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    Universidade de So Paulo

    Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas

    Departamento de Geografia

    Programa de Ps-Graduao em Geografia Humana

    Ronaldo Gomes Carmona

    GEOPOLTICA CLSSICA E GEOPOLTICA BRASILEIRA CONTEMPORNEA:

    MAHAN, MACKINDER e a grande estratgia do Brasil para o sculo XXI

    So Paulo 2012

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    Ronaldo Gomes Carmona

    GEOPOLTICA CLSSICA E GEOPOLTICA BRASILEIRA CONTEMPORNEA:

    MAHAN, MACKINDER e a grande estratgia do Brasil para o sculo XXI

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Geografia Humana do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas da Universidade de So Paulo, para obteno do ttulo de Mestre em Geografia Humana.

    rea de concentrao: Geografia Humana

    Orientador: Prof. Dr. Andr Roberto Martin

    So Paulo 2012

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    Autorizo a reproduo e divulgao total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrnico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.

    Carmona, Ronaldo Gomes

    Geopoltica clssica e geopoltica brasileira contempornea: Mahan, Mackinder e a grande estratgia do Brasil para o sculo XXI./Ronaldo Gomes Carmona; Orientador: Professor Doutor Andr Roberto Martin So Paulo, 2012.

    166 fls.

    Dissertao (Mestrado Programa de Ps-graduao em Geografia Humana, rea de concentrao: Geografia Humana) Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas da Universidade de So Paulo

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    Nome: CARMONA, Ronaldo Gomes

    Ttulo: Geopoltica clssica e geopoltica brasileira contempornea: Mahan, Mackinder e a grande estratgia do Brasil para o sculo XXI.

    Dissertao apresentada ao Programa de Geografia Humana, do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas da Universidade de So Paulo, para obteno do ttulo de Mestre em Geografia Humana.

    Aprovado em: ___/___/___

    Banca Examinadora

    Prof. Dr. ______________________________ Instituio: _______________________

    Julgamento: ___________________________ Assinatura: _______________________

    Prof. Dr. ______________________________ Instituio: _______________________

    Julgamento: ___________________________ Assinatura: _______________________

    Prof. Dr. ______________________________ Instituio: _______________________

    Julgamento: ___________________________ Assinatura: _______________________

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    RESUMO

    Pas de territrio misto, marcado a um s tempo pela continentalidade e pela maritimidade, o Brasil tem, na anlise dos clssicos da teoria geopoltica relacionados ao poder naval, na pessoa de Alfred Mahan e na teoria do poder terrestre, desenvolvida por Halford Mackinder, importantes questes para a discusso de sua viso estratgica contempornea, num contexto em que h um importante aumento da estatura poltica e econmica do pas no cenrio mundial. Neste sentido, a presente Dissertao busca, aps a reviso dos conceitos principais dos dois tericos clssicos citados, identificar aspectos relevantes da evoluo recente e das grandes tendncias do cenrio internacional, bem como do curso do pensamento estratgico brasileiro. Como concluso, o estudo busca relacionar estes debates aos documentos oficiais recentes publicados na rea de Defesa Nacional que esboam a viso geopoltica e estratgica contempornea do Brasil.

    Palavras-chave: Brasil, geopoltica, relaes internacionais, poder martimo e poder terrestre

    ABSTRACT

    A country of mixed territory, marked both of a continental extension and by a long cost on the sea, Brazil has, in the analysis of classical geopolitical theory related to sea power in the person of Alfred Mahan and on the theory of land power, developed by Halford Mackinder, important questions for discussion of its contemporary strategic vision, in a context where there is a significant increase in political and economic stature of the country on the world scenery. In this sense, this thesis seeks after a review of the main concepts of the two classical theorists cited, identify relevant aspects of recent developments and major trends on the international scene, as well as the course of the Brazilian strategic thinking. In conclusion, the study seeks to relate these discussions to official documents published in the recent National Defense field, outlining the geopolitical and strategic vision of contemporary Brazil.

    Key words: Brazil, geopolitics, international relations, sea power and land power

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    SUMRIO

    INTRODUO.........................................................................................................07

    CAPTULO I Teoria do Poder Naval e Teoria do Poder Terrestre: apresentao sistemtica do pensamento geopoltico de Alfred Thayer Mahan e Halford John Mackinder..................................................................................................................11

    CAPTULO II Atualidade e superaes, pontos de contato e diferenas em Mahan e Mackinder.................................................................................................................58

    CAPTULO III As grandes tendncias geopolticas da situao internacional contempornea.........................................................................................................82

    CAPTULO IV A escola geopoltica brasileira: notas retrospectivas e contemporneas.....................................................................................................107

    CONCLUSES

    A geopoltica de Mahan e Mackinder e a grande estratgia brasileira................................................................................................................125

    BIBLIOGRAFIA...................................................................................................158

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    INTRODUO

    Extrair lies e ensinamentos dos clssicos, ou do conhecimento pretrito, para projetar variveis para o futuro ou para buscar produzir inovaes, metodologia comum s cincias sociais e s cincias naturais. De modo geral, a forma pela qual o ser humano acumula conhecimento e gera novos, buscando, assim, avanar no conhecimento humano nas mais diversas reas de interesse humano.

    A geopoltica, questo discutida j no primeiro capitulo, aps uma emergncia virtuosa no final do sculo XIX, incio do XX, foi da proscrio e interdio no debate acadmico a uma reemergncia neste incio de sculo XX.

    Esta emergncia virtuosa relacionou-se com a prpria ascenso dos Estados-naes, especialmente no continente europeu. Apoiando-se na geopoltica, muitos Estados buscavam definir sua estruturao nacional, quais seus objetivos centrais e onde se localizariam no concerto das naes. Nesse contexto, alguns resvalaram para atitudes abertamente imperialistas, em especial os Estados Unidos e a Alemanha nazista.

    Tais atitudes, em grande medida creditada a orientao realista, que por definio, a base da viso de mundo, da qual parte a geopoltica, fazendo ento iniciar um perodo de interdio e prescrio, especialmente na academia, ainda que as escolas e os centros de estudos estratgicos ligados s Foras Armadas, em todo o mundo, continuassem, em maior ou menor medida, estudando-a e aplicando-a em sua orientao cotidiana e em suas anlises prospectivas.

    As abruptas mudanas no quadro internacional no final do sculo XX, entretanto, tiveram efeitos de grande importncia nas relaes internacionais e na prpria viso das naes acerca de sua insero internacional.

    Primeiro, pela euforia liberal do incio dos anos 1990, provocado pela vitria de um dos lados na contenda da guerra fria, aps mais de meio sculo de forte embate, no apenas ideolgico como tambm poltico, cientfico-tecnolgico, econmico-financeiro e estratgico-militar. Disseminou-se ento, como orientao hegemnica no mundo, teses que defendiam a diminuio do papel do Estado, no que, obviamente, teria como consequncia num desuso das orientaes geopolticas.

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    Entretanto, a embriaguez dos vencedores durou pouco e a unipolaridade no tardou para se chocar com os mais diversos interesses nacionais, e, assim, logo uma tendncia a multipolaridade, no tardou a se estabelecer com a emergncia, portanto, de polos e atores estatais que buscavam seu lugar ao sol no sistema internacional.

    Assim, com passos largos a multipolaridade e com a reemergncia dos Estados-naes e mais amplamente, do interesse nacional iniciamos o sculo XXI, que, no momento em que redigimos estas notas, j entra para sua segunda dcada. Momento propcio, portanto, para a reemergncia das teorias geopolticas, que voltam a ser instrumento de anlise na academia.

    Num contexto em que o Brasil comea a deixar para trs seu famoso complexo de vira-lata expresso de Nelson Rodrigues, popularizada pelo presidente Lula, em suas referncias poltica externa , e, assim, emerge como um dos importantes atores no cenrio internacional, a retomada dos preceitos geopolticos, sobretudo os clssicos, pode jogar alguma luz sobre a discusso acerca de uma grande estratgia que se esboa em nosso pas. Esboo, digamos, que todavia necessita ajustes e precises.

    Ao mesmo tempo, o horizonte temporal de implementao das medidas que se anunciam relativamente largo, cerca de vinte anos, aproximadamente. Se por um lado isto no de todo ruim, uma vez que parece termos voltado a ter alguma capacidade de planejamento de longo prazo, por outro a urgncia da superao do hiato entre o crescente poder poltico e econmico do pas e sua baixa estatura estratgico-militar um problema para ontem.

    Na presente Dissertao, dada a evoluo recente da geopoltica, do mundo e do prprio Brasil, que acabamos de descrever de forma breve, pareceu-nos adequado retomar as grandes teses defendidas por dois dos geopolticos de maior envergadura e consistncia que se apresentam, cujos argumentos, em boa parte, seguem vigentes e base para orientaes estratgicas por parte de diversos Estados nacionais.

    Assim, comeamos nosso CAPTULO I, denominado Teoria do Poder Naval e Teoria do Poder Terrestre: apresentao sistemtica do pensamento geopoltico de Alfred Mahan e Halford Mackinder.

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    Aqui se poder observar um painel que busca ser o mais completo possvel na revelao das principais teses destes dois pensadores clssicos. Embora sejam teses muito estudadas, sobretudo nas cadeiras de geografia poltica dos Departamentos de Geografia das boas Universidades, mundo a fora, sistematizar estas teses nesta Dissertao tem o objetivo de indicar os pontos de partida que repercutiro no conjunto do estudo.

    O CAPTULO II tambm autoexplicativo por seu ttulo, denominando-se Atualidade e superaes, pontos de contato e diferenas em Mahan e Mackinder.

    Trata-se aqui, primeiramente, de justificar o uso destes clssicos, observando o que se mantm, o que est defasado, datado. E junto isso, observar como os autores dialogam e quais os pontos em que apresentam diferenas eventualmente irreconciliveis.

    Estes dois primeiros captulos pretendem, portanto, ser uma introduo sistemtica ao pensamento dos dois autores, visando alicerces slidos para avanar em nosso estudo.

    Na sequncia, temos o CAPTULO III As grandes tendncias geopolticas da situao internacional contempornea. preciso agora, pois, fixar uma anlise para aonde caminha o mundo, o que vir por a, tendo como base um estudo de conjuntura e avaliaes prospectivas, sendo utilizado, para tanto, documentos e pronunciamentos das grandes naes e ao mesmo tempo tendncias apontadas por importantes acadmicos e analistas das relaes internacionais.

    J no CAPTULO IV, intitulado Escola geopoltica brasileira: notas retrospectivas e contemporneas, buscamos, ainda que de forma relativamente pontual, observar o curso histrico e contemporneo do que podemos denominar como pensamento estratgico brasileiro, no sentido de apresentar sistematicamente seu curso e seu estado atual.

    E para finalizar, desenvolvemos as CONCLUSES desta Dissertao, as quais denominamos de A geopoltica de Mahan e Mackinder e a grande estratgia brasileira.

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    Nesta parte final, relacionamos todo o debate terico anterior, seja das grandes teses de Mahan e Mackinder, seja das tendncias da situao internacional ou do curso do pensamento estratgico nacional s elaboraes recentes de documentos que, como dissemos, esboam linhas gerais da grande estratgia brasileira: o Livro Branco de Defesa Nacional (2012), a Estratgia Nacional de Defesa (2008 e 2012) e a Poltica Nacional de Defesa (2012) - antes, Poltica de Defesa Nacional, 1996 e 2005).

    A opo pelos citados documentos, a despeito da impossibilidade do sempre recomendvel distanciamento histrico, se d, sobretudo, para que o presente trabalho acadmico tenha a funo de representar uma contribuio ao grande debate que se apresentar no Brasil, na medida em que o pas eleve sua estatura no concerto das naes.

    So Paulo, novembro de 2012.

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    CAPTULO I

    Teoria do Poder Naval e Teoria do Poder Terrestre: apresentao sistemtica do pensamento geopoltico de

    Alfred Thayer Mahan e Halford John Mackinder

    O presente captulo busca apresentar sistematicamente uma introduo ao pensamento geopoltico clssico, por meio do principal interprete da teoria do poder naval e do autor principal da teoria do poder terrestre, respectivamente, Alfred Mahan e Halford Mackinder.

    Iniciamos com a apresentao das definies correntes de geopoltica para num segundo momento discorrermos sobre os fundamentos do pensamento de Mahan, seguido de Mackinder.

    Para os propsitos da presente Dissertao, consideramos fundamental partir destas definies, visando assentar as bases tericas a partir das quais buscamos avanar para o debate sobre atualidade dos dois autores, seguida de digresses sobre o cenrio geopoltico e geoestratgico mundial, do curso do pensamento estratgico brasileiro e, finalmente, das implicaes para a definio da grande estratgia brasileira objeto, respectivamente, do segundo, terceiro e quarto captulos e das concluses.

    Conceituando epistemologicamente a Geopoltica

    Ao iniciarmos nosso primeiro captulo constamos que h atualmente certa

    banalizao do uso do termo geopoltica. Como argumenta MARTIN:

    quando os noticirios apresentam qualquer chefe de governo ou chanceler justificando determinada deciso em poltica externa porque apoiada em razes geopolticas ou geoestratgicas, tal ato imediatamente parece adquirir a aura de uma sentena cientfica, no dando margem a nenhuma contestao (MARTIN, 2007, p. 08).

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    J COSTA (2008, p. 55), argumenta que devido confuso conceitual e terminolgica que se estabeleceu em torno da definio de geopoltica, faz-se necessria dirimir a natureza conceitual da geopoltica.

    Para ele,

    a geopoltica, tal como foi exposta pelos principais tericos, antes de tudo um subproduto e um reducionismo tcnico e pragmtico da geografia poltica, na medida em que se apropria de parte de seus postulados gerais para aplic-los na anlise de situaes concretas interessando ao jogo de foras estatais projetados no espao (COSTA, 2008).

    Segundo VESENTINI,

    a partir do final da dcada de 1980, devido s mudanas radicais no mapa-mndi (vistas pela mdia, com razo, como redefinies geopolticas), a palavra geopoltica tornou-se moda. Hoje ela usada, em alguns meios, para se referir a praticamente todas as discusses polticas e econmicas internacionais os encontros relativos ao meio ambiente global, as reunies da OMC ou do FMI e os protestos contra eles, a ALCA ou a Unio Europia etc. , algo que evidentemente torna esta palavra desprovida de qualquer significado preciso (VESENTINI, 2008, p. 10).

    Mas, para alm do uso quase coloquial do termo geopoltica, o fato que, como argumenta MARTIN (2007, p. 06), a luta pelo controle dos recursos naturais finitos vem se intensificando de tal maneira, que j se prenuncia uma onda de reabilitao e revalorizao da centenria disciplina, apelidada por alguns de cincia demonaca. Eis um dado objetivo da realidade atual e que pede a revisitao do pensamento clssico da geopoltica, sintetizado nos dois autores que apresentamos a seguir, que pensamos, ajudaro a demonstrar esta reabilitao e revalorizao.

    Atribui-se o uso original do termo geopoltica ao professor sueco Rudolf Kjllen, tido como um germanfilo pois considerado discpulo de Ratzel e partidrio das teses expansionistas alems e professor de direito poltico nas Universidades de Gotemburgo e Upsala.

    Rudolf Kjllen filiava-se a viso organicista da geografia, segundo a qual o Estado se assemelha a um organismo biolgico, em constante expanso ou, caso contrrio, tender morte. Como diria o prprio Kjllen, como tal (organismos biolgicos) os Estados esto sujeitos a leis do crescimento. Assim, os Estados

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    vigorosos e cheios de vida que possuem um espao limitado obedecem ao categrico imperativo de expandir seu espao, seja por colonizao, amalgamao ou conquista (COSTA, 2008, p. 57).

    No por acaso, portanto, segundo continua COSTA, o sucesso de suas ideias junto aos crculos de poder de diversos pases, incluindo os regimes fascistas europeus e ambientes militares do Terceiro Mundo, numa viso que pelo estilo e contedo, os artifcios e manipulaes conceituais de Kjllen mais se assemelham a um receiturio de imperialismo. Cabe ponderar, entretanto, que este no o propsito nem historicamente nem hodiernamente do Brasil, como veremos ao longo desta Dissertao.

    Pas satisfeito territorialmente, a teoria geopoltica faz sentido, ontem e hoje para o Brasil, na salvaguarda de sua integridade e independncia nacional.

    Para Kjllen, geopoltica a cincia do Estado como organismo geogrfico e, significadamente, como soberania, segundo transcreve Vicens-Vives (MIYAMOTO, 1995, p. 22).

    Entretanto, a despeito de ser o pioneiro no uso do termo geopoltica, podemos dizer, ao investigar o contedo do conceito, que no ter sido Kjllen o primeiro geopoltico. Mahan, por exemplo, como veremos a seguir, foi um geopoltico por excelncia, a despeito de poca, ainda no se utilizar tal categoria mas certamente seu contedo em muito se se aproxima deste conceito. No Brasil, aquele que nos parece ser nosso primeiro e qui o maior geopoltico de nossa histria, tendo em vista seu papel na conformao de nosso territrio, o patriarca Jos Bonifcio de Andrada e Silva, tampouco seria comunmente denominado como tal.

    Passemos a outras definies conceituais de geopoltica.

    Nesse contexto, Karl Haushofer, da Escola de Munique, afirmava que:

    a geopoltica a cincia que trata da dependncia dos fatos polticos em relao ao solo. Apia-se sobre as amplas bases da geografia, em especial da geografia poltica, doutrina da estrutura espacial dos organismos polticos (...). A geopoltica aspira a proporcionar as armas para a ao poltica, e os princpios que sirvam de guia na vida poltica. A geopoltica a base da atuao poltica, na luta de vida ou morte dos organismos polticos pelo espao vital (transcreve Weigert, apud MIYAMOTO, 1995, p. 22).

  • 14

    O geopoltico norte-americano Hans W. Weigert, a propsito, afirma que:

    a geopoltica a geografia poltica na poltica do Poder Nacional e sua estratgia na paz ou na guerra (e) ao relacionar todo desenvolvimento histrico com as condies de espao e solo (e) ao considerar a histria determinada por estas foras eternas, a geopoltica tenta predizer o futuro (WEIGERT, apud MIYAMOTO, 1995, p. 22).

    O mesmo Hans W. Weigert tem grande mrito ao defender a tese da existncia de mltiplas geopolticas, diferenciadas segundo objetivos estratgicos nacionais. Esclarece que:

    no existe algo como uma cincia geral da geopoltica, que possa ser subscrita por todas as organizaes estatais. H tantas geopolticas quantos os sistemas estatais em luta sob condies geogrficas, as quais, no caso do poder martimo e do poder terrestre so fundamentalmente diferentes. H uma Geopolitik, uma geopolitique [...] Cada nao tem a geopoltica que pretende [...] Assim sendo, temos de olhar para a Geopoltica alem como produto de um povo envolvido numa luta pelo domnio mundial (WEIGERT, 1942, p. 22-23).

    Segundo Yves Lacoste, o termo geopoltica, utilizado em nossos dias de mltiplas maneiras, designa na prtica tudo relacionado com as rivalidades pelo poder ou a influencia sobre determinados territrios e suas populaes (LACOSTE, 2008, p. 08).

    No Diccionario latinoamericano de seguridad y geopoltica, encontramos a seguinte definio para o verbete que trata de geopoltica:

    rea de anlise multidisciplinar das cincias sociais que estuda a influncia dos fatores geogrficos na vida e na evoluo dos Estados, a fim de extrair concluses de carter poltico que sirvam de guia ao estadista na conduo da poltica interna e externa do Estado (BARRIOS, 2009, p. 193).

    Com o mesmo sentido, no mesmo Dicionrio (2009, p. 195), tem-se o estrategista norte-americano Zbigniew Brzezinki recordando que se diz que Napoleo afirmou certa vez que reconhecer a geografia de um pas equivale a conhecer sua poltica exterior.

    Vale lembrar, ainda, uma mxima consagrada a Napoleo, que em 1804 afirmava que la politique de toutes les puissances est dans leur geographie (a politica de todas as potncias est em sua geografia).

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    Algumas definies de autores brasileiros sobre geopoltica.

    O General Golbery do Couto e Silva, em sua obra clssica Geopoltica do Brasil, sustenta que:

    para ns, a Geopoltica nada mais que a fundamentao geogrfica de linhas de ao poltica, quando no, por iniciativa, a proposio de diretrizes polticas formuladas luz dos fatores geogrficos, em particular de uma anlise calcada, sobretudo, nos conceitos bsicos de espao e de posio (COUTO E SILVA, 1967, p. 64).

    Para ele, a geopoltica um dos ramos, portanto, da poltica, como a imaginava o prprio Kjllen e sempre a qualificou, e entre ns, o mestre Backheuser: poltica feita em decorrncia das condies geogrficas (1967, p. 64).

    O General Meira Mattos diz que em termos genricos entendemos geopoltica como a poltica aplicada aos espaos geogrficos. Para ele, este conceito, por sua amplitude, cobre todos os demais, com o mrito de evitar a polmica retrica sobre o assunto (1984:3). Segundo o referido general, o mais sinttico e abrangente conceito de Geopoltica de Ratzel: espao poder (MEIRA MATTOS, 1975, p. 5).

    Segundo Therezinha de Castro:

    cincia da vinculao geogrfica dos acontecimentos polticos, a Geopoltica tem por objetivo principal o aproveitamento racional de todos os ramos da geografia no planejamento das atividades do Estado, visando a resultados imediatos ou remotos. Em razo disto, a Geopoltica pode ser considerada como um estudo dos precedentes histricos em funo dos ambientes geogrficos; os resultados destes estudos levam a concluses prticas, aplicveis ou no atualidade (CASTRO, 1999, p. 23).

    Dada as caractersticas acima observadas, comum a crtica sobretudo em determinadas correntes contemporneas, especialmente as de vis ps-moderno acerca de uma natureza estadocntrica da geopoltica como denominou Raffestin (apud COSTA, 2008). Mas para efeito deste trabalho que busca analisar a pertinncia de anlises da geopoltica clssica, e no do que poderamos denominar como novas geopolticas, como argumenta o livro de Vesentini no entraremos nesse debate. Ainda assim, cabe ressaltar, nosso pressuposto a continuidade da centralidade do Estado como ator determinante no cenrio internacional.

    Vale dizer, como apresenta a gegrafa Berta BECKER, que:

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    apoiada nos princpios do paradigma do realismo poltico, a geopoltica refora a tradio poltico-geogrfica dos estudos focados no Estado. Mais do que isto, de fato, os estudos geopolticos clssicos reconhecem o Estado como o nico protagonista das relaes internacionais, depreendo-se desse reconhecimento idia de que o Estado a nica fonte de poder. Segundo ela, a mxima de Ratzel espao poder abre um frtil caminho para anlises que vinculassem as aes do Estado com a organizao do espao (BECKER, 2010, p. 147-148).

    Berta Becker tambm define de forma que nos parece muito apropriada , um vnculo estreito entre a escola realista ou clssica e a geopoltica. Para ela, o realismo

    o balizador da geopoltica clssica.

    Aqui, cabe recordar os seis princpios da teoria realista, sistematizado por Hans J. Morgenthau, em seu clssico A Poltica entre as Naes (2003, p. 4-28) para se perceber o quanto correta a afirmao acerca deste estreito vnculo. Utilizemos para tal, a sntese de Berta BECKER (2010, p. 148):

    1) A poltica, tal como a sociedade governada por leis objetivas, comparveis luta pela sobrevivncia, refletindo-se na conduta dos Estados;

    2) Todo e qualquer interesse poltico, econmico ou cultural dos atores internacionais deve ser traduzido na pretenso de alcanar mais poder;

    3) O conceito-chave de interesse definido como poder uma categoria objetiva com validade universal;

    4) No existem regras morais universais aplicadas a todas as situaes e aes dos Estados;

    5) O sistema internacional absolutamente anrquico, isto , desprovido de qualquer regulao supranacional;

    6) Consagra a separao entre poltica interna e poltica externa dos Estados, ou seja, o imprio dos mais fortes.

    A Geopoltica logo se dividiria em duas escolas: a determinista e a possibilista. Segundo nos explica Meira Mattos,

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    determinista foi chamada a Escola alem, porque defendia a tese de que a geografia determina o destino dos povos, enquanto a escola possibilista, que teve como principal porta-voz o gegrafo Frances Vidal de la Blanche, ancorava-se na ideia de que a geografia possibilita solues favorveis ao destino dos povos (MATTOS, 1975, p. 3).

    Ainda quanto ao debate epistemolgico acerca da conceituao de geopoltica, cabe ver que COSTA (2008, p. 58) chama ateno para o fato dos primeiros estudos de geopoltica saudar as teses de Kjllen por este haver operacionalizado os fundamentos de Ratzel, com uma nova cincia, antes de tudo dinmica em contraponto a natureza supostamente esttica da geografia poltica.

    COSTA tambm registra o aparecimento da geopoltica como produto do contexto europeu da virada do sculo XIX para o XX. No plano geral, tambm atendia a uma tendncia da poca:

    relao entre espao e poder (...) num momento histrico que envolvia o mundo em escala global, caracterizado pela emergncia das potencias mundiais, e com elas, o imperialismo como forma histrica de

    relacionamento internacional (COSTA, 2008).

    O autor apresenta, a seguir, a definio clssica de imperialismo em Vladimir Lnin (em O Imperialismo, fase superior do capitalismo), na qual o comunista russo apresenta a primeira guerra mundial como exemplo de uma guerra imperialista (isto , uma guerra de conquista, de bandidagem e de rapina), uma guerra pela repartio do mundo, pela distribuio e redistribuio das colnias, das esferas de influncia do capital financeiro etc. (apud Costa, 2008, p. 59-60). Parece-nos que a sofisticao da teoria do imperialismo de Lnin apontada por no se tratar simplesmente de conquista territorial, mas de competio entre Estados associados aos grandes monoplios. Assim, situa-se a fase imperialista com a prpria evoluo do modo de produo capitalista ou dinmica capitalista do mundo.

    COSTA (2008, p. 63) tambm observa, dando razo a Mackinder, como veremos mais a frente, que a exceo do Japo e acrescentemos, dos Estados Unidos -, todos os demais Imprios caracterizavam-se basicamente pela concentrao de suas polticas territoriais na vasta massa terrestre compreendida pela Eursia, pelo que, suas fronteiras formais e aquelas que separavam as respectivas reas de influncia constituam autenticas linhas de frico e tenso, transformando essa regio do globo

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    num vasto campo de conflitos potenciais. Esse dado da realidade disputas interimperialistas, como diria Lnin, na virada do sculo XIX para o XX certamente inspirou Mackinder a formular sua teoria geopoltica.

    Por fim, outro fator introdutrio relevante para a compreenso da teoria geopoltica clssica, a emergncia dos Estados Unidos da Amrica como grande potencia global no final do sculo XIX, cujo desenvolvimento histrico foi pleno de notveis particularidades (COSTA, 2008, p. 64-65).

    Afinal, os EUA surgem, desde sua independncia em 1776, com todo seu empenho concentrado no alargamento permanente de seu territrio original, no que daria razo aos organicistas. Assim, esta expanso geopoltica ao estilo preconizado pelos organicistas, o combustvel ideolgico era a ideia de Destino Manifesto, ou seja, a viso de mundo baseada na crena de um papel civilizador dos brbaros por inspirao ou mesmo determinao divina, que justificava guerras e expanses tipicamente imperialistas. Isso se v muito claramente nas justificativas de Mahan.

    Com a expanso norte-americana e, em especial, com sua formulao bsica de poltica externa a respeito da Amrica para os americanos forma de impedir a ingerncia europeia sob seus domnios , diz COSTA (2008, p. 68), replicando Mackinder, o quadro geopoltico mundial estava completo. Afinal, o mundo agora estava dividido por reas de influncia de cada uma das potncias mundiais.

    Essa ideia pois, replica a ideia basilar de Mackinder, a qual sustenta que a virada do sculo XIX para o XX observou a emergncia de um sistema poltico fechado, no qual todas as latitudes j estavam com um poder poltico estabelecido.

    Assim, estavam dadas as condies, na qual se desenvolver a nova geografia poltica e a sua vertente aplicada s estratgias de domnio e de guerra, a geopoltica.

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    As teses principais de ALFRED THAYER MAHAN

    Alfred Thayer Mahan nasceu em 27 de setembro de 1840, na cidade de West Point e viveu at dezembro de 1914. Era filho de um militar, professor da Academia Militar de West Point e de uma professora, ambos protestantes e profundamente religiosos, o que impactaria bastante sua viso de mundo.

    tido como o principal terico do poder estratgico naval, tendo produzido teses geopolticas, que como veremos, tiveram importantes consequncias, seja para o expansionismo de seu pas, os Estados Unidos, seja para fornecer argumentos favorveis expanso e fortalecimento das Armadas em distintas partes e em distintos perodos.

    Num conhecido artigo sobre Mahan, Margaret Tuttle Sprout o qualifica como evangelista do poder martimo, pois, segundo ela, nenhuma outra pessoa influenciou to direta e profundamente a teoria do poder martimo e a estratgia naval como Alfred Thayer Mahan1.

    A importncia de suas ideias reconhecida por muitos estudiosos. Sua originalidade no perodo moderno ressaltada por COSTA (2008, p. 68-69), para quem Mahan reconhecido como o precursor das teorias geopolticas sobre o poder martimo na poca contempornea.

    Diz MELLO (1999, p. 15), que na virada do sculo, o Sea Power, de Mahan, tornou-se a bblia dos defensores do destino manifesto estadunidense e dos partidrios da poltica de expanso do poderio naval norte-americano.

    Para ALMEIDA (2010, p. 157) certo que Mahan no tinha conhecimento dessa nova disciplina (a geopoltica) que s seria sistematizada por Kjllen 26 anos depois de seu clssico. Entretanto, pelo contedo de sua teoria, afirma CASTRO (1999, p. 106), Mahan foi um dos precursores da geopoltica. 1 ALMEIDA, Francisco Eduardo Alves de. Alfred Thayer Mahan: o homem. Revista Martima

    Brasileira (RBM), Regio, p. 147-173, 2 trimestre de 2009.

  • 20

    Interessante observar, que dois dos maiores protagonistas de geopoltica, que neste trabalho sero estudados, escreveram antes do aparecimento formal da disciplina como tal, com Rudolf Kjelln (1864-1922), um poltico e acadmico sueco.

    Explicita ALMEIDA que:

    se analisarmos os seus seis elementos ou fatores do poder martimo, trs deles se referem contingencias geogrficas, a posio geogrfica, a extenso territorial e a conformao fsica, em uma clara demonstrao da importncia da geografia para sua teoria (ALMEIDA, 2010, p. 157).

    Como dissemos acima, a importncia de Mahan para os estudos geopolticos contemporneos so ainda maiores tendo em vista seu papel precursor na teorizao e na fundamentao da expanso norte-americana dentre outros aspectos, por encargo divino, justificaria ele em sua arraigada crena conservadora protestante.

    De fato, foi em torno da poca em que viveu e escreveu Mahan o antecedente histrico imediato do perodo em que esse pas elevou seu status categoria de grande superpotncia e que concludo de fato ou melhor, iniciado plenamente , ao final da segunda grande guerra mundial.

    Assim, pode-se dizer que o pensamento de Mahan foi base para os Estados Unidos transitarem categoria de pas hegemnico. Sua teoria aparece sob medida para o projeto de expanso imperialista estadunidense.

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    MAPA 01: BONFIM, Uraci Castro. Geopoltica. Braslia: Escola de Comando e Estado-Maior do Exrcito, 2005. p. 57.

    Argumenta COSTA, que se em Ratzel, a geografia poltica examinada, a partir de certa ptica alem, com Mahan, surge uma ptica norte-americana, a partir de sua obra clssica The influence of sea power upon history: 1660-1783, publicada em 1890. Assim, Mahan foi considerado um filsofo naval do imperialismo2.

    Como instrutor de histria naval e estrategista da Escola de Guerra Naval, entre 1886 e 1893, Mahan iniciou a produo de volumosa obra, composta por diversos livros3.

    Mas foi The influence of sea power sua principal obra. Nela, realizou um estudo sistemtico da histria naval, centrando suas pesquisas nos sculos XVII e XVIII, 2 Cf. MORISON; COMMAGER, apud COSTA, 2008, p. 69.

    3 Entre os quais, The Gulf and Inland Waters (1883); o prprio The Influence of sea power upon

    history, 16601783 (1890); The life of Nelson: the embodiment of the sea power of great Britain (1897); Lessons of the war with Spain, and Other articles (1899); e o ultimo, The major operations of the navies in the war of American independence (1913).

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    procurando, assim, analogias entre as guerras terrestres e navais, de modo a constituir uma teoria da ttica naval4.

    O plano da obra compe-se de uma introduo e quatorze captulos, no qual, aps analisar The elements of sea power, Mahan passa em revista grandes batalhas navais da histria, que vai da segunda guerra anglo-holandesa sucesso espanhola, passando pelo Nilo, Copenhagen e Trafalgar.

    A partir da anlise histrica, essencialmente, desde o incio de sua proposio, Mahan procurou enfatizar a centralidade do mar nos destinos das naes. Assim, sua obra teve impacto imediato no meio naval, principalmente na Gr-Bretanha (...) os ingleses se abismaram por ter sido um norte-americano e no um britnico que melhor descrevera as polticas navais inglesas da poca. (ALMEIDA, 2009, p.156)

    Contudo, ainda que a obra, a despeito deste comentrio, tenha sido altamente funcional sustentao terica da expanso imperialista norte-americana como veremos , sem perceber, Mahan proveu de argumentos os polticos ingleses que desejavam a expanso britnica no mar. Tambm na Alemanha, o livro foi um retumbante sucesso. O kaiser, ao ler a obra de Mahan, percebeu o respaldo necessrio para a expanso colonial de sua nao e o desenvolvimento de um forte poder martimo, de modo a contestar o poder da Gr-Bretanha (ALMEIDA, 2009a, p. 155-157).

    Mahan busca sistematizar leis gerais para os princpios acerca das operaes navais. Para ele,

    o teatro de guerra pode ser maior ou menor, suas dificuldades mais ou menos pronunciadas, as armadas maiores ou menores, os movimentos necessrios mais ou menos fceis, mas estas so simplesmente diferenas de escalas, de grau, no de tipo

    Segundo o norte-americano, desde Hermcrates, h 2.300 anos,

    os princpios, a natureza e as funes da marinha de guerra so os mesmos, cabendo-lhes a definio dos pontos de concentrao, depsitos de munies e suprimentos, a comunicao entre esses pontos e a base original, o valor militar do comrcio e o modo pelo qual esse comrcio combinado com as operaes pode ser conduzido (MAHAN, apud COSTA, 2008, p. 69).

    4 Sprout apud ALMEIDA (2009a:155). Se Mahan tivesse conhecimento improvvel que

    tivesse o autor poderia citar a pica batalha naval de 1613, comandada por Jronimo de Albuquerque (1548-1618), que guiando 100 homens nos caraveles, partindo do Recife, expulsou os franceses do Maranho (LBDN, 2012, p. 78 e 79).

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    Aqui, percebe-se como so constantes os grandes ensinamentos tticos e estratgicos.

    Os elementos do poder martimo

    A sntese e o ncleo do pensamento mahaniano est no captulo The elements of sea power (1984, p. 30-67), no qual ele apresenta os seis principais elementos, fatores ou condies, que poderiam afetar o poder martimo de uma nao5. Nesta sistematizao, encontram-se ensinamentos perenes, que tm sido objeto de aplicao na orientao de Armadas ao longo de dcadas por todo o mundo.

    O primeiro elemento a posio geogrfica

    Para ele, pases insulares, como a Inglaterra e por analogia, o hemisfrio

    americano em relao a Eursia , possuam vantagens geogrficas em relao a pases

    continentais, como a Frana e a Holanda.

    Para Mahan, se uma nao no est obrigada a defender-se por terra, nem induzida a pensar em ampliar seu territrio de igual maneira, isto , via terrestre, pode voltar sua ateno para o mar. Assim, ele situa uma vantagem comparativa da Inglaterra em relao Holanda e a Frana, pases sempre ameaados por um ataque a partir de suas fronteiras.

    No caso brasileiro, carregamos nesta questo a herana de Alexandre Gusmo (1695-1753), negociador do Tratado de Madri de 1750 e do Baro do Rio Branco

    5 Para desenvolver os seis elementos do poder martimo, apoiamo-nos nos originais de

    MAHAN (1984), a nossa fonte primria, utilizando para isto publicao em lngua inglesa, uma vez que no h traduo ao portugus. Como fontes secundrias, utilizamos trechos que tratam do autor na obra de COSTA (2008), e em Alfred Mahan e os elementos do poder martimo (III). O texto faz parte de uma srie de cinco artigos publicados em cinco edies da tradicional Revista Martima Brasileira, entre os volumes 129, n. 04/06 (abr./jun./2009) e 130, n. 04/06 (abr./jun./2010).

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    (1845-1912), personagens em nome de quem podemos creditar nossa despreocupao nacional de problemas relacionados fronteira terrestre6.

    Segundo COSTA (2008, p. 71), a configurao insular inglesa, com seus portos protegidos, faz com que comrcio martimo, domnio colonial e poder naval formem um todo harmnico, verdadeiro modelo de poder martimo. J a Frana, alm do temor de um ataque por terra, do ponto de vista do poder naval, fazia sua esquadra dispersar-se em duas frentes, no Atlntico, ao norte onde ademais, defrontava-se com o litoral de seu rival britnico , e a Mediterrnea, ao sul. Para unir suas duas esquadras em Brest e em Toulon era obrigada a contornar permanentemente a Pennsula Ibrica por Gibraltar (controlado pelos ingleses), numa clara demonstrao de vulnerabilidade.

    Aqui, Mahan v uma evidente analogia com a posio do territrio dos Estados Unidos, igualmente dividido entre a costa Atlntica e do Pacfico. Chama ateno a centralidade, na questo relativa posio geogrfica, que de tal natureza, requeira uma concentrao ou disperso de foras navais (MAHAN, 1984, p.33).

    Por certo, no caso brasileiro, com longo litoral disposto no sentido norte sul sem interrupes que afetem significativamente o fluxo naval tal preocupao no se

    aplica. Entretanto, dada sua centralidade no esquema de explicao da questo da posio geogrfica em Mahan, cabe destac-lo.

    Afinal, tendo em vista a evidncia desta condicionante geogrfica na condio norte-americana com um litoral cindido entre o Atlntico e o Pacfico , Mahan prope uma sada que, podemos dizer, repercute imediatamente, e mesmo at os dias de hoje. Ele defende como vital para os Estados Unidos, o controle do Caribe e, assim, do Istmo do Panam. Mais a frente, como veremos, h a preocupao de Spykman relacionada ao norte da Amrica do Sul, no que se localiza em chave similar relacionada ao pensamento estratgico.

    Para Mahan, essencial a construo do Canal do Panam7 para superar a vulnerabilidade estratgica da armada norte-americana. No que diz respeito ao controle

    6 Atualmente, os problemas de fronteira se referem menos a questes de natureza militar, e

    mais a questes relacionadas segurana pblica. 7 As teses de The influence of sea power [] a este respeito, certamente influenciaram

    Teodore Roosevelt, um declarado entusiasta do livro de Mahan, a buscar, por todos os meios, efetivamente realizar a obra de abertura do Canal do Panam realizada, diga-se, anos aps o

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    do Caribe, trs lugares seriam fundamentais: primeiro, o controle da boca do Rio Missisipi, prximo a Pensacola; segundo, a Zona do Canal do Panam; por fim, conformando um Tringulo de defesa desta regio, uma posio prxima a Ilha de Santa Lcia.

    MAPA 02: ALMEIDA (2010). Alfred Thayer Mahan e a Geopoltica. Revista Martima Brasileira, Rio de Janeiro, v. 130, n. 04/06, abr./jun. 2010, p.159.

    O controle de Cuba, posicionada aproximadamente no centro deste Tringulo, seria primordial para os Estados Unidos controlarem o conjunto do Caribe. A ilha caribenha, do ponto de vista da posio geogrfica, no possua rival militar entre as aparecimento da obra The influence of sea power [...] Recorde-se que no incio de 1903, foi assinado o Tratado Hay-Herran entre os Estados Unidos e a Colmbia, do qual o Panam era parte. Mas, como o Senado colombiano no ratificou o Tratado, os Estados Unidos estimularam uma revolta panamenha contra a Colmbia precedida por indicaes de Roosevelt, que deu a entender que a marinha norte-americana apoiaria a causa da independncia panamenha. Assim, o Panam proclamou sua independncia em 3 de Novembro de 1903. O USS Nashville, cumprindo a promessa de Roosevelt, em guas panamenhas, impediu qualquer reao colombiana. Estava aberto o caminho para a efetivao da proposta mahaniana, visando superar a vulnerabilidade diagnosticada.

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    ilhas do mundo, com exceo da Irlanda, advertia Mahan8. Afinal, a um s tempo, Cuba constitua na chave para o controle do Golfo do Mxico, dominando as duas entradas neste golfo, ademais de controlar trs entradas para o Caribe: o Canal de Yucatan, a Passagem Windward e a Passagem Mona (MAHAN, 1984, p. 36).

    Assim, no difcil compreender a centralidade que Cuba tem na viso estratgica norte-americana at os dias de hoje, dado ser o centro estratgico em sua rea vital, permetro de segurana ou primeira linha de defesa.

    Com a abertura do Canal do Panam, o controle do Caribe seria essencial, pois:

    poderia provocar o interesse de outras naes e uma disputa pelo seu controle, o que, segundo Mahan, coloca a posio dos Estados Unidos referente ao Canal e ao Caribe, em termos comparativos da Inglaterra em relao a Gibraltar, e dos pases mediterrneos em relao ao Canal de Suez (COSTA, 2008, p. 72).

    No caso brasileiro objeto para o qual buscamos extrair lies destas anlises , podemos identificar, ao contrrio do caso norte-americano ou francs, a vantagem estratgica de uma posio central (MAHAN, 1984. P.33), nomeadamente em relao ao Atlntico Sul e, muito especialmente, em relao ao chamado saliente nordestino, ponto de estrangulamento na passagem norte - sul e vice-versa.

    8 Em The interest of America in sea power, apud ALMEIDA (2010:163)

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    MAPA 03: MEIRA MATTOS (2011). Geopoltica. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2011, p. 44

    Esta permite vantagens estratgicas na eventualidade de ser necessria uma guerra de course com a destruio de rotas de comrcio, por exemplo ainda que um eventual bloqueio do Atlntico Sul, a partir do saliente nordestino, exigiria, pela largura e extenso, o uso, sobretudo, de meios submarinos para interromper o fluxo, seja comercial ou estratgico.

    A vantagem da posio brasileira quanto ao Atlntico Sul latente, dada nossa posio geogrfica central. Afinal, para Mahan:

    se a natureza colocou um pas em circunstncias tais que, alm de ter acesso fcil ao alto-mar, fez com que ao mesmo tempo domine uma das grandes passagens do trafego mundial, evidente que a importncia estratgica de sua posio seja muito maior (MAHAN, 1984, p.37).

    Voltemos ao caso de pases sem a mesma condio estratgico-martima. Para a superao da vulnerabilidade martima, gerada pela posio geogrfica, esclarece COSTA que:

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    Mahan no v outra sada para o pas que no seja sua preparao militar, em suma, a transformao de seu potencial econmico, territorial e martimo em poder estratgico. Bastar para isto, segundo ele, combinar corretamente suas vantagens: a maior disponibilidade de matrias-primas do globo, o tamanho e a posio de seu territrio e, com o novo Canal, a articulao entre o Pacfico, o Atlntico e o Caribe (COSTA, 2008).

    Assim,

    como estratgia bsica, aconselha, o pas dever como medida preliminar, guarnecer suas costas, dedicando ateno especial aos portos e vias de penetrao; num segundo passo, fixar postos avanados ou bases de operaes onde puder, em particular no Caribe (COSTA, 2008).

    Desse modo, segundo Mahan:

    com a entrada e a sada de embarcaes do Mississipi protegidas; com postos avanados sobre controle, e com as comunicaes com eles e a base de apoio seguras; em resumo, a preponderncia militar adequada, para o qual o pas possui todos os meios, a preponderncia dos Estados Unidos nesta regio, pela sua prpria posio geogrfica e seu poder, uma certeza matemtica (MAHAN, apud COSTA, 2008, p. 72).

    Ainda no que diz respeito centralidade da posio geogrfica, para Mahan, esta pode no s beneficiar a concentrao de foras navais, mas tambm provocar uma grande vantagem estratgica ao possuir uma posio central em relao aos seus inimigos9. Aqui ele percebia como favorvel a posio inglesa. Por exemplo, nas trs Guerras Anglo-Holandesas, as linhas de comrcio dos navios batavos passavam em frente a suas costas. Da mesma forma, as principais linhas de comunicao mercante passavam necessariamente no norte da Europa, a um passo do poder naval ingls (ALMEIDA, 2009, p. 144).

    H, assim, outras questes essenciais derivadas da posio geogrfica de um dado pas: primeiro, o problema das zonas de penetrao, isto , da Foz de rios que, se por um lado, facilitam o comrcio em tempos de paz, por outro, revelam-se vulnerveis em tempos de guerra. Ao observar nossa desprotegida Foz do Amazonas vem tona esta recomendao mahaniana a despeito do colonizador portugus, visionariamente e precocemente ter percebido esta questo, erguendo fortes na foz do grande Rio. Hoje voltaremos ao tema adiante , a constituio da 2 Esquadra da Marinha do Brasil base para a superao desta grave vulnerabilidade estratgica. 9 ALMEIDA, 2009:143. Segundo Mahan, esse conceito de posio central foi baseado em

    Jomini, quando ele discutiu a importncia para qualquer exrcito dispor de uma posio central em relao a dois inimigos simultneos. A histria segundo Alfred Thayer Mahan. Revista Martima Brasileira, Rio de Janeiro, v. 129, n. 07/09, jul./set. 2009b.

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    De acordo com Mahan:

    O Mississipi uma poderosa fonte de riqueza e de fora para os Estados Unidos. Porm, as dbeis fortificaes em sua foz e os numerosos afluentes que penetram no pas fizeram dele um fator de fraqueza e de desastres para a Confederao do Sul (MAHAN, 1984, p. 40).

    A segunda questo refere-se importncia creditada por Mahan a posse de bases prximas ao teatro de operaes. Aqui, a existncia do cordo de ilhas britnicas constrangendo nossa projeo em relao ao Atlntico Sul (ver mapa p. 60) nos faz tambm observar a importncia desta outra recomendao.

    Por fim, aparece outra questo importante, de grande atualidade para os dias de hoje. Referimos-nos a ideia que aparecer novamente mais a frente da importncia atribuda por Mahan posse de recursos naturais. Para ele, no h nao superior aos EUA em todas as matrias primas que constituem a essncia da fora militar (MAHAN, 1984, p. 36).

    Assim, ele tambm considerava que a existncia de recursos naturais poderia se converter numa vantagem ao pas, desde que, alm de bons portos, fosse acompanhado de uma populao que se projetasse no comrcio martimo como meio de expanso econmica. Caso contrrio, argumentava,

    a abundncia de recursos naturais no territrio nacional poderia inclinar o povo l residente a se contentar com as atividades agrcolas, sem a necessidade de procurar novos mercados e matrias-primas, obstando, dessa maneira, o desenvolvimento do poder martimo (MAHAN, 1984, p. 45)

    O segundo fator do poder martimo para Mahan a conformao fsica do pas.

    Mahan considerava o litoral de um pas como uma de suas fronteiras algo que depois, se consolidaria na teoria geopoltica como questo basilar. Para ele, quanto mais fcil fosse o acesso s linhas de comrcio martimo, mais propenso seria um povo manter comunicao com o restante do mundo. Por um lado, portos numerosos e profundos so fonte de poder e riqueza, ainda mais se esto na foz de rios navegveis, (que) facilitam a convergncia do comercio interior do pas (MAHAN, 1984, p. 37). Entretanto, no que uma contradio em termos econmicos e estratgicos, sua grande

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    acessibilidade poder se tornar em fator de fraqueza, em caso de guerra (MAHAN, 1984, p. 37).

    Como exemplo, Mahan apresentou o caso de uma esquadra batava, que em plena Guerra Anglo-Holandesa, em 1667, subiu o Rio Tmisa sem ser importunada, chegando a ameaar a cidade de Londres; j a defesa deficiente da Boca do Rio Mississipi, por parte das foras confederadas, durante a guerra de Secesso norte-americana, permitiu o bloqueio desta regio pela Marinha da Unio. o exemplo que comentamos ao final da primeira questo sobre a fortaleza ou a vulnerabilidade de zonas de penetrao aquferas.

    Para Mahan, a conformao fsica dependia, em grande medida, da prosperidade de uma nao. Contrapondo Frana Inglaterra, lembrou que a primeira tinha bom clima, uma produo agrcola relevante e excedente de bens, ao contrrio da segunda, que por possurem um clima inclemente e uma produo agrcola tmida e ainda no terem passado pela revoluo industrial referindo-se poca em que escrevia s tinham uma alternativa, o comrcio martimo, alm da explorao de novas terras, mais agradveis e produtivas que a prpria Inglaterra. Assim, em parte devido s prprias deficincias fsicas, tornaram-se os ingleses comerciantes, colonialistas e empreendedores (MAHAN, 1984, p. 40).

    Pior ainda era a situao holandesa. Segundo Mahan, sem o mar, a Inglaterra emagrecia, enquanto que sem o mar a Holanda morre. Nesse sentido, o pensador em questo lembra que, segundo o clculo de um importante escritor holands, o solo de sua ptria no poderia sustentar mais de um oitavo de sua populao (MAHAN, 1984, P. 40); esta aluso no poderia deixar de nos remeter, contemporaneamente, ao caso de pases como a China e o Japo, impossibilitados de alimentar seu povo por meio de seu prprio territrio.

    Voltando ao imprio holands, lembra Mahan que em diversos momentos das guerras contra a Inglaterra, no sculo XVII, com a interrupo de seu comrcio martimo alis, de grande interesse dos ingleses, vidos por tomar-lhe a posio , a carestia atingiu fortemente os batavos.

    Da mesma forma que a Espanha, a despeito de suas imensas possesses alm-mar, viu-se inteiramente fragilizada, pois a despeito de sua enorme dependncia no

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    comrcio de metais, a ao dos corsrios no pode ser contestada no mar devido a sua flagrante fragilidade do poder naval (MAHAN, 1984, p.45)

    Em sntese, a configurao fsica do litoral, combinado com outros fatores pertinentes, como no negligenciar o mar, podem ser, para um pas, fator essencial de expanso ou decadncia. Por meio dos variados exemplos, Mahan demonstra a debilidade de um pas que depende exclusivamente de recursos externos, com relao ao papel que desempenha no mundo (MAHAN, 1984, p. 46).

    COSTA (2008, p. 73) nos recorda que Mahan reconhece que a posio dos Estados Unidos encontra-se evidentemente inferiorizada em relao s demais potncias martimas. Afinal, os Estados Unidos possuem apenas potencialidades, mas no possuem poder defensivo que lhes permita fazer frente a qualquer ameaa. Segundo Mahan, sua maior fragilidade encontra-se justamente na relao no-orgnica da populao com o mar.

    Nessa ltima questo relao no-orgnica da populao com o mar , o autor esboa um fator de emulao sociolgica e cultural, relativa a importncia de incentivar a maritimidade de um povo, cujo assunto ser desenvolvido mais a frente

    Um terceiro critrio como os dois anteriores, igualmente de natureza geogrfica , a extenso do territrio

    De acordo com Mahan, o fundamental no era a extenso total em milhas quadradas que ademais poderia conformar-se em vantagem ou desvantagem , mas o cumprimento de sua linha costeira e o tipo de suas baas. Para ele, a extenso de seu litoral pode ser um fator de fora ou de fraqueza, conforme a populao seja grande ou pequena.

    Para um pas, o essencial possuir portos em quantidade e profundidade, alm de protegidos. Tambm adquiria importncia, a capacidade de escoar bens, a partir do interior do pas para esses portos. (MAHAN, 1984, p. 41).

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    Nesta questo, relativa extenso do territrio, Mahan volta a exemplificar a importncia da proteo das vias de penetrao do territrio, nos termos em que abordamos acima.

    Uma quarta condio mahaniana o tamanho da populao

    A partir daqui, ele passa a considerar elementos humanos para a consecuo do poder naval. Este fator, diga-se de passagem, vincula-se exatamente ao elemento precedente, uma vez que ter um imenso territrio despovoado, converte-se para Mahan, numa desvantagem.

    Entretanto, para medir o poder naval de um dado pas como, alis, haveria de ser no sistema de pensamento de Mahan, dada a centralidade que tem para ele a questo do mar -, o que interessava no era a populao total existente no territrio, mas sim a parcela dessa populao participante (ou pelo menos disponvel) para as atividades martimas (MAHAN, 1984, p. 41)

    Mahan apresenta o exemplo francs, aps a Revoluo de 1789. No obstante, possuir uma populao superior britnica, em relao ao poder martimo, a populao naval (francesa) era infinitamente menor que a da Gr-Bretanha.

    Mahan via na maritimidade da populao (ou melhor, na falta dela), um fator de deficincia dos Estados Unidos. Lamentava que com a expanso para o Oeste, perdera-se muito da maritimidade. Para ele, a nica opo possvel para seu pas em termos de prosperidade era aumentar o comrcio martimo com bandeira norte-americana (ALMEIDA, 2009, p. 146-147).

    Nesse contexto, um debate importante proposto por Mahan, que ter, como veremos, consequncias contemporneas evidentes, o papel de foras de reservas para Marinhas em igualdade de condies tcnicas. Da maritimidade, da propenso ao mar, derivava a existncia de foras de reserva que permitissem a sustentao da superioridade naval. Comparando as marinhas francesa e inglesa, afirma que to duvidoso dizer qual a mais poderosa. Assim, chama ateno para a importncia para o fato de como so teis as foras de reserva (MAHAN, 1984, P. 44).

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    Uma quinta questo essencial o carter nacional

    Para Mahan, a tendncia natural para o comrcio era a caracterstica nacional mais importante para o desenvolvimento do poder martimo. Aqui nesta questo, fica ntida a relao entre a influncia protestante , isto , de uma suposta tica do trabalho e liberal/mercantilista no pensador em questo. Nesse sentido, segundo Mahan, todos os homens buscavam obter riquezas, mas o modo como faziam isso era diferente, em funo do carter nacional.

    Mahan se ampara no exemplo dos espanhis do sculo XVI, os quais se projetaram internacionalmente como o principal poder martimo do perodo. No entanto,

    essa qualidade de ousar e procurar novos caminhos transformou-se em avareza e, em virtude das facilidades obtidas nas novas terras conquistadas, [e] a busca por novos mercados transformou-se na coleta de metais preciosos o ouro e a prata (MAHAN, 1984, p. 45)

    Com essa postura, desde a Batalha de Lepanto, em 1571, no Mediterrneo, os espanhis no obtiveram nenhuma grande vitria no mar (MAHAN, 1984, p. 45). Assim, para Mahan, a deficincia do poder naval espanhol era reveladora de sua baixa propulso natural para enriquecer com o comrcio martimo, que caso fosse diferente, impulsionaria a presso sobre a coroa, a partir do prprio povo, para aes governamentais em direo ao mar.

    Ele d como exemplo o fato dos espanhis que imigravam para as novas terras, que no tiveram a preocupao em expandir o comrcio com a terra-me. Com a baixa produo espanhola, fizeram aumentar os infortnios, diminuir a produo de manufaturas e a prpria populao.

    Diante da decadncia do poder martimo espanhol e a dependncia do comrcio conduzido pelos holandeses, ento sua colnia, aumentaram os rivais e adversrios, tais como a Inglaterra e a prpria Holanda, as chamadas provncias unidas.

    Mahan tambm teceu consideraes a respeito do de Portugal, que ao ser absorvido pela Unio Ibrica, seguiu o mesmo caminho da decadncia. Desse modo,

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    As minas brasileiras foram fontes de riqueza de Portugal, assim como as do Mxico e Per o foram da Espanha; toda a indstria manufatureira caiu em um imenso descaso; por muito tempo os ingleses supriram os portugueses no s de roupas, mas tambm de toda a espcie de mercadorias, at mesmo de peixe salgado e cereais. Empolgados pelo ouro, os portugueses abandonaram seu prprio solo; as vinhas do Porto foram por fim compradas pelos ingleses com o ouro do Brasil, que havia to somente transitado por Portugal para ser coletado para a Inglaterra (MAHAN, 1984, p. 46).

    Assim, em 50 anos, 500 milhes de dlares foram extrados das minas do Brasil e apenas 25 milhes permaneceram em mos portuguesas um exemplo marcante entre riqueza real e fictcia (MAHAN, 1984, P 46)

    Aqui, por certo poderamos recordar a situao venezuelana cuja elite, h alguns poucos anos, at alface e agua mineral importava de Miami ou do debate acerca dos riscos representados pela ddiva do pr-sal, no caso brasileiro.

    Como afirmou COSTA:

    administrando de modo desptico e predatrio suas colnias, e dependendo da Holanda (para o comrcio com a Europa) e da Alemanha (para o fornecimento de bens de todo tipo), Espanha e Portugal foram vtimas de seu prprio sistema e decaram rapidamente a riqueza passou rapidamente por suas mos, ou, como diz depois, no souberam distinguir a riqueza real da fictcia (COSTA, 2008, p. 74).

    Para ALMEIDA (2009, p. 148), Mahan louvava, por outro lado, o exemplo ingls e holands, povos martimos por excelncia, que, com sabedoria e empreendimento, buscavam obter as riquezas no apenas com a espada, mas tambm com o trabalho duro na curta e longa durao (grifo nosso). Aqui, Mahan explicita sua viso norte-americana de raiz protestante, alis, to bem descrita por Max Webber em sua obra clssica A tica protestante e o esprito do capitalismo.

    Imbudo do esprito liberal anglo-saxo, Mahan tambm crtica a postura francesa, cuja nobreza, avalia, estava pouco propensa a ver o mar como fonte de riqueza, pois como grandes responsveis pelo financiamento dos empreendimentos comerciais, preferiram as honras nobilirquicas e a sociedade de corte do que investir no comrcio martimo, fonte real de lucros e prosperidade. (MAHAN, 1984, p. 48)

    Para ele, haveria uma distino entre ingleses, por um lado, e os ibricos, por outro, referente ao modo como as colnias eram percebidas. Para Mahan, os colonos ingleses no apenas enviavam bens para a metrpole, mas preocupavam-se,

  • 35

    fundamentalmente, com o desenvolvimento da prpria colnia (ALMEIDA, 2009, p. 149).

    Aqui, provvel sob pena de haver cometido um srio equvoco que Mahan se referia colonizao de seu pas; afinal no consta que as colnias inglesas no Caribe ou a ento Guiana inglesa ao norte da Amrica do Sul tenha tido sorte diferente dos pases colonizados por Espanha e Portugal, no tocante ao desenvolvimento relativo. Em muitos casos, inclusive vide o Cone Sul da Amrica do Sul, Brasil includo , as colnias batavas e inglesas mostram, at hoje, nvel de desenvolvimento inferior aos das ex-colnias portuguesa e espanhola.

    Enfim, Mahan utiliza sua argumentao a respeito da ideia de carter nacional, para defender que seus compatriotas tinham a mesma ndole comercial que os ingleses, ou que os norte-americanos tinham o mesmo carter nacional dos ingleses (ALMEIDA, 2009, p. 149).

    Antes de iniciarmos a discusso da sexta questo, vale observar que Mahan, assim como Mackinder, como veremos, estava imbudo de uma viso profundamente etnocntrica de mundo, em especial, por acreditar numa misso civilizatria do homem branco em relao aos chamados brbaros. As guerras, alis, em sua viso protestante, seria justificada moralmente por este carter civilizatrio da empreitada, de inspirao e, mesmo, orientao divina.

    Por outro lado, no podemos negar que suas lies so consideradas at hoje atuais , sobretudo em tempos de Marcha para o Leste10, derivada das riquezas do pr-sal -, como a centralidade da manufatura, isto , da indstria, na realizao do desenvolvimento econmico.

    Finalmente, a sexta condio o carter do governo

    10

    Termo tomado do Embaixador Carlos Henrique Cardim, que em prefcio a PAIM (2011), ao recordar-se do livro de Cassiano Ricardo, precursor da geopoltica brasileira, denominado Marcha para o Oeste (1942), props que nosso, pas, a partir das recentes descobertas petrolferas no Atlntico Sul, poderia iniciar uma Marcha para o Leste.

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    O que Mahan intitulou de carter do governo, poderamos denominar, mais apropriadamente, para a compreenso do sentido contemporneo da ideia, de centralidade do interesse nacional.

    Afinal, para os ingleses, a centralidade da questo naval se confundia com a prpria perenidade do poder e da prosperidade nacional. Por isso, os reis passavam, e as polticas navais permaneciam. (MAHAN, 1984, p.54)

    Nesse contexto, a primeira questo a destacar neste item o fato do governo ou melhor, o Estado corresponder ao exerccio do poder da vontade consciente da nao, que ter como efeito o sucesso ou o fracasso na vida de um homem ou na histria de uma nao. Assim, Mahan pede um governo em pleno acordo com as motivaes naturais de seu povo (MAHAN, 1984, p.50).

    O pensador em questo d exemplos de como a mentalidade martima est assimilada conscincia social britnica. Nesse sentido, conta-nos o caso de um jovem capito de navio, que ao iniciar a escolta de uma embarcao que conduzia o Duque de Sully Londres, para audincia com o Rei Jaime I (1566-1625), ao ingressar em guas britnicas, ordenou aos visitantes arriar a bandeira francesa. Diante da recusa do francs, trs tiros de advertncia foram disparados e a ordem reiterada sob o argumento de que a bandeira inglesa era a senhora dos mares.

    Assim, a atitude arrogante de um simples capito de navio ingls, diante do distinguido convidado, simboliza que: existia uma poltica naval (britnica) que era maior que aquele Rei Stuart, com quem o visitante se encontraria.

    Mahan, por outro lado, d como exemplo de falta de viso governamental para os interesses martimos, a postura francesa decorrente da sada de seu governo de Jean Baptiste Colbert o principal incentivador do poder naval francs , que fez, para alvio da Inglaterra, com que Lus XIV (1638-1715) reorientasse a prioridade de seu pas para as tropas terrestres e, assim, resultasse numa perda de poder martimo francs e, consequentemente, a perda de poder na Europa.

    Como observa ALMEIDA:

    era uma questo de sobrevivncia nacional a manuteno de um poder martimo poderoso, como forma de proteger as colnias, impedir a travessia

  • 37

    do Canal da Mancha para ataques contra o territrio ingls e defender suas linhas de comrcio martimo (ALMEIDA, 2009, p. 150-151).

    Assim, como poltica de Estado, de reis reconhecidamente ilegtimos para o povo ingls, como, por exemplo, Carlos II, aliado de Luis XIV, at um dspota esclarecido como Cromwell, a poltica nacional era voltada para a grandeza naval, segundo Mahan.

    Passemos a outra questo importante do pensamento mahaniano, que aparece com intensidade no debate acerca do carter de governo. Trata-se da defesa, por Mahan, do carter ofensivo de uma armada.

    Nesse sentido, ao criticar a decadncia martima francesa, Mahan alerta para:

    um sistema que tinha como princpio que um Almirante no deveria usar a fora que possua, o que o colocava frente ao inimigo com o propsito preestabelecido de receber ataques em vez de faz-los, um sistema que solapava o poder moral para poupar recursos materiais [...] (MAHAN, 1984, p.61)

    Assim, o referido autor cita um oficial francs que afirmava o seguinte: com frequncia, nossos esquadres deixavam o porto com uma misso especial a cumprir e com a inteno de evitar o inimigo; encontr-lo era puro azar (MAHAN, 1984, p.61).

    Na crtica a estas atitudes para ele, elemento essencial na decadncia do poder naval francs , percebe-se o quanto a ofensividade aspecto central da viso mahaniana, que prope essencialmente uma viso expedicionria do poder naval.

    Em suas prprias palavras:

    A palavra defesa envolve duas idias (...). H a defesa pura e simples que envolve a preparao a espera de um ataque. Pode-se cham-la de defesa passiva. Por outro lado, h a defesa (...) melhor assegurada pelo ataque ao inimigo. O primeiro mtodo exemplifica pelas fortificaes estacionrias, minas submarinas e geralmente, todos os elementos imveis destinados simplesmente a parar o inimigo se ele tentar penetrar. O segundo mtodo compreende todos os meios e armamentos com os quais no se espera pelo ataque, mas que encontram a frota inimiga, quer ela esteja a poucas milhas, quer em suas prprias guas. Tal defesa pode parecer uma guerra ofensiva, mas no ; ela torna-se ofensiva apenas quando seus objetivos de ataque so mudados de uma frota inimiga para um pas inimigo (MAHAN, 1984, p. 67).

    Mahan defende, ainda, que os Estados Unidos, mesmo geograficamente distante das grandes potncias de ento, deve tomar suas precaues em termos ofensivos numa clara demonstrao de algo que perdura at os nossos dias , confirmando o

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    epteto de profeta do imperialismo atribudo por Morison e Commager, ao qual nos referimos no incio deste trabalho. Afirma Mahan, que:

    a distncia que nos separa das demais grandes potncias de modo algum uma proteo, mas tambm uma armadilha. O motivo que dar aos Estados Unidos uma Marinha est provavelmente agora sendo estimulado pelo istmo da Amrica Central. Esperamos que no demore muito (MAHAN, 1984, p. 37).

    No debate sobre ofensividade versus passividade, o autor em questo observa algo relacionado primeira questo (a posio geogrfica), e que tem importncia para o que discutimos neste momento. Segundo o autor em discusso, com a extensa costa martima dos Estados Unidos, um bloqueio (naval) completo no pode ser mantido efetivamente dada extenso do territrio a bloquear. Assim, a ttica do inimigo seria a tentativa de bloquear Boston, Nova Iorque, o Dalaware, o Chesapeake e o Mississipi, em outras palavras, os grandes centros de exportao e importao (MAHAN, 1984, p. 66).

    Transpondo para o caso brasileiro que exploraremos novamente adiante -, importante nos questionarmos: o inimigo no miraria o grande centro econmico-industrial e populacional do pas no caso de ataque ao pas?

    Mahan ressalta ser importante que o inimigo seja mantido, no somente fora de nossos portos, mas tambm distante de nossas costas. Por acaso, o cordo de ilhas britnicas franqueadas OTAN, que defrontam nosso litoral (ver mapa p. 60), no contraria essa regra estratgica bsica? Quais medidas so necessrias para contrapor esta desvantagem estratgica? Vejamos isto no capitulo correspondente.

    Ainda sobre o carter ofensivo das orientaes de Mahan, consideramos interessante a sntese proposta por Paul Kennedy, em Ascenso e queda das grandes potncias, na qual prope (KENNEDY, p. 100) um tringulo virtuoso em Mahan, o que podemos afirmar tratar-se do centro da formulao geopoltica do norte-americano. Este tringulo, julgamos, se constituiria da existncia de Marinha Mercante, com grande capacidade para transportar bens, aliada a produo e fabricao de bens para a realizao destas trocas; bem como da existncia de colnias para a realizao de troca comercial; e de bases navais para a expanso nacional.

    Assim, concluindo, segundo ALMEIDA:

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    disse Mahan que uma Marinha de Guerra era essencialmente uma fora armada que tinha na mobilidade sua principal qualidade. Quanto mais afastados os interesses sujeitos ao ataque de um adversrio, mais necessria se fazia uma Marinha de Guerra poderosa. Para isto, era necessrio aumentar a mobilidade da fora e com isso, avultava a necessidade da aquisio de bases em diversas partes do mundo onde os interesses nacionais se fizessem contrariados, de modo a permitir a ao ofensiva instantaneamente (ALMEIDA, 2010, p. 170).

    Quem estuda hoje a organizao do poder naval norte-americano, com seus comandos regionalizados, que inclui a recente restaurao da IV Esquadra no Atlntico Sul, ademais de uma extensa rede de base a eles fraqueadas em todo o mundo, no deixar de perceber que as orientaes de Mahan, a despeito de terem aparecido ainda no final do sculo XIX, foram efetivamente postas em prtica e perduram at os nossos dias, ao ingressarmos na segunda dcada do sculo XXI.

    Por fim, outra questo, j mencionada, mas que aparece com grande importncia no pensamento de Mahan, diz respeito perenidade de suas observaes, tendo em vista, como admite, que as circunstncias da guerra naval mudaram muito nos ltimos cem anos [...] (MAHAN, 1984, p.65). Por certo aqui, ser necessrio diferenciar questes de natureza conjuntural de questes perenes, relacionadas orientao estratgica que guarda correspondncia nas grandes batalhas, e das quais derivam grandes ensinamentos.

    Com isso, conclumos, assim, as seis questes mahanianas voltadas para o estabelecimento do poder naval.

  • 40

    As teses principais de HALFORD JOHN MACKINDER

    Sir Halford John Mackinder nasceu em 15 de fevereiro de 1861, em Gainsborough, Inglaterra, e viveu at maro de 1947. Foi um prestigiado professor de geografia, lecionando na Universidade de Londres, e membro do Parlamento britnico entre 1910 e 1922.

    Mackinder considerado um dos principais, seno o principal representante da geopoltica clssica, uma vez que desenvolveu sua expresso dominante, a do poder terrestre.

    O pensamento de Mackinder alicerado na ideia de que a geografia o pivot (base, sustentculo) da histria. Trata-se de uma teoria que tem na geoestratgia11 isto , segundo definio de Brzezinki, na gesto dos interesses geopolticos , a chave para a hegemonia mundial12.

    Mackinder tido como clssico da geopoltica, antes de mais nada, porque concebeu uma srie de conceitos-chave para anlise geopoltica que se mostram atuais, tais como o de heartland, rea piv, world island, anel insular ou exterior e anel interior ou marginal13. Alcanou esta condio de referncia clssica escrevendo,

    11

    VESENTINI define Geoestratgia como a dimenso espacial da estratgia. A estratgia, para este autor, compreendida como uma redefinio da arte da Guerra, isto , onde uma tropa estaciona, para onde ela se desloca, etc. A geopoltica, por outro lado, teria como preocupao fundamental a correlao de foras no territrio, em especial, quanto ao espao mundial. Ainda que, agrega o professor, na prtica, contudo, sempre foi extremamente difcil separar a geoestratgia da geopoltica (Cf. VESENTINI, Jos William. Novas geopolticas. So Paulo: Editora Contexto, 2008. p. 18). No Diccionario Latinoamericano de Seguridad y Geopoltica, no verbete Geoestratgia, o termo definido como conceito moderno da estratgia que amplia seus alcances, estendendo a propores considerveis do globo terrestre, como hemisfrio e continentes (Cf. BARRIOS, Miguel Angel. Diccionario latinoamericano de seguridad y geopolitica. Buenos Aires: Editorial Biblos, 2009). J em MELLO, prope-se utiliz-las no sentido a elas atribudo por Zbigniew Brzezinski, sendo geopoltica...combinao de fatores geogrficos e polticos que determinam a condio de um Estado ou regio, enfatizando o impacto da geografia sobre a poltica, ao passo que a estratgia refere-se aplicao ampla e planejada de medidas para alcanar um objetivo basilar ou a recursos vitais de importncia militar (Cf. MELLO, Leonel Itaussu Almeida. Quem tem medo da geopoltica?. So Paulo: Editora Hucitec e EDUSP, 1999. p. 12). O prprio Zbigniew Brzezinski, no seu Gran tablero mundial (1998), ressalta que a Geoestratgia a gesto estratgica dos interesses geopolticos (Cf. BRZEZINSKI, Zbigniew. El gran tablero mundial: la supremacia estadunidense y sus imperativos geoestratgicos. Barcelona: Paids, 1998). 12

    VESENTINI, Jos William. Novas geopolticas. So Paulo: Editora Contexto, 2008.p. 18. 13

    Idem, Ibidem, loc. cit.

  • 41

    essencialmente, dois textos curtos e um pequeno livro ao longo da primeira metade do sculo XX14.

    O primeiro texto, com menos de vinte pginas, resulta de uma conferncia densa e concisa15 pronunciada na Sociedade Geogrfica Real de Londres, na virada dos sculos XIX para o XX, mais precisamente em 1904. Esta interveno foi reproduzida no The Geographical Journal, com o ttulo de The geographical pivot of history. Trata-se do texto inicial e basilar de Mackinder.

    Em outro momento, estas ideias seriam desenvolvidas e atualizadas. Em 1919 j sendo observadas as consequncias da primeira guerra mundial , surge o livro Ideais democrticos e a realidade. Em 1943, j na condio de um autor consagrado, publica, a pedido da Foreign Affairs, um balano de sua teoria, buscando novamente atualiz-la e desenvolv-la, num texto denominado O mundo redondo e a conquista da paz, de no mais que quinze pginas.

    Nesta concisa apresentao, nos propomos a visitar as ideias essenciais contidas nos originais dos trs materiais bsicos que formam a teoria mackinderiana do poder terrestre.

    A repercusso de The geographical pivot of history, decorre, antes de mais nada, de uma caracterstica de Mackinder que ademais, caracteriza a geopoltica em geral , de propor formulaes que representam consequncias para a poltica de um Estado. Iniciativas polticas que, como diria Napoleo, revelam a geografia, isto , o espao e a posio de um Estado. Assim, das formulaes de Mackinder, derivaram iniciativas que influenciaram o sistema internacional em todo o sculo XX e, podemos afirmar, certamente neste sculo XXI.

    Afinal, como explicita COSTA, surgidas:

    numa conjuntura marcada por disputas hegemnicas em escala mundial, as ideias de Mackinder, essencialmente pragmticas e destinadas a formar opinio, acabaram por influenciar uma ampla rea do pensamento

    14

    Nesta resenha crtica das teses bsicas de Mackinder, utilizaremos como base e fonte primria estes trs textos clssicos, e como fonte secundria, textos auxiliares indicados na bibliografia. Infelizmente, a despeito da relevncia do autor, desconhecemos edio em portugus dos textos mencionados. 15

    MELLO, op. cit., p. 12.

  • 42

    geopoltico, o que inclui at mesmo autores situados em campos opostos (COSTA, 2008, p. 77-78).

    Como exemplo, cita geopolticos que vo do alemo Karl Haushofer, por um lado, ao norte-americano H. Weigert, por outro.

    Assim,

    o pragmatismo de Mackinder, por ele entendido como realismo, caracteriza-se por uma tentativa permanente de aliar a anlise poltica de equilbrio de poder do quadro internacional, os elementos empricos (para ele concretos) fornecidos pelos estudos correntes fornecidos pela geografia. Dessa associao peculiar, entende o autor, surgiria a geopoltica (COSTA, 2008, p. 77-78).

    MAPA 04: CASTRO, Therezinha de. Geopoltica: princpios, meios e fins. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exrcito Editora, 1999.

  • 43

    Segundo MELLO (1999, p. 11), Mackinder apresenta, com o The geographical pivot, nesta ocasio, uma teoria que tinha como idia-chave a existncia de uma rivalidade secular entre dois grandes poderes antagnicos que se confrontavam para a conquista da supremacia mundial: o poder terrestre e o poder naval. O primeiro sistematiza este autor sediava-se no corao da Eursia e, mediante uma expanso centrfuga, procurava apoderar-se das regies perifricas do Velho Mundo e obter sada para os mares abertos. J o segundo, o poder naval, situado nas ilhas adjacentes ou regies marginais eurasianas os mencionados anis controlava a linha circunferencial costeira do grande continente e, mediante uma presso centrpeta, procurava manter o poder terrestre encurralado no interior da Eursia. Para este autor, Mackinder realizou sua revoluo copernicana, ao colocar em xeque a consagrada teoria do poder martimo (MELLO, 1999, p. 16).

    Como observa COSTA (2008, p. 79), a constituio deste espao poltico mundial, em Mackinder, afeta consideravelmente o comportamento externo dos Estados, j que, no seu entender, cada movimento, em qualquer parte do globo, repercutir imediatamente no equilbrio de foras, isto , afeta a balana de poder ou a correlao de foras no sistema internacional.

    Finalmente, como introduo, cabe destacar que de fato era significativo, que na Inglaterra insular, tendo em vista a tradio naval de seu pas, que o gegrafo Mackinder, em sua obra de 1904, viesse a defender a ideia de que a disputa pela hegemonia em escala global dependia da importncia cada vez maior do que ele chamou de poder terrestre (COSTA, 2008)

    Jones (apud COSTA, 2008, p. 86), por sua vez, considera, por um lado, inteiramente lgico que os Estados Unidos tenham gerado a geopoltica de Mahan, pas que necessitava superar seu isolamento naval, ao passo que a Inglaterra seguia a

    geopoltica de Mackinder, j que, hegemnica nos mares, impunha-se a necessidade de preocupar-se ento com os hinterlands16 e, especialmente, com o heartland do globo.

    16

    Segundo nosso Dicionrio Latinoamericano de Seguridad y Geopolitica (Cf. BARRIOS, Miguel Angel. Diccionario latinoamericano de seguridad y geopolitica. Buenos Aires: Editorial Biblos, 2009. p. 227).

  • 44

    ***

    O piv geogrfico comea afirmando ser possvel considerar a explorao geogrfica do globo terrestre como quase terminada, tendo em vista que a era colombina em 400 anos, completou o contorno do mapa, pelo que, o incio do sculo XX marca o fim de uma grande poca histrica. Assim, tendo em vista esta premissa, de que a partir do fim da poca colombiana a de Cristvo Colombo , o mundo estaria integrado em um sistema poltico fechado17 - um todo integrado, onde no mais haveria reas no descobertas pelo homem ocidental que no tivesse dono.

    Com isso, Mackinder se prope a buscar uma frmula que expressar, at certo ponto, alguns aspectos da causalidade geogrfica na histria universal18.

    Alm de histrica ainda que eurocntrica e etnocntrica , no menos importante perceber a viso de mundo mackinderiana profundamente condicionada pela territorialidade. O mesmo eurocentrismo se revela em Mackinder, ao aludir ao desaparecido professor Freman, argumento que, em certo sentido, correta a ideia de que a nica histria que tem importncia a das raas mediterrneas e europias, pois, segundo Mackinder, foi entre estas raas que se criaram as idias que fizeram donos do mundo os herdeiros de Grcia e Roma.

    Quem observa o papel pretrito da China, com o peso de sua milenar civilizao, e ao ingressar nesta segunda dcada do sculo XXI, o papel que ela jogar no prximo perodo, perceber que aqui, talvez, esteja o ponto mais flagrante de anacronismo em Mackinder.

    Contudo, como sintetiza COSTA (2008, p. 79-80), Mackinder dirige sua ateno preferencialmente para a imensa massa terrestre constituda pela Eursia,

    Hinterland um territrio ou rea de influncia. Especificamente, segundo a doutrina do hinterland, este conceito se aplica a uma regio interna situada depois de um porto, onde se recolhem as exportaes e atravs do qual se distribui as importaes. A palavra provm do alemo e significa terra posterior (a uma cidade, um porto etc.). Em um sentido mais amplo que o anterior, o termo se refere a uma esfera de influencia de um assentamento. 17

    MELLO, Leonel Itaussu Almeida. Quem tem medo da geopoltica? So Paulo: Editora Hucitec e EDUSP, 1999. p. 213. 18

    MACKINDER, Halford J. El eje geogrfico de la Historia. In: RATTENBACH, Augusto B. (Org.). Antologia Geopoltica. Buenos Aires: Editorial Pleamar, 1985. p. 65.

  • 45

    fixando-se na ideia de que os povos e naes da Europa foram forjados em grande parte como reaes sucessivas s ameaas externas provenientes da sia. Nessa resistncia coletiva, comum, est a base da formao das naes e das nacionalidades naquele continente, um dos beros da civilizao humana.

    Assim,

    relacionando as caractersticas climticas e topogrficas, com os movimentos de populao e incurses dos povos dessa regio em direo ao Ocidente, o autor conclui pela existncia de um autntico domnio terrestre, relativamente pouco povoado, mas dotado de caractersticas que permitiram aos seus povos (nmades em sua maioria) estender influncia na Europa Ocidental s demais regies asiticas e at mesmo ao norte da frica. COSTA (2008, p. 79-80)

    Exemplo maior disto, certamente, foi Gengis Khan (1162 - 1227), conquistador e imperador mongol.

    Mackinder prope um importante conceito, ao defender que as idias que vo formar uma nao em oposio a um simples ajuntamento de animais humanos, geralmente tem se realizado sob a presso de uma tributao comum ou diante da comum necessidade de opor resistncia a uma fora externa19 (grifo nosso). Aqui, Mackinder apresenta uma ideia-fora que valida at os dias de hoje: a ocorrncia de coeso e unidade nacional frente a um inimigo externo, que, em muitos casos, representaram a fora que amalgamou naes e nacionalidades.

    Assim, continua Mackinder, a civilizao europia , num sentido muito real, produto da luta secular contra a invaso asitica, tese que, como veremos, ser base de sua interpretao geopoltica a respeito da terra-corao. Afinal, o contraste mais notvel que mostra o mapa poltico da Europa moderna a que a vasta zona da Rssia ocupa a metade do continente e (por outro lado) os reduzidos territrios que ocupam as potncias ocidentais.

    Mackinder recorre novamente histria para afirmar que os hunos, por ordens de Atila, se estabeleceram na parte central da Puzzta, no mais extremo das estepes danubianas, e a partir deste ponto, lanaram seus ataques contra o norte, leste e sul contra os povos estabelecidos na Europa. Assim, deduz o autor, que muito possvel

    19

    MACKINDER, Halford J. El eje geogrfico de la Historia. In: RATTENBACH, Augusto B. (Org.). Antologia Geopoltica. Buenos Aires: Editorial Pleamar, 1985. p. 67.

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    que os anglos e os saxes se viram ento obrigados a cruzar o mar e fundar a Inglaterra nas ilhas britnicas20.

    Recorrendo a geografia, sustenta Mackinder que:

    a massa terrestre da Eursia assim compreendida entre o oceano e o deserto tem 21 milhes de milhas quadradas (54,4 milhes de quilmetros quadrados), ou seja, a metade da extenso das terras do globo, se exclumos do calculo dos desertos do Saara e da Arbia.

    Reforando sua viso da preponderncia terrestre, prossegue Mackinder a despeito da Eursia se caracterizar por uma notvel distribuio de cursos dgua , estes so praticamente inteis para as comunicaes humanas com o mundo exterior, isto , com os oceanos.

    Explica Mackinder que:

    a concepo de Eursia a que chegamos desta forma a de uma terra continua, rodeada por gelos no norte e por gua nas outras partes (...) com mais de trs vezes a extenso da Amrica do Norte e cujo centro e norte medem aproximadamente 9 milhes de milhas quadradas (23,3 milhes de quilmetros quadrados) ou seja, mais de duas vezes a extenso da Europa.

    No possuindo, desse modo, nenhum curso de gua que chegue ao oceano e com exceo da zona de bosques subrticos, so geralmente favorveis a mobilidade dos homens que montam em cavalos ou camelos.

    A seguir, explica o que mais tarde se consolidaria como um de seus conceitos chave, a ideia de anel marginal ou interior ao heartland. Segundo o referido pensador, no leste, sul e oeste deste corao terrestre (Heartland, no original em ingls)21 esto as regies marginais, na forma de amplos semicrculos que so acessveis aos navegantes (grifo nosso)22.

    20

    Ibidem, p. 68-69. 21

    A nica vez em que heartland aparece no Pivot geogrfico da histria. 22

    MACKINDER, Halford J. El eje geogrfico de la Historia. In: RATTENBACH, Augusto B. (Org.). Antologia Geopoltica. Buenos Aires: Editorial Pleamar, 1985. p. 74-75.

  • 47

    MAPA 05: (BONFIM, Uraci Castro. Geopoltica. Braslia: Escola de Comando e Estado-Maior do Exrcito, 2005.

    Aqui est, pois, a essncia da viso geogrfica de Mackinder, com a descrio, por um lado, do Heartland uma verdadeira fortaleza natural, no acessvel pelos mares nem pelos rios e por outro, das regies marginais, dos anis, estes sim, acessveis por oceano.

    O conceito ampliado de hertland, em lugar de algo mais estrito rea-pivot , fica mais claro no trabalho Democratic ideals and reality, baseado na observao de que com a primeira guerra recm-findada, Mackinder resolve alterar parcialmente seu esquema de balano de poder estratgico (COSTA, 2008, p. 86-87). O citado autor prope, a respeito, uma excelente sntese da viso ajustada de Mackinder.

    Afirma este autor que:

    examinando o desfecho da guerra e a disputa permanente entre o sea-power e o land-power, conclui (Mackinder) que, dados os contornos dos cenrios de guerra navais e terrestres, definiu-se um enorme conjunto supra continental constitudo pela Europa, sia e frica que ele chama de world island. Com isso, ele altera seu esquema de 1904, baseado na rea piv (o corao continental), com um entorno por ele chamado de marginal crescent (o resto

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    da Eursia) e insular crescent (Amrica, frica ao sul do Saara , Austrlia e grandes ilhas europias). Desta feita, com a ilha mundial surge um vasto conjunto transcontinental complementado perifericamente pelo southern heartland (frica ao sul do Saara) e pelos satlites (demais terras do insular crescent) (COSTA, 2008, p. 86-87).

    Finalmente, continua COSTA:

    substitui a rea pivot pelo heartland. No se trata apenas de uma nova denominao para esse espao estratgico. Ele altera tambm as suas fronteiras, adicionando ao antigo espao o mar Bltico, o trecho navegvel do baixo e mdio Danbio, o mar Negro, a sia menor, a Armnia, a Prsia, o Tibete e a Monglia. Este o novo corao continental, espao de poder estratgico que extrapola o territrio russo, j que na primeira guerra, at os mares e rios desta imensa regio foram fechados s potencias martimas (COSTA, 2008, p. 86-87).

    Sobre a alterao rea piv por heartland , busquemos uma explicao com o prprio Mackinder em seu artigo de 194323. Argumenta ele que a palavra heartland aparece uma vez em um escrito de 1904, mas de modo acidental e como um termo descritivo e no tcnico (como conceito). Depois, continua:

    ao trmino da primeira guerra mundial, no meu livro Democratic Ideals and Reality (...) claramente a etiqueta piv, que havia sido apropriada para uma tese acadmica no comeo do sculo, no mais era adequada para uma situao int