centro universitÁrio curitiba faculdade de direito de ... · direito administrativo foi dado, por...

59
CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA FACULDADE DE DIREITO DE CURITIBA LUIZA COMINESE MOTTA VIEIRA TOMBAMENTO: A IMPORTÂNCIA DA PROTEÇÃO ADMINISTRATIVA SOBRE O PATRIMÔNIO DE VALORAÇÃO HISTÓRICO CULTURAL E A (IM)POSSIBILIDADE DE TOMBAMENTO JUDICIAL CURITIBA 2019

Upload: others

Post on 13-Mar-2020

2 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA FACULDADE DE DIREITO DE CURITIBA

LUIZA COMINESE MOTTA VIEIRA

TOMBAMENTO: A IMPORTÂNCIA DA PROTEÇÃO ADMINISTRATIVA SOBRE O PATRIMÔNIO DE VALORAÇÃO HISTÓRICO CULTURAL E A

(IM)POSSIBILIDADE DE TOMBAMENTO JUDICIAL

CURITIBA 2019

LUIZA COMINESE MOTTA VIEIRA

TOMBAMENTO: A IMPORTÂNCIA DA PROTEÇÃO ADMINISTRATIVA SOBRE O PATRIMÔNIO DE VALORAÇÃO HISTÓRICO CULTURAL E A

(IM)POSSIBILIDADE DE TOMBAMENTO JUDICIAL Monografia apresentada como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito, do Centro Universitário Curitiba. Orientadora: Ana Luiza Chalusnhak

CURITIBA 2019

LUIZA COMINESE MOTTA VIEIRA

TOMBAMENTO: A IMPORTÂNCIA DA PROTEÇÃO ADMINISTRATIVA SOBRE O PATRIMÔNIO DE VALORAÇÃO HISTÓRICO CULTURAL E A

(IM)POSSIBILIDADE DE TOMBAMENTO JUDICIAL Monografia aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel

em Direito do Centro Universitário Curitiba, pela Banca Examinadora formada

pelos professores:

Orientadora: ________________________________________

_______________________________________

Prof. Membro da Banca

Curitiba, 29 de abril de 2019.

RESUMO

Na data de 30 de Novembro de 1937, foi realizado por Getúlio Vargas, nas suas

competências de Presidência da República, o Decreto-Lei n° 25. Pela primeira vez,

passou a existir no ordenamento jurídico brasileiro a possibilidade de que fosse

declarado, pelas competências administrativas, a proteção do patrimônio de valoração

histórica, social, cultural ou artística. Restou confirmado, ainda, com o advento da

Constituição da República de 1988, o dever de preservação geral e social, que recai

não apenas sobre o público, mas sobre o privado. O tombamento passou a ser o

instrumento positivado para que fosse declarada a importância social de determinado

bem, e tem o condão de gerar obrigações e deveres de cuidado, proteção e

preservação. O tombamento, como ato administrativo puro e perfeito que é, segue as

luzes da doutrina brasileira quanto as suas classificações, e deve ser baseado e

acompanhado pelo devido processo legal, que foi explorado no presente trabalho.

Embora a escrita sobre a classificação do ato administrativo seja vasta, acaba por

confirmar a importância e as particularidades das competências e entes

administrativos, diferindo-o dos atos judiciais.

Palavras-chave: ato administrativo; ato judicial; tombamento.

ABSTRACT

On November 25th, 1937, by Getúlio Vargas, in his powers of Presidency of the

Republic, was created the Decreto de lei no. 25. For the first time in the Brazilian legal

system, the possibility of declaring the protection of historical, social, cultural or artistic

valuation patrimony was declared by administrative powers. It was also confirmed by

the Constitution of the Republic of 1988, the duty of general and social preservation,

which falls not only on the public space but on the private space. The Tombamento

became the legal instrument for declaring the social importance of a particular property,

por example, and has the power to generate obligations and duties of care, protection

and preservation for the community. The tombamento, as a pure and perfect

administrative act that is, follows the light of the Brazilian literature as to its

classifications, and must be based and accompanied by due process of law, which was

explored in the present research. Although the writing on the classification of the

administrative act is vast, it ends up confirming the importance and the particularities

of the competences of administrative acts, differing it from the judicial acts.

Keywords: judicial act; administrative act; tombamento.

SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 6 2 TOMBAMENTO ......................................................................................................... 7 3 O ATO ADMINISTRATIVO DISCRICIONÁRIO ....................................................... 11 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 55 REFERÊNCIAS ............................................................................................................ 6

6

1 INTRODUÇÃO

Este trabalho tem o objetivo de traçar uma linha entre a necessidade de proteção do

patrimônio histórico cultural de uma sociedade e a obrigação do poder público de fazê-lo,

que também acarreta em restrições do uso do bem ao proprietário e em um regime

totalmente específico e diferenciado de propriedade. Ainda, versa sobre o universo dos atos

administrativos, classificando-os de acordo com a doutrina majoritária, especialmente no

que tange ao ato administrativo de Tombar e a competência para fazê-lo. Nos últimos anos,

foi possível observar a movimentação do Poder Judiciário no sentido de declarar,

judicialmente, o tombamento de um bem, invadindo assim a esfera administrativa. Foi feita

uma análise de acordo com o sistema de freios e contrapesos, do princípio da legalidade e

da dogmática da Constituição Federal.

7

2 TOMBAMENTO

O Decreto-Lei n. 25, de 30 de Novembro de 1937, realizado por Getúlio Vargas nas

suas atribuições de Presidente da República, trouxe para o ordenamento jurídico brasileiro

e para a tutela do direito administrativo a possibilidade de proteção do patrimônio de

valoração histórica, social, cultural ou artística da sociedade brasileira pela chancela

administrativa. Anos mais tarde, com a Constituição da República de 1988, foi

constitucionalmente positivado o dever de preservação geral e social na Seção II, que trata

das disposições constitucionais "Da Cultura", especificamente no artigo 216 que dispõe

sobre quais bens podem recair tombamento, que se resumem em qualquer bem que

carregue consigo essa valoração histórica que é a contribuição na criação do processo

histórico da sociedade em questão e da identidade cultural, não importando as

características objetivas do bem; podem ser públicos ou privados, móveis ou imóveis,

materiais ou imateriais, o que prova a grande extensão do Tombamento. Não há restrição

sobre qual bem poderá ou não ser tombado, como dispõe:

Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I - as formas de expressão; II - os modos de criar, fazer e viver; III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. §1º O poder público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação. §2º Cabem à administração pública, na forma da lei, a gestão da documentação governamental e as providências para franquear sua consulta a quantos dela necessitem. §3º A lei estabelecerá incentivos para a produção e o conhecimento de bens e valores culturais. §4º Os danos e ameaças ao patrimônio cultural serão punidos, na forma da lei. §5º Ficam tombados todos os documentos e os sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos.1

1 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Planalto. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 17 ago 2018.

8

A necessidade de proteção é o que justifica que a administração pública possa

intervir na propriedade privada sem feri-la, legalmente. Uma vez que não há relação

horizontal entre administração pública e o particular, o mesmo se revela no ato do

tombamento, que por ela é feito. Unilateralmente, é certo dizer que o procedimento

administrativo é de declaração de valor cultural e não propriamente de sua constituição,

uma vez que a valoração nasce e é criada ao longo do tempo pela sociedade, conforme ela

vai se constituindo. Incumbe, aqui, à administração pública declará-la, fiscalizá-la e protegê-

la, mas não constituí-la, vez que esse processo de valoração só será historicamente criado

pela própria sociedade, pouco a pouco. Essa declaração positivada pela administração

pública acarreta em deveres gerais: quanto ao particular que tenha em sua posse um

edifício de importante valor cultural, por exemplo, o ato administrativo de tombar cria

condições e limites para o uso desse bem, sendo que o que determina quais serão os

limites em questão é o próprio ato administrativo. Como ensina Meirelles:

[...] na administração pública essas ordens e instruções estão concretizadas nas leis, regulamentos e atos especiais, dentro da moral da instituição. Daí o dever indeclinável de o administrador público agir segundo os preceitos do Direito e da Moral administrativa, porque tais preceitos é que expressam a vontade do titular dos interesses administrativos – o povo – e condicionam os atos a serem praticados no desempenho do múnus público que lhe é confiado.2

Alguns atos podem acarretar na intenção de preservação total do bem,

irrestritamente, sem que se possa modificar sua estrutura interna e externa e até mesmo

pintar-lhe a fachada, assim como podem recair apenas sobre a fachada do edifício. Quanto

ao poder público face ao bem tombado, em nome do interesse público de preservação, é

de sua competência a fiscalização – se forem bens particulares, fiscalização no sentido de

cumprimento das obrigações impostas pelo ato administrativo, aquelas de preservação e

do dever de manter o bem no estado em que se encontrava quando tombado. Se forem

bens públicos, além da fiscalização, também se fala na própria preservação material do

bem, que nesse caso deverá ser realizada pela própria administração pública.

Como trata-se de um instrumento de proteção efetiva dos laços históricos e culturais

da sociedade, pode se dar no âmbito municipal, estadual e federal, obedecendo a ordem

2 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 37ª Edição. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 87.

9

hierárquica de competência para fazê-lo; isso significa que um município não poderá tombar

um bem federal, por exemplo. A competência hierárquica deverá ser observada durante

todo o processo do tombamento. Nos casos de bens públicos tombados, por exemplo, não

é possível a alienação - mas é possível a transferência do bem entre os entes da federação.

A declaração de valoração histórica poderá se dar de duas maneiras: de ofício, como

é de praxe, e por provocação. De ofício, uma vez que é dever da administração pública

zelar pela proteção do interesse público ou por provocação, uma vez que também é dever

do particular que possa estar em posse do bem a ser preservado, imposto

constitucionalmente, zelar pela preservação deste. Cabem classificações doutrinárias:

chama-se tombamento voluntário aquele que é levado ao conhecimento da administração

pública por pura vontade declarada daquele que está em posse do bem, e tombamento

compulsório aquele que tem sua origem em um ato da própria administração pública, que

notificará eventual particular.

Por ser ato unilateral da administração pública, como mais a frente será explorado,

mesmo no caso de quando realizado por provocação do particular, há a criação de algumas

dúvidas quanto ao obedecimento do devido processo legal e do contraditório, que atinge

todas as relações jurídicas. Uma vez que não há relação de horizontalidade entre o

particular e a administração pública, o processo de tombamento já se inicia em uma

aparente desigualdade, que na prática não acontece; explica-se: a administração pública

só tem prerrogativas para que seja efetivamente preservada a supremacia do interesse

público – que é, objetivamente, o que a administração pública representa. Nesse caso, o

interesse público recai sobre a preservação do bem, seja ele público ou privado. Tem-se,

desde logo, que o principal objetivo de preservação de todo esse processo é de interesse

de todos; particular, administração pública e o restante da sociedade. Ainda assim, o

processo deverá respeitar o devido processo legal em todas as suas fases para que não

se incorra em nulidade processual, possibilitando que o particular, no tombamento

compulsório, possa e deva se manifestar sobre o ato.

A efetivação dessa proteção realiza-se com a inscrição do bem nos chamados Livros

do Tombo. O Decreto-Lei n. 25/1937, em seu artigo 4°, determinou que fossem mantidos

quatro Livros do Tombo de ordem nacional. Interessante destacar que, também em 1937

mas no dia 13 de janeiro, 10 meses mais velha do que o decreto Lei supracitado, houve a

Lei número 378, deu uma nova regulamentação ao Ministério da Educação e determinou a

criação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), que é desde então

o responsável permanentemente por promover a preservação e tombamento, bem como o

10

“enriquecimento e o conhecimento do patrimônio histórico e artístico nacional”. Sua

jurisdição é nacional, portanto. Nos âmbitos municipais e estaduais, a lei dispõe que

deverão ser criados órgãos específicos. No caso de Curitiba, por exemplo, há a lei nº

14.794, de 22 de março de 2016, que dá à Fundação Cultural de Curitiba (FCC) a gestão

do patrimônio cultural da cidade e o dever de manter os livros do tombo municipais. A lei 378 dispõe que o IPHAN contará com o chamado Conselho Consultivo, que

consiste em um diretor(a) do chamado Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional,

os diretores(as) dos museus nacionais de coisas históricas ou artísticas e 10 membros que

serão nomeados pelo Presidente da República que, tanto na época da lei quanto do

Decreto-Lei n. 25/1937, era Getúlio Vargas. O IPHAN é o responsável, seguindo a

dogmática do Decreto-Lei n. 25/1937, por manter os Livros do Tombo - que são quatro,

sendo que cada um deles poderá, como permite o decreto, ter vários volumes. O decreto

também cria certa classificação de bens em seu artigo 4o., mediante a especificação de

cada livro: o “Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico”, o “Livro do Tombo

Histórico”, o “Livro do Tombo das Belas Artes” e o “Livro do Tombo das Artes Aplicadas”,

nessa ordem:

Art. 4º O Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional possuirá quatro Livros do Tombo, nos quais serão inscritas as obras a que se refere o art. 1º desta lei, a saber: 1) no Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico, as coisas pertencentes às categorias de arte arqueológica, etnográfica, ameríndia e popular, e bem assim as mencionadas no § 2º do citado art. 1º. 2) no Livro do Tombo Histórico, as coisas de interêsse histórico e as obras de arte histórica; 3) no Livro do Tombo das Belas Artes, as coisas de arte erudita, nacional ou estrangeira; 4) no Livro do Tombo das Artes Aplicadas, as obras que se incluírem na categoria das artes aplicadas, nacionais ou estrangeiras.3

3 RIO DE JANEIRO. Decreto Lei nº 25 de 30 de novembro de 1937. Organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional. Planalto. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/CCIVil_03/Decreto-Lei/Del0025.htm>. Acesso em: 15 ago 2018.

11

3 O ATO ADMINISTRATIVO DISCRICIONÁRIO

A discricionariedade é o elemenro primordial do ato administrativo. Advindo das

noções de conceitos jurídicos abertos e da questão da necessidade de preencher as

lanucas judiciais, é de competência do mérito administrativo o seu preenchimento efetivo

para que a lei possa ter efeitos reais reais na sociedade. Quanto a isso, é de suma

importância ressaltar a posição de Luis Manuel Fonseca Pires, que introduziu a noção de

“potestade” administrativa e sua ligação com o princípio da legalidade: uma vez que a

potestade administrativa – ou, igualmente, competência administrativa – decorre do ato

formal que é a lei, tem-se como “inalienáveis, intransferíveis, irrenunciáveis, imprescritíveis

e insuscetíveis”. O ato administrativo se concretizará exatamente como disposto na lei

prévia ao fato, quando a realidade se encaixar em tais pretensões legais. Isso se encaixa

no procedimento do Tombamento da seguinte maneira: a ordem legal está expressa no

decreto e, quando há um bem passível se ser tombado, que respeite as exigências do

decreto para que seja tombado e dele a autoridade administrativa toma ciência, a

importância sociológica, cultural e histórica se encaixa perfeitamente nos moldes do ato a

ser praticado. O ato administrativo é considerado como tendo atingido sua finalidade

primeira que é o interesse público. A discricionariedade administrativa – ou potestade, ou

poder – é justificada pela própria lei, pela noção de mérito administrativo e de suas

competências, o que descaracteriza qualquer arbitrariedade. Seria arbitrário quando, por

exemplo, um ato não fosse fundado ou suportado pelo aparato legal. Citado por Luis Manuel

Fonseca Pires, lembrando dos ensinamentos de Tomás Ramón Fernandez:

“A diferença entre arbitrariedade e direito é que o comando

que se fundamenta exclusivamente na vontade do superior e concebe a relação

dele com seu súdito apenas em razão do desejo do primeiro caracteriza a

arbitrariedade, enquanto comando fundado sob uma norma, de modo

impessoal, com validade absoluta, representa o direito. É por essas considerações que o autor propõe a leitura do princípio de interdição da

arbitrariedade dos poderes públicos com o sentido de proscrever o “poder”

entendido como simples expressão da vontade e da força de quem o detém.”

Como anteriormente comentado, o tombamento pode ter seu início de três maneiras:

compulsória, voluntária e de ofício, e seus efeitos podem ser condicionados a duas fases:

12

provisória e definitiva. A fase provisória inicia-se a partir do recebimento da notificação do

tombamento pretendido e se estende até o último ato processual que antecede a inscrição

no livro do tombo, a partir do qual será tratado por tombamento definitivo. Embora distintas,

ambas as fases comportam as mesmas características. Significa dizer que os atos

eventualmente praticados na fase de tombamento provisório serão vistos e tratados como

se na fase definitiva fossem. A obrigação de proteção do bem não é mais branda na fase

provisória. Fica, desde logo, impossibilitada a destruição ou modificação do bem.

O tombamento de ofício será realizado nos casos em que o bem for público. Quanto

ao tombamento voluntário, será realizado da seguinte maneira: tendo início no ato do

particular de levar ao conhecimento da administração pública a potencial possibilidade de

declaração de importância histórico social, sempre que o mesmo atingir todos os requisitos

necessários - que são, em sua maioria, subjetivos. O órgão nacionalmente competente para

recebê-lo é o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, especificamente seu

Conselho Consultivo ou quando a administração pública notificar o proprietário do bem e

este, sem reservas e tempestivamente, anuir. Essa concordância deverá ser realizada por

escrito e isso conduzirá a inscrição do patrimônio no livro do Tombo. Se, pela via contrária,

houver a recusa do proprietário a anuir, quando notificado pela administração pública,

haverá o tombamento compulsório. Importante destacar que: seguindo o devido processo

legal, mesmo que o ato seja unilateral, é de suma importância a manifestação do

proprietário do bem em ambas as espécies. Mas ainda assim, quando especificamente

tratando-se de sua modalidade compulsória, a manifestação de recusa do proprietário não

implica na desistência da administração pública em tomar o bem ou na extinção do ato

pretendido. Ou seja, para que seja válido o ato é necessário que haja a manifestação do

proprietário mas, em verdade, eventual recusa não implica na impossibilidade de efetiva-

lo. Uma vez notificado pela administração pública, especificamente o Serviço do Patrimônio

Histórico e Artístico Nacional ou seu órgão competente municipal ou estadualmente, o

proprietário terá direito a 15 dias a contar do aviso do recebimento para anuir ou manifestar-

se sem sentido contrário, impugnando. A partir disso, duas coisas poderão ocorrer: caso

simplesmente mantenha-se inerte, será considerado como uma concordância tácita e,

assim, se fará efetivado o tombamento e o órgão competente o inscreverá no respectivo

livro do tombo. Caso manifeste-se em sentido contrário, apresentando suas razões, o órgão

competente terá o mesmo prazo de 15 dias para analisá-las e remetê-las ao respectivo

Conselho Consultivo, órgão de decisão final, que será o responsável por decidir sobre a

questão no prazo máximo de 60 dias. Efetivado o tombamento, o Decreto-Lei nº 3.866, de

13

29 de Novembro de 1941 traz a possibilidade de recurso ao Presidente da República que,

atendendo a motivos de interesse público, poderá cancelá-lo, inclusive de ofício, como

dispõe:

Artigo único. O Presidente da República, atendendo a motivos de interesse público, poderá determinar, de ofício ou em grau de recurso, interposto pôr qualquer legítimo interessado, seja cancelado o tombamento de bens pertencentes à União, aos Estados, aos municípios ou a pessoas naturais ou jurídicas de direito privado, feito no Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, de acordo com o decreto-lei nº 25, de 30 de novembro de 1937.4

Depois de finalizada a fase definitiva e declarado efetivamente o tombamento, para

que se obtenha efeitos perante terceiros, é necessária a averbação, segundo artigo 13 do

Decreto-Lei n. 25/1937:

Art. 13. O tombamento definitivo dos bens de propriedade particular será, por iniciativa do órgão competente do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, transcrito para os devidos efeitos em livro a cargo dos oficiais do registro de imóveis e averbado ao lado da transcrição do domínio.5

O bem público tombado não poderá ser alienado, apenas transferido entre os entes

da federação, mas não há óbices legais à alienação de um bem particular tombado.

Antigamente, antes da entrada em vigor do novo Código de Processo Civil, havia no

ordenamento jurídico advindo do de Decreto-Lei n. 25/1937, em seu artigo 22, o direito de

preferência dado a administração pública nos casos de venda do bem tombado particular.

Esse direito de preferência era concedido ao ente que realizou o tombamento e, em

seguida, aos demais. Ocorre que este artigo foi revogado pelo 1.072 do CPC. Restou,

então, por analogia, a dogmática do artigo 889:

4 RIO DE JANEIRO. Decreto-Lei nº 3.866, de 29 de Novembro de 1941. Dispõe sobre o tombamento de bens no Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Planalto. Disponível em <https://www.senado.leg.br/atividade/const/con1988/CON1988_05.10.1988/art_216_.asp>. Acesso em: 17 ago. 2018. 5 ______. Decreto Lei nº 25 de 30 de novembro de 1937. Acesso em: 15 ago. 2018.

14

Art. 889. Serão cientificados da alienação judicial, com pelo menos 5 (cinco) dias de antecedência:[…] VIII – a União, o Estado e o Município, no caso de alienação de bem tombado.6

Portanto, resta dizer que a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil

revogou o direito de preferência no que diz respeito à alienações extrajudiciais, continuando

existindo nas judiciais e, nessas últimas, respeitando a hierarquia administrativa: terão

direito de preferência a União, os Estados e os Municípios, nesta ordem.

É possível que existam situações em que o tombamento seja imposto de maneira

tão restritiva que crie-se uma barreira ao uso pleno do bem, como quando desembocam

em uma necessidade de manter extremamente onerosa ao proprietário, ou custosa

implicitamente no sentido de impossibilitar o uso normal da coisa. A posição do Supremo

Tribunal Federal adotou a seguinte posição: com base no artigo 1.228 do Código de

Processo Civil, foi justificada pelos ministros a impossibilidade de pleiteá-la, em regra, como

se vê no voto do Ministro Gilmar Mendes no Agravo Regimental na Ação Cível Originária

número 1.208, Mato Grosso do Sul:

“A instituição do tombamento, em regra, não permite o pagamento de indenização, ante a observância do cumprimento da função sociocultural da propriedade, nos termos do § 1º do art. 1228 do Código Civil: “Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha. § 1o O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados,

de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como

evitada a poluição do ar e das águas”

6 BRASIL. Lei n° 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Planalto. Disponível em <http://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/lei%2013.105-2015?OpenDocument>. Acesso em:

15

Os efeitos do ato de tombar têm início desde a fase provisória; ainda que não tenha

sido inscrito nos livros do tombo e mesmo que, por alguma razão, o tombamento seja

cancelado. Isso justifica-se pela necessidade de preservação do bem que não nasce

apenas a partir do momento em que chega ao conhecimento do poder público a existência

do mesmo. A preservação, que é a direção chave a ser tomada no processo de

tombamento, é presente desde o início.

Os efeitos podem ser divididos em dois âmbitos: comuns à toda a sociedade e

aqueles que correspondem à Administração Pública e ao particular.

Quanto à coletividade, segundo o artigo 216 da Constituição Federal, não é uma

obrigação privativa de algum ou alguns entes ou apenas do proprietário do bem tombado

conservá-lo e promovê-lo, mas de toda a comunidade. Há, inclusive, os casos em que o

bem tombado é, por exemplo, um Museu. É a típica situação em que é proibido aos

cidadãos construírem qualquer coisa que obste sua visão ou passagem, como prédios altos

na frente ou outdoors que podem poluir seu entorno.

O proprietário do bem tombado não perde sua posse ou direitos decorrentes de sua

propriedade, é como se existisse apenas uma observação da forma de exercê-lo; uma

necessidade maior de cuidado, um exercício de curatela em nome de toda a sociedade.

Isso acarreta também em algumas obrigações, quais sejam: o bem jamais poderá ser

destruído, demolido ou modificado sem prévia autorização do ente que realizou o

tombamento, a depender da extensão a que o tombamento se aplica. Toda e qualquer

reforma, mesmo que necessária, deverá ser comunicada e previamente solicitada à

aprovação da administração. Não é possível que se altere a essência do bem, uma vez que

o instituto busca mantê-la; dificilmente haverá a aprovação para que se modifique a cor de

sua fachada, por exemplo. Desde que não acarrete em um encargo extremamente oneroso,

é dever do proprietário preservá-lo e, se não for possível, que se solicite à administração

justificadamente para fazê-lo. No caso de bem móvel, não é permitido que se retire do país

por pura expressão da vontade. Precisa ser motivada por intercâmbio cultural, como explica

o decreto:

Art. 14. A. coisa tombada não poderá sair do país, senão por curto prazo, sem transferência de domínio e para fim de intercâmbio cultural, a juízo do Conselho Consultivo do Serviço do Patrimônio Histórico e Artistico Nacional.7

7 RIO DE JANEIRO. Decreto Lei nº 25 de 30 de novembro de 1937. Acesso em:

16

Quanto à administração pública, principalmente o ente que realizou o tombamento,

a inscrição no livro do tombo cria a obrigação expressa de fiscalização, no sentido de

averiguar se o possuidor do bem está cumprindo com todas as exigências e cuidados dos

quais necessita o patrimônio para sua plena preservação. No caso de haver negativa de

cumprimento, também cabe à administração pública o instituto da desapropriação. Como

cita Di Pietro:

Administrar significa não só prestar serviço executá-lo como, igualmente, dirigir, governar, exercer a vontade com o objetivo de obter um resultado útil e que até, em sentido vulgar, administrar quer dizer traçar programa de ação e executá-lo.8

Há uma grande discussão no que tange à classificação jurídica do ato de tombar.

Para que a ela se adentre, é imprescindível que se desconjunte o tema pouco a pouco.

Partindo da noção geral sobre a Administração Pública, tem-se que ela é responsável por

atos iminentemente executivos; quanto à estes, são atos jurídicos que, por serem

realizados pela Administração Pública, carregam o nome de atos administrativos e também

algumas peculiariedades. Como ensina Celso Antônio Bandeira de Melo:

O ato administrativo é um ato jurídico, pois se trata de uma declaração que produz efeitos jurídicos. É uma espécie de ato jurídico, marcado por características que o individualizam no conjunto dos atos jurídicos. Se não apresentasse sua própria especificidade dentro deste gênero não haveria razão alguma para que a doutrina se afadigasse em formular seu conceito, pois bastaria o conceito de ato jurídico. O que particulariza o ato administrativo e justifica que se formule um conceito que o isole entre os demais atos jurídicos, é a circunstância de que ele tem peculiaridades (a) No que concerne às condições de sua válida produção e (b) No que atina à eficácia que lhe é própria.9

O que significa que, invariavelmente, o ato administrativo é um fato jurídico com

características e aspectos próprios. Tem-se que o fato jurídico é tudo aquilo que ocorre ao

redor do Direito em si e que nele cria consequências ou dele imputa algum efeito jurídico.

É amplo e engloba todas as condutas tangíveis humanas ou oriundas da natureza,

voluntárias ou não, que podem ou não ter a finalidade de atingir algum efeito de ordem

8 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 23ª Edição. São Paulo: Atlas, 2010, p. 44. 9 MELO, Celso Antônio Bandeira de.

17

jurídica em específico. Fato jurídico é gênero do qual o ato jurídico é espécie e, portanto,

também o é o ato administrativo.

Essa diferenciação é explicada através da própria estrutura legislativa que o Brasil

possui. O Estado, conduzido pelo Governo, trabalha e age sempre em nome da supremacia

do interesse público e por ele se elege, se amolda e se explica.

A vontade do Estado é manifesta através dos três poderes legítimos que, por sua

vez, também realizam e legitimam outras espécies de atos. O Executivo, de estrutura

prevista na Constitução da República, organizado em um conjunto de órgãos

sistemáticamente hierarquizados, é o que cumprirá, quase que absolutamente, as funções

administrativas enquanto o Legislativo elabora as leis e o Judiciário a aplica às partes de

um processo. Tem-se que a administração poderá atuar em âmbitos diferentes:

federalmente, no Distrito Federal, estadualmente e municipalmente. Essa divisão explica-

se pela consequente maior facilidade de administração de interesses e a otimização do seu

exaurimento quando limitada a um único âmbito. Entretanto, todas as repartições possuem

um único fim comum, que é o bem do corpo social administrado. Disso, extrai-se que a

função administrativa nasce para atender o interesse público. É a sua finalidade. É diferente

da jurisdição e da legislação; sua atuação não produzirá leis e não se subordina ao

legislativo, embora possa ser fiscalizada por ele. Para que se caracterize um sistema

democrático é essencial que essas funções sejam efetivamente limitadas e distintas. Trata-

se de um sistema de freios e contrapesos, constitucionalmente previsto delimitando e

aperfeiçoando suas ações distintas. A República Federativa do Brasil é, assim, constituída:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.10

10 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Acesso em:

18

Entretanto, para que o sistema de freios e contrapesos seja efetivamente

comunicativo e que produza os resultado esperados, tem-se que cada poder exerce uma

função predominante e não privativa. O judiciário e o legislativo também pode,

subsidiariamente, praticar atos administrativos e não é posível afirmar, portanto, que em

absoluto todos os atos da administração pública serão materialmente administrativos,

embora por ela praticados. Nesse sentido, bem ensina Di Pietro:

Embora haja três poderes, a distribução das funções entre eles não é rígida; cada qual exerce predominantemente uma função que lhe é própria, mas, paralelamente, desempenha algumas atribuições dos outros Poderes. Assim, a fução administrativa cabe, precipuamente, ao Poder Executivo, mas os outros Poderes, além de disporem de órgãos administrativos (integrando o conceito de Administração Pública), ainda exercem, eles próprios, função típicamente administrativa. Juízes e parlamentares desempenham algumas atribuições tipicamente administrativas, que dizem respeito ao funcionamento interno de seus órgãos e servidores. No desempenho dessas funções, praticam atos administrativos.11

Também é plenamente possível e corriqueiro que a administração pública incorra em

atos meramente procedimentais, que não dizem respeito diretamente à função pública em

si ou à observação linear do interesse público. Como cita Celso Antônio Bandeira de Mello:

A Administração Pública pratica inúmeros atos que não interessa considerar como atos administrativos, tais: a. Atos regidos pelo Direito Privado, como, por exemplo a simples locação de uma casa para nela instalar-se uma repartição pública. O Direito Administrativo só lhes regula as condições de emanação, mas não lhes discplica o conteúdo e correspondentes efeitos. b. Uma vez que seu conteúdo não é regido pelo Direito Administrativo e que não é acompanhado pela força jurídica inerente aos atos administrativos, reputamos mais adequado excluí-los de tal categoria. Trata-se de pura opção sistemática, tão plausível quanto a dos que os incluem entre os atos administrativos. c. Atos materiais, tais o ministério de uma aula, uma operação cirúrgica realizada por médico no exercídio de sua atividade como funcionário, a pavmentação de uma rua, etc. Por não serem sequer atos jurídicos, também não há interesse em qualificá-los como atos administrativos. Esses comportamentos puramente materiais da Administração denominam-se “fatos administrativos. d. Atos políticos ou de governo, praticados com margem de discrição e diretamente em obediência à Constituição, no exercício de função puramente política, tais o indulto, a iniciativa de Lei pelo Executivo, sua sanção ou veto, sub color de que é contrária ao interesse público, etc.12

11 DI PIETRO, 2010, p. 236. 12 MELO,

19

Entretanto, corriqueiramente encontram-se situações em que atos administrativos

são praticados por agentes não-administrativos; ou seja, pelo legislativo ou judiciário.

Embora os sujeitos sejam distintos da Administração, a valoração e o sentido de alguns de

seus atos podem e devem ser vistos como atos efetivamente administrativos em razão de

seu conteúdo. Quanto a isso, há que se diferenciar portanto atos de efeito típicos de atos

atípicos, o que se transforma em uma discussão sobre seus efeitos. Os efeitos típicos são

aqueles efeitos esperados, aqueles que são inerentes ao ato. Os atípicos, por sua vez, são

consequência do ato praticado mas seu resultado não podia ser pevisto ou não era

jurídicamente possível que se esperasse. Celso Antônio assim os diferencia:

O ato administrativo é eficaz quando está disponível para a produção de seus efeitos próprios; ou seja, quando o desencadear de seus efeitos típicos não se encontra dependente de qualquer evento posterior, como uma condição suspensiva, termo inicial ou ato controlador a cargo de outra autoridade. Eficácia, então, é a situação atual de disponibilidade para produção dos efeitos típicos, próprios, do ato. Distinguem-se os efeitos típicos, ou próprios, dos efeitos atípicos. Os primeiros são efeitos correspondentes à tipologia específica do ato, à sua função jurídica. Assim, é próprio do ato de nomeação habiloitar alguém a assumir um cargo; é próprio ou típico do ato de demissão desligar funcionário do serviço público. Os efeitos atípicos, decorrentes, embora, da produção do ato, não resultam de seu conteúdo específico.13

E, ainda, Meirelles:

Condição primeira para o surgumento do ato administrativo é que a Administração aja nessa qualidade, usando de sua supremacia de Poder Público, visto que algumas vezes nivela-se ao particular e o ato perde a característica administrativa, igualando-se ao ato jurídico privado; a segunda é que a contenha manifestação de vontade apta a produzir efeitos jurídicos para os administrados, para a própria Administração, ou para seus servidores; a terceira é que provenha de agente competendte, com finalidade pública e revestindo forma legal.(...) Fato administrativo é toda realização material da Administração em cumprimento de alguma decisão administrativa, tal como a construção de uma ponte, a instalação de um serviço público etc. O fato administrativo, como materialização da vontade administrativa, é dos domínios da técnica e só reflexmente interessa ao Direito, em razão das consequências jurídicas que dele possam advir para a Administração e para os administrados. O que convém fixar é que o ato administrativo não se confunde com fato administrativo, se bem que estejam intimamente relacionados, por ser este consequência daquele. O fato administrativo resulta sempre do ato administrativo que o determina. Maspode ocorrer também um fato da natureza que venha a produzir consequências administrativas, como, por exemplo, a morte de um

13 MELO,

20

servidor. A esta situação denominamos fato jurídico administrativo, que é o eventi aleatório a qual o Direito atribui efeitos jurídicos.14

Para que melhor entenda o ato administrativo,a doutrina formulou ao longo do tempo

alguns conceitos e classificações. Primeiramente, tem-se que o ato administrativo pode ser

subjetivo ou objetivo. Como construiu Di Pietro, o ato poderá ser “subjetivo, orgânico ou

formal” quando praticados de maneira exclusiva pela administração pública. Os atos

praticados pelo judiciário ou legislativo não podem, por esse critério, ser considerados atos

formalmente adinistrativos, vez que lhes faltam preencher o critério quanto à pessoa que o

praticou. Desse modo, todo e qualquer ato praticado pela Administração Pública será,

subjetivamente, um ato administrativo. É inerente ao seu conteúdo. Esse entendimento,

contudo, traz severas críticas quanto à sua superficialidade:

Esse critério tem sido criticado por faltar-lhe rigor científico: deixa for a do conceito de ato administrativo os atos praticados pelo Legislativo e Judiciário e sujeitos a idêntico regime jurídico que os emanados dos órgãos administrativos, só pelo fato de não emanarem destes. Por exemplo, a punião de um servidor, a concessão de férias, de licença, de aposentadoria são atos de idêntica natureza, seja qual for o órgão que o pratique. Além disso, o conceito coloca na mesma categoria – ato administrativo – atos da Administração sujeitos a discplica jurídica diversa, como é o caso de direito privado por ela praticados.

Seguindo uma linha antagônica, o ato será objetivamente administrativo quando

praticado em exercício efeivo da administração. Por esse critério considera-se apenas o

sentido em que o ato foi práticado e não quem o praticou, seja legislativo, executivo ou

judiciário. Di Pietro dá continuidade à classificação, ainda, considerando a função

administrativa que poderá ser “parcial, concreta ou subordinada”. Diz-se parcial aquele ato

que, sendo parte da demanda, também é o órgão que profere a decisão. Poderá ser

concreta quando ocorre a aplicação direta e imediata da legislação, concretizando-a; e será

subordinada ao controle e fiscalização jurisdicional. No entanto, esses critérios não se

fazem suficientes para a definição do tema. Para Di Pietro, a classificação dada por Celso

Antônio comentada anteriormente quanto à diferenciação entre ato administrativo e ato

jurídico privado abrange uma classe de atos ampla demais para que se defina com

perfeição o que seria, em si, o ato adminustrativo. Propõe, então, a seguinte classificação:

14 MEIRELES, 2010, p.

21

Para definir o ato administrativo, é necessário considerar os seguintes dados: 1. ele constitui declaração do Estado ou de quem lhe faça as vezes; é preferível falar em declaração do que em manifestação, porque aquela compreende sempre uma exteriorização do pensamento, enquanto a manifestação pdoe não ser exteriorizada; o próprio silêncio pode significar manifestação de vontade e produzir efeito jurídico, sem que corresponda a um ato admnistrativo; falando-se em Estado, abrangem-se tanto os órgãos do Poder Executivo como os demais Poderes, que também podem editar atos administrativos; 2. sujeitam-se a regime jurídico administrativo, pois a Administração aparece com todas as prerrogativas e restrições próprias do poder público; com isto, afastam-se os atos de direito privado praticados pelo Estado; 3. produz efeitos jurídicos imediatos; com isso, distingue-se o ato administrativo da lei e afasta-se de seu conceito o regulamento que, quanto ao conteúdo, é ato normativo, mais semelhante à lei; e afastam-se também os atos não produtores de efeitos jurídicos diretos, como os atos materiais e os atos enunciativos; 4. é sempre passível de controle judicial; 5. sujeita-se à lei; (...) Com esses elementos, pode-se definir o ato administrativo como a declaração do Estado ou de quem o represente, que produz efeitos jurídicos imediatos, com observância da lei, sob o rgime jurídico de direito público e sujeita a controle do Poder Judiciário.

Quanto à sua produção de efeitos, tem-se para Di Pietro que nem todos os atos

serão passívels de produção imediata de feitos. Os atos serão materiais quando forem

meramente procedimentais, o que vai de encontro com o entendmento de Celso Antônio

Bandeira de Mello. Serão enunciativos ou de conhecimento aqueles que, como uma

certidão, são apenas declaratórios de alguma situação, direito ou processo; e também

defende que existem os atos de opinião, formados pelos pareceres e laudos proferidos

pela administração pública. Essas três espécies de atos não podem ser impuganos

jurídicamente e não se encaixam no conceito de ato adinistrativo, por não produzirem

imediato efeito jurídico. É importante que se diferencie, nesse ponto, os atos que são

passíveis de se submeterem ao regime jurídico administrativo e aqueles atos pertencentes

ao regime privado. Tem-se que os atos administrativos nascem com presunção de

veracidade e de legitimidade. É a questão da fé pública e de que todos os atos praticados

pela administração pública são válidos e verdadeiros, como as acima citadas certidões,

laudos, etc. Isso foi construído doutrináriamente tendo em vista o próprio procedimento de

atuação da administração, no sentido de que o ato em questão foi práticado mediante as

formalidades inerentes à administração e dentro da legalidade e que, uma vez que esse

ato é como uma “expressão da soberania do Estado” (Di Pietro) que foi legitimamente eleito

e em confirmidade com o atendimento ao interesse público, presume-se que, quando se

22

manifesta, o faz com o consentimento da coletividade que o elegeu. Tem-se, ainda, que

uma vez que a administração visa a supremacia do interesse público sobre o privado, pode

e deverá fazê-lo com a maior celeridade possível. Todos os atos são sujeitos ao controle

e fiscalização, seja aqueles praticados pela administração pública, seja os proferidos pelo

judiciário ou legislativo. Aplica-se o princípio da legalidade à todo o regime jurídico

administrativo; princípio que, para Celso Antônio, configura o “capital para a configuração

do regime jurídico- administrativo”15. Desse princípio também extrai-se que, uma vez que

o ato administrativo decorre de lei, todos os atos praticados pela administração pública

deverão ter prévia classificação de ordem legal. Não é possível que se pratique um ato não

positivado, como é comummente visto nos contratos particulares com o princípio da

autonomia da vontade. A administração não age por si só, é sempre em nome da

coletividade, de um bem maior. Decorrentes da presunção de veracidade, implicam-se

algumas considerações: vez que presumidamente verdadeiros, tem-se que serão válidos

e, dessa forma, deverão ser cumpridos e observados até que exista a declaração de

invalidade. Essa declaração poderá ser feita pela própria adminisração pública ou pelo

judiciário, exercendo sua fiscalização. Essa presunção de veracidade decai sobre

absolutamente todos os atos da administração pública, o que o difere dos atos privados.

Além disso, serão imperativos e autoexecutórios. Imperativos no sentido de que se aplicam

à terceiros independentemente de concordância ou consentimento. No tombamento, é

possível perceber essa imperatividade no sentido de que não é obrigação limitada das

partes envolvidas diretamente a preservação do bem, incluem-se também terceiros – inclui-

se a coletividade. É autoexecutório pois não depende, em sua maioria, da aprovação do

Judiciário paraque surta efeitos. Isso acontecerá, como ensina Di Pietro, no caso da

cassações de CNHs ou apreensões de mercadorias, ou quando o caso for de medida

urgente que, se não tomada imediatamente, poderá acarretar em riscos e prejuízos ao

interesse público.

Para Di Pietro, além do anteriormente dito, também é necessária uma análise quanto

aos elementos do ato. A doutrina geral coloca em pauta, em sua maioria, os elementos

quanto a sua finalidade, o motivo, seu objeto, sua forma e o sujeito que o praticou ou

pretende praticar. Quanto ao sujeito que pratica o ato administrativo, Di Pietro ressalta que,

uma vez que decorrente do princípio da legalidade anteriormente comentado, será aquele

a quem a lei atribuiu competência. Nesse quesito há mais uma diferença entre o regime

15 MELO,

23

jurídico administrativo e o privado: no segundo, tem-se como requisito apenas a

capacidade para que se pratique o ato. No público, além da capacidade, é necessária a

concessão de competência legal. O objeto do ato administrativo e seu conteúdo, são as

consequências jurídicas que com eles serão produzidas. A forma do ato possui maior

mérito no regime jurídico do que no privado, uma vez que o ato administrativo não é de

vontade particular e sim da coletividade, abrangendo à todos e, cumprindo os requisitos

formais, possibilta maior possibilidade de fiscalização. No entanto, essa exigência de forma

não significa estritamente que os atos devem ser praticados de maneira engessada; a Lei

n° 9.784, de 29 de janeiro de 1999 que regula o Processo Administrativo explicita que os

atos devem ser escritos, mas não os limita a uma forma ou outra, como se vê:

Art. 22. Os atos do processo administrativo não dependem de forma determinada senão quando a lei expressamente a exigir. § 1o Os atos do processo devem ser produzidos por escrito, em vernáculo, com a data e o local de sua realização e a assinatura da autoridade responsável.16

Segundo Di Pietro, a finalidade do ato é aquele resultado que a administração

pretende. A diferença fática entre finalidade e motivo é que o motivo antecede o ato

administrativo, consequência da vida prática e social que acabam por ensejar o ato. A

finalidade do ato sempre deverá, como tod a dogmática eque envolve o a administração,

observar o interesse público. Quando isso não acontece, o ato incorre na ilegalidade e

abuso de poder. Quanto a isso, a lei da Ação Popular - Lei nº 4.717, de 29 de junho de 1965

estabeleceu a nulidade do ato nesses casos:

Parágrafo único. Para a conceituação dos casos de nulidade observar-se-ão as seguintes normas: a) a incompetência fica caracterizada quando o ato não se incluir nas atribuições legais do agente que o praticou; b) o vício de forma consiste na omissão ou na observância incompleta ou irregular de formalidades indispensáveis à existência ou seriedade do ato; do do ato importa em violação de lei, regulamento ou outro ato normativo; d) a inexistência dos motivos se verifica quando a matéria de fato ou de direito, em que se fundamenta o ato, é materialmente inexistente ou juridicamente inadequada ao resultado obtido; e) o desvio de finalidade se verifica quando o agente pratica o ato visando a fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência.17

16 BRASIL. Lei n° 9.784, de 29 de janeiro de 1999. Regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal. Planalto. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/CCivil_03/leis/L9784.htm>. Acesso em: 17 ______. Lei n° 4.717, de 29 de junho de 1965. Regula a ação popular. Planalto. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L4717.htm>. Acesso em:

24

A discricionariedade é o elemento primordial de diferenciação entre Administração

Pública e o campo privado. É necessária para que se assegure, efetivamente, que suas

atribuições e funções serão evidentemente cumpridas e observadas; é como assegurar o

bom funcionamento da máquina administrativa. É justificado que se assegure certa

hierarquia de interesses vez que o interesse visado pela administração é o coletivo. São

prerrogativas necessárias para atingir a finalidade do ato. Isso não significa uma atuação

irrestrita da administração; isso é barrado, mais uma vez, pelo princípio da legalidade sem

o qual não s eobserva o Estado de Direito e contraria-se a própria Constituição Federal. O

administrador, em todos os seus aspectos, tem como linha-base de ação a lei. É ato

vinculado aquele que regrado explícitamente na norma jurídica, do qual o particular pode,

inclusive, exigir da administração pública que o faça. Essa exigência pode ser postulada,

inclusive, no Judiciário. Diz-se discricionário quando a própria lei deixa uma lacuna a ser

preenchida pela ação da administração pública, que sopesará a situação fática para chegar

à melhor solução possível. Aqui entram os critérios de oportunidade e conveniência,

segundo Di Pietro e, ainda, justiça e equidade. A discricionariedade se encaixa apenas na

lacuna que foi propositalmente deixada para que a administraçõa amolde sua atuação ao

caso concreto, mas isso não é em si uma margem de ilegalidade. A arbitrariedade é punível

e ilícita. Segundo Di Pietro, a discricionariedade será necessária naqueles casos em que a

lei expressamente dispõe à Administração agir de ofício, como remoção de funcionário para

atender à conveniência do serviço, ou naqueles casos em que a lei é propositalmente

omissa; é necessário ter em vista que, como a sociedade é orgânica e mutável, o Direito

não tem capacidade de prever duramente todas as hipóteses. As lacunas, nesses casos,

servem até mesmo para que se evitem injustiças, tendo em vista sempre a comoção social

que demanda um ato administrativo. É a sociedade quem ditará como as lacunas devem e

necessitam ser preechidas, e assim serão, por intermédio da Administração Pública. A

atuação da administração nesses casos não poderá ser arbitrária no sentido de seguir

qualquer vontade que seja diferente do interesse público; deverão ser observados, sempre,

além dos critérios de competência e forma (quando exigidas), os princípios inerentes ao

próprio ordenamento jurídico como um todo. Quanto ao motivo do ato admisnitrativo, Di

Pietro discorre que se trata de um pressuposto de fato e direito que fundamenta o ato. De

direito pois nunca fugirá da legalidade e pela lei deverá ser determinado e de fato, que são

aqueles elementos sociais que justificam e demandam da Administração Pública uma ação.

25

Cita, ainda, como exemplo, os atos em que a Administração pune um funcionário de suas

repartições. O motivo do ato nesse caso é a infração cometida; nos casos do tombamento,

o motivo é a proteção do valor histórico-cultural. A ausência desses motivos indicam uma

falha no ato e que inseja em invalidação, bem como sua falsidade. Di Pietro diferencia

ainda, sábiamente, o motivo de motivação. A motivação seria o conjunto expositivo dos

motivos, é uma narração dos fatos que demandam essa ação; na maioria da vezes, por

escrito. Ainda, exemplifica: nos casos em que a Adminitração deverá agir como coatora e

punir alguém, deverá demonstrar explícitamente o que a levou a assim agir. O contrário

disso seria uma legitimação da força estatal de uma maneira autoritária, tendo em conta a

hierarquia inerente a seu sistema. O fato de agir “em nome de” e não por sua própria

vontade também justifica que seus motivos devam ser efetivamente explícitos

pormenorizadamente na maioria dos casos. Já a motivação é quanto às formalidades do

ato administrativo a ele inerentes. Em seu livro, Di Pietro também coloca em peso a

discussão sobre a necessidade ou não de motivação expressa nos atos praticados. A

questão em tela é a que a doutrina coloca como obrigatória, em sua maioria, o motivo nos

atos vinculados, uma vez que nesse caso o ato é restrito e pré formulado, positivado, e para

que surta efeitos a administração deverá obrigatóriamente comprovar sua validade e

conformidade com a lei. Por outro lado, também há aqueles a sustentar que a motivação

só será obrigatória nos atos discricionários, uma vez que só por ela se controla a

legitimidade, legalidade e conformidade social do ato; ou seja, analisando os motivos que

fizeram com que a Administração assim agisse uma vez que não há como analisar a forma

legal, que é inexistente nos atos discricionários. Di Pietro defende, entretanto, a

necessidade de motivação expressa nas duas situações:

Entendemos que a motivação é, em regra, necessária, seja para os atos vinculados, seja para os atos discricionários, pois constitui garantia de legalidade, que tanto diz respeito ao interessado como à própria Administração Pública; a motiação é que permite a verificação, a qualquer momento, da legalidade do ato, até mais pelos demais Poderes do Estado. Note-se que p artigo 11 da Constituição Paulista de 1898 inclui a motivação entre os princípios da Administração Pública; do mesmo modo, o artigo 2o., parágrafo único, VII, da lei 9.784, de 29-1-99, que disciplina o processo administrativo federal, prevê a observância desse princípio, e o artigo 50 indica as hipóteses em que a motivação é obrigatória. Ainda relacionada com o motivo, há a teoria dos motivos determinantes, em consonância com a qual a validade do ato se vincula aos motivos indicados como seu fundamento, de tal modo que, se inexistentes ou falsos, implicam a sua nulidade. Por outras palavras, quando a Administração motiva o ato, mesmo que a lei não exija a motivação, ele só será válido se os motivos forem verdadeiros.18

18 DI PIETRO, 2010, p.

26

Quanto ao princípio da motivação, é interessante que se comente a perspectiva de

Celso Antônio Bandeira de Mello. Ele ensina que esse princípio vincula e obriga a

Administração a justificar seus atos, lhes apontando quais os fundamentos e fatos que o

implicam e o determinam, assim como que se ponha em peso qual a situação fática que a

impulsiona e quais as medidas tomadas, justificando-se a escolha de determinado caminho

jurídico, uma vez que é nesserária a consonância da conduta com a lei a que lhe deu efeito.

Discorre, ainda, que a motivação deverá ser prévia ou contemporânea ao momento em que

foi expedido o ato administrativo. Aqui, é interessante o ponto de vista que se defende nos

casos dos atos vinculados, onde a simples citação e demonstração da lei a que lhe deu

nascimento é válida e suficiente para a justificação do ato praticado. Isso é justificado por

Celso Antônio uma vez que nos atos vinculados não há espaço para subjetivismos do

administrador, pois a aplicação da lei é praticamente automática.

Contudo, quanto aos atos discricionários ou na situação em que para que se pratique

o ato vinculado faz-se necessária uma análise das situações fáticas em questão ou um

sopesamento de princípios e regras jurídicas passíveis de serem aplicadas, a motivação

faz-se necessária e deverá, inclusive, ser detalhada. Sustenta, ainda, que o princípio da

motivação é constitucional e está implícito em dois artigos: o primeiro, artigo 1°, inciso II

que é o que indica a cidadania como fundamento da República e seu paráfrago único

segundo o qual todo o poder emana do povo, como segue:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos: I- a soberania; I- a cidadania; III- a dignidade da pessoa humana; IV- os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V- o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.19

E, ainda:

19 BRASIL. Constituição de República Federativa do Brasil de 1988. Acesso em:

27

Art.5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXXV- a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;20

Celso Antônio justifica que a motivação poderá ser exigida em duas vias, como acima

citado; primeiramente pode e deverá ser acionado e confirmado como um direito político

dos cidadãos, uma vez que é em nome da coletividade que age a administração pública e

é direito coletivo saber os pormenores e as motivações do ato praticado em seu nome; e

também um direito individual no que tange à proibição de decisões não arbitrárias. É o que

se faz, inclusive, em um Estado de Direito. Uma vez que as motivações não são explícitas

e não é possível fiscalizá-las e controlá-las, não é possível que se atinja e respeite a

supremacia do interesse público. Ainda, compõe:

De outra parte, não haveria como assegurar confiavelmente o contraste judicial eficaz das condutas administrativas com os princípios da legalidade, da finalidade, da razoabilidade e da proporcionalidade se não fossem contemporaneamente a elas conhecidos e explicados os motivos que permitiriam reconhecer seu afinamento ou desafinamento com aqueles mesmos princípios. Assim, o administrado, para insurgir-se ou para ter elementos de insurgência contra atos que o afetem pessoalmente, necessita reconhecer as razões de tais atos na ocasião em que são expedidos. Igualmente, o Judiciário não poderia conferir-lhes a real justeza se a Administração se omitisse em enunciá-las quando da prática do ato. É que, se fosse dado ao Poder Público aduzir-los apenas serodiamente, depois de impugnada a conduta em juízo, poderia fabricar razões ad hoc, “construir” motivos que jamais ou dificilmente se saberia se eram realmente existentes e/ou se foram deveras sopesados à época em que se expediu o ato questionado. Assim, atos administrativos praticados sem a tempestiva e suficiente motivação são ilegítimos e invalidáveis pelo Poder Judiciário toda vez que sua fundamentação tardia, apresentada apenas depois de atos impugnados em juízo, não possa oferecer segurança e certeza de que os motivos aduzidos efetivamente existam ou foram aqueles que embasaram a providência contestada.21

Ainda, faz-se pertinente a visão de Meirelles, que classifica o ato administrativo em

mais repartições. Como Celso Antônio Bandeira e Di Pietro, dispõe sobre o conceito de ato

administrativo como sendo igual ao ato jurídico geral em questão de fundamentação, tendo

sua distinção na finalidade que é o interesse público. Como Di Pietro, define os requisitos

do ato como sendo: competência, finalidade, forma, motivo e objeto mas acrescenta à essa

20 Id. Acesso em: 21 MELO,

28

discussão dois novos elementos: o mérito adminstrativo e o processo administrativo.

Discorre que, embora não possam ser considerados como elementos ou requisitos do ato,

têm relação íntima com sua validade e eficácia.

Quanto ao mérito administrativo, Meirelles dispõe que, embora de difícil classificação

e doutrinação, pode ser percebida sua presença em todas as situações em que a

Administração sopesar as consequências do ato, sejam elas vantagens ou não, como

dispõe:

O mérito administrativo consubstancia-se, portanto, na valoração dos motivos e na escolha do objeto do ato, feitas pela Administração incumbida de sua prática, quando autorizada a decidir sobre a conveniência, oportunidade e justiça do ato a realizar. Daí a exata afirmativa de Seabra Fagundes de que “o merecimento é aspecto pertinente apenas aos atos administrativos praticados no exercício de competência discricionária.22

É interessante ressaltar que, de acordo com essa posição, naqueles atos

vinculados comentados anteriormente, sem possibilidade de subjetivismos por parte

do administrador que o pratica, não há como se falar em mérito administrativo,

justamente por ser apenas uma aplicação da lei e o que há de ser verificado e

fiscalizado são apenas seus pressupostos de direito. Meirelles afirma que nesses

casos “a conduta do administrador confunde-se com a do juíz na aplicação da lei”23,

diferentemente dos atos discricionários que carregam um plus no sentido de que, além

de deverem respeitar os requisitos jurídicos gerais, também existem a movitação e

objeto que são decididos livremente pela Administração Pública e que só são

passíveis de apreciação e fiscalização do Poder Judiciário uma vez que incorram em

excessos e desvios de poder. Afirma que, nesses casos, uma vez que a

discricionariedade é dada por lei à Administração, o Judiciário não poderia rever seus

critérios de motivação e reapreciá-los, uma vez que não há parâmetros legais para

tanto. Ainda:

O que convém reter é que o mérito administrativo tem sentido próprio e diverso do mérito processual e só abrange os elementos não vinculados do ato da Administração, ou seja, aqueles que admitem uma valoração da eficiência, oportunidade, conveniência e justia. No mais, ainda que se trate

22 MEIRELES, 2010, p. 23 Ibid., p.

29

de poder discricionário da Administração, o ato poder ser revisto e anulado pelo Judiciário, desde que, sob o rótulo de mérito administrativo, se alinhe qualquer ilegalidade resultante do abuso de poder.24

Tal como Bandeira de Mello, também entende que a Administração não pratica

apenas atos administrativos: também pratica atos de Direito Privado que, nesses

casos, a igualam ao particular e descaracterizam a supremacia do poder, como

quando assina um cheque. Por essa razão, não poderá mais valer-se dos institudos

de revogação, anulação e rescisão do ato, pois precisará necessáriamente da

concordância da outra parte. Entretanto, afirma que ainda que os atos sejam

praticados no campo privado, a Administração jamais se retira das exigências

inerentes à sua existência, que têm como base o interesse público, uma vez que só

age por meio dele.

Nesse ponto, Meirelles bem traz a tona o que chama de “atributos do ato

administrativo”, tais quais: presunção de legitimidade, imperatividade e auto-

executoriedade.

No que tange à presunção de legitimidade, explica que independente de como

forem ou quando forem, sejam discricionários ou vinculados, todo ato administrativo

nasce com presunção de legitimidade. É decorrente do princípio da legalidade da

administração exposto constitucionamente no artigo 37 da Constituição Federal, já

comentado na presente pesquisa, e coloca como consequência o artigo 19, II, quanto

aos documentos públicos:

Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público; II – recusar fé aos documentos públicos; III – criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si.25

Ainda, dispõe que essa veracidade é inerente à própria celeridade e ao bom

funcionamento da Administração, que não poderiam racionalmente depender de

impugnações e manifestações de interessados para que disso surgisse possibilidade

24 Ibid., p. 25 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Acesso em:

30

de executá-los. Não poderiam os atos administrativos dependerem dessa

manifestação, sob pena de, inclusive, lesar interesse público pela demora que da

espera à impugnação poderia ocorrer. Quanto a presunção de veracidade, diz

respeito aos fatos alegados pela Administração que são presumidamente verdadeiros

até que se prove o contrário. É o que autoriza a imediata execução dos atos, que

surtem efeitos até que provada eventual invalidação ou anulação. Meirelles, ainda,

explica que também decorre da presunção de legalidade e veracidade a inversão do

ônus da prova, que será de quem alegou motivo pretentente à invalidação ou anulação

– porém, até que isso aconteça, o ato considera-se perfeito e eficaz, produzindo

plenos efeitos. Indica, ainda, que isso não é suficiente para que seja exequível,

porquanto há uma diferenciação entre ato exequivel e ato eficaz:

Certos autores confundem ou identificam a eficácia com a exequibilidade do ato. Não nos parece admissível essa confusão ou identificação, em face do nosso ordenamento jurídico, que atribui um sentido próprio e consequências específicas ao ato exequível ou operativo distintos do ato apenas eficaz. Desde que se completa o procedimento formativo, o ato adquire existência legal, tornando-se eficaz e vinculativo para a Administraçoa que o expediu, porque traduz a manifestação de vontade administrativa em forma regular. A partir da conclusão do procedimento formativo a Administração está diante de um ato eficaz, isto é, apto a produzir seus efeitos finais, enquanto não for revogado. Mas, embora eficaz, pode o ato amdinistrativo não ser exequível, por lhe faltar a verificação de uma condição suspensiva, ou a chegada de um termo ou, ainda, a prática de um ato complementar (aprovação, visto, homologação, julgamento do recurso de ofício etc.) necessário ao início de sua execução ou operatividade. Distingue-se, portanto, a eficácia da exequibilidade do ato administrativo, embora possam ambas surgir no mesmo momento e coexistir daí por diante, enquanto o ato tiver exitência legal. Mas nem por isso se identificam ou se confundem, porque a eficácia é, tão-somente, aptidão para atuar, ao passo que exiquibilidade é a disponibilidade do ato para produzir imediatamente seus efeitos finais. A eficácia é um minus em relação à exequibilidade do ato administrativo. O ato administrativo perfeito não é o que está apenas acabado (eficaz), mas sim completo (exequível), pela ocorrência de todas as condições de sua operatividade. A perfeição do ato só se verifica pela soma da eficácia com a exequíbilidade, como, aliás, ocorre no Direito Processual em relação à sentença judicial que, uma vez prolatada, é eficaz, mas só se torna exequível deois de passada em julgado. A exequibilidade ou operatividade é a possibilidade presente no ato administrativo de ser posto imediatamente em execução. Tal atributo, como já vimos, é cacarterística dos atos concluídos e perfeitos, pois, enquanto não se cumprir a tramitação exigida para sua formação e não se satisfezerem as condições impostas para sua operatividade (condições suspensivas e termos para início de execução), ou não se realizarem os requisitos complementares para sua perfeição (aprovação, visto, confirmação da decisão pendente d recurso de ofício etc.), o ato não é exequível, muito embora seja eficaz.26

26 MEIRELES, 2010, p.

31

Quanto a imperatividade, dispõe Meirelles que é o elemento do ato

administrativo que possibilita e impõe certa coerção para seu regular e linear

cumprimento. Porém, explica que esse não é um requisito presente em todos os atos

administrativos, pois existem no ordenamento atos como atos enunciativos e

negociais que dispensam a imperatividade à sua regular operatividade. Já aqueles

atos normativos, punitivos e ordinatórios nascem com a imperatividade intrínseca sem

a qual não teria como, por vezes, surtir o efeito pretendido. O que dá causa e objeto

a essa imperatividade é o fundamento maior do Poder Público, que é o interesse da

coletividade. Isso implica na obrigação dada ao particular de a ele seguir, conforme

determinado no próprio ato, sob penas de punições e execuções forçadas que, como

ensina Meirelles, será pela Administração nos atos auto-executórios e pelo Judiciário

naqueles atos não auto-executórios. Discorre, ainda, que esse atributo do ato nasce

da pura e simples existência do ato, motivo pelo qual não se sujeita à condições de

validade ou invalidade. Seguindo essa linha, todo e qualquer ato imperativo deverá

obrigatóriamente ser cumprido enquanto não for, por meio jurídicamenre legítimo,

invalidado ou anulado; isso se equipara à lógica da presunção de veracidade e

legitimidade acima comentadas.

No que tange a auto-executoriedade, faz-se justo após todo o exposto que

alguns atos administrativos sejam executados imediatamente pela Administração

Pública sem necessidade de reafirmação ou apreciação pelo Judiciário. Aqui, é

possível que se percebam os ligamentos do sistema de freios e contrapesos e

autonomia da administração pública, bem como os critérios necessários de celeridade

processual. Sem isso, a Administração não teria como manter seu bom funcionamento

e proceder à proteção e preenchimento de sua função que é seguie e zelar pelo

interesse público. Ensina Meirelles que, caso isso essa intervenção particular fosse

possível, a administração encontraria várias óbces ao ter de remeter ao Judiciário

seus atos e suas motivações antes de que possam seguir e surtir seus efeitos

pretendidos. A função do Juciário no âmbito administrativo, além de seus atos atípicos,

não pode ultrapassar essa barreira, sob pena de ferir o sistema democrário e à própria

Administração, que visa o bem social e coletivo. Não é possível que se desequilibe

esse sistema e não é necessário que o Judiciário reafirme ou altere todo e qualquer

ato administrativo. Para Meirelles, a discussão quanto a isso é no âmbito daqueles

atos administrativos impróprios ou atípicos, que podem sim ser submetidos à

apreciação Judicial, justamente por serem atípicos. Meirelles exemplifica que é como

32

acontece nos casos em que há cobrança de multa que não devem ficar apenas sob

cuidado administrativo, dependendo da intervenção de outro Poder Estatal. É

diferente, ainda, de um ato que necessita da utilização do poder de polícia, que pode

e deve ser imetiadamente executada, conforme mandar o ato administrativo, sem

submissões e apreciações de poderes a que não lhe dizem respeito. Meirelles cita

que é o que ocorre com “intervenção da atividades ilegais, embargos e demolições de

obras clandestinas, com a inutilização de gêneros impróprios para consumo e outros

atos da polícia administrativa”27. Também é o que ocorre no Tombamento, uma vez

que, como anteriormente dito, sua intenção é sempre a proteção de um bem

socialmente valorado, que por certo também é a própria função administrativa pura:

proteção social de algo que seja de elevado valor para a própria sociedade à qual a

Administração responde. Isso não significa que essas execuções não devem ter

préviamente uma notificação ao particular a quem lhe diz respeito, em havendo. Ainda,

sabiamente diz:

O reconhecimento da auto-executoriedade tornou-se mais restrito, em face do artigo 5, LV, da CF, que assegura o contraditório e ampla defesa inclusive nos procedimentos administrativos. Não obstante, quando o interesse público correr perigo iminente, a auto-eecutoriedade deve ser reconhecida. Assim, a Constituição não baniu o jus imperium da Administração Pública, nem a possibilidade de cautelar do adiantamento de eficácia de medida administrativa.(....) Além do mais, aberraria do nossos sistema político, de independência e harmoia dos Poderes, submeter o Executivo à tutela do Judiciário, em exames prévios dos atos que os órgãos administrativos desejassem executar.28

Isso jamais configuraria, em qualquer grau imaginável, uma afronta ao direito

do particular e do que pretende. Sempre que houver ameaça ou lesão pela execução

desse ato administrativo em questão, caberá então levar-se ao Judiciário suas

impugnações – considerando-se aqui o ônus da prova do direito administrativo – e

pedir-lhe, então, proteção ou indenização.

Meirelles faz uma importante classificação extensa de atos adminsitrativos.

Essa questão, como já anteriormente comentado, é tema de constante discussão

doutrinária e encontra várias diferenciações. Inicia-se o tema, quanto a este autor,

27 MEIRELES, 2010, p. 28 MEIRELES, 2010, p.

33

com uma classificação primária: quanto a seus destinatários, serão atos gerais e

individuais. Quanto a seu alcance, serão atos internos e externos. Quanto a seu

objeto, serão atos de império, atos de gestão e atos de expediente e, quanto a seu

regramento, serão atos vinculados e discricionários.

Primeiramente, tem-se a distinção entre atos gerais e normativos. Atos

administrativos gerais ou regulamentares serão aqueles expedidos não em face de

um destinatário determinado, mas de uma classe de sujeitos que, por suas

características próprias, encontram-se sob necessidade e sob a situação de fato a que

diz respeito o ato. Meirelles explica que esses atos são abstratos e impessoais, por

serem aplicáveis à uma certa generalidade, assemelham-se à lei e são revogáveis a

qualquer tempo pela administração, porém, não são passíveis de apreciação e

impugnação judicial. Só serão subetidos a esses casos quando a questão for sua

constitucionalidade, por Açõe Direta de Inconstitucionalidade, como dispõe a

Constituição Federal:

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I - processar e julgar, originariamente: a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal;29

Meirelles explica que, ainda assim, só serão apreciáveis em termos de

indenizações ou invalidações aqueles atos que já obtiveram medidas concretas

tomadas pela Administração Pública em face à sua execução. Exemplifica ele: os

regulamentos, as instruções normativas e as circulares ordinatórias de serviços.

Uma característica importante do ato administrativo geral é que ele se sobrepõe

aos atos individuais, de modo que decretos individuais não podem contrariar decretos

ou regulamentos em vigor. O ato individual é submisso ao ato geral. Ainda,

importante ressaltar que esses atos gerais encontram-se duramente com o princípio

da publicidade, do qual depende sua eficácia. Isso significa que aquela “classe”

anteriormente comentada só se submete realmente ao ato administrativo geral

29 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Acesso em:

34

praticado quando publicado oficialmente. Seus efeitos jurídicos tem a publicação

como condição de validade.

Os atos administrativos individuais, pelo contrário, serão aqueles projetados a

um destinatário certo. Isso não significa que precise ser apenas um particular; o ato

poderá comportar vários sujeitos, desde que específicos. Aqui há uma distinção

interessante quanto à publicação: se forem atos que projetarem efeitos externos e

gerais, deverão, como os atos individuais, procederem à sua regular publicação

oficial. Entretanto, se de efeitos contidos e internos, poderão contar com uma

comunicação interna e direta para que se proceda sua perfeita execução. Meirelles

cita como atos individuais aqueles decretos de desapropriação, nomeações,

exonerações, licenças e quaisquer outros atos que tenham sua imposição de

obrigações ou reconhecimento de direito a um sujeito determinado, como um

servidor. Ainda, ensina:

Os atos individuais normalmente geral direitos subjetivos para seus destinatários, como tambpem criam-lhes encargos administrativos pessoais. Quando geral direitos adquiridos tornam-se irrevogáveis, como já reconheceu o STF e o declarou na Súmula 473. Nos demais casos odem ser revogados ou modificados conforme exija o interesse público, desde que a Administração indenize o prejudicado, se for o caso. Esses atos, por proverem situações específicas e concretas, admitem anulação pela própria Admnistração, ou pelas vias judiciais comuns (ações ordinárias) ou especiais (mandado de segurança ou ação popular), se praticados ilehalmente ou em lesão ao patrimônio público.30

A Súmula acima mencionada pelo autor apresenta a seguinte redação:

Súmula 473/STF - 10/12/1969. Administração pública. Administrativo. Anulação dos próprios atos. Competência para anular atos próprios. Pressupostos. A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.31

30 MEIRELES, 2010, p. 31 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula n° 473. STF. Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaSumula&pagina=sumula_401_500>. Acesso em:

35

Também poderão ser de efeitos externos ou internos. Serão internos aqueles

com destino a produção de efeitos apenas em âmbito administrativo, como seus

órgãos e agentes da Admistração, ou suas autarquias e empresas públicas. Esses

atos poderão ser gerais ou especiais, conforme demande a situação fática. Esse tipo

de ato, inerente e justificada por seu próprio âmbito de eficácia, não necessita de

publicação oficial para que comece a produzir efeitos; segundo Meirelles, basta que

se cientifique diretamente e de forma válida seus destinatários. Ainda, explica que

esses atos em tese não geral nenhum tipo de direito subjetivo a seus destinatários, e

isso dá permissão e campo para que a Administração os revogue ou os modifique

assim que se fizer necessário. Entretanto, esse tipo de ato é passível de reafirmação

e apreciação pelo Poder Judiciário, caso formem ofensa ou lesão. Os atos de efeito

externo são aqueles que alcançam, np geral, uma gama maior de pessoas; serão

servidores, administrados, contratantes e seu efeito será sobre seus possíveis

direitos, obrigações, impugnações. A esse tipo de ato é imprescindível sua publicação

oficial, tendo em vista sua gama de efeitos que abrange uma generalidade de sujeitos.

Ainda, dispõe:

Consideram-se, ainda, atos externos todas as providências administrativas que embora não atingindo diretamente o administrado, devam produzir efeitos for a da repartição que as adotou, como também as que onerem a defesa ou o patrimônio público, porque não podem permanecer unicamente na intimidade da Administração, quando repercutem nos interesses gerais da sociedade. A publicidade de tais atos e princípio de legitimidade e moralidade admnistrativa que se impõe tanto à Administração direta como à indireta, porque ambas gerem bens e dinheiros públicos cuja guarda e aplicação todos devem conhecer e controlar.32

Os atos, segundo Meirelles, também poderão ser atos de império, de gestão e

de expediente.

Serão atos administrativos de império ou atos admnistrativos de autoridade

aqueles que a Administração pratica usando sua supremacia sobre o

particular/privado e a eles é imposta qualquer obrigação decorrente do ato, que deverá

ser respeitada e analisada imediatamente. Podem ser individuais ou gerais, bem como

internos ou exernos, mas segundo ele, sempre serão unilaterais, porquanto são

32 MEIRELES, 2010, p.

36

expressão pura do Estado e acarretam e andam de mãos dadas com seu poder de

coerção. Discorre que não raro são revogáveis e modificáveis quando se julgar

necessário pela Admnistração Pública. Ainda, defende:

Com essa conceituação não se revive a vetusta e abandonada teoria da dupla personalidade do Estado, que ora atuaria como pessoa pública, expedindo atos de império, ora agiria como pessoa privada, praticando atos de gestão. Absolutamente, não. O Estado, como já vimos precedentemente, só atua com personalidade de Direito Público, mas, se em certos impõe sua autoridade, tornando-os coativos para seus destinatários, noutros, seus efeitos são facultativos ou dependentes de solicitação do interessado, ou não vinculantes para a Administração e administrados. Nesse sentido, torna-se conveniente e até mesmo necessária a distinção entre atos de império, atos de gestão e atos de expediente, para bem diferenciarmos seus efeitos jurídicos e consequências práticas.33

Quanto atos atos de gestão, são aqueles praticados ao contrário dos atos de

império, pois a Admnistração não se utiliza da supremacia para tanto. São os atos que

se bastam em uma pura admnistração de bens e serviços, mas que não exigem

nenhum tipo de coerção sobre os administrados interessados. Meirelles dispõe, ainda,

que esses atos serão sempre de admnistração mas nem sempre típicamente

administrativos, quando se equiparam a atos de Direito Privado que só necessitam de

certas formalidades admnistrativas ou à Admnistação Pública interna dizem respeito.

Ensina, ainda, que esses atos, após passados pela barreira necessária da

formalidade, tornam-se atos vinculantes e geral sim direitos subjetivos. Torna-se um

ato imodificável e irrevogável, como as alienações ou aquisições de bens, uma vez

que não é possível delas se arrepender – direito que não é dado nem ao particular,

embora não contem as situações de vícios ou quando o ato é, por si só, precário

admnistrativamente.

Quanto aos atos vinculados e discricionários, Meirelles dispõe que se tratam

de vinculados ou regrados aqueles atos que seguem pura e somente a lei, como já

anteriormente comentado. Seu entendimento não vai contrário aos outros autores

acima citados. Explicita que, nos atos vinculados, a liberdade de escolha do

admininistrador praticante do ato é praticamente equovalente a zero, uma vez que

sua validade depende do preenchimento total dos requisitos legais já positivados e

33 MEIRELES, 2010, p.

37

indispensáveis ao ato. Caso não se sigam esses requisitos, tem-se um

comprometimento da eficácia do ato, que se torna submisso aos comandos do Poder

Judiciário, que agirá sob provocação da parte lesada. Como a Administração Pública

é sujeita à lei, de outra forma não poderá agir se nela assim determinada. Caso isso

aconteça, o ato considera-se viciado; é o entendimento consolidado da doutrina, mas

além disso, sábiamente ensina Meirelles que isso não reduz o administrador a um

cego aplicador da legislação. Ele afirma que, tanto nos atos vinculados quanto nos

atos discricionários, o administrador em questão tem em suas mãos uma questão de

ordem prática que se resume no sopesamento de critérios e vantagens entre qual a

melhor escolha e oportunidade e o caminho a ser tomado para melhor atender os

requisitos da situação fática da qual demanda um ato administrativo. O bem comum

entre o ato vinculado e o discricionário é a coletividade. Ele afirma que, mesmo nos

vinculados, a liberdade da admnistração reside no critério de escolha, ainda que

reduzida e limitada à uma regra legal especícia. Adentra-se o campo da ilicitude

quando se passa a atuar fora dessas regras de Direito. Quando em atos vinculados,

Meirelles afirma que a administração dele motivá-los, no sentido de demonstrar que

os requisitos e formas foram devidamente analisadas e cumpridas, demonstrando os

requisitos de falidade e eficácia. Dispõe, ainda, que esses atos, quando em

confirmidade exata com a lei, dão espaço ao Judiciário para que, se necessário for,

os reveja. Não se pode dizer que o Judiciário poderia, em qualquer hipótese, tratar

das hipóteses de conveniência e seus critérios, bem como oportunidade e justiça, por

isso fugiria de sua competência; seu reexame cabe somente quanto às normas legais

impostas ao ato.

Quanto aos atos discricionários, são aqueles em que cabe e é dada legalmente

à Administração uma liberdade de escolha, uma vez que é competente para tanto e

agirá em nome dos administrados, tendo como limite – além da legalidade, por certo

– o interesse público, do qual não podeá agir com desconfirmidade. A liberdade reside

quanto a escolha do ato, ao seu destinatário, conteúdo, e mais importante: quanto a

sua conveniência e oportunidade e como isso será atendido, sopesado e realizado.

Para Meirelles, o campo de manifestação dessa discricionariedade não é quanto ao

ato em si, mas na prática real da escolha da Admnistração para que se atenda sua

finalidade maior. Aqui, compõem dois extremos do ato: o discricionário e o arbitrário.

Discricionariedade é legamente prevista, e a arbitrariedade é a ultrapassagem desse

limite legal, tornando o ato, então, ilícito. O ato arbitrário não poderá, sob nenhuma

38

hipótese, ser legítimo e válido. A discricionariedade, como comentado também por Di

Pietro, justifica-se pelo fato de o Direito não ter campo para ser tão mutável quanto a

sociedade. Como segue:

Por isso mesmo, disse mui acertadamente Fiorini que “a discricionariedade é a faculdade que adquire a Admnistração para assegurar em forma eficaz os meios realizadores do fim a que se propõe o Poder Público. A discricionariedade – prossegue o mesmo autor – adquire relevância jurídica quando a Admnistração quer custodiar em forma justa os interesses públicos entregues à tua tutela. É, então, a ferramenta jurídica que a ciência do Direito entrega ao admninistrador para que a realize a gestão dos interesses sociais respondendo às necessidades de cada momento. Não é um instrumento legal que se concede ao administrador para fazer o que imponha seu capricho; nem tampouco para criar normas de caráter legislativo; menos ainda para que intervenha ante uma contenda normativa, como acontece com a jurisdição. É, unicamente, uma autorização limitada a um fim determinado, para que o Poder Público aprecie as condições presentes quando administre o interesse social especificado ela norma legislatia. É uma forma de atuar da Admnistração Pública para poder realizar uma reta administração dos diversificados interesses da coletividade. Por isso mesmo, quando se justifica a competência discricionária, a faculdade discricionária, o poder discricionário da Admnistração, não se está justificando qualquer ação arbitrária, realizada ao arrepio da lei. A atividade discricionária não dispensa a lei, nem se exerce se ela, senão com observância e sujeição a ela.34

O campo a que preenche-se com o ato discricionário está na permissão da

própria lei de que o administrador escolha entre duas ou mais hipóteses jurídicamente

cabíveis e aceitáveis, amoldando-se assim a lei ao fato concreto. Está observada a lei

enquanto não se estrapolar esse limite da legalidade. Quando se estrapola o limite

legal, agindo com arbitrariedade, comete-se um abuso do poder dado à Admnistração.

Deverá atender sempre o fim legal. Meirelles coloca em peso uma discussão sobre o

que viria a ser o referido fim; entende-se que fim legal é aquele que poderá estar

expresso em lei ou que dela se dê a entender como tal. A administração age sempre

com finalidade, podedo usar-se de atos vinculados ou discricioários para atingi-lo

dependendo de como dispor a lei a respeito, mas sempre agirá pelo bem comum.

Conclui, portanto, que será discricionário os meios e motivações do ato administrativo,

mas nunca os fins de atingi-lo:

34 DI PIETRO, 2010, p.

39

(...) não existe jamais, para a Administração, um poder discricionário. Porque não lhe é nunca deixado poder de livre apreciação quanto ao fim a alcançar. O fim é sempre imposto pelas leis e regulamentos, seja explícita, seja implicitamente.” Em memorável acórdão do TJRN, o então Desembargador Seabra Fagundes resumiu lapidarmente a questão da discricionariedade administrativa, nesses termos:”A competência discricionária não se exerce acima ou além da lei, senão, como toda e qualquer atividade executória, com sujeição a ela. O que a distingue da competência vinculada é a maior mobilidade qe a lei enseja ao executor do exerício, e não na liberação da lei. Enquanto ao praticar o ato administrativo vinculdo a autoridade está presa à lei em todos os seus elementos (competência, motivo, objeto, finalidade e forma), no praticar o ato discricionário é livre (dentro de opções que a própria lei prevê) quanto à escolha dos motivos (oportunidade e conveniência) e do objeto (conteúdo.) Entre praticar o ato e dele se abster, entre praticá-lo com este ou aquele conteúdo (p. ex. Advertir apenas ou proibir), ela é discricioária. Porém, no que conserne à competência, à finalidade e à forma, o ato discricionário está tão sujeito aos textos legais como qualquer outro.35

Embora haja espaço e permissão legal para discricionariedade, não há como

fugir de certos requisitos, como a competência para praticá-los, a forma legal – caso

haja, quando a lei determina – e a finalidade que se pretende reafirmar. Meirelles bem

exemplifica esse caso como na situação em que há uma lei que traz uma variedade

de punições e coaerções a determinado ato. A discricionariedade da Admnistração,

nesse caso, existe no que tange à escolha de qual punição caberá melhor na situação

fática encontrada. Essa escolha sempre deverá ser amparada pelos critérios de

proporcionalidade e razoabilidade.

É errado dizer que há uma diferença de responsabilidade quanto aos atos

driscricionários e vincualados. Em ambos, caso lesione-se direito ou haja ameaça

nesse sentido, podem haver reapreciações e indenizações.

Meirelles dispõe, ainda, que os atos administrativos poderão ser simples,

complexos e compostos. Serão simples aqueles atos resultantes da manifestação de

um único órgão da administração pública, seja ele unipessoal ou colegiado. Ensina

que, o que importa nesse quesito é a vontade única demandada e não quantas

pessoas integram o órgão responsável pela decisão. Será um ato complexo quando

se trata da junção de mais de um órgão administrativo. Ensina Meirelles que, nesse

caso, o que se deve considerar é que a há um concurso de vontades de órgãos

diferentes que formam um único ato. É diferente de um procedimento administrativo;

no ato compleco, o que ocorre é a junção de vontades de órgãos diferentes visando o

35 MEIRELES, 2010, p.

40

mesmo ato. Já no procedimento administrativo, o que acontece é uma composição de

vários atos diferentes que não precisam ter a mesma finalidade/vontade. O ato

complexo faz-se perfeito quando é dada, então, a vontade final da Administração

Pública, tornando-se passível de apreciação Judiciária a partir de então. Essa questão

faz com que se diferencie ainda mais de um procedimento administrativo, onde cada

ato é independente e autônomo do outro, sendo atacáveis judicialmente, portanto,

cada um desses atos em apartado. Meirelles advete seus leitores, entretando, que é

perfeitamente possível que um ato administrativo exija préviamente a seu

cometimento um procedimento administrativo que o torne possível. Um ato poderá

ser, ainda, composto quando resultado da vontade manifesta de um órgão que

necessita da verificação e aprovação de outro órgão para que, então, se execute.

Poderá ser, ainda, um ato constitutivo, extintivo, declaratório, alienativo,

modificativo ou abdicativo. Essa classificação é quanto ao conteúdo do ato.

Um ato será constitutivo quando é o criador de uma nova situação jurídica,

segundo Meirelles, para o administrado perante a administração pública. Cita como

exemplos as licenças, nomeações e sanções administrativas. Poderá ser um ato

extintivo ou desconstituvo quando, como aduz a própria numenclatura, põe fim a

determinadas situações jurídicas válidas até então. Será um ato administrativo

declaratório quando reconhece situações jurídicas previamente existentes que, por

quaisquer motivos, precisam da apreciação administrativa ou de sua homologação. É

ato alienativo aquele que transfere bens/direitos de uma pessoa a outra. Meirelles

reafirma que, num contexto geral, os atos alienativos dependem sempre de

autorização legislativa. O ato será modificativo quando altera situações mas não

extingue ou repreende direitos e obrigações dele decorrentes e já existentes a época

do ato. Será ato administrativo abdicativo quando ocorre a abdicação de um direito.

Interessante ressaltar essa fala de Meirelles:

A peculiariaridade desse ato é seu caráter incondicionál e irretratável. Desde que consumado, o ato é irreversível e imodificável, como são as renúncias de qualquer tipo. Todo ato abdicativo a ser expedido pela Administração depende de autorização legislativa, por exceder a conduta ordinária do amdinistrador público.36

36 MEIRELES, 2010, p.

41

Quanto à sua eficácia, o ato poderá ser válido, nulo e inexistente. Será válido,

segundo Meirelles, todo ato praticado por autoridade competente para tanto e quando

observados todos os requisitos para sua completa eficácia. Como anteriormente

comentado, isso não significa que o ato válido seja executável; pode conter certa

condição suspensiva ou termo para sua completa exequibilidade. Será um ato nulo

quando comporta vício não passível de reexame ou conserto, quando tem certo tipo

de defeito em sua formação. Ensina, ainda, que essa nulidade pode ser explícita ou

virtual; será explícita quando a prpopria legislação a indica, taxando os vícios

possíveis e os disaprovando. Será virtual quando o problema estiver na interpetação

das normas de Direito a que se fazem jus. Essa nulidade deverá ser reconhecida pela

própria Administração ou sentenciada pelo Poder Judiciário. Enquanto essa

declaração, seja pela via administrativa, seja pela via judicial, não ocorrer, o particular

não se exime da obrigação de cupri-la e não pode negar-lhe exequibilidade, uma que

vez que essa declaração é ex tunc e apagaria eventuais prejuízos sofridos.

Quanto ao ato inexistente, Meirelles sustenta que se trata do ato que aparenta

estar em plena conformidade com o sistema jurídico, mas não está preenchido de

validade. Exemplifica dizendo que isso acontece nos casos como os atos praticados

em usurpação de função pública. Vendo-os de fora, aparentam conformes e perfeitos;

mas, na verdade, no nosso ordenamento jurídico, não há como validar-lhes sua

finalidade uma vez que a pessoa que o praticou não era competente para tanto.

Explica, ainda, que esses atos são equiparados aos atos nulos de toda a forma. São

imprestáveis e nulos desde que foram praticados e, portanto, sua válidade também

opera dessa forma; ou seja, não computa-se não existente desde o princípio.

Dispõe Meirelles, ainda, sobre uma classificação do ato administrativo quanto

à sua exequibilidade, que poderá ser: ato perfeito, imperfeito, pendente ou

consumado. O ato será perfeito quando sem óbces legais ou práticas, e por isso

mesmo, carrega consigo todas as características e elementos necessários à sua plena

vigência e exequibilidade, sem travamentos, sem ilegalidades de qualquer gênero.

Será imperfeito quando, ao contrário, apresenta vício em sua formação e por isso

mesmo não tem base para ser exeutado. O ato será pendente quando é perfeito e

plenamente capaz de produzir efeitos mas, para tanto, há uma condição ou termo a

que se deva aguardar cumprimento. Será um ato administrativo consumado quando

já produziu e obteve toda a sua finalidade preenchida e alcançada no total.

42

Os atos ainda podem ser irrevogáveis, revogáveis e suspensíveis. Se fará um

ato administrativo irrevogável quando, seguindo os ensinamentos de Meirelles:

É aquele que se tornou suscetível de revogação (não confundir com anulação), por ter produzido seus efeitos ou gerado direito subjetivo para o beneficiário ou, ainda, por resultar de coisa julgada administrativa. Adivirta-se, nesse passo, que a coisa julgada administrativa só o é para a Administração, uma vez que não impede a reapreciação judicial do ato. A decisão administrativa, ainda que final, não produz coisa julgada em sentido próprio, mas opera a irretratabilidade do ato pela Administração, como demonstramos adiante. A tendência moderna é considerar-se a irrevogabilidade do ato administrativo como regra e a revogabilidade como exceção, para dar-se cada vez mais estabilidade às relações entre a Administração e os administrados.37

Seguindo essa mesma lógica, ensina que um ato será revogável quando a

administração apenas pode invalida-lo por critérios que só a ela dizem respeito, os já

comentados anteriormente: conveniência, oportunidade e justiça. Segue a lógica de

que, uma vez que decorrentes de um ato válido, a produção de efeitos não fica

suspensa e deverá ser considerada no momento da revogação do ato, uma vez que

sua atuação é ex tunc. Explica, ainda, que todos os atos administrativos são passíveis

de revogação até que torne-se irretratável. O ato será suspensível quando a

administração pública tem a possibilidade de suspender-lhe seus efeitos por critérios

que ela mesma disporá, a depender das circunstâncias fáticas da qual demanda esse

tipo de suspensão. É diversa da revogação no sentido de que o ato é temporariamente

restrito em termos de eficácia, e na revogação, não há uma suspensão mas sim uma

invalidação total e completa do ato em questão. Interessante ressaltar a fala de

Meirelles nesse ponto que nos ensina que esse tipo de suspensão poderá se dar via

Mandado de Segurança com pedido liminar redirecionado ao Judiciário.

Um ato administrativo poderá ser auto-executório e não auto-executório. Em

consonância com Di Pietro, afirma que os autos auto-executórios são aqueles que

independem em todos os graus de refirmação ou consentimento do Judiciário para

que passem a surtir seus efeitos pretendidos. E, ao contrário, tem-se os atos

amdinistrativos nçao auto-executórios, que dependem inteiramente dessa

“permissão” prévia a seus efeitos .

37 MEIRELES, 2010, p.

43

Há, ainda, a distição entre um ato principal, complementar, intermediário, ato-

condição e ato de jurisdição. O ato administrativo principal é aquele que se resume na

manifestação da Admnistração. Poderá ser feito de maneira simples ou complexa,

como já anteriosmente comentado; ou seja, poderá nascer de uma manifestação de

apenas um órgão administrativo ou de uma junção de vários órgãos. Poderá ser,

ainda, um ato proveniente de uma sucessão de outros atos até que nele se chegue,

como o também já comentado procedimento administrativo. O ato será complementar

quando acessório ao ato principal, mas necessário para que dele nasça a

exequibilidade. Meirelles ensina que isso funciona da seguinte maneira: o ato principa

tem como requisito esse ato complementar, sem o qual não é possível sua

sustentação. O ato será intermediário ou preparatório quando auxilia e é necessária à

formação de um outro ato principal. Cita como exemplos os editais, o julgamentos das

propostas, etc. A diferença é que esse ato, diferentemente do ato complementar, é

independente e autônomo do ato principal. Isso significa que poderá ser impugnado

separadamente sempre que se fizer necessário. Existem, ainda, os “atos-condições”

que tamb´ém são prévios a um ato principal e que admitem e possibilitam sua

formação. É como uma remoção de óbice à plena formação do ato principal. Meirelles

os exemplifica constatando que é o caso do concurso quanto à nomeação de servidor,

a plena concorrência em relação à formação de um contraro administrativo, etc. Cita

que se trata de um “ato-meio” e que sua ausência acabaria por invalidar o ato principal

e final. Essa nulidade poderá ser impugnada Judicialmente.

Ainda, explica que um ato administrativo poderá ser constitutivo, desconstitutivo

e de constatação. Será constitutivo quando cria, modifica ou diminui algum direito dos

administrados. Meirelles ensina que é um tipo de ato que gera direiro a uma parte e,

ao mesmo tempo, uma obrigação plena para outra. Poderá ser desconstitutivo

quando, ao contrário do acima tratado, modifica e trata como inexistente a partir de

então alguma situação jurídica anteriormente colocada. É comum que esse tipo de ato

venha acompanhada e dependente de um processo administrativo, uma vez que é

uma situação gravosa declará-lo desfeito. Será um ato administrativo de constatação

quando como de intenção declaratóra, quando a administração percebe e declara uma

situação pré existente. Ensina que esse tipo de ato vincula a Admnistração a essa

constatação mas não altera sob nenhuma ótica a situação declarada. Essa alteração

é dependente de um outro ato, seja ele constitutivo ou desconstitutivo, conforme

demandar a situação fática do momento. São atos de mera verificação, como ensina.

44

Nesse ponto de discussão, Meirelles introduxou uma importante discussão no

que tange à espécie desses atos administrativos, como dispõe:

Feita a preciação geral dos atos administrativos, sob os vários aspectos com que se apresentam, será últi, agora, enquadrá-los pelos caracteres comuns que os assemelham e pelos traços individuais que os distinguem, nas espécies correspondentes, segundo o fim imediato a que se destinam e o objeto que encerram. Sendo insatisfatórias, para nós, as classificações até aqui realizadas pelos administrativistas, que não concordaram, ainda, num critério comum para o enquadramento científico ou, pelo menos, didático de tais atos, permitimo-nos agrupá-los em cinco espécies, a saber: os atos administrativos normativos; os atos administrativos ordinatórios; os atos administrativos negociais; os atos administrativos enunciativos; atos administrativos punitivos. Cremos que nestas categorias cabem todos os atos administrativos propriamente ditos, excluídos os atoslegislativos e judiciais típicos, que formam dois gêneros à parte.38

Como bem inserido por Meirelles, o princípio da publicidade é extremamente

importante na administração pública e sua base é constitucional. Não há democracia

onde as decisões administrativas não podem ser vistas pelos administrados, uma vez

que são estes últimos que legitimam a supremacia da admnistração, que age pelo

interesse público. Constitui uma obrigação da Admnistração Pública. Esse princípio

está segmentado na Constituição Federal:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.39

E, também nesse sentido, é o disposto na lei 12.52/11:

Art. 1o Esta Lei dispõe sobre os procedimentos a serem observados pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, com o fim de garantir o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5o, no inciso II do § 3º do art. 37 e no § 2º do art. 216 da Constituição Federal. Parágrafo único. Subordinam-se ao regime desta Lei:

38 MEIRELES, 2010, p. 39 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Acesso em:

45

I - os órgãos públicos integrantes da administração direta dos Poderes Executivo, Legislativo, incluindo as Cortes de Contas, e Judiciário e do Ministério Público; II - as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Art. 2o Aplicam-se as disposições desta Lei, no que couber, às entidades privadas sem fins lucrativos que recebam, para realização de ações de interesse público, recursos públicos diretamente do orçamento ou mediante subvenções sociais, contrato de gestão, termo de parceria, convênios, acordo, ajustes ou outros instrumentos congêneres. [...] Art. 3o Os procedimentos previstos nesta Lei destinam-se a assegurar o direito fundamental de acesso à informação e devem ser executados em conformidade com os princípios básicos da administração pública e com as seguintes diretrizes: I - observância da publicidade como preceito geral e do sigilo como exceção; II - divulgação de informações de interesse público, independentemente de solicitações; III - utilização de meios de comunicação viabilizados pela tecnologia da informação; IV - fomento ao desenvolvimento da cultura de transparência na administração pública; V - desenvolvimento do controle social da administração pública. Art. 4o Para os efeitos desta Lei, considera-se: I - informação: dados, processados ou não, que podem ser utilizados para produção e transmissão de conhecimento, contidos em qualquer meio, suporte ou formato; II - documento: unidade de registro de informações, qualquer que seja o suporte ou formato; III - informação sigilosa: aquela submetida temporariamente à restrição de acesso público em razão de sua imprescindibilidade para a segurança da sociedade e do Estado; IV - informação pessoal: aquela relacionada à pessoa natural identificada ou identificável; V - tratamento da informação: conjunto de ações referentes à produção, recepção, classificação, utilização, acesso, reprodução, transporte, transmissão, distribuição, arquivamento, armazenamento, eliminação, avaliação, destinação ou controle da informação; VI - disponibilidade: qualidade da informação que pode ser conhecida e utilizada por indivíduos, equipamentos ou sistemas autorizados; VII - autenticidade: qualidade da informação que tenha sido produzida, expedida, recebida ou modificada por determinado indivíduo, equipamento ou sistema; VIII - integridade: qualidade da informação não modificada, inclusive quanto à origem, trânsito e destino; IX - primariedade: qualidade da informação coletada na fonte, com o máximo.40

Essa lei deixou mais do que explícita a necessidade de publicidade das deciões

administrativas, sejam elas coletivas ou individuais, uma vez que caracterizaria ofensa

40 BRASIL. Lei n° 12.527, 18 de novembro de 2011. Regula o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5o, no inciso II do § 3o do art. 37 e no § 2o do art. 216 da Constituição Federal; altera a Lei no 8.112, de 11 de dezembro de 1990; revoga a Lei no 11.111, de 5 de maio de 2005, e dispositivos da Lei no 8.159, de 8 de janeiro de 1991; e dá outras providências. Planalto. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12527.htm>. Acesso em:

46

a um direito positivado e taxado constituicionalmente uma negativa a tal ato. Além

disso, a importância dessa lei faz-se também no sentido de que deixou claro que esse

princípio incide sobre qualquer campo da admnistração e qualquer que seja seu órgão

em questão. É um direito de qualquer cidadão que tem, inclusive, o prazo de 20 dias

(que poderãos er prorrogados, caso haja motivação, por mais dez dias) para ser

observado.

Bem ensina Celso Antônio Bandeira de Mello ao discorrer sobre o princípio da

publicidade:

Como conclui Weida Zancaner em magnífico artigo sobre o tema, da íntegra da lei deflui o claro objetivo de tornar transparente toda a atividade estatal, inclusive seus planos de governo e a forma de implementá-los, fazendo-o através de fácil acesso deles a toda a Sociedade. Pretende-se, dessarte, romper com a cultura de sigilo comum no Poder Público, sobretudo nos chamados “anos de chumbo”. Isto é, os da ditadura militar, substituindo-a pela cultura da transparência. Daí, a mais extrema importância da lei, que pode vir a ser um marco de uma nova era administrativa no País.41

É interessante ressaltar que, ao longo de toda essa pesquisa, foi dito que a

administração deverá agir em nome do interesse público e a motivação é tida no

ordenamento jurídico administrativo como uma das bases para o legítimo campo de

atuação da Admnistração Pública. A isso, a doutrina geral dá o nome de Teoria dos

Motivos Determinantes. Meirelles afirma que isso significa que, uma vez que a maioria

dos atos administrativos devem carregar consigo sua motivação, e pela importância

desta, à elas ficam vinculadas. Esse vínculo se dá pois a motivação é o que delimita,

justifica, determina e explica a ação e a finalidade da ação administrativa. É, em si, o

que a legitima. Entre um ato administrativo e a realidade há de existir uma plena e

perfeita correlação, até mesmo uma dependência, para que não configure-se abusos

de poder ou qualquer outro tipo de nulidades ou desconfirmidades com a lei. É

necessário o estriro cumprimento deste em um estado democrático de Direito. O

contrário disso configuraria, até mesmo, uma ditadura ou um regime autoritário. Até

mesmo os atos discricionários, quando trazem consigo a motivação, a ela ficam

presos e tornam-se dependentes um do outro. A motivação vincula o ato

administrativo, seja ele qual for. Tem-se, então, que existem possibilidades de

41 MELO,

47

invalidar alguns atos administrativos que forem tidos como inconvenientes,

inoportunos ou ilegítimos, que é o que se virá a tratar a seguir.

Di Pietro e Celso Antônio Bandeira de Mello concordam quanto à extinção de

um ato administrativo. Celso Antônio nos ensina que devrá um ato ser extinto sempre

que estiver em desconformidade com o Direito. Afirma que, quanto a isso, não se é

possível defirnir em graus a invalidade que faz-se necessária mas que isso não

sgnifica que Direito não deva manifestar-se de maneiras distintas sobre as tiauações

fáticas que ensejam a invalidação de um ato, que poderá ser mais ou menos

reprovável.

Celso Antônio, ainda, define os sujeitos ativos da invalidação, que podem ser a

Administração Pública ou o Poder Judiciário. Explica que a administração poderá agir

por provocação de um terceiro interessado ou motiva por seu próprio interesse interno,

de ofício; porém, ao contrário disso, o Judiciário só poderá analisar uma invalidação

quando a ela corresponder um processo judicial nesse sentido. Conclui que, por isso

mesmo, a invalidação poderá ser tanto de um ato administrativo quanto de um ato do

judiciário. Constata também que, além disso, o objeto da invalidação será um ato que

vem produzindo regularmente seus efeitos. Os atos ineficazes não são passíveis de

invalidações. Ensina Meirelles, ainda, que esse tema não diz respeito apenas ao

âmbito administrativo, mas também ao judiciário, uma vez que em determinadas

situações cabe a ele a invalidação do ato. Meirelles discorre que a administração

pública está destinada e condicionada aos principios implpicitos e explícitos que a

regem e não consegue possiblidade alguma de deles se desvenciliar. O que a legitima

é a própria observância dessas condições, pricípios e regras. Quando, por qualquer

motivo, o ato administrativo acaba por se separar dessas noções gerais de

moralidade, eficiência, justiça, tem-se que pe obrigação da administração pública

invalidar o ato doente e até mesmo ilícito. Caso isso não aconteça, é cabível a

reapreciação e impugnação do ato ao Poder Judiciário, que agirá como fiscalizador.

O controle que será e poderá der realizado pela administração, antes que se fale em

fiscalização judiciária, poderá ser interna ou externa à Administração. Meirelles ensina

que a Administração tem muito mais campo para invalidar seus próprios atos, pois

poderá fazê-lo a partir dos critérios de oportunidade, conveniência e justiça e também

o da ilegalidade; já ao poder Judiciário só é dada a prerrogativa de analisar os atos

ilegais. O autor em questão faz uma diferenciação entre uma revogação e uma

anulação de ato administrativo. Diz, sumáriamente, que a administração poderá

48

revogar ou anular o ato que ela mesma tenha praticado, mas o Judiciário só poderá

atuar no campo da anulação. Isso se dá, como explicado acima, pois na revogação

do ato há uma discussão quanto ao mérito – conveniência, oportunidade e justiça –

do ato praticado, coisa que cabe unicamente à Administração Pública, só a ela diz

respeito. O Judiciário jamais poderá adentrar uma discussão e fiscalização sobre

esses critérios, pois este não é seu campo de atuação. O que lhe cabe é anular um

ato ilegal e apenas isso. Quanto à ilegalidade, tanto a administração quanto o judiciário

podem manifestar-se sobre o ato em questão e o anularem. Quanto ao mérito de que

trata a revogação, só poderá fazê-lo a administração pública. Quanto a isso, o STF se

manifestou a respeito na Súmula 473:

A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.42

Especificamente tratando da revogação de ato administrativo, Meirelles nos

ensina que acontecerá quando a Administração se deparar com um ato que julga não

ter mais base real e justificada de existência mas que, até então, era perfeitamente e

ficaz eproduzia seus efeitos. Portanto, para que seja revogado, um ato administrativo

precisa ser préviamente perfeito, válido e eficaz, e principalmente, discricionário. O

ato a ser revogado é discricionário e sua revogação também o é, uma vez que

depende apenas da administração pública revê-lo. O poder discricionário é inerente à

Administração Pública, portanto só ela poderá exercê-lo. Essa revogação não inseja

a manifestação de qualquer parte envolvida e será sempre guiado pelo interesse

público. Diz Meirelles que, em uma visão geral, todo e qualquer ato administrativo se

fará passível de revogação, mas é necessário que se perceba e anote-se a

administração os eventuais direitos adquiridos por particular decorrentes do ato

administrativo que se pretende revogar. É uma certa imposição de limite à liberdade

de revogar que detém a administração, sendo que precisará, necessáriamente,

considerar as consequências dessa revogação na esfera particular ou na esfera de

seus administrados. Meirelles faz uma importante ponte com a classificação dos atos:

42 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula n° 473. Acesso em:

49

existem os comentados anteriormente atos administrativos gerais, que poderão ser

revogáveis a qualquer tempo pela adminitração, mas considerando-se os efeitos que

vieram sendo válidamente produzidos até o momento. Os atos gerais e

regulamentares, em tese, não têm o condão de gerar quaisquer direito subjetivo ou

individual e, por isso mesmo, normalmente não necessitam da manifestação dos

administrados quanto a sua revogação e não podem ser postulados ou contrários a

ele, pois serão mantidos os efeitos até então válidamente produzidos. Quanto aos

atos administrativos especiais ou individuais, Meirelles ensina que poderão ser

igualmente revogáveis mas que essa revogação só se sustenta quando é percebido

pela administração que os efeitos que vinham sendo produzidos deixaram, por

qualquer motivo, de serem convenientes e oportunos para a administração pública.

Com todas as características citadas, não é sem motivo que o ato administrativo

tenha tantas particularidades e que devam ser atrelados a ele, principalmente, a noção

de cuidado e de controle. Sua força vem, essencialmente, da discricionariedade da

administração pública e da supremacia do interesse público sobre toda a esfera

privada. É justificável, portanto, que seja dado à esfera Administrativa o poder de

controle e de fiscalização. Sabe-se que o Brasil é baseado na divisão dos três poderes

para melhor atentimento de diferentes necessidades. A invasão de uma esfera à outra

é raramente justificável; acontece, por exemplo, quanto ao direito Administrativo, com

alguns raros toa atípicos que já foram discutidos anteriormente nessa pesquisa. Ao

direito administrativo foi dado, por lei, a prerrogativa e a obrigatoriedade de tombar o

patrimônio histórico-cultural brasileiro. Tem-se, portanto, que o tombamento é um ato

administrativo perfeito e que só deverá, pela via administrativa, ser realizado. A

discussão entre os doutrinadores brasileiros pode versar sobre as classificações do

ato administrativo, mas tendo como ponto de partida a noção de que se trata,

puramente, de um ato administrativo e não judicial, embora, no Brasil, existam

julgamentos de tombamentos sendo impostos pelo Poder Judiciário. É defendido pela

minoria da doutrina que não se pode vincular a decisão do reconhecimento de valor

histórico cultural a um único poder e que se trata de uma forma administrativa não

vinculada. Entretanto, seguindo todo o estudo do ato administrativo e de sua

importância e necessidade, pode-se concluir que eventual decisão judicial sobre

tombamento acabaria por configurar uma violação ao princípio da harmonia entre os

poderes, seguindo a lógica do sistema de freios e contrapesos que também acaba por

garantir a segurança jurídica constitucionalmente prevista. A Administração Pública é

50

a responsável por garantir o devido processo legal, atuando na área que lhe compete,

e qualquer outro ente que nela adentre acabará por configurar uma eventual

ilegalidade.

Inicialmente, é pertinente a discussão quanto a chamada teoria da

discricionariedade técnica, com forte ligação às lacunas legais e ao espaço deixado à

administração para que, com seu mérito administrativo, o preencha. Essa teoria foi

estudada por Luis Manuel Fonseca Pires que, em sua obra, comentou o trabalho de

pesquisa de Eva Desdentado Daroca:

Ainda, em seu trabalho, Eva propõe a seguinte divisão: discricionariedade

técnico-administrativa, quando a própria lei atribui à administração competência para

atuar naquele caso ou naquela lacuna específica, utilizando-se de suas prerrogativas

e seus entendimentos, com base em critérios legais e ao princípio da legalidade. Seu

conhecimento administrativo, que também é sua competência e seu mérito, são

utilizados para a solução do conflito e o preenchimento do conceito jurídico incerto ou

indeterminado. Com baseem sua finalidade – que é o interesse público e sua

supremacia – a Admnistraççao Pública deselvolve uma técnica de interpretação que

será aplicada no caso concreto. É possível que se observe, nos dois primeiros casos

citados por Eva e Luis Manuel, um espaço dado ao Judiciário no que tange à

fiscalização. Poderá, puramente, atuar de “vigia” para certificar-se de que a legalidade

foi observada pela Admnisração Pública. Esse tipo de interferência do Judiciário no

Executivo não constitui invasão de competência, porquanto a Administração tambem

poderá fazê-lo no âmbito Judiciário, consequência do regime de freios e contrapesos;

porém, quando além disso e além dos sentidos de fiscalização, quando não há

abertuda dada pela lei ao Judiciário para tanto, é vedada sua atuação no âmbito

administrativo. O mérito administrativo é construído com base em toda a história

administrativa, de todos os seus preceres e decisões, e nese meio o Judiciário só

poderá agir para garantir a legalidade. Senão em termos de cumprimento de lei e de

sua observância, não é dado ao Judiciário a discussão sobre os conceitos jurídicos

indeterminados e sua interpretação e aplicação pela administração pública. Sua

atuação não é em termos de mérito; apenas na fiscalização da aplicação formal e

objetiva da norma jurídica. Pode ser justificada a atuação do Judiciário em casos omo

há, por exemplo, o desvio de finalidade que é o atendimento ao interesse público.

Luis Manuel coloca essa atuação como “uma das aberturas ao controle judicial dos

atos da Administração Pública.” (p. 244, arrumar citação). Tem-se que esse tipo de

51

desvio é um vício em sua finalidade, que por ser desviada, não é mais o atendimento

o interesse público. Uma vez que é vício, também configura uma ilegalidade e, como

o ato está fora das regras jurídicas, poderá recair sobre o controle Judicial – que irá

invalidá-lo, mas não poderá agir no qua tange ao mérito. Se o ato do tombamento

tem um vício formal que o leva à ilegalidade (por exemplo, a falta de notificação),

poderá ser pleiteada no judiciário sua ivalidação, mas ao Judiciário não é dado suprir

o vício e refazê-lo. Também pode ser colocada em discussão a questão da omissão

administrativa e da possibilidade de, caso a administraçõa pública se faça inerte, o

Judiciário tomar suas vias e, por exemplo, efetuar o Tombamento. Tem-se uma

omisão quando a Administração deixa de praticar um ato a que deveria,

obrigatoriamente, ser observado. Isso acontece nos casos de atos administrativos

vinculados, onde a omissão cacarteriza uma violação, um descumprimento do dever

legal, uma ilegalidade. Quanto a isso, como já comentado anteriormente, o ato

administrativo é defendido no presente trabalho como um ato discricionário tendo em

vista seus desdobramentos e funções, e não como um ato vinculado. E ainda assim,

mesmo que seja o caso de um ato vinculado não praticado, quando postulado ao

Poder Judiciário, este poderá e tem por competência discorrer no sentido de impor à

Administração Pública que o pratique, mas não poderá tomar suas vias e praticá-lo,

no mérito.

Na Ação Direta de Inconstitucionalidade 005670, tendo como requerente

o Governador do Estado dedo Mazonas e como relator o Ministro Ricardo

Lewandowski, foi colocada em discussão a matéria do Tombamento. Foi proposta

pelo Governador do Estado em desfavor da lei número 312 do Estado do Amazonas

que, como ensina o voto do relator, foi a responsável por determinar o tombamento

de 29 edifícios. O pedido inicial era no sentido de descaracterizar a aparente

conctitucionalidade da lei, uma vez que, como dito na petição inicial, o ato era uma

afronta à separação dos poderes e, além disso, á autonomia finceira do Estado. Em

sua fundamentação, foi explicitado pelo Governador que seria matéria do Poder

Executivo o ato de tombar o patrimônio, por vias de ato administrativo, e não do Poder

Legislativo. Foi alegado, inclusive, a não observância do princípio do contráditório e

da ampla defesa, uma vez que o procedimento administrativo não foi observado. Em

seu voto, o Ministro ressaltou a importância da proteção história de um bem, dada

pela constituição e reafirmada pelo Decreto, e explicando que esse rito constitui um

instituto que se encontra à disposição dos Estados com o intuito de preservação do

52

bem. Classificou o tombamento como uma das modalidades de intervenção do

Estado na propriedade privada, passível de colocar reservas e condições ao uso e

fruição do bem. Por sua extensão, entendeu que o tombamento só poderia ser

realizado por processo administrativo, onde então poderiam ser asseguradas a ampla

defesa e o contraditório. Citou como precdentes o caso do STF que, ao analisar a lei

321/2016 do Distrito Federal que determinou o tombamento dos edifícios citados,

declarou-a inconstitucional por incompetência, uma vez que é privativo do Executivo

o ato administrativo de tombar. Ainda, no voto, o Ministro citou o julgamento da AC0

1.208/MS, onde foi apreciada uma lei do Estado do Mato Grosso do Sul que tinha o

condão de tombar bens da União; porém, nesse caso, o que estava em discussão

era a coexistência de dois atos: o realizado pelo Poder Executivo e um posterior,

aprovado pelo Poder Legislativo. Nesse último caso, foi entendido que, quando há a

coexistência dos dois atos, não se aplica o precedente dado pela apreciação do STF

na lei 321/2016 do Distrito Federal; e, sim, foi consolidado que o tombamento

efetivado pelas vias da lei só poderá ser visto como um mero ato declaratório,

introdutório, inicial, e que é de competência privativa do Executivo a ele dar

continuidade:

Ressalte-se, todavia, que, no caso de ato declaratório legal, para a consecução do tombamento definitivo, é necessário que haja

continuidade do procedimento pelo Poder Executivo, competindo-lhe

dar seguimento aos demais trâmites do tombamento, a depender do

tipo: de ofício (bem público – art. 5º), voluntário (acordado com o

proprietário – art. 7º) ou compulsório (independentemente da

aquiescência do proprietário – art. 8º e 9º). A lei ora questionada deve

ser entendida apenas como declaração de tombamento para fins de

preservação de bens de interesse local, que repercutam na memória histórica, urbanística ou cultural até que seja finalizado o procedimento

subsequente. Sob essa perspectiva, o ato legislativo em questão (Lei

1.526/94), que instituiu o tombamento, apresenta-se como lei de efeitos

concretos, a qual se consubstancia em tombamento provisório – de

natureza declaratória –, necessitando, todavia, de posterior

implementação pelo Poder Executivo, mediante notificação posterior ao

ente federativo proprietário do bem, nos termos do art. 5º do Decreto-Lei 25/37.

53

Nesse caso, foi reconhecida a função que pode ser exercida pelo

Legislativo, mas que será vista como declatarória e que, necessáriamente, terá

que vir acompanhada por manifestação e continuidade do Poder Executivo. O

tombamento pelas vias da lei é considerado como provisório.

Tem-se, ainda, a análise da Apelação número 1004743-

52.2014.8.26.0032, julgada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, pela segunda

câmara de Direito Público, no dia 21 de Junho de 2016, tendo como relator Alves

Braga Junior. O recurso, interposto por pessoa física em face do Minucípio de

Araçatuba, foi interposto em face do da sentença de primeiro grau, que julgou

extinto o proceso sem resolução do mérito por impossibilidade jurídica do pedido,

que era o de requisição de Tombamento imóvel. O recurso foi recebido e

pugnava pela procedência de seu pedido em primeiro grau. No voto, o relator

explicitou a inexistência, no ordenamento jurídico brasileiro, e a impossibilidade

jurídica do tombamento pelo Poder Judiciário. Fundamentou, ainda, que nos

casos de inexistência de ato declatatório da autoridade competência da

importância histórico cultural, não é cabível ao Judiciário tomar-lhe as vezes,

observando-se o princípio da separação de poderes; o ato pela via Judicial só

restaria legitimado em casos de ato ilegal praticado pelo Executivo, que tivesse

consequências lesivas ao próprio patrimônio. Aqui, é possível ver a função dada

do Judiciário de controle do ato administrativo, nos casos onde há risco de lesão.

Foi negado provimento ao recurso, pois há a incompetência do Judiciário para

realizar o ato de tombar.

No Tribunal de Justiça do Tio Grande do Sul, nos Emabargos

Infringentes número 70023476856, tendo como órgão julgador o Segundo Grupo

de Câmaras Cíveis e como relator Paulo Tarso Vieira Sanseverino, foi julgado

um caso de exepcionalidade. O caso fático era o de uma Igreja que não foi

tombada ou prestada pelo Poder Executivo seus deveres de proteção e cuidado,

e estavam sendo realizadas reformas sem fiscalizações . O relator fundamentou

que trata-se de uma intervenção do Poder Judiciário no âmbito administrativo

que justifica-se justamente pelo receio de deterioração do bem imóvel, que

decorre ncessáriamente de uma omissão da Admnistração Pública. Nesse caso,

tendo em vista a função de fiscalização do Poder Judiciário e a omissão da

administração, foi concedido exepcionalmente o Tombamento via processo

judicial. Em todos os casos citados acima, é possível perceber a figura da

54

exepcionalidade: exepcionalmente poderá ser feito pelo Judiciário, nos casos de

omissão do Executivo e exepcionalmente será feita pelo Legislativo, quando

coexistirem atos dos dos Poderes, e ainda ssim só será considerado como um

ato declatarório.

55

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo do presente trabalho foi a elaboração de uma linha do tempo quanto

ao surgimento do Tombamento no ordenamento jurídico brasileiro e, além disso, a

motivação por trás do Decreto que o criou e suas consequências na sociedade,

refletidas inclusive na Constituição da República de 1988. Foi traçado, além disso, um

panorama apoiado na doutrina brasileira sobre a classificação dos atos

administrativos e suas particularidades, diferindo-os dos atos judiciais e justificando a

impossibilidade de haver um Tombamento pelas vias judiciais. O tombamento, como

ato administrativo que é, traz consigo algumas características próprias. A importância

de proteção é o que justifica que a administração pública possa intervir na propriedade

privada sem feri-la, legalmente. Uma vez que não há relação horizontal entre

administração pública e o particular, o mesmo se revela no ato do tombamento.

Discricionária e unilateralmente, é certo dizer que o procedimento administrativo é de

declaração de valor cultural e não propriamente de sua constituição, uma vez que a

valoração nasce e é criada ao longo do tempo pela sociedade, conforme ela vai se

constituindo. Incumbe, aqui, à administração pública fiscalizá-la e protegê-la. Também

foi analisada, com base em três jurisprudências, qual seria o papel do Judiciáro e do

Legislativo em matéria de ato administrativo. Tombar é ato de proteção.

56

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Planalto. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>.

07/02/2019. Lei n° 4.717, de 29 de junho de 1965. Regula a ação popular. Planalto. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L4717.htm>.

07/02/2019. Lei n° 9.051, de 18 de maio de 1995. Dispõe sobre a expedição de certidões para a defesa de direitos e esclarecimentos de situações. Planalto. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9051.htm>.

02/01/2019Lei n° 9.784, de 29 de janeiro de 1999. Regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal. Planalto. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/CCivil_03/leis/L9784.htm>.

02/01/2019. Lei n° 12.527, 18 de novembro de 2011. Regula o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5o, no inciso II do § 3o do art. 37 e no § 2o do art. 216 da Constituição Federal; altera a Lei no 8.112, de 11 de dezembro de 1990; revoga a Lei no 11.111, de 5 de maio de 2005, e dispositivos da Lei no 8.159, de 8 de janeiro de 1991; e dá outras providências. Planalto. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12527.htm>.

07/02/2019. Lei n° 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Planalto. Disponível em <http://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/lei%2013.105-2015?OpenDocument>. 02/01/2019. Supremo Tribunal Federal. Súmula n° 473. STF. Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaSumula&pagina=sumula_401_500>.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 23ª Edição. São Paulo: Atlas, 2010.

RIO DE JANEIRO. Decreto Lei nº 25 de 30 de novembro de 1937. Organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional. Planalto. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/CCIVil_03/Decreto-Lei/Del0025.htm>.

02/09/2018. Decreto-Lei nº 3.866, de 29 de Novembro de 1941. Dispõe sobre o tombamento de bens no Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Planalto. Disponível em <https://www.senado.leg.br/atividade/const/con1988/CON1988_05.10.1988/art_216_.asp>.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 37ª Edição. São Paulo: Malheiros, 2010. PIRES, Luis Manoel Fonseca. Controle Judicial da Discricionariedade Administrativa: dos conceitos jurídicos indeterminados às políticas públicas. 3 Edição. Belo Horizonte: Forúm, 2017.