como um homenzarrão, servi-lhe de barreira!”

protector “servi-lhe de barreira”• reiteração, gradação “segurei, prendi” (v. 18).

Page 14: Poema Em Petiz - Cesário Verde

Caracterização/ localização dos elementos observados:

• Localização da acção no espaço e no tempo:

O cenário evocado é o espaço aberto do campo, um “vale”, com referência a

elementos da paisagem vistos de perto – “arvoredos”, uma “fonte”, “pastos”,

“azenhas e ruínas” -, alguns dos quais marcam a presença do homem. Vêem-se

também, ao longe, “Várzeas, povoações, pegos”. Há, ainda, a referência a uma

povoação, “casitas com postigos”, onde vivem os camponeses.

Os “silêncios vastos” da paisagem indicam a largueza das vistas e a paz que a

inunda, ajudando a descrever o passeio no campo tal como dois citadinos,

habituados ao ruído, o sentem.

• enumeração “Nós dávamos, os dois, um giro pelo vale:/ Várzeas, povoações, pegos, silêncios vastos!” (vv. 13-14);• substantivo do verbo “ao recolher dos pastos” (v. 15).

Page 15: Poema Em Petiz - Cesário Verde

Caracterização/ localização dos elementos observados:

• animais (vacas) – jovialidade, despreocupação, irrequietude, agilidade das

crias vs dolência, lentidão das vacas adultas:

• expressividade do diminutivo “bezerrinhas” (v. 6);• expressividade do verbo de acção “pulavam” (v. 6);• enumeração – obstáculos que compunham o cenário “Em meio de arvoredo,azenhas e ruínas” (v. 5);• descrição física das vacas adultas – adjectivação “E, tetas a abanar, as mães, de largas ancas,/ Desciam mais atrás malhadas e turinas.” (vv. 7-8).

Page 16: Poema Em Petiz - Cesário Verde

Caracterização/ localização dos elementos observados:

• inflexão sobre o percurso efectuado pelo leite recorrendo ao presente da

escrita:

•local da ordenha, “casitas com postigos”, e sua importância para o eu:

•metáfora “do seio do lugar” (v. 9);

• o transporte feito pelo leiteiro:

• expressividade dos complementos circunstanciais de tempo – “de

madrugada”, de modo – “em bilhas”;

• dificuldade, sacrifício, esforço – contraste com o “sono” dos clientes

(v. 12);

• o pregão – invasão do “sono” dos clientes.

Page 17: Poema Em Petiz - Cesário Verde

Conclusão:

Temática: campo; poema narrativo/ descritivo:

• variedade de substantivos, adjectivos, verbos de acção (“pulavam”,

”desciam”, ”Leva-o”, “Roçavam”, “segurei”, “prendi”);

• importância do pretérito perfeito do indicativo (vv. 2, 4, 18);

• importância do pretérito imperfeito do indicativo (vv. 6, 8, 13, 16, 19);

• presente histórico (vv. 10-12);

• visualização do cenário, dos acontecimentos (enumerações,

pormenorizações, tom dialogado).

(Paralelismo/ oposição com o poema “De Verão”)