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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE CEARENSE BACHARELADO EM SERVIÇO SOCIAL MARISA ALBUQUERQUE CORDEIRO CONTINUIDADE E RUPTURA NAS APROPRIAÇÕES DA TRADIÇÃO MARXISTA NO SERVIÇO SOCIAL BRASILEIRO: UMA ANÁLISE CRÍTICA DE SUAS EXPRESSÕES NA FORMAÇÃO PROFISSIONAL FORTALEZA 2013

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  • CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ

    FACULDADE CEARENSE

    BACHARELADO EM SERVIÇO SOCIAL

    MARISA ALBUQUERQUE CORDEIRO

    CONTINUIDADE E RUPTURA NAS APROPRIAÇÕES DA TRADIÇÃO MARXISTA

    NO SERVIÇO SOCIAL BRASILEIRO: UMA ANÁLISE CRÍTICA DE SUAS

    EXPRESSÕES NA FORMAÇÃO PROFISSIONAL

    FORTALEZA

    2013

  • MARISA ALBUQUERQUE CORDEIRO

    CONTINUIDADE E RUPTURA NAS APROPRIAÇÕES DA TRADIÇÃO MARXISTA NO

    SERVIÇO SOCIAL BRASILEIRO: UMA ANÁLISE CRÍTICA DE SUAS EXPRESSÕES

    NA FORMAÇÃO PROFISSIONAL

    Monografia apresentada ao curso de graduação em Serviço

    Social da Faculdade Cearense, Centro de Ensino Superior do

    Ceará, como requisito parcial para a obtenção do grau de

    Bacharel em Serviço Social.

    Orientadora: Profa. Dra. Cristiane Porfírio de Oliveira do Rio.

    FORTALEZA

    2013

  • MARISA ALBUQUERQUE CORDEIRO

    CONTINUIDADE E RUPTURA NAS APROPRIAÇÕES DA TRADIÇÃO MARXISTA

    NO SERVIÇO SOCIAL BRASILEIRO: UMA ANÁLISE CRÍTICA DE SUAS

    EXPRESSÕES NA FORMAÇÃO PROFISSIONAL

    Monografia apresentada ao curso de graduação

    em Serviço Social da Faculdade Cearense, Centro

    de Ensino Superior do Ceará, como requisito

    parcial para a obtenção do grau de Bacharel em

    Serviço Social.

    Aprovada em ____ de ____________ de ______

    ______________________________________________

    Profa. Dra. Cristiane Porfírio de Oliveira do Rio – UECE

    ______________________________________________

    Profa. Ms. Renata Gomes da Costa – FaC

    ______________________________________________

    Prof. Dr. Estenio Ericson Botelho de Azevedo – UECE

  • Ao exército mundial do trabalho que luta por um mundo novo e nosso!

  • AGRADECIMENTOS

    Agradeço primeiramente, por justíssimo grau de contribuição, a minha querida e tão

    amada família: A minha valiosa mãe Socorro Albuquerque, mulher forte e de luta, amiga

    essencial na travessia desse exaustivo e, também, prazeroso processo, que pacientemente me

    “segurou nos braços” toda vez que eu pensei não conseguir e, de mãos dadas, caminhou

    comigo durante toda a minha vida me ensinando a maior lição de amor – a lutar! –, a ti sou e

    serei eternamente grata, não apenas pelo amor desmedido, mas pela sabedoria e o

    ensinamento doce de enfrentar os amargos obstáculos da vida. Ao meu irmão Marcílio

    Albuquerque de Castro pela referência de responsabilidade e pelos inesquecíveis

    ensinamentos sobre confiança e seriedade, homem pelo qual sou fã e quero um bem danado!

    A minha irmã Marília Albuquerque pelo apoio e o companheirismo, mesmo pelos cotidianos

    conflitos de “irmã”, os afáveis momentos em que vivemos juntas são os que permanecem em

    minha memória; vocês dois são o meu bem-querer. A minha doce cunhada Edineide Santos,

    que mais tenho como irmã, e mulher pela qual não escondo as mais profundas admirações,

    agradeço pelas sinceras horas consumidas em conselhos e conversas durante essa fase

    monográfica, carinhos e risadas, obrigada por ser sempre esta mulher inspiradora! Aos meus

    docinhos mais lindos e cheirosos desse mundo Annelise e Isabelle que, com sua sabedoria

    questionadora de crianças, sempre me inspiraram a mostrar-me como exemplo de amizade e

    amor. E, por fim, mas não menos importante, ao meu pai Jairo Alves Cordeiro que mesmo

    ausente sempre esteve presente neste coração preocupado, agradeço por me proporcionar as

    mais belas autoanálises e reflexões e perdoe-me por não dizer-te pessoalmente o quanto és por

    mim amado. Obrigada por terem sonhado comigo e possibilitado a materialização de mais um

    sonho!

    As minhas amadas e melhores amigas: A Isabela Nepomuceno pela inquebrantável

    fidelidade e paciência com as minhas ausências, estresses e desesperos com essa monografia,

    obrigada pelo total apoio, por estar comigo nos momentos mais importantes de minha vida e

    pela sincera amizade, minha grande amiga, é uma honra tê-la como confidente! A Izabel Mota

    por toda ternura e compreensão sobre a minha ausência em nossos momentos mais

    particulares de alegria, pela oportunidade de aprender a cuidar e defender a quem se ama, pelo

    amor sempre tão carinhoso de uma amizade verdadeira. Sou grata pelo presente que é tê-las,

    amigas!

  • As minhas companheiras de turma: Angélica Braga, Carla Lúcia, Daiane Faustino

    (Maria do Bairro), Evilene Pessoa (Vivi), Jamylly Maciel (nega), Paula Fahd (a tia que ganhei

    de presente!), Mayara Rodrigues e Raquel Machado pelas experiências partilhadas, pelo

    compartilhamento dos mais lúcidos conflitos que provêm do questionamento e da crítica e

    pelas mais deletérias incidências nas múltiplas células sociais que engendram o meu ser em

    construção. Vocês são inesquecíveis, as amo! A Jamile Castro, Glauciane Silva, Andréa

    Ribeiro, Soraia Andrade, ao Fábio Silva, Cláudio Henrique e os/as demais companheiros, não

    apenas de turma, mas que pude conhecer ao longo da formação, que compartilharam do difícil

    exercício profissional já nos caminhos da graduação, agradeço pelo carinho e a

    espontaneidade, pela troca constante de experiências e amparo, vocês marcaram a minha

    formação intelectual.

    Aos amigos, parceiros, camaradas e companheiros de LUTA que fiz no Movimento

    Estudantil de Serviço Social (MESS): Isa, Emilie, Marcelo, Alfredo, Myrna, Fabíola, Aritana,

    Carol, Júlio, Heber, Léo por terem sido a minha ESCOLA de militância, pelas lutas travadas,

    ombro a ombro, pelas angústias sentidas, mas também pelas catarses extravasadas, as bebidas

    e as culturais vivenciadas; por construírem coletivamente, mesmo em meio aos tempos de

    barbárie e ofensiva do capital, o sonho de uma sociedade livre, emancipada e cheia de

    camaradagem! A tantos lutadores que não pude citar e, em síntese, a ENESSO (Executiva

    Nacional de Estudantes de Serviço Social) que, uma vez mergulhados na militância junto com

    a classe trabalhadora, jamais perderam a ousadia e a coragem de conquistar corações e

    mundos revolucionários, pois acreditamos, assim como disse Gramsci, que viver é tomar

    partido! A vocês, um poema de Valdenízia Peixoto:

    Quando eu escolhi sozinha, fazer Serviço Social

    Me disseram que seria uma pobre assalariada,

    E que iria viver rodeadas de gente suja e mal cheirosa.

    Me disseram que eu só serviria para defender “mirim”,

    Me disseram que médicos, enfermeiras, advogados e psicólogos sempre mandariam

    em mim,

    Me disseram que eu deveria procurar outra profissão que “desse” dinheiro

    Enfrentei tudo o que me disseram.

    E consegui vencer os três primeiros semestres de “conflito” do curso.

    Quando eu entrei pro Centro Acadêmico

    Me disseram que iria atrapalhar meus estudos

    Me disseram que ali era espaço de drogas e bebedeira

    Me disseram que as pessoas dali gostavam de baderna e “anarquia”

    Enfrentei tudo e já não estava mais sozinha

    Foi então que parei...

  • Refleti, entendi e aprendi a me apaixonar!

    Aprendi a conhecer, aprendi a respeitar,

    Aprendi a agir coletivamente,

    Aprendi que ética não se compra, se constrói no coletivo.

    Aprendi a indignar-se,

    Aprendi a chorar, a emocionar,

    inclusive com a derrota.

    Aprendi também a beber, a fumar...

    Afinal é preciso liberar tensões!

    Aprendi a falar, gritar e calar.

    Aprendi a amar, e amar, e amar, e amar...

    Aprendi o significado das cores do arco-íris,

    Aprendi a organizar para desorganizar

    Aprendi que “a questão social é multifacetária e suas refrações aparecem

    caleidoscopicamente na totalidade, na qual o fio condutor é o cotidiano”.

    Aprendi que liberdade não “é fumar um Free”,

    Liberdade é o princípio primeiro rumo ao “humano genérico”!

    Aprendi tudo! E aprendi que tenho muito mais a aprender.

    As minhas “compas” de CQAS (Comissão das quase-Assistentes Sociais): Angélica

    Barbosa, Ariadna Monteiro, Jacqueline Pereira, as Patys (Façanha e Melo) e Sara Rebeca

    Sales pela inestimável contribuição ao meu processo de formação profissional e na luta para

    que “a justiça social se implementasse antes da caridade por meio da viabilização dos direitos

    humanos e principalmente sociais dos usuários da gratuidade do transporte público para as

    pessoas com deficiência”, estar com vocês foi de “aaaaaampla experiência”. As minhas

    queridas supervisoras de campo Ana Roberta Almeida e Angela Freitas pelos momentos

    instigantes de aprendizado e descortinamento da unidade entre teoria e prática, pela paciência

    com as quedas ao longo do caminho, mas acima de tudo pela infinita competência de exercer

    um Serviço Social radicalmente humano e crítico.

    Aos meus amados professores assistentes sociais: Daniel Rogers, Cynthia Studart,

    Eveline Alves, Vivian Matias, Kelma Nunes, Valney Rocha, Letícia Peixoto, Lauri Sales, Ana

    Paula Pereira, e àqueles que deixei de citar muitíssimo obrigada pelos valiosos momentos de

    aprendizado, pelas experiências e dúvidas compartilhadas, pelos deliciosos instantes de

    carinho, riso e também sensatez, cada um de vocês será carregado não apenas em minhas

    melhores reflexões profissionais, mas em meu coração pela admirável competência e

    compromisso ético-político com os valores defendidos pela nossa profissão! Também quero

    agradecer aos queridos professores Mário Henrique, Alexandre Carneiro, Radamés Rogério,

    Márcia Mourão, Eloísa Bezerra (in memorian), Hamilton Teixeira pela coragem de encarar

    este grande desafio que é ensinar a pensar! Agradeço imensamente a todos!

  • Aos camaradas de luta do PSOL (Partido Socialismo e Liberdade), especialmente

    Afrânio Castelo e Marcelo Ramos, e do PCB (Partido Comunista Brasileiro), Caroline

    Magalhães, Emmanuel Teixeira e Léo Santos; que tão imensamente contribuíram para o meu

    crescimento político e intelectual, pelas conversas camaradas, pelos presentes literários que

    tanto me subsidiaram na construção deste escrito monográfico e o empenho na luta pela

    construção de uma sociedade verdadeiramente comunista e popular.

    Ao “menino” que encheu minha poesia de amor, Felipe Munhoz, com quem tenho

    vivenciado uma história de sinceras trocas; pela compreensão, paciência e o imenso apoio

    dado (inclusive com nossas pesquisas na madrugada) durante este momento tão importante

    para a minha vida profissional, pela presença sempre doce e o tão dedicado incentivo, pelo

    cheiro, a “fé e a dedicação” sou profundamente grata.

    A professora Renata Gomes que, em decorrência da banca de defesa, tanto colaborou

    para a qualidade deste trabalho, pela dedicação e as preciosas observações e apontamentos

    para a sua conclusão. Sua doçura e comprometimento foram indispensáveis nesse intenso

    processo de novas descobertas. Sou muito grata!

    A minha estimada orientadora Cristiane Porfírio que com sua dedicação e competência

    intelectual tornou-se uma grande referência profissional, fonte de inspiração e incentivo na

    minha formação marxista. Por ter me acompanhado neste projeto monográfico desde os seus

    primeiros germes na experiência de monitoria junto à disciplina Capitalismo e Questão Social

    em 2012 até a sua concretização. Muitíssimo obrigada por acompanhar o meu

    amadurecimento, pelo incentivo a vivenciar novas experiências, pelas tantas vezes que, com

    sua doçura e serenidade, me acalmou com as palavras “certas”, pelo grande aprendizado que

    foi construir contigo este trabalho. Estarão sempre comigo seus afetuosos conselhos e

    rigorosos ensinamentos. Obrigada!!!

    Por fim, meu enorme agradecimento a todos/as que contribuíram de alguma maneira

    para a construção deste trabalho!

  • “Eis aqui minhas mãos:

    não tenho receio de mostrá-las,

    antes com verrugas que

    em bolsos guardadas.

    Eis minhas verrugas,

    orgulho-me em tê-las,

    é parte do meu ofício

    de construtor[a] de estrelas.

    Gastarei as verrugas

    na lixa da prática,

    queimarei as verrugas

    com o ácido da crítica.

    e aprenderei com as marcas

    que as estrelas se fazem ao fazê-las

    por isso

    são estrelas.”

    (Mauro Luís Iasi, Sobre o ofício de construir estrelas e o risco das verrugas).

  • RESUMO

    O presente estudo toma como objeto de investigação analisar as expressões da interlocução do

    Serviço Social brasileiro com o aporte teórico-metodológico marxiano e a sua tradição –

    marxista; buscando compreender como se tem dado estas apropriações na trajetória da

    profissão, através de uma investigação de suas expressões na formação profissional de uma

    dada unidade de ensino, a Faculdade Cearense (FaC). É importante sinalizar que este estudo

    resulta da nossa experiência de monitoria junto à disciplina Capitalismo e Questão Social do

    curso de Serviço Social da FaC, através da qual tivemos a oportunidade de problematizar as

    incidências do pensamento marxiano em nossa profissão, e justifica-se pela necessidade de

    discuti-las em maior profundidade através de suas principais polêmicas. Nesse sentido,

    partimos do pressuposto que a relação entre Serviço Social e “marxismo” – não despojada de

    suas contradições fundamentais – é determinada pelos múltiplos aspectos sócio-históricos

    engendrados no capitalismo dos monopólios e, em especial, no que tange aos seus

    rebatimentos no ensino superior. O presente estudo é de natureza qualitativa, pautado no

    método heurístico do materialismo histórico-dialético e consistiu em amplo estudo

    bibliográfico de pesquisas na área, além da utilização de entrevista e questionários para a

    coleta dos dados. O primeiro capítulo realiza uma análise da conjuntura sócio-histórica

    contemporânea do modo de produção capitalista e os processos de reestruturação do capital

    nas dimensões político-econômicas, sociais e ídeo-teóricas e seus rebatimentos no Serviço

    Social, observando que é nessa tensão entre capital e trabalho que se constitui a tradição

    marxista como uma ruptura com a ciência burguesa. O segundo capítulo traz o exame da

    trajetória histórica das apropriações do pensamento marxiano e da tradição marxista no

    Serviço Social brasileiro, com ênfase na sua relação dialética de ruptura e continuidades, que

    acenam uma trajetória problemática até nos dias mais atuais. Nesse sentido, fez-se pertinente

    contextualizar os impactos de tais apropriações no conjunto profissional, observando, em

    especial, os seus principais tensionamentos, tomando como subsídio empírico a experiência

    do curso de Serviço Social de uma unidade de ensino superior privada, a Faculdade Cearense,

    na qual investimos a investigação contida no terceiro capítulo deste estudo. Na conclusão, é

    apresentado um exame da pesquisa realizada, buscando sinalizar criticamente tais debates os

    quais têm possibilitado um avanço na direção social do projeto ético-político profissional,

    bem como desencadear reflexões diante da atual conjuntura adversa, tendo em vista as

    possibilidades de uma formação profissional comprometida com a racionalidade crítico-

    dialética.

    Palavras-chave: Serviço Social. Tradição Marxista. Formação Profissional.

  • ABSTRACT

    This study takes as its object of investigation analyze the expressions of the interlocution of

    the Brazilian Social Service with the referential theoretical-methodological Marxian and its

    tradition - Marxist; seeking to understand how has been given appropriations in the trajectory

    of the profession, through an investigation of its expressions in the training professional of a

    given teaching unit, the Faculty of Ceará (FaC). It is important to signal that this study

    resulted from our experience of monitoring of Capitalism discipline and Social Issues of the

    Course of Social Service FaC, through which we had the opportunity to discuss the

    implications of Marxian thought in our profession, and is justified by the need to discuss them

    in greater depth through its main controversies. Accordingly, we assume that the relationship

    between social service and "Marxism" - not stripped of its fundamental contradictions - is

    determined by multiple aspects socio-historical engendered in capitalism of the monopolies,

    with particular in respect to its repercussions in teaching higher. This study is qualitative in

    nature, based on the heuristic method of historical materialism-dialectical and consisted of

    extensive bibliographic research in the area, besides the use of interviews and questionnaires

    to collect data. The first chapter makes an analysis of the socio-historical contemporary

    situation of capitalist mode of production and processes of the restructuring of capital in the

    political and economic dimensions, social and ideo-theoretical and its repercussions in social

    service, noting that it's in this tension between capital and work that itself constitutes the

    Marxist tradition as a break with the bourgeois science. The second chapter provides an

    examination of the historical trajectory of the appropriations of Marxian thought and the

    Marxist tradition in Brazilian Social Work with an emphasis on its dialectical relationship of

    ruptures and continuities, that beckon a trajectory problematic to at the days more presents.

    Accordingly, became appropriate to contextualize the impacts than such appropriations on the

    professional group, noting in particular its main tensions, taking as input the empirical

    experience of Social Service course of a unit of private higher education, the Faculdade

    Cearense, in which we invest the investigation contained in the third chapter of this study. In

    the conclusion, is submitted a review of research held, looking critically signal such debates

    which have enabled a breakthrough in social direction of the project ethical-political

    professional, as well as initiate reflections on the current adverse situation, in view of the

    possibilities of a training professional committed to the critical-dialectical rationality.

    Keywords: Social Service. Marxist tradition. Vocational Training.

  • LISTA DE ILUSTRAÇÕES

    Gráfico 1. Cursos de Serviço Social ofertados no período de 1990-20002, segundo natureza

    jurídica..................................................................................................................................... 43

    Quadro 1. Distribuição das matérias, disciplinas e componentes curriculares do núcleo de

    fundamentos teórico-metodológicos da vida social............................................................... 110

    Quadro 2. Distribuição das matérias, disciplinas e componentes curriculares do núcleo de

    fundamentos da formação sócio-histórica da sociedade brasileira........................................ 111

    Quadro 3. Distribuição das matérias, disciplinas e componentes curriculares do núcleo de

    fundamentos do trabalho profissional.................................................................................... 112

    Quadro 4. Organização e identificação das monografias por temática................................. 124

  • LISTA DE TABELAS

    1. Estrutura do desemprego em países de capitalismo avançado, no período de 1990-2010,

    ilustrando o aumento da taxa nos últimos anos....................................................................... 30

    2. Despesas da União com Educação Superior no Brasil (em bilhões de reais)...................... 41

  • LISTA DE SIGLAS

    ABESS – Associação Brasileira de Ensino em Serviço Social

    ABEPSS – Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social

    ANAS – Associação Nacional de Assistentes Sociais

    ANDES-SN – Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior

    BM – Banco Mundial

    CBAS – Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais

    CBCISS – Centro Brasileiro de Cooperação e Intercâmbio de Serviços Sociais

    CENEAS – Comissão Executiva Nacional de Entidades Sindicais de Assistentes Sociais

    CE – Código de Ética

    CFAS – Conselho Federal de Assistentes Sociais

    CFESS – Conselho Federal de Serviço Social

    CRAS – Conselho Regional de Assistentes Sociais

    CRESS – Conselho Regional de Serviço Social

    EaD – Ensino a Distância

    ENESSO – Executiva Nacional de Estudantes em Serviço Social

    FaC – Faculdade Cearense

    FHC – Fernando Henrique Cardoso

    FHTMSS – Fundamentos Históricos, Teóricos e Metodológicos do Serviço Social

    FMI – Fundo Monetário Internacional

    IC – Internacional Comunista

    IES – Instituição de Ensino Superior

    IFES – Instituições Federais de Ensino Superior

    INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira

    IPECE - Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará

    LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

    MARE – Ministério da Administração e da Reforma do Estado

    MEC – Ministério da Educação

    MESS – Movimento Estudantil de Serviço Social

    MPC – Modo de Produção Capitalista

    NAFTA – Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (North American Free Trade

    Agreement)

  • OCDE – Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico

    OIT – Organização Internacional do Trabalho

    OMC – Organização Mundial do Comércio

    ONU – Organização das Nações Unidas

    OPEP – Organização dos Países Exportadores de Petróleo

    PCUS – Partido Comunista da União Soviética

    PDRE – Plano Diretor da Reforma do Estado

    PEP – Projeto Ético-Político

    PL – Projeto de Lei

    PPCSS – Projeto Pedagógico do curso de Serviço Social da FaC

    PPI – Projeto Pedagógico Institucional da FaC

    PPP – Parceria Público-Privado

    PROUNI – Programa Universidade Para Todos

    PT – Partido dos Trabalhadores

    REUNI – Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades

    Federais

    SINAES – Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior

    TCC – Trabalho de Conclusão de Curso

    UECE – Universidade Estadual do Ceará

    UFA – Unidade de Formação Acadêmica

    UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

    URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas

  • SUMÁRIO

    Introdução............................................................................................................................... 18

    CAPÍTULO 1 - Tradição Marxista e Serviço Social: determinações histórico-sociais

    contemporâneas...................................................................................................................... 22

    1.1 Capitalismo contemporâneo e a ofensiva neoliberal.................................................... 23

    1.1.2 A subordinação da educação ao capital: a questão do ensino superior........................ 34

    1.2 Introduzindo um debate à teoria social crítica de Marx e o cenário do marxismo

    hoje........................................................................................................................................... 46

    1.2.2 A hegemonia pós-moderna no capitalismo contemporâneo: a reatualização do

    conservadorismo e o Serviço Social........................................................................................ 60

    CAPÍTULO 2 - Tradição Marxista e Serviço Social: os (des)caminhos entre

    continuidade e ruptura.......................................................................................................... 70

    2.1 Primeiras aproximações do Serviço Social à tradição marxista: apropriações

    ideológicas e a vertente da intenção de ruptura com o tradicionalismo profissional.............. 71

    2.2 As apropriações epistemológicas da tradição marxista no Serviço Social a partir do

    contexto de consolidação acadêmica da intenção de ruptura................................................... 81

    2.3 Apropriações ontológicas da tradição marxista: a maturação profissional no debate da

    vertente crítico-dialética........................................................................................................... 91

    CAPÍTULO 3 - Tradição Marxista e Serviço Social: a tônica do debate na formação

    profissional na FaC.............................................................................................................. 102

    3.1 A proposta das Diretrizes Curriculares da ABEPSS e o currículo pleno para o curso de

    Serviço Social da FaC............................................................................................................ 103

    3.1.2 A disciplina “Fundamentos Históricos, Teóricos e Metodológicos do Serviço Social

    IV” e o estudo do método em Marx: esboço de uma análise crítica...................................... 115

    3.2 Trabalhos de Conclusão de Curso e perspectivas metodológicas: o marxismo é mesmo

    o referencial teórico hegemônico?......................................................................................... 122

    3.2.1 Perspectivas marxistas: situando problemáticas...................................................... 126

  • 3.2.2 Para uma crítica da crítica: expressões contemporâneas da formação profissional no

    debate marxista...................................................................................................................... 135

    Considerações finais............................................................................................................. 140

    Referências............................................................................................................................ 145

    Apêndices.............................................................................................................................. 152

  • 18

    INTRODUÇÃO

    “Voltarei a estes temas tantas vezes quanto o indicar

    o curso da minha investigação e da minha polêmica. [...] Novamente repito que não sou

    um crítico imparcial [...]. Meus juízos se nutrem de meus ideais, de meus sentimentos, de minhas paixões.”

    (José Carlos Mariátegui).

    O interesse pelo estudo da interlocução do Serviço Social com o pensamento marxiano

    e a sua tradição historicamente denominada marxista surgiu essencialmente pela experiência

    de quase quatro anos no Movimento Estudantil de Serviço Social (MESS) e de nossa inserção

    e discussões na experiência de monitoria da disciplina de Capitalismo e Questão Social do

    curso de Serviço Social da Faculdade Cearense (FaC) ministrada pela Professora Doutora

    Cristiane Porfírio, que nos estimulou uma gradual aproximação à teoria social crítica de Marx,

    bem como de seus “seguidores”. À medida que tal vertente teórico-metodológica foi sendo

    observada no desenvolvimento de nossa formação profissional, surgiam também alguns

    questionamentos sobre a sua influência no Serviço Social, especialmente pela dita conquista

    da atual direção social da profissão vinculada a um projeto societário radicalmente

    democrático e, portanto, sem exploração de classe.

    Antes de nos atermos à apresentação mais aprofundada deste trabalho, consideramos

    essencial elucidar o que nós entendemos por “tradição marxista”. No decorrer de nosso

    estudo, visualizamos que o pensamento marxiano, pós-Marx, foi alvo de inúmeras

    interpretações, tanto no que concerne ao seu aperfeiçoamento, quanto às depreciações mais

    colossais, impondo-se não só a existência de um único marxismo, mas “dos marxismos”.

    Entretanto, cabe-nos concordar com Netto (1989, p. 95, grifos do autor), para quem a

    pluralidade nas abordagens acerca do universo teórico marxiano não é algo infinito ou

    indefinido. Esta vertente teórico-metodológica, englobando a obra marxiana e também as suas

    interpretações equivocadas ou não, historicamente conhecida por tradição marxista, de

    acordo com o referido autor, dispõe de fronteiras que podem ser precisadas por um triplo

    critério: “o método crítico-dialético, a teoria do valor-trabalho e a perspectiva da revolução”.

    Nesse sentido, o que entendemos por tradição marxista está aí esclarecido. Em vista disso, é

    importante que o leitor observe esta questão para não incorrer nas diversas armadilhas do

    reducionismo.

  • 19

    Já dispostas as nossas indagações a respeito do tema, salientamos que a investigação

    sobre as apropriações da tradição marxista no Serviço Social, nos exigiu uma análise crítica

    das determinações sócio-históricas na sociedade capitalista contemporânea, especialmente, no

    que tange aos seus mecanismos de ofensiva à classe trabalhadora e à vertente teórico-

    metodológica que é orientada por uma racionalidade crítico-dialética, infirmando tanto a

    destruição da razão, que se expressa no irracionalismo, quanto à miséria da razão, operada

    pelo racionalismo burguês, que a reduz ao tratá-la como um procedimento formal.

    Temos como pressuposto que a interlocução do Serviço Social com a tradição marxista

    é determinada pelos múltiplos aspectos histórico-sociais engendrados no capitalismo dos

    monopólios e, por isso, sua maior ou menor elucidação está permeada por complexas

    mediações que extrapolam o campo próprio do Serviço Social. Estas mediações, por sua vez,

    comparecem sintonizadas com o combate à razão instaurado em decorrência da entronização

    do projeto social capitalista, cenário em que surge o pensamento crítico marxiano pautado

    num rompimento radical com a ciência burguesa.

    Do ponto de vista teórico-metodológico, para apuração de nosso pressuposto, nos

    utilizamos de um referencial pautado numa racionalidade crítico-dialética capaz de nos

    possibilitar, no terreno da complexidade do real, a compreensão da essência oculta por detrás

    da aparência fenomênica do objeto (LUKÁCS, 2003).

    À vista disso, partindo do chão histórico que determina as atuais expressões das

    relações sociais, fomos buscar no materialismo histórico-dialético, a passagem dos contrários

    para dentro uns dos outros, isto é, na ação recíproca, a relação dialética entre sujeito e objeto

    no processo da história. Considerando, substancialmente, que neste chão histórico capitalista,

    as dimensões da luta entre as classes (burguesia e proletariado) também se apresentam na

    batalha das ideias (KONDER, 2009) e são nelas que se encontram as alternativas para a

    superação das problemáticas engendradas acerca do objeto. Sem esquecer, antes, que “a arma

    da crítica não pode substituir a crítica das armas” (MARX, 2010, p. 44) e a superação das

    inversões das ideias pressupõe a abolição do sistema material que as engendra.

    Nesse sentido, à luz do supracitado referencial, a relevância deste trabalho consiste em

    analisar, acuradamente, como se tem expressado as apropriações da tradição marxista no

    Serviço Social brasileiro, no que tange, especialmente, ao espaço da formação profissional.

    Com esse objetivo, investigamos as suas manifestações no projeto acadêmico-profissional do

  • 20

    curso de Serviço Social da FaC, tomando como referência a interlocução realizada nos

    recentes estudos monográficos publicados.

    No entanto, para cumprir o objetivo de nossa investigação fez-se necessária a

    compreensão do contexto sócio-histórico contemporâneo do modo de produção capitalista e

    de seus instrumentos de reprodução em tempos de crise, em especial, no que tange às

    investidas ídeo-teóricas, no qual se deu/dá a interlocução do Serviço Social com a tradição

    marxista; contextualizar os rebatimentos de tal interlocução no campo mais geral da profissão

    para, em seguida, dispô-los de maneira mais aproximada numa dada unidade de ensino em

    Serviço Social, entendendo-os enquanto expressões particulares do movimento histórico de tal

    interlocução na profissão e implicações ao avanço de seu desenvolvimento.

    Desse modo, no primeiro capítulo investigamos as transformações ocorridas no modo

    de produção capitalista, em decorrência de sua crise evidenciada no giro dos anos 1970, a

    partir da qual se observa até os dias de hoje inúmeros processos restauradores nas dimensões

    político-econômicas, sociais e ideoculturais na vida social. Analisando principalmente seus

    impactos no contexto brasileiro, através da ofensiva neoliberal, com enfoque na subordinação

    da educação aos interesses do capital, quando há um massivo processo de abertura e

    investimento no ensino superior privado, no qual se insere o Serviço Social. Em seguida

    buscamos analisar a questão do marxismo por meio de uma sintética incursão no pensamento

    marxiano, debatendo o processo de desenvolvimento dessa tradição na história e os ataques

    que esta tem sofrido a partir do embate à ideologia contemporânea da burguesia, o pós-

    modernismo; discutindo como este tem se relacionado com o Serviço Social através da sua

    busca de empobrecimento da razão.

    No capítulo segundo investigamos as apropriações da tradição marxista no Serviço

    Social brasileiro desde as suas expressões iniciais, que datam da década de 1970, englobando

    a instituição da autocracia burguesa (FERNANDES, 1976) no Brasil que perdurou desde o

    ano de 1964 a 1985; até as interlocuções mais recentes do conjunto profissional, tomando

    como referência a indicação asseverada por Santos (2007a; 2007b), que reitera uma

    sistematização na trajetória histórica desta relação, expressa em três momentos: apropriações

    ideológicas, epistemológicas e ontológicas da vertente crítico-dialética. Nesse sentido,

    ousamos problematizar, a partir destes três momentos, os equívocos e inequívocos da

    articulação da profissão ao pensamento marxiano e sua tradição, observando, especialmente

    que esta acontece numa sucessiva relação dialética de ruptura e continuidades.

  • 21

    No terceiro capítulo apuramos, de maneira mais aproximada a partir de nossa inserção

    no campo empírico da investigação, as expressões da interlocução do Serviço Social com a

    tradição marxista na formação profissional. Inicialmente, apresentamos os aspectos que

    articulam o currículo pleno para o curso de Serviço Social da FaC às orientações teórico-

    metodológicas da ABEPSS (1996); para, em seguida, levantar alguns dos traços presentes na

    referida interlocução, a partir da disciplina de Fundamentos Históricos, Teóricos e

    Metodológicos do Serviço Social (FHTMSS) IV e na leitura crítico-analítica dos estudos

    monográficos recentemente publicados pelos/as estudantes de Serviço Social da FaC.

    Nessa direção, identificamos as principais problemáticas presentes na interlocução da

    profissão com o pensamento marxiano e a tradição marxista, alçando alternativas para o

    campo da formação profissional que seja capaz de possibilitar não só o aperfeiçoamento das

    questões teórico-metodológicas no âmbito do Serviço Social, mas possam contribuir, no plano

    da construção teórica, para a renovação do pensamento social marxista no Brasil e, além, para

    as formas de resistência da teoria às impostações reiteradas pela ofensiva ídeo-teórica

    burguesa à razão crítico-dialética.

  • 22

    CAPÍTULO 1

    TRADIÇÃO MARXISTA E SERVIÇO SOCIAL: DETERMINAÇÕES

    HISTÓRICO-SOCIAIS CONTEMPORÂNEAS

    O presente capítulo tem como objetivo expor, por via da abstração e de uma análise

    aproximativa, as determinações histórico-sociais que circunscrevem nosso objeto de estudo na

    contemporaneidade. Nesse sentido, traçamos uma análise acerca das transformações ocorridas

    no modo de produção capitalista, a partir de seus processos restauradores nas dimensões

    político-econômicas, sociais e ideoculturais. Para isso, realizamos, primeiramente, um recorte

    histórico partindo da investigação dos anos 1970 até o momento atual, abordando

    especialmente o processo de crise do modo de produção capitalista e seus impactos na vida

    social brasileira através da ofensiva neoliberal, com enfoque na subordinação da educação aos

    interesses do capital. Em seguida buscamos analisar a questão do marxismo por meio de uma

    sintética incursão no pensamento marxiano, debatendo o processo de desenvolvimento dessa

    tradição na história e os ataques que esta tem sofrido a partir do embate com a ideologia

    contemporânea da burguesia, o pós-modernismo; discutindo como este tem se relacionado

    com o Serviço Social através da busca pelo empobrecimento da razão.

    Para tanto, utilizamos como recurso heurístico na análise das transformações do modo

    de produção capitalista as contribuições de Karl Marx (2011), bem como da literatura crítica

    de tradição marxista, expressa nas análises de David Harvey (1996), Ricardo Antunes (2000),

    Ana Elizabete Mota (2009) e Elaine Behring (2008); além dos estudos de Aníbal Ponce

    (2007), Vânia Cardoso da Motta (2007), Larissa Dahmer Pereira (2007) e Roberto Leher

    (1999; 2004) no debate sobre a educação. Na discussão do pensamento marxiano e da questão

    do marxismo, nos referenciamos no pensamento de Marx (2011), Marx; Engels (2007)

    Vladmir Lenin (2006), Istvan Mészáros (2006), Leandro Konder (2009), José Paulo Netto

    (2006; 2009), além do estudo de Marcelo Braz (2011). Em seguida, Carlos Nelson Coutinho

    (2010), Fredric Jameson (1985), Josiane Soares Santos (2007) e Ivete Simionatto (2009) é que

    comparecem como subsídio na análise da hegemonia pós-moderna no capitalismo

    contemporâneo e seu reflexo na reatualização do conservadorismo no Serviço Social.

  • 23

    1.1 Capitalismo contemporâneo e a ofensiva neoliberal

    Para compreendermos a histórica relação travada entre o Serviço Social e a tradição de

    inspiração marxiana/marxista faz-se necessária uma leitura dialético-materialista que situe o

    real em seu nível de complexidade à luz da sua perspectiva de totalidade, na tentativa de tecer

    as implicações objetivas que dão base à situação do marxismo na contemporaneidade em sua

    conexão ao Serviço Social brasileiro. Com esta afirmação queremos dizer que a apreensão da

    dinâmica atual da realidade social, assentada no modo capitalista de produção 1, em suas

    múltiplas determinações aparece como um dos eixos fundamentais para a elucidação de nossa

    questão no presente debate, pois é nela que transitam as expressões concretas de nosso objeto.

    Deste modo, a utilização da crítica marxista da economia política aparece como

    referência teórico-metodológica essencial deste processo de pesquisa, uma vez que é capaz de

    nos auxiliar – pela abstração, recursos heurísticos, categorias teóricas (não esvaziadas de seu

    conteúdo concreto, mas consideradas como “formas de ser”) e conteúdos analíticos – a trazer

    os componentes sócio-históricos que alicerçam a atual relação entre o Serviço Social e

    marxismo 2. Para tal efeito, nos ancoramos na famosa distinção que Marx estabelece entre o

    método de exposição e o método de pesquisa.

    A investigação tem de apoderar-se da matéria, em seus pormenores, de analisar suas

    diferentes formas de desenvolvimento e de perquirir a conexão íntima que há entre

    elas. Só depois de concluído esse trabalho é que se pode descrever, adequadamente,

    o movimento real. Se isto se consegue, ficará espelhada, no plano ideal, a vida da

    realidade pesquisada, o que pode dar a impressão de uma construção a priori. (Marx

    2011, p. 28).

    1 O capitalismo é um modo de organização da produção social historicamente determinado, sucedendo às

    organizações escravista e feudal, tendo nesta última o solo histórico que possibilitou a sua ascensão no século

    XVIII. Tem como uma de suas classes fundamentais a burguesia e em sua base de desenvolvimento da vida

    econômica a produção generalizada de mercadorias (BRAZ; NETTO, 2006), a partir de uma apropriação privada

    da riqueza socialmente produzida (pelo proletariado, outra classe que constitui este modo de produção), em que

    esta é destituída dos instrumentos e produtos de seu trabalho. Para saber mais sobre a constituição e

    antagonismos do modo histórico de produção capitalista consultar a obra Economia Política de José Paulo Netto

    e Marcelo Braz (2006), além da obra de Ernest Mandel, O Capitalismo Tardio, para compreender as formas

    específicas de cada período do modo de produção capitalista (1982). 2 Concordamos com Netto (2006) em sua compreensão de que não há um marxismo, mas vários marxismos de

    diferentes alternativas e vertentes (muitas vezes opostas umas às outras). Nesse sentido, sinalizamos ao leitor a

    cautela com nosso uso do termo, para evitar reducionismos, sugerindo-se que a partir do pressuposto de Netto,

    compreenda que a acepção é designada antes no sentido de sistematizar estas vertentes em sua relação à obra de

    Marx, independente de suas considerações teóricas, do que uma tentativa de subestimar as complexas vertentes

    que conformam a “tradição marxista” ou reduzi-las a um conceito único, homogêneo e imaculado. Mas

    entendendo que estas possuem um triplo critério a partir da compreensão de Marx: a perspectiva do método

    crítico-dialético, a teoria do valor-trabalho e a perspectiva da revolução. (NETTO, 1989).

  • 24

    Assim, por consequência do método de pesquisa, nossa análise consistirá em

    desmistificar os nexos internos que existem por trás do nosso objeto de estudo, em que, por

    último, aparece o método de exposição, depois que o método de pesquisa tenha possibilitado a

    apreensão adequada do objeto. Portanto, é somente a partir deste movimento que poderemos

    revelar a relação necessária entre o objeto, seus “nexos internos” e a aparência invertida que

    se manifesta em suas expressões cotidianas visíveis.

    Consequentemente, os escritos iniciais deste Trabalho de Conclusão de Curso (TCC)

    estão centrados na crítica sócio-histórica dos processos que permeiam o cenário atual da

    sociedade capitalista, delimitado a partir do seu processo de crise e reestruturação produtiva,

    nos marcos da década de 1970, em que pretendemos investigar suas transformações político-

    sociais e ídeo-teóricas e, em especial, seus rebatimentos no Serviço Social através do embate

    travado à tradição marxista, que se configuram no adensamento do pensamento pós-moderno

    3 como reatualizador do racionalismo conservador burguês.

    Uma análise marxista do Modo de Produção Capitalista (MPC) nos subsidia a

    compreender que a busca por acúmulo de lucro (leia-se mais-valia) é uma característica

    imanente deste sistema historicamente determinado 4 (Marx, 2011). Para isso, o capitalismo

    cria as bases de orientação para o seu objetivo fulcral: o crescimento, que ocorre

    essencialmente através da exploração do trabalho vivo na produção. Isso significa que a

    característica fundamental do capitalismo está fundamentada na relação antagônica de classe

    entre capital e trabalho, na qual o primeiro aparece como uma relação social que se

    personifica na figura do capitalista, que detém os meios de produção, e o segundo na figura do

    trabalhador, isto é, naquele que é desprovido dos meios necessários à realização do seu

    trabalho 5.

    Soma-se a isto a característica do MPC encontrada no dinamismo, que decorre das suas

    leis gerais que impele os capitalistas a buscarem inovações para obtenção do lucro

    3 Tomando-o, de acordo com Santos (2007a), como uma expressão do pensamento formal-abstrato articulado à

    positividade capitalista. 4 Conferir nota de rodapé n. 1.

    5 Para fins de esclarecimento ao leitor é preciso asseverar que nosso posicionamento remete às condições

    históricas do trabalho na sociabilidade regida pela lógica da mercadoria, isto é, capitalista, que submete as

    potencialidades criadoras do trabalho humano a uma realização alienada, que é condição inseparável de sua

    reprodução na sociabilidade humana. Para efeito, realizamos timidamente na seção 1.3 uma análise sobre os

    aspectos da ontologia do ser social, concebidos por Marx, discutindo a diferença entre o trabalho como base

    fundante do ser social e a sua alienação nos moldes da sociedade regida pela produção capitalista.

  • 25

    (crescimento), à medida que se saturam os mercados anteriormente explorados. Por isso, de

    acordo com Harvey (1996), Marx foi capaz de nos mostrar que todas estas características da

    lógica burguesa de sociabilidade são perduravelmente contraditórias e estão intrínsecas ao seu

    método de (re) produção.

    E é justamente quando o MPC entra em crise, seja pela sua tendência ao crescimento

    (que gera uma superacumulação) ou pelos antagonismos gerados no conflito entre capital e

    trabalho, que ele forja novas maneiras de equilíbrio e manutenção de sua ordem social

    (econômica e política). A reestruturação organizacional do sistema regulatório é quase sempre

    a saída mais efetiva para perpetuá-lo, principalmente quando suas leis determinantes

    compelem os capitalistas às inovações nos mercados individuais quando o mercado está

    saturado, estimulando novas formas de competitividade orientadas para o crescimento

    (extração de mais-valia).

    Numa análise sócio-histórica, observa Mészáros (2009) que nas últimas décadas o MPC

    encara o acirramento de seus antagonismos internos, que se expressam atualmente numa

    profunda crise estrutural6

    , iniciada fenomenicamente, como citado anteriormente, nos

    primórdios da década de 1970. Como sustenta Harvey (1996), a partir deste decênio são

    observadas mudanças abissais nas práticas culturais, políticas e econômicas que aparecem

    através da alteração do modo de acumulação do capitalismo e, consequentemente, seu modelo

    de regulamentação social e política.

    Em meados da década de 1960/1970, após o longo período de expansão do pós-Segunda

    Guerra Mundial, caracterizado pelo aumento das taxas de crescimento econômico, alta nos

    salário e emprego a partir da estratégia de intervenção estatal sob o molde keynesiano,

    vivenciado em alguns países da Europa Ocidental, permitindo o aumento da produtividade do

    trabalho e de mercadorias, através da internacionalização da produção, o capitalismo e seu

    padrão taylorista-fordista/keynesiano de produção já se encontravam em meio a graves

    problemas, indicando – para uso da expressão meszariana - uma crise estrutural sem

    precedentes na sua história.

    6 A crise que situamos corresponde às contradições inerentes ao sistema de produção capitalista em seu atual

    estágio de desenvolvimento mundial. As inflexões geradas na vida da classe trabalhadora, expressas no

    desemprego, no subemprego, na terceirização, no endividamento estrutural, na fragilização dos direitos sociais,

    demonstram a incidência do capital especulador como ameaça não somente à economia real, mas às esferas

    sociais e naturais, colocando em risco a própria espécie humana. Para uma análise mais aprofundada consultar

    Mészáros (2002, 2009).

  • 26

    A saturação do mercado interno, representada pelo excesso de produção do setor

    manufatureiro internacional, além da ausência de correspondência entre a produção de massa

    e o seu consumo, forçou o deslocamento do investimento para a área das finanças, causando

    uma hipertrofia da esfera financeira, a partir do final da década de 1970 (HARVEY, 1996).

    Esta problemática se deu especialmente com o acirramento da disputa internacional, através

    da reconstrução das economias europeia e japonesa, que reduzia as taxas de lucro de seus

    rivais – especialmente os Estados Unidos da América (EUA).

    Com estas indicações, o padrão fordista-keynesiano enfrentava ainda (1 a profunda

    recessão de 1973 operada pelo excesso de fundos – o que resultava numa forte inflação,

    acrescida pelo choque dos preços do petróleo – acentuação da crise influenciada pela medida

    operada pela OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) como pressão sobre os

    EUA e o Ocidente, desestabilizando a economia mundial; (2 o poder da força de trabalho –

    representado pela organização sindical e a intensificação das lutas entre capital e trabalho –; e

    (3 a falência do princípio organizativo da rigidez.

    Havia problemas com a rigidez dos investimentos de capital fixo de larga escala e

    de longo prazo em sistemas de produção em massa que impediam muita

    flexibilidade de planejamento e presumiam crescimento estável em mercados de

    consumos invariantes. Havia rigidez nos mercados, na alocação e nos contratos de

    trabalho (especialmente no chamado setor „monopolista‟). E toda tentativa de

    superar esses problemas de rigidez encontrava a força aparentemente invencível do

    poder profundamente entrincheirado da classe trabalhadora (Harvey, op. cit., p. 135,

    grifos nossos).

    A análise de Antunes (2000, p. 31), recolhida nos substratos do pensamento de

    Meszáros, assevera que este cenário não sinalizava apenas mais uma das crises cíclicas do

    MPC, mas esboçava o declínio do longo período de acumulação de capitais, que ocorreu

    durante o auge do padrão taylorista-fordista/keynesiano, com a fase dos “anos dourados” do

    segundo pós-guerra, indicando que a crise era “[...] a manifestação [...], tanto do sentido

    destrutivo da lógica do capital, presente na intensificação da lei de tendência decrescente do

    valor de uso das mercadorias, quanto da incontrolabilidade do sistema de metabolismo social

    do capital”.

    Voltando às análises de Harvey (1996), é neste contexto que se identifica a emergência

    do que ele denominou acumulação flexível, considerada um novo padrão de acumulação, que

    tem por base a flexibilidade dos processos de trabalho, oposta à rigidez do fordismo, sob a

    organização do modelo toyotista de produção, combinando a reciclagem do MPC com sua

  • 27

    necessidade orgânica de fragilização da organização da classe dominada (a classe

    trabalhadora) através do controle do trabalho.

    Como sinalizado anteriormente, oposta ao princípio organizativo da rigidez identificada

    no modo taylorista-fordista de produção, a acumulação flexível promoveu alterações nos

    processos de trabalho, através da redução do tempo de giro do capital pelo uso de novas

    tecnologias produtivas, introduzindo novas formas de controle do trabalho e emprego – e

    também do consumo, a partir do seu caráter volátil expresso especialmente no chamado

    emprego flexível, baseado na subcontratação. Outro fator determinante foi a diminuição do

    tempo de uso dos produtos, na fala de Harvey (1996, p. 148).

    [...] a aceleração do tempo de giro na produção teria sido inútil sem a redução do

    tempo de giro no consumo. A meia vida de um produto fordista típico, por exemplo,

    era de cinco a sete anos, mas a acumulação flexível diminuiu isso em mais da

    metade em certos setores [...]. A acumulação flexível foi acompanhada na ponta do

    consumo, portanto por uma atenção muito maior às modas fugazes e pela

    mobilização de todos os artifícios de indução de necessidades e transformação

    cultural que isso implica.

    Retomando o debate travado por Antunes (2000), observa-se que este processo da

    lógica capitalista de produção aparece como uma “resposta à sua própria crise”, que para o

    autor representa um quadro mais complexo e crítico em que o sistema capitalista adentra: é a

    expressão de uma crise estrutural, sem precedentes em toda a sua trajetória de constituição,

    que demonstra sua inviabilidade e sua característica ontologicamente incontrolável, em que a

    tendência decrescente da taxa de lucro é o destaque. A partir de sua inferência,

    [...] iniciou-se um processo de reorganização do capital e de seu sistema ideológico e

    político de dominação, cujos contornos mais evidentes foram o advento do

    neoliberalismo, com a privatização do Estado, a desregulamentação dos direitos do

    trabalho e a desmontagem do setor produtivo estatal, da qual a era Thatcher-Reagan

    foi a expressão mais forte; a isso se seguiu também um intenso processo de

    reestruturação da produção e do trabalho, com vistas a dotar o capital do

    instrumental necessário para tentar repor os patamares de expansão anteriores

    (ANTUNES, op. cit., p. 31).

    Estas tendências nos orientam a identificar as medidas que visaram reestruturar o MPC,

    principalmente através das fusões patrimoniais, articulando capital industrial e financeiro,

    promovendo a formação de oligopólios globais, com a concentração e centralização de

  • 28

    capitais. Antunes (2000) defende que a própria crise do taylorismo-fordismo foi uma

    expressão fenomênica da crise estrutural do capital, de que as medidas referenciadas acima

    são as equações mais evidentes.

    Ademais essas mudanças, iniciou-se uma abertura de novos espaços para a expansão

    dos excedentes acumulados – incorporando as economias periféricas e do Terceiro Mundo ao

    processo de reprodução do capital, no sentido de salvar o MPC da evidente crise estrutural

    destacada pela tendência decrescente da taxa de lucro – e nos termos tão bem colocados de

    Harvey (1996), pela compressão espaço-temporal que o capital engendra como consequência

    de suas próprias orientações para o crescimento. Nos estudos de Mota (2009), a incorporação

    das economias do Terceiro Mundo foi representativa desse processo de reestruturação

    capitalista, através da busca constante de novos mercados de investimento, contudo,

    incorporadas de maneira extremamente precária, subordinada e dependente. Em suas palavras,

    A plena incorporação das economias periféricas ao processo de reprodução ampliada

    do capital ocorreu nos anos 70 do século XX, quando os países então chamados

    subdesenvolvidos transformam-se em campo de absorção de investimentos

    produtivos. A seus Estados nacionais coube a continuidade – embora com novas

    características – do papel de indutores do desenvolvimento econômico, propiciando

    uma base produtiva integrada às necessidades dos oligopólios internacionais, graças

    ao apelo ao crédito externo para o financiamento daquela base e da sua expansão

    (MOTA, 2009, p. 57-58).

    Contudo, na década seguinte esse processo toma novos desdobramentos, especialmente

    através dos resultados da incorporação dos países subdesenvolvidos, que foram obrigados a

    exportar capitais para quitar suas dívidas adquiridas pelos empréstimos realizados; da

    reorganização do sistema financeiro global e do investimento à inovação tecnológica; das

    mudanças no mundo do trabalho, apresentando alterações na divisão internacional do

    trabalho; e, por último, mas não menos importante, da ofensiva ideopolítica neoliberal, tão

    necessária à manutenção da hegemonia do capital, que atua especialmente no sentido de

    fragilizar a organização política dos trabalhadores e amenizar as contradições do conflito

    entre capital e trabalho, através da subordinação dos Estados nacionais à lógica de

    acumulação de capitais, bem como da instauração de bases político-econômicas para uma

    posição mais defensiva – do que ofensiva – pelo movimento operário.

    Nos fins da década de 1980 com a queda do Muro de Berlim e o colapso do chamado

    “socialismo real” sobre a esquerda, abriu-se uma nova fase que se materializou pelo projeto

  • 29

    de restauração capitalista, através do novo imperialismo e pela mundialização da economia,

    organizando suas bases doutrinárias e políticas em uma ofensiva antidemocrática,

    especialmente no Consenso de Washington 7, que serviu como orientação de ajuste das

    economias periféricas ao modo de reprodução do capitalismo mundial. (MOTA, 2009).

    Desta maneira, Mota (2009) observa que o novo imperialismo vem sendo exercido

    atualmente pelos Estados Unidos, por meio de estratégias que visam recuperar sua influência

    econômica, no sentido de revitalizar o seu controle sobre o sistema financeiro internacional,

    caucionando o aumento de juros sobre a dívida externa dos países de Terceiro Mundo.

    Caracterizado por Ferreira (2012, p. 213) como uma revolução tecnocientífica, o

    processo de restauração da ordem econômica capitalista alimentou-se do uso da pesquisa

    científica no âmbito do setor militar e industrial norte-americano, alterando os padrões da

    produção, que ocasionou uma profunda hierarquização internacional, instituindo a

    diferenciação entre as economias que detêm as tecnologias avançadas das que são

    dependentes de sua importação, o que representou um “divisor de águas na história recente da

    economia mundial”. Sua compreensão é que

    [...] a globalização econômico-financeira representou a conclusão do movimento de

    subordinação formal da totalidade da atividade econômica do planeta à lógica dos

    processos de produção e reprodução ampliadas do capital. Este movimento

    anteriormente teve como obstáculo, ainda que relativos à sua configuração cabal, a

    existência das economias do socialismo real e o intervencionismo estatal das

    economias capitalistas de modernização tardia. Tratava-se, portanto, de um novo

    ciclo de mundialização econômica, ou ampliação do mercado capitalista mundial, o

    qual conduziu às suas últimas consequências a conquista do mundo pelo capital

    (FERREIRA, 2012, p. 222).

    Como consequência, vivenciamos um cenário de crescimento das desigualdades sociais,

    de renda e regionais, a pobreza, a exploração desenfreada da força de trabalho e as ameaças

    da crise financeira. O desenvolvimento de novas tecnologias gerou excedentes de força de

    trabalho, que possibilitaram ao capital o retorno a estratégias absolutas de extração de mais-

    valia e novos padrões de dominação, mesmo nos países capitalistas mais avançados, como os

    EUA e o Nafta - Tratado Norte-Americano de Livre Comércio; a Alemanha na Europa; e o

    Japão, na liderança dos países asiáticos – que na segunda metade da década de 1990, foi

    7 O Consenso de Washington foi elaborado em 1989 por representantes do Fundo Monetário Internacional

    (FMI), Banco Mundial (BM) e pela Organização Mundial do Comércio (OMC), como um programa político de

    orientação aos países da América Latina ao ajustamento econômico. Consistiu na construção de um programa de

    propostas impostas aos países latino-americanos como consequência de suas dívidas externas, nas quais estavam

    fixadas medidas de redução dos gastos públicos, desregulamentação do mercado de trabalho, privatizações das

    empresas estatais, investimento estrangeiro direto etc. (MOTA, 2009; PINHEIRO (Org.), 2012).

  • 30

    criticamente atingida pela crise, com o acirramento da competição intercapitalista.

    (ANTUNES, 2000).

    Para Antunes (2000), apesar do significativo avanço tecnológico engendrado pelo

    patamar de desenvolvimento das forças produtivas, pôde-se observar, a partir do processo de

    reestruturação do padrão de acumulação capitalista, uma intensificação da jornada de trabalho

    (ao invés da possibilidade de reduzi-la em escala mundial), a total precarização das condições

    de trabalho da força humana, o desemprego em dimensão estrutural e a degradação do meio

    ambiente em escala globalizada, por meio da alienação das relações metabólicas entre homem

    e natureza que, no sistema capitalista, corresponde à primazia da produção de mercadorias, ao

    invés da satisfação das necessidades humanas.

    Na tabela abaixo (tabela 1.) podemos observar, como nos últimos vinte anos, mesmo em

    algumas das principais economias do capitalismo desenvolvido, as taxas de desemprego vêm

    se desenvolvendo numa ordem crescente na década de 1990, com uma posterior queda nos

    Estados Unidos, no ano de 1995. No Japão, um dos países asiáticos atingidos pela crise, a

    tendência também é crescente, obtendo uma queda de 4,6% em relação aos anos 2000. O pico

    do desemprego na última década foi em 2009, o ano da crise financeira internacional, com um

    número de 198 milhões de pessoas desempregadas, de acordo com dados da Organização

    Internacional dos Trabalhadores (OIT). A estimativa é que para os próximos cinco anos, o

    contingente de desempregados deva chegar a 210 milhões.

    Tabela 1. Estrutura do desemprego em países de capitalismo avançado, no período 1990-2010, ilustrando

    o aumento da taxa nos últimos anos.

    Fonte: Trading Economics, 2013.

    Quanto ao Brasil, sua incorporação ao processo de reconfiguração capitalista sob os

    moldes do novo imperialismo ocorreu logo após um período de abertura e ascenso das lutas

  • 31

    democráticas durante a década de 1980, na qual as conquistas expressas com a Constituição

    Federal de 1988 representaram um avanço na obtenção de direitos sociais como saúde,

    educação e proteção social 8, que, no entanto, logo foram revertidos como consequência da

    efetivação do processo de inserção do país ao modelo neoliberal já nos anos da década de

    1990.

    Para Santos (2007, p. 20), os ajustes neoliberais, engendrados como imperativo da

    lógica capitalista para a reprodução da dominação, bem como para o aumento da sua

    liberdade mercadológica, se expressam principalmente através da desregulamentação das

    economias e dos direitos dos trabalhadores, edificando uma “reforma” no Estado para que

    este renove sua funcionalidade ao capital. Assim, o que ocorre é um processo de “Estado

    mínimo para os trabalhadores e máximo para o capital, uma vez que, malgrado sua “redução”

    o Estado continua intervindo para garantir as condições mais propícias à extração da mais-

    valia”.

    Behring (2008), por sua vez, analisa detalhadamente o processo de desestruturação e

    subsunção do Estado brasileiro aos anseios do capitalismo contemporâneo e o denomina de

    contrarreforma 9 do Estado, uma vez que as políticas neoliberais representam as condições e

    orientações para a inserção de determinado país na dinâmica internacional do capitalismo,

    demolindo as conquistas antes garantidas pela pressão da organização coletiva dos

    trabalhadores ou pelas formas anteriores de organização do Estado com funções sociais

    explicitamente estabelecidas. Nesta ordem, o Estado adquire cada vez menos um caráter

    social em detrimento da oferta de subsídios à maior liberdade de mercado. Na fala da autora

    (2008, p. 58, grifos do original):

    Em relação ao Estado, portanto, existem fortes repercussões dos processos (da) [...]

    reestruturação produtiva e (da) mundialização [...] que configuram as linhas gerais

    de uma verdadeira contrarreforma. Esta adquire maior ou menor profundidade,

    8 É necessário alertar que a seguridade social brasileira, instituída pela Carta Constitucional de 1988, apesar de

    apresentar elementos inovadores, é caracterizada por um sistema híbrido, compondo direitos seletivos

    (Assistência), universais (Saúde) e aqueles derivados do trabalho (Previdência). (PEREIRA, 2006). 9 Aqui advertimos a atenção do leitor para a inversão ideológica exposta no termo „reforma‟. Amparando-nos no

    estudo de Behring; Boschetti (2008), consideramos que a apropriação do termo está fundamentada numa

    estratégia político-ideológica para a conquista de legitimidade intelectual e moral do processo de implantação do

    neoliberalismo no Brasil, através da inversão que faz do termo historicamente utilizado pelo viés

    socialdemocrata e socialista (acrescido de todas as suas devidas críticas, obviamente, e antes do processo de

    abandono do primeiro pelo ideal de esquerda), submetendo-o a uma utilização pragmática, como se toda

    mudança fosse uma reforma, especialmente no âmbito econômico. As autoras utilizam o termo contrarreforma

    para situar o caráter reacionário e direitista das mudanças estabelecidas no país. Para maior explicação deste

    debate, conferir a obra de Behring e Boschetti, Política Social: fundamentos e história, 2008.

  • 32

    dependendo das escolhas políticas dos governos em sua relação com as classes

    sociais em cada espaço nacional, considerando a diretiva de classe que hegemoniza

    as decisões no âmbito do Estado. Escolhas que se relacionam e resultam também do

    tempo histórico em que esta contrarreforma se instaura nas diferentes formações

    sociais.

    Ao longo dos anos 1990 os efeitos desse processo sobre o Brasil podem ser observados

    especialmente no discurso avassalador em torno das [contra] “reformas” orientadas para o

    mercado como consequência da reorganização internacional do capitalismo, através,

    primeiramente, do governo Collor com sua agenda de abertura econômica e privatizações,

    propalada antes com uma proposta falida de Reforma Constitucional e, depois, com vetos e

    emendas presidenciais, tratando a política social de forma minimalista e com um viés

    estritamente neoliberal. E, em segundo lugar, a partir da era Fernando Henrique Cardoso

    (FHC) com a instituição do Plano Real em 1994, redimensionando uma nova relação do país

    com os organismos internacionais (FMI e BM) a partir da renegociação da dívida pública e a

    concessão de novos empréstimos; e do Plano Diretor da Reforma do Estado através do

    Ministério da Administração e da Reforma do Estado em 1995 (PDRE/MARE) com o

    objetivo de “reformar” a administração pública, uma vez que os problemas do Estado

    nacional brasileiro eram considerados como consequência de suas próprias falências sobre

    suas funções básicas e do agravamento da crise fiscal e da inflação – pura ideologia

    dominante, haja vista que as problemáticas eram bem mais complexas tanto no âmbito

    econômico quanto social e a adoção de tais políticas incidiram com expressividade na vida da

    população brasileira. (BEHRING, 2008).

    Em relação à classe trabalhadora, observa Behring (2008, p. 60-65), a profundidade

    desta contrarreforma está na tônica conduzida às privatizações e ao desmonte dos direitos

    sociais garantidos pela Carta Constitucional brasileira de 1988, em especial à proteção social

    – que teve um forte impacto através dos ataques à previdência social como consequência da

    “crise fiscal” do Estado. Assim, através da contrarreforma, foi preconizado o corte dos gastos

    estatais na esfera social para o equilíbrio do mercado, com a intensificação da redução do

    déficit fiscal.

    O impacto desse processo à organização da classe trabalhadora aparece como uma

    intensa ofensiva antidemocrática que a torna mais complexa e fragmentada, fazendo regredir

    as marchas instauradas pelo cenário de redemocratização do país, atingindo principalmente a

    sua organização de classe através dos partidos e enfraquecendo substantivamente sua

  • 33

    organização sindical. O cenário das forças de esquerda identificadas com as ideias marxianas,

    após todas as inferências da crise capitalista, não seria diferente. Com a inflexão da classe

    trabalhadora e a fragilização da sua organização pelo partido político, à tradição marxista caiu

    o peso da frustração com a “queda” do socialismo real, gerando, assomado das políticas

    neoliberais, um apassivamento do proletariado, mas também a oportunidade da autocrítica

    para submergir de tal crise que repercutia em suas estratégias. No aspecto de suas condições

    objetivas, a classe trabalhadora sofre um processo de intensificação da pobreza e de

    crescimento do desemprego, que chega a níveis estruturais; observa-se uma tendência, cada

    vez mais crescente, à precarização dos espaços de trabalho, expressa nas terceirizações e na

    flexibilização dos contratos, que acaba por reforçar uma postura defensiva por parte da classe

    trabalhadora.

    Nesse sentido, compreendemos com Behring (2008, p. 66) que uma análise do

    capitalismo sempre estará incompleta sem uma abordagem do seu mecanismo ideológico de

    manutenção. Sabemos que para a garantia de sua sustentação econômica, política e social, o

    capitalismo, além das condições objetivas da crise, dispõe de estratégias ideológicas e

    culturais, dentre as quais, aparece a tentativa de construção de uma falsa consciência, a partir

    da disseminação de uma cultura conservadora e antidemocrática fundada na esfera do

    mercado, que tem obtido resultados eficazes na radicalização das lutas sociais e o

    consentimento entre as classes, sob um véu que obscurece as reais relações coisificadas no

    seio da sociedade capitalista. Deste modo, observa-se que no neoliberalismo, o MPC tem as

    bases de sua hegemonia ideo-cultural, contribuindo para a potencialização do fetiche da

    mercadoria sobre as relações humanas e sociais, obscurecendo os processos de exploração e

    dominação engendrados pelo capital.

    Um dos traços marcantes da ofensiva ideológica neoliberal descritos ainda na obra de

    Behring (2008) é o ascenso do pensamento pós-moderno. Em seus estudos ela nos expõe a

    partir dos estudos de Harvey (1996), que a “condição pós-moderna” aparece como uma visão

    de mundo representativa das relações capitalistas de produção. Santos (2007) também analisa

    as bases de instituição do pós-modernismo, considerando que apenas é possível uma

    consciência que responda ao padrão da acumulação flexível com características efêmeras e

    temporárias. Sustenta ainda que, em meio à insegurança do desemprego, esta consciência é

    marcada por incertezas e é tão descartável quanto às mercadorias produzidas pelo capitalismo.

  • 34

    O contexto da ideologia (na acepção marxiana de „falsa consciência‟) abrange as mais

    diversas esferas da vida social, através da cultura e política. Assimila os mecanismos de

    comunicação, do conhecimento, das organizações coletivas e de classe, da juventude etc. e os

    subsume aos seus interesses no sentido de torná-los uma saída para a crise. Assim, estabelece-

    se o que a autora caracteriza como cultura da crise, que é reforçada pela ideologia burguesa

    no seu empenho ao desmonte da resistência da classe trabalhadora. Para Santos (2007, p. 27)

    esta é a lógica cultural do capitalismo contemporâneo que tem favorecido o seu padrão de

    acumulação, a “expansão de uma hegemonia ideo-cultural” que contribui para a instauração

    de um clima de vazio ideológico “expresso na ausência de um projeto societário que se

    oponha a ele”.

    Nesta esteira, o processo educativo aparece como um potente instrumento para às saídas

    do capital em crise, uma vez que é atrelado ao setor econômico, de um lado para a formação

    do trabalhador útil à produção, de outro, para a manipulação das consciências e neutralização

    da luta entre as classes sociais, eximindo da educação seu caráter emancipatório. Na seção

    que se segue analisaremos como o processo educativo, no âmbito do ensino superior, é

    apropriado pelo capitalismo contemporâneo como uma saída estratégica à tendência

    decrescente das taxas de lucro.

    1.1.2 A subordinação da educação ao capital: a questão do ensino superior

    A partir da ontologia marxiana, buscamos compreender por meio dos processos atuais

    de ofensiva neoliberal, como a educação tem adquirido um valor inestimável para a

    manutenção da ordem metabólica do capital (MESZÁROS, 2002; 2009), especialmente

    através das alianças entre os organismos internacionais – principalmente o Fundo Monetário

    Internacional (FMI) e o Banco Mundial (BM), que vêm impondo mudanças significativas nas

    universidades latino-americanas, em consequência da articulação „periférica‟ e submissa

    destes países ao capitalismo central sob o discurso do desenvolvimento socioeconômico, da

    qual tratamos sumariamente na seção anterior. Recentemente alguns estudos têm abordado o

    movimento de subsunção do conhecimento aos imperativos do mercado capitalista, no qual a

    educação, “que deveria formar o homem para sua emancipação, tem sido atrelada ao trabalho

    alienado, enraizando o caminho da barbárie humana” (FRERES; RABELO; MENDES

    SEGUNDO, 2010, p. 34-35).

  • 35

    Através do estudo de uma sociedade dividida em classes, o marxista argentino Aníbal

    Ponce (2007) situa a educação como um fenômeno social de superestrutura que tende a ser

    moldado historicamente pelo modelo de sociedade vigente. Em sua análise, desde a divisão da

    sociedade em classes, o autor compreende que a educação foi apropriada pela classe

    dominante como um instrumento manipulador para a classe dominada.

    Na sua obra, Ponce observa que nas comunidades primitivas, por exemplo, onde não

    havia divisão de classes, a terra era propriedade comum e unida por laços de sangue, os

    indivíduos eram livres, homens, mulheres e crianças conviviam democraticamente em função

    de sua reprodução, através da socialização de tudo que era produzido. Havia uma divisão

    rudimentar do trabalho em função do sexo e da idade. O processo de aprendizado se dava pela

    necessidade dos membros do grupo de relacionar-se com a natureza e os outros membros, a

    partir da observação e da própria prática, de acordo com a capacidade de cada um e a

    finalidade comum de todos, desde as crianças até os adultos (Ibid., p. 17 et seq.).

    Os fins da educação nesse tipo de sociedade, informa o autor, derivavam da própria

    estrutura homogênea do ambiente social, uma vez que os interesses do grupo eram comuns e

    se realizavam igualitariamente com cada um do grupo, espontâneo e integralmente. Integral,

    pois cada membro bem apreendia tudo o que se elaborasse e recebesse na comunidade, e

    espontâneo à medida que não existia nenhum tipo de instituição para limitá-los.

    Conforme a comunidade primitiva foi lentamente se transformando numa sociedade

    dividida em classes, a partir, também, do desenvolvimento das formas de trabalho, dividindo

    as funções exercidas pelos membros do grupo, que demandavam administração da justiça, das

    guerras, do sistema de irrigação etc., este conceito de educação foi deixando de ser adequado,

    pois conforme a organização social começava a complexificar-se, passou-se a se requerer

    certos conhecimentos para o desempenho de determinadas funções. A educação a partir de

    então aparece como uma fonte de domínio.

    [...] Desde esse momento, os fins da educação deixaram de estar implícitos na

    estrutura total da comunidade. Em outras palavras: com o desaparecimento dos

    interesses comuns a todos os membros iguais de um grupo e a sua substituição por

    interesses distintos, pouco a pouco antagônicos, o processo educativo, que até então

    era único, sofreu uma partição: a desigualdade econômica entre os ‘organizadores’

    - cada vez mais exploradores – e os ‘executores’ – cada vez mais explorados –

    trouxe, necessariamente, a desigualdade das educações respectivas. (PONCE, op.

    cit., p. 26, grifos do original).

  • 36

    O que queremos aqui ressaltar é que a educação adquire específica conotação dentro das

    sociedades divididas em classe, diferente da que vigorou nas sociedades primitivas10

    . Para o

    mesmo autor, a educação imposta pela classe que domina tem três finalidades essenciais: “1º

    destruir os vestígios de qualquer tradição inimiga, 2º consolidar e ampliar a sua própria

    situação de classe dominante, e 3° prevenir uma possível rebelião das classes dominadas”

    (PONCE, 2007, p. 36).

    Já durante a antiguidade, a partir do século VI a. C., o caráter de classe da educação

    grega, especificamente em Esparta, se concentrava na instrução militar, em que se recorria à

    severa crueldade para transformar homens e mulheres em fortes soldados. O ideal máximo da

    educação era assegurar a superioridade militar sobre a classe dominada – que se caracterizava

    por um imenso número de escravos – através da rígida disciplina na prática de ginástica.

    Segundo Ponce, poderíamos caracterizá-la desta maneira:

    Quando a olhamos friamente, surge em toda a sua extensão o caráter de classe da

    educação espartana. Sociedade guerreira [...], Esparta se apropriava e vivia às

    expensas do trabalho alheio. Integralmente dedicado à sua função de dominador e de

    guerreiro, o espartano nobre não cultivava outro saber que não o das coisas das

    armas, e não só reservava para si esses conhecimentos, como castigava ferozmente,

    nas classes oprimidas, todo e qualquer intento de compartilhá-lo ou de apropriar-se

    dele. Mas, não contente com acentuar as diferenças de educação segundo as classes,

    o espartano ainda se esforçava por manter submissos e embrutecidos os escravos,

    por meio do terror e da embriaguez. Enquanto, por um lado, a educação reforçava o

    poder dos exploradores, frenava, pelo outro, as massas exploradas. (Ibid., p. 42,

    grifos do original).

    Apesar de longa, a citação é bastante esclarecedora também para a situação de Atenas,

    contudo, esta por ser maior produtora de mercadorias, o caráter militarista da educação era

    bem menor se comparado à Esparta. Contudo, assevera o mesmo autor que, com o aumento

    da riqueza, o número de escravos crescia exponencialmente, sendo que para cada cidadão

    livre existiam pelo menos dezoito escravos. Portanto, apesar das diferenças, também era

    interesse do Estado ateniense investir na preparação física de seus “cidadãos” para a vida

    militar: “[...] palestras, ginásios [...], tudo estava preparado para isso. As representações no

    10

    Não nos interessa, neste estudo, fazer uma evolução histórica dos processos educativos desde a constituição

    das organizações sociais iniciais até os dias atuais, nem da resistência operada pelas classes que foram

    dominadas dentro de cada período, uma vez que nossa pesquisa está centrada no momento atual em que se

    configura o processo educativo, especialmente no nível superior. Contudo, o fio condutor do nosso estudo se dá

    a partir de um método histórico-dialético, em que necessitamos redimensionar o passado para a compreensão do

    presente, e para isso nos utilizamos de alguns exemplos do desenvolvimento da história para aludirmos ao

    cenário neoliberal. Para o leitor que desejar, especificamente, uma análise da evolução histórica da educação e

    suas específicas configurações dentro de cada período sócio-histórico, recomendamos o estudo de Manacorda

    (2001) e a própria obra de Aníbal Ponce (2007).

  • 37

    teatro, a conversa nos banquetes, as discussões na Ágora reforçavam nos jovens a consciência

    da sua própria classe, como classe dominante” (PONCE, 2007, p. 44).

    Tanto em Esparta quanto em Atenas, havia um grande desprezo pelo trabalho, sendo

    valorizadas apenas as atribuições intelectuais e de guerra, que reforçavam o caráter virtuoso

    da nobreza. Aos escravos, cabiam as atividades de cultivo da terra. Citando Aristóteles, Ponce

    observa que a recusa do trabalho está centrada na rejeição do escravo. Nesta relação (trabalho-

    escravo), Aristóteles proibia que se ensinasse aos jovens o trabalho assalariado e a arte

    mecânica, uma vez que estes além de deformar a beleza do corpo, retiravam do pensamento a

    capacidade da elevação. Nesse sentido não fica tão difícil perceber a concepção de cidadania

    que se tinha entre os gregos: o privilégio de constituir a classe dirigente. Esse era o ideal da

    educação grega, formar os homens da classe dominante para construir uma sociedade

    “democrática”, baseada na política e na elevação do pensamento (Ibid., p. 45 et seq.).

    Com o desenvolvimento da universidade no século XI até XVIII, foi construída, a partir

    do acúmulo de forças gestadas da sociedade feudal na transição para o capitalismo, uma

    verdadeira comuna intelectual, acirrando, a nosso ver, de vez, o caráter classista que tem

    permeado a história do processo educativo, sendo considerada a primeira organização

    francamente liberal da Idade Média. Ainda amparados no estudo de Ponce (2007), observa-

    se, ainda no cenário da universidade, os indícios de ascensão da burguesia sobre a sociedade

    feudal, pois seu secular princípio religioso foi sendo questionado e substituído pela filosofia e

    a lógica, a escolástica, o Renascimento e o Humanismo.

    Aqui, ousamos sumariar alguns aspectos socio-históricos da educação situando-os em

    sua relação de classe em alguns momentos da história, pois, assim como Marx e Engels

    (2004), compreendemos que é pela divisão entre o trabalho material e intelectual que ocorre a

    divisão do trabalho 11

    e, consequentemente, a divisão da sociedade em classes – ainda que

    sejam classes em si (isso depende do desenvolvimento das forças produtivas que acirram os

    antagonismos inerentes aos interesses de cada classe). É com a divisão do trabalho na

    sociedade burguesa que a educação aparece submetida aos interesses da classe dominante,

    11

    “A divisão do trabalho só surge efetivamente a partir do momento em que se opera uma divisão entre o

    trabalho material e intelectual. A partir deste momento, a consciência pode supor-se algo mais do que a

    consciência da prática existente, que representa de fato qualquer coisa sem representar algo de real. E

    igualmente, a partir deste instante ela se encontra em condições de se emancipar do mundo e de passar à

    formação da teoria „pura‟, da teologia, da filosofia, da moral etc. Mas mesmo quando essa teoria, essa teologia,

    essa filosofia, essa moral etc., entram em contradição com as relações existentes [...]” (MARX; ENGELS, 2004,

    p. 24, grifo dos autores).

  • 38

    correspondendo aos seus anseios manipulatórios e instrumentalizadores sobre a classe

    trabalhadora, deteriorando-a em seus aspectos físicos e espirituais. Diz-nos os autores (2004)

    que os “poderes intelectuais do trabalho desaparecem e desembocam no outro extremo”

    (Ibid., p. 28). E este outro extremo é engendrado pelo trabalho coletivo na manufatura, pois

    aquela deformação de que falamos “é inseparável mesmo da divisão do trabalho na sociedade

    [...]” (op. cit., p. 32).

    Manacorda (2001), a respeito da compreensão marxista acerca da função civilizadora do

    capital através da educação, nos diz que Marx não nega as conquistas históricas da burguesia

    no campo da instrução – laicidade, estatalidade, universalidade, gratuidade, aspectos literais,

    morais, intelectuais, filosóficos etc. –, mas a critica pela incapacidade de realizá-las

    concretamente. Para Manacorda (Ibid., p. 296), o que a tradição marxista traz de novo à

    compreensão da educação “é [...] uma assunção mais radical e consequente dest