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Rio de Janeiro, 2019 Dados Internacionais de Catalogação na
Publicação (CIP) Sindicato Nacional dos Editores de Livros,
RJ.
F274e Favacho, Daniela G. de A.
E quando a Malu chegou? Trissomia 21 : reflexões e dicas de uma mãe educadora /
Daniela G. de A. Favacho. - 1. ed. - Rio de Janeiro : Autografia, 2019. 134 p. : il. ; 21 cm
ISBN: 978-85-518-2061-2
1. Maria Luísa, 2016-. 2. Down, síndrome de - Pacientes - Biografia. 3. Down,
síndrome - Pacientes - Relações com a família. 4. Down, síndrome - Pacientes - Cuidado
e tratamento. 5. Pais de crianças com deficiência. I. Título.
19-58208 CDD: 926.16858842 CDU: 929:616-056.37
E quando a Malu chegou? Trissomia 21: reflexões e dicas de uma mãe educadora
de Favacho, Daniela G. A. ISBN: 978-85-518-2061-2 1ª edição, julho de 2019. capa e editoração eletrônica: Talita Almeida revisão: Daniel Rodrigues Aurélio e
Rafael Alberto Moretto
Editora Autografia Edição e Comunicação Ltda.
Rua Mayrink Veiga, 6 – 10° andar, Centro rio
de janeiro, rj – cep: 20090-050
www.autografia.com.br Todos os direitos
reservados. É proibida a reprodução deste livro com fins comerciais sem prévia autorização do autor e da
Editora Autografia.
Apresentação Quando a Maria Luísa nasceu foi um grande susto, pois,
durante o pré-natal, não foi identificada a síndrome de
Down (SD), hoje mais conhecida como Trissomia 21
(T21). Portanto, a descoberta foi somente quando a Malu
já estava em nossos braços. Depois de uma semana de luto
e muita confusão interna, arregacei as mangas e assumi a
postura de oferecer o que fosse preciso para que minha
filha tivesse todas as oportunidades de desenvolvimento.
Sim, uso a palavra luto, pois o processo envolveu sepultar
em minha mente um filho ideal e acolher a minha filha real.
Esse processo durou uma semana, como detalharei nos
primeiros capítulos. Fui me inteirando do mundo de uma
criança com T21 e passei por diferentes estágios. Passei
bem rápido do luto à luta.
No início, confiava que as terapeutas saberiam o que
fazer para proporcionar o desenvolvimento de minha filha;
apostava que psicopedagogas e psicólogas garantiriam
isso. Com o tempo, após acompanhar a Malu em vários
atendimentos, entendi que todos esses profissionais tinham
pistas de como fazer, mas somente um trabalho integrado
entre eles e eu,
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como mãe e com formação pedagógica, poderia proporcionar os
melhores resultados. E por todo trajeto percorrido nos dois
primeiros anos da Malu, posso afirmar que proporcionar a
estimulação precoce desde cedo é importantíssimo, bem como
matricular em escolas regulares. Porém, a vida da criança não pode
se restringir a isso (terapias e escola). É muito importante que tenha
uma vida rica de convívio com outras crianças também fora da
escola, que frequente museus, parques, tudo que uma criança sem
a T21 teria. Nesse sentido, nossa família tem sido fantástica. Meu
pai, com quase 80 anos, não vê deficiência como limitante na Malu.
Todos a tratam como uma criança de sua idade, apenas isso, uma
criança. A Trissomia 21 é um detalhe na vida da Malu. Ela é
incentivada exatamente como seria com qualquer neto ou sobrinho.
Os avós e tios paternos também compactuam da mesma postura.
O nascimento dela me fez refletir sobre como eu, uma mulher
bacharel e licenciada em Química, doutora em Ciências e
pósdoutora em Educação, poderia contribuir para otimizar o
desenvolvimento da minha filha.
Em anos anteriores ao nascimento da Malu, foi contratada para
a universidade onde trabalho uma docente especialista em
educação especial – e ela se tornou uma amiga/ irmã: a querida
professora Joana de Jesus de Andrade, que, como amiga, sabia que
sempre quis ser mãe. Lembro-me de um dia, no início da gravidez,
em que ela me perguntou: você tem certeza? Pela sua idade, talvez
venha um bebê com algum problema. E na ocasião eu disse:
“Tenho certeza que
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quero este filho (ainda não sabia que era menina) e venha do
jeito que vier, será perfeito para mim!” Para minha sorte, tive
acesso a uma rica literatura sobre educação especial por meio da
professora Joana. Confesso que só depois da Malu aprofundei
algumas leituras e conto até hoje com a possibilidade de diálogo
com minha preciosa amiga.
Acompanhei a Malu em inúmeras sessões de fisioterapia,
fonoaudiologia e terapia ocupacional, e com a matrícula dela num
berçário, com um ano de idade, aumentou o desafio. A questão
agora era: como estender os tratamentos de estimulação precoce
na escola e favorecer aprendizagem cognitiva? As professoras do
berçário entendiam de educação infantil, mas não tinham muita
informação sobre como aproveitar situações e contextos para
promover o desenvolvimento da Malu, tendo em vista a condição
dela. Posso dizer que cada dia nesses dois últimos anos foi muito
intenso, com aprendizagens e informações novas proporcionadas
pela vivência. Uma outra amiga, professora Glaucia Maria da Silva
Degréve, me incentivou a criar um blog com todas as informações
que eu estava tendo acesso.
Confesso que criei o blog e iniciei a redação de alguns textos,
mas não tornei público, pois o ritmo de escrita dependia de
minhas horas disponíveis para isso. Além do mais, não
considerava adequado tornar público poucos textos e demorar
para atualizar ou mesmo responder questões e comentários.
Assim, surgiu a ideia do livro, que pretendo disponibilizar por
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meio eletrônico também no futuro. Inicialmente, o título do livro
seria “Uma menina down pá virada”, que é
como o tio da Malu, José Francisco Garcia Passini, sempre se
refere a ela. Tio Dedé (como a Malu o chama) é companheiro
em muitas descobertas e um cunhado irmão. Porém,
conversando com uma amiga, achamos que essa brincadeira com
o termo em inglês não estava legal e poderia reforçar algum
preconceito. Pedi a opinião de alguns alunos e amigos e, após
uma breve conversa, sugeriram o título atual: “E quando a Malu
chegou?”. Eles me convenceram que seria o melhor título, pois
foi a chegada da minha filha que havia me impulsionado na
busca de conhecimentos sobre o assunto.
Foi um longo percurso em dois anos. Percurso este carregado de
intermediação entre as profissionais da saúde e as professoras da Malu.
Fui anotando todas as dicas e aprendizagens nesse período e, neste
singelo livro, compartilho com o leitor um pouco desta aprendizagem.
No processo de escrita deste livro memórias me lembram que preciso
agradecer algumas pessoas e também à Associação Síndrome de Down
de Ribeirão Preto (RibDown).
Numa manhã de sexta-feira, eu e meu esposo Hugo nos propusemos
a conhecer o que existia em Ribeirão Preto como oportunidade para
nossa filha. Fomos então conhecer a APAE da cidade. Lá existiam
várias crianças com T21. Lembro que me senti muito aflita em
imaginar que a Malu conviveria apenas com colegas com T21. Meu
anseio era que ela convivesse com a diversidade, outras crianças com
T21 e crianças típicas também. Meus planos para ela era que
frequentasse escolas regulares, assim como ter as mesmas
oportunidades que as demais crianças.
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Ao pesquisarmos em sites de busca na internet soubemos
então da Ribdown. Fomos até lá com a expectativa que tivessem
terapeutas, fonoaudiólogas, e demais profissionais que
pudessem estimular a Malu. Fomos recebidos por uma das
psicólogas do local, a Beatriz Marques de Mattos, que foi muito
gentil e nos apresentou a associação. Começamos a frequentar
reuniões com outros pais de filhos com T21 em diferentes faixas
etárias. A Ribdown nos ajudou a perceber que nossa filha não
tinha problema algum, ela apenas era diferente e caberia ao
mundo se adaptar a ela e não o contrário. Foi por meio da
Ribdown que pude conhecer o Projeto Roma, proposto pelo
espanhol Miguel Melero e embasado em autonomia e confiança,
por meio da qualificação de contextos. Nas reuniões, nos
conscientizamos que existem várias barreiras que precisam ser
vencidas para que as pessoas com alguma deficiência se
desenvolvam. Sou profundamente grata à Simone Galina e ao
Florivaldo Galina, pais da Laurinha, uma adolescente
encantadora. O compartilhamento das dúvidas, aflições e
vitórias destes e de outros pais do grupo foi muito formativo e
encorajador. Caberia aqui um agradecimento especial a TODOS
os pais da Ribdown e também à equipe técnica: Ana Cláudia
Alves Legore, Luciana Stoppa dos Santos e a Bia, que já citei.
Isso abriu caminho para desenvolvimento de projetos de
inclusão na universidade em que atuo, mas que talvez seja tema
de outro texto futuro.
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Me lembro aqui com carinho da estimada Cláudia Aparecida
Marques Pereira (a primeira fisioterapeuta da Malu); de Karla
Cattrin Marcos Alves, especialista no método Bobath,
que iniciou a fisioterapia com a Malu logo após a cirurgia
cardíaca, e se tornou uma amiga muito querida e que nos
acompanha até hoje; da Renata Freitas Martins, terapeuta
ocupacional da Malu desde o primeiro mês de idade, uma das
pessoas mais generosas que conheci. Renata sempre
compartilhou seu conhecimento com grande alegria e
compromisso. Na época que estivemos no Amapá, ela preparou
uma apostila para orientar toda a família de lá com relação a
Malu. Outra pessoa que esteve nas nossas vidas desde o
nascimento da Malu é a fonoaudióloga Isabela Moda, sempre
muito profissional e carinhosa. Por um tempo, a Malu também
foi atendida no NADEF (Núcleo de Atenção ao Deficiente da
cidade de Ribeirão Preto), órgão municipal, pelas profissionais
Sylvia Elaine Terenciane Rodrigues Cardia (fonoaudióloga) e
Regina Célia Granato Firmino Cerveira (fisioterapeuta). Estas
duas profissionais que nos atendiam pelo município dedicavam
30 minutos cada, uma vez por semana para Malu, porém tinham
uma preocupação muito intensa de dar instruções para nós, os
pais, para que em casa continuássemos os estímulos. A presença
das duas foi muito importante.
Após completar um ano, matriculei a Malu num berçário que
desde o início se mostrou muito aberto a aprender sobre inclusão.
De tempos em tempos, a equipe pedagógica se reunia com as
profissionais da saúde para discutirem como proporcionar o 10
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melhor desenvolvimento para a Malu. Gratidão, professora
Maria Angélica, será eterna sua lembrança em nossas vidas.
Outra pessoa inesquecível: Viviane Nunes Cavallini, uma amiga
preciosa que doou leite materno para
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Malu e contribuiu para que o sistema imunológico dela fosse
fortificado logo após a cirurgia cardíaca. Semanalmente eu
buscava o leite da Vivi, levava ao banco de leite e retirava o
esterilizado para Malu. Ela e seu esposo, Thiago Cavallini, são
muito presentes na nossa vida até hoje. Com seus talentos
artísticos, Thiago tem me ajudado a desenvolver
recursos/brinquedos para Malu.
Morei no Amapá por três meses e tive muita sorte em
encontrar a Luciana Farago, fonoaudióloga que me dava uma
aula em cada sessão em que eu acompanhava minha filha.
Agradeço aos meus colegas professores do Departamento de
Química da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão
Preto – Universidade de São Paulo, por entenderem minhas
necessidades no referido período e concordado com minha
licença-prêmio. Gratidão especial aos queridos professores Paulo
Marcos Donate, Gil Valdo José da Silva e Pietro Ciancaglini.
Este livro é fruto do período de licença.
Também, quero deixar registrado meu agradecimento à
querida Fabíola Sircilli Borges, mãe fundadora do grupo
Trissomia21Ribeirão de Ribeirão Preto, que leu o esboço deste
livro e muito contribuiu com dicas, sugestões e
compartilhamento de ideias. Fabíola foi minha interlocutora
principalmente no ajuste de detalhes da edição deste livro,
inclusive o título, e é a pessoa que escolhi para escrever o
prefácio. É uma mulher incansável em compartilhar informações
e empoderar as famílias. Deixo registrado minha admiração por
você, querida. Outra leitora atenta foi a Priscila Santarrosa,
membro da Associação Síndrome de Down de Ribeirão
Preto. Obrigada, meninas! E obrigada Fabiana Marques e
Pollyana Cardoso, minhas pedagogas amapaenses prediletas,
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com as quais pude trocar muitas ideias relativas à educação
inclusiva.
Este livro compila dicas das profissionais de saúde que me
foram passadas e que compartilho com vocês, pais e professores
da educação, principalmente infantil. O objetivo é simplesmente
relatar o caminho percorrido com minha filha, mas de forma
alguma, deve ser usado como manual terapêutico. A busca por
profissionais que façam estimulação precoce é fundamental e
insubstituível. Também divido com você leitor, recursos que
adaptei para minha filha, reflexões e experiências.
Espero sinceramente contribuir para diminuir as angústias de
outros pais e inspirar professores(as) em suas práticas. Inclusão
não é só estar junto com os outros alunos. Precisamos garantir
acesso ao conhecimento. As crianças com T21 são apenas
crianças diferentes das outras, não menos capazes. Precisam ser
enxergadas como indivíduos a ser educados e não cuidados como
seres incapazes. Enquanto a família não adotar este olhar e os
professores também, não teremos muito que fazer.
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Prefácio
Este livro foi escrito em um momento muito particular e
único na vida da autora. A maternidade tinha finalmente
chegado e ela se preparava para abraçar a nova vida e os
novos desafios que ela traria. Como qualquer mãe de
primeira viagem, Daniela procurou se informar e ler
bastante sobre os cuidados com recém-nascidos, dicas de
outras mães e o planejamento de todos os detalhes que
povoam o imaginário de uma mulher neste momento
especial. Afinal, espera-se que tudo seja perfeito e que
não falte nada à mãe e ao bebê no começo desta nova
jornada.
Poderíamos tentar tecer teses e mais teses cujo objetivo
seria o de confortar, consolar e buscar sentido para
quando algo que esperamos não acontece da forma
prevista. Em algum momento algo sai fora dos trilhos e
só nos resta colocarmos o vagão de volta ao seu lugar.
Quando dirigimos usando o aplicativo Waze para que nos
guie para a direção desejada e, mesmo assim, em um
descuido, entramos na rua errada e o aplicativo refaz o
caminho, logo é providenciada uma nova rota para
seguirmos. E se, porventura, errarmos novamente,
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ele nos dará um novo percurso e assim será sucessivamente até
chegarmos ao nosso destino. E assim é a vida.
Para Daniela e muitas outras mães em situações que, de
alguma forma, saíram dos trilhos, este é um momento arrebatador
e revolucionário, nada mais será igual: a maternidade chegou e
trouxe com ela um mundo desconhecido. É assim para todas as
mulheres ao se tornarem mães. Mas existe um porém, um
pequeno detalhe que fez tudo parecer tão assustador e fora de
controle. O momento da concepção, uma divisão diferente e
alguém acabou entrando na rua que não era para ter entrado.
Simples assim. O que fazer agora? Recalcular a rota, refazer
estratégias e buscar novos caminhos como o aplicativo Waze.
Este livro foi escrito para você, mãe ou pai que procura por
um ponto de partida e que, de preferência, ofereça um lampejo
que seja da linha de chegada. Você sabe que tem que se informar,
buscar orientações sobre como proceder dali em diante.
No caso de Daniela, a trissomia do cromossomo 21 ou T21,
popularmente conhecida como síndrome de Down passou a fazer
parte do seu mundo. Quase sempre quando somos pegos de
surpresa, geralmente é por algo que desconhecemos ou temos
pouca informação sobre. A busca por esse conhecimento levou a
autora a vagar por trilhas desconhecidas, a fim de encontrar um
caminho que atendesse aos seus anseios com relação à
condição genética da filha. Agora Daniela coloca esta trilha
no mapa para que outros pais possam se guiar por ela.
Os primeiros meses na vida de um bebê giram em torno de sua
saúde, os cuidados com ele, a amamentação, as idas ao pediatra
e toda a adaptação que a nova rotina exige. Em bebês com T21
os cuidados se ampliam, as várias terapias vão ocupar grande
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espaço na vida familiar. Mas, acima de tudo, é preciso ter a exata
noção de como é o organismo de um bebê com genes extras que,
consequentemente, fazem com que seu metabolismo tenha
especificidades próprias.
Contudo, não é tarefa fácil ter esta gama de informações sobre
saúde, nutrição e terapias de uma fonte só. Os pais precisam então
pesquisar sobre este novo mundo e as dificuldades que ele traz.
A primeira delas ainda é a falta de conhecimento, pois a T21 é
mais que uma deficiência ou comprometimento intelectual.
“Mas como assim?”, o leitor pode se pode perguntar. Esta não é
a alteração genética mais conhecida no mundo? Embora ela seja,
afora questões de saúde mais comuns como más formações, ainda
se fala pouco sobre a importância da alimentação, as
particularidades do funcionamento biológico e as mais diversas
terapias que estão disponíveis nos dias de hoje e podem
potencializar o desenvolvimento e qualidade de vida destes
indivíduos.
O livro A chegada de Malu pode ser considerado como um
guia para as famílias terem em casa, fazendo com que não percam
tempo em dar início aos cuidados que estas crianças necessitam
para seu desenvolvimento. Obviamente a experiência pessoal de
cada um é intransferível, até porque, como os pais irão descobrir
mais adiante, cada indivíduo é único e assim é o seu
desenvolvimento e personalidade. No entanto,
o aprendizado é sinônimo de empoderamento para as famílias que
terão condições de fazer as escolhas que julgarem mais
apropriadas para seu filho. O poder e decisão advém do
conhecimento, e ele é fundamental em qualquer aspecto da vida.
Esperamos por mais livros como o da Daniela. Esperamos
termos também vasta literatura sobre nossas crianças, sobre
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TODAS as crianças. Ser diferente não é o problema se soubermos
como lidar com isso. Nisso a experiência da autora contribui para
desmistificar a síndrome de Down.
A leitura desta obra não é somente para pais com crianças com
T21, mas para todos, pois compreender as diferenças e aceitá-las
no sentido de respeitar e conviver sem preconceitos é o que fará
com que a sociedade se torne um lugar mais fraterno e seguro
para TODAS AS CRIANÇAS no futuro.
Profa. Ms. Fabíola Sircilli Borges (psicologia e educação), Fundadora do grupo
Trissomia21Ribeirão – Ribeirão Preto.
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Entre o filho real e o ideal:
desconstruindo paradigmas e
refletindo sobre ciência
Maria Luísa (nossa Malu) nasceu no dia 23 de dezembro de 2016.
Tive uma gravidez muito tranquila e fiz todos os exames
recomendados no pré-natal. Até o dia do parto estava tudo certo;
eu teria uma linda bebê. O parto cesárea se iniciou às 15h50 e,
exatamente às 16h06, ouvi o chorinho da minha bebê. No
primeiro momento, achei ela muito parecida com o pai, que é do
norte do país. Tinha um rosto meio quadradinho e um olhinho
meio puxado. Eu a achei linda, mas logo fui levada para o quarto
para descansar e aguardar que os primeiros cuidados fossem
realizados com ela antes de levarem para que eu a pegasse e
amamentasse. As horas se passaram e quando foi por volta de
22h, nada dos profissionais do berçário trazerem o bebê.
Posteriormente, nosso pediatra entrou no quarto e nos disse que
a bebê teve dificuldade para respirar e por isso foi encaminhada
para a UTI neonatal para que fosse monitorada, mas no dia
seguinte poderíamos visitá-la. Era apenas uma precaução, um
cuidado.
No dia seguinte, depois da cesárea e ainda com pontos, fui até a
UTI Neonatal ver minha filha. No caminho entre
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o quarto andar e segundo andar, eu dizia ao meu esposo o quanto
achei ela parecida com ele. Meu esposo, com uma voz bem
mansa, me disse:
– Dani? Eu estava conversando com o pediatra e pode ser que
nossa filha tenha um probleminha...
Eu não entendi o que ele queria me dizer e disse: –
Probleminha? Qual? Ela é linda, perfeita... Ele disse, eles
suspeitam que ela tenha nascido com T21, mas tem que fazer o
exame cariótipo para confirmar.
Meu mundo desabou naquele instante. Relutei contra aquela
informação. Menti para mim mesma pensando: se eles desconfiam,
mas não tem certeza, para mim ela é normal. Fomos para a UTI,
minha vontade de vê-la era tão grande que eu nem sentia o corte da
cesárea. Quando chegamos na UTI, o barulho daqueles
equipamentos que mensuram a frequência cardíaca, saturação de
oxigênio etc. nunca mais saiu da minha cabeça. A Malu ficava no
último leito e minha visão quando chegava lá era de uma cabeleira
preta. Como nasceu cabeluda, minha gatinha. Estava peladinha, mas
sem nenhum aparelho para respirar. Ficamos eu e meu esposo um
tempinho ali, aguardando um médico que viria nos passar o boletim.
Depois de um tempo, chegou Dr. Francisco. Ele se apresentou, disse
que era cardiologista e que a Malu tinha um problema cardíaco
grave. Ela nasceu com defeito no septo atrioventricular e, com isso,
não havia separação entre o sangue venoso (rico em gás carbônico)
e arterial (rico em oxigênio). O coração recebia sempre sangue com
oxigênio e, por isso, a pressão pulmonar era alta e qualquer gripe
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poderia se transformar em pneumonia e levar à morte. Disse que
o problema é muito comum entre as crianças com T21. A maioria
precisa de intervenção cirúrgica. A previsão era esperar ela
crescer até mais ou menos cinco meses e então fazer uma cirurgia
corretiva.
Minha cabeça girava. Não sabia qual notícia era pior: minha
filha nascer com T21 ou ela ter que fazer a cirurgia cardíaca
corretiva, naquele tamanhinho? Tentei puxar na memória
crianças com T21 ao longo da minha história. Não me lembrava
de ninguém, só de estereótipos e palavras até preconceituosas
usadas para se referir à crianças com T21, como, por exemplo,
“retardadas”. Pensava: “Será que ela vai andar? Será que vai
falar? E quando for para escola? Que vergonha, que decepção...”
O sentimento era esse.
A desinformação e o preconceito despertavam este pensar e
sentir a situação. Mais adiante vamos tratar um pouco sobre a
história das denominações para T21. Atualmente, chamar alguém
com T21 de “retardado” é extremamente preconceituoso e
desatualizado. Naquele momento, parecia que algo tinha dado
errado na minha vida. A filha ideal que eu sonhei sem problemas
de saúde, perfeita, não existia. As palavras que eu mais ouvia
eram:
– Então, puxa... Não era esperado, o exame da transluscência
não deu nenhum indicativo que seria uma criança com T21...
Vocês fizeram tudo tão certinho... Puxa... (em tom de lamento).
Foi uma semana sem falar com ninguém, sem atender telefone,
com a cabeça a mil. Não sei o que era pior: saber que era Down ou
saber do problema cardíaco grave. Não sabia se ela resistiria. Todos
os dias eu ia até a UTI para amamentar e ter notícias dela. No começo,
como ela tomava leite por sonda, eu tirava leite no banco de leite do
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hospital e deixava para ela. Eu só podia passar a mão nela, pegar no
colo com a ajuda das enfermeiras, pois eram muitos fios. Um para
medir frequência cardíaca, outro para saturação de oxigênio, outro
para temperatura etc.
Àquela altura, meu esposo já havia contado para minha sogra,
Sra. Socorro, e para meu sogro, Sr. Augusto Favacho. Os dois são
avós muito estimados; a sogra, é uma mulher que celebra sempre a
vida, a alegria, e o avô é um meninão, brincalhão, divertido. Aquele
momento ficou muito mais leve com a presença dos dois em nossas
vidas. Eles são do Amapá, região norte do Brasil, e se dispuseram a
vir para nossa cidade (no Sudeste) para cuidar de mim, da bebê e do
filho. Minha sogra disse que a Malu era especial em todos os
sentidos, por ser a primeira neta, por ter escolhido nossa família e
que seria muito amada por todos. Minha sogra teve um papel
fundamental no processo de aceitação da situação.
Outra pessoa especial foi minha grande amiga Joana, que
vinha pesquisando a educação especial há muito tempo. “Ela
recomendou que eu lesse livros e assistisse uma série de filmes e
documentários sobre o assunto. O primeiro documentário que
assisti foi “Do luto à luta – um novo olhar sobre a síndrome de
Down”. No documentário, por volta dos 26 minutos, a fundadora
da APAE conta como soube da deficiência de seu filho e o que
estava pensando quando criou
a associação. Num determinado momento, a idealizadora da
APAE afirmou que se fosse hoje não trataria a questão da mesma
forma e reconhecia a importância da convivência. Ela justificou
que hoje (na ocasião do documentário) o entendimento dela era
que é mais interessante que as crianças com síndrome de Down
fossem educadas junto com toda humanidade. Destacou que
quanto mais precoce for esta convivência, mais perto da
normalidade as crianças especiais estariam. Ela disse que há 54
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anos, a ideia de colocar o Zequinha na APAE era para protegê-lo
e para que não se sentisse um estranho no ninho. Mas a proteção
exagerada faz com que separemos o indivíduo. Recomendo que
vocês assistam o documentário, pois iluminou várias ideias na
minha cabeça.
Com o decorrer dos dias, eu não via uma criança Down, via uma
bebê que precisava de cuidados como todos os outros bebês,
chorava, queria mamar, fazia cocô e xixi. Aos poucos fui sepultando
a filha ideal e aceitei a minha filha real e hoje posso afirmar: é a que
eu amo, a real. O luto durou uma semana e logo assumi a luta em
minha vida. A busca por informações me tranquilizou e me ajudou
enxergar muitas possibilidades. Por isso eu digo às mães: não se
demorem no luto. É na luta que vem a tranquilidade em relação à
possibilidade de futuro.
É esta filha real que tem me tornado um ser humano mais humano
e me feito pensar em tantas coisas:
1º) Como a ciência é limitada! As pessoas colocam uma
confiança nos exames que são feitos no pré-natal, mas não é 100%.
Só Deus sabe 100%. O exame de transluscência não deu nem
indícios de que a Malu seria especial.
2º) Como as pessoas não estavam preparadas para dar a notícia, às
vezes mesmo sendo da área de saúde. O que mais ouvimos foi
sempre em tom de lamento, como se minha filha fosse um equívoco,
um erro.
3º) Quando estava grávida, a conversa que mais ouvia entre as
grávidas era: “Não importa o sexo, mas que venha com saúde”. A
essa altura eu me perguntava: “e se não vier com saúde? O que eu
faço? Devolvo?”.
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A forma de nomear e a
perpetuação do preconceito
Apesar de ser bastante comum utilizar a palavra síndrome de
Down para se referir a pessoas com alteração no cromossomo 21,
o termo Trissomia 21 tem ganhado espaço.
Os nomes utilizados para se referir a pessoas com esta alteração
cromossômica foram modificados ao longo do tempo.
Embora algumas pessoas acreditem que “down” da síndrome de
Down se refira o “para baixo” derivado do inglês, na verdade vem
do nome do neuropediatra que estudou alterações
cromossômicas, Dr. John Langdon Haydon Down. Como Dr. Zan
Mustacchi, médico pediatra e geneticista com grande destaque no
Brasil, nos explicou na primeira consulta da Malu, quando ela
tinha três meses de idade, Dr. John Langdon Haydon Down no
retorno de uma viagem das Índias para Inglaterra, passou pela
Mongólia e lá observou que as pessoas tinham características
físicas próximas a das pessoas com alguma deficiência e que
compunham quadros chamados de “idiotia” naquele momento
histórico. Dr. Down decidiu fazer correlações entre os mongóis e
as pessoas com características físicas parecidas com eles, ou seja,
rosto
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redondo, olhos meio fechados, cabelos bem lisos e uma linguagem
incompreensível e língua um pouco mole e grande.
O termo idiotia mongólica durou de 1866 até 1959, quando o
médico pediatra e geneticista francês Jerome Lejeune descreveu
o cariótipo da trissomia simples nas pessoas com SD. O cariótipo
humano foi descoberto em 1954 e, depois de apenas cinco anos,
em 1959, Dr. Jerome Lejeune, de posse do conhecimento e
aplicação da tecnologia, começou a fazer cariótipo das pessoas
com problemas com diagnóstico indeterminado. Então, é este
cientista que passa a usar o termo síndrome de Down para se
referir a trissomia simples, trissomia livre, referindo-se a John
Langdon Down. Conclusão: down vem do nome de uma pessoa
e não é sinônimo de baixinho ou desanimado ou para baixo. O
termo mais atual utilizado no meio científico é “Trissomia 21”.
Conversando com meu marido – que é da área de farmácia –,
ele se lembrou que quando estudou genética, na área das ciências
biológicas, a Trissomia 21, ou ainda síndrome de Down, eram
tratadas como “aberrações cromossômicas”. Numa rápida busca
na internet, encontrei uma definição que contribui para o
preconceito, pois torna natural considerar uma criança com T21
como uma aberração. Declaro que a Malu não é uma aberração!
Os autores de sites e materiais didáticos destinados ao estudo da
genética precisam analisar os termos que usam e se perguntar:
“Em que medida esta definição científica colabora para perpetuar
o preconceito com as pessoas com T21?” Um bom começo é
nomear de forma mais inclusiva, compreendendo que uma
criança com T21 não é uma aberração, é apenas diferente, num
mundo em que somos todos diferentes. A diversidade e a inclusão
precisam fazer parte da ciência que estamos construindo neste
momento histórico.
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Por que ensinar ciências depois da
Malu?
É difícil pensar uma sequência cronológica de textos para o livro.
A cada dia vão ocorrendo situações que me levam a refletir sobre
temas a partir do que tenho vivenciado. E a urgência de falar de
tais temas é imposta pela minha alma. Amanhã irei a uma escola
dialogar com professores de ciências sobre o ensino de ciências
na escola básica. É uma atividade que faz parte de projetos de
Centro de Ensino Integrado de Química da Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, da Universidade
de São Paulo. Estou organizando minha fala e me deparei com a
seguinte pergunta: “Por que ensinar ciências para as crianças?”.
Antes da Malu, eu escolheria exemplos para ilustrar como a
ciência e seus produtos fazem parte da vida das pessoas, seja nos
cosméticos que deixam nossa pele e cabelo bonitos; o
combustível que usamos em carros e ônibus que nos levam para
vários lugares, incluindo a escola; os medicamentos que tomamos
quando temos uma dor de cabeça; a conservação dos alimentos,
entre outros. Com a vinda da Malu, minha resposta à pergunta se
ampliou e qualificou. Por que ensinar ciências para nossas
crianças? Respostas:
Porque se tornarão pais e mães no futuro e podem vir a ter um
filho com T21. Como vão entender quando o médico disser que
precisa fazer o exame de cariótipo para confirmar? Que a
síndrome ocorre devido à mutação cromossômica? Ou ainda que
uma das possíveis causas da T21 pode estar relacionada a um erro
na divisão meiótica?
25
Quando a Malu saiu do hospital e foi para casa, o pediatra
cardíaco receitou alguns medicamentos que deveriam ser
administrados até a cirurgia. Por exemplo:
“furosemida 40 mg .................................contínuo Diluir 1
comprimido para 10 mL da água destilada e dar 1,4 mL de 12 em 12
horas”.
Sem o ensino de ciências, como saber que existe um nome
químico e um nome comercial para as substâncias? Como saber que
a furosemida é vendida como Lasix® e trata-se de um diurético?
Diluir um comprimido? Mas o comprimido é sólido! Não seria
dissolver? Por que não dar o comprimido inteiro? Sem o ensino de
ciências não se saberia que há uma dose suportável para cada massa
do indivíduo. Não saberia que a dose letal de uma substância é dada
por mg/Kg de peso corporal.
Muito bem, se pegar um comprimido de 1 mg e dissolvê-lo em
10 mL de água, é o mesmo se eu partir o comprimido ao meio e
dissolver em 5 mL de água? A cartela do medicamento que vem
com 20 comprimidos, ao invés de durar quase 10 dias, poderia
durar 20 dias e, neste caso, o gasto com o medicamento seria
menor.
A receita dizia para dar 1,4 mL da solução preparada para a
Lulu. Sem ensino de ciências como saber qual seringa comprar?
Na farmácia eram muitas opções: tinha seringa de 1 mL; 2,5 mL;
5 mL e 10 mL. Entre a seringa de 2,5 mL e 5 mL qual seria
melhor? O erro no volume seria menor usando qual seringa? Sem
o ensino de ciências não teria ideia do que fazer.
26
E por que de 12 em 12 horas? E se déssemos num intervalo
menor ou maior? O que aconteceria? Quando testam
medicamentos há uma concentração máxima terapêutica (CMT)
e uma concentração mínima eficaz (CME). No gráfico de
concentração do medicamento [ ] por tempo (t), o intervalo de
concentração plasmática entre as duas é chamado de janela
terapêutica e o tempo solicitado pelo médico era respeitando a
referida janela. Mas como saber disso sem o ensino de ciências?
Antes da cirurgia para correção cardíaca, o médico foi bem
categórico, dizendo que se ela pegasse uma gripe, poderia se
transformar em pneumonia e ela morreria. Com isso, adotamos o
hábito de utilizar álcool 70° para assepsia de nossas mãos e
esterilizar o ambiente onde ela ficava. Nessa época, ela já havia
iniciado a estimulação precoce e um dia uma das terapeutas, na
época sabendo do problema dela, assim que chegamos, começou
a passar álcool, desses de mercado, nos brinquedos.
Como saber que o grau de hidratação do álcool é um fator
importante para a atividade antimicrobiana sem ensino de
27
ciências? Após a cirurgia cardíaca recebemos a seguinte receita
com os medicamentos que deveríamos administrar em casa:
“1- Captopril 25 mg———————-contínuo
Diluir 1 comprimido para 10 mL de água destilada e dar 3,2 mL
de 8 em 8 horas (às 14h, as 22h e as 08h).
Digoxina elixir 0,05 mg/mL – ———————contínuo
Dar 0,5 mL de 12 em 12 h (as 18h e as 06h)
Furosemida 40 mg – ———————-contínuo
Diluir 1 comprimido para 10 mL da água destilada e dar 1,4 mL
de 12 em 12 horas
Hidroclorotizida 4 mg + Espirolactona 3 mg – —— – contínuo
Dar 2,7 mL de 12 em 12 horas (às 12 h e as 24h).”
Sem ensino de ciências não saberia que o medicamento de
maior toxicidade (estreita janela terapêutica) era o que deveria ser
ingerido em menor volume (digoxina). Por que a especificação
das horas? O que aconteceria se eu mudasse os horários? O que
aconteceria se não agitasse as suspensões antes de administrar os
medicamentos? Quando se tratava só de um medicamento, sabia
que o que determinava os horários era a janela terapêutica. Agora,
com vários medicamentos, poderia haver interações
medicamentosas, o que poderia aumentar ou diminuir a absorção,
distribuição e eliminação dos fármacos, e assim alterar o efeito
dos medicamentos na Malu. Respeitar o tempo era importante
28
para que isso não ocorresse. Por que conhecer a fisiologia e
bioquímica de crianças com T21? A capacidade de absorção de
nutrientes é igual a de uma criança típica?
Mas por que aprender ciências mesmo?
Assim, minha resposta sobre por que ensinar ciências ganhou
força e profundidade. É impossível retroceder, imaginar uma vida
sem ciência, pelo menos para mim. Lembro que na gravidez ouvi
muitas conversas sobre o tipo de parto (normal ou cesárea), a
tendência de voltar a ter filhos em casa. Hoje fico imaginando
como teria sido ter a Malu em casa? Ela nasceu e precisou de
ajuda para respirar e estar num hospital com UTI e bem equipado
foi fundamental para que ela vivesse. Como ter uma filha pode
mexer tanto com a minha visão de ciência? De toda forma,
obrigada Maria Luísa.
29
Tabelas para avaliação do
desenvolvimento da área
de saúde e vida
Durante duas semanas as tabelas para avaliação do
desenvolvimento infantil me tiraram o sono. Na época, Luísa
estava com sete a oito meses e ainda não rolava. Com cinco meses
de idade, ela necessitou fazer uma cirurgia cardíaca de grande
porte e em razão disso, ficou sem muito movimento por uns 3
meses, por recomendação médica.
Eu a levava em sessões de fisioterapia, fonoaudiologia e
terapia ocupacional (TO). Nas sessões de TO, a profissional que
nos atendia em todos os encontros dizia: “Ela não rola, ela não
faz isso, não faz tal movimento etc.” Periodicamente, preenchia
uma tabela, que, conforme ela nos dizia, dava informações de
quais estímulos tínhamos que intensificar. O fato de
repetidamente ouvir que “ela não faz” foi me deixando muito
angustiada e com sentimento de pesar. Soube por outras mães que
quando sabiam que a tal tabela seria usada para “avaliar” seus
filhos, às vezes nem dormiam, angustiadas. Numa certa noite, me
propus a entender melhor o que eram essas tabelas que a terapeuta
usava.
30
Com o avanço da ciência e medicina, a mortalidade de bebês de
alto risco diminuiu.
Se a Malu tivesse nascido há 30 anos, as chances de ela
sobreviver com certeza seriam menores, pois nasceu com uma
doença cardíaca congênita. Ela não tinha as divisões do coração
e, com isso, o sangue com e sem oxigênio se misturavam, de
forma que o pulmão sempre estava sobrecarregado. O pediatra,
querido Dr. Aziz Elias Esper, me advertiu quando saímos da
maternidade: “Cuide para que ela não pegue uma gripe, pois pode
evoluir para pneumonia e ela vir a óbito, devido ao problema
cardíaco”.
Esperamos até o quinto mês para que ela fizesse uma cirurgia
corretiva. Na ocasião lembro que o cirurgião, Dr. Francisco
Moreira, comentou sobre a cirurgia ser complexa, mas hoje
termos mais avanços científicos que minimizavam os riscos.
Mais uma vez eu constatando na prática a importância do
desenvolvimento científico. Ela tinha dificuldade para mamar,
pois se cansava muito rápido devido ao problema cardíaco. Com
a maior chance de sobrevivência dos bebês com algum problema,
tornou-se necessário que os profissionais de saúde
desenvolvessem instrumentos para acompanhar o
desenvolvimento neuropsicomotor do recém-nascido de risco e a
investigação específica de suas condições clínicas. Estes
instrumentos permitem uma ação preventiva à medida que
permitem a detecção precoce de alguma anormalidade e
indicação de acompanhamento necessário. Conforme Vieira et
al.(2009, p.23):
No Brasil, os programas de acompanhamento (originado do inglês,
‘follow-up’) do crescimento e desenvolvimento do bebê de risco
surgiram na década de 80 por meio da iniciativa de pediatras e
neonatologistas. Dentro de um programa de follow-up a criança e
31
sua família são acompanhadas por uma equipe multi e
interdisciplinar, com objetivo de avaliar e acompanhar os diversos
aspectos da saúde da criança, deT21e as condições físicas até os
problemas cognitivos e comportamentais6. Umphred e
Eldin7abordam a avaliação como um processo contínuo de coleta e
organização de informações relevantes para planejar e implementar
um tratamento efetivo, sendo importante que os terapeutas baseiem
suas recomendações de manuseio do paciente em instrumentos
apropriados de avaliação.
Os testes e escalas de desenvolvimento possibilitam triar,
diagnosticar e estabelecer um plano de tratamento. Vieira et al.(2009) realizou um levantamento dos instrumentos de avaliação do desenvolvimento de crianças de zero a dois anos de idade e
identificou 15 instrumentos de T21 e o teste mais antigo (1947 – Teste de Gesell) até o mais recente (2000 – Avaliação NAPI). Como
disse, existem vários testes, entre os quais:
– Teste de Gesell;
– Neurobehavioral Assessment of the Preterm Infant (NAPI);
– Escala de Desenvolvimento Infantil de Bayley;
– Exame neurológico do Bebê a Termo;
– Teste de Denver e
– Gráfico do Desenvolvimento Motor de Zdanska-Brincken;
32
– Inventário Portage Operacionalizado, entre outros.
A avaliação que era realizada com a Malu seguia o inventário
Portage. Por isso, me detive a aprender um pouco mais sobre ele.
Entendi que o Inventário Portage Operacionalizado é um guia
descritivo de comportamentos de crianças na faixa etária de zero
a seis anos de idade. Foi elaborado e utilizado pela primeira vez
em 1972. O objetivo é identificar possíveis atrasos no
desenvolvimento e planejamento de intervenção no ambiente
cotidiano da criança.
O inventário Portage possui mais de 500 itens que procuram
cobrir as seguintes áreas do desenvolvimento: socialização,
cognição, linguagem, autocuidados e desenvolvimento motor e
também possui uma área de estimulação infantil, voltada a bebês
recém-nascidos até quatro meses. Duas psicólogas brasileiras,
Williams e Aiello, traduziram o instrumento para o português e o
adaptaram. Vieira et al. (1999) chamam atenção para que o guia
apresenta limitações e deve ser combinado com outras escalas de
desenvolvimento. Braz (1999), em sua dissertação de mestrado,
aindaafirma que devemos ter cautela critérios para sua utilização.
Outro instrumento que chamou minha atenção foi a Tabela
Denver, cujo objetivo também é triar, identificar em qual fase do
desenvolvimento uma criança típica ou com T21 está. A Tabela
foi desenvolvida por Willian K. Frankenburg em 1967, na
Universidade do Colorado, Denver, para ser aplicada em crianças
de até seis anos de idade.
A Tabela não é um teste de inteligência e não tem por ob jetivo
diagnosticar distúrbios de aprendizagem ou emocionais, porém,
é bastante útil para, por exemplo, a monitorização do
desenvolvimento de crianças prematuras.
33
A Escala de Denver abrange diferentes aspectos do
desenvolvimento, por exemplo:
· Pessoal-Social: implica a relação da criança com outras pessoas
e o cuidado consigo.
· Motor-adaptativo: como a criança coordena ações que ligam
olho-mão, a manipulação de objetos pequenos e solução de
problemas etc.;
· Linguagem: como a criança ouve, compreende, se comunica etc.;
· Motor-grosseiro: sentar, andar e pular etc.;
Além disso, avalia-se também qual a atenção que a criança
dedica a uma tarefa, o quanto ela é tímida, o quanto consegue
colaborar etc.
A primeira coisa que a terapeuta pergunta é a idade da criança
e, se esta nasceu antes das 40 semanas, é feito uma correção. Por
exemplo, se a criança tem um ano e 11 meses, mas nasceu de 6
meses, temos que desconsiderar três meses (que faltavam para
inteirar os nove meses de gestação). Então a idade corrigida desta
criança seria: um ano e oito meses.
A aplicação do teste de Denver é bastante prática. Os itens
avaliados são apresentados como gráficos, com um mínimo e
máximo de idade em que se espera a manifestação da ação. São
apresentadas barras em que a idade mínima esperada para uma
determinada ação ocorra é colocada no lado
esquerdo e representa o marco em que 25% das crianças típi cas
executam o item. No lado direito, coloca-se a idade máxima
esperada para uma ação e representa quando 90% de crianças
típicas realizam a ação.
Por exemplo, na figura a seguir, identificamos que para o item
“permanecer sentado sem apoio”, para crianças típicas é algo que
ocorre entre cinco e sete meses. O lado esquerdo da barra
34
simboliza 25% das crianças típicas que fazem isso com
aproximadamente cinco meses e meio e o lado direito da barra
representa 90% das crianças típicas que se sentam sem apoio até
os 7 meses.
Se o teste fosse aplicado com uma criança de oito meses que
ainda não fosse capaz de sentar sem apoio, isso poderia indicar
que haveria algum atraso comparativamente aos 90% das
crianças típicas. Porém, poderia ser uma situação de
desenvolvimento típico, que a criança estaria entre os 10% mais
tardios.
Depois de fazer a avaliação da criança usando a tabela, os
terapeutas interpretam e orientam os pais ou responsáveis para
que determinadas ações estimuladoras sejam feitas em casa.
Interpretando a tabela, 90% das crianças típicas permanecem
sentadas sem apoio perto dos sete meses. Veja, 90%... e
os 10% outros? O que isso indica? Que cada um é um! Pode mos
ter uma criança de desenvolvimento típico que demore além dos
sete meses para sentar com apoio. Isso não exime a
responsabilidade dos profissionais e pais de estimular para que
ele alcance esta marca do desenvolvimento. Mas me fez pensar
que a Maria Luísa ainda não rolar, ou mudar de posição com sete
meses não era nada tão grave. Eu acreditava que em algum
momento ela faria isso, havendo maturidade biológica, interação
social e vontade.
Eu dividia com meu esposo minha angústia e, considerando
muito a profissional que atendia minha filha, e acreditando que
35
ela era a melhor que podíamos ter, decidimos ter uma conversa
sincera com ela. A Maria Luísa foi comigo nesse dia e ficou
sentadinha no meu colo, sem emitir nenhum som.
Eu disse que entendia a importância de saber o que ela fazia e
o que precisaríamos incentivar, mas que cada um era um, que a
tabela que usavam nas terapias não comportava minha filha, nem
todas as crianças típicas seguiam esses marcos e que enfatizar o
que ela não fazia era muito ruim. Na minha opinião de mãe e
educadora, era mais interessante valorizar o que ela já fazia e
continuar incentivando, dando estímulos para o
desenvolvimento. Lembro vagamente de frases que eu disse para
a profissional à época:
– Minha filha é muito mais que uma tabela.
– A frase não é “Ela não rola”, mas ela AINDA não rola.
– Por favor, faça as avaliações que você precisa para
proporcionar os estímulos, mas, por favor, nem me diga. Isso
angustia, causa sentimento de impotência.
– Por favor, vamos diminuir nossa ansiedade, pois isso pode
atrapalhar o desenvolvimento dela.
– Temos que dar o estímulo e aguardar, sem pressa. Você
rega a grama e a deixa crescer. Se preocupar se vai crescer a grama,
não acelera este crescimento... Simples assim.
36
Fontes: https://tocupacional.wordpress.com/2011/08/31/denver-avaliao-empediatria/,
acessado em novembro de 2018 e https://tocupacional.files.wordpress. com/2010/11/digitalizar0001.jpg, acessado em novembro de 2018.
37
Referências
Bluma, S., Shearer, M., Frohman, A., Hilliard, J. Guia Portage de
Educacion Pré-Escolar: Manual de Entrenamiento. Portage,
Wisconsin: Cooperative Educacional Service Agency 12; 1978.
Braz, P.F. Estimulação precoce domiciliar: um programa de
intervenção e sua análise em bebês de risco de 0 a 6 meses
[dissertação]. São Carlos (SP): Universidade Federal de São Carlos;
1999.
Vieira, M.E.B; Ribeiro, F.V.; Formiga, C.K.M.R. Principais
instrumentos de avaliação do desenvolvimento da criança de zero a
dois anos de idade. Revista Movimenta. Vol. 2, no. 1, 1999, p.2331.
Williams, L.C.A., Aiello, A.L.R. O Inventário Portage
Operacionalizado: intervenção com famílias. 1st ed. São Paulo:
Memnon/ FAPESP; 2001.
Sites consultados:
https://tocupacional.wordpress.com/2011/08/31/denver-avaliao-
empediatria/, Acesso em: nov. 2017.
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4274767/mod_resource/conte
nt/0/instrumentos%20de%20avalia%C3%A7%C3%A3o%20do%2
0DI%200%20a%202%20anos.PDF, Acesso em: dez. 2018.
https://www.researchgate.net/publication/282643942_PRINCIPAIS_I
NSTRUMENTOS_DE_AVALIACAO_DO_DESENVOLVI-
MENTO_DA_CRIANCA_DE_ZERO_A_DOIS_ANOS_DE_IDA-
DE, Acesso em: dez. 2018.
https://tocupacional.wordpress.com/2011/08/31/denver-avaliao-
empediatria/, Acesso em: nov. 2018.
38
Alimentação, suplementação e
otimização do metabolismo
No esboço deste livro, não inclui este item. Pedi para algumas
pessoas lerem o material antes de enviar para a editora. Surgiu
como sugestão de uma das leitoras, mãe de uma criança com T21
e fundadora do grupo T21 aqui em Ribeirão Preto, uma mulher
especial, a querida Fabíola Sircilli. Ela me disse que seria
interessante que eu escrevesse sobre isso. Veja uma mensagem
de WhatsApp que trocamos na época:
[11:27, 3/2/2019] Fabíola T21: Bom dia! Muito polêmico ainda é a
questão da suplementação que vai além do zinco e algumas
vitaminas. Esta questão eu acho que cada família deve decidir, mas
é direito das famílias saberem e obrigação dos médicos
esclareceram que a T21 é uma condição que predispõe à
neurodegeneração precoce e risco altíssimo pro Alzheimer. O
primeiro pediatra da minha filha só me disse pra aceitar e amar
muito! No caso dos nossos filhos só o amor e aceitação não bastam,
cuidados específicos com a saúde são essenciais.
[11:33, 3/2/2019] Fabíola T21: Eu acho que seu livro pode ajudar
muitas famílias a realmente entenderem o que acontece, o que pode
ser feito e, minha mensagem é: tudo muito difícil e trabalhoso? SIM.
É o fim do mundo, notícia de luto em vida? NÃO. É possível
39
construir uma vida familiar saudável e com momentos de felicidade
como qualquer outra? SIM. Problema todo mundo tem, então
gostaria que nossos filhos parassem de ser vistos como luto inicial.
Se vai pra montanha ou praia, Itália ou Holanda, nada disso
interessa. São crianças que merecessem a chance de trilhar seu
próprio destino!
A mensagem da Fabíola me convenceu. Eu estava um tanto
relutante, pois acredito que a alimentação depende muito dos
hábitos e crenças da família. Apesar do tema ser polêmico,
conclui que seria importante conversar com você, leitor, sobre
isso. Nossa experiência não vale para todos e minhas crenças com
relação ao assunto são particulares e você pode concordar ou não
com elas. Cada família deve conversar com o pediatra, se
informar lendo livros e materiais sobre o assunto e aí sim formar
a sua opinião, a qual orientará sua conduta com seu filho.
As crianças com T21 possuem características fisiológicas
diferentes e isso precisa ser considerado quando cuidamos da
alimentação de nossos filhos, pois o desenvolvimento da criança
pode ser favorecido com a nutrição.
40
Fonte: http://agentediz.com.br/dr-zan-mustacchi-esclarecesobre-asindrome-
de-down/. Acesso em: fev. 2019.
Na figura acima, podemos comparar o padrão brasileiro de
alimentação do brasileiro e o padrão recomendado pelo Centro
de Estudos e Pesquisa Clínicas (CEPEC-SP) para as pessoas com
Trissomia 21. É comum a criança com T21 ter hipotonia ou
diminuição de força muscular. Isso pode fazer, por exemplo, com
que demorem mais para andar. Alimentos como ovo, berinjela e
couve-flor são importantíssimos para o sistema nervoso central.
Atualmente, estes alimentos são constantes na nutrição da Malu
e mais adiante falarei sobre os benefícios de cada um. A proposta
do CEPEC leva em conta a diferença fisiológica na T21. A
criança geralmente tem alguns problemas enzimáticos, por
exemplo, com a enzima superóxido dismutase, relacionada ao
contexto de aumento da produção de radicais livres, favorecendo
envelhecimento precoce. No primeiro ano de vida a Malu
precisou complementar zinco. Existem exames de sangue
detalhados que nos
foram solicitados pelo pediatra na época, como dosagem de
selênio, de cobre, de zinco etc. e serviram de base para que o
41
profissional recomendasse a suplementação. Quando é
necessário, além de zinco, também se recomenda suplementar
cobre. Os dois elementos estão relacionados à imunidade e ao
crescimento saudável.
Desde o início Malu mamou no peito e complementávamos
com fórmulas receitadas pelo pediatra. Como já relatei, com
cinco meses a Malu operou e, em razão de sua recuperação,
começamos a introduzir sucos e papinhas salgadas e doces com
uns sete meses. A cada três dias eu ia testando uma fruta, depois
um legume e assim por diante. Procurava variar o máximo
possível, considerando frutas de época, frutas regionais etc. Na
hora de amassar as papinhas, por recomendação da fono, usava o
garfo e não o mixer ou passar na peneira. A orientação que
tínhamos para Malu era deixar pedacinhos bem pequenos, mas
que garantissem que a bebê percebesse texturas diferentes e
pudesse exercitar um início de mastigação. Isso seria importante
para fortalecimento dos músculos faciais.
Uma das primeiras informações que encontrei e que me
surpreendeu foi que o metabolismo da minha filha era diferente
das outras crianças. Até então eu pensava que a Malu era uma
criança com o mesmo aporte físico que as outras crianças. Mas
não, embora com os mesmos direitos que os demais, seu corpinho
era diferente. Por exemplo, soube que a criança com T21 tem o
intestino mais longo que as outras crianças, por isso é comum
terem constipação, demorar para
fazer cocô. Nem todo alimento seria bom para ela, pois poderia
interferir em etapas do metabolismo, causando efeitos
indesejados. Soube, por exemplo, que pães, bolos e biscoitos a
base de farinho de trigo poderiam causar uma irritação no
intestino, causando diarreia e, com isso, nutrientes que seriam
42
absorvidos no intestino poderiam ser eliminados nas fezes e
atrapalhar de alguma forma o crescimento. As crianças com T21
tendem a ter estatura menor e, se não cuidar da alimentação,
também podem ser obesas, como qualquer pessoa.
Aprendi que o mais indicado para Malu, devido ao
metabolismo dela ser diferente, era preparar refeições um pouco
menos calóricas. Procuramos seguir a dieta proposta pelo Dr. Zan
Mustacchi na maioria dos dias. Em resumo, com relação à
nutrição da Malu, posso dizer que:
a) Evitamos tubérculos, como batata, mandioca, e outros, que são
ricos em carboidratos e pobres em fibras. Estes alimentos podem
dificultar o trânsito intestinal da criança, fazendo com que fique
muito lento. Ainda sobre tubérculos, evitamos em casa a
mandioca e derivados, como biscoitos de polvilho. São
alimentos chamados de bociogênicos, ou seja, podem atrapalhar
o funcionamento da tireoide.
b) Incluímos alimentos como salmão e sardinha (peixes de
mar), ovos, entre outros, nas refeições da Malu. Eles são ricos em
DHA, ou Ácido docosa-hexaenoico, um ácido do tipo Ômega3 e
também uma substância importante para o desenvolvimento
cognitivo que é o ARA (Ácido araquidônico), um ácido graxo da
família Ômega-6, responsável por processos inflamatórios que
ocorrem no tecido muscular. Considerando fatores ambientais,
entre os peixes de água salgada, a carne de peixe de couro é
melhor que a de peixe de escamas, além disso, quanto menor for
o tamanho do animal, melhor será sua qualidade nutricional.
Sempre que possível, compramos sardinha fresca e a preparo
de uma forma que os espinhos desintegram no cozimento. Eu
pensava que bastava comer peixe, mas nessa época pude verificar
que não. Embora na minha opinião o salmão fosse mais apetitoso,
43
descobri que a sardinha tem suas vantagens. A sardinha além de
rica em proteína, cálcio, vitamina B12 e selênio, tem mais
Ômega-3 do que o salmão.
Receita: Numa panela de pressão, coloco uma camada contendo
cebola fatiada, tomate e alho. Faço algo parecido com “uma
cama”, em cima da qual coloco a sardinha. Aí, monto mais uma
camada de cebola, tomate, alho sobre as sardinhas. Novamente
coloco uma camada de sardinha. Vou montando várias camadas
até mais ou menos ¾ da altura da panela de pressão. Coloco então
vinagre, aproximadamente três dedos da altura da panela, água
filtrada até a metade da panela (não precisa cobrir todas as
camadas montadas com a sardinha). Fecho a panela de pressão e
início o cozimento. Depois que a panela pega pressão, deixo
cozinhar uns 45 minutos. Com isso, a sardinha cozinha e os
espinhos desaparecem (devido a reação com o ácido acético do
vinagre).
44
c) A T21 ocasiona concentrações menores de zinco, folato,
vitamina A e algumas vitaminas do complexo B. Então,
incluímos o grão de bico todos os dias na dieta da Malu. Este
alimento também é rico em triptofano, que é um aminoácido
essencial para a produção da serotonina, uma substância que
faz nos sentirmos bem. É um alimento altamente calórico
(364 kcal/100 g) e, em contrapartida, possui uma quantidade
razoável de fibras. O grão-de-bico fornece 19,3% (p/p) de
proteína em 100g, quantidade esta superior à carne.
Também contém vitaminas B6 e B2 que, juntamente com os
folatos, auxiliam no bom funcionamento do sistema
nervoso, combate a irritabilidade e ainda auxiliam na
diminuição do risco de enfarte.
O grão-de-bico é fonte de ferro, zinco, fósforo, potássio,
magnésio e cálcio. A ingestão de minerais colabora para o bom
funcionamento do sistema nervoso. As fibras presentes neste
alimento ajudam com que a criança não tenha prisão de ventre e
impedem que ocorra a absorção do colesterol proveniente de
outros alimentos pelo intestino. As gorduras do grão-de-bico
contribuem para reduzir os níveis de colesterol no sangue e as
fibras presentes neste alimento impedem a absorção do colesterol
proveniente de outros alimentos pelo intestino.
Receita: Eu coloco 500 g de grãos de feijão numa tigela com
água suficiente para cobrir os grãos e sobrar uns 2 cm de água
acima. Então eu deixo de um dia para outro e no dia seguinte
cozinho os grãos na panela de pressão. Numa outra vasilha,
coloco 250 g de grão-de-bico e faço o mesmo processo. De pois
do cozimento, eu trituro o grão-de-bico no liquidificador e junto
ao feijão e tempero com cebola, alho, orégano, açafrão.
45
d) É recorrente na alimentação da Malu ovo, berinjela e
couveflor.
A colina presente na gema do ovo é muito importante para o
sistema nervoso central. Esta substância é relevante para a
formação dos neurônios, membranas celulares e nervos,
importantes para a memória e para o desenvolvimento intelectual
do ser humano. A ingestão desta substância é fundamental
principalmente na infância, quando as estruturas relacionadas à
fala e à visão estão se consolidando.
A berinjela é fonte de Vitamina C, que é um antioxidante
fundamental para o crescimento e manutenção dos tecidos,
embora a contenha em menor quantidade comparada a outros
alimentos. Além disso, possui potássio (importante para
manutenção do coração); fibras alimentares (importante para o
intestino); manganês (manutenção dos ossos e atuação na
glândula tireoide). Possui baixo teor de gorduras e calorias e
também uma substância (nicotina) que atua no cérebro e, em
baixas concentrações, proporcionam uma sensação de emoção.
Existem estudos sobre a relação de nicotina e prevenção de
doenças como Parkinson e Alzheimer.
A couve-flor ajuda fortalecer o sistema imunológico,
reduzindo o risco de acidente vascular cerebral, câncer e doenças
neurodegenerativas. Além disso, atua na manutenção de ossos,
cérebro e saúde celular, no equilíbrio de eletrólitos,
mantém os níveis de colesterol ideais e previne doenças car
diovasculares.
Compramos também bastante brócolis, couve, espinafre,
verduras e leguminosas (verde escuro), pois possuem substâncias
capazes de melhorar a concentração e a velocidade nas respostas.
Também incluímos chá verde na nutrição. Como o sabor não é
46
agradável para o paladar da Malu, nós preparamos da seguinte
forma: preparamos normalmente ½ litro de chá usando (1/2 L de
água e dois sachês de chá verde). Deixamos a água começar a
ferver, então colocamos o sachê, cobrimos a panela e desligamos
o fogão. Depois de frio, usamos esta água para preparar gelatina,
usando a gelatina incolor e sucos/polpas de frutas). Assim, ela
ingere o chá verde ao comer a gelatina. Procuramos não exagerar
a ingestão de um só alimento, variando o cardápio diário.
Procuramos variar as frutas também. Malu adora pitaya, um
fruto característico da região do pai dela (Amapá) e é ótimo para
o intestino. Dificilmente ela fica com o intestino preso, pois a
ingestão de fibras e água auxiliam bastante nesse processo.
Outras frutas semanais aqui em casa são o abacate e o melão, pois
possuem a substância luteína, que ajuda na visão. O abacate
preparo como frapê ou corto em pedacinhos pequenos e a Malu
come com garfo. Esta fruta é fonte de Vitamina A, vitamina B,
Vitamina C, Vitamina K, Vitamina E, Cálcio, Ferro, manganês,
potássio, sódio, fósforo e zinco. Abacate é tudo de bom para
nossos filhos.
Como a ingestão de vitamina C é importante para crianças com
T21, abusamos dos sucos de laranja, limão, maracujá, acerola,
caju, entre outros. A vitamina C é antioxidante e pre vine o
envelhecimento precoce, que é acelerado pela T21.
Geralmente, no prato do almoço, costumamos ralar uma
castanha-do-pará sobre a comida. Existem estudos que relatam
que a ingestão diária de pelo menos uma castanha elevam o teor
de selênio no sangue. Este elemento é importante para combater
o envelhecimento celular. Ressalto que tanto a falta como o
excesso podem trazer problemas. A ingestão de muitas castanhas
(alta concentração de selênio) pode trazer problemas como
47
fragilidade de unhas e cabelos, distúrbios gastrointestinais,
fadiga, irritação. O selênio tem a propriedade de se ligar a
proteínas em nosso corpo, dando origem a enzimas antioxidantes.
Além da castanha-do-pará, às vezes colocamos outros grãos
ralados também, como macadâmia, nozes e amêndoa.
Costumamos também usar cacau, pois é rico em triptofano,
precursor da serotonina e relevante para o desenvolvimento dos
neurônios.
Receita: Pico uma ou duas bananas em pedaços pequenos e levo
ao freezer. Depois de congelado, tiro, deixo fora da geladeira uns
20 minutos, coloco então, uma colher de cacau e misturo com a
banana usando um mixer. A mistura fica parecida com sorvete de
chocolate. A Malu adora, principalmente no calor de Ribeirão
Preto.
Vamos fazer uma listinha para mercado?
Salmão
Sardinha
Ovos
Grão de bico
Feijão
Berinjela
Couve-flor
Brócolis
Couve
Espinafre
Pitaya
Abacate
Melão
Frutas cítricas (laranja, limão etc.)
48
Castanha-do-pará Amêndoa
Macadâmia
Nozes
Yang, J. Brazil nuts and associated health benefits: A review. LWT -
Food Science and Technology, 42, 2009, 1573–1580.
SILVA, A.C. T; Cardozo, L.F.M.F.; CRUZ, B.O.; MAFRA, D. e
STOCKLER_PINTO, M.B. Nuts and Cardiovascular Disea-
ses: Focus on Brazil Nuts. Int. J. Cardiovasc. Sci.; 32(3), 2019,
274282.
49
Métodos, muitos
métodos, muitos termos,
muitas dúvidas.....
A Malu começou a fisioterapia sendo atendida por profissionais
de nosso plano de saúde. No entanto, o local era totalmente
voltado para restabelecer problemas físicos de adultos. Eu levava
de casa brinquedos, coisas coloridas que fossem mais atrativas
para Malu. Nessa época, a Malu ainda não tinha feito cirurgia
cardíaca e eu andava com ela no carro, sempre com álcool gel na
minha bolsa. Toda hora passava álcool nas mãos, pois receava
que ela adquirisse alguma gripe, que poderia evoluir para
pneumonia, que poderia levar a óbito.
50
Legenda: Malu com pouco mais de um mês, em sessão de fisioterapia com a
primeira profissional que nos atendeu, a querida Cláudia.
Com o tempo, interagindo com outras mães de crianças Down
mais velhas, que conheci por meio da Associação Síndrome de
Down de Ribeirão Preto, soube de um médico em São Paulo que
era especialista em T21. Marquei consulta e levei minha pequena
ao Dr. Zan Mustacchi. Soube então que existia um método
chamado de Bobath, que poderia oferecer bons resultados ao
desenvolvimento fisio-motor da Malu. Em Ribeirão Preto, onde
moramos, são raros os fisioterapeutas que tem a especialização
no método Bobath. No entanto, graças a Deus conseguimos
contato com uma ótima
profissional que assumiu a estimulação da Malu aos sete meses,
após ter feito a cirurgia cardíaca.
51
Legenda: Primeira consulta da Malu com o Dr. Zan Mustacchi. Primeira viagem a São Paulo, na companhia do pai e do avô Mário. Na
foto: Hugo, Dr. Zan, eu e Malu e meu pai Mário.
Com relação à estimulação fonoaudiológica, nesses dois anos
priorizamos a motricidade da Malu. Com objetivo em fortalecer
músculos da boca para permanecer com a língua dentro, aprender
a deglutir, mastigar. Por volta do um ano e oito meses, tivemos
contato com uma fono especializada no método PROMPT, que
foca principalmente na linguagem. Achei muito interessante este
método, pois em pouco tempo, minha filha começou a falar
algumas coisas: arro (para carro); ata (para tata, minha irmã);
dedé (tio zé) etc.
Um outro método que me sugeriram, mas preferi continuar
com os métodos que já utilizava, foi o Padovan. Como não sou
da área de saúde, para que o leitor tenha uma ideia do que aborda
cada método, coloco a seguir, algumas informações. Reforço que
é fundamental que cada criança seja avaliada por profissionais da
saúde e em acordo com os pais decidam o método mais
52
conveniente. Neste livro, apenas descrevo o que julguei mais
adequado para minha filha.
MÉTODO BOBATH
O conceito deste método foi desenvolvido na década de 40 do
século passado e tem este nome devido a seu criador, o médico
Dr. Karel Bobath, e a fisioterapeuta Berta Bobath. O casal
indicava o método para pessoas que tivessem tido derrame
cerebral e crianças com paralisia cerebral. O método Bobath
permite a abordagem de um problema num contexto
interdisciplinar e traz inovação no campo da fisioterapia por
possibilitar novos entendimentos sobre movimento e controle de
movimento. Atualmente, o conceito neuroevolutivo do Bobath
tem se modificado, por meio de estudos desenvolvidos com
crianças jovens e bebês em vários países.
O método Bobath objetiva melhorar a função motora e tornar
o tônus da criança normal por meio da integração de padrões
posturais primitivos. A partir dos estímulos de transferência de
peso, com exercícios sobre a bola, rolos etc., a criança pode
desenvolver melhor o controle proprioceptivo e noção espacial.
Quanto mais cedo a criança começar a ser estimulada com o
método, melhores serão os resultados.
Conforme notava nas sessões da Malu, a fisioterapeuta
incentivava que ela passasse de uma postura para outra
brincando. Por exemplo, a Malu estava sentada, algum brinquedo
era colocado num lugar alto, ela teria que ficar de pé para pegar.
Considerando todo movimento, ao passar da postura “sentada”
53
para “em pé” envolvia equilíbrio do tronco, posicionar uma perna
na frente da outra para subir num degrau de madeira que era
colocado como desafio, transferência de peso nas perninhas, tudo
de forma integrada. Todos os movimentos eram contextualizados
em momentos de brincadeiras. Não percebia o caráter exaustivo
de repetição. Com minha filha este método foi muito bom.
Site sobre método Bobath, para quem quiser aprofundar a leitura:
http://fisioterapia.com/metodo-bobath/
MÉTODO PADOVAN
Este método foi criado por Beatriz Neves, uma fonoaudióloga
brasileira e envolve reorganização neurofuncional. O método
procura recapitular/reproduzir as fases do desenvolvimento
neurológico do ser humano, de forma a habilitar ou reabilitar o
sistema nervoso.
Uma terapia clássica de Reorganização Neurofuncional, recapitula
os movimentos neuroevolutivos do sistema de locomoção e
verticalização do ser humano, os movimentos neuroevolutivos do
sistema
oral que leva ao domínio da musculatura da fala, dos movimentos
neuroevolutivos do sistema ligado ao uso das mãos e sua riqueza de
articulações, e dos movimentos neuroevolutivos dos olhos com sua
organização muscular complexa (Nascimento, 2015).
O Método Padovan auxilia o indivíduo a recapitular o
processo de aquisição de funções básicas como andar, falar,
54
pensar de maneira articulada, e impulsiona o amadurecimento
sistema nervosos central. É comum nas sessões com este método
que as crianças sejam colocadas para rolar, engatinhar e assim por
diante. A ideia é reproduzir exercícios corporais que são típicos
na aquisição da marcha humana, de T21 e as posições horizontais
no chão, até a posição vertical.
Pode-se recorrer ao método sempre que o indivíduo esteja com
problemas de desenvolvimento motor, fala, linguagem,
aprendizagem ou atraso neuropsicomotor; ou ainda, como forma
de manutenção e melhora na memória, criatividade e realização
de práticas esportivas. Este método também pode ser aplicado
com idades variadas e é recomendado para situações de distúrbios
motores, tais como paralisia cerebral, descoordenação motora
global e fina, dispraxias etc. Além disso, aplica-se a distúrbios de
fala e linguagem; distúrbios neuromotores e síndromes, como
Parkinson, Alzheimer, Down, entre outras; distúrbios
neuropsiquiátricos e em pacientes em Unidade de Terapia
Intensiva (UTI).
NASCIMENTO, Vitor Hugo Medeiros do. Fisioterapia – Método
Padovan. Publicado em 17 de dezembro de 2015. Disponível
em https://mieloblog.com.br/fisioterapia-metodo-padovan/, Acesso
em: nov. 2018.
MÉTODO PROMPT
Este método envolve o estímulo em certos pontos fonéticos no
rosto, boca e lábios da criança. As crianças de desenvolvimento
típico chegam numa certa idade e começam a falar naturalmente.
Para crianças com T21 ou com algum problema, como por
55
exemplo a apraxia da fala, não é tão simples planejar quais
movimentos articulatórios com a língua, lábios etc devem fazer
para que consigam falar. O prompt possui estímulos específicos
que pretende dar “pistas” sobre o caminho a seguir.
PROMPT é uma abordagem multidimensional indicada para os
distúrbios de produção da fala, que abrange não apenas os aspectos
físico-sensoriais do controle motor da fala, mas também os aspectos
cognitivo-linguísticos e socioemocionais (Giusti, 2018).
Giusti, Elisabeth. Prompt: esclarecendo as principais dúvidas.
Publicado em 24 de novembro de 2018 e disponível em https://
apraxiabrasil.org/2016/01/23/prompt/. Acesso em out. de 2018.
As fonoaudiólogas habilitadas a realizar sessões com o
método Prompt às vezes recomendam a aquisição de ponteiras
vibratórias – foi o que aconteceu com a Malu. Até um
56
ano e meio, priorizamos principalmente um método clássico de
fonoterapia, que deu ênfase principalmente a motricidade. Isso
foi importante pois hoje a Malu consegue ficar com a boquinha
fechada, mastiga e engole sem engasgar. A partir de um ano e
meio, percebemos que deveríamos investir concomitantemente
em estímulo para linguagem. Nessa época tivemos contato com o
método Prompt, por meio de uma fonoaudióloga especialista no
método e em poucos meses percebemos grandes avanços na
ampliação do vocabulário da Malu.
MÉTODO DA INTEGRAÇÃO SENSORIAL
O método da Integração Sensorial (IS) foi desenvolvido em 1989
por Jean Ayres e interpreta os estímulos sensoriais do meio
ambiente, promove organização e proporciona uma resposta
adaptativa adequada.
Para Shimizu e Miranda (2012), a melhor interação da criança
com o ambiente pode modificar a estrutura, função e a química
do cérebro.
A IS envolve o tato, o sistema vestibular (SV) e o sistema
proprioceptivo (SP). Simplificadamente, o SV é responsável pela
detecção de movimentos do corpo e a manutenção do equilíbrio,
ao passo que o SP está ligado aos movimentos produzidos pelos
membros. Ou seja, a percepção das sensações recebidas nos
músculos, tendões, ligamentos e articulações. Digamos que é o
sistema que permite que fechemos os olhos e possamos saber
onde estão nossas mãos e nossos
57
pés e, ainda, possamos segurar um copo de plástico descartável e
saber exatamente com qual pressão minha mão precisa empregar
para que ele não amasse e eu possa usá-lo para beber água. A
Malu está aprendendo a tomar água no copo sozinha. No começo,
ela amassava o copo plástico; hoje, consegue segurar na pressão
adequada. E procuramos variar os copos para que ela perceba que
o vidro é diferente do plástico, e este pode ser mais rígido ou mais
mole.
Os SV e SP conectados entre si e com os outros sistemas é o
que influencia na adaptação da criança ao meio em que está
inserido (Godizik e Blume, 2010). Os autores citados concluíram
que estimulação precoce com terapia de IS possibilitou que
algumas crianças sentassem antes do tempo e tiveram ganhos
outros ganhos também, como por exemplo diminuição do reflexo
de preensão palmar (mãos mais abertas).
Precisamos proporcionar estratégias e conhecimentos para que
o bebê possa compreender os estímulos do ambiente. Essa
habilidade se desenvolve com o passar do tempo e com as
experiências vividas pela criança através da interação com o
mundo. Assim ela aprende a usar seus órgãos sensoriais e a
atribuir significado às sensações (Shimizu e Miranda, 2012).
Segundo Ayres, as sensações vão alimentando o cérebro, e se
houver um processamento sensorial adequado poderão ser
incorporadas pela criança. O método da IS beneficia
principalmente crianças com Transtorno de Processamento
Sensorial, como por exemplo, as crianças com T21, paralisia
58
cerebral, autismo e deficiência audiovisual, dentre outros,
apresentam as informações do meio ambiente e dos próprios
sentidos não organizados no cérebro, o que resulta em uma
dificuldade no processamento de informações e alterações
comportamentais e/ou emocionais (Peireira; Araújo e Braccialli,
2011). Se o ambiente for adaptado para que o sistema nervoso
central reconheça e compreenda, pode facilitar com que consiga
oferecer reações adequadas.
Referências
Godizik, B; Silva, P.A; Blume, L.B. Aquisição do sentar independente
na Síndrome de Down utilizando o balanço. Fisioterapia
Movimento, Curitiba, v. 23, n. 1, p.73-81, jan. 2010.
Pereira, D.M.; Araújo, R.C.T.; Braccialli, L.M.P. Relationship analysis
between visual-motor integration ability and academic performance.
Journal of Human Growth and Development, v.21, n.3, p. 808-
817, fev. /ago. 2011.
Shimizu, V.T.; Miranda, M.C. Processamento Sensorial na criança com
TDAH: uma revisão de literatura. Rev Psicopedagogia, São Paulo,
v.29, n. 89, p. 256-268. 2012.
59
Orientações de Karla
Cattarin Marcos, com
formação em Conceito Bobath
No início da nossa trajetória com a Malu, as dicas das
profissionais que nos atendiam foram muito valiosas. Abaixo
compartilho as orientações da fisioterapeuta Karla Cattarin
Marcos, quando a Malu estava com uns sete meses
aproximadamente.
Essas orientações devem ser colocadas em prática nas AVD’s
(atividades de vida diária) do bebê e inseridas na rotina familiar
de maneira gradual, à medida que os pais e familiares se sintam
confortáveis e seguros para realizarem os manuseios. Precisamos
lembrar que o bebê está em fase de descoberta e todo estímulo ou
movimento é algo novo a ser vivenciado. Portanto, essa
experiência deve ser realizada com cautela e durante pequenos
períodos de duração, respeitando as condições físicas do bebê.
* Posicionamento das pernas com auxílio de “faixa em
oito” ou calça com pernas unidas, a fim de evitar a abertura
exacerbada das pernas do bebê. Em um primeiro momento
esse recurso deve ser utilizado durante um período longo de
sono (durante a noite) e devemos lembrar que o objetivo não é
contenção e sim restrição de um movimento de abertura extremo,
portanto, as pernas não devem ficar juntas, apenas posicionadas
respeitando a largura da bacia e evitando a “postura de sapinho”.
* Estímulos sensoriais são importantíssimos. Em dias
quentes, deixe o bebê com o mínimo possível de roupa, sempre
que possível sem meias e sapato, para que possa perceber,
explorar e sentir melhor o contato de tecidos e as diferentes
texturas da superfície em que se encontra. Também podemos usar
diferentes tecidos para que ele vivencie o toque de maneiras
variadas.
* Durante as trocas de roupa deixe as mãos do bebê livres
para que sinta o deslizar pela fibra dos tecidos. Aproveite esse
momento e, segurando pelo quadril dele, leve seu corpo para a
lateral enquanto for retirando sua roupinha, repetindo esse
movimento do lado esquerdo para o direito (lentamente,
esperando que sua musculatura e seus receptores articulares
interpretem e respondam a mudança de posição). A lateralidade
é uma postura importante para seu desenvolvimento e ajuda na
consciência corporal, preparando para rolar.
* Aproveitem a hora de pegar o bebê no colo para realizar
movimentos rotacionais, sempre com muita cautela e de maneira
bem lenta, sem movimentos bruscos, mas oferecendo para ele
essa primeira experiência do rolar e também de consciência
corporal e noção espacial do seu corpo em relação ao meio e a
ação gravitacional. Na hora de colocá-lo na cama ou no berço,
pode se fazer a aproximação dele em
61
decúbito ventral (barriga para baixo) e deixar com que toque com
as mãos a superfície (desenvolvendo a noção de metria-
distância). Então, o lateralize e o vire de decúbito dorsal (barriga
para cima).
* Quando o bebê estiver no colo, dê preferência para segurá-
lo de frente com os braços unidos na linha média. Além de ser
uma posição simétrica que irá propiciar uma melhor organização
do bebê, permite que ele centralize os braços e explore as mãos e
olhe “o mundo” de frente, recebendo bem mais estímulos visuais
e conseguindo perceber melhor o meio.
* Deixar sempre que possível o bebê deitado em supino
(barriga para cima) inclinado (15 a 30 graus), para ajudar na
“descida do peso” (todo bebê nasce com o peso do corpo mais
em tronco superior e a descida do peso acompanha o
desenvolvimento neurológico de maneira crânio/caudal).
Quando estiver deitado procure direcionar os braços em linha
média, facilitando o movimento para vencer a ação da gravidade,
deixando-o na posição mais simétrica possível, para promover
função e desenvolvimento.
* Posicionar o bebê deitado em prono (barriga para baixo) e
deixar por alguns segundos para que ele comece se organizar e
movimentar a cabeça para posições laterais e também levante a
cabeça, auxiliando assim o controle cervical e fortalecimento de
cintura escapular. Em alguns momentos usar a inclinação (para
estimular a extensão de tronco e controle cervical) e a “descida
do peso”. A inclinação pode ser uma cunha (almofada triangular
ou rolinho de posicionamento/
62
toalha colocada na região dos mamilos, abaixo das axilas,
deixando assim os braços para frente com descarga de peso em
antebraço). Se nesta postura de decúbito ventral ele elevar a pelve
(bumbum), com a mão exercer pressão para baixo, indicando
para ele a organização para que consiga se alinhar melhor para
função (elevação de tronco e controle de cervical para liberar
braços para exploração).
A família terá um papel importantíssimo no desenvolvimento
neuropsicomotor de seu filho. Seguir as orientações dos
profissionais e dar continuidade aos estímulos oferecidos durante
as terapias garantem o sucesso de seu desenvolvimento. Oferecer
um ambiente propício, cheio de oportunidades é o diferencial
para que ele consiga reproduzir na sua rotina as posturas e
movimentos vivenciados.
63
Em busca de recursos que
proporcionassem estímulo à
minha bebê
Assim que a Malu nasceu e soubemos da T21, imediatamente ela
iniciou sessões de fisioterapia, fonoaudiologia e terapia ocupacional.
Ela fez a cirurgia cardíaca com cinco meses de idade e, por
recomendação médica, suspendeu a fisioterapia por aproximadamente
três meses. As sessões de fonoaudiologia continuaram, pois eram
fundamentais para ajudar a Malu a “mamar direito”, ter a sucção
apropriada e não perder o leito materno. Devido ao problema cardíaco,
a Malu não conseguia mamar mais que 20 minutos no peito, e como o
bico do meu seio era pequeno, foi necessário usar um bico de silicone,
que era mais proeminente, entrava na boca dela, tocava e isso era
estímulo para ela sugar. As sessões de terapia ocupacional também
continuaram e em casa os estímulos eram contínuos. Descrevo a
seguir os recursos que usamos com a Malu.
64
Do nascimento até os 5 meses
1- Figuras em branco e preto (estímulo visual)
Tinha uma imagem de um menino impressa em branco e preto,
parecida com a que está à esquerda, que eu posicionava na frente
dela, na altura dos olhos, deixava a Malu olhar e mudava então
de posição, para ver se ela acompanhava com os olhinhos.
Tinham variações também, ou seja, imagem de uma menina (b),
listras retas (c) e com recortes (d).
a) b) c) d)
2 - Tapete de atividades e chocalhos
A Malu também deitava num tapete com um varal sobre ela
com objetos coloridos pendurados. Dava referência para
chocalhos coloridos e sonoros. A intenção/meta é que com o
tempo, ela movesse as mãozinhas para pegar os objetos. Às vezes
colocava deitada e fazia barulho com o chocalho em uma das
orelhas e esperava que ela se virasse na direção do som.
65
Malu em seu tapete de atividades, com aproximadamente três meses.
3 - Caixa das sensações
Era uma caixa de sapato encapada com veludo vermelho e
dentro coloquei diferentes materiais: espuma, esponja de lavar
louça (lado fofo, lado áspero), lixa de unha, escova de dente,
escova de cabelo com cerdas macias, algodão, assobio, língua de
sogra. O corpo da Malu precisava ser estimulado com diferentes
texturas e essa era a finalidade da caixa das sensações. Pegava o
lado áspero da esponja de pia e passava no pezinho, nas mãos,
rosto, barriga etc. Repetia isso com os diferentes materiais (macios,
ásperos, etc). A caixa também tinha uns dados luminosos. Eu
ligava o dado e mostrava para ela. A seguir mudava o dado (luz)
de posição. A foto abaixo é da Malu numa sessão de terapia
ocupacional com uns quatro meses. No canto inferior esquerdo está
a caixa das sensações que eu levava nas sessões e usava em casa.
66
4 - Pulseira e meia sonoras
Estes acessórios (duas pulseiras e um par de meias ) tinham
um chocalho e, conforme a Malu se movia, os acessórios
emitiam sons que poderia despertar sua atenção. Eu comprei
por sugestão da terapeuta ocupacional na época via internet.
Fonte:
https://www.google.com.br/search?biw=1252&bih=600&tbm=shop&ei=axMlXKz3A8OHwg SXhqOQAw&q=pulseira+com+choca-
lho+beb%C3%AA&oq=pulseira+com+chocalho+beb%C3%AA&gs_l=psy- -ab.3...27431.34446.0.35287.22.17.4.0.0.0.240.2654.0j9j5.14.0....0...1c.1.64.
psyab..8.1.200...33i10k1.0.HLhwT7dON5k#spd=380045142443909263
5 - Porta mamadeira colorido de crochê
67
Por sugestão da terapeuta ocupacional, começamos a usar um
porta mamadeira de crochê bem colorido cada vez que íamos
oferecer leite em mamadeira para Malu.
6 - Bacia com polímero de hidrogel usado para reter a
umidade do solo.
Comprei polímeros de hidrogel usados para reter umidade em
vasos com plantas, coloquei numa bacia. Então coloquei água e
esperei o polímero absorver. As pequenas bolinhas de polímero
intumescem por absorverem a umidade e ficam com aspecto
gelatinoso. Colocava então o pezinho da Malu na bacia, e as
mãozinhas também, tomando cuidado para que não colocasse na
boca. Com isso ela tinha a sensação do frio e do gelatinoso.
7 - Arroz tingido de diferentes cores
Ainda na linha de conhecer diferentes texturas, tingi de
variadas cores porções de arroz, usando corante alimentício. A
preparação é muito fácil com corante alimentar líquido.
Primeiramente, lavei o arroz com água e iniciei a fervura dele
numa água já com o corante. Desliguei a panela e escorri a água
numa peneira.
68
Lavei o arroz colorido com água gelada e depois coloquei para
secar sobre papel absorvente. Outra alternativa é usar papel
crepom colorido.
8 – Tapete com texturas diferentes
Um tapete grande em tecido comum, da cor que preferir, e colado
nele materiais de diferentes texturas (papel, plástico, papel alumínio,
cortiça, um trecho com areia colada, pedras, bexigas pequenas
preenchidas com água, bolinhas de tecido pregadas, botões...). Tudo
bem colorido! A seguir, duas imagens ilustrativas para inspirar o
leitor. No tapete da esquerda há uma lixa amarela, esponjas azuis,
rosas e branca, telinha bem macia, tapete de EVA e pedras. Existem
outros formatos e a confecção vai depender da criatividade dos pais.
Para estas confecções, minha irmã Ana Cláudia Gonçalves de Abreu,
muito talentosa com artesanato, foi peça-chave.
a) b) Fonte das imagens: https://br.pinterest.com/pin/108297566019555738/, e b)
https://www.peuteractiviteitenweb.com/a-44718052/ vaardigheden-en-ontwikkeling/blotevoetenpad-12-ideeen/
69
A ideia é colocar a criança de bruços para tocar com
engatinhadas em diferentes terrenos.
9 - Cubo de jogos pedagógicos
Também usávamos o cubo sensorial, confeccionado com
veludo e contendo em cada face materiais de textura diferentes
(lixa, algodão, botão de roupa, papelão, plástico, EVA e até um
zíper de roupa). Na época eu usava muitas dicas do blog de uma
terapeuta ocupacional, a Johanna Cordeiro Melo Franca, que é
especialista em Conceito Neuroevolutivo
Bobath Infantil
(http://johannaterapeutaocupacional.blogspot.com/2012/08/dica
s-de-atividades-tateis.html).
Em termos de estimulação com a fonoaudióloga, nossa
preocupação inicial era fortalecer a musculatura para que não tivesse
escape de líquido (leite ou água) quando usava a mamadeira.
Lembro que a fonoaudióloga colocava uma luva e introduzia o dedo
indicador no céu da boca da Malu. Pequenininha, ela imediatamente
começava a sugar. Depois, quando começamos a introduzir frutinhas
e papinhas de legumes, a recomendação era sempre deixar pedaços
pequenos na comida para que a Malu fosse estimulada a mastigar.
Uma papinha lisa, sem pedacinhos pequenos de alimentos não
proporcionaria o estímulo necessário para mastigação, o que era
crucial para fortalecimento dos músculos que mais tarde seriam
necessários para desenvolvimento da linguagem.
Como a Malu ainda não tinha dentes, por volta dos oito meses,
também colocávamos pedacinhos de maçã embrulhados numa
gaze nos cantos da boca dela (bochecha direita e bochecha
esquerda). Deixávamos a Malu mastigar, como estava na gaze,
não corria o risco dela engasgar com os pedaços de maça. Esse
procedimento estimulava o exercício com as mandíbulas.
Um ano e seis meses
1 - Álbum de histórias com as situações do cotidiano da Malu
70
Comprei papéis cartão coloridos. Recortei em vários
retângulos. Fotografei Malu em diversas atividades ao longo do
dia, por exemplo, Malu acordando, escovando os dentes, dando
bom dia para priminha Magiu, comendo, brincando com a Lina
(cachorra) etc. Então, em cada cartão coloquei uma única foto e
cuidei para que a sequência fosse fiel ao dia a dia dela. Também
coloquei imagens prontas – e com escrito algumas vezes. Por
exemplo, para representar que a Malu acordou, coloquei uma
menininha despertando na cama, atrás uma janela e o sol
nascendo. Depois vem a hora de escovar os dentes. Além da foto
dela escovando seus dentinhos com a ajuda do pai, coloquei a
imagem de uma escova de dente e escrevi “ESCOVA”.
Ficou muito barato confeccionar o álbum. Depois de ter
colado as fotos no papel cartão e anotado com canetinha bem
chamativa levei para colocar em formato espiral. Os álbuns
ficaram como livrinhos e a Malu adorou folhear e isso foi
importante até para estimular a fala. Algumas fotos ela
expressava querer falar alguma coisa, fazer algum comentário e
nós incentivávamos, perguntando: “É mesmo filha? Nossa!
Como foi mesmo?”
Embora tenha ouvido o comentário segundo o qual se
recomenda colocar poucas fotos para facilitar e não confundir a
criança, contrariei a recomendação, pois todas as fotos que
coloquei fazem parte do dia a dia dela – acredito
que vendo-as repetidas vezes favoreceria estabelecer nexos e
associações. Então cada álbum tinha aproximadamente 15 fotos.
Além do álbum de histórias também elaborei mais quatro
álbuns de categorias:
a) com os membros da família (fotos dela com cada tio, tia,
prima, bisa, pais etc);
71
b) com as frutas prediletas da Malu (banana, pitaya, manga,
uva, kiwi, morango);
c) com os animais mais conhecidos (cachorro, gato, galinha
etc)
d) com os brinquedos prediletos (motoca, piscina, balanço
etc).
Acredito que isso seja importante para que a criança comece
a perceber que o mundo pode ser organizado de forma a
reconhecer características dos objetos. Aos poucos ia
favorecendo a construção de nexos. Por exemplo: no álbum de
brinquedos prediletos quando via água na piscina, lembrava com
ela que também tinha água no banho, e que tinha também a água
que ela gostava de beber.
Os álbuns temáticos são recursos para desenvolver a
linguagem. Tive contato com este recurso por meio da fono que
nos atendia na época e também por meio da Associação Síndrome
de Down de Ribeirão Preto (RibDown). A associação desenvolve
seus trabalhos a partir do Projeto Roma, proposto por Miguel
Melero, um educador espanhol. A base do Projeto Roma é
desenvolver autonomia e autoconfiança nas crianças
aproveitando todo e qualquer contexto para educar.
2 - Painéis para fotos com a rotina
Num tecido grosso, ou mesmo papelão ou plástico, pode-se
colar algumas fotos conforme o que estiver ensinando. Por
exemplo, por volta dos oito meses, montei um cartaz para Malu
com fotos das pessoas que faziam parte da vida dela naquele
momento. Lembro que tinha foto da fisioterapeuta Karla, da Isa
(fonoaudióloga) e também da Renata, a terapeuta ocupacional.
Antes de sair para as sessões eu mostrava para Malu e dizia:
“Filha? Estamos indo na tia Karla, tudo bem?” Depois com um
ano, a Malu foi para escola e ampliei o painel com fotos dos
72
amiguinhos mais chegados da escola e a foto da professora.
Acredito que isso tenha ajudado de alguma forma a Malu se situar
e antecipar situações. Por exemplo, ao ver a foto da tia Renata, já
poderia deduzir que estávamos indo “brincar” na clínica. Ao ver
a foto da professora, já poderia antecipar que estávamos indo para
escola. Existe a opção de confeccionar álbuns também.
Detalharei isso num outro item.
3 - Animais de feltro com velcro para aprender nome dos
animais e incentivar posturas altas
Diferentes animais são confeccionados em feltro: cavalo, gato,
cachorro, ovelha, leão, jacaré etc. Na parte de trás ou lateral dos
animais tem velcro, o que possibilita que sejam fixados num
painel de papelão, coberto com veludo com pedaços de feltro
colados. Isso ajuda a criança a se inteirar de diferentes animais.
Colabora na associação.
Associamos esse painel com o incentivo de posturas e em pé.
O painel era colocado sempre numa altura que a Malu teria que
estar de pé para pegar. Nessa mesma linha, foi recomendado pela
fisio que colocássemos os brinquedos ou tudo que pudesse
interessar a ela numa altura que ela tivesse que ficar em pé para
alcançar – e fizemos isso. Nas sessões de fisioterapia, a Karla
tinha umas ventosas que eram fixadas num espelho. Para
alcançar, a Malu tinha que sair da postura sentada para postura
em pé.
4 – Brincar de faz de conta
Esta atividade permite que a criança comece a compreender
os papéis desempenhados pelos indivíduos na sociedade e
exercite a criatividade, imaginação e a linguagem. Brincávamos
com a Malu de diversas formas: ela tinha uma bonequinha que
73
adorava e chamava Ritinha. Nós vestíamos a Ritinha, ela ninava
a boneca, eu incentivava a pôr para dormir na caminha etc.
Sempre conversando com a Malu e brincando de faz de conta e,
nesses momentos, ela manifestava suas preferências, emitia sons,
palavras rudimentares. Também tinha alguns animais e
brincávamos de fazenda. O cavalo vinha fazendo “pocotó,
pocotó” e chamava o porco para brincar. Então chegava o
fazendeiro e dava banho nos dois e levava para casinha. Toda
história encenada com gestos e palavras.
No faz de conta dávamos banho na Ritinha, lavando cabelo,
nariz, barriga (partes do corpo). Colocava sabonete na mãozinha
da Malu e ela ia dando banho na Ritinha.
5 – Reconhecer possíveis associações
A Malu sabia o que era água de tomar no copo. Na piscina da
casa dos avós havia uma mini-cachoeira artificial. Levávamos
Malu até lá, colocavámos a mãozinha dela na água, sempre
reforçando: “É água filha!”. Então agora sabia que tinha água de
beber e na piscina da casa. Depois viajamos para o interior do
estado do Amapá e Malu pôde conhecer vários rios: Araguari,
Amapari, Matapi, Amazonas, entre outros. Nessa viagem, num
dos trechos da Floresta Amazônica, a cada rio que entrávamos,
diziamos a Malu: “Filha? Olha a água!” Além disso ela já
conhecia, agora sabia que no rio também tinha água. No carro,
quando tínhamos sede, recorríamos a garrafinhas de água
mineral, sempre lembrando e associando. Não sei até que ponto
a Malu assimilou, mas pelo cohecimento da teoria de Vygotsky
sobre a variação de contextos e experiências ser importante para
estabelecimento de nexos conceituais, fazemos isso até hoje. No
item que relato sobre a confecção dos álbuns de categorias e
objetos, a água foi um dos temas. O álbum tinha fotos dela em
74
que a água aparecia em diferentes contextos (no copo, na piscina,
no rio etc).
6 – O banho: momento de limpeza e aprendizagem
Já relatei os banhos na Ritinha e agora vou relatar outra
brincadeira que fazíamos. A avó providenciou uma bacia azul de
quase 1m de diâmetro de uns 30 cm de altura e esta era a banheira
da Malu. Após colocar água até quase o umbigo da Malu, inseria
na banheira alguns objetos como bichinhos de borracha de
diferentes cores, os quais flutuavam, os frascos de xampu e
condicionador (afundavam), o pente (flutuava). Ela ficava
bricando e percebia que uns afundavam – e ela queria trazer para
superfície – e outros flutuavam.
7 - Brincar na areia
A Malu frequentou uma escola no Amapá muito preocupada
com o desenvolvimento piscomotor dos bebês. Toda semana a
professora levava para brincar na areia. Além da estimulação
sensorial, a criatividade também aparecia. Malu fazia montinhos
de areia, é às vezes só dispersava a areia.
8 - Em cima e embaixo
O avó Mário confeccionou uma mesa e banco de madeira na
altura adequada para Malu. Com esse conjunto, fizemos a Malu
perceber que precisava vir sentar no banco na hora de comer. O
prato era colocado sobre a mesa e muitas vezes ela comia com as
mãos e depois pegavamos a mão dela para incentivar que
comesse sozinha com talheres. Em alguns momentos, brinquedos
eram colocados em cima da mesa ou embaixo. Enquanto isso,
sempre conversávamos com a Malu. Isso é importante para
ajudar a formar a noção espacial dela.
9 - Dentro e fora
75
Uma bacia e qualquer brinquedo é suficiente. Coloca-se o
brinquedo fora da bacia e depois guarda dentro. Outra estratégia
é deixar que espalhe os brinquedos e depois ensinar ela a guardar,
mostrando dentro e enfatizando a linguagem: “Aqui!”. Isso, além
de ajudar a desenvolver a noção espacial, favorece a linguagem.
Algumas vezes ela balbuciava algo querendo dizer o “aqui”.
Malu e a querida fono Luciana Farago, no Amapá, brincando
de fazer a Peppa dormir após dar comidinha para ela.
76
Malu na Escola. Com pompons coloridos e garrafinha de água
mineral é possível aprender a guardar um objeto e ter noção de
dentro e fora.
Malu na escola, treinando a coordenação motora, com coisas
simples e baratas. A tarefa é pegar os botões e guardar dentro do
pote redondo e transparente.
77
Acompanhei as professoras preparando a atividade a seguir
para estimular a coordenação visual motora. Copos de plásticos
transparentes, pinça adaptada para criança, pompons coloridos e
fichas com imagem de copos com pompons dentro. Tarefa: olhar
a imagem, escolher os pompons da mesma cor, pegar com a pinça
e colocar no copo plástico.
Fonte: https://br.pinterest.com/pin/30610472451522659/
78
Aprendizagem,
desenvolvimento e
alfabetização: reflexões
a partir das experiências e
estudos teóricos
A questão de pesquisa a qual me dediquei no pós-doutoramento
em Educação em 2011 foi: “Como o ser humano aprende?”
Busquei a resposta me dedicando a investigar a formação
continuada de professores num grupo de estudos que se reunia
periodicamente para planejar atividades de ensino. Estudando,
pude perceber que várias teorias e autores (Piaget, Vygotsky,
Montessori, entre outros) procuraram “responder” a esta questão
de uma determinada maneira. Quando a Malu nasceu em 2016,
por um tempo a pergunta que me acompanhou foi “como a
criança com T21 aprende”? Na ocasião do nascimento dela eu me
angustiava pensando: “Preciso descobrir como ela aprende para
oportunizar situações que a favoreçam”. Eu pressupunha que
talvez ela aprendesse de uma maneira diferente das outras
crianças.
Com o passar do tempo, por meio de projetos desenvolvidos
no Centro de Ensino Integrado de Química (CEIQ) do
Departamento de Química da Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras de Ribeirão Preto pude ter o contato com outras crianças
com T21 de faixas etárias diferentes da Malu. Por muitos anos
(2008-2014) atuei como coordenadora do CEIQ, mas o público
alvo principal das ações eram jovens e adolescentes cursando o
ensino médio. Ainda eram tímidas as ações voltadas ao ensino
79
fundamental. Com nascimento da Malu, eu particularmente senti
necessidade de ampliarmos as ações relativas ao ensino de
ciências com ensino fundamental e também infantil.
Com apoio da Pró-Reitoria de Graduação da USP,
conseguimos apoio financeiro para realizar oficinas de ciências
inclusivas. Assim, em 2017 pude coordenar o projeto “Métodos
de ensino investigativo e inclusão de alunos com síndrome de
Down: um diferencial na formação do professor de química”.
Naquele momento eu ainda pressupunha que talvez fosse
diferente o processo na T21 e sentia necessidade de manter no
título a palavra “síndrome de Down”. Na época, oferecemos no
CEIQ oficinas mistas, frequentadas por 15 alunos, sendo alguns
com desenvolvimento típico e outros com T21. Tive um apoio
muito importante da RibDown, que colaborou no primeiro
momento, principalmente na formação dos monitores (alunos de
licenciatura em química) que atuariam na oficina. As psicólogas
da associação realizaram reuniões formativas com os
licenciandos em química e também comigo. Agradeço às
queridas psicólogas Luciana Stoppa e Beatriz Matos pelas
reuniões e disponibilização de textos para leitura.
Com o tempo, fui percebendo que não havia diferença no
processo. Era preciso pensar o desenvolvimento de uma
criança e ponto. A criança com T21 pode aprender como as
outras, como qualquer ser humano tem aprendizagens mais
efetivas quando são convidadas a desempenharem papel ativo nas
atividades, quando auxiliamos na construção de sentidos a partir
de sua vivência e quando há afeto. Com isso, a pergunta deixou
de ser: “Como a criança com T21 aprende?”, para “como otimizar
a aprendizagem de cada indivíduo?”, considerando que todos nós
somos diferentes e temos nossas particularidades.
80
A diversidade pode ser o motor para aprendizagem e para
construção de uma comunidade educativa democrática, a
exemplo do contexto escolar adotado no Projeto Roma, no qual a
individualidade é valorizada:
En la escuela del Proyecto Roma se empieza por respetar las
diferencias de las personas como elemento de valor y no como
segregación. Se educa en libertad, porque este valor genera la
virtud de la tolerancia y del respeto, y también en la igualdad,
porque de este segundo valor emerge, la solidaridad y la
generosidad, y con ambos valores se construye la convivencia
democrática (López e Melero, 2004).
O Projeto Roma tem como objetivo contribuir para construção
de uma nova teoria da inteligência, por meio do desenvolvimento
de competências cognitivas e metacognitivas, linguísticas,
afetivas e de autonomia em seres humanos. O referido projeto faz
a proposição de ensino por meio de investigação. Os temas são
desenvolvidos a partir dos interesses individuais e identificação
de uma situação problemática. A partir daí é levantado o que cada
um sabe sobre o problema, são estabelecidas negociações, tarefas
em grupo e individual, sistematização das etapas, conhecimentos
e posterior apresentação para o grupo (Melero, 2004).
Para Gardner (1994) que se dedicou ao estudo sobre
inteligência, não existe uma inteligência única, mas a articulação
de um conjunto de competências diversas, que daria origem às
inteligências. Este autor considera algumas “inteligências” de
acordo com a facilidade que as pessoas possuem para realizar
determinadas tarefas. Por exemplo, algumas pessoas tem
facilidade em usar palavras, seja na forma oral ou escrita
(inteligência linguística); outras têm facilidade com números e
81
medições (inteligência lógico-matemática); outras tem facilidade
em se expressar com o corpo (inteligência corporal-cinestésica);
e outras tem facilidade em perceber, discriminar, transformar
formas musicais (inteligência musical). Ainda há pessoas que
possuem facilidade de perceber o sentimento, humor, motivações
dos outros (inteligência interpessoal). Gardner ainda sugere mais
duas inteligências: a intrapessoal e a naturalista.
Numa sala de aula, geralmente uma mesma atividade é
oferecida a todos, sem considerar que os alunos são diferentes,
que aprendem por caminhos diferentes. Conhecendo as várias
inteligências, o educador pode planejar atividades que valorizem
as potencialidades que cada um possui e propicie o
desenvolvimento de outras. Bingo! Era este o caminho!
Descobrir os canais de aprendizagem de cada um,
independentemente das condições, se tinha alguma deficiência ou
não. Pensar que o mundo é diverso – e isso se reflete na escola –
torna tudo mais simples. É o que sempre digo: sou morena e a
Malu tem a T21. Eu tenho minhas preferências e ela tem as dela.
Por exemplo, o aluno que tem facilidade com as palavras,
sejam estas orais ou escritas, terá prazer em realizar atividades
como contar histórias; entrevistar, fazer quebra-cabeças de
palavras, jogos de soletração etc. O aluno que tenha dificuldade
neste aspecto terá nas atividades citadas um desafio e
oportunidade de se desenvolver.
Numa sala de aula temos alunos com os mais variados perfis.
Uns aprendem mais ouvindo o professor e colegas, outros
preferem aliar imagens ao som; outros ainda aprendem com mais
facilidade quando lhe é proposta uma atividade prática e assim
por diante.
Ao oferecer uma mesma atividade para todos os alunos,
independentemente das diferentes características de cada um,
82
surgem problemas: alguns terminam rápido e se não tem outra
atividade podem incomodar o andamento da aula; os que
demoram a terminar se sentem incapazes. Somente uma parte
consegue realizar a atividade com êxito. Pode-se dizer que as
atividades estão inadequadas para zona de desenvolvimento dos
mais rápidos e dos lentos. Segundo Vygotsky (1989, p.32):
A criança, por sua própria natureza, vai sempre ser deficiente na
sociedade adulta; sua posição desde o início dá razão para
desenvolver nele sentimentos de fraqueza, insegurança e
dificuldade. Por muitos anos a criança ainda é inadequada para a
existência independente e este desajuste e falta de conforto da
infância é a raiz do desenvolvimento. A infância é principalmente o
período de incapacidade e de compensação, ou seja, a conquista de
uma posição em relação ao todo social. No processo desta conquista,
... o organismo humano se torna uma personalidade humana. O
domínio social deste processo natural é chamado de educação.
A zona de desenvolvimento proximal é uma expressão
presente nos trabalhos de Vygotsky e compreende “a região”
entre o que uma pessoa já possui de conhecimento e o que ela
ainda pode adquirir com a ajuda do outro. Para atingir a zona de
desenvolvimento da maioria dos alunos, o ideal é variar
atividades individuais, em dupla, em grupos, atividades na sala,
no laboratório, em casa e usar recursos didáticos diversificados:
livros, jogos, filmes etc.
Estudos têm apontado que a inclusão de alunos com algum
tipo de deficiência nas escolas regulares contribui para o
desenvolvimento social e cognitivo de muitos deles, incluindo
alunos com síndrome de Down (Voivodic, 2003; Saad, 2003;
Araújo, 2006; Duarte, 2008). Na declaração de Salamanca
(1994), encontramos a seguinte passagem:
83
A Educação de alunos com necessidades educativas especiais
incorpora os princípios já comprovados de uma pedagogia saudável
da qual todas as crianças podem beneficiar, assumindo que as
diferenças humanas são normais e que a aprendizagem
deve ser adaptada às necessidades da criança, em vez de ser esta a
ter de se adaptar a concepções predeterminadas, relativamente ao
ritmo e à natureza do processo educativo.
O papel do professor nesta perspectiva de inclusão é
fundamental. Portanto, a formação de professores deve se
preocupar com a constituição de um profissional capaz de
trabalhar com diferentes situações e públicos e que possam ter
um papel fundamental nos programas de necessidades educativas
especiais. Não existe um ser humano igual ao outro. Cada um de
nós tem suas características próprias. O ser humano é produto de
sua história de vida e experiências – portanto, cada aluno é único.
No caso de alunos com algum tipo de deficiência, a escola e
professor devem estar atentos e colocarem à disposição variados
recursos pedagógicos para que estes alunos se desenvolvam e
tenham acesso ao conhecimento e, com isso, desenvolver um
modo de pensar, de memorizar, de abstrair de modo mais
complexo, preparando-o para a vida. Quando o aluno começa a
ter contato com o conhecimento das várias áreas da ciência
(química, matemática, física, português etc.), este conhecimento
tem um impacto na formação dele, que é provocado a pensar de
maneira complexa.
Tenho como pressuposto que todos podem aprender,
conforme sugerem Vygotsky e Luria (1996). As pessoas com
síndrome de Down, assim como todas as outras, podem
desenvolver talento cultural. Para isso é fundamental um bom
ensino, que, nas palavras de Rego (1999, p.107),
84
é aquele que se adianta ao desenvolvimento, ou seja, que se dirige
às funções psicológicas que estão em vias de se completarem. Essa
dimensão prospectiva do desenvolvimento psicológico é de grande
importância para a educação, pois permite a compreensão de
processos de desenvolvimento que, embora presentes no indivíduo,
necessitam da intervenção, da colaboração de parceiros mais
experientes da cultura para se consolidarem e, como consequência,
ajuda a definir o campo e as possibilidades da atuação pedagógica.
O projeto citado já está indo para o terceiro ano de realização
e mudamos o nome para “Ensino de ciências inclusivo – o CEIQ
vai às escolas”. Alguns alunos de licenciatura vão a algumas
escolas e, em parceria com os professores em exercício,
desenvolvem e adaptam recursos e estratégias que favoreçam a
aprendizagem de alunos com as mais variadas deficiências. O
grande desafio é planejar aulas que olhem a criança em um
sentido coletivo; não se trata de chamar num canto simplesmente
e mudar/adaptar recursos e estratégias. Os alunos precisam
interagir com a criança especial e esta também precisa da
interação. Nesse momento, a mediação do professor é
fundamental.
Outra experiência que me proporcionou questionar as teorias
que até então eu acreditava foi um estágio na educação infantil
que descreverei no próximo capítulo.
85
Referências
ARAÚJO, C. A. Necessidades da criança com síndrome de Down em
classe comum de escola regular particular: estudo de caso de uma
criança no município de Embu das Artes. 2006 155f. Dissertação
(Mestrado), Universidade Presbiteriana Mackenzie. São Paulo,
2006.
DUARTE, M. Síndrome de Down: Um estudo sobre Inclusão Escolar
na rede pública do ensino fundamental na cidade de
Araraquara/SP. 2003. 94 f. Dissertação (Mestrado em Educação
Escolar). Universidade Estadual Paulista, Araraquara, 2003.
GARDNER, H. Estruturas da mente: a Teoria das Múltiplas
Inteligências. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994.
LÓPEZ MELERO, M. Construyendo una escuela sin exclusiones. Un
modo de trabajar en el aula a través de proyectos de
investigación. Ed. Aljibe. Archidona, 2004.
REGO, C. T, Vygotsky: Uma perspectiva histórico-cultural da
educação. Petrópolis, RJ: Ed. Vozes, 1999.
SAAD, S. N. Preparando o caminho da inclusão: dissolvendo mitos
e preconceitos em relação à pessoas com síndrome de Down. São
Paulo: Vetor, 2003.
VOIVODIC, M. A. Inclusão escolar de crianças com síndrome de
Down. Petrópolis: Vozes, 2004.
VYGOTSKY, L. S; LURIA, A. R. Estudos sobre a história do
comportamento: o macaco, o primata e a criança. Porto Alegre:
Artmed, 1996.
86
Educação infantil: o nível de
ensino mais importante na
minha visão
Durante três meses, ao gozar de uma licença-prêmio, fui para
o Amapá, onde meu marido residia. Lá moramos numa cidade
chamada Santana. Matriculamos a Malu numa escola de
educação infantil em Macapá. Todos os dias viajávamos uns 40
minutos para levá-la até a escola. Como era distante para voltar
para Santana e depois buscar a Malu no final da tarde, comecei a
ficar na escola durante o período da tarde. Fiz amizade com as
professoras, coordenadora e diretora da escola, pessoas
fantásticas. Programamos uma oficina sobre o ensino de ciências
inclusivo, que aconteceu numa manhã de sábado. Pude discutir
com as professoras da educação infantil vários temas: por que
ensinar ciências para as crianças, educação especial e ensino de
ciências, estimulação precoce e alfabetização, entre outros. No
diálogo com as professoras pudemos discutir dificuldades que
alguns alunos de educação especial estavam tendo no processo
da alfabetização. Combinamos então que eu acompanharia
algumas aulas e ajudaria a pensar como poderíamos otimizar o
processo de aprendizagem destas crianças.
87
Comecei acompanhando uma criança de sete anos com T21
que ainda não estava alfabetizada. Assim, por algumas semanas,
frequentei a escola e acompanhei a turma desse garoto, que
chamarei de Mário.
No primeiro dia entrei na sala de aula da 2ª série do ensino
fundamental e o Mário estava de pé com um pente na mão,
“fingindo” que estava se penteando. Ele estava de pé no canto da
sala, enquanto todas as outras crianças estavam sentadas em
carteiras ou em cadeiras ao redor de uma mesinha, da altura das
crianças.
A primeira coisa que fiz foi tentar tirar o pente dele para que
tentássemos alguma atividade visando a alfabetização. Tentei
trocar o pente por um pote de tinta guache, mas não tive muito
sucesso. Mário continuou em pé, fazendo movimento com o
pente, como se estivesse penteando o cabelo. Aí a professora se
aproximou e começou a cantar. Ela descobriu que quando
cantava para ele, era mais fácil tirar o objeto da mão dele.
Ela comentou que era difícil Mário se sentar junto com as
demais crianças. Para me aproximar, me sentei no chão, junto
com ele. Pedi folhas sulfites e giz de cera para professora e
comecei minha aproximação.
– Mário? Vamos brincar de escrever?
Ele pegou o giz de cera e começou fazer movimento como se
estivesse pintando. A professora comentou que ele conhecia as
letras, mas tinha muita dificuldade de juntá-las para formar
palavras.
– Que tal começar pelo seu nome?
88
Então, numa folha sulfite, escrevi o nome dele em letras de
forma, peguei a mãozinha dele, deixando que escolhesse a cor de
lápis que preferia, e passamos o lápis por cima das letras que eu
havia escrito.
Fizemos isso muitas vezes. Ele pegava o lápis, me olhava,
trazia a mão dele para junto da minha e então contornávamos as
letras. Depois de um tempo, quando pegou o lápis, o movimento
não era mais de pintar, mas fazer linhas. Linhas que ainda não
tomavam o formato das letras, mas eram linhas e não mais
rabisco ou pintura. Considerei isso um grande avanço.
Conversando com a professora, chegamos à conclusão que um
caderno de caligrafia ajudaria muito ele praticar os formatos e
memorizar. Mais interessante ainda seria fazer a caligrafia com
imagens associadas aquela letra. Por exemplo, “A”. O que
começa com “A”? AÇAÍ, um fruto típico da região norte. Mostrar
então uma tigela com açaí para criança.
Numa folha, pode-se escrever a palavra com a imagem e
deixar espaços para criança “copiar” num primeiro momento. Por
exemplo:
UVA
_______ V ________
Uma atividade que poderia
anteceder é trabalhar as junções de letras com músicas. Por
exemplo, “olha o B, olha o A, os dois juntos formam BA”
Também pensei que preparar cartelas com as consoantes e
vogais e imagens de objetos, cujos nomes contêm as sílabas. Por
exemplo,
89
Cada cartela deve ter a consoante + vogal = sílaba Deve-se
identificar isso na cartela com a criança.
90
91
Depois ir sonorizando, por exemplo, B + A dá BA de BANANA.
B + e dá be dá besouro.
B+ i dá Bi, de Bicicleta.
B + o dá Bo, de Boi.
B+ u dá Bu, de Buraco.
E, assim, proceder para as demais palavras. Identificar o que
é coluna da consoante e a coluna da vogal. Darei mais um
exemplo para o leitor que pode providenciar uma ficha para cada
letra do alfabeto:
92
93
O ideal é pensar palavras que façam parte da rotina do aluno e
aos poucos ir ampliando o vocabulário. Existem vídeos no
Youtube que podem ser usados em casa pelos pais para auxiliar
na alfabetização, como por exemplo este:
https://www.youtube.com/watch?v=1kTMd_CtCW4, de autoria
de um professor do Distrito Federal. Neste endereço, tem a letra,
o som e o objeto.
Naquele momento, lembrei da forma de Paulo Freire de
alfabetizar. Começar pelas palavras que fazem sentido para o
indivíduo. Começar juntando letras, para formar sílabas e depois
palavras? Parecia contramão da proposta de partir de palavras,
reconhecer sílabas e letras. Não tenho certeza do que seria melhor
com Mário, mas naquele momento se mostrou mais eficiente o
primeiro caso e foi esta a opção que seguimos. Talvez não haja
uma única metodologia adequada para as crianças com T21.
Precisamos perceber o que funciona e não nos limitar as
denominações. Percebi que com aquela criança em particular
precisávamos repetir as atividades, e que precisava insistir numa
mesma atividade várias vezes. A atenção também era diferente,
pois ele prestava atenção, mas por um tempo menor em
comparação aos outros. Isso era uma informação muito
importante, pois funcionaria melhor atividades mais curtas,
respeitando o tempo dele de atenção.
94
Durante a tarde eu ficava na escola e a noite, quando a Malu
dormia, eu pesquisava e pensava em meios de colaborar para a
alfabetização do Mário. Pensei em algumas saídas, as quais
compartilho com o leitor:
a) Criar um álbum com fotos representativas das ações que ele
tinha no dia a dia. Parecido com o álbum da Malu que já descrevi
no item “Em busca de recursos que proporcionassem estímulo à
minha bebê”, dando um destaque especial para as palavras que
deveriam acompanhar as imagens.
Para o Mário era importante estar em sala de aula, interagir
com os demais colegas, porém, um reforço extra, com a família
ou mesmo com terapeuta ocupacional, poderia ser fundamental.
A repetição das atividades poderia levar à aprendizagem. Com
relação à alfabetização, poderíamos tentar um caderno de
caligrafia com imagens. Repetir inúmeras vezes o contorno das
letras. Outra sugestão seria levá-lo à lousa e fazer com que suas
mãos seguissem o contorno das letras no quadro. Repetição.
Algumas ações realizadas precocemente com a criança podem
subsidiar a alfabetização. É o que pretendo realizar com a Malu.
Por exemplo, brincar de bola, com a bola vindo de cima, de
baixo, do lado, de costas. Arremessar a bola e estimular que
segure em todas as direções. Isso poderia ajudar a direcionar o
olhar e a conectar olho e mão, que fundamentam a escrita. Eu
olho a letra e a mão tenta reproduzir igual. Brincar com bola,
melhorar a maneira como ele enxerga as coisas. Entenda-se
enxergar como perceber. Além disso, o segurar a bola exige ter
95
força nas mãos, o que também é importante para segurar o lápis
e escrever.
Mário precisava brincar de faz de conta para que percebesse
as funções sociais; no mundo imaginário, entender as ações que
ele faz no dia a dia. Perguntei à professora sobre o
brinquedo predileto. Ressaltei que precisava brincar mais de faz
de conta e ser estimulado a brincar com as outras crianças. Isso
antecede à alfabetização. Por exemplo, ele gosta de rio, então
providenciar um aquário ou uma bacia e colocar um barquinho
de papel, e imaginar: vamos colocar Mário e seus amigos no
barquinho? Aonde eles vão? Vão comer na margem do rio?
Na hora do recreio, todos se sentavam numa mesa. A
professora pegou o lanche dele e ia começar a dar. Eu perguntei
se ele não comia sozinho como as outras crianças. A professora
disse que se não desse ele não comeria. Aconselhei a incentivar
que ele comesse. Mário no início fez que não estava ligando para
seu lanche. Peguei um garfo e fingi que se ele não comesse, eu o
faria. Não demorou ele pegou o talher e começou comer sozinho.
A professora ficou surpresa e tomou consciência que não podia
fazer por ele. Era preciso enxergar a capacidade que ele tinha para
fazer. A família pode providenciar tags com as palavras que
nomeavam os alimentos que ele estava ingerindo. Por exemplo,
BOLO, QUEIJO, IOGURTE. Esses TAGS, ou escritos em letras
maiúsculas, poderiam ser providenciados para casa também. Isso
poderia ajudar na memorização e associação.
Notei também que tentavam adivinhar o que Mário queria.
Diziam, por exemplo: “Você quer isso?” e já davam. “Mário?
Xixi? Mesmo sem ele responder, levavam ao banheiro e ficavam
esperando. Tento incentivar a fala da Lulu, fazendo perguntas e
esperando a resposta. Por exemplo:
– Lulu? O que você quer?
96
Depois de um tempo, ela fala alguma coisa, que nem sempre
eu entendo. Porém, a partir disso eu continuo. Um dia ela
começou chorar e fazer birra e desconfiei que estava com sede.
Perguntei:
– O que você quer?
Ela chorava e fazia birra. Isto durou uns 15 minutos, até que ela
disse para minha pergunta:
– Ága (água).
Aí eu disse:
– Ah, sim, você quer água. E dei então o copo para ela.
Só fiz isso porque Malu já falava a palavra água e eu já sabia
que ela tinha estrutura para isso, pois já tinha falado a palavra em
outras situações. Se a criança não estiver pronta para dizer, não
seria uma prática adequada, pois estaria exigindo dela algo que
não seria possível oferecer. Uma outra fala que me marcou foi a
recomendação para não ficar fazendo perguntas o tempo todo e
sim me ocupar em narrar o mundo para Malu. Por exemplo, ao
invés de ficar perguntando: “Como chama este animal, filha?”
Dizer: “Malu, olha o cavalo!” Ao invés de perguntar: “O que
você tem na mão? Dizer: “Filha, você está segurando pão! Você
gosta de comer pão? Que delícia!”
Conversar com a criança sobre o que estamos fazendo é uma
dica interessante,: “Filha? Vamos trocar a fralda? Vamos tirar o
short, o sapato e colocar uma fralda limpa, ok? “Malu, vamos na
casa do vovô Mário?”. Também tive que pensar em situações
para proporcionar que ela participasse de escolhas no cotidiano.
Por exemplo, ao escolher uma roupa que
ela usaria para passearmos, colocava algumas opções (blusa rosa
e blusa verde) e perguntava: “Malu, qual você quer vestir?” E
dizia: “A blusa rosa ou a blusa verde”. A Malu então olhava e
97
fazia movimento de pegar a que mais lhe agradava. Hoje com
dois anos e meio, quando faço a pergunta, ela responde: “Esse”.
Como pais temos que criar situações para que nossos filhos
escolham. Não podemos por causa da Trissomia 21 escolher por
eles, pois isso é contrário ao desenvolvimento da autonomia que
pretendemos para nossos filhos. O mesmo se aplica a fala.
Precisamos educar as pessoas para fazerem perguntas para nossos
filhos. Não tem sentido eles estarem junto e perguntarem para os
pais coisas relativas a eles.
Outra dica que as profissionais que atenderam minha filha me
deram algumas vezes foi enfatizar os verbos e não os
substantivos. Por exemplo: quer, dar, coloque, aperte....
Depois da vivência reuni de forma sistemática algumas dicas
que podem contribuir para alfabetização de qualquer criança, as
quais apresento a seguir:
a) Criar um álbum com fotos representativas das ações que
a criança tem no dia a dia. Parecido com o álbum da Malu, dando
um destaque especial para as palavras que deveriam acompanhar
as imagens. O ideal é que os pais tirem fotos reais dele ao acordar,
se vestindo, tomando café etc.;
b) A escola deve ajudar a providenciar um apoio extra em
casa com a família ou mesmo com terapeuta ocupacional. É
muito importante a repetição das atividades, até que a criança
demonstre aprendizagem. Com relação à alfabetização,
poderíamos tentar um caderno de caligrafia com imagens. Repetir
inúmeras vezes o contorno das letras. Na internet, há uma
variedade de palavras pontilhadas que a criança pode passar o
lápis em cima;
c) Levar a criança até a lousa e fazer com que suas mãos
seguissem o contorno das letras no quadro. Repetição;
98
d) Brincar de bola em casa. É importante que a bola venha
de cima, de baixo, do lado, de costas. Arremessar a bola e
estimular que segure em todas as direções. Isso pode ajudar a
direcionar o olhar e ajudar conectar olho e mão, que
fundamentam a escrita. Eu olho a letra e a mão tenta reproduzir
igual. Brincar com bola, melhorar a maneira como ele enxerga as
coisas. Entenda-se enxergar como perceber. Além disso, o
segurar a bola exige ter força nas mãos, o que também é
importante para segurar o lápis e escrever.
Sugiro que os pais assistam aos vídeos indicados a seguir. São
vídeos sobre coordenação motora fina, elaborados por uma
psicopedagoga, com dicas que podem ser feitas em casa. Tratase
de algo fundamental para que se desenvolva a alfabetização e a
escrita. Trabalhar com massinha, amassar papel, rasgar papel,
pegar fios e fazer entrelaçamento, pintura com a tinta, dobradura,
etc. As atividades precisam ser lúdicas e prazerosas para criança.
O ideal é fazer algo com a criança e que isto tenha funcionalidade.
Trabalhar com as mãos é trabalhar o cognitivo.
Vídeo 1 – Dica de ouro para Coordenação Motora Fina – NeuroSaber
https://www.bing.com/videos/search?q=Dicas+de+ouro+para+Coo
rdena%c3%a7%c3%a3o+Motora+Fina-
+NeuroSaber&&view=detail&mid=18FD3E2C63F3C7944C9718
FD3E2C63F3C7944C97&&FORM=VRDGAR
Vídeo 2 – 5 dicas de como trabalhar a Coordenação Motora Fina
– NeuroSaber
https://www.bing.com/videos/search?q=Dicas+de+ouro+para+Coo
rdena%c3%a7%c3%a3o+Motora+Fina-
+NeuroSaber&&view=detail&mid=C35A81AB29122328CDDEC
99
35A81AB29122328CDDE&&FORM=VRDGAR
Vídeo 3 – Receita para fazer massinha caseira
https://www.bing.com/videos/search?q=Dicas+de+ouro+para+Coordena
%c3%a7%c3%a3o+Motora+Fina-
+NeuroSaber&&view=detail&mid=B04BB1A5830B7A283B77B04B-
B1A5830B7A283B77&rvsmid=C35A81AB29122328CDDE-
C35A81AB29122328CDDE&FORM=VDQVAP
Vídeo 4 – Dicas de atividades para crianças – fazer em casa
https://www.bing.com/videos/search?q=Dicas+de+ouro+para+Coordena
%c3%a7%c3%a3o+Motora+Fina-
+NeuroSaber&&view=detail&mid=C6BFE1ECC255BB213905C6BFE1
ECC255BB213905&rvsmid=C35A81AB29122328CDDE-
C35A81AB29122328CDDE&FORM=VDQVAP
A criança precisa brincar de faz de conta. Isso é muito
importante para que perceba as funções sociais. Ou seja, a partir
do no mundo imaginário entender as ações que ele faz no dia a
dia. É preciso criar situações para que Mário pudesse aprender a
brincar com os colegas. Numa ocasião, intermediei o empréstimo
de um robô com um dos coleguinhas dele durante uma
brincadeira em sala de aula.
Outra coisa importante para a alfabetização é fazer com que a
criança desenvolva consciência fonológica. Trabalhar a fala com
o Mário (seja em casa ou com apoio de uma fonoaudióloga) é o
100
que criaria melhores condições para alfabetização. Assim,
destaco:
– Prestar atenção ao aprendizado auditivo;
– Desenvolver atividades para reforçar a habilidade que a
criança não atingiu. Mário precisa ver uma mesma coisa em vários
contextos. Por exemplo, quando estava ensinando frutas para
minha filha, ela tinha que ver morango fruta real, morango na cesta,
morango no prato, morango sendo comido etc. Além disso, mostrar
a palavra MORANGO;
– O reforço positivo e a diversão são ingredientes
fundamentais para o sucesso do desenvolvimento Infantil;
– Promover com a criança atenção seletiva (embora já
pudesse ter sido abordado): associar os sons com um significado.
Por exemplo, escuto e produzo uma ação ou escuto e algo acontece.
Algumas atividades interessantes:
• Realizar a dança das cadeiras, dando instrução para
sentar na cadeira quando a música parar.
• Brincar de estátua com criança, também associando uma
ação ao som; ou ainda, propor, por exemplo que a criança encaixe
uma peça em algum brinquedo/caixa quando ouvir um
determinado som.
• Trabalhar também a localização sonora, para que perceba
para onde precisa levar a atenção. A seguir algumas dicas dadas
por fonos. Ex.: Buscar o som escondido.
• Vamos descobrir quem fez o barulho? As crianças em
roda com a mão para trás com um instrumento musical. Uma
criança sai da sala e as demais combinam quem fará o som. Ao
retornar, a criança ficará no meio da roda e tentará descobrir
quem fez o barulho.
101
• Onde estão os gatinhos: todas as crianças se agacham
tampando o rosto e podem acordar quais serão os gatinhos que
farão “MIAU”. A criança que estava fora da sala retorna e terá
que descobrir todos os gatinhos.
• Na educação infantil, professoras podem ficar em cantos
opostos da sala e começar a contar uma história, cada uma
falando um parágrafo ou interpretando uma personagem
diferente.
Estas atividades são importantes para todas as crianças,
independentemente de ter T21 ou não.
Como já disse, o contato com Mário me mostrou o quanto é
importante estimular a criança antes de chegar a alfabetização.
Comecei a procurar informações com terapeutas que trabalhavam
com estimulação precoce. Antes de ler e escrever, a criança
precisa perceber que as palavras são formadas por letras. A
junção das letras forma sílabas, mas estas sozinhas não
têm significado. Mesmo sem estar em idade escolar é importante
que a criança visualize palavras, na forma de Tags que podem ser
confeccionados para identificar móveis e objetos de casa e fazem
parte da rotina da criança; é importante que tenha livrinhos com
imagens e palavras associadas.
Antes de trabalhar as letras com as crianças, atividades
interessantes são:
a) Numa cartolina branca pode-se fazer círculos coloridos
pareados e incentivar que, com giz de cera, a criança ligue os
pontos. Os círculos podem dar formato a objetos e posteriormente
a letras:
102
b) Pode-se fazer as letras com círculos vazios e incentivar que a
criança pinte com os dedinhos. Com isso, vai percebendo qual o
sentido que deve seguir para escrever a letra.
Algumas atividades descritas a seguir podem ser feitas para
desenvolver a coordenação motora fina e familiarizar a criança
com as letras:
103
a) Os pais podem providenciar folhas com letras
pontilhadas (ao lado) e tinta guache de diferentes cores. Pode-se
ajudar a criança a molhar os dedinhos na tinta e passar em cima
do pontilhado.
b) Com outras folhas com letras pontilhadas pode-se fazer
massinha com farinha e corante e incentivar a criança a modelar
a massinha de forma a cobrir os pontilhados.
104
c) Outra variação para usar a folha ao lado é incentivar que
a criança faça colagens de macarrãozinho, pedacinhos de papel
usando cola e, dessa forma, preencha o pontilhado. Ou ainda a
criança pode ser incentivada a passar o dedinho sobre as letras de
seu nome e depois fazer isso com giz de cera ou caneta hidrocor.
As partes cognitiva, motora e auditiva são importantes para
que a criança adquira a escrita. Se a criança puder associar a
palavra com o que ela representa, identificar os diferentes sons
que a compõem pode favorecer o processo. Escrever exige
domínio motor, pois tem que haver postura adequada
da coluna, precisa haver pressão adequada das mãos para segurar
o lápis. Por isso, trabalhar a psicomotricidade com a criança é
relevante.
Uma atividade/brincadeira com a qual os pais podem
colaborar é fazer massinha com farinha e ajudar a criança a
amassar, criar bichinhos, figuras geométricas. Com o tempo,
pode-se apresentar palavras pontilhadas, como o nome da
criança, e incentivar que ela modele a massinha para cobrir o
pontilhado. Com massinha, ainda dá para confeccionar letras de
105
forma em tamanho grande – isso ajuda a perceber qual
movimento a mãozinha precisa fazer para rescrever, por
exemplo, a letra M. A escrita cursiva pode chegar depois, pois a
letra de forma é mais fácil para iniciar. No início, quando as
crianças são desafiadas a pensar quais letras formam uma
palavra, elas realizam a tarefa com mais facilidade quando são
apresentadas à letras de forma. Veja:
Na escrita cursiva uma letra emenda na outra, o que não
acontece quando temos letras de forma por ter um traçado
simples e isolado. O aprendizado das chamadas letras cursivas (a
mão) deve ser trabalhado com crianças alfabéticas, que já têm a
lógica do sistema de organização da escrita. Antes da
alfabetização, as crianças passam a conhecer a escrita cursiva de
forma gradual.
É muito importante que a criança tenha o seu material didático
para sala de aula e para praticar em casa. Separei alguns materiais
106
para despertar a criatividade dos pais e professores. Uma outra
dica, é fazer com que ele goste de livros, contem histórias, leiam
para ele, deixem-no visualizar as palavras e figuras. Isso pode
contribuir para que ele deseje aprender a ler.
Aproveitar os contextos é o nosso papel de pais e educadores.
Educar nosso olhar para enxergar uma criança que precisa ser
educada, e não apenas cuidada, é um grande desafio.
107
Considerações sobre
aprendizagem na T21 e o
olhar distanciado
Meus amigos(as), talvez essa seja a parte mais importante do
livro, pois consigo olhar “do alto” e “de longe” para aquilo que
aprendi e vivenciei nestes dois anos.
Sob a ótica da neurobiologia, é no cérebro que ocorre a
aprendizagem, mais especificamente no sistema nervoso central
(SNC). A estrutura e as funções do SNC preparam o caminho
para a aprendizagem. Nessa perspectiva, duas coisas são
importantes: processo químico e maturação do SNC.
Considerando a abordagem histórico-cultural, poderíamos incluir
mais um item: a interação com o ambiente e com as outras
pessoas. Aprender implica adquirir conhecimento, conservar e
conseguir evocá-lo sempre que necessário (Ohlweiler, 2016).
Por meio dos sentidos, o SNC armazena e trabalha
informações que poderão se transformar em aprendizagem. Este
processo exige que o indivíduo domine habilidades relacionadas
a funções executivas e cognitivas, como por exemplo, a atenção,
a percepção, a memória e a resolução de problemas. Isto vale para
TODO ser humano. A aprendizagem depende
108
tanto da genética quanto de experiências que a pessoa tenha ao
longo da vida. E não poderia deixar de mencionar a dependência
em relação à afetividade. O estado emocional é muito importante
para manter atenção e motivação para aprender.
De acordo com Werneck (1991) citado por Silva (2017, p. 229):
O comprometimento intelectual está relacionado a fatores
neurofisiológicos. Normalmente, o cérebro das pessoas com T21 é
menor, tem menos células nervosas (5% a 10% menos massa
cerebral) e algumas funções neuroquímicas diferentes. Isto ocorre
devido à presença do cromossomo extra, em todas as células,
inclusive as cerebrais.
Apoiado em Cunningham (2008), citado por Silva (2017,
p. 229), considera-se que:
Devido à menor quantidade de células nervosas e a diferenças nos
neurotransmissores, aprender é mais demorado para as pessoas com
T21, pois levam mais tempo para formar novas conexões sinápticas.
A autora faz questão de dizer que essa informação não deve
ser entendida por pais e educadores como determinante ou
justificativa para a não aprendizagem das crianças com T21.
Segundo Silva (2017), o que precisamos fazer é compreender o
processo de aprendizagem de cada um e a partir daí buscar,
adaptar ou desenvolver estratégias que potencializem.
Pessoas com T21 são capazes de aprender e devem receber
estímulos necessários durante toda a sua vida para, assim, seu
desenvolvimento ser sempre impulsionado (Silva, 229).
109
A inteligência e o potencial de cada um não cabem em escalas
e métricas científicas. No capítulo “Tabelas de desenvolvimento
da área de saúde e vida” trouxe um pouco desta discussão.
No meu entender de mãe educadora existe um tripé
importantíssimo para promover o desenvolvimento da criança
com T21, sendo ele:
Esquema 1. Tripé para o desenvolvimento da criança com T21,
baseado em minha experiência com Malu.
Proporcionar a estimulação precoce
desde cedo é importantíssimo, bem como matricular em escolas
regulares.
Porém, a vida da criança não pode se restringir a isso (terapias e
escola). É muito importante que tenha uma vida rica de convívio
com outras crianças também fora da escola, que frequente
museus, parques, tudo que uma criança sem a T21 teria. Apoiome
em Melero (1999) para fazer esta afirmação, pois para o autor:
110
A inteligência não se define, e sim se constrói, não sendo fixa e
constante durante toda a vida. Enfatiza que a pessoa com síndrome
de Down é muito mais que sua carga genética, é um organismo que
funciona como um todo, e a genética é só uma possibilidade. Esse
modo de funcionar como um todo pode compensar inclusive sua
carga genética, mediante processos de desenvolvimento, sempre e
quando melhoram os contextos em que a pessoa vive (familiar,
social e escolar) (Voivodic e Storer, 2002).
Como a criança com T21 tem uma rotina que inclui visitas a
clínicas, sessões de terapias e a saúde, que inspira alguns
cuidados, a tendência é ficarmos mais seletivos nas escolhas de
programas a serem feitos. É muito importante o que Voivodic e
Storer (2002, p. 36) destacam:
O bebê com SD, por necessitar de muitos cuidados, faz com que os
pais se envolvam intensamente nessa atividade. O esforço dos pais
para “vencer” a síndrome tem o aspecto positivo de mobilizá-los
para ajudar no desenvolvimento, mas é importante que isso não se
transforme numa obsessão que os impossibilite de ver a realidade.
A criança com SD, desde o início, apresenta reações mais lentas do
que as outras crianças; provavelmente isso altera sua ligação com o
ambiente. O desenvolvimento cognitivo é não somente mais lento,
mas também se processa de forma diferente. O desenvolvimento
mais lento pode ser consequência dos transtornos de aprendizagem.
À medida que a criança cresce, as diferenças mostram-se maiores,
já que as dificuldades da aprendizagem alteram o curso do
desenvolvimento.
As conquistas realizadas nos dois primeiros anos são a base da
aprendizagem posterior e dão uma matriz de aprendizagem que será
utilizada em idades mais avançadas. O trabalho de estimulação
111
precoce procura propiciar o desenvolvimento do potencial da
criança com SD. Porém, segundo Casarin (2001), embora a
estimulação tenha efeito benéfico sobre o desenvolvimento, muitas
vezes, mesmo que as habilidades sejam desenvolvidas, não há um
sujeito diferenciado que possa utilizá-las. A família, desorganizada
pela presença da SD, encontra alívio na intensa atividade de
estimulação, mas muitas vezes essa atividade pode tomar o lugar do
relacionamento afetivo e da disponibilidade da mãe em perceber e
interagir com a criança.
Ou seja, não adianta intensificar terapias e não estabelecer
vínculos e oportunidades de interação no contexto familiar,
social. Por isso, ressalto o tripé. Acho muito perigoso
qualquer discurso que enfatize apenas um dos pontos, pois poderá
haver desequilíbrio e empobrecimento de oportunidades.
Terapias são importantes sim, principalmente nos dois primeiros
anos. A escola também é importante, bem como tempo livre e
interação familiar e social. O que buscamos com a Malu é o
equilíbrio, embora às vezes seja um desafio que envolve conciliar
horários (os nossos principalmente) com nosso trabalho, as
agendas das terapeutas, as oportunidades culturais
(apresentações musicais ao lar livre, museus etc.).
No tempo que estivemos no Amapá, por dificuldades diversas
a Malu fez menos sessões de estimulação em clínicas, mas a
família muito presente e próxima possibilitou que ela, sempre
acompanhada pelo pai, por mim, a avó Socorro e avô Augusto,
nadasse em vários rios, fosse a vários aniversários de colegas,
112
fosse conhecer a Floresta Amazônica, tocasse e cheirasse diversas
flores daquela região etc. Lembro que era época de eleição (outubro
de 2018) e até em comícios eleitoreiros ela foi e gostou muito,
brincando com outras crianças amapaenses. Em Ribeirão, vamos
sempre ao parque, vamos a apresentações teatrais e musicais
voltados a idade dela, já fomos ao cinema e ela adora almoçar em
restaurantes... Puxou ao pai! E para quem pensa que todas as
atividades são pagas, engana-se. Temos em Ribeirão muitos
programas culturais gratuitos para toda família.
Procure se informar em sua cidade.
Referências
Ohlweilwer, L. Fisiologia e neuroquímica da aprendizagem. In: Rotta NT,
Ohlweiler, L, Riesgo RS. Transtornos da aprendizagem:
abordagem neurobiológica e multidisciplinar. 2ª. ed. Porto Alegre:
Artmed, 2016, p.28-42.
Cunningham, C. Síndrome de Down: uma introdução para pais e
cuidadores. 3. Ed. Porto Alegre: Artmed, 2008.
MELERO, M.L. Aprendiendo a conocer a las personas com síndrome de
Down. Málaga: Ediciones Aljibe, 1999.
SILVA, M.S. Psicopedagogia: Possibilidades de Intervenções. In:
Mustacchi, Z.; Salmona, P.; Mustacchi, R. Trissomia 21 (síndrome
de Down): nutrição, educação e saúde. São Paulo: Memmon, 2017.
VOIVODIC, M.A.; STORER, R.DE S. O desenvolvimento cognitivo
das crianças com síndrome de Down à luz das relações familiares.
Psicologia: Teoria e Prática, v.4, n.2, p. 31-40. Disponível em:
http://pepsic.bvsalud.org/pdf/ptp/v4n2/v4n2a04.pdf, acessado em
abril de 2019.
WERNECK, C. Muito prazer, eu existo! São Paulo: Memnon; 1992.
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ANEXOS Alfabeto pontilhado
Letras pontilhadas com imagens
114
Letras, palavras e imagens
Palavras, sílabas e imagens
115
116
117
118
119
120
Brincando de procurar as vogais
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PALAVRAS COM LETRAS PONTILHADAS (por
exemplo, nome da criança)
Trabalhando com números
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Este livro foi composto em Utopia Std pela
Editora Autografia e impresso em papel
offset 75 g/m².