cavalcante - as três dimensões das instituições

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1 ECONOMIA INSTITUCIONAL: AS TRÊS DIMENSÕES DAS INSTITUIÇÕES Carolina Miranda Cavalcante * Resumo Esse artigo tem por objetivo discutir os diferentes sentidos conferidos ao termo “instituição”. Apesar das definições de instituição terem encontrado certo consenso em torno da idéia de regras de comportamento, muito amiúde não é claro o objeto ao qual se referem os autores quando falam em instituições. Nesse sentido, destaco três dimensões institucionais, ou sentidos conferidos ao termo instituição, que são encontrados na literatura especializada, são elas: (i) instituições como regras do jogo; (ii) instituições como modelos mentais; (iii) instituições como organizações. Deste modo, uma distinção entre a velha e a nova economia institucional está cada vez mais difícil de ser realizada, justamente por conta da confusão dessas dimensões institucionais num único termo. Por fim, veremos que institucionalistas contemporâneos como Hodgson e Chang transitam de modo bastante fluido entre essas dimensões institucionais. Introdução Diariamente ouvimos falar em instituições instituições sociais, instituições financeiras, instituições de ensino, instituição familiar e umas tantas outras instituições , mas do que exatamente está se falando quando se usa o termo “instituição” de modo tão genérico? Poderíamos pensar que certa confusão quanto ao sentido de um termo não é incomum no uso cotidiano, afinal, as pessoas não precisam se ocupar com formalidades científicas em seu trato pessoal. Contudo, o fato curioso é que essa confusão quanto ao sentido do termo “instituição” também está presente no âmbito dos debates acadêmicos em economia institucional. Naturalmente, ao contrário do senso comum, os institucionalistas se preocuparam em definir o que é uma instituição, de modo que o dissenso explicita diversidade, mas não falta de uma, ou de muitas, definições para o termo “instituição”. O objetivo desse artigo é justamente explicitar esse dissenso no âmbito da economia institucional, buscando tornar claros os sentidos nos quais se usa o termo “instituição” na literatura especializada. Nesse sentido, convidamos o leitor a uma breve imersão nos textos de alguns institucionalistas, para que possamos traçar as diferenças e também as semelhanças conceituais referentes à definição do termo “instituição”. Esse artigo encontra-se estruturado em três itens, além dessa introdução e de uma conclusão ao final do trabalho. No primeiro item faremos uma breve exposição de alguns autores da velha economia institucional (VEI) Veblen, Commons e Mitchell e da nova economia institucional (NEI) North, Coase e Williamson. No segundo item, veremos que * Professora Adjunta (UERJ). Doutora em Economia (UFF). E-mail: [email protected]

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    ECONOMIA INSTITUCIONAL:

    AS TRS DIMENSES DAS INSTITUIES

    Carolina Miranda Cavalcante*

    Resumo

    Esse artigo tem por objetivo discutir os diferentes sentidos conferidos ao termo instituio. Apesar das definies de instituio terem encontrado certo consenso em torno da idia de regras de

    comportamento, muito amide no claro o objeto ao qual se referem os autores quando falam em

    instituies. Nesse sentido, destaco trs dimenses institucionais, ou sentidos conferidos ao termo

    instituio, que so encontrados na literatura especializada, so elas: (i) instituies como regras do

    jogo; (ii) instituies como modelos mentais; (iii) instituies como organizaes. Deste modo, uma

    distino entre a velha e a nova economia institucional est cada vez mais difcil de ser realizada,

    justamente por conta da confuso dessas dimenses institucionais num nico termo. Por fim, veremos

    que institucionalistas contemporneos como Hodgson e Chang transitam de modo bastante fluido entre

    essas dimenses institucionais.

    Introduo

    Diariamente ouvimos falar em instituies instituies sociais, instituies

    financeiras, instituies de ensino, instituio familiar e umas tantas outras instituies , mas

    do que exatamente est se falando quando se usa o termo instituio de modo to genrico?

    Poderamos pensar que certa confuso quanto ao sentido de um termo no incomum no uso

    cotidiano, afinal, as pessoas no precisam se ocupar com formalidades cientficas em seu trato

    pessoal. Contudo, o fato curioso que essa confuso quanto ao sentido do termo instituio

    tambm est presente no mbito dos debates acadmicos em economia institucional.

    Naturalmente, ao contrrio do senso comum, os institucionalistas se preocuparam em definir o

    que uma instituio, de modo que o dissenso explicita diversidade, mas no falta de uma, ou

    de muitas, definies para o termo instituio.

    O objetivo desse artigo justamente explicitar esse dissenso no mbito da economia

    institucional, buscando tornar claros os sentidos nos quais se usa o termo instituio na

    literatura especializada. Nesse sentido, convidamos o leitor a uma breve imerso nos textos de

    alguns institucionalistas, para que possamos traar as diferenas e tambm as semelhanas

    conceituais referentes definio do termo instituio.

    Esse artigo encontra-se estruturado em trs itens, alm dessa introduo e de uma

    concluso ao final do trabalho. No primeiro item faremos uma breve exposio de alguns

    autores da velha economia institucional (VEI) Veblen, Commons e Mitchell e da nova

    economia institucional (NEI) North, Coase e Williamson. No segundo item, veremos que

    * Professora Adjunta (UERJ). Doutora em Economia (UFF). E-mail: [email protected]

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    institucionalistas contemporneos como Hodgson e Chang transitam de modo fluido entre os

    conceitos de instituio enquanto regras do jogo, modelos mentais e organizaes. No terceiro

    item discutiremos em que medida a perspectiva dos referidos autores se aproxima de uma ou

    mais dimenses institucionais, a saber, (i) instituies como regras do jogo; (ii) instituies

    como modelos mentais; (iii) instituies como organizaes.

    Os Institucionalistas: velhos e novos

    A economia institucional conquistou seu lugar, enquanto programa de pesquisa, no

    pensamento econmico no final do sculo XIX com os escritos seminais de Thorstein Veblen,

    porquanto elementos institucionais possam ser identificados nos escritos de autores como

    Adam Smith, Karl Marx e Alfred Marshall (Hodgson, 1999). Contudo, nosso ponto de partida

    ser a velha economia institucional de Veblen, Commons e Mitchell, que mais tarde seria

    oposta nova economia institucional de North, Coase e Williamson1.

    A velha economia institucional tem incio com o artigo seminal de Thorstein Veblen,

    Why is Economics not an Evolutionary Science, publicado em 1898, no qual o autor defende

    uma cincia econmica que reconhea o processo evolutivo das instituies, tendo como

    principais seguidores de seu pensamento, Wesley Mitchell e John Commons. Apesar dos

    primeiros escritos do incipiente programa de pesquisa institucionalista terem surgido no final

    do sculo XIX, apenas em 1919 foi sugerido o termo economia institucional, cunhado por

    Walton Hamilton e que daria nome a essa nova disciplina no mbito da Economia2. J a

    demarcao entre a VEI e a NEI teria que esperar mais algumas dcadas, at que Oliver

    Williamson se autodenominasse novo institucionalista ao lado de Douglass North e Ronald

    Coase, deixando clara a descontinuidade com o que chamou de velho institucionalismo

    (Coase, 1998, p.72).

    Veblen (1961 [1898]) tinha como alvo de sua crtica os supostos da ortodoxia

    econmica de sua poca, identificada com o pensamento de John Bates Clark (Rutherford,

    1 Naturalmente, existem mais autores associados ao velho institucionalismo, como Clarence Ayres, por exemplo,

    mas precisamos limitar um pouco os autores representativos de cada programa de pesquisa para fins de

    apresentao. Para mais sobre o velho institucionalismo ver Rutherford (1994), Hodgson (1994) e Ferrari;

    Conceio (2001). Thret (2003) aponta ainda trs vertentes no mbito da nova economia institucional, uma

    referente aos custos de transao Coase e Williamson , outra concernente temtica da histria econmica e da mudana institucional North e R. C. O. Matthews e, por fim, uma envolvida no estudo do equilbrio num contexto de interaes estratgicas Thomas Schelling, Andrew Schotter e Martin Shubik. Nesse artigo, no entanto, ser adotada a tradicional demarcao entre velha e nova economia institucional. Para um trabalho

    bastante completo sobre o novo institucionalismo ver Furubotn; Richter (2005). 2 Ver Hodgson (2000) e Rutherford (2001). Ver tambm Bueno (2004), Conceio (2002a; 2002b) e Medeiros

    (2001).

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    2001, p.18). O velho institucionalismo argumentava a favor de uma cincia emprica,

    diferente das formulaes tericas ortodoxas, baseadas em hipteses irrealistas,

    fundamentadas em suposies psicolgico-comportamentais que possuam pouco contato com

    o funcionamento real da economia (Rutherford, 2001, p.177). No lugar dessas formulaes

    tericas excessivamente abstratas, Veblen sugeriu uma reformulao da teoria econmica que

    se sustentasse sobre os pilares de uma cincia evolucionria, que seria uma teoria do

    processo, de uma seqncia que se desdobra (Veblen, 1961, p. 58).

    A cincia evolucionria sugerida por Veblen se opunha teoria ortodoxa, propondo

    uma explicao envolvendo cadeias de causa e efeito, em lugar de uma teorizao ortodoxa,

    no evolucionria, que explicaria os fenmenos econmicos em termos de algum propsito.

    Essa teleologia implicada na cincia no evolucionria foi denominada por Veblen como

    animismo. Esse modo de entender o mundo econmico levaria a outro problema da cincia

    no evolucionria, a taxonomia, que consistiria numa construo terica baseada na deduo

    de fenmenos econmicos a partir de postulados gerais como homem econmico e

    competio perfeita. Ligado a esses dois problemas est o que Veblen denominou como

    hedonismo, uma forma peculiar da cincia evolucionria entender o homem, o agente

    econmico, que o definiria como um sujeito capaz de realizar todos os clculos necessrios

    maximizao do prazer e/ou minimizao da dor, em termos veblenianos um calculador

    instantneo de dor e prazer (Veblen, 1961 [1898], p.73).

    Como contraponto psicologia hedonista, Veblen sugeriu no apenas a idia de um

    processo evolutivo, mas tambm uma teoria dos instintos. Segundo Veblen, os homens seriam

    movidos por trs instintos: (i) instinto de artesanato (wormanship), que seria a tendncia

    implementao de incrementos tecnolgicos; (ii) instinto familiar (parental bent), que

    inclinaria o sujeito a buscar a melhora do bem-estar da famlia e da sociedade; (iii) instinto de

    curiosidade (idle curiosity), que levaria o sujeito a produzir explicaes coerentes do mundo

    (Rutherford, 1984, p.332). Contudo, mais importante que os instintos seriam as instituies

    que, segundo Veblen, ganhariam autonomia em relao aos instintos, mostrando-se at

    capazes de moldar esses instintos.

    Em seu livro de 1899, The Theory of the Leisure Class, Veblen aplica sua concepo

    de instituio evoluo da vida social a partir de um processo contnuo de mudana nos

    hbitos mentais dos sujeitos. Assim chegamos compreenso vebleniana de instituies como

    hbitos mentais, que seriam mtodos habituais de dar continuao ao modo de vida da

    comunidade em contato com o ambiente material no qual ela vive (Veblen, 1988 [1899],

    p.89). Hbitos mentais so, segundo Veblen (1961 [1898]), formas de ser e de fazer as coisas

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    que se cristalizam em instituies, mantidas ou modificadas ao longo do tempo pela ao

    reprodutiva ou transformadora dos sujeitos. Destarte, as instituies comporiam o tecido

    social se alimentando das aes e decises dos sujeitos e ao mesmo tempo as modificando ao

    longo do tempo.

    Seguindo a linha vebleniana, Mitchell (1910a) tambm entendia instituies como

    hbitos mentais, como hbitos de pensamento predominantes que ganharam aceitao geral

    como normas orientadoras da conduta (Mitchell, 1910b, p.203). Mitchell descarta a

    fundamentao da ortodoxia de sua poca em supostos acerca de uma natureza humana,

    sugerindo novas bases psicolgicas para a cincia econmica, ratificando a definio de

    instituies como hbitos mentais, como entidades psicolgicas hbitos mentais e de ao

    predominantes dentre as comunidades sob observao (Mitchell, 1910a, p.112).

    Apesar de ter adotado as idias veblenianas, como a definio de instituies como

    hbitos mentais, a distino entre a fase pecuniria e a fase tecnolgica da vida econmica

    como responsveis pelos distintos hbitos mentais, a idia de um processo evolutivo da

    sociedade, bem como a crtica s teorias abstratas da economia ortodoxa de sua poca,

    Mitchell no concordou com as concepes mais radicais de Veblen, como a rejeio

    completa da cincia econmica considerada ortodoxa3. Deste modo, apesar de discpulo de

    Veblen, Mitchell aproximou-se da economia ortodoxa, dela aproveitando o que julgou til

    construo de seu corpo terico complexo.

    Assim como Mitchell, Commons considerado um discpulo de Veblen, tendo

    tambm se colocado como um crtico menos radical da economia ortodoxa de sua poca.

    Ademais, ao basear seu argumento nos conceitos de escassez e de transao, Commons

    acabou por se tornar o mais importante institucionalista americano sob o ponto de vista dos

    novos institucionalistas (Furubotn; Richter, 2005, p.41). Segundo Commons (1931), a

    economia institucional remontaria idia de David Hume de que a escassez de recursos

    levaria ao conflito de interesses. De acordo com Veblen, e com Mitchell, o conflito emergiria

    de hbitos mentais distintos, no da escassez de recursos, como afirmara Commons. A noo

    de instituio de Commons surge do argumento de que a escassez de recursos seria resolvida

    unicamente com base na fora fsica, caso no existissem restries ao individual. Essas

    restries seriam postas pela ao coletiva no exerccio do controle coletivo, que se tornaria

    operante atravs dos mecanismos institucionais. O autor ento define uma instituio:

    3 Ver Rutherford (1998, 2001), Backhouse (1985), Mitchell (1914).

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    Se ns queremos encontrar uma circunstncia universal, comum a todo comportamento

    conhecido como institucional, devemos definir uma instituio como a ao coletiva em

    controle, liberao e expanso da ao individual. (Commons, 1931, s.p.)

    As instituies so, para Commons, mecanismos atravs dos quais o controle coletivo

    exercido, devendo desempenhar ainda a funo de mecanismo de resoluo de conflitos

    com base em regras e punies ao seu descumprimento. Esse controle coletivo, exercido

    atravs das instituies, pode advir de costumes desorganizados (unorganized customs) ou da

    ao organizada (organized action), que compreende o Estado, a famlia, a Igreja, as

    corporaes, os sindicatos, etc. (Commons, 1931). As instituies componentes da ao

    organizada possuem um conjunto de regras de funcionamento (working rules), que definem

    o que os indivduos podem, no podem, devem, no devem, poderiam ou no poderiam

    fazer (Commons, 1931, s.p.).

    No esquema conceitual de Commons, as instituies possuiriam o papel instrumental

    de resolver conflitos sem recurso fora fsica, regulando as relaes sociais conflito,

    dependncia e ordem que, segundo o autor, estariam implcitas nas transaes. Uma

    transao entendida, pelo autor, como a alienao e a aquisio, entre indivduos, dos

    direitos de propriedade e liberdade criados pela sociedade (Commons, 1931, s.p.). Nesse

    sentido, Commons acaba por identificar a transao com a relao de propriedade,

    entendendo a transao como uma espcie de acordo, coletivo e inicial entre os indivduos,

    que possibilitaria um sistema econmico capaz de produzir, distribuir e trocar mercadorias.

    Por conta disso Commons considerou a transao como a unidade bsica de anlise. Desta

    forma, num sistema no qual a escassez de recursos leva resoluo de conflitos atravs da

    fora fsica, esse acordo coletivo inicial entre os indivduos somente pode ocorrer de forma

    minimamente pacfica com recurso ao coletiva, cristalizada em instituies.

    O novo institucionalismo pode ser visto como uma reao da economia neoclssica

    crtica quanto falta de empiria e de um conceito de instituio no mbito da teoria

    econmica ortodoxa, uma vez que North (1981, 1990), um dos novos institucionalistas mais

    referidos, deixa claro que seu objetivo ampliar o conjunto de questes consideradas pelo

    programa de pesquisa neoclssico, no substitu-lo. O mesmo caminho seguido por Coase e

    por Williamson.

    Atravs da proposio do conceito de custos de transao, Coase teria lanado as bases

    da nova economia institucional, embora North e Williamson tenham utilizado tal conceito de

    forma diversa (North, 1992, p.6). Os custos de transao podem ser definidos como o custo

    de usar o mecanismo de preos ou o custo de se levar uma transao adiante atravs de uma

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    troca no mercado (Coase, 1998, p.6). Nesse sentido, os custos de transao so todos aqueles

    envolvidos numa transao econmica, como a pesquisa de preos, os contratos, bem como o

    prprio conhecimento do mercado. A idia de que toda transao possui um custo surgiu no

    artigo de 1937 de Coase The Nature of the Firm , no qual o autor investiga o porqu da

    existncia de firmas em economias reguladas unicamente pelo mercado, criticando a pouca

    ateno dispensada firma pela teoria econmica tradicional. Mesmo a utilizao do mercado

    enquanto mecanismo de alocao de recursos possuiria, segundo Coase (1990), seus custos de

    operao.

    Deste modo, os custos de transao estariam por toda parte, cabendo aos indivduos

    sua minimizao atravs da escolha do mecanismo de alocao de recursos firmas, mercado

    e Estado no qual estivesse implicado o menor custo de transao (Coase, 1937; 1960).

    Coase identifica esses mecanismos de alocao de recursos com as instituies que, segundo

    o autor, seriam justamente a firma, o mercado e o Estado. Sendo assim, o papel de uma

    instituio no mundo econmico de Coase (1937; 1995) o de redutor dos custos de

    transao existentes.

    Assim como Coase, Williamson (1985, p.15) compreende instituies como firmas,

    mercados e relaes contratuais. Williamson aceita a proposio de Commons da transao

    como unidade bsica de anlise, adotando ainda a idia de custos de transao de Coase no

    mbito de uma teoria da firma, bem como os conceitos de racionalidade limitada,

    desenvolvido por Simon (s.d.; 1979), e de oportunismo, entendido como uma profunda

    condio de busca pelo auto-interesse que inclui a malcia (Williamson, 1993, p.92).

    O suposto comportamental de racionalidade limitada no implica que os indivduos

    sejam irracionais, apenas sugere que estes possuem limitaes computacionais e informaes

    incompletas para realizar suas escolhas. Racionalidade limitada4 seria o termo usado para

    designar escolha racional que leva em considerao as limitaes cognitivas do agente que

    toma decises limitaes tanto do conhecimento quanto da capacidade computacional

    (Simon, s.d., p.15). Destarte, num mundo econmico no qual os indivduos possuem uma

    capacidade computacional limitada no podem existir resultados timos, uma vez que esses

    indivduos no esto aptos a realizar todos os clculos necessrios escolha tima.

    Ao no capturar o sistema econmico em sua completude, suas decises necessitam de

    apoios, de regras existentes fora da mente dos indivduos e ao menos relativamente

    independente deles, ou seja, o processo de deciso de indivduos limitados cognitivamente se

    4 Rizzello (1993, p.43) aponta que o termo racionalidade limitada teria sido utilizado pela primeira vez por

    Simon em seu trabalho Administrative Behaviour, de 1947. Ver tambm Dequech (2001).

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    apia em instituies. No mundo econmico de Williamson, os indivduos so oportunistas e

    limitados cognitivamente, necessitando de instituies como as firmas, os mercados e as

    relaes contratuais como formas de reprimir o comportamento oportunista e de apoiar as

    escolhas de indivduos limitados cognitivamente, servindo de complemento computacional.

    North tambm adota as idias de custos de transao e de racionalidade limitada, mas

    no mbito das modificaes na matriz institucional e do Estado, numa abordagem mais

    voltada temtica do desenvolvimento econmico. Ademais, a definio de instituio mais

    referida e aceita talvez seja a de North, que entende instituies como as regras do jogo numa

    sociedade. O autor assim define as instituies:

    Instituies so restries humanamente concebidas que estruturam as interaes polticas,

    econmicas e sociais. Elas consistem tanto em restries informais (sanes, tabus, costumes,

    tradies, e cdigos de conduta), quanto em restries formais (constituies, leis, direitos de

    propriedade). (North, 1991, p.97)

    Deste modo, North identifica instituies com regras, formais e informais, de

    comportamento. Essas regras so criadas pelos indivduos para servir de restrio sua

    prpria ao, permitindo a interao social. Nessa perspectiva, os indivduos respeitam as

    regras porque existem sanes implicadas em seu descumprimento. Essa uma viso que

    descreve o agente econmico como um indivduo oportunista, que somente pode ter seu agir

    puramente auto-interessado freado pelas sanes postas em sua maior parte pelo Estado.

    Segundo o autor, o Estado pode impor sanes ao descumprimento das regras porque uma

    organizao com vantagem comparativa em violncia (North, 1981, p.21). Importante notar

    que North no define o Estado como uma instituio, mas como uma organizao, definindo

    instituio como um conjunto de regras.

    Contudo, o autor reconhece que os indivduos podem agir de forma no oportunista,

    ou seja, podem deixar de tirar proveito numa situao na qual sua punio seria improvvel.

    Isso explicaria o porqu de um indivduo devolver ao dono uma maleta repleta de dinheiro

    quando poderia, sem risco de punio, ficar com todo o dinheiro. Esse comportamento que

    respeita as regras, de propriedade nesse caso, mesmo na ausncia de uma provvel punio

    explicado pela ideologia, que North assim define:

    Por ideologia entendo as percepes subjetivas (modelos, teorias) que todas as pessoas

    possuem para explicar o mundo sua volta. Seja no nvel micro dos relacionamentos

    individuais seja no nvel macro das ideologias organizadas provedoras de explicaes

    integradas do passado e do presente, como o comunismo ou as religies, as teorias que os

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    indivduos constroem so coloridas por vises normativas de como o mundo deve ser

    organizado. (North, 1990, p.23)

    A ideologia seria, para North, os modelos mentais que construmos acerca da realidade

    na qual vivemos, ou seja, a viso que os indivduos tm do mundo. Nesse sentido, os

    indivduos internalizam algumas regras do jogo, as respeitando no porque podem ser

    punidos, mas simplesmente porque acham adequado respeit-las. Aqui a adequao refere-se

    s regras internalizadas pelos indivduos e que eles acreditam que devem seguir por princpio,

    em outras palavras, as regras internalizadas pelos agentes econmicos so regras impostas e

    policiadas pelo prprio indivduo.

    North adota ainda a idia de racionalidade limitada, entendendo as instituies como

    complementos cognitivos para indivduos incapazes de processar todas as informaes

    necessrias escolha tima. Destarte, as regras postas pelo sistema social e as regras

    internalizadas servem de apoio para a tomada de deciso do indivduo, fornecendo a noo do

    que deve e o que no deve ser feito, do certo e do errado, permitindo ao agente

    cognitivamente limitado fazer escolhas, tomar decises e agir no mundo social. Em livro mais

    recente, North caminha um pouco mais em direo de uma abordagem mais psicolgica das

    instituies:

    O foco da nossa ateno, portanto, deve ser o aprendizado humano no que aprendido e como este compartilhado entre os membros da sociedade e no processo incremental atravs

    do qual as crenas e preferncias mudam, e no modo pelo qual elas moldam a performance das

    economias ao longo do tempo. (North, 2005, p.viii)

    Aqui o autor chama a ateno para o processo de aprendizado e como ele pode

    contribuir no desempenho, no desenvolvimento, das economias ao longo do tempo. A

    mudana institucional continua sendo importante, mas importa agora saber como, e em qual

    velocidade, os indivduos processam essa mudana. North est tratando aqui da maleabilidade

    dos modelos mentais, ou das regras internalizadas, dos agentes econmicos. Quanto maior a

    capacidade dos indivduos de uma economia em absorver modelos mentais positivos ao

    desenvolvimento, maior o potencial dessa economia para o desenvolvimento.

    Institucionalistas Contemporneos

    O velho e o novo institucionalismo so novamente debatidos por institucionalistas

    contemporneos como Geoffrey Hodgson e Ha-Joon Chang, que tero suas ideias

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    apresentadas nesse item. Uma caracterstica do institucionalismo contemporneo a

    interdisciplinaridade e o aproveitamento de conceitos e idias tanto do velho quanto do novo

    institucionalismo, dando pouca nfase a uma mera oposio entre essas duas vertentes do

    pensamento institucionalista.

    Embora diversos autores possam ser considerados institucionalistas contemporneos,

    nesse artigo, elegemos para exposio apenas as contribuies de Hodgson e de Chang.

    Vamos iniciar com dois artigos de Hodgson, um de 2001, intitulado A evoluo das

    instituies: uma agenda para pesquisa terica futura, e outro de 2006, com o interrogativo

    ttulo What are institutions?. Importante notar que esses dois artigos no esgotam as

    concepes institucionalistas de Hodgson, mas nos fornecem elementos para posicion-lo nos

    debates no mbito da Economia Institucional.

    Hodgson um autor que busca o dilogo com o institucionalismo de North sem,

    contudo, deixar de lado sua raiz vebleniana, o que nos permitiria denomin-lo como um ps-

    vebleniano5. Hodgson (2001) assinala uma distino metodolgica entre a VEI e a NEI

    quanto ao papel dos sujeitos no que concerne s instituies. Enquanto os novos

    institucionalistas adotariam um modelo de baixo para cima, no qual as instituies

    emergiriam de um estado de natureza povoado de indivduos dotados de preferncias

    exgenas, os velhos institucionalistas estariam comprometidos com um modelo de causao

    reconstitutiva de cima para baixo, no qual a emergncia de uma instituio sempre

    pressuporia a preexistncia de outra instituio (Hodgson, 2000, p.12).

    Contra a ideia de um estado de natureza livre de instituies, Hodgson sugere um

    indissolvel crculo de determinao mtua entre indivduos e instituies, ainda que sejam

    ontologicamente distintos. O autor aponta que a amplitude de vida de indivduos e instituies

    diferente, assim como seus mecanismos de reproduo (Hodgson, 2001, p.104). Assim

    sendo, Hodgson (2001) define instituies como regras, restries, prticas e ideias que

    podem moldar as preferncias dos indivduos. Nesse ponto, o autor busca explicitamente

    conciliar a viso de instituio como regras do jogo de North com a concepo de instituio

    como modelos mentais de Veblen. Nas palavras do autor:

    Instituies so os tipos de estruturas que mais importam no domnio social: elas compem o

    material da vida social. (...) ns devemos definir instituies como sistemas de regras sociais

    estabelecidas e prevalecentes que estruturam as interaes sociais. Linguagem, dinheiro, lei,

    sistema de pesos e medidas, maneiras mesa, firmas (e outras organizaes) so, portanto,

    todas instituies. (Hodgson, 2006, p.2)

    5 Cavalcante, 2007, p.46.

  • 10

    No entanto, as instituies no apenas estruturam as interaes sociais, so tambm

    reforadas e mantidas pelo comportamento individual atravs do hbito. Hodgson toma o

    conceito de hbito do pensamento de Veblen e da filosofia pragmatista, em que os hbitos

    seriam formados a partir da repetio da ao ou do pensamento. Ainda segundo o autor,

    hbito no sinnimo de comportamento, mas sim propenso a um determinado

    comportamento condicionado a uma dada situao (Hodgson, 2001, p.107). Alm disso,

    hbitos so mais que um meio de economizar no processo de tomada de deciso para os

    indivduos; estes so um meio atravs do qual as convenes sociais e as instituies so

    formadas e preservadas (Hodgson; Knudsen, 2004, p.36).

    Uma vez que hbitos se estabelecem, tornam-se uma base potencial para novas intenes e

    crenas. Como resultado, hbitos compartilhados so material constitutivo de instituies,

    dotando-as de acentuada durabilidade, de poder e de autoridade normativa. (Hodgson, 2001,

    p.108)

    Numa clara referncia ao pensamento de Veblen, Hodgson sustenta que os hbitos

    compartilhados seriam capazes de moldar e constituir as instituies, que se converteriam em

    regras sociais responsveis pela estruturao das interaes entre as pessoas. Essa a essncia

    do modelo de causao reconstitutiva de cima para baixo sugerido por Hodgson, no qual as

    instituies tm o papel de estruturar as interaes individuais, ao mesmo tempo em que

    permanecem permeveis s aes dos indivduos.

    Chang segue um caminho semelhante ao de Hodgson ao sugerir essa permeabilidade

    mtua entre instituies e indivduos, sem, contudo, entrar em detalhes metodolgicos. A

    proposta de Chang a de uma economia poltica institucional, que o autor ope ao que ele

    denominou como paradigma neoliberal, resultante da unio entre o instrumental terico

    neoclssico e a filosofia poltica e moral da escola austraca (Chang, 2002, 540). Em especial,

    o autor questiona a definio de North de instituio como regras do jogo que restringem o

    comportamento humano. Segundo Chang, essa compreenso de instituies como restries

    limitaria seu papel na sociedade, uma vez que as instituies possuiriam um papel mais amplo

    de restringir, constituir e possibilitar a ao humana (Chang; Evans, 2005, p.5). Dentre as

    instituies presentes no ambiente econmico, o autor menciona trs instituies importantes,

    a saber, o mercado, as firmas e o Estado.

    O sistema capitalista composto de uma cadeia de instituies, incluindo os mercados como

    instituies de troca, as firmas como instituies de produo, e o Estado como criador e

  • 11

    regulador das instituies que governam suas conexes (enquanto instituio poltica), assim

    como outras instituies informais como as convenes sociais. (Chang, 2002, p.546)

    Importante notar, nessa passagem, que Chang menciona justamente as trs instituies

    consideradas por Coase, um novo institucionalista, como centrais ao funcionamento do

    sistema econmico. Naturalmente, Chang no entende essas instituies como meros

    mecanismos de alocao de recursos, conforme fizera Coase. Todavia, fica evidente que

    Chang considera que uma instituio pode ser tanto a regra, que restringe, constitui e

    possibilita as aes dos indivduos, quanto um conjunto de regras componente de uma

    organizao firmas, Estado e mercado.

    Deste modo, o autor sustenta que as instituies devem ser entendidas como

    mecanismos que possibilitam o alcance de finalidades que requerem coordenao supra-

    individual e, ainda mais importante, que so constitutivas dos interesses e vises de mundo

    dos atores econmicos (Chang; Evans, 2005, p.2). Ademais, as instituies so persistentes e

    estveis, o que no implica sua imutabilidade, uma vez que so os homens que modificam as

    instituies, mas no no contexto institucional de sua prpria escolha (Chang, 2005, p.18).

    (...) nossa abordagem difere daquela da NEI [nova economia institucional] ao postular uma

    causao de mo-dupla entre as motivaes individuais e as instituies sociais, em lugar de

    uma causao de mo-nica dos indivduos para as instituies, embora acreditemos que em

    ltima anlise as instituies sejam pelo menos temporariamente anteriores aos indivduos. (Chang; Evans, 2005, p.5)

    Como podemos observar, a principal reao de Chang aos novos institucionalistas

    remete colocao de instituies e indivduos em campos opostos e impermeveis,

    afirmando ainda que o sistema capitalista no deveria ser visto como um mero agrupamento

    de instituies que os indivduos podem construir e descartar de acordo com seus objetivos de

    maximizao. Contra essa viso, Chang afirma que uma instituio um complexo de regras

    formais e informais, mantidas e/ou transformadas por agentes intencionais, em que firmas,

    Estado e mercado se inter-relacionam, moldando o sistema capitalista.

    Por conseguinte, assim como Hodgson, Chang tambm identifica um modelo de

    baixo para cima no pensamento novo institucionalista. Os autores no discordam que

    instituies possuem um componente restritivo no que concerne s regras, mas chamam a

    ateno para o fato de que as instituies moldam ao mesmo tempo em que so moldadas pela

    ao individual. Dito de outro modo, a ao individual no pode ocorrer um vcuo

    institucional, da mesma maneira que as instituies no podem existir na ausncia da ao

  • 12

    individual. Existe, portanto, uma mtua dependncia ontolgica entre instituies e ao

    humana, em que uma no pode existir sem a outra.

    Deste modo, Hodgson e Chang reagem a uma definio estrita de instituio como

    regra restritiva ao comportamento individual, trazendo o pensamento vebleniano para o

    debate na tentativa de construir uma viso de instituio mais conectada ao humana. Isso

    fica claro na ideia de Chang de que as instituies seriam mecanismos capazes de restringir,

    constituir e possibilitar a ao humana, ou seja, as instituies seriam capazes de moldar a

    viso de mundo dos indivduos. Essa ideia de instituio compatvel com a proposio de

    Hodgson de um modelo reconstitutivo de cima para baixo, em que o hbito cumpre um

    importante papel de reforar padres de comportamento cristalizados em instituies.

    Dimenses Institucionais

    Como foi possvel observar nos itens anteriores, principalmente no item referente aos

    autores da VEI e da NEI, o termo instituio tratado e definido de forma distinta. Contudo,

    em vez de buscar demarcar as fronteiras da VEI e da NEI, veremos que possvel identificar

    trs dimenses institucionais, ou trs formas de se entender e definir uma instituio: (i)

    instituies como regras do jogo; (ii) instituies como modelos mentais; (iii) instituies

    como organizaes (RODAPE: Ver Cavalcante, 2010).

    Quando falamos em instituies como regras do jogo, podemos mencionar as ideias de

    North, que fornece a definio de instituio mais citada atualmente. Na concepo de North,

    as instituies seriam as regras do jogo na sociedade, representando para os indivduos um

    conjunto de restries sua ao. Essas restries podem ser formais, como as leis e as

    constituies, ou podem ser informais, postas pelos costumes e tradies de uma sociedade. O

    autor afirma ainda que pode ser feita uma analogia do conceito de instituies com as regras

    formais e informais de um esporte coletivo como o futebol, em que existem as regras por

    todos conhecidas, as regras formais, bem como aquelas que dependem das tradies e do

    bom-senso dos participantes do jogo, as regras informais. As instituies, nessa perspectiva,

    dizem aos indivduos o que eles podem ou no podem fazer, ou seja, fornece os limites para a

    ao humana. Essas restries so postas pela prpria sociedade ou por organizaes, como o

    Estado. North trata o Estado como uma organizao, que pode ser entendida como uma

    entidade capaz de criar, destruir e manter as regras do jogo, em que essa organizao mesma

    possui suas regras constituintes.

  • 13

    A ideia de organizaes como um conjunto de regras que definem o que os indivduos

    podem ou no podem fazer compatvel com a compreenso de Commons acerca de

    instituies como organizaes. Vimos que o autor entende as instituies como os

    mecanismos atravs dos quais o controle coletivo exercido, servindo ainda como

    mecanismos de resoluo de conflitos. Ou seja, quando deixados sua prpria sorte, sem

    regras, sem instituies, os indivduos tenderiam a resolver seus conflitos com base na fora

    fsica. Esse controle coletivo pode ser exercido de forma no organizada, o que seria anlogo

    s regras informais em North, ou de forma organizada, representada na figura do Estado, da

    famlia, da Igreja, dos sindicatos, das corporaes, dentre outras organizaes. Deste modo,

    Commons entende instituio como um conjunto de regras advindas de alguma forma de

    controle coletivo, seja ele proveniente de costumes no organizados, seja ele originado da

    ao organizada, que se apresenta sob a forma de organizaes como o Estado.

    Enquanto North coloca as instituies enquanto regras do jogo (formais e informais)

    de um lado e organizaes como um conjunto de regras do outro (Estado), essa demarcao

    no to evidente no pensamento de Commons. Contudo, podemos inferir a partir da

    definio de instituio fornecida por Commons que o autor entende uma instituio como um

    conjunto de regras que regula e fornece limites ao comportamento humano. Outro autor que

    no deixa explcita essa demarcao entre instituio e organizao Coase, que centra sua

    anlise no tratamento dos custos de transao. Segundo o autor, firmas, Estado e mercado

    seriam mecanismos de alocao de recursos alternativos, em que os indivduos escolheriam

    um dos trs de acordo com os custos de transao envolvidos em cada um deles.

    Naturalmente, os indivduos racionais escolheriam o mecanismo de alocao com menores

    custos de transao. Destarte, podemos entender esses mecanismos de alocao como regras

    de alocao, que, enquanto regras podem ser entendidas como instituies. No pensamento de

    Coase, as instituies so vistas, assim como em Commons, como as regras que emanam de

    organizaes como o Estado e as firmas, mas tambm podem ser entendidas como as prprias

    organizaes.

    Williamson, assim como Coase, identifica instituies com organizaes como firmas,

    mercados e relaes contratuais. Ao adotar o suposto de racionalidade limitada e de

    oportunismo como constituintes da modalidade de ao dos indivduos, as instituies

    corporificadas em organizaes tornam-se necessrias como complementos cognitivos para os

    indivduos. Essa ideia de instituio como complemento cognitivo racionalidade limitada

    dos indivduos tambm aparece na argumentao de North, o que permite ao autor se colocar

    prximo a Veblen no concerne definio de instituio como modelos mentais.

  • 14

    A ideia de racionalidade limitada, originalmente desenvolvida por Simon, permite a

    North fornecer os fundamentos para a ideia de instituio como regras complementares,

    existentes fora da mente do indivduo. Se existem regras fora da mente dos indivduos,

    existem tambm as regras internalizadas pelos indivduos, ou modelos mentais. Uma das

    formas que essas regras assumem na mente do indivduo consiste, segundo North, na

    ideologia, ou na viso que as pessoas possuem da realidade na qual vivem. Outra forma de

    internalizao das regras do jogo remete ao aprendizado, principal motor do desenvolvimento

    econmico segundo North. De acordo com o autor, o tipo de aprendizado e a velocidade com

    que os indivduos o adquirem ou o modificam reflete o grau de desenvolvimento econmico

    de uma sociedade. Deste modo, North entende instituies como regras fora da mente dos

    indivduos, que so as regras formais e informais de uma sociedade, mas tambm admite que

    essas instituies podem estar internalizadas pelos indivduos, constituindo seus modelos

    mentais ou a forma como entendem a realidade a sua volta.

    Veblen define instituio como hbitos mentais, ou seja, como formas de ser e de fazer

    as coisas, que so mantidas ou modificadas ao longo do tempo pela ao das pessoas.

    Mitchell tambm entende instituio como hbitos mentais, ou hbitos de pensamento que

    adquiriram ao longo do tempo uma aceitao geral como normas que orientam a conduta das

    pessoas. Nessa perspectiva, as instituies so ao mesmo tempo formas de agir e de entender

    o mundo e os padres, ou normas, que emergem de uma compreenso e de uma ao que

    obtiveram aceitao generalizada. Contudo, a ideia de instituio de Veblen parece

    permanecer num patamar mais abstrato que as regras do jogo de North, uma vez que os

    hbitos mentais e Veblen no se restringem a estrutura mental de um indivduo especfico,

    mas de um conjunto de pessoas pensando e fazendo a mesma coisa. Talvez essa divergncia

    no pensamento dos autores seja originria das diferentes bases psicolgicas adotadas pelos

    autores. Enquanto Veblen parte de uma ideia de sujeitos movidos por instintos, North entende

    os indivduos como dotados de uma racionalidade limitada.

    J os institucionalistas contemporneos transitam de modo mais fluido no mbito

    dessas trs formas de se entender e definir as instituies, o que reflete a tentativa, ao menos

    no caso de Hodgson, de conciliar a VEI e a NEI. Ao mesmo tempo em que Hodgson sugere

    uma definio de instituio como regras, restries e prticas que podem moldar as

    preferncias dos indivduos, o autor tambm sustenta que esse conjunto de regras reforado

    e mantido pelo hbito. O hbito seria formado a partir da repetio da ao ou do

    pensamento, no sendo, contudo, sinnimo de comportamento, mas sim uma propenso a um

    determinado comportamento dada uma situao. Ou seja, Hodgson entende instituies como

  • 15

    regras mantidas por hbitos, que nada mais so que uma propenso determinada ao ou

    comportamento. Assim sendo, podemos perceber no esquema conceitual de Hodgson

    elementos do pensamento de Veblen e de North.

    Chang sugere uma economia poltica institucional como alternativa ao que ele

    denominou como paradigma neoliberal, em que o principal alvo de sua crtica o pensamento

    de North. Segundo Chang, as instituies deveriam ser entendidas como mecanismos que

    possibilitam, constituem e restringem a ao humana, podendo ainda ser identificadas com

    entidades como o Estado, as firmas e os mercados. Nesse sentido, Chang define instituies

    como regras do jogo, mas tambm as entende como organizaes.

    Concluso

    Talvez pelo carter total da crtica vebleniana ortodoxia de sua poca, as ideias de

    Veblen tenham sido ignoradas pelos novos institucionalistas, que de certa forma pertenciam

    ortodoxia neoclssica, ainda que se apresentem como crticos desta. Alm de se distanciar da

    definio vebleniana de instituio, Commons parte da escassez de recursos como origem dos

    conflitos sociais, no de hbitos mentais distintos, como queria Veblen. Tanto a idia de

    escassez de recursos quanto o conceito de transaes e de instituies fez de Commons o

    nico velho institucionalista reconhecido pela NEI de Coase, North e Williamson. Contudo,

    verificamos que embora os autores referidos pertenam a escolas institucionalistas

    especficas, isso no garante uma unidade quanto ao conceito de instituio, nem no mbito

    da VEI nem no da NEI.

    Enquanto Veblen e Mitchell compartilham uma ideia de instituio como hbito

    mental, adquirido nas atividades cotidianas das pessoas, Commons possui uma compreenso

    de instituio como regras balizadoras do comportamento humano, que caso seja deixado

    livre produzir conflitos solucionados com base na fora fsica. J Coase e Williamson

    entendem instituio como regras internas s organizaes como as firmas, por exemplo

    responsveis pela alocao dos recursos escassos. Essa ideia de regra distinta, e mais

    restrita, daquela sugerida por Commons e at por North, que v as instituies como regras do

    jogo formais e informais de uma sociedade. North se aproxima da ideia vebleniana de

    hbito mental quando fala em ideologia, em seus escritos da dcada de 1990, se aprofundando

    no tema em seus escritos da dcada de 2000, quando o autor fala explicitamente em hbitos

    mentais como as regras do jogo internalizadas pelo indivduo.

  • 16

    Vimos que Hodgson busca uma conciliao entre a VEI e a NEI, principalmente entre

    os pensamento de Veblen e o pensamento de North. Contudo, distines metodolgicas

    importantes ainda distanciam uma completa conciliao entre o pensamento de North e

    Veblen (RODAPE: Ver Cavalcante, 2007). J Chang se coloca como crtica da NEI, em que

    seu alvo principal o pensamento de North. Segundo Chang, North teria focado

    excessivamente a ideia de instituio como regra restritiva, no reconhecendo seu papel de

    habilitadora e constituinte da ao individual.

    Assim sendo, apesar da VEI e da NEI serem comumente posicionadas em lados

    opostos, quando se destaca a compreenso de instituio dos autores dessas escolas

    institucionalistas, o que se observa so algumas intersees entre a VEI e a NEI, bem como

    algumas divergncias internas quanto perspectiva de anlise no mbito de cada uma dessas

    escolas. Por fim, essa confuso em torno do conceito de instituio poderia ser desfeita, ou ao

    menos comear a se apontar uma soluo, caso fossem considerados alguns aspectos

    metodolgicos envolvidos na relao entre estruturas sociais e sujeitos. Uma anlise

    metodolgica completa da economia institucional no faz parte do objetivo desse artigo, de

    modo que aqui somente podemos apontar um possvel caminho para o encaminhamento da

    questo relativa definio de instituio, permanecendo seu tratamento efetivo objeto para

    um artigo futuro.

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