capítulo 10 conclusões -...

24
399 Capítulo 10 Conclusões Este capítulo organiza-se em três secções. Na primeira procuro fazer uma síntese do trabalho desenvolvido, focando os objectivos e as questões de investigação que estruturaram este trabalho bem como a metodologia seguida. Na segunda secção apresento as suas conclusões. Finalmente, na terceira secção, apresento um conjunto de sugestões para futuras investigações. 10.1. Síntese do estudo O percurso da investigação que se descreve nesta dissertação estruturou-se em torno de três estudos de caso elaborados no contexto de um projecto colaborativo de reflexão sobre a prática de comunicação na sala de aula de Matemática. Este projecto reuniu três professoras dos 2.º e 3.º ciclos do ensino básico, com idades compreendidas entre os 43 e os 52 anos que, ao longo de pouco mais de um ano lectivo, se encontraram quinzenalmente procurando construir uma reflexão sobre a sua prática lectiva especificamente direccionada para a temática da comunicação. Ao longo do projecto identificamos factores que facilitam ou bloqueiam a comunicação na sala de aula,

Upload: others

Post on 19-Jul-2020

1 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Capítulo 10 Conclusões - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/1523/16/15370_10_Conclusoes.pdf · planeamos, concretizamos e analisamos diversas experiências com as turmas,

399

Capítulo 10

Conclusões

Este capítulo organiza-se em três secções. Na primeira procuro fazer uma síntese do

trabalho desenvolvido, focando os objectivos e as questões de investigação que estruturaram este

trabalho bem como a metodologia seguida. Na segunda secção apresento as suas conclusões.

Finalmente, na terceira secção, apresento um conjunto de sugestões para futuras investigações.

10.1. Síntese do estudo

O percurso da investigação que se descreve nesta dissertação estruturou-se em torno de

três estudos de caso elaborados no contexto de um projecto colaborativo de reflexão sobre a prática

de comunicação na sala de aula de Matemática. Este projecto reuniu três professoras dos 2.º e 3.º

ciclos do ensino básico, com idades compreendidas entre os 43 e os 52 anos que, ao longo de

pouco mais de um ano lectivo, se encontraram quinzenalmente procurando construir uma reflexão

sobre a sua prática lectiva especificamente direccionada para a temática da comunicação. Ao longo

do projecto identificamos factores que facilitam ou bloqueiam a comunicação na sala de aula,

Page 2: Capítulo 10 Conclusões - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/1523/16/15370_10_Conclusoes.pdf · planeamos, concretizamos e analisamos diversas experiências com as turmas,

Comunicação na sala de aula de Matemática: Um projecto colaborativo

400

planeamos, concretizamos e analisamos diversas experiências com as turmas, problematizamos e

confrontamos a prática de cada professora, e partilhamos essa reflexão com o conjunto mais

alargado de professores de Matemática do agrupamento.

Este projecto constituiu, assim, o contexto para o desenvolvimento desta investigação, cujos

objectivos eram estudar as concepções e as práticas do professor de Matemática relativamente à

comunicação na sala de aula, identificar os factores que os influenciam e, sobretudo, determinar de

que forma uma experiência de trabalho colaborativo pode contribuir para a sua problematização e

evolução. Duas opções de fundo conduziram a investigação: a) a decisão de centrar o estudo no

papel do professor; e b) a opção por uma metodologia que articulasse investigadora e professoras

num propósito comum de reflexão e acção sobre e no processo de ensino-aprendizagem.

É à luz destas opções que devem ser lidas as questões que articulam a concepção e a

realização da investigação:

1) Quais as concepções, práticas e reflexão sobre as práticas dos professores relativamente à comunicação matemática na sala de aula e como podem evoluir ao longo de um trabalho colaborativo?

2) Como é que o professor de Matemática vê o seu papel na sala de aula na criação de contextos facilitadores da comunicação matemática e como podem evoluir ao longo de um trabalho colaborativo?

3) Que influências se podem reconhecer nas concepções, práticas e reflexão do professor sobre a comunicação e sobre o seu papel, decorrentes, nomeadamente de um trabalho colaborativo, do percurso profissional anterior, do contexto e experiências profissionais e das características pessoais do próprio professor?

O estudo seguiu uma metodologia qualitativa, enquadrada no paradigma interpretativo, em

que cada professora deu origem à realização de um estudo de caso. Para a recolha de dados foram

utilizadas entrevistas semi-estruturadas, assim como a observação de aulas e das reuniões de

trabalho no âmbito do projecto colaborativo referido. A análise de dados seguiu o modelo interactivo

(Huberman & Miles, 1994) em que recolha e análise caminham em sintonia, influenciando-se

mutuamente.

Page 3: Capítulo 10 Conclusões - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/1523/16/15370_10_Conclusoes.pdf · planeamos, concretizamos e analisamos diversas experiências com as turmas,

Capítulo10 – Conclusões

401

10.2. Conclusões do estudo

Apresento nesta sub-secção as conclusões deste trabalho organizadas de acordo com as

questões de investigação originalmente enunciadas. Em cada uma delas sumario alguns dos

aspectos mais relevantes referidos nos três estudos de caso (capítulos 6 a 8) e na análise cruzada

(capítulo 9). A secção termina com uma reflexão sobre a evolução do grupo no âmbito do projecto

colaborativo.

1. Concepções, práticas e reflexão sobre as práticas dos professores relativamente à

comunicação matemática na sala de aula e sua evolução ao longo do trabalho

colaborativo.

Concepções, práticas e reflexão sobre as práticas. Constatou-se que as três professoras

manifestavam uma preocupação inicial com o ambiente na sala de aula. Carla considerava que este

deve ser agradável, com condições para que os alunos se sintam bem e à vontade para intervir.

Para isso permite que os alunos se dirijam aos colegas num outro ponto da sala, usem o quadro

para discutir problemas ou descobertas e circulem à vontade pela sala desde que por um motivo

válido. De igual modo, os alunos podem e devem colocar questões sempre que o entenderem, em

qualquer momento da aula. Para Eva também é importante que os alunos se sintam à vontade nas

aulas e, por isso, não gosta de impor regras muito rígidas. Vive, por vezes, a dificuldade de saber até

onde pode ir e como gerir a dicotomia entre o estarem à vontade e respeitarem determinadas

regras. Considera também importante que os alunos participem nas aulas e que coloquem questões

para esclarecer alguma dúvida. Maria, por fim, tal como as colegas, considera fundamental que o

ambiente seja bom. Para esta professora no entanto, torna-se mais explícito que essa preocupação

passa, essencialmente, por uma atitude de respeito para com os alunos. Isso acontece, por um

lado, pelo cuidado que coloca na linguagem utilizada para não enfatizar a autoridade associada ao

Page 4: Capítulo 10 Conclusões - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/1523/16/15370_10_Conclusoes.pdf · planeamos, concretizamos e analisamos diversas experiências com as turmas,

Comunicação na sala de aula de Matemática: Um projecto colaborativo

402

seu papel como professora e, por outro lado, porque procura que os alunos se sintam responsáveis

pela própria aula e a experimentem como sua.

Todas as professoras atribuem um papel importante à utilização de materiais enquanto

meios que facilitam a construção e expressão de conceitos e modos de pensar e factores de

socialização na sala de aula. Eva, embora sem recorrer ao computador nas suas aulas, utiliza por

vezes a calculadora e algum material manipulável. Reconhece ter alguns receios perante aulas em

que não está muito à vontade com o material a utilizar. No entanto, ao longo do projecto

experimentou enfrentar vários obstáculos a este nível. Carla era das três a que mais recorria a

materiais tecnológicos e manipuláveis. Considera que a sua utilização constitui uma boa ajuda para

os alunos se exprimirem e desenvolverem o raciocínio. Maria sempre recorreu a determinados

materiais “simples”, como papel para cortar e dobrar bem como alguns materiais manipuláveis

como, por exemplo, o tangran e os pentaminós. Ao longo do projecto foi conhecendo e explorando

mais materiais. Manifesta sempre a preocupação de que, perante a utilização dos materiais, o aluno

realize de facto aprendizagens e não se centre apenas no valor lúdico desses momentos.

A estrutura da maior parte das aulas das três professoras obedece a um padrão comum:

correcção do trabalho de casa, introdução do assunto da aula pelo professor, exemplificação,

resolução de exercícios e, finalmente, propostas para trabalho de casa. Esta estrutura de aula, onde

tendencialmente os alunos assumem um papel mais passivo, de ouvintes e executores, é apontada

por vários autores como sendo comum em muitas salas de aula de Matemática (Lampert & Cobb,

2003; Rittenhouse, 1998).

Todas as professoras colocam bastantes questões aos alunos, quer dirigidas a alunos

particulares, quer à turma no seu todo. A natureza dessas questões é que era um pouco diferente

na prática. Prevaleciam, em todas, as questões de confirmação. Maria, contudo, apresentava uma

forma simulada e original de ouvir as suas respostas, quando propunha aos alunos que

escrevessem “no ar”, podendo assim colocar essas questões colectivamente. Carla tinha o hábito de

colocar questões a que respondia de imediato sem se aperceber do que o fazia. Todas três

professoras recorriam a questões de focalização sobretudo na interacção com um aluno em

particular. As questões de inquirição revelaram-se as menos frequentes, quase raras e que só com o

decorrer do projecto (e com esforço), começaram a surgir conscientemente nas aulas.

Page 5: Capítulo 10 Conclusões - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/1523/16/15370_10_Conclusoes.pdf · planeamos, concretizamos e analisamos diversas experiências com as turmas,

Capítulo10 – Conclusões

403

Um outro aspecto comum às três professoras, é a utilização de um padrão de interacção

que, adoptando a terminologia de Stubbs (1987), denominamos de padrão de sanduíche e no qual

as questões de focalização e de confirmação têm uma presença constante. Este padrão é referido

na literatura como aquele que é seguido por defeito pelos professores (Sinclair & Coulthard, 1975).

As tarefas propostas nas aulas das professoras são na sua maioria retiradas do manual

adoptado e essencialmente da categoria de exercícios de aplicação. Maria constitui talvez a

excepção. Procura problemas e desafios de outros livros que funcionam para si como referência. Eva

sustenta que o manual, pela sua presença constante, constitui um recurso simples e útil para as

aulas. Carla embora recorra muito a exercícios porque acredita que os alunos precisam de praticar

bastante, atribui um valor considerável a tarefas abertas. Defende que estas tarefas potenciam uma

comunicação mais “rica” entre os alunos.

O trabalho de grupo corresponde a uma organização da aula a que estas professoras

recorrem pouco. Carla e Eva fazem-no esporadicamente. Maria apenas trabalha com os alunos aos

pares, mas, com o seu envolvimento no projecto, rapidamente se dedica a propostas no sentido de

explorar as potencialidades de trabalho desenvolvido em grupo.

Evolução ao longo do projecto colaborativo. Apesar de no início do projecto todas as

professoras considerarem importante o desenvolvimento nos alunos de capacidades de

comunicação matemática, elas estavam longe de problematizar as questões em torno da

comunicação. Isto é, em rigor, de levantar problemas. Eva era talvez a que manifestava uma maior

preocupação com o discurso matemático e sua correcção formal, especialmente no registo escrito.

Outros aspectos da dinâmica do processo comunicativo já não constituíam problema nem para si,

nem para as outras professoras.

A verdade é que o tema ‘comunicação na sala de aula’ fora trazido por mim enquanto

dinamizadora do projecto de colaboração. Para as professoras o projecto era sobretudo um pretexto

para enquadrar uma oportunidade de encontro e reflexão cuja necessidade, de uma forma ou de

outra, todas sentiam.

Carla, Eva e Maria partilhavam, na diversidade das suas personalidades e posturas

profissionais que o estudo dos casos respectivos sublinhou, um genuíno interesse pelos alunos e

uma preocupação pela efectividade do processo ensino/aprendizagem. O tema comunicação tinha

Page 6: Capítulo 10 Conclusões - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/1523/16/15370_10_Conclusoes.pdf · planeamos, concretizamos e analisamos diversas experiências com as turmas,

Comunicação na sala de aula de Matemática: Um projecto colaborativo

404

para elas uma conotação sobretudo instrumental: preocupavam-se que os alunos estivessem à

vontade para participar, colocar dúvidas ou sugestões para que as aulas cumprissem bem os

objectivos propostos em termos de conteúdo. Não olhavam tanto para a utilização da comunicação

por parte do aluno como um objectivo em si. Regra geral, a sua prática na sala de aula era muito

centrada no professor. A professora dominava a fala e cabia-lhe a ela colocar as questões. Os alunos

respondiam e executavam o que lhes era indicado.

Neste contexto, o primeiro impacto do projecto foi o confronto que cada uma teve com a

realidade das próprias aulas e a consciência que ao longo dos anos dela tinham construído. As

gravações de episódios lectivos e a sua releitura individual e em grupo foram o elemento chave.

Muitas vezes, apresentaram uma genuína surpresa perante as gravações. Cada uma das

professoras tinha uma percepção das suas aulas bastante diferente da realidade que presenciava

nas gravações iniciais. Carla e Maria, por exemplo, surpreenderam-se com a quantidade, que

consideraram “excessiva”, das suas intervenções. E, mais genericamente, surpreenderam-se com o

tipo e ritmo do seu próprio discurso na sala de aula.

A possibilidade de ter acesso a transcrições das próprias aulas foi importante para cada

uma na medida em que se tornou mais fácil a reflexão sobre a própria prática. Talvez menos,

porém, no caso de Eva, dado que esta tinha um discurso mais organizado que não ficava afectado

com eventuais interrupções dos alunos ou chamadas de atenção. Além disso, boa parte das suas

aulas gravadas correspondiam a experiências planificadas em grupo e que envolviam sempre

alguma nova estratégia, pelo que a sua própria postura nelas não estava antecipada.

Não é fácil determinar até que ponto ou de que forma as concepções, práticas e reflexão

das professoras evoluiu ao longo do projecto. De resto, talvez seja abusivo falar da evolução de

concepções ao longo de pouco mais de um ano lectivo. Há contudo um caminho que foi percorrido e

que cada professora, a seu modo, valorizou e continuou a aprofundar no trabalho conjunto que,

como já referimos, deu continuidade a este projecto. Sublinho nesse caminho três níveis

importantes: o da tomada de consciência, o da reflexão e influência sobre a prática e o da

identificação de dificuldades e possibilidades de superação.

Antes de mais, a abordagem da temática da comunicação a partir de textos e artigos

diversos, teve o efeito de a constituir como uma questão – algo que tinha directamente a ver com a

Page 7: Capítulo 10 Conclusões - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/1523/16/15370_10_Conclusoes.pdf · planeamos, concretizamos e analisamos diversas experiências com as turmas,

Capítulo10 – Conclusões

405

prática e onde era grande o campo de intervenção. Por exemplo, a tomada de consciência do que

são os diversos processos de interacção, as determinações contextuais ou o papel mediador das

linguagens (a trilogia do “agir comunicativo” de Habermas), a identificação dos diversos tipos de

papéis que o professor pode assumir ou, ainda, o papel das perguntas na dinâmica das aulas foram

aspectos de uma reflexão que se foi construindo e que foi abrindo novos horizontes a todo o grupo.

A tipologia de perguntas e sua identificação no discurso de cada professora foi, em particular, um

elemento tratado com muito interesse.

A partir da reflexão conjunta presente nas reuniões do projecto colaborativo, foi visível a

preocupação com um maior envolvimento dos alunos nas aulas, com a possibilidade de realizarem

um trabalho mais autónomo e com uma maior responsabilização dos alunos. Com diferentes graus

de envolvimento, dado tratarem-se de professoras com diferentes personalidades e vivências

anteriores, em todas foi notório que a experiência do grupo acabou por influenciar as suas práticas.

Recorde-se por exemplo, as experiências que Eva levou a cabo. A certa altura vai para a sala

de informática com os alunos e, apesar de numa reacção imediata ter considerado que eles fizeram

muito barulho e que não podia repetir a experiência, pouco depois já colocava de novo essa hipótese

sem qualquer receio. Este episódio mostra o efeito de uma mais apurada e crítica reflexão pessoal

sobre a prática. O projecto terá potenciado essa atitude. Por outro lado, ainda a mesma professora,

que poucas vezes recorria ao trabalho de grupo na sala de aula, considerando-o difícil de coordenar

e gerador de confusões, mostrou-se interessada em continuar a aprofundar esse tipo de trabalho. No

início dizia “falta-me imaginação”, mais tarde chegava com diversas propostas de trabalho, que

apresentava ao grupo, algumas delas já por ela experimentadas. A sua sensibilidade crítica,

relativamente à comunicação, tornou-se neste processo bastante apurada e isto apesar de,

aparentemente, ter tido alguma dificuldade, por feitio, de auto-criticar a sua própria prática. Importa

destacar que tinha, no início, tendência para procurar as dificuldades extrínsecas que afectavam o

desenrolar das aulas. Esta atitude foi sendo alterada no grupo quando confrontada com as outras

professoras que, vivendo situações análogas, não referiam, com tanta frequência, as mesmas

dificuldades.

Carla, por seu lado percorreu uma fase inicial de descontentamento e desilusão com as

suas próprias aulas. O efeito de análise de transcrições teve nela um enorme impacto. Estava

Page 8: Capítulo 10 Conclusões - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/1523/16/15370_10_Conclusoes.pdf · planeamos, concretizamos e analisamos diversas experiências com as turmas,

Comunicação na sala de aula de Matemática: Um projecto colaborativo

406

convencida de que os seus alunos participavam bastante nas aulas e, com pena, constatou que

afinal as intervenções deles se limitavam a pequenas intervenções na sequência das suas. Procurou,

ao longo do projecto experimentar novas abordagens e dar mais espaço aos alunos, preocupando-se

em assegurar espaços de maior autonomia. Apresentou sempre uma atitude bastante crítica perante

as suas aulas, procurando introduzir na prática lectiva novos elementos reflectidos sobre aulas

anteriores. Centrava-se essencialmente no seu papel e aquilo que considerava que devia mudar no

seu desempenho.

Por razões ligadas à sua personalidade e, porventura, experiências anteriores de

envolvimento político e sindical, Maria assumiu uma atitude claramente pró-activa. Procurava novas

experiências, interessava-se em estudar alternativas, procurava validá-las na prática. Experimentava,

dizia, “porque estou convencida que pode ser um bom caminho”. Deixava bem claro que não fazia

uma experiência por fazer, mas para conseguir avaliar as suas potencialidades. Quando as coisas

corriam bem e ficava satisfeita com o caminho percorrido queria continuar e fazer mais. Recorde-se

que, Maria, paralelamente, trabalhou com uma outra professora exterior ao grupo e experimentou

fazer uma planificação anual para a escola tendo em conta propostas que tinham saído do trabalho

conjunto deste projecto.

Page 9: Capítulo 10 Conclusões - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/1523/16/15370_10_Conclusoes.pdf · planeamos, concretizamos e analisamos diversas experiências com as turmas,

Capítulo10 – Conclusões

407

2. Modo como o professor de Matemática vê o seu papel na sala de aula na criação de

contextos facilitadores da comunicação matemática e como pode evoluir com o

trabalho colaborativo.

Papel do professor. Antes de mais, todas as professoras envolvidas no projecto consideram

o seu papel fundamental na construção de um bom ambiente na sala de aula. Carla considera

essencial que o professor crie situações diversificadas para que numa aula de 90 minutos os alunos

possam viver momentos muito diferentes, combatendo a monotonia. Atribui uma grande importância

ao seu papel na coordenação das discussões em grande grupo: nas questões e desafios que coloca,

na forma como consegue gerir os desacordos. Considera ainda que o tipo de tarefas que como

professora é capaz de propor e gerir é fundamental para a comunicação entre os seus alunos.

Reconhece um potencial a explorar no trabalho de grupo para o desenvolvimento da comunicação.

No entanto, tem tendência para olhar para o trabalho feito em grupo como de menor importância

relativamente aquele que é realizado em grande grupo. A sua atitude é concordante com a

referência que Blunk (1998) faz do facto do professor ter dificuldade em valorizar o trabalho

realizado na sua ausência porque, em parte, o desconhece.

Eva atribui ao professor o papel de coordenar e “comandar” a aula para que os alunos “não

se percam”. Para esta professora, é muito importante que o professor utilize uma linguagem

matemática rigorosa, precisa e clara, de modo que os alunos percebam aquilo que o professor está

a comunicar e comecem eles mesmos a utilizar essa linguagem correcta, entendendo-se entre si.

Como vê a Matemática como uma linguagem, este aspecto é para si fundamental. Também

considera essencial que o professor ajude os alunos a colmatar erros e dúvidas e que nunca deixe

de corrigir algo menos correcto.

Maria considera essencial que o professor seja compreensivo e disponível, que confie nos

alunos e, ainda, que os ouça com atenção. Parece-lhe muito importante que o professor proporcione

experiências desafiantes, levando e incentivando os alunos a verbalizá-las. Como se preocupa com a

criação nos alunos de hábitos de verbalização de conceitos e raciocínios, de colocação de questões

e de escuta e assume que isso não é fácil, sustenta que o professor deve ser organizado e

Page 10: Capítulo 10 Conclusões - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/1523/16/15370_10_Conclusoes.pdf · planeamos, concretizamos e analisamos diversas experiências com as turmas,

Comunicação na sala de aula de Matemática: Um projecto colaborativo

408

persistente. Para esta professora é muito importante o respeito pelos alunos, o que passa pela

valorização daquilo que fazem.

Evolução ao longo do projecto colaborativo. Como, de certa forma, já atrás sublinhamos,

cada uma das professoras foi, ao longo do projecto, construindo a partir das próprias experiências

anteriores e das discussões em grupo, um olhar sobre o papel do professor na sala de aula e

também desse papel perspectivado relativamente à comunicação na sala de aula. Sublinhemos

alguns aspectos dessa construção.

Eva, por exemplo, no início, tendia a colocar nos alunos (na forma como falavam, no facto

de fazerem barulho, de serem inoportunos, etc.) a responsabilidade pelo que considerava ser o

processo comunicativo nas suas aulas. No entanto, com o desenrolar do trabalho e com as

discussões, apesar de manter essa preocupação com o comportamento dos alunos, no seu discurso

sobre as aulas, tendia a olhar mais para o papel do professor, sem se centrar tanto nas dificuldades

que encontra para o exercer. Importa referir que, para esta atitude, a compreensão e o pragmatismo

de Maria foram uma contribuição preciosa, tornando-se assim evidente a importância do grupo na

evolução de cada uma.

Logo após as primeiras leituras e discussão de textos, estabeleceu-se um entendimento

base no grupo, partindo-se da hipótese (que a experiência facilmente comprova) que o professor, na

sua atitude na sala de aula, na forma como se dirige aos alunos, no tipo de questões que coloca e

no tipo de propostas de trabalho que faz afecta de forma decisiva a comunicação na sala de aula.

Assim, optamos por experimentar tarefas mais abertas, tarefas em que esteja prevista alguma

discussão em grupo, tomadas de decisão pelos alunos, acompanhadas pelos pedidos de justificação

e pela presença constante dos ‘porquês’ por partes das professoras.

Cada professora procurou concretizar as implicações deste entendimento e desta opção na

sua prática, e, também aqui, as evoluções foram diversificadas. O olhar de Eva associava

essencialmente ao professor o papel de transmissor de conhecimento e fornecedor de ferramentas

para que os alunos possam pensar. Carla, partilhando algumas das preocupações de Eva,

sublinhava o papel de desafiador e treinador (com o dever primeiro de preparar bem os alunos). Por

fim, o olhar de Maria colocava no professor o dever de criar situações onde estivesse patente a

utilidade da Matemática, condição que considera fundamental para motivar os alunos.

Page 11: Capítulo 10 Conclusões - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/1523/16/15370_10_Conclusoes.pdf · planeamos, concretizamos e analisamos diversas experiências com as turmas,

Capítulo10 – Conclusões

409

Ao longo do projecto, cada professora manteve o seu próprio olhar mas conseguiu

igualmente abrir-se a outras dimensões e assumir que diferentes papéis se jogam em diferentes

situações. Isso aconteceu, por exemplo, nas situações em que o professor actua, do ponto de vista

da comunicação, com um papel estruturante ou apenas como referente (por exemplo, nas

dinâmicas de trabalho de grupo).

Apesar de Eva ter procurado dar a imagem de que já fazia tudo aquilo que discutíamos,

penso que se tornou uma pessoa mais atenta ao seu papel na sala de aula. Assim, posso afirmar

que a evolução desta professora, apesar de discreta, ocorreu. A sua preocupação, na continuação

do projecto, em criar novas propostas para os alunos, trabalhos realizados em grupo em que

propunha a apresentação e discussão dos resultados, é um exemplo dessa evolução.

A evolução do olhar de Carla sobre o seu papel, apesar de também ter sido discreto, sofreu

um processo diferente de Eva. Preocupou-se com o papel que desempenha como professora,

apresentando sempre um olhar crítico. Mesmo após a conclusão da recolha de dados, a sua

evolução continuou a ser discreta embora empenhada. Atribui, agora, mais importância ao trabalho

realizado pelos alunos de forma autónoma não deixando, no entanto, de manifestar que considera

que se sente mais confortável e mais útil no seu papel nas aulas que contemplam discussões em

grande grupo. Considera que esse papel do professor como orquestrador é bastante exigente e

tornou-se progressivamente mais crítica na sua análise. Paralelamente tem-se sentido mais satisfeita

com o seu desempenho nesse papel.

Quanto a Maria, o seu olhar sobre o papel que o professor deve desempenhar na sala de

aula foi-se tornando cada vez mais informado. Procurou cruzar todas as informações e conclusões

que captava das nossas discussões na planificação das suas aulas e nas respectivas reflexões. Para

esta professora continuou a ser fundamental a explicitação da utilidade da Matemática mas foi

considerando cada vez mais importante o seu papel na criação de situações desafiantes e que

desenvolvessem uma maior autonomia nos alunos.

Page 12: Capítulo 10 Conclusões - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/1523/16/15370_10_Conclusoes.pdf · planeamos, concretizamos e analisamos diversas experiências com as turmas,

Comunicação na sala de aula de Matemática: Um projecto colaborativo

410

3. Influências nas concepções, práticas e reflexão do professor sobre a comunicação e

sobre o seu papel, decorrentes, nomeadamente, do trabalho colaborativo, do percurso

profissional anterior, do contexto e experiências profissionais e das características

pessoais do próprio professor.

Nesta questão podemos distinguir dois tipos de influências: as decorrentes de vivências

anteriores das professoras e aquelas que decorrem da experiência conjunta no âmbito do projecto

colaborativo.

Vivências anteriores. As três professoras envolvidas têm experiências de vida muito

diversificadas e percursos também distintos. Maria, por exemplo, foi presidente do conselho directivo

de uma escola durante vários anos e dirigente sindical. A sua actividade política, social e profissional

muito diversificada ajuda a definir uma postura muito crítica e um sentido apurado de dever social,

tornando-se muito exigente consigo própria. As suas opções, o seu empenho no conhecimento e nas

experiências que procura investigar na sala de aula, são também reflexo dessa atitude perante a

vida.

Eva, por sua vez, é uma pessoa pacífica, mas que assume por vezes posturas defensivas e

de desculpabilização. Estas atitudes afectavam as reflexões das aulas, tornando difícil procurar

alternativas e discutir opções. Tem tendência para desanimar e olhar para os contratempos como

insuperáveis. O olhar, por vezes desanimado, perante a escola influencia de forma directa a sua

postura na sala de aula. Por exemplo, revela em certas ocasiões baixas expectativas em relação aos

alunos, considera que tudo o que fazem tem que contar para a avaliação para que se empenham no

trabalho. Esta professora tem habilidade para lidar com situações imprevistas e por essa razão

atribui muito valor a esses momentos nas aulas. Faz passar a ideia de que não vale a pena

programar muito as aulas para não se sentir excessivamente condicionada.

Carla dedica-se à escola a tempo inteiro, envolvendo-se em tantas tarefas burocráticas e

pedagógicas que o tempo se torna escasso. Trata-se de uma professora impulsiva, entusiasmando-

se muito com determinadas propostas que se revelam depois difíceis de concretizar. Esta forma de

ser afecta por vezes as suas aulas onde, por exemplo, propõe tarefas que depois não termina o que

lhe coloca questões complicadas de gestão. Procura ser organizada mas revela alguma dificuldade

Page 13: Capítulo 10 Conclusões - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/1523/16/15370_10_Conclusoes.pdf · planeamos, concretizamos e analisamos diversas experiências com as turmas,

Capítulo10 – Conclusões

411

em programar o trabalho a longo prazo. É muito crítica em relação à sua actuação, procura reflectir

constantemente sobre aquilo que faz ou devia fazer, atitude porventura relacionada com a sua

personalidade humilde.

Vivência do projecto. Todas as professoras referem o relevo que o projecto teve na sua

tomada de consciência de diversos aspectos relativos à comunicação matemática e que nunca

tinham explicitado. Particularmente, Carla foi apurando a sua capacidade de escuta e, para isso,

foram essenciais as oportunidades de análise das próprias aulas. Apercebeu-se pelas gravações que

não era tão cuidada quanto pensava ser e isso foi o primeiro passo para a mudança. Considera que

provoca agora mais situações para os alunos interagirem entre si e se ouvirem mutuamente.

Aumenta notoriamente a preocupação com o desempenho do seu papel nas discussões em grande

grupo. Tem inicialmente a percepção de que colocava muitas questões e ouvia muito os alunos, mas

foi percebendo que ainda tem muito que caminhar. Considera que a forma como vive esses

momentos de ‘orquestração’, que continuam a ser os que mais aprecia nas aulas, tem sofrido

alterações apesar de reconhecer que ainda há algumas ‘arestas para polir’.

Eva sente que evoluiu na capacidade de escuta e de questionamento. Revela-se sempre

uma professora confiante naquilo que já conseguia fazer, e, por vezes, parece desvalorizar as

contribuições do grupo para a sua prática. No entanto, pelas experiências em que se lança, pela

forma como se envolve na continuação do projecto, pelas preocupações que demonstra em fazer

chegar informação, experiências e discussões aos restantes elementos do departamento, vê-se que

o projecto lhe trouxe diversas mais valias. Ela própria sublinha a importância das discussões e

reflexões e a forma como influenciaram a prática. Considera-se no final uma professora mais

cuidadosa na sua prática e atenta à comunidade.

Por fim, Maria é a professora que, aparentemente, mais é influenciada pelo projecto. Isso

acontece, provavelmente, porque fez a opção de se deixar influenciar. Foi para si essencial o

reconhecimento de falhas na comunicação da sala de aula para poder mergulhar com convicção na

procura de alternativas. Salienta a possibilidade, proporcionada pelo projecto, de sair da rotina e de

ter com quem discutir as suas preocupações e angústias. Para esta professora as reuniões de

trabalho do projecto traduzem-se em oportunidades de aprendizagem, através das discussões sobre

tópicos matemáticos, sobre aspectos da comunicação, e sobre a exploração de novas estratégias.

Page 14: Capítulo 10 Conclusões - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/1523/16/15370_10_Conclusoes.pdf · planeamos, concretizamos e analisamos diversas experiências com as turmas,

Comunicação na sala de aula de Matemática: Um projecto colaborativo

412

Maria considera que agora desafia mais os seus alunos, que tem proposto mais trabalhos para eles

desenvolverem de forma autónoma, provocado e explorado confrontos entre eles. Sente que estão

mais activos e responsáveis e que deste modo gostam e aprendem mais.

Dificuldades e perspectivas de superação. Há um último aspecto que traduz ainda os

resultados do projecto no que concerne à evolução do modo das professoras se olharem a si

próprias e às suas práticas na sala de aula do ponto de vista da comunicação matemática. Trata-se

de um conjunto de dificuldades e perspectivas para a sua superação que o grupo foi fazendo e

encarando quase como um património da sua experiência.

1. Dificuldades

- Tendência, comum às três professoras, para monopolizar o discurso na sala de aula e

orientar excessivamente o seu decurso. Tendência, de resto, apontada na literatura como

comum em muitas salas de aula de Matemática (Alrø & Skovsmose, 2002).

- Dificuldade em escutar e acompanhar as opiniões/intervenções dos alunos nas aulas

nos momentos de discussão em grande grupo. Lidar com muitas intervenções variadas

(por vezes em simultâneo) e com comportamentos diversificados sem perder de vista os

objectivos da aula.

- Dificuldade em descentrar a autoridade. A tendência para utilizar, de forma por vezes

excessiva, a sequencia triádica. Nem sempre é fácil para o professor incentivar os alunos

a colocar questões e assumir responsabilidades, mas essa dificuldade aumenta quando

as expectativas do professor são baixas.

- Dificuldade em lidar com a dicotomia programa extenso, e consequente necessidade de

orientação e “eficácia”, vs permitir aos alunos fazer Matemática, deixando que sigam os

seus próprios caminhos.

- Dificuldade em saber até onde se pode ir em termos da linguagem utilizada, que tipo de

linguagem exigir da parte dos alunos e quando é que esta deve ser corrigida. Tal como

apontam Chazan e Ball (1995) alguns professores sentem-se agarrados à terminologia

matemática convencional e isso dificulta a possibilidade de transferirem autoridade e

autonomia aos alunos. Olhar para a Matemática como um corpo de conhecimento leva o

Page 15: Capítulo 10 Conclusões - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/1523/16/15370_10_Conclusoes.pdf · planeamos, concretizamos e analisamos diversas experiências com as turmas,

Capítulo10 – Conclusões

413

professor a sentir que tem necessidade de transmitir esse conhecimento aos seus

alunos.

- A preocupação, porventura excessiva, com a avaliação dos alunos pode afectar de forma

directa a aprendizagem. As opções do professor estão muitas vezes condicionadas pela

preocupação com a avaliação.

2. Estratégias de superação

- Contrariar a tendência do professor para intervir logo que se detecta um erro de um

aluno, a utilização de uma linguagem menos adequada, uma dúvida ou um desacordo

cognitivo. Esta atitude dá tempo ao professor para pensar que estratégia pode seguir e

que questões pode colocar.

- Procurar alternativas à estrutura tradicional das aulas: introdução, exemplificação e

resolução de exercícios. Aceitar que esta ordem pode ser invertida, e que os alunos

podem chegar a conclusões sem que o professor as forneça. O professor pode

coordenar, questionar, propor novas tarefas, estar atento, mas sem assumir o total

controlo da aula.

- Alterar o papel do professor de transmissor de conhecimentos para criar oportunidades

para que os alunos construam por si o conhecimento matemático. Ter uma maior

confiança nos alunos e nas suas capacidades.

- Gerir o trabalho de grupo realizado nas aulas. Por um lado gerir o comportamento dos

alunos em aulas com tendência para serem mais barulhentas e, por outro lado, saber

que alunos estão a trabalhar e de que modo se pode garantir o envolvimento de todos.

Assumir que o comportamento e o trabalho estão por vezes associados ao tipo de tarefas

propostas.

- Gerir e saber lidar com o tempo de espera, aferindo o tempo que o aluno necessita para

concretizar uma tarefa sem que seja exagerado e prejudique o desenvolvimento da aula.

Ter consciência de que a gestão do tempo é complexa.

- Valorizar o papel da planificação até como veículo para a introdução de novas estratégias

no processo de ensino-aprendizagem e da comunicação. Uma planificação bem pensada

pode ajudar a superar muitas das dificuldades elencadas acima.

Page 16: Capítulo 10 Conclusões - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/1523/16/15370_10_Conclusoes.pdf · planeamos, concretizamos e analisamos diversas experiências com as turmas,

Comunicação na sala de aula de Matemática: Um projecto colaborativo

414

Estas dificuldades foram identificadas pelo grupo, algumas eram comuns a todas as

professoras, outras foram mais sentidas por uma ou outra. Em grupo, pela partilha e discussão

estas estratégias de superação foram emergindo e vieram a surtir efeito nas respectivas aulas.

Evolução do grupo

Como em toda a investigação qualitativa a universalidade deste trabalho está,

paradoxalmente, na sua especificidade. Isto é, no particular deste encontro, deste processo, nos

passos pequenos que foram dados, no que porventura estes permitiram sedimentar. Acredito que a

presença da voz dos professores acaba também por conferir uma outra densidade/credibilidade à

investigação, nomeadamente quando a queremos partilhar com outros professores. Bom exemplo

disto mesmo é o impacto/receptividade que o projecto e a sua continuação teve na escola ao longo

do seu decorrer e, de uma forma mais limitada no tempo, a larga participação na acção de

formação organizada pelo grupo para os professores do agrupamento (28 professores , de um total

de 33 inscritos, desde o 1.º ao 3.º ciclo do Ensino Básico). Importa destacar que desta acção

resultou a entrada de mais uma professora no grupo.

É verdade que o foco deste trabalho se centrou na comunicação na sala de aula de

Matemática, temática só por si suficientemente ampla para poder albergar uma variedade de

assuntos e vivências. O seu decurso, no entanto, torna clara a importância de, ao lançar-se uma

investigação de carácter colaborativo, se ter clara a opção por nunca descurar ou ignorar as

questões que os próprios professores levantam e que percebem como relevantes. Mesmo se, às

vezes, tal configura (ou parece configurar) uma abordagem mais sinuosa aos percursos inicialmente

previstos. Vários exemplos podiam ser elencados, desde a forma como, por vezes, se alterava a

ordem de trabalhos em determinada reunião porque uma das professoras surgia com uma

experiência realizada, e que precisava ou manifestava vontade de discutir, ou dúvidas sobre a

escolha de uma tarefa a propor em determinada aula que se aproximava, ou discussão em torno de

determinado conceito e sobre abordagens menos felizes do livro, ou mesmo alguns desabafos sobre

algum episódio que corria menos bem. Particularizando temos logo no início as conversas que

Page 17: Capítulo 10 Conclusões - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/1523/16/15370_10_Conclusoes.pdf · planeamos, concretizamos e analisamos diversas experiências com as turmas,

Capítulo10 – Conclusões

415

surgiram a propósito dos ‘registos de aula’ e do ‘capítulo de livro’ propostos por Carla. Maria surgia

por vezes com desabafos sobre as experiências que levava a cabo com os alunos que acompanhava

no apoio. Um dia chegou a dizer: “estou desde sexta ansiosa por esta reunião para vos falar sobre o

que me aconteceu...”, levando mesmo Eva a comentar: “Este grupo é a nossa terapia” (NC).

Talvez seja relevante anotar que este projecto coincidiu temporalmente com a introdução

nas escolas de um conjunto de procedimentos e normas definidas pelo Ministério da Educação, e

que, por razões que não cabe aqui analisar, acabou por se traduzir num mal-estar generalizado e

mesmo algum desalento entre os professores. O grupo não foi imune a essa onda, que por vezes

aflorava nas nossas reuniões. Também a esse nível teve o projecto algum valor terapêutico de abrir

espaços de partilha, reforçar alguma auto-estima e tentar re-focar desalentos e incompreensões no

essencial da prática profissional das professoras.

Tal como referem Chazan e Ball (1995), como as oportunidades para analisar a

complexidade das decisões que o professor tem que tomar numa sala de aula são poucas, quando

ocorrem a tendência é focar-se directamente a discussão naquilo que podia ser feito, se podia

‘dizer’, ‘escolher’, ‘ir mais além’ ou ‘deixar os alunos fazerem por si próprios’. Nas discussões em

torno das aulas também se verificou essa mesma tendência entre nós.

Como procurei deixar claro ao longo dos casos relatados nos capítulos 6, 7 e 8, o projecto

procurou tornar de cada professora uma protagonista da sua própria dinâmica. Diversos aspectos

registados na literatura sobre investigação colaborativa foram assinalados neste percurso. Talvez o

principal tenha sido a tensão entre os objectivos das quatro participantes no grupo, aspecto referido,

por exemplo, por Freedman e Salmon (2001). Por exemplo, a preocupação de Carla com o

cumprimento dos programas, e o decurso do ano lectivo na escola, fazia, por vezes, relegar para

segundo plano algumas iniciativas do grupo (planificações ou calendarizações de aulas e reuniões).

Por vezes essa tensão estendeu-se do campo das motivações directas e objectivos explícitos

para o terreno mais subjectivo das identidades pessoais e profissionais de cada uma. A partilha de

experiências, a observação de aulas, etc., representou para cada professora a abertura de um

espaço que até então perspectivara de forma essencialmente privada. Alguns fragmentos de

discurso auto-justificativo que registamos traduzem bem que uma cultura colaborativa é um

processo no tempo. Como notam diversos autores é fundamental o apoio do grupo para se

Page 18: Capítulo 10 Conclusões - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/1523/16/15370_10_Conclusoes.pdf · planeamos, concretizamos e analisamos diversas experiências com as turmas,

Comunicação na sala de aula de Matemática: Um projecto colaborativo

416

ultrapassarem ou, pelo menos, mitigarem as dificuldades e vulnerabilidades de cada um (Fullan &

Hargreaves, 2001).

Confirmam também que um aspecto importante na consolidação de um trabalho

colaborativo é a existência, assumida colectivamente, de um conjunto de objectivos comuns que

orientem todo o trabalho e em que cada um se reconheça (Boavida & Ponte, 2002). Assim, no

grupo foi sempre claro e assumido por todas que o principal objectivo era o estudo da comunicação

na sala de aula e do papel do professor nesse processo. Os objectivos e preocupações do grupo

foram reafirmadas quando Maria entrou no grupo. Havia também a preocupação por aquilo que

cada elemento, trouxesse e levasse do grupo.

A literatura fala ainda da relevância do processo de negociação de objectivos – um processo

contínuo no grupo – para a eficácia da colaboração. Também procuramos rever e reassumir os

objectivos do grupo, em diferentes momentos, ao longo do projecto. Não foi necessário proceder à

sua reformulação, mas retomaram-se como objecto de discussão, numa tentativa de revisão daquilo

que estava a ser conseguido pelo grupo bem como daquilo que se descurara e que deveria ser

repensado.

O projecto ajudou as professoras a ultrapassar a sensação de isolamento, e mesmo

impotência, e aumentar a auto-confiança. Este papel, central num trabalho colaborativo (Maeers &

Robison, 1997), foi sentido mais que uma vez, em diferentes escalas, pelas três professoras. Maria

sentiu-o e expressou-o várias vezes. Expressou-o nomeadamente, já após a fase de recolha de dados

quando esteve a ler um livro sobre desenvolvimento profissional (Day, 2001) referindo alguns

aspectos que este autor aponta como importantes em colaborações e parcerias e sublinhando aquilo

que considerava que o nosso projecto estava a representar. Como o considerei de grande

importância atrevi-me a referi-lo. Para Carla e Eva, o projecto traduziu-se num contributo importante

para se sentirem apoiadas e menos isoladas. Relativamente ao aumento da auto-confiança tenho

dificuldade em avaliar o caso de Eva dado que se trata de uma professora que transmitiu sempre

uma imagem de grande auto-confiança, sendo assim pouco explícito que tenha sofrido alterações.

Quanto a Carla, penso que o aumento do domínio sobre a temática terá trazido contributos nesse

sentido.

Page 19: Capítulo 10 Conclusões - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/1523/16/15370_10_Conclusoes.pdf · planeamos, concretizamos e analisamos diversas experiências com as turmas,

Capítulo10 – Conclusões

417

Importa aqui referir que ao longo de todo o projecto e nas discussões das aulas muitos

foram os momentos em que frontalmente nos manifestávamos favorável ou desfavoravelmente às

opções tomadas por cada uma das professoras. Apesar da frontalidade ser um elemento que ajudou

o crescimento do grupo, corria-se o risco desse confronto abalar a auto-estima de cada uma. Creio

que esse risco acabou por ser ultrapassado.

Para além de ter dado às professoras novos instrumentos e grelhas de leitura em torno da

comunicação na sala de aula, o projecto contribuiu também para desenvolver a capacidade de

reflexão crítica e para um maior conhecimento sobre si próprio e o seu modo de viver a profissão de

professor.

Um projecto colectivo é uma construção social. Tal como referem John-Steiner, Weber e Minnis

(1998), numa colaboração, é importante que os diferentes elementos partilhem diferentes “leituras”

de situações e experiências. Esse é de facto um aspecto que torna as discussões mais ricas e

construtivas. A diversidade dos elementos que compunham o grupo contribuiu para que se

influenciassem mutuamente e ao próprio processo de crescimento do grupo. Tal como foi possível

referir de forma mais detalhada no capítulo 9, diferentes foram os factores que se cruzaram e

influenciaram todo esse processo. Factores que incluem, nomeadamente, aspectos de natureza

pessoal, a experiência profissional e a relação com a Matemática, e o papel desempenhado por cada

uma no grupo e a experiência do grupo no seu conjunto. Paralelamente, várias foram as

repercussões que cada professora sentiu da sua participação no projecto e que nesse capítulo se

registaram.

Reflexão pessoal

Permito-me terminar esta apresentação das conclusões com uma reflexão de cunho

pessoal. Como investigadora, esta experiência foi (e continua a ser, no contexto do grupo que deu

seguimento ao projecto em que esta dissertação se baseia) de grande importância. Por um lado,

constituiu uma oportunidade de aproximação com a realidade escolar vivida de uma forma particular

por estas professoras. Por outro lado, constituiu uma fonte de aprendizagem, particularmente sobre

o desenrolar de um trabalho colaborativo e a importância que este pode ter quer para professores

Page 20: Capítulo 10 Conclusões - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/1523/16/15370_10_Conclusoes.pdf · planeamos, concretizamos e analisamos diversas experiências com as turmas,

Comunicação na sala de aula de Matemática: Um projecto colaborativo

418

quer para investigadores. Através desta experiência foi também possível perceber que não há

apenas dificuldades na constituição do grupo. Mesmo depois deste constituído, e de ter sido criada

uma certa empatia entre os seus elementos, para que o trabalho continue é necessário que cada

um dos membros do grupo sinta que vale a pena continuar. Não pode, nem deve, ser o outro a

avaliar isso e muito menos a investigadora.

Ao longo de um trabalho deste tipo, vivem-se momentos de angústia, de incapacidade e de

cansaço. Curiosamente, porém, nos momentos em que se fizeram balanços sobre o trabalho

realizado, todas tínhamos críticas a apontar, mas nenhuma colocava a hipótese de sair ou agendar

um fim ao grupo. Estava sempre presente que apesar das dificuldades, precisávamos de continuar e

que precisamente porque discordávamos em muitos aspectos é que evoluíamos enquanto grupo.

Como grupo procuramos valorizar cada uma das professoras, assumindo uma perspectiva

idêntica à de Olson (1997) quando diz que “é a pessoa que deve ser valorizada, e não o seu

conhecimento ou estatuto” (p. 21). Penso poder afirmar que o grupo funcionou sempre num

ambiente de respeito mútuo. Mesmo nos desacordos e perante opiniões contraditórias sentia-se que

o grupo vivia um bom ambiente no qual se construiu uma relação de amizade entre todas.

Como investigadora aprendi que mesmo quando as pessoas estão empenhadas e

motivadas, como era o caso destas professoras, toda a mudança é demorada e que os passos a dar

não são nunca, nem podem ser, muito grandes. Por vezes, tive a sensação que a tentativa de

provocar determinadas experiências resultava infrutífera: primeiro é necessário que a professora em

causa assuma como seus os objectivos. Eva contribuiu de forma particular para essa aprendizagem

quando exprimiu o seu desconforto com as aulas planificadas em grupo, alegando que não sentia

como suas essas planificações. Todas tivemos que amadurecer perante essa evidência. Por seu

lado, Carla e Maria foram-se envolvendo nas planificações com entusiasmo e sentindo-as como

suas, pelo simples facto de serem discutidas pelo grupo e participarem activamente na sua

elaboração e análise. Maria, ao longo do projecto, assumiu o papel de investigadora sobre a sua

própria prática e revelou como esse papel é motor de mudança e de aprendizagem. No entanto,

mesmo aí as mudanças para se tornarem efectivas necessitam de reflexão e tempo para maturação.

Ao longo do projecto todas nós – professoras e investigadora – aprendemos sobre nós

próprias, sobre as outras e sobre as temáticas do projecto, mas, evidentemente, nem todas

Page 21: Capítulo 10 Conclusões - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/1523/16/15370_10_Conclusoes.pdf · planeamos, concretizamos e analisamos diversas experiências com as turmas,

Capítulo10 – Conclusões

419

aprendemos o mesmo. Esta heterogeneidade (que tem paralelo na heterogeneidade dos nossos

percursos profissionais e motivações) foi bem clara desde o início. A consciência desse facto

aumentou a liberdade de cada uma dentro do grupo e tornou-o, mais que um ponto de chegada, um

lugar de contínuo recomeço.

10.3. Sugestões para futuras investigações

Este estudo suscita novas propostas de trabalho e oportunidades de investigação quer sobre

a temática da comunicação como sobre a própria dinâmica associada à investigação colaborativa.

Algumas dessas propostas decorreram de temáticas que chegaram a ser objecto de análise no

âmbito do projecto colaborativo, mas não foram retomadas na presente dissertação e outras

nasceram já da reflexão feita sobre o próprio projecto colaborativo.

Colaboração. Um primeiro conjunto de questões que valeria a pena analisar com mais

detalhe diz respeito às condições concretas em que decorreu este trabalho. Se ele vale

precisamente pela força da especificidade humana dos casos construídos, não deixa de suscitar a

interrogação sobre o tipo de conclusões a que se poderá chegar partindo de condições diferentes.

Uma das variáveis que a minha experiência docente em licenciaturas em formação de professores

crê relevante é a idade das professoras envolvidas. Todas elas tinham, neste projecto, para cima de

20 anos de serviço, o que sugere que talvez fosse relevante prosseguir um estudo similar com

professoras que se encontrassem no início de carreira.

O período em que decorreu o projecto colaborativo e que, como se sabe, foi marcado por

diversas mudanças na vida escolar com reflexos, reais e psicológicos, no conjunto dos professores

do ensino básico e secundário. Recorde-se, nomeadamente, que no início do ano lectivo de

2004/05 ocorreram vários contratempos: houve um atraso considerável no arranque das aulas, em

consequência da tardia colocação de professores; foi implementado o exame nacional de

Matemática para o 9.º ano de escolaridade; o Ministério da Educação foi concretizando diversas

medidas que, de uma forma ou de outra, afectavam a carreira e as expectativas dos professores (ou,

pelo menos, assim foram percebidas). Investigação futura poderá ajudar a aferir o seu impacto em

Page 22: Capítulo 10 Conclusões - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/1523/16/15370_10_Conclusoes.pdf · planeamos, concretizamos e analisamos diversas experiências com as turmas,

Comunicação na sala de aula de Matemática: Um projecto colaborativo

420

projectos deste tipo, dando a conhecer em que medida são os professores vulneráveis a esse tipo de

constrangimentos na sua prática profissional.

Comunicação. Também em relação à temática da comunicação, diversas são as questões

que decorreram do trabalho e que podem ser exploradas em futuras investigações. Assim, várias

foram as aulas em que as professoras propuseram aos alunos trabalho de grupo, e também as

reuniões em que a temática do trabalho de grupo foi discutida. Não foram, no entanto, analisados os

diferentes tipos de interacção estabelecidos entre os elementos do grupo. Nem, por exemplo, de que

forma e até que ponto se relaciona o tipo de tarefa proposta e o tipo de interacção verificada.

A literatura aponta, e a própria experiência do grupo confirma, que as questões colocadas

pelos alunos são habitualmente para esclarecimento de dúvidas pontuais. Seria interessante o

desenvolvimento de um estudo que permitisse analisar e tipificar as questões dos alunos assim

como as estratégias do professor para as desenvolver e estimular.

Apesar da importância que as três professoras envolvidas no projecto lhe atribuíam, a

verdade é que não foi considerada aqui a comunicação escrita em Matemática. Trata-se de um

tópico multifacetado e que, creio que com proveito, poderia ser objecto de um projecto colaborativo

de contornos similares ao que serviu de base a esta dissertação. Questões a abordar incluiriam,

nomeadamente, a indagação do papel do professor no desenvolvimento nos alunos da expressão

matemática escrita, do tipo de registos que são legitimados pelo professor e porquê e de quais as

normas a estabelecer numa comunidade de sala de aula para o registo escrito.

Um aspecto que decorre directamente da análise de determinadas aulas das professoras

envolvidas no projecto tem a ver com os momentos de interacção de um aluno ou grupo com a

turma considerada no seu todo. Estas interacções podem ser estruturadas de formas muito variadas

e poderá ser interessante a sua análise sistemática. Em particular, valerá a pena investigar as

diferentes normas sociais e matemáticas associadas a essas interacções, assim como o papel do

professor no desenvolvimento de determinado tipo de interacções. As normas sócio-matemáticas

traçam um caminho que gostaria de ter percorrido de forma mais aprofundada ao longo do projecto

colaborativo. Por várias razões foram apenas abordados alguns aspectos dessa temática. Outras

questões ocorreram ao longo do trabalho e justificam posterior investigação. Por exemplo, a de

determinar quais as normas sócio-matemáticas que se estabelecem numa determinada comunidade

Page 23: Capítulo 10 Conclusões - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/1523/16/15370_10_Conclusoes.pdf · planeamos, concretizamos e analisamos diversas experiências com as turmas,

Capítulo10 – Conclusões

421

de sala de aula, envolvendo turmas e professores concretos e de que forma elas se relacionam com

a vivência e percurso profissional do professor.

Apesar das vicissitudes do percurso que pôs de pé o projecto colaborativo que subjaz a esta

dissertação, percebo-o agora, a alguma distância, como um fecundo lugar de encontro e de

confronto de olhares e vozes. Lugar de maturação e descoberta. Na tensão, por vezes, e de desafio.

Lugar onde a investigação se torna uma prática na prática, e a prática profissional emerge como

espaço de inquirição e de mudança. Como se disse atrás, o grupo continuou, com redobrado

esforço e foi acolhido institucionalmente no interior da escola. As marcas reais deste projecto em

cada uma de nós – professoras e investigadora – Só a prazo mais longo se poderão avaliar. Como

escreveu o poeta – António Machado:

Caminante, no hay camino se hace camino al andar

Page 24: Capítulo 10 Conclusões - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/1523/16/15370_10_Conclusoes.pdf · planeamos, concretizamos e analisamos diversas experiências com as turmas,

Comunicação na sala de aula de Matemática: Um projecto colaborativo

422