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Fortaleza-Ceará, segunda-feira, 26 de janeiro de 2009 - Edição N o 69 Carlos Costa: Obama procura emendar a mão de Bush em matéria ambiental [Pág.02] [email protected] Renzo Tadei: da quadra chuvosa ao aquecimento global, o clima nosso de cada dia [Pág.06] [Págs.02, 04 e 05] 11 viveiros de mudas deixam o Estado do Ceará mais verde [Pág.08] Cocó: uma luta de interesses [Pág.03]

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Page 1: Carlos Costa: Renzo Tadei: da Obama procura quadra …taddei/OEstadoVerde.pdfa respeito do aquecimento global, e também da quadra chuvosa. A ciência, no seu trabalho, quantifica

Fortaleza-Ceará, segunda-feira, 26 de janeiro de 2009 - Edição No 69

Carlos Costa:Obama procuraemendar a mão

de Bush emmatéria ambiental

[Pág.02]

[email protected]

Renzo Tadei: daquadra chuvosaao aquecimentoglobal, o clima

nosso de cada dia[Pág.06]

[Págs.02, 04 e 05]

11 viveiros de mudas deixam o Estado

do Ceará mais verde[Pág.08]

Cocó: uma lutade interesses

[Pág.03]

Page 2: Carlos Costa: Renzo Tadei: da Obama procura quadra …taddei/OEstadoVerde.pdfa respeito do aquecimento global, e também da quadra chuvosa. A ciência, no seu trabalho, quantifica

Fortaleza-CE, segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

6Da quadra chuvosa ao aquecimentoglobal, o clima nosso de cada dia

Costuma-se dizer que, na Inglaterra, as pessoas conver-sam tanto se vai ou não chover porque esse é um tema que evita tocar em questões políticas, eco-nômicas ou morais. Pode-se as-sim manter um relacionamento cordial entre os que conversam, mesmo que haja discordância a respeito das chances de chuva. Desconfio muito dessa idéia, pois ela sugere que, naquele país, a chuva não afeta os modos de vida locais, e, portanto, não gera ansiedades e inquietações. Digo isso porque, em geral, o que afeta modos de vida e gera ansiedades e inquietação transforma-se, naturalmente, em questões políticas, econômicas e morais. Em nenhum lugar isso é mais visível do que em regiões semi-áridas, como é o caso do Ceará. Há uma componente meteorológica por detrás de cada momento importante da história desta região do Brasil, do milagre de Juazeiro ao uso político da obras hídricas feito pelo chamado Governo das Mu-danças, da construção do açude Cedro, por ordens de Dom Pedro II, à questão da transposição do Rio São Francisco.

É interessante pensar o que os debates acerca das mudan-ças climáticas adicionam a esse panorama. No passado, ainda que de forma intuitiva e fre-qüentemente equivocada, o cli-ma local era projetado contra um pano de fundo mais amplo e menos incerto. Há secas no Nordeste, mas (supostamente) não na capital da República, no Rio ou em São Paulo. Indo mais além, Israel está numa região árida, mas a riqueza do país protege a população dos

possíveis efeitos negativos do clima. Enfim, era como se o semi-árido nordestino, con-denado pelos céus à penúria da falta de chuvas, estivesse incrustado num planeta de clima ameno. A idéia de mu-danças climáticas transforma isso radicalmente. Já não há mais a tranqüilidade mental de se pensar que, para além do horizonte, as chuvas são abun-dantes. Aqui como acolá, o que ocorre é que as chuvas são, como sempre foram, é preciso que se diga, incertas.

A incerteza que é inerente ao clima vem, em parte, do fato de que a natureza parece funcionar em ciclos, muitos dos quais difíceis de entender. Os dias e noites vêm um após o outro; trata-se do ciclo mais elementar. As estações do ano se sucedem sempre na mesma ordem, outro ciclo fácil. Mas parece que existem ciclos mais longos. Dados de chuva mos-tram que décadas chuvosas po-dem ser sucedidas por décadas mais secas. Dentro do mesmo século, parece que há períodos de três ou quatro décadas mais chuvosos em geral, seguidos por períodos de duração seme-lhantes, mais secos. Num prazo ainda mais longo, acredita-se que o planeta vive uma idade do gelo a cada vinte mil anos, onde as temperaturas da terra caem bastante. Depois, o pla-neta volta a aquecer-se. Talvez existam ciclos climáticos que tardem milhões de anos para se repetir. Essas coisas não são muito bem conhecidas, mas podem influenciar muito o nosso clima. A isso tudo, soma-se agora a emissão dos

gases de efeito estufa, o que pode estar influenciando al-guns desses ciclos naturais.

A novidade da era em que vivemos é a necessidade do re-conhecimento de que existem incertezas que não irão embo-ra. É preciso que se aprenda a conviver com elas. Alguém poderia dizer que não há no-vidade nenhuma nisso: o ser-tanejo sempre conviveu com a incerteza climática. Formas de convivência com o clima incerto, com maior ou menor eficácia, foram inventadas.

Mas, se olharmos bem para algumas dessas estratégias de adaptação, iremos ver que nem sempre a incerteza é de-

vidamente reconhecida como parte integrante da natureza. O agricultor sertanejo possui suas cabras, animal com notável resistência ao clima seco, e os mesmo tempo pede a Deus as chuvas necessárias para o seu cultivo de milho e feijão. Se as chuvas não vêm, pergunta a Deus o porque dessa punição celestial, enquanto sobrevive do leite e da carne das cabras que sabiamente mantém. Desta forma, age de modo a proteger-se da incerteza climática, mas ao mesmo tempo não reconhe-ce, em sua forma de pensar, essa incerteza como natural. Podemos ver nesse exemplo como a religião (e também a

política) “mascara” a incerteza, dando uma face humana (ou divina) à natureza incompre-ensível. É mais fácil aceitar a idéia de que não choveu porque Deus não quis do que a de que a natureza é assim mesmo, complexa demais para que a entendamos bem. Não há nada de anormal nisso. Talvez nosso cérebro esteja progra-mado para ignorar as coisas aleatórias. Einstein mesmo resistiu, até a morte, a aceitar a descoberta científica de que existe incerteza até mesmo dentro dos átomos. “Deus não joga dados”, teria ele afirma-do. Hoje os físicos em geral acreditam que, nesse assunto, Einstein estava errado. Parece que Deus joga dados, enfim.

O problema nisso tudo é que aceitar a incerteza é ele-mento fundamental para que possamos entender o que os cientistas tentam nos dizer a respeito do aquecimento global, e também da quadra chuvosa. A ciência, no seu trabalho, quantifica essa incer-teza e a comunica em forma de probabilidades. Por essa razão, tanto a previsão para a quadra chuvosa quando os relatórios científicos internacionais sobre o aquecimento global falam através de probabilidades. As sociedades demandam da ci-ência certeza e previsibilidade, muitas vezes além do que é possível, e por essa razão essa relação é freqüentemente mar-cada por frustrações. E não há perspectiva de melhora num futuro breve: as incertezas não irão embora. É urgente a necessidade da criação de uma pedagogia da incerteza.

Renzo Taddei é antropólogo do Departamento de Antropologia da Unicamp e colaborador da Funceme