caros amigos - entrevista rui falcão

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ESPECIAL ano XIX n o 75 R$ 11,90 PT PT PT PT PT PT 35 ANOS PARA O BEM E PARA O MAL ANTIPETISMO ÓDIO DE CLASSE E INTOLERÂNCIA ARTIGOS JOSÉ ARBEX JR MÁRCIO POCHMANN VALTER POMAR ENTREVISTA LINCOLN SECCO “O PT NUNCA FOI REVOLUCIONÁRIO” 001_capa_PT35_75.indd 1 23/06/15 00:16

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Page 1: Caros amigos - entrevista Rui Falcão

ESPECIAL ano XIX no 75R$ 11,90

PTPTPTPTPTPT35 ANOS

PARA O BEM E PARA O MAL

ANTIPETISMOÓDIO DE CLASSEE INTOLERÂNCIA

ARTIGOSJOSÉ ARBEX JR

MÁRCIO POCHMANNVALTER POMAR

ENTREVISTALINCOLN SECCO

“O PT NUNCA FOI REVOLUCIONÁRIO”

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Page 2: Caros amigos - entrevista Rui Falcão

ESPECIAL

PT 35 ANOS

SUMÁRIO

CORTAR A PRÓPRIA CARNE

EDITOR EXECUTIVO: Aray Nabuco EDITORA ASSISTENTE: Nina Fideles REPÓRTERES: Anna Beatriz dos Anjos, Ernesto Marques, Igor Carvalho, José Arbex Jr, Lilian Primi, Lúcia Rodrigues, Marcio Pochmann, Tadeu Breda, Valter Pomar REVISÃO: Luciano Gaubatz ARTE: Simone Riqueira CONSULTOR EDITORIAL: José Arbex Jr. MARKETING: André Herrmann (Diretor), Pedro Nabuco de Araújo (Gerente) RELAÇÕES INSTITUCIONAIS: Cecília Figueira de Mello ADMINISTRATIVO E FINANCEIRO: Lúcia Benito Ricco CONTROLE E PROCESSOS: Wanderley Alves e Douglas Jerônimo LIVROS E PROJETOS ESPECIAIS: Clarice Alvon APOIO: Neidivaldo dos Anjos, Renato Faria e Zélia Coelho ATENDIMENTO AO LEITOR: Zélia Coelho ASSESSORIA JURÍDICA: Aton Fon Filho, Juvelino Strozake, Susana Paim Figueiredo, Luis F. X. Soares de Mello, Eduardo Gutierrez; Pillon e Pillon Advogados REPRESENTANTE DE PUBLICIDADE: BRASÍLIA: Joaquim Barroncas (61) 9115-3659.

DIRETOR GERAL: WAGNER NABUCO DE ARAÚJO

CAROS AMIGOS, ano XIX, Edição Especial nº 75, é uma publicação da Editora Caros Amigos Ltda. Registro nº 1176000, no 9º Cartório de Registro de Títulos e Documentos da Comarca de São Paulo. Distribuída com exclusividade no Brasil pela DINAP S/A - Distribuidora Nacional de Publicações, São Paulo. IMPRESSÃO: Gráfica Log & Print

REDAÇÃO E ADMINISTRAÇÃO: Rua Diana, 377, CEP 05019-000, São Paulo, SP Telefone (11) 3123-6600; 0800.777.6601 (Assinatura) E-MAILS: [email protected] (Jornalismo);[email protected] (Publicidade); [email protected] (Assinantes)

Em um texto publicado na internet, intitulado Mudar o PT para Continuar Mudando o Brasil, o presidente do Partido dos Traba-lhadores, Rui Falcão, elencando as conquistas sociais dos governos petistas, afirma que os ataques ao partido se devem não aos erros, mas aos acertos nesses doze anos no palco do poder central. É pre-ciso reconhecer de fato tais conquistas e levar em consideração vá-rios elementos, como a direita brasileira, sempre reativa a qualquer mudança, sobretudo as que beneficiam camadas populares e lhes ameaçam privilégios. Falcão também faz o exercício de apontar as mudanças que o poder ou a busca dele impôs ao partido: longe das ruas, acomodado nos esquemas eleitorais, nas alianças e gabinetes, distante das bases sociais que determinaram seu estrondoso cres-cimento nos 35 anos de existência, completados em fevereiro des-te 2015 – e que, apesar dos percalços políticos e éticos, dos ata-ques na mídia, das investigações no Judiciário, continua crescendo.

O texto do presidente nacional da sigla, publicado pouco tempo antes do 5º Congresso, realizado em Salvador (BA), já faz parte de um choque: a dificuldade para eleger Dilma no ano passado, acen-deu definitivamente a luz vermelha, que já vinha piscando desde junho de 2013. E em todos os sentidos figurados: o de alerta pela perda de terreno para a direita e pelo debate que passou a se evi-denciar nas fileiras internas, como esperança de devolver ao parti-do a relação com as bases sociais que um dia teve, e mesmo com o objetivo pelo qual foi criado: a construção do socialismo, que ago-ra parece remoto. Em outras palavras: andar e agir novamente à es-querda, resgatar a empolgação da militância, popularizada em em-blemas históricos como “oPTei” ou “Lula Lá”.

É nesse cenário de puxa-empurra, de dúvidas sobre o futuro po-lítico e rumos, de críticas pesadas tanto ao partido, quanto ao se-gundo governo Dilma, de denúncias de corrupção e ameaças de impeachment e ataques da mídia hegemônica que o especial de Ca-ros Amigos se apresenta como um balanço, ainda que longe de ser definitivo, dessas mais de três décadas de petismo. Reportagens, ar-tigos e entrevistas mesclam visões de dentro e de fora do partido – militantes, estudiosos e analistas –, que buscam avaliar como o PT chegou na situação em que se encontra, avaliam conjunturas, in-cluindo a “nova” direita e o “antipetismo” e possíveis saídas, que para muitos, está à esquerda. Ainda que, para o PT, envolto nas ar-madilhas da governabilidade de um sistema eleitoral também anti-quado, não seja tão simples andar para este lado.

Boa leitura.

ESPECIAL CAROS AMIGOSJULHO

EDITORA CAROS AMIGOS

Capa: Simone Riqueira

REPORTAGENS

ESTRELAO esgotamento do “lulismo” 9Por Anna Beatriz dos Anjos e Igor CarvalhoLINHA DO TEMPOA vitória da contradição Por Lilian PrimiINTOLERÂNCIAA perigosa fórmula do antipetismo Por Anna Beatriz Anjos e Igor CarvalhoCONGRESSOMais do mesmo Por Ernesto MarquesMEMÓRIAS Cartazes

ENTREVISTAS

Rui Falcão: Sob fogo cruzado 4Por Aray Nabuco e Tadeu Breda

Lincoln Secco: “O PT nunca foi revolucionário” Por Lúcia Rodrigues

ARTIGOS

BALANÇOQual presente aos 35? Valter Pomar VIRADA“Lula lá” é onde hoje o PT está Por José Arbex JrDESAFIOSPT: a próxima grande mudança Por Marcio Pochmann

ALTERCOMAssociação Brasileira de Empresas e

Empreendedores da ComunicaçãoSite: altercom.org.br

ESPECIAL ano XIX no 75R$ 11,90

PTPTPTPTPTPT35 ANOS

PARA O BEM E PARA O MAL

ANTIPETISMOÓDIO DE CLASSEE INTOLERÂNCIA

ARTIGOSJOSÉ ARBEX JR

MÁRCIO POCHMANNVALTER POMAR

ENTREVISTALINCOLN SECCO

“O PT NUNCA FOI REVOLUCIONÁRIO”

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Especial PT 35 anos • Julho 20154 www.carosamigos.com.br

SOB FOGO CRUZADO

Por Aray Nabuco e Tadeu Breda

Cabeça de uma legião de mais de 1,5 milhão de fi liados, Rui Falcão está en-tre saraivadas de balas. De um lado, a

oposição atirando no segundo governo petista de Dilma Rousseff, com ameaças de impeachment, uma mídia e um Judiciário seletivos, e de outro, um partido que olha para si mesmo com estra-nhamento pelas distâncias que percorreu desde os princípios e ideais de sua fundação.

Caros Amigos – No Golpe nos anos 1960, a direita conseguiu brecar o avanço do trabalhis-mo, que não era esquerda, e dos comunistas, que naquela época eram uma força social e política. E hoje, a mesma direita tenta limar o petismo. É possível fazer alguma relação?

Rui Falcão – A relação que se faz é a seguin-te: os setores da classe dominante, de várias co-lorações, eles têm uma resistência muito grande a um processo de reformas de que o País se res-sente. Várias das bandeiras dos anos 60, mesmo o País tendo mudado, mesmo com a economia mais avançada, continuam atuais: reforma po-lítica, a questão da remessa de lucros; e outra coisa semelhante é assim: toda vez que os seto-res populares começam a avançar, tem conquis-tas, elevam o seu padrão, a classe dominante re-siste e quer barrar esse avanço.

Em 64, o que mobilizou a classe dominan-te e a direita também era o avanço do sindi-calismo, o risco do comunismo e o combate à corrupção. Palavra de ordem dos militares era combater a corrupção e a subversão. Subversão era a organização das classes populares, as ligas camponesas, que pregavam a reforma agrária. Deste ponto de vista, hoje, você tem a emer-gência de vários setores, a questão da aber-tura das universidades para negros, para pessoas que nunca tiveram condição, en-tão, isso incomoda os setores dominan-tes, porque esse crescimento nos seto-res populares, que identifi cam as suas conquistas com um par-tido ou com um governo, tende a se projetar nas eleições. Isso vai criando uma pers-pectiva de muito

crescimento para as forças populares e é preciso barrar isso. E hoje a gente nota no plano inter-nacional, inclusive, que o fato de haver vários governos populares na América Latina, na Amé-rica do Sul, principalmente, faz com que haja tentativas de desestabilização, seja pelo sufoca-mento econômico, seja pelo golpe – hoje já não se fala mais em golpe como no passado, agora é o golpe constitucional, como teve no Paraguai, em Honduras… E como houve aqui a tentativa do

im peachment no começo do ano,

que agora na voz de a l g u n s colunistas c o m e ç a a voltar

por conta do Tribunal de Contas da União (que contestou as contas do governo de 2014; até o fechamento desta edição, o caso não havia tido uma conclusão, mas Rui acreditava na entre-vista que o governo iria se explicar). São coi-sas que se repetem, embora em outras conjun-turas, mas a resistência da elite às mudanças, à ascensão dos setores populares é a mesma. E a difi culdade de mexer com mecanismos de poder real. Você vê que nós estamos há doze anos no governo, mas a mídia monopolizada permane-ce intocada, setores do Judiciário extremamen-te conservadores, a seletividade de setores do Ministério Público e da Polícia Federal nas in-vestigações, ou seja, é muito difícil você, mes-mo no governo, promover essas mudanças pela composição social, pelo peso da classe domi-nante, pela força do rentismo, do grande ca-pital. Em outros lugares, a conjuntura é mais simples, no Chile estão colocando a constituin-te, no Equador, na Venezuela, mudaram várias coisas dentro das instituições; na Argentina a Lei de Meios…

Alguns analistas e críticos avaliam que é uma responsabilidade do PT não ter feito as reformas.

Eu acho que nós deixamos de fazer duas coi-sas importantes, talvez por ter feito na oca-

sião uma avaliação diferente da conjuntu-ra da que eu faço hoje, que é a ter tido

uma iniciativa para democratizar a mídia logo no início do primeiro

governo Lula, que se tratava de regulamentar artigos da Constituição; e a segun-da, que eu relevo, por-que o Lula na verdade enviou duas propostas sobre reforma ao Con-gresso Nacional, que é a reforma do siste-ma político eleitoral. Você não consegue mudar a composi-ção do Congresso Nacional, por onde podem passar ins-titucionalmente as

REPRODUÇÃO/PÁGINA 13

Em entrevista, presidente do PT aborda a situação do partido e da política em momento de ameaças da oposição e críticas de aliados

entrevista RUI FALCÃO

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reformas, se você não alterar principalmen-te a questão do financiamento, que hoje é um financiamento empresarial tanto para partido ou para candidato. Quer dizer, o peso do po-der econômico, o peso da mídia, tudo conju-gado, acaba promovendo essa composição do Congresso Nacional, que muitas vezes numa aliança ajuda a eleger um presidente popu-lar, e depois impede que ele avance no gover-no. É uma contradição. Isso só se resolve hoje, na minha opinião, se você conseguir convo-car uma Constituinte exclusiva para fazer a re-forma política. As pessoas (o Congresso elei-to) não querem mudar um sistema que lhes é benéfico. Você vê: acabaram com a reeleição, pelo menos em primeira votação, para presi-dente da República, mas não há nenhuma tra-va para que os mandatos parlamentares se re-produzam continuamente.

A gente sabe que é bastante difícil promo-ver essas mudanças num país como o Brasil, mas por que o PT não levou essas bandeiras às últi-mas consequências?

Primeiro, é preciso acentuar que nesses doze anos muita coisa mudou.

Sim, mas falando especificamente das refor-mas.

Sim, mas eu queria mostrar isso porque fo-ram mudanças significativas. Hoje o Brasil é outro. O que seria do Brasil sem o governo do PT e sem seus aliados? Não quero me esten-der aqui no rol de conquistas que nós tivemos, principalmente na área social, não é? Agora, o PT tem se empenhado. A bandeira da democra-tização da mídia ela vem desde a fundação do PT, nós temos acentuado isso permanentemen-te. Ocorre que o governo não é um governo que tem o predomínio do PT. É um governo dito de coalisão e nas circunstâncias atuais, nós somos quase a minoria do governo, quer dizer, um Congresso que opera o tempo todo para forçar concessões, e a mídia é pedra de toque. Basta ver que a primeira declaração do atual presidente da Câmara (Eduardo Cunha--PMDB), foi dizer que “ali não passará” nada que diga respeito à democratização da mídia, nem nada que diga respeito aos costumes.

Agora mesmo na questão das desonerações, há uma proposta de alíquota mínima diferen-ciada para quatro setores: alimentação para a cesta básica – parece uma coisa justa, se você não decompõem os subsetores que estão aí, não é só feijão ou arroz, tem mais coisa –; call cen-ters; transportes, com o argumento da questão da mobilidade urbana, e comunicação. Quer di-zer, o setor da comunicação social teria uma alíquota reduzida na desoneração.

O verdadeiro partido de oposição do País, na minha opinião, é a mídia monopolizada. Os outros partidos, o DEM, o PSDB e outros, eles vão capturar votos, mas quem forja o pensa-

mento dominante, quem forja costumes, hábi-tos, o consumerismo, é a mídia monopolizada. Nós precisamos reunir força política para isso. O período em que isso era possível fazer, eu acho, foi no início do governo Lula. No Con-gresso que está aí, você não vai conseguir re-gulamentar a Constituição.

Mas houve momentos, como você falou, no começo do governo Lula e também no final, quando saiu da Presidência com 80% de popu-laridade…

Como disse, acho que houve uma avaliação, num primeiro momen-to, diferente da corre-lação. Eu acho que ti-nha uma correlação favorável. Quem esta-va no governo acho que entendeu de outra maneira.

E você vem notan-do assim o seguinte: nós conseguimos, no período Lula, que hou-vesse uma convergência, com facilidades mui-to grandes de colocar produtos brasileiros no exterior; uma conjuntura de geração de empre-gos, a criação de um forte mercado interno de massa que não havia, em função das políticas de distribuição de renda, de valorização do sa-lário mínimo real. Isso fez com que setores do centro, setores do empresariado convergissem para apoiar o governo Lula, a tal ponto que foi possível naquele momento uma dobradinha Lula-José Alencar, que representava alianças de setores populares com uma nesga do em-presariado nacional.

Com o correr do tempo, você tem uma mu-dança do cenário internacional. A crise de 2008, a extensão dessa crise que é muito lon-ga e cujo término nós não somos capazes de prever ainda, mostrou duas coisas: primeiro, se você quer continuar, manter as políticas sociais e avançar, é preciso mudar aquele modelo que teve exportações favorecidas pelas commodi-tes, e uma neutralização, até uma certa adesão, de setores da classe dominante. E o que ocor-re hoje é o seguinte: não dá mais para fazer o ganha-ganha. Então, os setores que começaram a sentir essa mudança estão se descolando da gente, desde o início até a metade do governo Dilma. E ao se descolarem começaram a en-grossar uma oposição. Esse setor que emergiu, criando a nova classe trabalhadora, foi atingi-do nesse momento. Então você tem: quem es-tava em cima sentindo a pressão de quem teve conquista e esse pessoal que está pressionando para cima vê a possibilidade de cair – começou a ter um certo nível de desemprego, a inflação voltou… Nessas circunstâncias, você reconstitui uma base social mais ampla, estabelece uma pauta mínima de reivindicações, uma pauta unitária, que a meu ver – eu não chamo de

frente de esquerda, não, mas frente democrá-tica e popular, uma frente social, que não tem a ver com aliança eleitoral –; eu faria assim: a questão nacional tendo no centro como pilar a Petrobras – você vê que tem dois projetos no Senado agora para vulnerar a Petrobras, tudo em nome dos escândalos e tal, é acabar com a condição de operadora única da Petrobras.

Do José Serra.É. E mudar a política de conteúdo nacio-

nal. Se isso se obtém, o próximo passo é aca-bar com o regime de partilha, e aí abrir para as

majors do petróleo.O segundo pon-

to: faria a questão democrática, que é um tema que não só interessa para os setores popula-res, como setor das classes médias, mes-mo setores do em-

presariado. E a questão nacional, nós estamos sob ameaça, né? Volta e meia a questão do impeachment, aumenta nas pesquisas a desva-lorização da democracia, a rejeição à política, rejeição aos partidos políticos, é uma conjuntu-ra de instabilidade, que não é conveniente para a democracia.

Num terceiro ponto eu poria a defesa dos di-reitos e das conquistas dos trabalhadores, tendo na pauta a questão da jornada de trabalho, a defesa do emprego, a manutenção dos ganhos reais de salário. E um quarto ponto, que esse é mais problemático, que não reúne os mesmos consensos dos três primeiros, que é a questão das reformas. Reformas que dizem respeito ao bem-estar e à democracia. A reforma urbana, segurança pública, a mobilidade urbana. A re-forma agrária, não mais como negócio da con-quista de terra e tal, mas uma reforma que per-mita a ampliação da produção de alimentos de qualidade para a população, e que contemple a questão ambiental também. E a reforma polí-tica e a reforma da mídia. Agora, isso precisa muito esforço, precisa de muita compreensão.

Sobre a reforma política, nós procuramos associar aos movimentos mais gerais que exis-tiam e que não tinham nossa proposta exa-tamente. Tanto a questão da coalisão como a proposta do movimento contra a corrupção eleitoral. Inclusive na disputa no Congresso, nós abdicamos da questão do financiamento público exclusivo para flexibilizar em direção ao fim do financiamento empresarial. Abrimos mão da questão da lista…

Na disputa do Congresso, nós flexibiliza-mos para ter um conjunto maior. Continua-mos a dizer “vamos fazer uma política de redu-ção de danos no Congresso”, porque achamos que para fazer a verdadeira reforma, é só com constituinte exclusiva. E o que está saindo lá...

“O governo não é um governo que tem o predomínio do PT. É um governo dito de coalisão

e nas circunstâncias atuais, nós somos quase a minoria do

governo”

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Acho que vai tornando mais nítido para vários setores que o Congresso não é o foro privile-giado para fazer a reforma.

Você tem contradições também entre o Partido e o Governo. O Partido tem uma di-mensão estratégica, um projeto de longo pra-zo de construir uma sociedade socialista. E o Governo, além das limitações institucionais, o prazo de mandato, congrega outras forças polí-ticas que não têm o seu programa. Então é um trabalho de construção mesmo, que exige luta social, exige diálogo entre forças partidárias e setores do partido inclusive, e exige atuação institucional também. Então é uma construção.

Mas uma das críticas ao PT é o distanciamen-to dos movimentos sociais, das bases. Teria con-dições de mobilizar?

Eu acho que sim. Também tem uma coisa assim: é mais as diretrizes políticas do que o distanciamento físico, vamos dizer, porque a CUT, por exemplo, os Sem Terra, todos eles têm militantes do PT. O problema é que nós passa-mos a privilegiar excessivamente o que é cha-mado de luta institucional. As prefeituras, os governos de estado, os aparatos institucionais, a supremacia dos mandatos parlamentares, e as instâncias partidárias foram se esvaziando. Esse movimento que nós estamos tentando agora reverter. Se você pegar a Carta de Salvador, que foi um documento aprovado na segunda etapa do 5º Congresso, tem uma avaliação des-se período, tem uma autocrítica com relação a isso, e nós temos que tomar agora medidas or-ganizativas para efetivar essa política.

Você fala do resgate do PT e depois de doze anos na institucionalidade, será que é possível resgatar aquele PT das origens? O PT ainda bus-ca o socialismo?

Com certeza. Eu acho que sim...

Ou já se tornou um PT social-democrata?Houve um momento quando há a queda do

Muro (de Berlim, em 1989) e, depois, a disso-lução da União Soviética que teve uma crise muito grande no campo da disputa do proje-to socialista. Nós já vínhamos de uma tradição que não tinha modelos, o PT não é um partido ideológico, ele não exigia que seus filiados lu-tassem por qualquer tipo de modelo, mas a sua definição era de um partido que buscava cons-truir o socialismo pela via democrática. A partir dessa dissolução dos países do socialismo real você tem uma crise também, ao mesmo tem-po em que o neoliberalismo se afirmava como quase pensamento único, houve um momento de perplexidade da esquerda mundial, de fazer um balanço daquelas experiências, e ao mes-mo tempo fazer uma nova reelaboração.

Mais recentemente, acho que há uma reto-mada, você tem muita gente hoje com novas elaborações. Essa semana mesmo, esteve aqui

no Brasil David Harvey que é um geógrafo marxista com uma elaboração crítica do pen-samento marxista, sobre o socialismo, acen-tuando inclusive a necessidade de ter um olhar muito forte para as lutas urbanas. Ele até faz um exame da comuna de Paris, mostrando que foi uma luta fora das fábricas. As barricadas, as reivindicações. Então ele hoje vê a importância dos partidos de esquerda estarem levando em conta o que é a luta na classe operária pelas fá-bricas, mas também a luta dos trabalhadores na área de serviços, e principalmente lutas como essas que teve aqui pelo Bilhete Único, do Pas-se Livre (Movimento Passe Livre), as reivindi-cações por moradia, todo processo de urbani-zação recente das metrópoles, que na verdade são processos de colocação de capital sobran-do, de reprodução e acumulação de capital, En-tão, começam a haver, eu acho, novos olha-res, novas visões, sobre como caminhar para a construção do cená-rio social. O PT está retomando esse ca-minho também e va-mos começar a fazer uma crítica do capi-talismo em escala mundial, que hoje é etapa do neoliberalismo, buscar uma análise da so-ciedade brasileira mais profunda. Toda vez que tem uma mudança muito grande, como ocorreu nesses doze, treze anos, você tem um rearran-jo de classes, setores de classe, que leva o pes-soal às vezes a ficar perplexo. Por que o pes-soal que está no ProUni é contra quem está no Bolsa Família? Por que as pessoas que conquis-tam a casa pelo Minha Casa Minha Vida ficam olhando para um favelado com olhar discrimi-natório? Então essas questões é preciso enten-der, precisa refletir, para fazer o nosso projeto de sociedade socialista avançar.

Ele não está na ordem do dia no sentido de uma construção prática, mas dependendo das construções, você precisa estar no governo ten-do isso também como rumo. Porque senão você vai estar no governo só para fazer aquilo que a gente chama de melhorismo. Administrar o ca-pitalismo sem nenhuma perspectiva de transi-ção para outro tipo de sociedade.

Rui, alguns setores bastante oportunistas da oposição, de direita, tem acusado a presidenta Dilma de ter cometido estelionato eleitoral. Mas também setores da base social do PT, como MST e outros movimentos, fazem essa mesma crítica, principalmente depois daquela ampla aliança dos movimentos sociais e setores de esquerda que se juntaram no projeto da presidenta no segundo turno. Você acredita que houve estelionato elei-toral, acha que essa palavra é muito forte, como classificaria o que aconteceu? Em nenhum mo-mento a Dilma falou que teria que fazer ajus-tes na economia para citar um exemplo. Como você avalia?

Ela disse, durante a campanha, que preci-sava de algumas mudanças. Você precisava ter o início de um novo ciclo econômico, um novo ciclo que garantisse maior produtivida-de, maior competitividade na economia brasi-leira para enfrentar a crise mundial. Era preci-so manter o nível de emprego e os programas sociais. Ela disse também que o aumento da competitividade e o aumento da produtividade tinha que ser feito pela melhoria da infraestru-tura, que precisava ter investimentos na infra-estrutura e que não abriria mão das conquistas dos trabalhadores. E ela acenava que precisa-va mudar sim, que se esgotava um ciclo econô-mico e que precisava se iniciar outro, pautado pela inovação, pelo desenvolvimento científico e tecnológico, pelo aumento da produtividade, por maior competitividade da economia brasi-leira, maior agregação de valor nos nossos pro-dutos, enfim, falava da conjuntura internacio-

nal também.O problema que

eu acho que aconte-ceu e que nós temos inclusive criticado, não chamando de es-

telionato eleitoral: a partir de outubro, novem-bro, você tem uma queda brutal da receita. E todo processo de desonerações que se promo-veu principalmente no final do ano passado, um ano eleitoral, para sustentar o emprego e manter a inflação sob controle, produziu um grande rombo nas contas. Um rombo que podia resultar em dois problemas. Um deles a perda do grau de investimento do Brasil. Essa perda do grau de investimento, apesar de toda a falta de critério que eu acho que têm essas agências de rating, mas são elas que determinam se os grandes fundos podem ou não investir no País. O outro risco é da desorganização mesmo da economia, de você não poder bancar os proje-tos sociais, bancar o ProUni e tal.

Isso fez com que ela começasse a pensar. Pri-meiro, pediu ao Congresso para mudar a ques-tão do superávit fiscal, porque na verdade o su-perávit previsto resultava num déficit. Isso podia implicar inclusive em impeachment dela pelo descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal. Ocorre que a promoção desse ajuste que se pautaria por contingenciamento orçamentá-rio, pelo fim das desonerações, por acelerar as concessões previstas na área portuária, aeropor-tuária, rodoviária, e as ferrovias, tudo isso que era necessário, ela introduz as primeiras medi-das, algo que já era trabalhado pelo movimento sindical junto com o governo, que era a corre-ção de algumas distorções no seguro desem-prego, no seguro de defeso, nas pensões, apo-sentadorias, e apresenta isso como ajuste fiscal. Esse erro de colocação das coisas, sem comu-nicar ao PT, sem dialogar com o movimento sindical, permitiu que a oposição, no bojo da questão da Petrobras e no início do governo,

“Continuamos a dizer ‘vamos fazer uma política de redução

de danos no Congresso’”

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“Nós nos adaptamos ao sistema de financiamento

eleitoral, fizemos campanhas caríssimas (…); tivemos

um esvaziamento relativo das instâncias de direção,

por conta inclusive do peso dos mandatos, não só os

parlamentares”

colocasse essa questão de estelionato eleitoral. E realmente a colocação de medidas corretivas no plano da previdência, declarado como ajuste fis-cal, provocou um distanciamento grande do mo-vimento sindical, gerando uma perplexidade do partido em relação a isso e a necessidade que que isso fosse revisto.

Como está isso hoje? Primeiro, já houve o lançamento das concessões em quatro áreas. A questão dos portos, por exemplo, foi travado durante um ano e oito meses no Tribunal de Contas da União, que é uma faceta também de instituições que se colocam contra o go-verno. A possibilidade de você levar à fren-te a nova política dos portos foi trava-do por interesses des-conhecidos lá no Tri-bunal de Contas da União.

Já foi lançado o Plano Safra com ganhos em relação ao ano passado. Agora vem o Pla-no Safra da Agricultura Familiar, também com ganhos e discutido com a Fetrafi, com a Con-tag. O Minha Casa Minha Vida 3 vai ser lança-do agora (foi lançado em 22 de junho). O Plano Nacional de Exportações, a própria negociação agora para manter o 85/95 da previdência, em-bora com veto, que foi, eu acho, um mal en-caminhamento, mas do ponto de vista obje-tivo, você vai dar um ganho real para quem está querendo se aposentar, poder se aposentar sem o fator, embora o fator não tenha acabado. Mesmo com o projeto 85/95 você não acabava com o fator, mexia na data de saída e não me-xia na data de entrada.

O Fies vai ser reaberto agora no segundo se-mestre e uma outra boa notícia, que eu acho que vai ocorrer, é a mudança do fiscal. Quer di-zer, está claro, a gente já dizia isso no come-ço do ano você não vai atingir o superávit de 1,2 até o final do ano. Então, o momento de rever é agora. Antes que a situação real te faça rever, é melhor corrigir agora em julho, esten-der essas metas, você não vai chegar a 1,2. No começo do ano mesmo, é melhor você ter uma meta que seja alcançável, porque isso dá credi-bilidade, do que fixar uma meta que vai exigir um sacrifício muito grande e depois não vai ser alcançada. Então se você rever o fiscal agora, você vai poder pagar coisas que estão em atraso, reativar projetos. Eu acho que é um começo de recuperação para que a economia não caia em recessão. E uma boa ideia, inclusive do fiscal, era você trabalhar com metas. Por que o Ban-co Central pode ter meta de inflação variável e se não cumpre a meta não tem nenhuma pu-nição para o Banco Central? Agora, para o fis-cal, se você não atinge o fiscal, você pode ficar

em dificuldades no governo, você pode ser im-pichado. Então podia ter um regime do fiscal de metas também, de 0,5 a 2, de 0,8 a 1,5, como tem as metas para inflação do Banco Central. E acho que também é preciso conter a política de juros, não dá para continuar com esse patamar de juros, embora ele seja um atrativo para o in-vestimento aqui, mas é investimento fugidio e você não tem inflação de demanda hoje. Então, você tem juro alto e expectativa futura de in-

flação baixa. É preci-so mudar essa políti-ca de juros também.

Você citou vários pontos em que o PT está em discordância frontal com as políti-cas do governo.

Nós estamos ven-do que tem uma mu-dança, que vai numa boa direção e que isso também é fruto

de coisas que a gente tem dito, tem apontado, o movimento sindical tem apontado. Essa ques-tão agora do 85/95 (da Previdência) já há um encaminhamento totalmente diferente do que foram as duas MPs. É sinal de que o gover-no também vai se ajustando, vai ouvindo um pouco.

Sim, mas são vários pontos, inclusive na Car-ta...

Sim, mas isso faz parte da relação contradi-tória que existe entre partido e governo tam-bém, é apoio, é empurrar, é discordância e você defende. É aquilo que eu falei popularmente do PT: nós não vamos ser linha auxiliar da oposi-ção, mas também não vamos ser beija-mão da situação. A cada momento a gente aponta tam-bém, não da maneira como fazem alguns seto-res mais voluntaristas, mas também não esta-mos de acordo com tudo, e a presidenta sabe disso. O governo não é um governo “do” PT.

Eu acho que o PT é o partido que está na ca-beça do Executivo, apesar de ser um governo de aliança, e a gente compreende isso, mas é o PT que acaba arcando com todos os efeitos posi-tivos e negativos e as mudanças e retrocessos. Você não acha que essa relação do distancia-mento acaba desgastando a imagem do PT fren-te ao eleitorado?

A outra solução seria ou a incorporação do PT pelo governo, ou o rompimento do PT, quer dizer, na medida em que a gente não confun-de mais, como muita gente confundia, o parti-do com o governo, o partido com o estado não há como estar ajustado em tudo, porque o go-verno tem um mandato, tem um período que ele tem que cumprir. Tem uma série de injun-ções institucionais, Constituição, os tribunais, o

parlamento, que é uma dinâmica diferente do partido. O governo também precisa tomar de-cisões muitas vezes de imediato, o partido tem mais tempo para reflexão, tem um outro ritmo, isso acaba acontecendo. E não há também como separar, aquilo que eu falei outro dia aí: o PT, o Lula que é uma liderança mundial, e o governo são como a Santíssima Trindade, um não conse-gue se separar do outro – para o bem e para o mal.

Por que não ter feito o ajuste no andar de cima em vez de ter feito no andar de baixo?

No andar de baixo é muito relativo; o an-dar de baixo é muito pequeno e no andar de cima começou com a elevação da Contribui-ção Social sobre o lucro dos bancos, está em andamento lá o imposto sobre grandes heran-ças e nós estamos defendendo também que te-nha imposto sobre grandes fortunas, lucros e dividendos.

Considerando a fundação do PT, os grupos que o fundaram, que frações de classe que de fato o PT representa atualmente? Inclusive das alianças que o Lula conseguiu fazer com as clas-ses dominantes, uma parte da burguesia indus-trial, outra parte do rentismo, outra parte da burguesia agro-exportadora, enfim, esses vários segmentos?

A gente precisa ter um reconhecimento maior da atual estrutura de classe do País, que mudou. Não muda nos polos, mas nas frações mudou bastante. Então eu não me atreveria a dizer…

Você acha que está faltando ainda uma lei-tura boa disso?

Está. Tem vários estudos, inclusive a ida do Jessé de Souza, ele é um estudioso disso, vai nos ajudar muito, o Márcio Pochmann tem tra-balho nesse sentido. Eu acho que falta ao PT ter mais capacidade de elaboração, de conhe-cimento da realidade brasileira, para falar com mais segurança sobre isso. Eu posso dizer que, genericamente, nós pretendemos representar o maior conjunto da classe trabalhadora, setores médios e setores do capital nacional que têm interesse no projeto de desenvolvimento autô-nomo, soberano, sustentável, que os beneficia também. Isso é uma descrição genérica, e uma pretensão também.

Você acredita, como alguns no meio da in-telectualidade e do partido, que o PT atravessa uma crise de identidade?

Olha, outro dia eu brincava com o pessoal da imprensa que quase toda matéria que vão fazer sobre o PT diz assim: “O PT atravessa a sua maior crise”, eu falei “mudem o lead um pouco”. Agora, evidentemente que nós estamos enfrentando dificuldades. O fato de você ser governo há doze anos... Tem um texto meu que chama Mudar o PT para continuar mudando

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Page 7: Caros amigos - entrevista Rui Falcão

Especial PT 35 anos • Julho 20158 www.carosamigos.com.br

“É que tendo o Lula como possibilidade, ninguém nem pensa (em outro candidato)”

o Brasil, eu aponto algumas difi culdades. Nós nos adaptamos ao sistema de fi nanciamento eleitoral, fi zemos campanhas caríssimas, ban-cadas igual a dos outros, embora sempre dentro da lei, recolhendo e pedindo doações através de transações bancárias registradas; nós tivemos um esvaziamento relativo das instâncias de di-reção, por conta inclusive do peso dos manda-tos, não só os parlamentares…

E a transferência também de quadros bons para tocar o governo...

Também isso. Uma certa teia burocrática que leva a uma acomodação, que é decorren-te do tempo, que as grandes organizações en-frentam, são uma máquina pesada. Nós nos vol-tamos muito para nós mesmo, então, você tem deformações nos pro-cessos de fi liação. Tem quase duzentas mil pessoas esperan-do autorização para fi liação. Isso decorre de burocracia, decorre às vezes de pequenos chefetes locais que guar-dam as fi chas na gaveta. Quer dizer, nós somos uma organização que o conjunto é transforma-dor, é democrático, mas uma organização des-se tamanho tem vícios também que é preciso combater permanentemente. Você tem uma di-fi culdade de elaboração muito grande, precisa reforçar a formação política, precisa melhorar a comunicação. O censo comum penetra também, nós não estamos alheios ao conjunto da socie-dade. A mídia monopolizada produz infl uência sobre nós também. Não estamos numa ilha, você é permeado por tudo isso na sua composição social partidária. A crise sempre tem o lado de destruição e o lado de abrir uma nova fase. Eu acho que para nos destruir é mais difícil, vários já tentaram e vivem falhando.

O poder de alguma maneira foi maléfi co ao PT, teve alguma coisa que prejudicou o partido…

Não. Todo partido tem por vocação conquis-tar o poder, senão vira um clube de militantes. Agora, ele produz essas modifi cações, tem um certo impacto no status quo, uma certa inspira-ção de dizer que a política às vezes cede lugar à disputa miúda, que é a reprodução da dispu-ta de poder, que muitas vezes é de um poder imaginário até. Mas eu acho que foi positivo a gente pelo menos ganhar governo, porque isso também vai te abrindo as realidades do estado, vai formando quadros de gestores, nos faz en-tender também o funcionamento de setores que você estava alheio a eles, entender os mecanis-mos do poder, de um outro poder que não é aquele que a gente quer construir, com partici-pação popular, mudanças.

Diante desse desgaste que o PT vem sofren-do e dos ataques, inclusive da institucionalidade,

contra o partido, como garantir 2018? Você acha que o PT está realmente sofrendo uma ameaça de perder em 2018?

Primeiro, antes de 2018 nós estamos nos preparando para 2016. Embora não seja pré--condição, mas 2016 é o momento para esse processo que eu te falei, de revigorar o PT, de fazer a defesa do PT nacionalmente, de re-popularizar temas em que nós sempre fomos bons, “O PT é bom de governo”, lembra des-se slogan? Nós precisamos popularizar isso. Tem campanhas nacionais, como por exemplo a campanha pela popularização e defesa do Plano Nacional de Educação, para que a Pá-tria Educadora não seja um slogan, mas seja visto pela população como uma realidade efe-tiva. Essas são condições que você vai crian-

do ao mesmo tem-po para acumular eleitoralmente, para resgatar o PT, que continua sendo o partido mais popu-lar apesar do que

tem ocorrido, e ter uma perspectiva de avan-ço do nosso governo federal nesses três anos e meio de mandato, para que você se apresen-te em 2018 como alternativa de continuidade, com mudanças. Agora, nós vivemos num País que tem sempre a possibilidade, como o pes-soal fala “precisa ter alternância”. Alternância é uma possibilidade que a democracia enseja, mas não é obrigatória que tenha. Nós vamos lutar para ter continuidade porque achamos que o projeto precisa se desenvolver, precisa de mais tempo.

Até onde esses ataques atingiram de fato a imagem do Lula junto à população?

As pesquisas tem medido que houve uma perda relativa da popularidade, mas ao mes-mo tempo, continua apontando o Lula como sendo o melhor presidente que o Brasil já teve, com muita distância com relação aos demais. A outra coisa é que nos cenários que se põem hoje para 2018, embora ele não seja candida-to, não tenha disputado eleição há oito anos, ele aparece praticamente empatado num cená-rio em que o Aécio é candidato. E o Aécio está com recall de uma eleição recente em que ele foi muito bem do ponto de vista dos resulta-dos numéricos. E com relação aos outros ce-nários possíveis, citados na mídia, ele aparece na frente. Então, continua a ser uma gran-de liderança, com grandes possibilidades para 2018, mesmo sem ser candidato. E nós temos possibilidades também, caso ele não queira em 2018, de outros nomes.

Quais, Rui? Porque a gente pensa, pensa e não consegue imaginar um nome.

É que tendo o Lula como possibilidade nin-guém nem pensa.

Mas digamos, numa eventualidade, quem po-deria?

Você diz do PT?

Sim.Porque tem outros se apresentando, mas

do PT você tem o Jacques Wagner, você tem o (Aloizio) Mercadante, você tem o Tarso Genro, você tem o Fernando Pimentel, você tem o Fernando Haddad e outros que nesse meio tempo possam ser...

O Haddad não vai disputar a campanha aqui em São Paulo em 2016?

Ele vai disputar a reeleição e nós quere-mos que ele seja eleito.

Vocês pensariam na possibilidade de não saírem como cabeça de chapa em 2018?

Não. Estou dizendo que tem outros preten-dentes. Se você trata de alianças, você tem que saber quem são os outros também. Em princípio é inimaginável hoje a gente não pleitear a continuidade, mas eu falo isso por-que no passado já se chegou a falar que o PT podia ter apoiado o Eduardo Campos e tal. Eu sou favorável que a gente tenha uma candi-datura própria, com aliados, quem sabe até uma outra confi guração de alianças em 2018. Mas 2018 está muito longe ainda.

Haveria uma outra possibilidade de alian-ça sem o PMDB?

Nós temos desde 2002, 2006 na verdade, essa aliança com o PMDB. Agora, ela não é eterna e o próprio PMDB tem anunciado aí a possibilidade de ter uma candidatura em 2018, e nós temos que respeitar, e ver qual é o quadro.

Mas eles sempre dizem isso, que vão lançar um candidato.

Já chegaram a ter, mas mais recentemen-te não. Eles tem sempre postulado a vice ou algum outro tipo de arranjo, até pelas difi -culdades de coesão interna de ter uma can-didatura.

Ou seja, o pessoal rompe essa aliança com o PMDB se o PMDB se retirar; o PT não se retiraria?

Não vejo disposição nesse momento para isso. Até porque eles estão integrando o gover-no, eles têm a vice-presidência. Nas eleições mu-nicipais, provavelmente, eles terão (candidatos) em vários lugares, mas isto não está nos con-frontando. Inclusive, esse pessimismo de que o PT vai ser varrido do mapa em 2016, eu não acredito nisso não. Em três eleições desse ano (eleições refeitas devido a impedimentos dos pre-feitos eleitos no pleito ofi cial), nós ganhamos em duas. Ganhamos em Natividade, que é no estado do Rio, e Igarapé Mirim, no Pará.

Aray Nabuco e Tadeu Breda são jornalistas.

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