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CEI-DPE’S ESPELHO DE CORREÇÃO DA 1ª RODADA Página - 1 Prezado(a) aluno(a), é proibida a reprodução deste material, ainda que sem fins lucrativos. O CEI possui um sistema de registro de dados que marca o material com o seu CPF ou nome de usuário. O descumprimento dessa orientação acarretará na sua exclusão do Curso. CEI-DPE’S PREPARATÓRIO PARA AS DEFENSORIAS PÚBLICAS ESTADUAIS ESPELHO DE CORREÇÃO DA 1ª RODADA

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CEI-DPE’SESPELHO DE CORREÇÃO DA 1ª RODADA

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Prezado(a) aluno(a), é proibida a reprodução deste material, ainda que sem fins lucrativos. O CEI possui um sistema de registro de dados que marca o material com o seu CPF ou nome de usuário. O descumprimento dessa orientação acarretará na sua exclusão do Curso.

CEI-DPE’SPREPARATÓRIO PARA AS DEFENSORIAS

PÚBLICAS ESTADUAIS

ESPELHO DE CORREÇÃO DA 1ª RODADA

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CORPO DOCENTE

Caio Paiva – Coordenador do Curso e professor de Processo Penal e Direitos Humanos Defensor Público Federal, especialista em ciências criminais, fundador do CEI, já foi professor dos cursos CEI-DPU, CEI-DPE/MG/RS e CEI-Jurisprudência de Tribunais Internacionais de Direitos Humanos. Editor do site www.oprocesso.com

Alexandre Mendes – Professor de Processo Civil Defensor Público Federal desde 2009. Foi servidor do Ministério Público da União (Técnico Administrativo e Analista Processual) lotado no MPF. Foi Procurador da Fazenda Nacional. É titular do 7º Ofício Cível da DPU/DF de 2ª categoria. Foi titular do 5º Ofício Previdenciário da DPU/DF. Foi Diretor da Escola Superior da Defensoria Pública da União – ESDPU de 08/01/2013 a 14/07/2014.

Aline Andrade de Castro Dias – Professora de Direito Civil e Direito Empresarial Defensora Pública do Estado do Amazonas. Ex-Delegada de Polícia Civil do Estado do Amazonas. Graduada em Direito pela Universidade Federal do Amazonas. Especialista em Direito Penal e Direito Processual Penal. Editora do site: http://embuscadamagistraturafederal.com/

André Ribeiro Giamberardino – Professor de Direito Penal e Criminologia Defensor Público do Estado do Paraná, Professor da UFPR e da UP, doutor em Direito (UFPR) e Mestre em Direito (UFPR) e Criminologia (Università di Padova). Coautor com Massimo Pavarini do livro “Teoria da Pena e Execução Penal – Uma Introdução Crítica” (Lumen Juris).

Franklyn Roger – Professor de Princípios Institucionais da Defensoria Pública Defensor Público do Estado do Rio de Janeiro, Mestre em Direito Processual pela UERJ e co-autor do livro – Princípios Institucionais da Defensoria Pública – Ed. Forense.

Fábio Schwartz – Professor de Direitos Difusos e Coletivos Defensor Público do Estado do Rio de Janeiro, Mestrando em Direito Econômico pela UCAM e autor do livro Direito do Consumidor – tópicos e controvérsias – Ed. Impetus.

Gustavo Goldzveig – Professor de Direito Constitucional, Direito Administrativo e Direito Tributário Defensor Público do Estado de São Paulo, Especialista em Direito Público, Professor de Direitos Constitucional e Direitos Humanos. Ex-membro da Comissão de Direito do Consumidor da OAB. Ex-professor da Faculdade de Direito Damásio de Jesus.

José Victor Nogueira – Professor de Direito da Criança e do Adolescente, Filosofia e Sociologia Defensor Público do Estado de São Paulo. Bacharel em Direito pela USP.

COORDENAÇÃO DO CEI

Caio Paiva - [email protected]

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QUESTÕES DISSERTATIVAS - Limite de 15 linhas.

Atenção: é obrigatória a utilização da Folha de Respostas disponibilizada na “área do aluno”. Se deseja redigir a sua resposta à mão, utilize o arquivo em formato .pdf, cuja formatação inclui as linhas para orientar melhor a escrita.

PROFESSOR: CAIO PAIVA

E-mail: [email protected]

DIREITOS HUMANOS

1. Disserte sobre a proibição do bis in idem no Direito Internacional dos Direitos Humanos, abordando, necessariamente, os seguintes questionamentos: (a) diferença entre a vedação do bis in idem na Convenção Americana de Direitos Humanos e no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, ressaltando qual instrumento normativo é mais benéfico e citando o precedente da Corte Interamericana em que tal questão foi enfrentada; (b) se a vedação do bis in idem é absoluta ou relativa, citando eventual correspondência normativa internacional, assim como o entendimento da Corte Interamericana.

RESPOSTA

A proibição do bis in idem consiste no direito do cidadão de não ser julgado novamente pelos mesmos fatos que ensejaram o julgamento anterior. Trata-se de garantia que encontra correspondência nos Tratados Internacionais de Direitos Humanos, variando apenas o seu grau de abrangência. A CADH, por exemplo, contém uma normativa mais benéfica ao cidadão do que a redação encampada pelo PIDCP, já que estabelece a proibição de o cidadão absolvido por sentença transitada em julgado vir a ser submetido a novo julgamento pelos “mesmos fatos”, ao passo que o PIDCP veda o segundo julgamento apenas pelo “mesmo crime”. Tal diferenciação foi ressaltada pela Corte Interamericana no Caso Loayza Tamayo vs. Peru (2007): reconheceu-se a violação do bis in idem pelo fato de a acusada ter sido julgada na Justiça Comum pelos mesmos fatos a que já teria sido absolvida na Justiça Militar. Quanto à extensão da vedação do bis in idem, a Corte IDH já decidiu que não se trata de uma garantia absoluta (Caso Almonacid Arellano e outros vs. Chile), o que converge com a redação do Estatuto de Roma (art. 20.3), vedando-se, pois, que se legitime a denominada “coisa julgada fraudulenta ou aparente”.

COMENTÁRIO

Questão dificílima, cuja resposta não é encontrada facilmente nos livros, ao menos de forma sistematizada, como se esperava aqui. O nível das questões de Direitos Humanos em concursos das Defensorias tem sido cada vez mais alto, exigindo do candidato um conhecimento aprofundado da matéria. Uma bibliografia

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básica da disciplina: Curso de Direitos Humanos e Processo Internacional de Direitos Humanos, ambos do professor André de Carvalho Ramos, com edições recentes, de 2015, pela Saraiva. Para estudar a jurisprudência dos Tribunais Internacionais de Direitos Humanos, também cada vez mais presente nas provas das Defensorias, espero concluir em breve o livro que estou escrevendo com o amigo e professor Thim Heemann, que conterá resumos e breves apontamentos de casos apreciados pela Comissão Interamericana, Corte Interamericana, Corte Internacional de Justiça, TPI etc.

Pois bem. Conforme já antecipado na “simulação de resposta”, a proibição do bis in idem evita o duplo julgamento pelos mesmos fatos. A diferença entre a Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH) e o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP) foi ressaltada pela Corte Interamericana no julgamento do Caso Loayza Tamayo vs. Peru (1997), em que a acusada foi novamente processada na Justiça Comum pelos mesmos fatos que ensejaram a sua absolvição na Justiça Militar, embora por outro tipo penal. Diante deste contexto, a Corte entendeu que teria havido a violação da proibição do bis in idem, já que a CADH, diversamente do PIDCP, proíbe o duplo julgamento pelos “mesmos fatos”, pouco importando que a eles seja conferida nova capitulação jurídica.

Vejamos a redação dos Tratados. O art. 84 da CADH dispõe que “O acusado absolvido por sentença transitada em julgado não poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos”. Já o art. 14.7 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP) estabelece que “Ninguém poderá ser processado ou punido por um delito pelo qual já foi absolvido ou condenado por sentença passada em julgado, em conformidade com a lei e os procedimentos penais de cada país”.

Prosseguindo, tem-se que a garantia da vedação do bis in idem não é absoluta. No Caso Almonacid Arellano e outros vs. Chile, a Corte Interamericana decidiu que “o princípio do ne bis in idem, ainda que seja um direito humano reconhecido no artigo 8.4 da Convenção Americana, não é um direito absoluto (...)”. A decisão da Corte está em conformidade – também – com o Estatuto de Roma (TPI), que admite a possibilidade do novo julgamento quando o anterior “tenha tido por objetivo subtrair o acusado à sua responsabilidade criminal por crimes da competência do Tribunal” ou “não tenha sido conduzido de forma independente ou imparcial, em conformidade com as garantias de um processo equitativo reconhecidas pelo direito internacional, ou tenha sido conduzido de uma maneira que, no caso concreto, se revele incompatível com a intenção de submeter a pessoa à ação da justiça” (art. 20.3). A Corte reconhece nestas hipóteses a ocorrência de uma “coisa julgada aparente ou fraudulenta”. Exemplo de “coisa julgada aparente ou fraudulenta” repelida pela jurisprudência dos Tribunais Superiores brasileiros é a decisão que declara extinta a punibilidade do acusado baseada em certidão de óbito falsa (HC’s 84525 e 104998 – STF; e HC 143474 – STJ).

O Caso Loayza Tamayo já foi objeto de indagação na prova oral do 26CPR (MPF). Para eventual aprofundamento, recomendo a leitura da íntegra do Caso, ao qual retornaremos noutro momento deste curso para tratar de outro tema importante: http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_33_esp.pdf

MELHORES RESPOSTAS

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CAROLINE DE OLIVEIRA SCHNEISKI

A proibição do bis in idem é regra constante tanto do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (art. 14.7) quanto da Convenção Interamericana sobre Direitos Humanos (art. 8.4). Tal regra impossibilita que uma mesma pessoa seja novamente processada por fatos em relação aos quais fora absolvida. Apesar da semelhança dos diplomas internacionais, a Corte Interamericana, quando do julgamento do Caso Loayza Tamayo versus Peru, identificou uma diferença no tratamento da proibição, pois o Pacto de 1966 impede apenas que um mesmo delito seja objeto de novo processo. A Convenção Interamericana, por sua vez, avança nesse sentido, eis que inabilita que os mesmos fatos sejam novamente processados. Isso, aliás, no entendimento da Corte Interamericana é mais benéfico ao indivíduo, conforme o caso supramencionado. Há que se fazer a ressalva, contudo, de que, assim como os demais direitos humanos, o presente também não é absoluto. A jurisprudência da Corte IDH enfatiza o caráter não absoluto da proibição do bis in idem nos casos de violação de direitos humanos, quando fica clara a intenção do Estado, ao absolver, de não cumprir com a obrigação de investigar tais violações. É o que se depreende do Caso Almonacid Arellano e outros versus Chile.

FERNANDA DE DEUS DINIZ

A proibição do bis in idem no Direito Internacional dos Direitos Humanos trata-se de princípio caracterizado pela impossibilidade de que uma pessoa seja processada/julgada duas vezes pelos mesmos fatos. Tal princípio, além de encontrar respaldo nas legislações nacionais, foi positivado no âmbito dos tratados internacionais, como podemos verificar no artigo 14.7, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, bem como no artigo 8.4, da Convenção Americana de Direitos Humanos. A diferença na abordagem do princípio, nos mencionados tratados, está no fato de que enquanto o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos aborda que ninguém será processado e julgado novamente pelo mesmo delito, a Convenção Americana de Direitos Humanos refere-se aos mesmos fatos, o que possibilita consequências mais benéficas tal como o caso Loayza Tamayo x Peru revelou. Este precedente, julgado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, expressou de forma clara como a proteção da Convenção Americana de Direitos Humanos anuncia uma proteção maior ao princípio do ne bis in idem, já que a vítima havia sido condenada e julgada por crimes distintos na justiça comum (terrorismo) e militar (traição à pátria), mas que se referiam aos mesmos fatos, o que possibilita que mencionada proteção não se restrinja somente à esfera criminal. Por fim, o Estatuto de Roma considera, nos termos do seu artigo 20.3, a proibição do bis in idem relativa, entendimento que foi seguido pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Almonacid Arelanno x Chile.

THIAGO JOSÉ RICARDO FERNANDES DA CRUZ

A proibição do bis in idem é amplamente reconhecida no Direito Internacional de Direitos Humanos. Tal fato se deve à necessidade de se garantir segurança jurídica à pessoa humana, a fim de que não seja submetida mais de uma vez à persecução Estatal em razão do mesmo fato. O instituto é previsto no art. 8.4 da Convenção Americana de Direitos Humanos e no art. 14.7 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos. A diferença do bis in idem previsto na CADH para o previsto no PIDCP reside na amplitude do

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termo utilizado, uma vez que a Convenção fala em “mesmos fatos” e o Pacto utiliza uma fórmula mais restrita, reportando-se ao “mesmo delito”. A Corte, no julgamento do caso Loayza x Peru, entendeu ser mais amplo o termo previsto na CADH e, por isso, mais benéfico à vítima. Todavia, a vedação ao bis in idem não é absoluta, mas sim relativa. Conforme entendimento da Corte, não haverá bis in idem nos casos de fraude ao juízo, permitindo que um Tribunal julgue aquele mesmo indivíduo pelo mesmo fato já julgado por Tribunal anterior, quando este tenha por objetivo subtrair o acusado de sua responsabilidade ou não tenha conduzido o processo de forma independente e parcial. Além de ser entendimento da Corte, a exceção ao ne bis in idem também é prevista no art. 20, item 3, alíneas “a” e “b” do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional.

ANA CRISTINA BORGES LANDAU

O princípio do “ne bis in idem” – cuja origem remonta a antigas regras da comon law inglesa e ganhou respaldo com o movimento iluminista francês – visa proteger, a um só tempo, a liberdade do indivíduo e a segurança jurídica da coletividade. Assim, tem por escopo proibir que um Estado imponha a um indivíduo uma dupla sanção ou um duplo processo criminal pela prática de uma mesma infração criminal.

Impulsionado pelo processo de globalização, em âmbito internacional, sua positivação deu-se em importantes tratados como no Pacto de Direitos Civis e Políticos (PIDCP), em 1966, e na Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), em 1969. Numa comparação simples, a cláusula 4 do art. 8º da CADH é mais abrangente, ampla e mais e benéfica do que a cláusula 7 do art. 14 do PIDCP, conforme restou evidenciado o entendimento da Corte IDH no julgamento do Caso Loayza Tamayo VS Peru. É que no Pacto de São José o acusado não será submetido a novo processo pelos mesmos fatos, ao passo que no PIDCP o parâmetro estabelecido foi o delito pelo qual já foi absolvido/condenado.

A vedação do bis in idem, entretanto, não é uma garantia absoluta, conforme se infere do disposto no art. 20.3 do Estatuto de Roma que expressamente admite novo julgamento preenchidos alguns requisitos ali delineados. Neste sentido foi o entendimento da Corte IDH no julgamento do caso Almonacid Arellano e outros VS Chile, que, diga-se de passagem, tem diretriz semelhante na Convenção Européia de Direitos Humanos no sentido de flexibilizar a proteção em comento.

JULIANA PEPEU

O mesmo fato não pode ser considerado duas vezes em prejuízo do mesmo agente, seja na concepção processual, material ou na execução da pena. A vedação do bis in idem está prevista na Convenção Interamericana de Direitos Humanos (art. 8.4), no Pacto de Direito Civis e Políticos (art. 14.7) e no Estatuto de Roma (art. 20). A Convenção Interamericana traz conceito mais extensivo da vedação do bis in idem, pois se refere aos mesmos fatos, enquanto que o PIDCP, faz referência aos mesmos delitos. Significa que a proteção conferida pela CIDH é mais ampla e mais benéfica à vítima, pois a diferença, de fato, existe e pode implicar em consequências práticas, como no Caso Loayza Tamayo, em que, embora os crimes apurados na jurisdição militar e juízo comum fossem distintos, o contexto partia dos mesmos fatos. A Corte Interamericana, em outras oportunidades, já se manifestou no sentido de que embora a vedação do ne bis in idem seja um direito humano, é relativa, podendo ser excepcionada, por exemplo, quando

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usada como pretexto para subtrair a responsabilidade criminal do agente pelos fatos praticados, na forma do art. 20.3, do Estatuto de Roma ou quando a decisão produzir coisa julgada fraudulenta, como a extinção da punibilidade fundada em certidão de óbito falsa, como já se manifestou o STF.

LEONARDO RUGANI VIEIRA

A vedação ao bis in idem é prevista de maneira diferente no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e na Convenção Americana de Direitos Humanos. Enquanto o art. 14.7 do Pacto determina que ninguém será processado ou punido mais de uma vez pelo mesmo delito, o art. 8.4 da Convenção estabelece que ninguém será processado ou punido mais de uma vez pelos mesmos fatos. Essa diferença, embora pareça sutil, mostra-se bastante relevante em casos concretos. Conforme decidido pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Loayza Tamayo vs. Peru, o art. 8.4 da CADH mostra-se mais benéfico para o réu penal em comparação com o art. 14.7 do PIDCP. Isso porque, não raro, um único fato pode adequar-se a diferentes tipos penais, podendo ensejar diferentes ações penais. Conforme a regra contida no PIDCP, o réu poderia sofrer, pelo mesmo fato, duas ou mais condenações, uma vez que estas versariam sobre diferentes delitos. Já de acordo com a CADH, ainda que o fato em questão se adeque a mais de um tipo penal, o réu jamais poderá sofrer mais de uma condenação. Importante ressaltar que a vedação ao bis in idem é relativa, uma vez que pode ser flexibilizada em razão de vício fundamental no primeiro processo. Assim já entendeu a Corte Interamericana de Direitos Humanos, abraçando previsão normativa do Estatuto de Roma.

MARIA CAROLINA VICTORIA RODRIGUEZ

A vedação ao bis in idem previsto na Convenção Americana de Direitos Humanos se apresenta de forma mais ampla do que a vedação ao bis in idem previsto no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos. Isto porque a Convenção Americana de Direitos Humanos veda que o acusado, absolvido por sentença transitada em julgado, seja novamente processado pelos mesmos fatos, de modo distinto do Pacto Internacional de Direitos Civil e Políticos, que proíbe ser o indivíduo processado ou punido por delito pelo qual já tenha sido absolvido ou condenado por sentença transitada em julgado. Assim, ainda que o indivíduo seja processado por delitos distintos, a Convenção garante que, em se tratando dos mesmos fatos, não pode haver novo processo. Isto foi enfrentado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Loayza Tamayo X Perú, onde se reconheceu a impossibilidade de novo processo em razão dos mesmos fatos, ainda que a capitulação do delito fosse distinta no novo julgamento. Loaya foi absolvida pela Justiça militar, sendo submetida a novo julgamento pela justiça comum, no qual foi condenada. Não se trata, entretanto, de princípio de caráter absoluto, tendo em vista que se admitem exceções, como no Tratado de Roma, no caso de coisa julgada fraudulenta e na Convenção Européia de Direitos Humanos, que permite reabertura do processo por fatos novos.

FELIPE PESTANA LOURENCINI

O princípio ne bis in idem consiste no direito da pessoa de não ser processada ou punida por um delito pelo qual já fora condenada ou absolvida por decisão transitada em julgado e está previsto em dois instrumentos normativos internacionais de proteção dos direitos humanos: art. 84 da Convenção Americana de Direitos

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Humanos (CADH); e art. 14.7 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP). Com efeito, a previsão da CADH é mais benéfica, pois impede que o acusado absolvido por sentença passada em julgado seja novamente processado pelos mesmos fatos, ao passo que o PIDCP veda novo julgamento por delito em relação ao qual tenha sido condenado ou absolvido por decisum definitivo e imutável, conclusão esta alcançada em precedente da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) – caso Loayza Tamayo versus Perú – em que o ne bis in idem foi aplicado para reconhecer que o julgamento na via ordinária pelo mesmo fato já processado na justiça militar, ainda que por crimes diversos, violaria a CADH. Por fim, ressalte-se que, no caso Almonacid Arellano e outros versus Chile, a CIDH admitiu que o princípio do ne bis in idem não tem caráter absoluto, podendo haver novo julgamento em caso de coisa julgada forjada, aparente ou fraudulenta, como prevê o art. 20.3 do Estatuto de Roma.

KARLA VIÇOSI

O princípio do ne bis in idem é amplamente reconhecido no cenário internacional. No âmbito americano, a Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969 dispõe em seu art. 8, nº 4, in verbis que: “o acusado absolvido por sentença transitada em julgado não poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos”. Por sua vez, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, importante instrumento que outorgou o caráter de princípio universal ao ne bis in idem, prevê em seu art. 14.7 que, “ninguém poderá ser processado ou punido por um delito pelo qual já foi absolvido ou condenado por sentença passada em julgado, em conformidade com a lei e com os procedimentos penais de cada país”. Diante das duas previsões é possível verificar que a vedação encontrada na CADH é mais benéfica à vítima, vez que não se restringe à duplicidade de processos criminais, mas impede também que o mesmo sujeito seja processado pelos mesmos fatos mais de uma vez. Nesse sentido, entendeu a Corte Interamericana no Caso Loazya Tamayo. Importante ressaltar que a vedação do bis in idem não é absoluta, como decidiu a Corte Interamericana no Caso Almonacid Arellano. Tal entendimento encontra correspondência no art. 20.3 do Estatuto de Roma bem como na Convenção Europeia de Direitos Humanos.

PROFESSORA: ALINE ANDRADE DE CASTRO DIAS

E-mail: [email protected]

DIREITO CIVIL E EMPRESARIAL

2. Disserte sobre o instituto da desconsideração da personalidade jurídica, diferenciando suas modalidades: desconsideração propriamente dita, inversa, indireta e expansiva e a realizada pela Administração Pública.

RESPOSTA

A ‘disregard doctrine’ não anula a personalidade jurídica, mas a desconsidera episodicamente, em respeito aos princípios da boa-fé, função social e autonomia patrimonial, diferenciando-se a desconsideração da

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despersonalização. Na desconsideração direta, os bens dos sócios são alcançados para o pagamento das dívidas da pessoa jurídica, em face do abuso de direito caracterizado pelo desvio de finalidade (teoria maior subjetiva) ou confusão patrimonial (teoria maior objetiva), nos termos do art. 50 do CCB. O art. 28, §5º, do CDC adotou a teoria menor, bastando o obstáculo ao ressarcimento. Na inversa, é a pessoa jurídica que responde pelas obrigações pessoais dos sócios, quando estes nela ocultam os seus bens pessoais. A indireta ocorre, no âmbito de sociedades controladoras, controladas e coligadas, em que uma delas, geralmente a controladora, se vale da outra, controlada, para perpretrar fraudes, no âmbito do mesmo grupo econômico. A expansiva visa à responsabilização do sócio oculto que se vale de terceiros para a constituição de uma pessoa jurídica, visando camuflar a sua real identidade de sócio. O STJ admite a aplicação desta teoria diretamente pela Administração Pública com fulcro no artigo 14 da Lei n° 12.846/2013.

COMENTÁRIO

A resposta deveria contemplar os seguintes pontos:

1- Considerações sobre o princípio da autonomia patrimonial, função social da pessoa jurídica e boa-fé.

2- Diferença entre a desconsideração e despersonalização.

3- Diferenciação entre teoria maior e teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica. Diferenciação entre a teoria maior objetiva e maior subjetiva.

4- Conceito de desconsideração propriamente dita.

5- Conceito de desconsideração inversa.

6- Conceito de desconsideração indireta.

7- Conceito de desconsideração expansiva.

8- Considerações sobre a desconsideração operada pela Administração Pública.

O instituto da pessoa jurídica surgiu em benefício das pessoas físicas para que estas pudessem alcançar resultados sociais, que sozinhas não conseguiriam, sendo importante veículo de desenvolvimento econômico e social, gerando riquezas, postos de trabalho e circulação de mercadorias, donde emerge a sua função social.

Constituída a pessoa jurídica, esta possuirá personalidade jurídica distinta das dos seus membros, de que são corolários: a autonomia patrimonial e a limitação de responsabilidade. Assim, via de regra, a pessoa jurídica não responde pelas dívidas pessoais dos seus sócios e administradores, e estes não respondem por dívidas daquela com seus patrimônios pessoais.

Porém, a distinção entre as personalidades da pessoa jurídica e de seus membros pode ser relativizada para impedir a utilização da primeira como escudo para a prática de ilícitos, com malferimento do princípio

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da boa-fé. Nesse sentido, o artigo 1.011 do CCB explicita que o administrador da sociedade deverá ter, no exercício de suas funções, o cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração de seus próprios negócios.

Há uma diferença entre a desconsideração e despersonalização: a primeira é um ato episódico de superação da personalidade jurídica da pessoa jurídica, que de modo algum interfere na existência ou desconstituição da pessoa jurídica, em respeito aos princípios da função social e autonomia patrimonial da empresa, a segunda é a própria extinção da pessoa jurídica.

Cumpre mencionar que a teoria da penetração não se confunde com a teoria ultra vires. A desconsideração é instrumento subsidiário das normas de responsabilidade de terceiros, somente aplicável, quando não houver previsão legal indicativa de solidariedade no adimplemento da obrigação.

Pela teoria ultra vires, o ato praticado pelos sócios ou administradores, em nome da pessoa jurídica, mas com excesso de poder ou violação do estatuto é nulo, por ele respondendo diretamente o sócio ou administrador. Ou seja, pela teoria ultra vires, a personalidade da pessoa jurídica não é obstáculo à responsabilidade direta dos sócios, pois para alcançá-los, não se necessita levantar o véu da pessoa jurídica.

Ademais, a aplicação da teoria da desconsideração, via de regra, demanda prova do abuso de direito, ao passo que a teoria ultra vires pode ser aplicada apenas com a prova do dano.

Entende-se que a previsão do artigo 135 do CTN alberga a teoria ultra vires, pois não desconsidera a pessoa jurídica devedora, ao revés, imputa aos terceiros indicados pelo legislador, e que no caso estão vinculados à pessoa jurídica, a obrigação pelo pagamento dos débitos decorrentes de obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos. Trata-se, então, de imputação legal de responsabilidade solidária de terceiros, em substituição ao devedor principal, de aplicação peremptória, pois não deixa margem ao julgador para escolher se impõe ou não a responsabilização desses terceiros. Nas hipóteses descritas no artigo 135 do CTN, a doutrina da desconsideração é incabível1.

A teoria da desconsideração da personalidade jurídica é também conhecida pelas seguintes expressões:

1- Disregard doctrine ou disregard of legal entity, no direito anglo-americano;

2- Abus de la notion de personnalité sociale, no direito francês;

3- Teoria do superamento della personalità giuridica, na doutrina italiana;

4- Teoria da penetração ou interpenetração – Durchgriff der juristischen Personen, na doutrina alemã2.

1 BARCELLOS, Alvacir de Sá. A desconsideração da Personalidade Jurídica nas Execuções Fiscais.In: Revista da AGU 28, 2011, pág. 52.

2 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Volume 1. 12ª ed.- São Paulo: Saraiva. 2014, p. 559.

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5- Desestimácion de la personalidade, no direito argentino3.

Feita uma breve digressão sobre o tema, vamos à conceituação das modalidades de desconsideração.

A desconsideração propriamente dita ou direta é a “retirada episódica, momentânea e excepcional da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, a fim de estender os efeitos de suas obrigações à pessoa de seus titulares, sócios ou administradores, com o fim de coibir o desvio de função da pessoa jurídica, perpetrado por estes4”.

Tem previsão nos artigos 50 do CCB, 28 CDC, 34 da Lei n° 12.529/11, 4° da Lei nº 9.605/98.

CCB

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

CDC

Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração. (...) § 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.

Lei n° 12.529/11Art. 34. A personalidade jurídica do responsável por infração da ordem econômica poderá ser desconsiderada quando houver da parte deste abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social.

Lei n° 9.605/98 Art. 4º Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente.

Lei n° 12.846/13

Art. 14. A personalidade jurídica poderá ser desconsiderada sempre que utilizada com abuso do direito para facilitar, encobrir ou dissimular a prática dos atos ilícitos previstos nesta Lei ou para provocar confusão patrimonial, sendo estendidos todos os efeitos das sanções aplicadas à pessoa jurídica aos seus administradores e sócios com poderes de administração, observados o contraditório e a ampla defesa.

O artigo 50 do CCB adota a teoria maior da desconsideração, reclamando para a sua incidência o abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio da finalidade (teoria maior subjetiva) ou a confusão patrimonial (teoria maior objetiva). Veja-se a lição de PABLO STOLZE: “Segundo a novel regra legal, a desconsideração será possível, a requerimento da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir, se o abuso consistir em: a) desvio de finalidade; b) confusão patrimonial. No primeiro caso, desvirtuou-se o objetivo social, para se perseguirem fins não previstos contratualmente ou proibidos por lei. No segundo, a atuação do sócio ou administrador confundiu-se com o funcionamento da própria sociedade, utilizada como verdadeiro escudo, não se podendo identificar a separação patrimonial entre ambos”. (2012, 14ª edição, p. 674).

Ao seu turno o §5° do artigo 28 adota a teoria menor, pois dispensa a presença do abuso da personalidade,

3 TOMAZETTE, Marlon, Curso de Direito Empresarial. Teoria Geral e Direito Societário. Volume 1. 5ª edição, Atlas, 2013, página 270.

4 TOMAZETTE, Marlon, Curso de Direito Empresarial. Teoria Geral e Direito Societário. Volume 1. 5ª edição, Atlas, 2013, página 239

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bastando para a sua aplicação que a pessoa jurídica seja um obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores, partindo do pressuposto que o risco da atividade empresarial não pode ser transferido aos consumidores que são vulneráveis frente à pessoa jurídica.

A desconsideração inversa, segundo CARLOS GONÇALVES, caracteriza-se “quando é afastado o princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica para responsabilizar a sociedade por obrigação do sócio, como, por exemplo, na hipótese de um dos cônjuges, ao adquirir bens de maior valor, registrá-los em nome de pessoa jurídica sob seu controle, para livrá-los da partilha a ser realizada nos autos da separação judicial. Ao se desconsiderar a autonomia patrimonial, será possível responsabilizar a pessoa jurídica pelo devido ao ex-cônjuge do sócio. É comum verificar, nas relações conjugais e de uniões estáveis, que os bens adquiridos para uso dos consortes ou companheiros, móveis e imóveis, encontram-se registrados em nome de empresas de que participa um deles. Como observa Guillermo Julio Borda, “é fácil encontrar, nas relações afetivas entre marido e mulher, “manobras fraudatórias de um dos cônjuges que, valendo-se da estrutura societária, esvazia o patrimônio da sociedade conjugal em detrimento do outro (no mais das vezes o marido em prejuízo da esposa) e, assim, com colaboração de terceiro, reduzem a zero o patrimônio do casal”. Não raras vezes, também, o pai esconde seu patrimônio pessoal, na estrutura societária da pessoa jurídica, com o reprovável propósito de esquivar-se do pagamento de pensão alimentícia devida ao filho. A aplicação da teoria da desconsideração da pessoa jurídica, quando se configurar o abuso praticado pelo marido, companheiro ou genitor em detrimento dos legítimos interesses de seu cônjuge, companheiro ou filho, constituirá um freio às fraudes e abusos promovidos sob o véu protetivo da pessoa jurídica. Igualmente no campo do direito das sucessões podem ocorrer abusos que justificam a aplicação da aludida teoria, especialmente nas hipóteses de utilização de pessoas jurídicas por genitores que pretendem beneficiar alguns filhos em detrimento de outros, frustrando o direito à herança destes. A aplicação da teoria da desconsideração inversa poderá também ser invocada pelo prejudicado, para obter o reconhecimento de seu direito integral à herança”5.

A desconsideração indireta e expansiva são construções da doutrina e da jurisprudência. De forma sucinta, a penetração indireta ocorre no âmbito de sociedades controladoras, controladas e coligadas, em que uma delas, geralmente a controladora, se vale da outra, controlada, para perpetrar fraudes, de modo que o superamento da personalidade jurídica, no âmbito do mesmo grupo econômico, é medida de salvaguarda dos direitos dos credores. Nesse sentido, o enunciado 406 da V Jornada de Direito Civil: “Art. 50: A desconsideração da personalidade jurídica alcança os grupos de sociedade quando estiverem presentes os pressupostos do art. 50 do Código Civil e houver prejuízo para os credores até o limite transferido entre as sociedades”.

A modalidade expansiva visa à responsabilização do sócio oculto que vale de terceiros para a constituição de uma pessoa jurídica, visando camuflar a sua real identidade de sócio e poder de controle. É também possível visualizá-la quando “alguns “empresários” mal intencionados fecham uma porta e abrem outra, às vezes para exercer a mesma atividade com uma nova roupagem, deixando para trás todo um passivo que contribui para prejuízos ou mesmo a quebra de terceiros de boa-fé, além de desfalcar os cofres públicos

5 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Volume 1. 12ª ed.- São Paulo: Saraiva. 2014, p. 573.

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do pagamento dos tributos decorrentes do exercício de sua atividade, através da simples constituição de uma nova empresa, com ou sem o uso de “laranjas”, para iniciar um novo ciclo parasitário de utilização dos instrumentos jurídicos de proteção de seus patrimônios pessoais, em prejuízo de toda a sociedade”6.

O STF tratou desta modalidade no que MS 32494 MC DF, onde a decisão do TCU, que aplicou a desconsideração expansiva para permitir que a Administração Pública estende-se a proibição de licitar proferida contra uma pessoa jurídica a outra constituída com os mesmos sócios e mesmo endereço, foi suspensa.

Igualmente o STJ, já dela tratou, no RMS 15.666/BA:

MANDADO DE SEGURANÇA. LICITAÇÃO. SANÇÃO DE

INIDONEIDADE PARA LICITAR. EXTENSÃO DE EFEITOS À SOCIEDADE COM O MESMO OBJETO SOCIAL, MESMOS SÓCIOS E MESMO ENDEREÇO. FRAUDE À LEI E ABUSO DE FORMA. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NA ESFERA ADMINISTRATIVA. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA E DA INDISPONIBILIDADE DOS INTERESSES PÚBLICOS.

- A constituição de nova sociedade, com o mesmo objeto social, com os mesmos sócios e com o mesmo endereço, em substituição a outra declarada inidônea para licitar com a Administração Pública Estadual, com o objetivo de burlar a aplicação da sanção administrativa, constitui abuso de forma e fraude à Lei de Licitações, Lei n.º 8.666/93, de modo a possibilitar a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica para estenderem-se os efeitos da sanção administrativa à nova sociedade constituída.

A Administração Pública pode, em observância ao princípio da moralidade administrativa e da indisponibilidade dos interesses

públicos tutelados, desconsiderar a personalidade jurídica de sociedade constituída com abuso de forma e fraude à lei, desde que facultados ao administrado o contraditório e a ampla defesa em processo administrativo regular.

- Recurso a que se nega provimento

A desconsideração realizada própria Administração Pública é prevista do art. 14 e 5° da Lei nº 12.846/2013: “Art. 14. A personalidade jurídica poderá ser desconsiderada sempre que utilizada com abuso do direito para facilitar, encobrir ou dissimular a prática dos atos ilícitos previstos nesta Lei ou para provocar confusão patrimonial, sendo estendidos todos os efeitos das sanções aplicadas à pessoa jurídica aos seus administradores e sócios com poderes de administração, observados o contraditório e a ampla defesa”. “Art. 5° Constituem atos lesivos à administração pública, nacional ou estrangeira, para os fins desta Lei, todos aqueles praticados pelas pessoas jurídicas mencionadas no parágrafo único do

6 BARCELLOS, Alvacir de Sá. A desconsideração da Personalidade Jurídica nas Execuções Fiscais.In: Revista da AGU 28, 2011, pág. 32.

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art. 1°, que atentem contra o patrimônio público nacional ou estrangeiro, contra princípios da administração pública ou contra os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, assim definidos: IV - no tocante a licitações e contratos: e) criar, de modo fraudulento ou irregular, pessoa jurídica para participar de licitação pública ou celebrar contrato administrativo”

JURISPRUDÊNCIA SELECIONADA

Tratando-se de relação consumerista, é possível a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade empresária ante sua insolvência para o pagamento de suas obrigações, independentemente da existência de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial. (AgRg no AREsp 511744 / SP).

A mera demonstração de insolvência da pessoa jurídica ou de dissolução irregular da empresa sem a devida baixa na junta comercial, por si sós, não ensejam a desconsideração da personalidade jurídica. (AgRg no REsp 1225840 / MG).

A falta de citação dos sócios, em desfavor de quem foi superada a pessoa jurídica, por si só, não induz nulidade, a qual apenas será reconhecida nos casos de efetivo prejuízo ao exercício da defesa. (AgRg no REsp 1471665 / MS).

A jurisprudência da Corte, em regra, dispensa ação autônoma para se levantar o véu da pessoa jurídica, mas somente em casos de abuso de direito - cujo delineamento conceitual encontra-se no art. 187 do CC/02 -, desvio de finalidade ou confusão patrimonial, é que se permite tal providência. Adota-se, assim, a “teoria maior” acerca da desconsideração da personalidade jurídica, a qual exige a configuração objetiva de tais requisitos para sua configuração.

No caso dos autos, houve a arrecadação de bens dos diretores de sociedade que sequer é a falida, mas apenas empresa controlada por esta, quando não se cogitava de sócios solidários, e mantida a arrecadação pelo Tribunal a quo por “possibilidade de ocorrência de desvirtuamento da empresa controlada”, o que, à toda evidência, não é suficiente para a superação da personalidade jurídica. Não há notícia de qualquer indício de fraude, abuso de direito ou confusão patrimonial, circunstância que afasta a possibilidade de superação da pessoa jurídica para atingir os bens particulares dos sócios. (REsp 693.235/MT).

A desconsideração inversa da personalidade jurídica caracteriza-se pelo afastamento da autonomia patrimonial da sociedade para, contrariamente do que ocorre na desconsideração da personalidade propriamente dita, atingir o ente coletivo e seu patrimônio social, de modo a responsabilizar a pessoa jurídica por obrigações do sócio controlador.

É possível a desconsideração inversa da personalidade jurídica sempre que o cônjuge ou companheiro empresário valer-se de pessoa jurídica por ele controlada, ou de interposta pessoa física, a fim de subtrair do outro cônjuge ou companheiro direitos oriundos da sociedade afetiva. (REsp 1236916 / RS).

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A mudança de endereço da empresa executada associada à inexistência de bens capazes de satisfazer o crédito pleiteado pelo exequente não constituem motivos suficientes para a desconsideração da sua personalidade jurídica.

A regra geral adotada no ordenamento jurídico brasileiro é aquela prevista no art. 50 do CC/02, que consagra a Teoria Maior da Desconsideração, tanto na sua vertente subjetiva quanto na objetiva.

Salvo em situações excepcionais previstas em leis especiais, somente é possível a desconsideração da personalidade jurídica quando verificado o desvio de finalidade (Teoria Maior Subjetiva da Desconsideração), caracterizado pelo ato intencional dos sócios de fraudar terceiros com o uso abusivo da personalidade jurídica, ou quando evidenciada a confusão patrimonial (Teoria Maior Objetiva da Desconsideração), demonstrada pela inexistência, no campo dos fatos, de separação entre o patrimônio da pessoa jurídica e os de seus sócios. (REsp 970.635/SP).

A teoria maior da desconsideração, regra geral no sistema jurídico brasileiro, não pode ser aplicada com a mera demonstração de estar a pessoa jurídica insolvente para o cumprimento de suas obrigações.

Exige-se, aqui, para além da prova de insolvência, ou a demonstração de desvio de finalidade (teoria subjetiva da desconsideração), ou a demonstração de confusão patrimonial (teoria objetiva da desconsideração).

A teoria menor da desconsideração, acolhida em nosso ordenamento jurídico excepcionalmente no Direito do Consumidor e no Direito Ambiental, incide com a mera prova de insolvência da pessoa jurídica para o pagamento de suas obrigações, independentemente da existência de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial.

Para a teoria menor, o risco empresarial normal às atividades econômicas não pode ser suportado pelo terceiro que contratou com a pessoa jurídica, mas pelos sócios e/ou administradores desta, ainda que estes demonstrem conduta administrativa proba, isto é, mesmo que não exista qualquer prova capaz de identificar conduta culposa ou dolosa por parte dos sócios e/ou administradores da pessoa jurídica.

A aplicação da teoria menor da desconsideração às relações de consumo está calcada na exegese autônoma do § 5º do art. 28, do CDC, porquanto a incidência desse dispositivo não se subordina à demonstração dos requisitos previstos no caput do artigo indicado, mas apenas à prova de causar, a mera existência da pessoa jurídica, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. (REsp 279273/SP).

RECURSO ESPECIAL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA (“disregard doctrine”). HIPÓTESES.

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1. A desconsideração da personalidade jurídica da empresa devedora, imputando-se ao grupo controlador a responsabilidade pela dívida, pressupõe - ainda que em juízo de superficialidade - a indicação comprovada de atos fraudulentos, a confusão patrimonial ou o desvio de finalidade.

2. No caso a desconsideração teve fundamento no fato de ser a controlada (devedora) simples longa manus da controladora, sem que fosse apontada uma das hipóteses previstas no art. 50 do Código Civil de 2002.

3. Recurso especial conhecido. (REsp 744107 / SP).

ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL- CJF:

7 –Art. 50: Só se aplica a desconsideração da personalidade jurídica quando houver a prática de ato irregular e, limitadamente, aos administradores ou sócios que nela hajam incorrido.

146- Art. 50: Nas relações civis, interpretam-se restritivamente os parâmetros de desconsideração da personalidade jurídica previstos no art. 50 (desvio de finalidade social ou confusão patrimonial). (Este Enunciado não prejudica o Enunciado n. 7)

281 - Art. 50: A aplicação da teoria da desconsideração, descrita no art. 50 do Código Civil, prescinde da demonstração de insolvência da pessoa jurídica.

282- Art. 50: O encerramento irregular das atividades da pessoa jurídica, por si só, não basta para caracterizar abuso da personalidade jurídica.

283- Art. 50: É cabível a desconsideração da personalidade jurídica denominada “inversa” para alcançar bens de sócio que se valeu da pessoa jurídica para ocultar ou desviar bens pessoais, com prejuízo a terceiros.

284 – Art. 50: As pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos ou de fins não-econômicos estão abrangidas no conceito de abuso da personalidade jurídica.

285 –Art. 50: A teoria da desconsideração, prevista no art. 50 do Código Civil, pode ser invocada pela pessoa jurídica, em seu favor.

470 – Art. 980: O patrimônio da empresa individual de responsabilidade limitada responderá pelas dívidas da pessoa jurídica, não se confundindo com o patrimônio da pessoa natural que a constitui, sem prejuízo da aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica.

A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO NOVO CPC

O novo CPC, Lei n° 13.105/2015, prevê em seus artigos 133 a 137 o chamado “incidente de desconsideração da personalidade jurídica”, que poderá ocorrer em qualquer do processo de conhecimento, cumprimento de sentença ou da execução.

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O §2° do artigo 133 da Lei n° 13.105/2015 passa a admitir expressamente a desconsideração inversa, que até então não contava com previsão legal, em nosso ordenamento jurídico.

Instaurado o incidente, o processo será suspenso, sendo o sócio ou a pessoa jurídica citados para, no prazo comum de quinze dias, se manifestar e requerer as provas cabíveis. Após a conclusão da instrução, se necessária, o incidente será resolvido por decisão interlocutória impugnável por agravo de instrumento. Acolhido o pedido de desconsideração, a alienação ou a oneração de bens, havida em fraude de execução, será ineficaz em relação ao requerente.

Dispensa-se a instauração do incidente se a desconsideração da personalidade jurídica se esta for requerida na própria petição inicial.

Atenção: o artigo 1.062 da Lei n° 13.105/2015 determina que o incidente de desconsideração da personalidade jurídica aplica-se ao processo de competência dos juizados especiais.

MELHORES RESPOSTAS

As respostas dos alunos foram muito parelhas na sua qualidade. Por isso, optamos por selecionar aquelas que respeitaram o número de linhas, mas vários alunos responderam a questão de forma satisfatória.

BEATRIZ CUNHA

A desconsideração da personalidade jurídica afasta os efeitos da personalidade jurídica (autonomia patrimonial e limitação da responsabilidade), tornando os sócios responsáveis por débito da pessoa jurídica (PJ). Requisitos: constituição regular da PJ, prova inequívoca de abuso ou fraude, prejuízo a terceiros e inexistência de outra sanção menos gravosa. É a desconsideração propriamente dita: art. 50 do CC, que adotou a Teoria Maior, exigindo desvio de finalidade (teoria maior subjetiva) ou confusão patrimonial (teoria maior objetiva). O art. 28, § 5º, do CDC adotou a Teoria Menor, bastando obstáculo ao ressarcimento. É eficaz para tutela do consumidor vulnerável, mas criticada pelo direito empresarial, por dificultar o desenvolvimento econômico e não ter semelhança com o direito comparado. A Teoria Inversa atinge o patrimônio da PJ por dívidas particulares do sócio ou fraude à meação; Teoria Indireta aplica-se perante PJ que integre um grupo econômico, responsabilizando as demais pela dívida de uma delas; a Teoria Expansiva aplica-se quando é criada PJ semelhante, análoga à que está em débito, tornando a nova também responsável pelos débitos da antiga (teoria da aparência); e a da Administração Pública aplica-se quando determinada PJ participante de licitação é, faticamente, a mesma que outra que sofre de impedimento para tanto (v.g., declaração de idoneidade).

SHEYLA SOARES

O instituto (“disregard of the legal entity”) surgiu para coibir abusos das pessoas físicas que se valem da pessoa jurídica para lesar terceiros. A propriamente dita está prevista, no art. 4º da L. 9.605/98, art. 28 (CDC) e art. 50 (CC), pela qual bens particulares dos sócios podem ser utilizados para pagar dívidas da pessoa jurídica, mitigando a autonomia patrimonial. O Direito Civil adota a teoria maior, que necessita de prova do desvio de finalidade (maior subjetiva) ou a confusão patrimonial (maior objetiva). Portanto deve-se comprovar a insolvência e o abuso da personalidade. O CDC e a Lei Ambiental adotam a teoria menor, que prevê a necessidade de prova da insolvência, apenas. A inversa cuida da responsabilização da empresa por dívida do sócio que se valeu da pessoa jurídica para ocultar bens pessoais em

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prejuízo de terceiros (En. 283 CJF), com previsão no art. 133, §2º no novo CPC. A indireta ocorre nos casos de sociedades controladoras, controladas e coligadas (1.097 a 1.101 do CC) em que uma se vale da condição dominante para fraudar seus credores. A expansiva tem a finalidade de responsabilizar o sócio oculto que se vale de um “laranja”. A exercida pela Administração Pública (art. 14 da L. 12.846/13), prevê a responsabilização administrativa/civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a Administração Pública nacional ou estrangeira.

BRUNO LIMA

Observação: nesta resposta, o aluno não respeitou a margem do parágrafo.

PROFESSOR: FRANKLYN ROGER

E-mail: [email protected]

PRINCÍPIOS INSTITUCIONAIS DA DEFENSORIA PÚBLICA

3. Disserte sobre a autonomia financeira e orçamentária da Defensoria Pública diante das modificações normativas e decisões judiciais recentes.

RESPOSTA

A autonomia da Defensoria Pública possui reflexos no plano funcional, administrativo, orçamentário e financeiro. O processo de fortalecimento da autonomia da Defensoria Pública teve início na Emenda n° 45/04 e seguiu nas reformas das emendas n° 69/12, 74/13 e 80/14. O art. 134, §2º, prevê que a instituição possui iniciativa de proposta orçamentária, o que reforça a sua desvinculação do Poder Executivo. Note-se ainda que o STF já reconheceu, por meio de decisões cautelares, a impossibilidade de o Poder Executivo

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efetuar alterações na proposta orçamentária da Defensoria Pública.

A partir desta premissa, é possível afirmar com tranquilidade a existência de uma autonomia orçamentária da instituição.

Nesta mesma linha de raciocínio, o fato de a LC n° 80/94 permitir que a Defensoria Pública rode sua própria folha de pagamento, somada a iniciativa legislativa conferida ao Defensor Público Geral para veicular projeto de lei que trate da fixação do subsídio da carreira evidencia a autonomia financeira da instituição, intimamente correlacionada a previsão orçamentária da instituição.

COMENTÁRIO

O candidato deveria traçar a distinção entre a autonomia financeira e orçamentária, sem deixar de destacar a concessão da autonomia funcional e administrativa da Defensoria Pública.

O processo de reforma constitucional iniciado em 2004 e encerrado em 2014, por meio das emendas constitucionais n° 45, 69, 74 e 80, implementou a autonomia funcional, administrativa e a iniciativa da proposta orçamentária no âmbito da Defensoria Pública da União, dos Estados e do Distrito Federal.

A interpretação do art. 97-A, V, da LC n° 80/94 que trata da possibilidade de a Defensoria Pública rodar sua folha de pagamento, somada a legitimidade do DPG para fixar a remuneração da carreira por meio da norma constante do art. 134, §4° combinada com o art. 96, II, ‘b’ da Constituição Federal, são informações essenciais a serem indicadas pelo candidato, de modo a evidenciar a autonomia financeira da instituição.

No que concerne à autonomia orçamentária, o tema perpassa sobre a interpretação do art. 134, §2°, da CRFB, art. 97-B da LC n° 80/94 e recente precedente do STF na ADPF n° 307 que decidiu pela impossibilidade de o Executivo efetuar alterações na proposta orçamentária da Defensoria Pública nos leva a concluir que a Defensoria Pública dispõe de autonomia orçamentária. Neste sentido, o STF afirmou:

REFERENDO EM MED. CAUT. EM ADPF 307-DF

RELATOR: MIN. DIAS TOFFOLI

EMENTA: Arguição de descumprimento de preceito fundamental. Medida cautelar. Referendo. Ato do Poder Executivo do Estado da Paraíba. Redução, no Projeto de Lei Orçamentária de 2014 encaminhado pelo Governador do Estado da Paraíba à Assembleia Legislativa, da proposta orçamentária da Defensoria Pública do Estado. Cabimento da ADPF. Mérito. Violação de preceito fundamental contido no art. 134, § 2º, da Constituição Federal. Autonomia administrativa e financeira das Defensorias Públicas estaduais. Medida cautelar confirmada.

1. A Associação Nacional dos Defensores Públicos, segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, não detém legitimidade ativa para mandado de segurança quando a associação e seus substituídos não são os titulares do direito

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que pretende proteger. Precedente: MS nº 21.291/DF-AgR-QO, Relator o Ministro Celso de Mello, Tribunal Pleno, DJ de 20/10/95. Resta à associação a via da arguição de descumprimento de preceito fundamental, único meio capaz de sanar a lesividade alegada.

2. A autonomia administrativa e financeira da Defensoria Pública qualifica-se como preceito fundamental, ensejando o cabimento de ADPF, pois constitui garantia densificadora do dever do Estado de prestar assistência jurídica aos necessitados e do próprio direito que a esses corresponde. Trata-se de norma estruturante do sistema de direitos e garantias fundamentais, sendo também pertinente à organização do Estado.

3. A arguição dirige-se contra ato do chefe do Poder Executivo estadual praticado no exercício da atribuição conferida constitucionalmente a esse agente político de reunir as propostas orçamentárias dos órgãos dotados de autonomia para consolidação e de encaminhá-las para a análise do Poder Legislativo. Não se cuida de controle preventivo de constitucionalidade de ato do Poder Legislativo, mas, sim, de controle repressivo de constitucionalidade de ato concreto do chefe do Poder Executivo.

4. São inconstitucionais as medidas que resultem em subordinação da Defensoria Pública ao Poder Executivo, por implicarem violação da autonomia funcional e administrativa da instituição. Precedentes: ADI nº 3965/MG, Tribunal Pleno, Relator a Ministra Cármen Lúcia, DJ de 30/3/12; ADI nº 4056/MA, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, DJ de 1/8/12; ADI nº 3569/PE, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 11/5/07. Nos termos do art. 134, §2º, da Constituição Federal, não é dado ao chefe do Poder Executivo estadual, de forma unilateral, reduzir a proposta orçamentária da Defensoria Pública quando essa é compatível com a Lei de Diretrizes Orçamentárias. Caberia ao Governador do Estado incorporar ao PLOA a proposta nos exatos termos definidos pela Defensoria, podendo, contudo, pleitear à Assembleia Legislativa a redução pretendida, visto ser o Poder Legislativo a seara adequada para o debate de possíveis alterações no PLOA. A inserção da Defensoria Pública em capítulo destinado à proposta orçamentária do Poder Executivo, juntamente com as Secretarias de Estado, constitui desrespeito à autonomia administrativa da instituição, além de ingerência indevida no estabelecimento de sua programação administrativa e financeira.

5. Medida cautelar referendada.

O tema da autonomia da instituição tem merecido muita repercussão jurisprudencial, como se vê do acórdão acima transcrito, cujo mérito ainda não foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal.

A autonomia orçamentária não pode ser confundida com a autonomia financeira, apesar de ambas

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estarem intimamente relacionadas. A primeira refere-se ao envio da proposta orçamentária pela Defensoria Pública, cuja elaboração deverá levar em consideração o plano de atuação previsto no art. 102, §2º da LC n° 80/94.

Assim como ocorre com Poder Judiciário e no Ministério Público, que também encaminham suas propostas orçamentárias ao Poder Executivo, para simples consolidação, sem qualquer recorte por parte do Poder Executivo, que deve respeitar a proposta orçamentária da instituição.

É de extrema importância compreender a existência da autonomia orçamentária, pois ela é capaz de permitir a materialização da autonomia administrativa e financeira. Sem autonomia orçamentária a Defensoria Pública não pode realizar licitações para aquisição de bens (aspecto administrativo), rever os subsídios de seus membros (aspecto financeiro), bem como outros temas que exijam crédito em caixa.

Neste ponto, a autonomia financeira consiste na liberdade prevista em lei e na Constituição para que a Defensoria Pública possa exercer sua iniciativa legislativa para veicular na casa legislativa os interesses financeiros da carreira (fixação de subsídios), bem como o dever de rodar sua própria folha de pagamento, sem qualquer ingerência por parte do Poder Executivo. Eventual desídia na instituição pode, inclusive, gerar a impetração de Mandado de Segurança, conforme se denota do seguinte precedente:

MANDADO DE SEGURANÇA. ASSOCIAÇÃO DOS DEFENSORES PÚBLICOS. LEGITIMIDADE ATIVA QUE SE RECONHECE. DECADÊNCIA NÃO CONFIGURADA. VIOLAÇÃO DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. AUTONOMIA FUNCIONAL, ADMINISTRATIVA E FINANCEIRA VIOLADAS. CONCESSÃO DA ORDEM NO MANDAMUS.

TJRJ - PROCESSO Nº 0053030-91.2013.8.19.0000 - RELATOR: DESEMBARGADOR EDSON SCISINIO DIAS.

A relação entre a autonomia financeira e orçamentária estabelece-se no ponto em que não há como almejar benefícios vencimentais se não houver previsão orçamentária.

Diante destas premissas, torna-se necessário que o candidato tenha conhecimento das 4 vertentes da autonomia da instituição (funcional, administrativa, financeira e orçamentária). Para tanto, sugerimos a leitura das obras:

ESTEVES, Diogo; SILVA, Franklyn Roger Alves. Princípios institucionais da defensoria pública. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

Artigo sobre a Emenda 80/14 de autoria deste mediador - http://www.cursocei.com/reflexos-da-ec-n-80-de-2014/

VIANA, Frederico de Lima. Defensoria Pública. Salvador: Juspodivm, 2014.

MELHORES RESPOSTAS

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JULIA BARANSKI

As Emendas Constitucionais 45/2004, 69/2012 e 74/2013 introduziram na CRFB/88 as autonomias administrativa, funcional e a iniciativa de proposta orçamentária das Defensorias Estaduais, do DF e da União, respectivamente (art. 134 § 2º CRFB/88), reforçando a independência e a autogestão da DP frente aos demais Poderes. A iniciativa de lei orçamentária é a feição das autonomias administrativa e funcional no âmbito financeiro, tratando-se da outorga à DP de delimitar os recursos necessários para atender as suas despesas, prover suas atividades e serviços, garantindo-lhe liberdade na gestão de recursos. Com a LC n°132/09, restou consolidada nos artigos 97-A e 97-B da LC 80/94 a autonomia financeira das Defensorias Estaduais, nos seguintes termos: a Defensoria deve elaborar a sua proposta orçamentária atendendo aos seus princípios, às diretrizes e aos limites da lei de diretrizes, encaminhando-a ao Chefe do Poder Executivo para consolidação e encaminhamento ao Legislativo. Apenas se não encaminhar a respectiva proposta no prazo previsto na LDO, poderá o Executivo apresentá-la, baseando-se na proposta do ano anterior e aplicando-lhe os índices de crescimento. Assim sendo, o Executivo não pode interferir diretamente na elaboração do orçamento, mas apenas de modo supletivo. A autonomia financeira da Defensoria foi objeto de discussão recente no STF em duas ocasiões, com concessão de liminar favorável à DP em ambas. A ANADEP questionou a constitucionalidade via ADI da LC 180/2014 que alterou a Lei Orgânica da DP do Paraná, a qual revogava a autonomia financeira da Instituição permitindo a redução de seu orçamento pelo Governador a qualquer momento. Em 2014, a DPU impetrou MS no após o corte de 95% de seu orçamento pela Presidenta, requerendo que sua proposta orçamentária para 2015 fosse apreciada pelo Congresso Nacional sem nenhuma alteração pelo Poder Executivo. Posto isto, há entendimento assentado na Suprema Corte que qualifica como preceito fundamental a autonomia administrativa e financeira da DP, considerando inconstitucional qualquer medida que subordine a Instituição ao Poder Executivo.

FABIANA CARUSO

A autonomia funcional, administrativa, e a iniciativa de proposta orçamentária das Defensorias Públicas Estaduais, possuem previsão no art. 134, §2º, CR, tendo sido estendidas pela EC 74/2013 à Defensoria Pública da União e do Distrito Federal, na forma do § 3º do citado artigo.

A LC 80/94, por sua vez, sofreu alteração pela LC 132/2009 que acrescentou, no âmbito das Defensorias Públicas Estaduais, os artigos 97-A e 97-B, esmiuçando o tema da iniciativa de proposta orçamentária. Cumpre ressaltar, que tal previsão, por força da norma de extensão do art. 134, §3ª, aplica-se igualmente às Defensorias da União e do Distrito Federal.

Dessa forma, tem-se que a Defensoria Pública é quem elabora sua proposta orçamentária, encaminhando ao Executivo, que por sua vez encaminha ao Legislativo. Sobre este tema, inclusive, o STF foi instado a se manifestar em sede de ADPF, tendo firmado o entendimento em medida cautelar de que a proposta orçamentária enviada pela Defensoria Pública não pode ser alterada pelo Executivo, uma vez que a análise da mesma compete ao Legislativo.

Por todo o exposto, tendo em vista que é a Defensoria Pública quem elabora a sua própria folha de

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pagamento e encaminha a proposta orçamentária, devendo esta chegar íntegra ao Legislativo, não resta dúvida de que a instituição possui autonomia financeira e orçamentária.

THIAGO CRUZ

A autonomia financeira e orçamentária das Defensorias Públicas Estaduais pode ser fundamentada nos seguintes dispositivos: Art. 134 parágrafo 4º da CF/88, incluído pela Emenda Constitucional 80 de 2014, que determina a aplicação, no que couber, do disposto no art. 96, II também da CF/88. Portanto, caberá ao Defensor Público Geral iniciativa legislativa para fixar o subsídio dos membros da carreira; art. 97-A, inciso V, da Lei Complementar 80 de 1994, incluído pela LC 132/2009, que trata da organização das Defensorias Estaduais e determina que a estas caberá a elaboração de sua folha de pagamentos.. Além das modificações normativas, podemos mencionar também recente decisão do STF, em sede de ADPF, que reconheceu o descumprimento a preceito fundamental no ato de Governador que, ao receber a proposta orçamentária da Defensoria Pública, teria realizado diversas reduções na mesma antes de encaminhar para aprovação do Poder Legislativo. Ocorre que, conforme decidiu o STF, não é papel do Poder Executivo realizar tais reduções, por ferir a autonomia da Defensoria. Além disso, cabe ao Legislativo fixar remuneração. Portanto, deveria o Governador tão somente ter consolidado e encaminhado a proposta ao Legislativo, este sim competente para modificar a proposta orçamentária apresentada pela Defensoria Pública, caso assim entendesse necessário.

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PEÇA JUDICIAL - Limite de 100 linhas.

Atenção: é obrigatória a utilização da Folha de Respostas disponibilizada na “área do aluno”. Se deseja redigir a sua resposta à mão, utilize o arquivo em formato .pdf, cuja formatação inclui as linhas para orientar melhor a escrita.

PROFESSOR: CAIO PAIVA

E-mail: [email protected]

Juliano foi preso em flagrante pela Polícia Militar quando acabara de sair do Metrô de São Paulo/SP, tendo com ele sido encontrado 5kg da substância entorpecente “cocaína” que estava acondicionada em sua mochila. Passada a fase investigativa, o Ministério Público do Estado de São Paulo denunciou Juliano como incurso nas penas do art. 33, caput, cumulado com a majorante prevista no art. 40, III, ambos da Lei 11343/2006, considerando, pois, que trazia a droga consigo em transporte público de passageiros.

O procedimento se desenvolveu sem nenhuma aparente irregularidade, tendo o acusado passado o processo todo preso, muito embora a Defensoria Pública do Estado de São Paulo houvesse apresentado diversos pleitos de liberdade, todos negados pelo Poder Judiciário sob o argumento de que Juliano apresentava risco de reiteração da conduta, já que havia sido condenado pela mesma modalidade criminosa, com pena extinta há sete anos.

Concluída a instrução, as partes apresentaram seus memoriais. Juliano foi condenado a uma pena definitiva de 5 anos e 10 meses de reclusão, sendo que foi fixada a pena-base no mínimo legal, acrescida, depois, de 1/6 em razão da majorante de pena. O juiz não acolheu o pedido da DPE/SP de aplicação da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei 11343/2006, pois, embora tenha concordado que o acusado não se dedicava às atividades criminosas nem integrasse organização criminosa, a existência de antecedente (condenação com pena extinta há sete anos) impedia a aplicação da minorante.

Em razão da quantidade de pena, foi fixado o regime inicial semiaberto, negando-se ao acusado o direito de apelar em liberdade, já que teria permanecido preso durante toda a persecução penal, continuando presentes os requisitos autorizadores da prisão cautelar.

A DPE/SP interpôs tempestivamente recurso de apelação. Os autos retornaram para que você, defensor(a) público(a), apresente as razões de apelação. Não há necessidade de datar a petição (apenas insira XX/XX/XXXX). Não crie fatos novos.

RESPOSTA

Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

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Colenda Câmara

Excelentíssimos Desembargadores Federais

Processo originário nº __________________

Apelante: JULIANO

Apelado: MINISTÉRIO PÚBLICO

Origem: Justiça de Primeira Instância do Estado de São Paulo

RAZÕES RECURSAIS DE APELAÇÃO

1. SÍNTESE DO PROCESSO7

Breve narração tanto dos fatos quanto dos principais eventos procedimentais (recebimento da denúncia, audiência de instrução, alegações finais etc.). Imprescindível que este tópico se encerre com uma síntese da sentença recorrida.

2. AFASTAMENTO DA MAJORANTE DE PENA DO TRANSPORTE PÚBLICO

Como não havia preliminar a ser discutida nem espaço para abordar eventual tese absolutória, o aluno já deveria partir para a discussão em torno da aplicação pelo magistrado da causa de aumento de pena prevista, no art. 40, III, da Lei n° 11.343/2006, relativa ao tráfico de drogas em transportes públicos. Desnecessário prolongarmos o debate aqui, pois “O entendimento de ambas as Turmas do STF é no sentido de que a causa de aumento de pena para o delito de tráfico de droga cometido em transporte público (art. 40, III, da Lei 11.343/2006) somente incidirá quando demonstrada a intenção de o agente praticar a mercancia do entorpecente em seu interior. Fica afastada, portanto, na hipótese em que o veículo público é utilizado unicamente para transportar a droga” (HC 119811, rel. min. Teori Zavascki, 2ª Turma, DJe 01/07/2014). O STJ acompanhou este entendimento do STF a partir do julgamento do REsp 1345827.

Assim, considerando que o recorrente JÚLIO apenas trazia consigo a droga em transporte público, sem qualquer atividade de comércio naquele ambiente, agiu incorretamente o magistrado ao majorar a pena.

3. APLICAÇÃO DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA

Dispõe o art. 33, §4º, da n° Lei n° 11.343/2006: “Nos delitos definidos no caput e no §1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa”. No caso em exame, o juiz deixou de reduzir a pena unicamente porque o acusado apresentava uma condenação com pena extinta há sete anos. Pergunta: agiu corretamente o juiz? Uma condenação com pena extinta há sete anos pode ser considerada “mau antecedente”? De forma alguma. O aluno deveria sustentar, aqui, o “direito ao esquecimento”, que serviu como fundamento do voto do Min. Dias Toffoli no julgamento do RHC 118977

7 Insiram aqui apenas o “essencial”. Hora de treinar e usar o poder de síntese! Em provas dissertativas, o candidato geralmente corre contra o tempo e também contra o número de linhas. Não se iludam: o examinador quer objetividade!

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(impetrado pela DPU), em 2014: “O homem não pode ser penalizado eternamente por deslizes em seu passado pelos quais já tenha sido condenado e tenha cumprido a reprimenda imposta em regular processo penal. Faz ele jus ao denominado ‘direito ao esquecimento’, não podendo perdurar indefinidamente os efeitos nefastos de uma condenação anterior, já regularmente extinta. Para tanto delimitou expressamente o legislador o prazo de cinco anos para o desaparecimento dos efeitos da reincidência (CP, art. 64). Se essas condenações não mais prestam para o efeito da reincidência, que é o mais, com muito maior razão não devem valer para os antecedentes criminais, que é o menos”. O voto do Min. Toffoli foi acolhido pela 2ª Turma, restando tal fundamento veiculado na ementa da seguinte forma: “Quando o paciente não pode ser considerado reincidente, diante do transcurso de lapso temporal superior a cinco anos, conforme previsto no art. 64, I, do CP, a existência de condenações anteriores não caracteriza maus antecedentes”. Ainda está pendente de julgamento pelo STF o RE 593818.

Deste modo, eliminando-se o óbice do mau antecedente, o caminho ficaria aberto para aplicação da aludida causa de diminuição da pena.

4. REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO E CONVERSÃO DA PENA

Com o afastamento da majorante de pena e aplicação da causa de diminuição, o aluno deveria requerer a alteração do regime inicial de cumprimento da pena para o regime aberto e, consequentemente, ficando a pena definitiva igual ou inferior a quatro anos, a conversão em restritiva de direitos, nos termos do art. 44 do Código Penal.

5. REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA

Por fim, o aluno deveria acompanhar o recente entendimento do STJ e defender que “É incompatível a imposição/manutenção de prisão preventiva na sentença condenatória a réu condenado a cumprir a pena no regime inicial diverso do fechado, notadamente quando não há recurso da acusação quanto a este ponto”. E ainda, que “A tentativa de compatibilização da custódia cautelar com as regras do regime aberto ou semiaberto, neste caso, implica indevida execução provisória da pena”. Foi o que restou decidido no julgamento do RHC 52407, rel. min. Felix Fischer, j. 09/12/2014, DJe 18/12/2014. Logo, imprescindível o pleito de revogação da prisão preventiva, sob pena de ofender-se o princípio da proporcionalidade e da vedação da execução provisória da pena.

6. PEDIDOS

Ante o exposto, requer-se o conhecimento do presente recurso8 a fim de que, no mérito, seja reformada a sentença proferida pelo juízo de primeira instância para9:

a) Afastar-se a causa de aumento de pena prevista no art. 40, III, da Lei n° 11.343/2006;

b) Aplicar-se a causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei n° 11.343/2006, e,

8 Assistindo a parte recorrente, lembrem-se, sempre, de pedir primeiro o “conhecimento” do recurso.

9 Se o limite de linhas não propiciar a enumeração dos pleitos da forma como apresentei, optem por fazê-los no mesmo parágrafo do “Ante o exposto (...)”.

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consequentemente, alteração do regime inicial de cumprimento da pena para o regime aberto, com posterior conversão para restritiva de direitos, nos termos do art. 44 do Código Penal;

c) A revogação da prisão preventiva ante a violação dos princípios da proporcionalidade e da vedação da execução provisória da pena.

Requer-se, ainda, seja concedido o benefício da justiça gratuita ao recorrente e respeitadas as prerrogativas dos membros da Defensoria Pública.

XX/XX/XXXX

Nome

Defensor Público

COMENTÁRIO

Repararam bem na estrutura da peça “razões de apelação”? Não há uma fórmula estética que deve obrigatoriamente ser seguida. Devemos ter o cuidado de apresentar uma peça bem organizada, com argumentos objetivamente apresentados. A sequência dos pleitos de mérito (considerando que não tivemos preliminares neste recurso) deve ser apresentada em ordem de benefício para o acusado/assistido, iniciando pela tese mais benéfica (absolvição) e caminhando para pedidos secundários (aspectos relativos à dosimetria da pena, revogação da prisão etc.).

Conseguimos estudar nesta peça três temas importantíssimos e muito presentes na atuação criminal das DPE’s: (1) a não aplicação da majorante de pena do art. 33, § 4º, da Lei de Drogas, quando o acusado somente trouxe a droga consigo em transporte público e não a comercializou naquele ambiente; (2) a aplicação do “direito ao esquecimento” na área penal, mais especificamente no período depurador do que se pode considerar como maus antecedentes; e (3) a incompatibilidade da prisão preventiva com a fixação de regime inicial de pena diversa do fechado na sentença condenatória.

Vimos que o STF pacificou o seu entendimento pelo afastamento da referida majorante da pena quando o agente não comercializa a droga em transporte público, mas apenas a traz consigo. Revisamos, ainda, que o STF invocou o “direito ao esquecimento” para impedir que uma condenação com pena extinta há mais de cinco anos possa ser considerada como maus antecedentes. E por isso, então, foi possível demonstrar que o réu preenchia todos os requisitos do art. 33, § 4º, da Lei 11343/2006, para que lhe fosse aplicada a causa de diminuição da pena. Finalmente, trabalhamos um recente entendimento do STJ no sentido da incompatibilidade da prisão preventiva com a fixação na sentença condenatória de regime inicial de pena diverso do fechado.

Para quem ficou se perguntando: mas o réu permaneceria preso enquanto o recurso de apelação não fosse julgado? Anotem, portanto, uma dica de natureza eminentemente prática: nestes casos, em que o vício contido na sentença desafiada também provoca uma grave restrição de liberdade, a Defesa deve manejar tanto o recurso de apelação quanto um Habeas Corpus, o qual naturalmente não poderia ser

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exigido aqui, pois nenhuma prova de concurso cometeria o abuso de cobrar do candidato duas peças para um mesmo problema.

Recomendo a leitura do inteiro teor do citado precedente do STJ acerca da prisão preventiva vs. regime inicial de pena diverso do fechado (RHC 52407), assim como do precedente do STF sobre a aplicação do “direito ao esquecimento” no âmbito da dosimetria da pena (RHC 118977).

MELHORES RESPOSTAS

MARIANA MUNIZ LONGHINI

RAZÕES DE APELAÇÃO

Processo de Origem nº: xxxxxxxxx

Apelante: Juliano

Apelado: Ministério Público do Estado de SP

Colenda Câmara, Eméritos Desembargadores, Douta Procuradoria da Justiça,

I – Dos Fatos

O réu foi preso em flagrante pelo crime incurso no artigo 33 da Lei 11343/2006. Recebeu a majorante do artigo 40, III, da referida Lei sem estar efetivamente comerciando a droga no veículo de passageiros. Ademais o julgador não lhe concedeu a atenuante prevista no artigo 33, § 4º, mesmo atestando que que o réu integrasse organização criminosa nem se aplicava à atividade delitiva.

Apenado com 5 anos e 10 meses de reclusão com regime semi aberto.

II - Preliminarmente: Da concessão de Liberdade Provisória

O réu fora condenado a 5 anos e 10 meses em regime semiaberto, entretanto permaneceu recluso durante todo o procedimento o que ainda se mantém.

A fundamentação do Nobre julgador não acusa quaisquer requisitos da prisão preventiva prevista no artigo 312 do CP, fundamentando única e exclusivamente quanto a uma suposta reincidência do agente (apesar de já ter se passado 7 anos da extinção da pena) a qual sequer é requisito para a concessão de prisão preventiva.

Tendo em vista o atual contexto constitucional ao qual estamos inseridos, a prisão deve ser considerada a medida extrema de “ultima ratio”, sendo a regra a liberdade do acusado durante a instrução processual, sob pena de ferir o Princípio da Presunção da Inocência, resultando em cumprimento antecipado da pena, o que violaria ainda o Sistema Acusatório vigente.

No caso em tela, ante a ausência dos requisitos da prisão preventiva, deve o magistrado aplicar o disposto no artigo 321 do CPP, concedendo ao réu a liberdade provisória sem fiança podendo Vossas Excelências, caso entendam necessário, as medidas previstas no artigo 319 do CPP.

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Ademais, também os Tribunais Superiores decidem que deve haver compatibilidade entre regimes, não sendo em absoluto proporcional que alguém já declarado em regime semiaberto permaneça PROVISORIAMENTE aguardando julgamento no regime fechado.

II – Do Direito

a) Da não aplicação da Majorante do artigo 40, III, da Lei 11.343/2006.

Dispõe a Lei 11.343/2006, artigo 40, III, da Lei 11.434/2006 que caso o delito seja praticado nas dependências de transportes públicos, haverá aumento de pena de 1/6 a 2/3 e assim ocorreu no caso do réu, já que recebeu um aumento de pena de 1/6 sobre a pena base.

Entretanto, houve um equívoco interpretativo, eis que o direito penal deve ser interpretado restritivamente quando for trazer prejuízos ao réu. O inciso III do referido dispositivo legal prevê que a PRÁTICA do delito deve ocorrer nas dependências de transportes públicos e não que o simples transportar da droga enseje a majorante.

Assim é a posição atual do STF e STJ, portanto, o simples transportar da droga não enseja em absoluto a majorante.

b) Da Reincidência

Ora, recente decisão do STF superou o entendimento existente no STJ ao prever que uma vez passados 5 anos de período depurador, não há que se falar em reincidência, sequer em maus antecedentes, culminando com a frase no Ministro Dias Toffoli : “ o réu tem direito ao esquecimento”. Não seria condizente com o Regime Democrático punir o sujeito pelo mesmo fato duas vezes porque em verdade, caso o réu seja mantido preso, é um real “bis in idem”.

Deve ter fundamentação concreta ainda, de forma que a simples citação de periculosidade do agente não demonstra efetivamente “rico de reiteração de conduta” uma vez que como já relatado, muito embora tenha sido condenado pela prática anteriormente, tal não pode ser levado em consideração sequer para maus antecedentes, que dirá para a reincidência.

c) Da aplicação da Diminuição de Pena do artigo 33, § 4º, da Lei 11.343/2006

O magistrado deixa de acatar a diminuição de pena do artigo 33, §4º, da Lei 11.343/2006 sem, contudo, fundamentar devidamente o motivo, contrariando o bom senso, visto que expressamente concorda com a defesa do acusado no sentido de este não integrar organização criminosa, muito menos que se dedique a atividades criminosas.

Alega, resumidamente, contrariando o direito pátrio, que não concederá a diminuição porque o autor é reincidente. Ora, como já amplamente discutido, já se passaram mais de 7 anos desde a extinção da punibilidade do delito anteriormente praticado e portanto, conforme o STF, não será considerado reincidente e sequer se considerará maus antecedentes. Logo, a fundamentação do Nobre Magistrado não se faz idônea, nos termos do artigo 93, IX, da CF.

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Ademais, como este mesmo expressamente, com base nas provas dos autos, rechaça a ocorrência de atividade criminosa por parte do réu, muito menos que este participe de organizações criminosas, não existe empecilho para o deferimento da diminuição.

Ressalta-se ainda que não é faculdade do magistrado a aplicação de institutos que beneficiem o réu, ao contrário, se torna obrigação e portanto, como decidiu o STF, a benesse é passível inclusive de ser dada de ofício pelo Tribunal.

Desta forma, deve esta ser concedida em sua máxima valoração para atenuar a pena imposta na proporção total da atenuante, ou seja, 2/3 da pena base, eis que não contém o réu qualquer circunstância que o desabone.

Ademais, tal deve ser assim interpretado como forma de solução processual muito citada por Aury Lopes Jr. E Gustavo Badaró quando a solução processual é utilizada para compensar o autor pelo período que permaneceu enclausurado quando a Lei lhe permitia o contrário. Logo, necessário conceder a proporção máxima da atenuante, já que fora admitida no caso uma reincidência que não existe no sistema penal, como já amplamente relatado e esta ainda foi a justificativa para manter o réu preso durante o procedimento.

d) Do recálculo da pena

Considerando-se todo o acima exposto, o réu não deve permanecer com a pena a ele atribuída, qual seja, 5 anos e 10 meses. Por força da aplicação da diminuição de pena, tendo os Desembargadores analisado com parcimônia e dedicação o caso, chegarão à conclusão inevitável que o réu é merecedor de uma pena menor que 4 anos (dada incidência utilizada para configurar a diminuição prevista no artigo 33, § 4 º, da Lei 11. 343/2006).

Dessa feita, como o próprio STF já considerou o dispositivo que previa a impossibilidade de aplicação de pena restritiva de direito em caso de controle difuso como inconstitucional, gerando posteriormente a Resolução nº 5 do Senado que possibilita a conversão da pena. Logo, o réu faz jus a esta, nos termos do artigo 44, I, do CP.

Ademais, caso não seja este o entendimento de Vossas Excelências, que adotando a sistemática requerida nesta peça, o nobre Julgador possa conceder uma pena menor que 4 anos e portanto, passível de regime aberto, nos termos do artigo 33, § 2º, “C”.

III – Dos pedidos

Preliminarmente, a concessão de liberdade provisória sem fiança com o competente alvará de soltura. Que não seja acatada a majorante do artigo 40, III, da Lei de Drogas, afastando a reincidência, bem como que lhe seja reconhecida a aplicação da causa de diminuição de pena do artigo 33, § 4º, da Lei de Drogas dando o direito ao réu ao cumprimento de penas restritivas de direito e subsidiariamente o cumprimento da pena privativa de liberdade inicialmente no regime aberto.

Local, XX/XX/XX

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CEI-DPE’SESPELHO DE CORREÇÃO DA 1ª RODADA

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Defensor Público Estadual.

JULIANA PEPEU

Razões de Apelação

Apelante: Juliano

Apelado: Ministério Público Estadual

Colenda Câmara, Eminentes Julgadores:

I - Breve resumo dos fatos

O acusado foi processado como incurso nos artigos 33, caput, c/c art. 40, inciso III, da Lei 11.343/06, tendo o réu sido flagrado na posse de substância supostamente identificada como cocaína, ao sair do metrô em São Paulo/SP. A denúncia foi oferecida pelo Ministério Público, sendo recebida pelo d. juízo, que ao sentenciar a lide, condenou o recorrente à pena privativa de liberdade, fixando-a em cinco anos e dez meses de reclusão, incluído um sexto da causa de aumento, devendo iniciar o cumprimento da pena em regime semiaberto, outrossim, sendo negado seu direito de recorrer em liberdade.

II – Das prerrogativas da Defensoria Pública

Requer sejam observadas as prerrogativas funcionais do prazo em dobro e da necessidade de intimação pessoal dos Defensores Públicos, na forma do art. 89, I da Lei Complementar 80/04 (reformada pela Lei Complementar 132/09), a fim seja afastada eventual arguição de nulidade.

III – Da configuração do tráfico privilegiado – art. 33, §4º da Lei 11.343.06

Como ficou comprovado ao longo da instrução criminal o réu preenche todos os requisitos para incidência da referida causa de diminuição de pena, não podendo pena já extinta impedir a concessão do benefício.

a) Da impossibilidade da condenação pretérita superior a cinco anos configurar maus antecedentes

Trata-se de réu primário uma vez que já transcorrido o período depurador da reincidência. Ocorre, contudo, que o juiz de piso negou a aplicação da minorante com fundamento nos supostos maus antecedentes do acusado.

Segundo precedentes do Supremo Tribunal Federal, a existência de condenação anterior, ocorrida em prazo superior a cinco anos, contado da extinção da pena, também não poderá ser considerada como maus antecedentes. Após o prazo de 5 anos previsto no art. 64, I, do CP, cessam não apenas os efeitos decorrentes da reincidência, mas também qualquer outra valoração negativa por condutas pretéritas praticadas pelo réu.

Ora, se essas condenações não mais servem para o efeito da reincidência, com muito maior razão não devem valer para fins de antecedentes criminais, pelos efeitos deletérios da reincidência.

A sentença, portanto, merece reforma ao considerar a anterior condenação cuja pena já foi extinta pelo

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cumprimento da pena, há mais de sete anos, não podendo, assim, fundamentar as razões apresentadas pelo magistrado para impedir a concessão da redução da pena, que avaliou abstratamente a gravidade da conduta, sem que houvesse qualquer indício verossímil para tanto.

O impedimento criado pelo magistrado não tem fundamento legal, sendo, portanto, arbitrário e ilegal. Como constatado, o réu preenche todos os requisitos para a concessão da minorante no seu máximo: é primário, de bons antecedentes, já que a condenação superior a cinco anos não pode ser considerada maus antecedentes, não se dedica às atividades criminosas nem integra organização criminosa.

Portanto, a pena deve ser fixada no mínimo de um ano e oito meses, em regime aberto, na forma do art. 33, §2º, c, do Código Penal.

IV – Do afastamento da causa de aumento do inciso III, do art. 40 da Lei 11.343/06

O juiz sentenciante aplicou a majorante considerando que o réu trazia a droga consigo em transporte público de passageiro. Ocorre que, o réu foi flagrado fora do metrô, não estando sequer dentro de transporte coletivo.

Como vem decidindo recentemente o Supremo Tribunal Federal, para que incida a majorante do inciso III, do art. 40 no caso em questão, seria preciso que o acusado estivesse difundindo a droga dentro transporte coletivo, o que não restou configurado, já que o réu sequer se encontrava dentro do transporte, quando foi surpreendido em flagrante.

Dessa forma, a mera utilização do transporte público para o carregamento comercialização da droga não leva à aplicação da causa de aumento do referido dispositivo, devendo, portanto, ser desconsiderado o aumento de um sexto, devendo ser aplicada no seu mínimo legal.

V – Do direito de recorrer em liberdade – da homogeneidade das prisões cautelares

O réu respondeu todo o processo privado da sua liberdade, ocorrendo no caso verdadeira inversão dos valores constitucionais que regem o processo penal.

A partir da CRFB/88 a prisão se tornou exceção, devendo-se obediência ao princípio da presunção de não culpabilidade e da vedação das execuções provisórias da pena (art. 5º, LV, LVII e LXVI).

Ausentes os requisitos que autorizam a prisão preventiva, o réu responde o processo em liberdade. No caso em tela, não há qualquer razão para que o réu permanecesse preso, além da gravidade abstrata do delito. Nenhum requisito do art. 312 e 313, do CPP ficou evidenciado para justificar a segregação cautelar do réu.

Conforme farta jurisprudência dos Tribunais Superiores, o que realmente influencia para que se mantenha ou não a prisão é a existência de indícios concretos de que a custódia é necessária para a garantia da ordem pública, para a conveniência da instrução criminal ou para evitar riscos à aplicação da lei penal. Trata-se da aplicação do princípio da homogeneidade da prisão, a qual demanda que haja proporcionalidade entre a pena provisoriamente cumprida e a pena final a ser definitivamente aplicada na sentença.

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Não obstante, o Supremo Tribunal Federal, desde 2012, declarou inconstitucional a vedação da concessão da liberdade provisória para o crime de tráfico de drogas, dando interpretação conforme à Constituição do caput do art. 44 da Lei 11.343/06 para excluir a referida vedação, sob pena de lesão ao princípio da individualização da pena.

A restrição da liberdade deve ser aplicada como ultima ratio, ainda após a reforma da Lei 12.403/11, a qual previu a imposição de medidas cautelares pessoais diversas da prisão, justamente para evitar o cárcere.

A sentença, portanto, merece reforma ao considerar a anterior condenação cuja pena já foi extinta pelo cumprimento da pena, há mais de sete anos, não podendo, assim, fundamentar as razões apresentadas pelo magistrado para impedir a concessão da liberdade ao réu, avaliando abstratamente o risco de reiteração da conduta, sem que houvesse qualquer indício verossímil e concreto para tanto.

VI – Do pedido:

Ante todo o exposto, requer sejam admitidas as presentes razões e providas para:

a) seja reformada a sentença para ser aplicada a minorante do art. 33, §4º, fixando a pena base em um ano e oito meses, para ser cumprida em regime aberto;

b) seja reformada a sentença para que afastar a majorante do inciso III, art. 40 da Lei 11.343/06;

c) seja concedida a liberdade provisória ao réu até o transito em julgado da sentença, requerendo sejam fixadas medidas cautelares diversas da prisão, a qual deve ser aplicada apenas um último caso, presentes os requisitos autorizadores;

d) a observância das prerrogativas institucionais da Defensoria Pública.

Pede deferimento.

São Paulo, data.

Defensor Público.

LAYSA BITENCOURT PEREIRA

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