cartografias das práticas cotidianas em educação ambiental ... · relações locais...
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VII EPEA - Encontro Pesquisa em Educação Ambiental Rio Claro - SP, 07 a 10 de Julho de 2013
Realização: Unesp campus Rio Claro e campus Botucatu, USP Ribeirão Preto e UFSCar
1
Cartografias das práticas cotidianas em educação ambiental em Aracruz/ES:
problematizando saberesfazeres socioambientais na atualidade.
Soler Gonzalez.
Professor de Geografia da rede municipal de Vitória, ES. Membro do Núcleo de Estudos e Pesquisa
Interdisciplinar em Educação Ambiental/CNPq. Professor Adjunto na Fundação São João
Batista/FAACZ-Faculdades Integradas de Aracruz no Curso de Pedagogia e no Mestrado Profissional em
Tecnologia Ambiental e coordenador de Projeto de Iniciação Científica/PIBID/FAPES.
Andréia Teixeira Ramos.
Agência financiadora CAPES.
Membro do Núcleo de Estudos e Pesquisa Interdisciplinar em Educação Ambiental/CNPq.
Resumo:
A pesquisa em andamento apresenta uma cartografia dos “possíveis” das práticas
cotidianas em Educação Ambiental (EA) no município de Aracruz/ES, problematizando
potencialidades políticas, éticas e estéticas dos saberesfazeres socioambientais na
atualidade em prol de sustentabilidades locais. Tem inspirações no método da
Cartografia, com narrativas, em redes de conversações nos cotidianos escolares e
comunitários. Os dados produzidos reúnem registros fotográficos, pesquisas
documentais e conversas, com movimentos sociais, órgãos públicos e educadores/as
envolvidos com a EA. Com a composição da cartografia, evidenciamos alguns
movimentos “possíveis” na atualidade: atenção e escutas sensíveis às manifestações
culturais locais; singularidades socioambientais das Aldeias Indígenas; Áreas de
Preservação Ambiental; produção de conhecimentos com experiências e redes de
conversações cotidianas nos grupos escolares e comunitários envolvidos com a EA,
relações locais sustentáveis, e, formação de educadores/as ambientais.
Palavras-Chave: Educação Ambiental autopoiética, Práticas cotidianas, redes de
conversações.
Abstract:
This ongoing research shows a mapping of daily practices in Environmental Education
(EE) at Aracruz/ES, discussing political, ethical and aesthetic potentialities of today
socio-environmental knowledge towards local sustainability. This research has
inspirations in the method of cartography, with narratives, networks of conversations in
everyday school and community. The data produced gather photographic records,
documentary research and conservations with social movements, public agencies and
educators involved with EE. With the composition of cartography, we realize that some
movements are happening today: attention and sensibility to local cultural events,
environmental singularities of Indigenous Villages; Environmental Preservation Areas;
production of knowledge from experience and from everyday conversations in school
and community groups involved with EE, sustainable local relationships, and
preparation of environmental educators.
2
Keywords: Autopoietic Environmental Education; everyday practices; networks of
conversations.
INTRODUÇÃO
A pesquisa em andamento iniciou em 2012/1 por meio do Edital 2012/2013 que
a Supervisão de Pesquisa da Fundação São João Batista/FAACZ-Faculdades Integradas
de Aracruz no Curso de Pedagogia lançou para seleção de estudantes de Iniciação
Científica do Programa PIBIC em parceria com a Fundação de Amparo à Pesquisa do
Espírito Santo (FAPES), Secretaria da Ciência Tecnologia, Inovação Educação
Profissional e Trabalho e Governo do Estado do Espírito Santo. O PIBIC das FAACZ é
voltado às áreas de conhecimentos pertinentes aos conteúdos dos cursos de Graduação e
Pós-graduação oferecidos pela instituição. O Programa PIBIC, conforme prevê o CNPq,
promove o incentivo à formação de novos pesquisadores, privilegiando a participação
ativa dos acadêmicos em projetos de pesquisa com mérito científico, e de orientação
continuada. Além disso, contribui para o aumento da produção científica na região, no
Estado do ES, e no país.
A pesquisa foi apresentada para o curso de Pedagogia, na linha “Práticas
Pedagógicas e a Educação Socioambiental”, e o objetivo geral é cartografar e
problematizar1 na atualidade
2 as experiências
3, os movimentos e as potencialidades que
envolvem a produção de conhecimentos no campo da Educação Ambiental (EA) no/do
município de Aracruz. O que se pretende também é perceber e capturar, como se dá, os
atravessamentos desse campo, em diferentes espaços/contextos educativos, em
processos de formação de educadores/as e em práticas educativas na sociedade
contemporânea.
O trabalho articula a EA numa perspectiva autopoiética4, em processos de
“autofazimento” dos sujeitos praticantes5 em redes cotidianas por meio de conversações
1 Revel (2005) destaca que segundo Foucault “o termo problematização implica duas
consequências. De um lado, o verdadeiro exercício crítico do pensamento se opõe à ideia de uma busca
metódica da “solução”: a tarefa da filosofia não é, portanto, a de resolver – inclua-se: substituir uma
solução por outra – mas a de “problematizar”, instaurando uma postura crítica e retomando os problemas.
De outro lado, esse esforço de problematização não é um anti-reformismo ou um pessimismo relativista. 2 Revel (2005) aponta que de acordo com Foucault “Atualidade” e “presente” são, inicialmente,
sinônimos. No entanto, uma diferença vai se acentuar cada vez mais entre o que, de um lado, nos precede,
mas continua, apesar de tudo, a nos atravessar e o que, de outro lado, sobrevém, ao contrário, como uma
ruptura da grade epistêmica a que pertencemos e de periodização que ela engendra. Essa irrupção do
“novo”, que tanto Foucault quanto Deleuze chamam igualmente de “acontecimento”, torna-se, assim, o
que caracteriza a atualidade. 3 Larrosa (2004) destaca que “experiência é o que nos passa, ou o que nos acontece, ou nos toca.
(...) A cada dia passam muitas coisas, porém, ao mesmo tempo, quase nada nos passa. Dir-se-ia que tudo
o que está organizado para que nada nos passe”. 4 A aposta em pensar a EA numa perspectiva autopoiética deriva de trabalhos-pesquisas
produzidos em parceria entre um doutorando e uma mestranda ambos estudantes do PPGE/CE/UFES, e,
teve como dispositivo as redes de conversações nos movimentos iniciais de produção do artigo
“Humberto Maturana e suas conversas”, entrelaçada com a participação na formação continuada em
educação infantil com foco na EA do Projeto de Extensão UFES/CEUNES/São Matheus, envolvendo 250
professoras de cinco municípios do Norte do ES. Destacamos a participação em março 2012, no Fórum
Brasileiro de EA, em Salvador, como ministrantes do Mini-Curso “EA numa perspectiva autopoiética na
formação de educadores/as”. Prosseguindo nos caminhos investigativos das pesquisas, participamos, com
apresentação de trabalhos focando a EA autopoiética, as redes de conversações e a formação de
educadores/as, no XVI ENDIPE “Didática e Práticas de Ensino: Compromisso com a Escola Pública,
Laica, Gratuita e de Qualidade, realizado na UNICAMP em julho de 2012; na UFF, no IV Congresso
3
que acontecem nos espaços de convivências. Para tal apoiamo-nos nas teorizações do
campo da EA articulando as pesquisas com narrativas em processos de formação de
educadores/as ambientais Martha Tristão e Michele Sato, na noção de autopoiese, e,
conversação, presente no pensamento do biólogo chileno, Humberto Maturana, na
perspectiva dos cotidianos, como proposto por Nilda Alves e, também no Método da
Cartografia inspirado em Gilles Deleuze, Félix Guattari e Virginia Kastrup.
Pretendemos desenvolver a noção da EA autopoiética, pensando os movimentos
nos quais os seres vivos e os seres humanos constituem o mundo e são constituídos por
ele numa autoprodução, ou seja, numa autopoiese que acontece nas relações
entrelaçadas com tensões, conflitos e negociações que emergem nas redes cotidianas,
apostando no compartilhar, na solidariedade e de aceitação do outro como legítimo
outro junto a nós no conviver amoroso. Autopoiese vem do grego: autós, próprio; poieu,
poiein, poiesis, faço, fazer, o feito, é a produção de si mesmo, autofazimento - um
sistema autopoiético é uma teia de processos que vão se produzindo através de
transformações e interações (ASSMANN, 1998).
Pensar a autopoiese é pensar em processos de “autofazimento de autoprodução”
de sistemas autopoiéticos. Como nos tornamos o que somos? Abaixo segue as palavras
de Maturana sobre sermos seres vivos e autopoiéticos.
O que nos define como seres vivos, é que somos sistemas autopoiéticos
moleculares, e que entre tantos pelos sistemas moleculares diferentes, somos
sistemas autopoiéticos (MATURANA; VARELA, 1997, p. 18). Considero
que é necessário tomar consciência de que os seres vivos são entes históricos
partícipes de um presente histórico em contínua transformação para
compreender (...) que como seres vivos somos sistemas autopoiéticos
moleculares, é o que dizemos ao afirmar que o viver se dá na realização da
autopoiese. (MATURANA; VARELA, 1997, p. 31).
Nos movimentos de pensar que somos seres vivos autopoiéticos, as conversas e
as redes de conversações aparecem como potencia de ação nas coletividades vivas
humanas. Humberto Maturana (1997) sugere que “conversar” vem do latim, cum - com;
e versare - dar voltas. Como mamíferos, somos animais que no nosso devir evolutivo
aprendemos a coordenar os fluxos emocionais nas ações, enquanto animais linguajantes.
“Ao fluir o nosso emocionar num curso que é o resultado de nossa história
de convivência dentro e fora da linguagem, mudamos de domínio de ações, e,
portanto muda o curso de nosso linguajar e de nosso raciocinar. A esse fluir
entrelaçado de linguajar e emocionar eu chamo conversar, e chamo
conversação o fluir, no conversar, em uma rede particular de linguajar e
emocionar” (MATURANA, 1997, p. 172).
Desta forma, a pesquisa apresentará uma cartografia dos possíveis nas práticas
cotidianas em EA numa perspectiva autopoiética no município de Aracruz/ES,
Internacional Cotidiano “Diálogos sobre Diálogos”, em agosto de 2012; e na 35° Reunião Anual da
ANPED, em 2012, com apresentação de trabalho na categoria pôster, no Grupo de Trabalho EA. Saliento
por fim, que produzimos conjuntamente, o artigo aceito (no prelo) para ser publicado na Revista online
PRO DISCENTE/PPGE/UFES “EA numa perspectiva autopoiética e a formação de educadores/as”.
Ressaltamos que essas produções constituem e compõem nossas vidas acadêmicas, pessoais, profissionais
em movimentos autopoiéticos, com invenções de si e de mundos habitados por nós. 5 Sujeitos praticantes Michel de Certeau (2008) são sujeitos inventores aqueles que inventam e
reinventam nos cotidianos o mundo nas artes de fazer, com os usos de táticas e estratégias de resistências
se reapropriando do espaço e do uso do lugar praticado a seu jeito.
4
ressaltando potencialidades políticas, éticas e estéticas dos saberesfazeres6
socioambientais na atualidade. Os dados foram produzidos7 no período de junho a
dezembro de 2012, com Diário de Campo, registros fotográficos, pesquisas documentais
e conversas com movimentos sociais, órgãos públicos e educadores envolvidos com a
EA fazendo um zoom nas práticas cotidianas do município de Aracruz, ES,
problematizando os saberesfazeres socioambientais em prol das sustentabilidades locais.
Além disso, realizamos reuniões mensais de orientação e acompanhamento da pesquisa,
o que nos possibilitou produzir uma versão inicial do que estamos denominando de
“Cartografia das práticas cotidianas em EA no Município de Aracruz”8.
Nas travessias da EA em Aracruz, pistas da cartografia das práticas cotidianas
escolares e comunitárias evidenciaram movimentos possíveis na atualidade como, por
exemplo: a atenção e escutas sensíveis às práticas culturais locais e às Áreas de
Preservação Ambiental, as singularidades socioambientais das Aldeias Indígenas, o
entrelaçamento das experiências produzidas nos grupos escolares e comunitários
envolvidos com ações em EA, a potência das redes de conversações cotidianas na
produção de conhecimentos, e, as possibilidades de produção de relações
socioambientais sustentáveis.
A pesquisa percorre travessias inspiradas nos trabalhos de Alves (2010),
Carvalho (2008), Certeau (2008), Deleuze (1992), Deleuze e Guattari (1995), Ferraço
(2003), Kastrup (2007), Larrosa (2004), Passos et al. (2009), Maturana (1997; 1998;
2006), Sato (2001) e Tristão (2004), criando encontros, desencontros, reencontros
rizomáticos, um fio puxando o outro, e como dizia Deleuze (1992), cada um, como um
todo já é muitos... sempre se trabalha em vários.
TRAVESSIAS METODOLÓGICAS
Não há método, não há receita, somente uma grande preparação.
Gilles Deleuze
Esta pesquisa em EA enredada com a pesquisa cartográfica e com os cotidianos
pressupõe o acompanhamento de percursos, conexões de redes e rizomas, com as
cartografias das práticas cotidianas em EA no município de Aracruz, em múltiplos
contextos educativos, evitando explicar-representar-interpretar, ou como diz Deleuze,
na citação acima: “não há receita, somente uma grande preparação”.
6 Para Nilda Alves (2010), “juntar os termos, pluralizá-los, algumas vezes invertê-los, outras
duplicá-los, foi a forma que conseguimos, até o presente, para mostrar como as dicotomias necessárias na
invenção da ciência moderna têm se mostrado limitantes ao que precisamos criar para pesquisar
nos/dos/com os cotidianos”. 7 Neste texto apenas alguns lampejos dos registros de conversações serão apresentados,
considerando que devido ao limite do artigo não é possível colocar todas as transcrições. As conversações
foram gravadas, transcritas e problematizadas de acordo com os objetivos da pesquisa, compondo o que
chamamos de “Diário de Bordo”. 8 Pontuamos que a inspiração para a realização desta pesquisa, surgiu em 2010 a partir projeto de
pesquisa na parceria entre uma mestranda um o doutorando estudantes do PPGE/CE/UFES, que juntos,
iniciaram a pesquisa “A Cartografia Social da EA no/do município de Cariacica: possibilidades
emergentes para a formação de comunidades sustentáveis”, apresentada na Anpedinha Sudeste, na
Universidade Federal do Rio de Janeiro em julho de 2011, e, no Seminário de Cotidianos, Culturas e
Currículos, na UFES em agosto de 2011.
5
A noção cartográfica de Deleuze e Guattari é inspiração no livro Pista do método
da cartografia (PASSOS et al, 2009) e na Introdução de Mil Platôs Volume I
(DELEUZE e GUATTARI, 1995). Para os autores, a cartografia surge como princípio
de rizoma, são múltiplas as entradas em uma cartografia, é como mapa móvel, numa
rede de conexões e experiências.
Nesse sentido, vale à pena destacar que:
Conhecer a realidade é acompanhar processo de constituição, o que não pode
se realizar sem a imersão no plano da experiência. Conhecer o caminho de
constituição de dado objeto equivale a caminhar com esse objeto, constituir
esse próprio caminho, constituir-se no caminho. Esse é o caminho da
pesquisa – intervenção. (BARROS, PASSOS, 2010).
Os movimentos da cartografia formulada por Deleuze e Guattari (1995)
pretende acompanhar processos e não representar um objeto conforme destaca Barros e
Kastrup (2010). Abordando a pista “cartografar é acompanhar processos” procuramos apontar
que a processualidade está em cada momento da pesquisa. A processualidade
se faz presente nos avanços e nas paradas, em campo, em letras e linhas, na
escrita, em nós. A cartografia parte do reconhecimento de que, o tempo todo,
estamos em processos, em obra, em criação. O acompanhamento de tais
processos depende de uma atitude, de um ethos, e não está garantida de
antemão. Ela requer aprendizado e atenção permanente, pois sempre
podemos ser assaltados pela política cognitiva do pesquisador cognitivista:
aquele que se isola do objeto de estudo na busca de soluções, regras,
invariantes. O acompanhamento dos processos exige também a produção
coletiva do conhecimento. Há um coletivo se fazendo com a pesquisa, há
uma pesquisa se fazendo com o coletivo. A produção de dados é processual e
a processualidade se prolonga no momento da análise do material que se faz
também no tempo, com o tempo, em sintonia com o coletivo. (BARROS,
KASTRUP, 2010,72-73, grifo nosso).
Os colaboradores desta pesquisa consistem em educadores e educandos de redes
cotidianas escolares, técnicos das secretarias de educação e de meio ambiente, e pessoas
envolvidas com os movimentos sociais e ONG’s do município.
A produção de dados na Fase I aconteceu de junho a dezembro de 2012, no
acompanhamento dos fluxos de redes de conversações tecidas na coletividade, visitas
técnicas, e em encontros mensais de compartilhamentos entre professor o coordenador,
a pesquisadora Mestranda colaboradora, a bolsista IC e a monitora voluntária. Como
dispositivos da pesquisa utilizamos o Diário de Campo e fotografias, com isso a
pesquisa cartográfica, introduz os pesquisadores, num movimento singular de conhecer,
agir e habitar experiências com os sujeitos praticantes, na tessitura dos fios do campo
problemático da pesquisa.
Nesse sentido, que singularidades atribuir às Educações Ambientais produzidas
nos múltiplos espaçostempos de aprendizagens no município de Aracruz? Quais
interlocuções desse campo com as práticas culturais locais? Quais as potências estéticas,
éticas e políticas das Educações Ambientais das práticas educativas em Aracruz na
atualidade? É claro que não temos a pretensão, nem de longe, de tentar resolver-
responder a essas questões. São inquietudes que desejamos modestamente percorrer
com as travessias da pesquisa.
6
AS QUATRO FASES DA PESQUISA
A pesquisa foi organizada metodologicamente em Quatro Fases, cada fase tem
sua singularidade, o objetivo da Fase I foi produzir dados qualitativos e quantitativos
das práticas em EA existentes, constituindo cenários que nos permitiu reconhecer e se
aproximar das ações e projetos de EA, e, consequentemente, as múltiplas realidades
socioambientais, constituindo assim, a versão inicial da “Cartografia das práticas
cotidianas em EA no município de Aracruz em múltiplos contextos educativos”,
indicando potencialidades pedagógicas, éticas, estéticas e políticas do campo de
produção de conhecimentos em EA no contexto do município de Aracruz. Este
momento inicial, contou também, com encontros com sujeitos envolvidos nas ações
desenvolvidas nas secretarias municipais de Educação, de Meio Ambiente, professores
das escolas municipais, organizações não governamentais, e grupos sociais.
A pesquisa encontra-se na metade da Fase II, que tem como objetivo,
problematizar os aspectos pedagógicos, metodológicos e políticos das práticas
cotidianas delimitadas, de acordo com os dados produzidos na Fase I. Para
problematizar os dados produzidos, a pesquisa é atualizada e alimentada com as
produções dos “Mapas Comunitários”, envolvendo comunidades escolares de diferentes
regiões do município de Aracruz, cuja elaboração, envolve a turma do sétimo período
de Pedagogia da FAACZ, na disciplina “Sustentabilidade e EA”9, sendo que essas
estudantes após a produção do material irão apresentar na coletividade em Seminários
os dados produzidos. Nesta Fase II da pesquisa, as entrevistas e as conversas foram
gravadas e, os espaços educativos visitados, foram fotografados com a permissão dos
sujeitos envolvidos na pesquisa.
No inicio da Fase II, nos deparamos com algumas fragilidades no percurso da
pesquisa, decorrentes, principalmente, de mudanças na Gestão Pública Municipal
(Prefeito e vereadores), interferindo tanto no quadro de lideranças comunitárias, e
principalmente, nos quadros de funcionários e nas ações das Secretarias, como os casos
das Secretarias de Meio Ambiente e de Educação, ambas pouco familiarizadas com os
projetos e processos internos às suas secretarias.
A Fase III tem como objetivo a elaboração e problematização do Mapa síntese
versão final das práticas cotidianas em EA no município de Aracruz/ES em seus
múltiplos contextos educativos, indicando as potencialidades e fragilidades, além disso,
essa fase objetiva, também a delimitação dos públicos que serão envolvidos em
processos de formação em EA, com o fomento e organização de cursos de formação em
EA, nos contextos formal e não-formal, no município de Aracruz/ES, com foco nas
transformações do seus espaços de vida em prol de práticas sustentáveis e de gestão
socioambiental de seu território.
A Fase IV objetiva a apresentação, difusão e problematização da “Cartografia
das práticas cotidianas em Aracruz/ES: Problematizando saberesfazeres socioambientais
na atualidade”, indicando as potencialidades pedagógicas, éticas, estéticas e políticas
das ações pesquisadas e o fomento a partir do curso de formação em EA no exercício de
cidadania, de mobilização, intervenção, participação social solidária, comunitária e
cooperativas, relacionadas as questões socioambientais locais, comprometidas com as
sustentabilidades da região. Além disso, realizaremos uma devolutiva da pesquisa aos
os sujeitos praticantes envolvidos.
9 Essa disciplina é ministrada pelo professor e coordenador das atividades da pesquisa.
7
Ressaltamos que as Fases têm uma conotação sequencial, porém suas ações não
são estanques, significando que podem se realizar também simultaneamente, um
exemplo disso, é que no ano de 2012 já realizamos dois cursos de formação em EA em
parceria com as Faculdades Integradas de Aracruz com as estudantes do curso de
pedagogia.
APROXIMAÇÕES COM O CAMPO PROBLEMÁTICO DA PESQUISA
Com 1.426,83 km2 e com 86.658 habitantes (IBGE, 2009), o município está
situado na região turística do “Verde das Águas”, apenas 60 km da capital Vitória, pela
rodovia litorânea ES-010. Considerado um dos municípios do ES com notória
diversidade cultural, com presença das culturas indígenas, europeias e africanas,
Aracruz, possui diferentes aspectos gastronômicos, festas populares tradicionais,
patrimônios históricos, grande quantidade de áreas naturais preservadas e boa
infraestrutura turística, compondo um cenário que une lazer, tranquilidade, natureza,
cultura e negócios. Segundo os dados da Secretaria Municipal de Educação (2012)
Aracruz conta com 57 escolas municipais (educação infantil, ensino fundamental,
educação de jovens e adultos, pluridocentes e unidocentes), 15.713 estudantes e 903
professores/as.
As praias de Aracruz representam um dos principais pontos turísticos do
município. Com 47 km de extensão, o litoral de Aracruz possui belas paisagens e
atrativos para quem busca diversão, sombra e água fresca. É na temporada de verão e
carnaval que o município recebe a maior quantidade de turista. É nesse período também
que se intensificam os impactos socioambientais.
A Região Litorânea transparece as potencialidades naturais locais, restingas,
manguezais preservados, falésias e praias, como, Praia de Coqueiral, Praia dos Padres,
Praia de Mar Azul, Praia de Putiri, Praia dos Quinze e, Barra do Sahy, com formações
de recifes naturais, “mar de coqueiros”, restingas, áreas com enorme potencial para a
prática do mergulho, sendo que são praias que contam também com a proximidade de
Aldeias Indígenas Tupinikins e Guaranis-Mbyá. As Aldeias Guaranis ficam situadas às
margens da Rodovia ES-010 e as Tupinikins em Comboios, na rodovia ES-456 e na ES-
257. As aldeias são: Piraquê-Açu, Três Palmeiras, Boa Esperança, Pau-Brasil, Irajá,
Caieiras Velha, Comboios, Olho D´Água e Areal. O artesanato local apresenta fortes
influências das culturais indígenas, africanas e europeias.
As tradições e manifestações culturais em Aracruz trazem influências dos povos
negros, indígenas e europeus, como por exemplo, as Bandas de Congo São Benedito do
Rosário, que é a mais antiga do Estado e do município, Banda de Congo Nossa Senhora
de Ibirapitinga, Banda de Congo Tupinikim de Caieiras Velha, Banda de Congo São
Sebastião e Banda de Congo São Benedito. Dentre os Grupos de Dança, destacam-se os
Guerreiros de Tupinikins de Caieiras Velha, e, o Gruppo Di Ballo Nova Trento,
fundado na década de 1990. Destacam-se alguns monumentos de estimado valor
histórico e cultural, como a Igreja Nossa Senhora da Penha, de 1857, e a Casa de
Câmara e Cadeia, 1860, no distrito de Santa Cruz, ambos tombados pela Secretaria
Estadual de Cultural.
No que se refere às Reservas Naturais, destacamos: os Parque Natural Municipal
do Aricanga, uma Unidade de Conservação (UC) com remanescentes de Mata Atlântica,
8
lagoas e nascentes, à 7 km da sede do município, com visitas monitoradas e incentivo a
pesquisas e ações de Educação Ambiental, a Reserva Biológica de Comboios, com 15
km de praia, recoberta com restingas e ecossistemas associados à Mata Atlântica, sendo
também terras indígenas, e que é referência, nas desovas de tartarugas marinhas que
ocorrem na região, o Parque Natural Municipal Davi Victor Farina, também uma UC, e,
a Reserva Ecológica do Manguezal Piraquê-Açu e Piraquê-Mirim, localizada em Santa
Cruz, conhecidos pelos Passeios de Escuna nos exuberantes e bem preservados
manguezais, formados pela junção dos rios Piraquê-Açu e Piraquê-Mirim, cujas águas
alimentam comunidades pesqueiras e indígenas, que sobrevivem da pesca, do artesanato
e da coleta de mariscos.
A pesquisa pretende continuar percorrendo caminhos que nos possibilite
problematizar os dados produzidos e que deram origem a uma primeira versão da
“Cartografia das práticas cotidianas em EA em Múltiplos Contextos Educativos de
Aracruz”. A intenção é compreender os sentidos éticos, estéticos, ontológicos, políticos
e epistemológicos, que atravessam as práticas em EA, no sentido de contribuir com
processos de aprendizagens e de formação de educadores/as, que dialoguem com
perspectivas participativas, e abertas aos diferentes saberesfazeres socioambientais, que
emergem com essas práticas, ampliando assim, os discursos instituídos que apresentam
modelos, formas e receitas “para”, e que possivelmente, serão aplicados juntos os
sujeitos, comunidades e espaços de convivências e de aprendizagem, aqui
cartografados.
Que Educações Ambientais são tecidas nas práticas educativas das comunidades
escolares locais? Como é o diálogo entre as Educações Ambientais instituídas pelas
Secretarias/ONGs/Empresas, com as Educações Ambientais produzidas nas
coletividades, nas experiências dos sujeitos praticantes dos cotidianos escolares e
comunitários? De que maneira as diferentes Educações Ambientais em voga,
possibilitam processos de aprendizagens inventivas e preocupadas com as
sustentabilidades éticas das relações entre as coletividades envolvidas?
Esses questionamentos e problematizações10
emergiram durante essa fase inicial
da pesquisa e nos acompanharão, enquanto dispositivos, para problematizarmos o
campo de produção de conhecimentos em EA em Aracruz.
RASTREANDO PRÁTICAS COTIDIANAS EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL
A pesquisa-intervenção em movimento e em direção aos projetos e ações de EA.
Na Fase I foram potentes os encontros e as conversas com técnicos e gestores da
Secretaria de Meio Ambiente (SEMMAM), na qual ficamos sabendo das ações e
projetos em EA, da inauguração, em julho de 2012, de um Polo de Educação
Ambiental, na área protegida pelo Parque Natural Municipal do Morro do Aricanga. O
Polo foi construído por uma empresa de Tratamento de Resíduos Sólidos da região, em
10
Destacamos a valiosa contribuição das aulas de Filosofia da Educação, Questões Atuais,
Seminário C, Currículo, Cultura e Sociedade, Tópicos I e II: Cultura, Currículo e formação de
educadores/as e História da Educação, encontros potentes na constituição do campo problemático. Além
dos momentos e conversas com o Grupo de Pesquisa em Educação Ambiental (Núcleo Interdisciplinar de
Pesquisas e Estudos em Educação Ambiental – NIPEEA-CNPq/UFES) e das orientações com a Profa.
Martha Tristão.
9
respeito a um Termo de Ajustamento de Conduta, assinado entre a empresa, a
prefeitura, o Ministério Público e o Instituto Estadual de Meio Ambiente. O objetivo do
Polo é apoiar e realizar atividades em EA, pesquisas e atividades turísticas, funcionando
também, como Sede da Gerência de EA da SEMAM.
A “Caminhada Ecológica ao Morro do Aricanga” mobiliza vários grupos
ambientalistas locais e a comunidade em geral. As “sustentabilidades” locais, os
mercados verdes, e as parcerias com a SEMAM, organizam e realizam a caminhada
ecológica. Outras potencialidades ambientais para as práticas em EA: a Reserva
Biológica de Comboios, com 15 km de praias recobertas por restingas e ecossistemas
associados à Mata Atlântica, sendo também terras indígenas, e referência nas desovas de
tartarugas marinhas que ocorrem na região, o Parque Natural Municipal Davi Victor
Farina, também uma UC, e, a Reserva Ecológica do Manguezal Piraquê-Açu e Piraquê-
Mirim, localizada em Santa Cruz, conhecidos pelos Passeios de Escuna nos exuberantes
e bem preservados manguezais, formados pelas bacias dos rios Piraquê-Açu e Piraquê-
Mirim, cujas águas alimentam comunidades pesqueiras e indígenas, que sobrevivem da
pesca, do artesanato e da coleta de mariscos.
Ampliando as conversas, outro tema ganha a cena, faz-se aparecer e já é notícia,
há muito tempo, na lista de ações e projetos de EA que encontramos: o projeto “Coleta
Seletiva de Resíduos Sólidos”. A receita tradicional: palestras e panfletos, envio de
tambores de coleta dos resíduos secos e úmidos. E a sociedade de consumo? Dos
descartáveis? É melhor separar e continuar consumindo?
As artes como potência de produção de conhecimentos, encontros e movimentos
do pensamento. Na conversa do “lixo” fomos para a arte, que proporciona experiências
diante dos “possíveis” das práticas cotidianas: o “RecriArte”. Um espaço dinâmico e
articulador de práticas em EA: recebimento de óleo usado com o projeto “Óleo Bom”,
espaço de confecção e exposição de enfeites e objetos, feitos com garrafas pets e outras
sucatas. O “Recriarte” tem boa infraestrutura e conta com as parcerias das Secretarias
Municipais de Aracruz, sendo visitado por educadores/as e estudantes.
Nas escolas locais identificamos alguns projetos institucionais: “Escola no
Mangue” que envolve crianças a partir do 5º ano do ensino fundamental, com
abordagens teóricas e práticas, na qual os estudantes são apresentados ao ecossistema e
depois levados aos manguezais da bacia do Piraquê-açú e Piraquê-mirim. Os
manguezais puxaram os fios para a escola conversar com a Educação Ambiental.
A escola tem uma grande preocupação em relação a esse assunto, os
professores de Ciências tem colocado em seu planejamento deles do trimestre
várias ações a respeito desse assunto. Trabalho com oficinas, com trabalho
com palestras às vezes em parceria, e às vezes promovido pela própria escola.
(PEDAGOGA DO ENSINO FUNDAMENTAL)
As datas comemorativas também agenciam a SEMMAM. O tempo da natureza
não é o tempo do chrónos do relógio, do calendário, mas há que se inventar a “Semana
do Meio Ambiente”, o “Dia da árvore” e o “Dia Mundial do Meio Ambiente”. O “meio
ambiente”! Ele não está em nós? Nós não pertencemos a Ele? Participam destes eventos
escolas municipais e estudantes de cursos técnicos e de graduação. São apresentados
projetos desenvolvidos nas escolas, palestras e apresentações culturais da região. Os
resultados são apresentados. Os processos, as relações, a produção da sustentabilidade
enquanto relação entre as pessoas, isso, parece que não é para aparecer. O “meio
ambiente” como instrumento de competição e retribuição de prêmios e concursos,
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apontando quem ganha e quem perde. O “Meio Ambiente” precificado, a natureza
precificada.
Do “Dia da árvore”, para as águas de Aracruz, com destaque para o projeto
“Praia Limpa”, que ocorre entre os meses de janeiro e fevereiro com a distribuição de
panfletos, sacolas para câmbio de automóveis e sacolas plásticas para resíduos.
Panfletagens! E o panfleto, para aonde vai?! Nas águas? Para “preservar” é preciso
outras éticas, mais solidárias e menos competitivas e culturalmente criadas. Outras
éticas de aceitação do outro e das outras formas de vida. Com o projeto “Praia Limpa”
são abordadas temáticas relacionadas com a preservação e limpeza da praia e
preservação da restinga, sendo que os escoteiros são potentes parceiros neste projeto,
são exemplos dos “possíveis” que povoam as práticas cotidianas de EA. Segue trecho
da conversa:
Com relação aos projetos de Educação Ambiental, baseado no último artigo
da Lei do Escoteiro, o escoteiro é amigo dos animais e das plantas, nós
desenvolvemos projetos na área ambiental junto com a prefeitura que é o
Projeto Praia Limpa. [...] A gente vai para o campo explicar para as pessoas,
distribuir sacolas e panfletos, mostrar a importância delas levarem de volta o
lixo que elas produzem, qual o tempo de decomposição do papel, isopor,
copo plástico, garrafa pet, coisas que a gente usa no dia a dia. E paralelo a
orientação, a gente faz a limpeza da praia. (COORDENADOR DOS
ESCOTEIROS)
As Praias e as Aldeias Indígenas se complementam. As Aldeias Guaranis-Mbyá
e Tupinikins ficam na faixa litorânea e arredores. As aldeias são: Piraquê-Açu, Três
Palmeiras, Boa Esperança, Pau-Brasil, Irajá, Caieiras Velha, Comboios, Olho D´Água e
Areal. Índios, europeus e negros se encontram, produzem manifestações culturais, com
destaque às Bandas de Congo e o Grupo de Dança Guerreiros de Tupinikins, de Caieiras
Velha.
A EA também se enraíza em outras “praias”, como é o caso das escolas
municipais. Com os encontros com os técnicos e gestores da secretaria Municipal de
Educação conhecemos outro “dia”: o “Dia do currículo”! Oficinas, apresentações
culturais das escolas da rede municipal, exposições de projetos e atividades. Os
resultados, mais uma vez em evidências. Vários estandes são expostos. Potencialidades
das comunidades escolares e do projeto “Comunidade de Leitores”.
O nosso rastreio entra no “chão da fábrica” de celulose com o programa de
veiculação da “sustentabilidade”. O Programa de Educação Ambiental é composto de
metas, indicadores, números, atividades práticas, resultados alcançados, e em 2012
realizou ações de EA com as comunidades escolares de cinco bairros da cidade: Vila do
Riacho, Barra do Riacho, Barra do Sahy, Centro e Coqueiral. O PEA tem por objetivos,
formar pessoas da comunidade em “Ecoagentes”, aproximando as comunidades à
empresa, envolvendo-as nas discussões de temas ambientais de interesse dos municípios
de influência das unidades da empresa, e está organizado em três frentes: comunidade
escolar, engajamento comunitário e trabalhos internos com colaboradores e prestadores
de serviços/produtos.
Nos ambientes das escolas, o PEA tem como focos os educadores, com
dinâmicas que envolvem a teoria e prática, abordando temas como Resíduos Sólidos,
Eco eficiência e Educação Ambiental. Mais uma vez o “mercado verde” em ação. Ao
todo 46 professores participaram das atividades ao longo do módulo presencial
envolvendo as escolas participantes.
11
O Projeto “Educar com Responsabilidade Ambiental” também envolve
estudantes do 1° ao 9° Ano do Ensino Fundamental de uma escola municipal, fruto de
um trabalho desenvolvido há três anos, e coordenado por um professor e biólogo, em
parceria com as secretarias de Agricultura (SEMAG) e Educação (SEMED). Eis os
possíveis produzidos por minorias que ganham corpo, intensidades e poder de
espraiamentos. No ano de 2012 o projeto foi incluído no programa “Escolas em Rede”,
da SEMED, com o apoio da empresa de celulose da região. Oficinas de Artesanato com
material reciclado, produção literária com apresentação de blog, sabão ecológico com
óleo usado, papel reciclado e produção de mudas de árvores nativas da região.
Fios de conversas com o professor e biólogo sobre sua participação no Projeto
“Educar com Responsabilidade Ambiental”.
A EA entrou na minha disciplina de Ciências quando percebemos que aqui na
rede municipal de Aracruz precisava de um projeto de Educação
Socioambiental, voltado para o social ligado com o ambiental. Foi onde eu
desenvolvi o projeto de acordo com as necessidades dos alunos que é pra eles
não ficarem na rua depois que saem da escola [...] É um recurso federal que a
prefeitura disponibiliza de acordo com o número de estudantes
(PROFESSOR DE CIÊNCIAS).
Em algumas visitas obtivemos dados sobre as formações e cursos oferecidos aos
educadores. A Secretaria de Educação contempla dois momentos de formação, a
continuada em serviço e a formação extra. A primeira acontece uma vez por mês no
Polo de Educação à Distância, no centro da cidade, com calendários organizados por
séries, sendo que o tema deste ano é a reconstrução do currículo no município. A
formação extra ocorre de acordo com a demanda e a necessidade da SEME, que oferece
vagas aos interessados que queiram participar.
A Fase I, enquanto cronograma da pesquisa, pode-se dizer que está finalizada,
mas, percebemos que outras temporalidades co-habitam os movimentos da pesquisa: os
tempos kairós e aións dos encontros, experiências e acontecimentos que o campo nos
possibilitou vivenciar, e sermos agenciados. Assim, podemos considerar que a Fase I
com seus “possíveis” das práticas cotidianas em EA, alimentará outras
problematizações, colocando-nos diante de um sobrevoo, com “reconhecimento atento”
e a sensibilidade de capturar e tocar no coletivo de forças que atravessam as práticas
cotidianas em EA.
A Fase I abriu as picadas, as trilhas, os caminhos da Fase II, que tem como
objetivo problematizar aspectos pedagógicos, metodológicos e políticos das práticas
cotidianas que foram identificadas. A pesquisa encontra-se na Fase II e procura
problematizar os dados produzidos na Fase I e as elaborações dos “Mapas
Comunitários”, que envolvem comunidades escolares de diferentes regiões do
município de Aracruz.
A pesquisa nos motivou a pensar com os processos de produção de
conhecimentos em EA, problematizando o modo eventual e pontual dos discursos que
permeiam essas práticas cotidianas. Desejamos ressaltar que os compromissos políticos
e éticos com a pesquisa, envolvendo essas práticas em EA, desejam furar e rachar os
discursos, por meio de abordagens que evidenciem os “possíveis” e as potencialidades
dos sujeitos praticantes, e seus saberesfazeres tecidos nas coletividades, nas
solidariedades e na produção de conhecimentos e subjetividades. A pesquisa encontra
terrenos férteis de “possíveis” com as redes de conversações e afetos, e, com
compromissos éticos. A aposta está em furar as dicotomias e pensar nos entres, nos
12
fragmentos, nos fluxos e forças, desprender-se das formas-forças, dos “resultados
alcançados”, das vitrines de projetos, dos indicadores e metas que nos indicam “uma
realidade” e sujeitos fixos, sólidos presentes no representacionismo11
.
Eis os “possíveis”! Problematizar, rachar as coisas, rachar as palavras na
atualidade. E como diria Deleuze, em Conversações ,
Não buscaríamos origens mesmo perdidas ou rasuradas, mas pegaríamos as
coisas onde elas crescem, pelo meio: rachar as coisas, rachar as palavras. Não
buscaríamos o eterno, ainda que fosse a eternidade do tempo, mas a formação
do novo, a emergência ou o que Foucault chama de “a atualidade”
(DELEUZE, 1992, p. 109).
Aprendizagens e práticas em EA em questão! As experiências dos sujeitos
engajados em práticas de Educações Ambientais em produção, autopoiéticas.
Aprendizagens que se inventam, que inventam quem a inventou: os sujeitos praticantes
das redes cotidianas.
As perspectivas da EA autopoiética aposta em processos de autoprodução de
conhecimentos e de saberesfazeres comprometidos com a vida, articulando dimensões
éticas, os afetos e as conversas, rompendo com fronteiras, dicotomias, classificações,
representações e categorias dos modelos de aprendizagens absolutos, pautados em
certezas incontestáveis e binarismos asfixiantes.
As perspectivas da EA autopoiética são condições imanentes das vidas
cotidianas e de produção de conhecimentos, e, de expressões da VIDA. Processos de
autofazimento com base na aceitação do outro junto a nós e na convivência amorosa.
Apostamos nas aprendizagens como processos éticos e solidários, no compartilhar a
ideia de que “Não é o conhecimento, mas sim, o conhecimento do conhecimento que
cria o comprometimento” (MATURANA; VARELA, 1995, p. 270), pensando, assim, a
EA numa perspectiva autopoiética é um exercício de responsabilidade e de
aprendizagens compartilhadas, inventivas, solidárias e cooperativas.
Portanto, pensar a EA numa perspectiva autopoiética, na sociedade
contemporânea, pressupõe relações éticas fundamentais, em processos de aprendizagens
coletivas, produzidas com as redes de conversações nos cotidianos escolares, assim
como, em outros espaços de convivências, no exercício coletivo de aceitar o outro com
legítimo outro na convivência, imersos nos conflitos e tensões que emergem das
relações, potencializando relações alegres, afetuosas e acolhedoras.
Pensar a EA autopoiética é pensar a produção de conhecimentos como uma
“Oficina do VIVER”, ou seja, se uma determinada oficina vive na competição e na
ambição, os frequentadores dela aprenderão a competir e negar a importância do social
e, portanto, da colaboração. Se, por outro lado, a “Oficina do Viver” estiver
fundamentada em princípios de culturas de solidariedades, de afetos, de ética e de
respeito pelos demais, os sujeitos cognitivos viverão e aprenderão a serem solidários na
afirmação dos laços sociais (MATURANA, 2002 e 2006).
No decorrer dos encontros-experiências da Fase I, as redes de conversações
tecidas com os grupos envolvidos com prática em EA moveram-nos a pensar que os
saberesfazeres e poderes das práticas cotidianas em EA, são entrelaçados pelos sujeitos
11
Pensando o conhecer diferente dos postulados do representacionismo e da noção de
representação, que, segundo Pellanda (2009, p. 110), a ontologia de um sistema vivo acontece a partir de
uma contínua correspondência entre a ação de um sistema vivo e o seu ambiente, e não a partir de
representações desse ambiente.
13
praticantes, num modo rizomático, escapando a quaisquer tipos de controle. A vida
escapa e acontece! Aprendemos também com Certeau (2008, p. 152), que se a “arte de
dizer” que é uma “arte de fazer e de pensar”, é, ao mesmo tempo, a prática e a teoria
dessas artes.
A oralidade está em toda a parte, porque a conversação se insinua em todo
lugar; ela organiza a família e a rua, o trabalho na empresa e a pesquisa nos
laboratórios. Oceanos de comunicação que se infiltram por toda a parte e
sempre determinantes, mesmo onde o produto final da atividade apaga todo
traço desta relação com a oralidade. É de ser natural e necessária em todo
lugar que a conversação provavelmente tira seu estatuto teórico inferior.
Como creditar inteligência e complexidade requintada às astúcias de uma
prática tão comum? (CERTEAU, 2008, p. 337)
Ressaltamos também que as Fases têm uma conotação sequencial, porém suas
ações não são estanques, significando uma simultaneidade, estando entremeadas e
entrelaçadas, um rizoma. Exemplo disso, é que no ano de 2012 a coordenação do
referido projeto realizou dois cursos de formação em Educação Ambiental com as
estudantes do curso de pedagogia e professoras da rede municipal de ensino, em
parceria com as Faculdades Integradas de Aracruz. Momentos de formação que
provocou debates das questões socioambientais locais, evidenciando os “possíveis” em
diferentes espaços de convivência nas comunidades escolares e comunitárias, assim
como, momentos de produção de conhecimentos em EA, pautados nos princípios éticos,
estéticos, políticos e solidários dos sujeitos praticantes da formação, indicando
fragmentos da “Cartografia das práticas cotidianas em EA no Município de Aracruz”.
Fica, então, as seguintes problematizações: como nós, educadores ambientais,
podemos potencializar relações solidárias de aprendizagens inventivas, fundamentadas
em emoções e afetos amorosos, na cooperação, potencializados nas redes cotidianas de
conversações? Como potencializar Educações Ambientais autopoiéticas, escapando de
modelos, fórmulas, controles, indicadores, metas, resultados, determinismos e
representacionismos, na sociedade contemporânea? Essas problematizações são
inquietudes que nos desterritorializam politicamente, epistemologicamente e
metodologicamente, que esta pesquisa em andamento, pretende, modestamente,
provocar e problematizar.
TRAVESSIAS SEM FIM
Pensamos e apostamos na vida em movimentos e constituídas de emaranhados
de fios, fluxos, forças, corpos, compondo tons, dobras, sons, cores, cheiros, energias e
afetos, que vibram e nos atravessam e, como dizia Guimarães Rosa (2001), em Grande
Sertão: Veredas, “O real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para gente é no
meio da travessia”. Pensamos também, em alargar os possíveis em devires cotidianos
nos movimentos de rasurar, rachar as coisas, rachar as palavras e de jamais interpretar
(DELEUZE, 1992), experimentando dobras e redobras dos saberesfazerespoderes
socioambientais, das práticas cotidianas em EA, tecidos com redes de conversações,
potencializando e acreditando a VIDA na sociedade contemporânea.
Acreditar no mundo é o que mais nos falta; nós perdemos completamente o
mundo, nos desapossaram dele. Acreditar no mundo significa principalmente
suscitar acontecimentos, mesmo pequenos, que escapem ao controle, ou
engendrar novos espaços-tempos, mesmo de superfície ou volume reduzidos.
14
(...) É ao nível de cada tentativa que se avaliam a capacidade de resistência
ou, ao contrário, a submissão a um controle (DELEUZE, 1992, p.218).
Os desejos da pesquisa foram de traçar linhas potentes nas redes de
conversações dos possíveis nas práticas cotidianas em EA, ressaltando potencialidades
políticas, éticas e estéticas dos saberesfazeres socioambientais, na aposta de
movimentos “possíveis” na atualidade com atenção e escutas sensíveis às práticas
cotidianas em EA com zoom nas potências das experiências cooperativas, amorosas e
felizes. Conexões, fluxos, encontros, cartografias, conversas. Viver e com-viver uma
vida bela, como uma Obra de Arte.
Essa pesquisa deseja ser exercícios-movimentos-deslocamentos coletivos de
discussão dos “possíveis”, produzidos com a abordagem da EA numa perspectiva
autopoiética, nas redes de conversações cotidianas das escolas, nos processos de
autofazimentos dos sujeitos praticantes. É também a possibilidade de problematizarmos
saberesfazeres socioambientais, as relações sociais, éticas, políticas e as práticas
cotidianas de sustentabilidades, em ações de EA comprometidas com a cooperação, a
solidariedade e a aceitação do outro como legítimo outro, junto a nós, na amorosidade,
em prol de sustentabilizar as relações cotidianas com ética, nas redes de conversações.
Nas travessias sem fim, como seres inacabados, incompletos, autopoiéticos, com
os pensamentos torcidos, desejamos que as conversas continuem... Vamos borboletar...
E, como dizia o poeta, viver e não ter a vergonha de ser feliz, cantar a beleza de ser um
eterno aprendiz...
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