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MARIA PAULA PORFÍRIO VASCONCELOS A FIGURA DO HABEAS CORPUS COLETIVO PARA A SUBSTITUIÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA, POR PRISÃO DOMICILIAR, EM MULHERES PRESAS QUE ESTEJAM GESTANTES OU SEJAM LACTANTES.

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MARIA PAULA PORFÍRIO VASCONCELOS

A FIGURA DO HABEAS CORPUS COLETIVO PARA A SUBSTITUIÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA, POR PRISÃO DOMICILIAR, EM MULHERES PRESAS

QUE ESTEJAM GESTANTES OU SEJAM LACTANTES.

PALMAS - TO

2019

MARIA PAULA PORFÍRIO VASCONCELOS

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A FIGURA DO HABEAS CORPUS COLETIVO PARA A SUBSTITUIÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA, POR PRISÃO DOMICILIAR, EM MULHERES PRESAS

QUE ESTEJAM GESTANTES OU SEJAM LACTANTES.

Monografia apresentada como requisito parcial para a conclusão do Curso de Direito do Centro Universitário Luterano de Palmas – CEULP/ULBRA.

Orientadora: Msc. Ana Cassia Milaré de Carvalho

Palmas, TO

2019

MARIA PAULA PORFÍRIO VASCONCELOS

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A FIGURA DO HABEAS CORPUS COLETIVO PARA A SUBSTITUIÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA, POR PRISÃO DOMICILIAR, EM MULHERES PRESAS

QUE ESTEJAM GESTANTES OU SEJAM LACTANTES.

Monografia apresentada como requisito parcial para a conclusão do Curso de Direito do Centro Universitário Luterano de Palmas – CEULP/ULBRA.

Orientadora: Msc. Ana Cassia Milaré de Carvalho

Aprovado em ____/______/________

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________________

Prof(a). Especialista Andrea Cardinale Urani Oliveira de Morais

Centro Universitário Luterano de Palmas

__________________________________________________

Prof(a). Doutor Gustavo Paschoal Teixeira de Castro Oliveira

Centro Universitário Luterano de Palmas

__________________________________________________

Prof(a). Mestre Priscila Madruga Ribeiro Gonçalves

Centro Universitário Luterano de Palmas

Palmas, TO

2019

AGRADECIMETOS

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4

Primeiramente а Deus que permitiu que tudo isso acontecesse, ao longo de minha vida, е não

somente nestes anos como universitária, mas que em todos os momentos é o maior mestre que

alguém pode conhecer.

Agradeço а todos os professores por me proporcionar о conhecimento não apenas racional,

mas а manifestação do caráter е afetividade da educação no processo de formação

profissional, não somente por terem me ensinado, mas por terem me feito aprender. А palavra

mestre, nunca fará justiça aos professores dedicados aos quais sem nominar terão os meus

eternos agradecimentos.

DEDICATÓRIA

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É chegado ao fim um ciclo de muitas risadas, choro, felicidades e frustrações. Sendo assim, dedico este trabalho a todos que fizeram parte desta etapa da minha vida. Aos meus pais Manoel Porfírio da Costa e Cláudia Emília Nunes Vasconcelos Cardoso por terem propiciado a realização deste sonho, ao Luciano da Silva Quadros por todo apoio e paciência nos meus momentos de estresse.

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Não há nenhuma prisão em nenhum lugar do

mundo na qual o Amor não possa forçar a

entrada.

Oscar Wilde

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.......................................................................................................................10

1 DO HABEAS CORPUS.......................................................................................................12 1.1 PRINCÍPOS GERAIS NORTEADORES DO HABEAS CORPUS.................................151.2 O HABEAS CORPUS PREVENTIVO E O LIBERATÓRIO...........................................161.3 SITUAÇÕES EM QUE SE JUSTIFICA A SOLICITAÇÃO DE HABEAS CORPUS.....171.4 SUJEITOS ENVOLVIDOS NO PROCESSO DE HABEAS CORPUS............................171.4.1 Quando o coator é o delegado de polícia...................................................................17 1.4.2 Quando o coator é o juiz.............................................................................................171.4.3 Quando o coator é um tribunal..................................................................................18 1.4.4 Quando o coator é o STJ, STM, TSE........................................................................18

2 HABEAS CORPUS COLETIVO PARA A SUBSTITUIÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA, POR PRISÃO DOMICILIAR, EM MULHERES PRESAS QUE ESTEJAM GESTANTES.......................................................................................................192.1 OS BENEFÍCIOS PARA A FAMÍLIA, DECORRENTES DA TRANSFORMAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA PARA A PRISÃO DOMICILIAR...................................................252.2 CONSIDERAÇÕES SOBRE O HABEAS CORPUS DIANTE DA JUSTA CAUSA PARA PRISÃO, INQUÉRITO POLICIAL E AÇÃO PENAL................................................262.3 HABEAS CORPUS POR FALTA DE JUSTA CAUSA....................................................272.4 O TRANCAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL E DA AÇÃO PENAL.....................282.5 A CONCESSÃO DO HABEAS CORPUS DIANTE DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA............................292.6 A LEI DE EXECUÇÃO PENAL – LEP E O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.................................................................................................................................332.7 IMPLICAÇÕES DA LEI Nº 13.769/18 PARA GESTANTES ENCARCERADAS.........352.8 NECESSIDADE DE TRANSFORMAÇÃO DO ENCARCERAMENTO DE MULHERES GESTANTES E MÃES DE MENORES PELA PRISÃO DOMICILIA..........36

3 JURISPRUDÊNCIAS.........................................................................................................393.1 APRESENTAÇÃO DE ALGUMAS JURISPRUDÊNCIAS QUE ENVOLVEM O HABEAS CORPUS COLETIVO PARA MULHERES GESTANTES..................................413.2 UMA BREVE ANÁLISE DAS JURISPRUDÊNCIAS.....................................................46

CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................48

REFERÊNCIAS......................................................................................................................50

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RESUMO

Trata-se de um estudo sobre a possibilidade de substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar de mulheres presas que estejam gestantes ou estejam amamentando (sejam lactantes). Isso através do Habeas Corpus Coletivo. O estudo desenvolve a ideia de que isso é possível e necessário diante das péssimas condições da maioria das penitenciárias brasileiras. Isso também se associa à determinação da Constituição de 1988 em fazer do Brasil uma nação que prime pelo Estado Democrático de Direito, além de ser consignatário do emprego incondicional do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Desse modo, a concessão do Habeas Corpus Coletivo seria um instrumento de obediência constitucional e ampliação da cidadania. Diante do exposto o objetivo central do estudo foi revelar através de uma investigação bibliográfica sobre a realidade da justiça no que concerne à concessão do Habeas Corpus coletivo para a substituição da prisão preventiva, por prisão domiciliar, em mulheres presas que estejam gestantes ou estejam amamentando (sejam lactantes). Metodologicamente o estudo foi elaborado a partir de uma pesquisa bibliográfica qualitativa e descritiva. A principal conclusão a que se chegou foi a de que a situação degradante em que se encontra o sistema carcerário nacional, não oferece a menor condição de se manter encarceradas as mulheres que estão gestantes ou são lactantes, sem ferir a dignidade dessas mulheres, algo que vai de encontro ao que preconiza a Constituição Federal de 1988, com relação ao Estado Democrático de Direito.

Palavras Chave: Habeas Corpus Coletivo. Detentas Gestantes ou Lactantes. Substituição.

Estado Democrático de Direito.

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ABSTRACT

This is a study on the possibility of replacing the pre-trial detention, house arrest of women prisoners who are pregnant or are breast-feeding (lactating). That through Habeas Corpus. The study develops the idea that it is possible and necessary on the dreadful conditions of most Brazilian prisons. It also associates the determination of the Constitution of 1988 in making Brazil a nation pressing by the democratic State of law, in addition to being the unconditional job the principle agent of the dignity of the human person. Thus, the grant of Habeas Corpus would be a Collective instrument of constitutional obedience and expansion of citizenship. In front of the central objective of this study was to reveal through a literature search about the reality of Justice regarding the grant of Habeas Corpus for the collective custody, house arrest, in women prisoners who are pregnant or are breast-feeding (lactating). Methodologically the study was drawn from a bibliographical research qualitative and descriptive. The main conclusion reached was that the degrading situation of the national prison system, does not have the slightest condition to remain imprisoned women who are pregnant or are nursing mothers, without hurting the dignity of these women, something that goes against that advocates the Federal Constitution of 1988, regarding the democratic State of law.

Keywords: Habeas Corpus. Inmates pregnant women or lactating women. Replacement. Democratic State of law.

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INTRODUÇÃO

O estudo que ora se apresenta tem como escopo uma investigação sobre a figura do

Habeas Corpus coletivo para a substituição da prisão preventiva, por prisão domiciliar, em

mulheres presas que estejam gestantes ou estejam amamentando (sejam lactantes).

A grande maioria dos juristas considera o HC como sendo um “remédio jurídico”

extraordinário, cabível quando houver constrangimento ilegal ao direito de locomoção das

pessoas, por violência ou coação, ou ainda quando houver iminência desse constrangimento.

No caso de mulheres gestantes ou lactantes esse remédio é substancial para que se preserve a

dignidade do princípio da pessoa humana, uma vez que a gestante ou lactante leva consigo um

ser completamente inocente e indefeso ao qual não pode ser imputado culpa alguma, ainda

sendo protegido legalmente pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, bem como por outros

diplomas congêneres.

Tourinho Filho (2015) leciona que é substancial compreender que, o HC não é um

recurso, embora o Código de Processo Penal o enquadre como tal. Isso porque a utilização de

recursos pressupõe uma decisão não transitada em julgado, e o remédio constitucional em

questão pode ser impetrado a qualquer momento, ainda que esgotadas todas as instâncias.

Além disso, ele pode ser impetrado tanto contra uma decisão judicial, quanto contra um ato

administrativo, bastando que haja a ameaça ou a violência ao direito de ir e vir de determinada

pessoa.

Desse modo, é mais correto afirmar que o HC é uma ação, ou melhor, uma ação penal

popular, já que pode ser impetrado por qualquer pessoa do povo. Para tanto, são necessários a

presença de todos os requisitos da ação penal, quais sejam, a possibilidade jurídica do pedido,

o interesse de agir, a legitimidade "ad causam" e a justa causa (MACHADO, 2014).

O caso do HC coletivo especificamente para mulheres gestantes/lactantes encontra

substância jurídica no artigo 318 e 318-A do CPP (Código de Processo Penal). Os citados

artigos declaram que o juiz poderá substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando a

detenta for gestante ou mulher com filho de até 12 anos de idade incompletos, entre outros

casos.

Isso seria uma exceção, no entanto, atualmente grande parte dos julgadores define isso

como regra, não a exceção (CANCIAN, 2018). E é sob essa linha de pensamento que se

desenvolveu o trabalho sobre o tema em questão.

Por ser o Brasil, um país democrático e possuir uma Constituição vigente rígida, ou

seja, é necessário a existência de um processo legislativo diferenciado para sua alteração,

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necessário se faz a análise das decisões que mudam relevantemente princípios consagrados

na atual Carta Magna.

Apesar de não ser admitida no ordenamento jurídico brasileiro a alteração da

Constituição sem um processo legislativo adequado, admite-se o fenômeno denominado

Mutação Constitucional, devido a fatos econômicos ou sociais, dar uma nova interpretação a

algum artigo da Constituição, também conhecida como mudança informal da Constituição. É

sob esse prisma que se percebe a substituição da prisão preventiva, por prisão domiciliar, no

caso de mulheres gestantes/lactantes.

É preocupante na realidade atual da justiça brasileira o baixo número de solicitação de

Habeas Corpus propondo a substituição da prisão preventiva pela prisão domiciliar em casos

especiais para as mulheres encarceradas ou em eminência desse acontecimento. Isso é

inexplicável já que esse tipo de Habeas Corpus é assegurado por lei. Daí nasce a problemática

discutida neste trabalho, cujo teor é a discussão sobre o Habeas Corpus como conteúdo de

solicitação da troca da prisão preventiva pela prisão domiciliar, algo que ainda não está sendo

feito a contento na justiça brasileira, ou seja, há uma considerável distorção entre o número de

mulheres encarceradas e o número de solicitação de Habeas Corpus preventivo ou liberatório.

No entanto, é necessário analisar cada processo em particular e verificar se o que foi

decidido ou está para ser decidido pelo judiciário, não está contrariando o objetivo precípuo

da função judicial e, se é compatível com a Constituição vigente no Brasil.

Com a concessão de um HC a mulheres gestantes/lactantes mediante a substituição da

prisão preventiva, por prisão domiciliar, reforça-se a interpretação do princípio da presunção

de não culpabilidade e de respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana.

Desse modo, compreende-se que o tema é relevante e faz parte das discussões

acadêmicas em todas às esferas do judiciário e do legislativo, sendo de grande importância

sua discussão em termos acadêmicos e sociais.

Assim, a partir do momento em que se tenta discutir este assunto de forma científica

dentro do extremo rigor acadêmico, procurando esclarecer os aspectos que caracterizam o

fenômeno, está-se com certeza construindo mais um instrumento social de reflexão e de

interferência positiva para melhorar a qualidade da justiça brasileira.

Diante do exposto já é possível traçar o objetivo geral do estudo que é revelar através

de uma investigação bibliográfica, dados importantes da justiça no que concerne à concessão

do Habeas Corpus coletivo para a substituição da prisão preventiva, por prisão domiciliar, em

mulheres presas que estejam gestantes ou estejam amamentando (sejam lactantes).

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1 DO HABEAS CORPUS

Em uma nação democrática para que seus cidadãos vivam em harmonia é preciso que

se respeitem as regras básicas de convivência. A sociedade deve funcionar de forma

harmoniosa, sem conflitos, mas isso é uma utopia. Os conflitos existem e sempre existirão

como característica própria da existência humana. Em uma sociedade organizada e

“gerenciada” pelo “Pacto Social”, o Estado é instituição responsável pela resolução dos

conflitos (HOBBES, 2008. In: ARAÚJO, 2015). 

Uma vez quebrada a harmonia quebra-se também o pacto social e por vez as regras

básicas da boa convivência em sociedade. Daí vem as sanções sociais, que podem estar em

nível de repreensões, supressão de alguns direitos e o indesejável cerceamento da liberdade (a

prisão). Contudo, mesmo nesse caso, o princípio da dignidade pessoa humana deve

ser preservado, fundamentalmente a liberdade de ir e vir.  No Direito Brasileiro não há sanção

penal que justifique a supressão desse princípio (ARAÚJO, 2015).  

Em outros termos, tem-se que a aplicação de uma pena, seja por qualquer delito,

especialmente quando é com restrição da liberdade, não pode ocorrer sem que se respeite o

princípio da dignidade da pessoa humana. É nesse aspecto que se criou a figura do Habeas

Corpus, instituto que garante constitucionalmente a tutela da liberdade de locomoção do

cidadão. Assim, o "Habeas Corpus" é um remédio constitucional cabível sempre que alguém

tiver sofrendo constrangimento ilegal no seu direito de ir e vir, ou quando estiver na iminência

de sofrer tal constrangimento. Preceitua o art. 5º, inciso LXVIII, da Constituição Federal que,

"conceder-se-á "Habeas-Corpus" sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer

violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder"

(TOURINHO FILHO, 2014).

Importante destacar que, o "Habeas Corpus" não é um recurso, embora o Código de

Processo Penal o enquadre como tal. Isso porque a utilização de recursos pressupõe uma

decisão não transitada em julgado, e o remédio constitucional em questão pode ser impetrado

a qualquer momento, ainda que esgotadas todas as instâncias. Não obstante ele pode ser

impetrado tanto contra uma decisão judicial, quanto contra um ato administrativo, bastando

que haja a ameaça ou a violência ao direito de ir e vir de determinada pessoa (MACHADO,

2013).

Conforme assegura Azambuja (2008) a preservação dos princípios da dignidade da

pessoa humana passa pelo pleno exercício da democracia que exprime as liberdades

individuais e coletivas e que devem ser exaustivamente conservadas. O quadro geral de

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apaziguamento e implementação da paz social, neste sentido, abre espaço para a expansão da

democracia. Esse é um dos pilares em que se sustenta o Estado Democrático de Direito.

Embora o tema central deste estudo que se refere ao Habeas Corpus seja bastante

específico, ou seja, aborda a figura do Habeas Corpus coletivo para a substituição da prisão

preventiva, por prisão domiciliar, em mulheres presas que estejam gestantes ou sejam

lactantes, convém se fazer uma apanhado geral sobre esse instituto, a fim de que se tenha uma

compreensão mais ampla sobre esse diploma.

Inicialmente caracteriza-se a situação carcerária do Brasil, que é preocupante frente às

questões da cidadania, do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e da existência de um

Estado Democrático de Direito.

Em 2017 o Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) divulgou a mais atualizada

versão do levantamento de Informações Penitenciárias (INFOPEN).1 Soube-se, então, que o

Brasil atingiu a terceira posição no ranking /de países com as maiores populações carcerárias

do mundo, com o insuportável total de 726.712 (setecentos e vinte e seis mil, setecentos e

doze) seres humanos presos, aumentando, entre 2000 e 2016, em 157% (cento e cinquenta e

sete por cento) o índice de aprisionamento de um sistema já brutalmente superlotado

(BOITEUX; FERNANDES, 2017).

Neste cenário destaca-se o encarceramento feminino. O INFOPEN informa um total

de 42.355 (quarenta e duas mil, trezentas e cinquenta e cinco) mulheres presas no Brasil, o

que por sua vez atinge o desonroso lugar de quarta maior população carcerária feminina do

mundo (BOITEUX; FERNANDES, 2017).

O mais grave é que o estudo mostra que 74% das mulheres encarceradas tem, ao

menos, um filho. Tal porcentagem é bastante expressiva, sobretudo quando se pondera que a

informação sobre a quantidade de descendentes só estava disponível em 9% do total de casos

consultados no levantamento, que tampouco leva em consideração questões socioeconômicas

ou recortes de gênero. Essa importante negligência estatística, que despreza uma enorme

quantidade de sofrimento imposto a crianças inocentes, é agravada por inadmissível falha na

coleta dos dados por parte do DEPEN, que inclui somente 1.422 (mil quatrocentas e vinte e

duas) unidades prisionais em seu cálculo, em contraste com a informação do Conselho

Nacional de Justiça (CNJ), que trabalha com o número de 2.641 (dois mil quatrocentos e

quarenta e um) estabelecimentos penais no país (BOITEUX; FERNANDES, 2017).

Boa parte deste drama carcerário feminino se estende aos filhos de mães presas, a

ratificar a impressão de que o Estado brasileiro sequer considera essas pessoas dignas de

registro. Para piorar esse aspecto indigno da prisão de mulheres seus filhos são também

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punidos de maneira acessória. Articula-se essa situação com os estigmas sociais

determinantes da criminalização secundária, que realiza a seletividade penal de maneira

brutalmente nítida, como instrumento de controle social preferencial contra a classe

trabalhadora.

Assim, cogita-se que a justiça brasileira adote como prática a transformação da prisão

de mães gestantes/lactantes em prisão domiciliar, desse modo, pelo menos minimizando o

drama feminino acima explicitado. O instrumento jurídico usado para isso é a concessão do

Habeas Corpus, mesmo que seja em situação muito especial.

Recentemente, um fato típico ocorreu com a transformação da prisão da mulher do ex-

governador Sérgio Cabral, em prisão domiciliar, isso com a alegação de que ela precisava

cuidar de filhos menores. A situação já indica que a transformação da prisão de mães

gestantes em prisão domiciliar pode se tornar uma prática jurídica mais frequente na justiça

brasileira.

Observa-se na sequência deste estudo os princípios gerais que caracterizam o Habeas

Corpus, a começar por um breve histórico desse instituto.

Segundo Dos Anjos (2006) o Habeas Corpus foi instituído no Brasil após a partida de

D. João VI para Portugal, quando expedido o Decreto de 23 de maio de 1821, referendado

pelo Conde dos Arcos, portanto, já próximo ao acontecimento da independência política de

Portugal.

Essa instituição passou a estabelecer que nenhuma pessoa livre no Brasil poderia ser

presa sem escrita do Juiz do território a não ser em caso de flagrante delito, quando qualquer

do povo poderia prender o delinquente; e que nenhum Juiz poderia expedir ordem de prisão

sem que houvesse culpa formada, por inquirição de três testemunhas e sem que o fato fosse

declarado em lei como delito.

Com a promulgação da Constituição de 1824 as condições para o cárcere privado

ainda ficaram mais exigentes, uma vez que ela proibia explicitamente as prisões arbitrarias e

mais tarde, foi regulamentado pelo Código de Processo Criminal de 24 de novembro de 1832,

nos artigos 340 a 355 e estabelecia que qualquer Juiz poderia passar uma ordem de Habeas

Corpus de ofício, sempre que no curso do processo chegasse ao seu conhecimento que alguém

estivesse detido ou preso.

Com o advento da República, a partir de 1889, o Decreto de 11 de outubro de 1890

determinava que todo cidadão nacional ou estrangeiro poderia solicitar ordem de Habeas

Corpus, sempre que ocorresse ou estivesse em vias de se consumar um constrangimento

ilegal. Era o aparecimento, entre nós, do Habeas Corpus preventivo.

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Daí em diante a instituto Habeas Corpus, não sofreu mudanças substanciais, ficando,

no entanto prejudicado em dois períodos: O Estado Novo (ditadura de Getúlio Vargas e nos

21 anos da Ditadura Militar).

Tudo, no entanto, voltou à normalidade com a promulgação da Constituição de 1988, a

qual prevê em seu art. 5º, inciso LXVIII que o Habeas Corpus será concedido sempre que

alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de

locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder (DOS ANJOS, 2006).

Na atualidade o Habeas Corpus é um instituto jurídico específico para a pessoa física,

não se prestando como instrumento que possa ser usado em prol de pessoas jurídicas, ou

similares.

Não se permite que o Habeas Corpus seja usado de forma aleatória e sem critérios,

pois comprometeria sua função social e tornaria seu uso muito vulgar. Mas isso, não raras

vezes ocorre. Ele continua sendo um instrumento de validação do Estado Democrático de

Direito, mas deve ser usado com critério.

O Habeas Corpus, muitas vezes, é solicitado por advogados criminais buscando a

liberdade de clientes que se encontram reclusos. Geralmente a alegação que é a pessoa

encarcerada não oferece nenhum risco à sociedade e por isso pode responder ao processo em

liberdade, uma vez que o Habeas Corpus é concedido em casos onde a liberdade está sendo

proibida (FERREIRA, 2012).

Para Dos Anjos (2006) o deferimento inidôneo do Habeas Corpus, que não implique

na suspensão da coação da liberdade de ir, permanecer e vir se torna um constrangimento para

a justiça em geral e para seus operadores.

1.1 PRINCÍPOS GERAIS QUE NORTEIAM O HABEAS CORPUS

Há certos princípios gerais (princípios fundamentais) com relação à pessoa humana

que simplesmente não podem ser violados. Por exemplo, o princípio da dignidade da pessoa

humana, o princípio da liberdade de ir e vir, o princípio da presunção da inocência, entre

outros. O Direito, enquanto ciência e enquanto instrumento de proteção jurídica da sociedade

luta para que os princípios ditos fundamentais da pessoa humana sejam respeitados. A

violação desses princípios é vista como um grande mal à democracia e ao Estado

Democrático de Direito. Em socorro à possibilidade de violação dos direitos fundamentais da

pessoa humana é que foi instituído o Habeas Corpus. Ele, portanto, funciona como forma de

prevenção à violação do intocável direito à liberdade.

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Habeas corpus significa "que tenhas o teu corpo", e é uma expressão originária do latim. Habeas corpus é uma medida jurídica para proteger indivíduos que estão tendo sua liberdade infringida, é um direito do cidadão, e está na Constituição Brasileira. Habeas corpus é também chamado de “remédio judicial ou constitucional”, pois ele tem o poder de cessar a violência e coação que indivíduos possam estar sofrendo. Existem dois tipos de habeas corpus: o habeas corpus preventivo, também conhecido como salvo-conduto, e o habeas corpus liberatório. O habeas corpus condena atos administrativos praticados por quaisquer agentes, independentes se são autoridades ou não, atos judiciários, e atos praticados por cidadãos (PACHECO, 2008, p. 19).

Não há duvidas, portanto, que a instituição do Habeas Corpus em quase todos os

sistemas jurídicos do mundo, mostra a preocupação que o homem moderno tem com a

liberdade.

De um modo geral “O Habeas Corpus nasceu historicamente como uma necessidade

de contenção do poder e do arbítrio. Os países civilizados adotam-no como regra, pois a

ordem do Habeas Corpus significa em essência uma limitação às diversas formas de

autoritarismo.” (MORAES, 2004, p.123).

1.2 O HABEAS CORPUS PREVENTIVO E O LIBERATÓRIO

Conforme leciona Dos Anjos (2006), desde sua criação, no Direito Romano, e sua

efetivação, no Direito Inglês o instituto do Habeas Corpus buscou se ajustar a situações em

que se pode reclamar do cerceamento da liberdade, quando isso possui traços visíveis de

ilegalidade. Nessa busca, esse instituto foi se ampliando em modalidades até chegar ao estágio

atual.

Conforme a mesma autora atualmente há variadas causas que admitem o pedido desse

remédio constitucional, mais um dos mais comuns é o Habeas Corpus Preventivo, concedido

apenas em situações de ameaça à liberdade de locomoção de uma pessoa. Ele é chamado de

preventivo porque a pessoa alvo dele ainda está em liberdade. Neste caso, ainda não há um

fato consumado, é apenas para prevenir quando alguém está sendo coagido ou ameaçado,

então, o juiz expede um salvo-conduto.

Comum também é a solicitação do Habeas Corpus liberatório, que diz respeito à cessação do constrangimento ilegal contra a liberdade individual, já consumado; atua em relação a qualquer espécie de coação já realizada, buscando retornar o coato à situação anterior de plena liberdade. NUCCI (2015).

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Isso ocorreu recentemente com o ex-presidente Michel Temer, já agora em 2019, que foi preso, mas logo posto em liberdade por um Habeas Corpus liberatório.

1.3 SITUAÇÕES EM QUE SE JUSTIFICA A SOLICITAÇÃO DE CORPUS

São diversas as situações em que se justificam a solicitação de um Habeas Corpus,

geralmente essas situações estão ligadas à presunção da inocência, à falta de perigo que o

preso possa oferecer à sociedade, quando a soltura não põe em risco a investigação, entre

outras situações. Como já se deixou claro anteriormente, a concessão de Habeas Corpus não

pode ser dada de forma aleatória e nem vulgar. Os pedidos devem ser bem fundamentados

para que haja o deferimento

Conforme Dos Anjos (2006, p. 38) o pedido de Habeas Corpus só se justifica diante

de situações que contrariem seriamente as disposições constitucionais ou a existência de

diplomas específicos sendo contrariados.

O advogado que solicita o Habeas Corpus deverá especificar os motivos reais pelos

quais o Habeas corpus está sendo solicitado.

Quando o juiz analisa a solicitação de Habeas Corpus e não identifica nenhuma

situação que a justifique, a probabilidade de indeferimento é quase de cem por cento.

1.4 DA COMPETÊNCIA DE JULGAMENTO DO HABEAS CORPUS

Santana (2012) quando se refere ao Habeas Corpus com relação às autoridades

competentes para julgá-lo, faz logo um pequeno aparte, afirmando que tal instituto só pode ser

julgado por autoridade judiciária hierarquicamente superior àquela que determinou o ato

impugnado. Desse modo, compreende-se que é contra a autoridade coatora que se  impetra

o Habeas Corpus.

Observe-se, portanto as autoridades competentes para o julgamento do Habeas

Corpus:

1.4.1 Quando o coator é o delegado de polícia - o habeas corpus é impetrado junto ao Juiz

de primeira instância. Envolve a autoridade policial que está responsável pelo

encarceramento da ré;

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1.4.2 Quando o coator é o juiz - o habeas corpus  é impetrado junto ao Tribunal  estadual,

federal, militar, eleitoral etc., ao qual se encontra subordinado o juiz (autoridade

coatora);

1.4.3 Quando o coator é um tribunal -  o  habeas corpus  é impetrado junto ao Tribunal

Superior respectivo (STJ, STM,  ou TSE). Logicamente o caso já tramitou em outras

instâncias da justiça;

1.4.4 Quando o coator é o STJ, STM, TSE -  o  habeas corpus  será impetrado junto ao

Supremo Tribunal Federal (SANTANA, 2012, p. 151). É a última instância de

apelação. Um caso específico é o caso do ex-presidente Lula.

Segundo o mesmo autor acima citado, não se pode confundir entre a autoridade

que expede a ordem e a autoridade que, cumprindo a ordem, executa o ato impugnado.

Desse modo, quando o delegado  prende o paciente por determinação do juiz, a

autoridade coatora será o juiz e não o delegado.

Ainda tem-que quando o Tribunal julga o Habeas Corpus e denega a ordem (julga

improcedente o pedido), a situação se altera; a partir deste evento o Tribunal passa a ser a

autoridade coatora.

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2 HABEAS CORPUS COLETIVO PARA A SUBSTITUIÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA, POR PRISÃO DOMICILIAR, EM MULHERES PRESAS QUE ESTEJAM GESTANTE

A prisão domiciliar é uma prerrogativa do Direito no Brasil. Ela consta do Direito em

outras nações, mas no caso brasileiro possui características próprias e às vezes até de forma

complexa. Seu ordenamento jurídico está no Código de Processo Penal – CPP (Art. 318 e

318-A); no Decreto Lei nº 3.689 de 03 de Outubro de 1941 e na Lei de Execuções Penais –

LEP. A prisão domiciliar também consta no artigo 117 da Lei 7.210/84.

Como se pode observar os dois diplomas acima citados (CPP e LEP) preveem a prisão

domiciliar preventiva, só que em formatos com leves diferenciações. Há também as

prescrições para a transformação da preventiva simples para a preventiva domiciliar, contudo,

as condições gerais de aplicabilidade são:

Art. 318 e 318-A do Código Processo Penal - Decreto Lei 3689/41CPP - Decreto Lei nº 3.689 de 03 de Outubro de 1941 Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for: (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).I - maior de 80 (oitenta) anos; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011). II - extremamente debilitado por motivo de doença grave; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011). III - imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011). IV - gestante; (Redação dada pela Lei nº 13.257, de 2016) V - mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos; (Incluído pela Lei nº 13.257, de 2016) VI - homem, caso seja o único responsável pelos cuidados do filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos. (Incluído pela Lei nº 13.257, de 2016) Art. 318-A. A prisão preventiva imposta à mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência será substituída por prisão domiciliar, desde que: (Incluído pela Lei nº 13.769, de 2018).I - não tenha cometido crime com violência ou grave ameaça a pessoa; (Incluído pela Lei nº 13.769, de 2018).II - não tenha cometido o crime contra seu filho ou dependente. (Incluído pela Lei nº 13.769, de 2018).

Os legisladores tiveram um cuidado especial em proteger as mulheres, especialmente

quando estas cuidam de filhos menores de 0 a 12 anos. Os idosos também foram agraciados

com a Lei. Logicamente os homens que cuidam de filhos deficientes foram também

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contemplados. A questão é de discernimento do juiz e também de comprovação das condições

necessária pelo detento.

Há de se destacar que muitos legisladores e pessoas envolvidas com a LEP, preferem

trocar o termo “Prisão Preventiva Domiciliar” por “Recolhimento Domiciliar Preventivo”.

Isso muda um pouco a natureza do encarceramento, e soa mais leve para a mulher ou pessoa

encarcerada. Tecnicamente isso se assemelha à expressão “Prisão do Menor”, que é

impropria, sendo usual se falar “Apreensão do Menor” (ORTEGA, 2016).

Portanto, penalmente se verifica uma pequena diferenciação entre “Prisão Preventiva

Domiciliar” para “Recolhimento Preventivo Domiciliar”.

Observe-se:

Prisão domiciliar: é uma medida alternativa à prisão preventiva (cautelar) e consiste no recolhimento do suspeito ou réu, em sua residência, dela podendo ausentar-se somente com autorização judicial, em suma, serve para afastar a prisão cautelar, contudo, cerceando a plena liberdade de locomoção do agente, (artigo 317 do CPP).Recolhimento domiciliar: é uma medida cautelar diversa da prisão e consiste no recolhimento do agente em domicílio, no período noturno e nos dias de folga, desde que o acusado tenha residência e trabalho fixo (artigo 319, inciso V, do CPP).Vale ressaltar que a prisão domiciliar possui caráter de maior restrição que o mero recolhimento domiciliar, uma vez que o agente somente pode sair da "prisão", com autorização judicial (ORTEGA, 2016, p. 11).

São inúmeros os casos em que a prisão preventiva domiciliar ou o recolhimento

domiciliar preventivo se aplica a mulheres flagradas no tráfico de drogas entorpecentes. Só

que essa transformação de preventiva simples para preventiva domiciliar não é automática,

precisa-se da intervenção de um advogado ou defensor público. Daí o número alto de

mulheres encarceradas preventivamente que poderiam estar em seus lares cuidados dos filhos.

Apesar de já se encontrar consagrado na legislação brasileira a substituição da prisão

preventiva por prisão domiciliar, em mulheres presas que estejam gestantes, só terão direito a

esse benefício as presas que tenham cometido crimes de pequeno leso social. Aquelas que

cometerem crimes com violência ou grave ameaça, ou contra familiares, além de casos

considerados "excepcionalíssimos". Estas estão fora dessa concessão. Logicamente, as

decisões a favor ou contra, deverão ser devidamente fundamentadas por cada juiz (STF,

2018).

Está em jogo, durante o julgamento de tais Habeas Corpus a questão da dignidade da

pessoa humana, é um princípio com finalidade de garantir as bases da existência humana é

por essa razão que ele influência a ordem econômica, a ordem social, sendo também um

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princípio que ilumina e direciona todos os outros princípios, unindo assim todos os direitos

fundamentais com a finalidade de garantir a existência humana com dignidade.

Desse modo, o Habeas Corpus coletivo concedido a mulheres enquadradas na situação

de grávidas ou lactantes, deve levar em consideração a dignidade da mulher e também da

criança. Concebido como referência constitucional unificadora de todos os direitos fundamentais, o conceito de dignidade da pessoa humana obriga a uma densificação valorativa que tenha em conta o seu amplo sentido normativo-constitucional e não uma qualquer ideia apriorística do homem, não podendo reduzir-se o sentido da dignidade humana à defesa dos direitos pessoais tradicionais, esquecendo-a nos casos de direitos sociais, ou invocá-la para construir ‘teoria do núcleo da personalidade’ individual, ignorando-a quando se trate de garantir as bases da existência humana (CANOTILHO; MORREIRA apud SILVA, 2006, p. 105).

Apesar de todas as polêmicas que envolvem a concessão do Habeas Corpus aqui

discutido, percebe-se que os legisladores tomaram os devidos cuidados para não beneficiar

criminosas contumazes e que ajam com violência. Mulheres que funcionam como auxiliares

no crime do tráfico de drogas (mulas, fogueteiras, aviões, buchas etc.) se enquadram no

benefício, mas as traficantes de alta periculosidade não são alvos desse tipo de Habeas

Corpus.

O Habeas Corpus se estende ainda a mães adolescentes que estejam reclusas como

medida socioeducativa e a mães que tenham sob sua guarda pessoas deficientes

independentemente da idade (Informativo N º 891 STF, 2ª Turma, 2018).

Por outro lado, estudos indicam que o tráfico de drogas já se tornou uma das suas

principais fontes de rendimento no mundo do crime, constituindo o segundo negócio mais

rentável - ficando apenas atrás do tráfico de armas - o que gera lucros rápidos e riscos

controlados para os seus autores. Não se trata, portanto, apenas de mais uma atividade

criminosa. O tráfico é uma relevante atividade delituosa do crime organizado que movimenta

vultosas quantias em todo o mundo.

As mulheres, assim como todos os outros traficantes, foram movidas pela

possibilidade de lucro fácil e pela ambição de ganhar dinheiro rápido, com risco de prisão

relativamente pequena e penas brandas no Brasil. Esse é o panorama da inserção da mulher no

mundo do tráfico das drogas ilícitas.

Compreende-se, portanto, que é a atual situação do povo brasileiro, em especial o

segmento feminino com relação ao emprego, a grande responsável pelo encarceramento de

mulheres, especialmente ligadas ao tráfico de drogas. A situação degradante das finanças das

famílias mais pobres tem levado milhares de mulheres ainda jovens a buscarem alternativas

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para ganhar algum dinheiro, que nem sempre são legais. Isso para sobreviver e prover seu

próprio sustento e ou da família. O tráfico de drogas é uma dessas alternativas, mesmo

sabendo que ao serem descobertas a prisão é certa, a perspectiva de reclusão não tem

conseguido barrar a entrada de novas mulheres no mundo do tráfico de drogas.

Gráfico 1 – O crescimento da população feminina no sistema penitenciário.

Brasil. 2000 a 2014

Nota se que os dados acima têm um aumento significado da criminalidade feminina.

No ano de 2000 havia 5.601(cinco mil, seiscentos e um) de mulheres presas no nosso sistema

carcerário e o aumento da população foi de 567,4%, alcançando a população de 37.380 (trinta

e sete mil, trezentos e oitenta), em 2014 , dados preocupante para a sociedade feminina até

porque a média para o crescimento masculino para o mesmo período foi de 220,2%, conforme

dados do INFOPEN.

Em levantamento de dezembro de 2017, portanto, já no final do ano, o CNJ (Conselho

Nacional de Justiça), identificou que 622 mulheres presas em todo o país estavam grávidas ou

amamentando. Esse número consta do recém-criado Cadastro Nacional de Presas Grávidas e

Lactantes, idealizado pelo STF. A quantidade exata de detentas afetadas pela decisão, no

entanto, ainda não é conhecida publicamente (Informativo N º 891 STF, 2ª Turma).

Não há como se negar que a concessão do benefício não é algo comum, pois há muitos

entraves legais para que isso ocorra. As decisões tomadas em níveis estaduais e federal são

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muito diversificadas e dependem da análise dos julgadores. Mas há casos que chamam a

atenção. Um deles é o caso de mulheres presas pelo tráfico de drogas. Muitas vezes essas

mulheres são encarceradas, mesmo estando grávidas ou sejam lactantes. A questão se dá na

caracterização do crime.

A respeito das decisões dos ministros do STF (quando caso atinge essa instância) o

entendimento é o de que para se deferir a ordem tal como referido no Habeas Corpus, há

necessidade de uma análise concreta e individualizada dos interesses das crianças, "sem

revogação automática das prisões já decretadas” (Informativo N º 891 STF, 2ª Turma, 2018).

Para se ter uma noção quantitativa do número da distribuição do números de mulheres

grávidas ou lactantes em termos regionais, analise-se o gráfico abaixo:

Analisando quantitativamente o gráfico, percebe-se facilmente que há uma

preponderância de mulheres presas (lactantes e gestantes) nas regiões mais pobres do Brasil.

Não em termos absolutos. Isso com relação à população dessas regiões. Resta saber se a

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concessão de Habeas Corpus para a substituição da reclusão por prisão domiciliar segue a

mesma tendência.

Como se discutiu até agora, há o reconhecimento dos legisladores e julgadores

brasileiros de que o Habeas Corpus é uma proteção diante de violações de direitos que

atingem a coletividade. A 2ª Turma do Supremo Tribunal concedeu em 2017 um HC coletivo

em nome de todas as mulheres presas grávidas e mães de crianças com até 12 anos de idade.

Os ministros estenderam a decisão às adolescentes em situação semelhante do sistema

socioeducativo e mulheres que tenham sob custódia pessoas com deficiência (Informativo N º

891 STF, 2ª Turma, 2018).

É evidente que esse HC substitui a prisão preventiva pela domiciliar a todas as

mulheres nestas condições, com exceção daquelas que tenham cometido crimes mediante

violência ou grave ameaça, contra os próprios filhos, ou, ainda, em situações

excepcionalíssimas — casos em que o juiz terá de fundamentar a negativa e informar ao

Supremo a decisão (Informativo N º 891 STF, 2ª Turma, 2018).

Apesar do apoio dos ministros Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Celso de Mello, foi

Gilmar Mendes que estendeu o benefício a mães de portadores de necessidades especiais por

tempo indeterminado, e não até a idade de 12 anos.

Não se pode deixar de mencionar que o ministro Luiz Edson Fachin divergiu dos

colegas ao defender que o magistrado deve analisar cada caso de mulher gestante ou mãe

presa preventivamente e verificar se alteração é, de fato, o melhor a ser feito tendo em vista as

condições da criança.

Um apoio claro ao segmento feminino decorre da determinação da Lei 13.257 de

2016, que garante a prisão domiciliar a mulheres grávidas ou com crianças de até 12 anos.

Isso levou a ministra Maria Thereza de Assis Moura, do STJ, a conceder Habeas Corpus à

advogada Adriana Ancelmo, mulher do ex-governador do Rio de Janeiro Sergio Cabral. A

sociedade em termos gerais não aceitou bem essa decisão e nos meios jurídicos a decisão

também foi contestada.

A reboque dessa contenda nacional, o Conselho Nacional de Justiça, por sugestão de

Ricardo Lewandowski, fez um levantamento e constatou que 622 presas são grávidas ou estão

em fase de amamentação. O levantamento incluiu também as presas preventivas gestantes ou

mães de crianças com até 12 anos (SANTOS, 2013).

No mesmo diapasão o CNJ foi obrigado a indicar se as unidades têm superlotação,

escolta para garantir o acompanhamento da gestação, assistência médica adequada, berçários

e creches. Caso contrário o HC coletivo é a única solução imediata.

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Pompeu (2018, s/p) ainda neste sentido considerou importante relatar as palavras de

Lewandowski:

É importante que o Supremo Tribunal Federal assuma a responsabilidade com relação aos mais de 100 milhões de processos a cargo de 16 mil juízes e as dificuldades de acesso a justiça e passe a aplicar remédios de maior abrangência, para construir mais isonomia e que lesões a direitos sejam sanadas com maior celeridade.

Isso representa para a justiça brasileira uma mudança de cultura importante. Todos os

operadores do Direito que trabalham com direito penal e processual penal, sabem como é

importante o entendimento de que o Habeas Corpus seja concedido coletivamente. Essa é uma

bandeira que deve se tornar instrumento de cabeceira de defensores públicos e promotores de

direitos humanos para casos futuros.

Para Santos (2013, p. 13), com base nas colocações do defensor Público-Geral

Federal, Carlos Eduardo Paz, afirma que:

 Num cenário crescente de maior igualdade de gênero, é preciso dar atenção especial à saúde reprodutiva das mulheres. As crianças também merecem a atenção do Judiciário. São mais de 2 mil pequenos brasileirinhos que estão atrás das grades sofrendo indevidamente contra o que dispõe a constituição a agruras do cárcere..

Tanto a medicina como a justiça brasileira aconselha que todas as mulheres brasileiras,

quando gestantes, façam o pré-natal, mas estando reclusa isso se torna muito difícil. Esse é

também um ponto que justifica com propriedade o emprego do Habeas Corpus coletivo às

mulheres que se enquadram nas condições previstas neste estudo, pois o Estado brasileiro não

está sendo capaz de garantir estrutura mínima de cuidado pré-natal e direito à maternidade

segura sequer às mulheres que não estão presas, imagine-se às detentas.

Não é segredo para nenhum defensor público essa triste realidade. Eles lidam

cotidianamente com o cárcere e situações de desamparo às mulheres lactantes ou grávidas

nos presídios brasileiros. Não é preciso muito exercício de imaginação para se ter a

compreensão desse desastre social. Nestes casos o remédio (a reclusão) é pior que a

doença (o crime cometido). Se torna verdadeiramente uma angústia para as mães, para os

filhos e para os cuidadores, o cárcere para essas mulheres. Os conhecidos problemas

saltam aos olhos e afrontam o Estado Democrático de Direito e o Princípio da Dignidade

da Pessoa Humana.

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2.1 OS BENEFÍCIOS PARA AS FAMÍLIAS DECORRENTES DA TRANSFORMAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA PARA A PRISÃO DOMICILIAR

São inumeráveis os benefícios que a família tem quando é permitida a transformação

da Prisão Preventiva da mulher encarcerada para a Prisão Preventiva Domiciliar, ou

Recolhimento Domiciliar Preventivo. Esses benefícios possibilitam maior possibilidade de

recuperação e ressocialização da detenta; maior possibilidade de se evitar que crianças passem

por dificuldades, pois a mãe pelo menos pode ajudar a cuidar dessas crianças; maior

possibilidade de deixar o companheiro mais livre para trabalhar; diminuem a superlotação dos

presídios; diminui as despesas do estado com encarcerados; diminuem a possibilidade de fuga

e de motim, pois ninguém pretende fugir do seu próprio lar; melhoram o acesso de parentes e

amigos para dar apoio financeiro, psicológico e social à detenta. Uma vez cumpridas todas às

exigências da LEP e do CPP, sobre o recolhimento domiciliar, diminuem sensivelmente a

possibilidade de recaída para o tráfico de drogas;

A questão das mulheres encarceradas, que não podem gozar da Prisão Preventiva

Domiciliar, especialmente aquelas que experimentam a gravidez e o nascimento de seus filhos

na prisão, constitui um dos aspectos mais perversos da opção por uma política criminal

repressiva, com foco preferencial na pena privativa de liberdade. Se a situação das mulheres

presas configura uma dupla sanção, por ser ela considerada como ‘criminosa’, que ousou

violar a lei dos homens numa sociedade patriarcal, no caso de grávida e de mães de filhos

pequenos, estas ainda recebem mais uma punição: são também privadas da convivência com

seus filhos, com todas as consequências sociais que decorrem desse.

A justiça brasileira precisa cuidar com maior efetividade desse problema, não que

quem cometeu delitos deve ser anistiado, mas no caso das mulheres presas por tráfico de

drogas, o cuidado deve ser especial, devido a todos os motivos expostos neste estudo.

2.2 CONSIDERAÇÕES SOBRE O HABEAS CORPUS DIANTE DA JUSTA CAUSA

PARA PRISÃO, INQUÉRITO POLICIAL E AÇÃO PENAL

Segundo leciona Rabelo et al (2011) a Carta Magna Brasileira consagrou o direito de

locomoção do cidadão brasileiro, ressalvando somente os casos em que o direito à liberdade

poderia ocasionar prejuízos significativos ao Estado. Daí considera-se situações como a

prisão, deportação, expulsão, internação em hospital de custódia, dentre outras hipóteses.

Uma das hipóteses a considerar é a condenação em segunda instância que enquadra um

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postulante a cargo público eletivo na Lei da Ficha Limpa. Nesses casos o juiz nega inconteste

a aplicação de Habeas Corpus.

A prisão só é aplicada sem a possibilidade de impetração de Habeas Corpus quando se

comprova a existência do periculum in mora e do fumus boni iuris. Isso com o intuito de

assegurar e proteger os bens jurídicos envolvidos na relação processual se houver perigo à

aplicação da lei penal, à ordem pública ou necessidade para instrução criminal, nos termos do

art. 312 do CPP.

Compreende-se que nessa hipótese, a justa causa para imposição da prisão apenas está

demonstrada em situação de extrema necessidade, dada a gravidade da medida, caso contrário

estará impedindo o exercício do direito de ir e vir do indivíduo ilegalmente. Assim, o Código

de Processo Penal exige como condição para o recolhimento à prisão a autuação do agente em

flagrante delito, hipótese em que é demonstrada a justa causa para que seja imposta a prisão;

caso contrário estará impedindo o exercício do direito de locomoção do indivíduo, o que será

considerado ilegal (SABINO JÚNIOR, 2014).

Não se deve esquecer que a justa causa não se aprecia in concreto, mas in abstrato, por que ela só existe quando se atribua ao paciente procedimento que não constitua crime. Se embora em tese, o fato, que lhe é imputado, caracteriza uma infração penal, não há falta de justa causa, mesmo sendo injusta a imputação. (SABINO JUNIOR, 2014, pág.341).

É observável que a prisão por tempo superior ao permitido, quando da não existência

de causa que a determinou, quando ordenado por autoridade incompetente ou quando não

admitidos fianças nos casos que a lei autoriza, a prisão torna-se ilegal, justificando a

impetração de Habeas Corpus constitucional para garantir sua liberdade.

2.3 HABEAS CORPUS POR FALTA DE JUSTA CAUSA

Nas argumentações de Noronha (2013, p. 414), ele afirma que a Constituição da

República quando dispões acerca do Habeas Corpus como forma de proteção à liberdade de

locomoção, deixa lapsos para novas interpretações. Observa-se que o Código de Processo

Penal, nos arts. 647 e 648 apresentam um rol com hipóteses do seu cabimento quando

verificada coação ilegal.

“Art. 647 - Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência ou coação ilegal na sua liberdade de ir e vir, salvo nos casos de punição disciplinar”.Art. 648 - A coação considerar-se-á ilegal:I - quando não houver justa causa;

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II - quando alguém estiver preso por mais tempo do que determina a lei;III - quando quem ordenar a coação não tiver competência para fazê-lo;IV - quando houver cessado o motivo que autorizou a coação;V - quando não for alguém admitido a prestar fiança, nos casos em que a lei a autoriza;VI - quando o processo for manifestamente nulo;VII – “quando extinta a punibilidade.”

Tem-se ainda que de acordo com o inciso I do art. 648, a falta de justa causa, seja para

a prisão, inquérito policial ou ação penal, constitui constrangimento ilegal contra a pessoa.

Nas lições de Noronha (2013, p. 415), “justa causa é o fato cuja ocorrência torna

lícita a coação”, fazendo entender que a coação será considerada ilegal quando exercida sem

um motivo lícito, sendo o Habeas Corpus é o recurso cabível para confrontar a ilicitude da

coação, não pela probabilidade de constatar a autoria e materialidade do delito, mas por, de

forma inequívoca, sequer existir esta possibilidade.

Desse modo diversos juristas brasileiros com destaque para Espínola Filho (2010),

diziam que a justa causa, não teria definição, em forma absoluta, pelo que afirmam ficar ao

critério do Juiz apreciar a injustiça, ou justiça, da razão determinante da coação, afim de

considerar legal, ou não, o constrangimento, pode informar-se que falta a justa causa, quando

o constrangimento, a violência, não tem um motivo legal.

Há ainda alguns juristas, a exemplo de Galdino Siqueira que consideram a

argumentação de "justa causa” é motivo legal, mas se o motivo não se coaduna com a lei, a

prisão é arbitrária. O pedido juridicamente impossível impõe a rejeição da denúncia ou

queixa-crime ou, se recebidas, tornam-se passíveis de trancamento por meio de Habeas

Corpus processual (OLIVEIRA, 2015).

2.4 O TRANCAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL E DA AÇÃO PENAL

Diferentemente do Habeas Corpus constitucional, que protege a liberdade de ir e vir

do paciente, o HC processual suprime a falta de recurso próprio para trancar o inquérito

policial, ou para trancar a ação penal cuja denúncia ou queixa-crime seja inconsistente. .

Este procedimento é legal e previsto em lei, pode ser aplicado em conformidade com o

que dispões o art. 651 e 652 do CPP, que afirma:

Art. 651 - A concessão do habeas corpus não obstará, nem porá termo ao processo, desde que este não esteja em conflito com os fundamentos daquela.Art. 652 - Se o habeas corpus for concedido em virtude de nulidade do processo, este será renovado.

A partir dessas premissas compreende-se que a ausência de justa causa, constante no

inciso I, do artigo 648, do Código de Processo Penal, pode caracterizar a situação autorizadora

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de uma pretensão cautelar, toda vez, que o constrangimento, reputado ilegal, provenha de

prisão preventiva. O mesmo se diga do “Habeas Corpus”, requerido contra prisão em

flagrante, se o auto que o formaliza afasta-se da orientação do artigo 301 e seguintes do

Código. A pretensão libertária deduzida, embora acolhida, incidindo consequentemente,

prestação jurisdicional reconhecedora do direito à liberdade do paciente, apresenta-se, no

entanto, incapaz de impedir o evoluir do processo, através de seus atos procedimentais

(NORONHA, 2013, p. 416),

Assim, constata-se que a simples existência de um procedimento criminal contra

alguém, uma vez detectada a falta de justa causa, já é motivo suficiente para a impetração de

Habeas Corpus, independentemente até mesmo de uma aferição da real ameaça à liberdade de

locomoção do acusado.

Todas as condições de aplicação de Habeas Corpus discutidas acima são importantes

de análise quando se pretende impetrar o Habeas Corpus coletivo para a substituição da

prisão preventiva, por prisão domiciliar, em mulheres presas que estejam gestantes ou estejam

amamentando (sejam lactantes).

2.5 A CONCESSÃO DO HABEAS CORPUS DIANTE DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE

DIREITO E DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Estes são princípios conhecidos internacionalmente, ou seja, há um entendimento entre

as nações democráticas sobre a necessidade de se preservar a democracia e o Estado

Democrático de Direito e a liberdade é basilar para o cumprimento de ambos os princípios.

Desse modo, não havendo perigo para a sociedade, é preferível que a mulher esteja

cumprindo sua pena no ambiente domiciliar, desde que sejam cumpridas todas às restrições

inerentes a esse tipo de reclusão.

Sobre esse assunto tem-se alguns eventos que condicionam a prisão domiciliar. Fala-se

das Regras de Bangkok, que foram organizadas em 2010 pela Organização das Nações

Unidas – ONU e da Portaria Interministerial número 210, de 2014, que trata sobre a Política

Nacional de Atenção às mulheres em situação de risco.

O princípio básico das Regras de Bangkok é a necessidade de considerar as distintas necessidades das mulheres presas. Com efeito, são estabelecidas regras de ingresso, registro, alocação, higiene pessoal, cuidados à saúde, atendimento médico específico, cuidados com a saúde mental, prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, revistas, instrumentos de contenções, capacitação adequada de

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funcionários, priorização do contato com o mundo exterior, individualização da pena, flexibilização do regime prisional, foco nas relações sociais e assistência posterior ao encarceramento, cuidados especiais com gestantes e lactantes, estrangeiras, minorias e povos indígenas e deficientes. As mulheres presas devem ser alocadas em prisões próximas ao seu meio familiar, receber auxílio para contatar parentes, acesso à assistência jurídica [antes, durante e depois o enclausuro], permissão de tomar as providências necessárias em relação aos filhos, incluindo a possibilidade de suspender por um período razoável a medida privativa de liberdade, levando em consideração o melhor interesse da criança. As acomodações devem oferecer instalações e materiais exigidos para satisfazer as necessidades de higiene específica das mulheres etc. (OLIVEIRA, 2017, p. 11)

Em 2014, foi editada a Portaria Interministerial n. 210, cujo conteúdo estava

corroborando e ajustando para a justiça brasileira as Regras de Bangkok. Inclusive ampliando

ainda mais as questões abordadas sobre o encarceramento feminino.

A Constituição Federal de 1988 é fundamentada em alguns pilares básicos que

protegem a cidadania e o Estado Democrático de Direito. Sobre o primeiro é válido

argumentar que todas as constituições brasileiras, mesmo a outorgada de 1824; a do Estado

Novo de 1937 e a de 1967, que foi promulgada sob os auspícios da ditadura militar não

deixaram de conceber o Brasil como uma nação que se paute pela condição de Estado

Democrático de Direito. O ápice desse pressuposto veio com a Constituição de 1988, que em

seu artigo 1º e 14º estabelece claramente o pleno direito ao exercício da cidadania e o Estado

Democrático de Direito. Essa condição pressupõe dois valores humanos inequívocos: a

liberdade e o tácito respeito à preservação do princípio da dignidade da pessoa humana.

Em outras palavras, todas as constituições brasileiras buscaram a construção da

cidadania, embora, em alguns períodos históricos do Brasil o exercício desse valor tenha

ficado bastante avariado.

Segundo leciona Moraes (2008) o que se deve observar é que legalmente os padrões

sociais e políticos do Estado Democrático de Direito, da Cidadania e da Democracia constam

de todas às constituições brasileiras, mas há profundas divergências entre a norma escrita e

aquilo que de fato está sendo praticado. Daí a necessidade da existência do Habeas Corpus.

Na visão do eminente jurista Ferreira Filho (Apud: MORAES, 2008, p. 121):

Com a promulgação das Constituição de 1988, os direitos e garantias fundamentais, juntamente com os direitos civis e políticos, passa a ser a bandeira do Estado Democrático de Direito, como assevera o doutrinador Manoel Gonçalves Ferreira Filho quando aduz: “Na visão ocidental de democracia, governo pelo povo e limitação de poder estão indissoluvelmente combinados”.

Na opinião de Souza (2009) os pontos abaixo-relacionados são principais em que a

Constituição de 1988 se destaca com relação às outras cartas no que tange à garantia de: o

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31

respeito à dignidade da pessoa humana; o perfeito equilíbrio das relações de consumo

privilegiando o consumidor e o trabalhador; o tratamento especial aos hipossuficientes, em

todas as esferas de direito; tornar preocupação da sociedade, dos juristas, doutrinadores e

legisladores o cuidado com a pessoa tida como incapaz. Isso se traduziu mais tarde na

elaboração do ECA, Estatuto do Idoso, o Código de Defesa do Consumidor, entre outros;

buscar a todo custo proteger o meio ambiente da ganância dos empresários; tornar prioridade

os projetos de proteção social.

Especificamente no campo jurídico foram enfatizados na Constituição de 1988, os

seguintes princípios constitucionais: Princípio da razoável duração do processo; Principio da

isonomia; Princípio da Celeridade Processual; Princípio da Autonomia das Decisões Judiciais;

Independência dos atos da Magistratura e do Ministério Público;

O avanço foi significativo também nas garantias dos direitos civis e políticos, a

exemplo das tutelas constitucional das liberdades que garantem aos cidadãos seus direitos

individuais e coletivos, como Habeas Corpus, Habeas data, mandado de segurança, mandado

de segurança coletivo, Mandado de injunção, Direito a certidão, Direito a Petição aos órgãos

governamentais, Ação popular, dentre outros;

Esses são apenas alguns exemplos das conquistas que beneficiaram o povo brasileiro

nesses anos de processo de redemocratização da nação. Antes da Constituição de 1988,

grande parte dos atos era impostos à nação, com institutos, que, se quer, poderiam ser

comentados, pois era assuntos que feriam a Segurança Nacional e ensejaram prisões

arbitrarias e torturas inúmeras contra aqueles que ousassem manifestar suas opiniões

(SOUZA, 2009).

Não foi só na área da proteção social que a CF/98 foi incisiva, ela também foi

considerada ultramoderna por juristas de renome internacional. Segundo a crítica, essa carta

formou nesses mais de vinte anos uma nova geração de cidadãos, que podem expressar seus

pensamentos políticos, culturais e sociais sem o temor da repressão, que outrora, assombrou

seus antepassados (SOUZA, 2009).

Neste diapasão, se compreende que o instituto do Habeas Corpus é um instrumento

legal e constitucional que procura proteger esses dois pilares: o Estado Democrático de

Direito e o Princípio da Dignidade da pessoa humana. É nesse pressuposto que se insere a

questão que se torna o ponto central deste estudo: a figura do Habeas Corpus coletivo para a

substituição da prisão preventiva, por prisão domiciliar, em mulheres presas que estejam

gestantes ou estejam amamentando (sejam lactantes).

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32

Outra questão que aqui se deve abordar é o respeito ao princípio da dignidade da

pessoa humana. Não há entre as profissões existentes na terra nenhuma que seja tão

importante como a de advogado diante da preservação desse princípio. O arauto deste

princípio é o profissional do Direito e o instrumento mais usado é o Habeas Corpus.

A Constituição Federal de 1988 consagra o princípio da dignidade da pessoa humana

como sendo um valor moral e espiritual inerente à pessoa, ou seja, todo ser humano é dotado

desse preceito, e tal constitui o princípio máximo do estado democrático de direito. Neste

sentido é que é concebida a grande maioria da concessão dos Habeas Corpus, ainda

procurando preservar a presunção da inocência que é outro pilar que fundamenta a cidadania

na Carta Magna de 1988. Este princípio representa a espinha dorsal do Estado Democrático de

Direito. Ele é um valor em si absoluto, mas fundamental para a ordem jurídica (LIMA, 2012).

A consciência de que o princípio da dignidade da pessoa humana não está sendo

devidamente respeitada nas prisões, especialmente quando se trata de mulheres grávidas ou

mães que estão amamentando, fez com que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aplique à

execução penal medidas socioeducativas. Essas medidas são de responsabilidade do

Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de

Execução de Medidas Socioeducativas (DMF), criado pela Lei n. Lei n. 12.106/2009.

No sentido de atacar de frente o problema o Conselho Nacional de Justiça – CNJ,

instituiu em 2011, através da portaria 46/2011, o Grupo de Trabalho de Juízes de Varas de

Penas e Medidas Alternativas. Esse grupo foi instituído para minimizar os problemas mais

graves do sistema prisional, como maus tratos à presas gestantes ou mães que amamentam,

superlotação e os tratamentos que violam princípios básicos da dignidade humana em

quaisquer aspectos. Esse grupo também estuda o desencarceramento, quando há condições

para isso, além de trabalhar com vistas a um objetivo maior que é o de concretizar uma

política para o Sistema Nacional de Penas e Medidas Alternativas. Essa é uma ação

desenvolvida em parceria com o Ministério da Justiça (CNJ, 2011). 

Mas a situação é complexa, ainda mais com a entrada do crime organizado dentro dos

presídios considerados de segurança máxima. Do interior desses presídios, que abrigam

criminosos de grande periculosidade, partem ordem de execução, de sequestros, de

desencadeamento de guerras entre facções, como ocorreu recentemente na Rocinha – no Rio

de Janeiro. A ordem partiu de um presídio federal do extremo Norte brasileiro e foi cumprida

na Região Sudeste. Isso prova que a capacidade de informação entre os detentos e suas

facções criminosas está fora de controle. É preciso que as autoridades competentes procurem

solucionar urgentemente essa questão. Há algumas iniciativas do judiciário e do legislativo

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para que isso seja resolvido, mas parecem ainda inócuas, já que o problema continua, dando a

impressão de uma falência geral do sistema penitenciário brasileiro.

2.6 A LEI DE EXECUÇÃO PENAL – LEP E O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA

HUMANA

Em termos teóricos a Lei de Execução Penal – LEP esta muito bem estruturada

quando se refere ao respeito da dignidade dos detentos, mas o sistema penitenciário brasileiro

não reúne atualmente, salvo alguns casos, de cumprir as determinações dessa lei. A LEP

associa a recuperação dos detentos à reeducação, ao acompanhamento da saúde física e

mental (acompanhamento médico, odontológico e psicológico), ao trabalho digno e

remunerado e a outros fatores assistenciais. A situação precária certamente aduz à petição de

Habeas Corpus coletivo em boa parte dos casos que envolvem as mulheres. Mas não é fácil

obter esse tipo de HC, pois parece haver má vontade de cumprir os ditames da Lei, mesmo

quando se detecta que não há estrutura para preservar a dignidade das mulheres gestantes ou

lactantes nos presídios brasileiros. Fica evidente também que o investimento é escasso no

sentido de recuperar e ressocializar essas detentas.

Segundo Bertoncine e Marcondes (2010, p. 21)  A Constituição Federal de 1988, já

está completando 30 anos, e sua vocação cidadã com o explícito desejo em fazer do Brasil um

verdadeiro Estado Democrático de Direito, parece não ter surtido o efeito desejável quando se

trata do sistema carcerário, pois o princípio da dignidade da pessoa humana continua a ser

desrespeitado, em contraposição clara entre que diz o texto constitucional e a realidade

concreta.

A barbárie interna é ainda uma realidade, não em todos os presídios, mas na maioria

deles. Isso demonstra que o indivíduo aprisionado e apenado é esquecido pelo Estado e pela

sociedade e tem sua dignidade de pessoa humana violada, quando ela deveria, sob a tutela do

Estado, ser preservada.

Esse desrespeito de que fala os autores não se refere unicamente à Constituição

Federal, mas também à LEP e demais diplomas que tratam do respeito à dignidade da pessoa

humana quando recluso. Sendo assim, a realidade da execução penal, conforme se expressa

Piovesan (2016), no que se refere aos direitos e assistências previstos para o detento, é

confrontante com o que dispõe a lei 7.210/1984 e por consequência o princípio da dignidade

humana é sistematicamente violado.

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No estágio em que estão os presídios brasileiros em sua grande maioria também viola

a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, do qual o Brasil é signatário. Esse

documento foi escrito com a finalidade de evitar novas atrocidades do tipo das que foram

praticadas durante a 2ª Guerra Mundial pelos nazistas, contra a humanidade.

Segundo comentam Bertoncine e Marcondes (2010) o documento determina em seu

art. 1º que: “Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de

razão e consciência e devem agir em relação uma as outras com espírito de fraternidade”.

Se todas as pessoas são iguais, isso também inclui quem está recluso, pois essa

condição (está preso) não tira do ser sua condição de pessoa humana, por isso, sua dignidade

deve ser respeitada. Isso representa o alicerce e o fundamento dos direitos humanos e implica

na concepção de que toda nação e todos os povos têm o dever de respeitar direitos básicos de

seus cidadãos e de que a comunidade internacional tem o direito de protestar pelo respeito à

dignidade da pessoa humana (SIQUEIRA, 2009, p. 252).

Para alguns juristas o Estado Brasileiro seria até passivo de punição por violar o art. 1º

da Declaração Universal dos Direitos Humanos, mantendo milhares de pessoas em condições

sub-humanas nos seus presídios. Em tese sim, mas é que há uma resistência histórica em se

fazer interferências na autonomia das nações. É por isso, que na Venezuela os direitos

humanos estão sendo seriamente desrespeitados e ninguém intervém seriamente no caso.

Não é de hoje que se discute a questão do respeito à pessoa humana dentro dos

presídios brasileiros. Tanto as doutrinas como as jurisprudências abordam esse fator em quase

todas as tratativas sobre o assunto. A dignidade é um dos pilares do sistema prisional, a

questão é que isso é mais teoria que prática. Destarte, o respeito ao detento ganhou amplo

destaque, funcionando como uma garantia que milita em favor dos

cidadãos, funcionando como um limitador às ações do Estado (RIBEIRO JÚNIOR, 2014, p.

16).

A defesa sempre se refere à substancial legislação brasileira para o respeito ao

princípio da dignidade da pessoa, mas a grande questão é o grande distanciamento entre os

diplomas que tratam do assunto, a exemplo da Constituição de 1988, da LEP e do Código

Civil.

Não se pode negar que há certa evolução do Direito democrático brasileiro e

atualmente percebe-se que a questão está sendo mais seriamente debatida, mas o Estado, no

que tange à busca da ressocialização do presidiário, continua negligente. Os níveis de

delinquência infanto-juvenil estão com índices alarmantes e parece não haver nenhuma

iniciativa mais séria para reeducar esses adolescentes e jovens.

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Segundo leciona Ribeiro Júnior (2014) com relação ao seu sistema carcerário o Brasil

vive um dos cenários mais desoladores da modernidade, assemelhando-se à barbárie. As

mortes de centenas de detentos nos presídios do Norte e Nordeste, em 2016, atestam isso.

São as mazelas que impregnam o regime de execução da pena. Assim, faz-se

necessário buscar identificar os principais problemas presentes no exercício do poder de punir

do Estado, tomando-se como exemplo alguns presídios que conseguem ressocializar seus

detentos em cerca de 60%. Essa ressocialização parte do princípio do respeito à dignidade da

pessoa humana.

2.7 IMPLICAÇÕES DA LEI Nº 13.769/18 PARA GESTANTES ENCARCERADAS

Esse diploma, apesar de ser recente já está em vigor. Isso porque se trata de norma

mais benéfica. Assim, sua aplicação é imediata, há apena basta que a detenta requisitante,

através do seu advogado ou defensor público, demonstre que preenche os requisitos para

usufruir daquilo que determina a Lei, devendo ser devidamente postulado ao Juízo da

Execução Penal.

Segundo pontua Talon (2018, p. 11):

No que concerne ao inciso IV, exige-se o bom comportamento carcerário, o que é comprovado por meio de atestado de conduta carcerária assinado pelo diretor do estabelecimento. Percebe-se que não há menção de exame criminológico, motivo pelo qual não deveria ser cabível a exigência do referido exame, haja vista que não cabe ao Judiciário criar requisitos que dificultem a concessão de um direito legalmente previsto e disciplinado. Contudo, é provável que os Tribunais entendam que o exame não é obrigatório, mas pode ser determinado, motivadamente, em alguns casos, considerando-o facultativo.

Observa-se, pelo comentário do autor acima citado, que a Lei 13.769/18, foi elaborada

e promulgado com o claro sentido de beneficiar as mulheres, e somente as mulheres,

encarceradas que cumpram os requisitos para ter direito à prisão ou recolhimento domiciliar

Apesar de implicar diretamente na Lei de Execução Penal, a regra geral continua a

valer, ou seja, a previsão do cumprimento 1/6 da pena para que haja progressão dos

condenados por crimes que não sejam hediondos ou equiparados, sendo irrelevante se é

primário ou reincidente, não foi anulada (TALON, 2018).

Destaca-se, porém que quanto ao art. 2º, § 2º, da Lei de Crimes Hediondos, houve uma

pequena alteração:

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§ 2º A progressão de regime, no caso dos condenados pelos crimes previstos neste artigo, dar-se-á após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente, observado o disposto nos §§ 3º e 4º do art. 112 da Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal).

A Lei 13.769/18, em sua essência, implica em de uma nova forma de progressão de

regime, prevista exclusivamente para “mulher gestante ou que for mãe ou responsável por

crianças ou pessoas com deficiência”. Ela não se aplica aos homens.

Ainda se deve ressaltar que a aplicação da forma de progressão prevista nesse

diploma, não contempla as apenadas que cumprem pena por crime cometido com violência ou

grave ameaça a pessoa, como homicídio, roubo e extorsão.

O teor central da Lei 13.769/18, é considerado pelos juristas uma novidade legislativa

que tem foco não apenas na apenada, mas também – e principalmente – na pessoa que recebe

os cuidados da apenada, ou seja, filhos menores ou deficientes (TALON, 2018).

Como proteção a essa determinação legal, o inciso II do referido diploma não admite

essa modalidade de progressão se o crime foi cometido contra filho ou dependente, caso

contrário, perderia o sentido, todo o cuidado do legislador com a criança, adolescente ou

deficiente.

2.8 A NECESSIDADE DE TRANSFORMAÇÃO DO ENCARCERAMENTO DE

MULHERES GESTANTES E MÃES DE MENORES PELA PRISÃO DOMICILIAR

A questão que envolve as mulheres encarceradas, quando essas estão gestantes ou são

mães de crianças menores de 12 anos tem suscitado muitas polêmicas, que extrapolam os

meios jurídicos. Uns são a favor da transformação do encarceramento em prisão ou

recolhimento domiciliar; outros são contra. Há uma corrente de juristas que prefere optar pela

viabilidade dessa transformação somente depois de análises profundas de cada caso, vendo os

possíveis prejuízos para a sociedade e as possíveis vantagens para a segurança das crianças ou

nascituros envolvidos. O fato é que desde à antiguidade isso é posto em discussão acadêmica,

social e jurídica, sem nunca ter havido um consenso. No entanto, após a promulgação da Lei

13.257/2016 e de inúmeras decisões dos tribunais regionais e federais (STF e STJ), que se

transformaram em jurisprudências, a tendência caminha rumo à necessidade urgente dessa

transformação.

Segundo pontua Santos (2017) em novembro de 2015, as integrantes do Coletivo de

Advocacia em Direitos Humanos (CADHU) combinara entre si a tarefa de refletir e construir

um Habeas Corpus coletivo em favor de todas as mulheres encarceradas no Brasil. O

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principal motivo alegado era a proteção das crianças, sejam elas menores de 12 anos ou

nascituros. Ainda é possível citar que uma mulher encarcerada é extremamente sensível à

violação dos direitos humanos, pela própria natureza de sua condição feminina. É um

problema para o qual a sociedade não pode fechar os olhos. Sendo assim, o movimento se

iniciou antes mesmo da aprovação da Lei 13.257/2016, o Marco Legal da Primeira Infância, e

se insere entre as ações da sociedade civil no enfrentamento da questão carcerária tal como ela

se manifesta no Brasil, em sua tendência de crescimento, em sua seletividade racial, em sua

precariedade e violência.

Outro problema que se ressalta, segundo comenta Santos (2017) é a questão da revista

íntima. Ela é vexatória para a família que visita as detentas. Essas visitas tentam manter, na

medida do possível, os vínculos afetivo-familiares, mas se deparam com obstáculo das

revistas vexatórias.

A revista íntima é uma realidade do cotidiano do sistema prisional brasileiro e mesmo

de outras nações, que insiste na prática visivelmente abusiva nos estabelecimentos de privação

de liberdade, inclusive de crianças. Pelos efeitos que produz, pelo agudo sofrimento

psicológico infligido, pela participação de funcionários públicos e consentimento do Estado, a

revista vexatória constitui tratamento cruel, desumano e degradante e, em assim sendo, é

proibida no âmbito da Constituição Federal (art. 5º, III) e em tratados dos quais o Brasil é

signatário.

É visto que pela vasta legislação brasileira que trata do assunto, toda forma de

exclusão, distinção ou restrição baseada no gênero, que tenha por propósito ou efeito

constituir um obstáculo ao exercício de direitos por mulheres é discriminação de gênero.

Obviamente, a situação, em muitos casos, mostra que o encarceramento feminino é

lamentável, se os motivos não o justificarem amplamente. Além disso, as condições de

encarceramento feminino, salvo alguns casos, são deploráveis, tanto em seus aspectos físicos,

quanto psicológicos.

Quando uma prisão cautelar é imposta a uma mulher gestante ou mãe, portanto, este é o conjunto de restrições imbricado na limitação da liberdade de locomoção. Este é o contexto no qual se desdobra o exercício da atividade persecutório-punitiva do Estado brasileiro. Este é o cenário no qual a constitucionalidade e a legalidade das ordens de prisão desafiadas no HC 143.641 deve ser avaliada. Trata-se de espaços superlotados, insalubres e desequipados, inaptos a prover cuidados de saúde materna às mulheres privadas de liberdade (SANTOS, et al, 2017, p. 22).

É preciso investir e modernizar o sistema carcerário brasileiro, o qual já foi

classificado de "medieval" pelo próprio ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Entre seus

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principais problemas estão os assassinatos, a superlotação, a falta de infraestrutura e higiene,

os maus-tratos, a atuação do crime organizado e os motins (KAWAGUTI, 2014).

A Lei de Execução Penal, Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984, trata do direito do

reeducando (condenado e internado) nas penitenciárias brasileiras e da sua reintegração à

sociedade.

Atualmente a Lei de Execução Penal – LEP cuida do cumprimento das penas

impostas às pessoas que foram condenadas por sentença penal, porém há descumprimentos

nítidos no que diz respeito à alimentação, assistência jurídica, social, religiosa e de saúde dos

detentos. O segundo o parágrafo 2º, seção 1 da LEP, o objetivo geral da execução penal é a

ressocialização do detento apenado.

Neste sentido, Albrecht (2010, p. 434) a lei de Execução Penal objetiva tornar o

preso. “capaz de conduzir, com responsabilidade social, uma vida futura sem fatos puníveis”.

Desse modo, a tarefa da execução penal reflete a possibilidade de reintegração social do

presidiário.

Não se pode negar que a distância entre a teoria e a prática é imensa, por isso, a LEP

é inexequível em muitos de seus dispositivos por falta de uma estrutura adequada do sistema

prisional brasileiro.

Quando se analisa a relação entre a teoria e a efetividade da LEP, chega-se à conclusão

inequívoca de que o grande problema está mesmo na falta de estrutura dos presídios

brasileiros. Em outras palavras, historicamente o governo não investiu no sistema presidiário.

Diante do exposto, a situação grave do encarceramento feminino no Brasil dá suporte

para o pedido de revogação da prisão preventiva. A seguir deve-se solicitar a substituição da

prisão preventiva pela prisão em regime domiciliar. Isso encontra respaldo legal na legislação

brasileira e tem como razão jurisprudencial as decisões do Poder Judiciário, a partir do HC

coletivo n. 143.641, que solicita e dá provimento à transformação do encarceramento em

prisão domiciliar de mães gestantes.

Pode-se aqui afirmar que as decisões favoráveis às mulheres reforçam a importância

de, num crescente cenário de uma maior igualdade de gênero. É visto que o isolamento, a

ociosidade, o afastamento abrupto de mães e filhos, a manutenção das crianças em celas,

dentre outras atrocidades é absolutamente incompatível com os avanços civilizatórios que se

espera tenham se concretizado neste século XXI.

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3 JURISPRUDÊNCIAS

Em todas as áreas do Direito, com pequenas exceções é comum a existência de

jurisprudência, e não é diferente na questão do Habeas Corpus coletivo. Mas antes de mostrar

essas jurisprudências é importante conceituá-las e falar sobre sua importância.

No exercício da operação do Direito o que deve prevalecer é a norma escrita, no

entanto, nenhuma decisão está livre de interpretações subjetivas, especialmente quando

envolve situações inéditas distanciadas do cotidiano dos julgadores. Ao tomar decisões que

podem não se ajustar bem às normas que disciplinam uma determinada causa, os julgadores,

sejam individualmente (juízes, desembargadores) ou coletivamente (STF, STJ) estão criando

as jurisprudências.

No direito brasileiro elas são instrumentos de análise para tomada de decisões

judiciais, cujo teor mantenham íntima relação com aquilo que se deseja julgar. Um exemplo é

o estranho desfecho do impeachment de Dilma Roulsseff, que mesmo perdendo o mandato de

Presidente da República, conservou seus direitos políticos e não ficou inelegível por oito anos,

como determina a norma. Essa inusitada situação servirá de jurisprudência na ocorrência de

casos com situações análogas.

Depois dessas explicações iniciais pode-se então conceituar jurisprudência.

A jurisprudência, então, pode ser conceituada como as decisões uniformes e reiteradas dos tribunais, ou seja, os tribunais (instâncias superiores) entendem que situações semelhantes devem ser decididas da mesma maneira, tendo em vista que um grande número de situações semelhantes já forma solucionadas da mesma forma. Seria, pois uma tendência de decidir do mesmo jeito (GONÇALVES, 2016, p. 12).

De certo modo, como apregoa Rodigheri (2014), não há como negar à Jurisprudência a

categoria de fonte do Direito uma vez que o magistrado interpreta a norma legal situada numa

estrutura de poder, que lhe confere competência para converter em sentença, que é uma norma

particular, o seu entendimento da lei.

No entendimento de Gonçalves (2016) a jurisprudência não pode ser instrumento de

criação da norma, ou seja, não cria o Direito, sob pena de o Poder Judiciário invadir uma

função que seria do Poder Legislativo. Dessa forma, a jurisprudência teria o papel

predominante e exclusivo de interpretar o Direito, auxiliar o jurista revelando o Direito

preexistente, e servir de subsídio para a vida jurídica.

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Destaca-se ainda que a jurisprudência tem uma considerável força sobre o Poder

Judiciário. Ela pode orientar, apontar caminhos e na verdade ela é uma tendência, mas não

deve e nem pode aprisionar os juízes a decidirem conforme o que foi decidido anteriormente.

Caberá ao juiz, como aplicador da norma jurídica interpretá-la segundo suas próprias

impressões, livres de qualquer imposição (RODIGHERI, 2014).

Quando se analisa a importância da jurisprudência no Direito brasileiro percebe-se que

ela não se configura como norma obrigatória, mas apenas indica o caminho predominante em

que os tribunais entendem de aplicar a lei, suprindo, inclusive, eventuais lacunas desta última.

O que diz respeito à justa causa, a interpretação que se dá a cada caso constitui valiosa forma

de auxílio na análise do tema, pois a lei não esclarece como é que se verifica a falta grave

praticada pelo empregado (RODGHERI, 2014).

Na linguagem técnica jurídica, o termo Jurisprudência possui variadas definições. As

principais são: I- Ciência do Direito, também denominada Ciência da Lei ou Dogmática

Jurídica; II - Conjunto de sentenças dos tribunais, abrangendo jurisprudência uniforme e

contraditória; III - Conjunto de sentenças em um mesmo sentido (STRECK, 2012).

Para Miguel Reale (2008) jurisprudência é a decisão reiterada dos Tribunais. Ele

acentua que ela emerge da forma de revelação do direito que se processa através do exercício

da jurisdição, em virtude de uma sucessão harmônica de decisões dos tribunais.

Como já se disse anteriormente a jurisprudência não pode ser considera como fonte

formal do direito. Que é fonte é, mas com status de informal, e, por isso, não poderá, por si só,

justificar uma sentença ou decisão judicial. Poderá, todavia, reforçar a conclusão do julgador.

Note-se que a jurisprudência poderá ter força equiparada à das normas jurídicas, tornando-se

fonte formal, quando "transformar-se" em súmula vinculante (artigo 103-A da Constituição

Federal).

No sentido de reforçar a conotação da importância das Jurisprudências, Netto (2011, p.

12) leciona que:Se a lei escrita nos códigos fosse suficiente, se ela fosse perfeita, imutável, anespacial e atemporal, bastariam meros funcionários para localizar qual norma se encaixaria a cada caso e aplicá-la, seria esse funcionário um simples autômato, programado para tal tarefa. Uma máquina de subsunção. O juiz é muito mais do que isso, ele vale-se de seu raciocínio, de seu coração, de sua moral, de sua bagagem cultural e de vida. Ele analisa um caso sob a ótica do fato, norma e valor. Este valor é que faz toda a diferença em uma sentença, podendo levar da justiça a injustiça.

Como se pode analisar pelo escrito do autor acima citado, o Direito não possui um fim

em si mesmo, ou seja, ele deve ser objetivo, normatizado, escrito, mas também possui seu

lado interpretativo, subjetivo e, portanto, alvo de decisões diferenciadas, especialmente sobre

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um assunto tão melindroso como é o caso de encarceramento de mulheres que estão gestantes,

motivado pelo tráfico de drogas ou crimes semelhantes.

De qualquer forma, a jurisprudência é um instrumento muito usado em termos de

Brasil, isso porque sempre estão surgindo situações processuais inusitadas que desafiam as

normas institucionalizadas.

3.1 APRESENTAÇÃO DE ALGUMAS JURISPRUDÊNCIAS QUE ENVOLVEM O

HABEAS CORPUS COLETIVO PARA MULHERES GESTANTES

. Há muitas decisões que se transformaram em jurisprudências ao longo dos anos. As

polêmicas que envolvem o Habeas corpus coletivos para mulheres gestantes, lactantes ou que

cuidam de menores de 12 anos, incluindo ainda os cuidados com pessoas deficientes, têm o

efeito de produzir muitas dessas jurisprudências.

A coletânea de jurisprudências mostradas nesta parte do trabalho foi coletada das

publicações do STJ que se encontram disponíveis no site Jusbrasil, constante nas referência

deste estudo.

Com relação ao Habeas Corpus coletivo, concedido a mulheres gestantes, já houve

decisões do próprio STF que demonstram a tendência de se transformar o encarceramento em

prisão domiciliar.

A esse respeito analise-se o que determinou a segunda turma do STF em 21 de

fevereiro de 2018:

A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, na sessão desta terça-feira (20), por maioria de votos, conceder Habeas Corpus (HC 143641) coletivo para determinar a substituição da prisão preventiva por domiciliar de mulheres presas, em todo o território nacional, que sejam gestantes ou mães de crianças de até 12 anos ou de pessoas com deficiência, sem prejuízo da aplicação das medidas alternativas previstas no artigo 319 do Código de Processo Penal (CPP) (STF, 2018).

Diante dessa decisão seguem-se outras de igual teor, em diversas unidades da federação.

Devido à natureza das jurisprudências (não passivas de alterações) os textos estão postados conforme a publicação dos seus respectivos tribunais.

Eis algumas dessas decisões:

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1) TJ-GO - HABEAS-CORPUS 02230618420178090000 (TJ-GO)

Jurisprudência•

Data de publicação: 30/11/2017

EMENTA

MULHER GESTANTE. PRISÃO DOMICILIAR. Apresentada prova idônea dos requisitos

estabelecidos no inciso VI do artigo 318 do Código de Processo Penal , particularmente a

situação de a paciente ser gestante, substitui-se a prisão preventiva por domiciliar. 8)

ORDEM CONHECIDA E CONCEDIDA (JUSBRASIL, 2019)

2) STJ - AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS AgRg no HC 508216

RS 2019/0125882-9 (STJ)

Jurisprudência•

Data de publicação: 03/06/2019

EMENTA

Na espécie, a decisão que decretou a medida cautelar extrema considerou relevantes as

circunstâncias concretas do caso para justificar a necessidade de imposição da prisão para a

proteção da vítima e para a garantia de ordem pública, pois se está diante de crimes

concretamente gravíssimos, praticados contra mulher gestante, dentro de sua residência, por

motivo torpe (vingança), em concurso de três agentes. Além disso, soma-se o fato de o

paciente apresentar extensa ficha de antecedentes criminais, o que indicam sua propensão para

a prática delitiva e seu profundo envolvimento na criminalidade. Precedentes. 3. Ademais,

vale ressaltar que o revolvimento de conteúdo fático-probatório, necessário para avaliar o

pleito de negativa de autoria, é procedimento incompatível com a via estreita do habeas

corpus, ação constitucional de rito célere e de cognição sumária. 4. Agravo regimental

improvido (JUSBRASIL, 2019).

3) STJ - HABEAS CORPUS HC 486350 SP 2018/0345060-8 (STJ)

Jurisprudência•

Data de publicação: 20/05/2019

EMENTA

O crime de roubo possui a grave ameaça ou violência à pessoa como elemento objetivo do

tipo, o que, à luz do inciso I do art. 318-A do CPP, acrescentado pela Lei n.º 13.769 de

19/12/2018, impede a concessão do benefício de prisão domiciliar à mulher gestante ou que

for mãe ou responsável por crianças. 3. Sob pena de indevida supressão de instância, esta

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Corte não pode apreciar o alegado excesso de prazo para formação da culpa, pois essa questão

não foi enfrentada pelo Tribunal de origem. 4. Ordem parcialmente conhecida e, nessa

extensão, denegada (JUSBRASIL, 2019).

4) STJ - RECURSO ORDINARIO EM HABEAS CORPUS RHC 106605 SP

2018/0335677-4 (STJ)

Jurisprudência•

Data de publicação: 03/05/2019

EMENTA

O afastamento da prisão domiciliar para mulher gestante ou mãe de filho menor de 12 anos

exige fundamentação idônea e casuística, independentemente de comprovação de

indispensabilidade da sua presença para prestar cuidados ao filho, sob pena de infringência ao

art. 318 , inciso V , do Código de Processo Penal , inserido pelo Marco Legal da Primeira

Infância (Lei n. 13.257 /2016). 2. In casu, a negativa da substituição da prisão preventiva por

domiciliar lastreou-se tão somente na menção à gravidade do delito, consubstanciada na

quantidade de droga apreendida, bem como na hediondez do crime. 3. Tais fundamentos não

são suficientes para, de per si, afastar a excepcionalidade da custódia preventiva nos casos de

gestante ou mãe de infantes menores de 12 anos, pois não importam em risco inequívoco à

infância e à sua proteção (precedente do Supremo Tribunal Federal). 4. Ademais, a partir da

Lei n. 13.769 , de 19/12/2018, dispõe o Código de Processo Penal , em seu art. 318-A , caput

e incisos, que, em não havendo emprego de violência ou grave ameaça, nem prática do delito

contra os seus descendentes, a mãe fará jus à substituição da prisão preventiva por prisão

domiciliar. 5. Recurso provido para, ratificada a liminar, substituir a prisão preventiva por

domiciliar (JUSBRASIL, 2019).

5) STJ - HABEAS CORPUS HC 469848 SP 2018/0243450-0 (STJ)

Jurisprudência•

Data de publicação: 14/02/2019

EMENTA

O artigo 318 do Código de Processo Penal, que permite a prisão domiciliar da mulher

gestante ou mãe de filhos com até 12 anos incompletos, foi instituído para adequar a

legislação brasileira a um compromisso assumido internacionalmente pelo Brasil nas Regras

de Bangkok. "Todas essas circunstâncias devem constituir objeto de adequada ponderação,

em ordem a que a adoção da medida excepcional da prisão domiciliar efetivamente satisfaça o

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princípio da proporcionalidade e respeite o interesse maior da criança. Esses vetores, por isso

mesmo, hão de orientar o magistrado na concessão da prisão domiciliar" (STF, HC n.

134.734/SP, relator Ministro Celso de Melo). 4. Aliás, em uma guinada jurisprudencial, o

Supremo Tribunal Federal passou a admitir até mesmo o Habeas Corpus coletivo (Lei

13.300 /2016) e concedeu comando geral para fins de cumprimento do art. 318 , V , do

Código de Processo Penal , em sua redação atual. No ponto, a orientação da Suprema Corte,

no Habeas Corpus nº 143.641/SP, da relatoria do Ministro RICARDO LEWANDOWSKI,

julgado em 20/02/2018, é no sentido de substituição da prisão preventiva pela domiciliar de

todas as mulheres presas, gestantes, puérperas ou mães de crianças e deficientes, nos termos

do art. 2º do ECA e da Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiências (Decreto

Legislativo 186/2008 e Lei 13.146 /2015), salvo as seguintes situações: crimes praticados por

elas mediante violência ou grave ameaça, contra seus descendentes ou, ainda, em situações

excepcionalíssimas, as quais deverão ser devidamente fundamentadas pelos juízes que

denegarem o beneficio. 5. Ademais, a novel alteração do Código de Processo Penal advinda

pela Lei nº 13.769 /2018, a qual incluiu no diploma processual penal o art. 318-A, assegurou

às mulheres gestantes, mães ou responsáveis por crianças ou pessoas com deficiência a

substituição por prisão domiciliar, exceto em casos de crimes cometidos com violência ou

grave ameaça ou contra seus filhos ou dependentes (JUSBRASIL, 2019).

6) STJ - HABEAS CORPUS HC 411992 SP 2017/0200315-6 (STJ)

Jurisprudência•

Data de publicação: 04/10/2017

EMENTA

O afastamento da prisão domiciliar para mulher gestante ou mãe de filho menor de 12 anos

exige fundamentação idônea e casuística, independentemente de comprovação de

indispensabilidade da sua presença para prestar cuidados ao filho, sob pena de infringência ao

art. 318, inciso V, do Código de Processo Penal, inserido pelo Marco Legal da Primeira

Infância (Lei. n. 13.257 /2016). 2. Na mesma linha a manifestação do em. Subprocurador-

Geral da República, para quem a decisão que negou o pedido da prisão domiciliar, constata-se

que não houve fundamentação concreta para negar ao benefício, evidenciando a ocorrência de

constrangimento ilegal (e-STJ fl. 66). 3. Ordem concedida para, confirmando a liminar e na

linha da manifestação do Parquet, substituir a prisão preventiva por prisão domiciliar.

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7) STJ - HABEAS CORPUS HC 441903 SP 2018/0065176-4 (STJ)

Jurisprudência•

Data de publicação: 12/03/2019

EMENTA

O afastamento da prisão domiciliar para mulher gestante ou mãe de filho menor de 12 anos

exige fundamentação idônea e casuística, independentemente de comprovação de

indispensabilidade da sua presença para prestar cuidados ao filho, sob pena de infringência ao

art. 318 , inciso V , do Código de Processo Penal , inserido pelo Marco Legal da Primeira

Infância (Lei. n. 13.257 /2016). 5. Não demonstrada a existência de situação

excepcionalíssima, nos moldes do que foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal, a ensejar

o afastamento do entendimento firmado por ocasião do julgamento do HC n. 143.361/SP. 6.

Ordem concedida, ratificada a liminar, para substituir a prisão preventiva por domiciliar

(JUSBRASIL, 2019).

8) TJ-GO - HABEAS-CORPUS 685076020188090000 (TJ-GO)

Jurisprudência•

Data de publicação: 23/08/2018

EMENTA

MULHER GESTANTE. DOENÇA GRAVE. FILHOS MENORES DE 12 ANOS.

PREDICADOS PESSOAIS. IMPOSSIBILIDADE. 1) Estando o decreto de prisão

suficientemente fundamentado, revelando a presença dos requisitos insertos no artigo 312 , do

CPP , diante de elementos concretos emergentes dos autos, não há que se falar em falta de

fundamentação. 2) A substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar, depende da

comprovação inequívoca de que a paciente seja genitora de menores de 12 anos ou que esteja

extremamente debilitada, por motivo de grave doença aliada à impossibilidade de receber

tratamento no estabelecimento prisional em que se encontra, o que não restou comprovado. 3)

As condições favoráveis da paciente não são suficientes para, isoladamente, garantir-lhe a

liberdade, mormente quando presentes outras circunstâncias autorizadoras da custódia

cautelar ( CPP , arts. 312 . 4 ) ORDEM CONHECIDA E DENEGADA.

9) STJ - HABEAS CORPUS HC 505154 MG 2019/0111133-3 (STJ)

Jurisprudência•

Data de publicação: 03/06/2019

EMENTA

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O art. 318-A, do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei n.º 13.769, de

19/12/2018, dispõe que a prisão preventiva imposta à mulher gestante ou que for mãe ou

responsável por crianças ou pessoas com deficiência será substituída por prisão domiciliar,

desde que: I) não tenha cometido crime com violência ou grave ameaça a pessoa e que II) não

tenha cometido o crime contra seu filho ou dependente. Na espécie, o crime de homicídio

qualificado, supostamente perpetrado, à luz da recente modificação legislativa, encontra-se

entre as exceções para a concessão da prisão domiciliar pela condição de mãe, embora a

indispensabilidade dos cuidados maternos para o filho menor de 12 (doze) anos seja

legalmente presumida. 5. Ordem de habeas corpus denegada (JUSBRASIL, 2019).

10) STJ - HABEAS CORPUS HC 489534 PR 2019/0012503-5 (STJ)

Jurisprudência•

Data de publicação: 10/04/2019

EMENTA

O afastamento da prisão domiciliar para mulher gestante ou mãe de filho menor de 12 anos

exige fundamentação idônea e casuística, independentemente de comprovação de

indispensabilidade da sua presença para prestar cuidados ao filho, sob pena de infringência ao

art. 318 , inciso V , do Código de Processo Penal , inserido pelo Marco Legal da Primeira

Infância (Lei n. 13.257 /2016). 4. Ademais, a partir da Lei n. 13.769 , de 19/12/2018, dispõe o

Código de Processo Penal em seu art. 318-A , caput e incisos, que, em não havendo emprego

de violência ou grave ameaça, nem prática do delito contra os seus descendentes, a mãe fará

jus à substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar. 5. In casu, a negativa da

substituição da prisão preventiva por domiciliar lastreou-se tão somente na não comprovação

da indispensabilidade da paciente para o cuidado das crianças, bem como no fato de o delito

ter sido perpetrado na residência familiar, circunstâncias que não se prestam para afastar a

referida substituição (precedentes). 6. Ordem concedida para substituir a prisão preventiva por

domiciliar.

3.2 UMA BREVE ANÁLISE DAS JURISPRUDÊNCIAS

Analisando-se as jurisprudências acima destacadas, é importante se observar que cumpre

aos julgadores analisarem cada caso de forma bem específica, pois nem toda prisão de mulheres

gestantes pode ser entendida como abusiva, cabendo ao julgador verificar a abusividade ou não

do encarceramento.

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Cada jurisprudência em si carrega uma boa dose de subjetividade, mas a norma, apesar

de sofrer interpretações diferenciadas das usuais, acaba subjugando a decisão do magistrado ou

do grupo de magistrados.

Desse modo, o entendimento que se tem sobre as jurisprudência mostradas é a de elas

indicam soluções adequadas às necessidades sociais, evitando que uma questão doutrinária fique

eternamente aberta e dê margem a novas demandas: portanto diminui os litígios, reduz ao

mínimo os inconvenientes da incerteza do Direito, por que de antemão faz saber qual será o

resultado das lides.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo revelou, embora que teoricamente, a situação degradante do sistema

carcerário nacional, não oferece a menor condição de se manter encarceradas as mulheres que

estão gestantes ou são lactantes, sem ferir a dignidade dessas mulheres, algo que vai de

encontro ao que preconiza a Constituição Federal de 1988, com relação ao Estado

Democrático de Direito.

Tem-se a consciência de que o estudo que se propôs fazer é muito abrangente, mas a

partir do delineamento da problemática, que se refere à distorção entre o número de mulheres

encarceradas no Brasil e o baixo número de solicitação de Habeas Corpus propondo a

substituição da prisão preventiva pela prisão domiciliar em casos especiais para as mulheres

encarceradas ou em eminência desse acontecimento e dos objetivos a serem atingidos,

acredita-se que se alcançou o êxito esperado, ou seja, os objetivos foram alcançados, embora

que se tenha explorado mais a literatura que a realidade in loco.

Quando se fala aqui se em solicitação de solicitação de Habeas Corpus propondo a

substituição da prisão preventiva pela prisão domiciliar em casos especiais para as mulheres

encarceradas ou em eminência desse acontecimento. Logicamente se abarca o Habeas Corpus

preventivo e o liberatório (pelo menos a transformação do encarceramento em prisão

domiciliar).

A Constituição de 1988 levou a sério a questão da cidadania, a partir do respeito ao

princípio da dignidade da pessoa humana e da amplitude dos direitos fundamentais, ou seja,

os direitos humanos. Tudo com vistas à melhoria da qualidade de vida das pessoas com a

concretização da igualdade material. Entre esses direitos destacam-se o direito à saúde, à

educação, ao lazer à segurança individual e coletiva. Algo não levado em prática em boa parte

dos presídios femininos do país.

Entende-se disso que em todas as sociedades humanas, mesmo nas primitivas, já

existia algum esboço de preservação da dignidade da pessoa humana, mas foi a partir do

pensamento de alguns filósofos da Grécia Clássica que esse princípio ganhou forma e foi

inserido de forma salutar no Direito, portanto, é uma questão bastante antiga.

Não se teve aqui a intenção de mostrar que Constituição de 1988 seja um diploma

perfeito. Certamente que não é, mas foi a melhor que os juristas e legisladores brasileiros

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puderam construir para tornar o país mais democrático. Chama-se a atenção para o fato de que

houve uma significativa participação das entidades representativas do povo, algo que não

aconteceu com as demais cartas magnas brasileiras. Foi a partir dessa participação, que se tem

hoje, apesar dos reveses, uma democracia mais aperfeiçoada para que possa ser de fato a

grande nação do futuro.

Nesse sentido a Constituição de 1988 foi instrumento de consolidação de uma nação

justa, democrática e poderosa. É nesse pressuposto que se compreende a existência do Habeas

Corpus coletivo para mulheres presas quando estas estão gestantes ou amamentado. Não se

trata, portanto, de isentá-las de culpa, mas simplesmente de trocar o cárcere pelo lar (prisão

domiciliar) desde não se trate de crime de alta periculosidade e grave leso social.

É observável pelas leituras feitas, que se trata de questão polêmica, sem consenso

jurídico, fazendo parte apenas do desejo de alguns e rejeição de outros. As jurisprudências

apresentadas mostram claramente que há dissenso entre os magistrados quanto à

transformação do encarceramento de mulheres gestantes ou mães de menores de 12 anos para

prisão domiciliar. As causas do encarceramento são diversas, bem verdade que a maioria é

pelo tráfico de drogas, mas há casos bem escabrosos e que merecem uma maior atenção por

parte dos julgadores.

Sob a égide dessas considerações finais, ainda se comenta que a prisão foi uma criação

humana feita para punir quem comete crimes. Se é punição não há como se confundir com um

bem-estar. De qualquer forma, mesmo a pessoa estando reclusa precisa ter sua dignidade de

pessoa humana respeitada. É nesse ponto que um presídio precisa ter suas bases assentadas,

não violando a possibilidade de recuperação desses indivíduos, especialmente das mulheres.

Um ambiente mais humano, incentiva à vontade de não querer mais delinquir. Não adianta

insistir, de forma pedagógica na educação de pessoas que estão comandando outros

criminosos, fora da cadeia. Seria mais prudente e racional recuperar quem realmente o queira

e aplicar aos recalcitrantes, o regime disciplinar diferenciado por período indeterminado. Eles

têm que entender que as punições serão rigorosas aos que desafiarem a Lei, estando presos.

É visto que estando encarcerada, a mulher fica ociosa, o que não ocorre no ambiente

domiciliar. Observa-se que a ociosidade das detentas é um grave problema do sistema

prisional.

Não se deve esquecer depois de todas essas abordagens sobre o encarceramento

feminino que na legislação brasileira há diversos dispositivos que tentam a todo custo

proteger o menor, ou seja, a criança e o adolescente. É a partir do direito do menor, pensado

em absoluta prioridade, que se deve analisar o direito de liberdade invocado tanto atualmente

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na legislação brasileira, através da impetração de Habeas Corpus, nos termos em que

invocado na própria inicial da impetração. Não restam dúvidas de que todos os seres humanos

encarcerados, nos termos do Art. 318 do CPP, têm direito à vida familiar e à reinserção social.

É, no entanto, preciso ressaltar que o instrumento previsto pelo Art. 318, destina-se

à avaliação concreta, feita pelo juiz da causa, do melhor interesse da criança.

Desse modo, é alutar que se pense em outras alternativas que não seja a privação da

liberdade das mulheres infratoras, especialmente quando essas foram mães de crianças

menores de 12 anos ou quando estão gestantes.

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