cemitério horizontal sustentável-deborahmacedo

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IFCE Centro de Ciências Tecnológicas Semana da Tecnologia da Construção e Edificações DEBORAH MACÊDO DOS SANTOS ARTIGO CIENTIFICO Cemitério Horizontal Sustentável JUAZEIRO DO NORTE 2010

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Page 1: Cemitério Horizontal Sustentável-deborahmacedo

IFCE Centro de Ciências Tecnológicas

Semana da Tecnologia da Construção e Edificações

DEBORAH MACÊDO DOS SANTOS

ARTIGO CIENTIFICO

Cemitério Horizontal Sustentável

JUAZEIRO DO NORTE

2010

Page 2: Cemitério Horizontal Sustentável-deborahmacedo

Cemitério Horizontal Sustentável

Deborah Macedo dos Santos

Resumo

Em um Cemitério, comumente, a estrutura para quem morreu está impecável. Já a

estrutura para quem está vivo e irá necessitar fazer uso do meio ambiente que o

cerca, tem deixado a desejar. Fazendo-se necessária infra-estrutura que proporcione

condições para o desenvolvimento sustentável do mesmo.

Antes dos primeiros assentamentos já havia uma preocupação pelos mortos. Eram

abrigados em pontos sagrados de encontro, aos quais os vivos sempre buscariam

retornar a fim de comungar com os espíritos de seus antepassados.

Na cidade de Fortaleza, até o século XIX, as pessoas eram enterradas nas próprias

igrejas ou nos seus arredores. Esta prática foi abolida quando vários médicos

sanitaristas da época estavam condenando os depositários de corpos nas paredes das

igrejas devido aos gases poluentes produzidos pela decomposição dos cadáveres.

causando sérios riscos ao meio ambiente e a saúde.

Esta decomposição leva em média dois anos e meio e dá origem ao chamado

nechrochorume, um perigoso poluente.

Sugere-se a implementação de artifícios para que o dito nechochorume seja

devidamente tratado a fim de ter um nível de poluição aceitável para ser depositado na

natureza.

PALAVRAS-CHAVE: Sustentabilidade.Cemitério.Arquitetura

EIXO TEMÁTICO: Ciência e Tecnologia

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INTRODUÇÃO

Quando uma pessoa vem a falecer, no evento de seu cortejo, sempre há um

falecido e muitos vivos. Comumente a estrutura para quem morreu está

impecável. Já a estrutura para quem está vivo e irá necessitar fazer uso do

meio ambiente que cerca o cemitério, tem deixado a desejar.

Como a etimologia da palavra arquitetura (do grego arché — αρχή —

significando "origem" ou "principal" e tékton — τέχνη — significando

"construção") mostra que o profissional de arquitetura, além do teto, além do

abrigo, além da construção, deve estar atento às condições psicológicas e de

conforto que a edificação irá prover. Este tema foi escolhido a fim de propor

uma mudança no conceito da edificação de cemitérios e uma ampliação do seu

programa básico de necessidades existente. Assim, percebe-se a necessidade

de maior infra-estrutura que proporcione além de caráter influenciador das

sensações humanas, condições para o desenvolvimento sustentável do meio

em que está inserido.

IMPORTÂNICA DOS CEMITÉRIOS: UM POUCO DE HISTÓRIA

Tem-se notícia que antes dos primeiros assentamentos já havia uma

preocupação pelos mortos. Estes teriam sido os primeiros a ter um abrigo

permanente. Eram marcos fixos ou pontos sagrados de encontro, aos quais os

vivos sempre buscariam retornar a fim de comungar com os espíritos de seus

antepassados.

“Os povos mais antigos devem pelo menos ter sonhado em possuir uma

parcela da imortalidade, antes que os sacerdotes, reagindo a uma

devastadora reação popular, concedessem a todos eles a possibilidade

de se transferirem para o céu, garantida pela mumificação e pelos

encantamentos mágicos.” (MUMFORD, 1982)

Pode-se ver uma preocupação com a arquitetura mortuária em toda a história

mundial como as pirâmides, mastabas e hipogeus egípcios,os quais deveriam

abrigar os restos mortais de pessoas nobres, do faraó e do povo.

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Nas primeiras dinastias de Ur, por volta de 3.000 anos antes de Cristo e em

Pasárgada, já tinham as tumbas dos aquemênidas escavadas na rocha e com

fachadas adornadas com esculturas como a famosa tumba de Ciro que pode

ser vista na figura a seguir.

Ilustração 1: Provável Tumba de Ciro, o Grande. Dispponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Imagem:Cyrus_tomb.jpg>. Acessado em: 11/10/2008

Da arquitetura mortuária grega, destaca-se o monumento funerário que

Artemisa mandou construir para Mausolo ilustrado a seguir, falecido em 350

antes de Cristo. De onde se derivou a palavra mausoléu que é utilizada hoje.

Ilustração 2 - Mausoléu de Mausolo ou de Hlicarnassus, pintando por Martin Heemskerck, baseado em descrições. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Imagem:Mausoleum_of_Halicarnassus.jpg>. Acessado em: 12/10/2008

Os último grande monumentos funerários, provavelmente, foi construído na

Índia. O Taj Mahal, indicado na figura a seguir foi construído entre 1646-1653

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em Agra. Trata-se de um mausoléu em mármore branco que o imperador Shah

Jahan mandou construir em memória de sua esposa favorita.

Ilustração 3 - Taj Mahal. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Imagem:Taj_Mahal_in_March_2004.jpg>

Os monumentos funerários de maior relevância deixaram de ser construídos,

possivelmente com a expansão das religiões cristãs, budistas e maometanas

que se identificam mais com a vida que com a morte.

Restou, contudo, a necessidade e o hábito de enterrar os mortos cujos

parentes guardam estima. Assim sendo, brevemente, as necrópoles dariam

lugar aos cemitérios públicos, indiferentes às crenças religiosas, onde cada

falecido seria alvo das mais diferentes manifestações individuais.

Na cidade de Fortaleza, até o século XIX, mas especificamente em 1866 as

pessoas eram enterradas nas próprias igrejas ou nos seus arredores. Esta

prática foi abolida quando vários médicos sanitaristas da época estavam

condenando os depositários de corpos nas paredes das igrejas devido aos

gases poluentes produzidos pela decomposição dos cadáveres. Existem

relatos que a senhora do presidente Morais Sarmento desmaiou dentro da

igreja em virtude das exalações cadavéricas, por conta de ocorrências como

essa foi criada a lei provincial n ° 319, de 1° de agosto de 1844 que daria

origem ao início da construção do cemitério de São Casemiro, assim chamado

pelo nome do presidente Casemiro José de Morais Sarmento. Hoje inexistente,

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fechado em 1865 quando seria fechado sob desculpa de se encontrar quase

dentro da cidade, estar sendo invadido pelas areias do morro e estarem

sepultados nele muitos coléricos. Talvez, neste período, o Ceará estivesse

dando seus primeiros passos em direção a cemitérios sustentáveis

SUSTENTABILIDADE VERSUS CEMITÉRIOS

Entende-se por desenvolvimento sustentável aquele que "satisfaz as

necessidades do presente sem comprometer a capacidade de as futuras

gerações satisfazerem suas próprias necessidades” (Comissão Brundtland,

1987)

A constituição federal (art.225) coloca ainda que todos tenham direito ao meio

ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial

a sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e a coletividade o

dever de defende-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Os cemitérios por si só podem causar sérios riscos ao meio ambiente, sendo

classificados como atividade insalubre já que a decomposição dos corpos é

tida como perigoso poluente.

Esta decomposição leva em média dois anos e meio e dá origem ao chamado

nechrochorume. Este material é eliminado durante o primeiro anos após o

sepultamento. Trata-se de um escoamento viscoso, com a coloração

acinzentada que pode atingir o lençol freático com as chuvas.

Desta forma, na arquitetura se faz necessário uma mudança de pensamento

desde a fase de projeto até o uso da edificação. Para que os novos cemitérios

proporcionem o mesmo conforto e simbolismo que os antigos, porém sem

degradar o meio ambiente.

Durante sua execução é necessário que os materiais utilizados possuam

produção e comercialização no perímetro mais próximo possível. Esta atitude

Page 7: Cemitério Horizontal Sustentável-deborahmacedo

reduz a energia embutida dos materiais de construção, ou seja, toda energia

gasta desde sua fabricação até o transporte da entrega.

Ainda sobre os materiais, é imprescindível que se faça uso de vegetações

nativas, pois demandam menos mão de obra e menos recursos energéticos

para sua manutenção além de favorecer ao ecossistema natural.

Segundo a Civil Engineering Research Foundation (CERF) de todos os

resíduos gerados no mundo, de 50 a 70% são oriundos da construção civil.

Portanto para o cemitério ser sustentável tem que haver uma preocupação da

gestão e reaproveitamento destes resíduos.

Durante a implantação, devem-se levar em consideração os aspectos

geológicos e hidrológicos a fim de minimizar o elevado risco aos mananciais

hídricos do subsolo.

“Do ponto de vista de saúde pública, o processo de decomposição dos

cadáveres deve ser facilitado pelas condições e características dos

solos, de modo que ocorra naturalmente, sem oferecer riscos de

contaminação ao sistema solo – água” (PACHECO, 1993).

Os principais fatores que condicionam os terrenos como adequados à

implantação de cemitérios são:

a) Áreas elevadas:

Faz-se necessário para que as sepulturas não sejam inundadas e que os

microorganismos sejam retidos na camada não saturada do solo.

“A localização em área elevada também está associada às condições de

arejamento favorecidas pelo regime de ventos imperante e à

manutenção das condições de potabilidade de captações pré-existentes,

como poços escavados ou “caipiras”, poços ponteira, poços tubulares ou

artesianos etc.” (PACHECO, 1993).

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b) Solos homogêneos:

“Concentrações elevadas de argilas tornam o solo pouco permeável, que

quando saturado de água, favorece a saponificação dos cadáveres”

(PACHECO, 1993).

“A saponificação é a hidrólise da gordura com a liberação de ácidos

graxos, os quais, pela acidez, inibem as bactérias putrefativas, atrasando

a decomposição do cadáver. A saponificação dos cadáveres se constitui

num problema sério, na medida que retarda a reutilização de sepulturas,

pratica comum nos cemitérios das grandes cidades” (MATOS, 2001).

c) Nível do lençol freático:

“A distância entre o nível do lençol freático e o plano de fundo das covas

possibilitará que o lençol não seja contaminado pelos líquidos

cadavéricos, pois permitirá a atenuação e a eliminação das bactérias

(patogênicas ou não) provenientes do processo de decomposição dos

cadáveres” (PACHECO, 1993).

O Código de Obras e Postura do Município de Fortaleza menciona que o nível

inferior das sepulturas deverá estar a uma distância de pelo menos 2 metros

acima do nível do lençol freático (medido no fim da estação de cheias).

d) Espessura da camada não saturada (ver figura 22):

“A zona não saturada é de especial importância não apenas por

representar a primeira linha de defesa natural contra a poluição entre a

superfície e os aqüíferos, mas também por possuir um ambiente favorável

para a atenuação e eliminação de poluentes. A faixa de transição entre as

duas zonas é chamada franja capilar (Ilustração 4). O movimento de água

na zona não-saturada é geralmente lento e restrito aos poros

menores com uma grande superfície específica. O ambiente químico é

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normalmente aeróbio e freqüentemente alcalino.” (HADDAD,2008)

Ilustração 4 - Esquema de um aquífero. Disponível em: <http://www.ambiente.sp.gov.br/aquifero/imagens>

USO DO FILTRO BIOLÓGICO

Uma boa alternativa para tornar o cemitério menos poluente é fazer com o que

o nechrochorume, material oriundo da decomposição dos corpos passe por

algum tratamento antes de ir para a natureza.

Em Curitiba, no bairro de Umbará, foi feito o primeiro cemitério ecológico do

país, o “Parque São Pedro”. A solução dada foi a instalação de poços de

monitoramento que verificam o nível de poluição do subsolo (ver ilustração 5)e

uma malha de drenagem superficial e profunda que abrange os seus 120 mil

m2 de área.

Ilustração 5: esquema poço de monitoramento

Este sistema de drenagem, proposto por um estudo de impacto ambiental

(RAP) conduz a água dos jazigos "necrochorume" para o filtro biológico,

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impedindo com isso, a contaminação do lençol freático e dos rios da região

(veja no esquema a seguir). Isto fez com que ele seja o único do mundo a

receber o certificado da ISO14001 que estabelece diretrizes para um a gestão

ambiental sem agredir o meio ambiente.

Ilustração 6: Esquema de sistema de drenagem do necrochorume.

O filtro biológico (ver ilustração 7) funciona da seguinte forma: O sistema de

depuração baseia-se na dupla decanta dos resíduos. Quando o material é

depositado no fundo, decompõe-se por ação das bactérias anaeróbias

resultando desse processo fraca ligação residual que é decomposta através de

bactérias aeróbias produzindo água suficientemente limpa para ser desaguada

em escoadores públicos já que o filtro biológico cumpre com as normas

exigidas no “regulamento do domínio público hidráulico” (Real Decreto 849/86

datado de 11 de Abril de 1986, e publicado no B.O.E. de Abril de 1986).

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Ilustração 7 - Imagem que demonstra o funcionamento de um filtro biológico. Disponível em: http://www.plarexpoliester.com/pt/filtros_pt.htm. Acessado em: 2 de abril de 2009.

Quanto à manutenção, é necessário que os dois primeiros compartimentos

sejam esvaziados até 90% do seu volume e tornar a encher de água,

relativamente ao terceiro é necessário limpá-lo com água à pressão com a

freqüência de uma vez por ano.

Conclui-se, desta forma, que é possível e viável a criação de cemitério que

desempenhem a mesma função de depositário de corpos e simbolismo

religioso sem contaminar solos e recursos hídricos além de menores impactos

durante seu processo construtivo.

BIBLIOGRAFIA

LIVROS

.

• ARAUJO, Marcio. Materiais Ecológicos e Tecnologias Sustentáveis

para Arquitetura e Construção Civil - Instituto para o Desenvolvimento da

Habitação Ecológica, São Paulo, 2004

� MUMFORD, Lewis. A cidade na história. Suas origens,

transformações e perspectivas. 4a ed. (Trad. Neil R. da Silva). São

Paulo: Martins Fontes, 1998.

� FRANKFORT, Henri. The City of akhenaten, 3 vol. Londres, 1923.

� GRAEF, Edgar Albuquerque. Edifício. São Paulo: Projeto, 1979

� PACHECO C. E. M., MARINHOS L. W., STRACERI L. Y. A.,

SHATKOVSKY M., IRIYA S. A., COLUCCI R., KINOSHITA R. K..

Page 12: Cemitério Horizontal Sustentável-deborahmacedo

Programa de Minimização da Contaminação das Águas

Subterrâneas causadas por Cemitério. Trabalho apresentado à

Matéria Saneamento Ambiental e Ecologia Aplicada do Curso de

Especialização em Engenharia de Controle de Poluição, da Faculdade

de Saúde Pública - USP. São Paulo – SP, 1993.

� HADDAD, Walnei;CHIACCHIO, Simon S. Impacto ambiental causado

por Cemitérios. Mestrado em Gestão Integrada em Saúde do trabalho e

Meio Ambiente – Centro Universitário Senac. SP, 2008.

� PIRES, Anna Sylvia; GARCIAS, Carlos Melo. São os cemitérios a

melhor solução para a destinação dos mortos? IV Encontro nacional

da ANPPAS. Brasília, DF. 2008.

DOCUMENTOS

� RESOLUÇÃO nº 335 de 03 de abril de 2004 CONAMA

� Código de obras e postura do município de Fortaleza. Lei Nº 5.530 de 23

de dezembro de 1981. Capítulo XXXIII.

� Lei de Uso e Ocupação do Solo

SITES

� BRODBECK, Rafael Vitola. Apostolado Veritatis Splendor: Meditações

baseadas nos evangelhos das missas da comemoração dos fies

falecidos. Disponível em <http://www.veritatis.com.br/article/3920.

Desde 12/07/2006>.

� MASSAD, Fredy. YESTE, Alicia Guerrero. Cemitérios

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<http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq060/arq060_02.asp>.

Acessado em: 04 de setembro de 2008.

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<http://www.pgm.fortaleza.ce.gov.br/legislacao/obras_posturas/obrasepo

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