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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ
FACULDADE CEARENSE - FAC
CURSO DE BACHARELADO EM SERVIÇO SOCIAL
ANA CAROLINE DIAS GUIMARÃES
PELA ESTRADA AFORA: UMA ANÁLISE DO “PROJETO AGENTES DE
LEITURA” A PARTIR DA PERCEPÇÃO DOS ADOLESCENTES PARTICIPANTES
FORTALEZA-CE
2014
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ANA CAROLINE DIAS GUIMARÃES
PELA ESTRADA AFORA: UMA ANÁLISE DO PROJETO “AGENTES DE
LEITURA” A PARTIR DA PERCEPÇÃO DE ADOLESCENTES PARTICIPANTES
Monografia submetida à aprovação da coordenação do curso de Serviço Social do Centro de Ensino Superior do Ceará, como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Serviço Social, sob orientação do Prof. Ms. Mário Henrique Castro Benevides.
FORTALEZA-CE
2014
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ANA CAROLINE DIAS GUIMARÃES
PELA ESTRADA AFORA: UMA ANÁLISE DO PROJETO “AGENTES DE
LEITURA” A PARTIR DA PERCEPÇÃO DE ADOLESCENTES PARTICIPANTES
Monografia como pré-requisito para obtenção do título de Bacharelado em Serviço Social, outorgado pela Faculdade Cearense – FaC, tendo sido aprovada pela banca examinadora composta pelos professores.
Data da aprovação: ____/____/____
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________________________________
Prof. Ms. Mário Henrique Castro Benevides (Orientador)
Faculdade Cearense – FaC
________________________________________________________________
Prof. Ms. Francisco Secundo da Silva Neto
Faculdade Metropolitana da Grande Fortaleza - FAMETRO
________________________________________________________________
Prof. Ms. Valney Rocha Maciel
Faculdade Cearense - FaC
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AGRADECIMENTOS
Meus primeiros e mais grandiosos agradecimentos vão para minha mãe,
Elba Dias e para minha avó, Terezinha Dias, presenças divinas e motivadoras em
minha vida. Sei que este sonho não é só meu e só nós sabemos a luta diária, a
coragem e a determinação que vocês carregam. Neste momento, retribuo a vocês
duas, de forma concreta através desta monografia, toda educação, assistência,
incentivo e segurança que me proporcionaram até agora, tanto para enfrentar as
dificuldades da vida, como ao saber desfrutar de uma boa colheita de sonhos. Vocês
são os meus maiores exemplos, minha força motivadora e todo o meu amor. Não
escondo a admiração e o orgulho que tenho por nossa magnífica e cúmplice união e
por sermos tão abençoadas por Deus. Com vocês sou mais forte! Faltam-me
palavras para agradecer tudo o que fizeram e continuam fazendo por mim...
Obrigada por tornar possível este momento ímpar na minha vida e por caminharmos
lado a lado!
À minha amiga Janaira Rocha, a quem devo agradecer sua leal amizade
e parceria, assim como minhas queridas amigas que me acompanham desde o
Ensino fundamental: Ana Karla Ribeiro, Luana Menezes, Elisangela Sousa, Natielle
Feitosa e Renata Teixeira. Saibam que todas vocês são muito especiais em minha
vida.
Ao corpo docente da Faculdade Cearense, que pude extrair de cada um
(a), elementos fundamentais para minha futura atuação profissional. Alguns com
tanto carinho e admiração, que aqui deixo registrado: Aniely Brilhante, Ana Paula
Pereira e Eliane Nunes, Valney Rocha, Sandra Lima, Joelma Freitas, Lenha
Diógenes, Virzangela Sandy, Leonardo Vasconcelos e Jefferson Sales.
As minhas companheiras de sala da turma 2009.2 por compartilharmos
não só o mesmo espaço físico durante quatro anos, mas expectativas, alegrias,
dores, angústias, vitórias e, agora, preparativos para uma nova fase em nossas
vidas. Em especial, Morgana Andrade, Leyla Morais, Alfredo Monteiro e Marisa
Albuquerque, que mais estiveram próximos a mim neste período e que, por diversas
vezes, juntos trocamos ideias, experiências, carinho, atenção e conhecimentos,
admiráveis amigos que o mundo acadêmico presenteou-me.
Aos companheiros e companheiras que conheci e convivi a partir da
minha inserção no Movimento Estudantil de Serviço Social (MESS), que a cada
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roda de conversa, debate e calor das ideias possibilitaram experiências únicas em
minha vida, estas vivenciadas nos mais diversos lugares e que contribuíram para
inúmeras crises de identidade acompanhadas de grandes reflexões e
amadurecimento, profundamente percebido por meu coração e refletido em minhas
ações.
Às supervisoras de campo que contribuíram para que meu campo de
estágio fosse divisor de águas e espelho da minha futura prática profissional: Liliany
Sucupira, Cláudia Pina, Nájla Lima, em especial, Débora Carvalho.
Aos adolescentes, protagonistas desta pesquisa, pela colaboração e
dedicação que tiveram e junto a mim para que este trabalho fosse realizado. Pela
compreensão e participação das famílias, mas principalmente pelo aprendizado que
eles proporcionaram a mim quando éramos uma só roda, sentados no chão, com um
livro na mão e o pensamento feito vulcão através do Projeto “Agentes de Leitura”.
Aos agentes de leitura do Projeto que conheci e convivi, em especial Ana
Luiza Melo, Amanda Sales e Simone Ferreira, quem tenho grande admiração. Ao
Nixon Araújo, nosso coordenador que desde o início se prontificou a me ajudar no
que precisasse. Aos demais também que fizeram parte, sem esquecer do próprio
Fabiano dos Santos, mentor do Projeto “Agentes de Leitura” e solícito a esta
pesquisa mesmo estando distante. À Socorro Azevedo, nossa formadora, que com
sua doçura e leveza nos preparou para exteriorizar sentimentos de luz, partilha e
luta em cada cantinho trabalhado.
À banca por aceitar o convite, pela disponibilidade e atenção em
colaborar com a avaliação deste trabalho.
À Maiara Lopes e Marisa Albuquerque por contribuir com a revisão deste
trabalho. Obrigada pelo apoio, atenção, carinho e conhecimento compartilhados.
Ao meu orientador, Mário Castro, por sua orientação segura em todo o
processo da pesquisa, pelas leituras atenciosas, por todos os apontamentos críticos,
por extrair o melhor que havia em mim e por todo carinho e parceria construída.
Agradeço por suas palavras de otimismo, pelas gargalhadas e por ter cedido sempre
um pouco mais do seu tempo em cada orientação. Registro aqui o meu respeito e
admiração pela pessoa que você é. Sinto-me honrada em ter sido sua orientanda.
Por fim, a todos que direta ou indiretamente fazem parte destas linhas e
que apesar de não serem mencionados aqui, fazem parte deste processo de (des)
construção constante do que hoje me considero. Muito obrigada!
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“Nem sempre sou igual no que digo e escrevo.
Mudo, mas não mudo muito.
A cor das flores não é a mesma ao sol
De, que quando uma nuvem passa
Ou quando entra a noite
E as flores são cor da sombra.
Mas quem olha bem vê que são as mesmas flores.
Por isso quando pareço não concordar comigo,
Reparem bem para mim:
Se estava virado para a direita,
Voltei-me agora para a esquerda,
Mas sou sempre eu, assente sobre os mesmos pés –
O mesmo sempre, graças ao céu e à terra
E aos meus olhos e ouvidos atentos
E à minha clara simplicidade de alma...”
(Alberto Caeiro, Fernando Pessoa, Nem sempre sou igual no que digo e escrevo).
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RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo investigar a percepção de 17 adolescentes
acerca do Projeto “Agentes de Leitura” desenvolvido no bairro Conjunto Ceará. Os
objetivos específicos propõem: um levantamento do perfil socioeconômico e familiar
destes adolescentes; investigar quais os impactos causados pelo Projeto no seu
cotidiano; identificar e expor vivências a partir da sua relação com ele. Realizando
uma explanação sobre a história da leitura e seus aspectos sócio-históricos,
culturais e o seu envolvimento com a literatura, além de conhecer e apresentar as
políticas de incentivo à leitura que permeiam este contexto e a relação dos
adolescentes com a leitura. Para se alcançar os objetivos desta pesquisa, foram
utilizadas duas principais formas de coleta de dados: pesquisa documental e um
roteiro de entrevistas semi-estruturadas, associadas a um levantamento
bibliográfico-temático. Desse modo, o trabalho estrutura-se em quatro capítulos. As
entrevistas foram analisadas a partir do método da hermenêutica-dialética que
considera além da ideia de que devemos compreender não só a historicidade dos
adolescentes e suas relações sociais, mas também busca conhecer e compreender
influências dadas no seu cotidiano leitor. Assim, deve-se estar atento para sinais
ocultos, como desvios de assunto, gestos e até mesmo silêncio. Por fim, baseado na
fala dos entrevistados, serão apresentados e analisados os achados desta pesquisa
acompanhados acerca da percepção dos participantes, bem como as considerações
da pesquisadora acerca desta temática.
Palavras-chave: Projeto “Agentes de Leitura”. Adolescente. Leitura.
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ABSTRACT
The present study aims to investigate the perception of adolescents about Project 17
"Agents Reading" developed in Ceará Set neighborhood. The specific objectives
proposed: a survey of family and socioeconomic profile of these adolescents;
investigate the impacts caused by the project in their daily lives; identify and expose
experiences from their relationship with him. By performing an explanation of the
history of reading and its socio- historical and cultural aspects and their involvement
with the literary reading, besides knowing and present policies to encourage reading
that permeate this context and the relationship of adolescents with reading.
Documentary research with semi - structured interviews, combined with a literature -
themed survey: to achieve the objectives of this research, two main forms of data
collection were used. Thus, the work is divided into four sections. The interviews
were analyzed from a hermeneutic - dialectic that considers beyond the idea that we
understand not only the historicity of adolescents and their social relations, but also
seeks to know and understand the influences given your reader routine method.
Thus, one should be aware of hidden signals, as deviations of subject, gestures and
even silence. Finally, based on the interviewees will be presented and analyzed the
findings of this research followed on perception of respondents, as well as
considerations of the researcher concerning this subject.
Keywords: Project Agents reading. Teens. Reading.
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LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 – Critérios para escolha dos adolescentes pesquisados...........................27
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ALB – Associação de leitura do Brasil
BNH – Banco Nacional de Habitação
COHAB – Companhia de Habitação do Ceará
COLE – Congresso de Leitura
CRAS – Centro de Referência de Assistência Social
CSLL – Câmara Setorial do Livro e Leitura
ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente
FBN – Fundação Biblioteca Nacional
FECOP – Fundo Estadual de Combate à Pobreza
FNLIS – Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil
IDH – Índice de Desenvolvimento Humano
IDM – Instituto de Desenvolvimento Municipal
INAF – Instituto Nacional de Alfabetismo Funcional
INL – Instituto Nacional do Livro
INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
MEC – Ministério da Educação
MH2O – Organização de Hip Hop do Brasil
MinC - Ministério da Cultura
OCDE – Organização para a Cooperação de Desenvolvimento Econômico
OMS – Organização Mundial da Saúde
PBF – Programa Bolsa Família
PISA – Programa de Avaliação Internacional dos Estudantes
PNBE – Programa Nacional da Biblioteca Escolar
PNLL – Plano Nacional do Livro e Leitura
PNLD – Plano Nacional do Livro Didático
PNLEM – Programa Nacional do Livro no Ensino Médio
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PROALE/UFF- Programa de Alfabetização e Leitura
PRODECOM – Projeto de Desenvolvimento Comunitário do Conjunto Ceará
PROLER – Programa de Incentivo à Leitura
SAEB – Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica
SECULTFOR- Secretaria de Cultura de Fortaleza
SEMAS- Secretaria Municipal de Assistência Social
SER – Secretaria Regional
TCC – Trabalho de Conclusão do Curso
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 13
1. “PELA ESTRADA AFORA EU VOU BEM SOZINHA”: PERCURSO
METODOLÓGICO ..................................................................................................... 19
2. A LEITURA E SEUS ASPECTOS SÓCIO-HISTÓRICO E CULTURAL ................ 33
2.1. O processo sócio-histórico da leitura .............................................................. 33
2.2. O significado da leitura literária ....................................................................... 38
3. POLÍTICAS PÚBLICAS DE INCENTIVO À LEITURA ........................................... 46
3.1. Leis, programas e projetos .............................................................................. 46
3.2. O Projeto “Agentes de Leitura” no bairro Conjunto Ceará .............................. 53
3.3. O ADOLESCENTE, O LIVRO E A LEITURA .................................................. 58
3.4. O Conceito de adolescência ........................................................................... 58
4. AFINAL, O QUE OS ADOLESCENTES PENSAM SOBRE O PROJETO
“AGENTES DE LEITURA”? ....................................................................................... 66
4.1. O perfil dos adolescentes ................................................................................ 66
4.2. Os adolescentes e a família, a escola, as atividades diárias, o tempo livre, o
livro e a leitura. ....................................................................................................... 69
4.3. Os adolescentes, o Projeto “Agentes de Leitura” e seus impactos. ................ 77
CONSIDERAÇÕES FINAIS: JÁ QUE NÃO É POSSÍVEL CONCLUIR ..................... 85
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 89
APÊNDICES .............................................................................................................. 92
APÊNDICE A – Roteiro de entrevista (Pré-teste) .................................................. 92
APÊNDICE B – Roteiro de entrevista (Oficial) ....................................................... 94
APÊNDICE C – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido .............................. 96
APÊNDICE D - Lista dos livros utilizados no Projeto “Agentes de Leitura”. ........... 98
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INTRODUÇÃO
O interesse em pesquisar sobre esta temática partiu de três motivações: a
primeira, e principal, foi por meio da minha atuação enquanto agente de leitura do
Projeto “Agentes de Leitura”, atuação esta, que suscitou a curiosidade em saber
qual seria a percepção dos adolescentes participantes acerca do Projeto e se este
causava algum impacto no cotidiano destes sujeitos.
O Projeto “Agentes de Leitura” foi criado em 2005 através da Secretaria
de Cultura do Estado do Ceará, financiado pelo Fundo Estadual de Combate à
Pobreza (FECOP), com atuação em municípios do interior cearense e em bairros da
cidade de Fortaleza com baixos índices de Desenvolvimento Municipal (IDM) e de
Desenvolvimento Humano (IDH), em parceria com as Secretarias de Educação e de
Trabalho e Desenvolvimento Social do Estado, associações comunitárias,
organizações não governamentais, instituições da sociedade civil e com as
prefeituras municipais por meio de suas secretarias de cultura e de educação.
O projeto se insere no Programa Mais Cultura, este, por sua vez,
vinculado ao Ministério da Cultura (MinC), que tem por objetivo promover a
democratização do acesso à produção, à fruição e à difusão cultural através dos
livros e da leitura como ação cultural estratégica de inclusão social e de
desenvolvimento humano, bem como por meio de atividades de socialização de
acervo bibliográfico e de experiências de leituras compartilhadas como exercícios de
cidadania, de compreensão de mundo e de ação alfabetizadora.
De acordo com Fabiano dos Santos1 (2007) o Projeto “Agentes de
Leitura” está inserido neste contexto de baixos índices de leitura, baixa
compreensão leitora e alta taxa de analfabetismo e analfabetismo funcional. Deste
modo, vivencia uma intensa precarização das bibliotecas, poucas livrarias, além do
descaso com relação a políticas públicas voltadas para a promoção dos livros e da
leitura no país. Neste sentido, considera-se importante ressaltar ainda que:
A relevância do projeto parte, pois, do princípio norteador da socialização da leitura como ação estratégica de inclusão social e de desenvolvimento
1Fabiano dos Santos é diretor do “Livro, Leitura e Literatura” do Ministério da Cultura, onde exerceu
também a função de Secretário Substituto da Secretaria de Articulação Institucional e Coordenador de Articulação Federativa do Programa Mais Cultura. Graduado em História pela UFC. Mestre em História pela PUC-SP Doutor em Educação pela UFC. Foi Coordenador de Políticas de Livro e de Acervos da Secretaria de Cultura do Estado do Ceará, no período de 2005 a 2007, onde coordenou o projeto “Agentes de Leitura” do Ceará. É também escritor e poeta do grupo Os internos do pátio. E-mail: [email protected]
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humano. Um povo que não estuda e que não tem acesso aos bens culturais, entre eles o livro e a leitura, é um povo fadado à exclusão social. O analfabetismo e analfabetismo funcional são fatores que atrelados à questões econômicas, agravam o quadro da desigualdade. A construção da cidadania passa necessariamente pelo acesso e domínio da leitura e da escrita como elementos vitais de formação e de crescimento humano. A leitura amplia nossos horizontes e nossa capacidade crítica, inventiva e de compreensão do mundo. (p.4).
Os adolescentes2 analisados nesta pesquisa são cadastrados no projeto e
moradores do bairro Conjunto Ceará, fundado na década de 1970, situado na região
sudoeste da cidade de Fortaleza, capital do estado do Ceará, Brasil. O bairro tem
algumas características interessantes como: sua grandiosidade, que o posicionou,
por muitos anos, como o maior projeto do sistema de habitação brasileiro e da
América Latina; seus habitantes, a maioria originária de famílias migrantes do
interior do Estado, que mantiveram suas características socioculturais atreladas ao
dinamismo das ações e imposições dos grandes centros urbanos; sua localização,
no limite oeste do município, que o torna distante de vários pontos da cidade, mas,
ao mesmo tempo, estimula a sua autossuficiência; sua influência em sua
circunvizinhança, sobre vários bairros e comunidades, cujos moradores utilizam a
rede de ensino, unidades de saúde, bancos, comércios e equipamentos públicos de
segurança, transporte, cultura e lazer do Conjunto Ceará (NETO, 2008).
O segundo motivo é por considerar que na época em que vivemos a
leitura e a escrita se integram como instrumentos imprescindíveis para que o ser
humano venha a desenvolver suas capacidades, seja no nível individual, seja no
âmbito coletivo. Além de seu incentivo ser considerado, diante de pesquisas, fator
fundamental na formação dos jovens, tanto para o desenvolvimento de sua
consciência crítica como para compreensão e intervenção no mundo em que vivem
através da curiosidade, criatividade e participação que a leitura possibilita em seu
processo de interação.
No terceiro, busca-se com esta pesquisa, obter novos conhecimentos
sobre esta temática e contribuir para futuras outras pesquisas tanto na área social,
como educacional e cultural, possibilitando embasamento e fonte de acesso a
documentos que sejam motivos a mais para fundamentar a necessidade de se
refletir acerca da ampliação e efetivação de políticas de incentivo à leitura em todas
2 Público-alvo apresentado no quarto capítulo da presente monografia.
15
as instâncias, seja no âmbito federal, estadual e municipal, contribuindo para toda a
sociedade.
Não é de hoje que se ouve falar que para se alcançar uma sociedade
ideal deve-se percorrer o caminho através da educação. Também não é de hoje que
percebemos a educação ficando em segundo plano, especialmente com o
surgimento da globalização e da informação eletrônica. (BERTAGLIA; TREVIZAN,
2011).
A sociedade atual preconiza como um dos principais direitos do homem
moderno o direito à informação, previsto em nossa Constituição Federal3. Ao
analisar os relatórios do Instituto Pró Livro, as autoras Bertaglia e Trevizan (op. cit.)
percebem que o ato de ler é mais valorizado pelos brasileiros. Muitos já reconhecem
que a leitura é importante para a promoção do desenvolvimento pessoal e
profissional. No entanto, outras atividades têm prioridade, como assistir televisão,
que se manteve em primeiro lugar, de acordo com a pesquisa realizada através do
Pró Livro.
Ressalta-se também que em 2012 foi lançada a terceira edição da
pesquisa Retratos da Leitura no Brasil4, considerada referência como o primeiro e
único estudo em âmbito nacional sobre o comportamento leitor do brasileiro. Este
estudo busca através de um amplo diagnóstico, estimular novas reflexões e
decisões em torno de possíveis novas intervenções para melhorar os atuais
indicadores sobre o comportamento leitor da população, além de possibilitar medir
intensidade; forma; motivação e condições de leitura da população brasileira,
segundo opinião dos entrevistados da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil.
De acordo com a supracitada, é mais atraente para a população brasileira
(cerca de 178 milhões) em seu tempo livre: assistir televisão (85%), escutar música
ou rádio (52%), descansar (51%), reunir com amigos e família (44%), assistir
vídeos/filmes em DVD (38%), sair com amigos (34%), a ter que ler (jornais, livros,
revistas, textos da internet) (28%) e/ou navegar na internet (24%). Estes dois últimos
tiveram variações com relação à pesquisa passada, aquele, tinha o percentual de
36% e foi reduzido para 28%; este, com o percentual de 18% cresceu para 24%.
3 Artigo 5, inciso XIV: “é assegurado a todos o acesso à informação...”.
4 Realizada pelo Instituto Pró-Livro com apoio da ABRELIVROS (Associação Brasileira de Livros
Escolares), CBL (Câmara Brasileira do Livro) e SNEL (Sindicato Nacional dos Editores de Livro) a terceira edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, foi lançada em Brasília, no dia 29 de março de 2012. Disponível em: <http://www.prolivro.org.br/ipl/publier4.0/texto.asp?id=2834>. Acesso em: 15 de mar. de 2013.
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A média de livros lidos no Nordeste fica em torno de 2 nos últimos três
meses. 78% dos entrevistados responderam que a principal razão para estar lendo
menos do que já leu é a falta de interesse, ressaltando a falta de tempo, falta de
paciência e preferem outras atividades para fazer; 15% responderam que têm
dificuldade, principalmente a falta de visão, ler muito devagar e não têm
concentração para ler; 14% falaram do acesso, dizendo que o livro era caro e não
havia onde comprar. É considerável o número de pessoas, que de uma maneira
geral, não gosta de ler (30%), gosta um pouco (37%) e que não sabem ler (9%).
Desse modo, a pesquisa aponta que:
Assim como nas edições anteriores, a pesquisa confirma as principais correlações com a leitura: escolaridade, classe social e ambiente familiar. Quanto mais escolarizado ou mais rico é o entrevistado, maior é a penetração da leitura e a média de livros lidos nos últimos 3 meses. (PESQUISA RETRATOS DO BRASIL, 2012, p. 144).
Diante do exposto, a pesquisa tem como objetivo analisar a percepção de
17 adolescentes acerca do Projeto “Agentes de Leitura”, desenvolvido no bairro
Conjunto Ceará. Os objetivos específicos propõem: um levantamento do perfil
socioeconômico e familiar destes adolescentes; investigar quais os impactos
causados pelo Projeto no seu cotidiano; identificar e expor vivências a partir da sua
relação com ele, realizando uma explanação sobre a história da leitura e seus
aspectos sócio-históricos e culturais; analisar a leitura literária; conhecer e
apresentar as políticas de incentivo à leitura que permeiam este contexto e a relação
dos adolescentes com a leitura.
Para subsidiar esta pesquisa e aprofundar os estudos foram utilizadas as
seguintes categorias teórico-temáticas: Leitura, Adolescência e Políticas de incentivo
à leitura as quais se encontram estruturadas em três capítulos, brevemente
apresentados a seguir.
No primeiro capítulo encontra-se o percurso metodológico de forma a
envolver o leitor na descrição minuciosa do passo-a-passo desta pesquisa. Salienta-
se que a pesquisa estudará de forma espontânea as percepções, compreensões e
sentimentos do público-alvo. Desta forma, está desenvolvida a partir da pesquisa
qualitativa, já que, de acordo com Goldenberg (2004), possibilita estudar questões
difíceis de quantificar, como motivações, crenças e atitudes individuais. Dispondo de
duas principais formas de coleta de dados: pesquisa documental e um conjunto de
entrevistas semi-estruturadas, associadas a uma observação constante do espaço
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social trabalhado, além de um levantamento bibliográfico-temático próprio de toda
pesquisa, com o apoio dos seguintes autores: Antônio Carlos Gil (2002), Maria
Cecília de Souza Minayo (2004; 2010), Mirian Goldenberg (2004), Severiano (2002;
2008) e Pedro Demo (2011).
No segundo capítulo, encontra-se o diálogo sobre como se deu o
processo sócio-histórico da leitura e seus reflexos diante da prática humana e
construção social, utilizando as discussões de Rosa Amélia P. Silva (2010), Roger
Chartier (2010) e Selma Martines Peres (2008). Debate-se também a partir de
Míriam Zafalon (2010), Antenor Antonio e Gonçalves Filho (2000), Rildo Cosson
(2007) e Roger Chatier (1999) acerca das produções literárias, conceituando-as a
partir das suas mais variadas definições e relacionando-as com a própria história da
leitura; além de abordar sobre a leitura enquanto prática cultural e suas diversas
manifestações na sociedade. Para esta discorrer sobre esta temática, teve-se o
apoio de Frans Boas (2007), Roger Chartier (1990), Carlos Nelson Coutinho (2011)
e Luiz Percival Leme Britto (2004).
Para desenvolver o terceiro capítulo buscou-se analisar as políticas de
incentivo à leitura através das contribuições de Selma Martines Peres (2008), Flávia
Goullart Mota Garcia Rosa e Nanci Oddone (2006), além de Elizabeth D‟Angelo
Serra (2004); enfatizando o Projeto “Agentes de Leitura” desenvolvido no bairro
Conjunto Ceará a partir dos estudos de Plínio Leitão Neto (1998); (2008) e Fabiano
dos Santos (2011), buscando relacionar através de Maria Tereza Maldonado (2004),
Evelyn Eisenstein (2005), Tânya Zagury (2009), Teresa Colomer e Laura Sandroni
(2003) a relação entre os adolescentes e a leitura.
O quarto capítulo, considerado o “coração” desta pesquisa, contém a
apresentação do perfil de cada adolescente e busca-se, nesta parte, torná-los
protagonistas desta pesquisa através de suas falas acompanhadas de silêncio,
gestos e percepções. Ressalta-se que todas as entrevistas foram gravadas e
transcritas tal qual a fala de cada adolescente e apresentadas na íntegra para esta
pesquisa, acompanhadas de uma leitura atenta e minuciosa.
Vale ressaltar que a metodologia descrita de forma esmiuçada, utilizada
para produzir este trabalho, encontra-se logo adiante, no primeiro capítulo,
responsável por explanar todo o percurso metodológico, bem como as dificuldades
surgidas à medida que se construía e reconstruía o conhecimento. Enfatiza-se
também, o traçado particular que a pesquisadora fez entre ela e o seu objeto de
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pesquisa que a todo instante apresentam-se concomitantemente ao objetivo deste
trabalho.
Ao final desta pesquisa, apresentam-se as considerações expondo seus
objetivos acompanhados de uma breve recapitulação dos resultados expostos e
discutidos ao longo do trabalho como os impactos causados no cotidiano dos
adolescentes através da sua inserção no Projeto e a sua percepção acerca da
leitura, entre outros pontos analisados; além de contribuir para o referido tema com
encaminhamentos para pesquisas futuras.
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“A alegria não chega apenas no encontro do achado, mas faz parte do processo da busca. E ensinar e aprender não pode dar-se fora da procura,
fora da boniteza e da alegria.”
(Paulo Freire)
1. “PELA ESTRADA AFORA EU VOU BEM SOZINHA”: PERCURSO
METODOLÓGICO
De início, esclareço que o subtítulo para este capítulo refere-se à
utilização da 1ª pessoa do singular no decorrer de todo o processo do percurso
metodológico. Alguns devem conhecer ou já ter ouvido falar sobre a história infantil e
fictícia da Chapeuzinho Vermelho, a menina que, em busca do caminho da casa de
sua avó, se vê diante de um caminho diferente, conhece novos amigos, vivencia
diferentes experiências, perde-se na floresta, passa por várias aventuras diante do
seu percurso, se depara com situações que mexem com seu emocional e que lhe
levam a inúmeras vivências.
Enfim, não me debruçarei em contá-la, apesar de ter feito inúmeras vezes
com as famílias do Projeto. Escolhi este início devido à discussão que há na
academia sobre qual pessoa utilizar para discorrer a pesquisa. Se coloco totalmente
na 1ª pessoa do singular, acabo por exaltar uma prática individual. Se opto por
colocar totalmente na 1ª pessoa do plural, exponho que todo o processo se deu de
forma coletiva, eu, o orientador e os teóricos.
Pois bem, sabemos que a pesquisa de campo é uma prática particular
entre o objeto de estudo e o pesquisador, na qual requer vários elementos que
possibilitem uma boa análise, no entanto, no momento em que se está no campo
deve-se ter um olhar diferenciado, deve-se se debruçar diante daquela realidade e
entregar-se aos achados. Práticas estas, vivenciadas entre o pesquisador e seu
campo de pesquisa. Não estou aqui para aprofundar-me neste assunto, mas para
informá-los o porquê da minha escolha em apresentar de forma direta e próxima a
vocês e convidá-los a percorrer este caminho lado a lado comigo, desde a minha
indecisão na escolha do tema até as dificuldades que passei durante a pesquisa e
quais critérios utilizei para desenvolvê-la. Ressalto este posicionamento enquanto
pesquisadora, contadora de histórias e futura interventora da área social.
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Esta pesquisa surgiu da experiência no meu campo de trabalho que guiou
meu olhar para a realidade onde os adolescentes5 participantes do Projeto “Agentes
de Leitura”, moradores do bairro Conjunto Ceará, encontravam-se inseridos. O
simples fato de participarem ou não das atividades levou-me a questionar qual seria
a percepção desses adolescentes acerca do Projeto. Decidi realizar um
levantamento do perfil socioeconômico e familiar, investigar quais os impactos
causados pelo Projeto no seu cotidiano, identificar e expor vivências a partir da sua
relação com ele, bem como analisar a partir de referenciais teóricos a história da
leitura e seus aspectos sócio-histórico e cultural, conceituar a leitura literária,
conhecer e apresentar as políticas de incentivo à leitura que permeiam este contexto
e a relação dos adolescentes com a leitura.
Com base nos objetivos geral e específicos, classificarei esta pesquisa
como exploratória e descritiva, pois, de acordo com Gil (2002), a pesquisa
exploratória proporciona ao pesquisador maior familiaridade com o problema, sendo
seu ponto principal o aprimoramento de ideias ou a descoberta de intuições. Já a
descritiva tem seu caráter primordial de descrever características ou estabelecer
relações variáveis.
“As pesquisas descritivas são, juntamente com as exploratórias, as que
habitualmente realizam os pesquisadores sociais preocupados com a atuação
prática.” (Gil,2002, p.42) Portanto, a primeira se desenvolverá na coleta de dados
através da pesquisa de campo, documental e do estudo bibliográfico, enquanto a
segunda, será o detalhamento de tudo que foi apurado, acompanhado de análises e
considerações.
De acordo com Minayo (1994), “[...] a metodologia inclui as concepções
teóricas de abordagem, o conjunto de técnicas que possibilitam a construção da
realidade e o sopro divino do potencial criativo do investigador.” (p.16). Com base
nestas palavras apresento a metodologia utilizada para atingir o objetivo geral desta
pesquisa e quais caminhos foram percorridos Este último, de forma minuciosa,
buscando atender aos objetivos inicialmente estabelecidos e proporcionar clareza ao
leitor.
Ao estudar de forma espontânea as percepções, as compreensões e os
sentimentos do público-alvo, falo de uma pesquisa qualitativa que possibilita estudar
5 Perfil disponibilizado no quarto capítulo.
21
questões difíceis de quantificar, como motivações, crenças e atitudes individuais.
(GOLDENBERG, 2004)
A pesquisa teve, assim, duas principais formas de coleta de dados:
pesquisa documental e um conjunto de entrevistas semi-estruturadas, associadas a
uma observação constante do espaço social trabalhado.
Junto a estas, precede, naturalmente, um levantamento bibliográfico-
temático, próprio de toda pesquisa, que representa uma transição entre o presente e
o passado, das informações superficiais às mais detalhadas, praticando diferentes
olhares a partir de diferentes autores. A respeito desta etapa, Gil fala que a pesquisa
bibliográfica é:
[...] desenvolvida com base em material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos. [...] Boa parte dos estudos exploratórios pode ser definida como pesquisas bibliográficas. [...] Os livros constituem as fontes bibliográficas por excelência. [...] A principal vantagem da pesquisa bibliográfica reside no fato de permitir ao investigador a cobertura de uma gama de fenômenos muito mais ampla do que aquela que poderia pesquisar diretamente. Essa vantagem torna-se particularmente importante quando o problema de pesquisa requer dados muito dispersos pelo espaço. (2002, p.44-45).
A pesquisa documental será utilizada devido a poucas produções teóricas
referentes ao Projeto “Agentes de Leitura”, portanto, a utilização de documentos
como Edital 2011, Ficha técnica, Cartilha, Contrato e demais documentos sobre o
Projeto são utilizados como fonte de pesquisa para compor o material, na qual
busquei documentos que revelem aspectos do fenômeno social investigado e que
nos habilitem a construção de novas ideias sobre o mesmo. Gil (2002), fala da
semelhança que a pesquisa documental tem com a bibliográfica, de suas vantagens
e de sua importância:
Assemelha-se muito à pesquisa bibliográfica. A diferença essencial entre ambas está na natureza das fontes. Enquanto a pesquisa bibliográfica se utiliza fundamentalmente das contribuições dos diversos autores sobre determinado assunto, a pesquisa documental vale-se de materiais que não recebem ainda um tratamento analítico, ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com os objetos da pesquisa. [...] A pesquisa documental apresenta uma série de vantagens. [...] Como os documentos subsistem ao longo do tempo, tornam-se a mais importante fonte de dados em qualquer pesquisa de natureza histórica. [...] o custo da pesquisa torna-se significativamente baixo, quando comparado com o de outras pesquisas. (p.45-46)
Já a pesquisa de campo, aqui trabalhada e que tem sua origem na
Antropologia, enfatiza a importância do pesquisador ter o contato direto com o
pesquisado, ter sua própria experiência fazendo com que os pesquisados fiquem
22
mais à vontade para contribuir com sua pesquisa. Sobre a pesquisa de campo, Gil
(op. cit) ressalta que:
O modelo de estudo constitui o modelo clássico de investigação no campo da Antropologia, onde se originou. [...] Basicamente a pesquisa é desenvolvida por meio da observação direta das atividades do grupo estudado e de entrevistas com informantes para captar suas explicações e interpretações do que ocorre com o grupo. [...] No estudo de campo o pesquisador realiza a maior parte do trabalho pessoalmente, pois é enfatizada a importância de o pesquisador ter tido ele mesmo uma experiência direta com a situação de estudo. [...] seus resultados costumam ser fidedignos [...] tende a ser bem mais econômico. E como o pesquisador apresenta nível maior de participação, torna-se maior a probabilidade de os sujeitos oferecerem respostas mais confiáveis. (p.53).
Considerei bastante relevante fazer o levantamento histórico do bairro
Conjunto Ceará6 devido à própria construção das relações coletivas entre os
moradores e busquei incessantemente fazer com que o leitor, ao ler esta pesquisa,
possa além de ganhar conhecimentos, reportar-se ao lugar no qual foi realizada a
pesquisa de campo e sentir-se presente, imaginando cada detalhe e até mesmo
construindo suas próprias considerações.
Busquei entrar em contato com moradores mais antigos do bairro ou de
associações no intuito de coletar informações precisas quanto ao surgimento do
bairro, seu desenvolvimento e fazer um paralelo com a participação dos moradores
em decisões coletivas. Infelizmente, devido ao tempo reduzido e a indisponibilidade
de alguns moradores mais antigos (alguns hoje moram em outro bairro) não pude
executar uma coleta de dados (em campo) rica em detalhes no que diz respeito ao
bairro.
Vale ressaltar que não estive limitada somente às leituras de livros
impressos, pelo contrário, recorri constantemente à internet como fonte também de
pesquisa, reconhecendo sua importância na busca seletiva de sites que tivessem
publicações de artigos científicos, revistas científicas eletrônicas, downloads de
documentos, planos e/ou cartilhas, livros digitais (e-books), até mesmo alguns livros
que não encontrava nas bibliotecas, pude acessá-los via internet escaneados, todos
estes serviram como base para esta pesquisa, pois, de acordo com Severiano
(2002),
A internet, rede mundial de computadores, tornou-se uma indispensável fonte de pesquisa para os diversos campos de conhecimento. Isso porque representa hoje um extraordinário acervo de dados que está colocado à disposição de todos os interessados, e que pode ser acessado com extrema
6 Disponível no terceiro capítulo desta pesquisa.
23
facilidade por todos eles, graças à sofisticação dos atuais recursos informativos e comunicacionais no mundo inteiro. (2002, p.133)
É claro que a pesquisa científica na internet requer um certo cuidado
devido a sua vasta rede de informações. A sua busca pode ser relacionada à prática
de garimpar, pois, é necessário realizar uma procura minuciosa e dirigir-se a
endereços certos. Severiano (2002) menciona também os endereços das próprias
bibliotecas das grandes universidades7.
Menciono aqui minha decepção com a falta de incentivo às produções
escritas, que cada vez mais prejudica o autor no sentido de precisar de apoios de
editoras para lançar suas produções, pois é exorbitante tanto o valor cobrado para
publicar um livro como para quem deseja comprá-lo. Mais um ponto que faz com que
se tenha dificuldade no acesso ao livro.
No início do mês de junho foi realizada uma entrevista com Plínio Leitão
Neto, responsável pelo Projeto Desenvolvimento Comunitário do Conjunto Ceará
(PRODECOM) e autor dos livros Conjunto Ceará: Empreendedor (2008) e Conjunto
Ceará: Polo de Desenvolvimento (1998),8 no intuito de coletar mais informações
sobre o bairro, sobre a construção de espaços voltados para os adolescentes e
principalmente, de áreas de incentivo à leitura.
Em sua fala, Neto fez um breve resgate histórico sobre a construção do
bairro e seu desenvolvimento, sobre algumas atividades que eram desenvolvidas
para os jovens da comunidade como: grupo de teatro, street dance, além da
finalização de uma biblioteca comunitária no espaço do Projeto, todos esses
serviços disponibilizados pelo PRODECOM. Foi por ele mencionado também alguns
espaços de fomento à cultura, à política e à participação social por grupos de
movimentos sociais do próprio bairro, como o MH2O (Organização de Hip Hop do
Brasil), Movimento Livre, Grupo Solevida, além de várias outras associações
situadas na 4ª etapa do bairro.
7 Segundo Severiano (op. cit), as próprias bibliotecas das grandes universidades colocam à
disposição fontes bibliográficas a partir de seus acervos documentais “ocorrendo uma complementaridade entre acervos informatizados e os acervos tradicionais das bibliotecas.” (p.138)
8Os livros buscam retratar a historicidade do bairro, como se deu seu desenvolvimento, aspectos
culturais da vida da comunidade, avanços e retrocessos dentre outros elementos de estudos coletados em períodos diferentes, mas com utilidade relevante para comunidade e também pesquisadores da área.
24
Segundo Goldenberg (2004), a pesquisa faz parte de um processo que
impossibilita a previsão e o controle de todas as etapas e quanto ao pesquisador,
“está sempre em estado de tensão porque sabe que seu conhecimento é parcial e
limitado – o “possível” para ele. [...] É o processo da pesquisa que qualifica as
técnicas e os procedimentos necessários para as respostas que se quer alcançar.”
(p.13; 62).
Como já explicado, para a coleta de dados foram realizadas entrevistas
semi-estruturadas com os adolescentes cadastrados e participantes do Projeto
“Agentes de Leitura”. Algumas entrevistas foram realizadas na própria residência,
outras na minha; esta, devido ao constante barulho na rua e/ou na casa do
adolescente. Outro fator foi que alguns adolescentes achavam que longe de seus
responsáveis ficariam mais à vontade para falar. Logo sentia em suas falas certo
receio e medo da cobrança e influência da proximidade dos responsáveis durante a
entrevista. Deste modo, fazendo com que eles pudessem se sentir mais à vontade,
fiz o convite para ficarmos na minha residência, já conhecida pela maioria deles.
Para assegurar o caráter sigiloso que a pesquisa requer, utilizei um sistema de
identificação dos entrevistados baseado em nomes de personagens de histórias
infantis.
Esta pesquisa foi iniciada no final de dezembro de 2012, quando eu ainda
cursava o 7º período, e concluída em 2013. Reporto-me a esta data como início,
porque foi só a partir dela que minhas ideias começaram a clarear, pois, até então,
só havia confusão e isso arrastava o medo de chegar ao final do semestre e não ter
um objeto definido para pesquisar, um receio de elaborar um projeto de forma
apressada e apresentá-lo ao futuro orientador, além da tensão de não ser aceita e,
muito pior, de ter que mudar de tema logo no período de desenvolver a pesquisa.
Enfim, relato este mesclado de sentimentos, pois reproduzo minimamente aqui o
que era compartilhado em sala, nos corredores, em casa e nas ruas por mim e por
minhas companheiras de pesquisa. Considero extremamente importante explanar
isso, porque neste período tudo se resume em um só questionamento: será que vai
dar tempo e terá a qualidade almejada?
Depois de entrar em conflito comigo mesma e de chegar ao ápice da
minha reflexão sobre minha situação na época, decidi deixar para apresentar o
Trabalho de Conclusão do Curso (TCC) para o semestre seguinte, 2013.2, pois
assim teria somente esta pesquisa para desenvolver e daria total prioridade, carinho
25
e atenção que ela merece. Esta atitude significou mais tempo para desenvolver as
ações com calma e mais atenção, contrária a lógica do semestre anterior.
Desta forma, em junho de 2013, fui a campo e iniciei a coleta de dados
através de entrevistas semi-estruturadas Entretanto, ao aplicar o roteiro de
entrevistas percebi que os adolescentes respondiam de forma muito curta, objetiva
em excesso e sem nenhuma explicação a mais, enquanto, na verdade, ao reler o
roteiro, após refletir sobre as perguntas e respostas, o orientador e eu decidimos
modificá-las, transformando-as em questões mais subjetivas, que poderiam deixar
os adolescentes mais à vontade para se expressar e, também, direcioná-las de fato
para o objeto da pesquisa.
Contudo, este primeiro momento possibilitou uma experiência a mais no
campo, levando-nos a uma nova metodologia, a utilização de um pré-teste9. Além da
dificuldade em continuar as entrevistas, este período foi bastante confuso para os
agentes de leitura, que não sabiam se dariam continuidade ou não ao Projeto,
dificultando minha inserção no campo como pesquisadora. Foi a partir desses fatos
que decidi parar minha pesquisa de campo, rever o roteiro e modificá-lo. Segue em
anexo na pesquisa o roteiro utilizado como pré-teste (APÊNDICE A) e o oficial
(APÊNDICE B).
Diante do ocorrido, considero os cinco adolescentes entrevistados como
parte desta metodologia, que possibilitou compreender quais perguntas atendiam
aos objetivos desta pesquisa, como seria a reação dos adolescentes ao estar em
contato não com a agente de leitura, mas sim com a pesquisadora, além de
possibilitar uma prévia reflexão sobre o método de análise que seria utilizado de
acordo com o que foi coletado.
No semestre de 2013.2, os meses de julho e agosto proporcionaram a
organização da pesquisa e estabelecimento de prazos, de modo que no mês de
setembro foi possível concluir o primeiro capítulo e realizar entrevistas e
transcrições.
O gráfico a seguir revela de forma simplificada o percurso realizado para
se chegar aos critérios utilizados para a escolha dos sujeitos desta pesquisa:
9 O pré-teste é a aplicação de um “piloto” da avaliação que se deseja validar, com o objetivo de
coletar dados para pesquisa. Os itens elaborados são aplicados em um grupo de características semelhantes às do público-alvo da avaliação que se deseja pré-testar. Disponível em: <http://portal.inep.gov.br/pre-teste-2012>. Acesso em 15 set. 2013.
26
Gráfico 1 – Critérios para escolha dos adolescentes pesquisados
Pesquisa direta realizada pela pesquisadora no período de julho.
O Projeto atua em alguns estados brasileiros10, em municípios do interior
cearense e em bairros da cidade de Fortaleza com baixos Índices de
Desenvolvimento Municipal (IDM) e de Desenvolvimento Humano (IDH) e tem como
prioridade atender famílias cadastradas no Programa Bolsa Família11. Para
encontrar essas famílias, os agentes de leitura receberam o apoio da Secretaria
Municipal de Assistência Social (SEMAS12) a qual nos encaminhou ao Centro de
Referência de Assistência Social (CRAS) mais próximo do bairro, no caso, o CRAS
Genibaú, que nos disponibilizou uma listagem com a relação das famílias do bairro
Conjunto Ceará que recebiam o benefício.
Com a listagem das famílias em mãos, os agentes foram de “porta em
porta” se apresentar às famílias explicando o que era o Projeto, a quem estavam
10
Mais informações disponíveis no terceiro capítulo. 11
O Programa Bolsa Família (PBF) é um programa de transferência direta de renda que beneficia famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza em todo o país. O Bolsa Família integra o Plano Brasil Sem Miséria, que tem como foco de atuação os 16 milhões de brasileiros com renda familiar per capita inferior a R$ 70 mensais e está baseado na garantia de renda, inclusão produtiva e no acesso aos serviços públicos. Disponível em: <http://www.mds.gov.br/bolsafamilia>. Acesso em: 16 set. 2013.
12
Modificado em 2013 para Secretaria de Trabalho, Desenvolvimento Social e Combate à fome (SETRA), a partir da atual gestão (2014).
27
vinculados, como as ações eram desenvolvidas, explicando de forma minuciosa
informações sobre o Projeto. Entretanto, algumas famílias se recusaram a participar,
justificando, entre outras razões, que os agentes não estavam visivelmente
identificados e porque expressavam não ter interesse mesmo em participar.
As primeiras visitas domiciliares foram realizadas durante os meses de
setembro e outubro, época referente ao período eleitoral no nosso país, cujas
famílias recusaram-se a participar por imaginar que as ações poderiam estar
vinculadas a fins partidários. As famílias ficavam desconfiadas, pois além dos
agentes não estarem visivelmente identificados, foram a campo somente com um
crachá improvisado, sem nenhum fardamento e nenhuma divulgação que estaria
sendo executado este projeto na cidade. Desta forma, algumas vezes as famílias
não chegavam a ouvir nem o início das informações, nos convidando a sair de suas
residências. Diferente de outras, que nos viam passar e perguntavam sobre nossas
ações, ficavam interessadas e pediam para serem cadastradas, entretanto algumas
delas não eram cadastradas no Programa Bolsa família.
Diante dessas informações em comum relatadas por alguns agentes de
todas as Secretarias Executivas Regionais (SER), a coordenação do Projeto
considerou a dificuldade dos agentes em cadastrar algumas famílias que recebiam o
benefício e a facilidade de cadastrar outras que não recebiam, abrindo então, uma
exceção para cadastrá-las também, no intuito de atender o objetivo principal, ou
seja, o acesso ao livro.
Este relato que acabo de realizar tem o intuito de levar a entender quais
são as famílias que participam deste Projeto, como aderiram e como os
adolescentes poderão fazer parte desta pesquisa.
Para esta pesquisa, foram entrevistados 17 adolescentes, moradores do
bairro Conjunto Ceará, acompanhados por mim, agente de leitura, com o devido
consentimento de seus responsáveis através da assinatura do termo de
consentimento livre e esclarecido13, estes, beneficiado (a)s pelo Programa Bolsa
Família. Cheguei a esta escolha através de um levantamento que apresentou o total
de 25 famílias cadastradas, dentre elas, 19 com o benefício e 6 sem o benefício.
Logo após, escolhi as famílias que atendiam a exigência inicial, ou seja, as 19 que
recebiam o benefício, Nestas famílias procuramos os adolescentes participantes do
Projeto, pois alguns adolescentes são cadastrados, mas não participam das
13
Apêndice C.
28
atividades, chegando à conclusão de que são 12 famílias que são cadastradas no
Projeto, que recebem benefício e que tem seus adolescentes participantes no
Projeto, totalizando 17 adolescentes, estes convidados a participar desta pesquisa.
Como a pesquisa se reporta ao Projeto e este, por sua vez, está
vinculado ao acesso ao livro, gostaria de aproveitar o momento e compartilhar minha
experiência em um dos espaços mais conhecidos que se tem acesso aos livros
impressos, a biblioteca.
Venho realizando um levantamento sobre a relação entre o acesso ao
livro e os adolescentes participantes do Projeto “Agentes de Leitura” e, quando me vi
procurando teóricos que embasassem esta pesquisa, percebi a necessidade de
compartilhar o fato de nunca ter tido o hábito de estudar em bibliotecas, de buscar
livros em biblioteca. Segundo Gil (2002):
Parte considerável do trabalho de pesquisa consiste na utilização de recursos fornecidos pelas bibliotecas. Isto é verdadeiro não apenas para as pesquisas caracterizadas como bibliográficas, mas também para os demais delineamentos. Qualquer que seja a pesquisa, a necessidade de se consultar material publicado é imperativa. (p.60)
Então, conforme dito antes, devido à monografia e à necessidade de um
espaço que eu pudesse construir minhas ideias de forma clara, objetiva e tranquila,
passei a buscar a biblioteca mais vezes, repetidas vezes, quando me vi intimamente
ligada a ela, podendo até afirmar que no lugar de ocupar o seu espaço, ela que me
ocupou, ela passou a ser um local de encontro, de interação, de silêncio, e ao
mesmo tempo, de barulho das minhas ideais. Compartilho da mesma ideia de Gil
(op. cit) ao falar da importância da consulta e da construção das ideias em um
espaço que possibilita a coleta de dados:
Nas pesquisas bibliográficas e em muitas pesquisas documentais, o trabalho de consulta à biblioteca, após essas fases iniciais, tende a se tornar mais intenso, pois é justamente na biblioteca que se processa a coleta de dados. [...] A necessidade de consulta a material manifesta-se ao longo de todo o processo de pesquisa. (p.61).
No decorrer desta construção, conheci este espaço não muito
aglomerado, raramente frequentado por uns e diariamente frequentado por outros,
este espaço que guarda inúmeras histórias, vastos documentos, diversas
informações, amplas ilustrações em suas prateleiras e tantos cochichos de
pensamentos. Nele, existe um objeto que não tem olhos pra nos ver entrar, mas que
cruzam nossos olhares ao procurar um objetivo que, a priori, não passa de um livro,
29
mas logo em seguida tirado de seu lugar “quietinho” passa a fazer parte de quem o
pegou. Este mesmo objeto, que também não tem olhos, cruza nossos olhares em
meio a letras e ilustrações, muito mais que isso... Ele que braços também não tem,
nos aperta forte quando finalmente encontramos o que procuravámos, sem boca,
em silêncio, começava a nos contar histórias das mais simples e curtas às mais
complexas e prolongadas. Também, não tem nariz nem ouvidos, mas sentimos no ar
o cheirinho da primeira página abrindo e o barulho do folhear, como se essa emoção
fosse de encontro à atenção que alguém nos dá ao nos ouvir e um cheiro especial
que ganhamos.
Sentado, deitado, em pé, caminhando, em uma fila de banco, aguardando
o pão fresquinho, na parada do ônibus, em um percurso demorado dentro de um
veículo, à espera de alguém chegar ou até mesmo antes do sono nos visitar, o livro
nos convida a passear bem ali perto ou a viajar a lugares tão distantes, nos levam a
conhecer novas culturas, diferentes hábitos dos nossos, fatos que de tão fictícios
tornam-se verdadeiros em nossas memórias e que a cada informação obtida vai
construindo um lugar especial na mente e no coração.
Concluo esta etapa da pesquisa compartilhando o pensamento de
Goldenberg (op. cit) ao apresentar sua compreensão sobre o processo de
transformar qualquer área de conhecimento em um objeto científico de estudo.
Fazer uma pesquisa significa aprender a pôr ordem nas próprias idéias. Não importa tanto o tema escolhido mas a experiência de trabalho de pesquisa. Trabalhando-se bem não existe tema que seja tolo ou pouco importante. A pesquisa deve ser entendida como uma ocasião única para fazer alguns exercícios que servirão por toda a vida. O trabalho de pesquisa deve ser instigante, mesmo que o objeto não pareça ser tão interessante. O que o verdadeiro pesquisador busca é o jogo criativo de aprender como pensar e olhar cientificamente. (p.68).
Contudo, não basta somente escolher, pôr ordem, trabalhar e apresentar,
como se você e a pesquisa fossem dissociáveis, tampouco não fizessem parte da
vida da outra, é necessário que durante cada etapa desenvolvida sempre haja a
segurança de que seus estudos estão ali para lhe servir por toda a vida e vice-versa,
bem como o amor colocado em suas produções juntamente com o conhecimento
adquirido ao longo da vivência acadêmica. Se somados, compreendidos como frutos
de uma relação que resultará em uma brilhante atuação e quiçá passível de
significativas contribuições não só para quem a lê, mas também para quem fez
parte, para quem contribuiu e quem, talvez, utilizará.
30
Sabendo do baixo índice de escolarização e da dificuldade no acesso à
leitura, quando fui a campo uma das minhas preocupações era como seria realizada
a mediação entre o livro e o adolescente, de modo quefui em busca de métodos que
me ajudaram a me aproximar de tais sujeitos, como dinâmicas, contação de histórias
a céu aberto, na rua, na esquina e no chão da calçada, utilização de temas que os
deixassem mais à vontade para falar, enfim. No início, quando me apresentei à
família e expliquei como seriam nossos encontros e quais minhas atividades, alguns
adolescentes adoraram, outros, nem tanto, chegando a “torcer o nariz” e não dar
atenção ao que falava, chegando ao ponto de fechar a porta ao ver a menina dos
livros se aproximando. Desta forma, havendo maior aceitação por parte de alguns
sujeitos e de outros não.
Com relação ao contato com o livro, era como se os adolescentes
tivessem medo do livro, medo de chegar perto, abrir, tocar, medo de encará-lo.
Mostravam avessos ao contato com a leitura por receio de não compreender o
assunto do livro e se sentirem inferiores ou mesmo julgados pela agente de leitura,
entre outras inúmeras razões.
Não me espantou tamanha repulsão, até já esperava que fosse desta
forma, devido às suas experiências escolares, familiares e pessoais. O que saltou
meus olhos inesperadamente foi a maneira com que aos poucos eles se
aproximavam do livro e como depositam criatividade durante a exposição de suas
imaginações, estas aparentemente aprisionadas pela dificuldade em ler, interpretar e
se expressar em público. Esses foram alguns pontos que desvendei ao longo do
tempo.
Muitos deles não queriam realizar empréstimo de livros, muito menos
ouvir “contar historinha de criança”, era assim que a maioria compreendia a
contação de história. Quando em grupo, tinham vergonha um do outro. Quando a
sós, tinham vergonha de mim. Interrogava sobre o empréstimo, então. já que seria
só eles e o livro, respondiam de forma semelhante porque não gostavam de ler.
Enquanto agente de leitura fui um pouco mais além, perguntava sobre a
relação deles com a biblioteca, alguns responderam que até tinha biblioteca nas
escolas, mas que era difícil o acesso e que a maioria dos livros que eles procuravam
nunca tinha, outros já não sabiam responder que se existia biblioteca em seu bairro
Um deles chegou a mencionar que sentia muita falta de uma biblioteca com boas
condições, pois sabia que tinha uma no bairro, mas relatou a precarização desta.
31
A meu ver, fica então cada vez mais difícil fazer com que estes
adolescentes, já penalizados em sala de aula com a precarização da educação,
consigam seguir com autonomia em busca de um contato direto com o livro, com
direito a inúmeras vezes que quiserem viajar, ter o acesso às informações mais
variadas, a se emocionar, se for o caso, entre tantas outras contribuições que o livro
pode oferecer.
Após descrever brevemente as minhas primeiras impressões sobre o
contato dos adolescentes com o Projeto e o livro, descrevo aqui também as minhas
primeiras impressões acerca do meu objeto de estudo: o Projeto “Agentes de
Leitura” e, nele, meu público-alvo, os adolescentes participantes. Quando decidi
realizar esta pesquisa, parti de uma problematização escancarada no meu cotidiano
enquanto agente de leitura, que me fazia refletir diariamente se isso afetava
diretamente as famílias que acompanhava, em particular, os adolescentes. Minha
preocupação a priori era desvendar se o Projeto estava sendo devidamente
executado, que a meu ver não estava, e se os adolescentes também percebiam
desta forma. Neste caso, também acreditava que sim.
A falta de equipamento de trabalho, como o fardamento, que no princípio
foi inexistente e dificultou bastante nossa inserção no campo, a falta da mochila que
danificou vários colecionadores entre outros equipamentos particulares quando
levado o material, falta de bicicleta para se deslocar de um lugar ao outro e assim
conseguir chegar no horário marcado, sem atrasos devido à distância e por
andarmos a pé, falta de tinta, lápis de cor, papel, fantoches, entre outros materiais
que serviriam como base para dinâmicas criativas e atrativas para as famílias. Outro
fato é o quantitativo de famílias que devemos acompanhar, considerando o número
alto, impossibilitando uma maior frequência domiciliar, afetando, assim, diretamente
a qualidade destes encontros devido à hora reduzida. E, por fim, nosso maior e
principal problema, a ausência do nosso equipamento fundamental para
desenvolvermos nosso objetivo geral que é o acesso ao livro e incentivo à leitura, o
próprio livro, que por muitas vezes nos fora solicitados, principalmente pelos
adolescentes que justificavam não pegar os livros com frequência por não ter
assuntos que os interessavam. Portanto, entre todas essas questões já
mencionadas ao longo da pesquisa, e agora reiteradas, fui levada a refletir como
estes adolescentes avaliavam o Projeto.
32
A metodologia do presente trabalho está fundamentada no aporte teórico
dos seguintes autores: Maria Cecília de Souza Minayo (2010) e Pedro Demo (2011),
que não só trabalham o conceito de hermenêutica-dialética14, mas que darão
suporte às análises realizadas a partir dos “achados” desta pesquisa.
Com relação aos dados coletados, ressalto que foi realizada uma análise
minuciosa das entrevistas uma vez que, as transcrições ocorreram tal qual a fala dos
entrevistados, logo após foi realizado uma leitura exaustiva para facilitar a
compreensão dos relatos e colocá-los em ordem de acordo com os objetivos
específicos da pesquisa.
14 De acordo com Demo (op. cit.), a hermenêutica é algo tradicional em metodologia, compreendida
como a arte de interpretar textos e, sobretudo à comunicação humana, na qual parte da realidade composta por dimensões variadas, nuançadas e misteriosas. Minayo (op. cit.),) reforça dizendo a hermenêutica possibilita liberdade, necessidade, forma, consciência histórica, além de trabalhar os significados, símbolo, intencionalidade e empatia. A dialética se relaciona através das suas ideias de crítica, de negação, de movimento e de transformação da natureza e da realidade social.
33
“Oh! Bendito o que semeia Livros... livros à mão cheia...
E manda o povo pensar! O livro caindo n’alma
É germe – que faz a palma, É chuva – que faz o mar”.
(Castro Alves, “O livro e a América”, em Espumas Flutuantes).
2. A LEITURA E SEUS ASPECTOS SÓCIO-HISTÓRICO E CULTURAL
2.1. O processo sócio-histórico da leitura
Refletir sobre a leitura requer, antes de tudo, um passeio sobre a sua
própria história para compreender seu processo de evolução e como foi se
desenvolvendo e se firmando enquanto prática humana e construção da prática
social.
De acordo com Silva (2010), conforme as práticas humanas foram se
modificando, novas tecnologias de leitura foram surgindo devido às necessidades
primárias: registros contábeis, transações, expedições de documentos oficiais, entre
outros. Noutras palavras, a escrita e a leitura ocorrem diretamente ligada às práticas
comerciais. Pode-se perceber esta evolução na representação que a leitura
significava desde a Era Primitiva:
O homem primitivo lia os sinais deixados nas cavernas, os desenhos rupestres que podiam remontar fatos, ser indícios, avisos; lia mensagens deixadas em cascas de árvores, desenhadas em pedras etc. [...] Por volta do século VI antes de Cristo, porque não havia formas de se registrarem os acordos que eram realizados verbalmente, e isso se tornava, muitas vezes, um imperativo, foram se instituindo códigos e símbolos que marcavam os contratos. Por exemplo, para cada compra realizada dava-se um nó em uma corda ou para cada ovelha vendida separava-se uma pedra de cristal. (p.1).
Apesar de esta prática preponderar durante o império babilônico, de
acordo com a supracitada autora, segundo registros mais antigos “foram os
sumérios 15 que tiveram a esplêndida ideia de associar som ao referente e dar ao
som um símbolo gráfico.” (SILVA, op. cit., p.1) Os textos eram apresentados em
forma de instruções e destinados aos escribas, para que repassassem a mensagem
para seu real destinatário ou realizassem alguma atividade. Entretanto, a relação
15
“A Suméria (na Bíblia, Sinar; egípcio Sangar; ki-en-gir na língua nativa), geralmente considerada a civilização mais antiga da humanidade, localizava-se na parte sul da Mesopotâmia [...] Evidências arqueológicas datam o início da civilização suméria em meados do quarto milénio a.C. Entre 3500 e 3000 a.C. [...] A origem e a história antiga dos sumérios ainda são pouco conhecidas.” Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Sum%C3%A9ria>. Acesso em 5 de set. de
2013.
34
destes registros não pode ser analisada de forma sistemática e histórica, pois,
segundo a autora, acontece de forma lógica a evolução para o foneticismo.
A leitura deixava de ser uma transferência um a um (objeto para palavra) para se tornar uma sequência lógica de sons que recriasse uma linguagem natural humana. Em vez de lerem imagens, lia-se, desse modo, a linguagem. (SILVA, 2010 apud FISCHER, 2006, p.15).
Ainda de acordo com a mesma autora, foi somente com os gregos, por
volta do século IV A.C., quando o sistema da escrita já estava consolidado, que esta
perdeu sua característica de registrar informações e passou a ser forma de validar
conhecimentos, valores e registrar textos reflexivos de ordem filosófica.
Vale ressaltar que a ascensão da palavra escrita foi garantida quando o
papiro16 se estabeleceu como meio de reprodução textual. Também foram os gregos
os primeiros a registrarem suas reflexões filosóficas. Quando se trata do ato de ler
na antiguidade, pensa-se logo em declamar, falar em voz alta, isso porque a leitura
esteve durante a antiguidade clássica atrelada à oratória, à retórica persuasiva e foi
na Idade Média que repercutiu como atividade individual e silenciosa, mas foi
através de São Benedito e Santo Agostinho que esta prática foi realmente
consolidada. (SILVA, op. cit.).
Entretanto, havia também quem fosse contra a disseminação da grafia,
pois tinham medo das infinitas interpretações que esses textos acarretariam devido
à ambiguidade em suas produções, justificando que o texto oral poderia se
distanciar da verdade pretendida pelo enunciador.
Neste sentido, Platão afirmava que:
[...] esta poderia comprometer a capacidade mental, porque as pessoas deixariam de acumular o conhecimento na memória, o que acarretaria o esquecimento daquilo que seria registrado e ter-se-ia o risco de não ocorrer o resgate pela leitura [...] Contudo, apesar do repúdio à escrita, os gregos – Sócrates, Platão e Aristóteles - foram os que mais influenciaram todas as sociedades modernas com seus estudos acerca da arte literária e da filosofia, o que acabou repercutindo na prática escolástica. (apud SILVA, 2010, p.4-5).
No período medieval europeu, mais conhecido como “idade das trevas",
assim chamado pelos iluministas, surgiram grandes dificuldades no que diz respeito
16
“O papiro é uma planta aquática do Rio Nilo, sendo uma espécie de junco. Os antigos egípcios
usavam seu talo para fabricar uma espécie de papel (a palavra papel é originada da palavra papiro), no qual se escreviam com uma pena de junco. [...] Na antiguidade outros povos utilizaram tábuas de argila para fazer seus registros, porém o papiro tornou-se mais conveniente para a escrita, fazendo com que os egípcios deixassem uma quantidade maior de escritos.” Disponível em: <http://www.egipto.com.br/papiro/>. Acesso em: 5 set. 2013.
35
à produção de conhecimento. Mesmo assim, foi considerado importante para a
construção do pensamento renascentista.
Com relação ao processo de aquisição da leitura e da escrita na América,
Silva (op. cit.) afirma que a cultura dos ameríndios foi totalmente devastada,
principalmente, naquilo que se refere à língua. Eles também registravam sua cultura
em paredes, árvores, cascas de árvores, couro, mas a maioria dessa documentação
foi perdida durante o processo de colonização, processo que não se diferençou
muito da forma como aconteceu nas culturas ocidentais e europeias. Além disso,
seu pensamento influenciou diretamente no pensamento do novo mundo, inclusive,
proporcionando aos colonizados o status de cultura menor, especialmente na
literatura. A autora ressalta também que:
[...] O conhecimento e a prática dessas ações estiveram sempre ligados às ações sociais de uma estreita nata social. Ler e escrever, durante anos e anos, foram práticas restritas a escritores-poetas, a dramaturgos, a clérigos, quando muito a juristas e legisladores sociais. Na era moderna, depois das grandes revoluções, mudanças nesse cenário aconteceram, principalmente aquelas decorrentes do advento da imprensa. (p.6-7).
De acordo com Silva (op. cit.), por volta dos séculos XVI e XIX foi
percebido o poder da palavra e seu uso restrito aos escritos romancistas, poetas,
dramaturgos, contista etc. Já no século XX percebe-se a apropriação do discurso
deles por parte de outras pessoas além das envolvidas com a literatura, iniciava-se o
interesse por questões políticas. Desta forma “[...] pensar o humano revela-se
paradoxal. Isso acontece porque não se reconhece no homem uma atitude altruísta.
O sentimento humano revela-se cada vez mais interessado na produção tecnológica
que o circunda.” (p.7), declara a autora.
A leitura na perspectiva do século XX é colocada em xeque, pois é nesse
período pós-moderno que o homem vive sob as diretrizes do capitalismo, da
“tecnologização” científica e da globalização. Segundo Roland Barthes (BARTHES,
2007 apud SILVA, 2010) a literatura é uma maneira de sobreviver dos conflitos
humanos, é uma prática social indispensável para a vida do homem moderno
realizando-se em um processo contínuo.
Para Chartier (2010), as mutações que ocorrem no presente transformam,
ao mesmo tempo, os suportes da escrita, a técnica de sua reprodução e
disseminação, assim como os modos de ler. Diante disso, o autor afirma que tal
simultaneidade é inédita na história da humanidade.
36
Nos primeiros séculos da era cristã, a forma nova do livro, a do codex, se impôs em detrimento do rolo, porém não foi acompanhada por uma transformação da técnica de reprodução dos textos, sempre assegurada pela cópia manuscrita. E se é verdade que a leitura conheceu várias revoluções, reconhecidas ou discutidas pelos historiadores, essas ocorreram na longa duração do codex: assim as conquistas medievais da leitura silenciosa e visual, o furor de ler que tomou conta do século das Luzes, ou então, a partir do século XIX, o ingresso maciço na leitura de recém-chegados: os meios populares, as mulheres e, dentro ou fora da escola, as crianças. (p. 8-9).
De acordo com as exigências novas dos processos judiciais, a gestão dos
corpos e das comunidades ou a administração da prova multiplicaram assim os usos
e as obrigações de escrita, pois foi a partir do século XV, e provavelmente antes,
que a utilização do escrito cumpriu sua função essencial em várias evoluções
maiores das sociedades ocidentais. Assim, detalha Chartier:
A primeira foi a construção do Estado de justiça e de finanças, o qual supôs a criação de burocracias, a constituição de arquivos, a comunicação administrativa e diplomática. É verdade que os poderes desconfiaram do escrito e, de diversos modos, esforçaram-se por censurá-lo e controlá-lo. Mas é verdade também que se apoiaram cada vez mais para o governo dos territórios e dos povos, na correspondência pública, no registro escrito, na ostentação epigráfica e na propaganda imprensa. (Idem, Ibidem, p.15).
Conforme o referido autor (op. cit), “o vínculo estabelecido entre
experiência religiosa e usos do escrito constitui outro fenômeno essencial.” Neste
período muitos testemunhos de fé foram escritos e reproduzidos em forma de
autobiografias espirituais e exames de consciência, visões e profecias, viagens
místicas e relatos de peregrinação, orações e conjurações, levando as autoridades
eclesiásticas a se preocuparem e pensar numa possibilidade que pudesse conter
tamanha propagação ou até mesmo extinguir.
Enfim, no decorrer do século XVIII, foram as correspondências, as leituras e as conversações letradas que fundaram a emergência de uma esfera pública, num primeiro tempo estética, depois política, quando foram colocadas em discussão e submetidas a exame todas as autoridades – a
dos doctos, a dos clérigos, a dos príncipes. (p.15).
De acordo com Peres (2008), duas tradições norteiam os estudos da
leitura no Brasil; A primeira revela seu caráter prescritivo desenvolvido sob a
influência dos modelos funcionalista e positivista, resumindo o ato de ler a um
conjunto de normas e procedimentos que eram quantificáveis e controláveis para
que a mensagem do texto fosse assimilada de forma mais eficientemente.
Considerando a leitura naquele período como:
37
[…] um mecanismo de decodificação da palavra escrita. A prática de leitura operacionalizada, especialmente pela escola, efetivava-se em atividades repetitivas onde o aluno tinha o papel de assimilar o texto e, ainda, reproduzir a resposta literal previamente estabelecida como correta pelo professor e/ou livro didático. (p.2).
No final da década de 1970, estudiosos diagnosticaram e denunciaram
uma crise da leitura, período conhecido como a segunda tradição que surgia em
contrapartida a tradição prescritiva, na qual denunciavam:
[...] o fracasso na produção de hábitos de leitura; a falta de tempo e de condições econômicas de alguns segmentos da sociedade para a prática da leitura e a escola que apresentava um modo funcional e positivista de ensinar a ler. Além, é claro, da falta de livros e mesmo de bibliotecas dentre tantos outros problemas que acometiam a escola e a sociedade de forma geral. (PERES, 2008, p.2).
Peres (op. cit.) revela que a partir dessas denúncias, no período dos anos
1980, ocorreu uma série de debates e reflexões que objetivavam a democratização
da leitura no Brasil e, neste mesmo contexto, o Congresso de Leitura (COLE)
ganhou notoriedade, surgindo a Revista Leitura: teoria e prática, além da criação da
Associação de Leitura do Brasil (ALB). Vale ressaltar que, nesta segunda tradição, a
leitura passa a ser tomada como um instrumento de conhecimento e crítica. Neste
cenário, revela-se a estreita ligação entre texto e história, na qual se notam
elementos constituintes da sociedade brasileira que:
[...] vivenciava um processo de redemocratização requeria-se um leitor que tivesse uma postura crítica diante do texto, assim como a sociedade também deveria ser percebida de maneira crítica. O ato de ler ultrapassa, portanto, o ato de decodificar o texto, dada a necessidade de relacioná-lo a sujeitos, tempo, espaços e situações. (Idem, Ibidem, p.2-3).
Segundo a autora (op. cit.), mesmo que apresentado de forma breve o
cenário da leitura no Brasil, é percebido que a leitura vem ganhando força a partir de
diferentes grupos de pesquisadores que compreendem que “os estudos não estão
atrelados a uma única perspectiva, mas que expressam de certa forma, perspectivas
heterogêneas de análise.” (p.3).
Diante da análise do processo sócio-histórico que a leitura vem se
submetendo no decorrer deste capítulo, faz-se necessário destacar sua relação com
as práticas culturais, apesar de já terem sido brevemente mencionadas, isto porque
estas práticas não estão dissociadas do processo de construção, solidificação e
propagação da leitura.
38
2.2. O significado da leitura literária
Por séculos o conceito de literatura esteve atrelado apenas a concepções
estéticas e morais, em detrimento das dimensões históricas e sociais. Entretanto,
vários autores se propuseram a não só conceituá-lo, mas também a relacioná-lo
com os dias atuais. Zafalon (2010), em seu artigo17, reúne um conjunto de trechos
de várias obras que abordam esta temática. A autora afirma que o texto literário não
se propõe a mostrar apenas os fatos, mas a complexidade de pensamentos que
rodeiam e permeiam esses fatos, diferenciando, assim, o homem de cada época e
de cada lugar envolvido em seus processos histórico-sociais.
Diante do exposto, foram reunidas algumas falas dos autores utilizadas
em seu trabalho a respeito da compreensão da leitura literária:
Silva e Zilberman (1990) explicam que, em seus primórdios, a literatura resumia-se à poesia e tinha como objetivo principal a diversão da nobreza. Com o passar do tempo, a chamada literatura passou a ter uma definição voltada à ação educativa. O que importa ressaltar é que o texto literário nunca deixou de ter parte na formação intelectual humana. (p.1-2). Eagleton (1997) expõe que a literatura fala de si mesma, que não deve ser confundida com escrita bonita e que tem valor transitivo, pois, depende dos objetivos, das experiências e das situações vividas pelos leitores, dos modos de produção em dado momento histórico. A cada nova leitura (reescritura) da obra literária por variados leitores, em tempos diferentes, novas ideologias sociais são impostas, novos sentidos e juízos de valor são atribuídos e a literatura caminha sempre rodeada por novos e velhos conceitos e definições. (p.2). Colomer (2001) frisa que o ensino de literatura na contemporaneidade deve primar por suas atividades básicas: promover a leitura e ensinar a ler. A partir de sua bagagem cultural individual, o leitor pode ampliar seu horizonte de expectativas por intermédio do contato com a obra literária, pois é capaz de encontrar nela emoções e reflexões semelhantes àquelas que já possui em seu recôndito mundo psicológico. (p.3). Candido (1989), a literatura está intrinsecamente ligada à humanização pois desperta as emoções, as reflexões e o saber, características que distinguem o ser humano e o fazem enriquecer sua visão de mundo. Mas o que se vê, é que, muitas vezes, ao invés de humanizar, a literatura serve à manutenção do poder e à alienação dos indivíduos. (p.6).
As mais variadas definições levam a compreender a educação literária
como uma formação individual, no entanto, mantendo o elo com a sua cultura, que
faz parte de um processo de formação constante, considerado nunca acabado. A
autora acredita que assumindo sua função de coautor, o leitor passa a ler realmente
17
“Concepções de Literatura, Leitura e Leitor”: artigo apresentado no 4º Colóquio de Estudos Linguísticos e Literários na Universidade Estadual de Maringá – UEM. Maringá-PR, 9, 10 e 11 de junho de 2010 – ANAIS - ISSN 2177-6350. Disponível em: <http://www.letramento.iel.unicamp.br/portal/?p=1431>. Acesso em: 2 set. 2013.
39
a obra literária, atribuindo sentido aos textos, colocando-se em posição crítica em
relação aos manuais e à História Literária.
A literatura permanece como uma grande reserva de cultura, sendo
compreendida por Antonio e Filho (2000) como ideal de formação humana, este
ideal que, por sua vez, continua a provocar certo orgulho em nossa espécie.
Fazendo um paralelo com a educação, os autores revelam que:
[...] A literatura nos faz ingressar nesse universo de autores e atores, no discurso de um drama que também é o nosso e que procuramos expressar com paixão e razão, com beleza e com poder do canto para denunciar nossa presença e nos ligar à história (para isso existe a educação). (p.14).
Entretanto, a literatura ainda luta pela autonomia do seu mundo marcado
pela liberdade da palavra, ela que emerge das fronteiras visíveis e invisíveis do
mundo social, busca manter-se diante do material cultural posto a seu dispor. Para
Antonio e Filho (op. cit.), a literatura significa a expressão do desejo humano de
durar e romper, através de palavras esculpidas com cortinas asfixiantes de sua vida.
Como nos traz os autores:
[...] Vejo a literatura mais como uma instancia cultural que facilita a configuração, por parte do usuário de variados tipos de reação, desde a alienação escandalosa ao engajamento radical, do refinamento intelectual ao dogmatismo paralisante das catequeses políticas – em síntese: ao mergulho na loucura ou ao repouso da sabedoria [...]. (p.34).
Cosson (2007) acredita que “o corpo linguagem, o corpo palavra, o corpo
escrita encontra na literatura seu mais perfeito exercício.” (p.16). É como se o nosso
corpo funcionasse através de uma linguagem especial, por exemplo: a arbitrariedade
das regras impostas pelos discursos padronizados da sociedade letrada fosse
apresentada através de uma linguagem particular de quem a escreve, incluindo seus
mais variados modos de linguagem em toda a vida. Assim, expõe que:
A literatura não apenas tem a palavra em sua constituição material, mas também a escrita é seu vínculo dominante. [...] é no exercício da leitura e da escrita dos textos literários que se desvela a arbitrariedade das regras impostas pelos discursos padronizados da sociedade letrada e se constrói um modo próprio de se fazer dono da linguagem que, sendo minha, é de todos. (p.16).
Fazem parte dos processos formativos tanto da linguagem quanto do
leitor e do escritor a ficção feita da palavra na narrativa e a palavra feita matéria na
poesia. Cosson (op. cit.) critica a limitação que os alunos do ensino médio sofrem
em relação à literatura trabalhada em sala de aula:
40
No ensino médio, o ensino da literatura limita-se à literatura brasileira, ou melhor, à história da literatura brasileira [...] o conteúdo da disciplina Literatura passa a ser as canções populares, as crônicas, os filmes, os seriados de tv e outros produtos culturais, com a justificativa de que em um mundo onde a imagem e a voz se fazem presentes com muito mais intensidade do que a escrita, não há por que insistir na leitura de textos literários. (p.22).
Já para Alberto Manguel (1996), em Uma história da leitura (apud
COSSON, 2007), a leitura não está restrita às letras impressas em uma página de
papel, segundo ele:
Os astrólogos leem as estrelas para prever o futuro dos homens. O músico lê as partituras para executar a sonata. A mãe lê no rosto do bebê a dor ou o prazer. O médico lê a doença na descrição do sintoma do paciente. O agricultor lê o céu para prevenir-se da chuva. O amante lê nos olhos da amada a traição. (p.38).
Entretanto, Cosson (op. cit.) reforça que se deve compreender o
letramento literário como uma prática social e, como tal, responsabilidade da escola.
Para ele, o ato de ler implica: “[...] troca de sentidos não só entre o escritor e o leitor,
mas também com a sociedade onde ambos estão localizados, pois os sentidos são
resultados de compartilhamentos de visões do mundo entre os homens no tempo e
no espaço.” (p.27).
De acordo com o referido autor, o campo da leitura se expandiu tanto, que
hoje não temos apenas a história da leitura, mas também uma sociologia, uma
antropologia e uma psicologia da leitura, a linguística e os estudiosos da leitura, as
linguagem em geral, considerando praticamente impossível pretender conhecer
todas as suas ramificações e aprofundá-las.
Em uma conferência proferida por Roger Chartier (1999), 18 e João Adolfo
Hansen, debateu-se a relação entre Literatura e História. Diante de tantos pontos
discutidos em torno do tema, ressaltamos a ideia que o autor tem sobre a
importância do leitor construir a partir da leitura seu próprio modo de compreensão.
Para Hansen (1999), “é em sua memória que os livros ficam impressos,
eventos perdidos transformados em monumentos mentais.” (p.11) Ou seja, para ele,
o que ocorre é que no discurso da leitura sobre a literatura não existe somente a
historicização das categorias que são consideradas espontaneamente universais,
18
Conferência ocorrida em 5 de novembro de 1999, no Salão Nobre do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, sobre Literatura e História. Disponível em: <http://insustentaveleveza.blogspot.com.br/2012/07/re-envio-livros-de-historia-links_16.html>. Acesso em: 6 nov. 2013.
41
mas também a introdução de que há uma inquietação essencial no que se refere à
relação do leitor com o texto e, finalmente, à própria identidade deste leitor.
Segundo Chartier (1999), é necessário inventar um caminho que afaste a
ideia de que a história não seria mais que uma produção de ficção dentre outras, da
que pensa a dimensão crítica e de conhecimento através de uma ciência positiva
utilizando a adequação do discurso do real. Desta forma, ele esclarece:
[...] inventar um caminho que afaste, ao mesmo tempo, a ideia de que a história não seria mais que uma produção de ficção dentre outras (e não é porque a história utiliza as figuras e formas narrativas da ficção que não se define como um conhecimento, um saber, e daí a vinculação possível entre a história como um saber crítico em uma dimensão cívica), e, por outro lado, pensar que esta dimensão crítica e de conhecimento não se pode estabelecer segundo os modelos tradicionais de uma ciência positiva, que se pensava como a adequação do discurso ao real. (p. 212).
Portanto, é nesse espaço difícil, complicado, instável que Chartier propõe
mais reflexões, ressaltando o cuidado ao lidar com a infinidade, a multiplicidade das
práticas de cada um dos homens e mulheres do passado, referindo-se ao mundo de
experiências como “um mundo de opacidade”, no qual há crenças, representações,
emoções, e que, para nos aproximarmos, não deverá faltar prudência.
2.3. A leitura enquanto prática cultural
Para se compreender o indivíduo como parte da sociedade, faz-se
necessário compreender primeiramente suas inter-relações constituintes, dentre elas
seus aspectos culturais. Segundo Boas (2007),
[...] a rapidez sempre crescente no ritmo das mudanças, tal como nos ensinam a pesquisa sobre a pré-história e o conhecimento da história humana, exprime a crescente importância das reações subjetivamente condicionadas. (p. 56).
Assim, pode-se observar que certas atitudes são universalmente
humanas, mas que em cada sociedade singular assumem formas específicas. De
acordo com o autor, em certas sociedades a pressão social pode ser tão forte, que a
atitude geral parece suprimida. (2007).
O mesmo autor cita dois exemplos, os quais retratam que as sequências
históricas da cultura devem ser, antes de qualquer coisa, uma história analisada
separada em cada aspecto, conforme abaixo:
[...] É verdade que as culturas humanas e os tipos raciais são tão distribuídos, que toda área tem seu próprio tipo e sua própria cultura; mas isso não prova que um determine a forma da outra. Igualmente é verdade que toda área geográfica tem sua própria formação geológica e sua própria
42
flora e fauna, mas as camadas geológicas não determinam diretamente as espécies de plantas e animais que ali vivem. (p.60).
Para ele (op. cit.), a presença de condições geográficas favoráveis pode
influenciar no desenvolvimento de traços culturais existentes, afirmando que a
dinâmica da vida social só pode ser compreendida com base na reação do indivíduo
à cultura na qual vive e na sua influência sobre a sociedade.
De acordo com Chartier (1990), em A história cultural: entre práticas e
representações:
A história cultural, tal como entendemos, tem por principal objectivo identificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma determinada realidade social é construída, pensada, dada a ler. Uma tarefa desse tipo supõe vários caminhos. (p.16-17).
O autor se utiliza do pensamento de Fernando Rojas para expor a relação
entre o leitor e a leitura. Para este, a relação ocorre entre a prática criadora da
leitura, isto é, atividade produtora de sentidos singulares, de significações de modo
nenhum redutíveis às intenções dos autores de textos ou dos “fazedores” de livros.
Dentro desta realidade, o leitor é sempre pensado pelo autor, pelo comentador e
pelo editor. Portanto, abordar a leitura é considerar a irredutível liberdade dos
leitores e seus condicionamentos que pretendem refreá-la. (CHARTIER, op. cit.).
Ao tratar da história cultural, o autor revela que:
[...] A historia sociocultural aceitou durante muito tempo (pelo menos em Franca) uma definição redutora do social, confundido exclusivamente com a hierarquia das fortunas e das condições, esquecendo que outras diferenças, fundadas nas pertenças sexuais, territoriais ou religiosas eram também plenamente sociais e susceptíveis de explicar, tanto ou melhor do que a oposição entre dominantes e dominados, a pluralidade das praticas culturais. [...] (op. cit., p.135).
Durante os séculos XV a XIX, as práticas do impresso na sociedade
antiga fizeram uma boa entrada na cultura. Segundo Chartier (op. cit.), isso se deu
por duas razões: a primeira, por serem consideradas portadoras das palavras que
firmavam as sociabilidades e prescreviam os comportamentos, além de atravessar o
fórum privado e a praça pública, levavam a crer, a fazer ou imaginar; a segunda,
porque permitiam uma circulação da escrita numa escala inédita devido ao baixo
custo de fabrico do livro e consequentemente de impressão, divulgando vários
exemplares de uma mesma tiragem, além de encurtar os prazos de produção,
diferente dos tempos do livro manuscrito.
43
Aproximando-nos da realidade brasileira, o autor Coutinho (2011) afirma
só ser possível entender plenamente fenômenos artísticos e ideológicos a partir da
relação dialética com a totalidade social, analisando simultaneamente expressões e
momentos constitutivos. De acordo com ele:
Se examinarmos o Brasil da época colonial, uma sociedade pré-capitalista (ainda que articulada com o capitalismo através do mercado mundial), veremos facilmente a completa inexistência de uma sociedade civil. Não tínhamos parlamento, nem partidos políticos, nem um sistema de educação que fosse além das escolas de catequese; não tínhamos sequer o direito de imprimir livros ou publicar jornais. Em suma: a organização da cultura, se é que se pode falar de “organização” nesse caso, era tosca e primitiva. Os intelectuais, os poucos que havia, eram diretamente ligados à administração colonial, à sua burocracia, ou então à Igreja (que era na época um aparelho ideológico direto do Estado colonialista). Há indícios de novidade na época imediatamente anterior à Independência, mas não passam de indícios. (p.19).
Essas informações nos levam a compreender importantes consequências
para a situação intelectual brasileira, como a dificuldade para o intelectual encontrar
o meio próprio para seu florescimento independente, muitas vezes levando-os a
aceitar a sua cooptação pelas classes dominantes, ou seja, tornando-se funcionário
público do aparelho do Estado. Naquela época o intelectual era considerado um ser
do ócio, que desfrutava o status superior, servindo de disfarce para a solução
dependente do intelectual e acentuando o caráter alinhado da cultura dominante
daquela época. (COUTINHO, op. cit.).
O autor apresenta várias produções literárias que fizeram parte do
processo de construção da cultura nacional-popular, dentre elas, ressalta o
romance-nordestino, este que, por sua vez, realizou um grande protesto literário pós
década de 1930 contra o modo “prussiano”19 de modernizar o país. Para Coutinho
(op. cit), esta obra significa:
[…] um exemplo vivo de que então se tornara possível, e não mais apenas como exceção que confirma a regra, criar uma cultura não elitista, não intimista, ligada aos problemas do povo e da nação. Uma cultura, em suma, nacional-popular. (p.25).
Em contrapartida, o velho intelectual que gozava o prestígio de possuir
cultura, converte-se em trabalhador assalariado, passando a se organizar como
19
“A crítica romanesca da “via prussiana” não aparece apenas nos excelentes romances de
Graciliano Ramos. Basta pensar nos romances de José Lins Rego que tratam das devastações humanas provocadas pela capitalização do latifúndio, pela conversão, do velho engenho na moderna usina.” (2011, p.25). COUTINHO, Carlos Nelson. Os intelectuais e as organizações da cultura. In: Cultura e sociedade no Brasil.
44
qualquer outro grupo social para lutar por seus interesses específicos. Os efeitos
culturais desse processo foram assim descritos por Marx e Engels apud Coutinho:
Em lugar do antigo isolamento de regiões e nações que se bastavam a si próprios, desenvolvem-se um intercâmbio universal, uma universal interdependência das nações. E isso se refere tanto à produção material quanto à intelectual. As criações culturais de uma nação tornam-se propriedade comum de todas. A estreiteza e o exclusivismo nacionais tornam-se cada vez mais impossíveis; das inúmeras literaturas nacionais e locais, nasce uma literatura universal. (MARX E ENGELS, (s/d) apud COUTINHO, 2010, p.37).
Desta forma, compreendemos que determinações postas e repostas por
um movimento cultural efetivamente existente ao longo do tempo ocupou uma
posição tendencialmente hegemônica ao longo da história da vida cultural brasileira.
Vale dizer também que este processo atingiu mais duramente os grandes meios de
comunicação de massa, como a televisão, a grande imprensa, a produção de
discos, o cinema etc., fazendo-se igualmente a monopolização sobre a indústria
editorial e a produção teatral. (COUTINHO, 2007).
Coutinho (op. cit.) acredita que lutando pela democratização da cultura os
intelectuais combatem não só pela renovação democrática da vida nacional em
conjunto, mas também asseguram condições mais favoráveis à expansão e o
florescimento de sua própria práxis cultural.
Britto (2004), ao construir um artigo voltado para o Indicador Nacional de
Alfabetismo Funcional (INAF, 2001), expõe a relação entre educação e participação
a partir da cultura escrita de diferentes segmentos sociais. De acordo com sua
pesquisa, a percepção que tem é que:
[...] o atual modo de produção econômico e de organização político-social do capitalismo implica processos educativos e formas de conhecimento que, por um lado, são, em sua origem, desigualmente distribuídos e, por outro, atuam como reprodutores da própria desigualdade. [...] Admitia-se que saber ler e escrever e ter o hábito da leitura seriam atributos fundamentais para a participação no tecido social. (p.47-48).
Para o autor, o sujeito leitor seria uma pessoa mais participativa,
socialmente mais responsável e solidária; e a literatura, a forma mais fundamental
da experiência da leitura. Compreende que a memória registrada, formas de
organizações mais estruturadas e controle sistemático fazem parte do aspecto mais
significativo no desenvolvimento das formas de escrita. Logo, para o mesmo autor,
A diferença fundamental entre o escrito e o oral não se encontra na reorganização do fluxo sintático, mas na possibilidade de novas dimensões
45
cognitivas, entre as quais está a formalização do pensamento. Tal processo permitiu, entre outras coisas, a emergência da matemática formal e de ciências positivas e estabeleceu uma cultura escrita, que supõe produtos culturais e formas de participação social que implicam muito mais que o simples conhecimento de normas de uso do código escrito. (2004, p.50).
Compreende-se que quanto maior a participação do sujeito na cultura
escrita, maiores serão, entre outras coisas, a frequência de utilização de textos, de
realização de leitura autônoma, de interação com discursos menos contextualizados
e mais auto-referidos, além de possibilitar a convivência com domínios de raciocínio
abstrato e produção de textos para registro, comunicação ou planejamento. O autor
reforça ainda que “[...] participar da sociedade escrita [...] implica conhecer e poder
utilizar os objetos e discursos da cultura escrita [...] implica deter a informação, saber
manipulá-la e inseri-la em universos referenciais específicos. (p.51)”.
Portanto, de acordo com o autor, a educação e a aprendizagem são
consideradas a partir da desigualdade, das diferenças e das disputas no interior da
própria sociedade, devendo considerar o sujeito enquanto função de suas relações
histórico-sociais.
46
“Aceitar que numa sociedade podemos ter gente que nunca vai ter a menor oportunidade de acesso a uma leitura literária é uma forma perversa de
compactuar com a exclusão. Não combina com quem pretende ser democrático.”
(Ana Maria Machado)
3. POLÍTICAS PÚBLICAS DE INCENTIVO À LEITURA
3.1. Leis, programas e projetos
Muitas pesquisas apontam para a grande quantidade de brasileiros que
não têm direito de aprender a ler e nem ao acesso à leitura de livros e materiais
impressos ou virtuais. Diante disso, de acordo com Peres (op. cit.) fazem-se
necessárias políticas públicas de incentivo a práticas de leitura efetivas e de
qualidade. Entretanto, para se trabalhar esta temática, pressupõe-se um conceito
para políticas públicas. A autora encontrou em Souza (2006) uma concepção que
mais se aproxima do que foi analisado e reconhece que, por mais que se busque,
não existe uma única e melhor definição sobre o conceito de política pública.
Mead (1995) a define como um campo dentro do estudo da política que analisa o governo à luz de grandes questões públicas e Lynn (1980), como um conjunto de ações do governo que irão produzir efeitos específicos. Peters (1986) segue o mesmo veio: política pública é a soma das atividades dos governos, que agem diretamente ou através de delegação, e que influenciam a vida dos cidadãos. Dye (1984) sintetiza a definição de política pública como “o que o governo escolhe fazer ou não fazer”. A definição mais conhecida continua sendo a de Laswell, ou seja, decisões e análises sobre política implicam responder às seguintes questões: quem ganha o quê, por quê e que diferença faz. (SOUZA, 2006, p. 24 apud PERES, 2008, p.3-4).
De acordo com Souza (apud PERES, op. cit.), as definições de políticas
públicas podem ser abordadas de diversas formas, mas sempre estarão
entrelaçadas à análise dos governos que repercutem na economia e nas
sociedades, tornando-se importante analisar e explicar as inter-relações entre
Estado, política, economia e sociedade. Entretanto, analisar as políticas de incentivo
à leitura a partir da década de 1990 implica “relacionar as ações dos governos de
Fernando Collor de Melo (1990-1992), Itamar Franco (1992-1995), Fernando
Henrique Cardoso (1995-2002) e Luís Inácio Lula da Silva (2003-atual).” (p.4,
2008)20.
Peres (op. cit.) realizou um levantamento de algumas pesquisas que
lidam com o desempenho da leitura, da escrita e da interpretação de textos, como: o
20
Aprofundar a análise nestas inter-relações seria um acréscimo grandioso para este trabalho, contudo, aqui nos interessa expor as ações propostas pelo Estado para o incentivo à leitura a partir dos anos 1990.
47
exame do Programa de Avaliação Internacional de Estudantes (PISA/2006),
apresentado pela Organização para a Cooperação de Desenvolvimento Econômico
(OCDE), Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB) de 2003,
ligado ao Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep/MEC), que
confirmaram que a sociedade brasileira ainda sofre com as consequências de
históricos processos (e também atuais) de exclusão de várias pessoas da educação
básica, através de um cenário em que crianças, jovens e adultos, leem pouco e/ou
mal, além da falta de espaços para leitura e falta de livros para os alunos.
A partir desses elementos, foram tomadas algumas iniciativas nas últimas
décadas, que resultam em políticas de incentivo à leitura e ao livro. Dentre as
iniciativas tomadas pelo governo observa-se, por exemplo, o Plano Nacional do Livro
e Leitura (PNLL), instituído pela portaria interministerial n.º 1.442 de 10 de agosto de
2006, do Ministério da Educação e da Cultura, o Plano que visa a formação de
leitores e o incentivo à leitura, sendo divido nos seguintes eixos estruturais:
[...] a democratização do acesso; o fomento à leitura e à formação de mediadores; a valorização do livro e comunicação; desenvolvimento da economia do livro. Nesse sentido, algumas iniciativas contribuíram para a constituição do PNLL, tais como: o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD); o PNBE (Programa Nacional da Biblioteca Escolar); o fórum da Câmara Setorial do Livro, Literatura e Leitura; o Projeto Fome de Livro (iniciativa do MEC/ Biblioteca Nacional); o PNLEM (Programa Nacional do Livro no Ensino Médio); o Programa de Formação do Aluno e do Professor Leitor e o Vivaleitura; o Programa Nacional de Incentivo à Leitura (PROLER). (2008, p.5-6).
Peres, aborda algumas políticas de incentivo à leitura, formação do leitor
e do livro no sentido de apresentar o que foi implementado nos últimos anos pelos
órgãos oficiais brasileiros, e como e por que o governo vem realizando ou não ações
que poderão refletir na sociedade em relação à temática leitura. A referida autora
selecionou alguns programas, projetos e campanhas veiculadas nas últimas
décadas como os programas:
PROLER: foi lançado em 13 de maio de 1992, através do Decreto Presidencial n. 519, vinculado à Fundação Biblioteca Nacional, com o propósito de incentivar o interesse nacional pela leitura e escrita. Dentre os objetivos do PROLER destacam-se ainda: promover políticas públicas que garantam o acesso ao livro e à leitura, contribuindo para a formulação de uma Política Nacional de Leitura; Articular ações de incentivo à Leitura entre diversos setores da sociedade; Viabilizar a realização de pesquisas sobre livro, leitura e escrita; Incrementar o Centro de Referência sobre leitura. (PROLER - Fundação Biblioteca Nacional); PRÓ-LEITURA: em 1992 foi criado o PRÓ-LEITURA que tem o objetivo de contribuir para a formação continuada de professores, sendo uma de suas principais ações a formação de mediadores de leitura no intuito de auxiliar
48
no desenvolvimento das competências dos alunos em relação à língua padrão; PNBE: Em 1997, o Ministério da Educação e Desporto (MEC), via Portaria Ministerial nº 584 de 28 de abril de 1997, instituiu o Programa Nacional da Escola – PNBE. O art. 1º. da Portaria dispõe sobre as características do PNBE, sendo: aquisição de obras de diferentes áreas de conhecimento; produção e difusão de materiais para apoiar projetos de capacitação e atualização de professores de ensino fundamental; produção e difusão de materiais áudios-visuais de caráter educativo e científico; Campanha: “Quem lê viaja”, foi veiculada em 1997 tendo como públicos alvos adolescentes e jovens entre 12 e 18 anos. O objetivo era promover e (re)despertar o gosto pela leitura. Esta campanha contou com apoio de entidades públicas e privadas ligadas ao livro e leitura. A ideia era mostrar o livro e a leitura como possibilidade de ampliar os horizontes e a imaginação dos leitores; “Tempo de Leitura”: a campanha Tempo de Leitura, a partir do slogan “Vamos fazer do Brasil um país de leitores”, foi lançada pelo governo federal em 2001. O objetivo da campanha foi de incentivar os pais e responsáveis à prática da leitura compartilhada com as crianças. Via incentivos fiscais estimulou o patrocínio da iniciativa privada para desenvolver projetos dessa natureza. A campanha contou ainda com a participação de escritores, artistas, professores, bibliotecários, alunos no desenvolvimento de oficinas de leitura; Campanha: “Viva Leitura”, Em 2005 foi lançada [...] envolveu 21 países da Europa e Américas. O objetivo dos países participantes era a comemoração do Ano Ibero-Americano da Leitura – 2005, no intuito de estimular e fomentar a prática da leitura.
De acordo com a autora, há de se pontuar que o avanço geral em relação
à leitura não se deve apenas a implantação de políticas públicas, mas também ao
empenho de todos os agentes envolvidos, bem como: autores, professores,
ilustradores, livrarias, editoras, escolas, bibliotecas, pesquisadores e gestores.
Mesmo com a construção destas, é sabido que ainda há milhões de pessoas
iletradas e que para garantir e efetivar a democratização da leitura é necessário
tomá-las como prática social.
Rosa e Oddone (2006) realizam um breve resgate histórico sobre as
políticas públicas nacionais para o livro, leitura e biblioteca, além de discutir a atual
situação e analisar suas perspectivas, também descrevem programas
governamentais mais recentes. De acordo com as autoras,
Ainda que a Constituição Federal, no seu Título I – Dos Princípios Fundamentais, disponha como objetivos fundamentais uma sociedade livre, justa, solidária, com a redução das desigualdades sociais e a erradicação da pobreza, e, no Capítulo II – Dos Direitos Sociais, assegure ao cidadão direitos sociais como educação, trabalho, lazer, saúde, segurança, moradia (BRASIL, 1988), o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Brasil traduz uma situação de desigualdade social e de não-cumprimento do que determina a Constituição. (p.183).
49
Isto é, apesar de conviver com outros meios eletrônicos de armazenamento e
acesso à informação, a condição socioeconômica continua sendo elemento
essencial para o aluno além de permanecer na escola e desempenhar de forma
satisfatória seu letramento. Não basta somente ter acesso, “é fundamental que ao
longo de sua formação escolar o indivíduo seja estimulado à prática da leitura.”
(ROSA; ODDONE, 2006, p.184). Pois, caso isso não ocorra, o livro não cumprirá sua
função:
[...] um livro existe sem leitor? Ele pode existir como objeto, mas sem leitor, o texto do qual ele é portador é apenas virtual. Será que o mundo do texto existe quando não há ninguém para dele se apossar, para inscrevê-lo na memória ou transformá-lo em experiência? (CHARTIER, 1998, p.154 apud ROSA; ODDONE, op. cit., p.184).
As autoras fazem uma observação quanto aos estudantes do Ensino Superior
que iniciam sua vida acadêmica sem habilidades leitoras amadurecidas e que, no
período do pré-vestibular, torna-se cada vez mais mecanizado o ensino com
conteúdos reducionistas, quase que exclusivamente para facilitar o acesso à
universidade, principalmente na esfera privada. Esta, considerada uma ótima
discussão para ser levantada, entretanto, não cabe neste momento a esta pesquisa.
Bem como a discussão quanto à indústria editorial e a comercialização do livro, pois
é sabido que o baixo poder aquisitivo da população é considerado um obstáculo
tanto à leitura como ao acesso aos bens culturais, fazendo com que o livro seja
compreendido como um artigo de luxo.
Barros (2005 apud ROSA; ODDONE, 2006) afirma que desde o início do
século XIX, período em que a indústria editorial se implantou no Brasil, já haviam
políticas públicas voltadas para o incentivo à leitura, porém, o que tem variado é o
seu caráter, que se movimenta entre o controle, a repressão, a distribuição gratuita e
o incentivo à leitura.
Rosa e Oddone (op. cit.) se utilizam do conceito de Goldin (2003) para
falar de políticas públicas, que, por sua vez, revela que:
Uma política pública reflete a vontade de diferentes setores da sociedade em avançar para uma determinada direção e representa uma articulação coerente de medidas para transformar uma situação. Sua eficácia se mede por sua sustentabilidade e sua coerência interna, que faz com que nos distintos setores envolvidos tenha repercussão positiva. Uma política pública permite garantir que os problemas não serão crônicos e idênticos aos que sempre existiram (GOLDIN, op. cit., p.163).
50
Segundo Rosa e Oddone (op. cit.), a partir do século XIX, a política
cultural adotada pelo país foi a protecionista que, por sua vez, perdurou durante todo
o Império e só foi alterada no período Republica Velha, “graças à expansão do
sistema educacional e à autonomia alcançada em algumas áreas da produção
artística.” (p.186, 2006).
Com a Revolução de 1930 e com o Estado Novo, o país passa por várias
transformações tanto no campo econômico como no político e no cultural. Foi neste
cenário, por iniciativa do ministro da Educação, Gustavo Capanema, no governo de
Getúlio Vargas que foi criado o Instituto Nacional do Livro (INL), por meio do
Decreto-lei nº 93, de 21 de dezembro de 1937, o qual tinha as seguintes
competências:
[...] organizar e publicar a Enciclopédia Brasileira e o Dicionário da Língua Nacional, editar obras de interesse para a cultura nacional, criar bibliotecas públicas e estimular o mercado editorial mediante promoção de medidas para aumentar, melhorar e baratear a edição de livros no país. (OLIVEIRA, 1994, p.43 apud ROSA; ODDONE, 2006, p.186).
O Instituto Nacional do Livro (INL) é reestruturado em 1973, passando de
“editor” para “promotor de publicações” com interesse não só na cultura nacional,
mas também educacional, científico e cultural. Mais adiante, em 5 de novembro de
1987, por meio da Lei nº 7.624, o Instituto Nacional do Livro (INL) e a Biblioteca
Nacional passaram a integrar a Fundação Nacional Pró-Leitura, que em 12 de abril
de 1990 foi extinta, pela Lei nº 8.029, sendo suas atribuições transferidas para a
Fundação Biblioteca Nacional (FBN). (ROSA; ODDONE, 2006).
Algumas políticas foram realizadas para a área cultural na década de
1980, logo após o período ditatorial, como por exemplo a Lei nº 7.505, de 20 de
junho de 1986, – Lei Sarney – criada pelo presidente José Sarney e substituída em
1991 pela Lei nº 8.313 – Lei Rouanet – elaborada pelo diplomata, ensaísta e
cientista político Sérgio Paulo Rouanet, secretário de Cultura da Presidência
(1991/1992), no Governo Fernando Collor. Esta lei era voltada para todo setor
cultural e instituiu o Programa Nacional de Apoio à Cultura (PRONAC), antes
denominado Fundo de Promoção Cultura. De acordo com Rosa e Oddone (op. cit.):
Nas suas disposições preliminares, a Lei Rouanet avança em relação às práticas intervencionistas do Estado na produção cultural e prevê a promoção da regionalização da produção cultural, o livre acesso às fontes de cultura, a valorização das manifestações culturais e de seus criadores, a preservação dos bens materiais e imateriais do patrimônio cultural e histórico brasileiro; o estímulo à produção e difusão de bens culturais de
51
valor universal formadores e informadores de conhecimento, cultura e memória e prioridade ao produto cultural nacional. (p.187).
Surgiram através de leis mais específicas outras políticas como a Lei do
Direito Autoral – Lei 9.610/98 – e a denominada Política Nacional do Livro – Lei
10.753/2003. Além de se manifestarem também por meio de programas
governamentais, como Próleitura, Programa Nacional de Incentivo à Leitura (Proler),
Fome do Livro e Vivaleitura, como programas mais específicos voltados para o livro
didático e a biblioteca escolar – Programa Nacional de Biblioteca Escolar (PNBE) e o
Programa Nacional de Livro Didático (PNLD) – estes últimos, anteriormente
mencionados por Peres (op. cit.). (ROSA; ODDONE, op. cit.).
Em outubro de 2003 foi sancionada uma lei que tratava de questões
pontuais relacionadas ao livro, desde a política nacional para a difusão e a leitura,
até a editoração, distribuição e comercialização. Era a Lei nº 10.753, conhecida
como “Lei do Livro”. No ano seguinte, foi criado o Programa Fome do Livro,
denominação bastante emblemática do populismo do governo, ligado à Fundação
Biblioteca Nacional (FBN) assumindo sua coordenação Galeno Amorim, ex-
secretário de cultura de Ribeirão Preto, primeiro município brasileiro a implantar uma
lei do livro, Lei nº 9.353, de 5 de outubro de 2001. Mais adiante, em 2005, foi
construída a Câmara Setorial do Livro e Leitura (CSLLL), composta por
representante dos Ministérios da Cultura e da Educação, diversas entidades do
segmento livreiro, dos escritores, dos bibliotecários, além de representantes das
cinco regiões do país, totalizando 26 membros. (ROSA; ODDONE, op. cit.).
Segundo as autoras acima mencionadas, além de leis mais específicas,
existem também programas mais específicos como: Programa Nacional de Livro
Didático (PNLD), Programa Nacional de Livro Didático para o Ensino Médio
(PNLEM) – e para as bibliotecas escolares – Programa Nacional de Biblioteca
Escolar (PNBE), todos voltados para aquisição do livro didático nas escolas
públicas. Estes programas se iniciaram a partir de 1938, com o Decreto-Lei nº 1.006,
que, sob a coordenação do MEC, instituiu a Comissão Nacional do Livro Didático
(CNLD). A finalidade dessa comissão era estabelecer condições para produção,
importação e utilização do livro didático.
Com relação aos programas relacionados às práticas leitoras, as autoras
mencionam os programas Pró-Leitura e Pró-Ler, criados no mesmo período, em
1992. O primeiro foi criado a partir da iniciativa da Secretaria de Educação Básica –
52
MEC em parceria com as secretarias de Educação dos estados, universidades e
Embaixada da França, tendo como objetivo gerar uma formação continuada,
oportunizando ao professor a discussão teórica e ampliação do repertório de
vivências de leitura e escrita, além de constituir estratégias de reflexão e de
intervenção nas práticas pedagógicas. Já o segundo foi institucionalizado por meio
do Decreto nº 519, de 13 de maio, sob a coordenação do teatrólogo Francisco
Gregório e a professora Eliana Yunes.
Em meados de 1996, a nova direção da Fundação Biblioteca Nacional, por meio da Comissão Nacional, promoveu a integração do Proler com o MEC e outras instituições com experiência de leitura, tais como Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ), Associação de Leitura do Brasil (ALB), Programa de Alfabetização e Leitura (Proale/UFF) e Ministério da Educação (MEC). (2006, p.191).
Diante disso, percebemos que já faz alguns anos que as discussões em
favor de políticas nacionais de leitura fazem parte do nosso contexto e que ao longo
das décadas, programas, projetos e leis foram construídos na tentativa de criar
condições favoráveis ao desenvolvimento da capacidade leitora, através de debates
em reuniões com todo o segmento da denominada cadeia produtiva do livro e com
toda a sociedade em geral.
As autoras afirmam que “a tecnologia faz parte do dia-a-dia de muitos
estudantes, mas está longe de ser utilizada para ampliar o conhecimento mediante o
acesso a portais confiáveis.” (ROSA; ODDONE, op. cit., p.192). Ou seja,
vivenciamos uma sociedade da informação, porém, o acesso a estas permanecem
menor, diante do leque de informações que são descobertas diariamente e da
veracidade que elas emitem.
De acordo com Serra (2004), o que não se pode mais permitir é que a
alfabetização de qualquer brasileiro esteja separada das condições necessárias para
a sua manutenção como: a garantia de acesso aos materiais escritos, por meio de
bibliotecas preparadas pra exercer a função social de alimentar leitores e escritores
da língua que expressa sua história, sua memória, sua cultura.
Serra (op. cit.) afirma que as políticas são caracterizadas pelas definições
e pelo planejamento de ações e metas voltadas para as diferentes áreas sociais,
científicas e econômicas que compreendem a administração pública. Seu
surgimento se dá através da organização e articulação da sociedade com o Poder
Público, expresso em interesses de diferentes públicos, mas, as políticas nunca são
53
consideradas neutras, pois, na prática, expressam, principalmente, as intenções e
ideias dos grupos que detém a hegemonia política e econômica. (2004).
Serra (op. cit.) acredita que as políticas públicas voltadas para a
educação e saúde são as mais perceptíveis de evolução, pois se dão através de
reivindicação e de negociações que fazem parte da realidade concreta imediata da
vida das pessoas, exigindo do poder público o conhecimento do que será feito, para
quem e como é o fator determinante para avançar no sucesso destas. Deste modo,
se faz necessária a avaliação e o monitoramento das ações a fim de apresentar
acertos e falhas para a avaliação da sociedade, além de observar constantemente e
considerar as necessidades e experiências da sociedade civil.
Assim como os demais autores aqui trabalhados, Serra (op. cit.) também
reconhece que falar em política de leitura significa um avanço, pois em outros
tempos não era possível diante da elite conservadora, que sempre esteve no poder
e ditava as políticas de educação e de cultura.
A preocupação em rever o conceito de alfabetização, considerado fator determinante para a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos, é bem recente. E isso representa uma importante conquista para o país, uma vez que possibilitará uma sociedade mais participativa, na qual os indivíduos terão condições, como leitores, de conhecer a história da humanidade, do seu povo e de si próprios, podendo se tornar agentes de transformação da realidade, Essa conquista poderá superar o quadro atual, em que a maioria está excluída não só dos bens matérias como também dos culturais. (p. 71).
Em suma, para Serra (op. cit.), tende a crescer cada vez mais a
necessidade de pesquisas sobre hábitos e práticas leitoras dentro do universo
social, pois demandam importância na sociedade brasileira, além de mostrar que
quanto maior é o nível econômico, quanto maior é o tempo de escolaridade, maior é
o nível de alfabetismo e, assim, vice-versa. Afirma que as políticas de educação
devem buscar, cada vez mais, integrar a cultura e vice-versa, bem como, fazer com
que a leitura perpasse todos os ministérios devendo ser uma política maior de todos
os governos Federal, Estadual e Municipal.
3.2. O Projeto “Agentes de Leitura” no bairro Conjunto Ceará
As informações a respeito do bairro Conjunto Ceará estão embasadas em
dois livros construídos pelo Projeto de Desenvolvimento Comunitário do Conjunto
Ceará (PRODECOM), que, por sua vez, foi criado em 1988 e desde então vem
mantendo arquivo de dados sobre o bairro, localizado na região sudoeste de
Fortaleza. O primeiro livro faz referência ao Conjunto Ceará como polo de
54
desenvolvimento, expressando segmentos da vida cultural do local. Já o segundo,
refere-se ao empreendedorismo do bairro que, com o passar dos anos, só tem
aumentado.
De acordo com Neto (1998), foi a partir da década de 1970, com mais
uma inclemente seca, com a grande quantidade de famílias que havia na cidade
grande e a crescente favelização, que o governo elaborou um projeto de construção
de casas populares nas proximidades do Rio Siqueira e da linha férrea Fortaleza-
Caucaia, objetivando a construção de um grande conjunto habitacional que servisse
para deslocar famílias carentes das áreas ditas ocupadas e minimizar o déficit
habitacional da capital. O autor afirma que:
O Projeto previa a construção de um conjunto habitacional, em etapas, ao longo da década de 70, com financiamento oriundo do extinto Banco Nacional de Habitação (BNH). [...] Desde o início, a Companhia de Habitação do Ceará (COHAB) determinou que uma equipe de assistentes sociais acompanhasse a adaptação dos moradores em sua nova comunidade, estimulando o processo de integração através da ativação dos centros sociais, unidades de vizinhanças e, em consequência, a organização social. (1998, p.9).
Foi no decorrer dos anos que a população procurou soluções emergentes
para problemas: lama em ruas e avenidas, falta de transporte, de estabelecimentos
comerciais e segurança; contudo, para muitos que ali moravam, o bairro
representava melhoria de vida e esperança no futuro. Observa Neto (op. cit.):
[...] Todos os problemas de certa forma, no calor da busca de suas soluções, ajudaram a solidificar um sentimento de comunidade que hoje se reflete profundamente no bairro. [...] Assim, o Conjunto Ceará foi formado pela luta diária de seus habitantes, que sentiam o conforto do abrigo e a certeza de morar em um lugar especial, dotado de uma magia própria, o de ser uma nova cidade dentro da metrópole. (p.8-10).
Segundo Neto (op. cit.), diante das dificuldades de infraestrutura do
bairro, a comunidade em ação conjunta, ou seja, mutirão, junto a lideranças
comunitárias, desde 1986, e ao Conselho Comunitário, começou a consolidar-se.
Com o passar dos anos, os moradores lançaram propostas, acompanharam de perto
as respostas que os governos21 davam e, aos poucos, o Conjunto Ceará estava
sendo reurbanizado, tornando-se também referência de lazer para toda a região
Sudeste da cidade de Fortaleza.
21
Transição entre o governo de Maria Luiza Menezes Fontenelle, de 1986 a 1989, pelo Partido dos Trabalhadores (PT) e Juraci Vieira Magalhães pelo Partido Liberal (PL), de 1990 a 1993 e novamente em 1997 a 2004.
55
A jovem geração dos nascidos no bairro cresceu testemunhando a busca do progresso para sua comunidade. Talvez nessa afirmativa, esteja a chave para a definição da juventude do Conjunto Ceará: alto estima, participação, ideal, amizade, marcam esses “conjuntenses” que, não obstante a crise estabelecida em nosso país, sabem que o sucesso começa com a consciência do que são e o que podem fazer para eles como, também, para a sua comunidade. (p.14).
A citação acima retrata, de acordo com Plínio (1998), as transformações
que o bairro passou ao longo dos anos, enfatizando a participação da comunidade
em meio à tomada de decisões, estas com o objetivo maior de melhoria de
qualidade de vida e com o objetivo de transformar indicadores pessimistas, além de
solidificar a área que até pouco tempo transitava entre apenas um conjunto
habitacional e a ascensão de um polo em desenvolvimento.
Em seu segundo livro, Neto (2008) realiza uma nova pesquisa sobre
características socioeconômicas da população, só que desta vez com foco no
empreendedorismo, buscando atualizar informações que servem de referência para
a implementação de ações empreendedoras desenvolvidas pela comunidade. Vale
ressaltar que:
O Conjunto Ceará é uma das mais conhecidas experiências de habitação popular do Estado do Ceará. Denominado “Projeto Ceará” trouxe o conceito de “Unidades de Vizinhança”, idealizadas por Clarence Arthur Perry
22 [...] as
cidades deveriam ser estruturadas em forma de pequenas unidades residenciais definidas em torno de uma escola fundamental, e com população suficiente para justificar a respectiva existência. (NETO, 2008, p.16).
Esta breve apresentação do bairro foi realizada com o intuito de situar o
leitor em um dos espaços onde é desenvolvido o Projeto “Agentes de Leitura” e para
auxiliar na compreensão da dinâmica do bairro.
Em Fortaleza, o Projeto contempla cinco das sete Secretarias Executivas
Regional (SER) que dividem a cidade. O critério de seleção do bairro escolhido de
cada Regional foi através de um levantamento que identifica os baixos Índices de
Desenvolvimento Municipal (IDM) e de Desenvolvimento Humano (IDH). As ações
estão espalhadas nas SER‟s 1 (Barra do Ceará e Pirambu), 2 (no Cais do Porto:
Serviluz e Titanzinho), 3 (Autran Nunes), 5 (Conjunto Ceará) e 6 (no Jangurussu:
Conjunto Habitacional Maria Tomásia).
22
Arquiteto americano que influenciou bastante a urbanização após a Segunda Guerra Mundial, no século XX. Fonte: PRODECOM.
56
Atualmente, cerca de 570 mil habitantes dos 18 bairros de Fortaleza
fazem parte da Secretaria Executiva Regional V 23. Esta, por sua vez, cobre o bairro
contemplado neste Projeto, que faz parte desta pesquisa, ou seja, o bairro Conjunto
Ceará, que, de acordo com a última pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatísticas (2010), 24 tem 42.894 no seu total de habitantes, sendo
dividido em Conjunto Ceará I (19.221) e Conjunto Ceará II (23.673).
Em se tratando de livro, leitura e literatura, apresentamos o mentor do
Projeto “Agentes de Leitura”, Santos (2011) 25, este que identifica o Ceará como
fonte de inspiração e trabalho para suas ações e que esboça com sensibilidade sua
compreensão da dimensão do projeto:
O projeto é uma ação de formação educacional e humana. Formação compreendida como uma viagem aberta, uma aventura, uma experiência de transformação e de encontros com o outro, com o mundo e consigo mesmo. [...] Nesses termos, os agentes de leitura são construtores de pontes, gerando encontros e comunicações entre as margens, facilitando o acesso aos bens e serviços culturais. (SANTOS, 2011, p.5).
O Projeto “Agentes de Leitura” foi criado em 2005, através da Secretaria
de Cultura do Estado do Ceará, financiado pelo Fundo Estadual de Combate à
Pobreza (FECOP), com atuação em municípios do interior cearense e em bairros da
cidade de Fortaleza com baixos Índices de Desenvolvimento Municipal (IDM) e de
Desenvolvimento Humano (IDH), em parceria com as Secretarias de Educação e de
Trabalho e Desenvolvimento Social do Estado, associações comunitárias,
organizações não governamentais, instituições da sociedade civil e com as
prefeituras municipais, por meio de suas secretarias de cultura e de educação. Teve
início com apenas 175 agentes de leitura em 15 municípios e 5 bairros de Fortaleza.
Já hoje são mais de 500 agentes atuando em 30 municípios e em 10 bairros da
23
Disponível em: <http://www.fortaleza.ce.gov.br/regionais/regional-V>. Acessado em: 7 set. 2013. 24
Disponível em: <http://www.sidra.ibge.gov.br>. Acessado em 13 set. 2013.
25 Diretor de Livro, Leitura e Literatura do Ministério da Cultura, onde exerceu também a função de
Secretário Substituto da Secretaria de Articulação Institucional e Coordenador de Articulação Federativa do Programa Mais Cultura. Doutor em Educação pela UFC e Mestre em História pela PUC-SP. Graduado em História pela UFC. Foi Coordenador de Políticas de Livro e de Acervos da Secretaria de Cultura do Estado do Ceará, no período de 2005 a 2007, onde coordenou o projeto Agentes de Leitura do Ceará. É também escritor e poeta do grupo Os internos do pátio.
Fonte: PIÚBA, Fabiano dos Santos. "Agentes de Leitura: inclusão social e cidadania cultural". In: Yunes, Eliana. Leitores a caminho: formando agentes de leitura. Rio de Janeiro: PUC-Rio, 2011, p. 14.
57
capital. O projeto se tornou referência nacional integrante de uma política pública na
área do livro e da leitura, transformando-se em uma ação do Programa Mais Cultura
do Ministério da Cultura.
É interessante ressaltar que o Projeto “Agentes de Leitura”, de acordo
com Santos (op. cit.) está inserido na Lei do Livro, n° 13.549, de 23 de dezembro de
2004, que institui a política Estadual do Livro e estabelece em seu parágrafo único
que o livro é compreendido
[...] como instrumento imprescindível de desenvolvimento socioeconômico e de valorização da identidade cultural do Estado, de formação educacional, de promoção e inclusão social, através do fomento ao desenvolvimento cultural, à criação intelectual, artística e literária. (2007).
A referida lei também estabelece a criação do Plano Estadual de Difusão
do Livro e da Leitura no Ceará, que tem como objetivo a democratização do acesso
a esse bem cultural imprescindível para a formação humana.
Os Agentes de Leitura são jovens selecionados por edital e capacitados
que acompanham em torno de 30 famílias em cada bairro de atuação. Suas
atividades são: percorrer municípios, distritos e bairros através de atendimentos
domiciliares e familiares, realizar empréstimos de livros e promover cirandas e rodas
de leituras comunitárias, movimentar o acervo bibliográfico e despertar o interesse e
o gosto pela leitura de maneira prazerosa, crítica, dinâmica e reflexiva. Em
consonância com o objetivo do FECOP, o Projeto “Agentes de Leitura” abrange
ações de profissionalização de jovens e adultos e de democratização aos meios da
leitura em comunidades de extrema pobreza e risco social, criando alternativas de
acesso e de difusão do conhecimento na área cultural, promovendo dessa maneira
situações de formação e de crescimento humano e social.
Segundo Santos (2007), o Projeto “Agentes de Leitura” está inserido
neste contexto de baixos índices de leitura, baixa compreensão leitora, além da
precarização das bibliotecas, pouco conteúdo midiático (e influenciável), poucas
livrarias, descaso com relação a políticas públicas voltadas para a promoção dos
livros e da leitura no país, ressalta ainda que:
A relevância do projeto parte, pois, do princípio norteador da socialização da leitura como ação estratégica de inclusão social e de desenvolvimento humano. Um povo que não estuda e que não tem acesso aos bens culturais, entre eles o livro e a leitura, é um povo fadado à exclusão social. O analfabetismo e analfabetismo funcional são fatores que atrelados às questões econômicas, agravam o quadro da desigualdade. A construção da cidadania passa necessariamente pelo acesso e domínio da leitura e da escrita como elementos vitais de formação e de crescimento humano. A
58
leitura amplia nossos horizontes e nossa capacidade crítica, inventiva e de compreensão do mundo. (p.4).
Neste sentido, compreendemos que os agentes de leitura realizam
trabalho voltado para além do letramento, para além da escola, espaço tradicional
que ocorre a leitura, mas com o intuito de proporcionar a construção da cidadania
através do domínio da leitura e da escrita enquanto ferramentas fundamentais para
formar e auxiliar no crescimento humano.
De acordo com Santos (op. cit.), a proposta do projeto está ligada a uma
ação voltada para promoção da leitura, mediada e compartilhada no ambiente
familiar, como atividade de formação leitora e de criação de espaços educativos e
culturais dentro das próprias comunidades, através do contato e acesso a acervos
literários em localidades de baixo IDH, sem distinção de gênero, idade ou etnia.
Neste cenário de socialização de acervo bibliográfico e de experiências
de leituras compartilhadas, da criança ao idoso, todos são convidados a participar. A
ação do agente de leitura se dá de maneira crítica e inventiva. Santos (2011) reforça
que “[...] Ao agente interessa conversar sobre as coisas da vida e do mundo a partir
da leitura de cada um. Quais as relações e que bifurcações essas leituras podem
gerar.” (p.8) Portanto, se faz necessário trabalhar o olhar diante de tudo que compõe
um livro, seja uma canção, um filme, uma peça teatral, uma dança, uma pintura, uma
memória, uma cidade, uma paisagem, um tempo ou um breve apreciar.
3.3. O adolescente, o livro e a leitura
3.3.1. O Conceito de adolescência
Após a Constituição Brasileira de 1988, que tem como princípio norteador
a prevalência dos Direitos Humanos, foi adotada em 1989, durante a Assembleia
Geral das Nações Unidas a Convenção sobre os Direitos das Crianças, introduzindo
no plano normativo em 1990, o valor essencial da criança e do adolescente como
“[...] ser humano, a necessidade de especial respeito à sua condição de pessoa em
desenvolvimento, o reconhecimento como sujeitos de direitos e sua prioridade
absoluta nas políticas públicas”. (BRASIL, 2010, p.64).
De acordo com o Ministério da Saúde (2010) crianças e adolescentes
passaram a ser reconhecidos pelas Nações Unidas como sujeitos sociais,
portadores de direitos e garantias próprias, independentes de seus pais e/ou
familiares e do próprio Estado.
59
Conforme dados colhidos na revista Adolescência e Saúde, anos 2004 e
2005, adolescência é uma etapa de transformações não só físicas, mas
psicológicas, intelectuais, emocionais e, em certos casos, de grande complexidade.
De acordo com Maldonado (2004) caminhamos da infância para a adolescência, e
desta para a velhice, se a estrada for longa. Para Maldonado (op. cit.),
O adolescente já não é uma criança e ainda não é um adulto. Há perdas e ganhos, transformações da identidade, do seu modo de ser no mundo. Entre alegrias, tristezas, incertezas e sentimentos de onipotência, esperanças, angústias e busca de sentido para a vida, o adolescente precisa, fundamentalmente, ser ouvido, compreendido e respeitado, para que desenvolva suas habilidades e competências, construindo uma noção mais sólida de cidadania participativa. (p.6).
Mudanças são inevitáveis em épocas de crises e transições fazendo parte
de todo o processo biológico de cada um de nós. A referida autora enfatiza que
trabalhar com adolescentes nos leva a nos conectarmos com toda a efervescência
de vida caracterizada por algumas etapas como:
[...] angústias, incertezas quanto ao futuro, indefinições quanto à identidade do presente e do sentido da vida (quem sou eu, para onde vou, o que estou fazendo aqui?), e também curiosidade, necessidade de expansão, atração pelas descobertas (de si, dos outros, do contexto em que vive, de novas possibilidades). (p.5).
Maldonato (op. cit., p.1) revela que “[...] quando envelhecemos, trazemos
nossa criança e nosso jovem como companheiros de viagem”, ou seja, a
adolescência preserva o encantamento das novas descobertas, a curiosidade, a
alegria de viver, a crença nos ideais, a possibilidade de nos apaixonarmos e muitas
outras coisas.
Eisenstein (2005) define adolescência como:
[...] o período de transição entre a infância e a vida adulta, caracterizado pelos impulsos do desenvolvimento físico, mental, emocional, sexual e social e pelos esforços do indivíduo em alcançar os objetivos relacionados às expectativas culturais da sociedade em que vive. A adolescência se inicia com as mudanças corporais da puberdade e termina quando o indivíduo consolida seu crescimento e sua personalidade, obtendo progressivamente sua independência econômica, além da integração em seu grupo social. (p.6).
No entanto, o conceito de adolescência pode variar de acordo com os
costumes e culturas locais, como por exemplo: a maioridade penal, em alguns
países, do ponto de vista legal é estabelecida aos dezoito anos, mas este critério
muda de acordo com a localidade.
60
Em termos legais, também há várias definições para adolescência, como
na Organização Mundial da Saúde (OMS), que estabelece como limites cronológicos
da adolescência entre 10 e 19 anos (adolescents) e pela Organização das Nações
Unidas (ONU) entre 15 e 24 anos (youth), critério este usado principalmente para
fins estatísticos e políticos. De acordo com Eisenstein (op. cit.), usa-se também o
termo “jovens adultos” para englobar a faixa etária de 20 a 24 anos de idade (young
adults). Vale ressaltar que, nas normas e políticas de saúde do Ministério de Saúde
do Brasil, os limites da faixa etária de interesse são as idades de 10 a 24 anos.
(EISENSTEIN, op. cit.).
No Brasil considera-se criança a pessoa de até 12 anos de idade
incompletos e define a adolescência como a faixa etária de 12 a 18 anos de idade
(artigo 2º), segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei 8.069, de
1990, e, em casos excepcionais e quando disposto na lei, o estatuto é aplicável até
os 21 anos de idade (artigos 121 e 142). O adolescente pode ter o voto opcional
como eleitor e cidadão a partir dos 16 anos. Vale ressaltar que o conceito de
“menor” fica subentendido para os menores de 18 anos. Este considerado polêmico,
pois está relacionado ao sentido pejorativo, devido a sua historicidade. (op. cit).
Segundo Eisenstein (op. cit.), devido à variabilidade e diversidade dos
parâmetros biológicos e psicossociais que ocorrem nesta época à idade cronológica,
apesar de ser o quesito mais usado, muitas vezes não é o melhor critério descritivo
em estudos clínicos, antropológicos e comunitários ou populacionais.
Para Zagury (2009), a adolescência é marcada por uma característica
visível e clara: o desenvolvimento físico, este, por sua vez, marcado por
transformações internas e externas. Em termos biológicos, esta fase é marcada pela
produção de hormônios resultando em uma grande atividade hormonal que levará à
capacidade reprodutiva e ao amadurecimento sexual. A autora então define
adolescência como:
[...] uma fase de transição entre a infância e a juventude. É uma etapa extremamente importante do desenvolvimento, com características muito próprias, que levará a criança a tornar-se um ser adulto, ao final. As mudanças corporais que ocorrem são universais, enquanto as psicológicas e de relações variam de cultura para cultura, de grupo para grupo e até de indivíduos de um mesmo grupo. (p.25).
Ao mesmo tempo em que ocorre o desenvolvimento há também
modificações a nível social, ou seja, a importância sobre o grupo de amigos tende a
aumentar a importância, assim como a forma de se vestir, falar, agir - até mesmo os
61
gostos passam por influências de grupo, preocupando-se se suas atitudes serão
aceitas e valorizadas pelos amigos. Segundo a autora, é nesse período que se torna
maior sua sociabilidade, assim como a insegurança também. Outro aspecto a
pontuar é a parte afetiva: “Tudo se transforma com muita rapidez para eles.” (p.30).
Os sentimentos se apresentam de forma contraditória, tonando-os às vezes
agressivos, às vezes carentes. (ZAGURY, op. cit.).
Definitivamente existem inúmeras boas publicações disponíveis acerca
desta temática. Ao lê-los nos aproximamos cada vez mais desta realidade e
identificamos aspectos comuns nos materiais coletados, como por exemplo:
sentimentos de angústia, insegurança, contradição e incompreensão. Apesar de não
saber como definir sua personalidade e de diversos pontos em comum, o
adolescente constrói sua história de forma particular e singular dos demais.
3.3.2. A apropriação do livro a partir da leitura dos adolescentes
Relacionar o adolescente, o livro e a leitura, requer retomar o atual
comportamento leitor na sociedade brasileira e como isso reflete nas mudanças no
cenário social, cultural e da educação. Para isso, coletamos alguns dados da 3ª
edição da Pesquisa Retratos da leitura no Brasil (2012), realizado pelo Instituto Pró-
Livro26, com o objetivo não só de apresentar este perfil à população, mas também
traçar tendências, identificar políticas e ações que deram certo. Além disso, fomentar
a ampliação deste estudo disponibilizando os resultados dessa terceira edição a
diferentes atores e segmentos da área do livro e leitura. (INSTITUTO PRÓ-LIVRO,
2012).
Algumas perguntas foram pertinentes a esta pesquisa, portanto,
resolvemos compartilhar para melhor compreensão e aproximação da realidade.
Quando lançada a pergunta à população brasileira sobre O que gostam de fazer em
seu tempo livre: 85% responderam que assistir televisão, 52% escutar música ou
rádio, 51% descansar, e em sétimo lugar, 28% disseram que gostam de ler (jornais,
revistas, livros, textos na Internet). Este último com decréscimo de 8% com relação à
pesquisa anterior, realizada no ano de 2007. (INSTITUTO PRÓ-LIVRO, op. cit.,
p.42).
26
Criado em 2006, o Instituto Pró-ler “é uma associação de caráter privado e sem fins lucrativos mantida com recursos constituídos, principalmente, por contribuições de entidades do mercado editorial, com o objetivo principal de fomento à leitura e à difusão do livro.”. Disponível em: <http://www.prolivro.org.br/ipl/publier4.0/texto.asp?id=3>. Acesso em 19 nov. 2013.
62
Foram indagados também acerca do significado da leitura: 64% disseram
que é fonte de conhecimento para a vida, 41% conhecimento e atualização
profissional, 35% conhecimento para a escola/faculdade, entre outros. (p.43)
Perguntou-se também se liam mais por prazer ou por obrigação:, a
maioria respondeu que lia por prazer (75%) e apenas 25% responderam que liam
por obrigação. (p.89). Nas quais suas maiores motivações para ler um livro era
devido à atualização cultural/conhecimentos gerais (55%); prazer, gosto ou
necessidade espontânea (49%); exigência escolar ou acadêmica (36%); dentre
outros. (p.90).
Quanto ao acesso aos livros, foram indagados sobre as formas de acesso
que a população tinha: 48% foram comprados, 30% emprestados por outra pessoa,
26% emprestados por bibliotecas e escolas, dentre outros. (p.108) E também, sobre
o acesso à biblioteca e o que ela representa: 71% responderam Um lugar para
estudar, 61% Um lugar para pesquisar, 28% Um lugar voltado para os estudantes,
dentre outros. (p.119).
Segundo o Instituto Pró-Ler (2012), a referida pesquisa constata
escolaridade, classe social e ambiente escolar, desde as pesquisas anteriores,
fazem parte das principais correlações com a leitura e que, portanto, se faz cada vez
mais necessário construirmos novos espaços não só para debates aprofundados
destes resultados, mas sim para viabilizarmos ações concretas, revelando que
“quanto mais escolarizado ou mais rico é o entrevistado, maior é a penetração da
leitura e a média de livros lidos nos últimos 3 meses.” (p.144)
Colomer e Sondroni (2003) relatam que desde a década de 1960 era
mencionada à organização de bibliotecas escolares, ampliando-se o debate sobre a
qualidade literária da literatura infantil e juvenil, que tinha como necessidade a sua
legitimação e aumentar o nível escolar. Assim, passou-se a apresentar a importância
da literatura, neste processo de aprendizagem. De acordo com as autoras:
[...] foi durante a década de oitenta que a literatura infantil e juvenil tornou-se mais presente no âmbito escolar, ao passar-se a considerar que os livros para as crianças e jovens são elementos imprescindível para a formação leitora e literária. (p.126).
Após a primeira metade do século XIX, os jovens saíam da fantasia, lida
basicamente nos livros didáticos, e passaram a acessar modelos provenientes da
literatura realista e de folhetins da época. Tornavam-se protagonistas de modelos
63
realistas de ficção que descreviam histórias familiares ou escolares. (COLOMER;
SONDRONI, 2003).
As autoras ressaltam que a literatura para adultos leva o leitor a criar a
distância e o conhecimento necessário para sua fruição, mas acreditam que para
crianças e jovens a metodologia seja diferente, pois se exige nesta fase da vida uma
competência leitora maior para relacionar texto e contexto.
Chartier e Hébrard (1994) asseguram que a leitura possibilitou uma
independência da tutela eclesiástica e escolar a que era submetida, tornando-se um
ato cidadão, sustentando que “[...] foi nos meios bibliotecários do princípio do século
que se iniciou o discurso social moderno sobre a leitura, vista como um ato cidadão,
e livre da tutela eclesiástica primeiro e escolar depois, a que havia estado
submetida”. (CHARTIER; HÉBRARD, 1994 apud COLOMER; SANDORNI, 2003,
p.127).
Diante do exposto, Petit (2008), ao trabalhar em seu livro a relação dos
jovens com a leitura, revela que “[...] Ler não isola do mundo. Ler introduz no mundo
de forma diferente. O mais íntimo pode alcançar neste ato o mais universal. [...]”
(p.43) O ato de ler não te tornas solitário, ele abre caminhos para que a pessoa que
está com o livro na mão possa chegar através do seu íntimo em todos os espaços,
falas, pensamentos e ações propostas pela sociedade.
O autor complementa sua fala dizendo que apesar deste processo pela
busca de forma coletiva, cada passagem é única, sendo construída a partir de cada
história particular, memória, acontecimento, encontro, movimento.
Cada um de nós não está apenas ligado a um grupo, um espaço ou um lugar na ordem social, do qual propagamos os traços, gostos, maneiras de fazer e de pensar característicos de sua classe ou de seu grupo étnico. Ele, ou ela, se constrói de maneira singular e tenta criar, com as armas que possui, com maior ou menos êxito, um espaço em que encontre seu lugar; trata de elaborar uma relação com o mundo, com os outros, que dê sentido a sua vida. (p.52).
Petit (op. cit.) revela que falar do adolescente inserido neste contexto requer uma
maior atenção e compreensão, pois a adolescência é uma fase que em todas as
épocas, tanto para homens como mulheres, se mostra com emoções, desejo,
pulsões, que chegam a temer por não terem controle, bem como o medo deles
próprios. O autor salienta que
[...] os jovens não são marcianos e que, como eu ou vocês, têm uma grande necessidade de saber, uma necessidade de se expressar bem, e de expressar bem o que são. Uma necessidade de histórias que constitui nossa especificidade humana. Têm uma exigência poética, uma
64
necessidade de sonhar, imaginar, encontrar sentido, se pensar, pensar sua história singular de rapaz ou moça dotado de um corpo sexuado e frágil, de um coração impetuoso e hesitante de impulsos e sentimentos contraditórios que integram com dificuldades, de uma história familiar complexa que muitas vezes contém lacunas. Sentem curiosidade por este mundo contemporâneo no qual se veem confrontando a tantas adversidades, e que lhes deixa muito pouco espaço. Também têm [...] um grande desejo de serem ouvidos, reconhecidos; um grande desejo de troca e de encontros personalizados. (p.58).
Diante destas necessidades e de todas as influências internas e externas
sofridas pelos adolescentes, o ato de ler é considerado um atalho para a elaboração
de uma identidade singular e uma maneira de evitar que eles se precipitem frente a
modelos preestabelecidos de identidade. Para Petit (op. cit.):
Ler é, portanto, a oportunidade de encontrar um tempo para si mesmo, de forma clandestina ou discreta, tempo de imaginar outras possibilidades e reforçar o espírito crítico. De obter uma certa distância, um certo “jogo” em relação aos modos de pensar e viver de seus próximos. Poder conjugar suas relações de inclusão quando se encontram entre duas culturas, em vez de travar uma batalha em seu coração. (p.57).
Reconhecendo as nuances vividas pela maioria dos adolescentes nesta
fase, o autor aponta a leitura como forma de cessar sentimentos que afetam
negativamente suas vidas e ressaltando sentimentos positivos através da entrega à
escrita encorajando o adolescente a transferir sensações para o papel em branco.
Na adolescência ou na juventude – e durante toda a vida – os livros também são companheiros que consolam e às vezes neles encontramos palavras que nos permitem expressar o que temos de mais secreto, de mais íntimo. Pois a dificuldade para encontrar um lugar neste mundo não é somente econômica, mas também afetiva, social, sexual e existencial. (p.74).
Para a autora, no período da adolescência o papel da leitura vem como
construção de si mesmo. Ao longo da vida e do folhear as páginas, experimentamos
não só a nossa interação com o objeto, mas sim, com vínculos sociais que
possibilitam apreendermos e compartilharmos as mais variadas experiências,
ressaltando que:
Ler é conhecer a experiência de homens e mulheres, daqui ou de outros lugares, de nossa época ou de décadas passadas, transcrita em palavras que podem nos ensinar muito sobre nós mesmos, sobre certas regiões de nós mesmos que ainda não havíamos explorado, ou que não havíamos conseguido expressar. (p.94).
Assim como existe uma leitura que auxilia no acesso ao conhecimento,
apropriação da língua, construção de si mesmo, extensão do horizonte de
referência, desenvolvimento das formas de sociabilidade, também existe outro tipo
65
de leitura capaz de conduzir aos prazeres da regressão, não sejamos ingênuos a
ponto de não levar em consideração algumas leituras que nos levam apenas a
distração. (PETIT, op. cit.).
Diante do exposto faz-se mister atentarmos para as condições que são
dadas aos projetos de incentivo à leitura de forma geral, porém, como nos referimos
aqui, ao Projeto “Agentes de Leitura”, em especial aos adolescentes, é visível a
influência positiva que a consolidação de projetos como estes causam em quem tem
acesso. Mais que isso, precisamos saber como elas estão sendo percebidas por
seus usuários e saber deles quais os impactos causados no seu cotidiano. Pois se
cada vez se discute sobre a elaboração de novos projetos, se aos poucos eles
iniciam sua execução, é fundamental que seja acompanhado e realizado um
repasse de sua aceitação ou não e deixar à vontade para futuras contribuições,
sejam elas críticas ou propostas.
66
“Gosto da ideia de que nosso corpo é a soma de vários outros corpos. Ao corpo físico, somam-se um corpo linguagem, um corpo sentimento, um
corpo imaginário, um corpo profissional e assim por diante. Somos a mistura de todos esses corpos, e é essa mistura que nos faz humanos. As
diferenças que temos em relação aos outros devem-se à maneira como exercitamos esses diferentes corpos. Do mesmo modo que atrofiamos o corpo físico se não o exercitarmos, também atrofiaremos nossos outros
corpos por falta de atividade.”
Rildo Cosson
4. AFINAL, O QUE OS ADOLESCENTES PENSAM SOBRE O PROJETO
“AGENTES DE LEITURA”?
4.1. O perfil dos adolescentes
O presente capítulo está voltado para a exposição da fala dos
protagonistas desta pesquisa, bem como sua análise. Como já mencionado no
percurso metodológico, a pesquisa dividiu-se em dois momentos: o primeiro27,
realizado no mês de junho, no qual foram entrevistados 5 adolescentes, mas devido
a algumas perguntas terem “fugido” do objetivo da pesquisa e outras terem sido
diretas demais, resolvemos optar por um segundo momento. Este, por sua vez, teve
o questionário semi-estruturado reavaliado e aplicado com outros 12 adolescentes
durante o mês de setembro.
Foi realizado inicialmente um levantamento socioeconômico para
conhecermos alguns aspectos relevantes do perfil dos adolescentes: dos 17
entrevistados, 10 são do sexo feminino e 7, masculino. Suas idades variam entra 11
a 17 anos. Das meninas, 7 estudam em rede pública e 3, rede particular; dos
meninos, 5 estudam em rede pública e 2, particular. A maioria cursa o Ensino
Fundamental II, ficando distribuído da seguinte forma: 1ª ano: 1; 4º ano: 1; 5º ano: 1;
6º ano: 2; 7º ano: 4; 8º ano: 2; 9º ano: 2. São poucos os que cursam o Ensino Médio:
1º ano: 3; 2º ano: 1. Outro dado é que 9 deles nasceram e cresceram no bairro: 4
disseram que não e outros 4 disseram que não sabiam.
Para garantir o sigilo da fala dos entrevistados foram criados nomes
fictícios para os adolescentes baseados em histórias publicadas em livros infantis28.
Ficando o perfil desta forma:
27
Os modelos dos questionários encontram-se anexados no Apêndice A e B. 28
Todas as obras estão disponíveis no site: <http://pt.wikipedia.org/wiki>. Acesso em: 15 dez. 2013.
67
Alice tem 13 anos, estuda em escola pública, cursa o 4º ano do Ensino
Fundamental II, diz “estou atrasada na escola”. Nasceu em Messejana, mas
atualmente mora com sua tia e sua avó. (Nome baseado na personagem da história
Alice no país das maravilhas, de Lewis Carroll, publicada em 1865).
Branca tem 11 anos, estuda em escola particular, cursa o 1º ano do
Ensino Fundamental II, mora com seu pai, sua mãe e irmã mais nova. Nasceu e
cresceu no bairro. (Nome baseado na personagem da história A Branca de Neve e
os sete anões, dos Irmãos Grimm, publicado entre os anos de 1812 e 1822).
Sininho tem 12 anos, estuda em escola pública, cursa o 7º ano do Ensino
Fundamental II, mora com sua avó, seu tio e seu primo. Nasceu no Pirambu, mas
cresceu no bairro. (Nome baseado na personagem da história Peter Pan, de James
Matthew Barrie, publicado em 1904).
Pinóquio tem 14 anos, estuda em escola pública, cursa o 1º ano do
Ensino Médio, mora com seus pais, dois irmãos e seus avós. Nasceu em Fortaleza e
cresceu no bairro. (Nome baseado no personagem da história Pinóquio, de Carlo
Collodi em 1881, publicado anos depois com ilustrações por Enrico Mazzanti.).
Rapunzel tem 14 anos, estuda em escola particular, cursa o 7º ano do
Ensino Fundamental II, mora com seus pais, nasceu e cresceu no bairro. (Nome
baseado na personagem da história Rapunzel, de Irmãos Grimm, publicado em
1812).
Pequena tem 15 anos, estuda em escola pública, cursa o 9º ano do
Ensino Fundamental II, mora com seus avós, irmão, irmã e tio. Nasceu e cresceu no
bairro. (Nome baseado na personagem da história A pequena vendedora de
fósforos, de Hans Christian Andersen, publicado em 1845).
Ariel tem 12 anos, estuda em escola pública, cursa o 6º ano do Ensino
Fundamental II, mora com seus avós, irmão, irmã e tio. Nasceu e cresceu no bairro.
(Nome baseado na personagem da história A pequena sereia, de Hans Christian
Andersen, publicado aproximadamente em 1830.).
Maria tem 11 anos, estuda em escola pública, cursa o 5º ano do Ensino
Fundamental II, mora com sua avó, mãe e 3 irmãos. Nasceu em Messejana e veio
morar no bairro. (Nome baseado na personagem da história João e Maria, dos
Irmãos Grimm, publicado em 1812).
Saci tem 13 anos, estuda em escola particular, cursa o 8º ano do Ensino
Fundamental II, mora com sua avó e sua tia. Nasceu e cresceu no bairro. (Nome
68
baseado no personagem da história Saci Perêrê, de Monteiro Lobato, publicado em
1918).
Peter Pan tem 12 anos, estuda em escola pública, cursa o 7º ano do
Ensino Fundamental II, mora com seus pais. Nasceu e cresceu no bairro. (Nome
baseado no personagem da história de Peter Pan, de J. M. Barrie, publicado em
1911).
Aladim tem 15 anos, estuda em escola pública, cursa o 1º ano do Ensino
Médio, mora com sua mãe e sua irmã. Nasceu e cresceu no bairro. (Nome baseado
no personagem da história Aladim e a lâmpada maravilhosa, de Antoine Galland,
publicado em 1709).
Ali tem 16 anos, estuda em escola pública, cursa o 2º ano do Ensino
Médio, mora com sua mãe e seus dois irmãos. Nasceu em Fortaleza e cresceu no
bairro. (Nome baseado no personagem da história de Ali Babá e os quarenta
ladrões, de Antoine Galland, publicado em 1916).
Cinderela tem 16 anos, estuda em escola pública, cursa o 1º ano do
Ensino Médio, mora com sua mãe e sua irmã. Nasceu em Maracanaú e depois de
alguns anos veio morar no bairro. (Nome baseado na personagem da história
Cinderela, de Charles Perrault, publicado em 1697).
Bela tem 14 anos, estuda em escola pública, cursa o 9º ano do Ensino
Fundamental II, mora com sua mãe e sua irmã. Nasceu em Maracanaú e alguns
anos depois veio morar no bairro. (Nome baseado na personagem da história de A
Bela e a Fera, de Gabrielle-Suzanne Barbot, 1740)
Emília tem 12 anos, estuda em escola particular, cursa o 6º ano do Ensino
Fundamental II, mora com seus pais e sua irmã, nasceu na Parangaba, morou no
Passaré e, depois, veio morar no bairro. (Nome baseado na personagem da história
O Sítio do pica-pau amarelo, de Monteiro Lobato, publicado em 1920).
Polegar tem 13 anos, estuda em escola pública, cursa do 7º ano do
Ensino Fundamental II, mora com sua mãe, avó e 3 irmãos. Nasceu em Messejana
e, quando pequeno, veio morar no bairro. (Nome baseado no personagem da
história O pequeno polegar, de Charles Perrault, s/d).
John tem 13 anos, estuda em escola particular, cursa o 8º ano do Ensino
Fundamental II, mora com seus pais e sua irmã. Nasceu em Fortaleza, morou um
tempo no Bom Jardim, mas cresceu no bairro. (Nome baseado no personagem da
história de Tarzan, de Edgar Rice Burroughs, publicado em 1914).
69
4.2. Os adolescentes e a família, a escola, as atividades diárias, o tempo livre, o
livro e a leitura.
Foi realizado junto aos adolescentes, como já dito, entrevistas semi-
estruturadas, nas quais perguntavam sobre família, escola, atividades diárias e
tempo livre, para melhor compreender e visualizar o contexto no qual estão inseridos
estes adolescentes e quais dados podem ou não influenciar na sua relação com o
livro e a leitura.
As entrevistas foram iniciadas a partir da descrição sobre a família dos
adolescentes e se sobre o perfil de leitores ou não leitores de seus respectivos
responsáveis. Procuramos deixá-los o mais à vontade possível para responder as
demais perguntas, mas, com relação a este ponto, pouco se aprofundou. Muitos
deles relataram somente a quantidade de membros da família e suas respectivas
ocupações e mais algumas breves informações. Podemos ver a seguir essa relação
de narrativas e de silêncios:
São sete pessoas, tendo meu vô e minha vó moram embaixo, aí tenho dois irmãos, um pai e uma mãe. Nós somos felizes! (risos) De ruim é que às vezes eu e meus irmãos briga demais, porque eles começam a insultar uns com os outros, porque eu tenho um irmão que é mais moreno, eu tenho um que é gordo. De bom é que eu tenho primos italianos, eles moram lá há mais de vinte anos, eu acho. Pronto, só isso. Meu pai lê muito... notícias na internet e na tv, minha mãe não lê nada, nada... lê só os encartes das lojas, essas coisas... às vezes ela pega os livros que eu pego do Projeto emprestados. (Sobre os pais serem leitores ou não) Minha avó lê só os livros que ela estuda, ela ta estudando supletivo. A minha vó que me incentiva a ler, minha mãe também, ela sempre diz que é bom. (PINÓQUIO).
Eu moro com meu pai e minha mãe, nós se dar muito bem. Somos unidos, não tem muitas brigas entre nós, meu irmão mora com minha vó, mora vizinho e... é né? O que tem de bom é que a minha família é unida, não tem muita briga. Tem vez que meu pai e minha mãe se pega. (Sobre os pais serem leitores ou não) Meu pai, não, mas minha mãe sim. Quando eu era mais nova, não. Mas agora minha mãe faz questão que eu leio, que eu aprenda mais. Eu era uma pessoa com pouca dificuldade pra ler aí...
(RAPUNZEL).
Foi percebido que nesta pergunta sobre a família os adolescentes
demoravam a responder, ficavam pensando o que seria dito, procurando defeitos e
qualidades, mas há uma semelhança nas falas no que diz respeito às brigas
familiares e a felicidade da união, ou seja, características praticamente unânimes
entre eles, como exemplifica também a seguir:
Bom, eu moro com a minha avó, minha mãe me deixou com a minha avó, passou a guarda pra ela, e... e também, aí passou a guarda pra ela, aí eu
70
vivo hoje com ela. Mora eu, minha avó, minha tia, aí meu pai mora do lado e minha outra tia mora em cima. Aí eu vivo normal, estudo, falo o que eu tenho que fazer, minhas obrigações e pelo menos eu acho que vivo bem. (Sobre ao pais serem leitores ou não) Minha mãe eu não sei muito bem, mas meu pai, não. (SACI).
Eu e minha família, meu pai é separado da minha mãe, né? É normal assim, só que diferente é que minha mãe é separada do meu pai, a gente vive normal assim... mora eu, a minha mãe e a minha irmã, O que é uma família normal? É sei lá, é ter pais... que é normal, família que não tem muita briga... que todo mundo é unido, que eu conto tudo pra minha mãe, conto tudo pra minha irmã, que a gente não tem segredo, acho que uma família normal é assim. (Sobre os pais serem leitores ou não) Não, assim... mais ou menos, meu pai não gosta muito de ler não, minha mãe ela estuda aí ela lê muito, entendeu? Ela gosta de ler, meu pai já não gosta muito, ela ta estudando prum concurso público, e também ela gosta de ler livros, ela lê a bíblia, lê os livros que ela acha interessante. (BELA).
É interessante observar que nas falas deles não há uma determinação no
padrão da família, pelo contrário, mostram-se cientes da relação que há entre “ele e
a avó” ou entre “ela, a mãe e o pai separado”, ressaltando que esta informação faz
parte das novas configurações da família e que merece uma atenção especial,
porém não agora para este estudo. Ressalta a briga como ponto negativo da família
e expõe de forma clara a boa relação que existe entre eles. Ao questionarmos sobre
a escola, um reduzido número de adolescentes fizeram elogios, como é o caso de
Pinóquio e Ali:
[...] é grande e organizada. De bom, tem muitas coisas, lá tem vários projetos: de teatro, de dança e de tudo. (Você participa de algum?) Não. (Por quê?) Porque eu tenho preguiça, porque a escola é longe. Eu já participo de um projeto de astronomia e vou fazer um curso de informática, aí eu não vou poder fazer muita coisa porque eu não vou ter muito tempo. Os professores, às vezes a merenda é boa, lá vizinho tem a Vila Olímpica. De ruim lá tem os alunos, muito bagunceiro, muita coisa ruim. Violência não, só fazem bagunça.” (PINÓQUIO)
Ah... a minha escola eu não tenho nada do que reclamar, ela é muito boa, ela dá muitas chances. Dia de sábado eu estou indo pro Teatro lá, muito bom, eu gosto do ensino de lá, é muito bom. De bom, tem tudo de bom! Há muitas chances pra gente fazer um monte de coisas, ruim, é porque às vezes a comida lá é sem sal, dá pra melhorar. (risos) A gente pede pra elas colocarem sal aí elas coloca. (risos)” (Sobre os livros) “É bom, tipo, mas não me chama muito atenção alguns livros de lá, mas tipo, são bem legal, tem Machado de Assis, tem esses autores... (ALI)
Porém, não é o que pensa a maioria, pois a maior parte dos relatos sobre
escola esteve voltado para a precariedade física e intelectual dos alunos. De acordo
com a maioria falta material, professores, cadeiras, bebedouros, segurança e
71
incentivos culturais, chegando a ser mencionado também a conduta dos professores
e funcionários da escola, como retrata a fala dos seguintes adolescentes:
É um horror! (risos) Eu não gosto não da minha escola eu vou até se mudar de lá, eu vou pra outra escola. A diretora é muito chata, os outros ficam colocando apelido em mim, um bucado de coisa... só isso, o professor fica esculhambando a gente, o professor de matemática, chama de “Feladaputa”... um bucado de coisa, chama a gente assim, a diretora não faz nada, porque ela tem até medo do professor.” (POLEGAR)
Minha escola, assim... minha escola ela às vezes falta professor, mas agora ta tendo uma coisa lá que só pode liberar, mesmo que falte professor, só pode liberar onze hora. Por causa que os pessoal lá quer que os pais saibam que ta tendo aula, mesmo sem não ter, aí fica onze hora dentro do colégio sem fazer nada, pode faltar os professor tudim, mas a gente fica onze hora no colégio, que faz pensar que a gente tamo estudando. Assim, lá é bom o estudo, mas às vezes a gente não presta atenção por causa dos aluno, que os alunos fica bagunçando a sala... fica botando apelido nos aluno, fica frescando quando os professor sai pra beber água, eles fica lá fazendo putaria, tem aluno que não faz tarefa, só vai pro colégio pra conversar... lá é pichado, que os aluno, a maioria de lá, gosta e pichar o colégio, e o banheiro lá não tem espelho porque quebraram, não tem pia, é sempre assim. E outra, o banheiro dos menino também é fedorento o das menina também. Assim... (PEQUENA)
A reação deles ao serem indagados sobre a escola na qual estudavam
expressou rapidamente medo, revolta e desinteresse em permanecer na mesma,
isto porque aparentemente sentem-se inseguros quanto à estrutura da escola,
conteúdo e professores. Sentem-se lesados pelo “estado” da escola e ameaçados
pela violência diária entre os alunos, como podemos ver a seguir:
O estado da escola. É muito péssimo, assim... bagunçado, o povo não limpa direito, e também os bebedor é quebrado, fica pingando e derramando água direto, aí o colégio mela todim. Eu acho que são bons, ensinam bem, lá também faz empréstimo de livros, na biblioteca. Ah, o ensino e... os dias da leitura que eles emprestam os livros e o recreio... eu não gosto da violência dos menino, eles brincam de briga, dá murro... Eu fico só assustada... É mais por aprender e pelo meu futuro lá na frente, né? Que eu vou precisar dos estudos pra quando eu for atrás de um emprego, saber de alguma coisa. Arranjar um trabalho... é mais por isso. Eu vou mais pelo futuro. (ALICE).
Ave Maria... aff é um inferno a escola. Na hora do recreio o povo fica se batendo, aí é a menina querendo bater no menino, na hora da sala a professora não pode virar as costas que é todo mundo gritando, batendo uns nos outros, as meninas batendo nos meninos nem... na merenda não presta nem... Deus me livre! Às vezes que é macarrão com queijo, nem... coisa ruim. Em vez de carne de hambúrguer ele faz é carne de peixe aff... nem... Quando eu saio passa um homem vendendo tapioca aí eu compro. O que eu acho de bom é ir na biblioteca, fica sentada na secretaria, sem fazer nada, ficar no banco sentada com as minhas amigas conversando ou então brincando. De ruim, a merenda, as danações, as meninas querendo bater nos meninos. Eles brigam com a diretora... essa semana eu bati em um menino, eles ficam frescando com a minha cara. (SININHO).
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No decorrer das falas, foi identificado medo nos fatos ocorridos em
relação ao alto índice de violência relatado. Identificamos também, que a maioria
dos alunos que reclamam de suas escolas compõem a rede de ensino público e que
muitos relatam atraso no ano cursado ou reprovação. O próprio ambiente escolar
não contribui para que o espaço se torne propício para leitura, concentração e,
consequentemente, estudos.
Diante de algumas respostas surgiu a necessidade de aguardar alguns
segundos para que os adolescentes respirassem mais devagar e ficassem mais à
vontade para responder as perguntas seguintes, pois estavam agitados.
Verifica-se que não há incentivo à leitura por parte de seus responsáveis
e que na instituição onde possivelmente esta prática deveria ser realizada, ou seja,
na escola, encontra-se precária, influenciando diretamente no interesse do
adolescente em estar em contato com o livro e a leitura, desenvolvendo aspectos
relacionados ao cotidiano. Neste sentido, segundo Santos (op. cit.) o Projeto
“Agentes de Leitura” surge para desenvolver os exercícios de cidadania, de
compreensão de mundo e de ação alfabetizadora, através de atividades de
socialização de acervo bibliográfico e de experiências de leituras.
Entretanto, para além da sua relação com a família e a escola, é
importante conhecer suas atividades enquanto sujeito individual, ou seja, busca-se
neste outro momento da entrevista saber sobre o que fazem no seu cotidiano e
quais suas atividades realizadas no tempo livre.
Perguntamos sobre suas atividades diárias, se trabalhavam e/ou
ajudavam em casa e quanto tempo demora cada atividade realizada. Todos, sem
nenhuma exceção disseram que ajudavam em casa. Selecionamos algumas falas:
Eu ajudo em casa, eu ajeito a minha casa, ajeito as minhas coisas do quarto, ajudo a minha mãe mesmo, eu ajeito o quarto da mãe, a sala, o resto é a minha irmã que faz, eu faço isso todo dia. (CINDERELA)
Ajudo em casa. Eu varro a casa, lavo a louça, é... passo o pano na casa, só. Todo dia. (MARIA)
Eu ajudo em casa, sempre eu arrumo a casa, faço as coisas, eu varro a casa, lavo o banheiro, lavo os prato, lavo a roupa, faço faxina na casa. Assim, eu lavo as roupas dos meus irmão, né? Aí de vez em quando eu ajudo a lavar as roupa da minha vó, ajudo sempre. Todo dia. (PEQUENA)
As meninas se apresentaram como as que mais realizam atividades
domésticas e com mais frequência, a maior parte dos meninos realizam uma ou
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duas atividades sem muita frequência, como pudemos observar anteriormente na
fala da Cinderela, Maria e Pequena. Agora a fala dos meninos:
Às vezes eu varro... só isso, de vez em quando. (JOHN) Algumas vezes sim, às vezes lavo prato, encho as garrafas de água e é só isso. (SACI)
Não, só encher as garrafas, uma coisa assim... às vezes eu enxugo as louças, só. Todo dia não, às vezes, uma vez perdida eu faço... (ALADIM)
Para alguns adolescentes o fato de ajudar em casa não influencia nas
demais atividades, é uma mera contribuição, mas já para outros, uma obrigação
diária.
Dos 17 entrevistados, apenas 1 disse que trabalhava:
Trabalho, ajudo em casa também, lavo a louça e às vezes lavo a casa (risos), dia sim, dia não, só quando ta sujo mesmo. Eu trabalho ali... (risos) na Avenida “G”, é uma loja-armarinho, lá eu fico sentado, esperando alguém vir e comprar, eu atendo a pessoa, aí vendo pra pessoa, passo troco, faço tudo lá, eu só trabalho pela manhã. Ganhar eu não ganho não, mas eu ganho... porque a minha mãe me dá as coisas mesmo, tipo, ela me dá celular, minhas coisinhas... (ALI)
Diante disso, buscou-se saber sobre o que eles costumavam fazer em
seu tempo livre e identificar se há contato com a leitura literária. Em relação às
atividades mencionadas, todos relataram a utilização de aparelhos eletrônicos como:
computador, celular e televisão como principal “companhia” para o seu tempo livre.
As falas assim admitem:
Gosto de ta no computador, jogando, assisto filme e desenho, filme de comédia. (BRANCA)
Facebook! À noite quando eu não posso entrar no facebook eu leio os teus
livros. (RAPUNZEL)
Gosto de brincar no celular, jogar no computador, jogar de bola e etc. (SACI)
Apesar de muitos já reconhecerem a leitura como processo de promoção
do desenvolvimento pessoal e profissional, contraditoriamente, realizam outras
atividades como prioridade, como é o caso da televisão e do acesso à internet.
Ficar no computador, jogando, facebook. Só. Jogar bola, sair... ficar com os
amigo. (FERNANDO)
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Eu brinco, eu brinco no computador. Tem jogos do Clique Jogos, aquele jogozinho no Clique Jogo... jogo muitas coisa, da Barbie, só que só às vezes! O Criminal Case no facebook tem (risos) Eu gosto de ler um pouquinho, às vezes, história... história de romance pra mim ficar mais calma. (BELA)
Vivemos em uma sociedade contemporânea que o termo “globalizado” e
“interconectado” e seus mais diferentes recursos tecnológicos têm grande reflexo no
cotidiano. Se observarmos ao nosso redor podemos enxergar palavras escritas em
variados lugares, como: revistas, filmes legendados, outdoors, placas, faixas,
jornais, rótulos etc. Sendo assim, quase impossível pensarmos uma sociedade que
não lê. (BERTAGLIA; TREVIZAN, 2011).
Frente a essas respostas, passamos para a temática seguinte que tratava
da relação deles com o livro e a leitura. Portanto, perguntamos que tipo de leitura
eles realizavam, se seus pais eram leitores, o que achavam do livro, se tinham livros
em casa, quais e quantos, além de perguntar como se dava o acesso a eles, o que
os motivavam a ler e como se tornaram leitores.
Um fato observado foi que quando questionados sobre a forma de acesso
aos livros, alguns deles mencionaram o empréstimo entre amigos, através de
compras, internet (e-books), entretanto, a maioria respondeu ser através do Projeto
“Agentes de leitura” e da biblioteca, porém, não vão com muita frequência nesta
última.
Três falas chamaram a atenção, pois responsabilizavam o Projeto por sua
condição de leitor. Foi perguntado como eles tinham acesso ao livro e como se
tornaram leitores, respectivamente:
Na biblioteca, assim... às vezes essa minha amiga tem um livro assim... ela: “Olha Taynara, o que eu comprei!”, aí eu: “Aí, me empresta?” Aí ela vai e me empresta, assim... aí às vezes ela pega livro meu, assim [...] e você (se referindo ao Projeto), né? Que traz livros aqui pra cá. (risos) [...] Eu me considero leitor nesse ano, né? Porque no ano passado eu não me interessava muito por livro, era difícil eu ler alguma coisa, eu só lia assim quando passava as „pracas‟ essas coisa assim... só isso mesmo. (PEQUENA)
É... na biblioteca e no do Projeto contigo. [...] Foi no terceiro ano, eu juntava as letra, a professora ajudava aí eu comecei a lê... não! Eu aprendi no segundo ano, a professora ensinou a aprender a ler, aí no quarto ano eu não lia a história, aí tu veio pra cá, aí eu ficava gaguejando, né? Aí agora eu não to mais gaguejando. (MARIA)
Com esse projeto, né? Que vocês ajudam nós ler mais livro e algumas vezes lá em casa que lá tem um bucado de livro e aqui em casa também. (Acessa a biblioteca da escola?) Quando tem esse negócio de trabalho eles mandam a gente ler e escrever, quando a gente vai fazer um trabalho sobre
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um livro, a tia pega um livro, aí nós faz a xérox dos livro tudim aí da pra classe e a gente lê o livro, aí a gente fala, faz tipo uma redação sobre o que você entendeu sobre o livro. [...] Depois que o Projeto começou porque eu não gostava de ler muito livro, aí comecei lendo os livros da escola e do Projeto. (PETER PAN)
Percebemos que o fato de terem liberdade para escolher o livro que os
interessassem, de ler no tempo que desejarem e até mesmo optarem por não ler,
possibilitou uma aproximação e consequentemente, participação no Projeto.
“O leitor tem seus direitos.”, como diz Daniel Pennac em sua obra que
retrata Os 10 direitos do leitor29. São eles:
1. O direito de não ler; 2. O direito de pular páginas; 3. O direito de não terminar o livro; 4. O direito de reler; 5. O direito de ler qualquer coisa; 6. O direito ao bovarismo (doença textualmente transmissível); 7. O direito de ler em qualquer lugar; 8. O direito de ler uma frase aqui e outra ali; 9. O direito de ler em voz alta e por fim, 10. O direito de calar. (1993)
De acordo com o quinto direito mencionado por Pennac (op. cit.) “O direito
de ler qualquer coisa”, expomos também algumas falas sobre o que gostam e/ou
costumam ler estes adolescentes e se haviam livros em suas residências se sim,
quais:
Eu gosto de ler, assim, se for livro de história, eu gosto de ler livros de romance, falando sobre amor, Romeu e Julieta, por exemplo, eu gosto muito desse livro: Crepúsculo... (suspirou e riu) Quando eu vou pra biblioteca eu sempre leio esses livros, entro logo pra ver livros de romance... eu gosto muito de livros de romances. Eu leio assim... livros assim de drama... essas coisa. Eu gosto de poesias, eu acho lindo as poesias também, a rima, essas coisa... Leio às vezes jornal quando vem notícias, revistas que falam sobre os famosos (risos) que eu quero saber o que ta acontecendo, no noticiário. No computador também, eu entro no facebook, aí tem os link pra gente ver, eu fico lendo lá [...] Eu tenho pouco livro, „causa‟ que às vezes eu ganho assim, às vezes eu trago da escola, eu gosto mais de trazer da escola, porque lá tem é monte assim... aí eu fico escolhendo assim... eu trago um monte da escola e leio em casa. Assim... Romeu e Julieta, como eu tava falando... é... Coração Partido, Crepúsculo, Lua Nova, Amanhecer... eu pego mais esses livros. (PEQUENA)
Bom, eu leio muitos livro, não muitos, deixei de ler porque às vezes eu não tenho muito tempo por causa das obrigações. A última vez que eu li foi no começo do ano, terminei de ler o livro Assassin’s Creed, eu gosto muito. Estou pretendendo ganhar outro de aniversário, continuar lendo a saga, é muito bom, o livro é muito bom. [...] Tenho, muitos. Uns cinquenta por aí... a saga toda do Paulo Coelho, aí eu tenho... não, não é eu, é a minha tia, aí ela tem do “Feiler”, ela gosta muito de livros. (SACI)
29
Disponível em:<http://www.contarhistorias.com.br/2013/10/direitos-do-leitor-danielpennac.html>.
Acesso em: 12 dez. 2013.
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Apesar na diferença dos gêneros, há semelhança no ato de gostar de ler
entre eles. Enquanto Saci revela que gosta de ler livros de ação e aventura, que
possui muitos livros em casa e que talvez ganhe o próximo da saga que está lendo,
Pequena diz ter poucos livros, mas gosta de pegar na biblioteca da escola. Diz
também ser uma fiel admiradora dos romances e se interessar por notícias de
famosos vinculados à internet, assim como Aladim:
Só notícia! Assim, mas... notícia tipo assim, Globo Esporte, jornal... só. (silêncio) (Mais alguma coisa?) Em área que informa defesa, alguma coisa assim... defesa, exército, marinha, aeronáutica... essas coisas que informam sobre tipo assim: o Brasil comprou nova arma, a Dilma ta com problema com os Estados Unidos por causa da interferência dos e-mails que até passou aí na televisão. Tipo assim... só isso mesmo.” (Costuma ler livros?) Não. [...] Só o que eu tenho é livro infantil. Uns vinte por aí, Pinóquio, A Bela e a Fera, O pequeno Polegar, Chapeuzinho Vermelho, só livro de história
mesmo. (ALADIM)
Vários assuntos, eu gosto mais de livros ilustrados, infanto-juvenil que tenha mais pro lado da comédia. Notícias na internet. [...] Tenho... (silêncio) vou contar... que eu gosto mesmo é uns nove, só que tem vários que é mais infantil. Uns cinquenta por aí, que eu tenho uma caixa cheia de livros também, e tem paradidáticos essas coisas... Tem uns de comédia, O diário de um banana, também gosto do O pequeno príncipe, tem uns infantis que eu li quando era criança, a Bíblia eu também gosto de ler... é esses livros. (EMÍLIA)
É interessante a fala da Emília a respeito da leitura da bíblia, pois um
número reduzido de adolescentes diz ser incentivado à leitura por seus pais através
deste livro, relatando muitas vezes ler trechos do mesmo ao longo da vida.
Maria diz: “Nunca li livro por obrigação não, eu leio só porque eu quero
mesmo”, mas a maior parte dos adolescentes relata já ter lido por obrigação e
muitas das respostas estão ligadas ao âmbito escolar, mais necessariamente ao
conteúdo das provas.
A pergunta “Quando você lê por prazer e quando você lê por obrigação?”
nos possibilita refletir para além do acesso aos livros, pensarmos depois do acesso,
como estes livros são recebidos por eles. Ressaltamos algumas falas:
Por prazer! Às vezes... por prazer é dia de sábado e domingo, eu leio porque não tem nada pra fazer em casa. Na semana é por obrigação, e na semana é a vez da escola. (SININHO)
Quando eu leio por prazer é assim: quando eu vejo que o livro é bom. Por obrigação, às vezes é o paradidático do colégio que eu tenho que fazer a prova. (SACI)
Eu leio por prazer quando eu acho tipo o título muito massa, assim... aí eu: Vou ter que ler esse livro! Ou então alguém fala: Ah, esse livro é legal e tal! E quando eu leio por obrigação, é quando a escola me obriga a ler aquele
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livro (risos) é, quando eu não to interessado, aí tipo, vai cair na prova, tenho que ler aquele livro. (ALI)
Quando eu leio por obrigação é quando eu vou estudar, por que assim quando tem prova essas coisas assim que tem que ler mesmo, e quando eu quero, quando não tem nada assim pra mim fazer, aí eu vou ler o livro. (BELA)
De acordo com a fala da maioria, o exercício da leitura só ocorre com
frequência devido à exigência no conteúdo de determinadas provas. Já a leitura
literária fica em segundo plano. Ela ocorre quando não há mais o que fazer, quando
estão sem opção de distração e lazer, mas quando realizada causa sensações que
explanaremos logo mais adiante.
4.3. Os adolescentes, o Projeto “Agentes de Leitura” e seus impactos
Passemos então a adentrar no “coração” desta pesquisa: atendendo ao
objetivo geral, analisar a percepção dos adolescentes acerca do Projeto “Agentes de
Leitura”, logo, estamos inseridos agora no universo prático, na leitura literária
realizada pelos adolescentes através do projeto.
De início, perguntamos sobre como souberam do Projeto, qual a opinião a
respeito dele e dos livros trabalhados, qual o mais interessante e, quando
emprestados, se costumavam conversar sobre o que liam. A maior parte dos
adolescentes respondeu ter tido conhecimento do projeto através da própria agente
de leitura, alguns por vizinhos, amigos e familiares que comentavam. Consideraram
tanto os livros como o Projeto interessante e de grande estímulo à leitura,
principalmente às crianças. Quanto a conversar sobre o que liam, a maioria disse
que se o livro fosse interessante, comentavam sim uns com os outros. A seguir,
algumas falas respectivamente respondidas de acordo com a sequência das
perguntas.
Polegar brinca ao responder, atua de forma amadora em um pequeno
diálogo que teve com sua vizinha, falando de forma espontânea e engraçada:
Como eu soube? Ah... a minha vizinha, a meninazinha, aí perguntou: “Ei, a Carol foi lá na tua casa?” Aí eu: “Que Carol? Sei nem quem é essa Carol...” aí depois eu disse que não, aí o meu irmão me falou, aí eu quis ler.
Quando o questiono sobre a importância da leitura, senta-se ereto na
cadeira e responde seriamente:
É bom pra leitura da pessoa, tira atenção, não ficar no meio da rua, ficar lendo alguma coisa importante, o que você vai ser quando crescer, ter os estudo melhor e ler. É legal, tem histórias engraçadas, tem rima, um bucado de coisa... é legal! Só às vezes com minha irmã, a gente fica de madrugada,
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não... umas dez horas, doze horas, não consegue dormir, a gente fica lendo, eu e a ela, aí a gente faz pergunta: O que foi que tu aprendeu com o livro? Quase todas as noites ou tem vezes que é um dia sim, um dia não, dois dia sim, dois dia não... (POLEGAR)
De acordo com Santos (op. cit.), o Projeto visa possibilitar a leitura para
além dos espaços escolares e com isso transformar o perfil sociocultural do
participante, auxiliando no desenvolvimento humano e se tornando um fator
estratégico de inclusão social. Verificamos de forma clara quando os adolescentes
falam da importância do Projeto para a leitura, para seu futuro profissional e sua
relação com os demais.
De início, ficou em silencio e quando respondeu, Cinderela mostrou-se
confusa:
Foi a Carol que foi lá em casa, ah... foi pela minha prima que lia livros, aí ela foi e comentou, assim pra gente, aí a gente foi e perguntou se a Carol podia emprestar livros. É muito interessante, que o projeto ele pode ajudar as pessoas a querer assim... estimular a ler, entendeu? É isso que eu entendi. São bons, melhor que os da minha biblioteca. (risos) Converso com o meu primo, com minha irmã às vezes, a gente conversa sobre os livros, tipo assim, eu tava com meu livro O Capital, e ele também tava igualzim, aí a gente comentou sobre isso, sobre o que ele entendeu o que é que eu entendi, aí eu falei pra ele que eu entendi algumas coisas, aí ele também falou que entendeu umas coisas, aí é isso aí... a gente comentou. (CINDERELA)
Mesmo concluindo a entrevista, Cinderela mostrou-se não muito à
vontade para responder, expressando timidez e, ao mesmo tempo, preocupação
com as respostas, questionando entre uma pergunta ou outra se a resposta era
aquela a desejada.
Os adolescentes costumam se sentir importantes e com maior visibilidade
quando passamos a palavra para eles, sentem a importância de pensar antes de
falar e, ao agradecermos pela contribuição, valorizados.
É... tu tava lá na casa da minha prima, aí tu perguntou se eu queria participar, tu me deu teu número, aí depois eu peguei e sai e tu veio falar com minha avó aí ela participou e deixou meu irmão participar, aí eu não tava aqui, aí depois tu veio, eu peguei história e fui participar. Interessante. Interessante. Porque também é legal, porque tem história de música. Não, Porque não tem ninguém pra conversar não. (MARIA)
Assim como Maria, Saci também foi breve em sua resposta, sem deixar
de ressaltar o interesse pela leitura e em participar do Projeto.
Eu soube através da visita da agente de leitura aqui em casa, visitou a casa do meu pai, aí eu vim saber o que era e descobri e achei muito interessante,
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eu quis participar. Eu acho muito bom porque assim... incentiva muitos jovens ler livros que eles nunca leram e bastante bom pra gerar a leitura.
Ele responde pausadamente as perguntas, procurando utilizar as palavras
mais adequadas, segundo ele, entre uma pergunta e outra. Quando questionado
sobre conversar sobre o que lia, mostrou-se bastante empolgado na sua resposta:
Apesar de ser... (pensou alguns segundos) vários livros que eu nunca li, eu achei muito bom... Converso... principalmente do livro que eu gostei, gostei assim bastante de ler, quando eu gosto de ler um livro assim eu gosto de repetir várias vezes. Muito bom. (SACI)
Compreende-se que o Projeto “Agentes de leitura”, além da sua
necessidade, teve seu valor, pois, sua relação com os adolescentes mostrou-se
bastante positiva em vários aspectos, dentre eles: a segurança ao falar da leitura
como aspecto fundamental não só para o âmbito profissional, mas que reflete
diretamente no modo como veem o mundo, assim como a proximidade causada ao
dialogar com outra pessoa sobre o que leu, também considerado como auxílio para
a escrita e incentivo à mesma e, por fim, no seu desempenho de comunicação
dentro e fora de sala.
Para concluir a entrevista, foram realizadas as seguintes perguntas: “O
que você acha dos livros do Projeto”, “Qual livro você mais gostou de ler?”,
“Descreva sobre algum momento vivenciado por você no projeto”, “O que a leitura
significa para você?” e, por fim, “O que mudou pra você desde que começou o
Projeto?”.
Dos livros, é assim... A gente aprende a ler mais, a escrita, por causa que a gente vê, né? A gente aprende a ler a escrita, assim... a gente se expressa, como eu já falei... tudo! Tem tudo a ver, às vezes o livro tem tudo a ver com a gente e tem pessoas que não ta nem aí pra ler, não ta nem aí pro livro, mas o livro é muito importante! Ah, eu não me lembro dos livros, foi tantos... Não me lembro... Ah... a do Cravo e a Rosa, eu também já li... Ah! A menina que se apaixonou, esse daí eu gostei muito, eu amei! Olha, só em um dia, eu acho que eu li três vezes aquele livro! (risos) O mesmo livro, porque eu amei aquele livro! Aí eu dizendo: Ái como eu queria que esse livro fosse meu! Num sei o que... num sei o que... (risos), é muito lindo o livro A menina que se apaixonou. (risos) Assim... eu gostei quando tu chegou no começo aqui em casa falando sobre livro e eu gosto muito de ler livro, aí eu perguntava logo: Ai, tem livro de romance? [...] Ah... eu gosto quando tu faz perguntas sobre o livro, o que eu entendi, que eu me expresso, que eu falo tudo que eu entendi no livro. Eu gosto assim. Significa muito bom, que às vezes pela leitura a gente se expressa, que tem muitas leituras assim, por exemplo, que tem amor que tem a ver com a gente... essas coisas, entendeu? Que a gente se expressa ou então triste, com raiva quando a gente lê um livro a gente se acalma. Assim... por causa que às vezes eu não gostava muito de ler, num vou mentir! Assim... eu pegava no livro pra
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ler, mas era difícil, não era assim... era difícil! E quando eu lia era pela metade... aí agora não... Você veio aqui aí mostrou os livros, eu achei muito interessante os livros assim... aí sempre que eu vou pra biblioteca do colégio eu pego um livro e leio todinho. (PEQUENA)
É interessante observar diante desta fala que os hábitos de leitura e a
forma como se processam as atividades do projeto podem possibilitar uma visão
diferenciada atrelada não somente ao âmbito educacional, mas cultural e social,
como o ato de conhecer e aprofundar no universo da informação e cidadania.
Eu acho interessante, pelo meno a gente aprende a escrever, a ler e não enganchar as linha, pular vírgula, essas coisa. A gente lendo, a gente descobre algumas coisas, como ler um livro da vida de um escritor, como ele conseguiu a carreira de escritor... essas coisas. Foi o... (pensou alguns segundos) A diversão dos mortos. Porque falava de uma pessoa que não gostava de morrer, só vivia se queixando da morte e todo dia ela via a morte, uma pessoa morrendo, aí quando ela morreu ela começou a viver na comunhão que era a Comunhão dos mortos, todo mundo que ela conhecia da família dela morreu, aí ela de tanto ela ficar falando dessas coisas de morte ela acabou morrendo também e fez a comunhão dos mortos. (Demorou alguns segundos) Ah... no dia da caixa de fósforo, aquela historinha que teve, A menina que vendia os fósforos, aquela história na escola, no quarto ano, a professora lia era muito pra nós, aí você leu naquele dia e eu me lembrei daquela história no dia em que a professora contou pra nós. Achei interessante aquela história. Porque ela fala duma meninazinha, que ficou na neve, no gelo, não me lembro muito bem da história não. Uma atividade que não tem fim, a gente pode ler livros à vontade. Só isso mesmo. Os livros, mais livros novos, isso... mudou! Mudou... comecei a gostar dos livro porque antes eu não gostava de ler, aí eu to começando a gostar de ler muitos livros. (PETER PAN)
Neste ponto, pode-se dizer que a contação de histórias restitui o universo
fantástico que é criado desde a infância destes adolescentes, onde a história oral, o
valor à memória e à experiência de cada ser humano se interligam à emoção
individual causada dentro de cada um, através da leitura.
É bom... ele ajuda a gente, porque tipo assim, minha leitura era péssima, tipo assim, era horrível, aí eu comecei a ler com frequência, aí minha leitura já melhorou bastante. Ajuda nisso. Eu achei legal, é muito variado as histórias, as coisas são muito variado, eu gostei bastante. (Respondeu rapidamente) Um nerd no Japão, e também o Segredo das criações, não! A Diversão dos mortos (risos), eu amei aquele livro, estou esperando o outro (risos). Estou esperando ele loucamente, porque tipo assim, tava ótimo o livro, aí no final deixou a desejar, aí eu: Ãnh? Ai meu Deus... (risos) porque não tem essa sequência no Projeto e eu queria a sequência do livro, e tipo, eu acho que a ação todinha tá no outro livro, porque mais da metade do livro foi só ele em casa trocando e-mail falando de alguns problemas de casa, aí quando começa e eles chegarem lá no Morro de Ferro, se eu não me engano o nome do lugar onde eles foram, começa a acontecer as coisas... fala do Iluminismo, fala que começa uma rebelião dos anjos e demônios e tem uma luta aí que acaba. E tipo eu fico: Acabou não! (risos) (ALI)
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O prazer pela leitura não só é expressa através das falas, como no modo
de se expressar, principalmente quando fazíamos alguma pergunta relacionada ao
gosto deles, como os livros lidos. Assim como as atividades realizadas, era visível o
envolvimento de todos ao narrarem sobre os livros lidos e as atividades
desenvolvidas no Projeto, era sentido a interatividade e alegria com que respondiam
esses momentos:
Foi abordagem que foi legal! Eu tava lendo Harry Potter, acho que a Ordem da Fênix, se eu não me engano... aí tu: Ah, tu gosta de ler? Aí eu: É, eu gosto... (risos) aí tu: Ah, eu vou te mostrar alguns livros do Agente de Leitura, aí depois tu veio com uns livros, mostrou... gostei de dois aí eu fui ler... pronto! Muito boa, tipo um aprendizado a mais, um mundo imaginário que eu entro, eu começo a ler, começo a imaginar outras coisas, como seria... eu to lendo uma coisa que ta tipo numa guerra, aí eu imagino os detalhes da guerra... daquilo tudo que ta acontecendo, sobre o romance que ta em volta da guerra... por causa de um romance que a guerra começou, tipo Romeu e Julieta, só que não tem nada a ver com família, foi por causa que um deles escaparam dos jogos aí começou a guerra, os dois. O meu tempo, tipo, eu ficava o tempo todo naquela loja assistindo televisão direto, eu não aguentava mais assistir televisão, aí tu chegou, aí pronto, aí eu já comecei a ler livros, passei a desligar aquela televisão (risos). Só deixava às vezes ligado quando to interessado em ver alguma coisa, aí sempre eu fico lá, lendo livro. (ALI)
Pode-se dizer que o que mais nos chama a atenção é o impacto que a
leitura causou no interesse destes adolescentes, que, como já foi mencionado,
sentem-se mais interessados pelo livro, com vontade de ler mais e vivenciar novas
experiências através de diferentes histórias. Eles reconhecem como uma
oportunidade de sair do seu âmbito real e acompanhar os personagens em suas
mais variadas aventuras, causando-lhes fortes emoções, como bem colocou Ali e,
agora, Emília:
São muito bons, me chamaram bastante a atenção. O diário de um banana! (sorrindo) Todos! Porque é muito engraçado, muito engraçado! Eu li o livro todinho, teve um que eu li um dia numa tarde só que era tão engraçado. O da Rachel de Queiroz (rindo), que é O Mundo por escrito, é muito legal! Conta a história dela, os sonhos que ela tinha, tipo um diário com sonhos... e quase tudo aconteceu como ela queria que acontecesse. Fiz até um trabalho sobre o que ela viveu, achei muito interessante como ela escreveu... como ela escreveu o primeiro livro dela, até doente ela escreveu o livro, de noite com lampião e tudo, achei muito interessante como era a história dela. Eu gostei do empréstimo de livro do... que eu peguei três livros, foi da Rachel de Queiroz, A Grande Fábrica de Palavras, HAICAIS é um livro branco cheio de versinhos. É... (Pensou alguns segundos) e outros livros também. É ótima porque você conhece várias coisas... personagens, histórias, muitas coisas que você aprende com a leitura também. É que eu tive mais oportunidade de ler novos livros, porque não tem muita opção aqui, assim de você pegar em uma biblioteca, não tem muito perto aqui, é melhor pra mim. Eu posso conhecer livros novos que eu nem sabia que tinha e conhecer novas histórias. (EMÍLIA)
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Diante do que foi dito pelos adolescentes, tiveram destaque nesta
pesquisa alguns pontos que eram semelhantes e recorrentes entre as falas dos
demais. Mas afinal, o que os adolescentes pensam da leitura e do Projeto?
O primeiro é sobre a obrigatoriedade que eles sentem ao ter que realizar
algum tipo de leitura para a escola. De acordo com Marcellino (2006), esse é um dos
fatores que mais dificultam a formação do gosto pela leitura:
[...] Assim, a literatura não é entendida e assimilada como cultura, mas sim como instrumental verbal para adquirir conhecimentos exigidos em situações formais, tão-somente. Deve-se acrescentar, ainda, a cisão entre a leitura de classe e a leitura extraclasse. Há uma espécie de incompatibilidade entre os textos “obrigatórios” e o caráter gratuito daqueles que “apenas divertem”. (p.88)
Parece existir entre os adolescentes, um sentimento de obrigatoriedade
imposta pela instituição escolar, colocando a leitura voltada para fichamentos,
seminários, resumos e respostas engessadas para questões de provas, deixando de
lado o aspecto subjetivo ou diferente interpretação por parte do aluno leitor que não
seja a esperada pelo professor. Como retrata a fala:
Por prazer! Às vezes... por prazer é dia de sábado e domingo, eu leio porque não tem nada pra fazer em casa. Na semana é por obrigação, e na semana é a vez da escola. (SININHO)
Eu leio por prazer quando eu acho tipo o título muito massa, assim... aí eu: Vou ter que ler esse livro! Ou então alguém fala: Ah, esse livro é legal e tal! E quando eu leio por obrigação, é quando a escola me obriga a ler aquele livro (risos) é, quando eu não to interessado, aí tipo, vai cair na prova, tenho que ler aquele livro. (ALI)
O segundo é com relação aos motivos que levam estes adolescentes a
pegar o livro e ler. Pois bem, a maioria respondeu que só lê em último caso. Ou seja,
quando não tem mais nada interessante para fazer no seu período de lazer ou
descanso, então eles vão lá e leem. O fato de não gostarem de ler está mais ligado
ao âmbito da sala de aula do que fora dela.
Marcellino (op. cit.) discute em seu livro as formas de se compreender o
lazer e, em um determinado capítulo, a relação do lazer com a leitura. Utilizando sua
fala novamente, ressalta que:
Dessa forma, a leitura, como qualquer outro interesse intelectual no lazer, possui aspectos ambíguos, podendo se constituir em preparação para assumir ou melhorar o desempenho nas diversas áreas de obrigações, perdendo assim o caráter “desinteressado”, de “simples” lazer. (p.87)
83
É possível perceber nas falas, que eles acreditam na importância que a
leitura tem para o presente momento e seu futuro, acreditam na mudança que ela
causa, como exemplo: o fato de concluírem a leitura de um livro e de se
interessarem a buscar outros novos. Alguns são lidos e, certas vezes, relidos, pois
neles podem criar e recriar seus desejos, sonhos, sentido protagonistas da sua
própria história.
Observa-se também a aceitação do Projeto e os resultados causados por
ele, como: melhora na escrita, na fala, na forma de se expressarem, na interpretação
de textos e na própria convivência com o mundo.
É identificado também nas falas que o livro disputa espaço com o
frequente uso de aparelhos eletrônicos, que, em sua grande maioria, estão voltados
para as redes sociais como o Facebook. É claro que não se pode afirmar que a
leitura cessará as desigualdades sociais e que será fonte de salvação para a
humanidade, ou pior, considerar que o sujeito que lê é melhor que aquele que não
lê. No entanto, como foi visto nas falas e na análise teórica desenvolvida ao longo
dos capítulos, a leitura é considerada um exercício que depois de realizado nos
impede de continuarmos os mesmos depois de ter passado por ela.
Parafraseando Freire (1989), “o conhecimento liberta”. Em seu livro A
importância do ato de ler, ele relaciona a importância da leitura com a sua própria
experiência enquanto leitor, fazendo um breve resgate histórico de sua infância e
mocidade, ele descreve detalhadamente aspectos do contexto vivido e reforça o
aprendizado da leitura a partir da sua visão de mundo.
Mas, é importante dizer, a “leitura” do meu mundo, que me foi sempre fundamental, não fez de mim um menino antecipado em homem, um racionalista de calças curtas. [...] A decifração da palavra fluía naturalmente da “leitura” do mundo particular. Não era algo que se estivesse dando superpostamente a ele. Fui alfabetizado no chão do quintal de minha casa, à sombra das mangueiras, com palavras do meu mundo e não do mundo maior dos meus pais. O chão foi o meu quadro-neqro; gravetos, o meu giz.” (p.11)
Reporta-se a este texto devido à riqueza de detalhes que o autor utiliza
para descrever a sua relação entre a leitura e, também, ao pilar da sua discussão
entre educador e educando, a constante dinâmica que há entre a escrita, a leitura e
o conhecimento. Justificando assim a frase que leva ao cerne de sua discussão “A
leitura do mundo precede a leitura da palavra” (p.09):
[...] Na proposta a que me referi acima, este movimento do mundo à palavra e da palavra ao mundo está sempre presente. Movimento em que a palavra
84
dita flui do mundo mesmo através da leitura que dele fazemos. De alguma maneira, porém, podemos ir mais longe e dizer que a leitura da palavra não é apenas precedida pela leitura do mundo, mas por uma certa forma de “escrevê-lo” ou de “reescreve-lo”, quer dizer, de transformá-lo através de dessa prática consciente.” (p.13)
De acordo com o autor, a palavra está ligada intimamente à experiência
da realidade e não somente as suas decodificações, afirmando que linguagem e
realidade se prendem dinamicamente. Aspectos estes fundamentais para o
processo de alfabetização e compreensão da leitura para além da escrita.
Assim, compreende-se que políticas de incentivo à leitura possibilitam ao
leitor ver o mundo sob outra ótica, podendo recorrer ou não as suas lembranças e
experiências literárias vividas cotidianamente sem percebê-las, relacionando-as a
diversos momentos de sua existência. A pessoa que tem acesso à informação, ao
conhecimento e consequentemente à leitura, é, em geral, mais criativa, sensível e
crítica aos problemas que a cerca, às dores e sofrimentos alheios.
Por fim, foi percebido na fala dos entrevistados que a proposta do Projeto
“Agentes de leitura” é espontaneamente atendida, além de ser compreendida como
instrumento exemplar de suma importância para se debater frente às demais
políticas de incentivo à leitura.
Diante disso, considerando que não há conclusões e sim, considerações
a respeito de todo o percurso realizado e analisado, apresentamos no próximo
capítulo alguns dos pontos mais relevantes desta pesquisa.
85
CONSIDERAÇÕES FINAIS: JÁ QUE NÃO É POSSÍVEL CONCLUIR
Diante das proposições da pesquisa, pôde-se perceber que o leitor não é
somente passivo, ele opera um trabalho produtivo, ele reescreve sua realidade. Com
o livro em mãos tem autonomia para alterar o sentido, fazer o que bem entender,
distorcer, reempregar, introduzir variantes, até deixar de lado os usos corretos. E
esse processo que está sujeito possibilita transformá-lo, pois, pode encontrar algo
que não esperava e não sabe nunca até onde isso poderá levá-lo.
Com o objetivo de trazer à luz os aspectos empíricos, o presente estudo
buscou descrever a leitura desde seu caráter sócio-histórico e cultural até entendê-la
enquanto prática humana e construção da prática social. Percebeu-se que nem
sempre a leitura desfrutou de uma significativa relevância, pelo contrário,
inicialmente sua prática era condenada, principalmente, se realizada
silenciosamente, conforme dito ao longo do texto. Hoje, não só acredita-se nos
benefícios da leitura, como se acredita que é imprescindível lutar para garanti-la.
Não sendo diferente com relação à leitura literária, esta que também por
anos teve suas produções voltadas a concepções estéticas e morais. Marcada por
várias definições e transformações, a educação literária pode ser considerada como
uma formação individual que mantém elo com a sua cultura, que faz parte de um
processo de formação constante considerado nunca acabado. Podemos considerar
então que a leitura literária acompanha o movimento do homem de acordo com cada
época e cada lugar. Mostra que não se propõe a apresentar somente os fatos, mas
a complexidade de pensamentos que rodeiam e permeiam esses fatos através de
uma linguagem sensível, artística e prazerosa.
Portanto, levando-nos a compreender que a promoção da leitura significa
associar leitura e escrita a práticas sociais que façam sentidos para aqueles que as
utilizam, na busca por desvendar sua diversidade, suas dimensões políticas e
implicações ideológicas, supondo níveis de domínio das práticas que exigem essas
habilidades. Esse é um dos motivos que nos levou a refletir sobre a necessidade de
mais políticas de incentivo à leitura.
Pesquisas como o Instituto Nacional de Alfabetismo Funcional, Programa
de Avaliação Internacional de Estudantes e Retratos de Uma Pesquisa da Leitura no
Brasil, apontam para a grande quantidade de brasileiros que tem dificuldade no
acesso à leitura de livros e materiais impressos ou virtuais. Em alguns casos, o
acesso é precário e refletem diretamente na leitura, interpretação e compreensão.
86
Frente a isso, podemos perceber que nos últimos anos ocorreu um crescente
número políticas de incentivo à leitura e ao livro, como por exemplo: o Plano
Nacional do Livro e Leitura (PNLL), criado em 2006. Mas tal crescimento ainda não é
suficiente para acompanhar o expressivo número de pessoas que não sabem ao
menos escrever seu nome, pois, é sabido que ainda há milhões de pessoas iletradas
e que para garantir e efetivar a democratização da leitura é necessário tomá-las
como prática social.
Dito isso, percebe-se a necessidade de ampliar os espaços de discussão
sobre a temática e buscar meios de expandir e efetivar políticas de leitura, cultura e
acesso ao livro. Portanto, partindo do nosso contexto, podemos verificar as novas
formas de relações. Falamos da interação da sociedade com a tecnologia, esta
constantemente presente na fala dos adolescentes quando se trata do acesso à
informação, muitas vezes colocada como principal via de acesso para tal. De acordo
com esta informação, pode-se pensar em articular a internet com as políticas de
incentivo à leitura através da sua divulgação, hoje considerada um dos meios mais
eficazes para tal ação.
Desta forma, reiteramos aqui que as políticas de incentivo à leitura
demandam importância na sociedade brasileira e cada vez mais se integram à
educação e à cultura, requerendo atenção de todos os ministérios, pois, a intenção é
que se torne uma política maior em todos os governos: Federal, Estadual e
Municipal.
O Projeto “Agentes de Leitura” vem se mostrando bastante efetivo e
produtivo de acordo com a fala dos adolescentes. Estas informações não servem
somente para compor uma pesquisa de campo, pelo contrário, busca-se com elas
apresentar dados que embasem futuras pesquisas na área e que sirvam também, e
principalmente, como fonte de constatação de que políticas nesta área, não só
causam impactos no sujeito, como também em toda a sociedade refletindo
diretamente em um olhar crítico e em uma ação participativa.
Assim, evidenciamos três dos achados principais desta pesquisa: o
primeiro é o fato de que a leitura possibilita torná-los mais participativos em sala de
aula, mais interessados em ler outros livros e fazem com que dialoguem sobre o que
foi lido; o segundo, é que, para eles, o livro representa um convite à imaginação que
os deslocam da realidade e os fazem criar seu próprio espaço tornando-os atuantes.
Alguns mencionam que, quando agitados, ao folhear um livro, passam a se sentir
87
mais calmos; por fim, a interação que o Projeto “Agentes de leitura” possibilita entre
os livros e os demais adolescentes, segundo eles, as atividades envolvem não só o
livro. Em alguns momentos têm canção e alguns improvisos. De acordo com a fala, o
Projeto os deixam à vontade para passar o tempo que quiser com os livros, de trocar
uns com os outros, de escolher e também de optar por não ler, fazendo com que se
sintam livres para fazer suas escolhas, atitude esta, muitas vezes limitada por seus
responsáveis.
Vale ressaltar que nos últimos anos ocorreu uma crescente discussão em
torno do assistente social na Política de Educação, esta não muito tratada na
literatura profissional, mas que vem ganhando grandes proporções nos debates da
categoria e, também, gerando articulações tanto com o meio social, cultural como
nas suas respectivas instâncias, seja municipal, estadual ou federal.
Sobre a formação de sujeitos e efetivação de direitos, é relevante atentar
para a contribuição do assistente social não só no espaço escolar, mas no campo da
educação, entendendo-a como um espaço mais abrangente e de dimensões mais
complexas e importantes da vida social. Apesar desta temática ainda ser recente, é
compreendida como um novo espaço sócio-ocupacional que o profissional pode vir a
atuar, que tem como pressuposto a conquista da educação como direito social e
como forma emancipatória dos sujeitos.
Desta forma, relacionando o Serviço Social às falas dos entrevistados
sobre a liberdade, o conhecimento e a participação, estes considerados elos entre
criticidade e transformação social, pode se pensar em estratégias que tenham como
direção social a conquista da educação emancipatória, possibilitando a efetivação do
projeto ético-político profissional e visando reforçar a intersetorialidade das políticas
sociais para garantir a efetivação da educação para todos, sem diferenciações
sociais e culturais, e de qualidade.
Após a explanação minuciosa de cada caminho percorrido para a
realização desta pesquisa e dos seus achados, além do destaque para a
importância da contribuição do Serviço Social, compreende-se que a profissão pode
vir a contribuir além do desenvolvimento de cada um e de todos os indivíduos
sociais, também através da garantia à informação e viabilização do acesso às
políticas de incentivo à leitura. Portanto, se acreditamos na dimensão social e
transformadora que a leitura pode causar, compreendemos que ela pode ser
ferramenta de consciência e inclusão social e de desenvolvimento cultural.
88
É essencial que pensemos uma proposta de educação que não só
melhore seu nível educativo, mas que vise à participação social destes
adolescentes. Que venham a desenvolver habilidades de leitura com o intuito de
favorecê-los diante do exercício de seus direitos, fortalecer seus valores
democráticos respeitando sua diversidade cultural e possibilitando a eles atuação
efetiva na sociedade.
Contudo, para alcançarmos uma sociedade mais justa devemos buscar
alternativas que resgatem o prazer na leitura através de ações que promovam a
formação de leitores criativos e participativos, buscando parcerias em todas as
instâncias, seja na sala de aula ou por meio do Governo Federal, reforçando a
articulação entre políticas públicas educacionais, culturais e sociais.
Em suma, diante do que foi exposto nesta pesquisa, considera-se
relevante a importância que os espaços de leitura, públicos ou abertos ao público
têm para a sociedade, e, de acordo com o que foi analisado nas falas dos
entrevistados, o Projeto “Agentes de Leitura” tem a função de difundir e facilitar o
acesso ao conhecimento da cultura escrita, entre outros fatores já mencionados.
Entretanto, necessita-se ser compreendido e desenvolvido como um dos elos mais
democráticos da reivindicada equidade social.
89
REFERÊNCIAS
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92
APÊNDICES
APÊNDICE A – Roteiro de entrevista (Pré-teste)
Pesquisa de TCC: Do Lazer à criticidade: A leitura literária inserida no cotidiano dos
adolescentes, moradores do bairro Conjunto Ceará, como processo de formação política.
Pesquisadores: Mário Henrique Castro Benevides (Orientador) e Ana Caroline Dias
Guimarães (Orientada).
ROTEIRO DE ENTREVISTA
Entrevista Nº: _____ Data: ___/___/____ Duração: ______ Gravação: _____
PERFIL SÓCIOECONÔMICO
1) Sexo: ( ) Masculino ( )Feminino
2) Idade:
3) Rede de Ensino: ( ) Público ( ) Privado
4) Qual a sua formação?
RELACIONADO À FAMÍLIA, AO BAIRRO E À ESCOLA:
1) Conte um pouco sobre você e sua família.
2) Você cresceu no bairro? Seus pais também?
3) Você trabalha ou ajuda em casa?
4) O que você gosta de fazer no tempo livre?
5) Como é que é a sua escola? Há algo de bom e/ou ruim nela que você lembra de
imediato?
RELACIONADO AO LIVRO e À LEITURA:
1) Você tem livros em casa?
2) Como você tem acesso aos livros?
3) O que a leitura significa para você?
4) Você ler por prazer ou por obrigação?
5) O que motiva você a ler?
6) Seus pais são leitores?
93
RELACIONADO AO PROJETO, CRITICIDADE E PARTICIPAÇÃO:
1) Como soube do Projeto?
2) O que você pensa sobre o Projeto? O que o Projeto é para você?
3) A leitura influência a sua maneira de ver as „coisas‟, o mundo? Como?
4) Os livros lidos no Projeto influenciam no cotidiano?
5) Como se dá o seu envolvimento com as pessoas do bairro?
6) As pessoas do bairro reúnem-se em algum lugar para discutir sobre os problemas do
bairro?
7) O que significa participação, criticidade, política e cidadania?
94
APÊNDICE B – Roteiro de entrevista (Oficial)
Pesquisa de TCC: “A leitura literária inserida no cotidiano dos adolescentes,
moradores do bairro Conjunto Ceará, através do Projeto Agentes de Leitura.”
Pesquisadores: Mário Henrique Castro Benevides (Orientador) e Ana Caroline Dias
Guimarães (Orientanda).
ROTEIRO DE ENTREVISTA (OFICIAL)
Entrevista Nº: Data: Duração: x Gravação: _____
PERFIL SÓCIOECONÔMICO
5) Sexo:
6) Idade:
7) Rede de Ensino: ( ) Público ( ) Privado
8) Qual a sua formação:
9) Você e seus pais cresceram no bairro?
RELACIONADO À FAMÍLIA, AO BAIRRO E À ESCOLA:
6) Comente sobre você e sua família.
7) Comente sobre sua escola.
8) Comente sobre os livros utilizados na escola.
9) Fale um pouco sobre suas atividades diárias.
10) Você trabalha ou ajuda em casa?
11) O que você gosta de fazer no tempo livre?
RELACIONADO AO LIVRO e À LEITURA:
7) Seus pais são leitores?
8) O que você acha do livro?
95
9) O que motiva você a ler?
10) O que você lê?
11) Quando você lê por prazer e quando você ler por obrigação?
12) Você tem livros em casa? Quantos? Quais?
13) Como você tem acesso aos livros?
14) Como você se tornou leitor?
RELACIONADO AO PROJETO AGENTES DE LEITURA
8) Como soube do Projeto?
9) Fale sobre o que você pensa sobre o Projeto.
10) O que você acha dos livros do Projeto?
11) Você conversa sobre o que lê?
12) O que mudou pra você desde que começou o Projeto?
13) Qual livro você mais gostou de ler?
14) Descreva sobre algum momento vivenciado por você no projeto.
15) O que a leitura significa para você?
96
APÊNDICE C – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Convidamos o (a) adolescente [...] que se encontra sob sua
responsabilidade para participar da Pesquisa “Do Lazer à criticidade: A leitura
literária inserida no cotidiano dos adolescentes, moradores do bairro Conjunto
Ceará, como processo de formação política” sob execução dos(as)
pesquisadores(as) Mário Henrique Castro Benevides (responsável) e Ana Caroline
Dias Guimarães (participante), a qual pretende estudar a percepção do(a)s
adolescentes participantes do Projeto Agentes de Leitura desenvolvido no bairro
Conjunto Ceará acerca da formação política através da leitura literária.
Sua participação é voluntária e se dará por meio de entrevista realizada
pelos pesquisadores, que terá aspectos relativos à leitura, leitura literária, educação,
formação política e participação em comunidade. A finalidade dessa coleta de dados
é contribuir para a construção do Trabalho de Conclusão do Curso (TCC)
ressaltando a importância da pesquisa de campo para a análise e compreensão do
tema abordado, além da contribuição para os próprios participantes. A entrevista
será realizada em sua residência no dia previamente marcado, de acordo com a
disponibilidade do(a) adolescente.
Não há riscos decorrentes da participação do(a) adolescente, este possui
a liberdade de retirar sua permissão a qualquer momento, seja antes ou depois da
coleta dos dados, independente do motivo e sem nenhum prejuízo ao seu cotidiano
no bairro. É válido esclarecer que será resguardo o sigilo quanto aos participantes
entrevistados.
Se você aceitar participar, estará contribuindo para que aconteçam
reflexões importantes acerca do Projeto e do cotidiano vivenciado por muitos
adolescentes no atual contexto através do seu envolvimento com a leitura literária.
Ressaltamos que possui o direito de ser mantido(a) atualizado(a) sobre os
resultados parciais da pesquisa. Esclarecemos que, ao concluir a pesquisa, você
será comunicado dos resultados finais.
97
Não há despesas pessoais para o(a) participante em qualquer fase do
estudo. Também não há compensação financeira relacionada à sua participação.
Se existir qualquer despesa adicional, ela será paga pelo orçamento da pesquisa.
Os pesquisadores assumem o compromisso de utilizar os dados
somente paraesta pesquisa. Os resultados da pesquisa serão analisados e
publicados, mas sua identidade não será divulgada, sendo guardada em sigilo.
Em qualquer etapa do estudo, poderá entrar em contato com a
pesquisadora para o esclarecimento de dúvidas ou para retirar o consentimento de
utilização dos dados coletados com a entrevista. Pesquisadora: Ana Caroline Dias
Guimarães. Contato: 85 88240476.
Consentimento Pós–Informação
Eu,___________________________________________________________, fui
informado sobre o que o pesquisador quer fazer e porque precisa da minha
colaboração, e entendi a explicação. Por isso, eu concordo em participar do projeto,
sabendo que não vou ganhar nada e que posso sair quando quiser. Este documento
é emitido em duas vias que serão ambas assinadas por mim e pelo pesquisador,
ficando uma via com cada um de nós.
________________________________________ Data: ___/ ____/ ____
Assinatura do Participante
________________________________________
Assinatura do Pesquisador Responsável
98
APÊNDICE D - Lista dos livros utilizados no Projeto “Agentes de Leitura”.
Livro: ORIGAMI: A arte das dobraduras
Autor: Carlos Genova
Livro: Uma lagarta muito comilona
Autor: Eric Carte
Livro: Descobrindo as cores através da arte
Autor: Caroline Micha e Maíra Fernanda Rodrigo
Livro: O artista que pintou um cavalo azul.
Autor:Eric Carte
Livro: O meu jardim.
Autor: Neir Helis
Livro: Um buraco no meio do céu
Autor: Geraldo Peçanha de Almeida
Livro: Raimundo Imundo Pulgas!
Autor: David Robert/ Alan Macdonald
Livro: Dever de casa
Autor: Carlos Urbim
Livro: A gênese africana: contos, mitos e lendas da África
Autor: tradução: Dinah de breu Azevedo
Livro: Aos poucos fico louco
Autor: Ulisses Tavares
Livro: Varal da poesia
Autor: Henriqueta Lisboa/ João Paulo Paes/ Mário Quintana/ Fernando Paixão
Livro: Diário de um banana. Rodrick é o cara
Autor: Jeff Kinney.
Livro: O enigma das estrelas
Autor: Fábio Farah
Livro: Mundo mundinho: Histórias nem sempre imaginadas
Autor: Raimundo Rocha.
Livro: Mundo dos vivos. Contos.
Autor: Carlos Roberto Vazconcelos.
Livro: A diversão dos mortos
Autor: Fábio Farah
99
Livro: Coroai-me de rosas
Autor: Rosemara de Mont‟Alverne Neto
Livro: Cenas urbanas
Autor: Júlio Emílio Braz
Livro: O dia do rio
Autor: Eraldo Miranda
Livro: Avó de cães mestiços
Autor: Eudismar Mendes
Livro: Será o cabrito ou será o Benedito?
Autor: Jonas Ribeiro
Livro: O sapo Leleca e a princesa Lili
Autor: José Romero Nobre de Carvalho
Livro: O menino que virou fantoche
Autor: Alessandra Pontes Roscoe
Livro: Bruxa Cremilda e seus cremes poderosos
Autor: Jonas Robeiro
Livro: Contos ecológicos: Histórias para amar a natureza
Autor: Paulo Debs
Livro: A caligrafia de Dona Sofia
Autor: André Neves
Livro: Rachel: O mundo por escrito
Autor: Tércia Montenegro
Livro: Um comilão, um briguento e um chorão
Autor: Sílvio Costta
Livro: O bicho Mi.
Autor: Elba G Gomes e Luciene G Gomes
Livro: Três contra um
Autor: Rosângela Vieira Rocha
Livro: A festa de Tati
Autor: Rosângela Vieira
Livro: Chão e Pegadas
Autor: Silvio dos Santos Filho
Livro: Eu, ela e as flores
Autor: Neir Ilelis
Livro: Um caso arquivado
Autor: Philip Gourevitch
100
Livro: A Flauta do Jabuti
Autor: Elvira Drummond
Livro: O cravo brigou com a Rosa
Autor: Antonio Carlos Barreto. Ilustrações: Antonio Cedraz
Livro: O Riso da Agonia
Autor: Plínio Cabral
Livro: Descoberta ao amanhecer
Autor: Walter Veltroni
Livro: O Concurda de Notre-Dame em cordel
Autor: Victor Hugo. Adaptação: João Gomes de Sá. Ilustrações: Murilo e Cintia
Livro: 2083
Autor: Vicente Muñoz Puelles
Livro: A menina que se apaixonava
Autor: Marta Góes. Ilustrações: Mariana Massarani
Livro: Vende-se uma família
Autor: Socorro Acioli. Ilustrações: Suzana Paz
Livro: O túnel de letras e o reino da pedra
Autor: Ernani Só
Livro: Diálogo da relativa grandeza
Autor: José J. Veiga. Ilustrações: Gerson Conforti
Livro: A lei Maria da Penha em Cordel
Autor: Tião Simpatia. Ilustrações: Meg Banhos
Livro: Ninguém se mexe
Autor: Denis Johnson
Livro: Histórias ao pé do ouvido
Autor: Fernanda Saraiva Romero. Ilustrações: Dany Eudes Romeira.
Livro: Diáfana
Autor: Celso Sisto. Ilustrações: Rebeca Luciani
Livro: Rapoti, Imaginar para conhecer
Autor: Christiane Wagner.
Livro: Matilda from Tacatu island
Autor: ClaudiaSouza. Ilustrações: Taline Schubach.
Livro: Arabesco no vento
Autor: Roseana Murray. Ilustrações: Elvira Vigna.
Livro: A Aventura de Escrever, confidências de uma escritora
Autor: Suzanne Lispsett.