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Organização: Maria Amelia Jundurian Corá e Walter Belik Emma Siliprandi, Janaína Romano Rangel, Léa Lameirinhas Malina, Liliane Batista Barbosa de Souza, Luanda Villas Boas Vannuchi, Nuria Chaim, Sofia Reinach, Walter Belik.

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Organização:Maria Amelia Jundurian Corá e Walter Belik

Emma Siliprandi, Janaína Romano Rangel, Léa Lameirinhas Malina, Liliane Batista Barbosa de Souza, Luanda Villas Boas Vannuchi, Nuria Chaim,

Sofia Reinach, Walter Belik.

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Projeto Nutre SP: Análise da Inclusão da Agricultura Familiar na Alimentação Escolar no Estado de São Paulo

PROJETO NUTRE SP

ANÁLISE DA INCLUSÃO DA AGRICULTURA FAMILIAR NA ALIMENTAÇÃO ESCOLAR

NO ESTADO DE SÃO PAULO

Janeiro 2012

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Projeto Nutre SP: Análise da Inclusão da Agricultura Familiar na Alimentação Escolar no Estado de São Paulo

Realização

Execução

Fundado em abril de 2001, o Instituto Via Pública é uma organização sem fins lucrativos cujo objetivo é contribuir para o aperfeiçoamento das políticas públicas no Brasil e o desenvolvimento

econômico e social do país. Nossa proposta é desenvolver projetos que permitam ao poder público, organizações não governamentais e empresas privadas buscar soluções capazes de garantir

a melhoria da qualidade de vida dos brasileiros por meio de ações econômicas e sociais.

Sitio eletrônico: www.institutoviapublica.org.br

Ministério do Desenvolvimento Agrário. Secretaria da Agricultura Familiar; Instituto Via PúblicaProjeto Nutre SP: análise da inclusão da agricultura familiar na alimentação escolar no estado de São Paulo./Maria Amélia Jundurian Corá; Walter Belik , organizadores --São Paulo: Instituto Via Pública, 2012.104p.:Ilust.

1. Agricultura Familiar 2. Alimentação Escolar I-. Instituto Via Pública II- Título

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Projeto Nutre SP: Análise da Inclusão da Agricultura Familiar na Alimentação Escolar no Estado de São Paulo

PROJETO NUTRE SP

ANÁLISE DA INCLUSÃO DA AGRICULTURA FAMILIAR NA ALIMENTAÇÃO ESCOLAR

NO ESTADO DE SÃO PAULO

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Projeto Nutre SP: Análise da Inclusão da Agricultura Familiar na Alimentação Escolar no Estado de São Paulo

Instituto Via PúblicaDiretor-executivoPedro Paulo Martoni Branco

Diretor de Planejamento Geral e Coordenação de ProjetosLuiz Henrique Proença Soares

Diretora de Pesquisas e MetodologiasAnnez Andraus Troyano

Presidente do Conselho DeliberativoCeres Alves Prates

Projeto NUTRE SPCoordenação GeralPedro Paulo Martoni Branco

Coordenação TécnicaWalter Belik

Gerência do ProjetoMaria Amelia Jundurian Corá

Equipe TécnicaAna Cristina Gentile FerreiraDaniel BertoliDevancyr Romão Eduardo BermejoFabíola Camargo Figueiredo SilvaFrancine ProcópioIzaura de Abreu Santana

Janaína Romano RangelJorge Eduardo JulioLaura Rezende FuserLéa Lameirinhas MalinaLiliane Batista Barbosa de SouzaLuanda Villas Boas VannuchiMaria Claudia NogueiraMarina Vianna FerreiraNuria ChaimSandra Magalhães Pupo SantosSofia Reinach

Apoio AdministrativoAna Carolina SciareliÁlvaro Moreira Branco SobrinhoCamila NicolettiDiego Rodrigo LanaMárcia ZanaiTatiane Rodrigues Oliveira

Editoria e revisão de textoAderval Borges

Projeto GráficoEliane Rios Antonio Roizman

IlustraçãoAntônio Carlos Nicolielo

Núcleo de Estudos e Pesquisa em Alimentação (NEPA/UNICAMP)

Walter BelikEmma Siliprandi

AgradecimentosAgricultores e Agricultoras familiares representados pelos empreendimentos aqui analisados, Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (CATI), Comissão Estadual Intersetorial de Alimentação Escolar (CEIA), Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), Consórcio Nacional de Segurança Ali-mentar e Desenvolvimento Local (CONSAD) do Sudoeste Paulista e do Vale do Ribeira, Delegacia do Ministério do Desenvolvimento Agrário de São Paulo, Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), Núcleo de Planejamento do Sudoeste Paulista (NUPLAN), Prefeituras do Estado de São Paulo analisadas, em especial São Bernardo do Campo e Tambaú e Tribunal de Contas da União (TCU).

Ministério do Desenvolvimento Agrário

MinistroAfonso Florence

Secretário de Agricultura FamiliarLaudemir André Müller

Diretor do Departamento de Geração de Renda e Agregação de ValorArnoldo Campos

Coordenador Geral de Diversificação Econômica, apoio à Agroindústria e apoio à ComercializaçãoPedro Antônio Bavaresco

Coordenador de ComercializaçãoManuel Bonduki

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Projeto Nutre SP: Análise da Inclusão da Agricultura Familiar na Alimentação Escolar no Estado de São Paulo

Apresentação

Projeto NUTRE SP

Introdução

Chamada Pública: Instrumento Legal de Compras da Agricultura Familiar para a Alimentação EscolarLéa Lameirinhas Malina

Organizações da Agricultura Familiar no Estado de São Paulo e sua Experiência de Fornecimento para o PNAELiliane Batista Barbosa de Souza

Estudo de Caso de Sucesso na Aquisição de Produtos da Agricultura Familiar para Alimentação Escolar: Município de Tambaú – SPLuanda Villa Boas VannuchiSofia Reinach

A Agricultura Familiar e o Atendimento à Demanda Institucional das Grandes CidadesEmma SiliprandiWalter Belik

São Bernardo do Campo: Atuação Pioneira em favor da Agricultura FamiliarNuria ChaimWalter Belik

Uso do Georreferenciamento no Retrato da Agricultura Familiar Formal do BrasilJanaína Romano Rangel

Sumário

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Projeto Nutre SP: Análise da Inclusão da Agricultura Familiar na Alimentação Escolar no Estado de São Paulo

Apresentação

A promulgação da Lei n° 11.947, de 16 de junho de 2009, representou uma grande conquista para a agricultura familiar brasileira. Em seu Artigo 14, há a determinação de que “do total dos recursos fi nanceiros repassados pelo FNDE, no âmbito do PNAE, no mínimo 30% (trinta por cento) deverão ser utilizados na aquisição de gêneros alimentícios diretamente da agricultura familiar e do empreendedor familiar rural ou de suas organizações, priorizando-se os assentamentos da reforma agrária, as comunidades tradicionais indígenas e comunidades quilombolas”.

O orçamento disponibilizado no ano de 2011 para o fornecimento da alimentação escolar para os 44 milhões de benefi ciários diários do programa foi de aproximadamente 3 bilhões de reais. Sendo assim, o mercado reservado exclusivamente para a agricultura familiar alcançou o considerável volume de aproximadamente 1 bilhão de reais, no mínimo.

No entanto, apesar de representar inquestionável conquista, o mercado do PNAE impõe também enorme desafi o para as organizações produtivas da agricultura familiar. O programa possui complexidade própria, com uma série de especifi cidades como a multiplicidade de atores e arranjos institucionais em que é executado. Compreender tais especifi cidades e identifi car as melhores formas de promover a comercialização dos seus produtos são condições para o sucesso da inserção da agricultura familiar neste mercado bilionário.

Nas regiões metropolitanas e grandes cidades do Brasil, tais desafi os atingem seu ponto culminante. Como os recursos repassados para a alimentação escolar pelo PNAE/FNDE/MEC são proporcionais ao número de alunos

matriculados, parcela signifi cativa deles concentra-se nestas populosas cidades. As 100 maiores prefeituras (1,7% do total) recebem cerca de 30% dos recursos repassados aos municípios. Dado seu elevado grau de urbanização, no entanto, o número de agricultores familiares locais é signifi cativamente menor. Assim, tais regiões apresentam a condição específi ca de, por um lado, disporem de um mercado institucional de peso e, por outro, não comportarem quantidade compatível de agricultores familiares.

Distribuição dos recursos repassados pelo FNDE aos municípios em 2011

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Tendo isso em vista, a Secretaria da Agricultura Familiar, através do Departamento de Geração de Renda e Agregação de Valor, defi niu a “estratégia Nutre Brasil” que consiste em prestar apoio e promover a articulação entre os gestores públicos responsáveis pelas compras do PNAE nos maiores municípios do país e as organizações econômicas da agricultura familiar com maior capacidade de fornecimento.

Em São Paulo, estado que concentra nada menos que 36 dos 100 maiores municípios do país em termos de repasse

do FNDE, tivemos a importante parceria do Instituto Via Pública, como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público de reconhecida capacidade, escolhida por meio de chamada pública de projetos, ela imprimiu profi ssionalismo e qualidade à gestão do NUTRE São Paulo.

Esta publicação vem, assim, para consolidar e trazer a público as refl exões dos membros e parceiros do projeto NUTRE São Paulo, contribuindo para o debate e desenvolvimento das políticas públicas voltadas para a agricultura familiar, das quais se benefi ciam brasileiros do campo e da cidade.

Boa leitura.

Laudemir André MüllerSecretario de Agricultura Familiar - MDA

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Projeto NUTRE SP

O Instituto Via Pública firmou parceria com a Secre-taria de Agricultura Familiar do Ministério do Desenvolvi-mento Agrário (MDA) na execução do Projeto NUTRE SP, com a finalidade de fomentar a articulação entre a agricul-tura familiar e municípios paulistas, no espírito da Lei nº 11.947/2009. Por este mandamento legal, se tornou possível estabelecer forte e potencialmente válido mecanismo de in-dução às compras de alimentos provenientes especialmente da pequena agricultura familiar, dado que pelo menos 30% dos repasses do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) destinados às aquisições para o abasteci-mento da merenda escolar deverão ser endereçados a esses fornecedores.

A partir desse instrumento legal, todavia, o que se criou desde logo se criou foi um estímulo a ser validado, uma vez que, entre a capacidade de oferta existente e a qualificação ins-titucional dos poderes locais para fazerem valer o seu interes-se em suprir o que determina a legislação de modo a efetiva-mente favorecer os produtores estabelecidos, mediava longa distância isso ainda em um estado cuja capacidade organiza-cional do poder público local e qualificação dos fornecedo-res tem caminhado acima da média dos seus equivalentes no restante do país.

Viram-se, portanto, três atores enlaçados pelo objeto da parceria diante deste expressivo desafio: 1) a SAF-MDA/ Instituto Via Pública, enquanto parceiros no delineamento e implementação do experimento original de promover a apro-ximação entre compradores públicos – os municípios – e os fornecedores privados – agricultores familiares e seus em-preendimentos; 2) as prefeituras municipais, no afã de darem cumprimento ao que passou a determinar a lei; e 3) os agri-

cultores familiares, no propósito de conseguirem não apenas se habilitar perante os pré-requisitos que os qualificaria para o papel de fornecedores, mas especialmente o de lograrem sucesso em sustentar a sua oferta de modo continuado por longos períodos.

Dado o expressivo volume de compras envolvido na ali-mentação dos alunos da rede pública paulista, o projeto teve por foco os empreendimentos de agricultores familiares locais e regionais. Entretanto, diante da demanda configurada, as compras realizadas acabaram impactando também fornece-dores estabelecidos fora do território estadual, atingindo, em vários casos, uma abrangência nacional. Este desdobramento não foi questionado pelo Projeto NUTRE SP, dado que o seu propósito era o de apoiar a inserção de gêneros produzidos pela agricultura familiar para atender a chamadas públicas das escolas de municípios compradores do Estado de São Paulo.

Porém, disto sobressai um alerta, eis que os fornecedo-res dessas localidades mais remotas futuramente deverão tam-bém responder às demandas locais, o que estaria a demonstrar que o sucesso que se espera desse estímulo legal deverá im-plicar em maiores apoios ao desenvolvimento da agricultura familiar em todo o país, isto configura desde logo um saudável desdobramento do tema para o MDA, que se vê estimulado a encetar novas modalidades de fomento e estímulo à pequena agricultura e suas cooperativas, desta vez melhor respaldadas pelo novo patamar da demanda sustentada a partir do adven-to da Lei nº 11.947/2009.

A publicação que ora vem a lume reúne um conjunto de artigos elaborados a partir das experiências das equipes mobi-lizadas para a execução do programa de trabalho da parceria entre a SAF-MDA e o Instituto Via Pública. Espera-se que o

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leitor, ao percorrer os relatos e abordagens analíticas conden-sados nos seus vários capítulos, possa encontrar uma boa fon-te de referência e orientação para a multiplicação dos êxitos . Exitos estes que deverão ser alcançados nas ações de desen-volvimento institucional que venham a realizar com objetivos semelhantes aos que foram atingidos de modo tão satisfatório no desenvolvimento da parceria que possibilitou a elaboração do que se está a divulgar.

O Instituto Via Pública manifesta-se muito honrado pelo fato de ter podido encarar desafios tão eloquentes e acre-dita que a sua insígnia de entidade voltada para o desenvolvi-mento da gestão pública encontrou momento extremamente alvissareiro ao partilhar projeto de tamanha relevância, para o qual contou com a importante participação do NEPA-UNI-CAMP e especialmente com o apoio imprescindível e organi-camente participante dos quadros da SAF-MDA.

Pedro Paulo Martoni BrancoDiretor Executivo Instituto Via Pública

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Projeto Nutre SP: Análise da Inclusão da Agricultura Familiar na Alimentação Escolar no Estado de São Paulo

Introdução

A Agricultura Familiar no Estado de São Paulo apresenta características únicas e próprias de uma região extremamente dinâmica. Por ser um estado cuja base está amparada na economia industrial, em transição para uma sociedade de serviços, a agricultura em geral não é percebida entre a população pela sua importância. Afi nal, o setor agropecuário representa não mais do que 1,6 % do PIB paulista e a mão de obra residente nas áreas rurais 5,7% do total. Assim quem passa ao largo dos indicadores do setor rural acaba não se dando conta do peso da agricultura familiar em São Paulo e da sua complexidade e heterogeneidade. Mais do que isso, não se dá conta das possibilidades colocadas por esse setor no sentido de promover o desenvolvimento local e transformações em uma área que parecia distante, que é a gestão da alimentação das escolas públicas.

Segundo o Censo Agropecuário de 2006 (IBGE), o Estado de São Paulo possuía 151.015 estabelecimentos de agricultura familiar (66,3% do total da agricultura) ocupando uma área de 2,5 milhões de hectares (15,0% dos estabelecimentos). A agricultura familiar ocupava 328.177 trabalhadores ou 36,1% da mão de obra empregada na agricultura do estado, sendo que mais de 80% desses trabalhadores teriam algum laço de parentesco com chefe do estabelecimento. Em termos de valor da produção a importância da Agricultura Familiar é também maiúscula mesmo considerando as grandes propriedades tecnifi cadas da agricultura patronal. Uma proporção de 15,7% do valor gerado em campos paulistas sai de estabelecimentos da agricultura familiar tendo ênfase nas hortaliças e frutas mas também com grande importância em outras culturas alimentares: uma terça parte do feijão e uma quarta parte do arroz produzido no estado vêm da agricultura familiar.

Por outro lado, a agricultura de São Paulo apresenta também características encontradas em regiões pobres do Brasil dado que, proporcionalmente, à área rural do estado concentra a maior quantidade de pobres. Entre os agricultores familiares, o Censo Agropecuário de 2006 contou 6.228 assentados e 5.176 ocupantes de terras. Além disso, o estado possui 49 quilombos e aproximadamente 15% dos estabelecimentos são chefi ados unicamente por mulheres.

Acrescente-se a essa mistura, as compras da agricultura familiar seguindo as determinações da Lei 11.947/2009. Como era de se esperar, o Estado de São Paulo detém o maior alunado do Brasil, com um total de 8,8 milhões de estudantes que recebem refeições durante 200 dias por ano. O valor do repasse do Fundo Nacional para o Desenvolvimento da Educação (FNDE) para as compras da agricultura familiar é também o maior do Brasil, tendo atingido R$ 167 milhões em 2011. Diante desse quadro, como fazer com que as organizações de agricultores familiares possam se estabelecer e se consolidar nesse novo mercado? Trata-se de um grande desafi o considerando que esses agricultores continuam à margem do mercado institucional. Para exemplifi car, segundo o Censo de 2006, apenas 22,7% dos agricultores familiares paulistas acessaram o sistema de crédito e, até 2011, somente 34,5% desses agricultores haviam requerido a Declaração de Aptidão do Pronaf (DAP), documento que os habilita a contratar créditos do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) e de e comercializar a sua produção junto ao Governo Federal.

O presente volume preparado pelo Projeto NUTRE SP, uma parceria entre o Ministério de Desenvolvimento

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Projeto Nutre SP: Análise da Inclusão da Agricultura Familiar na Alimentação Escolar no Estado de São Paulo

Agrário (MDA) e o Instituto Via Pública, com a colaboração do NEPA / Unicamp, pretende dar conta de algumas das questões lançadas acima. Ele apresenta os resultados do PROJETO DE PROMOÇÃO DA INSERÇÃO DE GÊNEROS ALIMENTÍCIOS DA AGRICULTURA FAMILIAR NA ALIMENTAÇÃO ESCOLAR NO ESTADO DE SÃO PAULO que visa aproximar o universo da agricultura familiar das novas diretrizes colocadas para a gestão municipal da alimentação escolar.

A obra está dividida em seis artigos a partir de uma seqüência de temas abarcados pelos trabalhos técnicos do projeto durante o ano de 2011. No primeiro capítulo são lapidadas as questões de fundo que movem a discussão sobre o instrumento legal das Chamadas Públicas. Esse tema tem causado enormes polêmicas muito mais pela falta de conhecimento que pela difi culdade de implantação entre os procedimentos do município. Vale mencionar que a forma de divulgação e operação de uma Chamada Pública não traz qualquer novidade em relação à conhecida modalidade do Registro de Preços. No capítulo seguinte analisamos o perfi l das organizações de produtores paulistas que já vem fornecendo gêneros para a alimentação escolar. Esse capítulo foi construído a partir de entrevistas diretas com 32 organizações sediadas no estado.

O artigo 3 analisa um caso de sucesso que tem sido utilizado como exemplo para todos os municípios que pretendem trabalhar com a agricultura familiar. Trata-se de Tambaú, pequeno município da Mogiana com 22 mil habitantes, um dos pioneiros a utilizar gêneros dos produtores locais para a alimentação de seus estudantes. Esse caso contrasta com o estudo apresentado no artigo 4 no qual analisamos as difi culdades e os avanços nas compras de 21 municípios de mais de 300 mil habitantes do Estado de São Paulo. Estes reúnem 52% da população paulista e comungam de problemas comuns para a execução das novas diretrizes estabelecidas pelo Programa Nacional da Alimentação Escolar (PNAE).

Seguindo nesse tema, o artigo 5 apresenta o caso do município de São Bernardo do Campo, onde a participação da agricultura familiar é mínima, dado que a ocupação do seu espaço tem fi nalidades quase que exclusivamente urbanas. Ainda assim, a prefeitura promoveu uma verdadeira transformação na alimentação escolar de seus estudantes ao introduzir produtos frescos de agricultores familiares da região. O livro se encerra com um material cartográfi co de grande valor acompanhado de breves análises sobre a distribuição espacial da agricultura familiar no Brasil.

Walter BelikCoordenador Técnico

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Chamada Pública: instrumento legal de compras da agricultura familiar para a alimentação escolar

Chamada Pública: instrumento legal de compras da agricultura familiar para

a alimentação escolar

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Projeto Nutre SP: Análise da Inclusão da Agricultura Familiar na Alimentação Escolar no Estado de São Paulo

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Chamada Pública: instrumento legal de compras da agricultura familiar para a alimentação escolar

para a aquisição de gêneros alimentícios diversificados, produzidos em âmbito local.

No interior dessas diretrizes se inclui a obrigatoriedade de compra de 30% dos recursos repassados pelo FNDE à ali-mentação escolar diretamente da agricultura familiar. A regu-lação determinada pela Lei nº 11.947/2009 está inserida em um contexto de mudança de concepção no fornecimento da alimen-tação escolar, atrelada ao desenvolvimento local e à alimentação saudável e diversificada.

Lei nº 11.947/2009 - Art. 14

“Do total dos recursos financeiros repassados pelo FNDE, no âmbito do PNAE, no mínimo 30% (trinta por cento) deverão ser utilizados na aquisição de gêneros alimentícios diretamente da agricultura familiar e do empreendedor familiar rural ou de suas organizações, priorizando-se os assentamentos da refor-ma agrária, as comunidades tradicionais indígenas e comuni-dades quilombolas. § 1o A aquisição de que trata este artigo poderá ser realiza-da dispensando-se o procedimento licitatório, desde que os preços sejam compatíveis com os vigentes no mercado local, observando-se os princípios inscritos no art. 37 da Constitui-ção Federal, e os alimentos atendam às exigências do controle de qualidade estabelecidas pelas normas que regulamentam a matéria. § 2o A observância do percentual previsto no caput será disci-plinada pelo FNDE e poderá ser dispensada quando presente uma das seguintes circunstâncias: I - impossibilidade de emissão do documento fiscal corres-pondente; II - inviabilidade de fornecimento regular e constante dos gê-neros alimentícios; III - condições higiênico-sanitárias inadequadas.”

1. IntroduçãoAo se falar da compra da agricultura familiar para a ali-

mentação escolar por meio de chamadas públicas, rapidamen-te vem à mente algumas perguntas:

• O que é uma chamada pública? • No que difere de uma licitação e, ainda, não fere os

princípios da Lei nº 8.666/1993 (Lei das Licitações), que disci-plina a maior parte dos processos seletivos públicos?

• A Lei nº 11.947/2009, que dispõe sobre o atendimento à alimentação escolar, entre outros aspectos precisa ser regula-mentada para ser aplicada pelos municípios e estados?

De início, é importante salientar que o órgão responsá-vel por gerir a compra de gêneros da agricultura familiar para a alimentação escolar é o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), vinculado ao Fundo Nacional de Desenvol-vimento da Educação (FNDE) – autarquia do Ministério da Educação (MEC) que tem como uma das finalidades captar recursos para a alimentação escolar. O PNAE existe desde a década de 1950 e, ao longo do tempo, passou por profundas modificações. Sua última regulação foi a Lei nº 11.947/2009, citada acima, que prevê como diretrizes:

• Emprego de alimentação saudável e adequada que respei-te a cultura e a tradição;

• Inclusão da educação alimentar e nutricional no processo de ensino e aprendizagem;

• Universalidade do atendimento aos alunos matriculados na rede pública de educação básica;

• Participação da comunidade no controle social;

• Direito à alimentação escolar, para garantir a segurança alimentar e nutricional dos alunos;

• Apoio ao desenvolvimento sustentável, com incentivo

Léa Lameirinhas Malina

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Projeto Nutre SP: Análise da Inclusão da Agricultura Familiar na Alimentação Escolar no Estado de São Paulo

A Secretaria da Agricultura Familiar (SAF) do Ministé-rio do Desenvolvimento Agrário (MDA) vem atuando junto ao FNDE para a implementação desta legislação, já que ela visa também trazer benefícios aos agricultores e agricultoras familiares. Alguns desses benefícios são:

• O combate à pobreza rural;• A geração de renda para agricultores(as) familiares;• A possibilidade de garantia de escoamento de parte da produção;• O incentivo à permanência na atividade agrícola1.

Com base nos aspectos citados, nota-se que há uma concepção de política pública, discutida em âmbito federal, que ancora a determinação do gasto de 30% dos recursos re-passados para a alimentação escolar com a agricultura fami-liar, não se tratando, portanto, de simples favorecimento a um tipo de fornecedor para as compras públicas.

A legislação impõe para os gestores públicos novas for-mas de lidar com a compra para a alimentação escolar, atin-gindo diretamente o setor de compras e licitações municipal ou estadual, por terem que se apropriar desse novo instrumen-to: a chamada pública. Tais mudanças abrangem também os

1. Informações retiradas da Cartilha O Encontro da Agricultura Familiar com a Alimentação Escolar, disponível no site do MDA: http://portal.mda.gov.br/.

2.Instrumento para a compra direta da agricultura familiar: a chamada públicaA Resolução nº 38 do FNDE, que regula os repasses

federais para a alimentação escolar, prevê para a aquisição direta de gêneros alimentícios da agricultura familiar uma modalidade de compra diferenciada da Lei no 8666/1993: a chamada pública. Esta se torna, assim, o instrumento mais objetivo para implementar parte do que está previsto na Lei nº 11.947/2009, por proporcionar o primeiro contato, legal, entre prefeituras e agricultores(as).

A compra por meio de chamada pública não fere a Lei nº 8.666/1993 – vide uma das perguntas iniciais – já que esta última institui normas para licitações e contratos da adminis-tração pública, enquanto que a Lei nº 11.947/2009, é específica para a aquisição direta de gêneros alimentícios da agricultura familiar com as verbas do PNAE. Além disso, ambas são leis federais, não havendo sobreposição entre uma e outra2.

Ainda é previsto na Lei o parcelamento da compra en-tre vários(as) agricultores(as), definida pelo limite atual de R$ 9 mil em venda de produtos para o PNAE por ano por Decla-ração de Aptidão ao Pronaf (DAP) Física3.

2. Informações retiradas da Cartilha Técnica para Gestores Públicos da Ali-mentação Escolar produzida pelo Projeto NUTRE SP.3. A DAP é um documento utilizado como instrumento de identificação dos(as) agricultores(as) familiares (DAP Física) e de suas organizações (DAP Jurídica) para acessar políticas públicas como o Pronaf, o PAA e o PNAE.

Resolução nº 38 do FNDE - Art. 21 “As Entidades Executoras deverão publicar a demanda de aquisições de gêneros alimentícios da Agricultura Familiar para Alimentação Escolar por meio de chamada pública de compra, em jornal de circulação local, regional, estadual ou nacional, quando houver, além de divulgar em seu sítio na internet ou na forma de mural em local público de ampla circulação.Parágrafo único. Os gêneros alimentícios a serem entregues ao contratante serão os definidos na chamada pública de compra, podendo ser alterado quando ocorrer a necessidade de substitui-ção de produtos, mediante aceite do contratante e devida com-provação dos preços de referência.”

Resolução nº38 do FNDE – Art. 24“O limite individual de venda do Agricultor Familiar e do Empreendedor Familiar Rural para a alimentação escolar deverá respeitar o valor máximo de R$ 9.000,00 (nove mil reais), por DAP/ano.”

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Chamada Pública: instrumento legal de compras da agricultura familiar para a alimentação escolar

agricultura familiar para a alimentação escolar já têm se mos-trado muito profícuas. A primeira delas é a aproximação da prefeitura previamente ao lançamento da chamada pública com os(as) agricultores(as) locais, o que permite:

• Conhecer a produção agropecuária do município e ad-jacências; • Conhecer a existência de organizações formais da agri-cultura familiar do município e adjacências4;• Saber se os produtores têm DAPs;• Saber se esses(as) produtores(as) e suas organizações têm interesse de participar de vendas institucionais; • Caracterizar as estruturas de produção/comercialização que esses agricultores e suas organizações possuem.

Logo, não é preciso ter receio de conversar anteriormen-te à abertura de chamada pública com os(as) agricultores(as) familiares e suas organizações sobre, por exemplo, condições de entrega, preço de referência, possibilidade de substituição de produtos, etc., já que a lei prevê a prioridade para grupos lo-cais e adaptações do cardápio, entre outras questões. Com essa aproximação, é provável que os gestores e os produtores(as) consigam se adaptar melhor às condições de cada uma das partes para implementar o aparato jurídico necessário.

Resolução nº 38 do FNDE - Art. 18

“§ 3º A aquisição de que trata o caput deste artigo deverá ser realizada, sempre que possível, no mesmo ente federativo em que se localizam as escolas, observadas as diretrizes de que trata o art. 2º da Lei n° 11.947/2009.§ 4º Na análise das propostas e na aquisição, deverão ser priorizadas as propostas de grupos do município. Em não se obtendo as quantidades necessárias, estas poderão ser com-plementadas com propostas de grupos da região, do território rural, do estado e do país, nesta ordem de prioridade.”

A partir dessa previsão de prioridades de compra dos(as) agricultores(as) do município, também é necessário que a administração pública os conheça, sendo fundamental, para isso, o apoio das secretarias de agricultura e dos órgãos de assistência técnica.

Assim, é imperativo para o bom andamento da lei o di-álogo interno entre diversos setores da prefeitura e o externo, entre a prefeitura e os(as) agricultores(as), já que esse tipo de comercialização é uma novidade para ambos os lados, que tem que se adaptar.

Mesmo com o pouco tempo de existência, algumas práticas relacionadas à aquisição de gêneros alimentícios da

4. Segundo a Resolução nº 38 do FNDE, no art. 23: “§ 4º No processo de aqui-sição dos alimentos, as Entidades Executoras deverão comprar diretamente dos Grupos Formais para valores acima de R$ 100.000,00 (cem mil reais) por ano. Para valores de até R$ 100.000,00 (cem mil reais) por ano, a aquisição deverá ser feita de Grupos Formais e Informais, nesta ordem, resguardando o previsto no § 2º deste artigo.”

profissionais que atuam no setor de alimentação escolar, em especial as nutricionistas e merendeiras; as primeiras devem fazer o esforço de adaptar o cardápio à produção do local e as segundas, na maioria dos casos, terão de lidar com uma quan-tidade maior de alimentos in natura, e em maior diversidade.

3. Análise de algumas chamadas públicas do Estado de São Paulo

O Projeto NUTRE SP, entre março e outubro de 2011, fez uma análise de chamadas públicas, dentre as quais 42 lançadas no Estado de São Paulo. Essa análise foi construída com diferentes itens considerados importantes para identi-ficar quais os gargalos e quais os pontos interessantes que

estão aparecendo nas chamadas para a participação efetiva dos produtores e empreendimentos da agricultura familiar. São eles:

• Locais e periodicidade da entrega;• Preço de referência;

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Projeto Nutre SP: Análise da Inclusão da Agricultura Familiar na Alimentação Escolar no Estado de São Paulo

• Prazo de pagamento;• Classificação dos projetos de venda;• Mecanismo de substituição de produtos;• Mecanismo de mudança de preços;• Grau de processamento dos produtos.

Além desses itens, foram inseridas discussões sobre as cláusulas contratuais, o cronograma de entrega dos produtos e o acesso às chamadas públicas.

Tais pontos foram definidos a partir de quatro referenciais:• Conversas com organizações da agricultura familiar do Estado de São Paulo visitadas pela equipe executora do projeto;• Conversas com as seis prefeituras selecionadas para atua-ção mais próxima do projeto;• Análise de materiais secundários, entre eles o artigo Ali-mentação escolar e assentamentos rurais: uma análise dos li-mites e das possibilidades de implantação do artigo 14 da Lei no 11.947/2009 no Estado de São Paulo 5 ;• Discussões, ao longo do segundo semestre de 2011, em oficinas realizadas pelo NUTRE SP, com propósitos de capacitação e aprimoramento para a implementação da legislação em questão, tanto para organizações da agricul-tura familiar quanto para gestores públicos.

As tabelas a seguir (Tabelas 1,2 e 3) demonstram o nú-mero de habitantes, número de escolas públicas e o número de matrículas na rede pública de ensino das entidades executoras às quais se referem as 42 chamadas analisadas, a fim de expli-citar algumas características relevantes ao se refletir sobre os itens citados.

O primeiro gargalo identificado ao analisar as chama-das foi em relação ao próprio mecanismo da chamada pública.

5. BACCARIN, J. G. ; ALEIXO, S. S. ; SILVA, D. B. P. ; MENDONCA, G. G.. Alimentação escolar e assentamentos rurais: uma análise dos limites e das possibilidades de implantação do Artigo 14 da Lei 11.947/2009 no Estado de São Paulo. In: V Jornada de Estudos em Assentamentos Rurais, 2011, Campinas. Anais da V Jornada de Estudos em Assentamentos Rurais, 2011.

Tabela 1 Nº de habitantes Nº de chamadas %Até 10 000 2 4,610 000 a 50 000 7 16,350 a 100 000 8 18,6100 000 a 200 000 7 16,3200 000 a 300 000 3 7300 000 a 400 000 6 14,3400 000 a 500 000 2 4,6500 000 a 1 Milhão 4 9,5Mais de 1 Milhão 3 7Total 42 100Fonte: Dados do Censo 2010 (IBGE) e Censo da Educação 2009 (IBGE)

Tabela 2Nº de matrículas Nº de chamadas %Até 10 000 9 20,910 000 a 20 000 11 2620 000 a 30 000 5 11,630 000 a 50 000 0 050 000 a 70 000 5 11,670 000 a 100 000 7 16,3Mais que 100 000 5 11,6Total 42 100Fonte: Dados do Censo 2010 (IBGE) e Censo da Educação 2009 (IBGE)

Da forma como vem sendo aplicada em muitos municípios, funciona no mesmo modelo de um "registro de preços", dan-do opção para o comprador adquirir até os limites determi-nados pela chamada e não necessariamente a sua totalidade.

Ou seja, a prefeitura faz o cronograma de entrega con-forme sua necessidade, depois da assinatura do contrato com os(as) produtores(as) e, muitas vezes, de acordo com a falta de produtos ofertados por outros(as) fornecedores(as). Esta vem

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Chamada Pública: instrumento legal de compras da agricultura familiar para a alimentação escolar

Em relação à exigência de pagamento de taxa para par-ticipar de editais públicos, veja o que o Tribunal de Contas de São Paulo (TCE), no artigo 84 da Lei Complementar nº 709/93 da Consolidação de seu Regimento Interno, de 2005, afirma na Súmula 26.

Tabela 3Nº de escolas Nº de chamadas %Até 10 2 4,610 a 30 7 16,330 a 50 5 11,650 a 100 10 23,2100 a 150 4 9,5150 a 200 7 16,3200 a 500 5 11,6Mais de 500 2 4,6Total 42 100Fonte: Dados do Censo 2010 (IBGE) e Censo da Educação 2009 (IBGE)

sendo uma das maiores reclamações dos(as) agricultores(as), já que isto dificulta muito o planejamento da produção, e já causou, em alguns casos, até perda de produtos.

Algumas prefeituras têm insegurança de concentrar suas compras da agricultura familiar, pois se houver qualquer problema – de ordem natural, por exemplo – podem ficar sem o alimento a ser servido nas escolas. Uma solução para o pro-blema tem sido a utilização do “registro de preços” para outros fornecedores; que só é acionado caso haja problemas na entre-ga dos produtos da agricultura familiar.

Além disso, para facilitar o planejamento de produção dos(as) agricultores(as), há chamadas que divulgam os quan-titativos semanais a serem entregues, tema que será abordado mais a frente.

Em relação ao acesso às chamadas, foi apontado que há dificuldade de encontrá-las, já que muitas são divulgadas somente pelo Diário Oficial e pelo site da prefeitura; e em ou-tras se exige inclusive o pagamento de taxa para se ter acesso – mesmo que, como apontado pelo artigo 38 do FNDE, a cha-mada deva ser divulgada em diversos meios de comunicação, para que os(as) agricultores(as) familiares tenham acesso à sua abertura.

Lei Complementar nº 709/93 – Súmula 26“É ilegal a exigência de recibo de recolhimento da taxa de retirada do edital, como condição para participação em pro-cedimentos licitatórios.”

Outro gargalo identificado é que a maioria das chama-das não prevê algum tipo de sanção específica para a prefeitu-ra em caso de descumprimento de contrato por sua parte ou alguma forma de proteção aos contratados, apesar de constar, no modelo de contrato elaborado pelo FNDE6 a cláusula des-crita a seguir.

Modelo de contrato para chamada pública“Sempre que a CONTRATANTE alterar ou rescindir o con-trato sem culpa do CONTRATADO, deve respeitar o equi-líbrio econômico-financeiro, garantindo-lhe o aumento da remuneração respectiva ou a indenização por despesas já realizadas”.

Das 42 chamadas analisadas no Estado de São Paulo, em apenas uma o contrato estipula forma específica de sanção por descumprimento por parte do poder público. Qual seja, prevendo a aplicação dos mecanismos da Lei nº 8.666/1993 em caso de rescisão contratual por qualquer uma das partes.

3.1 Oficinas de capacitação e aprimoramento rea-lizadas pelo Projeto NUTRE SP

O Projeto NUTRE SP, ao longo do segundo semestre de 2011, realizou nove oficinas das quais, em sete ocorreu uma dinâmica participativa a respeito das dificuldades e possibili-dades de resolução para implementar a Lei nº 11.947/2009 e,

6. Disponível em: http://portal.mda.gov.br/portal/saf/programas/alimenta-caoescolar/2500755.

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Projeto Nutre SP: Análise da Inclusão da Agricultura Familiar na Alimentação Escolar no Estado de São Paulo

em especial, sobre as dúvidas a respeito das chamadas públi-cas7. Dessas oficinas, quatro foram voltadas para organizações da agricultura familiar e três para gestores (as) públicos, nas regiões de Bragança Paulista e Mogi Mirim, Sorocaba, Sudo-este Paulista e Vale do Ribeira. As questões que apareceram em todos os eventos foram:

Algumas das questões já foram tratadas, outras serão abordadas mais a frente. De qualquer forma, chama a aten-ção o fato de três aspectos aparecerem tanto nos eventos de prefeituras quanto nos de produtores(as): preços de referência (que será tratado no item 3.5); comunicação (diálogo) entre prefeituras e cooperativas já apontadas neste texto; e questões sanitárias.

Em relação às questões sanitárias, há a reclamação, por parte dos(as) produtores(as), de que em muitas chamadas

não fica claro qual o padrão de qualidade exigido. Ao mes-mo tempo, há prefeituras que têm dificuldade de elaborar esse item na chamada. Isso tem sido resolvido, em diferentes casos, mediante conversa entre as partes, com diferenciação entre o que é padrão de qualidade e o que é padrão de apresentação e homogeneidade dos produtos, envolvendo inclusive possibili-dade de devolução de alimentos, caso estejam fora dos parâ-metros determinados pela chamada pública.

Ainda há a especificidade dos produtos de origem animal que exigem certificação. Com relação aos quais, se a compra for feita de uma organização ou de produtores(as) do próprio município, a criação do Serviço de Inspeção Mu-nicipal (SIM) tem servido como solução. Ao mesmo tempo, muitas organizações do Estado de São Paulo estão buscando certificar-se para vender à alimentação escolar, outras estão fazendo parcerias com locais de beneficiamento de produtos que já contam com a certificação.

3.2 Cronograma de entrega Em relação a este item, é importante ressaltar que as

chamadas públicas, segundo consta no site do MDA (www.mda.gov.br), devem respeitar o Artigo 37 da Constituição Federal, que prima pela legalidade, impessoalidade, morali-

Ofi cinas para GestoresPúblicos

- Difi culdade para estabelecer o preço de referência- Difi culdade para defi nir as especifi cações de qua-

lidade do produto - Falta de documentação dos produtores (nota fi scal,

DAP, CNPJ, inspeção sanitária)- Infraestrutura viária precária do município- Importância do diálogo entre as partes (prefeituras e

organizações da agricultura familiar)- Necessidade de maior divulgação das

chamadas públicas, via comunicação de rádio, jornais, igrejas, associações, etc.

- Necessidade de capacitar e motivar as merendeiras

7. Houve uma oitava oficina voltada para os (as) gestores (as) públicos da região de Mogi Mirim, realizada em parceria com a Coordenadoria de As-sistência Técnica Integral (CATI) da região. Nesta oficina a dinâmica foi diferenciada, não havendo discussões em grupo sobre as chamadas públi-cas e, sim, debate geral sobre as dificuldades de implementação de Lei nº 11.947/2009. Mesmo assim, muitas das questões presentes nas outras ofici-nas também foram levantadas no evento.A nona oficina realizada foi uma rodada de comercialização, na qual par-ticiparam organizações da agricultura familiar e prefeituras das regiões do Vale do Ribeira, Bragança Paulista, Mogi Mirim e Sudoeste Paulista.

Ofi cinas para Produtores

- Difi culdade com a logística de distribuição (entrega ponto a ponto)

- Elaborar o cardápio de acordo com a aptidão da região

- Atraso no pagamento- Difi culdade de se adequar à legislação sanitária- Falta de comunicação entre prefeituras e coope-

rativas- Falta de assistência técnica- Falta de divulgação, nas chamadas públicas, do

prazo para assinatura do contrato- Defasagem do preço da tabela Conab em relação

aos custos fi nais para a entrega dos produtos

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Chamada Pública: instrumento legal de compras da agricultura familiar para a alimentação escolar

dade, publicidade e eficiência da concorrência pública. Bem como ter informações suficientes para que os fornecedores apresentem corretamente os projetos de venda, qual seja:

•Tipos de produtos a serem adquiridos;•Cronograma de entregas (periodicidade, início e fim do fornecimento, entre outros aspectos);•Locais onde serão feitas as entregas;

•Quantidade que será comprada.

Mesmo assim, muitos municípios não expõem na cha-mada o cronograma de entregas, o que causa diversas difi-culdades aos(às) produtores(as), como já apontado. Das 42 chamadas analisadas, apenas cinco têm uma tabela com o quantitativo semanal de entrega de produtos, conforme espe-cifica o Quadro 1.

Quadro 1 - Exemplo de Cronograma de EntregaPrevisão semanal de entrega para o primeiro semestre

Produto Unid. 29/03a 02/04

05/04a 09/04

12/04a 16/04

19/04a 23/04

26/04a 30/04

03/05a 07/05

10/05a 14/05

17/05a 21/05

24/05a 28/05

31/05a 04/06

07/06a 11/06

14/06a 18/06

21/06a 25/06

Abacate Caixa 0 0 10 0 17 0 0 0 0 8 17 0 0Acelga Maço 0 0 0 0 10 0 0 252 0 272 178 0 0Alface Maço 510 630 223 236 630 630 480 510 630 527 630 480 510Banana Caixa 53 15 30 0 45 45 0 30 0 77 77 47 53Berinjela Caixa 18 22 0 0 28 22 0 0 0 0 0 0 18Beterraba Caixa 10 7 41 0 3 0 26 18 0 13 0 14 10Cenoura Caixa 33 46 34 0 45 28 46 39 36 44 36 43 33Chuchu Caixa 8 24 20 0 26 0 19 17 44 39 24 18 8Couve Maço 0 110 0 15 0 0 450 319 110 160 110 0 0Laranja Caixa 49 49 54 34 49 21 54 75 69 75 75 75 49Limão Caixa 14 11 14 6 19 6 19 6 19 11 5 11 14Mamão Caixa 24 70 44 0 37 23 70 29 55 15 15 38 24Mandioca Caixa 8 9 12 14 35 19 14 45 32 31 0 27 8Pepino Caixa 0 0 37 6 35 18 29 5 7 5 35 35 0Pimentão Caixa 0 0 21 0 0 14 0 16 0 21 14 0 0

3.3 Substituições de produtos ao longo da vigência do contrato

A possibilidade de substituição de produtos ao longo da vigência do contrato é vista como necessária tanto pelos(as) produtores(as) quanto pelas prefeituras. Por parte do poder público, é fundamental que as nutricionistas possam alterar, por exemplo, gêneros que não estejam sendo bem aceitos

pelos alunos. Nestes casos, os(as) agricultores(as) entendem que deveria haver alguma forma de proteção contra as perdas causadas por esse tipo de mudança, tal como no exemplo da chamada na página seguinte.

Ao mesmo tempo, a possibilidade de substituição de produtos também é apontada por organizações da agricultu-ra familiar como algo que deveria ser incorporado às chama-das. Isso pode ser explicado, por um lado, pelo costume, já

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Projeto Nutre SP: Análise da Inclusão da Agricultura Familiar na Alimentação Escolar no Estado de São Paulo

que muitos produtores (as) veem a entrega de produtos para a alimentação escolar como uma continuidade daquela feita para o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), o qual não apresenta impedimentos quanto à substituição. Por outro lado, chamam a atenção principalmente dois problemas:

• Há imprevistos de ordem natural na produção – ex-cesso ou falta de chuvas, por exemplo –, que levam os produtores(as) a não disporem dos gêneros prometidos para determinada entrega; • Muitas prefeituras não levam em consideração a sazonalida-de da produção agrícola nos pedidos de entrega.

Das 42 chamadas públicas analisadas, apenas quatro explicitaram que os pedidos de entrega serão feitos levando

“Na hipótese também de ocorrer alguma adequação no cardá-pio pela Divisão de Alimentação Escolar no decorrer do ano letivo, de produtos hortícolas in natura ou industrializados e de produtos estocáveis, as organizações contratadas serão consul-tadas sobre a possibilidade de substituição de itens em adequa-ção ao cardápio, ou ainda sobre a possibilidade de apresentação de novo projeto de vendas.Não havendo disponibilidade pelas organizações contratadas de DAPs e de produtos, a Divisão poderá consultar outras organizações credenciadas sobre a possibilidade e disponibi-lidade dos itens solicitados para apresentação de projeto de venda durante a vigência da chamada pública, ou publicar outras chamadas se necessário.”

Tabela 4Classifi cação entre os projetos Número de chamadas (%)Menor preço por item 18 41,9Produção local 18 41,9Grupos locais e formais 12 27,9Produtos orgânicos/agroecológicos 8 18,6Assentamentos, indígenas e quilombolas 7 16,3Maior número de agricultores benefi ciados 5 11,6Grupos formais 3 7Fonte: Organização da autora a partir de 42 chamadas públicas analisadas.

em consideração a sazonalidade dos produtos, fator de signi-ficativa importância para que a agricultura familiar consiga atender à demanda do município. Outras quatro chamadas preveem algum mecanismo de substituição de produtos: de-terminam que os(as) produtores(as) poderão pedir a substi-tuição de acordo com a necessidade, autorização das nutri-cionistas e verificação dos preços de referência. Além disso, muitas chamadas preveem a substituição de produtos apenas quando os alimentos entregues estiverem fora do padrão de solicitação da prefeitura.

3.4 Classificação entre os fornecedores

A forma de classificar os projetos de venda apresen-tados para atender à chamada pública também tem gerado debates entre os que têm discutido a Lei nº 11.947/2009 e a Resolução nº 38 do FNDE, já que a legislação prevê diferentes prioridades:

• Para determinados grupos (assentamentos, indígenas e quilombolas);• Para alguns tipos de produtos (orgânicos e agroecológi-cos);• Para a produção em âmbito local.

Das 42 Chamadas públicas analisadas, a maioria combi-na algumas prioridades para classificar os(as) fornecedores(as) (por isso a percentagem total da Tabela 4 é maior que 100%).

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Chamada Pública: instrumento legal de compras da agricultura familiar para a alimentação escolar

Das 18 chamadas públicas que apontam como fator de classificação o menor preço por item, apenas em quatro este é o único critério de classificação, enquanto a maioria o combi-na com a prioridade a grupos locais. Poucas chamadas, con-forme se observa na tabela, priorizam as compras dos assen-tamentos, terras indígenas e comunidades quilombolas, ou os produtos orgânicos e agroecológicos; e algumas propõem ou-tra forma de classificar, levando em consideração o maior nú-mero de agricultores(as) beneficiados(as). Esta também pode ser uma opção válida, já que vai de encontro com a concepção da Lei, caso haja mais de um grupo concorrendo e desde que sejam contemplados outros critérios.

3.5 Preços de referência

Definir o preço de referência mais adequado para uma chamada pública tem sido uma das questões mais discutidas, tanto pelos que compram da agricultura familiar quanto pelos produtores que são fornecedores. Veja ao lado o que prevê a Resolução nº 38 do FNDE.

A resolução determina que, prioritariamente, de-vem ser utilizados como referência os preços da tabela da Conab, conforme o que foi adotado para o PAA. Os(as) agricultores(as), em geral, acham esses preços justos quando se tratam de vendas para o PAA, porém o mesmo não ocor-re no tocante ao PNAE, cujos custos são maiores. A entrega ponto a ponto (em cada unidade escolar) é de responsabilida-de dos produtores – enquanto no PAA a prefeitura geralmen-te se encarrega de transportar os produtos de um local único até as entidades beneficiadas. Há também acréscimo de custo com as embalagens, que muitas vezes têm de ser individu-alizadas – enquanto que no PAA os alimentos são em geral entregues em caixas.

A partir de diálogo entre prefeituras e produtores(as), algumas adaptações têm sido feitas, como, por exemplo, as colocadas nos excertos na página a seguinte, tirados de três chamadas diferentes.

Resolução nº 38 do FNDE - Art. n. 23“Na definição dos preços para a aquisição dos gêneros ali-mentícios da Agricultura Familiar e dos Empreendedores Familiares Rurais, a Entidade Executora deverá considerar os Preços de Referência praticados no âmbito do Programa de Aquisição de Alimentos - PAA, de que trata o Decreto n.º 6.447/2008.§ 1º Entende-se por Preço de Referência o preço médio pes-quisado, em âmbito local, regional, territorial, estadual e na-cional, nessa ordem dos produtos da Agricultura Familiar e do Empreendedor Familiar Rural.§ 2º Nas localidades em que não houver definição de preços no âmbito do PAA, os Preços de Referência deverão ser calcu-lados com base em um dos seguintes critérios:I – Quando o valor da chamada pública da aquisição dos gê-neros alimentícios da Agricultura Familiar e do Empreende-dor Familiar Rural for de até R$ 100.000,00 (cem mil reais) por ano:a) média dos preços pagos aos Agricultores Familiares por 3 (três) mercados varejistas, priorizando a feira do produtor da agricultura familiar, quando houver; ou b) preços vigentes de venda para o varejo, apurado junto aos produtores, cooperativas, associações ou agroindústrias fami-liares em pesquisa no mercado local ou regional.II – Quando o valor da chamada pública da aquisição dos gêneros alimentícios da Agricultura Familiar e do Empreen-dedor Familiar Rural for igual ou superior a R$ 100.000,00 (cem mil reais) por ano:a) média dos preços praticados no mercado atacadista nos 12 (doze) últimos meses, em se tratando de produto com cotação nas Ceasas ou em outros mercados atacadistas, utilizando a fonte de informações de instituição oficial de reconhecida capacidade; oub) preços apurados nas licitações de compras de alimentos realizadas no âmbito da entidade executora em suas respec-tivas jurisdições, desde que em vigor; ouc) preços vigentes, apurados em orçamento, junto a, no míni-mo, 3 (três) mercados atacadistas locais ou regionais.”

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Projeto Nutre SP: Análise da Inclusão da Agricultura Familiar na Alimentação Escolar no Estado de São Paulo

Nesses casos, foram mantidos como referência os pre-ços da tabela da Conab, porém levando em consideração as mesmas condições oferecidas pelo PAA, o que significa que o adicional para o pagamento de outras despesas passaria a ser responsabilidade das prefeituras.

Outra possibilidade que as administrações munici-pais utilizam é adotar como referência a média de preços praticados pelo mercado atacadista ou pela tabela diária da Ceagesp, cuja paridade é mais razoável para as condições de entrega estabelecidas para o PNAE, com exceção da descen-tralizada. Essa opção é considerada polêmica para as orga-nizações com cujos representantes a equipe do NUTRE SP teve contato, em virtude das variações de preços. Os repre-sentantes das entidades argumentam que a tabela da Conab faz uma média entre os preços de safra e entressafra dos três últimos anos, excluindo os períodos de alta oscilação dos valores dos produtos agrícolas. Para alguns deles, os va-

“Em atenção à legislação que estabelece o teto máximo de R$ 9.000,00 será considerado o produto in natura na em-balagem original no atacado, exceto para alguns produtos industrializados. Quando o valor da embalagem representar um custo alto ao valor agregado do produto, este deverá ser pago com recursos do tesouro destinados a contrapartida aos recursos do FNDE.”“Em atenção à legislação que estabelece o teto máximo de R$ 9.000,00 (nove mil reais) será considerado o produto na embalagem original no atacado.”“Os preços ofertados pelo Proponente Vendedor, correspon-dem à embalagem no atacado, ao preço final será agregado de custo de embalagem, transporte, armazenamento e dis-tribuição. Esse serviço de transporte e logística e distribuição deverá ser feito por empresa especializada na distribuição de alimentos e contratada pelos fornecedores.”“[Para] Produtos hortifrutícolas embalados e colocados em um ponto no município, serão adotados o preço de tabela da CONAB para o exercício vigente do contrato.”

“Considerando tratar-se de produtos negociados em Bolsa de Mercadorias;

Considerando que são produtos imprescindíveis na elabora-ção do cardápio escolar;

Considerando que não poderá haver risco de desabaste-cimento desses produtos por conta de variação de preços;

A prefeitura adotará como critério de prática de preço, o pre-ço MÉDIO de atacado da Bolsa de Cereais do Estado de São Paulo “PRODUTOS BENEFICIADOS EM FARDO DE 30 QUILOS”, ultima cotação anterior a emissão da nota fiscal.”

lores divulgados pelo Boletim Diário da Ceagesp, mesmo com sua grande variação, são considerados mais vantajosos financeiramente.

Há, ainda, chamadas que utilizam preços de referência distintos para diferentes produtos, como no exemplo abaixo para compras de arroz e feijão.

Tabela 5

Preço der Referência Número de chamadas (%)*

Tabela Conab (PAA) 27 62,8Média dos mercados atacadistas 7 16,3Tabela Ceagesp 7 16,3Ata de registro de preços 4 9,3Não consta 3 7Preço fi xo 2 4,6Bolsa de Cereais de São Paulo 1 2,3Fonte: Organização da autora a partir de 42 chamadas públicas analisadas.*Somam mais do que 100%, já que há chamadas que preveem diferentes referên-cias de preço por tipos de produtos, conforme citado.

Entre as chamadas públicas analisadas, foram verifica-das as seguintes incidências (Tabela 5):

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Chamada Pública: instrumento legal de compras da agricultura familiar para a alimentação escolar

Tabela 6

Categorias Número de chamadas (%)*

Centralizado 28 65,1Muito descentralizado (mais de 50 locais de entrega) 10 23,2

Descentralizado (de 10 a 50 locais de entrega) 7 16,3

Não consta 5 11,6Pouco descentralizado (2 a 9 locais de entrega) 1 2,3

Fonte: Organização da autora a partir de 42 chamadas públicas analisadas.*Somam mais do que 100%, já que há chamadas que preveem diferentes formas de entrega por tipos de produtos, conforme citado.

Há, ainda, como pode ser observado na Tabela 5, cha-madas públicas que determinam um preço fixo para os produ-tos. Nesses casos, os preços não são considerados elementos de classificação dos projetos, mas sim as prioridades de grupos, tipos de produtos e/ou localização dos(as) produtores(as), es-tabelecidas na chamada pública.

3.6 Mecanismos de mudança de preço

Um pouco mais de 25% (12) das chamadas analisadas abordam a possibilidade de revisão dos preços previstos no projeto de venda. Esta é uma reivindicação de alguns empre-endimentos consultados pelos técnicos do Projeto NUTRE SP, já que os preços de mercado de alguns produtos flutuam mui-to, às vezes ficando muito acima da referência estabelecida. Veja o que aponta o Artigo n. 23 da Resolução n. 38.

3.7 Entrega dos produtos (locais e periodicidade)

Foi utilizada para a análise deste item a metodologia proposta no artigo citado Alimentação Escolar e Assentamen-tos Rurais: Uma Análise dos Limites e das Possibilidades de Im-plantação do Artigo 14 da Lei nº 11.947/2009 no Estado de São Paulo8, cujos autores dividiram as entregas em relação ao seu grau de centralização:

• Muito descentralizada (mais de 50 locais de entrega);• Descentralizada (10 a 50 locais de entrega);• Pouco descentralizada (entre 2 e 10 locais de entrega)• Centralizada (um único local de entrega)

E à periodicidade das entregas:• 2 a 5 vezes por semana;• Semanal;• Quinzenal ou mensal;• Em aberto;• Sem informação.

Muitas chamadas preveem mais de um grau de centra-lização e de periodicidade das entregas para diferentes produ-tos (geralmente divididos entre in natura – com entrega ponto

Resolução nº 38 do FNDE - Art. 23

“§ 5º A atualização dos preços de referência deverá ser rea-lizada semestralmente.”

“Exceto as contratações efetuadas por meio de Tabela de Preços da CONAB para o exercício vigente, pedidos de rea-linhamento de preços poderão ser solicitados mediante apre-sentação de documentos que fundamentem e comprovem a solicitação. Entretanto a organização não poderá suspender o fornecimento, sob pena de ter o contrato rescindido.”

8. BACCARIN et al. (2011).

Das chamadas que têm este mecanismo, algumas citam a resolução e em outras ela aparece como referência. Em duas chamadas estão previstos reajustes caso ocorram eventos “im-previsíveis”, que “alterem o equilíbrio econômico-financeiro” do contrato.

Em outra chamada é apontado que:

Algumas chamadas consideram ainda a possibilidade de reajustes de preços em caso de reclassificação dos produtos, para mais ou para menos.

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Projeto Nutre SP: Análise da Inclusão da Agricultura Familiar na Alimentação Escolar no Estado de São Paulo

a ponto e maior frequência – e processados, com entrega cen-tralizada e menor frequência).

Percebe-se que a maioria das chamadas prevê en-trega centralizada, o que facilita bastante a logística dos(as) agricultores(as), que nem sempre têm meios de transporte próprio. Como já apontado, a questão da entrega tem sido um dos pontos mais debatidos entre prefeituras e produtores(as), já que afeta diretamente o preço final do produto.

Nos eventos realizados pelo Projeto NUTRE SP, algu-mas prefeituras apontaram que, no longo prazo, pode ser in-viável manter os custos da distribuição dos produtos nas uni-dades escolares, em função do baixo orçamento disponível. Uma possível solução para isso foi a medida adotada por um município, reproduzida abaixo:

Além disso, vale mencionar prática adotada em chama-das públicas fora do Estado de São Paulo, nas quais há a possi-bilidade do empreendimento da agricultura familiar escolher uma região da cidade na qual serão feitas as entregas; ou ainda escolher diretamente as escolas para as quais têm possibilida-de de entregar, o que pode gerar uma maior distribuição dos recursos disponíveis e facilita a logística.

Já a periodicidade da entrega nas 42 chamadas analisa-das se dá conforme a Tabela 7.

Percebe-se que a maioria das chamadas prevê entregas semanais, o que parece ser razoável; ao contrário do que seria se, por exemplo, a maioria tivesse mais de duas entregas por semana, tendo em vista o alto custo do transporte. É também preocupante, novamente, o número de chamadas que deixam a periodicidade da entrega em aberto, pela importância dos problemas já observados a esse respeito.

3.8 Grau de processamento dos produtos Para este item também foi utilizada a metodologia pro-

posta no artigo Alimentação Escolar e Assentamentos Rurais: Uma Análise dos Limites e das Possibilidades de Implantação do Artigo 14 da Lei no11.947/2009 no Estado de São Paulo9. Os

“Inicialmente para os gêneros hortifrutigranjeiros das asso-ciações e cooperativas que não tiverem a capacidade de aten-der a distribuição ponto a ponto deveremos centralizar em escolas próximos à produção.”

Há também dificuldades assinaladas por outras prefei-turas, por exemplo a não existência de um local adequado no município para receber os produtos de forma centralizada. Algumas gestões estão investindo na construção de cozinhas pilotos e/ou centrais de alimentos, mas mesmo assim nem sempre têm condições de se adaptar para receber os produtos em um ponto único. Isso pode ser resolvido com a previsão, na formação do preço do produto, do custo da entrega direta-mente nas unidades escolares.

Pelo lado dos(as) produtores(as), é preocupante a gran-de quantidade de chamadas nas quais não é explicitada a for-ma de entrega. Como colocado anteriormente, o preço do produto varia de acordo com o custo do frete e, neste sentido, a falta desta informação pode gerar muitos problemas poste-riores, tanto para os produtores, que podem ter gastos muitos superiores aos que haviam previsto, quanto para as prefeitu-ras, que podem ser prejudicadas pela não entrega dos produ-tos, quebra de contrato, entre outros problemas.

Tabela 7Periodicidade da entrega

Número de chamadas (%)*

Semanal 17 39,5Em aberto 15 34,92 a 5 vezes por semana 9 20,91 vezes por mês 8 18,6Quinzenal 2 4,6Bimestral 1 2,3Fonte: Organização da autora a partir de 42 chamadas públicas analisadas.*Somam mais do que 100%, já que há chamadas que preveem diferentes perio-dicidades de entrega por tipos de produtos, conforme citado.

9. Ob. Cit.

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Chamada Pública: instrumento legal de compras da agricultura familiar para a alimentação escolar

produtos foram divididos em relação ao seu processamento da seguinte forma (Tabela 8):

• Produtos in natura (sem nenhum tipo de processamento);• Produtos com médio grau de processamento (que pode ser feito na própria unidade produtiva, como, por exemplo, legumes descascados e ovos);• Produtos com alto grau de processamento (que precisam ser industrializados em local específico).

O maior problema enfatizado em relação ao pagamen-to, por parte dos(as) produtores(as), é quanto aos atrasos. Fo-ram relatadas por alguns representantes de prefeituras duas si-tuações nas quais isso pode acontecer. A primeira diz respeito ao preenchimento incorreto da nota fiscal eletrônica, obriga-tória para este tipo de comércio; e a segunda esta relacionada à demora nos repasses do FNDE.

Em relação a este último ponto, ao mesmo tempo em que os(as) produtores(as) alegam que não podem ser responsabilizados(as) por atrasos dos repasses, as prefeituras argumentam que o FNDE não aceita, na prestação de contas, a utilização de uma ordem de pagamento que não seja referente à verba destinada por esse órgão como parte dos 30% gastos com agricultura familiar, o que torna a questão complexa.

De qualquer forma, o diálogo entre as partes com certe-za facilita a solução desse tipo de questão com menos desgaste para ambas.

4. Considerações finais

A partir da análise dos pontos destacados sobre as cha-madas públicas, é possível ter uma espécie de “raio X”, mes-mo que parcial, sobre como vem se dando a implementação da compra direta da agricultura familiar para a alimentação

Tabela 8

Grau de processamento Número de chamadas (%)

In natura 13 30,9In natura, médio grau e alto grau 13 30,9In natura e médio grau 7 16,7In natura e alto grau 4 9,5Alto grau 3 7,1Médio grau e alto grau 2 4,8Fonte: Organização da autora a partir de 42 chamadas públicas analisadas.

Tabela 9

Prazo de pagamento Número de chamadas (%)

Em aberto 2 4,8De 15 a 30 dias após a entrega 8 19

10 a 15 dias fora da quinzena da entrega 8 19

Até 15 dias após cada entrega 10 23,6

Mensal 14 33,4Fonte: Organização da autora a partir de 42 chamadas públicas analisadas.

Nota-se que a maioria das chamadas (somam 37 as que pedem os três tipos de produtos, as que pedem produtos in natura e com médio grau de processamento e as que pedem apenas produtos in natura) contempla agricultores(as) e em-preendimentos que dispõem somente de produtos in natura e, destas, 24 contemplam agricultores e empreendimentos com diferentes níveis de estruturas de processamento, o que parece o mais adequado, já que a produção e os empreendimentos da agricultura familiar são bastante diversos, e têm diferentes ní-veis de estruturação e articulação com a agroindústria.

3.9 Prazos de pagamento

No tocante aos pagamentos, todas as prefeituras subli-nham que este deve ser feito mediante a apresentação da nota fiscal da entrega. A maioria das administrações municipais (14) prevê pagamento mensal, como se pode observar na Tabela 9.

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Projeto Nutre SP: Análise da Inclusão da Agricultura Familiar na Alimentação Escolar no Estado de São Paulo

escolar. Com certeza há muitos outros problemas e soluções aos quais a equipe do Projeto NUTRE SP não teve acesso. De qualquer forma, fica a certeza de que, com o diálogo entre as partes, a possibilidade de melhorar o funcionamento da rela-ção comercial é grande.

Levando-se em consideração os princípios norteadores do fornecimento de alimentação escolar propostos na Lei nº 11.947/2009, é possível afirmar que, nos locais onde a compra direta da agricultura familiar está ocorrendo com aproxima-ção entre gestores públicos e produtores, já estão ocorrendo alguns dos processos previstos. Exemplos disso estão detalha-dos em outros capítulos da presente publicação.

Vale destacar aqui três benefícios cruciais obtidos com a implantação da legislação:

• O desenvolvimento local – já que a renda repassada pelos programas institucionais à agricultura familiar permanece no município, pois os(as) produtores(as) tendem a consu-mir mais no comércio local;

• A alimentação escolar mais saudável – já que os produtos são mais frescos e diversificados;

• A permanência dos produtores(as) na atividade agrícola – com a possibilidade de garantia de escoamento de parte da produção.

Especialmente em relação às chamadas públicas, entre os atores diretamente envolvidos com certeza fica a necessi-dade de uma abertura por ambos os lados: do poder público para se adaptar à compra de alimentos mais frescos e sau-dáveis, porém muitas vezes de produtores(as)/organizações pouco acostumados com os protocolos das vendas públicas; e para os produtores/organizações, a necessidade de se estru-turar e enfrentar as dificuldades burocrático-administrativas para realizar essa venda, que pode ter extrema relevância so-cial e econômica para eles, e com certeza beneficiará um dos principais protagonistas desta Lei: os estudantes da rede pú-blica de ensino.

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Organizações da agricultura familiar no Estado de São Paulo e sua experiência de fornecimento para o PNAE

Organizações da agricultura familiar no Estado de São Paulo e sua experiência de fornecimento para o PNAE

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Organizações da agricultura familiar no Estado de São Paulo e sua experiência de fornecimento para o PNAE

Este artigo traz um relato do trabalho realizado pelo Projeto NUTRE SP junto aos empreendimentos da agricultu-ra familiar, em 2011, com o objetivo de contribuir para identi-ficar as dificuldades e avanços vivenciados pelas organizações que representam os produtores rurais no processo de atendi-mento ao mercado institucional e, mais especificamente, ao Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).

No Estado de São Paulo foram mapeados pelo projeto1 321 empreendimentos de agricultores familiares, dos quais 156 tinham Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP) Jurídica até dezembro de 2011. Como se sabe, a DAP jurídica habilita as organizações da agricultura familiar a acessar as políticas pú-blicas de comercialização, dentre elas o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).

Do total de organizações mapeadas foram seleciona-das 32 para a realização do plano de fornecimento. O objeti-vo desse estudo foi traçar parâmetros sobre a agricultura fa-miliar no Estado de São Paulo e fazer, assim, um diagnóstico da relação atual dos seus empreendimentos com o mercado institucional.

O levantamento foi realizado a partir de visitas e en-trevistas com representantes e funcionários das entidades às quais os agricultores familiares estão vinculados. Nas visitas a equipe do projeto aplicou um formulário elaborado pela equi-pe técnica do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) para avaliar as dificuldades e as alternativas encontradas des-

de a aprovação da Lei nº 11.947/20092, além de ter prestado esclarecimentos às organizações para auxiliá-las a se adequar ao processo de comercialização institucional possibilitado pela legislação vigente.

O projeto NUTRE SP determinou três áreas prioritárias de articulação – as regiões do Vale do Ribeira, de Bragança Paulista e do Sudoeste Paulista – , porém além dessas áreas a equipe do projeto esteve presente também em outras regiões do Estado para realização das visitas às 32 organizações sele-cionadas. A localização destas organizações está representada no mapa na página seguinte.

Nas visitas também foi possível conhecer algumas uni-dades de produção dessas organizações: hortas e pomares, estufas, viveiros de mudas, unidades de processamento (mini-laticínios, padarias, cozinhas para preparo de doces, de polpas de frutas, etc.). Grande parte dessas unidades de produção es-tava localizada no interior de assentamentos da reforma agrá-ria3 – grupo definido como prioritário pela lei para as compras da agricultura familiar.

Um dos aspectos observados foi o contraste dos empre-endimentos da agricultura familiar com o cenário das ativi-dades agropecuárias convencionais ao seu redor: canaviais a perder de vista na região de Ribeirão Preto, no noroeste pau-

Introdução

2. Esta lei federal estabelece que, no mínimo, 30% do total dos recursos fi-nanceiros repassados pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educa-ção (FNDE) às entidades executoras dos programas de alimentação escolar nos estados, municípios e Distrito Federal devem ser utilizados nas compras de gêneros alimentícios diretamente da agricultura familiar, por meio de chamadas públicas que dispensam processo licitatório.

3. Dos 32 empreendimentos selecionados para realização da pesquisa, 18 eram organizações diretamente vinculadas a assentamentos da reforma agrária.

1. Ver informações mais detalhadas no artigo Uso do georreferenciamento no retrato da agricultura familiar formal do Brasil desta publicação.

Liliane Batista Barbosa de Souza

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Projeto Nutre SP: Análise da Inclusão da Agricultura Familiar na Alimentação Escolar do Estado de São Paulo

lista; na região do Pontal do Paranapanema, extremo oeste do estado, extensas pastagens para criação de gado (de corte e de leite); e a monocultura da banana e do palmito, na região do Vale do Ribeira.

Ou seja, um cenário no entorno dos empreendimentos de paisagens monótonas, homogeneizadas, frente às quais as unidades de produção da agricultura familiar representa-vam uma quebra de padrão, uma vez que são compostas por pequenos lotes com cultivos diversificados – beterraba, ma-

mão, abóbora, couve, alface, mandioca, acerola, etc. – como se pode verificar na foto aérea apresentada na página seguin-te (Figura 1).

Na imagem ao lado é possível identificar o assenta-mento, caracterizado pela divisão em pequenos lotes, com alta ocupação humana e diversificação de plantios, distinto da paisagem que o cerca, na qual predomina a monocultura da cana, caracterizada por extensos lotes de cultivo homogêneo e baixa ocupação humana.

Mapa132 organizações selecionadas do Estado de São Paulo

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Organizações da agricultura familiar no Estado de São Paulo e sua experiência de fornecimento para o PNAE

Figura 1Assentamento Sépe Tiaraju (no destaque), entre os municípios de Serrana e Serra Azul, e os canaviais no entorno

O cenário descrito e ilustrado na Figura 1 aponta para um dos efeitos do advento do mercado institucional – primeiro com o PAA e, mais recentemente, com o PNAE – sobre o uni-verso da agricultura familiar, não apenas no Estado de São Pau-lo, mas em todo Brasil: o impulso à diversificação da produção.

Por meio do estudo realizado nos 32 empreendimentos paulistas selecionados foi possível identificar, além da diversida-de de alimentos produzidos, diferentes formas de organização:

• grupos que nasceram vinculados à produção em assen-tamentos;

• comunidades quilombolas;• grupos voltados à produção orgânica ou agroecológica;• organizações de mulheres;• pequenos produtores que se organizaram coletivamen-

te para atender ao mercado institucional.

Ao priorizar as organizações como agentes de comer-cialização, o PAA e o PNAE representaram também um es-

tímulo à organização dos produtores. Parte significativa das organizações que os representam, pelo que foi observado no Estado de São Paulo, foram criadas recentemente ou retoma-das com vistas a atender às oportunidades proporcionadas pelo mercado institucional.

Nos assentamentos, foi possível identificar duas carac-terísticas marcantes entre as organizações. As mais recentes foram criadas para atender o mercado institucional e melho-rar as condições de comercialização da produção. As mais antigas em geral foram criadas com o objetivo de acessar os benefícios governamentais destinados às famílias assentadas; grande parte delas permaneceu por longo tempo sem ativida-de e foi retomada pelos produtores a partir da perspectiva de atender o PAA e, nos últimos anos, o PNAE.

Um dos exemplos a serem citados, é a Cooperativa Orgânica de Agricultura Familiar (Coaf). Fundada em 2003 para comercializar suco de laranja, a entidade não conseguiu se manter ativa diante do cenário de forte concorrência e in-certeza do mercado convencional. A cooperativa, formada por agricultores familiares de Bebedouro e outros municípios da região de Ribeirão Preto, esteve ociosa durante sete anos. Apenas em 2009, ao firmar contrato com a Companhia Nacio-nal de Abastecimento (Conab) para vender suco de laranja ao PAA, o empreendimento foi reativado.

Atualmente, além de suco de laranja a Coaf vende tam-bém legumes e verduras. Sua produção é destinada às com-pras institucionais do PAA a da alimentação escolar de 11 municípios, dentre os quais alguns de grande porte, como São Bernardo do Campo e Ribeirão Preto. No final de 2011 teve seu projeto de venda aprovado para fornecer suco de laranja às escolas cuja alimentação escolar é administrada pelo De-partamento de Suprimento Escolar (DSE) da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo.

Também não faltam exemplos para ilustrar os efeitos que as políticas de comercialização surtiram sobre a esfera da produção nas unidades da agricultura familiar no Estado. Como já abordado anteriormente, diante da possibilidade

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concreta de escoamento dos produtos e da garantia de preço oferecida por estes mercados, muitos produtores se viram en-corajados a ampliar e a diversificar sua produção.

Em visita à Associação dos Pequenos Produtores Rurais do Projeto de Assentamento Engenho II (Aprae), do municí-pio de Presidente Epitácio, seus representantes discorreram sobre as mudanças ocorridas na produção a partir do advento do PAA e do PNAE. Segundo eles, antes dos programas os as-sociados produziam basicamente leite in natura e pepino, que eram vendidos quase que integralmente às indústrias locais, a preços muito baixos. A garantia de mercado representada prin-cipalmente pelo PAA os estimulou a fazer a horta, na qual vêm plantando dezenas de itens. O excedente do que colhem, além do que é vendido ao mercado institucional, é comercializado diretamente em feiras e no Barracão do Produtor, disponibi-lizado pela prefeitura para vendas diretas aos consumidores.

Outro exemplo interessante é o da Cooperativa de Pro-dução Agropecuária dos Assentados e Pequenos Produtores da Região Noroeste do Estado de São Paulo (Coapar), com sede no município de Andradina. Entre 2002 e 2006 a enti-dade comercializava exclusivamente leite e bebida láctea. A partir de 2006, com a possibilidade de participar do PAA, os produtores associados se sentiram estimulados a ampliar e di-versificar a produção, passando a produzir também legumes e verduras. Segundo relato de integrante do conselho fiscal da cooperativa, o que garante a produção atual de hortifrútis é a existência do PAA e do PNAE. Do contrário, os cooperados teriam continuado a produzir apenas leite e bebida láctea.

O interesse de participar do mercado institucional sus-cita entre os produtores a necessidade de se capacitarem para introduzir o cultivo de novos gêneros e atender as exigências do mercado institucional. Preocupação que se intensificou ainda mais com a possibilidade de atenderem ao PNAE, já que se trata de uma demanda específica na qual se busca uma variedade ainda maior de alimentos e são mais rigorosas as exigências em relação à qualidade e às condições de entrega dos produtos.

Ao longo deste artigo serão abordados aspectos relati-vos à inserção dos empreendimentos da agricultura familiar ao mercado institucional por meio do PAA e do PNAE – tais como a necessidade de se adequar à legislação, de diversifi-car e aperfeiçoar a produção, bem como as dificuldades que envolvem as operações logísticas, os desafios para gestão dos empreendimentos e o planejamento das atividades – além de algumas soluções encontradas entre os empreendimentos para ampliar sua participação no mercado.

Os comentários que se seguem foram baseados nas en-trevistas e visitas às 32 organizações de agricultores paulistas selecionadas.

1. Atuação no mercado institucional: continuida-de e contradições entre o PAA e o PNAE

Conforme já observado, o Programa de Aquisição de Alimentos, lançado no ano de 2003, proporcionou aos produ-tores da agricultura familiar no Brasil a possibilidade de aces-so ao mercado institucional e à venda direta de seus produtos.

Até então, estes produtores estavam acostumados a vender seus produtos e de modo informal – em geral a “atra-vessadores” que encostam seus caminhões junto às unidades de produção e compram os alimentos a preços baixos para entregá-los a outros intermediários até chegarem às mãos do consumidor final.

Desta maneira, enfrentaram dificuldades para se ade-quar às exigências de atendimento ao mercado institucional – a princípio representado pelo Programa de Aquisição de Alimentos em suas diferentes modalidades (Formação de Es-toque, Doação Simultânea e Compra Direta) – não apenas no que diz respeito à esfera da produção, mas também a uma sé-rie de condições que envolvem a participação neste mercado:

• adequação à legislação e apresentação de documenta-ção específica (DAP);

• registros de inspeção sanitária e outras certificações;

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• leitura dos editais e elaboração dos projetos de venda;

• cuidados na assinatura dos contratos;

• planejamento das entregas de acordo com os prazos es-tabelecidos.

Além disso, esses produtores tiveram de enfrentar o de-safio de realizar a comercialização por meio de organizações formais - associações ou cooperativas – o que trouxe uma sé-rie de dificuldades operacionais, dentre as quais a prestação de contas, a emissão de notas fiscais, o planejamento conjunto de armazenamento e entrega dos produtos. A própria prática de gestão interna dos empreendimentos, que envolve a relação entre associados, sua forma de participação e os processos de tomada de decisão, constituiu-se em um grande desafio para os agricultores.

Neste sentido, para muitos empreendimentos da agri-cultura familiar a experiência de atendimento ao PAA repre-sentou uma oportunidade de se estruturarem para atender a outros mercados, em especial o da alimentação escolar, com o surgimento do PNAE.

Dos 32 empreendimentos selecionados para estudo, 24 forne-ciam alimentos para o PNAE na ocasião das visitas, dos quais apenas 2 não haviam participado anteriormente do PAA.Do total, apenas 3 empreendimentos não forneciam pro-dutos para o PAA, sendo que 2 tinham interesse especi-ficamente pelo PNAE e 1 fornecia exclusivamente para o mercado convencional, sem excedente para atender ao mercado institucional.

Muitos alimentos produzidos pela agricultura familiar passaram a compor a refeição servida nas escolas da rede pú-blica de ensino por meio do PAA, ainda antes da obrigatorie-dade introduzida pela implementação da Lei nº 11.947/2009 e da Resolução nº 38 do Fundo Nacional de Desenvolvimen-to da Educação (FNDE). Nestes casos, não só para as orga-nizações de produtores, mas também para os gestores públi-cos responsáveis pela alimentação escolar, o PAA funcionou

como etapa preparatória para a execução deste novo modelo de compras de alimentos exigido pelo PNAE.

O Estado de São Paulo tem alguns exemplos de muni-cípios que construíram uma relação de continuidade entre os dois programas, e nos quais os gestores públicos, em conjunto com os produtores, buscaram soluções para as dificuldades surgidas ao longo processo.

No município de Presidente Epitácio, por exemplo, desde 2006 escolas da rede municipal e estadual de ensino recebem alimentos produzidos por agricultores familiares por intermédio das Associações de Pais e Mestres (APMs) cadastradas no PAA. A participação no programa por meio das APMs possibilitou à responsável pelo Setor de Merenda Escolar do município estabelecer uma aproximação com os agricultores familiares da região, conhecer a vocação local de produção de alimentos e solucionar junto com os produtores alguns problemas que surgiram no início do fornecimento.

Em 2010, foi lançada a primeira chamada pública do município para aquisição direta de produtos da agricultura fa-miliar, elaborada com base no trabalho desenvolvido anterior-mente para o PAA. Ambas as partes, produtores e gestores, já haviam passado por um processo de adaptação, o que facilitou em diversos aspectos a execução do PNAE. Um exemplo dis-so foi a forma de elaboração do cardápio, com a introdução de alimentos produzidos localmente e a capacitação oferecida às merendeiras para processar alguns itens com ampla oferta, como tomate e maracujá, para que não viessem a estragar, vis-to que eram fornecidos em grande quantidade às escolas por intermédio dos dois programas.

Por outro lado, a comparação entre os dois programas – resultado exatamente deste processo pelo qual passaram grande parte das organizações nas quais a atuação no PAA an-tecede e, depois, convive com o PNAE – também tem gerado alguns dilemas, principalmente relacionados às disparidades de condições exigidas.

Um dos principais pontos de comparação refere-se às condições de entrega dos produtos. Enquanto no PAA geral-

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mente a logística envolve o apoio das próprias entidades be-neficiadas – em alguns há auxílio da própria prefeitura –, no PNAE, em geral, a entrega é responsabilidade exclusiva dos produtores. Embora muitas prefeituras tenham permitido a entrega centralizada dos produtos, ainda é grande o número de administrações municipais que exigem a entrega ponto a ponto nas escolas, elevando o de custo de logística.

Segundo os representantes de entidades entrevistados, outro fator que faz do PAA referência entre os produtores no âmbito das compras institucionais é sua maior maleabilida-de quanto à seleção dos produtos adquiridos. Disseram que o programa possibilita ao produtor comercializar praticamente todos os gêneros produzidos e respeita a sazonalidade das sa-fras. Além disso, foi apontado que no PAA não há restrições à substituição dos produtos que serão fornecidos nos casos de perdas de produção vinculadas a fatores externos (chuvas, geada, frio, etc.). Esta flexibilidade traz segurança ao produtor de que cumprirá o compromisso assumido frente às instabili-dades inerentes à sua atividade.

Os representantes de entidades assinalam que no PNAE as exigências no que se refere às especificações dos produtos – cor, tamanho, embalagem, grau de maturação, entre outras – costumam ser muito mais rigorosas e nem sempre a varie-dade de gêneros demandada incorpora o que é produzido lo-calmente.

Isto se explica tanto pelas características particulares do programa, que representa uma demanda muito específica e precisa levar em conta aspectos como a aceitabilidade do ali-mento entre os alunos, o modo como será servido o alimento, a estrutura das escolas para o preparo, dentre outras, quan-to pelas dúvidas e receios que ainda envolve a relação entre gestores e a equipe responsável pela alimentação escolar e os produtores da agricultura familiar neste recente processo de aquisição de alimentos.

Tais disparidades acabam fazendo com que o PAA seja tomado como modelo entre as organizações da agricultura fa-miliar. As comparações que surgem entre os dois programas

podem gerar alguns conflitos ou até mesmo resistência de al-guns produtores a investirem no novo programa de compras do mercado institucional, no qual as dificuldades colocadas são maiores.

Um dos fatores que reforça as disparidades: recorrente-mente os preços praticados no PAA (baseados na tabela Co-nab) têm sido tomados como referência pelas prefeituras para a execução do PNAE, desconsiderando suas condições. Este tema será tratado mais à frente.

Existem outras incertezas envolvendo os dois progra-mas, não só do ponto de vista do produtor, mas também dos gestores. Um exemplo: há prefeituras que não adquirem de-terminados produtos pelo PNAE porque já os recebem por intermédio do PAA.

Como visto, há evidentes contradições nas relações en-tre o PAA e o PNAE. De qualquer modo é possível afirmar que a experiência prévia desenvolvida pelas organizações no PAA foi fundamental para dimensionar as potencialidades e fragi-lidades que caracterizam o universo da agricultura familiar, tanto no que se refere à esfera da produção quanto da comer-cialização dos alimentos produzidos, e assim inferir sobre a viabilidade de que os produtores realizem, por meio de em-preendimentos formais ou de articulação informal, a venda direta de seus produtos.

2. Situação atual: principais desafios para aten-der ao PNAE

Durante os trabalhos realizados nos territórios de articu-lação do projeto foi possível identificar alguns fatores que ainda têm limitado o acesso dos produtores da agricultura familiar ao mercado institucional, inclusive por intermédio do PAA. Um dos limites apontados é a dificuldade, maior em algumas regi-ões, para conseguir a DAP, documento que habilita os produto-res e as organizações a participarem dos programas.

A presença de um grande número de produtores que não se encontram organizados em associações ou cooperati-

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vas também é um fator que tem restringido a participação. Na região do Vale do Ribeira, por exemplo, a desconfiança dos produtores em relação ao associativismo e, portanto, a resistência a se vincularem a essas organizações foi uma das dificuldades apontadas por produtores e gestores4 para que se avance na execução do PNAE.

Para a inserção dos produtores no programa, observa-se que as dificuldades operacionais têm sido o principal obs-táculo. O receio de não conseguir cumprir as exigências das prefeituras tem deixado muitas organizações fora do mercado da alimentação escolar, mesmo entre aquelas que têm poten-cial produtivo de atender esta demanda.

Vale acrescentar que nesse caso o produtor também está rompendo com a rotina de comercialização na qual os produ-tos eram entregues prioritariamente ao atravessador que vinha à sua porta. O mercado institucional e, em especial, o mercado da alimentação escolar traz, portanto, mais esse desafio.

A partir das visitas realizadas às organizações e da ex-periência das oficinas realizadas com os agricultores familia-res pelo Projeto NUTRE SP foi possível identificar as prin-cipais dificuldades enfrentadas no processo de atendimento ao PNAE. Das 32 entidades selecionadas no Estado, 24 já co-mercializavam sua produção com a administração municipal por meio do PAA e puderam relatar os principais desafios na relação com as prefeituras.

É muito importante observar os limites e fragilidades que acompanharam esse processo de aquisição de alimentos da agricultura familiar para alimentação escolar até aqui, bem como os avanços e soluções encontradas, para poder pensar quais caminhos podem ser buscados pelos produtores e suas

organizações e também pelos gestores responsáveis pela imple-mentação da Lei que preconiza a melhoria das refeições servi-das nas escolas e o fortalecimento da agricultura familiar local.

A seguir serão abordados alguns dos principais desafios enfrentados pelas organizações:

• adequação à legislação;• diversificação da produção;• organização das operações logísticas;• gestão do empreendimento e planejamento das ações;

Adequação à legislação Conforme já citado anteriormente, um dos problemas

que ainda têm sido enfrentados pelos produtores da agricultu-ra familiar no acesso ao mercado institucional é a dificuldade de conseguir a Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP), do-cumento que os habilita a participar desse mercado específico. Em algumas regiões do estado os produtores têm reclamado do excesso de burocracia e da morosidade dos órgãos respon-sáveis pela emissão do documento. As mesmas dificuldades são relatadas pelos representantes das organizações para con-seguir a emissão da DAP Jurídica.

Outro obstáculo que tem se colocado para o acesso aos programas, em especial aos produtores de alimentos proces-sados e de origem animal, são as dificuldades para conseguir se adequar às exigências do controle sanitário e certificar seus produtos junto aos serviços de inspeção (SIM – Serviço de Inspeção Municipal, SIE – Serviço de Inspeção Estadual, SIF – Serviço de Inspeção Federal).

Na região do Vale do Ribeira, por exemplo, há uma oferta significativa de pescados, alimento que costuma ser muito demandado nas escolas pelo seu valor nutricional. No entanto, grande parte dos produtores não possui o registro de inspeção sanitária e há uma carência de técnicos para realizar este serviço. Uma demanda entre produtores neste sentido é a instalação do SIM (Serviço de Inspeção Municipal) nos mu-

4. Este tema foi abordado com uma das dificuldades para execução do Pnae durante as oficinas de capacitação realizadas pela equipe do NUTRE SP na região do Vale do Ribeira aos gestores públicos e às organizações da agri-cultura familiar.Durante 2011 foram realizadas oficinas para gestores públicos e organiza-ções da agricultura familiar nas áreas de articulação do projeto: Vale do Ri-beira, Sudoeste Paulista, região de Bragança Paulista e de Sorocaba.

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Projeto Nutre SP: Análise da Inclusão da Agricultura Familiar na Alimentação Escolar do Estado de São Paulo

nicípios onde ainda não existe, o que aproxima o serviço dos produtores e diminui as barreiras para que estes consigam se adequar às exigências legais e comercializar seus produtos ao menos localmente. Além destas barreiras legais, algumas con-dições colocadas pelas escolas em relação aos pescados, como a exigência de que sejam fornecidos processados ou em filés e totalmente sem espinhos, são fatores que dificultam ainda mais a inserção deste produto na alimentação escolar no âm-bito do PNAE e da Lei nº 11.947/2009.

Para algumas organizações que atingiram certo grau de estrutura e um potencial para ampliar o raio de comercializa-ção de seus produtos, o próprio SIM já se apresenta insuficien-te. É o caso da Coapri, organização localizada na região do Su-doeste Paulista, que possui grande oferta de leite e derivados e só consegue comercializar estes produtos em municípios onde mantém associados, através do SIM (Serviço de Inspeção Mu-nicipal). Eles reclamam da dificuldade para conseguir o SIE (Serviço de Inspeção Estadual) que permita ampliar seu mer-cado. Outro exemplo é o da Coapis, cooperativa da região de Sorocaba, que comercializa principalmente o mel. A coopera-tiva tem como meta ampliar seu mercado, com a perspectiva de comercializar seu produto em todo o território nacional e até mesmo fora do país. Para isso, segundo relatado por seus representantes, precisam adequar suas instalações e maqui-nários para conseguir o SIF (Serviço de Inspeção Federal). A cooperativa possui o SISP (Serviço de Inspeção de Produtos de Origem Animal do Estado de São Paulo) que permite a co-mercialização nos limites do Estado.

O alto custo para atender algumas das exigências feitas por estes serviços (maiores para conseguir o SIE e ainda maio-res para o acesso ao SIF), a ausência de recursos e de técnicos que os realizem, o excesso de burocracias e morosidade dos órgãos responsáveis assim como a falta de informação sobre os serviços são alguns dos fatores que limitam o acesso dos pe-quenos produtores aos registros de inspeção sanitária e conse-qüentemente aos mercados formais.

Diversificação da produçãoComo já relatado anteriormente, uma das demandas

que surgem para a agricultura familiar, a partir das possibi-lidades de comercialização abertas por intermédio do PAA e do PNAE, é a de contar com uma assistência técnica que os capacite a produzir uma variedade maior de alimentos e com a qualidade necessária para atender às exigências específicas deste novo mercado. Principalmente a partir do PNAE, au-mentou muito a preocupação entre produtores de apresentar uma oferta mais ampla e diversa, que possa ser incorporada ao cardápio escolar.

Nota-se uma mobilização dos produtores neste sentido, principalmente em algumas regiões nas quais há um predomí-nio histórico da monocultura – como, por exemplo, o Vale do Ribeira no tocante à cultura da banana5. Nesta região, onde a baixa diversidade de alimentos é uma das preocupações apon-tadas tanto por produtores quanto por gestores públicos no processo de comercialização de produtos da agricultura fami-liar para o PNAE, parte dos agricultores vem se mobilizando por meio de reuniões para discutir a necessidade de diver-sificar o cultivo. Muitos vêm participando de programas de capacitação realizados em parceria com órgãos de assistência técnica locais, a fim de se aperfeiçoar para atender ao mercado da alimentação escolar.

Embora ainda seja tida como uma das principais di-ficuldades dos produtores no processo de atendimento ao PNAE, a diversificação da produção familiar após o surgimen-to do mercado institucional é evidente. Algumas organizações já conseguiram superar os limites da produção, com introdu-ção de novos cultivos para atender às demandas do programa.

Essa constatação sugere que talvez o principal proble-ma para a inserção dos agricultores familiares no programa

5. De acordo com levantamento estatístico realizado pelo Projeto Lupa (2007/2008), da Secretaria de Agricultura e Desenvolvimento do Estado de São Paulo, o cultivo da banana representa cerca de 64% das áreas de cultura perene ou temporária da Escritório de Desenvolvimento Regional (EDR) de Registro, que abrange grande parte dos municípios do Vale do Ribeira (www.cati.sp.gov.br/projetolupa).

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Deste modo, é preciso que nutricionistas e responsá-veis pela definição do cardápio nas escolas, no processo de elaboração dos editais destinados à aquisição de produtos da agricultura familiar, levem em consideração as características locais de produção, os limites inerentes ao processo de pro-dução de alimentos (sazonalidade, riscos latentes de perdas devido a processos naturais como chuvas, geadas, frio, etc.) e a possibilidade de incluir alimentos locais na alimentação es-colar. Portanto, é necessário que os profissionais do município responsáveis pela alimentação escolar busquem conhecer me-lhor a produção local e regional de alimentos, seus potenciais fornecedores e as opções disponíveis.

Há municípios nos quais a diversificação da produção nas organizações da agricultura familiar ocorreu atrelada a um diálogo dos produtores com a administração pública. Em Presidente Epitácio, por exemplo, a primeira chamada pú-blica foi elaborada após diálogo com o Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp) e as organizações da agricul-tura familiar do município, para que fosse possível incor-porar ao máximo a produção local. Na segunda chamada, conforme relatado pela nutricionista responsável pelo Setor de Alimentação Escolar da prefeitura, a variedade de ali-mentos ofertada pela agricultura familiar já foi maior, so-bretudo de frutas, como resultado da demanda das escolas.

Se por um lado há a necessidade de os produtores se preparem para atender à demanda das escolas – e isto impli-ca, entre outros fatores, na diversificação da produção –, por outro lado é fundamental que sejam consideradas as carac-terísticas elementares do processo de produção de alimen-tos e os seus limites. Isto inclui também a padronização dos alimentos, principalmente dos hortifrútis in natura, que vem sendo questionada por algumas nutricionistas de maneira su-perficial, dadas as diferenças que apresentam em relação aos adquiridos no mercado convencional.

Nos diversos contatos dos consultores do Projeto NU-TRE SP com os agricultores familiares foram apontadas re-

não seja diversificação. Ou seja, o entrave não é propriamente o da dificuldade técnica para a introdução do cultivo de novos itens, mas a incerteza de mercados para esses produtos, o que acaba levando o produtor a concentrar a produção em gêne-ros para os quais tenham garantia de comercialização.

Limitações de mercado também levam os produtores a optarem por colheitas mais rápidas e a não arriscar investi-mentos em alimentos que não sabem se vão conseguir escoar. Isso ocorre, sobretudo, porque a maioria dos produtores da agricultura familiar trabalha sem capital de giro para investir, o que torna ainda mais problemática para eles a perda de uma safra por não conseguir viabilizar as vendas.

É o que se deu, por exemplo, com a Cooperativa de Agricultores Familiares de Hortaliças de Guarulhos e Região (Agroverde). Apesar do potencial produtivo dos agricultores que a integram, parte das terras de suas propriedades ainda não foi cultivada. Isto ocorre porque têm enfrentado dificul-dades para investir na produção devido à falta de recursos para a compra de maquinários e à incerteza dos mercados.

Segundo relato de um dos representantes durante visita à unidade, a opção por priorizar a olericultura (produção de hortaliças e verduras) está relacionada à dificuldade de plane-jamento da produção devido à insegurança de comercializa-ção, o que leva os agricultores a se concentrarem nas opções de cultivo que têm colheitas de curto prazo. Muito embora tenham plenas condições de cultivar frutas, por exemplo, pre-ferem não arriscar, pois se trata de um processo de produção mais demorado, cujas safras são anuais, sem que haja garantia de um mercado que absorva a produção.

Além dos fatores citados – necessidade de assistência técnica, garantia de mercados, recurso para investir – há tam-bém outras limitações para a diversificação da produção fami-liar, como a própria vocação local, as condições naturais para o cultivo ou até mesmo questões sanitárias, como é o caso da região do Pontal do Paranapanema, onde persistem as restri-ções ao plantio de cítricos, devido a praga que se disseminou em antigas lavouras.

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Projeto Nutre SP: Análise da Inclusão da Agricultura Familiar na Alimentação Escolar do Estado de São Paulo

clamações à forma como seus produtos são vistos nas escolas. Alegam que as diferenças entre os alimentos (principalmente tamanho de frutas, legumes e verduras) ofertados pela agri-cultura familiar e aqueles ofertados pelos grandes produtores são resultado do nível de mecanização da produção e dos in-sumos utilizados por estes últimos. No entanto, argumentam que isto não significa que seus produtos sejam de qualidade inferior.

Durante oficina realizada com gestores públicos da re-gião de Bragança Paulista, um dos participantes relatou sua experiência enquanto técnico responsável do setor de compra de alimentos de uma das prefeituras presentes. Contou que no início reclamava do tamanho das cenouras fornecidas por uma organização da agricultura familiar nas escolas, de pro-dução orgânica, mas mudou de opinião ao conhecer melhor o processo de produção e suas vantagens. Só então pode estabe-lecer uma relação melhor com seus fornecedores.

Organização e execução das operações logísticasUm dos entraves do PNAE, tanto para os gestores (na

hora de elaborar as chamadas públicas) quanto para os pro-dutores (na hora de definir preços nos projetos de venda ou de aceitar ou não os preços pré-definidos), está relacionado às operações e aos custos logísticos – que envolvem princi-palmente o sistema de entrega e as embalagens dos produtos. Muitas prefeituras têm exigido nas chamadas públicas que as entregas dos alimentos sejam realizadas ponto a ponto nas escolas e, em alguns casos, querem que os produtos estejam em embalagens específicas, que fogem aos padrões utilizados pelos produtores.

Não há uma interpretação consensual sobre como in-cluir os custos de logística no custo final do produto a ser entregue. O que leva a uma série de indagações. Quem paga? Quanto paga? Esses custos estão inclusos nos preços de refe-rência? Tal informação deve aparecer nas chamadas públicas? Devem aparecer nos projetos de venda? Apesar de a legisla-

ção ser bastante clara sobre muitos desses aspectos, as dúvidas persistem.

Comumente têm sido utilizados nos editais os preços de referência da tabela da Conab (praticados no PAA) ou dos boletins da Ceagesp, como sugerido na Resolução nº 38 do FNDE. O problema é que estas referências não preveem (e nem teriam condições de fazê-lo) os custos da distribuição em diferentes pontos, mais onerosos quanto maior o município e o número de escolas, nem os custos de embalagens diferencia-das, no caso dos produtos beneficiados ou processados.

Ressalte-se, portanto, que as condições específicas de entrega exigidas pelas prefeituras têm gerado custos altos para os produtores familiares, além dos custos de produção. Prin-cipalmente nos casos das organizações que não contam com veículos próprios ou com capacidade suficiente para realizar o transporte dos alimentos comercializados – das 32 organiza-ções selecionadas no Estado de São Paulo, apenas 12 tinham veículos para transporte dos alimentos – e precisam, desse modo, contratar serviço terceirizado de distribuição.

O mesmo ocorre no caso de exigências de embalagens específicas, diferentes dos padrões que os produtores estão acostumados a trabalhar. Tais exigências diferenciadas aca-bam gerando para os agricultores um custo operacional alto, oneroso inclusive para as organizações que têm estrutura pró-pria, como caminhões, unidades de processamento e benefi-ciamento dos produtos, etc.

Dos 32 empreendimentos que compuseram esta aná-lise, 17 citaram as dificuldades logísticas para realização das entregas como uma das principais adversidades para atender ao PNAE. Estas foram as ponderações a elas relacionadas:

• a exigência de entregas ponto a ponto por grande parte das prefeituras;

• os preços de referência utilizados insuficientes para co-brir os custos principalmente nos grandes municípios;

• a ausência de veículo próprio que obriga a contratar um serviço terceirizado de distribuição, aumentando ainda mais os custos;

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Organizações da agricultura familiar no Estado de São Paulo e sua experiência de fornecimento para o PNAE

• a ausência de apoio logístico por parte das prefeituras ou de pagamento adicional para os serviços de entrega e embalagem;

• dificuldade dos produtores de entregar em entreposto;• estradas em más condições, principalmente em épocas

de chuvas.

Diferentemente do que se imaginava, o que tem sido demonstrado com a experiência das organizações em aten-der ao PNAE é que o problema não é tanto a falta de estru-tura do produtor para conseguir realizar as entregas de acor-do com os prazos, em diversos pontos, ou de responder às exigências de apresentação dos produtos. O problema mais apontado, no tocante à logística, é que até agora em grande parte das negociações os agricultores estão arcando sozinhos com os custos.

Em resumo, até o momento tem sido muito oneroso para o produtor o fornecimento ao PNAE, principalmente no caso da produção de hortifrútis para serem comercializados in natura, produtos com preço mais baixo, sem valor agregado e de transporte mais delicado devido à alta perecibilidade. Em geral os preços adotados pelas prefeituras têm sido insuficien-tes para cobrir esses custos.

O caso da Agroverde é paradoxal. A cooperativa entre-gou cenoura, beterraba, abobrinha e banana ponto a ponto em 140 escolas do município de Guarulhos durante o segundo semestre de 2010, por meio de contrato nos termos do PNAE. Em 2011 aceitou fazer a entrega das maçãs produzidas por uma Cooperativa de Santa Catarina, para cerca de 240 pontos que incluíam escolas e entidades que forneciam ao PAA, mas ficou de fora da chamada pública em sua cidade sede.

O principal fator que a levou a não conseguir respon-der à chamada de Guarulhos para entrega de hortifrútis foi o custo logístico e o desgaste de prestar este serviço, dadas às dimensões do município, o segundo maior do estado em população. Embora a entidade conte com caminhão, a entrega dos hortifrútis in natura em todos os pontos e fracionadas –

pequenas quantidades em cada ponto – acabou gerando um custo muito alto, não compensado pelos valores pagos pelos preços finais dos produtos.

Outro fator que impediu a Agroverde de atender à de-manda do município de Guarulhos, onde está localizado seu principal núcleo produtivo, é o limite de comercialização por DAP. Embora tenha potencial para produzir alimentos em quantidade suficiente para abastecer a alimentação escolar do município, sua produção esbarra no limite estabelecido. Uma das sugestões dos produtores cooperados para superar o en-trave, e participar da chamada, é que as entregas equivalentes ao limite de DAP sejam feitas nas escolas mais próximas da sua unidade de produção, o que diminuiria em muito o tra-balho e os custos.

Em 2011 a Agroverde assinou dois contratos relativos ao PNAE: um com a Prefeitura de Santa Isabel, município de pequeno porte vizinho à Guarulhos, e outro com a Prefeitura de São Bernardo do Campo, no qual é oferecido um valor adi-cional no pagamento para cobrir os custos de frete.

Durante o trabalho de divulgação das chamadas pú-blicas desenvolvido por articuladores do Projeto NUTRE SP constatou-se que um dos principais fatores que levavam as organizações a não participarem dos editais era a incon-gruência entre os preços adotados e as condições de entrega exigidas.

As dificuldades logísticas decorrentes das condições específicas de entrega e demais serviços exigidos pelas prefei-turas para fornecimento de alimentos ao PNAE têm imposto limites à participação dessas entidades, principalmente nos casos de atendimento aos grandes municípios, nos quais a lo-gística se torna ainda mais complexa e os riscos de não ter o retorno necessário para cobrir os custos são maiores.

Municípios menores acabam proporcionando condi-ções mais favoráveis ao fornecimento:

• logística de entrega menos complexa (menor número

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Projeto Nutre SP: Análise da Inclusão da Agricultura Familiar na Alimentação Escolar do Estado de São Paulo

de pontos) e, portanto, menos onerosa;• relação mais próxima com os responsáveis da prefeitura

e menos entraves burocráticos;• volume de compras menor, o que possibilita que coope-

rativas menores consigam fornecer em quantidade sufi-ciente para abastecer as escolas de acordo com o limite por DAP.

Uma das queixas generalizadas dos agricultores familiares em relação aos programas de apoio às compras institucio-nais é o baixo limite de comercialização por DAP – R$ 9 mil por ano pelo PNAE e R$ 4,5 mil por ano pelo PAA. Durante entrevistas realizadas com representantes dos em-preendimentos da agricultura familiar, o limite por DAP – além de outros fatores relacionados como a exclusão da DAP Jovem e da DAP Mulher dos programas – foi um dos condicionantes apontados como limitação para que se atingisse o potencial produtivo, o que demonstra a impor-tância que o mercado institucional assumiu para esse setor da agricultura. Muitas entidades estão apostando na am-pliação do valor da DAP/ano em ambos os programas para investir mais, aumentar a produção e sua estrutura (ad-quirir maquinário, construir unidades de processamento, comprar caminhões, etc.).

Gestão do empreendimento e planejamento das ações

Conforme já observado, uma das principais transfor-mações operadas no universo da agricultura familiar, a partir do advento do mercado institucional, foi desencadear o pro-cesso de organização dos produtores em associações ou coo-perativas para comercializar seus produtos.

Essa necessidade de se associar levou os produtores a uma série de desafios, que envolvem desde a própria relação entre associados e a definição de um modelo de gestão do em-preendimento, até a própria operacionalização das atividades que cabem à cooperativa ou associação:

• a organização conjunta dos processos de produção e comercialização;

• a manutenção da estrutura do empreendimento;• o planejamento das ações futuras e os processos de toma-

da de decisões (onde investir, com quem comercializar).Tais obrigações até então tinham sido operadas indivi-

dualmente ou não faziam parte do cotidiano dos produtores.Durante o trabalho de acompanhamento a algumas or-

ganizações da agricultura familiar do Estado de São Paulo foi possível observar que ainda há fragilidades no que se refere à gestão dos empreendimentos e planejamento das ações, prin-cipalmente devido à inexperiência dos produtores na execu-ção das atividades dessa natureza, além de outras carências estruturais.

Muitos dos empreendimentos visitados não possuíam uma sede ou um espaço físico onde executar as atividades ad-ministrativas, o que, por si só, já revela uma lacuna no campo organizacional. Durante as visitas, era comum ver algumas funções ou informações das entidades concentradas nas mãos dos técnicos ou consultores que os assessoram: as listas dos produtos e quantidades comercializadas durante o ano; as ta-belas de preços; a elaboração dos projetos de venda exigidos nas chamadas públicas; as vias dos contratos assinados e dos projetos de venda já elaborados; e o próprio acesso às chama-das públicas e outros editais que abrem oportunidades para a agricultura familiar.

A dificuldade de se apropriar de todos estes processos – houve situações em que os técnicos sabiam informar mais sobre a organização do que seus próprios representantes – acabam mantendo os produtores em uma relação de dependência com os órgãos de assistência técnica locais (Incra, Itesp e CATI).

De todo modo, vale salientar que as experiências de fornecimento de gêneros para alimentação escolar é recente. Mas que, mesmo assim, parte dos empreendimentos da agri-cultura familiar inserida no mercado institucional já conse-guiu se organizar para executar as atividades que inicialmente eram operadas com a assessoria dos técnicos.

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Organizações da agricultura familiar no Estado de São Paulo e sua experiência de fornecimento para o PNAE

Outro problema enfrentado pelos empreendimentos da agricultura familiar neste processo de atendimento ao PNAE é a dificuldade de conseguir planejar a produção, o que se deve principalmente à ausência de programação por parte das pre-feituras e de diálogo com os responsáveis pela compra de ali-mentos antes da publicação das chamadas. A decisão do que será produzido (tipo de produto e quantidade) está direta-mente relacionada à perspectiva de escoamento da produção, especialmente no caso dos hortifrútis in natura – principal oferta entre os empreendimentos da agricultura familiar no Estado de São Paulo – que têm um tempo de vida mais curto e precisam ser comercializados logo que colhidos.

Se não têm informações sobre quando serão lançados os editais e de quais produtos a prefeitura pretende pedir, os agri-cultores não conseguem planejar sua produção e, em alguns casos, se veem impossibilitados de responder às chamadas.

Houve situações em que os agricultores, após diálogo com os gestores, prepararam a produção esperando pela cha-mada pública e, no entanto, a prefeitura não a publicou ou não publicou no tempo previsto. Esses produtores rurais per-deram parte da produção e o restante foi comercializado no mercado convencional em condições desfavoráveis.

Observa-se que, mesmo após a assinatura dos contra-tos, há uma exigência de maior diálogo e troca de informações entre os empreendimentos e os gestores. Uma demanda levan-tada pelos produtores neste sentido é de que possam ter acesso aos cardápios mensais para conseguir organizar as entregas.

Da mesma forma que os produtores, os gestores públi-cos que trabalham diretamente no processo de aquisição de alimentos necessitam de readaptação. Também são muitos os obstáculos por eles enfrentados:

• o desconhecimento sobre a produção da agricultura fa-miliar local;

• as dúvidas sobre como elaborar uma chamada pública;• a dificuldade na hora de fazer as especificações dos ali-

mentos;

• dificuldade de diálogo com outros setores da adminis-tração pública que podem assessorá-los nas atividades;

• falta de pessoal;• limitações estruturais.

Além disso, é preciso que sejam superados os receios e as desconfianças que muitos ainda nutrem em relação à capa-cidade de fornecimento da agricultura familiar.

A relação entre gestores públicos e produtores da agri-cultura familiar, transcorridos mais de dois anos da implemen-tação da Lei nº 11.947/2009, ainda está em fase de adaptação. Portanto, uma maior aproximação entre os dois universos, para que sejam superados os receios iniciais, identificadas as reais dificuldades e encontradas soluções conjuntas que levem em consideração as potencialidades e limitações de ambos os lados, é um dos principais desafios para que se avance ainda mais no processo de inserção dos produtos da agricultura fa-miliar na alimentação escolar.

Além disso, é preciso ressaltar que o que está em jogo não é simplesmente a aquisição de alimentos, mas a possibi-lidade de encurtar os caminhos entre produtor e consumidor e assim, melhorar a qualidade das refeições servidas nas esco-las e contribuir para o fortalecimento da agricultura familiar – que está apostando no mercado institucional como forma de se estabilizar – e o desenvolvimento social local, conforme prevê a legislação.

3. Algumas experiências das organizações para ampliar sua inserção no mercado da alimentação escolar

Vale salientar mais uma vez que, apesar das dificuldades descritas, é cada vez maior o número de empreendimentos da agricultura familiar que se encontram preparados para respon-der à demanda das escolas. Em geral, são associações e coope-rativas que se organizaram a partir da perspectiva de atender ao mercado institucional – inicialmente por intermédio do PAA

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cisam terceirizar o serviço – a própria Coaf citada acima é um exemplo disto –, embora o alcance desses alimentos seja maior e se verifique uma maior inserção dos empreendimentos que os produzem no mercado da alimentação escolar, o retorno para o agricultor ainda é muito pequeno, dados os custos altos para o processamento dos alimentos.

Das 32 organizações selecionadas no Estado de São Paulo, 16 comercializavam produtos processados. Destas, 11 ti-nham necessidade de terceirizar o serviço, das quais 8 não tinham qualquer estrutura de processamento e 3 necessita-vam de apoio para complementar o serviço.

Há ainda organizações que, como estratégia para ex-pandir o seu raio de atuação, a escala e a sua capacidade de oferta, procuram ampliar o número de associados, envolven-do agricultores de vários municípios e adquirindo, assim, um caráter regional.

No Estado de São Paulo há alguns exemplos de organi-zações com esse perfil:

• a Cooperag, na região do sudoeste paulista, conta com cerca de 400 sócios entre os municípios de Guapiara, Ribeirão Branco, Apiaí e Capão Bonito – fornece ali-mentos para as escolas destes municípios, com exceção de Apiaí;

• a Coopafarga, na região do Vale do Ribeira, embora tenha seu principal núcleo em Juquiá, conta com co-operados dos municípios de Piedade, Tapiraí, Pedro de Toledo, Sete Barras, Itariri, Registro, Iguape e Mi-racatu – em 2011 assinou contrato com as prefeituras de Juquiá, Itariri, Sorocaba, São Bernardo do Campo, Ribeirão Pires e Guarujá para a entrega de hortifrútis e processados da banana;

• a Família do Vale, com sede no município de Registro, no Vale do Ribeira, conta com cerca de 600 associados distribuídos por 12 municípios da região – em 2011 as-sinou contratos para fornecer alimentos por intermédio

e, atualmente, também por meio do PNAE. Conforme ocupam seus espaços nas novas oportunidades de comercialização, essas entidades vêm se aperfeiçoando e se estruturando para ampliar cada vez mais seu raio de atuação. Algumas começaram pelos pequenos municípios e, atualmente, estenderam o fornecimen-to dos produtos dos seus associados para os maiores.

No Estado de São Paulo algumas organizações têm se destacado no fornecimento de alimentos ao PNAE por ofer-tarem produtos menos perecíveis, que podem ser estocados, o que facilita o transporte e a distribuição às escolas.

Há o exemplo da Cooperativa Orgânica Agrícola Fami-liar (Coaf), que comercializa prioritariamente suco de laranja e assinou contrato com 11 prefeituras paulistas em 2011 para fornecer sua produção por intermédio do PNAE.

Outro caso interessante é o da Cooperativa dos Assen-tados e Pequenos Produtores da Região de Itapeva (Coapri), organização localizada em um dos assentamentos da Fazenda Pirituba, no município de Itaberá, região do Sudoeste Paulista, que comercializa principalmente feijão. Esta entidade forne-ceu a produção dos agricultores que representa para seis pre-feituras em 2011, dentre elas grandes municípios como Santo André, São Bernardo do Campo e Bauru.

Os produtos estocáveis – grãos e alguns tipos de pro-cessados como sucos, polpas e doces – apresentam algumas vantagens na comercialização para o PNAE. Além de repre-sentarem uma demanda expressiva das escolas, as condições de transporte desses alimentos são muito mais simples, pois o risco de perda é muito menor e o tempo de entrega menos rigoroso, o que permite às organizações atingir um raio maior de fornecimento. As condições de entrega exigidas pelas pre-feituras para estes produtos costumam ser bem menos rígidas do que as exigências para alimentos in natura, admitindo-se geralmente entregas realizadas em intervalos maiores (quin-zenais, mensais) e em ponto central.

No entanto, como grande parte dos empreendimentos não conta com uma estrutura própria de processamento e pre-

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do PNAE para as prefeituras de Registro, Jacupiranga, Pariquera-Açu, Eldorado, Pedro de Toledo, Juquitiba, Tapiraí, São Lourenço e Embu.São empreendimentos que conseguem aumentar seu

raio de alcance, com unidades produtivas em vários municí-pios das regiões onde se encontram localizados, o que facilita a entrega dos produtos in natura, pois acabam percorrendo distâncias menores, diminuindo o risco de que estraguem ou percam a qualidade no caminho. No entanto, algumas dessas organizações regionais têm enfrentado problemas de gestão resultado da distância cada vez maior que este processo de ex-pansão cria entre a direção e os demais associados.

Outra alternativa que começa a aparecer dentro do Estado de São Paulo, como estratégia para atender a um raio maior de municípios e facilitar o acesso também aos municí-pios de grande porte, é a criação de centrais de cooperativas. É uma tendência que implica na organização de uma rede en-tre associações e cooperativas da mesma região, por meio da qual seja possível a realização conjunta de atividades como: planejamento da produção, elaboração dos projetos de venda, assinatura de contratos com as prefeituras, operações logísti-cas – e a utilização de estruturas comuns – galpões de armaze-namento, unidades de processamento, transportes, etc.

Há o exemplo da Cooperativa Central de Produção e Abastecimento da Região de Sorocaba, criada em 2010 com o objetivo de reduzir custos operacionais e logísticos no aten-dimento ao PNAE. A entidade que conta com nove empre-endimentos da região, entre cooperativas e associações, foi organizada com o propósito de viabilizar o fornecimento a municípios mais distantes e maiores, ampliando o acesso ao mercado institucional.

Um dos papéis da Cooperativa Central é organizar em conjunto os projetos de venda para os editais, especialmente

para chamadas públicas de prefeituras com demandas maio-res. Outra de suas incumbências é facilitar a organização da logística de entrega. Os produtores levam os alimentos a um ponto central (em geral o Ceagesp de Sorocaba) e a partir daí é a Central que organiza o transporte dos alimentos das diver-sas associações e cooperativas aos municípios compradores, diminuindo assim os custos operacionais.

Existem ainda algumas organizações que vêm apostan-do na apresentação de uma oferta diferenciada para o merca-do da alimentação escolar. Um dos exemplos é o da Coope-rativa Entre Serras e Águas, localizada na região de Bragança Paulista, que decidiu investir parte de sua produção no cultivo de orgânicos e já vem se estruturando para fornecer alimentos processados como mandioca embalada a vácuo, molho de to-mate, polpas de frutas e doces.

Os exemplos citados acima ilustram algumas formas que vêm sendo buscadas por empreendimentos da agricultura familiar para expandir seu raio de ação e ampliar os canais de comercialização e de inserção no mercado institucional.

De toda maneira, é válido afirmar que para além dos exemplos citados há um grande número de organizações de agricultores no Estado de São Paulo. Conforme já menciona-do, foram mapeadas 321 organizações, das quais 156 contam com DAPs Jurídicas e, portanto, têm potencial de fornecer gêneros para a alimentação escolar, principalmente no âm-bito local. São organizações que em geral foram criadas para possibilitar o acesso ao PAA, mas a partir da atuação no mer-cado por intermédio do programa vêm se estruturando para atender também às demandas do PNAE e, assim, conseguir estabilizar o escoamento da produção dos seus associados. Aos gestores públicos cabe também conhecer esses empreen-dimentos e contribuir para sua estruturação e fortalecimento.

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Projeto Nutre SP: Análise da Inclusão da Agricultura Familiar na Alimentação Escolar do Estado de São Paulo

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Estudo de Caso de Sucesso na Aquisição de Produtos da Agricultura Familiar para Alimentação Escolar: Município de Tambaú – SP

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Estudo de Caso de Sucesso na Aquisição de Produtos da Agricultura Familiar para Alimentação Escolar:

Município De Tambaú – Sp

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Estudo de Caso de Sucesso na Aquisição de Produtos da Agricultura Familiar para Alimentação Escolar: Município de Tambaú – SP

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DADOS GERAISÁrea total do território(IBGE Cidades): 561,788 Km2

Localização:

Distância da Capital: 257 km

População urbana(IBGE, 2010): 19.912

População rural(IBGE, 2010): 2.498

População total(IBGE, 2010): 22.410

IDH-M(IBGE Cidades): 0,792

Site Prefeitura http://www.tambau.sp.gov.br/portal1/intro.asp?iIdMun=100135596

Apresentação

O município de Tambaú foi escolhido para figurar como estudo de caso do Projeto de Promoção da Inserção de Gêneros Alimentícios da Agricultura Familiar na Alimenta-ção Escolar no Estado de São Paulo por seu pioneirismo na organização dos agricultores familiares para fornecimento ao Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e, posteriormen-te, pela implementação dos produtos da agricultura familiar na alimentação escolar por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) .

Desde 2005, os produtores e produtoras vêm abastecen-do com legumes e hortaliças a prefeitura. Com a promulgação da Lei nº 11.947/2009, que estabelece a obrigatoriedade de compra de 30% do valor dos repasses federais da agricultura familiar para alimentação escolar, a administração municipal saiu na frente e passou a utilizar os recursos do Fundo Na-cional para o Desenvolvimento da Educação (FNDE) para a compra direta dos alimentos servidos nas escolas.

Caracterização do município

Tambaú localiza-se no nordeste do Estado de São Pau-lo, distante 215 km da capital e próximo da divisa com Minas Gerais. A área do município é de 562 Km² e 88,85% de seus 22.410 habitantes residem no perímetro urbano (Censo De-mográfico 2010/IBGE).

O município é banhado pelo rio Tambaú. Suas princi-pais rodovias de acesso são:Anhanguera (SP 330), Bandeiran-tes (SP 348) e Adhemar de Barros (SP 340).

Em 2009, o setor que mais contribuiu para a economia do município, representando 61,67% do seu Produto Interno Bruto, foi o de serviços (Fundação Seade), o que coloca Tam-baú em posição semelhante à grande maioria dos municípios brasileiros no atual período. A indústria, por sua vez, teve par-ticipação de 19,84% e a agropecuária de 18,49% do total de R$ 301,01 milhões movimentados.

Luanda Villas Boas VannuchiSofia Reinach

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Neste último setor, destacam-se, atualmente, a produ-ção de laranja, de cana-de-açúcar e de leite. Em 2010, essas três culturas juntas ocupavam 63,04% da área do município (cana-de-açúcar – 45,36%, citros – 13,69% e pastagens – 13,99%). Em 2009 foram produzidas 161.530 toneladas de laranja, 184 mil toneladas de cana-de-açúcar e 9 milhões de litros de leite, gerando um valor total próximo a R$ 36 milhões.

Da população do município com idade entre 19 e 65 anos, somente 25,48% têm vínculos formais de emprego (além dos ocupados na administração direta do município, sobre os quais não há dados). Do total de empregados formais, os ocu-pados na agropecuária representavam 13,83%; na indústria, 48,18%; no comércio, 13,45%; no setor de serviços, 22,92%; e na construção civil, 1,61% (Fundação Seade, 2009).

Relativo às condições de vida, utilizando-se os dados do Censo Demográfico de 2000 (IBGE),o Índice de Desenvolvi-mento Humano (IDH)1 do município, era de 0,79, enquanto a média do Estado de São Paulo era de 0,82.

Tambaú é um município com diversas dificuldades para se desenvolver localmente, possui distintos problemas socioeconômicos. Mesmo assim, como será abordado nos próximos tópicos, tem havido um esforço por parte do poder público para promover ações e aceitar desafios de superação dos problemas, ao menos no que tange à relação com os agri-cultores familiares, realizações estas que já estão reverberando positivamente.

Agricultura familiar no município

Dos 256 estabelecimentos agropecuários existentes no município, 113 deles (44,14%) são de agricultores familiares. Ocupam apenas 6,91% das áreas destinadas à agropecuária,

representando somente 3,45% do valor produzido no setor (Censo Agropecuário de 2006/IBGE). Essa baixa representati-vidade da agricultura familiar pode ser explicada, entre outros fatores, pelas poucas oportunidades proporcionadas a esses produtores até há pouco tempo, como será detalhado a seguir.

No entanto, segundo os agricultores familiares, depois que o município passou a fazer parte do Programa de Aquisi-ção de Alimentos (PAA) e do Programa Nacional de Alimen-tação Escolar (PNAE) as condições de produção melhoraram, permitindo que invistam mais em suas terras.

De acordo com dados fornecidos pela prefeitura muni-cipal e pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), entre 2006 e 2010 circulou, a mais, no município cerca de R$ 800 mil por meio do PAA – um valor bastante significativo para um município desse porte. Somente em 2010, os agricultores familiares movimentaram cerca de R$504 mil por intermédio da Associação de Produtores de Tambaú (APTA), cujas vendas são destinadas ao mercado institucional (PAA e PNAE).

Alimentação escolar em Tambaú

Em 2011 foram registradas em Tambaú 4.096 matrí-culas na rede pública de ensino (creches, pré-escola, ensino fundamental e médio, e ensino de jovens e adultos/EJA), in-cluindo as escolas municipais e estaduais. Em 2009, segundo o Censo Educacional do Instituto Nacional de Estudos e Pes-quisas Educacionais (Inep), havia 9 escolas de ensino infantil públicas, 11 de ensino fundamental e 3 de ensino médio, tota-lizando 23 escolas no município.

A gestão da alimentação escolar é feita pela própria pre-feitura. São servidas em torno de 5 mil refeições por dia. Em 2010, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) repassou R$281.760,00 ao município e o gasto total com alimentação escolar foi de aproximadamente R$560 mil. Desse total, foram gastos R$ 45 mil com a agricultura familiar, por meio de chamada pública baseada na Lei nº 11.947/2009 – refere-se ao Programa Nacional de Alimentação Escolar

1. Índice, que varia entre 0 e 1, utilizado para comparação entre países, estados e municípios, composto por medidas de “expectativa de vida ao nas-cer”, “Anos Médios de Estudo e Anos Esperados de Escolaridade” e “Produto Interno Bruto (PIB) per capita”.

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(PNAE) –, o que representou 17,3% do repasse federal, sendo que o valor de 30% do repasse corresponde a R$ 84.528,00. Já em 2011 foi feita uma chamada para aquisição de produtos da agricultura familiar de aproximadamente R$ 93 mil, que representa 36% do repasse do FNDE.

para Aquisição de Alimentos (PAA) em 2006 e, mais tarde, com a implementação da Lei nº11.947/2009 e da Resolução n° 38/2009, do FNDE.

Em 2005, após uma equipe da Secretaria da Educação de Tambaú conhecer a experiência do PAA no município vi-zinho de Santa Rosa do Viterbo – onde cinco agricultores for-neciam produtos para a alimentação escolar –, a técnica do Sebrae local que trabalhava então na organização dos produ-tores de leite propôs à prefeitura a elaboração de um projeto semelhante.

O projeto foi encaminhado à Superintendência Regio-nal da CONAB, em São Paulo, no final de 2005, na modali-dade Compra da Agricultura Familiar com Doação Simultâ-nea (CPR-Doação), tendo sido aprovado em meados de 2006. Envolvendo 26 produtores de Tambaú organizados em uma associação recém-criada, a APTA – Associação de Produtores de Tambaú, o projeto previa o fornecimento de frutas, verdu-ras, leite pasteurizado e outros produtos para entrega em es-colas, hospitais e entidades assistenciais. Com sua aprovação, a prefeitura estruturou-se para apoiar os produtores criando a Coordenadoria de Desenvolvimento Econômico e Assuntos Estratégicos do Município, à qual o projeto ficou vinculado.

A mudança principal com o recebimento de produtos do PAA foi uma maior oferta de frutas, verduras e legumes para os alunos. Segundo a nutricionista da prefeitura, as mu-danças no cardápio tiveram não apenas um impacto nutri-cional, mas também de aceitação das refeições por parte das crianças.

As escolas começaram a oferecer alimentação pelo me-nos duas vezes a cada aluno por turno: um lanche (incluindo produtos como suco, vitamina, frutas, pão) e uma refeição (com produtos como arroz, feijão, macarrão, polenta, carne, frango, legumes e verduras).

Atualmente, o total de refeições oferecidas por aluno varia de acordo com o nível de ensino, sendo superior para pré-escolas e creches. São servidas 6.425 refeições diárias,

A gestão da alimentação escolar pode ocorrer de três for-mas diferentes (alguns municípios combinam mais de uma forma). Uma delas é a gestão centralizada, como ocorre em Tambaú, na qual a prefeitura é responsável pela compra dos alimentos e materiais para a merenda e pela contratação de pessoal. A segunda é a gestão escolarizada, na qual o poder público repassa a verba para as escolas, e estas são respon-sáveis pela aquisição dos alimentos e materiais para a ali-mentação escolar. E por último, há a terceirização, que se refere à pratica adotada por algumas prefeituras em que são contratadas empresas privadas para realizarem a gestão da alimentação escolar no município.

O processo de inserção de produtos da agricultura familiar na alimentação escolar

A inserção de gêneros alimentícios da agricultura fa-miliar na alimentação escolar do município de Tambaú foi anterior à Lei nº 11.947/2009 e à Resolução nº38/2009. Ela re-sultou de esforços paralelos para a melhoria na qualidade e di-versidade dos alimentos oferecidos nas escolas e para fomento da produção do agricultor familiar.

Antes de 2006, a alimentação escolar oferecida em Tambaú era composta principalmente por sopas elaboradas a partir de formulados ou de outros alimentos feitos com mistu-ras pré-prontas, como canjica e arroz-doce. Com a introdução do turno integral em algumas escolas do município (iniciativa que durou apenas dois anos - de 2006 a 2008), a prefeitura se viu obrigada a oferecer refeições completas para os alunos que passaram a permanecer mais tempo nas escolas. Esses esfor-ços se cruzaram com a entrada do município no Programa

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Tabela 1 - Refeições fornecidas pelas escolas em Tambaú

Ensino Números refeições diárias por aluno Total refeições diárias Total refeições ao ano Custo refeição

Creche 4 780 156.000 R$ 1,00 Pré-escola 4 1.936 387.200 R$ 0,53 Fundamental 1 2.741 548.200 R$ 1,00 Médio 1 968 193.600 R$ 0,67 TOTAL - 6.425 1.285.000 - Fonte: dados disponibilizados pela Prefeitura de Tambaú.

Tabela 2 - Refeições fornecidas pelas escolas em TambaúEnsino Gasto global com alimentaçãoCreche R$ 156.000,00Pré-escola R$ 207.000,00Fundamental R$ 548.200,00Médio R$ 129.600,00TOTAL R$ 1.040.800,00Fonte: dados disponibilizados pela Prefeitura de Tambaú.

que ao longo dos 200 dias letivos padrão correspondem a 1.285.000 refeições anuais, com custos médios que variam de R$ 0,53 a R$ 1,00.

Ressalta-se que, a partir de 2010, o valor repassado pela União para a alimentação escolar nos estados e municípios foi reajustado para R$ 0,30 por dia para cada aluno matriculado em turmas de pré-escola, ensino fundamental, ensino médio e educação de jovens e adultos2.A diferença é complementada pelas próprias prefeituras ou, mais raramente, pelo governo do estado. O gasto global com alimentação em Tambaú no ano de 2010 foi R$ 1.040.800,00, sendo que R$ 281.760,00 fo-ram repassados pelo FNDE, equivalente a 27% do total.

Formação da Associação dos Produtores de Tambaú (APTA)

Em 2005, quando os pequenos agricultores de Tambaú se interessaram em participar do PAA, o município contava apenas com uma associação de produtores, criada em função dos Programas de Microbacias I e II, executados pela Coorde-nadoria de Assistência Técnica Integral (CATI). A participa-ção no PAA exige que os produtores estejam organizados em associações e sejam portadores da Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP). Mas a associação existente não poderia reali-zar um convênio com a Conab para o propósito do programa, uma vez que a entidade abrangia apenas os agricultores que viviam na área das microbacias.

Não existia então nenhum outro órgão de representa-ção da agricultura familiar na região. Havia apenas o Sindicato Rural, patronal, formado por grandes produtores de cana e laranja. O objetivo específico de fornecer para o PAA levou os pequenos produtores locais, fortemente incentivados pela então técnica do Sebrae, a criar a já mencionada Associação dos Produtores de Tambaú (APTA).

Segundo os associados, havia a princípio um clima de descrédito dos produtores com relação ao projeto, consequên-cia de tentativas anteriores frustradas de se criar cooperativas no município, além de certo receio em participar de um pro-jeto envolvendo diferentes órgãos públicos, tais como a prefei-

2. Com essa mudança, as creches e as escolas indígenas e quilombolas – ine-xistentes em Tambaú – passaram a receber R$ 0,60.

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tura e a Conab. Algumas famílias, no entanto, aceitaram par-ticipar porque já vinham trabalhando há algum tempo com a técnica do Sebrae que coordenava o projeto.

Antes de fornecerem seus produtos para a Prefeitura de Tambaú, os agricultores os escoavam de diferentes maneiras: uma parte era destinada ao comércio local – para quitandas ou mercadinhos –, outra aos atravessadores que a levavam para os centros atacadistas em São Paulo e Minas Gerais e, no caso do leite, era vendida para os laticínios próximos. Não havia feira-livre no município e produtos como hortifrutigranjeiros eram comercializados em pequena escala ou utilizados apenas na alimentação das famílias produtoras.

A inserção de tambaú noPAA – Programa de Aquisição de Alimentos

No início da implementação do Programa de Aquisição de Alimentos, em 2006, os produtores entregavam arroz, fei-jão e milho, em pequenas quantidades, e verduras e frutas (es-pecialmente cítricas como laranja, limão e tangerina ponkan), chegando a 34 produtos diferentes por semana. Foi realizada uma parceria entre a prefeitura, a APTA e um laticínio locali-zado em um município vizinho, para a pasteurização do leite, que passou a ser entregue três vezes por semana, totalizando cerca de 8 mil litros por mês. Entre escolas, hospitais, asilos e outras instituições, o programa estava atendendo, em 2010, aproximadamente 6 mil pessoas.

Para os agricultores, as principais mudanças trazidas pelo projeto foram a recriação de um mercado para alguns pro-dutos que já não eram comercializados pelas famílias (frutas e verduras, principalmente), com garantia de escoamento. Nos casos do leite e da laranja (produtos típicos da região, cujo mer-cado já está estruturado com base nas grandes empresas), hou-ve aumento dos preços pagos aos produtores, fazendo com que melhorassem as condições de barganha com os compradores.

Para o leite, por exemplo, foi citado pelos produtores que o preço pago pela Conab chega a ser 30% mais alto do que

o oferecido pelos laticínios locais. Quanto à laranja, a diferen-ça é ainda maior: cerca de quatro vezes superior ao preço das indústrias. É interessante ressaltar que todos os produtores entrevistados continuam vendendo seus produtos para outros canais de comercialização – nenhum deles fornece exclusiva-mente para o PAA ou para a prefeitura.

Quadro 1Número de estabelecimentos de Agricultores Familiares* 113Número de DAPs Física** 147Número de DAPs Jurídica*** 1Quantidade de Agricultores Familiares (com DAPs Física) necessários para atender os 30%**** 9

Fonte: Disponibilizado pelo MDA*Censo da Agricultura Familiar 2006 – IBGE; **Declaração de Aptidão ao PRONAF de 14/07/2010; ***Declaração de Aptidão ao PRONAF de 11/10/201; ****A base utilizada para o cálculo foi o limite de R$ 9.000,00.

O PAA estipula uma cota máxima anual por unidade de produção (ou seja, por DAP) que pode ser vendida ao projeto. Até 2010, o limite era de R$ 3,5 mil e desde então passou a R$ 4,5 mil. Para a maioria dos produtores, esse valor é considera-do baixo em relação ao conjunto da renda obtida na proprie-dade. Mas por se tratar de uma venda segura e com preços atrativos, tornou-se para eles um apoio importante.

Após os primeiros anos de implantação do PAA, outras fa-mílias de agricultores se interessaram pelo programa. De modo que em 2010 a Associação já contava com 64 mem-bros em Tambaú e 22 no município vizinho de Santa Cruz das Palmeiras – havia no período inclusive uma lista de es-pera de agricultores dispostos a participar.

No primeiro ano de projeto (2006), Tambaú recebeu, por intermédio do programa, R$ 74.364,99 para as compras de agricultores, atendendo o limite de R$ 3,5 mil por produtor/

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ano. Ao mesmo tempo, a prefeitura disponibilizou, por meio de comodato, terrenos municipais para a instalação de hortas, convidando membros da APTA a assumir essa atividade. En-tre 2005 e 2010, o número de hortas da cidade aumentou de 5 para 25. A produção foi fornecida para as entidades de assis-tência social e para a prefeitura. Mas os produtores também mantiveram o comércio direto para o público.

PNAE e a Lei nº 11.947/2009Com o funcionamento do PAA no município, a chega-

da da Lei n° 11.947/2009 não representou nenhuma surpresa para os gestores, ou funcionários ligados ao setor de compras ou à pasta de educação. Ao contrário, a nova regulamentação foi vista com bons olhos por todos os envolvidos nas compras da agricultura familiar, já que o know-how adquirido com o PAA seria de grande proveito e o novo programa possibilitaria ampliar o limite de fornecimento por produtor.

A grande mudança com a implantação da Lei está na realização de chamadas públicas para a aquisição de alimen-tos, as quais exigiram responsabilidade maior dos produtores, que passaram a ser mais cobrados. As chamadas criaram uma maior responsabilidade e dedicação por parte do fornecedor, já que nesta venda não é possível deixar de realizar a entrega por algum imprevisto, ao contrário do que ocorre no PAA.

Chamada pública

O município de Tambaú publicou sua primeira chamada pública para compra de produtos da agricultura familiar para a alimentação escolar em 2010. Segundo os gestores municipais, nessa ocasião alguns problemas impediram o cumprimento da compra programada no projeto de vendas elaborado.

Devido à demora da prefeitura para assinar o contrato e ao fato de a região ter passado por um período longo de es-tiagem, com diminuição da produção agrícola, foi possível ad-quirir apenas R$50.415,65 dos R$76.735,00 previstos. O que

não foi adquirido diretamente foi substituído por compras feitas a partir do registro de preços.

A compra da agricultura familiar no ano incluía: ovos, leite, iogurte, alface, banana, chicória, couve-flor, tomate, abo-brinha, chuchu, laranja, beterraba, brócolis e cenoura de for-ma que 12 agricultores familiares foram beneficiados.

Para o lançamento da segunda chamada pública, a pre-feitura e seus gestores entenderam que, se quisessem obter êxito na incorporação dos produtos da agricultura familiar ao PNAE, deveriam se aproximar dos agricultores para auxiliá-los na elaboração da sua proposta de venda e realizar um pro-cesso que incluísse planejamento de ambas as partes. O traba-lho junto aos produtores começou então antes do lançamento da chamada, para que, quando ela fosse publicada, eles já es-tivessem suficientemente mobilizados e com a documentação organizada para participar.

Está previsto na legislação que a elaboração do planejamen-to e cronograma de entregas será feito pela prefeitura, após a chamada, em conjunto com os agricultores. A experiência de Tambaú se destaca pela proximidade do poder público com os agricultores e esse aspecto foi fundamental para via-bilizar a iniciativa da compra de produtos da agricultura familiar. Esta “boa prática” não está apenas nos trabalhos realizados no dia-a-dia, ela é prevista no próprio texto da chamada pública, de forma que os agricultores se sentem mais seguros para participar.

A entrega dos envelopes da segunda chamada ocorreu em 1º de fevereiro de 2011, tendo sido exigida uma série de documentos e o projeto de venda dos agricultores. Caso a pro-posta fosse feita por uma associação de agricultores, deveriam ser entregues também as DAPs de cada um deles e a relação do que cada produtor forneceria, para que assim fosse garan-tido tanto o controle de quem seriam os fornecedores, como o limite estabelecido em lei do valor que cada agricultor pode vender por ano para o programa. A chamada também esta-

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belecia por quantos meses seriam feitas as compras, a forma de pagamento, o local de entrega e a lista de produtos que a prefeitura almejava, com os respectivos preços de referência.

Além desses aspectos, o texto da segunda chamada pú-blica explicitava que o valor do frete já deveria ser previsto pelo agricultor no seu preço, dado que os produtos devem ser entregues na Central de Alimentos do município. Outra con-dição colocada foi a possibilidade da exigência de laudo de inspeção sanitária para alguns casos específicos que a prefei-tura julgasse necessário. Por fim, foi enfatizada a importância da assiduidade nas entregas, tendo o fornecedor a responsa-bilidade pela “sustentabilidade e continuidade da entrega dos produtos”.

A ordem de classificação das propostas seria feita, ini-cialmente, a partir dos valores e priorizando os produtores do município. Porém, estava previsto também que, caso uma proposta não fosse suficiente para suprir a demanda do mu-nicípio por determinado produto, seria possível utilizar outra proposta para complementar a primeira. Como critério de es-colha, foi colocada também a prioridade para produtos orgâ-nicos e agroecológicos, podendo esses, eventualmente, terem acréscimo de 30% no valor final.

Nessa segunda chamada pública – realizada em 2011 – 20 agricultores familiares se cadastraram como fornecedores de abacate, alface, cheiro-verde, chicória, ovo, vagem, couve-flor, raiz de mandioca, leite, laranja, limão, tangerina, mara-cujá, batata, tomate, feijão, abobrinha, chuchu, couve, banana, beterraba, repolho, berinjela, brócolis, cenoura e milho-verde, totalizando um valor de R$93.373,84, o que representa apro-ximadamente 36% do repasse do FNDE.

O fluxograma dos produtos para alimentação escolar: logística, transporte e preparação

As entregas de produtos são realizadas todas as sema-nas pelos agricultores envolvidos nos programas da prefeitu-

ra, em uma central onde está sendo construído o Complexo do Produtor. Trata-se de um espaço simples onde os alimentos são pesados, encaixotados e separados pelas organizações aos quais serão destinados.

São anotadas em um caderno as entradas de produtos, os agricultores por eles responsáveis, a quantidade, o valor, entre outros dados. A partir dos registros dessas informações,

Fotos 1 e 2Produtos adquiridos pelo PAA antes de serem levados às instituições beneficiárias, em Tambaú.

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prefeitura para se adaptar às possibilidades de oferta dos agri-cultores familiares. Há também alguma flexibilidade quanto a certos produtos, que podem ser substituídos em função de problemas na colheita ou questões semelhantes.

A nutricionista e a funcionária responsável pela Cozinha Piloto afirmam não ter nenhum problema com a agricultu-ra familiar e são enfáticas quanto à qualidade dos produtos fornecidos. Atualmente, estão trabalhando para padronizar cardápios das escolas e aprendendo a lidar com problemas próprios de seus setores, como estabelecer um per capita adequado para que não sobre grande quantidade de ali-mentos. E ainda disseram que a proximidade e a capacida-de de diálogo entre diversos setores garantem o funciona-mento da logística de entrega e de preparação das refeições.

Adaptações realizadas pela Prefeitura

Além do esforço por parte dos produtores, a viabiliza-ção da aquisição de produtos da agricultura familiar para a alimentação escolar em Tambaú dependeu de uma integração entre o setor de nutrição e a Coordenadoria de Desenvolvi-mento Econômico e Assuntos Estratégicos, órgão responsável pelo programa. Uma das questões que mais chama a atenção em Tambaú em relação à implementação destes programas é o quanto a prefeitura se mobilizou para fazer ajustes a fim de contemplar as compras institucionais da produção familiar.

Na medida em que o programa implantado começou a funcionar, o trabalho da nutricionista foi se tornando mais complexo. Primeiramente era feito um pedido por semana, contendo os produtos desejados e as quantidades. A essa lista eram incorporados produtos que a APTA anunciava possuir, e ao se dialogar sobre disponibilidade e possibilidade de atendi-mento, era feito um cálculo que dava origem ao pedido final.

O trabalho da nutricionista passou a compreender: a elaboração e adaptação dos cardápios à produção local; a elaboração das fichas técnicas dos produtos; o cálculo das

é feito o pagamento ao final de cada mês. Os alimentos des-tinados à alimentação escolar são levados por um transporte da prefeitura para a Central de Alimentos, onde se encontra a Cozinha Piloto. Trata-se da cozinha central da prefeitura. Há um escritório anexo, no qual trabalham sua responsável e uma nutricionista (no PAA, a distribuição, a partir desse pon-to, fica a cargo de cada uma das organizações beneficiadas, que ao longo da manhã vêm retirar os produtos).

De lá,parte dos produtos é encaminhada em estado natural para as escolas e o restante é processado na cozinha-piloto antes da distribuição. A cozinha conta com duas gran-des caldeiras, nas quais são preparadas carnes, feijão, arroz, macarrão e molho para todas as escolas. Dispõe também de uma padaria para a produção de pães e bolos. Tanto para os alimentos processados, como para os in natura, a logística de distribuição entre as escolas fica a cargo da prefeitura. Isso se mostra como um diferencial já que desonera os agricultores de altos custos de frete e o município pode se organizar da forma mais apropriada às suas necessidades.

Com relação ao processamento e encaminhamento dos alimentos, há diferenças de procedimentos para as escolas municipais e estaduais. As primeiras têm uma estrutura mí-nima para a preparação das refeições, de modo que podem se encarregar da preparação de saladas, legumes e sucos.

Outro desafio enfrentado pela Prefeitura diz respeito a pouca estrutura física e falta de merendeiras das escolas esta-duais, o que inviabiliza o envio de produtos como frutas para suco ou legumes. Para resolver esse impasse, as escolas já rece-bem da Cozinha Piloto as saladas higienizadas e picadas para serem consumidas diretamente. Avalia-se que essa carência de estrutura prejudica a qualidade da alimentação escolar nas instituições estaduais.

Quanto à elaboração do cardápio, a prefeitura infor-ma que ainda está fazendo a transição do período em que a alimentação escolar era composta por sopas feitas a partir de preparados. Parte do cardápio é elaborada com base nos pro-dutos disponíveis no município – e existe aí um esforço da

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Fluxograma: Compra institucional da agricultura familiar em Tambaú

Coordenadoria da Prefeitura informa previsão dos produtos que serão entregues

Nutricionista adapta o cardápio da semana e realiza os pedidos das quantidades

para a alimentação escolar

Agricultores participantes da Chamada Pública (PNAE) Agricultores participantes do PAA

Entrega em local específico(futuro Complexo do Produtor)

Entrega em local específico(futuro Complexo do Produtor)

Transporte da prefeitura leva os alimentos para a Cozinha Piloto, onde

parte deles é pré-elaborada

Parte dos alimentos são retirados pelas instituições beneficiadas e outra parte é

destinada a Central de Alimentos

Distribuição para escolas e creches pela Prefeitura

Produtor emite nota para a Associação

Associação emite a nota de entrada

do produto

Ao final do período de um mês, a Associação emite

a nota de saída (de venda) para a Prefeitura

A Associação se responsabiliza por pagar

os produtores

O pagamento é feito em 5 dias, em nome da

Associação

3) Pagamento

1) Pedido

2) Entrega

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lica,

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quantidades a serem adquiridas (com base nos per capita re-comendados); o acompanhamento do preparo dos alimentos e a sua distribuição; o treinamento do pessoal nas escolas; e a supervisão de todo o processo.

Para implantar o projeto em todas as escolas e creches, como já foi dito, optou-se por uma combinação entre a elabo-ração de uma parte dos alimentos na Cozinha Piloto já exis-tente e a entrega de outra parte diretamente nas escolas, para elaboração no local.

Segundo a nutricionista, o programa trouxe uma mu-dança perceptível no estado nutricional dos escolares, que antes apresentavam claros sinais de deficiência de vitaminas, além de ter reduzido o custo da refeição e possibilitado a utili-zação do recurso economizado com o PAA para adquirir ou-tros alimentos.

O Conselho da Alimentação Escolar (CAE) de Tam-baú, responsável pela fiscalização da alimentação escolar, tem participado das decisões de implantação do PAA desde o seu início. O órgão é composto por 18 membros, dos quais de 7 a 8 comparecem às reuniões mensais. De acordo com uma de suas integrantes mais ativas, a avaliação geral do CAE é de que as crianças são muito bem alimentadas nas escolas.

Interessada em fomentar os programas que já estão em funcionamento e incentivar a agricultura familiar no muni-cípio, a prefeitura também cedeu – em sistema de comodato, com duração de 30 anos – uma grande área na cidade, jun-tamente com materiais de construção, para a APTA imple-mentar o Complexo do Produtor. Os associados, por sua vez, também estão contribuindo com a obra, por intermédio de prestações mensais pagas à associação.

O Complexo do Produtor, que está em obras, alocará a sede da associação e um pequeno laticínio com capacidade de produção de 6 mil litros de leite/dia processado e 12 mil litros de leite/dia refrigerados. Também estão previstas a construção de uma usina para fabricação e congelamento de suco de fru-tas, uma packing-house (local para embalar produtos)e uma cozinha experimental.

A packing-house é uma das grandes necessidades atuais dos agricultores, que possuem dificuldades de fornecer as em-balagens adequadas para a entrega. Atualmente, os produtos são entregues sem uma embalagem específica, alocados em caixas de madeira para o transporte até a Cozinha Piloto.

Outra adaptação feita pela prefeitura foi em relação à inspeção sanitária, com a implementação do Serviço de Inspe-ção Municipal (SIM) que inspeciona as compras institucionais para o próprio município, facilitando as aquisições da agricul-tura familiar e também o controle de qualidade dos produtos.

Além do SIM, é realizado um controle de qualidade no momento da entrega na central de alimentos. Quando o pro-duto não tem os parâmetros adequados de aparência, pode ser devolvido na hora, diretamente ao produtor que o forneceu. Para a venda do leite, há o Serviço de Inspeção do Estado de São Paulo (SISP), oferecido em parceria com um laticínio ar-rendado.

Foto 03Produtos da agricultura familiar em caixas de madeira,

em Tambaú

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Estudo de Caso de Sucesso na Aquisição de Produtos da Agricultura Familiar para Alimentação Escolar: Município de Tambaú – SP

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Observando as adaptações feitas e planejadas pelos pro-dutores, um último elemento chama a atenção: com a venda para o PAA e para a alimentação escolar por meio da chama-da pública, é crescente a preocupação em deixar os alimentos mais higienizados e com melhor aparência, tanto pela neces-sidade quanto pela garantia da venda.Há relatos também de diminuição do uso de agrotóxicos, por iniciativa dos produto-res, com o propósito de fornecer alimentos mais saudáveis aos alunos do município.

Assim, percebe-se que a aproximação entre a prefeitura e os produtores, com seu constante diálogo e abertura para mudanças, tem feito com que os desafios da implementação do PAA e da Lei nº 11.947/2009 sejam mais facilmente su-perados, ou pelo menos estejam em discussão para se achar caminhos que viabilizem a implementação da Lei.

BALANÇO: Fragilidades, conquistas e perspectivas de futuro

O município de Tambaú foi escolhido como caso de su-cesso na aquisição de gêneros alimentícios da agricultura fa-miliar para a alimentação escolar, merecendo ser apresentado para associações de produtores agrícolas e prefeituras interes-sadas na implantação da Lei nº 11.947/2009.

Isto não significa que o processo de transição do mo-delo tradicional tenha se realizado sem dificuldades, tensões ou conflitos. Ao contrário, a experiência do município é rica justamente porque apresenta seguidas superações dos proble-mas que apareceram ao longo do processo – e que ainda estão ocorrendo. O exemplo de Tambaú mostra que os municípios são capazes de implantar programas inovadores que promo-vam desenvolvimento local, desde que tenham vontade políti-ca para superar os obstáculos existentes.

A avaliação geral que se tem do caso de Tambaú quanto à implementação da Lei nº 11.947/2009 é de que a proximi-dade alcançada entre a prefeitura e os agricultores familiares

possibilitou que muitas das questões práticas que surgiram ao longo do processo fossem solucionadas.

Do ponto de vista dos produtores, a entrega para o PAA e, posteriormente, para a alimentação escolar permitiu uma saudável diversificação dos espaços de comercialização, esta-belecendo um maior poder de negociação com os intermedi-ários atacadistas.

Como o município é pequeno, os atores políticos ten-dem a ter entre si também uma relação pessoal, além da insti-tucional. É possível que isso tenha facilitado tal aproximação, gerando um circuito virtuoso de desenvolvimento local, com base na produção agrícola e na demanda institucional. Por ou-tro lado, é importante que haja, entre aqueles que estão atual-mente envolvidos nos processos – tanto do lado da prefeitura quanto do lado da associação de produtores – um esforço para a consolidação e despersonalização da relação, para que ela sobreviva às futuras gestões municipais e às possíveis mudan-ças que a APTA possa vivenciar nos próximos anos.

Outro desafio para muitos municípios que já estão im-plementando a Lei n° 11.947/2009 é aproveitar as mudanças nas refeições servidas para fazer com que a alimentação es-colar seja realmente aproveitada como momento educativo. Uma das grandes deficiências do processo de incorporação de gêneros alimentícios da agricultura familiar ao PNAE em diversos municípios é que não foi divulgada e nem veio acom-panhada de algum programa de educação alimentar nas esco-las. De forma que, na prática, grande parte dos pais de alunos não está informada sobre as mudanças alimentares vivencia-das por seus filhos nos últimos anos e pouco se fala sobre as inúmeras melhorias na alimentação escolar municipal. Da mesma forma, essas mudanças são pouco discutidas entre os professores e funcionários das escolas.

Outros benefícios para os municípios poderão ser al-cançados com a incorporação da agricultura familiar à ali-mentação escolar se, por um lado, for realizado um trabalho de conscientização das famílias dos alunos para que se dê maior amplitude à promoção de hábitos alimentares saudáveis

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e se, por outro, for oferecido acompanhamento aos produto-res que incentive sua emancipação. Além disso, projetos inter-disciplinares nas escolas que tenham a educação nutricional como tema e que aproximem a realidade dos produtores a dos alunos, também poderiam trazer acréscimos não só aos estu-dantes, mas ao município como um todo.

Ao mesmo tempo, é possível promover o aumento da base de fornecedores, ampliando as oportunidades para o desenvol-vimento da agricultura familiar, garantindo assim a solidifica-ção de alguns dos princípios inspiradores da Lei nº 11.947/2009, como o combate à pobreza rural, a geração de renda no campo, o desenvolvimento sustentável e a segurança alimentar.

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A agricultura familiar e o atendimento à demanda institucional das grandes cidades

A Agricultura Familiar e o Atendimento à DemandaInstitucional das Grandes Cidades

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A agricultura familiar e o atendimento à demanda institucional das grandes cidades

Walter BelikEmma Siliprandi

Introdução

Caminha-se rapidamente para um mundo cada vez mais urbano. Desde o ano de 2007 o nosso planeta passou a contar com a maioria da sua população domiciliada nas áreas urbanas. No Brasil, a população urbana superou a rural já nos anos 1960. Desde então, a urbanização avançou rapidamen-te, sendo que no último Censo Demográfico (2010) o IBGE apontou que as cidades já reúnem 84,3% da população brasi-leira. Entretanto, essa urbanização não se apresenta de forma equilibrada. Traz características particulares, próprias de pa-íses em desenvolvimento, que podem ser ilustradas pela exis-tência de grandes metrópoles. Para ter uma ideia, na última década, o número de municípios com população acima de 500 mil habitantes saltou de 31 para 38 e hoje os espaços urbanos reúnem 28,7% da população brasileira. Considerando as 37 regiões metropolitanas brasileiras, com os seus municípios conurbados, essa população se eleva para 43,9% do total.

Essas cifras têm que ser levadas em conta quando se pretende que programas de desenvolvimento rural sejam vol-tados ao abastecimento de grandes cidades, como é o caso das mudanças recentes promovidas no Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). É possível adequar a oferta de produtos da agricultura familiar para suprir àquelas necessi-dades? Que mudanças seriam necessárias na própria deman-da institucional para que agricultores familiares pudessem atender aos requisitos colocados por essa escala de operações? São indagações que trazem à tona questionamentos quanto à efetividade dos programas de alimentação escolar no sentido de induzir processos de desenvolvimento rural, mantendo o bom atendimento ao público que se pretende beneficiar nas cidades.

Pensando nessas dificuldades, a Organização das Na-ções Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) lançou

no início da década passada um programa denominado “Food for the Cities”, no qual se buscava estreitar os laços entre a pro-dução local e o abastecimento das grandes cidades, principal-mente dos países em desenvolvimento. Pela primeira vez, um organismo internacional de peso como a FAO reconhecia a importância e as especificidades do abastecimento alimentar urbano para o desempenho dos produtores.

Segundo a FAO:

“A tarefa de alimentar as cidades do mundo adequada-mente constitui um enorme desafio, requerendo a in-teração coordenada dos produtores, transportadores, operadores de mercado e uma miríade de vendedores. Também requer melhoramentos constantes na qualida-de dos transportes e nos sistemas de distribuição. Não suficiente, a tarefa envolve o entendimento comum dos gestores públicos, agências de desenvolvimento nacio-nais e internacionais acerca dos problemas comuns e das soluções potenciais a serem enfrentadas na busca por alimentar as cidades em bases sustentáveis.”

Outra constatação importante observada no caso dos países desenvolvidos, e que agora atinge também os países em desenvolvimento, é o esvaziamento das áreas de agricultura no entorno das grandes cidades. Van Der Ploeg (2008) deno-mina esse modelo de “agricultura desativada”, tendo em vista o seu deslocamento das áreas próximas aos centros urbanos e a desconexão dessas áreas com o mundo rural. Trata-se de um processo de “suburbanização” e distanciamento de áreas de alto potencial produtivo em relação aos mercados.

No campo acadêmico, há uma vasta literatura sobre o desenvolvimento rural, assim como inúmeros estudos de caso que demonstram que o estabelecimento de redes de abasteci-

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mento de consumidores urbanos por produtores locais pode ter um grande impacto na renda e no desenvolvimento das regiões. Esses estudos demonstram como foi possível, por meio de uma nova organização dos circuitos de produção e de renda, assegurar que os ganhos ficassem concentrados nas populações da própria região. É interessante notar que a questão espacial ressurge com grande força nos últimos anos como resultado do avanço dos métodos flexíveis de produção. Nessa fase pós-fordista do desenvolvimento capitalista, as ino-vações proporcionadas pela tecnologia e pela organização do trabalho demonstram que é possível manter o baixo custo e a qualidade daquilo que chega ao mercado sem a necessidade do controle físico direto da produção.

Mais recentemente, esses movimentos de aproximação entre as esferas de produção e consumo ganharam um ape-lo adicional introduzido pela iniciativa internacional “Slow Food”, que passou a promover e a valorizar hábitos e saberes locais entre consumidores urbanos embotados pela comida pronta e pela alimentação sem identidade. Com o avanço das legítimas preocupações sociais com relação ao meio-ambien-te, o movimento “Slow Food” foi incorporando novos elemen-tos – como, por exemplo, a necessidade de promover o con-sumo de alimentos que considerem distâncias de transporte cada vez menores (“Food Miles”) e o apoio à resistência contra o assédio das grandes corporações aos saberes culinários lo-cais. Esse último pode ser representado pela emergência do mercado de produtos da economia solidária.

Fonte & Papadopoulos, em obra recente, procuram res-gatar os estudos sobre o desenvolvimento local para demons-trar que “após muitos anos de debate, a escala da localidade permanece como um fator crítico, mas não está claro qual seria o tamanho ótimo estabelecido para o que se denomina de local. Há um desacordo sobre se a alimentação local é realmente uma alternativa ao sistema alimentar convencional ou, por contraste, é apenas reação antirreflexiva contra a globalização” (2010:21).

Nesse contexto, promover as compras de produtos da agricultura local para prover alimentos em grande escala é

uma nova dimensão que não havia sido analisada pela lite-ratura. Muitos autores trabalham com o termo re-localização ou re-enraizamento (reembededdness) para destacar esse mo-vimento de retorno aos hábitos e culturas locais. Parece evi-dente assim que “o global e o local coexistem, o local pode se apresentar como uma ‘alternativa’ desde que o local seja orga-nizado a partir de diferentes princípios, sem ser uma amea-ça ao global” (Fonte e Papadopoulos, 2010:22). Destacam os autores que todas as formas de alimentação com base local são passíveis de serem apropriadas e “commoditizadas” pela economia global, mas esse processo pode ser contido na me-dida em que os atores sociais atribuam valores diferenciados para esse mercado.

Já se tornou lugar comum para os estudiosos do desen-volvimento rural afirmar que os mercados não são dados, mas socialmente construídos (Granovetter, 1985). Mercados resul-tam da interação social, constituindo-se em instituições que, por sua vez, moldam os próprios atores que deles participam. A introdução da categoria território nessa equação requer uma atenção um pouco maior, pois nem sempre é possível mistu-rar relações sociais com relações territoriais; nem sempre as relações territoriais estão respaldadas na solidariedade e reci-procidade no campo produtivo. Recorda-nos Bowen (2010) que, muitas vezes, atores externos se apropriam da noção de território para valorizar os seus mercados de nicho, reforçando determinadas elites. Ou seja, a pergunta a ser colocada é: até que ponto os atores sociais locais têm o controle do processo?

Como se sabe, a passagem das relações sociais de pro-ximidade para uma atuação direta sobre um território é mais complicada do que parece. É como se houvesse um sistema de jogos repetidos que partem de uma arena de ação, sobre o qual se destaca a dificuldade de quebrar a inércia – a de-pendência de trajetória, imposta pelo funcionamento desses mesmos mercados. Utilizando o esquema de quatro camadas desenvolvido por Williamson (1985) é possível observar que a introdução das compras governamentais de produtos da agri-cultura familiar leva à criação de um novo arranjo institucio-nal – novas estruturas de mercado, rotinas, formas de relacio-

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1. Lei da Agricultura Familiar (Lei nº 11.326, de 24 de julho de 2006).

2. O PAA foi instituído pelo artigo 19 da Lei nº. 10.696, de 02 de julho de 2003, e regulamentado pelo Decreto nº. 4.772, de 02 de julho de 2003. Seus objetivos são os de incentivar a produção de alimentos na agricultura fa-miliar, assegurar a comercialização, contribuir para o acesso aos alimentos em quantidade, qualidade e regularidade pelas populações em situação de insegurança alimentar e nutricional e colaborar na formação de estoques. Podem participar do Programa homens e mulheres que se enquadrem nos critérios do PRONAF, ou seja, é necessário apresentar a Declaração de Ap-tidão ao PRONAF, (DAP), que é um documento emitido para o conjunto da família agricultora. O programa adquire alimentos com dispensa de li-citação, pagando preços de referência estabelecidos regionalmente, até um determinado limite por ano, por unidade produtiva familiar. Esses limites são definidos para cada uma das modalidades em que o Programa opera, e têm sido modificados periodicamente. Os alimentos adquiridos podem ser doados para instituições sociais (hospitais, entidades assistenciais, escolas) e pessoas em situação de insegurança alimentar e nutricional (cestas básicas), ou serem destinados à formação de estoques.

namento entre os agentes econômicos. Contudo, para que esse novo arranjo possa se sustentar ele deve ser acompanhado – e refletir também as mudanças que estariam ocorrendo no am-biente institucional como um todo, incluindo as de caráter técnico em curso.

Nesse sentido, os novos arranjos ou formas de gover-nança que vão surgindo dizem respeito a um alinhamento de estruturas que ocorre a partir de um novo ambiente institu-cional, representado por novas regras formais, novos direitos de propriedade, nova burocracia, etc. Essas mudanças nunca ocorrem de forma instantânea e sim em períodos de médio e longo prazo. Segundo Williamson (1985), a camada do am-biente institucional estaria sobreposta à camada do arranjo e estas duas camadas, por sua vez, seriam precedidas pelo enrai-zamento de valores (embeddedness) presentes na sociedade e seguidas pelas decisões do dia-a-dia dos agentes econômicos quanto à alocação de recursos.

No caso da alimentação escolar no Brasil, observa-se um período de mudança institucional de longo prazo que teve início em 1994 com a descentralização e o repasse dos recur-sos federais para a compra de gêneros por parte das entidades executoras (governos estaduais, prefeituras e escolas). Nesse mesmo ano, ocorreu o reconhecimento público das especi-ficidades da agricultura familiar com o lançamento de uma linha de crédito específica para esse público consubstanciada no Pronaf (que se iniciou com o nome de Programa de Valo-rização da Pequena Produção/Provap).

Já nos dois governos Luiz Inácio Lula da Silva que se seguiram, consolidou-se uma política para a alimentação es-colar e, em paralelo, o apoio integral à agricultura familiar. Se-ria ocioso elencar todas as medidas tomadas nos últimos anos para aprimorar a alimentação escolar em termos nutricionais e na gestão dos recursos transferidos. O mesmo pode-se afir-mar com relação aos produtores familiares, que foram bene-ficiados, inclusive, com uma lei específica para a agricultura familiar1. O que importa destacar é o protagonismo assumido pela agricultura familiar como uma categoria de reconheci-

do peso econômico e produtivo, que passou a contar com um aparato institucional para a gestão de programas de apoio, e ampliou consideravelmente seus espaços de atuação.

Na realidade, são poucos os casos reportados de com-pras públicas de alimentos locais – e serão apresentados mais adiante – que tenham tratado de dimensões tão vastas como estas que se colocam para o caso brasileiro. Além disso, cha-ma a atenção a rapidez e o reforço institucional com que vem se dando a aquisição pública de gêneros alimentícios para as escolas. Ao contrário de outros países nos quais a compra lo-cal é uma opção que visa ao desenvolvimento territorial rural, no Brasil a compra é mandatória, fiscalizada por um conselho proveniente da sociedade civil e com poderes para aplicar san-ções contra a própria administração pública.

Outro elemento a ressaltar é o de que as compras pú-blicas de gêneros da agricultura familiar tiveram início em 2004, por intermédio do Programa de Aquisição de Alimen-tos (PAA), vinculado ao governo federal, que visava inicial-mente recompor parte dos estoques públicos de alimentos com produtos oriundos daqueles agricultores2. Esse sistema viria a complementar e, até mesmo substituir, as aquisições do

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governo para estoques reguladores junto aos grandes produ-tores, que remonta aos anos 1970. Assim, com a emergência do PAA muitos pequenos agricultores passaram a ter uma via segura de escoamento para os seus produtos, que incluíam desde grãos, gêneros processados e também gêneros frescos (frutas, legumes e verduras).

Uma parte dos produtos arrecadados pelo governo por intermédio desse programa foi direcionada para um sistema de doações (com periodicidade fixa, por meio de contratos anuais, e não na forma de doações eventuais) para creches e entidades assistenciais (incluindo a alimentação escolar) nos municípios próximos dos locais de arrecadação. A par-tir da experiência bem-sucedida do PAA foi possível repen-sar os procedimentos de compras institucionais, para garan-tir a participação desses pequenos produtores de forma mais permanente no programa da alimentação escolar, com a Lei 11.947/2009.

A experiência internacional

São poucos os programas de alimentação escolar espa-lhados pelo mundo. Normalmente, as refeições servidas nas escolas não partem de uma política pública, mas sim de uma relação privada entre a escola (ou a cantina da escola) e o es-tudante.

Um total de quase 20 países da América Latina tem pro-gramas de alimentação escolar, mas na maioria deles as ações públicas consistem em pequenas ajudas, esporádicas, com baixo conteúdo nutricional (Belik e Rosa de Souza, 2009). Em apenas três países (Brasil, Panamá e Chile) as refeições são garantidas para todo o ano letivo e em caráter nacional. Nos dois últimos, no entanto, a alimentação não é universal e sim seletiva e focalizada. No Chile, por exemplo, todos os alunos desfrutam do mesmo tipo de alimento, mas o seu pagamento ou isenção depende da condição de pobreza da família.

Nos Estados Unidos, o National School Lunch Program (NSLP) foi criado no pós-guerra com o objetivo de suprir as

necessidades nutricionais dos estudantes. Atualmente o pro-grama atende aproximadamente 100 milhões de crianças e jo-vens matriculados em escolas públicas, que fazem algum tipo de refeição no estabelecimento de ensino (Bickel & Andrews, 2002). O recurso federal é repassado aos estados da federação e posteriormente aos distritos escolares, que têm autonomia para realizar as compras de alimentos. Uma parte do recur-so pode ser utilizada para compra de equipamentos, reformas nas instalações, etc. Apenas os estudantes de famílias carentes cadastrados na assistência social recebem alimentação gratui-ta. Os demais têm direito a reembolsos ou pequenos subsídios para a sua alimentação. O distrito também tem autonomia para buscar recursos junto à iniciativa privada e patrocina-dores, que normalmente “adotam” iniciativas culturais ou es-portivas.

No vizinho Canadá, onde normalmente há uma preo-cupação social maior por parte dos governantes, não existe um programa nacional de alimentação escolar e os estudantes devem trazer o seu alimento de casa. Koc (2002) salienta que no caso canadense há uma enorme população marginalizada composta de indígenas, minorias e famílias desestruturadas. Segundo o autor “é totalmente incompreensível que um país como o Canadá, com produção suficiente para alimentar o mundo todo, seja incapaz de alimentar seus cidadãos. Todos os membros da sociedade deveriam ter uma dieta saudável” (2002:88).

Na Europa a alimentação escolar sempre foi considera-da um direito da população e um dos pilares do “welfare sta-te”. Entretanto, com os sucessivos cortes de orçamento países como a Inglaterra e França reduziram os subsídios à alimenta-ção e esta passou a ser totalmente privada. Em algumas loca-lidades se permite que a criança vá para a casa para o almoço ou se alimente nas cercanias retornando em seguida para o turno da tarde. São poucos os países que ainda oferecem uma alimentação escolar universal e gratuita na Europa.

A Índia é outra nação de grandes proporções que tem a alimentação escolar como um dever constitucional. Nes-

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se país os estados devem fornecer alimentação suplementar às crianças que frequentam as escolas públicas. Ocorre que a alimentação é servida segundo a capacidade financeira de cada estado, o que leva a que apenas poucos distritos venham a se beneficiar do programa. Nos últimos anos, o programa cresceu com a ajuda federal e com contribuições privadas e de organismos internacionais. A Índia se orgulha de ter o maior programa de alimentação escolar do mundo, servindo 120 milhões de refeições por dia3. As refeições consistem em uma tigela de arroz ou outro cereal, vegetais e leite, o que de-monstra o esforço em garantir um mínimo nutricional para os estudantes.

A análise dos programas públicos desses países não dei-xa clara qual a relação dos mesmos com as compras locais.

Nos Estados Unidos, uma legislação de 2008 passou a encorajar as compras com “preferência geográfica”, mas essa regra só se tornou efetiva em 2011. Com isso, as compras de alimentos em regiões específicas (a serem definidas pelos ges-tores) têm vantagens de desempate no caso das licitações de produtos não processados. Não existem estudos mais atualiza-dos sobre como essas novas diretrizes estão sendo implemen-tadas nas grandes cidades norte-americanas, com exceção do caso emblemático de Nova York analisado por Morgan e So-ninno (2008).

Buscando combater a obesidade e cortar custos, as au-toridades de Nova York lançaram um programa de reforma da alimentação escolar em 2003. A cidade foi dividida em cinco áreas e foram feitas chamadas com fornecedores locais para cada uma das áreas, diminuindo a escala e permitindo um melhor acompanhamento do tipo de produto adquirido. Com uma administração mais próxima, foi possível reduzir os custos das licitações e introduzir alimentos mais saudáveis, ao mesmo tempo em que se passou a disseminar comidas étni-cas, valorizando a diversidade dessa metrópole.

3. Ver a esse respeito reportagem da Revista Time de 05/11/2010 “IN INDIA The World’s Largest School Lunch Program. http://www.time.com/time/world/article/0,8599,2029625,00.html

Os autores também estudaram o caso de duas grandes cidades europeias: Roma e Londres. Na primeira, a mudança em direção às compras locais foi gradativa desde o final da dé-cada de 1990. Apoiada em uma legislação nacional que tenta-va barrar a importação de carnes contaminadas pela “doença da Vaca Louca”, em favor de comidas integrais com ênfase em produtos orgânicos, a administração municipal iniciou uma verdadeira revolução no sistema de alimentação escolar.

A partir da constatação de que os jovens romanos estavam cada vez mais obesos e que os saudáveis hábitos de consumo de comida mediterrânea estavam sendo abandonados, um novo prefeito eleito (vinculado ao Partido Verde) iniciou um trabalho junto aos 20 distritos municipais para padronizar as licitações. Foram estabelecidos critérios de pontuação para certificações am-bientais, orgânicas e para a oferta de serviços (educativos, treina-mento, etc.) por parte das companhias participantes das licitações. O projeto foi muito bem-sucedido. Possibilitou uma redução no custo das refeições, ao mesmo tempo em que se promoveu uma mudança cultural em vários aspectos da vida das famílias dos estudantes (Morgan & Soninno, 2008). Desafortunadamente, se-gundo informações recentes, o programa não teve continuidade devido a mudanças ocorridas no comando político da cidade.

Em Londres, após o vendaval neoliberal dos anos 1980 e 90, os gestores públicos voltaram a mirar questões que ha-viam sido afastadas das preocupações da alimentação escolar britânicas: novamente a questão do crescimento da obesidade, a redução dos impactos ambientais e a necessidade de políti-cas de inclusão social. Seguindo a popularidade do programa televisivo do “chef ” Jamie Oliver, o qual demonstrou que se-ria possível produzir uma alimentação escolar barata e mais saudável, as autoridades passaram a investir mais recursos e tempo na produção de alimentos.

O prefeito de Londres divulgou então o seu projeto de torná-la “a cidade mundial sustentável”. A partir de incentivos, passou-se à motivação para que os 32 administradores distri-tais (eleitos independentemente) adotassem uma agenda de compras locais, visando à qualidade e ao frescor dos produtos

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adquiridos, bem como à introdução de diretrizes étnicas na preparação dos alimentos, à promoção da redução de resídu-os, etc. O projeto ainda está em curso e os resultados obser-vados em algumas escolas são animadores. Desenvolveu-se um sistema de hortas locais e compras junto a fornecedores independentes. Assistiu-se a uma participação efetiva da co-munidade na preparação de cardápios e nas ações educativas.

Observa-se, por esses exemplos recolhidos, que nos países desenvolvidos as mudanças verificadas foram pontuais e, até mes-mo, localizadas no tempo. Surgiram como uma reação a proble-mas originados no lado da demanda, dados pelo alto custo das refeições, aumento da obesidade ou mesmo uma rejeição ao uso de alimentos potencialmente contaminados. Em nenhum dos ca-sos a iniciativa partiu dos produtores ou mesmo dos conselhos alimentares organizados. Outro ponto de destaque é o de que as experiências ficaram restritas a um volume muito pequeno de compras. A cidade de Roma, que implementou um sistema único de aquisições (embora dividido em zonas), oferece alimentação a 150 mil estudantes durante 190 dias por ano.

Como será visto adiante, no caso dos países em de-senvolvimento a escala de atuação é totalmente distinta. Na cidade de São Paulo, por exemplo, o número de refeições ser-vidas por dia pode chegar até a 1,9 milhões durante 200 dias do ano. Em grandes municípios do Estado de São Paulo, como Campinas, Sorocaba e São Bernardo do Campo são servidas, respectivamente, 165 mil, 195 mil e 250 mil refeições por dia.

As compras da agricultura familiar nos grandes municípios do Estado de São Paulo

Com a entrada em vigor da Lei nº 11.947/2009, abriu-se no Brasil um novo campo de possibilidades para interação entre a produção local de agricultores familiares e os consumidores ins-titucionais, pela via das compras públicas. A regulamentação an-terior – especialmente a Lei nº 8.666/1993, que continua em vigor – estabelece condições difíceis de serem transpostas pelos agricul-tores familiares, para poderem se aproximar, como fornecedores,

do poder público, principalmente pelas exigências burocráticas para a participação em licitações. Com as novas normativas, o processo de aquisição da agricultura familiar está dispensado das licitações, embora implique em outros ritos processuais (chama-das públicas) que visam garantir os princípios de publicidade, equidade, qualidade dos produtos e competitividade nos preços, de forma a não ferir a legislação pré-existente.

Desta forma, implicou em mudanças no modus operan-di dos órgãos de compras dos executores da política em níveis local e estadual, para se adaptarem às exigências estabelecidas pela nova Lei4. Uma das condições para a venda para o pro-grama é que os agricultores sejam portadores da Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP), documento obtido junto aos ór-gãos de assistência técnica autorizados pelo governo federal. No caso de municípios que recebem repasses anuais do PNAE acima de R$ 100 mil, é obrigatório que as compras sejam efe-tuadas por meio de organizações formais (associações ou coo-perativas) detentoras da DAP Jurídica.

Do ponto de vista do desenvolvimento rural, a aposta da nova Lei é que, ao injetar mais recursos na região por inter-médio dos produtores rurais, se promova um circulo virtuoso de aquecimento da economia local, gerando mais ocupações e oportunidades. Pretende-se, também, apoiar os agricultores para que ingressem em outros mercados além dos institucio-nais, tendo em conta os aprendizados em termos de melhoria da qualidade dos seus produtos, planejamento para garantir a padronização e regularidade no fornecimento, utilização

4. As mudanças estabelecidas pelas novas normas não se restringem às for-mas de aquisição dos alimentos. Questões que dizem respeito à qualidade nutricional dos cardápios e à forma de integração dos mesmos com as cul-turas locais, que já estavam presentes em normativas anteriores do FNDE, foram reforçadas. O PNAE se propõe a oferecer uma alimentação de melhor qualidade aos estudantes (com produtos mais frescos, produzidos localmen-te, de acordo com hábitos alimentares regionais), estabelece a obrigatorie-dade de programas de educação alimentar e nutricional nas escolas, e exige que o cardápio seja supervisionado tecnicamente por profissionais de nu-trição. São propostas no sentido de reforçar o caráter do PNAE como uma política de segurança alimentar e nutricional.

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A agricultura familiar e o atendimento à demanda institucional das grandes cidades

de embalagens e transporte adequados, certificação sanitá-ria e, principalmente, regularização da documentação e dos seus produtos. Nesse sentido, a Lei nº 11.947/2009, tal como o PAA, comentado anteriormente, pode funcionar como estí-mulo para uma mudança na inserção comercial desses produ-tores, criando condições para uma descentralização do desen-volvimento pela via da comercialização agrícola.

No entanto, os bons propósitos da Lei são de difícil tra-dução prática quando se trata de grandes municípios, com di-ficuldades logísticas importantes para o abastecimento das escolas (grande número de pontos de entrega, dificuldades de transporte, armazenamento dos produtos, condições de mani-pulação, etc.). O propósito de promover o desenvolvimento local também deverá ser relativizado nesses casos, uma vez que boa parte dos produtos consumidos no programa terá que vir, neces-sariamente, de outras regiões produtoras, dada a magnitude da demanda. O programa pode, no entanto, ajudar no desenvolvi-mento de regiões próximas aos grandes centros, sem que tenha que ser necessariamente a área rural do próprio município.

Para discutir essas dificuldades (e também as poten-cialidades que se abrem nesses processos) são tomados como exemplo os 21 municípios do Estado de São Paulo com mais de 300 mil habitantes, que, juntos, representam 52% da popu-lação do estado. O corte utilizado para definir o que seriam “municípios de grande porte” foi dado por sua participação na população do estado. São Paulo tem 645 municípios, portanto é surpreendente o fato de que apenas 3,2 % deles reúnem mais de metade da população, o que demonstra a concentração po-pulacional observada. Para esses municípios, o FNDE deve re-passar em 2011 R$ 159 milhões, dos quais aproximadamente R$ 48 milhões (30%) devem ser comprados de organizações da agricultura familiar (ver Tabela 1).

Observa-se pelo Mapa 1 que os municípios mais popu-losos do Estado de São Paulo estão localizados no entorno da capital em áreas altamente industrializadas com pequena par-ticipação da agricultura. Dentre os municípios selecionados, 3 em cada 4 reais destinados à agricultura familiar serão consu-midos em um raio de 150 km em torno da Praça da Sé. Essa

relação desfavorável do ponto de vista espacial entre a oferta e a demanda poderia se transformar em uma grande vantagem caso a agricultura familiar estivesse organizada em termos lo-gísticos para a cobertura desta área com grande densidade de consumo.

Entre 2010 e 2011, doze desses municípios tinham rea-lizado chamadas públicas para compras da agricultura fami-liar, incluindo produtos in natura (frutas, legumes e verduras), semiprocessados (arroz, feijão, entre outros) e processados (suco de laranja, macarrão, geleias). Entre os maiores municí-pios, destacam-se negativamente a capital, São Paulo, e Cam-pinas (a terceira cidade mais populosa do estado) por não te-rem realizado as compras tal como definidas pela nova Lei até o final de 2011. No caso de São Paulo, chegou a ser lançado um edital, mas ocorreram questionamentos por parte do Tribunal de Contas do Município e o processo de compras encontra-se paralisado, aguardando julgamento; enquanto que no caso de Campinas, divergências internas às instâncias administrativas da Prefeitura atrasaram todo o processo. A primeira chamada pública foi publicada apenas nos últimos dias de 2011 e o pro-cesso encontra-se em andamento com oito organizações da agricultura familiar tendo enviado projetos de vendas.

Entre os municípios de grande porte que se destacaram positivamente estão Guarulhos e São Bernardo do Campo, que já haviam realizado várias compras da agricultura familiar nesses últimos dois anos, cumprindo, com folga, o porcentual mínimo estabelecido pela lei.

Levantamento realizado pelo Ministério do Desen-volvimento Agrário em 2010 mostrava que, para cumprir o mínimo de 30% dos repasses naquele ano, a maioria desses municípios precisaria recorrer a agricultores de outros mu-nicípios (ver Tabela 2). Em 2010, ainda eram poucas as enti-dades portadoras de DAP Jurídica com sede nos municípios selecionados, que, por receberem repasses acima de R$ 100 mil/ano, estavam obrigados a comprar de grupos formaliza-dos. De acordo com o MDA, o número total de DAP Jurídica válidas no ano de 2011 no estado era de 156, já em função do estímulo ocorrido com a implantação da Lei.

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Projeto Nutre SP: Análise da Inclusão da Agricultura Familiar na Alimentação Escolar do Estado de São Paulo

Tabela 1 - Municípios do Estado de SP com população acima de 300 mil habitantes: população, valor previsto de repasse do PNAE e valor a ser gasto com as compras da agricultura familiar – ano 2011.

Município População (no) Valor do repasse do PNAE (r$) 30% Do repasse previsto para a AF (r$)

Bauru 337.946 4.244.340,00 1.273.302,00 Campinas 1.060.584 13.035.462,00 3.910.638,60 Carapicuiba 369.369 1.209.060,00 362.718,00 Diadema 385.838 2.076.900,00 623.070,00 Franca 312.780 4.152.300,00 1.245.690,00 Guarulhos 1.220.653 7.493.280,00 2.247.984,00 Itaquaquecetuba 321.329 2.099.580,00 629.874,00 Jundiaí 353.806 4.485.780,00 1.345.734,00 Mauá 416.585 1.272.180,00 381.654,00 Mogi das Cruzes 356.835 2.368.620,00 710.586,00 Osasco 666.621 8.766.960,00 2.630.088,00 Piracicaba 356.440 4.952.880,00 1.485.864,00 Ribeirão Preto 602.061 2.855.580,00 856.674,00 Santo André 676.177 7.233.300,00 2.169.990,00 Santos 419.074 4.206.360,00 1.261.908,00 São Bernardo do Campo 752.126 5.336.820,00 1.601.046,00 São José do Rio Preto 383.075 4.505.280,00 1.351.584,00 São José dos Campos 616.308 3.943.020,00 1.182.906,00 São Paulo 11.144.892 61.629.960,00 18.488.988,00 São Vicente 331.565 4.705.260,00 1.411.578,00 Sorocaba 579.819 8.418.180,00 2.525.454,00 Total 21.663.882 158.991.102,00 47.697.330,60 Fontes: Censo IBGE 2010; Previsão de Repasse Financeiro Pnae – 2011, Ano: 2011 – Ministério da Educação /Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educa-ção/Diretoria de Ações Educacionais (Dirae)/Coordenação Geral do Programa de Alimentação Escolar (CGPAE). Elaboração dos autores.

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A agricultura familiar e o atendimento à demanda institucional das grandes cidades

Mapa 1 - Repasse do FNDE para municípios com mais de 300 mil habitantes - Estado de São Paulo-2011

Limitações e desafios da compra direta nas grandes cidades

Levantamentos realizados por Baccarin et al. (2011) e pelo projeto NUTRE SP apresentados no artigo “Chamada Pública: instrumento legal de compras da agricultura familiar para a alimentação escolar” demonstram as dificuldades e as soluções encaminhadas pelos municípios para as compras da agricultura familiar. O caso dos grandes municípios se insere nessa problemática geral, mas apresenta algumas particulari-dades que merecem ser analisadas.

Os estudos apontam que as áreas mais sensíveis nessa relação entre poder público e os fornecedores da agricultura familiar têm sido – em primeiro lugar - a definição dos locais de entrega, seguido da periodicidade exigida, os preços utiliza-dos como referência, os prazos de pagamentos, a existência ou não de mecanismos de substituição de produtos, entre outras questões. Tendo em vista a enorme escala de operações desses municípios, muitos procedimentos devem ser padronizados impedindo que sejam feitas adaptações, que são próprias de pequenos fornecedores que, muitas vezes têm que improvisar para poder seguir trabalhando. O caso mais concreto de extre-

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Projeto Nutre SP: Análise da Inclusão da Agricultura Familiar na Alimentação Escolar do Estado de São Paulo

Tabela 2 - Municípios do Estado de SP com população acima de 300 mil habitantes: valor previsto de repasse do Pnae, valor a ser gasto com as compras da agricultura familiar, número de agricultores familiares, DAPs, DAPs Jurídicas

e estimativa de agricultores necessários para o cumprimento da Lei 11.947/09 – Ano 2010.

Município

Valor (em R$) do repasse do

FNDE em 2010 (1)

30% do repasse do FNDE(R$)

Nº de agricultores familiares

(2)

Nº de DAPs(3) Nº de DAPs Jurídicas (4)

Quantidade de AF necessários para atender

os 30%(5)

Bauru 4.024.680,00 1.207.404,00 228 335 1 134Campinas 12.486.000,00 3.745.800,00 342 65 1 416Carapicuiba 1.089.540,00 326.862,00 - 1 36Diadema 2.032.260,00 609.678,00 - 0 68Franca 4.021.740,00 1.206.522,00 638 118 134Guarulhos 7.353.540,00 2.206.062,00 97 13 1 245Itaquaquecetuba 1.993.380,00 598.014,00 15 3 66Jundiaí 4.013.640,00 1.204.092,00 454 113 134Mauá 1.226.580,00 367.974,00 - 3 41Mogi das Cruzes 2.541.000,00 762.300,00 1.123 206 85Osasco 9.265.500,00 2.779.650,00 - N/C 309Piracicaba 4.587.120,00 1.376.136,00 678 154 1 153Ribeirão Preto 2.780.040,00 834.012,00 266 495 93Santo André 7.476.000,00 2.242.800,00 27 2 249Santos 3.781.380,00 1.134.414,00 4 2 126São Bernardo do Campo 5.517.540,00 1.655.262,00 18 12 184São José do Rio Preto 4.442.640,00 1.332.792,00 399 232 148São José dos Campos 3.925.380,00 1.177.614,00 1.426 77 1 131São Paulo 64.990.680,00 19.497.204,00 130 61 1 2.166São Vicente 4.583.400,00 1.375.020,00 3 6 153Sorocaba 7.834.020,00 2.350.206,00 124 424 3 261Fonte dos dados: FNDE e SAF/MDA. Organização das informações: SAF/MDA 2010.Observações: (1) 2010 com base no Censo Escolar de 2009 (4) Declaração de Aptidão ao Pronaf de 11/10/2010.

(2) Censo da Agricultura Familiar 2006 – IBGE. (5) A base utilizada para o cálculo foi o limite de R$ 9 mil(3) Declaração de Aptidão ao Pronaf de 14/07/2010

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ma padronização é a rigidez do cardápio, que é estabelecido por alguns municípios, não permitindo substituição de pro-dutos por parte das cozinheiras.

Há outra dificuldade geral a ser analisada, no que con-cerne essa padronização de procedimentos que diz respeito ao próprio mecanismo da chamada pública. Muitas prefeituras estão entendendo que os contratos assinados com os agricul-tores e suas organizações seguem a mesma lógica das “ata de registro de preços”, que dão opção para o comprador adquirir até os limites determinados pela chamada e não necessaria-mente a sua totalidade. Ocorre que, para os produtores que já haviam se preparado para entregar as quantidades exigidas nas datas previstas, a ausência do pedido concreto por parte da prefeitura pode causar enormes problemas, pois terá que buscar a colocação dos produtos em outros mercados em pra-zos curtos, submetendo-se a preços e condições desfavoráveis, para diminuir as suas perdas. Esse foi o caso, por exemplo, da primeira chamada pública efetuada por uma das grandes prefeituras do Estado de São Paulo, de 2010.

Naquela ocasião o setor de alimentação escolar encami-nhou uma lista com as especificações dos itens e quantidades a serem comprados da agricultura familiar ao Departamento de Compras da Prefeitura, e este elaborou a chamada públi-ca. Os preços foram definidos com base na tabela diária da Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp), estipulando adicional de 10% para os custos com embalagem e 20% para os custos com frete. Participaram do processo sete cooperativas, sendo que todas foram contrata-das por um período de nove meses. Houve significativo atra-so na elaboração dos contratos, por isso o fornecimento foi iniciado apenas em setembro de 2010. Nesse período, houve também mudança nos cardápios que haviam servido de base para a elaboração da chamada pública. Os contratos firmados com cada fornecedor seguiram um único padrão, com esta-belecimento de obrigações entre as partes, e detalhes sobre preços, prazos, entregas e formas de pagamento. No entanto, como não havia uma cláusula contratual que condicionasse o contratante a efetivar a compra dos produtos dos contratados,

uma das cooperativas contratadas acabou não recebendo pe-didos durante a vigência de seu contrato.

A padronização dos cardápios implica em demandas gigantescas de produtos a serem entregues em curtos períodos de tempo muitos deles inadequados à produção agrícola re-gional. Vimos pelos exemplos internacionais que a divisão de grandes cidades em regiões ou distritos pode ser uma solução que viabilize o fornecimento por parte de pequenos produto-res. Um caso emblemático foi a chamada pública divulgada pela cidade de São Paulo em 2011 para aquisição de alimentos da agricultura familiar. A oferta mensal estipulada pelo certa-me era de 235 mil sachês de suco de laranja de 200 ml, 40 mil litros de óleo de soja refinado, entre outros gêneros5.

Segundo orientação da Resolução 38 do FNDE, uma das funções do setor responsável pela elaboração dos cardá-pios é o contato com entidades da agricultura familiar local e regional para o acerto sobre a capacidade de produção e a possibilidade de utilização desses produtos pelas escolas. No entanto, existem poucos exemplos de locais onde essa articu-lação esteja ocorrendo. Na maioria dos municípios, os cardá-pios não foram modificados em relação ao período anterior à Lei, sendo escolhidos alguns produtos de forma aleatória para serem comprados da agricultura familiar, sem a existência de negociações prévias. Os cardápios deveriam seguir também a sazonalidade dos produtos, o que não vem ocorrendo, sendo exigidos muitos produtos durante o ano todo, enquanto sua produção se dá somente em uma determinada época.

Existe também uma inflexibilidade por parte das prefeitu-ras em termos de padronização dos produtos (tamanho, aparên-cia, exigências quanto às embalagens), muitas vezes descabidas para os fins a que se destinam os alimentos, pois não se tratam de vendas no varejo ao consumidor final, e sim produtos destinados à alimentação coletiva – que deverão seguir padrões específicos de

5. Audiência Pública para colher subsídios para a adequada implantação do modelo de aquisição, de acordo com a Lei Federal nº 11.947/2009. Prefeitura do Município de São Paulo, Departamento da Merenda Escolar, 25/02/2011.

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qualidade, adequados a esta realidade. Da mesma forma, são mui-tas as queixas com relação à fiscalização sanitária, bastante defi-ciente na orientação aos produtores, mas excessivamente exigente quando se trata de recusar produtos.

Algumas vezes essas exigências têm origem na falta de pessoal capacitado nas prefeituras, assim como na falta de equipamentos para manipular os alimentos in natura, in-duzindo à compra de produtos padronizados e de mais fácil preparo. O recebimento de produtos da agricultura familiar pressupõe a disposição dos agentes públicos a adaptarem tam-bém as condições de recebimento dos produtos. Para isso, é necessário investimento em infraestrutura e no pessoal envol-vido, para que se tenham condições de fazer um melhor apro-veitamento dos produtos.

Um exemplo de boas práticas nesse sentido foi encon-trado no município de São Bernardo do Campo, onde houve um envolvimento efetivo do pessoal da cozinha no processo de mudanças proposto. Uma visita das merendeiras às coope-rativas de agricultores, mostrando as condições de produção e de preparo dos alimentos enviados à prefeitura, foi fundamen-tal para obter uma maior compreensão das funcionárias com relação a eventuais problemas nas entregas.

No caso da prefeitura da Carapicuíba, que está reestru-turando seu departamento de compras após um longo período de terceirização (contratação de empresas que se encarrega-vam de toda a operacionalização do programa de alimentação com recebimento por preço de refeição servida), houve difi-culdades para a compra imediata de novos produtos, por con-ta até mesmo da inexistência de utensílios nas cozinhas das escolas. Uma solução encontrada para cumprir os percentuais exigidos pela Lei em um primeiro momento foi concentrar a compra em um único produto, no caso, o suco de laranja, que passou a ser adquirido de uma cooperativa de agriculto-res familiares. Essa experiência permitiu que o departamento responsável pela alimentação escolar passasse a se estruturar melhor para comprar mais produtos da agricultura familiar, diversificando a sua demanda a longo prazo.

A possibilidade de substituição de produtos também vem sendo apontada por algumas cooperativas de produtores como algo que deveria ser incorporado pelas chamadas. É ne-cessário que a prefeitura tenha algum mecanismo de mudança de cardápio ao longo do ano. Há cláusulas nas chamadas que prevêem isso, mas não definem como será o procedimento para a adaptação dos produtores em relação a essas mudan-ças. Seria necessário que, em caso de mudança de cardápio, a prefeitura conversasse com as organizações contratadas so-bre a possibilidade de mudanças na entrega e, somente se isso não for possível, realizar nova chamada pública. De qualquer maneira, há mecanismos para garantir que as substituições, quando necessárias, sejam feitas respeitando os preços de re-ferência e o valor nutricional dos produtos a serem substitu-ídos, para que não haja prejuízo dos cardápios estabelecidos.

Voltando à questão da entrega, fora do estado de São Paulo aparecem algumas práticas interessantes com relação a essa questão. Em chamadas dos estados do Paraná e Sergipe, do Distrito Federal e do município de Palmas, por exemplo, verificou-se a possibilidade do empreendimento da agricul-tura familiar escolher a quantidade de escolas nas quais serão feitas as entregas. Já em Porto Alegre também está prevista a escolha de quais regiões da cidade o empreendimento fará a entrega (a própria prefeitura agrupa as escolas em algumas regiões). Existem casos em São Paulo, no entanto, como o da prefeitura de São Vicente, em que a entrega ponto a ponto não tem sido um problema para a cooperativa contratada por meio da chamada pública. Segundo o relato da prefeitura à equipe do NUTRE SP, a experiência no município tem sido bastante positiva. Os produtos, entregues uma vez por sema-na pela agricultura familiar são acondicionados em caixas de papelão, embalagens plásticas ou sacos de nylon de 1 a 5 kg. Tais embalagens devem permanecer, durante o transporte, em caixas plásticas higienizadas. Chamam a atenção os relatos de que houve reação positiva com relação a essas mudanças, principalmente das cozinheiras, pelo fato de os produtos re-cebidos serem mais frescos e de melhor qualidade do que os comprados de atacadistas tradicionais. Tudo isso levou a uma

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redução significativa de reclamações que antes eram recebidas pela prefeitura. Além disso, os produtos são adquiridos por um preço inferior ao de fornecedores tradicionais, mesmo in-cluindo o custo do transporte e embalagem.

Conclusões

Promover o desenvolvimento local pela via do apoio à comercialização direta dos produtos da agricultura familiar, no caso das grandes cidades, certamente apresenta dificulda-des, como visto neste artigo, que não tem que ser, no entanto, intransponíveis. As experiências internacionais – pontuais e complexas – corroboram a afirmação de que não há um ca-minho único que possa ser seguido como exemplo pelos de-mais. Em países como o Brasil, no qual a urbanização se deu de forma acelerada e concentrada nos municípios maiores, os problemas são mais perceptíveis.

As dificuldades podem ser localizadas tanto do lado da oferta como da demanda. Do ponto de vista da oferta, estamos diante de uma realidade de pouca estruturação das organiza-ções da agricultura familiar, que embora não tenham grandes deficiências quanto à sua capacidade de produção, na maioria das vezes ainda não estão preparadas para o fornecimento em grandes quantidades – principalmente no que se refere aos cuidados pós-colheita, manipulação, acondicionamento e en-trega dos produtos. As insuficiências em termos de assistência técnica pública aos agricultores familiares com relação a essas atividades são notórias. Conforme as análises apresentadas no artigo “Organizações da agricultura familiar no Estado de São Paulo e sua experiência de fornecimento para o PNAE” desta publicação é possível verificar que houve por parte das organizações que iniciaram suas vendas ao mercado insti-tucional no PAA e, posteriormente ampliaram a atuação ao PNAE, um reconhecimento da oportunidade de mercado que se abria. Como conseqüência dessas vendas, passaram por um processo de grande esforço organizativo para adequarem-se a esse mercado, com mudanças em suas estratégias produtivas e

administrativas em geral, obtendo resultados concretos. Mui-tas cooperativas da agricultura familiar passaram a contratar pessoal especializado em vendas e acompanhar as publicações de chamadas públicas, melhorando a sua relação com os con-sumidores. Tendo em vista sua pouquíssima experiência an-terior no ramo, pode-se afirmar que a capacidade de aprendi-zado dos agricultores familiares em lidar com o setor público tem sido notável. Ao longo do Projeto NUTRE SP foi possível perceber, por exemplo, que certas dificuldades de documenta-ção que pareciam intransponíveis foram resolvidas facilmente com o simples acesso à informação.

Do ponto de vista da demanda, representada pelas pre-feituras e seus departamentos de alimentação escolar, também há ainda um grande caminho a ser percorrido, no sentido de adaptar-se às condições de fornecimento por parte da agri-cultura familiar. Essas mudanças devem passar, entre outras questões, por adequar os cardápios às potencialidades agrí-colas regionais, assim como melhor equipar-se (em termos de infraestrutura e pessoal alocado nas cozinhas) para o pre-paro de refeições baseadas em produtos com menor grau de processamento. Da mesma forma, os órgãos de fiscalização sanitária ainda têm muito a melhorar no sentido de criar con-dições para um atendimento mais eficiente e menos burocra-tizado aos produtores rurais, garantindo a inserção legal de seus produtos nos mercados, e oferecendo produtos de me-lhor qualidade aos consumidores finais.

Várias experiências de campo mostram que é possível realizar essas mudanças, os convênios de municípios para o desenvolvimento de um sistema de certificação sanitária co-mum é um exemplo. Na prática, podemos afirmar os agen-tes públicos são atores imprescindíveis na construção de um sistema mais inclusivo e menos discriminatório em relação à agricultura familiar e havendo participação de todos os atores sociais no processo, tudo pode ser concretizado.

A Lei nº 11.947/2009 é um passo importante para a afir-mação da alimentação escolar de qualidade como um direito dos estudantes e como um dever do Estado, mas será neces-

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Projeto Nutre SP: Análise da Inclusão da Agricultura Familiar na Alimentação Escolar do Estado de São Paulo

sária uma ação decisiva dos agentes públicos e da população envolvida para sanar os problemas aqui apontados. Como se procurou demonstrar, além de desejável é perfeitamente viá-

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São Bernardo do Campo: atuação pioneira em favor da agricultura familiar

São Bernardo do Campo: atuação pioneira em favor da agricultura familiar

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Projeto Nutre SP: Análise da Inclusão da Agricultura Familiar na Alimentação Escolar no Estado de São Paulo

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São Bernardo do Campo: atuação pioneira em favor da agricultura familiar

1. Apresentação Para a maioria dos municípios brasileiros, as compras

diretas de gêneros da agricultura familiar para a alimentação escolar representam um grande desafio. As dificuldades são ainda maiores quando o município não tem tradição agrícola e as áreas dedicadas à agricultura são mínimas. É o caso de S. Bernardo do Campo que, desde a sua origem nos tempos coloniais, baseou a sua economia em atividades não agrícolas. Em primeiro lugar, como um centro comercial importante – rota dos tropeiros que desciam a Serra do Mar em busca do litoral – e mais tarde, em meados do século XX, como o berço da moderna indústria brasileira.

Nesse ambiente, a produção local de gêneros agrícolas nunca teve prioridade e, na outra ponta, o consumidor tam-pouco mostrou qualquer identificação com essa produção. Do ponto de vista das compras institucionais para a alimentação escolar, essas dificuldades se manifestaram por meio de ques-tões práticas, como a ausência de uma estimativa dos possíveis fornecedores e os entraves culturais da parte dos planejadores, gestores públicos e até mesmo do público beneficiário.

Tendo em vista que a descentralização dos recursos é relativamente recente na história do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), muitos municípios ainda tratam as compras de alimentos para suprir seus estabeleci-mentos de ensino como qualquer outro suprimento necessá-rio para as atividades da gestão pública. No entanto, com a promulgação da Lei nº 11.947/2009 e da Resolução nº 38 do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), todas as administrações municipais tiveram que se adaptar, seja internamente na sua burocracia ou externamente na sua comunicação com a sociedade.

Mesmo para as prefeituras que desenvolviam o PNAE de forma totalmente terceirizada – com a gestão das compras,

pessoal, transporte e equipamentos administrada por em-presas de prestação de serviços mediante contratos –, a nova legislação exigiu a montagem de uma estrutura em separado para as aquisições diretas junto aos produtores. Mais do que isso, essas compras passaram a obedecer a uma lógica dife-rente, demandando um melhor entendimento, por parte dos administradores, das condições da oferta local e regional de produtos da agropecuária e das características de consumo do seu alunado. De modo que muitos municípios ficaram pelo caminho, sem entender as especificidades da nova legislação e sem adaptar as suas estruturas de compras para a nova re-alidade. Nesse particular, alguns vícios do período anterior permaneceram e, com isso, por mais que se possa aumentar a quantidade e melhorar a qualidade dos produtos ofertados, existem dificuldades estruturais para introduzir os procedi-mentos da nova lei.

Sendo assim, o presente trabalho visa apresentar, de forma sumária e exemplar, a situação da demanda de produ-tos da agricultura familiar em São Bernardo do Campo. O levantamento realizado no município permitiu demonstrar como se estruturou um sistema de compras diretas que, já no seu primeiro ano de atividades, superou as metas exigidas pelo Governo Federal.

As informações aqui relatadas são resultado de um ex-tenso trabalho de campo e de análise dos documentos oficiais do município realizados pelos técnicos do Projeto NUTRE SP. Foram entrevistados os principais gestores municipais, nu-tricionistas, bem como os responsáveis pela logística dos ali-mentos adquiridos e membros do Conselho de Alimentação Escolar (CAE).

O documento está organizado em seis partes. Nas duas primeiras foram examinados os dados secundários atua-

Nuria ChaimWalter Belik

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Projeto Nutre SP: Análise da Inclusão da Agricultura Familiar na Alimentação Escolar no Estado de São Paulo

DADOS GERAISÁrea total do território(IBGE Cidades): 408,773 Km2

Localização:

Distância da Capital: 26,2 km

População urbana(IBGE, 2010): 752.414

População rural(IBGE, 2010): 12.789

População total(IBGE, 2010): 765.203

IDH-M(IBGE Cidades): 0,834

lizados, de forma a construir um perfil de São Bernardo do Campo. Essas informações são fundamentais para não ficar na simples comparação entre municipalidades que são mui-to diferentes entre si. Na sequência, vêm os procedimen-tos que estão sendo utilizados desde 2009 com a nova le-gislação. Em particular, foram abertos e descritos os fluxos de informação, alimentos e financeiro adotados. O relato encerra-se com um balanço da política executada pelo mu-nicípio durante 2011 e as perspectivas para o próximo ano.

2. Características do Município

São Bernardo do Campo localiza-se a sudoeste da Região Metropolitana de São Paulo, à distância de 26,2 quilômetros

da capital. Integra o chamado Grande ABC, juntamente com os municípios de São Caetano, Santo André, Mauá, Diadema, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra. Limita-se com São Vi-cente, Cubatão, Santo André, São Caetano do Sul, Diadema e São Paulo. Seu território soma 408,773 km², sendo 118,21 km² em zona urbana, 214,42 km² em zona rural, além de ter 75,82 km² pertencentes à Represa Billings. Estão em áreas de proteção de mananciais 53,7% do seu território. No quadro a seguir será apresentado um resumo das informações gerais sobre o município.

São Bernardo do Campo adquiriu autonomia em 30 de novembro de 1944, período no qual teve inicio sua escalada de industrialização, que culminaria com a instalação do maior parque automobilístico do país, nas décadas de 1950 e 1960.

Mesorregião Metropolitana de São PauloMicrorregião São PauloPrefeito eleito em 2010 Luiz Marinho (PT)Vice-prefeito eleito em 2010 Frank Aguiar (PTB)Secretária municipal de Educação Cleuza Rodrigues RepulhoNúmero de eleitores 521.882Site da Prefeitura http://www.saobernardo.sp.gov.br

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São Bernardo do Campo: atuação pioneira em favor da agricultura familiar

Nesse período, foi concluída a construção da Rodovia An-chieta, estabelecendo uma ligação moderna e rápida entre a capital e o Porto de Santos. Nesse sentido, a região do Grande ABC era a escolha indicada para a nova indústria que neces-sitava de muitos suprimentos importados, mas que também mantinha sua ligação com a velha zona fabril da cidade de São Paulo, localizada na sua região leste.

Esse novo pólo de atração econômica trouxe um gran-de contingente de trabalhadores para a região – totalmente carente de infraestrutura, denotando pouco planejamento e improvisação em matéria de ocupação do solo. De acordo com dados da Fundação Seade, a população em 2010 de São Bernardo era de aproximadamente 828.985 habitantes, sendo a quarta cidade mais populosa do Estado de São Paulo. A den-sidade demográfica é bastante elevada, situando-se em torno de 2.040,93 habitantes/km². O PIB per capita de São Bernardo é de R$ 32.677,00 (IBGE, 2007), sendo que o município se encontra em 9º lugar no ranking de PIB Municipais Brasilei-ros (IBGE, 2007), com PIB de R$ 27.446,50 (em R$ milhões correntes).

Com os novos investimentos realizados nos anos 70 e 80, a qualidade de vida se elevou e a última estimativa do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) municipal foi de 0,834 (Fundação Seade, 2000), maior do que a média estadu-al. A taxa de natalidade (por mil habitantes) foi de 14,17 e a de mortalidade infantil (por mil nascidos vivos), de 12,20 (Fundação Seade, 2008). Segundo o IBGE, em 2008 foram matriculados 148.816 alunos no ensino público básico, entre pré-escola, ensino fundamental e ensino médio.

Desde a década de 1950 – conforme o desenvolvimen-to industrial já descrito –, São Bernardo tem sua economia baseada na indústria automobilística. É sede das primeiras montadoras de veículos do Brasil – Volkswagen, Ford, Sca-nia, Toyota, Mercedes-Benz e Karmann Ghia –, de indústrias tradicionais como a Basf, a Suvinil, a Colgate-Palmolive, além de várias indústrias de autopeças. Na última década, a econo-mia da região passou por grande diversificação, o que elevou a

importância do setor de serviços da cidade. No setor terciário, destacam-se o tradicional comércio no centro da cidade – Rua Marechal Deodoro e adjacências – e o nacionalmente conhe-cido Centro Moveleiro da Jurubatuba, que dá a São Bernardo a denominação de a “capital do móvel”.

Conforme apontado, o município tem diminuta área rural, mas conta com a vantagem de ter fácil acesso ao chama-do Cinturão Verde de São Paulo, formado pelos municípios de Arujá, Biritiba, Guararema, Mogi das Cruzes, Salesopólis, Santa Isabel, Suzano, entre outras cidades. O cinturão, além de abrigar a principal e mais tradicional área de produção de hortaliças e de frutas do Brasil, é um dos pioneiros no país na produção de frangos e ovos.

Segundo a Coordenadoria de Assistência Técnica In-tegral (CATI), da Secretaria de Agricultura e Abastecimento (SAA) do Estado de São Paulo, a maior parte da produção de alimentos de São Bernardo provém da agricultura fami-liar, em pequenas propriedades. Outra característica interes-sante é que, pelo fato do município abrigar em quase 20% de sua área a Represa Billings, tem vários pescadores cadas-trados, inclusive representados por uma cooperativa com Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP). Entretanto, esses produtores não conseguem vender seu pescado dentro das condições sanitárias exigidas, pois as águas da represa encon-tram-se contaminadas, o que afeta a qualidade da sua fauna.

3. O Programa de Alimentação Escolar em São Bernardo

O Programa de Alimentação Escolar em São Bernardo do Campo atende a 85 mil alunos de 220 unidades escolares da rede municipal – em abril de 2010, a Prefeitura desfez o convênio com o Governo do Estado de São Paulo, interrom-pendo o fornecimento de alimentação escolar às 70 escolas estaduais. São servidas 110 mil refeições diariamente nas es-colas do município, com um custo médio por refeição de R$ 1,70. O programa é administrado de forma centralizada, sob

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A entrega de frutas, legumes e verduras ocorrem dire-tamente nas escolas. No caso do fornecimento proveniente da agricultura familiar, as transportadoras contratadas a organi-zam a entrega em um depósito utilizado para receber esses produtos, localizado no próprio Grande ABC. O pagamento ao produtor inclui – de forma separada – a remuneração pelo frete até esse local e pelas embalagens utilizadas.

A distribuição de frutas, legumes e verduras é semanal – sendo que os pedidos aos fornecedores são encaminhados na semana antecedente. Os produtos são reunidos em embala-gens plásticas ou de nylon de 2 kg para facilitar a entrega pon-to a ponto. Tais embalagens devem ser acondicionadas em cai-xas plásticas durante o transporte e o armazenamento. Já no caso dos itens estocáveis, a periodicidade da entrega é mensal.

4. Agricultura Familiar e Alimentação Escolar em São Bernardo

O processo de compra por chamada pública em São Ber-nardo do Campo teve início logo após a promulgação da Lei nº 11.947, em 2009, quando ocorreram as primeiras visitas às organi-zações de produtores rurais e cooperativas de assentamentos.

Nesse processo de aproximação, foram encontradas al-gumas dificuldades. Constatou-se que muitos produtores não conheciam a Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP) ou não tinham a documentação necessária (como nota fiscal) para re-alizar, o fornecimento de alimentos. No levantamento de São Bernardo foram encontrados 10 produtores com DAPs, sendo 3 de hortifrúti (2 de hidropônicos e 1 de cultivo convencional) e 7 de pescado. Alguns produtores não tinham interesse pelo programa, outros não tinham qualidade ou volume suficien-te para o fornecimento à prefeitura. No caso do pescado, por exemplo, constatou-se que em boa parte da oferta havia risco de contaminação.

Segundo o consultor técnico da Divisão de Alimenta-ção Escolar, João Tadeu Pereira, outro obstáculo identificado foi a concorrência com o Programa de Aquisição de Alimen-

a coordenação da Divisão de Alimentação Escolar (DAE) da Secretaria de Educação e Cultura.

A maior parte dos alimentos utilizados nas escolas mu-nicipais é obtida de compras diretas por meio de licitações. Outra parte, incluindo o repasse do FNDE, vem de chama-das públicas realizadas ao longo de 2010 e 2011. Além disso, a DAE administra a contratação de um contingente de 613 co-zinheiras terceirizadas, realiza compras de materiais, móveis e utensílios, faz testes de aceitabilidade dos alimentos entre as crianças e realiza eventos com professores e funcionários. Tudo isso é posto em prática por uma equipe de 25 profissionais.

Merece atenção o detalhamento do fluxo de aquisição dos alimentos servidos na merenda. A Secretaria de Admi-nistração (antiga Secretaria de Compras) do município é res-ponsável pelas compras de todas as secretarias municipais. No âmbito da Divisão de Alimentação Escolar, a Comissão de Licitação elabora as chamadas públicas. A comissão é com-posta por membros da Secretaria de Educação e do Conselho de Alimentação Escolar.

Cabe à Secretaria de Administração montar o edital, oficializar a chamada, fazer a reserva de recursos (empenho) e fornecer um número para o processo. Em seguida, o processo, já montado, segue para o procurador, que o revisa, faz a ho-mologação em cima do empenho feito e publica. O contrato é formalizado com base em uma minuta pré-definida. A cha-mada é então publicada no jornal do município e divulgada em meios de comunicação de outros órgãos de governo, sin-dicatos, casas da agricultura, entre outros.

Depois de o produto ser entregue, é feito o romaneio, que é enviado à Divisão de Alimentação Escolar com a nota fiscal correspondente. Essa documentação vai para o Serviço Orçamentário da Educação, que a remete para a Secretaria de Finanças da Prefeitura, a qual, por sua vez, faz o pagamento 15 dias após a quinzena em que a operação foi realizada. Todos os pagamentos se dão por meio de conta corrente aberta pelo beneficiário.

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tos (PAA), uma das ações do Programa Fome Zero, vinculado ao Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) e ao Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA). O preço pago por ambos os programas é o mesmo, mas al-guns produtores preferem fornecer para PAA por considerá-lo mais prático e menos exigente: os produtos são retirados na propriedade rural, eliminando o problema da logística, e não precisam atender às especificações quanto à qualidade e às embalagens determinadas para as entregas ao PNAE, além de outras exigências deste programa.

Os contratos da Prefeitura de São Bernardo com as orga-nizações de produtores trouxeram algumas especificidades que logo foram incorporadas por outras localidades. Uma delas é a “cláusula de substituição de produtos” em bases semanais. Esta cláusula permite que, em decorrência de problemas no forne-cimento de determinado produto por questões climáticas, seja possível substituir por outro de um mesmo grupo (produzido pela mesma cooperativa).

Tadeu considera que o ideal seria desenvolver uma região produtora que pudesse fornecer para a alimentação escolar. Com esse objetivo, a prefeitura firmou contratos de três anos (12 meses renováveis ano a ano) com organizações formadas por agricultores familiares. Os contratos foram as-sinados no início maio de 2011 e as entregas programadas a partir do mesmo mês. Foram estabelecidos contratos com 18 organizações1 para compra de hortifrutícolas, mel, doces, fei-jão, suco, bebida láctea, macarrão, arroz e leite em pó.

Nas chamadas públicas do município utiliza-se a tabela da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) como re-ferência para definição de preços e classificação de produtos. Com isso, a classificação da Companhia de Entrepostos e Ar-mazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp) – tipo Extra, tipo A, etc. – deu lugar a outra que faz referência a produtos frescos, com aroma e cor característicos, entre outras definições prescritas pela Conab. Esta classificação, além de permitir uma economia de recursos à prefeitura em torno de R$ 500 mil em um ano, teria se mostrado mais adequada à dinâmica das escolas.

Outra questão refere-se aos preços de embalagens e trans-porte dos alimentos que, nos contratos de São Bernardo do Cam-po, são considerados nos preços finais dos produtos. Para os pro-dutos estocáveis a referência de preços da Conab já considera a embalagem, sendo que o transporte é colocado separadamente. Segundo o consultor técnico Tadeu, a Divisão de Alimentação Es-colar chegou à seguinte estimativa: para o agricultor familiar, 12% do preço do produto refere-se à embalagem e 22% ao frete, o que daria um custo de logística em torno de 34%. Para as compras de outros gêneros, considera-se 15% para a embalagem e 19% para o frete, o que totaliza os mesmos 34% de custo de logística. Esses pagamentos são feitos com recursos próprios da prefeitura.

No quadro, na página ao lado, serão destacados aspec-tos importantes da chamada pública para o Programa de Ali-mentação Escolar de São Bernardo do Campo.

Em 2010, a alimentação escolar de São Bernardo foi contemplada com o fornecimento de arroz, feijão, suco de laranja e doce de banana pela agricultura familiar. Foram gastos cerca de R$ 1,5 milhão com produtos comprados pela chamada pública (a administração municipal teria de gastar R$ 1,6 milhão).

1. Cooperativa dos Agricultores Familiares de Guarulhos e Região (Agro-verde), Cooperativa dos Apicultores de Sorocaba e Região (Coapis), Coope-rativa Mista do Bairro Caguaçu (Coopguaçu), Cooperativa dos Produtores de Alimentos Diferenciados (Copad), Cooperativa Mista de Agricultores, Apicultores, Pecuaristas e Pescadores de Porto Feliz e Região (Comapre), Associação de Agricultores 16 de Maio, Associação dos Trabalhadores e Produtores Rurais do Bairro do Morro e Região (Abamo), Coopas, Coo-perativa Agropecuária dos Agricultores Familiares de Pilar do Sul e Região (Coopafaps), Cooperativa Agropecuária dos Assentados da Fazenda Con-quista do Município de Tremembé (Cooafact), Cooperativa dos Produto-res Rurais e da Agricultura Familiar do Município de Juquiá (Coopafarga), Cooperativa dos Assentados de Reforma Agrária e Pequenos Produtores da Região de Itapeva (Coapri), Cooperativa Orgânica Agrícola Familiar (Coaf), Associação dos Produtores Rurais Renascer (Apren), Cooperativa de Produção Agropecuária dos Assentados e Pequenos Produtores da Re-gião do Nordeste do Estado de São Paulo (Coapar), Cooperativa Regional Agropecuária Serrana (Cooperserra), Cooperativa dos Agricultores Fami-liares de Santo Antônio do Sudoeste (Coopafi) e Cooperativa de Trabalho dos Assentados da Região de Poá (Cootap).

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Para 2011, a prefeitura previu que gastaria cerca de 70% do repasse do FNDE, o que equivale a aproximadamente R$ 3,7 milhões. Foram comprados hortaliças, mel, mexerica, lichia, ba-nana, doce de banana, farinha de banana, feijão, suco de laranja, bebida láctea, maçã, macarrão, arroz orgânico, suco de uva e leite

em pó de 18 organizações de produtores, como já mencionado. Além dos produtos adquiridos da agricultura familiar, listados acima, a administração municipal compra os seguintes produtos de fornecedores usuais: bebida láctea, carne bovina, frango, filé de sardinha, maionese, margarina, queijo ralado e outros.

São Bernardo 1º chamada pública de 2010 para aquisição em 2011Entregas (local)

Ponto a ponto (referência à lista de escolas no anexo iii da chamada: “Estimativa de consumo e rela-ção das escolas do município”).

Entregas (periodicidade)

Frutas, legumes e verduras: semanal; outros produtos perecíveis: quinzenal, mensal e semestral; estocáveis: quinzenal, mensal e semestral.

Preços Hortifrúti: tabela da conab; arroz e feijão: Bolsa de Cereais do Estado de São Paulo; outros: preço médio de atacado; orgânicos: 30% acima da tabela da Conab; despesa com embalagens primárias (redinhas de nylon e outras): porcentual do preço da tabela da Conab; despesa de frete para entrega ponto a ponto: porcentual do preço da tabela da Conab.

Pagamentos 15 (Quinze) dias fora a quinzena, contados da data em que for atestado o recebimento do produto; há pagamento adicional por embalagens e transporte.

Classifi cação(entre os fornecedores)

1º assentamentos da reforma agrária2º comunidades tradicionais indígenas3º comunidades quilombolasNa composição desses critérios as cooperativas e associações locais são benefi ciadas, sendo que as cooperativas têm preferência sobre as associações. Também são priorizados os produtos orgânicos ou agroecológicos.

Mecanismo de Substituição dos Produtos

Caso haja alguma mudança no cardápio, a prefeitura faz consulta às cooperativas sobre a possibi-lidade de mudança de produtos na entrega ou sobre a elaboração de novo projeto de venda; caso haja impossibilidade de entrega por parte das cooperativas, a Divisão de Alimentação Escolar pode consultar outras organizações credenciadas sobre a possibilidade e disponibilidade dos itens soli-citados para apresentação de projeto de venda durante a vigência da chamada pública ou publicar outras chamadas.

Mecanismo de Mudança de Preços

Exceto as contratações efetuadas por meio da tabela da Conab e do Boletim da Bolsa de Cereais do Estado de São Paulo, pedidos de realinhamento de preços podem ser solicitados mediante a apre-sentação de documentos que fundamentem a solicitação.

Grau de Processamento dos Produtos

Produtos in natura, minimamente processados e industrializados.

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5.Balanço das compras da agricultura familiar e perspectivas

Ao se fazer uma retrospectiva do ano de 2011, a equipe da Divisão de Alimentação Escolar considerou a experiência positiva e gratificante tanto pelo fato de os produtores terem revelado melhoria nas condições de vida e na estrutura de trabalho, quanto pela melhor qualidade dos alimentos oferta-dos. Os produtos chegam mais frescos, alguns são orgânicos e, além disso, a possibilidade de comprar exclusivamente da agricultura familiar abriu à prefeitura um novo leque, com novas opções de alimentos que antes não estavam na pauta da alimentação escolar, como arroz orgânico e suco de uva integral.

Como os contratos com as organizações de agricultores familiares foram feitos para três anos, não há necessidade de abrir nova chamada para os produtos atualmente fornecidos. No entanto, para o próximo ano a DAE está planejando in-cluir alimentos minimamente processados, como mandioca descascada e picada, além de hortaliças higienizadas prontas para o consumo.

O município, porém, enfrentou algumas dificuldades, seja por parte dos fornecedores, cujos produtos por vezes não correspondiam à qualidade esperada ou não tinham a quanti-dade combinada para entrega, ou por parte da equipe de me-rendeiras, que mostrou dificuldade de se adaptar ao preparo dos produtos entregues pelos agricultores familiares, já que não seguiam o padrão uniforme dos fornecidos pelos atacadistas.

A solução do primeiro entrave foi obtida por meio de conversas e negociações constantes com os produtores, como já colocado. Em relação à resistência das merendeiras, a pre-feitura encontrou uma solução criativa para contornar o pro-blema: realizou uma excursão com parte das profissionais até o campo. Por intermédio de sorteio, selecionou cerca de 70 merendeiras que visitaram a produção de duas cooperativas, em Porto Feliz e Juquiá, e assim puderam entender as dificul-dades no cultivo de alimentos e as variações que os produtos podem apresentar. Da mesma maneira, os agricultores pude-ram ouvir diretamente das cozinheiras queixas e sugestões so-bre como os produtos devem ser entregues.

A Prefeitura de São Bernardo do Campo mostrou uma grande capacidade de articulação com as organizações de agricultores familiares, o que tem feito do município referên-cia para outras administrações municipais. Esse contato com as organizações possibilitou que as dificuldades relatadas no início da aplicação da Lei nº 11.947 fossem gradativamente superadas. Apoio na regularização da situação fiscal, ajuda técnica na questão da logística e mesmo nas questões relati-vas à produção, graças a um ambiente de constante diálogo, foram fatores essenciais para o sucesso local na implementa-ção da Lei.

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De forma geral, a equipe à frente da divisão se mos-tra motivada com a experiência e pretende ampliar a gama de alimentos comprados por meio de chamada pública. Além dos resultados já mencionados, como a geração de renda e o fornecimento de produtos de qualidade aos alunos, foi citado também como fato positivo o maior contato do setor com a atividade produtiva, com os próprios agricultores, o que não acontece quando as entregas são feitas por intermediários. A relação da prefeitura com os fornecedores tende a evoluir para vínculos de parceria, por meio da qual os problemas são so-lucionados com diálogo sem que seja necessário aplicar pena-lidades.

Conclusões

O caso de São Bernardo do Campo ilustra as modifica-ções necessárias na estrutura e na forma de funcionamento de uma prefeitura para atender à Lei nº 11.947. Além disso, como município que tem a economia baseada no setor industrial e pouca tradição agrícola, um esforço ainda maior na busca de fornecedores de outras regiões, e mesmo de outros estados, se mostrou necessário.

Uma primeira característica que marca a iniciativa de São Bernardo é a disposição não apenas de cumprir a Lei, mas de fazer dela um instrumento para promover a inserção do setor agrícola nas compras governamentais, diminuindo os intermediários e gerando benefícios tanto para quem produz quanto para quem consome. O entendimento da motivação da lei e o comprometimento para fazer com que ela virasse realidade foi o primeiro passo importante dado pela Divisão de Alimentação Escolar, com a destacada participação do con-sultor técnico João Tadeu Pereira.

A adaptação para essa nova forma de compra passou pela criação de uma equipe que deveria trabalhar especialmente com a aquisição de alimentos por meio de chamada pública – a Co-missão de Licitação – que conta inclusive com a participação de conselheiros de alimentação escolar.

Outro ponto importante foi a abertura da prefeitura para conversas com as organizações de agricultores. Por meio das quais foram colocadas as necessidades do setor deman-dante e também ouvidas as dificuldades do setor produtivo. Essa comunicação foi essencial para que os agricultores pu-dessem se adequar à documentação e qualidade exigidas e também para que a prefeitura pudesse aperfeiçoar os parâme-tros contratuais para a comercialização, como os que dizem respeito à substituição de produtos, à qualidade, assim como às questões relativas aos preços apresentadas anteriormente.

Os problemas que surgiram durante o período de for-necimento em 2011 exigiram da equipe da Divisão de Ali-mentação Escolar constante disposição para dialogar e bus-car soluções para os conflitos, como certamente ocorre em qualquer relação comercial de longo prazo. Diálogo esse que envolveu não apenas os administradores do Programa de Ali-mentação Escolar do município, mas também quem está na ponta do processo, como as merendeiras. Diante de certa re-sistência das merendeiras de trabalhar com produtos da agri-cultora familiar – por conta dos fatores já citados –, mais uma vez buscou-se uma solução criativa: levá-las para conhecer a produção de alimentos, diretamente no campo. Assim, o que era um obstáculo foi transformado em oportunidade para es-treitar ainda mais os laços entre a prefeitura e os produtores.

Durante o ano de 2011 houve mudanças na equipe da Divisão de Alimentação Escolar. Pessoas que trabalharam in-tensamente na implementação da Lei nº 11.947 saíram e novos colaboradores entraram. Talvez o fato de os contratos terem sido firmados por um prazo de três anos tenha contribuído para que o trabalho tivesse continuado sem interrupções. No entanto, o mais importante é que a equipe que administra e executa o programa em todas as suas etapas está convencida dos benefícios gerados pela compra direta de organizações de agricultores familiares, não apenas para os produtores e suas regiões, mas também para a própria prefeitura e seus alunos.

Considerando que o objetivo da Lei nº 11.947/2009 é dar institucionalidade à prática das compras de produtos locais, o

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caso de São Bernardo do Campo traz à tona alguns problemas e exemplifica também soluções encaminhadas que deverão ser enfrentadas pelas prefeituras de maior porte. Não há dúvida de que novos desafios deverão surgir na medida em que o municí-pio for progredindo no seu objetivo de aumentar o volume de compras e esse sistema de fornecimento for se consolidando.

Desta forma, entende-se que não apenas os atores sociais devem se adaptar à nova institucionalidade, mas também que essa deva ser construída e consolidada por esses mesmos ato-res. Trata-se de um processo dialético no qual as normas vão se amoldando às dificuldades e produzindo novos resultados.

Concluindo, o caso de São Bernardo mostra como o poder público incorporou as novas normas promulga-das pelo FNDE e pelo MDA, realizando as adaptações e modificações necessárias. Prova a institucionalização de questões como a definição de preços e de qualidade de produtos demonstra esse esforço, assim como aos tipos de contrato e sanções. Cabe agora, portanto, tentar incorpo-rar esses novos procedimentos bem-sucedidos às normas estabelecidas de modo a aperfeiçoar cada vez mais a in-serção da agricultura familiar no Programa Nacional de Alimentação Escolar das grandes cidades.

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Uso do Georreferenciamento no Retrato da Agricultura Familiar Formal do Brasil

Uso do Georreferenciamento no Retrato da Agricultura Familiar Formal do Brasil

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Informações sobre as cooperativas e associações aptas a fornecerem produtos para a alimentação escolar é uma de-manda recorrente para a gestão pública. Por isso, a constru-ção de um banco de dados que unifique informações afins, apresentando os empreendimentos pelo seu porte e produção, com seus respectivos contatos, é uma ferramenta importante para a aproximação entre os agricultores familiares e os ges-tores públicos.

É sabido que existem muitas pesquisas e levantamentos que tratam da agricultura familiar no país, porém cada fonte de informação tem universo de pesquisa e formato próprios. A sistematização de um banco de dados com as cooperativas, associações e empreendimentos da agricultura familiar no Brasil tem o papel de integrar e padronizar um conjunto de informações disponíveis sobre essas organizações e de viabili-zar a identificação daquelas capazes de fornecer seus produtos para a alimentação escolar.

Com o intuito de montar um banco de dados que abar-casse informações de diferentes fontes e fosse possível alimen-tá-lo constantemente, o Projeto NUTRE SP fez o trabalho de sistematização dos dados sobre empreendimentos da agricul-tura familiar dos seguintes cadastros:

• Relação das Declarações de Aptidão ao Pronaf Jurídicas (DAPs Jurídicas) válidas em setembro de 2011, dispo-nibilizada pelo Ministério do Desenvolvimento Agrá-rio (MDA);

• Relação das organizações cadastradas no site do MDA;• Levantamento das organizações fornecedoras para o

Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) em 2010;• Cadastro das Organizações e Agroindústrias da Agri-

cultura Familiar (MDA, 2005);• Organizações mapeadas no Atlas da Economia Solidá-

ria (MTE e Senaes, 2006).

Além desses levantamentos, compuseram o Banco de Dados das Organizações da Agricultura Familiar as informa-ções sobre as entidades contatadas pelo NUTRE SP por inter-médio do trabalho de articulação nas regiões de atuação do projeto e as cadastradas durante os eventos promovidos pelo projeto1.

Após o levantamento das organizações da agricultura familiar, realizado até dezembro de 2011, foi iniciado o traba-lho de georreferenciamento, a fim de fornecer leituras da dis-tribuição e concentração das organizações e de sua produção. Cada organização identificada no banco corresponde a um dos pontos dos mapas, plotada de acordo com o município ao qual pertence. O trabalho de georreferenciamento permitiu a produção dos mapas apresentados neste capítulo.

O universo da agricultura familiar cadastrada pelo Projeto NUTRE SP

O Censo Agropecuário de 2006 (IBGE) classifica como agricultura familiar 4.367.902 estabelecimentos agropecuá-rios, compreendendo 84% de todos os estabelecimentos re-censeados. Apesar da quantidade de estabelecimentos expres-siva, em dimensões territoriais a agricultura familiar soma 80.250.453 ha, que correspondem a um terço da área ocupada pelos estabelecimentos agropecuários.

Em 2011, o Ministério do Desenvolvimento Agrário emitiu 4.032.827 Declarações de Aptidão ao Pronaf (DAPs)

1. A integração de diversas fontes priorizou a manutenção do máximo de informações disponíveis sobre os empreendimentos; no entanto, algumas não traziam os contatos da organização – é o caso da relação das DAPs Jurídicas; ou os dados da sua produção. Em muitas entidades só havia a sis-tematização dos produtos fornecidos aos programas institucionais, que não retratam o total produzido ou o seu potencial de venda. Assim, a produção dos associados pode ter superado as entregas registradas.

Janaína Romano Rangel

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Físicas válidas e 1.569 DAPs Jurídicas válidas (dados do mês de dezembro). As DAPs são os documentos que certificam os agricultores familiares e as organizações que os representam, habilitando-os a acessar o Programa Nacional de Fortaleci-mento da Agricultura Familiar (Pronaf). As DAPs também são utilizadas para a participação em outros programas do governo federal, tais como o Programa de Aquisição de Ali-mentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Informações mais detalhadas a esse respeito podem ser obtidas no artigo “Chamada Pública: instrumento legal de compras da agricultura familiar para Alimentação Escolar” desta publicação.

No Banco de Dados das Organizações da Agricultura Familiar produzido pelo Projeto NUTRE SP foram cadastra-das 5.351 organizações formais da agricultura familiar em todo o país (veja no Mapa 1). Dessas, 1.596 declararam ter DAPs Jurídicas – sua distribuição encontra-se no Mapa 2.

É significativa a concentração das organizações na Re-gião Nordeste (sobretudo na divisa dos estados do Ceará e do Rio Grande no Norte), no norte e centro-leste do Estado de Minas Gerais, no Pontal do Paranapanema (Estado de São Paulo) e na porção oeste dos estados da Região Sul. Essas são áreas historicamente caracterizadas pela grande presença de pequenas propriedades rurais.

As organizações que declararam ter DAPs Jurídicas seguem a distribuição por estado apresentada na tabela abaixo. Como se pode observar, reafirmam a maior dispersão de empreendimen-tos nos estados das regiões Norte e Centro-Oeste do país.

Dos 5.565 municípios do país, 1.063 sediam pelo me-nos uma organização da agricultura familiar. Esse é um dado importante, levando em consideração que (Mapa3) a Lei nº 11.947/2009 e a Resolução n° 38 do Fundo Nacional de De-senvolvimento da Educação (FNDE) colocam como priorida-de a compra de alimentos produzidos localmente.

Esta prioridade foi explicitada na legislação tanto pelo objetivo de promover o desenvolvimento local, por meio das compras diretas da agricultura familiar para prover a alimen-

Tabela 1 – Distribuição das organizações por Estado

Estado Organizaçõesformais

Organizaçõescom DAPs Jurídicas

Acre 56 19Alagoas 78 31Amazonas 143 52Amapá 22 4Bahia 484 202Ceará 678 80Distrito Federal 12 8Espírito Santo 132 50Goiás 76 26Maranhão 229 41Minas Gerais 873 269Mato Grosso do Sul 48 13Mato Grosso 132 26Pará 129 35Paraíba 174 24Pernambuco 283 49Piauí 90 22Paraná 340 124Rio de Janeiro 60 23Rio Grande do Norte 186 24Rondônia 85 12Roraima 13 1Rio Grande do Sul 321 188Santa Catarina 217 99Sergipe 132 14São Paulo 321 156Tocantins 37 4Fonte: Projeto Nutre SP

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Mapa 1Organizações Formais da Agricultura Familiar

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Mapa 2Organizações Formais da Agricultura Familiar que declararam DAP Jurídica

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Mapa 3Municípios que sediam organizações que declararam DAP Jurídica

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tação escolar, quanto pelo intuito de ser mais um meio de for-talecimento da pequena produção e estímulo à permanência dessas famílias no campo.

De acordo com as informações reunidas no banco de dados, apenas 553 municípios não têm nenhuma organização com DAP Jurídica num raio de 50 Km, como demonstra o Mapa 4. Levando em consideração que a Lei também prevê adaptações do cardápio para contemplar a produção local, esse dado é relevante, pois demonstra que, potencialmente, grande parte das prefeituras conta com condições de adquirir gêneros alimentícios de produtores familiares da sua região.

Pode-se notar também no Mapa 4 uma “faixa” na região central do país (que segue do nordeste do Mato Grosso do Sul até o interior do Maranhão), juntamente com municípios da divisa ao norte, em que não há organizações com DAP Jurídica há menos de 50 km de distância dos municípios. Isso pode ser explicado, em parte, pela forte presença do agronegócio, ocupando grandes extensões de terras com uma mesma cultura ou com pastagens.

A produção das organizações cadastradas

Segundo o Censo Agropecuário de 2006 (IBGE), quase 70% dos alimentos consumidos no Brasil vêm da agricultura familiar, que não produz apenas frutas, legumes e verduras, mas também alimentos beneficiados e processados como leite em pó, suco de laranja, suco de uva, biscoitos, pães, entre ou-tros alimentos. Por isso os agricultores familiares são atores centrais para se promover a segurança alimentar do país. É a partir deste entendimento que vêm sendo elaboradas as polí-ticas públicas de garantia de escoamento de parte da produção dessas famílias, a fim de oferecer alternativas para solucionar a histórica dificuldade de comercialização de seus produtos.

De acordo com as informações coletadas pelo Banco de Dados da Agricultura Familiar elaborado pelo Projeto NU-TRE SP, a agricultura familiar produziu, em 2010, 179.066 toneladas de alimentos2, com uma diversidade de quase 300 itens oferecidos.

1.386 organizações cadastradas produzem algum tipo de frutas, legumes e verduras (Mapa X.Y). Essa grande pro-porção de produtos in natura se destaca no banco pelo fato de que esses são os alimentos comprados em maior quantida-de pelo PAA e, como apresentado no artigo “Organizações da agricultura familiar no Estado de São Paulo e sua experiên-cia de fornecimento para o PNAE”, esse programa foi um dos principais responsáveis pelo fomento à formalização de orga-nizações da agricultura familiar. Assim, 21% das organizações produzem frutas, 17% verduras e 20% legumes.

Além disso, como se pode verificar no Mapa 5, é signi-ficativa a produção da agricultura familiar de alguns dos ali-mentos básicos da mesa do brasileiro: arroz e feijão. Segundo o IBGE, os estabelecimentos da agricultura familiar são res-ponsáveis por 33% da produção nacional de arroz (3.199.460 toneladas) e 70% de feijão (2.168.800 toneladas).

Com relação aos itens beneficiados e processados, for-necidos por um número menor de empreendimentos da agri-cultura familiar, porém produzidos em quantidade conside-rável por essas organizações, o banco de dados levantou 84 de macarrão, 299 de biscoitos e 47 de sucos, como pode ser observado no Mapa 6.

A agricultura familiar também é responsável por 58% da produção nacional do leite bovino. Foram identificadas 17 organizações produtoras de leite em pó, com destaque para a Região Sul, como observado no Mapa 7.

Repasses de verbas federais à alimentação esco-lar dos municípios e estados da Federação

O Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), autarquia do Ministério da Educação (MEC), repas-sa verba destinada à alimentação escolar, por meio do Progra-ma Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), aos municípios

2. Essa quantidade pode sofrer alterações devido à inexistência dos dados sobre a produção de algumas organizações.

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Mapa 4Distância entre os municípios e as organizações que declararam DAP Jurídica

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Mapa 5Organizações formais da agricultura familiar produtoras de:

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Mapa 6Organizações formais da agricultura familiar produtoras de:

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e estados da União que se cadastrarem em seu sistema e se-guirem as regulamentações existentes. Os repasses têm como objetivo complementar os recursos da alimentação escolar, promover educação e segurança alimentar e nutricional aos estudantes das redes públicas básicas de ensino, com a oferta de refeições saudáveis e diversificadas.

A partir da quantidade de alunos matriculados é calcu-lado o valor do recurso. Desde 2010, são repassados R$ 0,30 por dia para cada matricula de pré-escola, ensino fundamen-tal, ensino médio e educação de jovens e adultos; R$ 0,60 para creches e escolas localizadas em terras indígenas ou comuni-dades quilombolas; e R$ 0,90 por dia para escolas que têm ensino integral e participam do Programa Mais Educação.

Em 2011 foram gastos R$ 3,1 bilhões pelo PNAE com alimentação para 45,6 milhões de estudantes3, dos quais R$ 930 milhões (30%) destinados às compras diretas da agricul-tura familiar.

Observando os Mapas 8 e 9, percebe-se que os municí-pios da Região Sudeste recebem repasses proporcionalmente maiores, já que, em relação ao restante do país, há uma maior densidade populacional nessa região. Dada à presença de grandes municípios, somente essa região do país representa 35% do total de recursos repassados.

Ao mesmo tempo, diversos municípios da Região Nor-te, mesmo com menor densidade populacional, se destacam pela grande quantidade de verbas que recebem. Uma explica-ção para isso pode ser a quantidade maior de escolas indígenas e quilombolas existentes, as quais têm repasses diferenciados.

A Resolução nº 38 do FNDE, que regula a compra de produtos para a alimentação escolar com os repasses fe-derais, determina que as entidades executoras comprem os produtos da agricultura familiar de entidades informais ou formais quando os valores forem até R$ 100 mil; naquelas que superarem este valor, as compras devem ser feitas de entidades formais da agricultura familiar com DAP Jurídica.3. As informações deste parágrafo e do anterior foram retiradas do site do FNDE: http://www.fnde.gov.br/index.php/ae-apresentacao

Mapa 7Organizações formais da agricultura familiar produtoras de:

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Mapa 8Municípios onde 30% dos recursos repassados pelo FNDE ultrapassa R$100.000,00 (2011)

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Mapa 9Recursos repassados pelo FNDE por Estado

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Mapa 10Recursos repassados pelo FNDE por município

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O Mapa 10 destaca os municípios cujo montante refe-rente a 30% do repasse não ultrapassa R$ 100 mil e, por isso, não são obrigados a fazer as compras das organizações formais (com DAPs Jurídicas). Enquadram-se nessas condições 4.402 municípios. Percebe-se que parte significativa dos municípios brasileiros podem realizar as compras sem ter de recorrer a entidades com DAPs Jurídicas.

Isso significa que os gestores desses municípios podem verificar a existência de agricultores familiares próximos, ob-servando se têm a nota do produtor rural/bloco do produ-tor (fornecida gratuitamente pela Secretaria de Fazenda em alguns estados) ou nota avulsa (vendida na prefeitura)4; ou ainda verificar se estão agrupados por meio de alguma enti-dade articuladora, incluindo instituições não formalizadas (a lei permite que essas administrações municipais, nesses casos, comprem de grupos informais).

A Resolução nº 38 do FNDE estabelece que possam ser entidades articuladoras aquelas que:

• Estiverem cadastradas no Sistema Brasileiro de Assis-tência e Extensão Rural (Sibrater) – no Estado de São Paulo, por exemplo, estão incluídos no sistema a Co-ordenadoria de Assistência Técnica Integral (CATI), a Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de São Paulo (Fetaesp) e o Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp);

• Sindicatos de trabalhadores rurais ou sindicatos de tra-balhadores da agricultura familiar;

• Entidades credenciadas pelo MDA para emissão de DAPs5.

Ainda em relação a esse tema, é possível comparar a fai-xa central de municípios que não têm organizações com DAPs Jurídicas num raio de 50 km – veja o Mapa 4 e o Mapa 10. É possível verificar que boa parte deles não tem a necessidade de comprar das organizações formalizadas com DAPs Jurídicas, podendo realizar as compras das formas descritas acima.

Considerações Finais

A sistematização das informações de diferentes fontes em um único banco de dados georreferenciado permitiu ao Projeto NUTRE SP uma caracterização mais detalhada das organizações e uma atuação direcionada, levando em consi-deração as singularidades de cada uma. Sendo assim, o Banco de Dados da Agricultura Familiar pode vir a se tornar uma ferramenta de grande valor para gestores públicos que buscam implementar a Lei nº 11.947/2009 nos seus municípios.

Com base nos mapas apresentados e nas breves análi-ses feitas, a equipe responsável pelo projeto espera contribuir para o maior conhecimento, por parte da gestão pública, do amplo e diverso universo da agricultura familiar no Brasil. Sabe-se que esse é um primeiro passo, fundamental, para que haja sucesso na implementação da Lei nº 11.947/2009, já que os atores envolvidos (produtores familiares e gestores públi-cos), identificando melhor com quem estão lidando, possam ficar menos inseguros e desconfiados em relação às determi-nações legais, e se empenhem para fornecer uma alimentação mais saudável e diversificada para os alunos da rede pública básica de ensino.

A divulgação Banco de Dados da Agricultura Fami-liar produzido pelo Projeto NUTRE SP pode, assim, ser uma ótima ferramenta não só para a implementação da Lei, mas também para todos os interessados em conhecer um pouco mais os agricultores familiares do Brasil e até, quem sabe, im-pulsionar a venda dos alimentos por eles produzidos a outros mercados.

4. Informações retiradas do site da Rede Brasileira de Alimentação e Nutri-ção do Escolar: http://www.rebrae.com.br/FAQMasterFlex/arquivos/agri-cultura_perguntas.pdf5. Informações retiradas da Cartilha Técnica para Gestores Públicos da Ali-mentação Escolar, produzida pelo Projeto NUTRE SP.

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A publicação reúne um conjunto de artigos elaborados a partir das experiências práticas vivenciadas pelas

equipes mobilizadas para a execução do programa de trabalho da parceria entre a SAF-MDA

e o Instituto Via Pública. Espera-se que o leitor, ao percorrer os relatos e abordagens analíticas

condensados nos seus vários capítulos, possa encontrar uma boa fonte de referência e

orientação para a multiplicação dos êxitos que deverão ser alcançados em ações para a promoção

da Lei no 11.947/2009.

janeiro de 2012