cemitério de navios

5
REVISTA DE DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA DA SBPC VOL. 43 MARÇO 2009 R$ 9,95 257 ciência hoje ASTRONOMIA Como nasce, vive e morre uma estrela HISTÓRIA Artilharia ineficaz ajudou invasão francesa de 1711 FÍSICA As mil e uma aplicações do grafeno ARMADILHAS LUMINOSAS Pesca descarta material tóxico nas praias

Upload: henrique-kugler

Post on 30-Mar-2016

285 views

Category:

Documents


36 download

DESCRIPTION

Pesquisa inédita estuda embarcações naufragadas na costa gaúcha

TRANSCRIPT

Page 1: Cemitério de navios

REVISTA DE DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA

DA SBPC

VOL. 43MARÇO

2009R$ 9,95

257

ciênciahoje

ASTRONOMIA Como nasce, vive e morre uma estrela

HISTÓRIA Artilharia ineficaz

ajudou invasão francesa de 1711

FÍSICA As mil e uma

aplicações do grafeno

ARMADILHAS LUMINOSAS Pesca descarta material tóxico nas praias

Page 2: Cemitério de navios

!

Page 3: Cemitério de navios

C I Ê N C I A H O J E 4 9

Há mais de dois séculos, nave-gadores de terras distantes

desafiavam os perigosos mares do Sul. Em busca de novas rotas co-merciais, embarcações de toda a Europa exploravam caminhos até então desconhecidos ao longo da costa brasileira. Mas as águas do litoral do Rio Grande do Sul não tardariam a mostrar sua inclemên-cia, engolindo em suas profunde-zas até os mais experientes maru-jos. Nos mais de 270 anos de his-tória do Rio Grande do Sul, já fo-ram registrados pelo menos 280 naufrágios no litoral do estado.

Os séculos se passaram e a tec-nologia de navegação evoluiu. Mas não o suficiente. Embora as embarcações sejam hoje muito mais seguras, equipadas com mo-dernos sistemas de previsão do tempo, ainda é difícil vencer o principal inimigo dos explorado-res dos mares austrais: o clima. “Tanto pela formação topográfica,

ARQUEOLOGIA NÁUTICA Pesquisa inédita estuda embarcações naufragadas na costa gaúcha

Cemitério de naviosquanto pelas condições hidrográ-ficas e meteorológicas, a costa gaúcha foi palco de inúmeros aci-dentes marítimos, que ainda con-tinuam a ocorrer, apesar dos avan-ços técnicos na navegação”, diz o oceanógrafo Rodrigo Torres, da Universidade Federal do Rio Gran-de (Furg), autor do estudo Ma pea-mento e caracterização dos sítios arqueológicos de naufrágio do Rio Grande do Sul.

Entre os fatores climáticos que dificultam a navegação nesse lito-ral, destacam-se perigosos ventos. Ciclones, frentes frias, fortes on-das e pouca visibilidade também reduzem a margem de segurança da navegação. Mas o maior perigo fica por conta dos ventos do qua-drante sudeste. Conhecidos pelos navegantes como ‘carpinteiros da praia’, são os que mais ameaçam a região. De acordo com Torres, “eles costumam empurrar as em-barcações em direção à costa,

desmantelando-as sobre dunas”. É comum a formação de ciclones na região, resultando em ventos que podem ultrapassar 70 km/h.

Sendo o litoral gaúcho uma região tão crítica para a navega-ção, por que os navegantes insis-tiam em desafiar condições tão adversas? A resposta é simples. “O porto da cidade de Rio Grande, a 10 milhas do estuário Laguna dos Patos, teve papel decisivo na co-lonização portuguesa em terras do Sul do Brasil”, diz Torres. A partir do século 18, o porto começou a receber grande variedade de mer-cadorias. Além disso, o porto de Rio Grande era (e ainda é) um ponto estratégico para as rotas

Embarcação Magalhães II (foto menor) na zona de arrebentação do litoral do Albardão, no sul do Rio Grande do Sul, 12 horas após o acidente e, completamente destruído menos de uma semana após o acidente

FOTO

SER

VIÇO

DE

SIN

ALIZ

AÇÃO

NÁU

TICA

FOTO

FLÁ

VIO

NEV

ESEM

DIA

Page 4: Cemitério de navios

EM DIA

5 0 C I Ê N C I A H O J E

marítimas entre a Europa e o rio da Prata – à época o principal acesso aos mercados sulinos.

Hoje os eventuais acidentes marítimos registrados na área ocor-rem por outro motivo: a pesca. Não são poucos os barcos da indústria pesqueira que se arriscam a desa-fiar a natureza em uma zona tão perigosa. Afinal, a região é exce-lente para a atividade. “Condições biológicas determinadas pelo fenô-meno da convergência subtropical (um encontro de massas de água) propiciam grande riqueza de es-pécies”, explica Torres. Pode-se pescar desde anchovas, tainhas e pescadas até atum e outros peixes de alto valor comercial.

AcidentesUm dos naufrágios mais lembra-dos da história do litoral gaúcho é o do vapor brasileiro Rio Apa, que foi a pique ao largo da barra de Rio Grande em 11 de julho de 1887. É provável que a embar-cação, que vinha do Rio de Janei-ro, tenha sido vítima do temido ‘carpinteiro da praia’. A tragédia tirou a vida de 119 pessoas e re-cebeu grande destaque nos jornais da época.

Mas o naufrágio mais emble-mático, ocorrido entre 7 e 8 de

ju nho de 1861, é o da barca in-glesa Prince of Wales. Vinda de Glasgow, na Escócia, rumava para Montevidéu, quando acabou en-calhada em uma praia gaúcha. “Transportava principalmente louças e carvão mineral e, após o acidente, foi saqueada por fli-busteiros de praia que moravam nesse trecho arenoso da costa”, conta Torres.

Em tempos recentes, um nau-frágio muito comentado é o do barco pesqueiro Magalhães II, ocorrido em 2004. Assaltado por fortes ventos, desviou-se de seu rumo e foi lançado à praia, onde encalhou. No momento do aciden-te, a tripulação estava dormindo. Não houve mortes, mas, em me-nos de uma semana, a embarcação foi completamente destruída pe-los ventos, e seus destroços es-palhados pela praia.

Arquitetura navalNas pesquisas de Torres, a arqui-tetura naval aparece como valiosa fonte de informação arqueológica. “Um barco é um produto idealiza-do a partir de vários elementos e técnicas construtivas que reme-tem a períodos e situações histó-ricas”, diz o oceanógrafo. Para ilustrar, ele cita as embarcações

da primeira metade do século 19, cujo costado (parte exterior do casco, que fica fora da água) era forrado de cobre para evitar a ação de moluscos que comem madeira. “Se encontramos então um navio com casco revestido de cobre, po-demos deduzir que ele é anterior a 1870”, explica.

Além do costado, outros ele-mentos da arquitetura naval tam-bém são analisados. Os principais são a quilha (comparável a uma ‘espinha dorsal’ do casco), o caver-name (comparável às ‘costelas’) e as tábuas (que revestem o casco externamente). “Pela análise des-ses elementos, é possível acom-panhar a evolução da construção naval ao longo dos séculos.”

Navio Schmitt Hasegawa II, encalhado próximo ao município de São José do Norte (RS). À direita, restos de um navio não identifi cado encalhado na costa do Albardão, litoral sul do Rio Grande do Sul

FOTO

S ROD

RIGO

TORRES (ACERVO

DO

CLEO D

E PESQU

ISAS EM ARQ

UEO

LOG

IA NÁU

TICA)

Costado de um navio não identifi cado, encalhado nas imediações do Iate Clube de Rio Grande (RS)

Page 5: Cemitério de navios

EM DIA

C I Ê N C I A H O J E 5 1

A estrutura de uma traineira de pesca hoje, diz o oceanógrafo, é exatamente a mesma de uma caravela do século 16. As propor-ções entre comprimento e largu -ra permanecem inalteradas. A única diferença é que trocamos a mastreação pelos motores – com alterações também no sistema de lastro.

O fato é que, antigas ou moder-nas, as embarcações que adentram as águas desse litoral implacável dificilmente fazem travessias tranquilas. Os números oficiais (cerca de 280 acidentes nos últi-mos dois séculos) são imprecisos. “Provavelmente esse número é maior”, supõe Torres. “Ainda não temos um levantamento completo dos naufrágios nos últimos 60 anos.” De qualquer modo, o litoral gaúcho é uma área rica em sítios arqueológicos. Mas, de acordo com o oceanógrafo, as embarca-ções ali naufragadas permanecem como fontes documentais pouco estudadas.

Raros grupos de pesquisa ar-queológica investigam embarca-ções submersas no Brasil. E o es-tudo de naufrágios em zonas in-termareais (praias) é ainda mais restrito, limitando-se, no país, à equipe de Torres. O oceanógrafo ressalta a importância de se co-nhecer esse patrimônio esquecido e considera seu estudo essencial para a compreensão da cultura marítima do Rio Grande do Sul.

Henrique KuglerEspecial para Ciência Hoje/PR

ODONTOLOGIA

LEITE EM PÓ PODE CAUSAR CÁRIE EM BEBÊS

Um estudo da Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP) demonstrou que determi-nadas fórmulas de leite em pó infantil podem levar ao desenvolvimento de cárie em dentes de leite. Depois de pesquisar o tema por um ano e meio, para sua dissertação de mestra-do, a cirurgiã-dentista Anna Maria Cia de Mazer Papa concluiu que o leite em pó infan-til, mesmo sem açúcar, pode induzir o surgi-mento de cárie em bebês.

Nas análises coordenadas por Cínthia Pereira Machado Tabchoury, Papa utilizou dois leites de uma mesma marca, sendo um à base de proteína animal e o outro à base de soja; ambos indicados para bebês de seis meses a um ano de idade. Doze voluntários adultos saudáveis participaram das análises, utilizando aparelhos palatinos com dentes de leite acoplados, nos quais gotejavam as soluções dos leites em pó oito vezes por dia, por 10 dias. Depois, repetiu-se o procedimen-to, com líquidos, como a água e sacarose, em vez de leite. Simulou-se uma situação de não escovação dental e não foi usado fl úor na pasta dental, substância protetora do esmalte dentário.

Segundo a cirurgiã-dentista, os leites em pó infantis contêm carboidratos (açúcares), e determinados tipos de carboidratos podem levar a uma maior perda mineral do dente, induzindo a formação de cárie. “Os leites em pó contêm um carboidrato chamado malto-dextrina, ausente no leite materno ou bovi-no. Provavelmente são açúcares desse tipo que fazem com que esse leite favoreça o desenvolvimento de cárie em dentes de leite”, explica. Ela observa que outras mar-

cas de leite em pó infantil com formulação parecida, especialmente em relação a car-boidratos, possivelmente terão os mesmos efeitos. “Algumas formulações no mercado contêm, além da lactose e da maltodextrina, a sacarose, o mais cariogênico dos carboi-dratos”, afi rma.

Papa não considera necessário que se pare de consumi-los. Para ela, outro fator importante no desenvolvimento da cárie em crianças pequenas é o uso de uma dieta inadequada, como mamadeiras com sucos e leites açucarados. “À noite, principalmen-te, esse procedimento é mais prejudicial à saúde dental da criança, pois é o período em que a saliva, que lava os dentes constante-mente, está em níveis mais baixos, e o açúcar fi ca mais tempo estagnado na boca”, acres-centa. Ela recomenda a redução do açúcar colocado nas mamadeiras (e na dieta como um todo) e uma escovação controlada dos dentes da criança. “E, mais tarde, pretende-mos desenvolver e propor uma forma de diminuir o potencial cariogênico desses produtos”, afi rma.

Segundo levantamento do Grupo de Ele-tricidade Atmosférica do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Elat/Inpe), o Brasil teve em 2008 o maior número de mortes por raios da década. O ano de 2001 era recordista, até então, com 73 mortes, mas, em 2008, 75 pessoas morreram atingidas por descargas elétricas. O número de raios no país também foi maior que no ano anterior, principalmente nas regiões Norte e Nordeste, onde caíram mais de 60 milhões de raios. A previsão é que, em 2009, esse número se mantenha. O maior número de mortes por raios foi no estado de São Paulo (20 mortes), seguido por Ceará (7), Alagoas (6) e Rio Grande do Sul (5). A maior parte dos casos (63%) aconteceu na zona rural.