desclassificação - numeração parcialmente suprimida

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2ª Vara Criminal Processo nº 050.10.093064-6 (Controle nº 1738/10) Apelante: Ministério Público Apelado: DANILO PINHEIRO CONTRA - RAZÕES DE APELAÇÃO Egrégio Tribunal, Colenda Câmara, O Juízo a quo, em sentença de fls. 75/80, houve por bem julgar a presente ação penal parcialmente procedente, condenando o apelado à pena de 02 (dois) anos de reclusão, em regime inicial aberto, e mais 10 (dez) dias- multa, por incurso no artigo 14, caput, da Lei nº 10.826/03. Recorre o Ministério Público pleiteando a reforma da sentença proferida para que se condene o apelado nos exatos termos da denúncia; ou seja, como incurso no 1

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Page 1: desclassificação - numeração parcialmente suprimida

2ª Vara CriminalProcesso nº 050.10.093064-6 (Controle nº 1738/10)Apelante: Ministério PúblicoApelado: DANILO PINHEIRO

CONTRA - RAZÕES DE APELAÇÃO

Egrégio Tribunal,Colenda Câmara,

O Juízo a quo, em sentença de fls. 75/80, houve por bem julgar a presente ação penal parcialmente procedente, condenando o apelado à pena de 02 (dois) anos de reclusão, em regime inicial aberto, e mais 10 (dez) dias-multa, por incurso no artigo 14, caput, da Lei nº 10.826/03.

Recorre o Ministério Público pleiteando a reforma da sentença proferida para que se condene o apelado nos exatos termos da denúncia; ou seja, como incurso no artigo 16, parágrafo único, inciso IV, da Lei nº 10.826/03. No mais, requereu genericamente que fosse revista a dosimetria penal e a fixação do regime de cumprimento de pena.

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I. Do não conhecimento do recurso ministerial

Em sede preliminar, impõe-se o não conhecimento do recurso de apelação da lavra do i. representante do Ministério Público por ausência da condição referente à possibilidade jurídica do recurso no que tange à reclassificação do delito para a conduta descrita no artigo 16, parágrafo único, inciso IV, da Lei nº 10.826/03.

Vejamos.

Como sabemos, com o advento da Constituição da República de 1988, o ordenamento processual penal passou de um arbitrário sistema inquisitório para um sistema acusatório amalgamado pelo garantismo penal.

Como desdobramento, impossível aplicar qualquer norma penal (seja material, seja processual) sem o necessário crivo pelos princípios fundamentais cristalizados pelo constituinte.

Nesse contexto, deve-se conferir ao artigo 593, inciso I, do Código de Processo Penal, interpretação conforme à Constituição, eis que se trata de dispositivo que não se amolda a um Estado Democrático de Direito.

Em um primeiro estudo, pontue-se que o denominado duplo grau de jurisdição é garantia de direitos humanos prevista no Pacto de San José de Costa Rica,

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tratando-se, portanto, de garantia do cidadão contra o Estado, e não o reverso.

De mais a mais, é igualmente pontuável que a Constituição Federal de 1988 tem como princípio reitor a ampla defesa, e não a ampla acusação, do que se deduz que não é permissivo à acusação levar a persecução penal para além da primeira instância, sob pena de malbaratar os imperativos da presunção de inocência e da celeridade processual.

Com relação à presunção de inocência, verdade insofismável é que o recurso de apelação contra sentença absolutória ou, no caso dos autos, favorável em algum ponto ao acusado, esvazia completamente o seu conteúdo, uma vez que torna inócuo o entendimento do magistrado de primeira instância e confunde o papel do processo penal com o papel da própria pena.

Por um vértice, tem-se por óbvio que, dado o princípio da unidade da jurisdição, no momento em que um Juízo competente profere, em nome do Estado, decisão favorável ao acusado em algum aspecto, é conseqüência necessária (e lógica) a consolidação do benefício da dúvida ao acusado.

É dizer que, manifestando-se o Magistrado singular pela desclassificação de uma conduta para crime menos grave, não será mais possível afirmar-se o contrário, na exata medida em que persistirá a dúvida fundada no próprio entendimento do Juízo monocrático.

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Não se ignora que, por obra de anacrônico conservadorismo jurídico, haverá ainda quem defenda a possibilidade jurídica do recurso de apelação ministerial, idéia calcada em uma visão antiga e ultrapassada da Constituição como uma mera “carta de intenções”, devedora de adequação ao Código de Processo Penal (e não o contrário).

No entanto, confia a Defesa em que essa E. Corte paulista, em estrito cumprimento do dever de controle difuso de constitucionalidade, conformará a regra do artigo 593 do CPP para dela afastar a possibilidade jurídica do recurso de apelação pela acusação, conferindo, desse modo, máxima efetividade ao princípio do “favor rei”, conjugado com o princípio da celeridade processual e com o fundamento da dignidade da pessoa humana.

Note-se, aliás, que o recurso ministerial, mais que esvaziar a garantia do duplo grau de jurisdição, a contraria frontalmente. Isso porque o acusado, recebendo uma decisão favorável em algum aspecto em primeira instância e, em virtude de recurso ministerial, vendo tal decisão ser reformada, não terá oportunidade de recorrer, ao menos quanto à matéria fática, dados os requisitos de conhecimento dos recursos extraordinário e especial.

Assim, por exemplo, o acusado absolvido em primeira instância e condenado em segunda, terá sido condenado tão-somente em um grau de jurisdição, sendo violado o direito do

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cidadão de recorrer para “juiz ou tribunal superior”, nos termos do que determina o artigo 8, 2, h, do Pacto de San José da Costa Rica.

Diante dos argumentos articulados, requer-se não seja conhecido o presente recurso ministerial, dada a sua impossibilidade jurídica.

Demais disto, no que tange à fixação da pena e do regime de cumprimento da pena, deverá o recurso não ser conhecido.

Inicialmente, deve-se ressaltar que não há no apenso qualquer certidão cartorária ou folha de antecedente criminal, conforme alegado nas razões recursais, que ateste uma condenação transitada em julgado.

Há apenas cópias de andamento de processos que o apelado estaria respondendo em outra Vara Criminal; logo, tais documentos não possuem valor probatório algum, razão pela qual se infere que houve um erro material no recurso de apelação da acusação ao afirmar-se que o acusado ostentaria maus antecedentes.

Demais disto, recorreu o órgão acusatório, pleiteando a exacerbação da pena e a fixação de regime mais gravoso, tema que sequer havia constado do pleito inicial estampado na denúncia.

Assim, o Ministério Público tenta inovar em sede recursal, pleiteando agravação na pena a partir de argumentos que

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não foram levados ao conhecimento do juízo de primeira instância quando do ajuizamento da ação.

Caso este E. Tribunal conheça do pleito da acusação, assim, incorrerá em patente supressão de instância, visto que os argumentos lançados em sede recursal, quanto à dosimetria da pena e ao regime, não foram ventilados quando da provocação do juízo a quo.

O que circunscreve o âmbito de cognição do juízo é a petição inicial, não sendo deferido ao autor inovar o pedido em sede de recurso, sob pena de violação ao mandamento de correlação entre acusação e sentença.

Assim, não se pode reconhecer qualquer sucumbência em desfavor do Ministério Público quanto ao regime de cumprimento de pena, de modo que está ausente o interesse recursal.

Consoante a melhor doutrina processualista, o interesse em recorrer constitui, juntamente com a legitimidade e o cabimento, uma das condições recursais, sem a qual o recurso não poderá ser conhecido.

O interesse recursal conforma-se pela necessidade e pela utilidade do recurso, estando intrinsecamente ligado à idéia de sucumbência. Assim, o recurso apenas é útil e necessário à parte sucumbente, que não teve algum de seus pedidos atendidos por via de provimento jurisdicional em primeira instância.

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No caso dos autos, não houve sucumbência para o Ministério Público no que toca ao regime, pois não foi pleiteada em juízo de primeira instância.

A doutrina, aliás, é unânime ao estabelecer que o interesse recursal depende da sucumbência. Nesse sentido:

“O interesse de agir, em matéria processual, tem sido identificado com o fato de ter ficado vencido o recorrente, aludindo-se à sucumbência, ao gravame, ao prejuízo, ou à circunstância de a decisão não ter acolhido seu pedido, ou de haver acolhido o da parte contrária” (GRINOVER, Ada Pelegrini, GOMES FILHO, Antônio Magalhães e FERNANDES, Antônio Scarance. Recursos no processo penal. 3ª Ed. São Paulo: RT, 2001, p. 84, grifos no original)

Por esses motivos, a jurisprudência adota o entendimento de que o recurso não pode ser conhecido na ausência de interesse recursal:

“A ausência de interesse recursal impede o conhecimento do recurso, uma vez que constitui requisito subjetivo de admissibilidade” (STJ – 5ª T. – Rel. Arnaldo Esteves Lima - AgRg no REsp 823344/MS – j. 01.10.2009)

Assim, não existe interesse no recurso interposto, visto que composto de matéria nova, que não constava do

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pedido inicial. Não cabia ao juízo sentenciante atender ao pleito formulado pela via recursal, uma vez que não foi aludido na inicial acusatória.

Como é cediço, a supressão de instância é proscrita em matéria recursal justamente por reconhecer-se não ter havido sucumbência, na medida em que o pedido formulado ao Tribunal ad quem não fora formulado na instância inferior. Assim, não houve pleito denegado, não havendo que se falar em sucumbência e, por conseqüência, em interesse recursal.

Diante do exposto, não deve ser conhecido o recurso de apelação.

Conquanto a preliminar suscitada não seja acolhida, hipótese tão-somente aventada a bem da eventualidade, o mérito do recurso ministerial destina-se ao mesmo malogro.

II. Da desclassificação do delito

O magistrado de primeira instância houve por bem desclassificar a conduta imputada ao apelado para a conduta descrita no artigo 14 do Estatuto do Desarmamento, por se tratar de uma arma de uso permitido.

Com efeito, considerou-se que a conduta não poderia ser tipificada como a descrita no artigo 16, parágrafo único,

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inciso IV, da Lei nº 10.826/03, porquanto a perícia concluiu que apenas um único dígito da identificação numérica estaria suprimido.

E mais: o laudo atestou que foi plenamente possível identificar a numeração completa, tendo-se em vista que a numeração exata estava cunhada na base, sendo a numeração completa da arma 88314.

Consta do laudo que: “Embora a região externa destinada a conter o número de série tenha se apresentado parcialmente raspada, foi possível sua leitura completa, conjugando-se a leitura do número cunhado na base do cabo, sendo este 88314.” (fls. 92).

De outra parte, a punição mais severa trazida na figura do artigo 16, parágrafo único, inciso IV, da Lei nº 10.826/03 justifica-se porquanto a supressão da numeração de identificação apenas é apenada mais severamente por impedir a identificação do proprietário da arma, o que não ocorre no caso dos autos.

Neste sentido:

“A alteração dos dados individualizadores da arma aumenta o perigo de que esta seja usada para prática de ilícitos penais, pois essa conduta presta-se a criar sérios embaraços à investigações e ao descobrimento da autoria.”

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(CAPEZ, Fernando. Estatuto do Desarmamento: comentários à Lei n. 10.826, de 22-12-2003, 3. ed., São Paulo: Saraiva, 2005, p. 129)

“Justifica-se a incriminação uma vez que a circulação de armas de fogo com identificação adulterada afronta diretamente o espírito da legislação, que é o controle das armas de fogo no território nacional.”(JUNQUEIRA, Guilherme Octaviano Diniz e FULLER, Paulo Henrique Aranda. Legislação Penal Especial, v. 1, 6. ed., São Paulo: Saraiva, 2010, p. 778)

Assim, como foi possível, sem qualquer dificuldade, identificar a numeração da arma apreendida, sendo possível identificar o proprietário da arma, não se justifica a maior reprimenda trazida no artigo 16 da Lei nº 10.826/03, amoldando-se a conduta, perfeitamente, na descrita no artigo 14 do mesmo diploma legal.

Note-se, aliás, que a condenação do apelado nos termos do artigo 16, IV, do Estatuto do Desarmamento seria atentatória ao próprio princípio da legalidade estrita que conforma o direito penal, uma vez que o referido dispositivo faz referência apenas à numeração e sinais identificadores. Ocorre que um único dígito não se confunde com o vocábulo “numeração”, que consiste no conjunto dos algarismos que formam o número do registro.

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Demais disto, não há qualquer prova no sentido de que o apelado tivesse ciência de que a arma tinha um dígito da numeração raspado.

Assim, posto que o apelado estivesse portando a arma apreendida, é certo que não há prova que tivesse ciência de que a numeração estaria raspada. Logo, incidiu em um erro de tipo, nesse sentido:

“Erro de tipo é o que recai sobre circunstância que constitui elemento essencial do tipo. É a falsa percepção da realidade sobre um elemento do crime, alheia, por exemplo. É a ignorância ou falsa representação da qualquer dos elementos constitutivos do tipo penal. Indiferente que o objeto do erro se localize no mundo dos fatos, dos conceitos ou das normas jurídicas. Importa, isso sim, que faça parte da estrutura do tipo penal. Assim, por exemplo, não se pode falar em crime de furto quando o agente, equivocadamente, pensa que a coisa é sua, ou acredite piamente que a coisa não tem dono ou é abandonada ou, em outros termos, não sabe que se trata de coisa alheia.” (BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial, v.3, 3. ed., São Paulo: Saraiva, 2006, p. 68)

Assim, reconhecido o erro de tipo (art. 20 do CP), exclui-se o dolo da conduta do apelado, devendo a conduta ser mantida na figura no artigo 14 da Lei nº 10.826/03.

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Ora, se o apelado tivesse ciência de que a numeração estava parcialmente raspada e desejasse que a arma não fosse identificada, não é crível que manteria apenas um único algarismo suprimido, mas teria suprimido toda a numeração, conforme bem tratado pelo magistrado sentenciante.

Por fim, não se deve olvidar que a conduta expressa no inciso IV do artigo 16 da Lei nº 10.826/03 deve ser correlacionada com o caput do artigo.

Com efeito, a interpretação sistemática do referido dispositivo conduz à conclusão de que a conduta ali expressa refere-se exclusivamente às armas de uso restrito e que, por conseguinte, nos casos de arma de uso permitido deve-se aplicar o artigo 14 da Lei nº 10.826/03.

Isto porque, como afirma Guilherme Octaviano Diniz Junqueira e Paulo Henrique Aranda Fuller1,

“na redação legislativa, deve haver correlação lógica entre o caput e os parágrafos, ou seja, estes devem estar referidos ao caput. A conseqüência de tal coerência, na interpretação do presente artigo, seria a consideração de que a pena aqui referida apenas se aplicaria às armas, acessórios ou munição de uso proibido, na forma do caput. É que se o caput traz os dados essenciais da figura típica, e se o fato de ser arma de uso proibido é essencial, apenas a partir de

1 JUNQUEIRA, Guilherme Octaviano Diniz e FULLER, Paulo Henrique Aranda – Legislação Penal Especial – 5ª Edição, Vol. 1 – Editora Premier Máxima.

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tais dados é que os parágrafos partiriam na cominação típica”.

Não se quer, afinal, punir com o mesmo rigor condutas de gravidades díspares. Em outras palavras, pouco importaria se o agente porta ou possui arma de fogo de uso restrito ou permitido, eis que, uma vez verificado o sinal de identificação raspado, em ambos os casos a pena seria exatamente a mesma.

Quer-se, sim, igualdade e congruência à sistemática do Estatuto do Desarmamento, que previu expressamente penas mais pesadas para a posse e o uso de armas de uso restrito.

Ora, não sendo a referida arma na denúncia arma de uso restrito, é completamente desarrazoada a tipificação da conduta no inciso IV do artigo 16 da referida lei.

Pelas razões acima elencada, o recurso de apelação do Ministério Público não merece provimento, devendo ser mantida a capitulação legal adotada em primeiro grau.

III. Da dosimetria da pena

Neste passo, aduz o Ministério Público que a pena-base deveria ser majorada com base em supostos maus antecedentes. Porém, tal circunstância judicial não pode ser considerada em desfavor do apelado.

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Com efeito, nota-se que, no caso em apreço, não há verificação de maus antecedentes, porquanto não há nenhuma certidão cartorária que ateste uma condenação transitada em julgada.

Assim, como não há nos autos nenhuma certidão judicial que comprove eventuais condenações transitadas em julgado, não há como se reconhecer os supostos maus antecedentes.

Ora, o Superior Tribunal de Justiça exarou o entendimento, no julgamento do HC 100.848, que não configuram maus antecedentes processos sem decisão transitada em julgado e que, tampouco, poderiam ser considerados esses processos para a determinação de uma personalidade voltada à criminalidade. E mais, considerou que apenas certidões cartorárias judiciais possuem o condão de caracterizar os maus antecedentes. Confira-se:

“PENAL. HABEAS CORPUS. ROUBOS SIMPLES CONSUMADO E TENTADO. DOSIMETRIA DA REPRIMENDA. NECESSIDADE DE MOTIVAÇÃO DAS DECISÕES. AUSÊNCIA DE CONSIDERAÇÃO DE TODAS AS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS. SUPOSTOS MAUS ANTECEDENTES TOMADOS COM BASE EM PROCESSOS INSTAURADOS SEM DECISÃO TRANSITADA EM JULGADO. EQUIVOCADOS ANTECEDENTES TAMBÉM CONSIDERADOS COMO PERSONALIDADE VOLTADA À

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CRIMINALIDADE. PERSONALIDADE QUE TEVE COMO BASE PRESUMIDOS CRIMES ANTERIORES. CONDUTA SOCIAL CONFUNDIDA COM MOTIVAÇÃO DO DELITO. MAUS ANTECEDENTES E REINCIDÊNCIA NÃO-COMPROVADOS POR CERTIDÃO CARTORÁRIA JUDICIAL. CONFISSÃO CONSIDERADA PARA A CONDENAÇÃO. NECESSIDADE DA REDUÇÃO DA PENA PELA ATENUANTE GENÉRICA. CONCURSO FORMAL. UMA ÚNICA AÇÃO. DUAS VÍTIMAS. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA, INCLUSIVE DE OFÍCIO. A dupla consideração de um mesmo fato para circunstâncias judiciais diversas constitui odioso bis in idem, repudiado pela doutrina e jurisprudência, As decisões judiciais devem ser cuidadosamente fundamentadas, principalmente na dosimetria da pena, em que se concede ao Juiz um maior arbítrio, de modo que se permita às partes o exame do exercício de tal poder. Inquéritos policiais e ações penais em andamento não constituem maus antecedentes, má conduta social nem personalidade desajustada, porquanto ainda não se tem contra o réu um título executivo penal definitivo. Maus antecedentes e reincidência não-comprovados por certidão cartorária judicial não podem ser considerados para fins de fixação da pena.(…) Ordem parcialmente concedida para anular parcialmente o acórdão e a decisão de primeiro grau, no que se refere à dosimetria das penas; para reconhecer a existência da atenuante da confissão espontânea e, de ofício, excluir a agravante da reincidência e reconhecer a

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ocorrência do concurso formal entre os crimes de roubo tentado e consumado; penas reestruturadas.”(REsp 100848/MS, Sexta Turma, Rel. Min. Jane Silva (Desembargadora Convocada), j. 22/04/08, DJe 12/05/08) – grifo nosso

Ora, há nos autos unicamente cópias de andamento processuais, os quais, além de não possuir qualquer valor probatório, atestam processo em andamento.

Portanto, tal feito criminal não possui o condão de caracterizar maus antecedentes. Aliás, isso é matéria que já foi sumulada pelo C. Superior Tribunal de Justiça, confira-se:

Súmula 444: “É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base.”

Logo, não merece acolhimento a pretensão ministerial no que tange à exasperação da pena-base, devendo ela ser mantida em seu patamar mínimo.

IV. Do regime de cumprimento da pena

O regime inicial de cumprimento da pena estipulado pelo juiz sentenciante não merece qualquer reparo, uma vez que as circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do

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Código Penal são favoráveis ao apelado, tanto que a pena-base foi mantida em seu mínimo legal.

Com fulcro no art. 33, § 3º, do Código Penal, o artigo 59 deve ser o norte para determinar o regime inicial de cumprimento da pena; assim, como a pena-base foi aplicada no mínimo legal, reconheceu-se que as circunstâncias judiciais previstas no artigo 59 do CP são favoráveis ao apelado, fato que não foi impugnado pelo Ministério Público.

Logo, não havendo motivo idôneo para que se estabeleça o regime mais gravoso, não há como estabelecê-lo. Neste sentido o teor da Súmula nº 719 do STF:

 SÚMULA Nº 719: “A IMPOSIÇÃO DO REGIME DE CUMPRIMENTO MAIS SEVERO DO QUE A PENA APLICADA PERMITIR EXIGE MOTIVAÇÃO IDÔNEA.”

Pelas razões expostas, a jurisprudência é unânime ao exigir coerência do juízo sentenciante ao estabelecer a pena-base e ao fixar o regime de cumprimento, uma vez que ambas as providências têm por fundamento legal o mesmo artigo 59 do Código Penal. Nesse sentido é, aliás, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

“Não se verifica a apontada omissão, eis que, conforme explicitado no aresto embargado, reconhecida a primariedade do réu, condenado pela prática de roubo, e fixada a pena-base no mínimo legal em razão das

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favoráveis circunstâncias judiciais, é de rigor que a reprimenda seja cumprida no regime aberto, visto que não supera quatro anos, sendo inadmissível a imposição de regime prisional mais severo, com base apenas na presunção de periculosidade daquele”. (STJ - EDcl no AgRg no HC 74418 / SP – 6ª T. – Rel. Haroldo Rodrigues, j. 03.09.2009, g.n.).

Ademais, ao contrário do alegado pela acusação, o simples fato do apelado ter, em tese, cometido delito supostamente grave não enseja o estabelecimento do regime fechado para início de cumprimento de pena, mesmo que, frise-se, trate-se de porte de arma, em conformidade com o entendimento já sumulado pelo Supremo Tribunal Federal. Confira-se

SÚMULA Nº 718: “A OPINIÃO DO JULGADOR SOBRE A GRAVIDADE EM ABSTRATO DO CRIME NÃO CONSTITUI MOTIVAÇÃO IDÔNEA PARA A IMPOSIÇÃO DE REGIME MAIS SEVERO DO QUE O PERMITIDO SEGUNDO A PENA APLICADA.”

No mesmo sentido, o Colendo Superior Tribunal de Justiça sumulou a matéria, afirmando que, quando a pena-base é fixada em seu grau mínimo, não pode ser estabelecido o regime de cumprimento de pena mais severo com fundamento na gravidade do delito. Confira-se:

SÚMULA Nº 440: “Fixada a pena-base no mínimo legal, é vedado o estabelecimento de regime prisional mais

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gravoso do que o cabível em razão da sanção imposta, com base apenas na gravidade abstrata do delito.”

Assim, diante do exposto, visto que as circunstâncias judiciais (art. 59 do CP) são todas favoráveis ao apelado, a fixação de regime aberto é seu direito subjetivo.

V. Pedido

Requer-se, portanto, o NÃO CONHECIMENTO do recurso ou, que seja NEGADO provimento ao recurso de apelação interposto pelo Ministério Público com a conseqüente manutenção da sentença de primeiro grau na parte atacada.

São Paulo, 07 de abril de 2011.

BRUNO SHIMIZUDefensor Público do Estado

MOYSÉS WON MO ANEstagiário da Defensoria Pública do Estado

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