apontamentos cesário verde - 11ºa-2015.docx

Upload: paula-sousa

Post on 07-Jan-2016

235 views

Category:

Documents


2 download

TRANSCRIPT

13Portugus 11 ano Apontamentos sobre Cesrio VerdeTurma A 2015

BIOGRAFIA DO POETA O poeta portugus Jos Joaquim Cesrio Verde nasceu em Lisboa a 25 de Fevereiro de 1855, sendo considerado um dosprecursoresda poesia portuguesa do sc. XX. Com influncia impressionista de extrema sensibilidade, retratou a cidade e o campo, os seus cenrios preferidos. Fugindo ao lirismo tradicional, a sua poesia expressou-se de uma forma mais natural. Faleceu no Lumiar, vtima detuberculose, a 19 de Julho de 1886.Poeta portugus, natural de Caneas, Loures, oriundo de uma famlia burguesa abastada. O pai era lavrador (tinha uma quinta em Linda-a-Pastora) e comerciante (estabelecido com uma loja de ferragens na baixa lisboeta). Foi por essas duas atividades prticas, teis, de acordo com a viso do mundo do prprio Cesrio Verde, que se repartiu a vida do poeta. Paralelamente, ia alimentando o seu gosto pela leitura e pela criao literria, embora longe dos meios literrios oficiais com que nunca se deu bem, o que o levou, por exemplo, a abandonar o Curso Superior de Letras da Faculdade de Letras de Lisboa, que frequentou entre 1873 e 1874. Cesrio Verde estreou-se, nessa altura, colaborando nos jornais Dirio de Notcias, Dirio da Tarde, A Tribuna e Renascena. A partir de 1875 produziu alguns dos seus melhores poemas: Num Bairro Moderno (1877), Em Petiz (1878) e O Sentimento dum Ocidental (1880). Este ltimo foi escrito por ocasio do terceiro centenrio da morte de Cames e , ainda hoje, um dos textos mais conhecidos do poeta, embora mal recebido pela crtica de ento, numa incompreenso geral mesmo por parte de escritores da Gerao de 70, de quem Cesrio Verde esperaria aceitao para a sua poesia.A falta de estmulo da crtica e um certo mal-estar relativamente ao meio literrio, expressos, por exemplo, no poema Contrariedades (Maro de 1876), fazem com que Cesrio Verde deixe de publicar em jornais, surgindo apenas, em 1884, o poema Ns. O binmio cidade-campo surge como tema principal neste longo poema narrativo autobiogrfico, onde o poeta evoca a morte da irm, a Jlia (1872) e de um irmo, o Jorge (1882), ambos de tuberculose, doena que viria a vitimar igualmente o poeta, apesar das vrias tentativas de convalescena. S em 1887 foi organizada, aps a morte do poeta, por iniciativa do seu amigo Silva Pinto, uma compilao dos seus poemas, a que deu o nome de O Livro de Cesrio Verde ( disposio do pblico em geral apenas em 1901). Dividido em duas seces, Crise Romanesca e Naturais, o livro no seguiu qualquer critrio cronolgico de elaborao ou de publicao. Entretanto, novas edies vieram acrescentar alguns textos obra conhecida do poeta e organiz-la segundo critrios mais rigorosos. Formado dentro dos moldes do realismo e do parnasianismo literrios, Cesrio Verde afirmou-se sobretudo pela sua oposio ao lirismo tradicional. Em poemas por vezes cnicos ou humorsticos conseguiu manter-se alheio ao peso da literatura, procurando um tom natural que valorizasse a linguagem do concreto e do coloquial, por vezes at com cariz tcnico, marcando um desejo de autenticidade e um amor pelo real, que fez com que a sua poesia enfrentasse, por vezes, a acusao de prosasmo. Com uma viso extremamente plstica do mundo, deteve-se em deambulaes pela cidade ou pelo campo (os seus cenrios de eleio) transmitindo o que a era oferecido aos sentidos, em cores, formas e sons, de acordo com a frmula do prprio poeta, expressa em carta ao seu amigo Silva Pinto: A mim o que me rodeia o que me preocupa. Se, por um lado, exaltava os valores viris e vigorosos, saudveis, da vida do campo e dos seus trabalhadores, sem vises buclicas, detinha-se, por outro, na cidade, na seduo dos movimentos humanos, da sua vibrao, solidarizando-se com as vtimas de injustias sociais e integrando na sua poesia, por vezes, um desejo de evaso. Conhecido como o poeta da cidade de Lisboa, foi igualmente o poeta da Natureza anti literria, numa antecipao de Fernando Pessoa / Alberto Caeiro, que considerava Cesrio um dos vultos fundamentais da nossa histria literria. Atravs de processos impressionistas muito sugestivos, levou a cabo uma renovao mpar, no sculo XIX, da estilstica potica portuguesa, abrindo caminho ao modernismo e influenciando decisivamente poetas posteriores.

Enquadramento histrico da poesia de Cesrio VerdeTransformaes da sociedade portuguesa a partir de meados do sc. XIX

No perodo em que viveu Cesrio Verde (1855 a 1866), o Portugal velho est em profunda transformao. Houve o longo perodo da crise provocada pelas invases napolenicas, pelas lutas liberais, pela perda da colnia brasileira, pela ascenso da burguesia ao poder, pela instabilidade poltica e governativa, crise essa que caracterizou a primeira metade do sculo XIX em Portugal e em que se enquadrou o nosso Primeiro Romantismo.Depois, o levantamento militar de Saldanha, em 1851, introduziu um perodo de estabilidade poltica, sob a gide do partido regenerador, que encaminhou a sua atuao para os melhoramentos materiais, difundindo confiana no progresso. Baseando-se no crdito financeiro nacional ou estrangeiro, o governo da Regenerao deu primazia ao lanamento dos meios de transporte e de comunicao que conduziram ao desenvolvimento da agricultura, sem que a indstria e a pequena burguesia urbana tenham sido alvo de idntico apoio. O descurar dos setores primrio e secundrio da economia e a tendncia para a especulao desenfreada levaram queda do governo regenerador em 1868 (revolta da Janeirinha) e conduziram crise de 1876.A terceira gerao romntica surge nos anos 70 (realismo) e coincide com o regresso ao poder de Fontes Pereira de Melo (1871-1877). Aquando da crise econmica de 1876, surge o partido progressista que ir alternar com o regenerador at ao fim da monarquia, no tendo sabido nenhum deles resolver os grandes problemas socioeconmicos com que o pas se deparava. neste perodo que se insere a poesia de Cesrio e, por isso, convm acompanhar mais detalhadamente as alteraes, sobretudo as urbanas, sofridas pelo pas a partir dos anos 70, algumas delas registadas nos seus poemas.Filme 1 sobre Cesrio Verde:

https://www.youtube.com/watch?v=2BJBKfO6Js8

Filme 2 sobre Cesrio Verde:

https://www.youtube.com/watch?v=pWtI3j29nBE

Desenvolvimento capitalista e urbanizao em PortugalO Fontismo Regenerador (1871-1877) traz profundas transformaes: incremento sensvel da produo industrial, fomento agrcola, facilitao na comercializao dos produtos, aumento do consumo e das classes trabalhadoras assalariadas (operrios da indstria e da construo civil), aumento dos transportes, desenvolvimento da minerao, das pescas, da indstria do tabaco... A multiplicao dos meios de transportes (caminhos de ferro, transportes urbanos coletivos) e dos meios de comunicao (jornal, telgrafo) favorece o desenvolvimento de todos os setores da economia. Paralelamente, verificam-se migraes internas para a cidade e uma enorme emigrao para o Brasil, como sintoma das dificuldades no campo e do apelo exercido pelos meios urbanos. Lisboa conhece os problemas peculiares do rpido desenvolvimento urbano a que o poder no sabe dar resposta, designadamente no que diz respeito salubridade pblica. A cidade enfrenta surtos de tuberculose, febre amarela e peste.Assim, o desenvolvimento capitalista revela-se, desde o seu incio, grosseiro e catico, ainda mais em Lisboa do que nas outras cidades europeias industrializadas.O sculo XIX ContextualizaoNo fim do sculo XIX, expressam-se inquietaes na arte e na literatura. Coexistem vrias correntes estticas e anunciam-se outras que se imiscuem no Romantismo ou no Realismo, ou at se apresentam como contraditrias. Todavia, o Realismo/Naturalismo e o Modernismo (na base do qual est o Parnasianismo e o Simbolismo) recusam o Romantismo.Prolifera a produo literria e surgem nomes sonantes, em todos os modos literrios, pela Europa. Em Portugal, destacam-se Cesrio Verde (parnasiano), Eugnio de Castro e Camilo Pessanha (simbolistas).O impressionismo ressalta na arte e distancia-se do Realismo ao revelar-se mais pessoal. Esfuma-se a fronteira entre o objetivo e o subjetivo com o pintor Manet, abrindo caminho aos pintores impressionistas Monet, Renoir, Sisley, entre outros.O Impressionismo captado do realA poesia do quotidiano despoetiza o ato potico, refletindo a impresso que o exterior deixa no interior do poeta. Da que se estabeleam conexes entre esta poesia e a pintura impressionista: o artista pretende captar as impresses que as coisas lhe deixam, tal como Cesrio Verde faz.Numa atitude anti literria, Cesrio Verde projeta no exterior o seu interior, nascendo, assim, a poesia do real, que permite ao poeta rever-se nas coisas, de modo a atingir o equilbrio. esta atitude que leva Cesrio a situar-se prximo do Impressionismo.Lirismo ou versos prosaicosSe o lirismo se associa expresso que o eu faz do seu mundo ntimo, a prosa surge voltada para o mundo exterior, usando um vocabulrio mais correto, mais objetivo.So vrios os poemas de Cesrio Verde onde o vocabulrio objetivo utilizado, onde a realidade exterior descrita, mas tambm, e frequentemente no mesmo poema, essa realidade objetiva revestida de formas poticas, designando-se, por isso, de versos prosaicos.A expresso da realidade objetiva, tal como aparece em Cesrio Verde, profundamente conotativa e, mesmo que o discurso no fosse entrecortado por frases exclamativas, ricas de subjetivismo, no seria difcil descobrir-se uma outra linguagem a relatar as impresses ntimas das realidades objetivas e observadas.Em Cesrio Verde assiste-se constantemente passagem do objetivo para o subjetivo. Logo, pode afirmar-se que se a sua poesia a expresso do mundo real, exterior, tambm o de um mundo psquico, interior, e da poder afirmar-se que na poesia de Cesrio Verde, tal como na de outros parnasianos, no h lirismo puro, h preferencialmente versos prosaicos, isto , prosa em forma de verso.Cesrio Verde, o reprter do quotidiano (carter deambulatrio) na captao da outra face da realidade lisboeta que Cesrio Verde se inspira (a dos trabalhadores que denunciam a sua origem campesina), contrariamente ao que faz Ea de Queirs que retrata a alta burguesia lisboeta.Ao vaguear (o clebre deambular), o eu denuncia o lado oposto ao da grandeza, focando os lugares pobres e nauseabundos, os humildes que sustentam a cidade. Ironicamente foca as figuras intermdias, como o criado de Num bairro moderno, ou os caixeiros de O Sentimento dum Ocidental. Transfigurando o que v, capta ainda aquelas personagens dbias, como a actrizita de Cristalizaes, que, tal como a cidade, tentam esconder a sua condio. Para Cesrio Verde, ver perceber o que se esconde e, por isso, perceciona a cidade minuciosamente, atravs dos sentidos.Em Cesrio raramente os interiores so retratados, porque o eu est em movimento, numa cidade cheia de humanidade autntica, e a sua conscincia acompanha essa evoluo do espao.

Cesrio Verde, o amante do campoA poesia do autor reflete o binmio cidade/campo e isso deve-se dupla vivncia que este poeta-pintor teve. Com efeito, ele passou a sua infncia no campo, na quinta de Linda-a-Pastora, propriedade familiar, e esse contacto determinou a viso que dele d. curioso constatar que o campo apresentado no tem o aspeto idlico, paradisaco que tinha para os poetas anteriores. Este espao no aparece associado ao bucolismo ou ao devaneio potico, mas um espao real, aquele onde se podem observar os camponeses no seu trabalho, na luta diria, onde as alegrias se manifestam face aos prazeres da vida, e onde as tristezas ocorrem quando os acontecimentos no seguem um curso normal. o dia-a-dia concreto, autntico e real, aquele com que Cesrio Verde contacta e do qual d conta de uma forma realista, mas onde tambm se presencia a sua subjetividade, percetvel na preferncia que manifesta por este local.Cesrio associa o campo vida, fertilidade, vitalidade, ao rejuvenescimento, porque nele no h a misria constrangedora, o sofrimento, a poluio aterradora, os cheiros nauseabundos, os seres humanos dbios, os exploradores e os ricos pretensiosos que desprezam os humildes. Estes seres, estranhos ao campo, pode o eu encontr-los na cidade.Ao contrrio da libertao que o campo lhe oferece, o espao citadino empareda-o, incomoda-o, do mesmo modo que incomodavam os pobres trabalhadores que, na cidade, se depararam com as mais acentuadas injustias, com a subservincia, eles, os que no tinham medo do trabalho, os que enfrentavam as lutas quotidianas com determinao e fora, com atitudes corajosas que os faziam ricos aos olhos de Cesrio Verde, um dos poucos que sabia que, sem eles, os cosmopolitas teriam poucas hipteses de sobrevivncia.A preocupao social sentida por Cesrio Verde nica, autntica, chegando a comover o leitor pela sua veracidade e pormenor descritivo, transportando-o para o mundo que foi o dele, com as suas imperfeies e as suas virtudes. E a fora inspiradora de Cesrio a terra-me; nela, o poeta encontra os seus temas e o estmulo para escrever e, por isso, associa-se o poeta ao mito de Anteu, porque tambm este ia buscar a sua fora terra, sua me, para derrotar os que da costa Lbia se aproximassem. Cesrio, o poeta pintor - Linguagem e estiloA poesia de Cesrio Verde distingue-se pela exatido do vocabulrio, pelas imagens extremamente visuais, ao ponto de se considerar este poeta um pintor, e ele prprio afirmar pinto quadros por letras, por sinais Ns. semelhana de Ea de Queirs, Cesrio Verde mistura o fsico e o moral, combina sensaes, usa sinestesias, hiplages, apresenta primeiro a sensao e s depois se refere ao objeto (Amareladamente, os ces parecem lobos), emprega dois ou mais adjetivos associados ao mesmo nome (E rota, pequenina, azafamada, / Notei de costas uma rapariga). Mas a sua linguagem ainda mais pitoresca e realista que a de Ea de Queirs, usando mesmo termos desprovidos de contedo potico, pertencentes a um nvel familiar ou tcnico, como, por exemplo: martelo, batatal, quintalrio, maos de cigarros, navalhas, etc. notria a predileo do poeta pelas quadras, em versos decassilbicos (10 slabas mtricas) ou alexandrinos (12 slabas mtricas), usando frequentemente o transporte ou enjambement.Se o rigor da forma aproxima Cesrio Verde dos parnasianos, j a subjetividade, de que aparecem eivados muitos dos seus poemas, o afasta desta e do lirismo tradicional.

Principais caractersticas da poesia de Cesrio Verde

A sua esttica de temtica socialista, com preciso, com rigor geomtrico (desenho de compasso e esquadro) e de doutrinao revolucionria (eu acho sempre assunto a quadros revoltados).Influenciado por Baudelaire na expresso do tdio, da doena, no retrato da mulher arrogante, do deambulismo, da nsia de evaso (sonho), verifica-se tambm a esttica realista na crtica social: os seus temas chegam a ser repulsivos, denotando simpatia pelos humildes e pelos mais desfavorecidos num processo de alternncia dos planos de alteridade e de subjetividade, do mundo exterior e do eu que a ele reage.Podemos vislumbrar algumas sugestes surrealistas (vm lgrimas de luz dos astros com olheiras), o que denota a sua modernidade e a sua vanguarda. Como se de um processo cinematogrfico se tratasse, a sua viso impressionista, ao ritmo da deambulao da vida citadina que lhe desperta um desejo absurdo de sofrer. Essa viso passa pela valorizao do adjetivo, do advrbio, do verbo, da hiplage e da sinestesia (e tangem-me excitados, sacudidos, o tacto, a vista, o ouvido, o gosto, o olfacto).A construo frsica com novas alianas vocabulares, frases nominais, adjetivao mltipla (e sujos, sem ladrar, sseos, febris, errantes), ritmos novos, pausas variadas ou aliteraes, fazem da sua poesia um prazer para os sentidos.

Poemas representativos da potica de Cesrio Verde: Num bairro moderno - marcas da narrativa (espao, tempo, ao, personagens); descontentamento evidente em relao ao emprego; desejo de uma vida descansada e tranquila; invaso da cidade pelo campo; cabaz de frutos e legumes; mulher do campo (vendedeira): desprendida, humilde, atenciosa, educada, frgil, plida e magra; o poeta ganha foras atravs da vendedeira/regateira (que representa o campo); quadro verdadeiramente impressionista: predomnio da cor e luminosidade nas descries. Contrariedades - revolta contra a desumanidade e a ignorncia que oprimem e marginalizam os mais fracos: ao contemplar, atravs da sua janela, uma pobre engomadeira tuberculosa, emociona-se com o seu drama; solidariza-se com os que sofrem as humilhaes do quotidiano da cidade de Lisboa - tambm ele foi humilhado e os seus versos foram rejeitados. O sentimento dum ocidental (Ave Marias) - desejo de fuga, de evaso; denncia social: condies de vida precrias para os trabalhadores; dependncia de Portugal face a Inglaterra - despreocupao da alta sociedade quanto a isso; ciclo vicioso das classes mais baixas: no progridem porque no tm oportunidade para isso; antinomia de personagens, de espaos e de tempos (trabalhadores explorados e atarefados/lojistas enfadados; edificaes emadeiradas/hotis da moda; antes e depois da industrializao: glria/opresso, misria, injustia, dependncia). Deslumbramentos - a cidade personificada na mulher fatal de humilhante indiferena, sofisticada, moderna, racional, distante, ftil, fria, orgulhosa e sedutora; reduo do amante condio de servo; transposio do plano individual para o coletivo: vingana contra a ordem social personificada pelas miladies. Ns - elogio do campo, que fonte de vida e de riqueza; a cidade vista como algo de dramtico, centro de desgraa, onde s h morte; triunfo da cidade sobre o poeta e sobre o campo: protesto, rebeldia, desprezo, manifestaes do poeta. Poema autobiogrfico.Figuras de estilo frequentes na poesia de Cesrio

1

Assndeto (as ideias no so ligadas por nenhuma conjuno, a impor um ritmo mais violento e agressivo leitura do poema). Ironia. Comparao. Metfora. Sinestesia (mistura de sensaes brancuras quentes; luz macia). Estrangeirismos (brasserie; magasins; mnages, milady). Adjetivao (dupla ou tripla).

Hiplage (atribuio de uma qualidade a um objeto que logicamente no lhe pertence. Ex: E s portas, uma ou outra campainha toca, frentica, de vez em quando). Enumerao. Anttese. Transporte invulgar (continuao da ideia no verso seguinte. Ex: E saio. A noite pesa, esmaga. / Nos passeios de lajedo arrastam-se as impuras, Pela poesia de Cesrio Verde, inovadora e vanguardista, perpassam vrias estticas literrias: Realismo/naturalismo: O quotidiano citadino e burgus e a viso crtica da sociedade. A objetividade da realidade expressa pela preciso vocabular. Impressionismo: A viso subjetiva e a realidade transfigurada atravs da cor e da luminosidade; o uso da sinestesia e da hiplage na apreenso da realidade. Parnasianismo: A perfeio artstica, o rigor e a perfeio formal, mtrica e rimtica; o pormenor objetivo do mundo exterior. Simbolismo: As rimas raras e as metforas inesperadas. A mistura de vocabulrio erudito com alguma coloquialidade a denotar prosasmo. Insero do grotesco e viso decadente da sociedade personificada na cidade. Modernismo: O tdio e o desejo de evaso. Surrealismo: A tcnica da transfigurao do real. A metamorfose.

PRINCIPAIS CARACTERSTICAS DA POESIA DE CESRIO VERDE

Caractersticas realistas

Supremacia do mundo externo, da materialidade dos objetos; impe o real concreto sua poesia. Predomnio do cenrio urbano (o favorito dos escritores realistas e naturalistas). Situa espcio-temporalmente as cenas apresentadas (Num Bairro Moderno - dez horas da manh). Ateno ao pormenor, ao detalhe. Seleo temtica: a dureza do trabalho (Cristalizaes e Num Bairro Moderno); a doena e a injustia social (Contrariedades); a imoralidade das impuras, a desonestidade do ratoneiro e a misria do velho professor em O Sentimento dum Ocidental. Presena do real histrico: a referncia a Cames e o contexto sociopoltico em O Sentimento dum Ocidental. Linguagem burguesa, popular, coloquial, rica em termos concretos, pelo facto de a sua poesia ser estimulada pelo real, que inspira o poeta, que se deixa absorver pelas formas materiais e concretas.

Caractersticas modernistas

A poesia de Cesrio Verde reflete a crise do naturalismo e o desencanto pela esttica realista. O poeta empenha-se no real, certo, porm a instncia da viso subjetiva marcante ao ponto de fazer vacilar a conceo de Cesrio Verde como poeta realista. (Elisa Lopes). Mesmos nos textos mais frequentemente citados como realistas, encontramos j um olhar subjetivo (porque seletivo), valorativo, que se manifesta num impressionismo pictrico, pois mais do que a representao do real importa a impresso do real, que suplanta o real objetivo. A realidade mediatizada pelo olhar do poeta, que recria, a partir do concreto, uma outra realidade atravs da imaginao transfiguradora, metamorfoseando o real (a giga da regateira em Num bairro moderno) num processo de reinveno ou recontextualizao precursora da esttica surrealista. Com o seu pendor subversivo, Cesrio Verde abre sua escrita as portas da vida e assim traz o inesttico, o vulgar, o feio, a realidade trivial e quotidiana para dentro da poesia. Forte componente sinestsica (cruzamento de vrias sensaes na apreenso do real), de pendor impressionista, que valoriza a sensao em detrimento do objeto real. Um certo intersecionismo (concretizado muitas vezes em hiplages sugestivas) entre planos diferentes, visualismo e memria, real e imaginrio, etc.

Caractersticas estilsticas

A estrutura narrativa dos seus poemas, em que encontramos aes protagonizadas por agentes/atores (Deslumbramentos, Cristalizaes e Num Bairro Moderno). A estrutura deambulatria que configura uma poesia itinerante: a explorao do espao feita atravs de sucessivas deambulaes, numa perspetiva de cmara de filmar, em que se vo fixando vrios planos (Cristalizaes, em que se configuram vrios planos, e O Sentimento dum Ocidental, em que h um fechamento claustrofbico cada vez maior dos cenrios apreendidos pelo olhar medida que avana a noite). uma espcie de olhar itinerante e fragmentrio, que reflete o passeio obsessivo pela cidade (e tambm no campo em alguns poemas); uma poesia transeunte, errante. Exemplos mais significativos so os poemas Num Bairro Moderno e O Sentimento dum Ocidental que definem a relao do poeta com a cidade. O olhar seletivo: a descrio/evocao do espao filtrada por um juzo de valor transfigurador, profundamente sinestsico (Num Bairro Moderno). O poeta como um espelho em que vem repercutir-se a diversidade do mundo citadino. O contraste luz/sombra: jogo ldico de luz em que as imagens poticas se configuram em cintilaes, descobrindo, presentificando e recriando a realidade (O Sentimento dum Ocidental). Tanto pode ser a luz do dia como a luz artificial, como a luz metafrica que emana da viso da mulher. A incidncia da luz uma forma de valorizar os objetos, entendendo-se a luz como princpio de vida. Automatismo psquico: associaes desconexas de ideias, visvel nas frases curtas, na sequncia de oraes coordenadas assindticas, que sugerem uma acumulao, uma concatenao aleatria de ideias (Contrariedades, O Sentimento dum Ocidental). Adjetivao particularmente abundante e expressiva, com dupla e tripla adjetivao, ao servio de um impressionismo pictrico. A construo pictrica atravs dos nomes que presentificam a realidade convocada, frequentemente em enumerao que sugere uma acumulao de elementos.

Caractersticas temticas

A oposio cidade/campo- A cidade um espao de morte e o campo um espao de vida valorizao do natural em detrimento do artificial. O campo visto como um espao de liberdade, do no isolamento; e a cidade como um espao castrador, opressor, smbolo da morte, da humilhao, da doena. A esta oposio associam-se as oposies belo/feio, claro/escuro, fora/fragilidade.- O poeta identifica-se com a cidade presente, deambulando pelas ruas e becos; revive por evocao da memria todo o passado e os seus dramas; acha sempre assuntos e sofre uma opresso que lhe provoca um desejo absurdo de sofrer: ao anoitecer, ruas soturnas e melanclicas, com sombras, bulcio...; o enjoo, a perturbao, a monotonia (Nas nossas ruas, ao anoitecer, / H tal soturnidade, h tal melancolia, / Que as sombras, o bulcio do Tejo, a maresia / Despertam-me um desejo absurdo de sofrer. Sentimento dum ocidental).- Do campo capta a vitalidade e a fora telrica; no canta o convencionalismo idlico, mas a natureza, os pomares, as canseiras da famlia durante as colheitas.- A cidade surge viva com homens vivos; mas nela h a doena, a dor, a misria, o grotesco, a beleza e a sua decomposio fatal... No campo h a sade, o refgio durante a peste na cidade...- Ao nvel pessoal, a cidade significa a ausncia, a impossibilidade ou a perverso do amor, e o campo a sua expresso idlica. Ao nvel social, a cidade significa opresso, e o campo a recusa da mesma e a possibilidade do exerccio da liberdade.- As descries de quadros e tipos citadinos retratando Lisboa em diversas facetas e segundo ngulos de viso de personagens vrias (Num Bairro Moderno; Cristalizaes; O Sentimento dum Ocidental).- A invaso simblica da cidade pela vitalidade e pelo colorido saudvel dos produtos do campo (como por exemplo, a giga da rota, pequenina, azafamada rapariga em Num Bairro Moderno).- A cidade personifica a ausncia de amor e, consequentemente, de vida. Ela surge como uma priso que desperta no sujeito um desejo absurdo de sofrer. um foco de infees, de doena, de MORTE. um smbolo de opresso, de injustia, de industrializao, e surge, por vezes, como ponto de partida para evocaes, divagaes- O campo, por oposio, aparece associado vitalidade, alegria do trabalho produtivo e til, nunca como fonte de devaneio sentimental. Aparece ligado fertilidade, sade, liberdade, VIDA. A fora inspiradora de Cesrio a terra-me, da surgir o mito de Anteu, uma vez que a terra fora vital para Cesrio. O poeta encontra a energia perdida quando volta para o campo, anima-o, revitaliza-o, d-lhe sade, tal como Anteu era invencvel quando estava em contacto com a me-terra.- O campo , para Cesrio, uma realidade concreta, observada to rigorosamente e descrita to minuciosamente como a prpria cidade o havia sido: um campo em que o trabalho e os trabalhadores so parte integrante, um campo til onde o poeta se identifica com o povo (Petiz). no poema Ns que Cesrio revela melhor o seu amor ao campo, elogiando-o por oposio cidade e considerando-o um salutar refgio.- A oposio cidade/campo conduz simbolicamente oposio morte/vida. a morte que cria em Cesrio uma repulsa cidade por onde gostava de deambular mas que acaba por aprision-lo.

Oposio passado/presenteO passado visto como um tempo de harmonia com a natureza, ao contrrio de um presente contaminado pelos malefcios da cidade (Ns).

A questo da inviabilidade do Amor na cidade

A humilhao (sentimental, esttica, social). - a humilhao sentimental:

a mulher formosa, fria, distante e altiva (Esplndida; Deslumbramentos; Frgida); a mulher fatal da poca/a humilhao do sujeito potico tentando a aproximao (Esplndida); a mulher burguesa, rica, distante e altiva/a humilhao do sujeito potico que no ousa aproximar-se devido sua baixa condio social (Humilhaes); a mulher fatal, bela e artificial, poderosa e desumana/a consequente humilhao do poeta (Milady, perigoso contempl-la (...)/ Com seus gestos de neve e de metal., Deslumbramentos); a mulher fatal, plida e bela, fria, distante e impassvel que o poeta deseja e receia/a humilhao e a necessidade de controlar os impulsos amorosos (Frgida). - a humilhao esttica: a revolta pela incompreenso que os outros manifestam em relao sua poesia e pela recusa de publicao por alguns jornais (Arte? No lhes convm, visto que os seus leitores/ Deliram por Zaccone; Agora sinto-me eu cheio de raivas frias/ Por causa dum jornal me rejeitar, h dias/ Um folhetim de versos., Contrariedades). - a humilhao social: o povo comum oprimido pelos poderosos (Humilhaes); o abandono a que so votados os doentes (Uma infeliz, sem peito, os dois pulmes doentes (...)/ O doutor deixou-a..., Contrariedades); o povo dominado por uma oligarquia poderosa (a Milady de Deslumbramentos uma representante dessa oligarquia).

A preocupao com as injustias sociais.O poeta coloca-se ao lado dos desfavorecidos, dos injustiados, dos marginalizados e admira a fora fsica, a pujana do povo trabalhador. Ele interessa-se pelo conflito social do campo e da cidade, procurando document-lo e analis-lo, embora sem interferir. Faz a anatomia do homem oprimido pela cidade.

O sentimento anti burgus.

O perptuo fluir do tempo, que s trar esperana para as geraes futuras.

A presena obsessiva da figura feminina, vista: negativamente, porque contaminada pela civilizao urbana - mulher opressora mulher nrdica, fria, smbolo da ecloso do desenvolvimento da cidade como fenmeno urbano, sindoque da classe social opressora e, por isso, geradora de um erotismo da humilhao (ex: Frgida, Deslumbramentos e Esplndida), em que se reconhece a influncia de Baudelaire; positivamente, porque relacionada com o campo, com os seus valores salutares. - mulher anjo viso angelical, reflexo de uma entidade divina, smbolo de pureza campestre, com traos de uma beleza angelical, frequentemente com os cabelos loiros, dotada de uma certa fragilidade (Em Petiz, Ns, De Tarde e Setentrional) tambm tem um efeito regenerador; - mulher regeneradora mulher frgil, pura, natural, simples, representa os valores do campo na cidade, que regenera o sujeito potico e lhe estimula a imaginao (ex: as figuras femininas de a A Dbil e Num Bairro Moderno); - mulher oprimida tsica, resignada, vtima da opresso social urbana, humilhada, com a qual o sujeito potico se sente identificado ou por quem nutre compaixo (Contrariedades); - mulher como sindoque social (ex: as burguesinhas e as varinas de O Sentimento dum Ocidental - mulher objeto vista enquanto estmulo ertico, dos sentidos carnais, sensuais, como impulso ertico (ex: atriz de Cristalizaes).

A BUSCA DA PERFEIO FORMAL NA POESIA DE CESRIO VERDE

Cesrio busca a expresso clara, objetiva e concreta; As suas descries tm pouco de potico, mas sim um prosasmo lrico, pois procura explorar a notao objetiva e sbria das graas e dos horrores da vida da cidade ou a profunda vitalidade da paisagem campestre caractersticas de um realista.A sua maior preocupao com: a beleza e a perfeio da sua poesia (a musicalidade, a harmonia, a escolha dos sons...); o vocabulrio a expressividade verbal, a adjetivao abundante, rica e expressiva, a preciso vocabular (chega mesmo a usar termos tcnicos), o colorido da linguagem...; os recursos fnicos as aliteraes, que contribuem para a musicalidade e para a perfeio formal; os processos estilsticos abundncia de imagens, as metforas, as sinestesias...; a regularidade mtrica, estrfica e rimtica (na mtrica, preferncia pelo verso decassilbico e pelo alexandrino; na organizao estrfica, a preferncia evidente pela quadra que lhe permitia registar as observaes e saltar com facilidade para outros assuntos). o impressionismo adaptado ao Real: A mim o que me preocupa o que me rodeia a poesia do quotidiano despoetiza o ato potico, da que a sua poesia seja classificada como prosaica, concreta. O poeta pretende captar as impresses que os objetos lhe deixam atravs dos sentidos. ao vaguear, ao deambular, o poeta perceciona a cidade e o eu o resultado daquilo que v.Cesrio no hesita em descrever nos seus poemas ambientes que, segundo a conceo da poesia, no tinham nada de potico. No s surpreende os aspetos da realidade como sabe perfeitamente fazer uma reflexo sobre as personagens e certas condies.A representao do real quotidiano , frequentemente, marcada pela captao perfeita dos efeitos da luz e por uma grande capacidade de fazer ressaltar a solidez das formas (viso objetiva), embora sem menosprezar uma certa viso subjetiva Cesrio procura representar a impresso que o real deixa em si prprio e s vezes transfigura a realidade, transpondo-a numa outra.LINGUAGEM E ESTILOCesrio Verde caracterizado pela utilizao do Parnasianismo que a busca da perfeio formal atravs de uma poesia descritiva e fazendo desta algo de escultrico, esculpindo o concreto com nitidez e perfeio. O parnasianismo tambm a necessidade de objetivar ou despersonalizar a poesia e corresponde reao naturalista que aparece no romance. Os temas desta corrente literria so temas do quotidiano com um enorme rigor a nvel de aspeto formal e h uma aproximao da poesia s artes plsticas, nomeadamente a nvel da utilizao das cores e dos dados sensoriais.Atravs deste parnasianismo ele prope uma explicao para o que observa com objetividade e, quando recorre subjetividade, apenas transpe, pela imaginao transfiguradora, a realidade captada numa outra que s o olhar de artista pode notar. Cesrio utiliza tambm uma linguagem prosaica e aproxima-se da prosa e da linguagem do quotidiano.A sua obra caracteriza-se tambm pela tcnica impressionista ao acumular pormenores das sensaes captadas e pelo recurso s sinestesias, que lhe permitem transmitir sugestes e impresses da realidade.A nvel morfossinttico recorre expressividade verbal, adjetivao abundante, rica e expressiva, por vezes em hiplage, ao colorido da linguagem e tem uma tendncia para as frases curtas.Vocabulrio concreto; Linguagem coloquial; Predomnio do uso do decasslabo e do Alexandrino; Uso do assndeto que resulta da tcnica de justaposio de vrias percees; Tcnica descritiva assente em sinestesias, hiplages, na expressividade do advrbio, no uso do diminutivo e na utilizao da ironia como forma de cortar o sentimentalismo (equilibrar).

Enquadramento Esttico-Literrio da poesia de Cesrio Verde Poeta da cidade, um dos maiores em qualquer tempo e em qualquer lngua, por isso mesmo genuno, original, profundamente renovador, quer ao descrever os quadros e os tipos citadinos, quer ao denunciar, em sbrias palavras, as atitudes subjetivas provocadas pela vida exterior. Cesrio tem o culto da descrio, da conteno. A sensibilidade e a fantasia so nele dominantes pela esttica antirromntica, pela reserva irnica, pela sbia composio, pelo gosto de polir os seus versos. Cesrio s anti retrico no sentido da retrica tradicional, incontida e verbosa; a arte de escrever tomou para ele grande importncia medida que se descobriu como poeta: escrever bem era em Cesrio ver bem, selecionar e dosear as impresses, realar as linhas e os volumes, o agradvel e o acerbo, o nobre e o corriqueiro, por meio de alternncias e contrastes premeditados que emitem o desfile descontnuo e o regresso obsessivo das ideias fortuitas. Sem dvida, vivia pelos sentidos, euforicamente, na cidade como no campo, antecipando-se lio anti metafsica de Alberto Caeiro.

Apontamentos elaborados com base em informao proveniente de manuais escolares e pesquisa de contedos disponibilizados online sobre o poeta Cesrio Verde, contexto, vida e obra.Bom estudo! EMSC