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CENTRO DE SAÚDE E TECNOLOGIA RURAL CAMPUS DE PATOS-PB PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MEDICINA VETERINÁRIA Plantas Tóxicas do Norte Baiano Tese apresentada à Universidade Federal de Campina Grande – UFCG em cumprimento do requisito necessário para obtenção do título de Doutor em Medicina Veterinária. LUCIANO DA ANUNCIAÇÃO PIMENTEL PATOS-PB 2012

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CENTRO DE SAÚDE E TECNOLOGIA RURAL

CAMPUS DE PATOS-PB PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MEDICINA VETERINÁRIA

Plantas Tóxicas do Norte Baiano

Tese apresentada à Universidade Federal de Campina Grande – UFCG em cumprimento do requisito necessário para obtenção do título de Doutor em Medicina Veterinária.

LUCIANO DA ANUNCIAÇÃO PIMENTEL

PATOS-PB 2012

UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE CENTRO DE SAÚDE E TECNOLOGIA RURAL

CAMPUS DE PATOS-PB PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MEDICINA VETERINÁRIA

Plantas Tóxicas do Norte Baiano

Tese apresentada a Universidade Federal de Campina Grande – UFCG em cumprimento do requisito necessário para obtenção do título de Doutor em Medicina Veterinária.

LUCIANO DA ANUNCIAÇÃO PIMENTEL

Prof. Dr. Franklin Riet-Correa Orientador

PATOS-PB 2012

FICHA CATALOGADA NA BIBLIOTECA SETORIAL DO CSTR UFCG CAMPUS DE PATOS -PB

P644p 2012 Pimentel, Luciano da Anunciação

Plantas tóxicas do norte baiano / Pimentel, Luciano da Anunciação . - Patos-PB: UFCG, CSTR, PPGMV, 2012. 51p. Bibliografia Orientador: Franklin Riet-Correa Tese Doutorado em Medicina Veterinária, Universidade Federal de Campina Grande, Centro de Saúde e Tecnologia Rural. 1 – Toxicologia Veterinária – Dissertação. 2 – Plantas tóxicas. 3 – Ovinos I Titulo. CDU:876.8:619

SUMÁRIO

1. Lista de Tabelas e Quadros.................................................................................................... 5

2. Lista de Figuras..................................................................................................................... 6

3. INTRODUÇÃO.................................................................................................................... 7

3.1 Referências.............................................................................................................. 8

4. CAPÍTULO I - Intoxicação por Jatropha ribifolia em caprinos........................................... 9

4.1 Abstract.................................................................................................................... 10

4.2 Resumo.................................................................................................................... 10

4.3 Introdução................................................................................................................ 11

4.4 Intoxicação espontânea............................................................................................ 12

4.5 Intoxicação experimental......................................................................................... 14

4.6 Discussão................................................................................................................. 17

4.7 Referências.............................................................................................................. 19

5. CAPÍTULO II - Pigmentação das vísceras e carcaças (cromatose) em ovinos.................... 23

5.1 Abstract.................................................................................................................... 24

5.2 Resumo.................................................................................................................... 25

5.3 Introdução................................................................................................................ 25

5.4 Material e métodos.................................................................................................. 27

5.5 Resultados............................................................................................................... 27

5.6 Discussão................................................................................................................. 30

5.7 Referências.............................................................................................................. 31

6. CAPÍTULO III - Aversão alimentar condicionada no controle de surtos de intoxicações

por Ipomoea carnea subsp. fistulosa e Turbina cordata................................................

33

6.1 Abstract.................................................................................................................... 34

6.2 Resumo.................................................................................................................... 35

6.3 Introdução................................................................................................................ 36

6.4 Material e métodos.................................................................................................. 37

6.4.1 Turbina cordata.............................................................................................. 37

6.4.2 Ipomoea carnea subsp. fistulosa.................................................................... 38

6.5 Resultados................................................................................................................ 39

6.5.1 Turbina cordata............................................................................................. 39

6.5.2 Ipomoea carnea subsp. fistulosa.................................................................... 41

6.6 Discussão................................................................................................................. 46

6.7 Referências.............................................................................................................. 48

7. CONCLUSÕES.................................................................................................................... 51

LISTA DE TABELAS E QUADROS

CAPÍTULO I

Tabela 1 - Dose diária de Jatropha ribifolia ingerida por cada caprino, peso de

cada animal no início do experimento, início e duração dos sinais

clínicos e o resultado da intoxicação....................................................

17

CAPÍTULO II

Quadro 1 - Plantas e doses administradas a ovinos e coelhos para determinar a

etiologia de uma cromatose em ovinos................................................

30

CAPÍTULO III

Quadro 1 - Condicionamento aversivo de caprinos para T. cordata em uma

fazenda. Data da visita, número de caprinos no rebanho, número de

animais avertidos e número de intoxicados nessa data......................

45

Quadro 2 -

Condicionamento aversivo de caprinos para I. carnea em uma

fazenda. Data da visita, número de caprinos no rebanho, número de

animais avertidos e número de doentes nessa data...............................

45

5

LISTA DE FIGURAS

CAPÍTULO I

Figura 1 - Jatropha ribifolia , município de Juazeiro, Estado da Bahia. A) A planta

rebrotando durante a estação seca. B) J. ribifolia durante a estação das

chuvas. No detalhe: a folha da planta. C) Flores e frutos da planta. D) Galho

da extremidade com sinais de consumo. Observe o pigmento vermelho onde

o galho está quebrado...............................................................................

16

Figura 2 - Intoxicação espontânea por J. ribifolia. A) Caprino com nódoas

avermelhadas sobre os chifres, pele e pêlos do focinho, comissura labial,

região frontal da cabeça, região peitoral e cervical, e cernelha. No detalhe;

nódoas nos lábios. B) Caprino com pigmento vermelho escuro nos dentes.

C) Cabra com marcada depressão, emagrecimento, fraqueza, desidratação e

retração abdominal. D) Fezes amolecidas de um caprino

afetado..................................................................................................

16

CAPÍTULO II

Figura 1 - Rhamnidium molle, município de Campo Formoso, Bahia. A) Arbusto. B)

Vista da face abaxial da folha com as nervuras apresentando pigmento de

cor preta. C) Fruto e folhas....................................................................

29

Figura 2 - Ovinos. A) Mucosa oral com coloração violácea. B) Mucosas da bexiga e

uretra com coloração violácea. C) Esterno mostrando as cartilagens do

manúbrio e das articulações esternocondrais (setas) com coloração violácea.

D) Íntima da artéria aorta com coloração amarelo-pardo. E) Membro

torácico direito (antebraço). O terço distal do músculo extensor radial do

carpo (setas) e o tendão apresentam coloração castanho

claro......................................................................................................

29

CAPÍTULO III

Figura 1 - Precipitação mensal das chuvas durante o período experimental da aversão

alimentar condicionada para o controle da intoxicação por T.cordata.

Microrregião de Juazeiro, Bahia.............................................................

44

Figura 2 - Precipitação mensal das chuvas durante o período experimental da aversão

alimentar condicionada para o controle da intoxicação por I. carnea.

Microrregião de Patos, PB......................................................................

44

6

INTRODUÇÃO

No Estado da Bahia as intoxicações por plantas em animais domésticos são pouco

conhecidas. Considerando que as plantas tóxicas são de distribuição regional, é importante

conhecer as intoxicações nas diferentes regiões. Na mesorregião do extremo norte Baiano, são

extremamente limitadas as informações disponíveis sobre plantas tóxicas. Na década de 1950

Tokarnia et al. (1960) descreveram a intoxicação por Ipomoea carnea subsp. fistulosa nesta

região. Posteriormente, até o ano 2006 não houve mais estudos sobre as plantas tóxicas no

norte Baiano. A partir desse ano, pesquisadores da UFCG iniciaram visitas sistemáticas à

região para estudar as intoxicações por plantas. Foi descrita a intoxicação por Turbina cordata

(Dantas et al. 2007), sem dúvida a planta tóxica mais importante da região, responsável por

numerosos surtos de intoxicação em caprinos e, atualmente, é a maior limitante para a

caprinocultura regional, além de afetar equinos e bovinos. Durante o mesmo período foi

diagnosticada a intoxicação por Panicum dichotomiflorum, planta que causa

fotossensibilização hepatógena em ovinos nas margens do Lago de Sobradinho (Riet-Correa

et al. 2009).

Outras intoxicações por plantas na região, observadas por nós ou mencionadas por

produtores e veterinários durante as numerosas visitas técnicas, foram as causadas por

Ipomoea riedelii, Prosopis juliflora, Amorimia (Mascagnia) rigida, Cnidoscolus quercifolius

(=Cnidoscolus phyllacanthus) e Manihot glaziovii.

Esta tese é o resultado de dois trabalhos de pesquisa realizados durante essas visitas:

um para estudar a intoxicação por Jatropha ribifolia , em caprinos, e outro para pesquisar uma

doença, causada provavelmente por planta, caracterizada por pigmentação das vísceras e

carcaças (cromatose), em ovinos. Foram realizados, também, e são incluídos nesta tese, dois

experimentos que objetivaram controlar as intoxicações por T. cordata e I. carnea, que

causam perdas econômicas importantes na região, mediante a técnica de aversão

condicionada.

A tese é constituída por três capítulos: o Capítulo 1, intitulado Poisoning by Jatropha

ribifolia in goats, que foi aceito para publicação na TOXICON, descreve a intoxicação por J.

ribifolia em caprinos; o Capítulo 2, intitulado Pigmentação das Vísceras e Carcaças

(Cromatose) em Ovinos, foi enviado para publicação à Pesquisa Veterinária Brasileira; o

Capítulo 3, intitulado Aversão Alimentar Condicionada no Controle de Surtos de Intoxicações

por Ipomoea carnea subsp. fistulosa e Turbina cordata, foi enviado à Pesquisa Veterinária

Brasileira. 7

REFERÊNCIAS

Dantas A.F.M., Riet-Correa F., Gardner D.R., Medeiros R.M.T., Barros S.S., Anjos B.L. &

Lucena R.B. 2007. Swainsonine-induced lysosomal storage disease in goats caused by

the ingestion of Turbina cordata in Northeastern Brazil. Toxicon. 49:11-116.

Riet-Correa F., Haraguchi M., Dantas A.F.M., Burakovas R.G., Mimaki Y. & Medeiros

R.M.T. 2009. Sheep poisoning by Panicum dichotomiflorum in northeastern Brazil. Pesq.

Vet. Bras. 29:94-98.

Tokarnia C.H., 1960. Estudo experimental sobre a toxidez do canudo (Ipomoea fistulosa

mart.) em ruminates. Arqs. Inst. Biol. Animal. 3:59-71.

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CAPÍTULO I

Intoxicação por Jatropha ribifolia em caprinos

(Poisoning by Jatropha ribifolia in goats)

(Publicado em janeiro de 2012, Toxicon, v. 59, 587–591 pp. doi:

10.1016/j.toxicon.2012.01.002)

Intoxicação por Jatropha ribifolia em caprinos

Luciano A. Pimentela, Beatriz Riet-Correaa, Antônio F. M. Dantasa, Rosane M. T. Medeirosa,

Franklin Riet-Correaa*

aHospital Veterinário, CSTR, Universidade Federal de Campina Grande, 58708-110, Patos,

Paraíba, Brasil. Email: [email protected]

Abstract

Human poisoning by Jatropha species and poisoning when livestock have been fed processed

plant material has been described. Additionally, poisoning has been experimentally

reproduced in various animal models. But, no cases of poisoning in livestock grazing standing

and unprocessed Jatropha spp. have been reported. This study reports the poisoning of goats

with Jatropha ribifolia in the semiarid region of northeastern Brazil during the dry season.

The mortality of the goats ranged from 6% to 40%. The main clinical signs were apathy,

anorexia, soft feces, weight loss, and severe dehydration. The skin, lips, horns, and teeth of

the affected goats were stained with a reddish pigment that is present in the J. ribifolia plant.

Emaciation was the main lesion observed in one necropsied goat. In 2 out of 3 goats that

ingested a single dose of J. ribifolia, 10 g or 20 g of leaves of the plant per kg body weight

(g/kg), mild dehydration and soft feces were observed. The plant was also administered daily

to two goats for 8 days. One animal received 10 g/kg per day, and the other received 20 g/kg

per day and the goats showed clinical signs after 4 and 3 days, respectively. The goat that

received 10 g/kg daily recovered, and the other was euthanized. The clinical signs and lesions

that were observed were similar to those observed in the spontaneous cases. This is the first

case of Jatropha spp. poisoning in grazing animals that ingested the plant spontaneously.

Keywords: Brazilian semiarid, Euphorbiaceae, Jatropha spp., phorbol esters, plant poisoning,

small ruminants.

Resumo

Intoxicações acidentais por espécies de Jatropha já foram descritas em humanos, e em

animais, por fornecimento dos subprodutos da planta. Além disso, a intoxicação tem sido

Article history: Received 3 October 2011 Accepted 17 January 2012 *Corresponding author. Tel.: 55 83-34233409; fax: 55 83-34214659. E-mail address: [email protected] . Elsevier Ltd. All rights reserved. doi:10.1016/j.toxicon.2012.01.002

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reproduzida experimentalmente em diferentes espécies animais. Ainda não foram descritos

casos de intoxicação por Jatropha spp. em animais a campo Descreve-se surtos de

intoxicação espontânea por J. ribifolia na região semiárida do Nordeste Brasileiro em

caprinos a pastejo, na época de seca. A mortalidade variou entre 6% e 40%. Clinicamente os

animais apresentavam apatia, anorexia, adipsia, fezes amolecidas, perda de peso e severa

desidratação. Os caprinos apresentavam manchas avermelhadas (nódoas), devido a um

pigmento presente em J. ribifolia, na pele do focinho, rima labial, dentes e chifres. Na

necropsia de um caprino foram observados, principalmente, sinais característicos de

emaciação. Na reprodução experimental, dois dos três caprinos que receberam doses únicas

de 10 e 20 g da planta por kg de peso vivo (g/kg), apresentaram desidratação leve e fezes

amolecidas. A planta foi também administrada a dois caprinos que receberam doses diárias

durante 8 dias. Um caprino recebeu 10 g/kg, e outro a dose 20 g/kg por dia e apresentaram

sinais clínicos após 4 e 3 dias do início do consumo, respectivamente. Um caprino recuperou-

se espontaneamente e o outro foi eutanasiado. Os sinais clínicos e lesões observadas foram

semelhantes aos observados nos casos espontâneos. Este é o primeiro caso de intoxicação por

Jatropha spp. em caprinos a pastoreio que ingeriram a planta espontaneamente.

Palavras-chave: semiárido Brasileiro, Euphorbiaceae, Jatropha spp., ésteres de forbol,

intoxicação por plantas, pequenos ruminantes.

Introdução

Jatropha ribifolia (Pohl) Baill., da família Euphorbiaceae, é um arbusto conhecido

popularmente como pinhão rasteiro, largamente encontrado na região semiárida do Nordeste

Brasileiro. O gênero contém mais de 300 espécies que são comuns na África e nas Américas

(Webster, 1994; Leal e Agra, 2005). No Brasil as mais comuns são J. gossypifolia, J. curcas,

J. mollisima, J. mutabilis e J. ribifolia (Leal e Agra, 2005; Mendonça, 2009; Oliveira et al.,

2011). A primeira, conhecida como pinhão roxo, é encontrada em todo Brasil, sendo plantada

em frente a residências com fins ornamentais e místicos (Lorenzi e Matos, 2002; Oliveira et

al., 2008). J. curcas é popular como fitoterápico (Albuquerque, 2007), e esta sendo utilizado

para a produção de biodiesel (Taufiq-Yap et al., 2011; Prusty et al., 2008). Esta e outras

espécies têm sido a causa de numerosos casos de intoxicação em humanos, inclusive em

crianças que ingerem frutos da planta acidentalmente (Levin et al., 2000; Menezes et al.,

2006). Em humanos os sinais clínicos são, principalmente, vômitos, dor abdominal, diarréia e

11

desidratação, seguidos ocasionalmente por insuficiência renal e hepática. A reidratação com

fluidoterapia eletrolítica evita a morte (Levin et al., 2000; Menezes et al., 2006).

Os efeitos tóxicos de espécies de Jatropha também são observados nos animais

domésticos. Semente de J. curcas são experimentalmente tóxicas para bezerros (Ahmed e

Adam, 1979a), caprinos (Adam e Magzoub, 1975) e ovinos (Ferreira et al., 2011).

Experimentalmente as folhas de J. gossypifolia são também tóxicas para ovinos (Oliveira et

al., 2008). Casos naturais de intoxicação com o resíduo da extração de óleo das sementes de J.

curcas foram descritos em bovinos e ovinos (Völker, 1950). Clinicamente, as intoxicações

caracterizam-se por perturbações digestivas, pulmonares e cardíacas (Ferreira et al., 2011).

Em estudos com extrato etanólico de J. glossyfolia em ratos se observaram, além das

alterações digestivas, incoordenação motora, paralisia e depressão (Mariz et al., 2011).

Os principais componentes tóxicos de Jatropha spp., são saponinas, taninos, lectinas,

fitato, ésteres de forbol, alcalóides, e proteases com efeitos antinutricionais, que podem ter

atividades medicinais ou, em certas condições, serem tóxicas (Makkar et al., 1997; Barahona

et al., 2010; Ferreira et al., 2011). Os dois principais componentes tóxicos de J. curcas, são a

curcina, uma lectina que interfere na síntese de proteínas e causa gastroenterite, e os ésteres de

forbol, que são ativadores mutagênicos, do crescimento celular e da inflamação (Makkar et

al., 1997; Barahona et al., 2010).

J. mutabilis, J. ribifolia e J. mollisima são espécies endêmicas na região semiárida do

nordeste Brasileiro (Oliveira et al., 2011), mas não há relatos da toxicidade destas espécies.

Além disso, casos espontâneos de intoxicação por Jatropha spp. em animais em pastejo, ainda

não foram descritos. Os objetivos deste estudo foram: 1) relatar surtos de intoxicação

espontânea por J. ribifolia em caprinos pastando em áreas invadidas pela planta; 2) reproduzir

experimentalmente a intoxicação por J. ribifolia em caprinos.

Intoxicação espontânea

Os dados epidemiológicos e o histórico foram coletados em visitas a fazenda onde

ocorreram surtos, no município de Juazeiro, no Estado da Bahia, Nordeste do Brasil. Foram

realizadas duas visitas durante a estação seca em 2009 e 2010, para observação das pastagens

e um caprino com sinais clínicos foi examinado, eutanasiado e em seguida foi realizada a

necropsia. A intoxicação ocorreu numa área total de 2600 hectares, onde havia um total de

1500 caprinos divididos em 5 rebanhos de diferentes proprietários. Segundo os produtores, a

intoxicação por J. ribifolia ocorria desde a seca de 2007. Um dos produtores relatou que em

2008, de um total de 500 caprinos do rebanho, 240 foram afetados e 200 morreram. No

12

período seco de 2010, de 400 caprinos 80 morreram após apresentarem sinais clínicos da

intoxicação. No mesmo ano em outro rebanho de 400 caprinos, 40 foram afetados, 25

morreram e 15 se recuperaram após serem retirados da área. Em outros 3 rebanhos da mesma

área e em outro rebanho distante 20 km, caprinos também foram afetados, porém os dados

destes rebanhos não foram informados. Na observação da pastagem havia uma grande

quantidade de J. ribifolia (Fig. 1A-D), e evidências de que a planta tinha sido consumida

pelos caprinos (Fig. 1D). No entanto, não havia sinais de consumo de J. mollisima e J.

mutabilis que também estavam presentes na área. Segundo os produtores, os caprinos adultos

são mais afetados que os jovens. Os primeiros casos ocorreram entre os meses de julho e

agosto, 2 a 3 meses após final da estação chuvosa, e continuaram ocorrendo até o fim da

estação seca (Janeiro). Os animais consumiam as extremidades da planta, incluindo folhas da

rebrota, flores e frutos. Os caprinos também eram vistos consumindo o caule da planta. De

acordo com as informações, os animais não consumiam a planta durante a estação das chuvas,

quando há boa oferta de forragem.

Clinicamente, os caprinos intoxicados apresentam manchas avermelhadas na pele e/ou

pêlos (nódoas), na região do focinho, rima labial, região frontal do crânio, chifres, regiões

peitoral e cervical-dorsal (pescoço), e cernelha (Fig. 2A). Este pigmento era semelhante ao

observado nas extremidades de J. ribifolia (Fig. 1D) que eram consumidas pelos caprinos. Os

dentes ficam com um vermelho enegrecido (Fig. 2B). Os sinais clínicos (Fig. 2C) eram

emagrecimento progressivo, debilidade, dorso arqueado e retração abdominal, apatia,

anorexia, adipisia, desidratação grave com retração do globo ocular, fezes amolecidas e com

muco (Fig. 2D). Há progressão dos sinais clínicos para decúbito e os caprinos morrem após

uma evolução clínica de 8 a 10 dias. Os animais afetados não respondem ao tratamento com

antitóxicos a base de vitaminas do complexo B, aminoácidos, cálcio e glicose, ou com

antibióticos. Nos caprinos com acentuada desidratação e perda de peso, mesmo quando

retirados das áreas infestadas pela J. ribifolia, é difícil a recuperação devido à debilidade.

Porém, nos caprinos retirados da área no início dos sinais clínicos a recuperação ocorreu em

aproximadamente 15 dias.

Uma cabra severamente afetada foi eutanasiada e na necropsia foram observados

edema e congestão dos vasos no mesentério. Os linfonodos mesentéricos estavam aumentados

de volume e edemaciados. Áreas sugestivas de necrose da gordura foram observadas no

mesentério adjacente ao jejuno e cólon espiral. Na mucosa do abomaso havia moderada

hiperemia e hemorragias petequiais. Os rins estavam levemente pálidos e com edema

gelatinoso translúcido na região da pelve. No coração observou-se atrofia serosa da gordura

13

no epicárdio. No exame histológico do rúmen, retículo, abomaso e intestinos delgado e grosso

havia congestão de vasos sanguíneos na submucosa e dilatação de vasos linfáticos. Nos

intestinos havia, também, espessamento da camada submucosa por edema. Nos linfonodos

mesentéricos observava-se desorganização da porção medular com baixa celularidade e

múltiplos macrófagos com citoplasma contendo hemossiderina. No fígado foram observados

pequenos focos aleatórios de necrose com alguns hepatócitos apresentando picnose ou

carriorexia, discreto infiltrado periportal mononuclear, congestão de sinusoídes e hiperplasia

das células de Kuppfer com citoplasma contendo hemossiderina.

Intoxicação experimental

Para a reprodução experimental foram utilizados caprinos com idade entre oito e 24

meses, seis deles (Nº 1, 2, 4-7) da raça Moxotó e um mestiço (Nº 3). Os caprinos eram

previamente examinados, vermifugados e adaptados ao sistema de criação intensivo. A planta

verde foi coletada na região onde ocorreram os surtos e armazenada em câmara-fria a 3-5°C

por um prazo de duas a três semanas. Em todos os animais as folhas foram colocadas em

pequenas quantidades na boca até que os animais as deglutissem totalmente. Os animais

receberam doses diárias de 10 g ou 20 g da planta por quilo de peso corporal (g/kg). A

administração da dose diária das folhas da planta durou de 40 minutos a 2 horas. Diariamente,

após administração da planta, os animais receberam ração comercial numa quantidade

equivalente a 1% do peso vivo, e foi ofertado feno de Cynodon dactylon e água ad libitum. Os

dados de peso corporal, dose, início e duração dos sinais clínicos estão descritos na Tabela 1.

Dois caprinos controles receberam ração comercial numa quantidade equivalente a 1% do

peso vivo, feno de Cynodon dactylon e água ad libitum.

Nos caprinos 3 e 4, antes do início do experimento e 3 e 8 dias após o início da

administração da planta foi coletado sangue. As amostras foram utilizadas para hemograma e

o soro para análise bioquímica. Foram determinadas as atividades séricas de aspartato

aminotransferase (AST), alanina aminotransferase (ALT), fosfatase alcalina (FA) e gama

glutamiltransferase (GGT) e níveis séricos de uréia, creatinina e proteínas totais (Duarte et al.,

2009). Dois caprinos (Caprinos 6 e 7) foram utilizados como controle. Os caprinos que

apresentaram algum sinal clínico foram acompanhados até completa recuperação e apenas um

animal foi eutanasiado e realizada necropsia.

Os caprinos 1, 2 e 3 que receberam 10 g e 20 g/kg da planta em uma dose única, não

apresentaram alterações significativas nas freqüências respiratória e cardíaca, temperatura

14

corporal e movimentos ruminais (Tabela 1). Os Caprinos 1 e 2 apresentaram desidratação leve

e fezes amolecidas. Não foram observados sinais clínicos no Caprino 3.

Os Caprinos 4 e 5 que receberam 10 e 20 g/kg por dia da planta, durante 8 dias,

apresentaram sinais clínicos 4 e 3 dias após início da ingestão da planta, respectivamente

(Tabela 1). Os sinais clínicos foram progressivos e caracterizados por apatia, anorexia,

diminuição do consumo de água e dos movimentos ruminais, debilidade, regurgitação do

alimento, fezes pastosas a amolecidas e emagrecimento. Os caprinos permaneciam longos

períodos deitados com o pescoço voltado para o flanco e quando em estação apresentavam

dorso arqueado e retração abdominal. O Caprino 4, após suspensão da administração da

planta, iniciou a recuperação espontânea em 5 dias sem nenhum tratamento, apenas com

fornecimento de alimento e água ad libitum. Não foram observadas alterações significativas

no hemograma, nos valores séricos de AST, ALT, GGT e FA, ou nas concentrações de

proteínas totais, uréia e creatinina.

O Caprino 5 foi eutanasiado no oitavo dia de experimento. Na necropsia foi observado

espessamento da parede intestinal por edema e o conteúdo intestinal estava liquefeito. As

placas de Peyer estavam aumentadas e com superfície hiperêmica. Os linfonodos

mesentéricos estavam aumentados e edematosos; havia desorganização da porção medular

com baixa celularidade, presença de material eosinofílico e homogêneo (proteína) e múltiplos

macrófagos com citoplasma contendo hemossiderina. Foram observados congestão de vasos

sanguíneos e dilatação de vasos linfáticos nos pré-estômagos, abomaso e nos intestinos

delgado e grosso. Havia também edema na camada submucosa do abomaso e dos intestinos

delgado e grosso. No íleo as placas de Peyer apresentavam desorganização com deposição de

material protéico e infiltrado de macrófagos e plasmócitos.

15

Figura 1. Jatropha ribifolia , município de Juazeiro, Estado da Bahia. A) A planta rebrotando durante a estação seca. B) J. ribifolia durante a estação das chuvas. No detalhe: a folha da planta. C) flores e frutos da planta. D) Galho da extremidade com sinais de consumo. Observe o pigmento vermelho onde o galho está quebrado.

Figura 2. Intoxicação espontânea por J. ribifolia. A) Caprino com nódoas avermelhadas sobre os chifres, pele e pêlos do focinho, comissura labial, região frontal da cabeça, região peitoral e cervical, e cernelha. No detalhe: nódoas nos lábios. B) Caprino com pigmento vermelho escuro nos dentes. C) Cabra com marcada depressão, emagrecimento, fraqueza, desidratação e retração abdominal. D) Fezes amolecidas de um caprino afetado.

16

Tabela 1. Dose diária de Jatropha ribifolia ingerida por cada caprino, peso de cada animal

no início do experimento, início e duração dos sinais clínicos e o resultado da intoxicação.

Caprino Planta Dose Dias de

ingestão

Sinais clínicos Resultados

Nº Peso

(kg)

Diária

(g/kg)

Total

(g/kg)

Início Duração

1 10 10 10 1 3º dia 5 dias Recuperação

2 9 20 20 1 4º dia 4 dias Recuperação

3 16 20 20 1 Não foram observados sinais clínicos

4 14 10 80 8 4º dia 13 dias Recuperação

5 11 20 160 8 3º dia 5 dias Eutanásia

6 12 Caprino controle Não foram observados sinais clínicos

7 14 Caprino controle Não foram observados sinais clínicos

Discussão

O diagnóstico de intoxicação por J. ribifolia foi baseado nos achados epidemiológicos,

clínicos e patológicos, e confirmado pela reprodução experimental da doença. Nos surtos

descritos no presente estudo evidenciou-se uma alta morbidade (10-48%) e mortalidade (6-

40%) nos caprinos criados extensivamente em área de caatinga invadida pela planta. Este é o

primeiro surto de intoxicação por Jatropha spp. diagnosticado em animais a campo. Relatos

anteriores de intoxicação por Jatropha spp. em ruminantes foram causados pela ingestão

espontânea, de sementes de J. curcas em animais confinados (Völker, 1950; Torres &

Fernades, 1941), ou pela administração experimental de folhas de J. gossypifolia (Oliveira et

al., 2008) sementes de J. Curcas (Adam & Magzoub, 1975; Ahmed & Adam, 1979a;b) e com

os frutos e as folhas dessecados de J. glauca e J. aceroides (Barri et al., 1983).

Experimentalmente J. curcas também foi tóxica para ratos, camundongos e peixes (Ferreira et

al., 2011; Becker & Makkar, 1998; Panigrahi et al., 1984).

Os sinais clínicos e lesões observadas comprovam que a intoxicação por J. ribifolia

afeta primariamente o sistema digestivo, e possui características patológicas semelhantes as

observadas em experimentos com outras espécies de Jatropha em ruminantes (Völker, 1950;

Adam & Magzoub, 1975; Ahmed & Adam, 1979a; Barri, 1983; Oliveira et al., 2008; Ferreira

et al., 2011). Nestes casos as lesões histológicas podem ser definidas como leves e

inespecíficas. As duas principais substâncias que tem sido responsabilizadas pela toxicidade

de Jatropha spp. são a curcina e os ésteres de forbol (Makkar et al., 1997; Barahona et al.,

17

2010). Inicialmente o efeito tóxico de J. curcas foi atribuído à curcina. No entanto,

subprodutos da extração de óleo mineral detoxificados termicamente e que não apresentam

curcinas, também foram tóxicas para animais comprovando que a toxicidade das Jatrophas é

causada pelos ésteres de forbol que não podem ser destruídos por tratamento térmico

convencional (Aregheore et al., 2003; Makkar & Becker, 1999; Aregheore et al., 1998). Além

disso, espécies com baixos teores de ésteres de forbol não causam toxicidade (Makkar et al.,

1998a;b). A semelhança dos sinais clínicos e patologia da intoxicação por J. ribifolia com

intoxicações experimentais com outras espécies de Jatropha (Oliveira et al., 2008; Ferreira et

al., 2011 ), sugere que o princípio ativo de J. ribifolia são, também os ésteres de forbol. Os

ésteres de forbol apresentam atividade carcinogênica, causam irritação gastrintestinal,

diarréia, reações hiperplásicas da pele e diminuição na produção de leite, e um efeito negativo

sobre o desenvolvimento muscular levando a diminuição na produção de carne (Bourin et al.,

1982; Horiuchi et al., 1987; Gandhi et al., 1995). A atividade inflamatória é atribuída à

síntese e liberação de mediadores químicos pró-inflamatórios (Weinstein, 1979; Goel et al.,

2007).

A região semiárida do Brasil é caracterizada por um clima quente, com temperatura

média de 26°C e precipitação pluviométrica anual de 500-800 mm. As chuvas são irregulares

e em alguns anos a precipitação é insignificante ou baixa. A estação chuvosa é curta de

Janeiro/Fevereiro a Abril/Maio. A umidade relativa do ar é baixa, variando de 60% a 75%, e a

vegetação, denominada caatinga, é um bioma exclusivamente brasileiro, ocupando quase

11% do país. A caatinga é caracterizada por arbustos com galhos retorcidos e raízes

profundas, uma vegetação típica das condições áridas (xerófila), com cactáceas e

bromeliáceas. Na caatinga são encontradas três espécies endêmicas de Jatropha, que são: J.

mutabilis, J. ribifolia e J. mollissima (Oliveira, 2011); no entanto, intoxicações por estas

espécies não tinham sido relatadas e a grande maioria dos produtores mencionam que

nenhuma das três espécies é palatável e não são consumidas pelos caprinos, mesmo na época

de carência de forragem. O que provavelmente aconteceu nas fazendas onde ocorreu a

intoxicação é que em algum momento de extrema carência de forragem, como acontece nas

secas prolongadas, alguns caprinos iniciaram a ingestão de J. ribifolia e, posteriormente, por

um mecanismo de facilitação social, outros animais também iniciaram a ingestão da planta.

Outro fator que pode ter influído na ocorrência da intoxicação é a contínua degradação da

caatinga, causada pelo pastejo excessivo (Oliveira, 2011), o que faz com que espécies mais

resistentes e menos palatáveis sejam mais frequentes, como as espécies de Jatropha. No

entanto os caprinos não consumiram J. mutabilis e J. mollisima, encontradas nos campos onde

18

ocorreram os casos de intoxicação por J. ribifolia. A razão pela qual os caprinos ingeriam

J.ribifolia, mas não J. mutabilis e J. mollisima é desconhecida, porém sabe-se que J. ribifolia

é mais frequente e mais baixa. Todas estas espécies de Jatropha são muito resistentes à seca,

e podem rebrotar mesmo durante estação seca.

Uma medida de controle para intoxicação é a retirada dos animais afetados da área

permitindo que eles se recuperem. Outra medida que pode ser sugerida é a eliminação dos

caprinos afetados que consomem a planta, podendo ser identificados pelas nódoas sobre a

pele, rima labial, chifres e dentes. Mais informações são necessárias para saber se os animais

desenvolvem o hábito de ingerir a planta pela exposição repetida ao princípio tóxico, ou se o

consumo está apenas relacionada à disponibilidade da planta como uma alternativa forrageira.

Agradecimentos

Este trabalho foi financiado pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para o

Controle das Intoxicações por Plantas, CNPq nº processo 573534/2008-0. O autor agradece ao

Profº. Ódaci de Oliveira, Universidade Federal Rural do Semiárido (UFERSA), pela

identificação das espécies de Jatropha.

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22

CAPÍTULO II

Pigmentação das vísceras e carcaças (cromatose) em ovinos

(Enviado à revista Ciência Rural)

Pigmentação das vísceras e carcaças (cromatose) em ovinos1

Luciano A. Pimentel2, João Ricardo B. Araújo3, Antônio F. M. Dantas2, Odaci F. Oliveira4,

Rosane M.T. Medeiros e Franklin Riet-Correa2*

ABSTRACT .- Pimentel L.A., Araújo J.R.B., Dantas A.F.M., Oliveira O.F. & Riet-Correa F.

2012. [Pigmentation of the viscera and carcasses (chromatosis) in sheep.] Pigmentação

das vísceras e carcaças (cromatose) em ovinos. Pesquisa Veterinária Brasileira 00(0):00-00.

Hospital Veterinário, Centro de Saúde e Tecnologia Rural, Universidade Federal de Campina

Grande, Patos, PB 58708-110, Brazil. E-mail: [email protected]

Tissue pigmentations in domestic animals can be caused by exogenous substances,

like carotenoids, or by endogenous substances, as it occurs in some genetic diseases. In

Colombia the consumption of plants of the genera Bunchosia cause pigmentation of different

tissues in cattle and sheep. This paper reports exogenous pigmentation (chromatosis) in sheep

grazing in areas of native caatinga in the state of Bahia, northeastern Brazil. In 2008, nearly

30 sheep had their carcasses condemned in a slaughterhouse due to pigmentation of the

carcasses and viscera. In visits to a farm, blue-purple (violet) pigmentation of the mucosa was

observed in the clinical examination of sheep. In two sheep necropsied a blue-purple pigment

was observed with different intensity in the skin, subcutaneous tissue, fat, muscles, cartilages,

bones, serous membrane of the fore stomachs, kidneys, adrenals, and in the mucosa of the

uterus, urinary bladder, urethra, vagina, trachea, bronchi and bronchioles. Some bone

surfaces, the intima of the large arteries, and some ligaments had a yellow-brown pigment.

The articular capsules, tendons, ligaments, and muscle insertions showed a bright light brown.

The pigment was not observed on histologic examination of different tissues. Two plants,

Rhamnidium molle and Pereskia bahiensis, were fed to experimental sheep and rabbits

without causing pigmentation. The diagnosis of chromatosis was based on clinical signs and

pathology. The clinical signs and the epidemiology of the disease suggest that a plant causes

the pigmentation.

INDEX TERMS: chromatosis, exogenous pigmentation, ruminants, carcass condemnation. 1 Recebido em ...

Aceito para publicação em ... 2 Hospital Veterinário, Centro de Saúde e Tecnologia Rural, Universidade Federal de Campina Grande, Patos, PB 58708-110, Brasil. *Autor

para correspondência: E-mail: [email protected] 3 Instituto de Desenvolvimento Social e Agrário do semiárido (IDESA). Av. dos Rodoviários, nº 110/1º andar, Derba – Senhor do Bonfim,

BA, CEP 48970-000 4 Professor aposentado, Departamento de Ciências Vegetais, Universidade Federal Rural do Semiárido, Mossoró, RN, CEP 59625-900

24

RESUMO.- Em animais domésticos enfermidades que causam pigmentação dos tecidos ou

órgãos podem ocorrer por produtos exógenos como carotenóides ou serem de origem

endógena como nos casos de algumas doenças congênitas. Na Colômbia, o consumo de

plantas do gênero Bunchosia causa pigmentação em diferentes tecidos de bovinos e ovinos.

Este trabalho descreve pigmentação exógena (cromatose) das carcaças e das vísceras de

ovinos pastando em áreas de caatinga nativa no estado da Bahia. Em 2008, cerca de 30 ovinos

abatidos, tiveram as carcaças rejeitadas pelo frigorífico, devido à pigmentação violácea dos

tecidos. Em visitas realizadas à fazenda afetada foi observada pigmentação azul/roxa

(violácea) nas mucosas dos ovinos. Em duas necropsias foi observada pigmentação de cor

violácea (roxa) com diferente intensidade na pele e tecido subcutâneo, músculos, cartilagens,

alguns ossos, principalmente crânio internamente e vértebras, serosa dos pré-estômagos, nos

rins e na adrenal e nas mucosas do útero, bexiga, uretra, vagina, traquéia, brônquios e

bronquíolos. Algumas superfícies ósseas como articulações carpianas, gordura, íntimas de

grandes artérias e alguns ligamentos estavam com uma coloração amarelo-pardo. As cápsulas

articulares, os tendões, ligamentos e inserções dos músculos estavam com uma cor castanha

claro brilhante. No estudo histológico não houve achados significativos, e as alterações

pigmentares não permanecem após o processamento para estudo histológico. Duas espécies

de plantas, Rhamnidium molle e Pereskia bahiensis, foram administradas experimentalmente

a ovinos e coelhos, mas não causaram pigmentação em nenhum dos tecidos examinados. O

diagnóstico de cromatose foi firmado com base nos achados clínicos e alterações

macroscópicas. Os sinais clínicos e a epidemiologia sugerem uma planta como a causa da

pigmentação.

TERMOS DE INDEXAÇÃO: cromatose, pigmentações exógenas, ruminantes, alterações de

carcaça.

INTRODUÇÃO

Pigmentações patológicas são descritas em animais domésticos como oriundas de produtos

exógenos tais como carotenóides, poeiras, metais e tatuagens, e de origem endógena como os

pigmentos hematógenos, biliares, derivados da porfiria, lipogênicos e os formados em

resposta a infecções parasitárias (Jones et al. 2000). Em humanos e animais, existem, também,

alterações pigmentares em enfermidades congênitas, que se caracterizam por causar alterações

com hipo ou hiperpigmentação de órgão ou tecidos. Em humanos, por exemplo, é descrita a

25

“ocronose” (alcaptonúria), uma enfermidade congênita de origem autossômica recessiva. A

doença caracteriza-se por pigmentação escura (negro-azulado) de tecidos cartilaginosos e

elásticos (orelhas, bochechas e nariz), e complicações para pacientes com artropatias e na

senilidade (Kumar et al. 2005). A hemocromatose e as porfirias são parte de um grupo de

doenças pigmentares da pele e fígado, de origem congênita ou adquirida que afetam

principalmente seres humanos (Pinho et al. 2008, Ramírez-Santos et al. 2009), mas também

diagnosticadas em animais domésticos (Varaschin et al. 1998). Em animais de produção

pouco se descreve sobre enfermidades que causam pigmentação de origem exógena

provenientes da dieta. Porém, há descrição de casos em que a ingestão de plantas causa

pigmentação dos órgãos e tecidos, como tendões e ligamentos, músculos, cartilagem e ossos,

observados em animais de abate. Na Colômbia, descrevem-se surtos de intoxicação por

plantas do gênero Bunchosia causando pigmentação violácea de diversos órgãos,

principalmente de tecidos ricos em elastina, e afetando bovinos e ovinos (Gámez et al.

1983a). A intoxicação foi reproduzida experimentalmente com Bunchosia pseudonitida e

Bunchosia armeniaca em coelhos, ovinos e bovinos. Ambas causaram pigmentação em

diferentes órgãos e com intensidade variável, dependendo do período de administração da

planta (Gámez et al. 1983b).

A caatinga é um tipo de floresta estacional decidual caracterizada pelo seu porte

baixo, formada por árvores e arbustos caducifólios. Possui estrato herbáceo presente apenas

durante a curta estação chuvosa, composto principalmente por espécies de Acanthaceae,

Asteraceae, Convolvulaceae, Rubiaceae e Leguminosae. Plantas suculentas das famílias

Cactaceae, Euphorbiaceae e Bromeliaceae, além de trepadeiras das famílias Bignoniaceae e

Sapindaceae, são comuns (Cardoso & Queiroz 2011).

Em 1990 o serviço de inspeção do Departamento de Agropecuário Americano

(USDA/EUA) publicou uma nota descrevendo a retenção de oito carcaças bovinas devido a

alterações pigmentares nas vísceras e nos diferentes tecidos das carcaças. Nos exames

laboratoriais não foram observadas alterações morfológicas nos tecidos, e os patologistas

consultados sugeriram a ingestão de uma planta como a principal suspeita do diagnóstico

(Stephenson 1990).

Assim como nos EUA, na Bahia também houve prejuízos com refugo das carcaças

pelo frigorífico. O objetivo deste estudo é descrever pigmentação exógena (cromatose) das

carcaças e das vísceras de ovinos ao abate, ocorridos no estado da Bahia. Além de relatar

experimentos com plantas encontradas na pastagem onde ocorreram os casos, com a

finalidade de identificar a causa da doença. 267

MATERIAL E MÉTODOS

Os dados clínicos e epidemiológicos foram obtidos em visitas técnicas a uma fazenda no

município de Campo Formoso, Bahia em agosto de 2009. Durante as visitas um ovino com

sinais clínicos (mucosas violáceas) foi abatido e outra ovelha, que morreu por distocia

materna, foi necropsiada. As pastagens onde ocorreram os casos foram inspecionadas em

busca de plantas que pudessem estar causando a doença. Foram coletadas duas espécies de

plantas para reprodução experimental da pigmentação. Uma delas, Rhamnidium molle

Reissek, um arbusto com pigmentação das folhas (Fig. 1) de cor semelhante à observada nos

ovinos, conhecida na região como “viuvinha” por produzir um fruto negro. A segunda planta,

Pereskia bahiensis Gürke, conhecida popularmente na região como “Santoantonheiro” é uma

cactácea que também produz frutos, que quando abertos sua polpa enegrece rapidamente, e

que foi mencionada por um produtor como a causa da pigmentação dos ovinos.

Foram utilizados 3 ovinos e 2 coelhos no estudo experimental com as duas plantas. Os

experimentos foram realizados nas dependências do Hospital Veterinário da Universidade

Federal de Campina Grande. As doses, espécie animal e as plantas administradas encontram-

se no Quadro 1.

Dos animais que foram necropsiados, foram coletados fragmentos dos órgãos da

cavidade abdominal e torácica e acondicionados em formol tamponado a 10%. Posteriormente

foram processados rotineiramente para confecção de lâminas histológicas coradas pela técnica

de Hematoxilina e Eosina. Os ovinos experimentais que foram abatidos tiveram suas carcaças

destinadas ao consumo.

RESULTADOS

A doença aconteceu no município de Campo Formoso, localizado na mesorregião do Centro-

Norte Baiano, com as coordenadas da fazenda localizada a: 10° 30’ 33,9’’ sul; 0.40° 23’

05,0’’ oeste, com 831m de altitude e clima semiárido. Segundo os produtores entrevistados

em 2009, a queixa era de que ovinos (jovens e adultos) apresentavam uma coloração azul/roxa

(violácea) nas mucosas, 60 a 90 dias após serem introduzidos em determinada área de

caatinga (pastagem nativa). No abate a pigmentação era observada em vísceras e na carcaça.

Há aproximadamente 8 anos vinham acontecendo casos de pigmentação na propriedade.

Além de Pereskia bahiensis e Rhamnidium molle, as principais espécies de plantas

identificadas na área onde os ovinos estavam foram: Arrojadoa rhodantha (Gürke) Britton &

Rose; Aspidosperma pyrifolium Mart.; Cnidoscolus bahianus (Ule) Pax & K.Hoffm;

27

Cnidoscolus quercifolius Pohl; Croton spp.; Erythroxylum sp.; Jatropha mollissima (Pohl)

Baill; Jatropha ribifolia (Pohl) Baill; Melochia tomentosa L.; Neocalyptrocalyx longifolium

(Mart.) Cornejo & Iltis; Poincianella pyramidalis (Tul.) L.P.Queiroz; Spondias tuberosa

Arruda; Tacinga palmadora (Britton & Rose) N.P.Taylor & Stuppy e Triplaris gardneriana

Wedd.

A enfermidade foi observada em cerca de 50% do rebanho, avaliando-se apenas os

animais destinados ao abate. No ano anterior cerca de 30 ovinos abatidos tiveram as carcaças

rejeitadas pelo frigorífico, devido à pigmentação violácea dos tecidos. Apesar da rejeição

comercial, funcionários da fazenda que consumiram a carne disseram não haver alterações no

sabor e textura da mesma.

Uma ovelha adulta com sinais da pigmentação foi abatida. O animal tinha sido retirado

da caatinga, há aproximadamente 30 dias. Apresentava ótimo estado corporal, porém suas

mucosas (oculares, bucal e vaginal) estavam violáceas (Fig.2A). Na necropsia foram

observadas apenas alterações na pigmentação dos tecidos. A cor violácea (roxa) foi observada

em diferente intensidade na pele e tecido subcutâneo, músculos, cartilagens e superfícies de

alguns ossos, principalmente crânio internamente e vértebras. Na cavidade abdominal o

pigmento foi observado na serosa dos pré-estômagos, nos rins, na superfície da adrenal e nas

mucosas do útero, bexiga, uretra e vagina (Fig. 2B). Na cavidade torácica a traquéia,

brônquios e bronquíolos estavam pigmentados.

Algumas superfícies ósseas como articulações carpianas, gordura, íntimas de grandes

artérias e alguns ligamentos, principalmente o ligamento nucal, estavam com uma coloração

amarelo-pardo (Fig.2D). As cápsulas articulares, os tendões, ligamentos e extremidades dos

músculos (inserções) estavam com uma cor castanha claro brilhante (Fig.2E). No estudo

histológico não houve achados significativos, e as alterações pigmentares não permaneceram

após o processamento para confecção das lâminas.

Em nenhum dos experimentos realizados (Quadro 1) foi observada pigmentação das

mucosas ou das carcaças. As carcaças foram examinadas e destinadas ao consumo.

28

Figura 1. Rhamnidium molle, município de campo Formoso, Bahia. A) Arbusto. B) Vista da face abaxial da folha com as nervuras apresentando pigmento de cor preta. C) Fruto e folhas.

Figura 2. Ovinos. A) Mucosa oral com coloração violácea. B) Mucosas da bexiga e uretra com coloração violácea. C) Esterno mostrando as cartilagens do manúbrio e das articulações esternocondrais (setas) com coloração violácea. D) Íntima da artéria aorta com coloração amarelo-pardo. E) Membro torácico direito (antebraço). O terço distal do músculo extensor radial do carpo (setas) e o tendão apresentam coloração castanho claro.

29

Quadro 1. Plantas e doses administradas a ovinos e coelhos para determinar a etiologia de uma

cromatose em ovinos.

Planta Espécie

animal

Material e forma de administração Dose

diária

Período de administração

P. bahiensis Ovino Fruto refrigerado, cortado e

misturado a ração e farelo de milho

a 1%

20g/kg 40 dias

R. molle Ovino Folhas secas trituradas e misturadas

a 40% na ração.

6g/kg 33 dias

R. molle Ovino Folhas colhidas semanalmente e

administradas diariamente por via

oral.

6g/kg 120 dias

R. molle Coelho Folhas refrigeradas, trituradas e

administradas misturada à ração.

12g/kg 30 dias

R. molle Coelho Igual ao anterior. 24g/kg 60 dias

DISCUSSÃO

Os surtos ocorreram na ecorregião da caatinga classificada como Depressão Sertaneja

Meridional, que apresenta paisagem típica do semiárido nordestino, onde predomina a

vegetação arbustiva a arbórea (Velloso et al. 2002). O diagnóstico de cromatose foi realizado

com base nos dados coletados e pela observação dos achados clínicos e das necropsias.

Apesar das tentativas experimentais não foi identificada a causa da pigmentação. As

características clínicas e epidemiológicas sugerem que uma planta seja a causa desta

pigmentação, principalmente pelas semelhanças com os casos de cromatólise bovina,

causados por Bunchosia spp., na Colômbia (Gámez et al. 1983a).

No estudo histológico dos casos experimentais na Colômbia não foram vistos achados

significativos nem mesmo o pigmento nos tecidos (Gámez et al. 1983b). No semiárido da

Austrália foi detectada uma pigmentação enegrecida difusa, identificada como lipofuscina, no

fígado, linfonodos portais e, em menor grau, pulmões, em 3% dos ovinos abatidos, sem

nenhum sinal clínico, em um frigorífico em Brisbane. A pigmentação foi associada ao o

consumo de Acacia aneura, uma forrageira utilizada na região (Winter 1961, Jones et al.

2000). Pigmentação semelhante foi descrita em ovinos das Ilhas Malvinas (Rowland &

Whitley 1983).

30

Os resultados negativos com frutos P. bahiensis e folhas de R. molle sugerem que

estas duas plantas não são a causa da doença. No entanto, o fato de R. molle apresentar um

pigmento semelhante ao observado nos ovinos sugere que esta planta poderia ser a

responsável pela pigmentação, existindo a possibilidade de que o pigmento tenha sofrido

alguma transformação química entre a coleta da planta e a administração da mesma, pois

mesmo no ovino que ingeriu a planta recentemente coletada, esta permanecia por até uma

semana à temperatura ambiente antes de ser administrada. Novos experimentos administrando

R. molle imediatamente após a coleta são necessários para comprovar esta hipótese. No

entanto, não se descarta a possibilidade de que alguma outra planta seja responsável pela

pigmentação.

REFERÊNCIAS

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Leguminosas, p. 241-260. In: Carvalho C.J.B. & Almeida E.A.B. (Orgs.). Biogeografia

da América do Sul: padrões e processos. Editora Roca, São Paulo.

Gámez J.E.T., Echeverry R.E., Arango B.M. & Beltrán N.E.P. 1983a. Cromatosis de los

bovinos o “vaca morada” em Colombia (1ªparte). Informe especial; Carta Ganadera,

Bogotá, Colombia, 20(6):25-30.

Gámez J.E.T., Echeverry R.E., Arango B.M. & Beltrán N.E.P. 1983b. Cromatosis de los

bovinos o “vaca morada” em Colombia (2ªparte). Informe técnico; Carta Ganadera,

Bogotá, Colombia, 20(7):19-21 e 65-68.

Jones T.C., Hunt R.D. & King N.W. 2000. Depósitos minerais e pigmentos, p.63-86.

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Cotran, Bases Patológicas das Doenças. 7ª ed. Elsevier, Rio de Janeiro.

Pinho R., Fernandes S., Leite S., Pinto J., Afonso M., Silva A.P., Alberto L. & Fraga J. 2008.

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Toribio J. 2009. Porfiria cutánea tarda y hemocromatosis en España. Actas

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31

Rowland A.C. & Whitley R.S. 1983. A preliminary report on hepatic pigmentation in

Falkland Islands sheep. Vet. Res. Communications 6(1):235-240.

Stephenson S.L. 1990. The purple cow’s projected feast. USDA/FSIS veterinarian.

http://issuu.com/drshinola/docs/the_purple_cow. Acesso em 16/11/2010.

Varaschin M.S., Wouters F. & Prado E.S. 1998. Porfiria eritropeiética congênita em bovino

no Estado de Minas Gerais. Ciência Rural, Santa Maria, 28(4):695-698

Velloso A.L., Sampaio E.V.S.B. & Pareyn F.C.G., 2002. Ecorregiões Proposta para o Bioma

Caatinga. Associação Plantas do Nordeste; The Nature Conservancy do Brasil. 1ª ed.,

Recife, p.76

Winter H. 1961. An environmental lipofuscin pigmentation of livers. Studies on the

pigmentation affecting the sheep and other animals in certain districts of Australia.

University of Queensland Press, Australia, 66p.

32

CAPÍTULO III

Aversão alimentar condicionada no controle de surtos de intoxicações por Ipomoea carnea subsp. fistulosa e Turbina cordata

(Aceito para publicação em 28 de março de 2012, revista: Pesquisa Veterinária Brasileira)

Aversão alimentar condicionada no controle de surtos de intoxicações por Ipomoea

carnea subsp. fistulosa e Turbina cordata1

Luciano A. Pimentel2, Lisanka A. Maia2, Édipo M. Campos2, Antônio F.M. Dantas2, Rosane

M.T. Medeiros2, James A. Pfister3, Daniel Cook3 & Franklin Riet-Correa2*

ABSTRACT.- Pimentel L.A., Maia L.A., Campos E.M., Dantas A.F.M., Medeiros R.M.T.,

Pfister J.A., Cook D. & Riet-Correa F. 2012. [Conditioned food aversion to control

outbreaks of poisoning by Ipomoea carnea subsp. fistulosa and Turbina cordata.] Aversão

alimentar condicionada no controle de surtos de intoxicações por Ipomoea carnea subsp.

fistulosa e Turbina cordata. Pesquisa Veterinária Brasileira 00(0):00-00. Hospital

Veterinário, Centro de Saúde e Tecnologia Rural, Universidade Federal de Campina Grande,

Patos, PB 58708-110, Brazil. E-mail: [email protected]

Conditioned food aversion is used to train livestock to avoid the ingestion of toxic

plants. This technique was used to control Turbina cordata poisoning in goats in one farm,

and to control Ipomoea carnea subsp. fistulosa poisoning in another farm. The goats were

penned at night and the next morning the green plants were offered for 10 minutes. Goats that

ingested any amount of the plant were treated through a gastric tube with 175mg of LiCl/kg

body weight. In the flock in which the poisoning by T. cordata was occurring, the goats were

averted every two months during the period that the plant was found in the pastures. During

the experiment, from December 2009 to April 2011, new cases of poisoning were not

observed, and there was a progressive decrease in the number of goats that ingested the plant

and were averted. In the farm where I. carnea poisoning was occurring, most of the goats

were averted in December 2010, 15-20 days before the first rains. The goats of this flock did

not ingest the plant spontaneously in the field until September-October 2011, when, due to the

dry season, there was a severe forage shortage, and the goats started to ingest the plant in the

field. Later, despite three aversive treatments with 21 days intervals, the goats continued to

ingest the plant and some animals became poisoned. In conclusion, conditioned food aversion

was effective in to control intoxication by T. cordata. The technique was also effective in

conditioning goats to avoid consuming I. carnea during the rainy season, but not during the

dry season, with low forage availability in the field. The differences in these results seem to

be due to the epidemiology of both poisonings: T. cordata is senescent and unavailable during

most of the dry period, and green biomass is typically available either at the very end of the

dry season, for a short period of time, and during the rainy season when there is no shortage

34 1 Recebido em 29 de fevereiro de 2012.

Aceito para publicação em 28 de março de 2012.

2 Hospital Veterinário, Centro de Saúde e Tecnologia Rural (CSTR), Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Patos, PB 58708-110, Brasil. *Autor para correspondência: [email protected]

3 USDA-ARS Poisonous Plant Research Laboratory, Utah State University, Logan, UT 84341, USA.

of forage. In contrast, I. carnea grows in wet areas near water sources, and stays green during

the dry period when there is a lack of other forage.

INDEX TERMS: Conditioned food aversion, goats, plant poisoning control, swainsonine,

toxic plants.

RESUMO.- A aversão alimentar condicionada é uma técnica que pode ser utilizada em

animais para evitar a ingestão de plantas tóxicas. A técnica foi utilizada em uma fazenda para

controlar a intoxicação por Turbina cordata e em outra para controlar a intoxicação por

Ipomoea carnea subsp. fistulosa. Os caprinos eram presos à noite, e na manhã do dia seguinte

lhes era ofertada a planta verde, recém-colhida, por dez minutos. Os caprinos que ingerissem

qualquer quantidade da planta eram identificados, pesados e tratados com LiCl na dose de

175mg/kg peso vivo através de sonda esofágica. No rebanho da fazenda que havia T. cordata

a técnica foi aplicada a cada dois meses durante o período em que a planta foi encontrada.

Durante todo o experimento, de dezembro de 2009 a abril de 2011 não ocorreram novos casos

de intoxicação no rebanho e houve diminuição gradual do número de animais avertidos e da

quantidade de planta ingerida durante o processo de aversão. Na fazenda onde ocorria

intoxicação por I. carnea a maioria de rebanho foi avertido em dezembro de 2010, de 15 a 20

dias antes do início das chuvas. Os animais não ingeriram a planta espontaneamente no

campo até setembro-outubro de 2011, durante o período da seca. Mas quando houve extrema

carência de forragem iniciaram a ingestão da planta no campo. Posteriormente, apesar de três

tratamentos aversivos com 21 dias de intervalo, os animais continuaram a ingerir a planta e

ocorreram casos clínicos da intoxicação. A técnica de aversão alimentar condicionada

demonstrou ser eficiente e viável para o controle da intoxicação por T. cordata. Para a

intoxicação por I. carnea a técnica impediu a ingestão da planta somente durante a época de

chuvas, mas não durante a seca, quando há pouca disponibilidade de forragem. A diferença

nos resultados com as duas plantas é, aparentemente, resultante das condições

epidemiológicas diferentes nas que ocorrem as intoxicações. T. cordata desaparece durante a

maior parte do período de seca. A planta rebrota e fica verde no final do período seco,

quando ainda há pouca oferta de forragem, e permanece verde durante a época da chuvas.

Entretanto, I. carnea, por crescer próximas as fontes de água, em áreas úmidas, permanece

verde durante todo o período da seca, quando é maior a escassez de forragem, favorecendo

desta forma a ingestão da planta pelos animais.

35

TERMOS DE INDEXAÇÃO: aversão alimentar condicionada, caprinos, controle de

intoxicações, plantas tóxicas, suainsonina, intoxicações por plantas.

INTRODUÇÃO

A aversão alimentar condicionada é uma técnica que visa causar repulsa em animais ou

humanos, a um determinado alimento ou substância ingerida. A técnica é amplamente

utilizada e entre as finalidades estão, por exemplo, a de evitar a predação nas criações de

gado, por coiotes e lobos, ou impedir o consumo de grãos por roedores (Gustavson &

Gustavson 1985) ou ainda a destruição de diferentes cultivos por herbívoros (Nicodemo 2006,

Burritt 2011). A técnica também já foi estudada para o tratamento do alcoolismo em humanos

(Logue 1985, Nathan 1985, Ralphs & Provenza 1999).

Qualquer substância química ou estado fisiológico provocado que afeta o trato

gastrointestinal e o centro emético do cérebro pode causar aversão. A droga mais utilizada

para aversão alimentar condicionada em animais de produção é o cloreto de lítio (LiCl) ( Lane

et al. 1990, Ralphs & Olsen 1998), embora a apomorfina seja outro emético comumente

usado em animais de grande porte (Pfister et al. 2002).

O LiCl é o emético mais utilizado em estudos de comportamento, por provocar náusea

sem efeitos colaterais perigosos. Por ser de natureza cáustica, o fornecimento de quantidades

relativamente grandes, utilizadas para criar aversão em ruminantes, deve ser administrado

dentro do rúmen por meio de sonda esofágica permitindo sua diluição no fluído ruminal.

Nestas e em outras espécies de animais a administração pode ser também realizada por meio

de bolus (Ralphs & Provenza 1999, Nicodemo 2006). O LiCl tem produzido melhores

resultados do que a apomorfina na criação e manutenção da aversão alimentar em bovinos

(Ralphs & Stegelmeier 1998).

Em ruminantes e equinos a técnica de aversão alimentar pode ser utilizada para evitar

a ingestão de plantas tóxicas. Para isso utiliza-se LiCl, que ao ser administrado mediante

sonda esofágica, imediatamente após o consumo da planta, induz aversão, o que tem sido

utilizado para evitar o consumo de Delphynium barbeyi, Oxytropis sericea e Astragalus spp.

em bovinos e equinos (Ralph & Olsen 1998, Pfister et al. 2002).

No Brasil, experimentalmente, tem sido utilizado o LiCl para induzir aversão ao

consumo de Amorimia (Mascagnia) rigida (Barbosa et al. 2008, Pacífico da Silva & Soto-

Blanco 2010) e Leucaena leucocephala (Gorniak et al. 2008).

A aversão com LiCl pode ser mantida por longos períodos; no entanto, se os animais

tratados permanecem junto a animais não tratados que ingerem a planta, a aversão desaparece

36

rapidamente (Ralphs & Provenza 1999). Este comportamento, denominado facilitação social,

é o fator mais importante para a utilização da aversão alimentar condicionada na profilaxia de

algumas intoxicações por plantas (Ralphs & Olsen 1998, Ralphs 1997). A facilitação social é

o mecanismo pelo qual animais que começam a se alimentar com plantas que contêm

swainsonina, desenvolvem o hábito compulsivo de ingerí-las, independentemente da

palatabilidade, e ensinam aos outros animais a consumí-las (Ralphs et al. 1990, 1991, 1994,

Barbosa et al. 2006, 2007, Dantas et al. 2007).

Estudos recentes demonstraram que a aversão alimentar ocorre naturalmente em

ruminantes e equinos criados em áreas onde ocorre Baccharis coridifolia, que não ingerem

essa planta (Almeida et al. 2009). B. coridifolia é uma planta tóxica do Uruguai, Argentina e

Região Sul do Brasil que causa intoxicação em ruminantes e equinos que são transferidos de

áreas onde a planta não ocorre para áreas onde ela está presente (Barros 1998, Rissi et al.

2005). O uso de B. coridifolia como agente aversivo obteve excelentes resultados quando

comparado com o LiCl (Almeida et al. 2009).

As plantas que contêm swainsonina causam desordens neurológicas associadas com

armazenamento lisossomal de oligossacarídeos, e compõem um grupo muito importante de

plantas tóxicas no Brasil. Nas regiões Norte e Nordeste, principalmente em caprinos, mas

também em bovinos, ovinos e equinos, ocorrem às intoxicações por Ipomoea carnea subsp.

fistulosa (Armién et al. 2007, Oliveira et al. 2009), Ipomoea riedelii, Ipomoea sericophyla

(Barbosa et al. 2006, 2007) e Turbina cordata (Dantas et al. 2007).

As intoxicação por T. cordata (Dantas et al. 2007) e I. carnea (Tokarnia et al. 1960,

Armién et al. 2007) são importantes intoxicações em caprinos de alguns municípios dos

estados da Bahia e Pernambuco, causando importantes perdas econômicas e sendo um fator

limitante da caprinocultura na região. O objetivo deste estudo foi avaliar a aplicabilidade da

técnica de aversão alimentar condicionada, utilizando o LiCl, no controle das intoxicações por

T. cordata e I. carnea subsp. fistulosa em rebanhos com alta frequência da doença.

MATERIAL E MÉTODOS

Turbina cordata

As atividades foram desenvolvidas entre dezembro 2009 e abril de 2011, na fazenda

Lagoa do Meio localizada no distrito de Massaroca no município de Juazeiro, Bahia, onde

ocorriam casos de intoxicação por T. cordata.

Foram realizadas visitas à propriedade a cada dois meses, durante um ano e sete

meses. As atividades foram semelhantes a cada visita. Os caprinos eram presos à noite, e na

manhã do dia seguinte lhes era ofertada, por dez minutos, a planta verde e recém-colhida. Os

37

caprinos que ingerissem qualquer quantidade da planta eram identificados, pesados e tratados

imediatamente após o final da ingestão voluntária, via sonda esofágica, com uma solução de

LiCl e água destilada (175mg/ml), na dose de 175mg/kg de peso vivo. Os animais submetidos

ao tratamento aversivo eram separados dos demais durante a administração. A tarde, era

oferecido feno ou forragem colhida no campo e água à vontade tanto ao grupo tratado quanto

ao não tratado, o procedimento era repetido por três dias consecutivos.

Durante todo o experimento foram registrados dados do total de animais no rebanho,

número de tratamentos por animal, números de animais com sinais clínicos de intoxicação por

T. cordata, ocorrência e duração da aversão. Durante as visitas à fazenda, quando necessário,

foram realizados exames clínicos dos animais, sugeridas medidas adequadas para o manejo

(vacinação e vermifugação), pequenos procedimentos clínico-cirúrgicos, prescrição e

tratamento de animais doentes.

Ipomoea carnea subsp. fistulosa

As atividades foram desenvolvidas entre dezembro de 2010 e fevereiro de 2012, na

fazenda Carnaúbas dos Xavier, no município de Cacimba de Areia, Paraíba, onde estavam

ocorrendo numerosos casos de intoxicação por I. carnea subsp. fistulosa. Nesta fazenda os

caprinos também foram mantidos presos durante a noite, e na manhã do dia seguinte lhes foi

ofertada a planta verde, por dez minutos. O rebanho foi separado em lotes de 15 a 20 animais

por cada oferta de 10 minutos de I. carnea. Todos os caprinos que consumiram qualquer

quantidade da planta foram identificados e aplicado o mesmo protocolo de administração do

LiCl utilizado no experimento com T. cordata.

Na manhã do 4º dia, os caprinos foram soltos no campo e neste mesmo dia o rebanho

foi observado continuamente por três horas após soltura. No 6º dia a planta foi novamente

ofertada aos caprinos, porém desta vez não foi administrado LiCl, apenas foram identificados

os animais que consumiram ou não I. carnea. Quinze dias após o início do tratamento foi

realizada uma nova visitada a fazenda, e o rebanho foi observado a campo por duas horas.

Para testar a eficiência da aversão, aos 60 e 120 dias após o tratamento, foi ofertada a planta

no curral para todos os caprinos, determinando-se o número de animais que ingeriram

qualquer quantidade da mesma.

No ano seguinte (2011) foi aplicado novamente o tratamento com LiCl, em setembro,

no início do período de escassez de forragem nesse ano, utilizando o mesmo protocolo

mencionado anteriormente, desta vez com intervalo de 21 dias entre as três aplicações. Além

disso, foram realizadas visitas periódicas durante o período de aplicação do método de

38

aversão e, posteriormente, para verificar a eficiência do tratamento. O rebanho foi

acompanhado periodicamente durante um ano e dois meses.

A determinação da ingestão I. carnea pelos caprinos, nas visitas em que a planta não

foi ofertada, foi realizada mediante observação do rebanho na área onde havia a planta, ou

mediante a observação dos animais para determinar a presença de manchas (nódoas) na boca

causadas pelo látex da planta.

Medidas sanitárias de manejo, exames e tratamentos também foram realizados nos

rebanhos desta fazenda durante período do estudo. Dois caprinos intoxicados que pertenciam

a esta fazenda, foram enviados ao Hospital Veterinário; um deles devido à gravidade dos

sinais clínicos foi eutanasiado e em seguida necropsiado. Coletaram-se fragmentos dos órgãos

da cavidade abdominal, torácica, encéfalo e medula espinhal, que foram fixados em formol

tamponado a 10% e processados rotineiramente para confecção de lâminas histológicas

coradas pela hematoxilina e eosina.

Em abril de 2011, partes aéreas de T. cordata (12 amostras) e I. carnea fistulosa (9

amostras) foram coletadas nas respectivas fazendas onde estavam sendo realizados os

experimentos, e enviadas ao Poisonous Plant Research Laboratory (USDA/ARS), Logan, UT,

EUA, para determinar os níveis de swainsonina. As concentrações de swainsonina foram

determinadas por cromatografia líquida e espectrometria de massa pelos métodos descritos

por Gardner et al. (2001) e Dantas et al. (2007).

Foram coletados dados da precipitação pluviométrica mensal nas duas regiões onde

estavam localizadas as fazendas durante o período de acompanhamento. Na Paraíba, os dados

foram fornecidos pela Agência Executiva de Gestão das Águas do Estado da Paraíba (AESA),

e na Bahia pela Estação Agrometeorológica de Mandacaru da Embrapa Semiárido.

RESULTADOS

Turbina cordata

Na fazenda, há três anos vinham ocorrendo perdas na produção do rebanho caprino

devido à intoxicação por T. cordata. Os níveis médios de swainsonina encontrados em T.

cordata desta propriedade foram de 0,054±0,088% (média ± SD), com variação de 0,012% a

0,323% nas diferentes amostras.

Na visita de dezembro de 2009 havia na propriedade 65 caprinos entre jovens e

adultos, em sua maioria sem raça definida e outros puros ou mestiços da raça Saanen. Havia

quatro animais apresentando sinais clínicos de intoxicação por T. cordata. Outros cinco

animais haviam morrido dias antes com a mesma sintomatologia. No primeiro dia do estudo,

ofertamos T. cordata e apenas cinco caprinos consumiram a planta e foram tratados com LiCl.

39

No segundo dia, apenas um caprino, que apresentava sinais da intoxicação, dos cinco que

foram tratados, voltou a consumir a planta e foi tratado novamente. No terceiro dia, houve

repetição do tratamento de mais um caprino que tinha consumido planta no primeiro dia, mas

não no segundo.

Na visita de fevereiro de 2010, foi realizado o mesmo procedimento. Na oportunidade

havia 50 animais no rebanho. A diminuição no rebanho foi atribuída à venda em idade de

abate. No primeiro dia, sete caprinos consumiram a planta; destes, apenas um pertencia ao

grupo que foi tratado na 1ª visita. Outros três animais que consumiram a planta tinham apenas

três meses de idade. No segundo dia, 14 caprinos consumiram a planta e foram tratados,

destes cinco haviam consumido no dia anterior. Dos outros nove caprinos, quatro deles

haviam sido tratados na 1ª visita. No terceiro dia, sete caprinos consumiram a planta e foram

tratados, destes, três tinham consumido T. cordata nos dois dias anteriores, somente três no

segundo dia e um comeu no 1º e no 3º dias. Um caprino, que apresentava sinais clínicos na

visita anterior, tinha se recuperado, mas ingeriu a planta e foi tratado novamente. Os demais

caprinos que estavam doentes na primeira visita tinham sido comercializados.

Na visita de abril de 2010 apenas 18 animais do rebanho inicial encontravam-se na

propriedade. O restante dos animais havia sido transferido para outra propriedade, devido ao

período das chuvas (Fig. 1) e ao manejo da pastagem. Seguindo o mesmo protocolo foram

tratados, no 1º dia, quatro caprinos que consumiram a planta em pequena quantidade (2-3

folhas cada), três deles já haviam consumido em outra visita. No segundo dia cinco caprinos,

todos já tratados anteriormente, consumiram a planta (1-3 folhas e/ou 2-3 flores cada) e foram

tratados. Outros quatro animais cheiraram a planta sem consumir. No 3º dia seis animais

consumiram de 2-5 folhas ou flores e foram tratados. O caprino que apresentava sinais

clínicos e tinha se recuperado na visita anterior continuava sem sinais clínicos, mas ingeriu a

planta e foi avertido novamente.

Na visita de julho de 2010 havia a mesma quantidade de animais da visita anterior, 18

entre jovens e adultos. Durante a oferta dois caprinos jovens consumiram a planta em pequena

quantidade (1 folha) no 1º dia. No 2º dia não houve consumo. No 3º dia dois caprinos,

diferentes dos que foram tratados no 1º dia, consumiram a planta (1-2 folhas cada) e foram

tratados. Os quatro animais que foram tratados nesta visita eram jovens com menos de um ano

e já haviam consumido a planta anteriormente. Nesta e nas visitas posteriores, aos caprinos

que consumiam a planta em pequenas quantidades (1-5 folhas), administrava-se

forçadamente, antes do tratamento aversivo, aproximadamente 100g de folhas, visando uma

melhor associação ao tratamento com LiCl.

40

Na visita de novembro de 2010 havia 19 animais. O maior intervalo desta visita com a

anterior foi devido a que, no período, a planta não estava presente nas pastagens. Segundo o

proprietário, T. cordata começou a rebrotar em meados de outubro, mesmo sem terem

iniciado as chuvas na região (Fig. 1). No primeiro dia não foi tratado nenhum caprino. No 2º

dia quatro caprinos consumiram alguns talos da planta e foram tratados. No terceiro dia

apenas um caprino consumiu duas folhas; este animal ainda não havia sido tratado em visitas

anteriores. Neste período, em outros anos, já tinha começado a aparecer casos de intoxicação

por T. cordata. Nesta visita não havia animais apresentado sinais clínicos da intoxicação e

nem mesmo nódoas na pele em volta da boca que caracteriza o consumo de T. cordata no

campo.

Na visita de janeiro de 2011, havia apenas 12 caprinos na fazenda, sendo nove adultos

e três cabritos. A diminuição no rebanho foi atribuída à venda e a que alguns caprinos tinham

sido levados para áreas de caatinga aberta (fundo de pasto), uma prática comum na região

devido à excelente oferta de forragem nas áreas abertas durante o período de chuvas. No 1º

dia, três animais consumiram uma folha de T. cordata e foram tratados após a administração

de mais 100g de folhas. No segundo dia, um caprino introduzido no rebanho há

aproximadamente três meses e que não estava presente nas visitas anteriores, ingeriu a planta

por cinco minutos consecutivos. O mesmo animal apresentava nódoas na pele ao redor da

boca e sinais clínicos leves, incluindo desvio lateral da cabeça e positividade ao teste de

levantar a cabeça por um minuto. Este e outros três caprinos que consumiram 1-2 folhas

também foram tratados com LiCl. Dos três últimos um havia sido introduzido no rebanho há

três meses e foi a primeira vez que consumiu a planta.

Na visita realizada em abril de 2011, havia 22 caprinos. Após a oferta da planta, quatro

animais que não pertenciam ao rebanho utilizado no estudo, consumiram a planta

voluntariamente. Os 18 caprinos que permaneceram no rebanho desde o início das atividades

não apresentaram qualquer sinal de consumo ou de intoxicação por T. cordata.

Um resumo da data de cada visita, o número de animais no rebanho, número de

animais avertidos e número de doentes nessa data encontra-se no Quadro1.

Ipomoea carnea subsp. fistulosa

A primeira visita à fazenda onde havia um surto de intoxicação por I. carnea, foi

realizada em 7 de dezembro de 2010, antes do início das chuvas na região. Havia marcada

escassez de forragem nas pastagens e I. carnea estava com bastante folhas verdes devido a

localização favorável as margens do açude. Os níveis médios de swainsonina determinados na

41

I. carnea nesta fazenda foram de 0,069 ± 0,056% (média ± SD), com variação de 0,00 a

0,162% entre diferentes amostras.

O proprietário relatou que o problema tinha iniciado há aproximadamente dois meses

(durante o período seco (Fig. 2)). A intoxicação por I. carnea já era conhecida na região há

mais de 10 anos, porém em anos de chuvas abundantes não se observavam casos, como em

2009. Outra informação era de que no início da criação de caprinos, na década de 90, boas

cercas impediam que os caprinos tivessem acesso à área da I. carnea. Na observação a campo

foi possível evidenciar que os caprinos consumiam I. carnea. Os caprinos não estavam sendo

liberados para área onde havia a planta, mas passavam cercas e invadiam o local onde havia I.

carnea.

Na fazenda, o rebanho caprino era de 114 cabeças e havia 16 caprinos (14%) com

sinais clínicos da intoxicação. Cerca de 60 caprinos do rebanho tinham sido adquiridos há

cinco meses e destes 10 apresentavam sinais clínicos. Os ovinos não consumiam a planta.

Bovinos já tinham sido vistos consumindo em pequenas quantidades, porém não foram

observados casos de intoxicação.

No caprino necropsiado não foram observadas lesões macroscópicas significativas. No

exame histológico foram observados múltiplos esferóides axonais no tronco encefálico e

cerebelo, discreta vacuolização fina multifocal no citoplasma de células foliculares da tireóide

e aleatoriamente no pericário de neurônios de núcleos do tronco encefálico.

No primeiro dia de oferta da planta no curral havia 100 caprinos, 81 consumiram a

planta e foram avertidos. No segundo dia, 77 caprinos foram avertidos. No terceiro dia, 57

caprinos foram avertidos, entretanto 19 consumiram apenas 1-2 folhas cada, sendo

administrada por via oral mais 100g da planta a cada um, antes da administração do LiCl.

Três dias após a aversão ofertamos novamente a planta no curral e 28 caprinos consumiram

algumas folhas, mas não foram tratados com LiCl.

Na visita de 22 de dezembro de 2010 para observação a campo, dois caprinos foram

vistos consumindo a planta. Um caprino que apresentava sinais grave no início do estudo, foi

encontrado morto nas margens do açude. Nesta data já tinham ocorrido às primeiras chuvas

(Fig. 2) e o pasto estava iniciando a rebrotar.

Em fevereiro de 2011, aproximadamente dois meses após o início do tratamento, havia

muito forragem verde na pastagem. O proprietário informou que tinham morrido três caprinos

(dois adultos e um jovem), que estavam intoxicados na visita anterior. No mesmo dia foi

ofertada I. carnea no curral para verificar a aversão. Cerca de 20 animais experimentaram a

planta comendo de uma a cinco folhas, alguns animais cheiravam e em seguida afastavam-se

42

da planta. Apenas cinco animais (cabras adultas) consumiram a planta por cinco minutos

consecutivos. No entanto, nenhum caprino foi visto ingerindo a planta espontaneamente, não

foram observadas nódoas na boca dos animais e o rebanho pastejava em áreas de caatinga não

ingressando à área onde havia a planta.

Em de abril de 2011 foi ofertada I. carnea a todo o rebanho no curral e seis caprinos

consumiram a planta por aproximadamente três minutos. Muitos caprinos experimentaram ou

cheiravam a planta e se afastavam em seguida. Na pastagem tinha boa oferta de forragem

nesse período e os caprinos continuavam sem ingerir a planta.

As chuvas se estenderam até mês de julho de 2011 e em setembro, após o início do

período seco, novamente os caprinos foram avertidos com LiCl. No primeiro dia ofertamos I.

carnea a 89 caprinos, 58 consumiram a planta e foram tratados. Em nove caprinos que

ingeriram poucas folhas foram administrados mais 100g das mesmas antes da administração

do LiCl. Nesta visita, um número não determinado de caprinos não foram avaliados por falhas

na contenção no curral.

Em 11 de outubro de 2011 uma cabra da fazenda foi encaminhada ao Hospital

Veterinário com sinais característicos da intoxicação por I. carnea. No dia seguinte foi

novamente aplicado protocolo de aversão e a planta foi oferecida a 133 caprinos, 26 deles

consumiram e foram tratados com LiCl. No dia 21 do mesmo mês foi realizada uma visita

para observação a campo dos animais. Cerca de uma hora e trinta minutos após soltura parte

do rebanho, principalmente os caprinos da raça Saanen, seguiram para as margens do açude,

aonde há uma grande concentração de I. carnea. Cerca de 30 caprinos chegaram para beber

água, destes quatro iniciaram o consumo da planta e permaneceram na área.

O último tratamento com LiCl, foi realizado em quatro de novembro de 2011. Foram

avaliados 77 caprinos e 23 deles foram avertidos. No dia 21 de novembro os caprinos foram

novamente observados a campo por duas horas. Nenhum caprino foi visto consumindo à

planta, porém foram observados dando preferência ao consumo das vargens de Prosopis

juliflora que caem nesta época do ano.

Na visita de 20 de dezembro de 2011 as chuvas não tinham começado e havia marcada

escassez de forragem nas pastagens. Foram identificados, mediante a observação de nódoas,

16 caprinos que estavam consumindo a planta. Nove caprinos que apresentavam tremores de

intenção e quedas quando excitados (cinco cabritos lactentes com idade entre 2 e 4 meses e

quatro cabras adultas), foram separados em um piquete de capim Tiffton sem acesso a I.

carnea. Uma cabra que há dois meses tinha sido identificada consumindo a planta

43

espontaneamente a campo e apresentava sinais de consumo (nódoas) ao ser examinada, ainda

não apresentava sinais clínicos.

Em 19 de janeiro de 2012, os caprinos separados no piquete sem I. carnea tinham

diminuído a intensidade dos sinais clínicos e estavam ganhando peso. Porém, outros sete

caprinos (três cabras adultas e quatro cabritos), que estavam juntos ao resto do rebanho

apresentaram sinais da intoxicação. Dentre estes estava à cabra, que consumia a planta havia

90 dias, que apresentava tremores de intensão, ataxia, dismetria e quedas quando excitada.

Um resumo da data de cada visita, o número de animais no rebanho, número de

animais avertidos e número de doentes nessa data encontra-se no Quadro2.

0

50

100

150

200

250

mm

mês/ano

Figura 1. Precipitação mensal das chuvas durante o período experimental da aversão alimentar condicionada para o controle da intoxicação por T.cordata. Microrregião de Juazeiro, Bahia. Fonte: Estação Agrometeorológica de Mandacaru, Embrapa semiárido.

0

50

100

150

200

250

mm

Figura 2. Precipitação mensal das chuvas durante o período experimental da aversão alimentar condicionada para o controle da intoxicação por I. carnea. Microrregião de Patos, PB. Fonte: Agência Executiva de Gestão das Águas do Estado da Paraíba (AESA). www.aesa.pb.gov.br .

44

Quadro 1. Condicionamento aversivo de caprinos para T. cordata em uma fazenda. Data da visita, número de caprinos no rebanho, número de animais avertidos e número de animais

intoxicados nessa data. Visita/Data Nº de

caprinos Caprinos que consumiram a

planta

Caprinos tratados

Caprinos clinicamente intoxicados

Período climático

07/12/2009 65 5 5 4 Fim da seca

02/02/2010 50 15 15 - Chuvas

24/04/2010 18 13 13 - Final das

chuvas

17/07/2010 18 4 4 - Inicio da

seca

05/11/2010 19 5 5 - Seca

24/01/2011 12 5 5 1* Chuvas

00/04/2011 22 4* - 1* Final das

chuvas

(*) = Animais introduzidos no rebanho sem tratamento prévio com LiCl (175mg/kg PV).

Quadro 2. Condicionamento aversivo de caprinos para I. carnea em uma fazenda. Data da visita, número de caprinos no rebanho, número de animais avertidos e número de animais intoxicados

nessa data. Visita/Data N° de

caprinos Caprinos que consumiram a

planta

Caprinos tratados

Caprinos clinicamente intoxicados

Período climático

07/12/2010 100 81 81 16 Seca

08/12/2010 97 77 77 - Seca

09/12/2010 97 57 57 - Seca

12/12/2010 96 28 - - Seca

22/12/2010 - 2* - - Início das

Chuvas

16/02/2011 112 5 - - Chuvas

14/04/2011 102 6 - - Chuvas

21/09/2011 104 58 58 - Início da

seca

12/10/2011 133 26 26 1 Seca

21/10/2011 - 4* - 1 Seca

04/11/2011 96 23 23 2 Seca

20/12/2011 102 16 - 9 Seca

19/01/2012 98 Não foram avertidos 14 Seca

(*) = Consumo espontâneo na observação a campo.

45

DISCUSSÃO

Na propriedade onde ocorria intoxicação por T. cordata não foram observados novos casos de

doença nos animais tratados ao longo do experimento, exceto um animal que foi introduzido

no rebanho sem ser avertido, que apresentou sinais característicos da intoxicação. Inclusive

um dos animais que apresentava sinais clínicos no início do experimento, recuperou-se e,

após três tratamentos, não ingeriu mais a planta. Esses resultados comprovam a eficiência da

utilização de aversão condicionada para o controle da intoxicação por T. cordata. Para isso é

recomendável iniciar o tratamento dos animais que ingerem a planta no início das chuvas e

repetir a cada dois meses até o final do período de chuvas, que na região normalmente vai de

dezembro-janeiro a abril-maio, o que significa tratar o rebanho duas ou, no máximo, três

vezes ao ano. Quando não há tratamento aversivo os primeiros casos de intoxicação

acontecem aproximadamente 30 dias após o inicio da rebrota e podem continuar ocorrendo

durante todo o período de chuvas. Durante a época seca a planta desaparece e volta a rebrotar

em outubro, mesmo antes do início das chuvas.

Ao contrário do observado no controle da intoxicação por T. cordata, na intoxicação

por I. carnea o controle utilizando a técnica de aversão não foi totalmente eficiente, pois

apesar de que o tratamento aversivo diminuiu o número de casos, os caprinos só deixaram de

ingerir a planta na época das chuvas, quando havia outras forragens disponíveis. No entanto,

após o primeiro tratamento aversivo, 15-20 dias antes do início das chuvas, em dezembro de

2010, os animais não ingeriram a planta no campo, até setembro ou outubro de 2011, quando

havia marcada carência de forragem. Isso apesar de que em visita realizada em abril de 2011,

alguns animais, que não ingeriam a planta a campo, ingeriram poucas quantidades da mesma

quando oferecida no curral. Esse comportamento é provável que seja em consequência do

tratamento aversivo, pois sabe-se que após o início da ingestão de I. carnea e outras plantas

que contêm swainsonina, os animais desenvolvem preferência pelas mesmas e não deixam de

ingeri-las, mesmo quando lhes é oferecido outras forragens, comportamento que os

produtores descrevem como vício. Esses resultados sugerem que a aversão é eficiente para

controlar a ingestão da planta quando há boa disponibilidade de forragem. Pelo contrário, com

marcada carência de forragem, de outubro de 2011 a janeiro de 2012, mesmo com diversos

tratamentos, não foi possível evitar a ingestão da planta, nem a ocorrência da intoxicação. Um

fator que pode ter influenciado em manter a aversão foi que, em consequência de falta de

instalações e manejo adequado na fazenda, a cada tratamento o número de animais foi

diferente, por que não tinham sido encerrados todos os caprinos ou estes escapavam dos

currais.

46

As condições necessárias para que os animais iniciem a ingerir I. carnea não são

totalmente conhecidos, mas parece que o início da ingestão ocorre principalmente durante

períodos prolongados de extrema escassez de forragem. Evitar estas condições é fundamental

para prevenir que alguns animais comecem a ingerir a planta e, pelo mecanismo de facilitação

social, induzam aos demais animais ao consumo. Para tentar evitar a ocorrência da doença

durante a seca de 2011 foi realizado um tratamento aversivo no mês de setembro, quando não

havia casos clínicos, nem evidências de consumo espontâneo da planta. Nesta ocasião foram

avertidos 58 de um total de 104 animais. No entanto, em outubro de 2011 foi observado um

caso clínico da doença e diversos animais tinham iniciado a ingerir a planta no campo. A

partir dessa data, apesar dos diversos tratamentos aversivos, novos animais começaram a

ingerir I. carnea e novos casos da doença surgiram, sugerindo a ineficiência do método

quando aplicado na época da seca, com severa carência forragem. Esses resultados sugerem

que a aversão alimentar condicionada não é totalmente eficiente para o controle da

intoxicação por esta planta, sendo recomendadas outras técnicas de controle da mesma. No

entanto, poderá ser utilizada como paliativa, para evitar perdas econômicas maiores, quando

outras formas de controle, não sejam possíveis.

Em experimentos recentes realizados em caprinos para testar a aversão alimentar

condicionada como forma de controle da intoxicação por I. carnea subsp. fistulosa foi

demonstrado que caprinos provenientes de propriedades onde existe a planta, com sinais

clínicos da intoxicação, e que tem o hábito de ingerir a planta por longos períodos, não

respondem ao tratamento aversivo. Enquanto isso, caprinos recém-adaptados à ingestão da

planta, submetidos ao tratamento aversivo mediante a administração de uma solução de

cloreto de lítio (LiCl) na dose de 200mg/kg pv, logo após a ingestão voluntária da planta na

pastagem, não ingeriram a planta por, pelo menos, 24 meses, sugerindo que uma forma de

controle da doença nas propriedades afetadas poderia ser a eliminação dos animais que tem o

hábito de ingerir a planta e a introdução de animais previamente avertidos (Oliveira et al.

2010, 2011).

Em conclusão, a técnica de aversão alimentar condicionada demonstrou ser eficiente e

viável para o controle da intoxicação por T. cordata. Pelo contrário, não foi eficiente para o

controle da intoxicação por I. carnea. A diferença nos resultados é, aparentemente, resultante

das condições epidemiológicas diferentes nas que ocorrem as duas intoxicações. T. cordata

permanece seca durante a maior parte do período de seca, brotando imediatamente após as

primeiras chuvas, ou mesmo antes das mesmas, permanecendo verde, quando não há outras

forragens disponíveis, por curto espaço de tempo. Durante a época das chuvas, quando a

47

planta é mais abundante, há outras forragens disponíveis e a aversão pode ser mantida durante

todo o período, com tratamentos a cada dois meses dos animais que iniciam a ingerir a planta.

I. carnea, por crescer próximas as fontes de água, em áreas úmidas, permanece verde durante

todo o período da seca, quando é maior a escassez de forragem, favorecendo desta forma a

ingestão da planta por parte dos animais. Como na região nordeste a I. carnea geralmente é

encontrada em locais restritos, em áreas úmidas, pareceria mais adequado, para controlar a

intoxicação, a utilização de técnicas de eliminação das plantas (arado, herbicidas, arranca

manual, etc) ou evitar o acesso dos animais desses locais mediante a utilização de cercas. No

caso de não ser possível nenhuma dessas opções, a principal medida de prevenção é a de

utilizar suplementação forrageira para evitar que os caprinos iniciem a ingestão da planta.

Nestas condições a aversão alimentar poderia servir como uma técnica complementar.

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Janeiro, 3:59-71.

50

CONCLUSÕES

• Jatroha ribifolia causa intoxicação em caprinos no Norte Baiano.

• A intoxicação por J. ribifolia ocorre durante a época da seca, quando há pouca

disponibilidade de forragem na região semiárida.

• Semelhante a outras intoxicações por plantas da região semiárida, a degradação da

caatinga é um fator importante para a proliferação de J. ribifolia e a ocorrência da

intoxicação.

• No Norte Baiano, em ovinos pastejando em áreas de caatinga, ocorre pigmentação de

vísceras e carcaças, causada provavelmente pelo consumo de alguma planta.

• A aversão alimentar condicionada, realizada a cada dois meses, é uma técnica eficiente

para o controle da intoxicação por Turbina cordata em caprinos.

• A aversão alimentar condicionada é uma técnica eficiente para evitar o consumo de

Ipomoea carnea subsp. fistulosa, em caprinos, durante a época da chuva. Porém,

quando aplicada na época da seca, com carência de forragem, não é eficiente e os

animais continuam a ingerir a planta, mesmo com tratamentos repetidos.

51