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CEJUR - DIREITO PENAL CRIMES DE TRÂNSITO - PROFº. MARCELO RIBEIRO AULA DO DIA: 20.12.00 – 57ª aula Degravada por Lucia Frota Dillenburg Scur CRIMES DE TRÂNSITO O crime é homicídio culposo na direção de veículo automotor e lesão corporal culposa na direção de veículo automotor. O que nós vimos na aula passada? Vimos que não há necessidade para tipificação desses fatos de que eles tenham sido praticados na via pública. Vimos, sem segundo lugar qual é o sentido dos termos- “na direção de veículo automotor”. Vimos o que é veículo automotor e aí comentamos a respeito do trator. Vamos ver agora o § único do artigo 302 onde estão elencadas uma majorantes aplicáveis tanto ao homicídio na direção de veículo automotor quanto a lesão corporal culposa na direção de veículo automotor. Diz aqui o seguinte: no homicídio culposo cometido na direção de veículo automotor, a pena é aumentada de 1/3 até a ½, primeiro, se o agente não possuir permissão para dirigir ou carteira de habilitação. Vejam o seguinte, o sujeito vem na direção de veículo automotor e atropela uma pessoa. O policial chega e ele não tem permissão, nem habilitação para dirigir. Temos aí dois fatos em princípio, ou melhor, temos duas normas incidentes sobre o mesmo fato. Nós temos o homicídio culposo, § único, inciso I que é a majorante de ter ele cometido este fato sem tem permissão ou habilitação para dirigir mais o artigo 309, que diz assim: “dirigir veículo automotor em via pública sem a devida permissão para dirigir ou habilitação ou ainda se cassado o direito de dirigir, gerando perigo de dano”. Logo, nós temos que sobre esse fato, estas duas regras são incidentes, essas duas normas são incidentes: uma constitui a majorante de ter praticado o homicídio culposo sem ter habilitação ou permissão para dirigir e outra é o crime de dirigir sem ter permissão ou habilitação na via pública gerando probabilidade de dano. Aí pergunto, teremos concurso de crimes ou não? Não, porque temos aqui um concurso aparente de normas solúvel pela regra da subsidiariedade implícita que já vimos aqui. Toda vez que um crime for elementar de outro, circunstância acidental do tipo, ou seja, qualificadora, ou circunstância da pena de outro fato, teremos a absorção deste 1

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CEJUR - DIREITO PENALCRIMES DE TRÂNSITO - PROFº. MARCELO RIBEIROAULA DO DIA: 20.12.00 – 57ª aulaDegravada por Lucia Frota Dillenburg Scur

CRIMES DE TRÂNSITO

O crime é homicídio culposo na direção de veículo automotor e lesão corporal culposa na direção de veículo automotor.

O que nós vimos na aula passada? Vimos que não há necessidade para tipificação desses fatos de que eles tenham sido praticados na via pública. Vimos, sem segundo lugar qual é o sentido dos termos- “na direção de veículo automotor”. Vimos o que é veículo automotor e aí comentamos a respeito do trator.

Vamos ver agora o § único do artigo 302 onde estão elencadas uma majorantes aplicáveis tanto ao homicídio na direção de veículo automotor quanto a lesão corporal culposa na direção de veículo automotor. Diz aqui o seguinte: no homicídio culposo cometido na direção de veículo automotor, a pena é aumentada de 1/3 até a ½, primeiro, se o agente não possuir permissão para dirigir ou carteira de habilitação. Vejam o seguinte, o sujeito vem na direção de veículo automotor e atropela uma pessoa. O policial chega e ele não tem permissão, nem habilitação para dirigir. Temos aí dois fatos em princípio, ou melhor, temos duas normas incidentes sobre o mesmo fato. Nós temos o homicídio culposo, § único, inciso I que é a majorante de ter ele cometido este fato sem tem permissão ou habilitação para dirigir mais o artigo 309, que diz assim: “dirigir veículo automotor em via pública sem a devida permissão para dirigir ou habilitação ou ainda se cassado o direito de dirigir, gerando perigo de dano”. Logo, nós temos que sobre esse fato, estas duas regras são incidentes, essas duas normas são incidentes: uma constitui a majorante de ter praticado o homicídio culposo sem ter habilitação ou permissão para dirigir e outra é o crime de dirigir sem ter permissão ou habilitação na via pública gerando probabilidade de dano. Aí pergunto, teremos concurso de crimes ou não? Não, porque temos aqui um concurso aparente de normas solúvel pela regra da subsidiariedade implícita que já vimos aqui. Toda vez que um crime for elementar de outro, circunstância acidental do tipo, ou seja, qualificadora, ou circunstância da pena de outro fato, teremos a absorção deste crime. Então, esta norma fica absorvida pela norma do § único, inciso I do artigo 302 e este motorista responderá somente como incurso no artigo 302, § único, inciso I. Então, toda a vez que um crime for elementar, essencial do tipo, circunstância acidental de outro tipo, qualificadora, circunstância da pena, como no caso aqui é uma majorante, este crime ficará absorvido pelo outro ou pela outra norma. Então, este é o princípio da subsidiariedade implícita.

Segunda hipótese, mas não esqueçam de que esta majorante é aplicável para o homicídio culposo e para a lesão corporal culposa, para os dois crimes. Se esses crimes forem praticados em faixa de pedestres ou na calçada, observem, a lei não fala se o crime se consumar na faixa de pedestres ou na calçada, mas é o fato, o atropelamento é que tem que ocorrer na faixa de pedestres ou na calçada, a vítima pode morrer em casa, no hospital ou a caminho do hospital, não importa, mas o fato tendo ocorrido na faixa de pedestre ou na calçada,isso implicará no aumento da pena de 1/3 até ½.

Eu digo isso porque num programa de televisão aqui no RGS, um técnico do DETRAN disse essa besteira, que a faixa de pedestre tinha sido bastante valorizada pelo CTB, tanto que se uma pessoa for atropelada e morrer na faixa de pedestre a pena seria aumentada de 1/3 até a ½. Não, não é a morte que tem que

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ocorrer porque senão já imaginaram o motorista que atropelasse uma pessoa na faixa de pedestre percebesse que a vítima estava espectorando, ele sairia do carro e empurraria o corpo do cara para morrer fora da faixa para não pegar o aumento de 1/3 até a ½. Coisa mais patética, não? Então, é o fato que tem que ocorrer na faixa de pedestre ou na calçada, o atropelamento, no caso.

Inciso III: “se o agente deixar de prestar socorro quando possível fazê-lo sem risco pessoal à vítima do acidente”. Vocês vão no CTB, várias vezes inadequadamente essa palavra – acidente. Por que inadequadamente? Porque acidente não é crime, é um fortuito, é aquilo que ocorre independentemente da nossa vontade. Se o legislador tivesse usado a palavra evento, eu até admitiria porque o evento pode ser um acidente ou um crime, mas várias vezes o legislador usou essa palavra- acidente, inadequadamente. Então, se não prestar socorro à vítima? Mesma coisa aqui irá acontecer. Artigo 304, nós temos um crime: “deixar o condutor do veículo, na ocasião do acidente, de prestar imediato socorro à vítima ou não podendo fazê-lo diretamente, por justa causa, deixar de solicitar auxílio à autoridade”. Aqui nós também vamos ter um conflito aparente de normas entre a norma do § único, inciso III e a do artigo 304 do CTB, as duas incidentes sobre o mesmo fato. Solução: mesmo princípio- subsidiariedade. Só que aqui, não implícita, mas explícita, expressa, porque olhem só no artigo 304, no preceito secundário quando trata o legislador da sanção. Diz aqui: penas: detenção de 6 meses a 1 ano ou multa, atenção aqui, se o fato não constituir elemento de crime mais grave. Então, esse fato, omissão de socorro, constitui circunstância da pena de crime mais grave, logo, ficará a norma do artigo 304 absorvida pelo § único, inciso III do artigo 302. E ele responderá somente como incurso no artigo 302, § único, inciso III do CTB.

Inciso IV : “no exercício de sua profissão ou atividade, estiver conduzindo veículo de transporte de passageiros”. Observem aqui uma coisa: essa majorante é aplicável então em razão da profissão do agente do crime. Ela é então de constitucionalidade discutível por causa que o direito penal moderno pauta-se pelo direito penal do fato e não pelo direito penal do autor. E aqui nós temos uma majorante, uma circunstância implicando em aumento da pena para o autor do fato delituoso, só em razão da profissão e não em razão de um fato que ele tenha praticado. Veja bem, ele praticou um fato, artigo 302, ele matou uma pessoa, agora, isso tudo bem, mas essa majoração da pena não tem vinculação com o fato, tem vinculação com a profissão dele, com o fato, melhor dizendo, de ser ele um profissional de condução de veículos de transporte de passageiros, de quem se reclama redobrados cuidados no trânsito em razão da própria atividade. Nós sabemos que o motorista para dirigir coletivos, qualquer veículo de transporte de passageiros, dele é reclamado redobrados cuidados na direção. Até nos exames para motorista dele é cobrado muito mais do que para um motorista amador. Então, ele tem que ter maiores cuidados e esta majorante é endereçada a ele, ou seja, se ele não tomou os cuidados que deveria tomar em razão de sua profissão, ele vai merecer uma pena mais alta. Só que faltou a lei dizer isso. Interessante que no Código Penal nós já tínhamos essa regra, só que fiel ao direito penal do fato. Verifiquem no CP, § 4º do artigo 121: “no homicídio culposo a pena é aumentada de 1/3 se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão arte-ofício”. Observem que a majoração da pena aqui no § 4º do artigo 121 está presa a um fato, o fato dele não ter observado uma regra profissional que deveria observar, enquanto que no Código de Trânsito não. O legislador no Código de Trânsito não repetiu isso aqui. Ele disse apenas que a pena será aumentada se o agente no exercício de sua profissão ou atividade estiver conduzindo veículo de transporte de passageiros. Então, nós temos aqui o condenado direito penal do autor. Isso implica em ofensa

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ao dogma da culpabilidade. Isso é responsabilidade objetiva. Ofensa ao dogma da culpabilidade que foi acolhido pela Constituição. Por isso que eu digo ao senhores que essa regra é de constitucionalidade discutível.

Aluno: Se ele praticou um delito culposo ele infringiu um dever de responsabilidade objetiva?

Professor: Veja bem, ele infringiu um dever para o fato mas não para aumentar a pena. Para o fato, tudo bem, ele foi imprudente, imperito ou negligente e matou uma pessoa. Pena: de 2 ou 4 anos mais suspensão ou proibição de obter permissão ou habilitação. Agora o aumento da pena não está vinculado a nenhum fato, está vinculado ao fato de ser ele condutor de veículo de passageiros, quando o legislador deveria dizer que a pena só será aumentada se ele não observar regra técnica de profissão. Aí estaria o fato.

Aluno: como ele cometeria um delito culposo se ele não observar uma regra técnica?

Professor: Pode.Aluno: Como ele vai saber quando entra o elemento... (inaudível)Professor: A culpa não tem nada a ver com não observar a regra de

trânsito. Enquanto a lei penal falar em inobservância de regra técnica de profissão, também não estava dizendo respeito a regra de trânsito. Assim, quando a gente aprende a dirigir, é a regra da profissão, o instrutor diz que você tem que olhar sempre para frente, estar com as duas mãos no volante, prestar a atenção no que vem de trás para frente nos espelhos laterais e retrovisor. Então, o problema todo é que eu condeno esse inciso IV do § único do artigo 302 do CTB é que esta majorante não está vinculada ao fato, está vinculada à profissão do agente, o que é condenável, mas o que acontece é que vem sendo aplicada e nenhum Tribunal disse ser ela inconstitucional. Agora, que ela contém uma responsabilidade objetiva, isso contém. A responsabilidade objetiva fere o dogma da culpabilidade que a Constituição acolheu.

O legislador deveria dar uma lida no Código Penal para acompanhar o sistema penal. Vou dar um outro exemplo para vocês. Vejam as agravantes previstas no artigo 61: “ são circunstâncias que sempre agravam a pena quando não constituem ou qualificam o crime:Inciso II: “ter o agente cometido o crime :g)com abuso de poder ( olha o fato ) ou violação de dever inerente a cargo, ofício, ministério ou profissão;”Como vocês podem verificar , o agravamento da pena tem a ver com o fato e não com a profissão do indivíduo, já o Código de Trânsito diz que não, que a pena será aumentada de 1/3 até a ½ se ele for condutor de veículo de transporte de passageiros. Isso para mim é inconstitucional, embora não tenha sido declarada essa inconstitucionalidade por juiz algum.

Aluna: Não interessa se tem passageiros ou não?Professor: Não interessa, se ele for motorista de transporte , nem que

ele esteja, por exemplo, levando o ônibus até a garagem após terminado o expediente, se atropelar e matar uma pessoa já pega um aumento de pena de 1/3 até a ½ . Isso é um absurdo porque ali existe uma violação ao direito penal, ao fato. Essa regra, esse aumento, essa majoração de pena, nada tem a ver com um fato.

Sabem os senhores que o Código Penal tem a seguinte disposição que é pertinente ao perdão judicial. Diz assim: artigo 121, § 5º: “na hipótese do homicídio culposo, o juiz poderá deixar de aplicar a pena, se as conseqüências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária.” Essa regra é aplicável também à lesão corporal culposa. Essa regra, no entanto, está no Código Penal, é pertinente ao perdão judicial. O Código

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de Trânsito não reeditou essa regra. O artigo 300 do CTB que dizia respeito ao perdão judicial foi vetado pelo Presidente da República. E aí vem uma pergunta: tendo sido vetado o artigo 300 do CTB, ficou inaplicável o instituto quando se tratar de homicídio culposo e de lesão corporal culposa na direção de veículo automotor? A primeira forma de responder essa pergunta está nas razões do veto. O melhor Código de Trânsito Brasileiro é o do Juarez de Oliveira, porque ele traz todas as razões do veto. Vejam o que ele diz: nota: dispunha o artigo 300 vetado – nas hipóteses de homicídio culposo e de lesão corporal culposa, o juiz poderá deixar de aplicar a pena se as conseqüências da infração atingirem exclusivamente o cônjuge, o companheiro, ascendente, descendente, irmão ou afim em linha reta do condutor do veículo. Como vocês podem verificar, o artigo 300 é mais rigoroso que o § 5º do artigo 121. Este não limita a aplicação do instituto se houver prejuízo para cônjuge, companheiro, ascendente, descendente, irmão ou afim em linha reta do condutor do veículo. Pode ser um amigo. Então, esse benefício está previsto no Código Penal de forma mais ampla, de forma que favorece mais o autor do crime. O Código de Trânsito estabeleceu uma regra que restringia a aplicação do instituto, restringia porque foi vetado. O Presidente vetou. Diz aqui as razões do veto: o artigo trata de perdão judicial já consagrado pelo direito penal, mas deve ser vetado porém porque as circunstâncias previstas pelo §5º do artigo 121 e § 8º do artigo 129 do Código Penal disciplinam o instituto de forma mais abrangente. Aí eu pergunto aos senhores: – Vetado o artigo 300, nós não podemos aplicar o instituto do perdão judicial em se tratando de crime de trânsito? Não, óbvio que não. O presidente da República entendeu que este instituto estava disciplinado de forma mais abrangente no Código Penal, de forma mais ampla e o artigo 300 estava restringindo a aplicação desse direito e por isso ele vetou. Então, cabe perdão judicial? Óbvio que cabe, mas vocês vão encontrar alguns autores que dizem não cabe. Esses autores, obviamente que não são autores consagrados e é por isso que eu não vou nem chamar de autores, vou chamar de articulistas porque escreveram um ou dois artigos em uma dessas revistas especializadas que tem aí e nada mais a respeito do assunto de forma mais aprofundada.Então, vocês vão encontrar alguns articulistas que fazem a seguinte argumentação: não cabe a aplicação do instituto do perdão judicial porque o artigo 291 do CTB diz que “ aos crimes cometidos na direção de veículos automotores aplicam-se as normas gerais do Código Penal” e eles dizem que o perdão judicial está previsto no §5º do artigo 121 e § 8º do artigo 129 que são dispositivos da parte especial do Código Penal. Perceberam qual é a argumentação? O artigo 291 diz que aos crimes de trânsito são aplicáveis as normas gerais e o perdão judicial está previsto em norma especial. Têm eles razão?

Aluna: Mas não dá para aplicar uma analogia?Professor: Acho que isso é questionável e já vou dizendo que isso aqui

é uma besteira porque não é verdade que o perdão judicial está previsto na parte especial, o perdão judicial é causa de extintiva da punibilidade, está previsto no artigo 107 que é norma geral. Então, aplica-se sim. O perdão judicial está previsto no artigo 107, inciso IX , que é dispositivo da parte geral do Código Penal. Portanto, inquestionável a aplicação desse dispositivo.

Vamos ao artigo 304. Trata-se do crime de omissão de socorro. Vejam o que diz: deixar o condutor do veículo na ocasião do acidente ( vejam a palavra acidente empregada denovo indevidamente) de prestar imediato socorro à vítima ou não podendo fazê-lo diretamente por justa causa, deixar de solicitar auxílio de autoridade pública. Pena de 6 meses a 1 ano ou multa se o fato não constituir elemento de crime mais grave.

Ora, se uma pessoa praticar com culpa, agindo com culpa, matar ou lesionar culposamente outra e não prestar socorro incidirá o artigo 302, § único,

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inciso III ou IV do CTB, que é uma majorante e não será aplicável o artigo 304 do CP, como já vimos, em razão da regra da subsidiariedade expressa. Então, se uma pessoa com culpa, homicídio culposo ou lesão corporal culposa, matar ou lesionar outra não responderá por omissão de socorro, mas sim por homicídio ou lesão corporal culposa com incidência da majorante. Então quando é que vamos aplicar o artigo 304? Fazendo a pergunta de uma outra forma: - Quem é o sujeito omitente desse crime? Só podemos falar de sujeito ativo quando o crime for comissivo. O crime é omissivo, então, quem é o sujeito omitente desse crime? Quando é que vamos aplicar o artigo 304?

Aluno: Quando a lesão for dolosa?Professor: Não, quando for dolosa aplica o Código Penal e não o

Código de Trânsito. Então, quando é que vamos aplicar, quem é o sujeito omitente? É este aqui. Aquele que se viu envolvido em evento de trânsito sem culpa, mas com vítima. Este é o sujeito omitente. Então, surgiu aqui uma outra classe: quem se omite e mata uma pessoa no trânsito, culposamente, se agiu com culpa em relação ao homicídio culposo ou lesão corporal culposa e não socorre, responde somente por homicídio culposo ou lesão corporal culposa incidindo a majorante do artigo 302, §único, inciso III do CTB. Quem em relação ao homicídio ou lesão corporal agir sem culpa e houver vítima, tem que socorrer sob pena de responder como incurso no artigo 304 do CTB. Imaginem a seguinte situação: eu venho dirigindo um veículo automotor, o sinal fecha e eu paro, vem um outro e entra debaixo do meu carro, engaveta no meu carro. Eu observo que ele está ferido, eu tenho que socorrer se não socorrer vou responder por este fato delituoso. Vejam bem, eu me vi envolvido num evento de trânsito para o qual eu não concorri, sem culpa, mas com vítima, e assim, tenho que socorrer.

Como vocês podem notar o CTB fez uma especialização. Fora disso o sujeito vai responder sempre pela omissão de socorro prevista no Código Penal, artigo 135. Então, podemos acrescentar aqui uma outra classe. Este aqui responderá como incurso nos artigos 302 ou 303, incidindo o § único, inciso III, do artigo 302 do CTB e este aqui responderá como incurso no artigo 304, caput¸ do CTB e os demais no artigo 135 do Código Penal.

Aluno: Tem um condutor de veículo com outra pessoa do lado e ocorre o engavetamento e havendo vítima no carro que bateu atrás, nenhum faz nada?

Professor: O condutor responde pelo CTB e o outro responde por concurso no artigo 135 do Código Penal.

(troca de lado da fita)...Ocorreu , por exemplo, este fato que eu acabei de falar, havia um

outro motorista do lado que percebeu que havia uma vítima, mas como ele não estava envolvido nesse evento, ele responderá como incurso no Código Penal, artigo 135.

Aluno: Passageiro também?Professor: Passageiro e tudo.Ainda, este crime de omissão de socorro diz assim: “ deixar o condutor

do veículo...” . E se for uma carroça, que é um veículo. Eu venho dirigindo uma carroça e vem um fuca e entra debaixo da carroça. O motorista do fuca ficou ferido, eu não socorro, vou responder como incurso no artigo 304 do CTB ou não? Em outras palavras, a pergunta é essa: é veículo automotor ou não é, ou é qualquer veículo? É veículo automotor. O carroceiro vai responder como incurso no artigo 135 do CP com fundamento no artigo 291 do CP que tem a seguinte redação: aos crimes cometidos na direção de veículos automotores previstas neste Código. Então, as disposições aqui constantes, na seção dos crimes de trânsito são

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aplicáveis aos condutores de veículos automotores, carroça não é veículo automotor. Então o carroceiro responderá como incurso no artigo 135 do CP.

Um outro argumento que vocês poderão se valer. Observem que o legislador não diz “ deixar o condutor de veículo”, mas diz “ do veículo” . Que veículo? Os dois dispositivos anteriores trataram de veículo automotor, então é veículo automotor.

Vejam o § único do artigo 304 do CTB, é uma das maiores aberrações jurídicas: “ incide nas penas previstas nesse artigo o condutor do veículo, ainda que a sua omissão seja suprida por terceiros ou que se trate de vítima com morte instantânea ou com ferimentos leves”. Quando não existia o CTB, nenhum de vocês aqui foi meu aluno antes do CTB, mas eu explicava que naquela época, quando uma pessoa atropelar outra na direção de veículo automotor, o que ela não pode fazer é ir embora, ela tem que prestar socorro à vítima. Isto vai trazer benefícios? Sim, ela não pode ser presa em flagrante, como já vimos. Tem que prestar socorro à vítima. Mas se a vítima já está sendo socorrido, o motorista pode ir embora? Não, porque ele deve ficar ali dispondo-se a auxiliar nessa prestação de socorro. Só será escusável a retirada dele do local se ele estiver correndo o risco de ser linchado, por exemplo. Então eu dizia isso:se a vítima estivesse sendo socorrida não pode ir embora, tinha que ficar ali dispondo-se a auxiliar : - Estão precisando de alguma coisa, estou aqui para ajudar, estou à disposição. Pois não é que o CTB diz que mesmo que a omissão for suprida por terceiro eu vou responder? Já imaginaram a situação? Eu saio do veículo e tem um médico socorrendo a vítima. Aí eu chego e aponto uma arma para o médico e digo: - Sai fora, quem tem que socorrer sou eu porque senão eu vou ter que responder um processo criminal por omissão de socorro, cai fora, a vítima é minha!! Isso chega a ser patético. Isso é um absurdo. Como se não bastasse o legislador prossegue dizendo. “ ou que se trate de vítima com morte instantânea”. Se a vítima morreu, eu que eu posso fazer por ela é mandar rezar uma missa, mandar numa sessão espírita fazer uma bela oração para que o espírito suba o mais rápido possível e não fique aqui embaixo. Agora, socorrer não dá mais. Socorro só meramente espiritual.

Aluno: Mas tem técnica de reanimação funcionando, até uma hora depois da morte dá para reanimar. Um médico me convenceu disso.

Por exemplo, numa estrada, BR, no meio tem um posto de gasolina, eu venho vindo e uma carreta passa por cima do meu carro e eu fico assim, um papelzinho no chão. Socorreu, tem dúvidas, pode reanimar essa casquinha?

Aluno: Medicina é uma coisa fantástica, professor.(risos)Professor: Só com um golpe de mágica. Numa situação de morte

instantânea o que acontece, achatou o crâneo da pessoa. Como é que vai reanimar?

Então, se houve morte instantânea, isto é crime impossível, isso é um absurdo.

Prossegue o legislador com outra asneira: “ ou com ferimentos leves”.Eu, antes do CTB, dizia para os meus alunos: se o motorista na direção de um veículo automotor atropelar uma pessoa e o ferimento for levíssimo e a pessoa não precisar de socorro, um arranhãozinho no dedo, eu não preciso pegar essa pessoa a forma e levar no Pronto Socorro, ela não quer ir, não foi nada, foi só um arranhão- zinho. Agora vem o CTB e diz isso. Quer dizer que eu dou uma encostada numa pessoa, saio do veículo e digo: - Escuta o sr. está ferido? Ele responde: - Não senhor, foi só um aranhãozinho. Aí eu digo: - Não foi nada, não. O senhor vem comigo. O ferimento foi leve mas se eu não levar o senhor até o Pronto Socorro eu vou responder por omissão de socorro. Mas isso aqui é um escândalo. Vejam só como andam os nossos legisladores.

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Mas, esta hipótese que trata da morte instantânea chama-se efeito Odacir Klein. Foi por causa daquele fato que envolveu o filho do Odacir. Aí, é aquela história, legislação de pânico. Acontece um fato daquele que causou uma comoção social muito forte, aí o legislador vem dar uma resposta precipitada e dá esta mancada.

Aluno: Aquele fato foi anterior ao CTB?Professor: Um ano antes.Sabem, que eu tenho conhecidos em Brasília que dizem que quem

estava dirigindo era o Senador e não o filho e aí a coisa fica pior.Aluno: Na primeira parte, será que a intenção não é evitar a fuga do

local, não que a pessoa tenha que prestar socorro, mas que ela não saia ali do local?

Professor: É que a fuga do local constitui crime do artigo 305 do CP. É outra coisa.

Artigo 305 do CTB: “ afastar-se o condutor do veículo do local do acidente ( olha acidente denovo), para fugir à responsabilidade penal ou civil que lhe possa ser atribuída: penas – detenção de 6 meses a 1 anos ou multa.” Em princípio vamos, desde já, censurar esta palavra ‘fugir’ que coisa mais ‘chinelona’, para constar de um dispositivo legal, que coisa mais ‘brega’. Fugir não, isentar-se, eximir-se de uma responsabilidade. Que coisa mais triste isso aqui!! Vejam só o despreparo em relação ao vernáculo!!

Mas vamos ver aqui, primeiro, pergunto: - Este aqui é um crime de trânsito? Qual é a objetividade jurídica, qual é o objeto jurídico, qual é o bem jurídico penalmente tutelado? É a administração da justiça. À rigor isto aqui não é crime de trânsito, é crime contra a administração da justiça. Mas, como é que vamos responder a uma pergunta como esta? Trata-se de um crime contra administração da justiça, mas por constar da seção do CTB pertinente aos crimes de trânsito é considerado crime de trânsito.

Agora, vejam só: “afastar-se o condutor do veículo do local do acidente para fugir à responsabilidade penal ou para fugir à responsabilidade civil...” Pergunto: Este crime é material ou formal? É um crime formal. Mas porque não é um crime de mera conduta? Já vimos aqui que crimes de mera atividade dividem-se em crimes formais ou de mera conduta. Qual é a diferença entre formal e de mera conduta? É porque no crime formal, o legislador fornece o objetivo da conduta. A conduta é afastar-se essa conduta, afastar-se o motorista do local do acidente. Agora vejam o objetivo desse afastar-se: “para fugir à responsabilidade penal ou civil que lhe possa ser atribuída”. Quando vocês encontrarem isso, o legislador fornecendo a conduta e a finalidade específica da conduta porque todos os crimes formais são crimes de dolo específico e por isso mesmo chamados de crimes de conduta interna transcendente ou ainda de consumação antecipada, o crime se consuma com a prática da conduta, com essa finalidade. Não há necessidade que o motorista isente-se de responsabilidade penal ou civil que lhe possa ser atribuída para o crime consumar-se, basta ele afastar-se com essa finalidade . Aí pergunto: - Se ele se afastar do local do evento e efetivamente isentar-se de responsabilidade penal ou civil teremos um exaurimento. O crime se consuma com o afastar-se com esse objetivo. Se ele lograr êxito e obter esse objetivo haverá o exaurimento . Isso nada influirá na consumação.

Os doutrinadores dizem que este crime é de constitucionalidade discutível: 1º - porque ninguém pode fazer prova contra si mesmo. Isso está lá na Convenção Americana de Direitos Humanos, artigo 8º. Nós não podemos exigir, diz Luis Flávio Gomes, que o motorista fique no local pois isso já seria ele fazendo prova contra ele. Ele tem direito de ir embora e dificultar a prova;

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2º - depois, na outra parte, isentar-se de responsabilidade civil seria também inconstitucional por ferir o princípio da ampla defesa;3º - e esta parte, porque estaria se prevendo a prisão por dívida e a Constituição Federal só admite prisão por dívida proveniente de obrigação alimentar e do depositário infiel. Então, diz o Prof. Luis Flávio que o legislador estaria criando uma prisão por dívida que a Constituição proíbe. Então seria todo inconstitucional este dispositivo.

Digo uma coisa para vocês, eu acho que esses princípios, garantias constitucionais, ampla defesa, presunção de inocência, temos que analisá-las dentro de um determinados limites. Se formos analisá-las com a amplitude que se pretende daqui a pouco não vamos poder fazer mais nada. Por exemplo, sobre o princípio de presunção de inocência, temos juizes que entendem que não podemos mais prender preventivamente , não pode mais homologar flagrante, porque a pessoa humana, o brasileiro , é presumidamente inocente. Só pode prender depois da sentença trânsita em julgado. Ora, se formos por aí, se dermos essa amplitude ao princípio da presunção de inocência, então nós não podemos nem processar o inocente, se ele é presumidamente inocente, nem podemos processá-lo. Nós não podemos fazer um busca e apreensão na casa dele, ele é presumidamente inocente. A coisa não é exatamente por aí. Agora vejam, diz o Prof. Luis Flávio que esta parte do dispositivo seria inconstitucional por ferir o princípio da ampla defesa. Ora, eu pergunto aos senhores: - Nessa fase, o réu já está se defendendo? Eu acho que uma pessoa só se defende após o recebimento da denúncia. Nem existe acusação formal contra ele. Ele não está se defendendo de nada. Nessa fase aqui não. O inquérito judicial todos sabemos que é inquisitório, não tem contraditório, não há defesa, porque não há uma acusação formal da qual ele se defenda. Então não aceito que seria inconstitucional por ferir o princípio da ampla defesa. Nessa fase não, o fato acabou de acontecer. Ele não está sendo acusado de nada. Nesta outra parte, a Constituição Federal só fala em prisão por dívida em dois casos. Não sei se vocês conseguem captar o meu pensamento, acho que aqui não é uma prisão por dívida. Ele vai ser punido pela artimanha dele de sair do local para dificultar a apuração do fato e não pela dívida. Mas (...) que se entenda que esta aqui seja de constitucionalidade discutida, mas a primeira de jeito nenhum. E pelo mesmo argumento eu digo aos senhores que esta história que se pode submeter uma pessoa ao teste do bafômetro porque ninguém está obrigado a fazer prova contra si mesmo argumento, está numa fase em que não está se defendendo de nada, não existe acusação formal contra ele. Mas hoje já se tem por certo – não se pode obrigar ninguém a se submeter ao teste do bafômetro, invocando o mesmo dispositivo legal, o artigo 8º, lá da Convenção Americana de Direitos Humanos.

Aluna: Eu acho que o teste do bafômetro é diferente.Prof.: Porquê?Aluna: Porque a pessoa pode se negar e não tem como obrigar a

pessoa a assoprar na hora.Prof.: Mas veja uma coisa, temos um dispositivo legal que diz que se

uma pessoa constranger outra a não se matar, este fato é atípico. O mesmo princípio que inspirou essa disposição no Código Penal, se eu praticar uma coação para impedir um suicídio. Este fato é atípico, é o mesmo princípio que se tem de invocar para acabar com essa história de que não pode forçar o exame do bafômetro.Há um bem maior a ser preservado que é a vida de tantas pessoas que um motorista bêbado pode ceifar. A concentração toda é na pessoa do criminoso. O bem social fica sempre em segundo plano. Mas por que isto? Se de um lado, o Código Penal permite, coagir, constranger uma pessoa para impedir que ela se

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mate, porque não pode uma pessoa ser obrigada a fazer o teste do bafômetro, se não fizer responderá por desobediência. Não, eles entendem que não.

Aluna: Mas esta primeira assertiva é in bonan partem e a segunda in malan partem .

Prof.: Mas se você observar bem o bem que se procura preservar é o mesmo porque o ser humano tem direito à vida e não sobre-vida. A vida é um bem social.

Vamos prosseguir aqui. O que é que a doutrina brasileira vem entendendo? Que é este dispositivo de constitucionalidade questionável no tangente à responsabilidade civil, responsabilidade penal não. Esta é a posição majoritária na doutrina, mas é bom que se diga que nenhum juiz, nenhum tribunal declarou inconstitucional esse dispositivo até hoje e este Código está em vigor desde 22.01.1998.

Colocarei algumas hipóteses para discutirmos:1ª- Uma pessoa dirigindo sem habilitação de forma anormal, colide seu veículo com outro, não havendo vítima e, logo em seguida, afasta-se do local do evento.2ª- Uma pessoa dirigindo sem habilitação, de forma anormal, atropela e lesiona um outra e, logo em seguida, afasta-se do local do evento;3ª- Uma pessoa envolvida num evento de trânsito, sem culpa, mas com vítima, afasta-se do local do evento;4ª- Uma pessoa dirigindo alcoolizada de forma anormal, choca seu veículo no muro e, logo em seguida, afasta-se do local do evento.

Pergunto: 1ª- Nessa primeira hipótese, ele se afastou do local do evento para eximir-se de responsabilidade penal? Nós poderíamos pensar que como não houve vítima, ele não tinha responsabilidade penal e não estava, então, tentando eximir-se dela. Mas, tinha sim responsabilidade penal porque estava dirigindo sem habilitação e de forma anormal. Isto configura um delito previsto no artigo 309 do CTB. Logo, com esse crime do artigo 305, tipificou-se sim e teremos aqui um concurso de crimes: artigos 305 e 309 em concurso material. Estas palavras aqui, não havendo vítima, podem induzir os senhores em erro. A primeira vista pode parecer que ele nãos e afastou para se eximir de responsabilidade penal porque ele não praticou crime nenhum. Praticou sim,ele estava dirigindo sem habilitação, ou seja, de forma a rebaixar o nível de segurança no trânsito.

2ª- Segunda hipótese, pergunto: -Que crimes tipificaram-se? Prima facie , teremos o artigo 303 – lesão corporal culposa, o artigo 309 e o artigo 305.Disse para os senhores que o §único, inciso I, do artigo 303 contém uma majorante quando, praticando o homicídio culposo, ficar apurado que o motorista não tinha habilitação, a pena será aumentada de 1/3 até a ½. Eu disse a vocês que haverá um conflito aparente de normas entre o § único, inciso I do artigo 303 e o artigo 309 do CTB sendo que este último será, em razão da regra da subsidiariedade implícita, absorvido. Agora, o crime do artigo 305 tipificou-se? Óbvio, ele afastou-se para eximir-se de responsabilidade penal pela lesão corporal culposa que praticou. Então, nós teremos concurso material dos crimes previstos nos artigos 303, § único, inciso I e o 305. (troca de fita)... e o 305, porque se afastou.

Aluna: e como é que fica o inciso III : deixar de prestar socorro?Prof.: Eu não falei que ele se afastou do local para não prestar socorro.

Nós estamos discutindo o crime do artigo 305. Veja bem, uma pessoa pode se

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afastar do local para não prestar socorro e para se eximir da responsabilidade penal ou civil que lhe possa ser atribuída. Nós podemos ter um concurso formal. Nós já vamos falar sobre isso daqui a pouco.

Então, talvez eu tenha pecado aqui por não dizer – afastou-se do local do evento para eximir-se de responsabilidade penal. Aí estava na cara e é por isso que eu não coloquei, que é para poder questionar com vocês.

Este crime ficará absorvido pelo § único, inciso I do artigo 303 do CTB. Aí a discussão é aqui, ele se afastou do local do evento para se eximir de responsabilidade penal? Sim, ele praticou um crime, ele não queria é ser apanhado aqui em razão desse fato delituoso. Ele queria dificultar essa prova aqui para não ser responsabilizado penalmente. Agora, se restar provado que ele também tinha o dolo de não prestar socorro à vítima, nós teremos um concurso formal de crimes. Aí entra o artigo 304 junto.

Aluna: Se na hora de ele sair lá, ele abandonou o local, não passou pela cabeça dele que estava se eximindo do processo penal, porque é muito comum que não socorra.

Prof.: Isso é mais comum. Ele não fica no local do crime para dificultar a prova, para não ser apontado como autor do fato. O motorista quando sai do local não porque não quer prestar socorro à vítima, ele não quer é que a autoria recaia sobre ele. Então, em 99% dos casos ele está tentando se eximir de responsabilidade penal que lhe possa ser atribuída por esses fatos. Agora, se, num problema ou num processo, você detectar que ele também não queria prestar socorro à vítima nós teremos mais um crime, de omissão de socorro nessa história.

Vejam, vamos imaginar que também não quisesse prestar socorro à vítima. Era só fazer isso aqui: incisos I e III do § único do artigo 302 do CTB, porque a omissão de socorro ficaria também absorvida pelo inciso III. Aqui por subsidiariedade expressa e aqui por subsidiariedade implícita. Você teria que obter no problema ou no processo o dolo de omissão de socorro. Você não pode presumir o dolo. Pode-se presumir culpa lato sensu.

Aluno: Quando a gente foi capitular, a gente colocou: artigo 303, § único, na fórmula dos incisos I e III do artigo 302. Isso porque conforme o artigo 303 § único, aí tem que referir os incisos I e III do artigo 302?

Prof.: Fica assim: o réu incorreu nos artigos 303 e § único, incisos I e III do artigo 302, bem como no artigo 305 do Código de Trânsito Brasileiro, todos combinados com o artigo 69 do Código Penal. Essa capitulação é chata mesmo.

3ª - Terceira hipótese, pergunto: tipificou-se o crime de afastar-se do local do evento para eximir-se de responsabilidade penal, ou seja, ele vai responder somente por omissão de socorro, artigo 304, ou vai responder como incurso nos artigos 304 e 305 ou somente no artigo 305? Ele não poderia estar se eximindo de responsabilidade penal porque ele agiu sem culpa. Começa por aí. Como ele não tinha culpa no evento, ele não poderia estar saindo dali para se eximir de responsabilidade penal. Ele praticou aqui somente a omissão de socorro, somente o 304. Vejam, só poderíamos dizer que o crime do artigo 305 estaria tipificado se houvesse um crime anterior, mas como ele agiu sem culpa, não houve crime do qual ele pudesse estar tentando eximir-se de responsabilidade.

4ª- Quarta hipótese, quando digo “ choca-se no muro” pode induzir os senhores em erro porque os senhores poderão pensar que ele não estaria então afastando-se para eximir-se de responsabilidade penal já que chocou-se num muro. Mas acontece que ele estava dirigindo alcoolizado de forma anormal, artigo 306 do CTB. Então,

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vamos ter aí um concurso material entre os crimes previstos no artigo 306 e 305 do CTB.

Aluno: E a responsabilidade civil porque ele bateu no muro?Prof.: Mas essa parte é inconstitucional e aí sustenta aquela discussão

e é mais fácil vocês saírem pela responsabilidade penal.(intervalo)

A discussão que se trava hoje na ciência penal universal é se existe dolo de perigo. Se ele não é igual, é sempre dolo eventual de dano.

Agora, se for pensar em tentativa de crime de perigo fica horrível, fica pior para provar. Mas esses crimes, na realidade, não são de perigo concreto, porque a própria lei não reclama que haja uma vítima determinada. A lei diz, como por exemplo, no artigo 306, “expondo a dano potencial a incolumidade de outrem”. Nós estamos diante de um crime de mera conduta. Todo crime, juridicamente, é de resultado, tem resultado jurídico. Agora, resultado naturalístico ou titológico (?), só crime material, que não é o caso. Então, todo crime tem um resultado juridicamente. Resultado naturalístico, só crime material. Pergunto: Se nós fomos exigir vítima determinada para denunciar estes crimes aqui teremos dificuldade muito grande que vai resultar em impunidade que virá a contrariar a mens regis, a razão desse Código que foi justamente viabilizar a punição dessas condutas de forma mais efetiva. O que nós temos com esses crimes aqui, é que para que eles se configurem tem de haver o dano potencial, possibilidade, gerando probabilidade de dano. Contudo, não para uma só pessoa, porque a CF/88 diz no seu artigo 5º que ao Estado incumbe assegurar o direito à vida e à segurança do cidadão. A redação do artigo é a seguinte: "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes (...)". Óbvio que no conceito de segurança está a segurança viária porque dirigir veículo automotor é uma atividade de risco, mas existe uma margem de risco que é suportável sob pena de nós não podermos ter indústria automobilística. Então, uma margem de risco que é tolerável. Quando uma pessoa rebaixa o nível de segurança no trânsito, é aí que ela comete o crime, é aí que ela pratica uma violação a este bem jurídico, que é segurança. E quem é o titular desse bem? A comunidade, o corpo social, não uma pessoa distintamente, todos nós somos credores de segurança do Estado. Então, estes crimes violam, na realidade, um bem jurídico, que é a incolumidade pública. São crimes que violam a incolumidade pública no aspecto segurança viária. Estes crimes são todos equiparáveis ao crime de incêndio, crime contra a incolumidade pública. E não se diga que porque o legislador fala em outrem, isto seria pessoa determinada. Não, porque vejam o artigo 250 do Código Penal, que trata do crime de incêndio, que é um crime contra a incolumidade pública, sujeito passivo é a coletividade, o corpo social, todos nós. O legislador define assim o crime de incêndio: " causar incêndio, expondo a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem: ..." Então, a palavra 'outrem' não significa que devamos reclamar uma vítima determinada e entendermos então que se tratam estes crimes de crimes de perigo concreto. Não, não é por aí. Nós temos com essas condutas previstas nestes dispositivos 306, 308, 309, 311 do CTB, crimes de mera conduta e que ofendem a incolumidade pública. O bem jurídico finalmente tutelado é este: incolumidade no seu aspecto segurança no trânsito, segurança viária. O prof. Damásio está mais do que certo quando faz esta afirmação. São crimes contra a incolumidade pública. Pergunto aos senhores: Estes crimes são crimes materiais? Não, acabei de dizer, são crimes de mera conduta. Eles têm resultado naturalístico? Não, mas têm resultado jurídico porque ofendem a incolumidade pública. A mera conduta ofende a incolumidade pública porque expõe

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a risco um número indeterminado de pessoas. Então, não são crimes de perigo concreto. O Prof. Luís Flávio Gomes sustenta que são crimes de perigo concreto indeterminado. Ora, isso não existe, crime de perigo concreto indeterminado é igual a crime contra a incolumidade pública. É a mesma coisa. Para ser crime de perigo concreto teria que ter vítima determinada, é isso que diz a ciência penal. Agora, crime de perigo concreto indeterminado é igual a crime contra a incolumidade pública. Então, estes crimes aqui são crimes de mera conduta que ofendem o bem jurídico, incolumidade pública, no aspecto segurança no trânsito de que todos nós somos credores do Estado.

Então, sujeito passivo somos todos nós e vem aqui um problema, vamos nos meter no 306.

O crime é de mera conduta. A pouco fiz a diferença entre crime formal e de mera conduta. No crime formal, o legislador sempre dá conduta + fim dessa conduta. E nos crimes de mera conduta, como o próprio nome sugere, ele só dá a conduta, que é o caso. Ele não diz aí qual a finalidade da conduta. Agora, observem qual é a conduta típica: "dirigir veículo automotor, na via pública, sob efeito de álcool ou substância de efeitos análogos ..." O legislador reclama, portanto, que a pessoa esteja alcoolizada e não embriagada. De acordo com o artigo 276 do CTB, a concentração de 6 dg de álcool por litro de sangue comprova que o condutor se acha impedido de dirigir veículo automotor, ou seja, ele é considerado embriagado para o fim de dirigir o veículo automotor. O legislador no artigo 306 não fala em conduzir embriagado, mas sob o efeito de álcool ou substância de efeito análogo, maconha, cocaína... Mas isso não basta para a configuração do delito, é preciso ainda para ofender a incolumidade pública uma conduta anormal no volante, porque se não tiver uma conduta anormal no volante, não gera probabilidade de dano. Então, nós temos : dirigir um veículo automotor sob efeito de álcool ou substância de efeitos análogos, mas gerando probabilidade de dano. Vejam, dirigir um veículo automotor sobe efeito de álcool ou substância de efeitos análogos, só isso não geraria probabilidade de dano porque uma pessoa pode estar alcoolizada e dirigir regularmente, sem colocar em risco a vida de ninguém. Mas , no momento em que ele pratica conduta anormal no volante, ele gera probabilidade de dano. Aí é que está o problema.Se uma pessoa for apanhada dirigindo alcoolizada é uma mera infração administrativa. Mas, se o policial comprovar que ele estava alcoolizado e vinha, por exemplo em excesso de velocidade, fazendo ultrapassagem perigosa, avançando o sinal semafórico, dando ré por um largo espaço da via pública, estas condutas anormais revelam que ele gerava probabilidade de dano. Por isso disse na aula anterior que uma pessoa pode estar com uma concentração de 12dg de álcool por litro de sangue, portanto, embriagada, segundo o CTB, e não praticar esse crime. Pode estar, no entanto, com 2 dg de álcool por litro de sangue e praticar este crime. É preciso tudo isso para que o crime ocorra. Antes do CTB, essa conduta era punida como direção perigosa, contravenção penal prevista no artigo 34 da Lei de Contravenções Penais. Do artigo 34 saíram as seguintes condutas consideradas crime hoje: 306, 308 e 311. Todas essas condutas hoje consideradas crime pelo CTB tiveram origem no artigo 34 da LCP. Antes constituíam contravenção penal, hoje passaram a ser crimes. Pergunto : O artigo 34 foi revogado? Não porque todas as demais condutas que não se enquadrarem nos artigos 306,308 e 311 continuarão configurando a contravenção da LCP. Por exemplo: artigo 311 – "Trafegar em velocidade incompatível com a segurança nas proximidades de escolas, hospitais, estações de embarque e desembarque de passageiros, logradouros estreitos, ou onde haja grande movimentação ou concentração de pessoas, gerando perigo de dano: ..." Então, se uma pessoa conduzir um veículo automotor em velocidade incompatível com esses lugares que estão mencionados

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aqui no artigo 311, gerando probabilidade de dano, nós teremos o crime do artigo 311. Se uma pessoa conduzir um veículo automotor em velocidade inadequada em outros lugares que não estes, incide o artigo 34 da LCP – direção perigosa. Então o artigo 34 não foi revogado, ele foi derrogado. Algumas condutas não configuram essa contravenção, mas sim, crimes de trânsito.Mas todas as condutas que não se enquadrarem naqueles três dispositivos continuarão configurando a contravenção do artigo 34 da LCP.

Que infração é essa, dirigir sob o efeito de álcool. Abram aí o artigo 165 : "Dirigir sob influência de álcool a nível superior a 6dg/l de sangue ou de qualquer substância entorpecente que determine dependência física ou psíquica." Isso aqui é infração administrativa tida como gravíssima. Multa, retenção do veículo e outra 'coisitas' mais. Mas, se o motorista estiver dirigindo regularmente com essa dosagem, mais de 6dg/l de sangue, não teremos o crime, teremos a infração administrativa. Se ele estiver dirigindo com mais de 6dg e de forma anormal, teremos o crime e a infração administrativa também. Uma coisa não afasta a outra, até porque as esferas são diferentes.

E a prova de estar alcoolizado como deve ser feita? Artigo 277 do CTB: “ Todo condutor de veículo envolvido em acidente de trânsito que for alvo de fiscalização de trânsito sob suspeita de haver excedido os limites previstos no artigo anterior, será submetido a teste de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que por meios técnicos ou científicos em aparelho, homologados pelo CONTRAN, estaria o bafômetro, permitam certificar o seu estado. Hoje o bafômetro está homologado pelo CONTRAN. Mas, o entendimento pacífico hoje é que ninguém pode ser forçado a se submeter ao exame do bafômetro e e teste de alcoolemia porque a Convenção Americana de Direitos Humanos diz que ninguém pode ser forçado a fazer prova contra si mesmo, que isto seria um constrangimento ilegal

Aluno: E aquele teste que se fazia colocar o dedo na ponta do nariz, no meio da testa?

Prof.: Este é o exame clínico. Esse pode. Até prova testemunhal. Por exemplo, o sujeito vem dirigindo de forma anormal, em tem uma batida policial e o policial observou que ele vinha em zigue-zague na via pública. O policial se adianta, dá sinal e ele pára. Percebe que ele está com hálito alcoolico, quase derrubou o guarda. O policial diz que vai fazer o teste do bafômetro e o motorista diz que não fará. Leva ele para o Departamento Médico Legal. Lá o médico vai tirar o sangue para fazer o exame e ele não deixa. Não pode forçar. Vejam como esse entendimento prejudica a apuração do fato e um fato sério como esse.Dirigir alcoolizado é um fato gravíssimo. Só resta o exame clínico ou prova testemunhal. Que prova testemunhal é essa? Se o próprio policial ou outra pessoa que estava ali perto, o próprio médico que sentiu o hálito alcoólico ou que ele estava trôpego quando caminhava. Isso serve de prova que ele estava alcoolizado. Agora, embriagado, só se comprovar que ele estava com 6dg. Mas, para comprovar isso tinha que fazer ou o teste do bafômetro ou o exame de sangue. Como ele não está obrigado a se submeter a isso, resta o exame clínico, que é a observação médica da forma de caminhar, do hálito, de tudo isso ou então, a prova testemunhal. Provar esse crime aqui com prova testemunhal vai ser difícil porque ele pode dizer que a testemunha é inimiga dele e por isso diz isso. E tem mais, para fazer o exame clínico o médico deve observar como em pé, andando, falando. Ele pode dificultar até isso. Como? Por exemplo, primeiro: bafômetro – não quer; vamos lá para o Departamento Médico Legal e omédico, vamos fazer exame de sangue?Não quer. Como ele sabe que daí virá o exame clínico, ele deita no chão. Ele deitado no chão como é que o médico vai ver se ele apresenta sinais de tonteira, se ele faz o quatro, se ele caminha tropegamente, etc. Por isso que nas vezes em que eu converso com

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policiais rodoviários ou militares eu os tenho instruído no seguinte sentido: antes de levá-lo ao DML, avisem o médico para que fique esperando ali na porta e já vem observando como ele entra. Ele entra: Oh,doutor!! Já fica valendo o exame clínico. Se não observar, na hora que ele entrar, ele deita no chão e dificulta o exame clínico também.

Senhores, este é um caso muito sério: constitui crime de desobediência negar-se a fazer o exame do bafômetro ou o exame de sangue? Não. Temos aqui uma decisão do STF originária de um processo aqui do RGS, habeas corpus, nº 71.371/RGS. Isso está num informativo do STF nº 122 de 8.9.98. Vejam, foi denunciado por desobediência porque se recusou a fazer o teste do bafômetro e foram de habeas corpus até o STF e este entendeu que não se configura crime de desobediência, porque para haver desobediência a ordem tem que ser legal e essa ordem é ilegal porque ninguém pode ser forçado a fazer prova contra si mesmo.

Se forçar a fazer o exame toxicológico é constrangimento ilegal. Sabem que na Espanha, negar-se a fazer o teste do bafômetro é crime,

artigo 180 do Código Penal Espanhol...( troca de lado da fita)...ele se recusa a fazer o teste do bafômetro como incurso numa

infração administrativa prevista no artigo 195 do CTB: “ desobedecer as ordens emanadas da autoridade competente de trânsito ou de seus agentes.” Multa, infração grave. Os motoristas passaram a recolher e a JARI afastou todas essas multas. É a mesma justificativa, se ele não está obrigado a se submeter a esse teste do bafômetro, isso não pode constituir nem crime, nem infração administrativa. Agora ficamos realmente sem pai nem mãe. Até bem pouco tempo eles aplicavam e alguns vinham pagando essa multa. Pelo menos alguma coisa eles sofriam. Agora nem isso pode.

Para que este crime se tipifique, esse fato tem que acontecer na via pública. Atenção , eu disse a vocês o que é via pública:estacionamento, pátio de posto de gasolina não são vias públicas. Por exemplo: sujeito está conduzindo um veículo automotor sob efeito de álcool gerando probabilidade de dano lá no estacionamento do shopping Praia de Belas. Isso é crime? Não, porque não é via pública. Pergunto: ele pode ser responsabilizado por uma infração penal? Sim. Direção perigosa. Outra coisa, se ele estiver dirigindo alcoolizado, gerando probabilidade de dano numa via de condomínio horizontal fechado, de unidades autônomas. Isso pode ser considerado crime? Sim, porque é considerado via pública por equiparação. Numa praia aberta para circulação também é considerada via pública por equiparação. Cuidado com isso. Se ele dirigindo sob efeito, gerando probabilidade de dano, matar ou lesionar uma pessoa, homicídio culposo ou lesão corporal culposa, teremos concurso de crimes ou não? Esse é um assunto delicado. Eu disse a vocês que esses crimes aqui são de mera conduta e esses são crimes materiais. Estes são de resultado naturalístico e aqueles são de resultado jurídico. Ocorre que o crime material, em princípio, absorve o de mera conduta. Agora, nós temos de olhar se esses fatos aconteceram no mesmo contexto fático ou não. Imaginem que aqui seja o meio-fio e tem vários automóveis estacionados. Ele está alcoolizado, vem passando um ciclista, põe o veículo em movimento sem cuidar se alguém vinha passando ( olha a direção anormal) e atropela e mata esse ciclista. Os dois crimes aconteceram no mesmo contexto fático. No momento em que ele pôs o veículo em movimento, ligado, na via pública ele praticou esse crime e ao mesmo tempo este aqui. Aí teremos a absorção do crime de mera conduta pelo crime material. Agora,pode acontecer que ele saiu de casa dirigindo alcoolizado, fazendo manobra anormal. Dali a uma hora ele atropela e mata uma pessoa. Configura concurso material de crimes. Depende então se os crimes terem ocorrido no mesmo contexto fático ou em contextos fáticos diversos. Apesar disso, nós podemos ter

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uma aberração: a pena do homicídio é de 2 a 4 anos e a pena do crime de que nós estamos falando é de 6 meses a 3 anos. Se os fatos ocorreram no mesmo contexto fático, eu disse para vocês, o crime material estará absorvido pelo de mera conduta. Nós teríamos então que o crime mais grave absorveu o menos grave. Agora vamos trocar, não matou, foi lesão corporal. A pena da lesão corporal é de 6 meses a 2 anos. Se tudo ocorreu no mesmo contexto fático, o menor vai absorver o maior, o que seria um absurdo. Como é que vamos sair dessa? Mas vejam, que culpa tem o condutor do veículo, o réu, de desistir da compreensão jurídica de que o crime material absorve o de mera conduta e que tudo ter acontecido no mesmo contexto fático. Queiramos ou não, teremos que aplicar a absorção do mais grave pelo menos grave, que seria uma aberração, mas é a única solução possível sob pena de nós termos que sempre considerar o concurso material que é outro absurdo. O prof. Maurício Antônio Ribeiro Lopes, que é quem melhor escreve sobre crime de trânsito, ele diz que sempre haverá concurso material, mas aqui não dá, no mesmo contexto fático não dá para entender assim. O Prof. Damásio de Jesus entende que no mesmo contexto fático ou não, teríamos sempre a absorção, mas se for lesão corporal vamos deixar que o maior absorva o menor. Mas como? Então isso é uma acomodação. Isso não é uma coerente aplicação do direito. Ou você entende que o crime de material absorve o de mera conduta em todas as situações, mas só porque vai resultar numa pena menor, você despreza essa regra? Isso não está correta. A minha posição é esta: num mesmo contexto fático teremos sempre a absorvição do crime de mera conduta pelo crime material, resulte ou não numa pena menor. Se o contexto fático não for único teremos sempre concurso material. Hoje nós temos, só para o conhecimento de vocês, o Prof. Maurício Antônio Ribeiro Lopes que entende que haverá, seja contexto fático único ou não, concurso material sempre. Eu acho isso muito rigoroso porque num contexto fático único, você não tem como entender dois crimes. No momento em que ele pôs em movimento o carro, ele praticou os dois crimes. Aí teríamos que aplicar essa regra: o crime material absorve o de mera conduta. O prof. Luis Flávio Gomes diz que temos que observar se o contexto fático é único ou não. O Prof. Damásio diz que temos que aplicar a regra da mera conduta pelo material só no caso do homicídio, pois no caso da lesão corporal deve-se deixar de lado essa regra e ele vai responder somente como incurso no crime de mera conduta, artigo 306, ou seja, vale para uma coisa e não vale para outra, não posso concordar.

Aluna: Não seria aí caso de concurso formal ou material?Prof.: Veja, num só contexto fático, nós temos o seguinte: a conduta

dele era tão anormal que ele matou uma pessoa. Temos que ver pelo resultado final da conduta. Nesse caso, foi homicídio.

Aluna: Sim, mas é o que diz o concurso formal do artigo 70 do CP.Prof.: Não no concurso formal temos uma conduta e dois resultados.Aluna: Pois é, uma conduta, aí aconteceram essas duas coisas e

aplicou-se a mais grave, que é o homicídio.Aluno: Mas é que a ingestão de álcool não tem a ver com a lesão

corporal.Prof. : Exatamente, não tem nada a ver com o homicídio e com a lesão

corporal, a conduta de estar dirigindo embriagado.Aluno: O bem jurídico protegido na lesão é a integridade física e aqui é

a segurança.Prof.: O que vocês tem que raciocinar é qual o resultado final dessa

conduta? Foi a morte de uma pessoa. Então ele vai responder pelo resultado final que foi material. Houve uma conduta mas ela produziu um resultado naturalístico que foi a morte de uma pessoa. Então ele vai responder pelo homicídio.

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Se você reconhece que houve um concurso formal, você está reconhecendo não a absorção, mas que através de uma conduta ele praticou dois crimes e você vai aplicar a pena do crime mais grave majorada de 1/6 até a ½, ou seja, não será apenas a pena do homicídio, será a pena do homicídio mais 1/6 até a ½.

No concurso formal não há absorção, há uma exasperação.Como o crime de mera conduta é de resultado jurídico e o homicídio,

de resultado naturalístico, num contexto único tem que se ver o seguinte: ele foi imprudente e matou uma pessoa. Isto é homicídio culposo.

Imagine que ele sai de casa dirigindo alcoolizado. Dirigindo alcoolizado só não é crime. Ele sai de casa dirigindo em zigue-zague, avançando o sinal, excesso de velocidade. Dali uns 20 min ele sobe na calçada e mata uma pessoa. Aí nós temos nitidamente concurso material. Agora, nessa situação aqui o crime de mera conduta fica absorvido porque nós vamos ver o que resultou dessa conduta, que foi a morte de uma pessoa. Então, este aqui vai ficar absorvido e ficou como crime-meio e o outro como crime-fim. Essa relação crime-meio e crime-fim em matéria de crime culposo não dá para você fazer, mas que este aqui foi meio para prática do outro.

Aluno: Me parece mais causa do que meio.Prof.: Não, a dirigir alcoolizado gerando probabilidade de dano, isto foi

o crime que causou o homicídio. Então nós temos uma relação de crime-meio e o resultado. E se acontecer do sujeito dirigindo alcoolizado gerando probabilidade de dano e sem habilitação. Nesse caso, os dois crimes são contra a incolumidade pública. No momento em que ele põe o automóvel em movimento de forma anormal, ele já responde pelos dois crimes, ele já ofende a incolumidade pública e não pode responder pelos dois crimes. Ele só responderá pelo crime mais grave, o outro ficará absorvido. O bem jurídico é uno, incolumidade pública, os dois crimes. No momento em que ele põe em movimento o veículo de forma anormal, ele está, com qualquer uma das duas condutas, violando a incolumidade pública. Então, ele vai responder por uma delas e no caso por aquela cuja pena for maior, pelo crime mais grave. Bom, qual é a pena do artigo 306? 6 meses a 3 anos. E do 309? 6 meses a 1 ano. Pronto, responderá apenas como incurso no artigo 306. E se ele estiver alcoolizado participando de um raxa, que também é crime contra a incolumidade pública? Qual dos dois é mais grave? O raxa. Responde só pelo artigo 308.

Aluno: O artigo 306 não é crime de perigo concreto?Prof. : Não , nenhum deles é crime concreto, todos são contra a

incolumidade pública.

Artigo 307: “Violar a suspensão ou a proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor imposta com fundamento neste Código: Penas- detenção, de 6 meses a 1 ano, e multa, com nova imposição adicional de idêntico prazo de suspensão ou de proibição.” (Grifem imposta com fundamento neste Código)

“Parágrafo único:Nas mesmas penas incorre o condenado que deixa de entregar, no prazo estabelecido no § 1º do artigo 293, a Permissão para Dirigir ou a Carteira de Habilitação.” (grifem, o condenado)

Já falamos um pouco sobre este crime quando estudamos as penas restritivas de direitos, hoje principal, não mais como caráter substitutivo da suspensão da permissão e habilitação para dirigir veículo automotor ou proibição para obtê-las. Mas este crime trata, primeiramente, trata-se de crime contra a administração da justiça. É crime de trânsito somente porque está na seção dos crimes de trânsito, mas este crime é contra administração da justiça. A resposta

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correta seria: trata-se de crime contra a administração da justiça que é considerado crime de trânsito porque está na seção pertinente aos crimes de trânsito do Código de Trânsito Brasileiro. É crime material ou é crime de mera atividade, e sendo este último, é formal ou de mera conduta? Existe resultado naturalístico? Não, então é um crime de mera atividade. É formal ou de mera conduta? Aonde está a finalidade da conduta? Trata-se de um crime de mera conduta. Sujeito passivo desse crime. Se é crime contra a administração da justiça, quem é o sujeito passivo? O Estado. O sujeito passivo aqui é igual ao sujeito passivo do crime do artigo 305. Depois, eu disse a vocês, como é que ocorre este crime: *o sujeito foi condenado, processo n º 1 por crime de trânsito, artigo 302, recebeu 2 anos de pena privativa de liberdade e esta pena restritiva de direitos de 2 meses a 5 anos, nós já vimos. Vamos dizer, 1 ano da suspensão da habilitação, a sentença transitou em julgado, ele foi intimado, entregou a habilitação no prazo e foi apanhado 6 meses depois dirigindo veículo automotor, logo, ele violou esta pena, a suspensão para dirigir veículo automotor que foi imposta com base neste Código. *aí ele vai responder ao processo nº 2 como incurso no artigo 307, caput porque ele violou a suspensão da habilitação que foi imposta neste Código no processo nº 1. Primeira pergunta: nesta condenação, no processo 2, pode o juiz aplicar a

agravante da reincidência? Não pode porque seria um bis in idem. Porque ele reincidiu, ele já está respondendo a um outro processo criminal, se você aplicar a agravante seria um bis in idem, estará sofrendo duas conseqüências pelo mesmo fato.

Aluno: a reincidência do ato é o próprio crime?Prof. : Sim, de Ter praticado o outro, seria um bis in idem.

Aluna: No caso, ele está dirigindo alcoolizado e está violando a suspensão ou proibição para se obter a permissão ou habilitação, seria o que concurso?

Prof.: Eu vou explicar uma coisa que você vai entender rapidamente isso aí.

Primeiramente, observem o que eu mandei grifar com fundamento nesse Código e já surge uma discussão. E se essa suspensão for imposta administrativamente porque ele tem 21 pontos na Carteira. Pergunto: Se ele for apanhado dirigindo, cometerá um crime ou não? O legislador no artigo 307 diz ‘suspensão com base neste Código’. Então pode ser decisão administrativa ou uma decisão judicial. O legislador não estabeleceu diferença. A suspensão da habilitação por ter completado 20 ou 21 pontos(?) , ela é imposta administrativamente, mas foi imposta com base neste Código. Esta compreensão é do Prof. Damásio de Jesus e do Prof. Ariosvaldo Pires. Agora, temos outros doutrinadores, como Fernando Capez, que entendem que se a decisão for administrativa, não ocorrerá o crime, terá que ser sempre decisão judicial condenatória ou cautelar, mas decisão judicial trânsita em julgado. Acompanham o Prof. Capez, Luis Flávio Gomes e Maurício Antônio Ribeiro Lopes que entendem que é só decisão judicial. E porque eu digo que é judicial, cautelar ou condenatória? Disse na aula passada que essa suspensão pode ser aplicada como medida cautelar e ela é recorrível, cabe o recurso em sentido estrito. Transitada em julgado, se for apanhado dirigindo, suspensa a habilitação, ele entregou a carteira, é crime, a decisão foi judicial e transitou em julgado. Agora, se for administrativa, a doutrina majoritária entende que não se tipifica o crime. Então, vencidos os Profs. Damásio e Ariosvaldo Pires. Jurisprudência não existe a respeito desse assunto. Só pela doutrina que é majoritária no sentido que deve ser decisão. Eu acho que não, opinião minha, porque o Código não faz diferença. O Código diz simplesmente isso: ... imposta com

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fundamento nesse Código. Ora, a decisão administrativa de suspender a habilitação também é imposta com fundamento neste Código. Agora, a situação do § único é diferente porque, como mandei grifar, o condenado, e assim sendo , só existe com uma decisão judicial condenatória com trânsito em julgado. Até mesmo porque essa decisão pode ser condenatória ou pode ser uma decisão cautelar, mas transitado em julgado. Pergunto: Se o legislador fala em condenado, no momento em que é aplicada essa suspensão como medida cautelar, ele não está condenado. O que resta então? Sentença condenatória trânsita em julgado. Saibam distinguir isso numa prova. Imaginem que o processo está tramitando, o juiz aplica suspensão da habilitação como medida cautelar. A decisão transita em julgado e ele tem que entregar a habilitação no prazo de 48 hs e ele não entrega. Houve crime?Não, porque o § único fala em condenado. Agora se ele foi condenado, a sentença transitou em julgado, ele foi intimado para entregar a habilitação em 48 hs e não o fez, aí sim teríamos o crime do § único do artigo 307 do CTB.

Aluna: Por que é que pode ser aplicada essa pena como medida cautelar?

Prof.: Está prevista no artigo 294: “em qualquer fase da investigação da ação penal, havendo necessidade para a garantia da ordem pública, como medida cautelar, de ofício ou a requerimento do MP ou ainda mediante representação...decretar em decisão motivada a suspensão. E observem que no § único diz que dessa decisão cabe recurso, cabe recurso em sentido estrito.

Então, sintetizando a análise desse dispositivo, majoritariamente, entende-se que o crime previsto no caput do artigo 307, somente quando a suspensão for decretada ou numa decisão em favor de uma medida cautelar transitada em julgado ou numa decisão condenatória que aplique essa pena. Ele entrega no prazo e vem a ser apanhado dirigindo. Agora, temos a opinião daqueles dois, os quais eu não concordo, sou vencido a esta altura, mas eu acho que a decisão administrativa também ensejaria ao crime. Segundo, para ocorrer a situação do § único nós temos que ter um condenado, logo, se a decisão é cautelar, ele não era condenado ainda e se ele foi intimado para entregar a carteira e não entregou, o fato será atípico.

Agora vamos distinguir duas situações. O sujeito foi condenado, recebeu esta pena, um ano de suspensão, foi intimado para entregar a carteira, entregou no prazo a carteira :1ª hipótese: foi encontrado dirigindo veículo automotor2ª hipótese: foi encontrado dirigindo veículo automotor gerando probabilidade de dano.São duas situações absolutamente distintas porque na primeira está dirigindo e não podia dirigir porque foi condenado e recebeu esta pena, mas está dirigindo regularmente; na segunda vinha dirigindo de forma anormal. Na primeira teremos incidência do artigo 307, caput e na Segunda, do artigo 309. A redação do artigo 309 é a seguinte: “dirigir veículo automotor em via pública sem a devida permissão para dirigir ou habilitação, gerando perigo de dano. Entenderam a diferença? E isso é um absurdo porque a pena do artigo do 309 é inferior a do artigo 307. A pena do 309 é de detenção de 6 meses a um ano ou multa e a do 307 é de detenção de 6 meses a um ano e multa e mais pena restritiva de direito, que seria esta suspensão denovo. Então, se ele gerar probabilidade de dano é preferível porque a punição será menor.(troca de fita)

... violou esta suspensão, ele está gerando probabilidade de dano e esta conduta deveria ser punida de forma muito mais grave do que a anterior. O que faltou para o legislador foi senso de proporção, senso de individualização legislativa da pena.

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Aluna: Se o sujeito está com a carteira suspensa e volta a pegar o veículo, está alcoolizado e gerando dano potencial à incolumidade. Como é que fica de tipificar?

Prof.: Ele está alcoolizado. Temos dois crimes: um contra a administração da justiça porque ele não podia dirigir. No momento em que ele põe o veículo em movimento, ele fere uma objetividade jurídica, a administração da justiça. Mas, se além disso ele gerar probabilidade de dano, há outro crime, temos um concurso material.

Aluna: Assim no artigo 309 tem dois crimes, gerar perigo de dano e dirigir sem a devida habilitação, tem da justiça e da incolumidade?

Prof.: Mas, veja, dirigir sem habilitação, só, já é um crime, violou a administração da justiça. Para isso, basta ele sair com o carro. Agora, se ele saiu com o carro e vai fazendo zigue-zague, está embriagado, temos mais um delito que é o crime contra a incolumidade pública, estar dirigindo alcoolizado gerando probabilidade de dano que como é crime de pena mais grave vai absorver o do artigo 309.

Agora mesmo vimos que nos artigos 306 e 309, 306 e 308, que o 306 é o de pena mais grave sempre, o outro fica de fora porque uma só violação à incolumidade pública. Então a hipótese que a colega colocou vamos ter o artigo 307 e o artigo 306.

Artigo 308: “Participar, na direção de veículo automotor, em via pública, de corrida, disputa ou competição automobilística não autorizada pela autoridade competente, desde que resulte dano potencial à incolumidade pública ou privada”.Este crime é de mera conduta contra a incolumidade pública, já vimos, é de resultado só jurídico, não naturalístico e é um crime plurisubjetivo, de concurso de pessoas necessário pois não existe competição de um. Então, a própria descrição típica reclama no mínimo duas pessoas. Pergunta-se: nesse crime, cognominado crime de raxa, podemos Ter participação em sentido estrito? Podemos e vamos até Ter uma outra situação que é bem incomum no direito penal – a pessoa ser partícipe e vítima ao mesmo tempo. Imaginem todos aqui serem torcedores. Temos X que é o organizador da competição, quem oferece o prêmio. Aí temos, motorista A, B,C,D que vão disputar. Cada motorista tem um caroneiro que dá apoio logístico, M,N,O,P. Quem é o autor do crime? A,B,C,D que são os competidores. Quem organizou? Partícipe em sentido estrito moral por determinação.Quem está torcendo? Partícipe em sentido estrito moral por instigação. Caroneiro? Partícipe em sentido estrito moral por instigação. Mas como o crime é contra a incolumidade pública e o corpo social, como um todo, é o sujeito passivo, M,N,O,P mais esta turma toda e este aqui são os sujeitos passivos. Temos uma situação incomum em que uma pessoa pode ser partícipe e vítima ao mesmo tempo. Infelizmente o legislador não preveu a forma qualificada pelo resultado: se resultar morte - pena de tanto a tanto; se resultar lesão corporal grave – pena de tanto a tanto. Aí, se uma pessoa participando de um raxa matar uma dessas aqui é homicídio por dolo eventual.É a única situação em que a jurisprudência é tranqüila a respeito da existência do dolo eventual no trânsito. Todas as demais são discutíveis.

Aluno: E aí há concurso?Prof.: Não, o crime material absorve o de mera conduta. Aluno: Por exemplo, naquele deserto em Alegrete, estamos eu e o

senhor, vamos fazer um raxa? Vamos. E aí? Prof.: Sem caroneiro, se você provar que não tinha nenhuma pessoa

ali, o local é deserto, não houve ofensa à incolumidade pública. É como fazer um

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raxa na Transamazônica hoje, mas ali está cheio de buraco. Mas lá não passa mais carro.

Aluno: As condutas podem ser sucessivas? Assim, estamos eu e o senhor e a gente combina, vamos ver quem vai em menos tempo daqui até outro lugar. Eu saio, vou cronometrando chego lá e marco o tempo. Depois o senhor sai e marca o tempo.

Prof.: É uma competição?Aluno: Sim.Prof.: Então, é crime. Sendo competição é crime.Aluno: O homicídio por dolo eventual é pelo Código Penal?Prof.: Lógico porque aqui o CTB só trata de homicídio culposo.Então, porque não houve a previsão da forma qualificada pelo

resultado, se ocorrer um homicídio nós vamos ter um homicídio por dolo eventual e como é crime material , afastará o de mera conduta ou absorverá, se esta é uma palavra melhor empregada.

Artigo 309: “Dirigir veículo automotor em via pública, sem a devida Permissão para Dirigir ou Habilitação ou, ainda, se cassado o direito de dirigir, gerando perigo de dano:...”

Não esqueçam que todos esses crimes, 306, 308, 309 têm a elementar na via pública. Se uma pessoa fizer um raxa no estacionamento do shoppingcenter Praia de Belas não será crime do artigo 308 porque ali não é via pública. Se fizer essa competição dentro de um condomínio? Sim.

Então, dirigir veículo automotor, em via pública, primeiramente é crime de mera atividade, de mera conduta. Não é formal porque não está prevista a finalidade da conduta. Quem é o sujeito passivo? Se é crime contra a incolumidade pública, é a sociedade como um todo, nós todos somos sujeito passivo. Corpo social, vamos chamar assim. Este é um crime que exige habilitação específica. Cuidado com isso. Quem está habilitado para dirigir motorcicleta, não pode dirigir automóvel. Quem está habilitado para dirigir automóvel de passeio não pode dirigir caminhão. Embora a pessoa esteja habilitada para dirigir veículo de passeio, se ela for apanhada dirigindo caminhão, gerando probabilidade de dano, é crime. Ela não tem habilitação para dirigir caminhão, ela só pode dirigir veículo de passeio.

Aluna: Digamos que foi cassado o direito de dirigir veículo de passeio e ele resolveu tirar uma habilitação para caminhão ou então, digamos que ele já tivesse habilitação para caminhão, cassa só a do veículo?

Prof.: A cassação é geral, não tem essa hipótese, ele não vai conseguir.

Agora, o seguinte, vocês sabem que para dirigir veículo automotor de até 50 cilindradas não precisa habilitação nem permissão. Se o sujeito for apanhado dirigindo um mobilete gerando probabilidade de dano, andando na calçada, cometerá, tipificar-se-á esse crime?Não porque seria ofensa ao princípio da reserva legal. A lei só fala em permissão ou em habilitação. E aí vai ficar impunível essa conduta? A lei não fala nem em autorização.

Olhem o que diz o artigo 34 da LCP: “Dirigir veículo na via pública ou por em perigo a segurança alheia” é direção perigosa. Vejam porque eu disse que o artigo 34 não foi revogado. Ele continua sendo aplicável nas situações em que nós não tivermos tipificados quaisquer um desses delitos.

Há algumas situações curiosas:1- se eu estiver dirigindo, sou habilitado, gerando probabilidade de dano. Numa

batida policial sou atacado; policial observou que eu vinha com farol apagado, em excesso de velocidade. Está aí a conduta anormal no volante. O policial pede

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a habilitação. O motorista diz que esqueceu em casa. Qual é o crime? Estou habilitado. A carteira é uma exteriorização de que eu estou habilitado. Habilitação independe disso aqui. Esqueci a carteira em casa. Isso é uma infração administrativa. Agora não é crime porque sou habilitado. Quando a gente faz exame de motorista ou renovação de carteira, eles não entregam a carteira na hora, demora uns dias. Se a pessoa fez todos os testes e passou, mas nessa semana que está sem a carteira, é apanhada dirigindo gerando probabilidade de dano. Houve crime? Ele está habilitado, foi aprovada, só não tinha a carteira e o crime não é dirigir sem carteira, é dirigir sem habilitação.Habilitada ele está. A carteira exterioriza que a pessoa está habilitada;

2- uma pessoa tem a carteira de habilitação vencida há 15 dias. Ela é apanhada dirigindo gerando probabilidade de dano. Houve crime? Não, ela continua habilitada. Ela só perderá a habilitação quando mais de 30 dias, diz a lei.Passou de 30 dias o sujeito perde a habilitação. Mas existe infração administrativa em estar dirigindo com a carteira vencida em menos 30 dias? Sim, tem multa. Mas se a pessoa estiver com a carteira vencida mais de 30 e estiver gerando probabilidade de dano, teremos crime.

3- Discussão importante sobre esse tema é a respeito de encontrar-se ou não em vigor o artigo 32 da LCP. Este artigo diz que “ dirigir sem a devida habilitação veículo na via pública ou em embarcação à motor em águas públicas.” Observem que este é o clássico da infração penal de perigo abstrato. Como o legislador não disse – gerando probabilidade de dano, isso aqui é uma contravenção penal de perigo abstrato. Para mim, inconstitucional. Basta ser apanhado dirigindo sem habilitação na via pública presume-se o perigo, presume-se culpa e ele está condenado e não tem como provar o contrário. Isto é um absurdo. Mas acontece que com no artigo 309 do CTB, o legislador redefiniu esta conduta dizendo que dirigir veículo automotor sem permissão ou habilitação... gerando probabilidade de dano. O que fez o legislador? Promoveu parte dessa conduta-crime. Era contravenção, passou a ser crime, mas além de redefinir esta conduta porque acrescentou uma elementar, gerando probabilidade de dano, que não existia, deixou de ser de perigo abstrato e passou a ser crime contra a incolumidade pública. Entendo que o artigo 32 foi derrogado. Para mim, ele, hoje, só vale nesta conduta – dirigir embarcações a motor em águas públicas. A outra parte – dirigir sem a devida habilitação veículo na via pública, foi derrogado. Dirigir jetski, presume-se o perigo. Tem promotor que denuncia. Tem que ter habilitação. Temos, em razão disso as seguintes correntes: para parte da doutrina, o artigo 32 foi derrogado e eu concordo com essa parte da doutrina; para a outra parte, não, continua em vigor o artigo 32 integralmente. Aí teríamos a seguinte situação: se uma pessoa for apanhada dirigindo sem a devida habilitação veículo na via pública, será contravenção penal; se estiver também gerando probabilidade de dano, crime. Então, para essa corrente para a qual o artigo 32 não foi derrogado, continua integralmente em vigor a situação será resolvida da seguinte maneira: se for apanhado dirigindo veículo na via pública sem a devida habilitação, só isso, é contravenção penal. Mas se além disso estiver gerando probabilidade de dano, ou seja, manifestando conduta anormal no volante, rebaixando o nível de segurança viária, é crime. Para a outra corrente, foi derrogado o artigo 32. Nós só temos então, aplicável o artigo 309. Além de estar dirigindo sem permissão ou habilitação, tem que gerar probabilidade de dano.

Predomina na doutrina o entendimento de que o artigo 32 foi derrogado : Renê Ariel David, Damásio de Jesus, Luis Flávio Gomes, Fernando Capez. O prof. Marcelo Ribeiro concorda com eles.

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Na jurisprudência estamos diante da seguinte situação: O STJ ora entende que o artigo 32 foi derrogado, ora entende que não.Vou indicar as duas orientações do STJ. A que entende que não foi derrogado o artigo 32 temos decisão publicada no Diário de Justiça da União de 31.01.99, p. 157; outra decisão publicada no Diário de Justiça da União de 24.05.99, p. 182; e DJU, decisão publicada em 31.05.99, p. 89, todas da 5ª Turma. Outra orientação no mesmo STJ, todas da 6ª Turma entende que foi derrogado o artigo 32: Diário de Justiça da União, 24.05.99, p. 200: DJU, 15.03.99,p.290.

O MP brasileiro reunido em Belo Horizonte em 1998 para buscar uma uniformização da opinião da instituição a respeito de certos temas, em relação a este tema decidiu o seguinte:Súmula nº 8 apresentada pelo Dr. Carlos Otaviano Brenner de Moraes quando era Corregedor do MP do RGS que foi aprovada por unanimidade. O teor da Súmula é o seguinte: “quem dirige veículo inabilitado responderá pelo crime do artigo 309 do CTB ou pela contravenção penal do artigo 32 da LCP conforme...( troca de lado da fita) ... vou tirar uma cópia disso aqui para vocês. É uma posição uniforme do MP brasileiro. Então, o MP do RGS apóia a primeira corrente.

Aluno: Se ele não estiver gerando perigo de dano?Prof. É infração meramente administrativa.Agora, para quem entende que ele continua em vigor integralmente,

que é a posição do RGS, acabei de ler, se ele for apanhado dirigindo sem habilitação na via pública sem gerar probabilidade de dano- contravenção penal, gerando probabilidade de dano- crime. Para mim o artigo 32 está derrogado.

Artigo 310: “Permitir, confiar ou entregar a direção de veículo automotor a pessoa não habilitada, com habilitação cassada ou com o direito de dirigir suspenso, ou , ainda, a quem, por seu estado de saúde, física ou mental, ou por embriaguez, não esteja em condições de conduzi-lo com segurança: Penas – detenção, de seis a um anos, ou multa.”

Aqui vamos ter uma hipótese da chamada exceção dualista à teoria monista. Quando, antes do Código de Trânsito, estava em pleno vigor o artigo 32 da LCP que dizia “dirigir veículo automotor na via pública sem estar habilitado’. Assim, se o pai desse a chave do carro para o filho dirigir sabendo que ele não tinha habilitação, ele tinha 16 anos, ou então, vamos imaginar que o filho tivesse 20 anos mas não tivesse habilitação. Tínhamos que o filho respondia como incurso no artigo 32 da LCP e o pai pela mesma contravenção como partícipe em sentido estrito. Concorreu de qualquer modo para a contravenção penal. Essa era postura, porque a infração penal era a mesma para os dois pela teoria monista. Todos que concorrem para o crime ou para a contravenção penal responde por um só crime. Antes era assim. Agora , quem dirigir sem habilitação ou sem permissão gerando probabilidade de dano é autor do crime do artigo 309 do CTB e quem permitir , entregar, ou confiar a direção para ele é autor de outro crime. Logo, exceção da teoria monista. Pergunto: este crime do artigo 310, é crime contra a incolumidade pública ou crime de perigo concreto ou é crime de perigo abstrato. Só seria crime contra incolumidade pública se o legislador tivesse dito 'gerando probabilidade de dano' e ele não disse. Infelizmente é crime de perigo abstrato, presume-se o perigo, o que é um absurdo.

Entregar a chave do carro não é crime nenhum ainda porque o legislador diz entregar a direção do carro ligado e em movimento. Se o pai pegou a chave do carro , o filho tem 18 anos, não tem habilitação, e disser, você dirige, eu vou aqui no carona contigo. Mas acontece que o carro não foi ligado, não há que se falar desse crime ainda. Quando se fala em direção, tem que estar o carro em

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movimento ou uma pessoa imprimindo-lhe o rumo desejado. Se o carro está parado, desligado, não tem crime nenhum. No momento em que ele liga o carro e ele sai, consumou o crime. É lógico que é o dono do veículo que entrega as chaves para uma pessoa que eu sei que não tem habilitação, uma pessoa que não tem condições de dirigir. O dono da garagem tem é que entregar a chave para o proprietário do veículo. Eu entendo que ele não comete esse crime. Eu deixei o carro lá. É um contrato. Na hora que eu chego ali, ele deve me dar a chave. Ele tem por força do contrato de devolver o carro para o proporietário dele. Acho que não teria a tipificação desse delito se o garagista entrega o carro para o proprietário que está embriagado.

Agora, trata-se de um crime de perigo abstrato, presume-se o perigo na conduta de quem entrega a chave do carro para uma pessoa embriagada. Veja que é o proprietário do carro é quem tem que entregar o seu carro para alguém dirigir. O dono da garagem não tem disposição sobre o carro. Tem que ser o dono do carro. E como é feita essa denúncia? O promotor normalmente vai denunciar, como se trata de uma exceção dual, não há concurso de pessoas, um parágrafo para cada fato, um fato imputado a um e outro fato imputado ao outro. Não há concurso de pessoas porque é uma exceção dual e nem há concurso de crimes. Um crime para cada um. O dono do veículo ficaria no 310 e o outro no artigo 309.

Artigo 311: " Trafegar em velocidade incompatível com a segurança nas proximidade de escolas, hospitais, estações de embarque e desembarque de passageiros, logradouros estreitos, ou onde haja grande movimentação ou concentração de pessoas, gerando perigo de dano: Pena: detenção de 6 meses a um anos ou multa." É crime contra a incolumidade pública, é crime de mera conduta, ou seja, de resultado jurídico, não naturalístico. Se o indivíduo for apanhado dirigindo em velocidade incompatível em qualquer outro lugar que não este, artigo 34 da LCP – direção perigosa. Lembrem do exemplo do sujeito que dirige uma mobilete, ele não precisa de habilitação nem permissão para dirigir, mas de autorização, logo , gerando probabilidade de dano, ele não comete o crime do artigo 309. Mas ele está na via pública dirigindo um veículo sem ter habilitação, sem ter autorização, podemos dizer que ele cometeu a infração penal do artigo 32? Não porque aquela infração é para quem tem autorização e não habilitação. Ele cometeu a infração penal do artigo 34 – direção perigosa. Ele estava dirigindo um veículo na via pública e colocando em risco o bem jurídico alheio que é a infração penal do artigo 34 da LCP.

Observem mais uma impropriedade terminológica no artigo 311, semelhante àquela do 'fugir à responsabilidade'. "Trafegar". Motorista não trafega, o motorista conduz o veículo. O que trafega é o veículo, aqui é o veículo andando sozinho. Vejam só que besteira que o legislador disse. Trafegar é o veículo andando sozinho. O verbo correto seria 'conduzir o veículo automotor em velocidade incompatível com a segurança ...' Mas, subendente-se que ele quis dizer conduzir para salvar este dispositivo, senão você não o aplica isso aí. Observem que todos os locais mencionados no artigo 311 são locais que reclamam redobrados cuidados. Todos são locais em que há movimentação intensa de pessoas. Perto de escolas, rodoviárias, hospitais, aeroportos...

Artigo 312: "Inovar artificiosamente, em caso de acidente automobilístico com vítima, na pendência do respectivo procedimento policial preparatório, inquérito policial ou processo penal, o estado de lugar, de coisa ou de pessoa, a fim de induzir a erro o agente policial, o perito, ou juiz: Pena – detenção de 6 meses a um ano ou multa." Isso é um crime de trânsito a rigor? Não, é um crime contra a administração da justiça, mas que é considerado crime de trânsito por

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estar na seçào pertinente aos crimes de trânsito. Sujeito passivo é o Estado. Sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, a lei não diz 'o motorista'. 'Inovar' pode ser o motorista, o advogado do autor do fato, uma pessoa que estava no carro acompanhando o caroneiro. Existe no CP um crime semelhante a esse, artigo 347 do CP: "Inovar artificiosamente, na pendência de processo civil ou administrativo, o estado de lugar, de coisa ou de pessoa, com o fim de induzir a erro o juiz ou o perito: Pena – detenção de 3 meses a 2 anos e multa. § único: Se a inovação se destina a produzir efeito em processo penal, ainda que não iniciado, as penas aplicam-se em dobro." ( ou seja, de 6 meses a 4 anos e multa) O aconteceu aqui? O CTB no artigo 312 fez uma especialização. A regra especial afasta a geral desde que todas as elementares estejam presentes.

No artigo 312, primeira crítica: 'inovar artificiosamente em caso de acidente automobilístico', na verdade o legislador quis dizer, acidente com veículo automotor, mas ele usando 'automobilístico' é só com automóvel. E se for uma motocicleta, que é um veículo automotor. O Prof. Paulo José da Costa Júnior é o único doutrinador muito superficialmente comenta esse detalhe, não apresenta solução. Porque, pelo princípio da reserva legal, o legislador falou em acidente automobilístico,é só com automóvel. Se for acidente com motocicleta, com vítima, na pendência de investigaçào, inquérito ou processo, ele fez uma inovação artificiosa no estado de lugar, coisa ou de pessoa para produzir efeito num processo penal, para induzir a erro o juiz ou o perito, teríamos que aplicar o Código Penal, porque o CTB que é lei especial menciona em caso de acidente automobilístico. Eu fui nos documentos do Congresso Nacional e toda a discussão foi feita em torno de veículo automotor, só que eles usaram a palavra errada. Queriam dizer uma coisa e disseram outra. E agora? Estamos aguardando manifestaçào da jurisprudência que não temos. Se eu fosse advogado do réu iria querer que se aplicasse o Código Penal. É mais grave sim, mas na lei especial fala em acidente de automóvel. Se foi com um moto se aplica o CP. Você tem que ajustar o fato a um tipo penal, o tipo é este. Você, como advogado, não tem como discutir isso. O princípio da reserva legal está acima da inconstitucionalidade da pena. Assim, também nào há lógica no CTB quando a lesão corporal culposa é punido com pena muito mais grave do que a lesão corporal dolosa e, no entanto, se aplica a da lei especial. Existe uma forma de interpretação segundo a meins legis e olhando lá as discussões do Congresso Nacional em torno do CTB a gent verifica que eles queriam uma coisa e usaram outra palavra. É por aí é que você pode discutir e trazer a discussão para cá e não deixar lá. Agora, pelo que está na lei, deveria aplicar o CP. Então, fazendo esse tipo de interpretação pelo espírito da lei, você vai Ter que tomar as discussões em torno do projeto que resultou o CTB e você vai verificar que queriam dizer 'acidente com veículo automotor', usaram mal a palavra. Moto, caminhão são veículos automotores assim como o ônibus elétrico, conforme o anexo, nenhum se encaixa no 312. E se nós tivermos uma inovação artificiosa num caso de acidente automobilística na pendência de investigação ou inquérito, no estado de lugar...sem vítima? Será pelo CP e a pena ficará lá em cima e ninguém grita e nem tem como gritar. 'Na pendência' pressupõe enquanto as investigaçòes estão sendo feitas, enquanto o inquérito está correndo ou o processo. Agora vejam como o legislador brasileiro não tem lógica. Olha o § único derroga o caput, porque diz assim: aplica-se o disposto nesse artigo ainda que não iniciado quando da inovação, o inquérito ou o processo aos quais se referem. Retira-se 'na pendência'. 'Ainda que não iniciados' – o § derrogou o caput. 'Inovar artificiosamente estado de pessoa, coisa ou lugar' – o que é isso? Se eu mudar a placa do veículo,é uma inovaçào da coisa; se eu trocar de motorista porque tinha uma pessoa nào habilitada dirigindo e eu troco e isso é provado por meio de testemunha que houve essa troca, houve uma inovação

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artificiosa para iludir o juiz quando à autoria do crime; quando ao lugar, troco os automóveis de posição... ( fim da 3ª fita )

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