centro de saÚde e tecnologia rural...
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CENTRO DE SAÚDE E TECNOLOGIA RURAL
CAMPUS DE PATOS – PB
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MEDICINA VETERINÁRIA
AMÉLIA LIZZIANE LEITE DUARTE
INTOXICAÇÕES POR Amorimia spp. E Callaeum psilophyllum EM RUMINANTES
PATOS-PB
2012
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AMÉLIA LIZZIANE LEITE DUARTE
INTOXICAÇÕES POR Amorimia spp. E Callaeum psilophyllum EM RUMINANTES
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em Medicina Veterinária da Universidade Federal
de Campina Grande como requisito parcial para a
obtenção do título de Doutor em Medicina
Veterinária.
Orientadora: Profª. Dra. Rosane Maria Trindade
de Medeiros
PATOS-PB
2012
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FICHA CATALOGRÁFICA
Dados de Acordo com AACR2, CDU E CUTTER
Biblioteca Setorial - CSTR/UFCG – Campos de Patos-PB
D 812i
2012 Duarte, Amélia Lizziane Leite
Intoxicações por Amorimia spp. E Callaeum psilophyllum em ruminantes
/ Amélia Lizziane Leite Duarte - Patos: CSTR/PPGMV, 2012.
61 f.: color.
Inclui bibliografia.
Orientador (a): Rosane Maria Trindade de Medeiros
Tese (Doutorado em Medicina Veterinária). Centro de Saúde e
Tecnologia Rural, Universidade Federal de Campina Grande.
1 - Toxicologia Veterinária. 2 - Caprinos . 3 - Pequenos ruminantes. 4 -
Tingui. I - Título.
CDU: 615.9
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AMÉLIA LIZZIANE LEITE DUARTE
INTOXICAÇÕES POR Amorimia spp. E Callaeum psilophyllum EM RUMINANTES
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em Medicina Veterinária da Universidade Federal
de Campina Grande como requisito parcial para a
obtenção do título de Doutor em Medicina
Veterinária.
Aprovado em ______/______/______
BANCA EXAMINADORA
Profa. Dra. Rosane Maria Trindade de Medeiros - Orientadora
Universidade Federal de Campina Grande – Campus de Patos-PB
Unidade Acadêmica de Medicina Veterinária
Prof. Dr. Luciano Nakazato
Universidade Federal do Mato Grosso – Cuiabá – MT
Laboratório de Biologia Molecular
Prof. Dr. Edson Moleta Colodel
Universidade Federal do Mato Grosso – Cuiabá – MT
Departamento de Clínica Médica Veterinária
Prof. Dr. Felício Garino Júnior
Universidade Federal de Campina Grande – Campus de Patos-PB
Unidade Acadêmica de Medicina Veterinária
Prof. Dra. Sara Vilar Dantas Simões
Universidade Federal de Campina Grande – Campus de Patos-PB
Unidade Acadêmica de Medicina Veterinária
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“Sem sonhos, a vida não tem brilho.
Sem metas, os sonhos não têm alicerces.
Sem prioridades, os sonhos não se tornam reais.
Sonhe, trace metas, estabeleça prioridades e corra riscos para executar seus sonhos.
Melhor é errar por tentar do que errar por omitir.”
Augusto Cury
6
“Dedico esta conquista à minha família,
pelo estímulo e compreensão, compensando-
os pelos dias que me afastei do convívio de
vocês para realização deste trabalho. Em
especial aos meus pais Iran e Arcanja meu
esposo Diego, minhas irmãs Lizabelle, Anna
Layla e Dalvani e minhas sobrinhas Beatriz
e Amanda.”
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AGRADECIMENTOS
A DEUS, pelo dom da vida, pela fé que me guia e por tudo que me proporciona.
Aos meus pais, Iran e Arcanja, pelo amor e certeza de que não estou sozinha nessa caminhada
e, apesar da distância, estão sempre ao meu lado. As minhas irmãs Lizabelle, Anna Layla,
Dalvani e minhas sobrinhas Beatriz e Amanda pelas alegrias que em alguns momentos me
fizeram esquecer que eu estava sobrecarregada de obrigações.
Ao meu esposo, Diego, incentivador do meu crescimento profissional, pela paciência e
compreensão ao longo de mais uma jornada que chega ao fim. Por superar, ao meu lado, os
momentos de alegria e tristeza de cada dia.
A minha orientadora, Professora Rosane, a quem admiro sinceramente, pela atenção
demonstrada a mim, desde o primeiro e-mail que enviei. Agradeço pela minha formação,
confiança, amizade e pela consideração nestes três anos e meio de curso.
Ao Professor Riet, exemplo de profissional, que por apenas alguns minutos em seu convívio
consegue nos engrandecer brilhantemente com seus ensinamentos. Agradeço pelas horas
dedicadas a essa “agregada”.
Aos meus amigos que foram companheiros durante essa trajetória. Não consigo listar quantos
já foram coletar planta comigo, me ajudaram a limpar baias, pesar plantas, dar a planta aos
animais, cuidar dos animais doentes muitas vezes até tarde no hospital observando-os.
Obrigada a todos pelo auxílio constante e incondicional, em especial a Fabrício (Fifi) e
Valéria. Meus queridos amigos, agradeço o dia que aprendi a compartilhar alegrias e tristezas
com vocês. Nunca os esquecerei.
Aos meus amigos e servidores do IFPB (Sousa), irmãos presentes no meu dia a dia, sem o
qual não tenho palavras para agradecer o carinho e a presença de vocês na minha vida.
A todos os outros Professores pelas contribuições, técnicos e prestadores de serviços da
UFCG, que trabalham diretamente no Hospital Veterinário, em especial Sr. Cuité pelo socorro
diário e Professor Gildenor pela revisão deste trabalho.
Aos membros da banca examinadora, por aceitarem o convite de prontidão e por suas valiosas
considerações.
A UFCG pela oportunidade, a CAPES e ao INCT pelo financiamento.
Aos animais, agradeço e respeito imensamente, pela lealdade, companheirismo e doação. Sem
eles, nada valeria a pena.
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RESUMO
Esta tese inclui três artigos sobre plantas tóxicas que causam ou são suspeitas de causarem
morte súbita associada ao exercício em animais domésticos, intoxicação que se caracteriza por
evolução superaguda, sem alterações cardíacas morfológicas significativas. O primeiro
capítulo é uma revisão bibliográfica, detalhando recentes mudanças que ocorreram na
identificação das diferentes espécies tóxicas de Amorimia (anteriormente referidas como
Mascagnia) encontradas no Brasil e diferenciando-as quanto à epidemiologia e toxicidade.
São descritos, também, os sinais clínicos, achados de necropsia e histológicos, diagnóstico e
medidas de prevenção e/ou controle das intoxicações por Amorimia spp. No segundo capítulo
é descrita, em caprinos, a indução de resistência à intoxicação por Amorimia septentrionalis,
mediante administração repetida de doses não-tóxicas desta planta, e a transmissão da
resistência de caprinos resistentes para caprinos susceptíveis através da transfaunação de
líquido ruminal. Neste estudo, observou-se que os caprinos que recebiam doses não tóxicas e
os que receberam a transfaunação foram mais resistentes que os que nunca ingeriram a planta
previamente ou apenas coabitavam com os resistentes. O terceiro capítulo é uma comunicação
científica que avaliou, experimentalmente, a toxicidade de Callaeum psilophyllum (sinônimo
Mascagnia psilophylla) em coelhos e caprinos, assim como a possibilidade da ocorrência de
intoxicação espontânea por esta planta em ruminantes. Foi comprovado que, em coelhos, C.
psilophyllum causa um quadro clínico semelhante aos das plantas que causam morte súbita;
no entanto, em caprinos, causa sinais digestivos, principalmente diarreia. Não há evidências
de que C. psilophyllum cause intoxicações espontâneas em ruminantes.
Palavras-chave: Amorimia spp., Callaeum psilophyllum, caprinos, Mascagnia spp.,
monofluoroacetato, morte súbita, plantas tóxicas, resistência à intoxicação por plantas.
9
ABSTRACT
This thesis includes three papers on toxic plants that cause or are suspected of causing sudden
death associated with exercise in domestic animals, poisoning characterized by a per acute
course without significant morphological heart changes. The first chapter is a literature
review, detailing recent changes that have occurred in the identification of different species of
toxic Amorimia (formerly referred as Mascagnia) found in Brazil. We also report the
epidemiology, toxicity, clinical signs, necropsy and histologic findings, diagnosis, and
prevention and control of the poisoning by Amorimia spp. The second chapter reports the
induction of resistance to poisoning by Amorimia septentrionalis by the repeated
administration of non toxic doses, and also by transfaunation of ruminal contents from
resistant to susceptible goats. In this study, we observed that animals receiving non-toxic
doses and transfaunation of ruminal content were more resistant than goats that never ingested
the plant. The third chapter is a short communication that evaluated experimentally the
toxicity of Callaeum psilophyllum (synonym Mascagnia psilophylla) in rabbits and goats, as
well as the possibility of the occurrence of poisoning by this plant in ruminants. It was
demonstrated that, in rabbits, this plant causes similar clinical signs than those caused by
plants causing sudden death; however, in goats, C. psilophyllum causes digestive signs,
mainly diarrhea. There is no evidence that C. psilophyllum causes spontaneous poisoning in
ruminants.
Keywords: Amorimia spp., Callaeum psilophyllum, goats, Mascagnia spp.,
monofluoroacetate, sudden death, toxic plants, plant poisoning resistance.
10
LISTA DE FIGURAS
CAPÍTULO II
Figura 1. Representação gráfica do período (dias) entre o início da administração e os
primeiros sinais clínicos individuais dos animais nos grupos de tratamentos: caprinos
resistentes (G3), transfaunados (G4), coabitantes (G5) e controle (G6)................................
47
CAPÍTULO III
Figura 1. Callaeum psilophyllum. (A e B) Partes aéreas da planta. (C) Flores. (D) Frutos.
Município de Zabelê (PB). 14/09/2009..................................................................................
58
11
LISTA DE TABELAS
CAPÍTULO II
Tabela 1. Número médio de dias desde o início da ingestão até a observação dos
primeiros sinais clínicos em cabras que receberam A. septentrionalis em diferentes
grupos experimentais no Experimento 2...............................................................................
47
CAPÍTULO III
Tabela 1. Doses diárias, número de doses recebidas e sinais clínicos apresentados por
caprinos dos experimentos 1 e 2 que ingeriram folhas verdes e secas de C.
psilophylum............................................................................................................................
58
12
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................... 13
Referências............................................................................................................ 14
CAPÍTULO I – Intoxicação por Amorimia (Mascagnia) spp. em ruminantes –
Revisão Bibliográfica...................................................................................................
15
Resumo................................................................................................................... 16
Abstract................................................................................................................... 17
Introdução............................................................................................................... 18
Epidemiologia e toxicidade....................................................................................
Amorimia rigida (A. Juss.) W.R. Anderson..................................................
Amorimia septentrionalis W.R. Anderson.....................................................
Amorimia pubiflora (A. Juss.) W.R. Anderson.............................................
Amorimia sp...................................................................................................
Amorimia exotropica (Griseb.) W.R. Anderson............................................
Amorimia amazonica (Nied.) W.R. Anderson...............................................
Mascagnia divaricata (Kunth) Nied..............................................................
Amorimia concinna (C. V. Morton) W.R. Anderson.....................................
Amorimia camporum W.R. Anderson...........................................................
20
20
21
22
23
24
25
26
26
27
Sinais clínicos......................................................................................................... 28
Achados de necropsia e histológicos...................................................................... 29
Diagnóstico e medidas de prevenção e/ou controle............................................... 29
Conclusões.............................................................................................................. 31
Agradecimentos....................................................................................................... 31
Referências............................................................................................................ 31
CAPÍTULO II – Indução e transferência de resistência à intoxicação por
Amorimia (Mascagnia) septentrionalis em caprinos..................................................
38
Resumo................................................................................................................... 39
Introdução............................................................................................................... 41
Material e métodos................................................................................................. 42
Experimento 1................................................................................................
Experimento 2................................................................................................
43
44
13
Resultados...............................................................................................................
Experimento 1................................................................................................
Experimento 2................................................................................................
45
45
46
Discussão................................................................................................................
Agradecimentos......................................................................................................
Conflito de interesses.............................................................................................
48
50
50
Referências............................................................................................................ 50
CAPÍTULO III – Intoxicação experimental por Callaeum psilophyllum em
coelhos e caprinos – Comunicação científica............................................................
53
Resumo................................................................................................................... 54
Abstract................................................................................................................... 55
Referências............................................................................................................ 60
CONCLUSÕES............................................................................................................ 61
13
INTRODUÇÃO
Na pecuária brasileira, assim como na de outros países, a ingestão de plantas tóxicas é
uma das causas de significativos prejuízos econômicos. A exposição dos animais de produção
às plantas tóxicas ocorre principalmente por sua presença nas pastagens, contaminação
acidental do alimento e/ou oferecimento como alimento. Sendo assim, é necessário o
conhecimento destas plantas nas diferentes regiões para se prevenir a intoxicação animal.
As plantas tóxicas podem ser distribuídas de acordo com a sua classificação botânica,
princípios tóxicos ou de acordo com sua ação, isto é, quadro clínico-patológico que
provocam. Dentre as ações principais das plantas tóxicas, destacam-se às que afetam o
funcionamento do coração, especialmente as plantas que causam um quadro conhecido como
“morte súbita” associada ao exercício, na qual a intoxicação se caracteriza por evolução
superaguda, sem alterações cardíacas morfológicas significativas. No Brasil, este grupo de
plantas é o mais importante e integram às famílias Rubiaceae, Bignoniaceae e Malpighiaceae
(Tokarnia et al. 2012).
Na região Nordeste do Brasil, destacam-se as plantas da família Malpighiaceae, que
acometem frequentemente animais de produção, principalmente ruminantes. Os principais
sinais clínicos, observados durante o exercício, são taquicardia, dispneia, ingurgitamento da
veia jugular e intolerância ao exercício. A maioria dos animais morre, mas alguns que são
deixados em repouso após os primeiros sinais se recuperam. Geralmente não há achados de
necropsia. Histologicamente observa-se, nos rins, degeneração hidrópico vacuolar e picnose
das células epiteliais dos túbulos uriníferos contornados distais, porém essa lesão não é
observada em todos os casos (Tokarnia et al. 1961, Vasconcelos et al. 2008ab).
Atualmente, as principais alternativas para evitar o consumo de plantas tóxicas são a
utilização de herbicidas, a remoção manual, ou o uso de cercas para evitar que os animais
tenham acesso às plantas.
Esta tese tem como objetivos, conhecer plantas que causam morte súbita na região da
Paraíba e estabelecer alternativas para o controle das intoxicações em animais. A mesma está
dividida em três artigos formatados de acordo com o que estabelece a NORMA Nº 01/2011 de
03 de junho de 2011 do Programa de Pós-Graduação em Medicina Veterinária da UFCG,
Campus de Patos-PB. O primeiro trabalho, enviado para a revista Ciência Rural, é um artigo
de revisão que aborda as intoxicações causadas pelas diferentes espécies tóxicas de
14
Amorimia, no Brasil e em outros países da América Latina, inclusive esclarecendo as recentes
mudanças de nomenclatura de algumas plantas da família Malpighiaceae, que foram
reclassificadas. O segundo artigo, enviado para publicação à Toxicon, objetivou determinar a
possibilidade da indução e transferência de resistência à intoxicação por A. septentrionalis em
caprinos administrando doses não tóxicas repetidas de A. septentrionalis ou mediante
transfaunação de líquido ruminal de animais resistentes para animais susceptíveis. O terceiro
trabalho é uma comunicação científica, submetido à revista Semina: Ciências Agrárias;
refere-se à intoxicação experimental por Callaeum psilophyllum (sinônimo Mascagnia
psilophylla), planta semelhante a Mascagnia spp. e Amorimia spp., com o objetivo de
determinar a toxicidade de C. psilophyllum em caprinos e coelhos.
Referências
Tokarnia, C.H., Camillo, F.C., Dobereiner, J. 1961. Intoxicação por um “tingui” (Mascagnia
rigida Griseb.) em bovinos no Nordeste do Brasil. Arquivos do Instituto Biológico
Animal 4: 203-205.
Tokarnia, C.H., Brito, M.F., Barbosa, J.D., Peixoto, P.V., Dobereiner, J. Plantas Tóxicas do
Brasil para animais de produção. 2.ed. Rio de Janeiro: Helianthus, 2012. 566p.
Vasconcelos, J.S., Riet-Correa, F., Dantas, A.F.M., Medeiros, R.M., Galiza, G.J.N., Oliveira,
D.M., Pessoa, A.F.A. 2008a. Intoxicação por Mascagnia rigida (Malpighiaceae) em
ovinos e caprinos. Pesquisa Veterinária Brasileira 28(10): 521-526.
Vasconcelos, J.S., Riet-Correa, F., Dantas, A.F.M., Medeiros, R.M., Dantas, A.J. 2008b.
Mortes súbitas em bovinos causadas por Palicourea aeneofusca (Rubiaceae) e
Mascagnia rigida (Malpighiaceae) na Zona da Mata Paraibana. Pesquisa Veterinária
Brasileira 28(10):457-460
15
CAPÍTULO I
Intoxicação por Amorimia (Mascagnia) spp. em ruminantes
– Revisão Bibliográfica –
O presente trabalho foi formatado, segundo as normas da revista Ciência Rural e
submetido para publicação.
16
Intoxicação por Amorimia (Mascagnia) spp. em ruminantes
Poisoning for Amorimia (Mascagnia) spp. in ruminants
Amélia L. L. Duarte1, Rosane M. T. Medeiros
2*and Franklin Riet-Correa
2
- REVISÃO BIBLIOGRÁFICA -
RESUMO
No Brasil, o grupo de plantas tóxicas mais importantes é o das que causam morte
súbita associada ao exercício. Integram esse grupo, plantas das famílias Rubiaceae,
Bignoniaceae e Malpighiceae. A nomenclatura de algumas plantas da família Malpighiceae
designadas anteriormente como Mascagnia foram reclassificadas dentro do gênero
Amorimia. Dentre as espécies tóxicas de Amorimia no Brasil encontram-se Amorimia
amazonica, Amorimia exotropica, Amorimia pubiflora, Amorimia rigida, Amorimia
septentrionalis, Amorimia sp. (complexo Mascagnia rigida; Mascagnia aff. rigida) e uma
planta identificada como Mascagnia sepium, que provavelmente se trate de Amorimia
amazonica. Em todas essas espécies foi determinado que o princípio ativo é o
monofluoroacetato. Outra espécie tóxica, Amorimia concinna, causa morte súbita em
bovinos na Colômbia, mas não tem sido estabelecido que contenha monofluoroacetato.
1 Programa de Pós-Gaduação em Medicina Veterinária, Centro de Saúde e Tecnologia Rural (CSTR),
Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Patos, PB 58700-000, Brasil.
2 Hospital Veterinário, CSTR, UFCG, Patos, PB. *Autor para correspondência: [email protected]
17
Atualmente as únicas alternativas para o controle da intoxicação são a utilização de
herbicidas, a remoção manual das plantas, ou o uso de cercas para evitar que os animais
tenham acesso às mesmas. Pesquisas demonstraram a possibilidade de utilizar técnica de
aversão condicionada para evitar que os animais ingiram A. rigida. Foi demonstrado que
caprinos aumentam consideravelmente a resistência à intoxicação mediante a ingestão de
quantidades não tóxicas de A. septentrionalis ou por transfaunação de conteúdo ruminal de
animais resistentes para animais susceptíveis. Bactérias que hidrolisam monofluoroacetato
foram isoladas do solo, de folhas de A septentrionalis e Palicourea aenofusca e do rúmen de
caprinos, sugerindo que a intoxicação possa ser prevenida pela inoculação intraruminal destas
bactérias.
Palavras-chave: Amorimia spp., Mascagnia spp., plantas tóxicas, morte súbita,
monofluoroacetato, insuficiência cardíaca aguda
ABSTRACT
In Brazil, the most important group of toxic plants is that causing sudden death associated
with exercise, which comprises plants of the Rubiaceae, Bignoniaceae, and Malpighiceae
families. The nomenclature of some plants of the Malpighiceae family, previously identified
as Mascagnia, was modified to Amorimia. Among the species of toxic Amorimia in Brazil
are Amorimia amazonica, Amorimia exotropica, Amorimia pubiflora, Amorimia rigida,
Amorimia septentrionalis, Amorimia sp. (complex Mascagnia rigida; Mascagnia aff.
rigida), and a plant identified as Mascagnia sepium, which is probably Amorimia
18
amazonica. In these species the toxic compound is monofluoroacetate. Another toxic species,
Amorimia concinna, causes sudden death in cattle in Colombia, but it has not been
established if it contains monofluoroacetate. Currently the only alternatives for controlling the
poisoning is the use of herbicides, manual removal of the plants, or the use of fences to
prevent the access of animals have. Research has demonstrated the possibility of using
conditioned food aversion to avoid A. rigida ingestion. It has been demonstrated that goat
greatly increased resistance to poisoning by ingestion of non-toxic amounts of A.
septentrionalis or by transfaunation of rumen contents from resistant to susceptible goats.
Bacteria that hydrolyze monofluoroacetate were isolated from soil, from leaves of A.
septentrionalis and Palicourea aenofusca and from ruminal content of goats, suggesting that
toxicity can be prevented by intraruminal inoculation of bacteria that hydrolyze
monofluoroacetate.
Key words: Amorimia spp., Mascagnia spp., toxic plants, sudden death, monofluoroacetate,
acute heart failure.
INTRODUÇÃO
O grupo mais importante de plantas tóxicas no Brasil é o das que causam morte súbita
associada ao exercício, que tem como principal característica a manifestação de sinais clínicos
quando os animais são movimentados. Integram esse grupo, plantas das famílias Rubiaceae,
Bignoniaceae e Malpighiceae. A nomenclatura de algumas plantas da família Malpighiceae
designadas anteriormente como Mascagnia foram reclassificadas dentro do gênero Amorimia
19
(ANDERSON, 2006). No Brasil há atualmente 13 plantas que causam este quadro clínico:
Palicourea marcgravii, Palicourea aenofusca, Palicourea juruana, Palicourea grandiflora,
Tanaecium bilabiatum (anteriomente conhecida como Arrabidaea bilabiata), Fridericia
(Arrabidaea) japurensis, Pseudocalymma elegans, Amorimia (Mascagnia) rigida,
Amorimia (Mascagnia) pubiflora, Amorimia (Mascagnia) exotropica, Amorimia sp.
(complexo M. rigida; M. aff. rigida) (TOKARNIA et al., 2012; LEE et al., 2012), Amorimia
septentrionalis, e uma planta identificada como Mascagnia sepium mas que provavelmente
se trate de Amorimia (Mascagnia) amazonica (LEE et al., 2012).
A maioria destas plantas contem monofluoroacetato (MFA) (OLIVEIRA, 1963;
KREBS et al., 1994; CUNHA et al., 2012; LEE et al., 2012). Esta substância não foi
pesquisada em P. juruana, P. grandiflora, P. elegans e F. japurensis, no entanto, a
semelhança do quadro clinico-patológico entre todas as intoxicações por ingestão destas
plantas, sugere que o princípio ativo destas espécies também seja o MFA. A concentração de
MFA difere significativamente entre estas espécies que causam morte súbita associada ao
exercício, o que pode explicar as variações na incidência de intoxicações e as diferentes
quantidades de material vegetal necessárias para causar a morte (LEE et al., 2012).
No Brasil são descritas sete espécies de Amorimia sendo cinco comprovadamente
tóxicas (A. rigida, A. septentrionalis, A. pubiflora, A. exotropica e A. amazonica). Duas
espécies ainda não foram relatadas como tóxicas (A. maritima e A. velutina). Este trabalho
objetiva realizar uma revisão das intoxicações causadas pelas diferentes espécies tóxicas de
Amorimia, no Brasil e outros países limítrofes.
20
EPIDEMIOLOGIA E TOXICIDADE
Amorimia rigida (A. Juss.) W.R. Anderson (anteriormente Mascagnia rigida)
A. rigida é a planta tóxica mais conhecida, difundida e importante para a região
Nordeste do Brasil e ocorre, também, no nordeste de Minas Gerais e Norte do Espírito Santo
(TOKARNIA et al., 1990, 2012). Recentemente, exemplares de A. rigida coletados na
Paraíba (VASCONCELOS et al., 2008a) foram reclassificados como A. septentrionalis de
acordo com ANDERSON (2006), portanto existe a possibilidade de que A. septentrionalis
ocorra em outros Estados do nordeste e tenha sido anteriormente classificada como A. rigida.
O reconhecimento das espécies de Amorimia que causam intoxicações na região nordeste e
norte de Minas Gerais é importante para determinar a distribuição geográfica de A. rigida e A.
septentrionalis.
Os principais nomes populares pelos quais a A. rigida é conhecida são tingui e timbó.
Na Bahia é conhecida ainda pelos nomes populares quebra-bucho e pela-bucho. Nos vales dos
rios Jequitinhonha e Mucuri (Minas Gerais), é conhecida pelos termos salsa-rosa e rama-
amarela e no vale do rio Doce (Minas Gerais e Espirito Santo) pelos nomes suma-branca e
suma-roxa (TOKARNIA et al., 2012). A variação na toxicidade da planta é relatada, e a
ocorrência de intoxicação varia entre áreas e fazendas na mesma região.
A intoxicação por A. rigida ocorre principalmente no início do período chuvoso,
quando a planta está brotando e outras plantas ainda não cresceram. A brotação é exuberante e
precoce devido ao sistema radicular bem desenvolvido. A brotação também pode ocorrer após
queimadas, também considerada como o período de maior número de casos de intoxicações
(TOKARNIA et al., 2012; BORBOLETA et al., 2010).
21
Sob condições naturais, A. rigida afeta principalmente bovinos (TOKARNIA et al.,
1961, 1994; GAVA et al., 1998; MEDEIROS et al., 2002; SILVA et al., 2006;
VASCONCELOS et al., 2008b), porém, é descrita em caprinos (OLIVEIRA et al., 1978) e
ovinos (PACÍFICO DA SILVA et al., 2008; LAGO et al., 2009). Experimentalmente, é tóxica
para bovinos (TOKARNIA et al., 1961, 1994; SANTOS, 1975), caprinos (PARAGUASSU,
1983) e ovinos (PACÍFICO DA SILVA et al., 2008; LAGO et al., 2009).
Os animais se intoxicam ao ingerirem as folhas. Apesar de numerosos experimentos
realizados, não se determinou a dose letal para bovinos e caprinos, uma vez que os resultados
têm variado muito (TOKARNIA et al., 2012) porém, a variação observada na toxicidade da
A. rigida está diretamente relacionada com a quantidade de MFA que a planta possui (LEE et
al., 2012). A concentração média de MFA em amostras de A. rigida presentes no Herbário da
Universidade de Michigan foi de 0,002% (LEE et al., 2012).
Amorimia septentrionalis (W.R. Anderson)
A. septentrionalis, também conhecida como tingui, é descrita na região Nordeste do
Brasil, especialmente nos Estados do Ceará, Paraíba e Pernambuco (MAMEDE, 2010).
Na Paraíba em surtos de intoxicação e reproduções experimentais da intoxicação em
caprinos e ovinos com uma planta identificada como A. rigida (VASCONCELOS et al.,
2008a) foi constatado, posteriormente, que se tratava de A. septentrionalis. Os surtos de
intoxicação ocorreram principalmente no início do período chuvoso, quando a planta brota
antes que outras forrageiras ou após o final desse período, após secarem algumas forrageiras,
A. septentrionalis permanece verde (VASCONCELOS et al., 2008a). Na reprodução
22
experimental da intoxicação por A. septentrionalis, em caprinos e ovinos, doses únicas de 10
e 20g/kg de peso corporal foram letais e com a dose de 5g/kg os animais apresentaram sinais
discretos e se recuperaram (VASCONCELOS et al., 2008a).
A concentração de MFA em amostras de A. septentrionalis foi de 0,002 ± 0,0009%
em folhas, 0,001 ± 0,0003% em caules, 0,008 ± 0,004 em flores, e 0,006 ± 0,002% em
sementes (LEE et al., 2012).
Amorimia pubiflora, (A. Juss.) W.R. Anderson (anteriormente Mascagnia pubiflora).
A. pubiflora é uma das plantas tóxicas mais importantes da região Centro-Oeste e
áreas vizinhas da região Sudeste (TOKARNIA & DOBEREINER, 1973). No Brasil, A.
pubiflora é encontrada, também, nas regiões Nordeste (Bahia) e Sudeste (Minas Gerais, São
Paulo, Goiás e Rio de Janeiro) (MAMEDE, 2010); no entanto, a intoxicação não tem sido
diagnosticada nesses Estados.
A. pubiflora tem como nomes populares corona e cipó-prata. Há duas formas da
planta, uma em que as folhas são glabras, isto é, desprovidas de pelos, e outra que são pilosas,
o que dá aspecto prateado à brotação aplicando, para esta última forma, o termo popular cipó-
prata (TOKARNIA & DOBEREINER, 1973; TOKARNIA et al., 2012).
Sob condições naturais e experimentais, a única espécie em que se constatou a
intoxicação por A. pubiflora foi a bovina (TOKARNIA & DOBEREINER, 1973; LEMOS et
al., 2011). No Mato Grosso do Sul, A. pubiflora foi responsável por dez surtos de morte
súbita durante o período de novembro, dezembro, janeiro, março e maio (período chuvoso). A
morbidade variou de 1% a 3,5% e a taxa de letalidade foi de 100%. Em oito destes focos, a
23
movimentação dos animais foi o fator desencadeante para a observação de sinais clínicos
(LEMOS et al., 2011).
As duas formas de A. pubiflora, glabra e pilosa, têm a mesma toxicidade para bovinos.
Há, porém, grande variação na toxidez das folhas de acordo com a época do ano
(TOKARNIA & DOBEREINER, 1973). Enquanto em agosto/setembro de 1971, na época da
seca, com a A. pubiflora em brotação, floração e frutificação a dose letal das folhas frescas foi
de 5g/kg, em abril/maio do mesmo ano, no final da época de chuva, com as folhas maduras,
ela situou-se em torno de 20g/kg (TOKARNIA & DOBEREINER, 1973).
MFA foi identificado em amostras de A. pubiflora mantidas no Herbário da
Universidade de Michigan, em concentrações de 0,006% (LEE et al., 2012).
Amorimia sp. (complexo Mascagnia rigida; Mascagnia aff. rigida)
Amorimia sp. (complexo M. rigida; M. aff. rigida) é encontrada no Brasil, na região
norte do Espírito Santo (TOKARNIA et al., 1985a) e há indícios de que ocorre também na
Bahia (TOKARNIA et al., 2012). Causa prejuízos elevados nos locais onde ocorre e não
possui nome popular (TOKARNIA et al., 1985a). É uma planta tóxica de menor importância
devido à sua distribuição limitada. O seu habitat são os lugares mais baixos dos pastos
(TOKARNIA et al., 2012).
Sob condições naturais, a intoxicação por Amorimia sp. (complexo M. rigida; M. aff.
rigida) ocorre em qualquer época do ano. Aparentemente a planta tem boa palatabilidade e
nos pastos onde ela vegeta, sempre são observadas mortes em bovinos (TOKARNIA et al.,
2012). Experimentalmente, a intoxicação foi reproduzida com folhas frescas ou dessecadas
24
(TOKARNIA et al., 1985b), e foi verificado que há diferença na toxidez de acordo com a
procedência, com a dose letal variando entre 0,625g/kg e 2,5g/kg. Dados semelhantes foram
obtidos em experimentos em coelhos (TOKARNIA et al., 2012).
MFA foi identificado nessa planta a partir de amostras cultivadas no Estado do Rio de
Janeiro e sua concentração foi de 0,005% (LEE et al., 2012).
Amorimia exotropica (Griseb.) W.R. Anderson (anteriormente Mascagnia exotropica)
A. exotropica foi identificada na região Sul do Brasil, Estados do Paraná, Santa
Catarina e Rio Grande do Sul (GAVA et al., 1998). Não possui nome popular e a importância
da intoxicação é muitas vezes subestimada devido ao desconhecimento da planta pelos
produtores e técnicos dessas regiões (PAVARINI et al., 2011).
Sob condições naturais, a intoxicação por A. exotropica tem sido constatada
principalmente em bovinos (GAVA et al., 1998; COLODEL et al., 1999; PAVARINI et al.,
2011), mas também em bubalinos (COLODEL et al., 1999), caprinos e ovinos (BANDARRA
et al., 2005). Experimentalmente a intoxicação foi reproduzida em bovinos (GAVA et al.,
1998) e caprinos (BANDARRA et al., 2005).
A. exotropica geralmente encontra-se em ambiente sombreado, no interior e beira de
matas e capões, principalmente, em encostas de morros. Os ramos de A. exotropica, em sua
maioria, sobre as copas das árvores, fora do alcance do gado, que tem acesso apenas aos
brotos das plantas, os quais, muitas vezes, predominam entre a vegetação rasteira no interior
das matas (PAVARINI et al., 2011). Proprietários relataram morte repentina de animais, com
perdas de até 40% dos seus rebanhos, em um ano (GAVA et al., 1998).
25
De acordo com PAVARINI et al. (2011), as intoxicações ocorrem durante todo o ano;
entretanto, a maior concentração de casos, entre os meses de maio e agosto, provavelmente
pode estar relacionada à carência de alimento comum nesta época do ano no Sul do Brasil,
fazendo com que os bovinos possam invadir áreas de matas ou capões à procura de alimento
ou devido à procura de abrigo das chuvas e ventos frios que também se concentram nessa
época.
Doses únicas de 7,5-10g/kg de folhas frescas de A. exotropica causaram intoxicação e
morte dos animais e doses únicas de 5g/kg das folhas frescas causaram intoxicação, sem
morte (GAVA et al., 1998).
MFA foi determinado a partir amostras de A. exotropica mantidas no Herbário da
Universidade de Michigan; a concentração foi de 0,02% (LEE et al., 2012).
Amorimia amazonica (Nied.) W.R. Anderson (anteriormente Mascagnia amazonica)
SCHONS et al. (2011) relataram morte súbita associada ao exercício em bovinos e
ovinos no Estado de Rondônia, região Norte do Brasil, causados pela ingestão de uma planta
identificada como Mascagnia sepium. No entanto, não há relatos dessa espécie na região
Norte do Brasil (LEE et al., 2012), sendo encontrada nas regiões Nordeste (Piauí,
Pernambuco e Bahia), Centro-Oeste (Mato Grosso e Goiás) e Sudeste (Minas Gerais, Espírito
Santo e São Paulo) (MAMEDE, 2010). A partir de uma foto da suposta planta, esta foi
identificada como sendo provavelmente A. amazonica o que, associado à localização
geográfica dos surtos, sugere que os mesmos tenham sido causados por A. amazonica (LEE et
al., 2012).
26
No Brasil, A. amazonica é encontrada nas regiões Norte (Amazonas e Acre) e Centro
Oeste (Mato Grosso). A planta é encontrada também na Bolívia e Peru (MAMEDE, 2010); no
entanto, surtos de intoxicação não têm sido relatados nesses países.
MFA foi identificado em amostras mantidas no Herbário da Universidade de
Michigan, em concentração inferior a 0,0007% (LEE et al. 2012).
Mascagnia elegans [atualmente Mascagnia divaricata (Kunth) Nied]
Mascagnia divaricata foi descrita como tóxica para bovinos no sertão Pernambucano
(TOKARNIA et al., 1990). No entanto, não são encontrados exemplares de M. divaricata em
nenhum herbário da região semiárida do Brasil, e acredita-se que a planta identificada como
M. divaricata tratava-se de A. septentrionalis (LEE et al., 2012). M. divaricata é encontrada
nas regiões norte, Centro-Oeste, Sudeste e Sul, mas não na região nordeste (MAMEDE, 2010)
Exemplares de M. divaricata mantidas no Herbário da Universidade de Michigan
foram utilizados para determinação de MFA com resultados negativos (LEE et al., 2012).
Amorimia concinna (C. V. Morton) W. R. Anderson (anteriormente Mascagnia concinna)
Segundo DIAZ et al. (2011), A. concinna é um arbusto nativo encontrado no vale de
Magdalena, na Colômbia, conhecida pelos nomes populares de mindaca, mataganado e
cansaviejo. É tóxica para a espécie bovina e causa morte súbita associada ao exercício (DIAZ
et al., 2011), quadro clínico conhecido na Colômbia como caída del ganado
(TRHEEBILCOK et al., 1978).
27
Esta planta contêm glicosídeos cianogênicos e também é conhecida por acumular
concentrações tóxicas de nitrato. As concentrações de nitrato variam entre 5,30-29,20 e 1,55-
10,763ppm na matéria seca (TORRES, 1984) e fresca (TRHEEBILCOK et al., 1978),
respectivamente e os teores de ácido cianídrico (HCN) são maiores que 40mg de HCN em
100g de planta (TORRES, 1984). Em estudo realizado por GOMEZ (1975) verificou-se que
menos de 2g de folhas frescas por kg de peso corporal foram letais para bovinos durante a
época seca e que esta espécie acumula maiores quantidades de glicosídeos cianogênicos
durante a época seca se comparado com a chuvosa. Apesar da planta conter HCN e nitratos,
dificilmente estas substâncias, que tem que ser ingeridas em grandes quantidades, serão
responsáveis pela intoxicação, sendo provável que ao igual que outras espécies de Amorimia
a toxicidade de A. concinna seja causada por MFA.
Amorimia camporum W.R. Anderson
A. camporum é uma nova espécie descrita por ANDERSON (2006), em amostras
procedentes do Peru previamente identificadas como Mascagnia pubiflora. Ocupa áreas
tropicais sazonalmente secas (LEÓN et al., 2006). Apesar de que A. camporum contem
monofluoracetato (LEE et al., 2012) não encontramos descrições de intoxicações por esta
espécie no Peru. A. camporum não possui nome popular (LEÓN et al., 2006).
MFA foi identificado, a partir de amostras originadas do Herbário da Universidade de
Michigan, em A. camporum em concentração inferior a 0,0007% (LEE et al. 2012).
28
SINAIS CLÍNICOS
O MFA inibe competitivamente a citrato aconitase, resultando em bloqueio do ciclo de
Krebs e redução da produção de adenosina trifosfato (PETERS, 1952), causando insuficiência
cardíaca. De maneira geral, os sinais clínicos são precipitados quando os animais são expostos
ao exercício físico. Em bovinos, estes sinais são caracterizados por instabilidade, tremores
musculares, movimentos de pedalagem, opistótono, vocalização, respiração irregular,
taquicardia com arritmia e veias jugulares ingurgitadas e pulsantes. Os animais têm
dificuldade em se levantar, não conseguem permanecer em pé, caem em decúbito esterno-
abdominal, ou logo em decúbito lateral. Alguns animais podem se recuperar se não forem
forçados a andar e outros morrem em minutos ou horas (GAVA et al., 1998; RIET-CORREA
et al., 2006; TOKARNIA et al., 2012). Em um surto de intoxicação por A. rigida, 50% dos
animais que adoeceram se recuperaram (MEDEIROS et al., 2002). É provável que essa
relativamente baixa letalidade seja devida as baixas concentrações de MFA em Amorimia
spp. (0,0007%-0.02%). Na intoxicação por Palicourea spp., que contêm quantidades maiores
de MFA, 0.21-0.24% para P. marcgravvii e 0,09% em P. aenofusca, (LEE et al., 2012),
geralmente, os animais não se recuperam e podem ser encontrados mortos sem apresentarem
qualquer manifestação clínica (TOKARNIA et al., 2012).
Caprinos e ovinos apresentam ingurgitamento das veias jugulares, relutância em se
movimentar, incoordenação e marcha instável, decúbito esternal, dispneia, insuficiência
respiratória, depressão, tremores musculares e quedas (PACÍFICO DA SILVA et al., 2008,
VASCONCELOS et al., 2008a). Caprinos que recebem diariamente doses não tóxicas de A.
septentrionalis apresentam sinais, mas geralmente, se recuperam se a movimentação é
suspensa imediatamente (DUARTE et al., 2012). De acordo com TOKARNIA et al. (2012), o
período de tempo para eliminação do princípio tóxico do organismo animal é de 8 a 14 dias.
29
ACHADOS DE NECROPSIA E HISTOLÓGICOS
Geralmente não há lesões macroscópicas de significância, no entanto lesões típicas de
insuficiência cardíaca aguda tais como ingurgitamento jugular, hidropericárdio, coágulos no
interior do ventrículo esquerdo, edema pulmonar e congestão hepática e do trato
gastrintestinal podem ser encontrados (TOKARNIA et al., 1961, 1994; PARAGUASSU,
1983; PACÍFICO DA SILVA et al., 2008; VASCONCELOS et al., 2008b; PAVARINI et al.,
2011).
Histologicamente a única lesão significante na intoxicação por Amorimia spp. é a
degeneração hidrópico vacuolar e necrose nos túbulos uriníferos contornados distais
(TOKARNIA et al., 1985ab; PAVARINI et al., 2011; TOKARNIA et al., 2012), encontrada
em aproximadamente 50% dos animais mortos pela intoxicação (TOKARNIA et al., 1961,
VASCONCELOS et al., 2008ab). Essa lesão é semelhante à encontrada em outras plantas que
contêm MFA e na intoxicação por MFA (NOGUEIRA et al., 2010)
DIAGNÓSTICO E MEDIDAS DE PREVENÇÃO E/OU CONTROLE
O histórico mencionando que os animais morrem ou adoecem ao serem movimentados
e a presença de Amorimia spp. sugerem o diagnóstico de intoxicação. A lesão microscópica
dos rins, quando presente, é de grande valor diagnóstico (TOKARNIA et al., 2012)
O controle da intoxicação é difícil. A remoção manual da planta é uma boa medida de
controle para pequenas áreas, porém, na maioria das áreas, este procedimento não é viável.
Amorimia spp. possui sistema radicular que predispõe à rebrota após remoção ou utilização
30
de herbicidas. O uso de cercas para isolar as áreas com a planta é uma medida de controle
usada em algumas fazendas (RIET-CORREA e MEDEIROS, 2001). Em fazendas onde a
intoxicação é frequente, os produtores costumam deixar os animais, sem movimentação, em
áreas que não existem as plantas, por um período de 7 a 15 dias antes de transportá-los ou
realizar procedimentos como vacinações ou vermifugações.
Em ovinos (PACÍFICO DA SILVA et al., 2010) e caprinos (BARBOSA et al., 2008)
foi induzida, experimentalmente, aversão alimentar condicionada administrando cloreto de
lítio após a ingestão de A. rigida; no entanto, não foi estabelecida a duração da aversão nem
as possibilidades do emprego desta técnica em fazendas comerciais para evitar a ingestão de
A. rigida.
Na Paraíba, foi comprovado que a administração de doses não tóxicas repetidas de
folhas de A. septentrionalis induz resistência à intoxicação por essa planta e que essa
resistência pode ser transmitida de animais susceptíveis para animais resistentes pela
transfaunação de líquido ruminal (DUARTE et al., 2012). Bactérias aeróbicas que degradam o
MFA foram isoladas de solo e folhas de A. septentrionalis (CAMBOIM et al., 2012a) e do
rúmen de caprinos criados em áreas onde não ocorrem plantas que contêm MFA (CAMBOIM
et al., 2012b). Esses achados sugerem que a intoxicação poderia ser controlada pela
administração intraruminal de bactérias que degradam MFA. O isolamento destas bactérias de
animais criados em áreas onde não ocorrem plantas que contêm MFA sugere que as mesmas
ocorram naturalmente no rúmen dos animais, e que a administração de subdoses de A.
septentrionalis pode servir como substrato, favorecendo a multiplicação destas e aumentando
a resistência dos animais à intoxicação (CAMBOIM et al., 2012b).
31
CONCLUSÕES
Recentemente ocorreram mudanças na identificação das diferentes espécies tóxicas de
Amorimia encontradas no Brasil, sendo necessário realizar coletas sistemáticas de exemplares
de plantas encontradas nos locais onde ocorrem os surtos, para determinar a distribuição
geográfica das espécies.
Uma vez comprovado que todas as espécies tóxicas de Amorimia contêm
monofluoroacetato e considerando as dificuldades em controlar a planta pelos métodos
tradicionais, é necessário continuar trabalhos de pesquisa que comprovem a hipótese de que a
intoxicação pode ser evitada mediante a inoculação intraruminal de bactérias que hidrolisam o
monofluoroacetato.
AGRADECIMENTOS
Este trabalho foi financiado pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT)
para o controle de plantas tóxicas, processo CNPq número 573534/2008-0.
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38
CAPÍTULO II
Indução e transferência de resistência à intoxicação por Amorimia
(Mascagnia) septentrionalis em caprinos
O presente trabalho foi formatado segundo as normas da revista Toxicon e submetido
para publicação.
39
Indução e transferência de resistência à intoxicação por Amorimia (Mascagnia)
septentrionalis em caprinos
Amélia L. L. Duartea, Rosane M. T. Medeiros
a, Fabrício K. L. Carvalho
a, Stephen T. Lee
b,
Daniel Cookb, James A. Pfister
b, Valéria M. M. Costa
a e Franklin Riet-Correa
a1
a Hospital Veterinário, Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Patos, Paraíba
58700-000, Brasil.
b Laboratório de pesquisa de plantas tóxicas, Serviço de Pesquisa Agrícola, Estados Unidos,
Departamento de Agricultura, 1150 E. 1400 N., Logan, Utah 84341, USA
Resumo
O objetivo deste estudo foi determinar a possibilidade de induzir resistência à
intoxicação em caprinos por Amorimia septentrionalis, uma planta que contem
monofluoroacetato de sódio (MFA), com a administração de doses não tóxicas repetidas e
avaliar se essa resistência pode ser transmitida a caprinos susceptíveis por transfaunação de
conteúdo ruminal. No primeiro experimento, 6 caprinos receberam, diariamente, doses
crescentes de A. septentrionalis em períodos alternados ao longo de 3 meses; 6 caprinos foram
o grupo controle e não ingeriram A. septentrionalis. A concentração média de MFA em 20
amostras de folhas da planta foi de 0,002±0,0009%. Caprinos que previamente ingeriam A.
septentrionalis (Grupo 1) e caprinos que não ingeriram a planta (Grupo 2) receberam a dose
diária de 3g/kg de peso corporal de A. septentrionalis (0,06mg de MFA/kg de peso corporal),
1 Autor para correspondência. Tel.: þ55 83 34239734; fax: þ55 83 34239537. E-mail: [email protected]
(F. Riet-Correa).
40
até que os sinais clínicos fossem observados em todos os caprinos de um dos grupos. Todos
os caprinos do Grupo 2 apresentaram sinais clínicos de intoxicação 4-7 dias após a
administração, enquanto que nenhum dos caprinos tratadas com A. septentrionalis (G1)
mostrou sinais clínicos, o que sugere que o tratamento com doses não tóxicas de MFA induz
resistência. No segundo experimento foram utilizados 4 grupos de caprinos para determinar se
a resistência pode ser transmitida de caprinos resistentes para não resistentes por
transfaunação do conteúdo ruminal ou por coabitação. O Grupo 3 (G3) foi composto por 8
caprinos: 6 originados do G1 e 2 animais adicionais tratados da mesma maneira, com a
administração de doses crescentes e diárias de A. septentrionalis em períodos alternados. O
G4 foi composto por 9 caprinos que receberam transfaunações semanais de conteúdo ruminal
de caprinos do G3 durante 5 semanas. O G5 foi composto de 4 caprinos, que coabitaram com
o G1 e G3 durante 6 meses. O G6 foi formado por 6 caprinos controle que nunca ingeriram A.
septentrionalis, nem tiveram contato com animais que foram expostos à mesma. Após o
período de transfaunação, todos os caprinos dos 4 grupos foram tratados com doses diárias de
A. septentrionalis, até o surgimento dos primeiros sinais clínicos da intoxicação. O número
médio de dias para início dos sinais clínicos foi de 19,4±8,2, 19±7,5, 5,7±1,3 e 7,8±1,9 dias
após o início da administração para G3, G4, G5 e G6, respectivamente. Esses resultados
demonstram que os caprinos do G3 e G4 foram mais resistentes (P <0,01) que os caprinos do
G5 e G6. Em conclusão, a administração de doses não tóxicas de A. septentrionalis e a
transfaunação de conteúdo ruminal, de caprinos resistentes para não resistentes, induz
resistência à intoxicação por essa planta.
PALAVRAS CHAVE: Bactérias que degradam monofluoroacetato, morte súbita,
monofluoroacetato, resistência à intoxicações.
41
1. Introdução
No Brasil existem pelo menos 12 plantas que causam insuficiência cardíaca aguda em
ruminantes, e são responsáveis por cerca de 500.000 mortes de bovinos por ano (Tokarnia et
al. 2002, 2012). O monofluoroacetato de sódio (MFA) foi determinado como o composto
tóxico encontrado em Palicourea marcgravii (Oliveira, 1963), Palicourea aenofusca (Lee et
al. 2012), Amorimia rigida (Mascagnia rigida) (Cunha et al. 2012; Lee et al. 2012), Amorimia
septentrionalis, Amorimia pubiflora (Mascagnia pubiflora) (Lee et al. 2012), e Tanaecium
bilabiatum (Arrabidaea bilabiata) (Krebs et al. 1994).
Na Paraíba são conhecidas duas plantas que contem MFA e causam insuficiência
cardíaca aguda, A. septentrionalis, referida anteriormente como Mascagnia rigida, e
Palicourea aeneofusca (Vasconcelos et al. 2008ab).
Experimentalmente, A. septentrionalis causou morte de ovinos e caprinos que
ingeriram 10-20g/kg de peso corporal (Vasconcelos et al. 2008a). Os sinais clínicos são
caracterizados por taquicardia, jugular ingurgitada com pulsação venosa, dispneia e andar
cambaleante progredindo para decúbito esternal, seguido de morte. No entanto, alguns
animais que apresentam sinais clínicos podem se recuperar quando não são movimentados.
Em estudos realizados por nosso grupo de pesquisa, observou-se que a maioria dos animais
que receberam doses baixas diariamente (2-4g/kg de peso corporal) se recuperaram quando a
administração foi interrompida imediatamente após o aparecimento dos sinais clínicos. De
acordo com Tokarnia et al. (2012), o tempo de eliminação do princípio tóxico é de cerca de 8-
14 dias.
Na necropsia não existem lesões macroscópicas, porém, a principal lesão histológica é
a vacuolização severa e picnose das células epiteliais dos túbulos contornados distais dos rins,
42
que é observada em aproximadamente 50% dos animais intoxicados (Tokarnia et al. 1961,
Vasconcelos et al. 2008ab).
Tentativas para controlar a intoxicação por Amorimia spp. por métodos tradicionais,
incluindo retirada das plantas ou o uso de herbicidas, não foram bem sucedidas (Silva et al.
2006). No Brasil, há inúmeros relatos informais indicando que os animais que pastam em
áreas invadidas por A. rigida são mais resistentes à intoxicação do que animais procedentes de
áreas onde A. rigida não ocorre (Silva et al. 2008).
Este estudo teve como objetivos verificar se é possível induzir resistência à
intoxicação por A. septentrionalis em caprinos a partir da administração diária e repetida de
doses não tóxicas, e determinar se a resistência pode ser transmitida aos animais sensíveis
pela transfaunação de líquido ruminal proveniente de animais resistentes.
2. Material e métodos
A. septentrionalis foi coletada em dois locais no município de São José do Bonfim
(S7° 19,06 W37° 9:47; elevação de 305m) e Teixeira (S7° 12,24 W37° 15,11; elevação de
749m), ambos localizados no estado da Paraíba, Brasil, nos mesmos locais utilizados para
coleta de planta por Vasconcelos et al. (2008a) para a reprodução experimental da
intoxicação. A concentração média de MFA, determinada em 20 amostras da planta, 10 de
cada local, foi de 0,002 ± 0,0009% (Lee et al. 2012). As respectivas amostras foram enviadas
ao Dr. William R. Anderson (Herbário da Universidade de Michigan, Ann Arbor, Michigan,
EUA) e identificadas como Amorimia septentrionalis (Lee et al. 2012).
Foram realizados 2 experimentos com caprinos mestiços, pesando 20-30kg e criados
em uma área sem Amorimia spp. no Hospital Veterinário da Universidade Federal de
Campina Grande, Campus de Patos, Paraíba, Brasil.
43
2.1 Experimento 1. Indução de resistência à intoxicação por A. septentrionalis com
administração de doses não tóxicas.
No primeiro experimento, 12 caprinos foram divididos aleatoriamente em 2 grupos de
6 animais cada. Os caprinos do Grupo 1 (G1) receberam doses diárias de folhas verdes de A.
septentrionalis por 5 períodos: 1g por kg de peso corporal (g/kg), durante 10 dias; 2g/kg,
durante 5 dias; 2g/kg, durante 5 dias; 3g/kg durante 5 dias; e 3g/kg, durante 5 dias. Cada
grama de A. septentrionalis continha aproximadamente 0,02mg de MFA. Entre cada período
de administração da planta, houve um intervalo de 15 dias sem fornecimento de A.
septentrionalis , assim, o processo total de indução de resistência durou 90 dias. A planta foi
oferecida aos caprinos para consumo voluntário. Caprinos que não ingeriam voluntariamente
toda a dose da planta foram forçados a consumi-la, colocando pequenas quantidades de folhas
em suas bocas. O Grupo 2 (G2) foi o grupo de controle. Ambos os grupos foram alimentados
com ração comercial na quantidade de 1% do seu peso corporal e capim verde, composto
principalmente Brachiaria spp. e Echinochloa polystachya.
Quinze dias após o fim da administração de A. septentrionalis ao G1, esta planta foi
administrada a ambos os grupos nas doses diárias de 3g/kg (0,06 g/kg de MFA). Antes da
administração da planta para os caprinos, cada animal foi examinado avaliando-se alterações
de comportamento, frequências cardíaca e respiratória, motilidade ruminal e temperatura retal.
Depois da administração da planta, os animais eram estimulados a movimentar-se por cerca
de 10 minutos para precipitar quaisquer sinais clínicos. Nos caprinos que apresentavam sinais
clínicos de intoxicação (apatia, anorexia, relutância em se movimentar e ingurgitamento da
jugular com pulso venoso) a administração da planta era suspensa. Os caprinos que morreram
foram necropsiados. Amostras de órgãos das cavidades abdominal e torácica e sistema
44
nervoso central foram fixadas em formol a 10%, processadas rotineiramente por inclusão em
parafina e, posteriormente, coradas com hematoxilina-eosina (HE) para exame histológico.
2.2 Experimento 2. Transferência da resistência por transfaunação de líquido ruminal ou
coabitação com caprinos resistentes.
Vinte e sete caprinos foram divididos em 4 grupos experimentais. O Grupo 3,
resistente, foi composto por 8 animais, 6 procedentes do G1 (Experimento 1) e 2 caprinos
adicionais, adaptados ao consumo de A. septentrionalis com a mesma metodologia dos
caprinos do G1, ao longo de 90 dias; O Grupo 4, animais transfaunados, consistia de nove
caprinos que receberam, uma vez por semana, durante 5 semanas consecutivas, fluido ruminal
coletado de caprinos do G3 (resistente). O conteúdo do rúmen foi obtido por meio de uma
bomba de sucção ligada a uma sonda ruminal. Após colheita do fluido ruminal de todos os
animais do G3, todo o conteúdo foi misturado, dividido em partes iguais, e administrado por
sonda esofágica oral a cada caprino do G4. O Grupo 5, coabitante, foi composto por quatro
animais que não ingeriam anteriormente folhas de A. septentrionalis, mas coabitaram durante
cerca de 6 meses com os animais resistentes do Grupo 1 (Experimento 1). O Grupo 6,
controle, foi composto por 6 caprinos que nunca ingeriram as plantas, nem tinham contato
com animais que receberam a planta.
Após o final da fase de transfaunação e coabitação, A. septentrionalis foi fornecida a
todos os animais de cada grupo, em doses diárias de 3g/kg (0,06mg de MFA/kg de peso
corporal) durante 20 dias, 4g/kg (0,08mg de MFA/kg de peso corporal) durante 5 dias, e
5g/kg (0,1mg de MFA/kg de peso corporal) durante 4 dias. A administração da planta foi
suspensa para os caprinos que apresentavam sinais clínicos de intoxicação. O experimento
terminou 29 dias após o início da administração, quando todos os caprinos apresentaram
45
sinais clínicos. A resistência à intoxicação foi determinada pelo período médio de
apresentação dos sinais clínicos para cada grupo de animais. Os dados foram analisados
estatisticamente pelo teste não paramétrico de Friedman, utilizando o software SAS/STAT
(1995). O número de dias de ingestão de A. septentrionalis pelos caprinos até o aparecimento
dos sinais clínicos foi comparado pelo teste de Fisher.
3. Resultados
3.1. Experimento 1.
Quando A. septentrionalis foi administrada em doses diárias de 3g/kg de peso corporal
(0,06mg de MFA/kg de peso corporal), os caprinos 1, 2, 3, 4, 5 e 6 do G2 apresentaram sinais
clínicos 6, 6, 7, 4 , 6 e 7 dias após o início da administração, respectivamente. Os sinais
clínicos não foram observados em nenhum caprino do G1 até o dia 7, quando a administração
de A. septentrionalis foi suspensa. Houve diferença estatística entre o número de animais que
apresentaram sinais clínicos do G2 quando comparado com o G1 (P = 0,04). Os sinais
clínicos apresentados pelos caprinos do G2 foram apatia, anorexia, relutância em se
movimentar, decúbito esternal, e ingurgitamento da jugular com pulso venoso. Os caprinos 4,
5 e 6 apresentaram fezes moles ou diarreia. Após a observação dos sinais clínicos, a
administração da planta foi interrompida e todos os animais se recuperaram 3-4 dias após a
última ingestão de A. septentrionalis. Os caprinos 4 e 6 apresentaram sinais clínicos da
intoxicação novamente aos 11 e 17 dias após o final da administração, respectivamente, e
morreram dois dias mais tarde. Na necropsia, ambos os animais apresentaram edema
pulmonar. Histologicamente foram observados edema pulmonar e severa vacuolização do
citoplasma com núcleos picnóticos nas células epiteliais de alguns túbulos contornados distais
do rim de ambos os caprinos.
46
3.2. Experimento 2
O tempo decorrido entre o início da administração da planta e a observação dos
primeiros sinais clínicos de cada animal é apresentado na Figura 1. Não houve diferenças
significativas entre o período de demonstração dos primeiros sinais clínicos da intoxicação
entre o G3, resistente (19,4±8,2 dias) e o G4, transfaunado (19±7,5 dias), ou entre o G5,
coabitante (5,7±1,3 dias) e G6, controle (7,8±1,9 dias). No entanto, para G3 e G4 este período
de aparecimento dos sinais clínicos foi significativamente mais longo do que para o G5 e G6
(P <0,01) (Tabela 1). Os sinais clínicos são semelhantes aos apresentados pelos caprinos
intoxicados no Experimento 1 e o período de recuperação dos animais foi de 3-4 dias. O
caprino 5, do G6, morreu subitamente 30 minutos após a ingestão de A. septentrionalis. Na
necropsia não foram observadas lesões macroscópicas. Histologicamente observou-se
vacuolização intensa e picnose das células epiteliais em alguns túbulos contornados distais
dos rins.
47
Tabela 1. Número médio de dias desde o início da ingestão até a observação dos primeiros
sinais clínicos em caprinos que receberam A. septentrionalis em diferentes grupos
experimentais no Experimento 2.
Grupo experimental1
(nº de caprinos) Primeiros sinais clínicos (dias)
G3 resistente (8 caprinos) 19,4±8,2a
G4 transfaunados (9 caprinos) 19±7,5a
G5 coabitantes (4 caprinos) 5,7±1,3b
G6 controle (6 caprinos) 7,8±1,9b
1 G3- caprinos resistentes tratados previamente com doses alternadas não tóxicas de A. septentrionalis
durante 90 dias; G4- caprinos que receberam fluido ruminal de caprinos resistentes; G5- caprinos que
coabitaram com caprinos resistentes durante 6 meses; G6- Controles que não tinham ingerido A.
septentrionalis.
Coeficiente de variação = 42.65%
Médias seguidas de letras iguais não diferem significativamente entre grupos experimentais quando
submetidas ao teste de Friedman (P < 0.01).
Fig.1. Representação gráfica do período (dias) entre o início da administração e os primeiros
sinais clínicos individuais dos animais no grupo de tratamento: caprinos resistentes (G3),
transfaunados (G4), coabitantes (G5) e controle (G6).
48
Discussão
Os resultados de ambos os experimentos demonstram que a ingestão repetida de doses
não tóxicas de A. septentrionalis aumenta a resistência de caprinos à intoxicação por essa
planta e que esta resistência pode ser transferida à caprinos susceptíveis por transfaunação de
fluido ruminal. O princípio tóxico de A. septentrionalis é o MFA (Lee et al. 2012) e esta
resistência é provavelmente devido a aumento da microflora bacteriana do rúmen com a
capacidade de degradar o MFA. Na Paraíba, bactérias aeróbicas que degradam MFA foram
isoladas de solo, folhas e flores de A. septentrionalis (Camboim et al. 2012a) e no conteúdo
ruminal de caprinos criados em áreas onde a planta não ocorre (Camboim et al. 2012b). O fato
de estas bactérias serem isoladas do rúmen de animais criados em lugares sem plantas que
contenham MFA, sugere que as mesmas ocorrem naturalmente no rúmen dos animais, sendo
doses baixas de MFA contidas em A. septentrionalis e serve como substrato, favorecendo a
multiplicação desta microbiota e aumentando a resistência dos animais à intoxicação
(Camboim et al. 2012b). Outra possibilidade para explicar a maior resistência dos grupos G1
e G3 é que as bactérias que degradam o MFA foram administradas aos animais, juntamente
com as folhas verdes de A. septentrionalis durante o processo de indução da resistência. No
segundo experimento foi demonstrado que estas bactérias podem ser transferidas por
transfaunação do conteúdo ruminal, de um animal resistente para um susceptível.
A detoxificação ruminal é um mecanismo bem conhecido para o controle de algumas
intoxicações por plantas. Ruminantes que ingerem quantidades crescentes de plantas contendo
oxalato tornam-se resistentes à intoxicação devido a detoxificação microbiana dos oxalatos no
rúmen (Craig e Blythe, 1994). A detoxificação microbiana tem sido utilizada com sucesso no
controle da intoxicação por Leucaena leucocephala. A planta contém um aminoácido, a
49
mimosina, que no rúmen é convertida em 3-hidroxi-4 (IH)-piridona (3,4-DHP) e 2,3-DHP.
Foi demonstrado que no rúmen, 3,4-DHP é convertido em compostos não tóxicos por
Synergistes jhonnei, uma bactéria ruminal anaeróbica (Allisson et al. 1992), e a resistência à
intoxicação pode ser induzida pela transferência desta bactéria (Cheeke 1998). Na Austrália, a
inoculação ruminal de Butyrivibrio fibrisolvens, geneticamente modificada mediante a
introdução de um gene proveniente de uma espécie de Moraxella, que codifica uma
dehalogenase e degrada MFA, reduziu os sinais clínicos causados por MFA (Gregg et al.
1998). Várias espécies de bactérias com capacidade para degradar MFA foram isolados a
partir do solo, mesmo na ausência de fluoroacetato de sódio no meio (Wong et al. 1992). A
multiplicação e inoculação intra-ruminal das bactérias isoladas por Camboim et al. (2012ab)
pode ser outra forma de induzir resistência à intoxicação por plantas que contenham MFA.
A falha na indução de resistência pela coabitação de animais susceptíveis (G5),
durante cerca de 6 meses, com os animais resistentes (G1), sugere que a microflora ruminal
que degrada o MFA não é transmitida em quantidade suficiente para conferir resistência à
animais sensíveis que coabitam no mesmo ambiente que os resistentes.
Em conclusão, este estudo sugere que é possível aumentar a resistência de ruminantes
à intoxicação por A. septentrionalis mediante a administração de doses não tóxicas da planta
e, também, por transfaunação de líquido ruminal de animais resistentes para os não
resistentes. Estes métodos de indução de resistência requerem um estudo mais aprofundado,
mas fornecem alternativas para reduzir eventuais problemas de intoxicação por A.
septentrionalis e, talvez, outras espécies de plantas que contem MFA.
50
Agradecimentos
Este trabalho foi financiado pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para o
controle de plantas tóxicas (INCT), processo CNPq número 573534/2008-0.
Conflito de interesses
Os autores declaram que não há conflito de interesses.
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53
CAPÍTULO III
Intoxicação experimental por Callaeum psilophyllum em coelhos e caprinos
– Comunicação Científica –
O presente trabalho foi formatado, segundo as normas da revista Semina: Ciências
Agrárias e submetido para publicação.
54
COMUNICAÇÕES CIENTÍFICAS / SHORT COMMUNICATIONS
Intoxicação experimental por Callaeum psilophyllum em coelhos e caprinos
Experimental poisoning by Callaeum psilophyllum in rabbits and goats
Amélia Lizziane Leite Duarte1, Rosane Maria Trindade de Medeiros
2*, Fabrício Kleber de Lucena
Carvalho1, Francelícia P. M. Dantas
1, Anna Priscilla Moreira de Figueiredo
1, Franklin Riet-Correa
2
RESUMO
Callaeum psilophyllum (sinônimo Mascagnia psilophylla) é encontrada nas mesmas regiões que
Amorimia (Mascagnia) rigida, uma planta que contêm fluoroacetato e causa morte súbita associada
ao exercício em ruminantes. Com o objetivo de determinar a toxicidade de C. psilophyllum, esta
planta foi administrada a coelhos e caprinos. Em coelhos, doses de 6-12g de planta/kg de peso
corporal (g/kg) causaram taquicardia, dispneia e midríase. Um coelho, que ingeriu 10g/kg de C.
psilophyllum, apresentou sinais clínicos semelhantes aos causados por A. rigida em coelhos e
morreu. Em caprinos, quatro animais apresentaram diarreia após a ingestão de folhas verdes ou
secas da planta. Três caprinos morreram e um se recuperou. Os resultados em coelhos são
1 Hospital Veterinário, Campus de Patos da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Patos, PB 58700-000,
Brasil.
2 Centro de Saúde e Tecnologia Rural (CSTR), UFCG, Campus de Patos, 58700-000 Patos, PB, Brasil. E-mail:
* Autor para correspondência
55
compatíveis com as intoxicações por fluoroacetato. No entanto, os sinais clínicos em caprinos
sugerem que C. psilophyllum contêm outra substância responsável pelos sinais digestivos.
Palavras-chave: Plantas tóxicas, Mascagnia, fluoroacetato, diarreia.
ABSTRACT
Callaeum psilophyllum (synonymous Mascagnia psilophylla) is found in the same regions than
Amorimia (Mascagnia) rigida, a fluoroacetate containing plant that cause sudden death associated
with exercise in ruminants. With the objective to determine the toxicity of C. psilophyllum, this
plant was administered to rabbits and goats. In rabbits doses of 6-12 g/kg body weight (g/kg) caused
tachycardia, dyspnea, and mydriasis. One rabbit, that ingested 10 g/kg of C. psilophyllum, showed
clinical signs similar to those caused by A. rigida in rabbits and died. Four goats showed diarrhea
after the ingestion of green or dry leaves of the plant. Three died and one recovered. The
experimental results in rabbits are consistent with those in animals poisoned by fluoroacetate.
However, clinical signs in goats suggest that C. psilophyllum contains another substance
responsible for the digestive signs.
Key words: Poisonous plants, Mascagnia, fluoroacetate, diarrhea.
Callaeum psilophyllum (sinônimo de Mascagnia psilophylla) da família Malpighiaceae é
encontrada na região semiárida do Nordeste brasileiro onde também ocorre Amorimia (Mascagnia)
rigida, planta que possui fluoroacetato e causa morte súbita associada ao exercício (TOKARNIA et
al., 1961; MEDEIROS et al., 2002). Atualmente, não se conhece a toxicidade de C. psilophyllum,
porém, esta planta chamou a atenção pela semelhança com a A. rigida, tanto das folhas como dos
frutos, e as duas plantas são encontradas nos mesmos locais e estas áreas geralmente são utilizadas
para pastejo de ruminantes.
Este trabalho teve como objetivo determinar a toxicidade de C. psilophyllum e seus efeitos
tóxicos em coelhos e caprinos.
Nos experimentos em coelhos, folhas da planta (Figura 1) foram coletadas, dessecadas e
trituradas. As folhas assim preparadas foram administradas a seis coelhos adultos e hígidos, em
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doses únicas de 2, 4, 6, 8, 10 e 12g/kg de peso corporal (g/kg). Para a administração a planta moída
era misturada em água destilada na proporção de 10 mL de água para cada grama de folhas
trituradas. O coelho era mantido em gaiola individual e submetido ao jejum alimentar e hídrico de
24 e 8 horas, respectivamente. C. psilophylum foi fornecida através de uma sonda orogástrica
introduzida com auxílio de um abre-boca acoplada a uma seringa por onde a solução era
administrada. Após a administração, o coelho era mantido em gaiola individual e aproximadamente
a cada 2 horas era exercitado por um período de dois minutos com descanso de mais dois minutos.
Esse procedimento era repetido por cinco vezes e o coelho era mantido na mesma gaiola e
observado continuamente durante as 24 horas seguintes.
As doses de 2 e 4g/kg não foram tóxicas, porém os coelhos que receberam as doses de 6, 8,
10 ou 12g/kg, apresentaram, após serem agitados, taquicardia, dispneia e midríase, retornando ao
estado fisiológico duas a três horas após. O coelho que recebeu 10g/kg, após 50 minutos de ingestão
da planta, subitamente começou a fazer movimentos desordenados, corria em círculos dentro da
gaiola, vocalizava e pulava. Na segunda manifestação desses sinais (cinco minutos após a primeira)
o animal morreu. Na necropsia, os rins apresentavam superfície cortical avermelhada. No coração
havia áreas multifocais irregulares pálidas na base do ventrículo esquerdo. O fígado encontrava-se
discretamente avermelhado e aumentado de volume, e ao corte fluía sangue. Na histopatologia
observou-se, no coração, presença de grupos musculares com eosinofilia citoplasmática e núcleos
retraídos e hipercromáticos, característicos de necrose de fibras cardíacas. Alguns cardiomiócitos
apresentavam também necrose individual e outros estavam vacuolizados, distribuídos
aleatoriamente. No fígado observou-se congestão moderada e difusa com dilatação dos sinusoides e,
ocasionalmente, necrose periportal. Os rins apresentavam áreas multifocais de congestão, na região
córtico-medular.
Foram utilizados quatro caprinos para os experimentos, dois que receberam folhas verdes de
C. psilophylum coletadas no mesmo local do experimento com coelhos e dois que receberam folhas
dessecadas da mesma procedência. A planta verde foi administrada colocando pequenas
quantidades na boca do animal e a planta seca foi moída, diluída em água e fornecida através de
sonda esofagiana. A planta utilizada, as doses administradas e a evolução da intoxicação
apresentam-se na Tabela 1. Os sinais clínicos foram semelhantes nos quatro animais; inicialmente
mostraram anorexia, fezes pastosas que posteriormente evoluíram para diarreia aquosa, perda de
peso e relutância para se movimentar, seguida de decúbito com gemidos e salivação. Três casos
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evoluíram para a morte (Tabela 1) e um recuperou-se após ser tratado mediante transfaunação,
administração de antidiarreicos (associação de fitalisulfatiazol sulfamerazina, clortetraciclina,
hidróxido de alumínio e silicato de alumínio) e aplicação de vitaminas e minerais (associação de
cloreto de cobalto, sulfato de cobre, citrato de ferro amoniacal e vitamina B12).
No Caprino 1 à necropsia constatou-se conteúdo hemorrágico ao longo do trato digestivo,
ulceração de aproximadamente 0,5cm de diâmetro na mucosa do cárdia e, leve avermelhamento na
mucosa do omaso e do retículo. No abomaso, observou-se conteúdo sanguinolento. Na
histopatologia, foram constatadas degeneração e necrose moderada das células epiteliais do
intestino grosso com atenuação e junção do epitélio associado à hiperemia difusa com áreas de
hemorragia, provocando a perda da arquitetura normal do órgão. No topo do epitélio observou-se
presença de infiltrado inflamatório neutrofílico, restos celulares e agregados bacterianos. Havia
necrose das glândulas de Lieberkuhn, muitas dessas com perda do epitélio formando dilatações,
com presença de infiltrado inflamatório mononuclear difuso ou multifocal que variava de moderado
a intenso na lâmina própria. Na submucosa observou-se hiperemia dos vasos com presença de áreas
focais de infiltrado inflamatório mononuclear. Lesão semelhante foi identificada na região piloro-
duodenal, sendo que no piloro notou-se hiperemia com hemorragia das criptas gástricas e presença
de focos leves de infiltrado inflamatório mononucleares, com áreas necróticas principalmente no
topo das criptas gástricas associadas a neutrófilos, restos celulares e agregados bacterianos. Na
região duodenal observou-se necrose das criptas, hiperemia e hemorragia associadas a infiltrado
mononuclear multifocal a coalescente, principalmente no topo dessas criptas. Havia também
necrose das glândulas de Brunner associada a focos de infiltrado inflamatório mononuclear, na
lâmina própria. No abomaso observou-se degeneração e necrose das criptas gástricas associadas à
infiltração por neutrófilos, linfócitos, plasmócitos e macrófagos, hiperemia e hemorragias. Na
lâmina própria observava-se infiltrado inflamatório mononuclear moderado, multifocal a
coalescente e hiperemia dos vasos. Na submucosa havia hiperemia. No topo das criptas gástricas
observaram-se agregados bacterianos, restos celulares e alguns neutrófilos. No omaso observaram-
se áreas focais de ulceração do epitélio; na submucosa havia restos celulares e infiltrado, moderado
e multifocal, de células mononucleares. Áreas de hiperemia foram identificadas tanto na mucosa
como na submucosa. Na submucosa do rúmen observou-se hiperemia acentuada. O rim
apresentava-se com hiperemia e hemorragia.
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Figura 1. Callaeum psilophyllum. (A e B) Partes aéreas da planta. (C) flores. (D) frutos.
Município de Zabelê (PB). 14/09/2009.
Tabela 1: Doses diárias, número de doses recebidas e sinais clínicos apresentados por caprinos
dos experimentos 1 e 2 que ingeriram folhas verdes e secas de C. psilophylum.
Caprino Peso (kg)
Tratamento
com folhas de
C.
psilophylum
Dose
diária
(g/Kg)
Número
de doses
recebidas
Evolução
Dias após o início da
administração
Inicio dos
sinais clínicos
Morte ou
recuperação
1 22 Verdes 5g/Kg 3 3 5 (morte)
2 24 Verdes 5g/Kg 3 3 3 (morte)
3 22 Dessecadas 1,5g/Kg 3 2 6 (morte)
4 15 Dessecadas 1,0g/Kg 3 3 7 (recuperação)
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O Caprino 2 apresentou alterações macroscópicas semelhantes as do Caprino 1, além de
petéquias no coração com distribuição multifocal, principalmente na região dos sulcos paraconal e
coronário. Na histopatologia as lesões foram semelhantes às do Caprino 1, porém com menor
intensidade.
No Caprino 3, os principais achados macroscópicos consistiam em presença de linfonodos
mesentéricos aumentados de volume, que, ao corte, apresentavam áreas pálidas entremeadas com
áreas escuras e pontos avermelhados. As veias mesentéricas encontravam-se ingurgitadas,
principalmente as localizadas no terço final do jejuno, onde também se observavam áreas
avermelhadas na mucosa. Havia áreas hemorrágicas na válvula íleo-cecal e mucosa do rúmen,
retículo e omaso. Na histopatologia havia intenso e difuso infiltrado mononuclear na mucosa e
lâmina própria do intestino grosso, com necrose do epitélio da mucosa intestinal, perda da
arquitetura normal do órgão e necrose das glândulas de Lieberkuhn, com perda do epitélio glandular
e dilatação da glândula. A mucosa do duodeno apresentava lesão semelhante à mucosa do intestino
grosso; na submucosa observou-se necrose das glândulas de Brunner, com perda parcial do epitélio.
Na região pilórica, observaram-se área de necrose localmente extensa da mucosa e submucosa com
perda do epitélio, associada a áreas de hiperemia, hemorragia e células inflamatórias
mononucleares. Lesões semelhantes foram vistas na junção omaso-abomasal. O abomaso
apresentava necrose das criptas gástricas com presença de infiltrado mononuclear. Necrose também
foi observada nas glândulas gástricas estendendo-se até a camada mais profunda da mucosa,
associada a infiltrado inflamatório mononuclear, multifocal e moderado na lâmina própria. No
retículo, observou-se infiltrado inflamatório mononuclear, multifocal e moderado, com presença em
algumas áreas de focos de ulceração do epitélio, infiltrado inflamatório misto, hemorragia, restos
celulares e agregados bacterianos.
Os sinais clínicos observados em coelhos são consistentes com a presença de
monofluoroacetato em Callaeum psilophyllum. No entanto, os sinais digestivos apresentados pelos
caprinos sugerem que, nesta espécie, C. psilophyllum, se consumida em condições naturais, não
causaria morte súbita associada ao exercício, sendo que os achados permitem suprir que além do
ácido monofluoroacético, C. psilophyllum contêm, também, uma toxina que afeta o sistema
digestivo e se encontra tanto na planta fresca quanto na planta dessecada, já que no coração não
havia lesões como às observadas no coelho. No caso de ser consumida espontaneamente por
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ruminantes é provável que C. psilophyllum cause sinais digestivos, sendo a morte súbita, como o
caso de A. rigida um achado não comprovado neste estudo.
REFERÊNCIAS
MEDEIROS, R. M. T.; GERALDO NETO, S. A.; BARBOSA, R.C.; LIMA, E.F.; RIET-CORREA,
F. Sudden bovine death from Mascagnia rigida in Northeastern Brazil. Veterinary and human
toxicology, Manhattan, v.44, n.5, p.286-288, 2002.
TOKARNIA C. H.; CANELLA, C.F.C.; DOBEREINER, J. Intoxicação por um “tingui”
(Mascagnia rigida Griseb.) em bovinos no Nordeste do Brasil. Arquivos do Instituto Biológico
Animal, Rio de Janeiro, v. 4, p. 203-215, 1961.
TOKARNIA C. H.; DOBEREINER, J.; CANELLA, C.F.C. Intoxicação experimental por
Mascagnia rigida (Malpighiaceae) em coelhos. Pesquisa Veterinária Brasileira, Seropédica, v.7,
n.1, p.11-16, 1987.
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CONCLUSÕES
Devido às recentes mudanças na identificação e reclassificação das espécies tóxicas de
Amorimia encontradas no Brasil, é imprescindível a realização de coletas sistemáticas de
exemplares de plantas encontradas nos locais onde ocorrem os surtos, para determinar a
distribuição geográfica das espécies.
Uma vez comprovado que todas as espécies tóxicas de Amorimia contêm
monofluoroacetato e considerando as dificuldades em controlar a planta pelos métodos
tradicionais, é necessário continuar trabalhos de pesquisa que comprovem a hipótese de que a
intoxicação pode ser evitada mediante a inoculação intraruminal de bactérias que hidrolisam o
monofluoroacetato.
Como alternativas para redução de eventuais problemas de intoxicação por A.
septentrionalis e, talvez, outras espécies de plantas que contem MFA, é possível aumentar a
resistência de ruminantes à intoxicação por A. septentrionalis mediante a administração de
doses não tóxicas da planta e, também, por transfaunação de líquido ruminal de animais
resistentes para os não resistentes.
A partir da semelhança entre os sinais clínicos observados na intoxicação experimental
em coelhos por C. psilophyllum e A. rigida, provavelmente, esta planta contêm ácido
monofluoroacético. No entanto, os sinais digestivos apresentados pelos caprinos sugerem que,
nesta espécie, C. psilophyllum, se consumida em condições naturais, não causaria morte
súbita associada ao exercício e que além do ácido monofluoroacético, C. psilophyllum
contenha, também, uma toxina que afeta o sistema digestivo e se encontra tanto na planta
fresca quanto na planta dessecada. No caso de ser consumida espontaneamente por
ruminantes é provável que C. psilophyllum cause sinais digestivos, em lugar de morte súbita
como é o caso de A. rigida.