capítulo iii a integração dos agentes

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Capítulo III A integração dos agentes 39 “O embate é entre as partes, não entre advogados. Advogado não briga com outro advogado. Não há dificuldade nenhuma. Defendem o interesse de seus clientes. Os clientes é que mitigam.” LUIZ ANTÔNIO RICCO NUNES

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Capítulo IIIA integração dos agentes

39

“O embate é entre as partes, não entre advogados.

Advogado não briga com outro advogado.

Não há dificuldade nenhuma. Defendem o interesse de

seus clientes. Os clientes é que mitigam.”

LUIZ ANTÔNIO RICCO NUNES

Pracinhas entram naprimeira cidade italianalibertada pela FEB (1944)

Vista da Fábrica Brasileirade Motores (1944)

“O Cruzeiro” (1943)

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No fim de 1945, pressionado pela onda redemocratizanteapós a Segunda Guerra Mundial, a habilidade política deVargas, que lhe permitiu manter-se durante quinze anos àfrente dos destinos da nação, não foi suficiente paraimpedir a deposição pelos militares. No ano seguinte, sob ocomando do marechal Eurico Gaspar Dutra, era elaboradauma nova Carta Constitucional.A situação confortável da economia era fruto dos lucrosobtidos com o comércio exterior durante a guerra e dospesados investimentos na industrialização de base feitosdurante o governo Vargas. A Usina Siderúrgica de VoltaRedonda entrava em funcionamento; a Fábrica Brasileirade Motores, livre das encomendas militares, preparava-separa abastecer o mercado civil com seus produtos. Oscarros movidos a gasogênio, imposição da economia deguerra, deixavam gradativamente as ruas, enquantomodernos Cadillacs desfilavam ao som de Carinhoso,interpretada soberbamente pelo “Cantor das Multidões”,Orlando Silva.As divisas acumuladas durante a guerra foram gastas semparcimônia, sobretudo com a aquisição de bens deconsumo do exterior. As relações cada vez mais próximasentre o Brasil e os Estados Unidos, de acordo com oespírito da “Política da Boa Vizinhança”, promoveram ainvasão de grandes astros do cinema americano. Carmen

“O Cruzeiro” (1944)“O Cruzeiro” (1946)

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Miranda e os Cariocas contracenavam com os personagensdos desenhos animados de Walt Disney.

Nunca o mercado editorial de revistas vendeu tanto. Ospôsteres de Clark Gable e Tyrone Power tiravam suspirosdas moças, enquanto para os varões a disritmia eraprovocada pela insuperável e misteriosa Greta Garbo.Todos eles emoldurados pelos anúncios de novas marcasque fincavam pés no país, como a Coca-Cola, a lâminaGillete e os cigarros Hollywood.

Nesse mundo do pós-guerra, que se transformavarapidamente, surgiu mais uma vez a necessidade dereformar legislações e instituições. No âmbito daPropriedade Industrial foi preciso fazer modificações paraadequar a legislação aos novos tempos. Sob o regimeVargas, o Decreto-lei nº 7.903, de 27 de agosto de 1945,consagrava novas disposições, como o licenciamentoobrigatório de patentes de invenção.

A reforma do código recebeu grandes elogios, sendoconsiderada por muitos agentes como uma das melhoresleis produzidas no país sobre marcas e patentes: “era bemajustada à realidade, inclusive teve grande expressãointernacional”.18

A modernização dos anos pós-guerra interferiu de talmaneira no mundo da Propriedade Industrial, que foinecessário completa remodelação no Departamento Nacionalde Propriedade Industrial. Com a edição do Decreto-lei nº8.933, de 26 de janeiro de 1946, no governo do marechalDutra, foi ratificado o status dos agentes oficiais daPropriedade Industrial, garantindo as formas de acesso porconcurso preconizadas no antigo Código de 1933.

A necessidade da criação de uma entidade congregando osagentes marcou o fim da década de 1940. Após amplamobilização, em 4 de novembro de 1948 foi criada aAssociação Brasileira dos Agentes da PropriedadeIndustrial, a ABAPI. Logo nos primeiros meses deexistência, a entidade manifestou as metas básicas quemarcariam toda a sua história: a defesa dos interesses dacategoria, a luta para aprimorar o DNPI, a busca doaprimoramento do exercício da profissão com defesaintransigente da ética e a integração da categoria atravésde atividades sociais.

O objetivo de integrar se comprovou de diversas formas:festas e atividades esportivas, solidariedade em torno dagrande seca que atingiu o Nordeste, união em torno daconstrução de sede própria e o “Mais Um Igual”, uma curiosaconfraternização que reunia diversos filiados todos os meses.

18. Entrevista de Oscar-José Werneck Alves,em 15 de agosto de 1998.

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A fundação da ABAPIA criação da ABAPI foi resultado dos novos contornos que omundo da Propriedade Industrial adquiriu no Brasil dadécada de 1940. Todos os anos, os protocolos de pedido deregistro batiam o recorde do ano anterior. O número deagentes também não parava de aumentar, refletindo oacelerado crescimento da indústria e do comércio. Estastransformações impuseram a necessidade de um interlocutorpara representar a categoria junto às autoridades.

Quando a proposta da criação de uma associação foi feitano fim da década de 1940, a aprovação ocorreu com apoiode um grande número de agentes que participaram dafundação. As autoridades também sentiam a necessidadede criar a entidade e prontamente cederam uma sala nasdependências do DNPI para a instalação da sede.

A importância da entidade foi comprovada na prática. AABAPI não só se tornou instrumento fundamental na defesados interesses dos agentes, como lutou ininterruptamentepelo aperfeiçoamento dos serviços do Departamento.

Um episódio curioso, que desencadeou o processo decriação da entidade, ilustra bem a necessidade de umaassociação representativa para a categoria. Numa tarde demarço de 1948, encontravam-se reunidos Custódio deAlmeida, Moacyr da Nóbrega, Müller Alves e Álvaro Bispono vasto hall do Palácio do Trabalho, onde era sediado oDNPI, quando passou apressadamente Romeu Rodrigues,procurador de São Paulo que tinha viajado ao Rio deJaneiro para participar de importante reunião comFrancisco Coelho, então diretor do DNPI.

Passados alguns minutos, Romeu Rodrigues retornou,desanimado e contrariado. Não era para menos: o encontrohavia sido adiado para data oportuna. Foi nesse momentoque Romeu Rodrigues lançou a idéia da criação de umaassociação dos agentes da Propriedade Industrial.

O grupo se identificou imediatamente com a proposta e deuinício à mobilização da categoria, distribuindo um manifestointitulado “Justificação Preliminar”. O documentoconvocando todos para a criação da entidade era datadode março de 1948 e assinado por Romeu Rodrigues.

Outro importante depoimento sobre a fundação da ABAPI éprestado por Oscar-José Werneck Alves. Segundo ele,grandes escritórios - hoje com tradição de mais de setentaanos - participaram da fundação da entidade. “Eram pais eavós de muita gente que está atuando agora. Eles sentiama necessidade da defesa dos interesses de classe como umtodo e isso estimulou a criação de uma representaçãoclassista junto ao poder público. Era o que hoje sedenomina como interface.”

A organização corporativa, incentivada pelo governo desdeo início da década de 1930, deu origem a váriasassociações, como a Ordem dos Advogados do Brasil, aOAB, e sindicatos. Em 1937, a criação de um sindicato dosagentes da Propriedade Industrial foi aprovada peloministério. No entanto, a entidade não prosperou.

Havia entre os agentes a convicção de que a organizaçãoem forma de associação teria representatividade parapostular junto ao poder público tudo o que fosse favorávelao exercício profissional e às demandas da categoria edos clientes. Ao longo dos anos, a história mostrou que adecisão dos agentes foi acertada. A ABAPI efetivamentedefendeu os interesses classistas e foi reconhecida pelasautoridades.

“Num primeiro momento, os objetivos mais imediatos eramexatamente contornar os problemas do cotidiano, da vida,daquele contato íntimo que havia entre os funcionários”,conta Werneck Alves. Naquela época, o DNPI era aberto.Além de ter acesso à sala de comunicação dos processos,os agentes podiam falar com todos os funcionários semformalidades. Apenas o diretor geral e o diretor deserviços eram menos acessíveis. Mas muitas vezes haviaproblemas que atingiam a todos e a solução dependiajustamente dos dirigentes.19

19. Entrevista de Oscar-José Werneck Alves,em 15 de agosto de 1998.

Custódio Cabral de AlmeidaPresidente 1968/69

José Müller AlvesPresidente 1956/59 e 1964/67

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A classe se mobilizaO governo Vargas se notabilizou pela política de incentivo àsindicalização dos trabalhadores. Com o crescente númerode sindicatos, ganhou importância a função arbitraldesempenhada pelo governo, o mediador das divergênciasno mundo do trabalho brasileiro. A função era exercida pelorecém-fundado Ministério do Trabalho, Indústria eComércio. Os agentes oficiais da Propriedade Industrial nãopoderiam ficar fora dessa realidade. Assim, em 18 deoutubro de 1937, o então ministro do Trabalho, Indústria eComércio, o pernambucano Agamenon Magalhães - umgrande promotor da política sindical de Getúlio Vargas -,assinava a carta que reconhecia um novo sindicatobrasileiro: o “Syndicato dos Agentes Officiaes daPropriedade Industrial”.

Álvaro Félix BispoSócio fundador e grande colaborador

Romeu RodriguesSócio fundador e grande colaborador

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Manifesto aos agentes e procuradores de 1948Justificação preliminar

Caro colega,

Urge que nos congreguemos. A forma dessa união -associação, câmara ou ordem - resultará, naturalmente, davontade da maioria. Mas a diretoria única se impõe: unirmo-nos, tendo por base a iniciativa individual, para adotar umaconduta de intercâmbio de idéias, de propósitos, desugestões e de trabalho, sem preconceitos ou preferências,auxiliando-nos e defendendo-nos mutuamente para maiorprestígio de nossa classe e de nossas atividades profissionais.

Há dez anos, no Rotary Club de São Paulo, a que lamentonão pertencer, um cliente e amigo, sr. A.S. Noschese,proferiu conceitos que merecem ser aqui repetidos: “Asrelações profissionais devem ser sempre as mais íntimas,leais e honestas. O profissional que é digno desse nomedeve proceder para com os seus colegas com a máximacordialidade e lisura. Os que vivem na melhor harmonia têmtudo a lucrar, pois não só tornam a própria vida mais amena,como também, em virtude da boa camaradagem, têmoportunidade de trocar impressões, resultando, dessemodo, o maior número de vezes, ensinamentos recíprocos”.

É de meridiana clareza a argumentação. Os membros deuma comunidade, quando divididos, embora honestos, só secausam prejuízos, pois que realizam esforços em sentidosdivergentes. A coletividade dos agentes oficiais daPropriedade Industrial tem compromissos eresponsabilidades para com as forças produtoras do país -de cujo desenvolvimento constituímos valioso elemento - e,conseqüentemente, com a própria pátria. Ainda que entre osnossos componentes se abrigassem preocupações egoístase personalistas (o que, felizmente, não acontece), o nossoespírito público nos levaria à conclusão de que nossa uniãoé uma necessidade e é um dever de patriotismo.

Permito-me encerrar essas considerações justificativas deminha proposta com as palavras finais do orador acimareferido: “Para a execução das grandes tarefas, énecessário que todos se congreguem. Cada qual poderáagir de acordo com as suas convicções e defender as suasidéias. O que, porém, não se pode olvidar é o deversagrado que cada cidadão tem para com a pátria e anecessidade que tem de pôr, acima de tudo, o bem dacoletividade, a união nacional e a grandeza do Brasil”.

Este é o sentido do meu apoio. Iniciemos uma nova era,esquecendo as divergências do passado, somando asenergias do presente para a grandeza do futuro. Avante!

São Paulo, março de 1948.

Romeu Rodrigues

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Carta sindical do“Syndicato dos AgentesOfficiaes da PropriedadeIndustrial” (1937)

Convocação de assembléiapara redação final doestatuto (1949)

Eduardo DannemannSócio fundador e grande colaborador

Richard Paul MonsenSócio fundador e grande colaborador

O estatutoAlém do principal objetivo da ABAPI, o de “promover adefesa dos interesses da classe dos agentes daPropriedade Industrial”, três outras metas estão no estatutoda entidade: “promover e incentivar o estudo do direito depropriedade industrial e de matérias correlatas, mantendo ointercâmbio com outras associações nacionais ouestrangeiras; criar e desenvolver atividades associativas;prestar, como for possível, assistência e auxílio de quenecessitem os agentes da Propriedade Industrial”.

De acordo com o documento, referendado em 4 denovembro de 1948 por 58 fundadores, podem ser sóciosefetivos os “agentes oficiais da Propriedade Industrial, oscomponentes de sociedade agente oficial da PropriedadeIndustrial e os advogados militantes com vínculos na área”.Os prepostos podem ser sócios aderentes.

O primeiro presidente eleito da ABAPI foi Francisco AntônioCoelho. Tratava-se de uma homenagem ao ex-diretor doDNPI, responsável pelo órgão na época da elevação aDepartamento e pelo regulamento que reconheceu aprofissão de agente, em 1933.

Estatutos da ABAPI (1950)

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Atividades recreativasTanto quanto as associações de amigos que se multiplicaramao longo das décadas de 1940 e 1950 nas grandes cidadesbrasileiras, as associações de profissionais tambémcontribuíram para preencher as lacunas de lazer que a vidaurbana apresentava. Para a ABAPI, as atividades sociais eramconsideradas fundamentais para a integração da categoria.

Organizar atividades sociais foi uma prioridade desde afundação. Campeonatos de futebol, piqueniques echurrascos são apenas alguns exemplos. O time de futebol,criado para competir num campeonato interno do DNPI, fezfama entre os agentes. “Não me lembro de nenhumaderrota daquele time”, afirma Custódio de Almeida.

Além de reunir a categoria, as atividades recreativaspromovidas pela ABAPI sempre significaram umaoportunidade de relaxamento para os agentes. “Os mesmosprofissionais que num dia se digladiavam nos tribunais, nodia seguinte, podiam ser vistos se confraternizando nasatividades de lazer da entidade”.

Pregar a concorrência leal é outra missão da entidade. Poruma peculiaridade da própria profissão, os agentes deProdutos de Industriais acabam se tornando potenciaisconcorrentes uns dos outros. Manter a cordialidade e aconvivência saudável entre os sócios, apesar das rivalidadesdo dia-a-dia, é uma tarefa na qual a ABAPI se empenha.

Um bom exemplo da concorrência leal que a associaçãosempre procurou incentivar é o caso relatado por RicardoVieira de Mello. Seu avô, Júlio Vieira de Mello, tinha a contada tradicional Casa Granado. Na época, seu escritório “nãofazia ação judicial” e seu avô não teve dúvida em entregar ocaso ao escritório de Thomas Leonardos, que defendeu ocliente e obteve vitória.

Francisco Antônio Coelho,primeiro presidente daABAPI (1950/53)

Júlio dos Santos Vieira de MelloSócio fundador e grandecolaborador

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Time de futebol da ABAPI(c. 1950)

Abapianos se confraternizamno auditório do Palácio doTrabalho (c. 1950)

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A primeira sede própria da ABAPIPor quase dois anos, a ABAPI funcionou numa sala do DNPI,cedida pelas autoridades logo após a criação da associação.Mas a necessidade de mais espaço, e também deindependência, fez com que a conquista de uma sedeprópria fosse uma prioridade nos fins da década de 1950.Nem sempre as relações com os dirigentes do Departamentoeram as mais amistosas e a permanência na sala emprestadapodia significar constrangimentos desnecessários.

A campanha para a construção da sede própria caminhouacelerada. A obra foi concluída antes do previsto e foipreciso até conclamar os sócios a assinar um livro de ouropara conseguir quitar as últimas parcelas pendentes com aconstrutora. Um grande número de associados respondeuaos apelos da diretoria.

Em 1958, em meio a grandes festejos, o primeiropresidente da ABAPI, Francisco Antônio Coelho -acompanhado de Olga Werneck Alves, José Müller Alves,Lia Oliveira e Maria Júlia Mellazzi, entre outros -, rompia afita inaugural da sede própria.

Ladeado por Olga WerneckAlves e pelo presidenteJosé Müller Alves, oprimeiro presidente daABAPI, Francisco AntônioCoelho, solta a fita inauguralda sede própria (1958)

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Páginas de introdução do“Livro de Ouro”

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Sócios desfraldam abandeira da ABAPI nainauguração da sede (1958)

Francisco Coelho proferediscurso na inauguração daABAPI (1958)

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20. Entrevista de Oscar-José Werneck Alves,em 15 de agosto de 1998.

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O “Mais Um Igual”Um grupo de denominação peculiar que se reunia uma vezpor mês para “aparar arestas e bater papo” marcou ahistória da ABAPI: o “Mais Um Igual”. Custódio de Almeidae Rubem Querido eram dois dos entusiasmadosfreqüentadores desses encontros sui generis que deixaramsaudades entre os sócios da entidade.

Nos dias de reunião, os integrantes do grupo tinham odireito de fazer os despachos urgentes pela manhã, até as10 horas, e tirar o resto do dia de folga. Muitas vezes, oencontro começava com uma peladinha antes do almoço.Depois, o grupo seguia para um restaurante à beira-marpara saborear uma refeição paga pelo patrocinador do mês.O papo se estendia tarde afora.

Mas, segundo garantem os integrantes do “Mais Um Igual”,não eram apenas almoços de lazer e confraternização. Osencontros mensais serviram para acabar com eventuaisdesentendimentos entre os sócios e, principalmente, parareforçar a principal característica do grupo da PropriedadeIndustrial: a solidariedade e a amizade.20

Sócios em excursão nadécada de 1950

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