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CRIANAS, ALGORITMOS E SISTEMA DE NUMERAO DECIMAL

CRIANAS, ALGORITMOS E SISTEMA DE NUMERAO DECIMAL

Cllia Maria Ignatius Nogueira PCM PCM - Programa de Ps-graduao em Educao para a Cincia e Ensino de Matemtica-UEM UEM Universidade Estadual de Maring - PR - [email protected]

Marcela Boccoli Signorini PCM- UEM - [email protected]

Introduo

O problema de pesquisa da investigao que originou este artigo surgiu da inquietao das autoras acerca do ensino da aritmtica com nfase nos procedimentos algortmicos durante os dois primeiros ciclos do ensino fundamental. Embora a inquietao fosse comum, as razes que as desencadearam foram distintas. Para uma das autoras, ela teve origem numa pergunta corriqueira, de me para filho. Indagando seu filho, ento no segundo ano do ensino fundamental, no momento em que este retornava da escola, sobre o que ele havia aprendido em matemtica, recebeu como resposta apenas arme e efetue. E mesmo quando especificou mais a indagao, tentando descobrir qual era a operao que estava sendo trabalhada, a resposta se repetiu: No sei, s fiz arme e efetue hoje! Surgiu dessa situao a apreenso da primeira pesquisadora com a estratgia do arme e efetue. Afinal, a criana aprendeu os procedimentos, mas no se lembrava que operao se referiam!

Refletindo acerca dessa situao, a primeira pesquisadora considerou natural a reao de seu filho, pois, a estratgia do arme e efetue, bastante incorporada ao fazer pedaggico do professor, consiste em resolver exerccios envolvendo clculos matemticos que no exigem dos alunos sequer a leitura de enunciados, pois basta operar usando tcnicas, em atividades desvinculadas de qualquer contexto.

A inquietao da segunda pesquisadora em relao ao ensino centrado nos algoritmos tem origem na sua prpria prtica pedaggica, pois a mesma participa, desde 2003, do projeto denominado Sala de Apoio Aprendizagem implantado, nas escolas pblicas do estado do Paran, naquele ano. A atuao da segunda pesquisadora se realiza, em perodo contra-turno, junto a alunos de 5 srie do Ensino Fundamental. As crianas selecionadas para compor a Sala de Apoio so alunos que, segundo diagnstico do professor regente da turma, apresentam defasagem no aprendizado dos contedos de matemtica das sries anteriores (1 a 4 srie), isto , no dominam as tcnicas operatrias, e poucos manifestam outras estratgias de resoluo. Assim, a maior parte do tempo de estudos na sala de apoio era empregada na cansativa tarefa de resolver contas.

O trabalho desgastante tanto a professora quanto os alunos, que, depois de algum tempo, acabam perdendo o interesse em participar das aulas de apoio, pois lhes cansativo ficar repetindo contas que, segundo a professora, carecem de sentido.

As duas pesquisadoras foram reunidas num programa de mestrado, como orientadora e orientada e, de suas inquietaes comuns, emergiu o problema de pesquisa.

Uma primeira indagao foi: para que seria importante o domnio do algoritmo das operaes aritmticas elementares, uma vez que calculadoras acessveis a todos, executam, com maior rapidez e preciso os clculos necessrios? Se as crianas, sequer se lembram de que operaes trataram, ao resolverem os exerccios de arme e efetue, qual seria o conhecimento construdo? E mais, se tantas crianas, na quinta srie, aps anos de trabalho com os algoritmos ainda apresentavam dificuldades em resolv-los, ento a nfase nesses procedimentos sequer atendia seu objetivo primeiro, o de dominar as tcnicas algortmicas? Ser que aprender a resolver os algoritmos das operaes aritmticas elementares contribui para o desenvolvimento do raciocnio?

Certamente essas questes j esto praticamente respondidas, uma vez que seguir e respeitar regras contribui apenas para manter o aluno passivo frente ao aprendizado e dependente da aprovao de outros, isto , no o incentiva a ser questionador e muito menos educa para autonomia. Como as calculadoras resolvem muito bem (e no dia a dia so sempre solicitadas para isso) as necessidades em caso de contas nas quais a preciso necessria e o clculo mental e estimativas que so usados, na maior parte do tempo, para a soluo de nossos problemas cotidianos, por que tanto trabalho com os algoritmos?

Uma possvel resposta a esta ltima questo poderia ser que a importncia do trabalho com os algoritmos deveria estar na prpria construo do conhecimento matemtico. Mas, para a construo de qual conceito especificamente, a rdua tarefa de desenvolver os algoritmos poderia contribuir? Com a compreenso dos significados das operaes ou aplicaes no mundo real, seguramente no, pois nada nos algoritmos se relaciona diretamente com as operaes e as calculadoras resolvem as necessidades cotidianas.

Diante dessa reflexo e do fato de que os algoritmos so procedimentos fundamentados nos princpios e nas propriedades do Sistema de Numerao Decimal era legtimo indagar se o objetivo implcito neste intenso trabalho estaria na consolidao ou mesmo na compreenso desse sistema pelas crianas.

Foi estabelecido ento, o problema da pesquisa: H construo do conhecimento matemtico, particularmente do Sistema de Numerao Decimal, o SND, a partir do ensino da aritmtica, com nfase nos procedimentos algortmicos?

Para a consecuo deste objetivo foram estabelecidos dois outros, mais especficos: investigar se a utilizao dos algoritmos, na resoluo das operaes de adio e subtrao, permite a flexibilidade de pensamento da criana, ou seja, se alm de empregar os procedimentos convencionais ela tambm utiliza outras estratgias, como, por exemplo, o clculo mental, na resoluo das operaes de adio e subtrao; e investigar se a criana, ao resolver os algoritmos de adio ou subtrao, percebe os princpios e as propriedades do Sistema de Numerao Decimal implcitos nesse procedimento.

Os procedimentos metodolgicos foram: 1) levantamento dos postulados tericos do Mtodo Clnico Crtico; 2) levantamento dos postulados tericos do Sistema de Numerao Decimal; 3) estabelecimento das estratgias de investigao; 4) seleo dos 20 sujeitos que participaram de nosso estudo e do local; 5) anlise do livro didtico adotado pela escola e 6) aplicao das provas matemticas.

O mtodo

A opo pelo Mtodo Clnico Crtico de Jean Piaget como orientao terica e metodolgica investigao se deu em funo dele permitir ir alm das informaes contidas em um instrumento de coleta de dados, possibilitando a livre conversao entre as pesquisadoras e a criana entrevistada, dito de outra forma, pela necessidade de englobar a idia do subjetivo, considerando no apenas o que verbalizado pelo entrevistado, mas tambm, a narrativa que permaneceram silenciadas (D AMBROSIO, 2004).

Os sujeitos colaboradores

Fizeram parte desta pesquisa vinte crianas (N=20) de uma escola pblica estadual do municpio de Maring-Paran, sendo que, dez pertenciam terceira srie do ciclo bsico e dez cursavam a quinta srie do Ensino Fundamental. Estes dois grupos foram subdivididos ainda em outros dois grupos menores composto por cinco crianas que, segundo suas professoras, apresentavam bom desempenho de aprendizagem em Matemtica e cinco que apresentavam desempenho tido com insuficiente.

A escolha de crianas nestas sries especficas foi feita em funo dos estudos de Kamii (1995b) para quem: o sistema decimal aparece pela primeira vez na segunda srie, e que a proporo de crianas nessa categoria aumenta da para frente, ou seja, a construo do sistema de dezenas ocorre gradativamente durante o perodo que compreende a segunda quinta srie.

A inteno foi comparar as argumentaes utilizadas pelas crianas de terceira srie, que segundo Kamii (1995b) estavam no incio da construo do SND, com aquelas que j se encontravam em fase de consolidao, para tentar inferir o papel desempenhado pelo ensino algortmico.

A escola foi escolhida a partir de indicao do Ncleo Regional de Educao da Secretaria de Educao do Estado do Paran, que a considera como a escola de melhor desempenho nas avaliaes institucionais.

Estabelecimento das estratgias de investigao

Para atender aos objetivos propostos foram estabelecidas cinco estratgias de investigao, a saber:

a primeira denominada da direita para a esquerda, investigou se as crianas compreendem a importncia da organizao espacial do algoritmo, isto , para operar corretamente, as unidades devem estar embaixo das unidades, as dezenas na coluna das dezenas, etc.;a segunda estratgia, para alm do algoritmo questionou se h outras maneiras de fazer as contas de adio e subtrao sem lanar mo dos algoritmos convencionais, com a inteno de investigar se as crianas utilizam outras tticas de resoluo, bem como quais so elas;terceira, a tcnica do vai um, consistiu em investigar se as crianas ao desenvolverem o procedimento algortmico da adio, percebem que a esto implcitos os princpios e as propriedades do Sistema de Numerao Decimal, mais especificamente, se elas compreendem o valor posicional do algarismo;a quarta estratgia, tcnica do empresta um, permitiu observar se as crianas entendem que, na subtrao com reserva, elas devem, antes de iniciar a conta, decompor uma dezena em dez unidades, somente ento poder subtrair. Esta estratgia tambm permitiu investigar se a criana percebe, no algoritmo da subtrao, o sistema de numerao decimal. na ltima estratgia, prova real, o objetivo foi investigar se as crianas entendem as operaes de adio e subtrao como operaes inversas, podendo utilizar uma para confirmar o resultado da outra.

As estratgias mencionadas foram embasadas nos princpios e propriedades do SND, particularmente no princpio posicional e nas recomendaes para o trabalho pedaggico com o clculo, que priorizam o trabalho simultneo entre o clculo escrito e o mental, constantes nos Parmetros Curriculares Nacionais.

Procedimentos para a aplicao da prova matemtica

Cada criana participou de um nico encontro com uma das pesquisadoras, durante o qual lhe foi proposto que resolvesse algumas contas, sendo duas de adio e quatro de subtrao, com graus de complexidades diferentes. Essas se encontravam dispostas na forma de sentena matemtica, em uma folha de sulfite branca, conforme a disposio abaixo:

a) 135 + 99 =

b) 1035 + 999 =

c) 63 54 =

d) 3058 2379 =

e) 2014 1989 =

f) 100 24 =

Em todas elas a criana necessitava lanar mo do uso de recursos (decomposio ou reagrupamento) para a sua resoluo. Foram escolhidas, na maioria, contas contendo no mnimo trs dgitos no minuendo (no caso das subtraes), com o intuito de se ter um grau de dificuldade maior. Para resolver as contas propostas, seguindo os procedimentos algortmicos convencionais, as crianas deveriam seguir algumas exigncias tais como:

Na conta 135 + 99, o aluno necessita transformar dez unidades em uma dezena, somando-a com as dezenas j existentes e dez dezenas em uma centena, somando-a com as centenas existentes.Na conta 1053 + 999, o aluno necessita transformar dez unidades em uma dezena, somando-a com as dezenas j existentes, e dez dezenas em uma centena, somando-a com as centenas existentes, sendo que na primeira parcela existe um zero na casa das centenas, depois, transformar dez centenas em um milhar e somar ao milhar j existente.Na conta 63 54 a criana dever decompor uma dezena em dez unidades, somando-a com as unidades j existentes para poder efetuar a conta.Na conta 3058 2379, o aluno dever decompor uma dezena em dez unidades, adicionando-a s unidades existentes para depois subtrair, em seguida, como na casa da centena do minuendo existe um zero, dever decompor uma unidade de milhar em dez centenas, para depois decompor uma centena em dez dezenas e continuar a subtrao.Na conta 2014 1989, a criana proceder da mesma forma que na subtrao anterior. Dever decompor uma dezena em dez unidades, adicionando-a s unidades existentes, para depois subtrair; em seguida, como na casa da centena do minuendo existe um zero, dever decompor uma unidade de milhar em dez centenas, para depois decompor uma centena em dez dezenas e continuar a subtrao.Na conta 100 24, como a casa da dezena zero o aluno necessitar primeiro decompor uma centena em dez dezenas, para depois decompor uma dezena em dez unidades e realizar o clculo.

A conversa com as crianas foi orientada por um roteiro semi-estruturado, contendo algumas questes pr-definidas que contemplavam o propsito da investigao. Enquanto as crianas desenvolviam os clculos, foram feitas intervenes com a finalidade de direcionar as explicaes para os objetivos da pesquisa. As questes que nortearam a entrevista foram: Porque tem que organizar a conta dessa forma? Como voc ensinaria uma criana do 1 ano a fazer esta conta? O que vai um? O que emprestar um? Um o qu? Ser que est realmente a resposta correta?Como voc mostraria para um amigo que esta conta esta certa? Se eu no tivesse lpis e papel daria para resolver uma conta de mais ou de menos? Ser que tem outro jeito de fazer essa conta sem ser o jeito que a gente aprende na escola?

Esse roteiro teve a finalidade de orientar a entrevista, porm, a conversa seguia sempre a diretriz determinada pelas crianas sem que, todavia, os objetivos fossem perdidos de vista. O recurso tcnico empregado para gravar as entrevistas com as 20 crianas foi a utilizao de um gravador cassete. Cada entrevista durou 30 minutos e, em seu decorrer, quando se fez necessrio, a pesquisadora fez registros em um caderno de anotaes. As entrevistas eram iniciadas com a explicao para a criana da necessidade do uso do gravador para o registro de nossas conversas.

A anlise

Inicialmente, foram feitas as transcries das entrevistas e uma leitura minuciosa dessas transcries, em conjunto com os protocolos de cada criana, tendo em vista as estratgias de investigao adotadas: da direita para a esquerda, para alm do algoritmo, a tcnica do vai um, a tcnica do empresta um, e a prova real.

Da direita para a esquerda

Para investigar se as crianas colaboradoras da pesquisa entendem a organizao espacial do algoritmo, durante a entrevista, eram indagadas quais as razes pelas quais necessrio organizar os nmeros da maneira como o fazemos (da direita para a esquerda) para poder efetuar a conta. As contas de apoio para situar esse questionamento foram as duas operaes de adio propostas.

Todas as crianas entrevistadas sabiam que para chegar ao resultado adequado da operao proposta era necessria a correta organizao espacial do algoritmo, em outras palavras, elas estavam convictas de que devemos organizar os nmeros de forma que as unidades sejam adicionadas s unidades, as dezenas adicionadas s dezenas, as centenas adicionadas s centenas e assim sucessivamente. No entanto, quando eram indagadas sobre o motivo por que essa organizao deveria ser mantida, elas recorriam prpria organizao espacial do algoritmo como nico argumento para justificar sua ao, como atestou a fala de C8: A unidade embaixo de unidade, dezena embaixo de dezena, centena embaixo de centena. A da unidade no pode deixar vazia. A casinha. Ou a de A1: Unidade embaixo de unidade, dezena embaixo de dezena e centena embaixo de centena.

Analisando essas frases que as crianas repetiram de maneira automtica, a impresso a de que esto copiando de algum lugar, porm, no entendem realmente o que isso significa. Este fato evidencia que o importante no a repetio das regras de um procedimento sem a devida compreenso, e sim, propiciar situaes de aprendizagem que permitam s crianas descobrirem as razes que fundamentam o algoritmo convencional, como, por exemplo, a formulao de perguntas acerca da pertinncia ou no da utilizao do algoritmo formal, a fim de levar a prpria criana a indagar se possvel obter o mesmo resultado para uma determinada operao, procedendo da direita para a esquerda ou vice-versa (LERNER, 1995).

Para alm do algoritmo

Para investigar se as crianas utilizavam outras tcnicas operatrias, por exemplo, o clculo mental, algumas das contas a elas apresentadas foram contextualizadas durante as entrevistas e lhes era indagado se seria possvel resolver a questo sem o uso de lpis e papel. Para essa estratgia foi selecionada, uma conta de subtrao (10024) e duas de adio (135+99 e 1035+999) que foram utilizadas aleatoriamente, conforme andamento da entrevista. A seleo das duas operaes de adio deve-se ao fato de ser possvel fazer em cada uma delas, o arredondamento de uma das parcelas (99 ou 999), facilitando assim o clculo mental.

A aplicao dessa prova deixou evidente a insegurana das crianas no momento de emitir uma resposta totalmente sua, sem o amparo ou aprovao de outros, indcio de carncia de autonomia na aprendizagem. Tambm ficou patente a ausncia de uma reorganizao pessoal do conhecimento, suscitando indagaes, cujas respostas nossa pesquisa foi insuficiente para responder, tais como: a ausncia de reorganizao pessoal do conhecimento deve-se ao fato de que o seu desenvolvimento cognitivo no lhe permite, no momento, aprender determinado tema ou o processo de ensino a que foi submetida, que no lhe possibilitou a construo desse conhecimento.

A impossibilidade da quase totalidade das crianas entrevistadas de realizarem clculos mentais despertou ateno para outro aspecto fundamental: a educao para a cidadania. No existe contedo especfico de Matemtica para a cidadania, todavia, quando a criana capaz de efetuar clculos mentais e ter confiana nos resultados obtidos, ela est exercendo sua cidadania matemtica. com discusses e troca de idias que a criana vai desenvolvendo sua autoconfiana, fator indispensvel para que ela se aventure em experincias matemticas fora do contexto escolar:

O clculo mental uma via de acesso compreenso e construo do algoritmo convencional, ao mesmo tempo em que funciona como ferramenta de controle do mesmo. Contudo, para que isso seja possvel necessrio que o clculo mental se torne automtico, liberando a criana para a construo de um novo conhecimento matemtico (PARRA, 1996).

A tcnica do vai um

A investigao da compreenso das crianas acerca do fato de que a tcnica do vai um se fundamenta no Valor Posicional e utiliza as propriedades do Sistema de Numerao Decimal, foi feita a partir da resoluo de duas contas de adio: 135 + 99 e 1035 + 999. Entre as cinco crianas de terceira srie, com bom desempenho escolar, quatro chegaram corretamente ao resultado. A nica que no obteve o resultado correto efetuou as duas operaes como sendo de subtrao (o que pode ser atribudo falta de ateno).

A anlise dos resultados obtidos a partir dessa estratgia aponta: problemas de compreenso dos conceitos de nmero e algarismo, o que pode ser confirmado em vrios momentos do relato das crianas, tanto nas de quinta quanto nas de terceira, com bom desempenho ou com desempenho insuficiente na aprendizagem Matemtica. O que muda apenas a maneira de se expressar, particular de cada criana, por exemplo, o 1 desse 14, , o 1 1 e o 4 4, o nmero 1 que subiu.

Outro fato importante a falta de conexo entre conceito e procedimento, nenhuma criana entrevistada conseguiu explicar que para operar corretamente o algoritmo da adio necessrio ficar atentos s regras que so necessrias seguir. Apesar de saber faz-las, sua ao no consciente a ponto de entender que tais regras esto fundamentadas no Sistema de Numerao Decimal. Comprova essa afirmao os fatos de elas no terem emitido resposta adequada quando indagamos o que era o um que subia.

Foi possvel perceber tambm, ao longo das entrevistas, que elas manifestavam muita insegurana e falta de autonomia, o que pode ser confirmado na afirmao de C7: a professora ensinou tudo assim, e na ausncia de argumentao das crianas entrevistadas, fcil concordar com Kamii (1995a-b) quanto necessidade de propiciar criana tempo suficiente para a construo do sistema de unidades, para que no fique prejudicada a construo do sistema de dezenas, mas para isso a criana precisa ser autnoma em sua educao, pois a construo das relaes hierrquicas depende da sua prpria ao mental.

A investigao realizada confirma os resultados de Lerner (1995), pois mostra que as crianas tm dificuldades em entender que o mesmo algarismo serve para escrever vrios nmeros, dito de outra maneira, o 1 colocado na ordem das unidades 1 unidade, no entanto, quando colocado na ordem das dezenas, passa a ser 1 dezena, ou seja, 10 unidades. Ainda segundo Lerner (1995) um sistema de numerao to complexo quanto o SND deve ser apresentado para as crianas de diversas formas, na tentativa de proporcionar a elas a compreenso dos seus princpios e propriedades.

Tanto Kamii (1995 a-b) quanto Lerner (1995) apontam que o ensino dos algoritmos convencionais das operaes elementares no deve ser feito desvinculado do SND. As autoras diferem, todavia, num ponto. Kamii (1995-b) ope-se radicalmente a este ensino nas sries iniciais, considerando-o, inclusive, prejudicial, enquanto que Lerner (1995) enxerga possibilidades de colaborao entre o trabalho pedaggico com os algoritmos e a construo e consolidao do SND.

A tcnica do empresta um

Na investigao de como as crianas compreendem a subtrao com reserva que, como a estratgia anterior, fundamenta-se no Valor Posicional, foram propostas trs contas: 63 54; 3058 2379 e 2014 1989. Pela anlise da explicao de C1 fica visvel que a regra para a resoluo do algoritmo foi memorizada (o que pode ser constatado no primeiro pargrafo da transcrio) e que essa criana tem uma compresso parcial do procedimento utilizado, pois consegue perceber o um que emprestou como uma dezena:

C1 63 comea de cima e pela unidade. 3 no d pra tirar da 4 ,ento, vai pegar emprestado do 6. Ento fica 13.

P Quanto que pega emprestado do 6?

C1 Pega s 1, que aumenta uma dezena.

A anlise dos resultados aponta que as crianas entrevistadas, apesar de utilizarem o algoritmo da subtrao, no tm conhecimento do conceito necessrio para entender o mecanismo que utilizam. As explicaes das crianas de terceira e quinta sries no diferem de maneira significativa, apesar de mencionarem a necessidade de pegar uma dezena emprestada para poder operar (como afirmou C1). No conseguiam finalizar a explicao de forma adequada. O algarismo era percebido desvinculado da quantidade que ele representa em cada ordem.

Novamente aqui, os resultados da investigao realizada confirmam os resultados de Lerner (1995) e apontam para a necessidade de mudar o enfoque que a escola tem dado para o trabalho com as operaes, visando propiciar s crianas, uma prtica pedaggica que possibilite a (real) construo dos conhecimentos matemticos.

Como Kamii (1995 a-b) comprovou em suas pesquisas, o SND requer um longo perodo de tempo para ser sedimentado. indispensvel proporcionar s crianas condies para essa construo visando compreenso de conceitos que so indispensveis ao entendimento do valor do um que se pede emprestado, por exemplo.

A prova real

Durante a entrevista com as crianas colaboradoras, foi indagado se seria possvel conferir o resultado da conta e, se a resposta fosse afirmativa, como deveria ser feita essa confirmao. Ao analisar os protocolos das crianas de terceira srie que apresentavam desempenho satisfatrio em Matemtica, observou-se que elas se confundem ao tentar mostrar como fazer a prova real. C1 s conseguiu definir o que deveria ser feito aps a verificao das duas hipteses por ela apresentadas, indcio de que o conceito do Princpio Fundamental da subtrao ainda no estava devidamente compreendido por ele.

P Se chegasse um amiguinho l da sua sala e falasse assim: essa continha est certa mesmo? Voc saberia responder se ela est certa?

C1 A, eu no ia ter certeza, mas eu acho que t certa.

P E tem um jeito de fazer para comprovar, para ter certeza?

C1 Fazendo a prova real.

P Como faz a prova real?

C1 Aqui, tem o 9, ento, vai ter que fazer 9 mais 54 ou 9 mais 63. Se for 9 mais 63, d 54, t certa, se for 9 mais 54, d 63, t certo.

P Vamos fazer uma vez pra gente ver?

C1 Assim, faz 9 mais 63. 9 mais 3, 12 sobe um. 1 mais 6, 7. 72, t errado.

P A outra criana que eu entrevistei me falou que faz com o 54.

C1 Talvez. T certo. 54 mais. 9 mais 4, 13. 1 mais.5. 63, t certo.

A anlise das explicaes de C1 evidencia que a compreenso da relao inversa entre adio e subtrao ainda se constitui em um obstculo a ser transposto pelas crianas, que necessitavam de reflexo acerca das aes para que percebessem a reversibilidade existente entre as operaes. Em outras palavras, elas precisavam perceber que retornas ao ponto de sada ao inverter a ordem do caminho percorrido.

Consideraes Finais

Muitos autores como Lerner (1995), Kamii (1995a-b), Carraher, Carraher e Schliemann (1983), Bariccatti (2003), Golbert (2002), Brizuela (2006) entre outros se dedicaram a investigar as dificuldades no ensino e aprendizagem da aritmtica nas sries iniciais e, dentre os diversos resultados obtidos, alguns evidenciaram que o Sistema de Numerao Decimal no um conhecimento estritamente social, o que significa, em outras palavras, que o mesmo construdo, e mais, mostraram, tambm, que esta construo se inicia pelo sistema de unidades, depois pelo sistema de dezenas, culminando com o Sistema de Numerao Decimal, com todas suas classes e ordens. Ainda segundo algumas das pesquisas mencionadas, a construo do sistema de dezenas acontece dos 8 aos 12 anos de idade aproximadamente, isto , durante o perodo que compreende a 2 5 srie, razo pela qual a presente pesquisa, que investigou se o ensino da aritmtica, com nfase nos algoritmos convencionais, contribui para a construo do Sistema de Numerao Decimal entrevistou crianas de 3 srie do Ensino Fundamental, fase em que elas j iniciaram a construo do sistema de dezenas, e crianas de 5 srie do Ensino Fundamental, momento de fechamento e consolidao dessa construo.

Pais (2006) afirma que o algoritmo um dispositivo utilizado na resoluo de situaes-problema com a inteno de simplificar o clculo, porm, para que haja real compreenso dos fundamentos desse procedimento convencional necessrio que se tenha um amplo conhecimento matemtico. A insero incorreta dos procedimentos convencionais, no ensino da aritmtica, tem contribudo para a no compreenso desse dispositivo como, por exemplo, a concepo equivocada de que a repetio das aes nele prevista pode levar ao seu entendimento, ou seja, a percepo do conhecimento matemtico que o sustenta, o Sistema de Numerao Decimal.

Lerner (1995) considera que a falta de compreenso do processo de resoluo dos algoritmos se deve ao tratamento desse procedimento desvinculado do Sistema de Numerao Decimal, que de natureza posicional. Para os adultos, que j passaram pelo processo de construo e reconstruo dos princpios do sistema de numerao decimal, fcil trabalhar com um sistema de base dez, mas as crianas em fase de aprendizado percorrem, em um curto espao de tempo, toda construo que a humanidade levou sculos para aprimorar.

Os resultados da investigao realizada apontam que no houve diferena significativa nas respostas das crianas de 3 e 5 sries, pois as mesmas dificuldades de argumentao encontradas pelo primeiro grupo tambm foram observadas nas respostas do segundo. Mesmo quando conseguem resolver as contas de adio e de subtrao com reserva, as crianas parecem apenas ter memorizado as regras mecanicamente, sem entender que os princpios e as propriedades do Sistema de Numerao Decimal esto na base das tcnicas operatrias dessas operaes. A atuao das crianas indica que o Sistema de Numerao Decimal no est consolidado, e assim, podemos constatar que o ensino da aritmtica centrado nos algoritmos no possibilitou avanos significativos no que se refere efetiva construo deste sistema.

Por outro lado, constatou-se tambm que, apesar de haverem cursado no mnimo quatro anos do Ensino Fundamental, quando chegam quinta srie, algumas crianas apresentam dificuldades, ou mesmo no sabem como utilizar as tcnicas operatrias de resoluo das operaes aritmticas de adio e de subtrao, indicio de que o objetivo da aprendizagem dos procedimentos algortmicos no foi atingido.

Enfim, se pesquisas anteriores demonstraram que o ensino, com nfase nos algoritmos, no contribui para o desenvolvimento da autonomia do educando e nem promove o desenvolvimento da capacidade de argumentao, esta pesquisa aponta que esta nfase no colabora sequer com a construo do conhecimento matemtico, particularmente o que se refere ao Sistema de Numerao Decimal.

Existe um distanciamento quase que total entre a aprendizagem dos algoritmos convencionais e os princpios e propriedades do SND, o que , certamente, uma concluso preocupante considerando-se que a conexo entre essas duas habilidades no se desenvolve espontaneamente, ou seja, a criana que opera adequadamente os algoritmos convencionais da adio e da subtrao pode no perceber a sua relao com o Sistema de Numerao Decimal.

No se recomenda, aqui, que o estudo dos algoritmos convencionais seja abandonado, afinal, eles so muito teis para simplificar as operaes matemticas. Porm, o ensino no deve priorizar a memorizao inexpressiva dos procedimentos, em detrimento da compreenso dos princpios e propriedades que possibilitam seu funcionamento lgico-matemtico.

Promover conexo entre procedimento e conceito deve ser um dos principais objetivos da Educao Matemtica, entretanto, para que ele seja alcanado, devem-se dispensar ateno especial s variveis envolvidas nesse processo educativo, como: Qual metodologia deve ser utilizada para promover essa conexo? O livro didtico, por ser um instrumento muito utilizado pelo professor, no deveria contemplar as orientaes dos PCNS e das atuais pesquisas? O professor, como mediador do conhecimento, no deveria ser munido de subsdios indispensveis a uma prtica escolar que vise autonomia do conhecimento?

evidente que essas questes j foram discutidas por outros pesquisadores e muitas propostas j foram feitas, porm, ao se confirmar que as crianas no percebem a relao existente entre o algoritmo convencional e os princpios e propriedades do Sistema de Numerao Decimal, o que se infere que essas propostas no foram incorporadas pelo processo educativo. Frente a essa realidade, pertinente indagar o que ainda necessrio fazer para lev-las ao interior das escolas, para que se tornem efetivamente teis. Esta uma questo importante, que este estudo no d conta de responder, porm, pode subsidiar outras pesquisas.

Apesar das limitaes desta pesquisa, em virtude da abrangncia do tema abordado, a esperana que ela possa juntar-se s vrias outras, relacionadas mesma temtica, com o intuito de fornecer subsdios que fomentem as discusses em torno das questes aqui levantadas, despertando o interesse pelo estudo do tema, principalmente no que se refere ao dispositivo convencional e sua utilizao de forma consciente e com compreenso.

Referncia

DAMBROSIO, U. Prefcio In: BORBA, M de C; ARAJO, J de L. (Orgs). Pesquisa qualitativa em educao matemtica. Belo Horizonte: Autntica, 2004. p. 11-23.

KAMII, C.; JOSEPH, L. L. Aritmtica: Novas Perspectivas [-] implicaes da teoria de Piaget. 4. ed. Campinas, SP: Papirus, 1995b.

KAMII, C.; LIVINGSTON, S. J. Desvendando a aritmtica: implicaes da teoria de Piaget. Campinas, SP: Papirus, 1995a.

LERNER, D. de Z. A matemtica na escola: aqui e agora; Trad. Juan Acua Llorens. Porto Alegre: Artes Mdicas, 1995.

PAIS, L. C. Ensinar e aprender Matemtica. Belo Horizonte: Autentica, 2006.

PARRA, C. Clculo Mental na escola primaria. In: PARRA, C.; SAIS, I. (Orgs). Didtica da Matemtica [:] Reflexes Psicopedaggicas. Porto Alegre: Artes Mdicas, 1996. p. 186-235.