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Capítulo 6
Carla
6.1. Apresentação
Carla é uma professora com cerca de 45 anos. É solteira e tem uma vida independente,
mas, apesar de ter casa própria, passa muito tempo em casa dos pais apoiando-os quando
necessitam e também porque não gosta de estar muito tempo só. Tem uma irmã mais nova
com quem mantém uma relação de grande proximidade. Carla refere que a sua “família é muito
importante” e que os pais, como “a idade não perdoa”, vão precisando cada vez de mais apoio.
Passa alguns fins de semana com os pais e irmã numa aldeia próxima de Braga onde têm uma
quinta. No trabalho agrícola é sempre necessária alguma ajuda que se alia ao gosto que daí
retira.
Nasceu numa cidade do norte do país onde fez toda a sua escolaridade. Gosta muito de
viajar e procura no Verão inscrever-se com amigos em passeios para “conhecer o mundo”. No
entanto gosta de andar por lugares seguros e passeio bem organizados, sem demasiadas
aventuras, pois diz ter “algum receio” da incerteza, acrescentando “gosto de saber onde vou
dormir, as condições que me esperam (…) com o que conto” (NC).
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De aluna a professora
Da sua experiência como aluna, Carla recorda a forma deliberada com que estava
desatenta nas aulas de Matemática: “Nunca estava atenta nas aulas de Matemática, mas de
propósito. Desde o 7.º ano (na altura 1.º ano do curso geral dos liceus) que adorava descobrir as
coisas e detestava que me ensinassem” (TEC1). Sempre que precisava de ouvir a professora,
por exemplo, porque depois tinha que ir ao quadro, afirma que “detestava essa aula”. Carla
constata que esta atitude era possível porque “os professores chegavam ali depositavam a
matéria no quadro e… Nós não abríamos a boca durante a aula, só o professor é que falava. Era
uma turma só de raparigas, antes do 25 de Abril” (TEC1). Como aluna nunca experimentou
aulas de trabalho de grupo, por exemplo: “Trabalho de grupo, nunca tive” (TEC1). Segundo
explica, as aulas que presenciou eram “muito tradicionais, expositivas” (TEC1). Como gostava de
estudar sozinha, e o manual às vezes não era suficiente, chegava a ir “para a biblioteca pública
e passava lá tardes com os livros da biblioteca a resolver exercícios, a ler a informação que
estava nesses livros, a investigar” (TEC1).
Foi aluna de uma universidade do norte do país onde frequentou a Licenciatura de
Matemática, via Ensino. Foi uma boa aluna tendo concluído o curso no tempo previsto. Carla
chegou a dar aulas numa escola perto da residência antes de terminar a licenciatura. Fez o
estágio pedagógico numa escola secundária sob a orientação de um conjunto de três
professoras, uma da escola e duas da universidade, por quem manteve sempre um grande
apreço.
O percurso de professora
Profissionalmente, Carla é uma pessoa muito dedicada à escola. Gosta da sua profissão,
dizendo mesmo “sempre tive prazer em ensinar Matemática” e em tom de brincadeira “se não
fosse professora, queria ser professora de Matemática” (TEC1). O que a atrai na profissão é
“estar com os alunos” e “ensinar Matemática”. Algo que considera bastante gratificante no seu
trabalho, é chegar ao fim do ano lectivo e os alunos, que inicialmente nem gostavam da
disciplina, dizerem que “querem ser professores de Matemática, já tenho aí muitos que são
professores de Matemática” (TEC1). Parece-lhe ser uma prova de que lhes criou, ou pelo menos
manteve, o gosto pela disciplina.
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Apesar de ter efectivado numa escola secundária, onde permaneceu durante cerca de
10 anos, está neste momento numa escola básica 2,3 por opção. Explica a sua preferência, por
um lado pelo “nível etário dos garotos”, por outro lado porque “no secundário, hoje em dia, a
maior parte dos alunos tem explicadores, portanto aquilo que eles sabem não é aquilo que eu
ensinei, isso é uma frustração”. Um outro aspecto que refere é que no secundário “os alunos
chegam com insucesso acumulado desde o 7.º ano e já não se tem hipótese de recuperar
aquele aluno, é tarde demais para isso” (TEC1). Escolhe, sempre que tem essa oportunidade, as
turmas consideradas mais fracas. A razão para essa escolha é similar à anterior: menos alunos
com explicadores. Sente-se mais útil a esse tipo de alunos e, portanto, trabalha com mais
vontade.
O reconhecimento da frustração que sente ao constatar que os alunos aprendem de
outras formas que não com o trabalho realizado nas aulas é revelador do seu olhar sobre a sala
de aula e sobre os papéis dos intervenientes. Para Carla a aula é um espaço onde os alunos
aprendem e ao professor cabe a tarefa de ensinar. Apesar de encarar a sala de aula como uma
comunidade de aprendizagem que pode ser enriquecedora para todos os intervenientes, nem
sempre isso transparece do seu discurso.
Considera que o seu papel como professora não se limita a ensinar Matemática mas
também se estende à formação dos alunos como “indivíduos”. Porque às vezes há “muitos
miúdos que chegam ao 8.º ano e ainda não sabem, [por exemplo], estar dentro de uma sala de
aula” (TEC1).
Relativamente ao ensino de Matemática, Carla considera o conhecimento científico
essencial. Defende que o conhecimento matemático do professor deve ser bastante abrangente,
não se restringindo aos conteúdos que lecciona.
O professor de Matemática, cientificamente tem que estar muito bem preparado. Não pode cometer erros científicos, senão... Não pode haver erros científicos, é imperdoável isso. (...) Tem que saber muito mais do que aquilo que vai ensinar. Tem que estar preparado para responder a qualquer dúvida que o aluno coloque, tem que ir mais além do que aquilo que está a trabalhar, que está apenas nos manuais. (TEC1) Carla considera importante que o professor proporcione meios para que os alunos
“desenvolvam competências” (TEC2). Isto é, esclarece,
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Que eles desenvolvam competências, não é apenas que eles aprendam os procedimentos e... não, não é isso. Por um lado quero que eles percebam o que estão a fazer e que desenvolvam competências para novas situações e para resolverem problemas, desenrascarem-se, saberem. (TEC2) Carla sustenta a importância da aplicabilidade da Matemática. Considera que o ensino
da Matemática em geral, cada vez se preocupa mais com a ligação ao real, tornando-se dessa
forma mais apelativo para os alunos. Para Carla, a aplicação da Matemática ajuda à
compreensão e mesmo à memorização de determinados conceitos. Nas suas palavras: “Agora já
se procura mais ligar ao real (...) e os alunos assim não esquecem” (TR17).
Para Carla a relação estabelecida com os alunos é fundamental e, embora não
especificando, revela que é importante que o professor diversifique o mais possível as estratégias
utilizadas e que procure ser criativo para lutar contra a monotonia. Na afirmação que se segue
está patente que o conhecimento pedagógico do professor também é por si considerado:
Depois tem que ter uma excelente relação com os alunos. Tem que ser também muito bom pedagogicamente e hoje em dia, tem que ser também muito criativo porque não pode fazer as coisas sempre da mesma maneira… Senão cai em monotonia e os miúdos depressa cansam. (...) Temos que surpreender sempre os miúdos, captá-los, temos que surpreendê-los. (TEC1) No caso de alunos que estão a ter acompanhamento ou com quem a relação pode ser
menos boa, considera:
[Perante] um problema de ordem pedagógica, dificuldades, no relacionamento com algum aluno, por exemplo, vou ter com a directora de turma, com outro professor e vejo que estratégias é que eles estão a seguir para aquele aluno, como é que estão a fazer e até vou [falar com a] psicóloga. (TEC1) Carla em vários momentos revela o gosto que tem pela sua profissão. Sublinha logo na
entrevista inicial a importância que atribui a esse elemento para o bom desempenho do
professor:
Acima de tudo, [o professor] tem que gostar daquilo que faz. (...) Se não gosta de ser professor, é um sofrimento para ele, e para os miúdos também que logo, logo se apercebem disso. (TEC1) Quando encontra dificuldades tenta resolvê-las procurando a informação e o apoio onde
lhe parece poder encontrá-lo. Diz, por exemplo, que perante um problema ou exercício que não
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consegue resolver: “Não tenho vergonha nenhuma de ir ter com os meus colegas e perguntar-
lhes ‘Olha como é que tu resolves isto, não estou a conseguir, não me está a dar certo, não está
a…’ E discuto com eles” (TEC1).
Carla tem frequentado várias acções de formação e participado em diversos congressos
ao longo da sua vida profissional. Relativamente às acções de formação tem tendência para
procurar as que se insiram nas áreas das novas tecnologias e da matemática. Embora
reconheça importância a áreas mais abrangentes, essas não constituem uma das suas
prioridades. Diz mesmo:
As acções que frequentei foram na área das tecnologias, acções de internet, computador, calculadora, e depois também... Eu sempre procurei acções ou das tecnologias ou da matemática. Aquelas por exemplo de projecto curricular, não. [risos] Tinha outras prioridades não é que não achasse isso importante também, achava importante mas tinha outras prioridades. Queria aprender mais das tecnologias e depois as específicas da matemática. (TEC2) No que diz respeito a congressos em que participou, considera que “aprende-se sempre
alguma coisa” (TEC2), acrescentando que a preocupa o ter que faltar às aulas: “Aprendemos
sempre. A mim só me custa ter que faltar às aulas, isso é a parte que me custa” (TEC2).
Realmente é enriquecedor, fazemos muitas aprendizagens, é um banho de... (...) Os ProfMats têm muitas sessões em simultâneo, umas práticas... (...) Fui a Guimarães, fui a Viana, fui a alguns, fui a Barcelos, [não] Barcelos foi um MinhoMat.... (TR21) Carla considera que os alunos da escola não se diferenciam muito dos alunos de outras
escolas onde leccionou. De uma forma geral, considera que os alunos “estão habituados a ter
tudo de forma fácil e sem trabalho” (TR17). A propósito do episódio seguinte comenta que aos
alunos “de facto, falta investimento para pensar” (TR17):
Este ano fiquei muito surpreendida porque já tinha feito isso com os pequeninos no laboratório e eles resolveram logo e os meus alunos... ‘vão à pastelaria, têm um bolo na forma de tangran e dividido desta forma, custa 16 euros, quanto custam cada uma desta fatias?’ (...) Não foram capazes! Ficaram a olhar para mim, ‘sei lá!’ depois achavam que iam pagar o mesmo por todas. Então vocês acham que pagam o mesmo por esta pequenina como por esta grande? (TR17)
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Apresenta uma especial preocupação pelos alunos que “não investem, que
aparentemente não querem fazer” e interroga-se sobre “o que se passa?”, manifestando assim a
sua impotência e perplexidade.
Os nossos alunos, hoje em dia, estão a ficar cada vez mais doentes de ‘preguicite aguda.’ (...) Dei-lhes teste esta semana (...) para aí uns dez, [deixaram] completamente em branco. (...) ‘Então nas aulas fazias, resolvias, é o que demos nas últimas aulas e agora não fazes?’, ‘ai, não, não sei, não faço’. Nem tentaram, nada. Que é que se passa com esta gente, na última aula fizeram bem no quadro e... (...). Na aula faziam, entusiasmados a resolver, (...) no teste nada. (...) Na aula constatei que eles sabiam (...). Há pouco investimento. (...) Não estão para se chatear. (...) Estes meus alunos, são alunos em que a negativa não é só a Matemática, são alunos com seis e sete negativas e... (...). Pegam no teste põem o nome e olham para o lado, para fora. (...) São completamente indiferentes à avaliação, a avaliação já não lhes diz nada, estão indiferentes. (...) Mas acho que isto também é culpa nossa, há muitos casos aí que têm seis negativas no primeiro período, sete ou oito no segundo [período] e chegam ao terceiro [período] e passam. E eles já estão numa de, eu passo na mesma quero lá saber, estou lá para me chatear a fazer o teste. (TR20) Na segunda entrevista Carla coloca em dúvida se o seu envolvimento com os alunos
com dificuldades de aprendizagem não será excessivo e, tantas vezes, inglório. Sente-se dividida,
por um lado preocupa-se com esses alunos de forma instintiva, por outro lado considera que ao
fazê-lo está por vezes a prejudicar outros alunos que revelam mais interesse, empenho e
capacidade em relação à Matemática. Refere:
Preocupo-me sempre muito com os alunos que têm mais dificuldades na aprendizagem. (...) Preocupo-me mesmo muito com esses alunos. (...) Mas começo a constatar que por mais que a gente invista nesses alunos, a gente não consegue. Começo a questionar-me se será que vale a pena, não é se vale a pena, como é que te hei-de explicar, a pessoa dedica-se tanto a esses alunos e depois constata que, investe tanto neles, esforça-se tanto e eles não retribuem, são miúdos com expectativas muito baixas, a escolaridade não lhes diz nada, não têm objectivos, isto não lhes serve para aquilo que eles querem fazer. A família também não se importa, e é um trabalho... Evidentemente que há um ou outro aluno que consegue, mas a maior parte... a gente está ali, muitas vezes em prejuízo de um bom aluno que poderíamos levar muito mais longe e fico na dúvida... Será que estou a fazer a opção correcta? Começo a ter essa dúvida. Tenho que reflectir sobre isso.
Considera bom o ambiente entre professores da escola. Mas acrescenta:
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Os professores deviam ter mais tempo para poderem estar uns com os outros, para reuniões. (...) Falta-nos esse tempo. Isso se estivesse já marcado no horário, semanalmente, uma reunião com os restantes professores do departamento, podermos preparar as aulas em conjunto, trocar experiências, seria muito enriquecedor. Essa seria a melhor formação que poderíamos ter ao longo da carreira. Trocarmos experiências uns com os outros, trocar opiniões, pronto, aprendermos uns com os outros. (TEC1) Carla diz que gosta “muito mais de trabalhar em grupo” (TEC1), embora sinta que
precisa do seu tempo individual de reflexão e de trabalho: “eu preciso também do meu
momento de reflexão, de análise… Mas gosto de falar com os outros, discutir com os outros…
Pena é a disponibilidade” (TEC1). Acrescenta:
Muitas vezes, custa é… As pessoas estão fechadas nos seus casulos e custa começarem a trabalhar. Mas a partir do momento que se juntam... Esta história da balança1 por exemplo, começamos aquele dia e agora até já temos todas as terças feiras para trabalhar. (...) Agora até achamos que vale a pena e temos reunido todas as terças. (TEC1) Manifesta por vezes algum descontentamento relativamente ao trabalho com os colegas.
Embora considere que as reuniões de departamento deviam ser aproveitadas para discussões e
trocas de experiências, também reconhece que os professores precisam de estar interessados
para que seja produtivo. Diz mesmo: “As pessoas têm que vir já para a reunião com a
disposição também de reflectir sobre isto e... se não vão com disposição para discutir e
[reflectir]...” (TR18). Lembra que já tentaram “reuniões opcionais já fizemos (...), até estava
gente e as pessoas estavam interessadas. Foram muito interessantes” (TR18).
Carla tem consciência que “com os anos, a pessoa vai adquirindo vícios (...) e muitas
vezes não tem consciência de que já não [está] a fazer as coisas bem feitas” (TEC1). Avança
que prevê com o projecto proposto no âmbito deste trabalho de investigação, uma tomada de
consciência de alguns desses vícios, “daquilo que não [está] a fazer bem” e uma possibilidade
“para poder fazer cada vez melhor” (TEC1).
Nos dois anos lectivos que envolveram a experiência Carla teve a seu cargo cinco
turmas, entre as quais, algumas do 8.º ano. Talvez por coincidência, todas as aulas gravadas
decorreram em turmas do 8.º ano. Não teve a seu cargo nenhuma direcção de turma, durante
1 Referência a um grupo de trabalho envolvendo professores de três escolas destinado a descobrir formas de explorar uma balança na sala de aula. Os professores da escola de Carla reuniram semanalmente durante o 2.º período.
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esse período de tempo, embora já o tenha tido por muitos anos. Trata-se de facto de uma função
que actualmente “detesta” dado que se tornou muito “burocrática e com isso se perdeu muita
coisa” (TEC1). Acrescenta que “mesmo a hora de atendimento aos encarregados de educação,
hoje em dia, em vez de ser uma partilha de reflexões, de estratégias para actuar junto ao aluno,
constitui um momento de ataque” (TEC1). Refere que os pais “vêm mais à escola mas não
vêem o professor como parceiro na educação dos seus filhos, vêem o professor como inimigo do
filho e portanto há que atacar” (TEC1).
Carla é uma professora activa tendo desempenhado várias funções na Escola. Em
particular, já fez parte do conselho executivo, foi coordenadora do departamento e coordenadora
dos directores de turma. No que se refere à sua colaboração com o Conselho Executivo, lembra
que esteve cinco anos numa escola secundária onde leccionou mas refere-se a essa experiência
como tendo sido uma experiência “mais burocrática”: “Gerir dinheiros, (...) mais questões
administrativas e não pedagógicas” (TEC2). Na escola onde se encontra actualmente, já
colaborou com o Conselho Executivo como assessora. Embora essas experiências a tenham
ajudado a ter um maior conhecimento do funcionamento da escola, ficando “mais integrada”
considera que, pelo menos directamente, essas experiências não tiveram qualquer influência
sobre a sua prática.
Na escola assumiu a coordenação da construção de um laboratório de Matemática que
conseguiu que ficasse permanentemente em actividade, sendo visitado pelos alunos
individualmente ou requisitado para aulas de Matemática ou estudo acompanhado. Actualmente
está a ser utilizado também para aulas de substituição dado que há sempre professores de
Matemática destacados no laboratório durante as suas horas de complemento curricular. Carla,
referindo-se à construção do laboratório, diz:
Foi muito enriquecedor para mim. Fiz muitas aprendizagens. Obrigou-me também a ler, a pesquisar, a ver os materiais que existiam, o que se podia fazer com os materiais e como é que aquilo pode ser usado nas aulas e etc. (TEC1) Carla conta que também frequentou um Mestrado, mas apenas durante um mês. Aquele
Mestrado, diz, não correspondia às suas expectativas. Procurava aprender mais no sentido de
melhorar as suas práticas mas rapidamente se apercebeu que não seria através daquela
experiência. Indica uma das disciplinas que considerou interessante mas tinha que fazer muitas
outras que não a entusiasmaram. Diz o seguinte:
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Cheguei a inscrever-me num Mestrado, mas é que eu queria... Comecei a frequentar mas depois... não era aquilo que eu esperava. Eu queria um Mestrado, na altura em que me inscrevi, eu queria um mestrado que... vamos lá a ver, era um pouco o trabalho que fazemos agora. Queria portanto um Mestrado para melhorar as minhas práticas percebes? Mais ligado aquilo que eu faço com os meus alunos e depois cheguei lá e era muito teórico, desisti logo. Frequentei algumas aulas mas desisti logo, andei cerca de um mês. Queria explorar metodologias, (...) reflectir sobre as práticas, melhorar as práticas, era o trabalho que eu queria. Gostei muito, por exemplo das aulas da Isabel, eram muito interessantes, mas (...) não era só a Isabel! (TEC2) Carla continua a pensar frequentar um mestrado de acordo com as suas expectativas,
por exemplo, na “área da didáctica da Matemática (...) ou nas tecnologias” (TEC2).
Apesar de ter mais de 20 anos de serviço e ter tido muitas turmas dos anos que se
encontra a leccionar, refere que continua “a preparar as aulas sempre”, dizendo mesmo “não
vou para a sala sem pensar o que vou fazer”(TEC1). Quando dá aulas “mais expositivas, escrevo
tudo, as definições que vou apresentar aos alunos (...) tudo, tudo estruturado” (TEC1). Não
obstante o facto de pensar com pormenor as aulas refere que “há sempre ocorrências (...), há
sempre uma parcela de improviso” (TEC1). Em geral, Carla apresenta abertura para imprevistos
não se prendendo demasiado aos planos de aula. Ao relatar um episódio ocorrido algum tempo
antes da entrevista, deixa transparecer a importância de não se sentir presa à estrutura pensada
para a aula, deixando que a aula decorra aparentemente sob controlo de um aluno.
Ainda esta sexta-feira, estava a ensinar potências e estava a começar com as potências de expoente natural, e ia dar as regras das operações com as potências de expoente natural e há um aluno que diz ‘Oh professora e se for negativo?’ ele queria saber naquele momento como é que era. E eu, olha, já não dei as regras das operações com potências... o aluno desfez-me por completo a minha estrutura da aula. Mas tudo bem, eu achei que aquele aluno queria fazer aquela aprendizagem naquele momento e achei que sim senhora, pronto, satisfazer o garoto. (TEC1) Permitiu, assim, que a aula mudasse de rumo e relata-o com satisfação:
Depois foi o aluno que me conduziu a aula. [Risos] (...) E depois, coloca-me mais perguntas: ‘Oh professora e se os expoentes forem diferentes e nas bases, por exemplo, tivermos um –2?’. Eu aproveitei, estivemos a ver se há apenas uma diferença de sinal nas bases, que estratégia usar para poder aplicar as regras, transformar aquilo numa situação em que se possa aplicar as regras. Olha a
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aula foi ele que a conduziu mas resultou muito bem, às vezes acontece, mas levo sempre as aulas preparadas. (TEC1) Assim, Carla quando vai para a sala, leva não só toda a sequência da aula pensada, mas
também alguns papéis com os vários pontos de orientação e que coloca entre as páginas do
livro, a estes papéis Carla chama mesmo de cábulas. Esta preocupação em colocar os papeis no
livro, marcando as páginas e com os exercícios escolhidos e outras observações, mostra, de
certa forma, a sua ligação estreita com o manual escolar.
Para além de escrever no caderno tudo, depois faço a minha cábula para orientar. Meto no livro estas cábulas que depois deito fora... são depois os meus esquemas. Olha vês... está aqui um: falar de..., fazer os exercícios..., tenho que ter este esquema senão esqueço-me. (TR13) Apesar de planificar as aulas com algum cuidado, tem uma certa dificuldade em cumprir
uma planificação a médio ou a longo prazo. O seguinte relato é exemplificativo disso mesmo:
Dei os casos notáveis e amanhã em princípio devia começar a factorização mas sinto que eles precisam de mais uma aula de casos notáveis percebes? Portanto não sei se amanhã vou conseguir chegar à factorização. Sinto e como amanhã vou ter muito trabalho de casa para corrigir porque mandei muito trabalho de casa, vou perder muito tempo a corrigir o trabalho de casa, estou com vontade de não começar amanhã... (TR21) Carla procura seguir a ordem do programa e raramente recorre às planificações
elaboradas pelo departamento. Costuma não perder de vista o número de aulas previstas, mas
essencialmente preocupa-se quando há alterações à ordem do programa e nesse caso procura
consultar as planificações do departamento.
Só vou ver quando alteramos a ordem do programa. (...) Quando alteramos a ordem eu tenho o cuidado de ver o que... quando estou a terminar uma unidade, deixa-me ver o que é que tenho que dar a seguir. (TR22) Preocupa-se bastante com o cumprimento dos conteúdos curriculares: “Temos portanto
um programa para cumprir e os programas são muito extensos” (TR5). Segundo ela, os próprios
pais e alunos fazem pressão nesse sentido. A este propósito relata:
No ano passado, pela primeira vez, chamaram a atenção que não cumpri o programa, ‘A professora não cumpriu o programa’ e eu disse-lhes ‘pois não, não
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cumpri, mas também nunca faltei’ e eles ‘não, mas em determinados momentos não havia necessidade de repetir, fazer tantos exercícios…’. Estes alunos são bons. (…) Ele tinha toda a razão quando disse isso: não se precisava de fazer tantos exercícios. (TR5) Para Carla é, pois, importante seguir o programa. No entanto, confessa que do
programa olha apenas os conteúdos. A tudo o resto, mesmo as sugestões metodológicas, não
dedica muita atenção, dizendo mesmo:
Confesso que às vezes nem olho para isso. Sabes, temos uma listagem de conteúdos que temos que dar e pronto. Às vezes vou lá e olho para tudo aquilo como sugestões que às vezes aproveito para as aulas, mas como referência. (TR12) De facto, considera o programa como uma listagem de conteúdos tal como se pode ver
quando acrescenta: “O programa a gente cumpre, as estratégias sugeridas a gente não cumpre”
(TR12).
Refere que às vezes, o manual escolar tem aspectos que não constam no programa.
Preocupam-na mais, contudo, as situações inversas em que o programa contempla aspectos
que não são abordados no manual. Por exemplo, em relação à representação gráfica de
sistemas, diz:
Temos a questão dos sistemas, o livro apresenta a interpretação gráfica dos sistemas, o programa não refere a interpretação gráfica dos sistemas. Mas, eu dei. Dei porque, não foi por estar no livro, eu acho que os alunos interiorizam muito melhor os sistemas, estás a perceber, percebem muito melhor o que é resolver um sistema se virem o que é graficamente. Não está no programa, não está, mas dei (...) porque acho importante. Se não estivesse no livro também dava mas assim senti-me mais apoiada. (TR11) Embora sinta liberdade de “explicar” de forma diferente e de abordar aspectos não
explorados no manual escolar constitui um apoio não só para a sua prática mas também para
sua protecção em relação ao exterior. Por exemplo, se os pais vêem um determinado tópico no
manual não reclamam pelo facto de eventualmente não estar no programa.
O livro é um material de apoio, é um material de apoio. [Embora] nem sempre explico da mesma forma que o livro explica, nem sempre dou tudo o que está no livro. Quando sinto necessidade de dar coisas que não estão no livro também dou, não é. (TR11)
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Para Carla o manual escolar corresponde a um material essencial para todas as aulas, a
par do caderno diário. Procura propôr aos alunos exercícios do manual no caso de este conter
“uma variedade razoável de exercícios”. Caso contrário, constrói “muitas fichas com exercícios e
actividades” (TEC1).
Considera que os exercícios propostos no manual são importantes e insiste que os seus
alunos tomem consciência de que têm que os resolver.
Olha sinto que o livro é um apoio. (...) Tem uma boa quantidade de exercícios, e os alunos sabem que têm que resolver os exercícios do livro. (...) Às vezes quando estou a apresentar um determinado conteúdo, [por exemplo] uma definição que apresento na aula, se é igual à do livro, até lhes digo: ‘copiem do livro’ [risos]. Têm sempre o livro na aula. Mas quando, por exemplo a definição é construída na aula e não está igual à do livro, construímos a nossa definição. (TR11) Um outro aspecto relevante para entender a Carla como professora, é o seu hábito de
definir a avaliação dos alunos com eles próprios no início de cada período. Considera, ainda, que
ao longo do ano os critérios de avaliação podem sofrer alterações e que isso deve ser discutido
com eles.
Na primeira aula, de cada período, proponho aos alunos a avaliação do trabalho desse período. Defino e coloco à consideração da turma e digo-lhes sempre que se não concordarem digam e nós discutimos o assunto e chegamos a um acordo. Digo-lhes também ‘levem para os vossos pais eles que se pronunciem sobre isso e se não concordarem apareçam para discutirmos o assunto’. (TEC1). Sublinha então que “de período para período há que fazer acertos”, pois ao longo do
ano e à medida que os alunos se vão adaptando ao professor e à turma, a avaliação também
pode ser diferente. Indica como exemplo,
No primeiro período ponho para o comportamento 10%, mas depois de aprenderem a estar dentro da sala de aula, a cumprirem as regras, acho que (...) já posso tirar no comportamento e ir reforçar, por exemplo, os testes ou reforçar o interesse e o empenho, ou… o trabalho de casa, depende também do tipo de trabalho que lhes proponho (TEC1). Carla considera que os testes de avaliação são essenciais e que as correspondentes
aulas de revisões não podem nem devem ser ultrapassadas. Preocupa-se mesmo que o trabalho
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dessa aula tenha uma estrutura semelhante à do teste. O seguinte relato é revelador disso
mesmo:
Porque cheguei à turma e estava a escrever o sumário e eles: ‘professora, hoje não é preparação para o teste?’ E eu: ‘Teste? Não. O teste é só em Dezembro.’ E eles: ‘Pois mas na quarta é feriado e portanto hoje é a última aula antes do teste.’ (...) Por sorte, já tinha pensado na estrutura do teste e portanto não havia problema. (TR11) Considera que “o peso dos testes não é o único, a avaliação do final do período não é a
média aritmética dos testes” (TR22). No entanto, a componente escrita, associada à resolução
de exercícios está visivelmente mais contemplada no tipo de avaliação sustentado por Carla. O
seguinte extracto é revelador disso mesmo:
[Acho] que é a melhor forma de avaliar. Se sentem que o comportamento entra na avaliação, o trabalho de casa entra na avaliação, a participação na aula entra na avaliação,... (...) Por exemplo, sempre que não fazem o trabalho de casa escrevem, ‘não fiz o trabalho de casa’. (...) Quando pego numa turma no início do ano lectivo, há muita gente ali a não fazer o trabalho de casa, depois chego ao final do período e vamos supor que são 5 ou 10%, depende daquilo que eu estabeleci com a turma no primeiro dia de aulas de cada período. Quando chegamos a um consenso, escrevem no caderno diário, levam para casa, mostram aos encarregados de educação e não concordando têm um prazo de 15 dias para vir aqui à escola para discutir. A partir daí (...) está definida a avaliação. Nunca apareceu ninguém (...). Mas eles depois têm que, por exemplo, têm 10% por fazer o trabalho de casa, na última aula do período quando estamos a discutir a avaliação, eu digo, ‘pega aí na tua ficha vamos ver quantas vezes é que não fizeste...’ uma vez eu perdoo por período porque admito que tiveram, à segunda vez, meu menino, não fizeste o trabalho de casa... (...) pronto, não tenho nada para o trabalho de casa, perdi os 10%. (TR22) Neste extracto Carla identifica no processo de avaliação as componentes de participação
na aula e do comportamento. Para proceder à sua avaliação, recorre à hetero-avaliação, como
se vê no extracto que se segue. Nele transparece também a sua preocupação com eventuais
reclamações exteriores. Reconhece que a auto e hetero-avaliações são formas de contornar o
problema.
Participação na aula, aí é que faço hetero-avaliação: ‘Ora, vamos lá ver quem é que vocês acham [que] na turma (...) merece 10%? Eles dizem... e eles avaliam-se muito bem. (...) Nestes aspectos do comportamento e da participação eles são muito mais honestos do que nós. (...) O próprio aluno tem consciência ‘ai eu
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até me porto mais ou menos’, e diz, ‘ai no comportamento eu acho que mereço 8’ e logo a turma reclama: ‘Tu 8? E as macaquices que fazes nas costas da professora? E as vezes que estás a falar com o teu parceiro?’, ‘Ah, bem realmente já não é o 8, já é só o 4’ percebes? E isto depois,(...) desta forma não vais ter uma reclamação, porque depois o aluno,... (TR22) Para Carla os exames são um meio importante de avaliar os alunos. Diz mesmo: “Eu
concordo com os exames”. No entanto, reconhece que “o exame vai criar desigualdades, [pois]
há alunos que até começaram as aulas mais tarde...” (TR11).
Possivelmente em consonância com esta sua posição face aos exames, Carla valoriza e
incentiva a realização de muitos exercícios de aplicação pelos alunos. Mais precisamente o
trabalho dos alunos extra-aulas: quer o trabalho de casa por si recomendado como aquele que
parte da iniciativa dos alunos. Em ambos os casos trata-se essencialmente de exercícios de
aplicação dos conceitos trabalhados.
O problema também é que estão habituados a fazer só o que tu mandas fazer. Muitas vezes, quando vejo um aluno que fez muito mais do que o que mandei fazer, elogio logo, tomo nota na caderneta. Valorizo muito essa atitude, para não estarem sempre à espera que o professor mande fazer. (…) Mas a maior parte dos nossos alunos dizem, a professora não mandou fazer. Carla chega a contabilizar os exercícios, atribuindo bónus aos alunos que mais exercícios
fazem.
Pedi-lhes para fazerem exercícios… que comprassem um caderno para os exercícios, os cinco que fizerem mais, para além dos que eu marco, dou-lhes 5% a mais na nota final. Dou-lhe um bónus… para premiá-los. (NC) A estrutura das aulas de Carla segue, essencialmente, o padrão tradicional: o professor
após uma introdução à matéria, exemplifica e propõe exercícios aos alunos. Carla revela
dificuldades em se desprender desse tipo de aulas. Diz mesmo, a propósito de uma aula de
introdução ao capítulo das funções numa turma do 8.º ano:
Olha a introdução ao estudo das funções vai ser uma aula um bocado expositiva, (...) a linguagem das funções,... um objecto, uma imagem, mínimo... e portanto, é uma aula muito expositiva, não vão ter muito espaço para falar (...) Nós temos que dar a linguagem, dizer o que é... têm que registar no caderno e não há muito espaço para eles interagirem. (TR10)
Capítulo 6 – Carla
155
Ao discurso de Carla está, por vezes, subjacente a ideia de que o papel do professor na
sala de aula é “dar” a matéria. Nesta visão, torna-se difícil sair da sequenciação de aulas, não
raro relacionada com a sequência dos capítulos e sub-capítulos do manual. O extracto que se
segue é de uma reunião onde planificamos uma aula na sala de informática sobre funções
utilizando o programa GraphMat. Na altura em que Carla falava estava a folhear o manual
adoptado para pensar na sequência de aulas e ver onde poderia trabalhar com os alunos na sala
de informática.
Portanto, uma [aula] para a perpendicularidade no espaço, aqui dou o teorema de Pitágoras no espaço, depois... (...) Portanto, 11 e 12 começo as funções. Mas antes disto tenho que dar a linguagem das funções. (...) Só à quarta aula de funções é que começo com o trabalho das funções... (TR9). Em verdade, Carla, apesar de já ter experimentado por várias vezes levar os alunos para
a sala de informática, acabou por não o fazer optando por levar um computador para a sala de
aula. Isto porque a sala de informática estava ocupada e o tempo que considera escasso para
cumprir o programa não lhe permitia adiar a proposta para essa aula. Pode-se notar no seu
discurso, muito particularmente pelo tempo verbal por si utilizado, que não é a primeira vez que
toma decisões análogas.
Levo o portátil para a aula, mostro aos alunos, quer dizer no 9.º ano a gente está ali portanto contra o tempo porque quer dizer, temos que dar o programa todo. Como estava sem tempo vai mesmo o computador portátil. ‘Ora digam-me lá uma proporcionalidade inversa’, ‘directa’, e davam-me a expressão e então ‘vamos ver qual é o gráfico’. ‘Outra’, e agora... (...) Depois comecei a pedir outros: ‘quero a expressão de proporcionalidade inversa a passar no ponto...’ (...) Pedia e eles iam dando os dados. (...) ‘Dêem-me a expressão analítica para eu escrever’. Pronto e eles davam-me a expressão analítica. ‘Agora quero uma directa, quero uma proporcionalidade directa a passar por este ponto’. ‘Agora quero uma que não seja nem directa nem inversa’. Misturei percebes, portanto... (TR11) Carla continua entusiasticamente a falar desta experiência na sala de aula, relatando
alguns pormenores da conversa estabelecida com e entre os alunos. A título de exemplo, segue-
se o seguinte relato:
Uma pergunta que me deixou contente nesta aula do 9.º ano, numa certa altura pedi uma recta horizontal. Queria a expressão analítica. E eles disseram. Depois há um aluno que pergunta: ‘e para a recta vertical professora?’ [Eu disse:] ‘Ah
Comunicação na sala de aula de Matemática: Um projecto colaborativo
156
isso aí não respondo, quem responde aqui ao vosso colega?’ E houve logo um que disse, um bom aluno claro: ‘não podemos que isso não é função’. E o outro viu logo ‘Ah pois não é função.’ (TR11) Apesar de ter sido uma aula em que apenas Carla utiliza o computador, reconhecendo
que seria mais interessante se tivesse havido um maior envolvimento prático dos alunos, tem a
percepção que as conclusões foram tiradas por eles em grande grupo.
Esta aula em que tive outro dia com o GraphMat, foram eles que construíram. Eles é que chegaram à conclusão que na proporcionalidade inversa portanto o gráfico é sempre uma curva deste tipo e aqui eu tive que dar o nome e viram que em consequência do parâmetro k a curvatura portanto, quanto maior o k mais afastada dos eixos estava a curva, eles é que tiraram as conclusões. (TR11) Recorrendo a alguns extractos talvez fique claro a estrutura da sequência das aulas de
Carla. Por exemplo, no que diz respeito à unidade de funções do 8.º ano. Relativamente às duas
primeiras aulas diz: “Na primeira a linguagem [das funções] mas aqui não consegues fazer estes
exercícios todos. (...) Na segunda aula tens que fazer os exercícios” (TR9). A preocupação por
cobrir todo o tipo de exercícios contemplados no manual requer mais uma aula: “A terceira aula,
tens de fazer aqui portanto exercícios também de: dada a função definida pela expressão
analítica, determinar o objecto, determinar a imagem” (TR9). Depois deste conjunto de aulas em
que os alunos trabalham as formas de definir uma função e exercitam a leitura de informação e
a passagem entre representações diferentes, na quarta aula: “Fazemos o estudo das funções do
tipo y=kx e y= kx+b. Aqui fazemos tudo. Eles portanto no computador, com uma fichinha
orientada fazem logo tudo” (TR9). Mais tarde lembra que nesta aula ainda propõe um conjunto
de exercícios que se não se concluírem ficam para trabalho de casa: “Fiz o ano passado, aqui no
final desta aula de... em que eles estão no computador a estudar e a tirar as deduções de kx e
kx+b, mandas para trabalho de casa estes exercícios aqui...” (TR9). Na aula seguinte retoma a
preocupação com a resolução de exercícios para saber se os alunos aprenderam e consolidaram
os conhecimentos.
Agora, a quinta aula, na quinta aula será uma aula de exercícios, em que, vamos fazer então o tal tipo de exercícios, (...) pede-se ao aluno para no computador fazer a redução do... no computador... têm de pensar qual é a expressão analítica para uma função cuja representação gráfica é aquela. E pronto já está tudo. (TR9)
Capítulo 6 – Carla
157
Carla considera essencial, referindo-o frequentemente, que os alunos façam muitos
exercícios. A propósito traça um paralelo com a compreensão e exercitação da tabuada:
Temos que dosear as coisas. Há coisas que também têm que mecanizar. Eles têm que perceber a tabuada, não é? Mas depois temos que exigir que eles a tenham também de cor. [De forma que] quando perguntamos aquilo seja automático. Mas, se ficarmos só por aí e não exigirmos que eles a saibam de cor, eles nunca saberão e quando precisarem dela mais tarde... (TR12) No entanto também defende que não se deve ficar só pela mecanização, que pode
provocar o potencial esquecimento no futuro: “Também só mecanizar, eles acabam por
esquecer. Não, isso não!” (TR12).
Neste sentido reconhece que aulas menos tradicionais têm mais potencialidades em
termos do trabalho dos alunos. No entanto, concorda com Eva quando esta se refere à falta de
criatividade para propor tarefas aos alunos e considera que para isso é necessário mais tempo
para as planificações: “Falta a criatividade e o tempo para preparar essa criatividade” (TR12).
Carla revela tendência para compartimentar os conteúdos embora faça um certo esforço
para a contrariar. Quando numa reunião de trabalho se procurava uma tarefa para trabalhar as
funções no 8.º ano, entusiasmou-se com uma mas logo se apercebeu que não era compatível
com a sequência que pretendia seguir: “Esta também é boa e já aproveitamos para rever
sequências, e termo, a expressão geradora,... Ai, não, isso vamos dar mais à frente (...) aqui não
dá.” (TR9).
Embora prescinda da introdução dos conceitos à partida, procura que estes sejam
introduzidos à medida que vai avançando. Imagina a necessidade de introdução aos assuntos de
forma faseada. A propósito da unidade de estatística refere: “Podes ir fazendo. (...) É, eles já não
são leigos. Acho que nesta fase, nesta primeira aula temos que falar do universo, da amostra,
pronto. Depois vamos dizendo conforme eles forem trabalhando as coisas e sentindo portanto,
necessidade de aprender.” (TR21). Depois acrescenta, a propósito de uma discussão sobre a
colocação ou não de definições de conceitos de estatística: “Acho que não. Acho que é melhor
nós depois (...) à medida que vamos circulando pelos grupos, (...) [os alunos] vão dando as
respostas e [nós] vamos chamando nomes às coisas. (TR21).
Carla procura sempre assegurar que os alunos tomem todas as decisões ao longo da
realização do trabalho. Desde a amostra, a forma como recolhem os dados,...
Comunicação na sala de aula de Matemática: Um projecto colaborativo
158
Eu vou pô-los a eles a decidir tudo. Se querem distribuir a todos os alunos, se querem trabalhar com a amostra que é mais funcional, no caso de escolherem a amostra, que critérios para a escolha da amostra, vou pô-los a tomar essas decisões todas. Assim como depois na distribuição dos inquéritos, dou-lhes os horários das turmas, decidirem quando é que vão às turmas, digo-lhes o trabalho [que] tem que ser feito até tal (...). Definam quando é que vão às turmas, eles é que vão ter que definir a apresentação, como diz a Maria, vão ter que preparar a apresentação [às turmas]. Não basta chegar lá e dizer está aqui um inquérito, vão ter que explicar aos colegas portanto para que é aquilo, prepararem-se e prepararem-se [também] para responder a perguntas. (TR21) Carla revela que se preocupa com a opinião dos alunos sobre as suas aulas. Conta, por
exemplo, uma situação que a deixou satisfeita porque traduzia o olhar de um aluno sobre as
suas aulas:
Outro dia também fiquei contente porque (...) um meu aluno disse à mãe que ‘as aulas de matemática dão pica’ [risos] ‘dão pica’. (...) Quando lanço perguntas, muitas vezes lanço uma pergunta para o ar, não é directamente a um aluno. (...) E isto e tal... e ele achou que... como os provoco e provoco algumas vezes porque eu gosto que as turmas estejam a... e ele achou que a minha postura na aula é diferente. Achei a expressão dele muito gira: ‘pica’. (TR11) Por fim, um aspecto que Carla sublinha tem a ver com a sua realização pessoal: quando
se sente mais realizada, diz, “sente mais prazer no que faz” (TR12). No entanto, manifesta
alguma preocupação com o cansaço que vai sentindo e que afecta a capacidade de
concentração: “As tardes com três blocos de 90 [minutos], é violento. Eu já digo uma coisa e
escrevo outra. Também já não tenho a capacidade de concentração que tinha quando comecei a
trabalhar” (TR16).
6.2. Concepções sobre a prática lectiva
Carla considera essencial que os alunos aprendam Matemática mas também que a aula
de Matemática se traduza num espaço agradável onde se sintam “à vontade” para participar e
se envolverem activamente. Para ela, o ambiente da sala de aula é muito relevante. Para que os
alunos se sintam envolvidos e interessados, acha que é importante que o professor “fuja à
Capítulo 6 – Carla
159
monotonia” criando quer “momentos diferentes” ao longo da aula quer aulas diferenciadas.
Assim, considera que numa aula, sobretudo após a alteração da sua duração para 90 minutos,
Tem que haver momentos de exposição da matéria, também são precisos, tem que haver prática, tem que haver momentos para eles assimilarem e digerirem, tem que haver momentos de descontracção, 90 minutos é muita coisa e senão os miúdos não aguentam. (TEC1) Nos momentos de descontracção inclui conversas com os alunos sobre as suas
preocupações, não necessariamente relacionadas com a Matemática. Refere que “se não
resolvermos o problema [do aluno], tentarmos continuar a aula, puxar ‘a brasa para a nossa
sardinha’, não dá porque enquanto não resolverem o problema deles não vão aprender, não vale
a pena” (TEC1).
Defende também que, ao longo das aulas, os alunos devem trabalhar de formas muito
distintas, podendo o professor recorrer ao “trabalho individual, trabalho de grupo, aos pares, tem
que haver de tudo para os captar” (TEC1). Para Carla, a utilização de “materiais e novas
tecnologias” (TEC1) constitui um meio poderoso para envolver os alunos activamente nas aulas.
Por outro lado, considera que o ambiente da sala de aula é bom se houver condições de
trabalho. Estas condições são importantes quer para o aluno quer para o professor. Assim, nas
suas palavras: “ O ambiente da sala de aula é importante. Muitas vezes a pessoa fica sem
possibilidade de pensar quando o ambiente não é [adequado]” (TR14). Carla referia-se ao ruído
na sala de aula, quando várias pessoas falam em simultâneo e não se ouvem mutuamente.
Assim, para que o ambiente seja adequado, independentemente da tarefa ou metodologia
seguida, segundo Carla, os intervenientes têm que ser capazes de se ouvir uns aos outros,
incluindo aqui professor e alunos.
Para Carla as intervenções dos alunos têm que ser bem acolhidas em qualquer aula.
Defende que os alunos têm de poder falar, questionar em “qualquer momento da aula”, ser
ouvidos atentamente pelo professor e pelos colegas num ambiente de respeito mútuo. Ao
contrário do que sentiu quando era aluna, Carla constata que os seus alunos são muitas vezes
solicitados para participar na aula, procurando mantê-los concentrados no assunto em
discussão. Refere, “estou sempre a fazer perguntas e obrigo-os portanto a estarem atentos, e
controlo a atenção deles” (TEC1). Quando vê “que um aluno está mais distraído” chama-o ou
faz-lhe uma pergunta, dando às vezes origem a uma reclamação por parte do aluno: “outra vez
eu, professora?” (TEC1). Procura que os alunos se mantenham activos na aula. A propósito
Comunicação na sala de aula de Matemática: Um projecto colaborativo
160
disso refere que chama muitas vezes os alunos ao quadro, dizendo mesmo que “há aulas em
que passam todos pelo quadro” (TEC1). Para ela, é desejável que os alunos estejam “muito
activos e a falarem” (TEC1). No entanto acrescenta, em vários momentos, que as conversas têm
que ser sobre “assuntos relacionados com a aula” (TEC1). Apesar de considerar que às vezes é
necessário resolver algum conflito antes de prosseguir a aula, os objectivos da aula não podem
ser esquecidos e estes têm a ver com os conteúdos curriculares.
Como já se referiu acima, Carla pretende que os alunos se ouçam uns aos outros
porque isso pode constituir um bom ambiente e consequentemente uma fonte de aprendizagem
para todos. No entanto, procura recorrer a intervenções de alguns alunos no sentido de auxiliar o
seu próprio trabalho no esclarecimento dado a colegas.
É melhor do que ser a professora. (...) Percebem mais depressa, estão mais envolvidos e percebem mais, percebem melhor e muitas vezes mais depressa do que se formos nós. (...) Acho que a linguagem menos formal, acho que fica mais clara para eles. Vão buscar, fazem associações que é muito mais fácil para perceberem. (TR15) Carla apercebe-se que estas opções traduzem uma transferência de autoridade do
professor para um determinado aluno. Neste contexto, revela uma certa necessidade de garantir
que na discussão em causa o raciocínio esteja correcto para que não se sinta impelida a intervir
logo. Esta apreciação pode ser notada em:
Quando o raciocínio está certo, eu não interrompo, deixo explicar. (...) Ainda hoje uma aluna veio ao quadro explicar à colega porque é que nas inequações... (...) Não estava a perceber e disse: ‘Não percebo, é menor, é maior, não percebo’. A outra começou a explicar-lhe do lugar dela. Ela estava aqui e a outra estava duas carteiras à frente. Como não estava a conseguir explicar bem, então levanta-se e vai ao quadro e... estava a explicar tão bem que... nem sempre com a linguagem matemática [adequada], mas estava a conseguir explicar de uma forma muito clara e a outra percebeu perfeitamente. (TR15) No entanto, a sua preocupação em não intervir logo que o aluno diz algo menos correcto
é constante e tem consciência que se o professor corrigir à medida que o aluno fala, o aluno tem
tendência a calar-se: “retrai-se e cala-se” (TR15).
Salienta mais tarde que os alunos já participam mais nas suas aulas embora continue a
transparecer a ideia de que essa participação pode corresponder a uma ocupação do papel que
Carla atribuía à partida ao professor.
Capítulo 6 – Carla
161
Agora não, porque é que tenho que ser eu se há alunos que sabem para... que se expressem, que sejam eles a detectar o erro e a corrigir.... [Pergunto:] ‘Está bem? Vocês concordam? Está certo? Posso progredir?, podemos avançar?’ E espero que eles reajam perante os colegas e... (...) Falo com... [Por exemplo], um aluno faz uma afirmação, pergunto: ‘Vocês concordam? Que é que acham do que diz o vosso colega?’ Já os ponho mais a interagir uns com os outros. (TR22) Carla salienta que o professor deve dar aos alunos oportunidades para mostrarem aquilo
que sabem. Revela que, por vezes, toma determinadas opções que nem sempre são as mais
adequadas, mas para que os alunos tenham a sua oportunidade. Isso está bem patente em
determinados passos do seu discurso:
Mas sabes porque é que eu parei um bocado? Ali no máximo divisor comum e no mínimo múltiplo comum, aquilo é uma matéria que qualquer aluno aprende e depois eles ficam tão descontentes... querem mostrar que sabem: ‘Oh professora, deixe-me ir ao quadro’ e pronto, ‘anda lá fazer’, é aquela coisa, pronto não era preciso. Se tu mandas um trabalho de casa com várias alíneas basta corrigir uma, pronto eles percebem, pronto, o resto estando certo pela solução está certo. A minha vontade era corrigir só uma alínea. (...) Vem lá mostrar que sabes. Os miúdos quando aprendem qualquer coisa, (...) ficam muito contentes por terem sido capazes de aprender, depois querem mostrar que sabem. Faz-lhes tão bem ao ego, ‘está bem meu filho vem lá, faz lá’ mas atrasa. Para Carla, o seu papel passa por estar atenta às dificuldades dos alunos e “nunca
[deixar] um aluno ficar com dúvidas” (TEC1). No entanto, sublinha que não é necessário que
seja o professor a ajudar o aluno: podem ser os próprios colegas. Diz a propósito disto na
entrevista: “Se um aluno intervém para explicar ao colega, dou prioridade sempre aos alunos”
(TEC1). Como professora está convicta que tenta provocar essas situações, colocando questões,
respondendo com novas questões ou remetendo para a turma as questões colocadas por um
aluno.
Quando um aluno tem alguma coisa para dizer, Carla afirma que procura sempre ouvir e
que os colegas o ouçam. Diz mesmo que “quando são conversas sobre o trabalho da aula eu
nunca corto a palavra aos alunos” e ainda, “se é sobre aquilo que estamos a trabalhar, se é
sobre a matéria que está a ser dada, podem-se levantar, ir à beira de um colega explicar, ajudar
um colega a resolver um exercício, podem circular livremente” (TEC1).
Comunicação na sala de aula de Matemática: Um projecto colaborativo
162
Quando um aluno vai ao quadro, por exemplo, corrigir um colega ou explicar alguma
coisa, tenta não cortar a palavra e espera que “a conversa flua à vontade” (TEC1). Considera
mesmo que nunca “penaliza ou chama à atenção” por sair do lugar para ir falar com um colega
desde que seja para dar a sua opinião relativamente ao trabalho da aula. Acrescenta que “às
vezes, o miúdo até percebe mais depressa com a explicação do colega do que com a explicação
da professora” (TEC1). Do mesmo modo, considera importante que os alunos relatem ao resto
da turma o que pensam, como resolveram determinado exercício ou o que estão a fazer.
Sempre que há motivo para isso, “um aluno [a] partilhar informação com outro colega ou [a]
resolver um exercício de forma interessante” (TEC1), vê vantagens nessa partilha, quer para o
professor e colegas como para o próprio aluno.
Carla considera muito útil o recurso a material manipulável ou tecnológico na sala de
aula. O seu envolvimento na construção do laboratório e a necessidade de procurar informação e
investigar as potencialidades dos diferentes materiais que ia adquirindo, aumentou o seu
domínio na matéria. Recorre a esses materiais com alguma regularidade. Considera também
que a sua utilização na sala de aula é potenciadora da comunicação. Carla enumera exemplos
de utilização na sala de aula.
Segue-se um relato de um episódio em que trabalhou o conceito de divisor e de máximo
divisor comum com recurso ao ábaco. Este episódio é revelador do entusiasmo que Carla coloca
em aulas onde não se socorre apenas do quadro e do giz. Atribui ao uso de material alternativo
um grande potencial e um suporte para uma discussão com a turma.
Os divisores comuns. É excelente para explicares aos alunos os divisores. Por exemplo divisores de 12. Podem fazer 12 barras só com 1 peça, podem fazer apenas duas barras e colocam 6 em cada… (…) Mas não foi tanto isto que eu explorei porque parti do princípio que eles isto já sabiam de trás. Mas o que eu fiz foi: coloquei 3 caixas, numa caixa 18 peças azuis, noutra 12 peças verdes e noutra coloquei 30 vermelhas. Depois era distribuir aquelas peças por barras em que as barras tinham que ficar iguais no tamanho, com o mesmo número de peças de cada cor. (…) Portanto o maior número de barras que eles conseguirem construir é o máximo divisor comum. Inicialmente tinha pensado distribuir o material por grupos. Mas depois pensei… com as minhas turmas fracas eu vou… (...) Se dou tantas peças para os grupo, vou… vão andar peças pelo chão e… Coloquei na secretária, vou pô-los a eles a pensar e depois chamo para virem portanto à secretária fazer. Olha, em duas turmas, nas turmas mais fracas, foi um espectáculo. Pensavam e depois iam lá, ‘oh professora eu tenho uma solução, a minha solução é diferente’. (TR15)
Capítulo 6 – Carla
163
Carla procurou que os alunos apresentassem novas soluções sempre que as
encontrassem e que justificassem por que razão determinado raciocínio era válido ou não. No
fundo, Carla pretendia dar espaço à argumentação na sala de aula por parte dos alunos. Este
tipo de aulas, em que os alunos estão concentrados e todos em sintonia com o que se está a
fazer conjuntamente, são aquelas que Carla mais aprecia.
Exacto. Mas [numa das turmas] começaram logo a fazer experiências no caderno. Primeiro era por tentativas, depois começaram a ver que tinham que encontrar divisores comuns dos três números. (…) [Na outra turma], havias de ver, aqueles sonsos que normalmente não se interessam por nada, eu estou a falar e… estão no cochicho entre eles e…, estavam atentos a olhar para mim e de repente vejo uma de gatas a vir para a frente, ‘Oh professora é que vejo melhor aqui’. Mas [nesta turma], o desenvolvimento mental deles… demoraram muito mais tempo a perceber que tinham que encontrar o máximo divisor comum. Diziam ‘oh professora, eu consigo 4’ e eu: ‘vem cá então mostrar’, só depois de ver que lhes sobravam peças é que viam que… ‘ah não dá, parecia-me que dava’ e eu ‘e porque é que será [que não dá]?’ (TR15) Carla relata estes momentos com o entusiasmo habitual. Esse mesmo entusiasmo é
visível durante as respectivas aulas criando assim um ambiente muito envolvente.
Ainda no que se refere à utilização de material, Carla sublinha também a forma como
tem sido útil a sua utilização no laboratório de Matemática: “Com os polidrons tenho
experimentado explorar planificações com os miúdos do 2.º ciclo, têm sido momentos muito
interessantes de discussão com os miúdos no laboratório” (TEC2). Acrescenta que gosta
essencialmente que o material seja utilizado, ao nível do laboratório, em actividades de
exploração propostas aos alunos e não apenas com a vertente lúdica que considera ser “um
risco que se corre” (TEC2) se não se estiver atento.
Voltando às aulas, Carla salienta a importância da escolha das tarefas a propôr aos
alunos, de forma particular fala das tarefas abertas nos seguintes termos:
Uma tarefa mais aberta portanto vai criar mais situações de comunicação e situações mais ricas, mais diferenciadas, etc. Fechada, focalizamos naquilo e é aquilo que sai, o que nós queremos que saia, portanto… que já estava previamente pensado, só aquilo e nada mais. (TR14) Reconhece que há determinadas tarefas que se revelam muito mais interessantes para
os alunos. Referindo-se ainda a tarefas abertas diz: “Os miúdos gostam muito e fazem grandes
aprendizagens a partir daqui” (TR9).
Comunicação na sala de aula de Matemática: Um projecto colaborativo
164
Carla aquando da discussão de tarefas relacionadas com o estudo das funções, perante
a análise de várias propostas retiradas de artigos ou de experiências anteriores, fala de uma
tarefa semelhante que já tinha implementado:
Começava logo por aí, quando o a é positivo é crescente, quando o a é negativo é decrescente, por aí também é importante. (...) Eu tenho a ficha lá em casa e trago na próxima [reunião]. Começava logo por aí percebes? E... explorar quando há... (...) Qual a relação entre isto e a inclinação da recta. (...) Dois a dois é o ideal. (...) A ficha que eu tenho lá em casa, eles têm mesmo espaço para tirar as conclusões e escreverem por palavras deles as conclusões. (TR9) Mais tarde, durante a análise da implementação dessa mesma tarefa com os alunos de
Eva no estudo das funções do tipo f(x)=kx, surge o seguinte diálogo:
Helena: Senti que [os alunos] fizeram as tarefas sem saber muito bem qual era
o objectivo (...), só no fim é que surge a questão. Carla: Acho que foi colocado ao contrário. Muito bem. (...) A questão era
exactamente..., ser colocada de forma diferente. Em vez de fazeres isto como foi feito aqui, (...) ser antes colocado assim portanto, como está aqui funções do tipo f(x)=kx em que o aluno é ele que começa por atribuir números ao parâmetro k, vai atribuindo números aquilo que ele achar que precisa de atribuir para tirar conclusões.
(TR13) Note-se como Carla mostra que reconhece a relevância da forma como é proposta uma
tarefa e que não é indiferente à ordem por que são sugeridas as subtarefas.
A partir das discussões, aponta para uma leitura mais crítica perante as diferentes
tarefas que inicialmente considerava semelhantes: “Aquela sugestão que deste era bem mais
aberta do que esta” (TR14).
Para Carla, o tipo de trabalho realizado nas aulas é fundamental para a aprendizagem.
Procura diversificar as experiências que proporciona aos alunos embora reconheça que podia
fazer mais: “Há muita coisa que se pode fazer e que não se faz, (...) há muitas razões mas...
podia fazer mais” (TR23). Conta mesmo uma experiência que encetou, em parceria com o
professor de Educação Tecnológica, e que se revelou, do seu ponto de vista, gratificante para
todos:
Em educação tecnológica estão a construir uma caixa, vão fazer a decoração da caixa utilizando as isometrias. Ver os polígonos que pavimentam, que não pavimentam,... Também calcularam a área e o volume... Mas, [os alunos]
Capítulo 6 – Carla
165
reclamaram e de que maneira, [porque] lhes pedi para fazerem um relatório. (...) Acharam que era melhor terem teste! (TR18) Apesar de atribuir ao factor tempo a dificuldade de implementação de mais experiências
na sala de aula, considera que os trabalhos de pesquisa devem ser realizados, o mais possível,
durante as aulas contando com a orientação do professor. Diz a este propósito: “Evito trabalhos
de pesquisa, porque o trabalho só é válido se aquilo foi feito na aula e discutido na aula, o
professor tem que orientar o aluno e [ajudar] a trabalhar a informação...” (TR18). Acrescentando
que se “Deixar os alunos sozinhos a trabalhar, eles apenas se limitam a... ora está aqui um
texto, corta e coze e já está... aquilo não vale nada. Muitas vezes nem lêem os textos, não fazem
a mínima ideia do que está lá, quando lêem não percebem o que está lá” (TR18).
Mesmo que não se trate de trabalhos de pesquisa, quando os alunos trabalham em
grupo, Carla valoriza uma permanente atenção às suas necessidades. A este propósito, enumera
algumas das suas próprias preocupações. Por um lado com a formação dos grupos: “É preciso
muito cuidado na formação dos grupos” (TR18). Por outro lado, na definição do tipo de contacto
que considera que deve estabelecer com cada grupo:
Ora bem, sempre que chamam por mim, vou lá. (...) Esclarecer ou tirar dúvidas ou desbloquear o problema. Se ninguém está a precisar do meu apoio, vou circulando, vou vendo o que estão a fazer, vou lançando dúvidas, problemas, e vou supervisionando, ver se todos estão a participar (TEC1). A propósito da participação de todos os alunos no trabalho de grupo, aspecto que Carla
sublinha como “essencial”, acrescenta:
Costumo envolver os outros se estão mais preguiçosos, pô-los a trabalhar, a participar... Depois quando é da exposição do trabalho, raramente deixo que sejam eles a definir entre eles quem é que vai expôr. Digo-lhes sempre que quem vai escolher o colega para fazer a exposição sou eu. Vou ameaçando com isso, ‘olha não participas e depois se te escolho a ti para expores o trabalho? Vais deixar ficar mal o teu grupo!’ (...) Aí faço chantagem com eles, é. (TEC1) Carla tinha a percepção de que, como as suas preocupações se centravam na
aprendizagem do aluno, o trabalho na sala de aula também estava aí centrado. No entanto,
reconhece através da análise das suas aulas que o ensino afinal está centrado no professor: “O
nosso ensino está muito organizado em torno do professor, embora as nossas preocupações
sejam sobre o aluno, na sala de aula... está muito centrado no professor” (TR14). Recorre ao
Comunicação na sala de aula de Matemática: Um projecto colaborativo
166
exemplo da necessidade que o professor tem de corrigir e garantir que tudo está correcto, não
permitindo que a dúvida ou o erro permaneçam por pouco tempo que seja. Sublinha que esta
atitude cria no aluno uma cómoda dependência e acentua a autoridade do professor. Vejamos:
Enquanto o professor não dissesse não havia certeza. (...) Quer dizer, nós mesmo quando o aluno responde certo, nunca damos por finalizada ali portanto a questão. (...) Temos... repetimos a resposta do aluno, sobrepomos a nossa em cima da do aluno e fica a vigorar a nossa. Os alunos habituam-se a isso e às tantas... fazemos isso sem pensar. (TR14) Carla revela o quanto gosta de trabalhar com a turma toda em conjunto. Em particular
sublinha que quando proporciona discussões em grande grupo as interacções que se
estabelecem a deixam muito satisfeita, mais do que em aulas de trabalho de grupo. Diz mesmo:
O grupo-turma acho que há outra dinâmica. Apresentam a forma como estão a pensar, argumentam, depois outro diz que não que acha que é de maneira diferente e argumenta e discutem uns com os outros (...) e produzem... é outra dinâmica. (TEC2) A confiança que os alunos têm em si próprios é para Carla um aspecto importante e
reconhece que o papel do professor tem que passar por criar condições para que essa confiança
se desenvolva. Um auxílio nesse sentido passa por fazer com que os alunos se ouçam uns aos
outros e que atribuam sentido ao que os colegas dizem. Carla refere que “se um colega fala e
eles não estão a ouvir mas no final ninguém lhes exige que saibam o que o colega disse, na
próxima [oportunidade] voltam a não ouvir” (TR14). Acrescenta que é necessário que se
habituem a “valorizar as respostas dos colegas, pensar sobre elas e falar” (TR14). No mesmo
sentido da escuta, para Carla é fundamental que o professor ouça atentamente os seus alunos,
reconhecendo no entanto que há várias dificuldades a isso associadas. Refere, a propósito da
análise de uma das aulas de Maria:
Professor e aluno (...) estão a arranjar uma plataforma de entendimento. Quando o professor diz ao aluno: ‘isto não está errado mas vamos simplificar...’ (...) [Se corrige] o aluno pode ficar convencido que a sua resposta estava errada e da próxima vai dizer aquilo que o professor quer ouvir, sem reflectir sobre a sua resposta. Quando fazes isso, ‘o teu raciocínio está certo, a tua resposta está certa, vamos simplificar um pouco essa forma de dizer’ está de facto ali... a valorizar o trabalho do aluno. (TR16) Carla refere que o professor deve desafiar os alunos e considera esse papel essencial.
Nesse desafiar inclui essencialmente situações de aula em que coloca questões para o aluno
Capítulo 6 – Carla
167
pensar e defender as suas opiniões. Quando Maria questiona a propósito do professor dar ou
não sugestões aos alunos, Carla acrescenta muito prontamente:
Pode dar e deve [dar sugestões]. Por exemplo, quando o aluno diz: ‘isto é assim por isto assim e assim’, podemos dizer: ‘e com este exemplo também funcionará?’. Desafiar: ‘Também dará nesta situação?’. Perguntas do tipo, se outro do grupo responde de forma diferente perguntar: ‘o que tu disseste é o mesmo que ele disse?’ (TR16) As oportunidades criadas para que o aluno defenda as suas opiniões e questione os
colegas ajudam-no, segundo Carla, a seguir o seu próprio caminho contribuindo para o
desenvolvimento da sua autonomia.
Carla refere a orientação do estudo dos alunos como um outro aspecto do seu papel
como professora e que traduz de certo modo a leitura que faz do papel do aluno. Considera
fundamental que o professor oriente o estudo dos alunos, referindo-o por diversas vezes. No
entanto, esse estudo passa essencialmente pela resolução de exercícios para o teste tal como
revela no seguinte extracto:
Se nós dermos..., isto também é uma aprendizagem que fiz ao longo dos anos, se nós dissermos ao aluno, quando vamos dar teste, para prepará-los para o teste e dissermos faz estes exercícios, faz isto, enquanto que se disseres tens que estudar para o teste, (...) o aluno anda ali um bocado desorientado, perdido e tal, mas se lhe dissermos (...) os conteúdos, os objectivos e faz estes exercícios... (TR22) Ou ainda:
Faço sempre toda a matéria (...) vi que resultava, temos que dar orientações para o estudo. (...) Para preparar para o teste fazem este, este, este exercícios... (...) Porque toda a matéria, ficam perdidos e não sabem o que podem estudar e acabam por não estudar nada e assim, dizendo, para te preparares faz este e este... (TR25) Assim, marca sempre o trabalho de casa considerando que se trata de uma forma de
os alunos estudarem e corrige-o sempre na aula seguinte, apesar de nem sempre lhe parecer
necessário.
O trabalho de casa corrijo sempre. (...) Agora nesta preparação para o teste, aí não vou corrigir tudo outra vez, até porque muitos deles foram resolvidos nas
Comunicação na sala de aula de Matemática: Um projecto colaborativo
168
aulas (...) Na aula de preparação para o teste pergunto: ‘quais é que não conseguiram?’ para resolvermos [esses]. (TR22) Carla considera que se os alunos tiverem de facto mais oportunidades para comunicar
uns com os outros, a qualidade da linguagem que utilizam vai sendo progressivamente
melhorada dada a necessidade que experimentam de serem entendidos.
São os próprios colegas que não entendem se usarem a linguagem que lhes apetece, terem essas experiências de tentar falar e tentar exprimir, eles também sentem mais a necessidade da linguagem, se eles... (TR15) Considera importante o rigor da linguagem do professor, embora também considere
essencial saber utilizar termos mais próximos dos seus alunos para que estes o compreendam.
Refere que quando os alunos falam uns com os outros, acabam por se entender melhor: “Acho
que a linguagem, como eles têm uma linguagem menos formal, acho que fica mais clara para
eles. Eles vão buscar, fazem associações que é muito mais fácil para se perceberem” (TR15).
Tem uma visão dos alunos um pouco negativa no que diz respeito ao serem capazes de
se ouvirem uns aos outros: “Ouvir com atenção a opinião dos colegas, isto é o que eles cada vez
mais fazem menos” (TR15), acrescentando que “não são capazes de pensar a partir daquilo que
os outros dizem” (TR15). Conta, a propósito disto, um episódio ocorrido numa das suas aulas:
Um aluno veio experimentar que por exemplo, com três barras, deu para fazer com três e depois outro: ‘Eu tenho também uma solução deixe-me fazer a minha’ e era a do colega. E eu: ‘Tu não viste?’ e ele [respondeu:] ‘Ai, não vi’. Têm a solução deles e não ouvem os colegas. Quando o colega estava a fazer, não é que estivesse distraído a fazer outra coisa qualquer, mas não ouviu nem viu o que o colega estava a fazer, nada! (TR15) Carla está atenta à negociação dos significados com os alunos. Remete, por exemplo,
para o seguinte episódio passado com um aluno a propósito da reunião de conjuntos:
Hoje na aula de 9.º ano, a propósito da intersecção e reunião de conjuntos, portanto eu ia falar da reunião e um aluno disse logo: ‘Oh professora, essa reunião que vamos falar é o mesmo que por exemplo reunir os encarregados de educação, juntar os encarregados de educação todos?’ E eu: ‘É. Juntar os encarregados de educação todos’. E eles: ‘Então já percebi tudo’. Foi exactamente isto. (...) Isto foi logo no momento em que eu escrevi o título: Reunião de intervalos. Fez-me logo a pergunta e depois disse: ‘Já percebi’. (TR14)
Capítulo 6 – Carla
169
Preocupa-se, em particular a negociação da linguagem: “Negociamos a linguagem, (...)
no fundo tem a ver com os significados [que eles atribuem]” (TR15). Ela própria sublinha um
aspecto referido no texto discutido na reunião: “A negociação requer a participação activa dos
intervenientes em que cada um torna visível os seus significados”.
6.3. Práticas e reflexão sobre as práticas de comunicação
Práticas
Carla procura que nas suas aulas todos os alunos trabalhem. Tem, contudo, uma
particular preocupação com aqueles que apresentam dificuldades de aprendizagem,
angustiando-a a eventualidade de “desistirem de Matemática” (TR7). Procura que a participação
dos alunos seja bem acolhida pelos colegas, gosta que se ajudem mutuamente, incentivando
isso mesmo. Procura que nunca se inibam de colocar questões.
As aulas de Carla, apesar de seguirem um figurino clássico, têm um pendor bastante
participativo. Diz: “quando introduzo um novo tópico, quero que… eles vão dizendo, (…) todos
juntos chegamos… construímos” (TR15). Tal como foi referido na secção anterior, a resolução
de exercícios é uma constante e nessas alturas deixa que os alunos discutam entre si e
aproveita, por vezes, os momentos de dúvidas, assim como as afirmações e conclusões tiradas
pelos alunos, para aprofundar e alargar a discussão.
Carla recorre com alguma frequência a materiais manipuláveis e ao computador.
Procura que nessas aulas trabalhem aos pares ou em grupo para que discutam entre eles as
tarefas propostas.
No entanto, apesar de trabalhar com os alunos em grupo, considera que as aulas mais
interessantes são aquelas em que consegue estabelecer discussões animadas com o conjunto
da turma.
Sinto mais a [dinâmica da aula] quando é a turma toda a trabalhar conjuntamente. Quando é trabalho de grupo não sei muito bem o que estão a fazer. Vejo uns num dado momento mas não sei o que estão a fazer os outros. Assim, com o grupo todo, com a turma toda a discutir sinto-me melhor, claro. (...) Quando é trabalho de grupo, também sinto, depois na apresentação do
Comunicação na sala de aula de Matemática: Um projecto colaborativo
170
trabalho sei o que estiveram a fazer. Mas eu acho que no grupo turma, quando a discussão é grupo turma, acho que é muito mais dinâmica, percebes? (TEC2) Na aula relatada a seguir, por exemplo, Carla afirma ter-se sentido realizada com o nível
de participação dos alunos.
Recordo uma em que saí da sala com um grande... Olha lembro-me de uma com o computador, das funções portanto, f cujo gráfico são rectas e levei o computador portátil para a aula, e com o programa GraphMat eles desenhavam a recta, eu pedia a equação da recta e... acho que foi uma aula muito, muito, muito, muito, muito participada por eles e em que tanto eu como eles tivemos um enorme prazer em estar na sala de aula e isso para mim isso... estavam a trabalhar naquela aula, todos eles estavam envolvidos na aprendizagem, pensavam, discutiam uns com os outros, as soluções, as rectas, argumentavam porque é que dava, porque é que não dava, foi assim uma aula que... não foi apenas um momento de aula, foi toda a aula. (...) Era o grupo turma sim, era o grupo turma. [Tinha] o portátil e portanto projectava na parede (...). Essa aula, recordo que foi assim, portanto, excelente... quando tocou não queriam sair da sala estavam muito entusiasmados. Gostaram do que estavam a fazer, quando tocou nem eu nem eles queríamos sair. (TEC2) Este aspecto torna-se bastante relevante para a compreensão das opções desta
professora no que se refere às suas práticas e das dificuldades que enfrenta quando se trata de
aulas em que não está directamente envolvida com toda a turma.
Reflexão sobre as práticas
Ao longo do trabalho conjunto, Carla revelou-se uma professora que tenta reflectir
procurando em si própria, com frequência, a responsabilidade daquilo que, do seu ponto de
vista, corre menos bem. Não deixando de elencar as dificuldades encontradas, evita a procura
de justificações exteriores a si própria.
Revelou-se desagradavelmente surpreendida quando tomou consciência, no decorrer do
projecto, que fala “muito” durante as aulas. Diz mesmo: “achava que dava muito espaço aos
alunos mas afinal sou só eu que falo”.(TR10) Esta preocupação tornou-se uma constante, após a
gravação da primeira aula. Mais tarde ao recordar essa primeira aula e respectiva reflexão diz:
“Tive a sensação que falei demais (...) antes da gravação não tinha essa impressão, não. Até
achava que os meus alunos falavam muito nas aulas.” (TR11).
Capítulo 6 – Carla
171
Durante a análise de um texto de um livro de Alrø e Skovsmose (2002), a propósito do
ensino absolutista, Carla diz muito abertamente: “Ai, é isto que eu faço!” (TR11). Acrescenta,
tentando elencar os obstáculos que a impedem de ultrapassar essa tendência tão enraizada, a
que ela própria chamou de “ensino tradicional” (TR11):
Há várias razões, os programas extensos para cumprir, várias pressões, a escola pressiona-nos, nas reuniões do departamento temos que declarar onde vamos, os pais questionam-nos... um programa enorme para cumprir. Pais, escola, explicadores (indirectamente) e os próprios alunos. (TR11). Apesar de considerar importante que o professor deixe os alunos, por si, tirar
conclusões, também reconhece que na prática está ainda muito longe de o conseguir. Quando
Eva referia que um dos seus papéis na sala de aula é a transmissão de conhecimentos, Carla
acrescenta: “Eu também transmito muito conhecimento, dou a mão à palmatória, [mas]
reconheço que deveria em vez de ter... de transmitir, pôr os alunos em situação de estarem eles
a construir” (TR11).
Reconhece que muitas vezes não chega sequer a ouvir os alunos: “Sinto isso e puxo as
orelhas por não criar realmente estas situações, percebes, na aula” (TR11). Justifica-se com a
extensão dos programas: “Sinto-me tão agarrada, tão agarrada ao programa, tenho que fazer
tantos exercícios na aula” (TR11). Ou ainda:
Andamos aqui, temos os conteúdos matemáticos e porque não deixar os alunos a... Mas, lá está temos um programa e tudo e realmente se não estivéssemos tão condicionados, seria muito mais interessante para nós e para os alunos sem eles... tínhamos que lhes criar a necessidade e entusiasmo para aprender mas eles depois, saberem o que precisam de aprender para... (TR11) No entanto, sublinha a satisfação que sente nas aulas em que o consegue fazer: “Não
crio [muito] esses espaços mas quando crio saio muito mais satisfeita da aula, muito mais
cansada também mas muito mais satisfeita” (TR11).
De facto, Carla lembra que tem necessidade de dar mais espaço aos alunos de forma
que estes sigam o caminho deles e não o seu: “Talvez haja formas melhores de trabalhar. (...)
Se vamos conduzindo os alunos para a resolução que nós queremos que eles façam, não
estamos a dar hipótese ao aluno de resolver de outras formas.” (TR11). Reconhece, a propósito,
que as expectativas que tem dos alunos, às vezes estão aquém daquilo que eles são capazes de
Comunicação na sala de aula de Matemática: Um projecto colaborativo
172
fazer: “Às vezes eles surpreendem-nos com os raciocínios que seguem e precisam é de
[oportunidades] para mostrarem” (TR11).
A nível mais geral, Carla revela alguma preocupação relativamente à linguagem que
utiliza na sala de aula. Considera essencial recorrer a uma linguagem menos formal, dado que
por vezes esta se torna mais clara para os alunos, mas reconhece que esse caminho requer
mais tempo e cuidado: “Como tenho trabalhado com turmas muito fracas, estou a facilitar
demais e estou portanto a descarrilar. A trocar os termos matemáticos por outras palavras do
dia-a-dia deles e...” (TR15)
Um aspecto relacionado com este que a foi progressivamente preocupando mais, diz
respeito ao tipo de questões que habitualmente coloca aos alunos. Após algum tempo de
trabalho conjunto, reconhece que algumas das questões que agora considera relevantes não
faziam parte do seu repertório:
Tenho que confessar que por exemplo este tipo de perguntas: ‘O que é que os outros pensam acerca disto?’ (...) ‘O que tu disseste é o mesmo que ele disse?’ Confesso que comecei agora a fazer, dantes não fazia muito, não... (TR16) Anota, ainda, da necessidade de criar certas “rotinas” na sua prática, em particular na
forma de questionar os alunos:
Há aqui algumas coisas que podemos fazer com frequência... quando um aluno vai ao quadro, quando faz uma intervenção na aula, começamos a fazer este tipo de perguntas: ‘Explica como...’, ‘porque pensas assim?’, ‘tu também pensas da mesma maneira?’,... (...) Tenho que começar a fazer mais vezes isto. (TR18) Ao longo do projecto foi tomando consciência da importância e implicações práticas da
negociação de significados. Por exemplo, a propósito de um texto, que serviu de suporte à
reunião 15, constata que “olhando para aqui vejo que é uma área em que eu tenho portanto que
trabalhar mais, esta a negociação de significados. Acho que estou a, como é que hei-de explicar,
a negociar pouco com eles [risos]” (TR15). Procura exemplificar recorrendo aos momentos de
introdução de conceitos:
Podemos trabalhar a negociação de significados… Bem o que eu tenho feito, infelizmente, actualmente é: por exemplo, as definições apresento-as eu. Acho que é uma excelente oportunidade para fazermos portanto aqui negociação de significados. Porque é que hei-de ser eu a escrever a definição no quadro? [porque não] serem eles a construir a definição? A escreverem eles a definição.
Capítulo 6 – Carla
173
(...) Acho que é uma excelente oportunidade de negociarmos com eles (…). As definições partirem deles e nós depois negociarmos os termos e… (TR15) Carla revela que gostava de conseguir organizar as suas aulas do modo sugerido num
artigo de Sheri (2002), discutido numa das reuniões do projecto. A propósito, Carla sublinha
mais tarde: “Gerar uma ideia, a discussão e no final fazer a filtragem e aqui temos um grande
espaço para fazer negociação de significados” (TR16). Acrescenta pensando alto e interrogando-
se também: “Ora, como é que podemos fazer isto nas aulas? Não é fácil.” (TR16). Reconhece
que com as novas experiências que vai fazendo, vai ganhando alguma capacidade para trabalhar
com os alunos, que a sua capacidade de questionar e desafiar se torna mais “pronta” e que se
sente com mais “capacidade crítica” perante ideias que procura para sugerir aos alunos.
A propósito desta tentativa de diversificar e multiplicar experiências lembra, mais tarde, a
necessidade de “criar rotinas, no bom sentido” (TR18). Queria com isto dizer:
Há aqui algumas coisas que podemos fazer com frequência... quando um aluno vai ao quadro, quando faz uma intervenção na aula, começamos a fazer este tipo de perguntas, ‘explica como...’, ‘porque pensas assim?’, ‘tu também pensas da mesma maneira?’,... (...) Começar a fazer mais vezes isto. (TR18) Carla apresenta-se sempre muito receptiva a críticas e procura ouvir atentamente a
opinião dos restantes elementos do grupo. Quando tem opinião bem definida manifesta de
imediato a concordância ou discordância. Nas restantes situações apresenta-se em atitude de
escuta e pensativa surpreendendo mais tarde o grupo com o resultado dessa reflexão. Por vezes,
a propósito de situações semelhantes na planificações ou reflexão em torno de outras aulas.
Aulas de Carla
Esta secção é dedicada à análise de quatro aulas de Carla. Todas elas ocorrem em
turmas do 8.º ano. A primeira centra-se no problema da factorização dos polinómios e constituiu
o ponto de partida para o trabalho de discussão e reflexão sobre a prática dentro do trabalho
conjunto.
As duas aulas seguintes, realizadas já no ano lectivo de 2004/2005, inserem-se na
unidade de funções. Uma delas estruturou-se em torno da resolução de um problema abordado
pelos alunos organizados em grupo. A outra, realizada numa sala de informática, na exploração
do programa GraphMat.
Comunicação na sala de aula de Matemática: Um projecto colaborativo
174
Por fim, a quarta aula aqui analisada insere-se na unidade ‘Ainda os números’ e é
dedicada à exploração de sequências de números utilizando construções com cubos.
Aula 1: Factorização de polinómios
A aula. Começo por considerar uma aula, do 8.º ano, sobre factorização de polinómios,
que se realizou a 9 de Junho de 2004, já no final do ano lectivo. A aula pode ser dividida em três
partes: revisão, introdução de novos conceitos e prática. A primeira parte, consistiu na revisão de
conceitos trabalhados em aulas anteriores relativos aos casos notáveis. Esta fase decorreu num
ambiente de diálogo orientado pela professora seguindo a técnica de questionamento. A
professora recorreu a quatro exemplos: um exemplo de produto de um monómio por um
polinómio e três de produtos de dois binómios, correspondendo a casos notáveis distintos. Na
segunda parte da aula foi introduzida a factorização de polinómios. A professora começou por
anunciar em que consistia esta factorização referindo de forma breve “vamos passar das somas
para os produtos” (TAC1). A introdução da factorização de polinómios foi abordada através de
uma conversa alargada, orientada por Carla que, através de exemplos e de muitas perguntas, foi
chegando às conclusões que pretendia. Na terceira parte, a professora colocou no quadro um
conjunto de exercícios e sugeriu que os alunos os resolvessem. Ela própria ia solicitando alunos
para os resolverem no quadro.
Figura 6.1. Organização da sala de aula de Carla para a aula 1
Reflexão sobre a aula. Importa começar por referir que Carla reconheceu alguma
dificuldade na introdução destes tópicos (casos notáveis e factorização de polinómios). Diz: “Os
alunos sempre tiveram, eu sempre tive, muita dificuldade em ensinar a factorização. Sempre
Capítulo 6 – Carla
175
achei que eles não percebem” (TR6). E acrescenta: “Que volta dar para que eles não sintam que
é o tentar adivinhar? (...) Houve anos em que pratiquei muito, muito, muito, não adiantou nada,
passado uns tempos já... Não conseguiam fazer” (TR6).
Quando confrontada com as transcrições da aula, Carla, não ficou muito satisfeita com a
sua re-leitura da aula como observadora. Tinha a percepção de que os alunos participavam
muito e que ela própria lhes colocava mais questões do que na realidade acontecia. Esta
decepção levou-a a pensar nas intervenções que têm lugar na aula. Referiu que os alunos até
falaram bastantes vezes mas com intervenções “muito curtas” (TR6), reconhecendo que a maior
parte delas correspondiam a breves respostas e ao completar de frases iniciadas por Carla.
Entre os exemplos apontados na reunião surgiu o episódio A que ocorreu no início da segunda
parte da aula quando os alunos estudavam o polinómio 4x2+4x+1 escrito no quadro.
Episódio A
Carla: Algum dos casos notáveis depois de desenvolvido dá origem a um polinómio com 3 termos? Diz, Nuno.
Nuno: O primeiro. Carla: O quadrado... Como é que se chama esse? Pedro: O quadrado do binómio.
Carla constata que recorre muito ao padrão de sanduíche e que tem tendência para
intervir logo depois da intervenção de cada aluno. Como ela própria diz: “ensanduichei a voz dos
alunos!” (TR7). Comentou ainda: “conduzi bastante a aula, não precisava de ser tanto assim,
podia ter dado mais espaço aos alunos” (TR7). Considera que pode confiar mais nos alunos,
“eles são capazes de fazer mais do que imaginamos e surpreendem-nos” (TR7). Admite ter
falado demasiado, estando sempre em cima de tudo o que os alunos iam dizendo. Manifestou
algum descontentamento dizendo: “Foi uma aula muito expositiva” (TR6). No entanto,
acrescenta: “estou atrasadíssima!” (TR6), uma preocupação recorrente que exprime as muitas
vezes que se sente “pressionada com o tempo” (TR5).
A tendência de Carla para exercer o controlo da dinâmica da turma, manifesta-se ao
longo das três fases da aula. A título de exemplo, indicou o episódio B situado no início da
segunda parte da aula, quando propõe aos alunos um polinómio para ser factorizado em
conjunto pela turma.
Comunicação na sala de aula de Matemática: Um projecto colaborativo
176
Episódio B
Carla: Mas atenção que para este polinómio ter o desenvolvimento do quadrado de um binómio. Quando desenvolvemos o quadrado de um binómio, temos primeiro o quadrado de um monómio, depois temos o produto do primeiro pelo segundo, e depois o quadrado do segundo. Então no desenvolvimento do quadrado de um binómio, dois dos monómios são quadrados. São quadrados de monómios, não é? Tem que haver um outro termo, o terceiro termo, tem que ser o dobro do produto do primeiro pelo segundo. Então aqui, nestes três, agora todos atentos. … Hugo atento!
[Algum barulho por breves segundos] Carla: Ora bem, este aqui tem 3 termos, para ser o desenvolvimento de um
quadrado de 1 binómio temos que encontrar ali 2 termos que sejam quadrados de monómios. Este monómio é quadrado de algum monómio? Há algum monómio que elevado ao quadrado dê isto?
Tiago: Não. Carla: Não, pois não? E este aqui? É o quadrado de algum monómio? Tiago: 2x. Carla: é o quadrado de que monómio? Teresa: 2x. Carla: De 2x, então este é 2x ao quadrado. E agora, este aqui é o quadrado de
algum monómio? Pedro: 1, 1.
Como se vê, a fala dos alunos é não só muito reduzida como se encontra sempre entre
duas falas da professora. As diferentes afirmações da professora acabam por legitimar ou não a
afirmação do aluno, incentivando-o a prosseguir ou a corrigir. Como refere Eva: “Eu também
faço muito isto de repetir a resposta para incentivar a que prossigam, ou... Procuro dar
feedback.” Acrescenta: “Sabes que há alunos que se não falarmos calam-se também, precisam
desse incentivo” (TR7). No entanto, Carla diz: “Pois é Eva, mas os outros alunos também
podem... intervir” (TR7). Carla começa a suspeitar que tem tendência para responder logo aos
alunos, “ao ler isto é que… devo ser sempre assim” (TR7). E acrescenta, com alguma dúvida na
expressão, “não devia controlar tanto!” (TR7).
Quando discutimos esta aula, Carla estava muito preocupada com a linguagem que
utilizou. Espantava-se: “Ai eu disse isto?” (TR6). E exemplifica com a expressão ‘… dê isto’ do
final da primeira intervenção no episodio B: ‘Há algum monómio que elevado ao quadrado dê
isto?’. Reconhece que é importante “descer um pouco ao nível dos alunos para que nos
compreendam mas sem ser demasiado” (TR7) e preocupa-a o facto de se ter surpreendido,
referindo que “corremos o risco de perder a noção das faltas de rigor que cometemos” (TR7).
Capítulo 6 – Carla
177
Ainda sobre a linguagem matemática utilizada, apoia a posição da Eva quando esta diz que é
possível falar de uma forma correcta e traduzir para uma linguagem mais acessível quando
parece que os alunos não estão a acompanhar.
Eva: Temos que usar os termos correctos, se nós não usamos quem é que vai usar? Depois... explicamos depois por outras palavras para chegarmos mais ao nível deles.
Carla: É acho que sim, mas... é bom ver isto porque perdemos a noção daquilo que fazemos.
(TR7). Ainda a este nível de linguagem, comentou-se na reunião a classificação de ‘primeiro e
segundo caso notável’, utilizada pelo Nuno no episódio A e por Carla e mais alunos noutros
momentos, bem como a classificação de ‘primeiro, segundo e terceiro termos’, que surge no
episódio B, sendo esta ordem diferente em distintos momentos como veremos mais adiante
noutro episódio. A este propósito Carla refere: “Ao querermos simplificar parece que ainda os
confundimos mais” e reconhece: “tenho que estar mais atenta” (TR7). Relembrando as suas
preocupações tão centradas nestes aspectos durante os primeiros anos em que leccionou,
acrescenta “vamos facilitando cada vez mais e depois (…) ficamos surpreendidos com isto”
(TR7).
Como já referi, Carla constata que o padrão de sequência triádica (que o grupo refere
como fala em sanduíche), esteve presente ao longo de toda a aula. Vários exemplos de IRA/S
(Introdução, resposta, avaliação/sequência) surgem na discussão. O episódio B é um deles e
Carla comenta: “estou mesmo a avaliar as respostas!” (TR7), ilustrando com as suas
afirmações: ‘Não pois não? (…)’; ‘De 2x. (…)’. A cada uma delas segue-se uma nova pergunta
permitindo a continuação da sequência. Como diz Carla: “assim continuo a sanduichar [a voz
do] aluno” (TR7).
Outro exemplo, apontado por Carla, encontra-se no episódio C.
Episódio C
Carla: Novamente atentos! 4x2+4x+1 é um polinómio não é? Teresa: É. Carla: Quantos termos tem este polinómio? Diogo: Três. Carla: Três termos. Que nome tem?
Comunicação na sala de aula de Matemática: Um projecto colaborativo
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Pedro: Trinómio. Filipe: Tribinómio (a brincar). Carla: Polinómio com três termos… (enquanto escrevia). Pedro: 2x+1 ao quadrado (a professora, aparentemente não ouviu o aluno a
dizer isto).
Este episódio foi analisado tendo também em conta a sequência IRA e IRS, procurando-
se estabelecer uma comparação. Carla considera que se trata de avaliação quando, por
exemplo, repete a resposta do aluno, ‘3 termos’, no sentido de a validar, facto que se verificou
nos dois exemplos antes referidos. Distingue, no entanto, as situações em que, neste mesmo
episódio, lança novas questões para dar um seguimento ao diálogo, o que exemplifica com as
seguintes intervenções: ‘Quantos termos tem este polinómio?’, ‘Que nome tem?’, ou ainda,
‘Polinómio com três termos…’. Nas duas primeiras faz o seguimento através de uma pergunta e
na terceira dá a própria resposta como se esta tivesse surgido de facto de alguém.
Carla mostrou-se curiosa com este tipo de análise e dedicou-se à procura de mais
exemplos de sequências. Fê-lo contudo, apenas ao nível da constatação. Considerou a sua
proliferação como uma forma de controlar a atenção e envolvimento dos alunos.
Analisaram-se igualmente os tipos de perguntas que surgiram no decurso da aula.
Foram estas, essencialmente, formuladas pela professora. De facto, de um total de 102
perguntas, apenas 10 foram colocadas pelos alunos. Carla, durante a discussão, constatou que
recorre essencialmente a perguntas focalizadas ou de confirmação e muito pouco a perguntas
inquiridoras. Uma das tarefas do grupo foi encontrar exemplos de cada um destes tipos de
perguntas. Vejamos com mais detalhe.
Por exemplo, Carla constatou que, porque procura que os alunos estejam atentos,
concentrados e que cheguem eles próprios às conclusões que tem em mente, coloca muitas
questões que podem ser classificadas como focalizadas, isto é, questões que os fazem
concentrar naquilo que considera essencial e, às vezes, responder a ‘conta-gotas’. No episódio C
surgem exemplos deste tipo de perguntas: ‘Novamente atentos! 4x2+4x+1 é um polinómio não
é?’; ou, ‘Quantos termos tem este polinómio?’. Ou ainda, no episódio B, a questão: ‘E este aqui?
É o quadrado de algum monómio?’
Estes e outros exemplos foram sendo referidos pelas três (investigadora e duas
professoras) numa tentativa de classificação das perguntas e de perceber a intenção que
motivou a sua formulação. Carla diz: “Faço sempre muitas perguntas” (TR6). Já durante a
Capítulo 6 – Carla
179
entrevista refere que está “sempre a fazer perguntas” (TEC1) e justifica essa atitude como um
meio de “controlar” melhor a atenção dos alunos. Carla concorda que esta consciencialização
do tipo de perguntas que vai formulando a ajuda a perceber o que faz ou não e porquê. Diz
mesmo para Eva, a propósito da discussão entre as perguntas focalizadas e de confirmação:
“não sei o que vou mudar… [mas] vou sabendo o que faço” (TR7).
As questões de confirmação, que são também frequentes ao longo da aula,
correspondem a uma preocupação de Carla em verificar se os alunos aprenderam. Por isso tem
tendência a questioná-los no sentido de confirmar esse conhecimento. Por exemplo no episódio
C, quando Carla pergunta: ‘Três termos. Que nome tem?’ e no episódio A quando pergunta: ‘O
quadrado... Como é que se chama esse?’, revela a sua preocupação com a apropriação pelos
alunos dos nomes correctos dos conceitos. Refere “procuro que usem a linguagem matemática”
(TR7) para que se entendam uns aos outros. No entanto, as perguntas de confirmação não se
limitam a perguntas relacionadas com a linguagem matemática. É o caso da primeira parte da
aula que consiste numa revisão de matéria dada e portanto assume um carácter de confirmação
de conhecimentos para poder prosseguir com novos tópicos. Carla refere: “quando começo
algum tópico novo procuro fazer uma revisão do que já foi trabalhado antes”, e acrescenta “faço
muitas perguntas para saber se há dúvidas e se posso continuar” (TR7). No episódio D foram,
assim, identificadas diversas perguntas de confirmação.
Episódio D
Carla: Sim senhor. Portanto somas algébricas. Como é que efectuamos -3x2 (-5x3+7x-1)? Como é que se faz isto? Para já, o que é que está aqui? (…) Diz Hugo, que é que temos aqui?
Hugo: É um polinómio. Carla: Aqui dentro de parêntesis temos um... polinómio. Vários: Polinómio Carla: E ali, fora de parêntesis, que é que está? Vários: Um monómio. Carla: Um monómio. O que é que está aqui então para fazer? Diz … Pedro: A multiplicação. Carla: A multiplicação. Temos que multiplicar então um… monómio por um…
polinómio. Como é que efectuamos isto? Diz Diogo. Diogo: -3x2 vezes -5x3. Outro aluno: Propriedade distributiva. Carla: Muito bem, muito bem. E dá quanto? Diogo: 15x à sexta. Ah, não, à quinta. Carla: E porquê cinco?
Comunicação na sala de aula de Matemática: Um projecto colaborativo
180
Diogo: Porque é soma, soma. Carla: Adicionamos os… expoentes. Não é? E depois a seguir? Diogo: Menos… Carla: Fala tu António. António: -21x. Carla: -21x (…) e agora? António: +x2. Carla: Qual é o nome desta propriedade? Ana: Distributiva. Carla: Tínhamos aqui um produto e transformamos numa soma algébrica. (…)
Aplicando a propriedade distributiva. Outro exemplo, (…) diz Hugo.
Neste episódio também se nota a já referida preocupação de Carla com a apropriação
pelos alunos da linguagem. Pretende que os alunos se exprimam com os termos matemáticos
que já fazem parte do seu vocabulário, “sobretudo com os mais recentes”. Exemplificativas disso
são as seguintes questões: ‘Como é que efectuamos -3x2 (-5x3+7x-1)? Como é que se faz isto?
Para já, o que é que está aqui? (…) Diz Hugo, que é que temos aqui?’ e ‘E ali, fora de parêntesis,
que é que está?’.
Outras perguntas de confirmação foram ainda identificadas neste episódio. Por
exemplo: ‘Como é que efectuamos isto?’, ‘E dá quanto?’ ou ainda ‘E porquê cinco?’, visam
confirmar conhecimentos específicos de cada aluno concreto. Como a própria Carla refere, “vi
que o Diogo estava a fazer bem passei para o António…” (TR7). Justifica: “quero que estejam
todos atentos e… [quero] saber quem tem dificuldades” (TR7).
Muito mais escassas nesta aula foram as questões de inquirição. Surgem, contudo, logo
na primeira parte da aula, duas perguntas de inquirição dirigidas a alunos particulares. Durante
esta fase da aula, a professora apresenta um exemplo para recapitular os casos notáveis
trabalhados nas aulas anteriores, conforme se retrata no episódio E.
Episódio E
Carla: Mais um exemplo. 4x-1 a multiplicar por 4x-1. Ora, fala Raquel. Raquel: 4x ao..., 4x ao..., não, 4x-1 ao quadrado. Carla: Sim senhora (escreveu no quadro). É um caso notável? Raquel: É o primeiro. Carla: Desenvolve então o caso notável. Raquel: 16x... Carla: 16x? Raquel: Ao quadrado...
Capítulo 6 – Carla
181
Carla: Ao quadrado... Raquel: Menos... Carla: Menos... Raquel: Não! Carla: Não é? Raquel: É menos. Protestos: Porque é que é menos? Carla: Porquê? António: Não professora, é mais. (Muitas vozes … com respostas contrárias) Carla: Bem, é menos ou é mais? Em que é que ficamos? Vários: É menos! Carla: Então esperem. O Rui vai dizer porque é que é menos e o Hugo vai dizer
porque é que disse mais. (Vários a falar ao mesmo tempo.) Carla: Diz Rui, diz [porque é que dá menos?] Rui: Acho que é menos, porque + com – dá menos. Carla: Exactamente. Aqui o 4x que sinal tem? Ana: Tem mais. Carla: E ali o 1 que sinal tem? Ana: Tem menos. Carla: Nós não vamos multiplicar este por este? Mais com menos na
multiplicação dá menos. Agora o Hugo vai dizer porque é que disse mais. Hugo porque é que disseste mais?
A primeira parte deste episódio descreve um diálogo estabelecido entre professora e
uma aluna, Raquel. Raquel procura responder a um conjunto de solicitações da professora e
esta mantém a atenção centrada na aluna. De seguida a discussão é alargada ao resto da turma
na sequência de protestos de colegas por não estarem de acordo com a resposta de Raquel. Há
então uma divisão da turma, entre o sinal menos e mais, na questão colocada pela professora:
‘Bem, é menos ou é mais? Em que é que ficamos?’. Carla refere que “quando acontece” tenta
“aproveitar” estas discordâncias para os fazer falar e ela própria “perceber o que pensam” e
como o fazem. A propósito deste episódio em que aparentemente a resposta certa era a do Rui,
e foi o primeiro a responder, refere que habitualmente tenta começar por pedir a justificação do
que está errado para que o “outro não desista”. “Aqui não fiz isso”, o que neste caso não a
preocupa muito dado que o Hugo é um “garoto extrovertido, hiperactivo, e que por ele estava
sempre a falar e a mexer-se”, nunca perde uma oportunidade para participar. De facto, mesmo
depois da professora ter dito ao Rui, perante a sua resposta, ‘exactamente’, o Hugo não se
Comunicação na sala de aula de Matemática: Um projecto colaborativo
182
intimidou. Estava seguro e defendeu a sua posição. Tratava-se apenas de uma alteração da
sequência de resolução que não se traduzia numa falha.
Nesta parte da aula surgem assim perguntas que foram apontadas por Carla como de
inquirição: ‘Diz Rui, diz [porque é que dá menos?]’ e ‘Agora (...) Hugo porque é que disseste
mais?’. Carla estava verdadeiramente interessada em saber como é que os alunos estavam a
pensar.
Ainda outro exemplo de pergunta de inquirição, surge no episódio F.
Episódio F
Carla: Agora este exemplo Filipe: Oh sr… Carla: E este: 9x2+36? Sara: 3x+6 Diogo: Oh Stora, não é nenhum caso notável, tem mais e tem que ter menos. Carla: Muito bem Diogo, estás atento. Não está aqui a soma? Sara: Pois é! Carla: O segundo caso notável, quando desenvolvem o produto de uma soma
pela diferença, não tem sempre uma diferença de 2 quadrados? Porque é que quando multiplicam +5 por –5, sinais diferentes dá menos na multiplicação não é? Então, no desenvolvimento do produto de uma soma pela diferença, obtém-se sempre a diferença de quadrados. Ora, se eu aqui tenho uma soma, isto não é um caso notável. Então se não é o segundo caso notável, também não é o primeiro pois não? Então este não é possível...
António: Não o podemos fazer? Carla: Não é possível… Ora bem, não é possível factorizar utilizando os casos
notáveis mas podemos pôr o factor comum em evidência… Ora [escrevam]: não é possível factorizar por aplicação dos casos notáveis. Porquê? porque aqui está a soma de 2 quadrados. Posso apagar daquele lado para continuar ali?
Francisco: E se fosse –9x2+36? (...) Carla: Olha Hugo, aqui o Francisco fez a seguinte pergunta: “se fosse: -9x2+36?”
dá ou não dá Hugo? Hugo: Dá. Carla: Dava, porquê? Hugo: Porque, eu quero um menos e um mais.
Quando pergunta ao aluno: ‘Dava? Porquê?’, Carla pretendia saber porque é que o Hugo
respondeu afirmativamente, perceber “como estava a pensar” (TR7). Reconhece depois que se
contentou com a resposta muito facilmente e que podia exigir mais do aluno.
Capítulo 6 – Carla
183
Carla tem outro registo de expressão, não muito comum ao longo da aula mas de
qualquer modo presente: coloca questões a que ela própria responde sem esperar pelos alunos.
A este tipo de questões e precisamente a propósito da análise desta aula, passamos a intitulá-las
de psedo-perguntas. Diversos exemplos encontram-se no episódio G.
Episódio G
Carla: Para o dobro do produto ter sinal mais é porque ou eram ambos positivos ou eram ambos negativos. Vamos pôr aqui a hipótese de serem ambos positivos, então isto é o desenvolvimento do quadrado de...
Tiago: 2x +1 Carla: 2x+1. Pronto, está? E agora o produto de factores? Como é que
transformo uma potência num produto de factores? (Vozes em surdina) Carla: A que é que é igual uma potência? Não é um produto de factores iguais? Sara: Ah! Aqui é 2x+1… Carla: Diz. Sara: Vezes abre parêntesis 2x+1. Carla: (Depois de escrever segue). Também estaria certo, por exemplo se
escrevessem 2x-1 ao quadrado. Também está certo.
Observe-se como questiona os alunos sobre o que é uma potência (‘A que é igual uma
potência?’) e, sem dar tempo a que surja alguma resposta, segue com uma nova pergunta que
funciona como resposta à anterior (‘Não é um produto de factores iguais?’). Este é um exemplo
típico de pseudo-perguntas, a que Carla recorre sem qualquer intenção particular. Esta situação
preocupou Carla pois não tinha consciência de o ter feito. Eva dizia que “é natural que faças
isso… Se eles não respondem!” mas Carla dizia que “nem era para responderem”,
reconhecendo que se trata apenas de um tipo de registo discursivo e não de uma verdadeira
pergunta.
Carla, apesar de assumir o controlo da aula de forma que ela própria reconhece como
“excessiva”, nas interacções estabelecidas com os alunos procura compreender os seus
raciocínios, permitindo e incentivando a sua expressão. Refere a importância de dar “espaço aos
alunos e confiar nas capacidades deles” (TR7) reconhecendo, no entanto, que “não é fácil”.
Acrescenta “assim não podem ser autónomos, apresentamos mesmo os roteiros já definidos”
(TR7)2.
2 Alusão a uma metáfora, referida numa reunião (reunião 7) em que se estabeleceu um paralelo entre o tipo de viagens (pacotes turísticos ou de aventura) e o trabalho proposto aos alunos na sala de aula.
Comunicação na sala de aula de Matemática: Um projecto colaborativo
184
Para exemplificar a sua preocupação em ouvir os alunos, analisamos o episódio H que
se seguiu à discordância de respostas manifesta no episódio E.
Episódio H
Carla: Nós não vamos multiplicar este por este? Mais com menos na multiplicação dá menos. Agora o Hugo vai dizer porque é que disse mais. Hugo porque é que disseste mais?
Hugo: 4vezes, multiplicava tudo 4 vezes 4 é mais e, mais com mais, e menos com menos… (estava a pensar no -1 vezes -1 que era como estava no caderno).
Carla: Oh Hugo, estes termos que vamos escrever aqui agora, qual é o termo que vamos escrever aqui no meio?
Hugo: -4 vezes -2. (Adaptando-se à ordem pretendida por Carla). Carla: Oh Hugo, quando desenvolves o quadrado de um binómio, o primeiro
termo qual é? (…) Carla: Este ao quadrado que já escrevi aqui Agora este que vamos escrever aqui
no meio … Como é que o obtemos este termo ali no meio? Hugo: 2 vezes 4x vezes -1. Carla: Agora mais +2 vezes este e dentro daquele ali. Sinais diferentes, sinal
menos, não dá mais. Percebeste? Qual é então aquele ali? Hugo:-8x. Carla: E o terceiro termo? Hugo: +1.
Este episódio retrata a interacção da professora com um aluno, o Hugo. Cada um está a
desenvolver o caso notável [(4x-1)2], mas seguindo uma ordem diferente. Embora a ordem seja
irrelevante, o facto de não estar em sintonia com a turma leva a uma discordância de sinais.
Carla pede uma explicação ao aluno no sentido de compreender como estava a pensar e
estabelecem aí uma breve negociação em termos de procedimentos. Como refere Carla, “o
Hugo estava a fazer de outra forma e isso originou a [discordância], mas se não estabelecemos
uma certa ordem torna-se mais difícil falar com todos ao mesmo tempo” (TR7).
Mais tarde, recorda esta aula numa reunião posterior do grupo, descreve-a dizendo: “foi
uma aula tradicional no seu estado mais puro” TR16.
Aula 2: O problema da planificação de visitas de estudo
A aula. Esta aula decorreu durante o primeiro período de 2004/2005, a 7 Dezembro e a
sua discussão e reflexão conjunta teve lugar na reunião que se seguiu, no dia 10 do mesmo
Capítulo 6 – Carla
185
mês. A aula estruturada em torno de um problema que Carla coloca aos alunos nos seguintes
termos:
Os alunos, por exemplo, vão fazer uma visita de estudo e precisam de recorrer a uma empresa de camionagem. Encontram as seguintes tarifas, esta e esta, qual é que te parece mais adequada? Mais económica? (TR9) A ideia de utilizar um problema semelhante a este, tinha surgido numa reunião do
grupo. Nela Carla havia chegado à conclusão que a resolução de um problema deste tipo pode
constituir uma “boa oportunidade” para discussão, trabalhando os alunos em grupo na sua
resolução e apresentando-a no final. Diz:
Este género de problemas em que uma empresa de aluguer... (...) ‘qual é que deves escolher?’. Podem representar graficamente, há um ponto onde se intersectam e... portanto se for menos que isto é melhor escolher esta mas a partir daqui é melhor escolher aquela... (...) provoca elementos de discussão entre eles e... (...) situações que os faça pensar e discutir. (TR9) No entanto, quando organizou a ficha de trabalho, após a descrição das duas visitas a
preparar (Viana do Castelo – 120Km e Arcos de Valdevez – 70Km), apresentou o enunciado do
problema como uma sequência de pequenos passos, a que chamou “tarefas” que se
reproduzem na figura 6.2. Segundo Carla, esta sequência de passos serviria de orientação para
os alunos. Reconhece: “Tive medo que não conseguissem resolver, por isso orientei um pouco o
trabalho deles para não se perderem” (TR12). No dia da aula, Carla mostrava alguma satisfação
pela forma como construiu a ficha e entrou na sala confiante.
O esquema da aula foi então, o seguinte: (i) sumário e organização dos grupos; (ii)
distribuição da ficha de trabalho e realização dos trabalhos de grupo; (iii) apresentação das
conclusões de cada grupo e discussão em grande grupo; e (iv) conclusão da professora, revisão
sobre proporcionalidade directa.
Comunicação na sala de aula de Matemática: Um projecto colaborativo
186
Figura 6.2. Ficha de trabalho proposta por Carla
Como é habitual, nas suas aulas, Carla informou os alunos sobre o objectivo da aula,
aquando da escrita do sumário, bem como da forma como esta iria decorrer. Os alunos
organizaram-se então em grupos e a disposição dos alunos pela sala pode ser observada no
esboço da figura 6.2.
Figura 6.3. Organização da sala de aula de Carla para a aula 2
Na segunda fase da aula, Carla distribuiu a ficha de trabalho e os alunos, em grupo,
procederam à sua realização. Durante esta fase solicitaram a professora para lhe colocarem as
dúvidas e para receberem feedback do trabalho até então realizado. Carla, mesmo quando não
Capítulo 6 – Carla
187
era solicitada, percorria os grupos e parava um pouco junto a cada um para ver como estava a
decorrer o trabalho e, se necessário, intervir.
Na terceira fase, os alunos procederam à apresentação das suas conclusões e algumas
questões foram sendo levantadas quer pela professora, quer pelos restantes colegas da turma.
Por último, a professora fez uma breve síntese bem como uma revisão sobre proporcionalidade
directa.
Reflexão sobre a aula. Carla, numa apreciação da aula feita de forma muito geral, disse,
no início da reunião que destinamos à sua discussão:
Acho que ao ler isto vê-se que aqui as coisas não estão bem definidas, bem esclarecidas. Mas acho que não foi só a postura da turma que estiveram muito indisciplinados, muito desconcentrados e pouco empenhados no trabalho, mas também minha culpa que acho que não organizei bem a aula. (TR12) Claramente, a discussão desta aula centrou-se no facto de Carla considerar, ao avaliar a
aula, que a tarefa proposta não fosse, afinal, adequada ao que pretendia. Sublinha, em
particular, que a ficha de trabalho deveria ter uma estrutura diferente: “Esta ficha não estava
muito feliz” (TR12). Entende, de facto, que a estrutura proposta confundiu os alunos. Explica a
Eva: “Aqui baralhou-os. Sabes que os miúdos pensaram que a função era isto...?” (TR12),
referindo-se à marcação dos dois pontos que representam as escolhas das tarifas para cada
uma das visitas de estudo (veja-se o gráfico reproduzido na figura 6.3.).
Carla explica o seu ponto de vista no seguinte diálogo:
Eva: Se tivessem aqui dois gráficos e eles tivessem que fazer dois gráficos... Helena: Mas o objectivo... Carla: É. O objectivo era colocar no mesmo. Numa altura eles diziam: ‘Oh
professora mas assim não é função!’ (desenhou um esboço do gráfico tal como vem apresentado na figura 6.4.)
Eva: Sim porque tem dois pontos. (...) Acho que os meus alunos iam fazer a mesma coisa porque quase todos os exercícios que eu fiz, os gráficos estão separados pelo menos até aqui e portanto, se eles tiverem um gráfico só, vão tender a interpretar isso.
(...) Eva: A primeira vez que falei de uma situação..., (...) até aqui, os exemplos que
fiz na aula são só um e portanto (...) são capazes de ter compreendido isso dessa forma.
Carla: Pois eles acharam que aquela situação deixou de ser função.
Comunicação na sala de aula de Matemática: Um projecto colaborativo
188
Distância 70 120
Preço 140 220
Figura 6.4. Esboço de gráfico e respectiva tabela elaborada por um grupo de alunos.
Figura 6.5. Representação do esboço de gráfico traçado por Carla.
De seguida, quando a questionei sobre o que alteraria da aula, disse muito prontamente:
O que é que mudava? Olha era capaz de tirar daqui os exemplos (…) saltava logo para aqui… Os exemplos, quando pensei nos exemplos era portanto para clarificar e começarem logo a… mas dado que os exemplos os induziram em erro, pensaram logo (...) os exemplos como funções, era capaz de os tirar. (TR12) Confronta esta experiência com a de outra turma do 8.º ano em que optou por não
colocar os alunos a resolver a ficha em grupo. Aí discutiram em grande grupo, não tendo partido
dos exemplos mas directamente para o problema: “Aliás na outra turma tirei o exemplo, passei o
Capítulo 6 – Carla
189
exercício no quadro e…” (TR12). Curiosamente falou em exercício e não em problema. Na
sequência desta afirmação perguntei-lhe se dessa forma esta tarefa não se tornaria num
exercício semelhante a tantos outros em que se pede ao aluno para justificar se o problema se
modela por uma função ou não. A esta observação Carla responde, explicando como decorreu a
aula da outra turma:
Mas atenção, eu quando digo, saltar para aqui… Na outra turma, na aula a seguir não entreguei a ficha e portanto (...) comecei o exercício assim: ‘uma empresa de camionagem ofereceu-se para transportar alunos em visitas de estudo e apresentou as seguintes tarifas: esta e esta. Qual é que vocês acham que a escola deve escolher?’ E eles, ‘a A’, ‘a B’ e eu: ‘Mas porquê a B? e porquê a A?’. (…) Houve logo quem dissesse, ‘ah, não, só até 100, a partir de 100 é melhor…’ (…) Essa discussão colectiva foi muito mais interessante do que assim, esta. (TR12) Para Carla, a discussão em grande grupo, em que observara as diversas participações e
assistiu à evolução da resolução do problema, acabou por parecer mais interessante. Reconhece
que dentro de cada grupo essa evolução pode igualmente ocorrer mas, como não a vê, não
chega a tomar dela consciência:
Senti, pronto, estavam todos ali envolvidos a pensar, a perceber e a apresentar e a argumentar e… Achei que foi muito mais interessante. Muito mais. Perceberam melhor quando resolvemos as coisas algebricamente, perceberam. Aqui acho que eles se perderam um bocado. [Até] aqui foi muito bem, escolheram para o exemplo, mas depois aqui na resolução gráfica, acho que eles aqui não entenderam, percebes? (TR12) Salientei o facto de na discussão em grande grupo, Carla orientar directamente a turma,
possuindo assim um maior controlo sobre a situação. Pelo contrário, nos pequenos grupos o seu
controlo é menor e as interpretações que os alunos fazem das perguntas podem-se desviar do
que pretendia. Este facto pode ter originado a sensação de que o trabalho dos alunos estava
desorientado.
Na continuação deste diálogo Carla vai concluir que o problema essencial reside no
carácter excessivamente fechado da ficha proposta. Este reconhecimento foi desplotado por uma
observação minha sobre situações em que os alunos são colocados perante frases com lacunas
para completar: “O aluno tem que adivinhar as palavras que faltam, não pode estruturar uma
frase da sua cabeça, tem que seguir a frase pensada pela professora” (TR12). Logo Carla disse,
muito entusiasmada:
Comunicação na sala de aula de Matemática: Um projecto colaborativo
190
Muito bem, agora fizeste-me chegar a uma conclusão: realmente, isto, para trabalho de grupo acho que não. (...) Exactamente, era a minha sequência. Até aqui tudo bem, descobriam as melhores tarifas. Depois... talvez uma sugestão mais aberta (...) Viagens mais convenientes, eles chegavam ao número 100, eles chegavam... (TR12) Enumera, então, alguns exemplos de situações da aula onde lhe parece que é visível
esse controlo que a ficha pretendia ter. Alguns surgem no episódio A:
Episódio A
Tomé: Aqui é sem pagamento inicial. Rosa: Dá 220! Paulo: Dá. Tomé: E o pagamento inicial? (...) Rosa: Achas que é melhor o B? (...) Tomé: Esta aqui é melhor o A! (Chegou a professora) Rosa: É para fazer o gráfico? Carla: Já escolheram? Tomé: Na tarifa A gasta-se 220 e na B ... (explicou os diferentes gastos) Carla: Quando é que será mais vantajoso...? Tomé: Até 100Km. Rosa: 120Km, 100 € então faz 220 €. (Em relação à viagem aos Arcos de Valdevez) Rosa: Neste caso (tarifa A), se for 100 € mais... pagas 170 €. Aqui (tarifa B)
como pagas 2 € por km pagas 140 €, já pagas menos, compensa esta.
Este episódio é referido como exemplo de que a intervenção da professora vai no sentido
de perceber e confirmar se os alunos estão a conseguir concretizar as diferentes etapas da
tarefa. Perante a pergunta de Rosa: ‘É para fazer o gráfico?’ intersecta o grupo com mais
perguntas para confirmar se cumpriram as etapas anteriores e como o fizeram: ‘Já escolheram?’
e ‘Quando é que será mais vantajoso?’.
Carla concorda que o episódio B retrata a mesma situação: a dinâmica dos alunos é de
construção de respostas, quer às questões da ficha de trabalho, quer às colocadas pela
professora nos momentos de interacção com o grupo.
Capítulo 6 – Carla
191
Episódio B
(Na tentativa de responder à 1ª questão: Em cada uma destas situações , o preço é função da distância? Justifica)
Tomé: O preço é função de... Rosa: O preço é sempre o mesmo, a... é que varia! (...) Paulo: Não é função! Rosa: É função. A distância é função do preço. Paulo: Preço é variável independente. Tomé: Não. A variável dependente é o preço. A variável independente é a
distância, o preço varia com a distância. (mais tarde...) Carla: A expressão analítica? (...) Paulo: É aquilo f(x)=...? Carla: Já baptizaram as variáveis? (...) Carla: A expressão analítica? Tomé: É a expressão... f(x)=120 Carla: A expressão analítica é uma expressão com variáveis. Paulo: A distância varia com a tarifa. Tomé: Não, o preço varia com a distância. Rosa: Então a função A que é Viana do Castelo... Carla: Viana do Castelo? Rosa: Não a tarifa A.
A insistência em saber qual a ‘expressão analítica’ é sintomática da preocupação de
Carla com a necessidade de que a aula prossiga.
O terceiro momento de aula, dedicado à discussão em grande grupo, foi assinalado por
Carla como mais próximo daquilo que fez na aula correspondente com a outra turma de 8.º ano.
Assinalou, contudo, que os alunos estavam um pouco indisciplinados e não se ouviam
mutuamente. Concordou, no entanto, que como todos tinham feito exactamente o mesmo nos
grupos, não estavam concentrados pois a discussão não oferecia qualquer estímulo e tornava-se
repetitiva. Diz mesmo que “se cada grupo tivesse resolvido de forma diferente era mais
interessante a discussão” (TR16). Mais tarde, na segunda entrevista, refere mesmo que “podiam
ter seguido processos diferentes e aí as sínteses finais seriam mais ricas e [os alunos] estariam
mais atentos” (TEC2). Acrescenta ainda, referindo-se à discussão em grande grupo: “Assim, foi
uma sobreposição” (TEC2) em relação ao que tinha sido feito pelos alunos dentro dos
respectivos grupos.
Comunicação na sala de aula de Matemática: Um projecto colaborativo
192
O episódio C retrata um desses momentos de discussão em grande grupo.
Episódio C
Carla: Temos aí 2 tarifas: tarifa A que é 100 mais 1€ por km, e tarifa B que é 2 € por km. Primeira pergunta: Estas duas situações são funções?
Todos: Sim. Carla: Um deste grupo, porquê? Ricardo: Porque a distância... dá um valor... (algum ruído de fundo). Carla: Para cada valor da variável independente, distância, corresponde um
custo. (...) Carla: Recapitulando, cada uma destas situações é uma função em que a cada
valor da variável independente, distância, corresponde um e um só valor da variável (dependente) preço. Vamos escolher os nomes das variáveis: Para variável independente, distância, d; para variável dependente, preço, p. (Entretanto escreveu no quadro: distancia: d, preço: p).
(...) Carla: Para a primeira situação... Sandra: p= 100+d. Carla: Para a 2ª situação... Cristina: p=2d. (A professora teve que chamar à atenção para o facto de uma aluna não ter
aberto o caderno diário) Carla: Agora uma tabela para cada uma destas funções. (...) (Depois da tabela construída) Albano: Está mal! Tarifa A, 100x1+distância. Carla: Então está mal? Albano: Não.
Carla constata aqui, mais uma vez, a sua tendência para controlar todas as discussões.
Justifica que, assim, conhece o rumo do que é feito na medida em que estão todos a percorrer
um mesmo raciocínio: “Estou a acompanhá-los...” (TR12). Constata, também, a abundância de
perguntas de confirmação, como por exemplo as questões presentes no episódio D: ‘Ao conjunto
de objectos que nome é que damos?’ e ‘E ao conjunto das imagens?’.
Episódio D
Carla: 2ª função... (Construção da tabela com diálogo e no final...) Carla: Ao conjunto de objectos que nome é que damos? Alunos (coro): Domínio.
Capítulo 6 – Carla
193
Carla: E ao conjunto das imagens? Alunos (coro): Contradomínio. (...) (Após uma questão colocada a um aluno, Ricardo, do fundo da sala, e de algum
diálogo posterior) Ricardo: Independente e dependente. Oh Stora, eu estava a dizer certo! Estava a
dizer independente. Carla: Diz lá então, esta é dependente ou independente? (apontado agora para a
variável p). A: Dependente.
O episódio E é mais um excerto desta parte da aula. Mais que qualquer outro ilustra
bem um tipo de questões que Carla gosta de colocar para provocar os alunos, levando-os a
argumentar. É o tipo de questões que lhe dá uma certa satisfação. Por exemplo: ‘Porque razão
posso traçar a recta?’, ‘Não marquei pontos para a esquerda de zero, porquê?’ ou mesmo a
afirmação provocatória: ‘Na aula anterior disseram-me que podia traçar para baixo...’.
Episódio E
(Após a construção do gráfico começando pela distribuição dos valores ao longo da recta, com sugestões dos alunos quanto ao intervalo escolhido)
Carla: Porque razão posso traçar a recta? Tomé: Porque posso fazer uma viagem de qualquer número de quilómetros. Carla: Não marquei pontos para a esquerda de zero, porquê? Ricardo: Porque não é preciso. Carla: Na aula anterior disseram-me que podia traçar para baixo... (apontou para
a parte negativa do eixo das ordenadas). (Vários protestos a justificar que não era possível e brincado com a situação). (...) Carla: Até 100 qual é que tem preço mais baixo? As: A [tarifa] B. Carla: E depois de 100? As: A [tarifa] A Carla: Porquê? (...) A: Porque só por requerer a viagem já tinha que pagar 100€.
Mais tarde, no decorrer do projecto, esta aula serviu de referência em diversas
situações. Em particular, na estruturação de tarefas, Carla recordou-a para sublinhar a
importância de não encaminhar muito os alunos. No entanto, reconhece a sua dificuldade em
Comunicação na sala de aula de Matemática: Um projecto colaborativo
194
não o fazer: “Acaba-se sem querer, por começar a... orientar. Se demoram, se não estão a
perceber, ...” acrescentando que “devia fazer menos isso” (TR18).
O que importa sublinhar é que Carla foi tomando consciência de que esse modo de
proceder põe em causa a autonomia que pretende que os alunos desenvolvam. Diz: “como
podem ser autónomos assim?” (TR12). Mais tarde, ao relatar a Maria as suas aulas, comenta
que como professora tem tendência para envolver os alunos no seu próprio raciocínio. Isto é,
como refere: “Manter os alunos atentos e concentrados naquilo que nós queremos (...) envolver
os alunos no nosso raciocínio” (TR16), e esta foi a aula que lhe permitiu exemplificar este
aspecto.
Como já se referiu acima, Carla sentiu que na turma onde os alunos trabalharam em
grande grupo e em que ela própria orquestrou a discussão, a aula correu melhor. Foi apenas na
análise conjunta desta aula que Carla reconheceu que dentro dos grupos os alunos também
trabalharam, apesar dela não poder presenciar tudo. Diz mesmo: “Até trabalharam e discutiram,
mas... sabes... eu não estava a ouvir” (TR12). Reconhece que a maior parte das ocasiões em
que se dirigia a um grupo era por solicitação e que estas solicitações eram, na sua maioria, para
ajudar a sair de um momento de impasse. Assim, reconheceu também que a sua visão da aula,
em que acudia aos grupos no “serviço SOS”, lhe pode ter dado uma ideia distorcida da
realidade. Importa referir que para Carla uma das desvantagens das aulas de trabalho em grupo
é o facto de não saber se os alunos estão de facto a trabalhar. Quando é porém interrogada
sobre a garantia que pode dar de todos os alunos terem trabalhado na outra turma em que
resolveu o problema em grande grupo, reconhece que de facto também aí nem todos
participavam. Acrescenta: “É, é sempre o mesmo grupo [de alunos] que participa” embora
procure contrariar essa tendência: “mas questiono os outros para também [se envolverem]”
(TR12).
Aula 3: Funções lineares no GraphMat
A aula. Esta aula decorreu, no dia 7 de Janeiro de 2005, na sala de informática. Situou-
se no final da unidade, de funções do 8.º ano, e tinha como principal objectivo a consolidação de
conteúdos trabalhados ao longo da unidade. Para isso a aula estruturou-se com suporte no
programa GraphMat.
Capítulo 6 – Carla
195
A sala de informática tem 14 computadores disponíveis e colocados ao longo de toda a
parede, em U, onde os alunos trabalharam aos pares. Também estava disponível um
computador portátil ligado a um projector multimédia que Carla teve o cuidado de levar. A
disposição dos alunos na sala era a descrita na Figura 6.5.
Figura 6.6. Organização do espaço da aula na sala de informática.
Carla tinha programado estudar as funções lineares com recurso ao GraphMat, na sala
de informática. Como não foi possível fazê-lo nas aulas normais de Matemática, dado a sala
estar sempre ocupada, optou por fazer o estudo inicial com o auxílio de um portátil e de um
projector, trabalhando com os alunos em grande grupo. Assim, a aula que aqui se analisa situa-
se já num momento posterior. O que aconteceu foi que, para que os alunos experimentassem o
GraphMat, Carla resolveu preparar uma aula durante a hora de Estudo Acompanhado, na qual
os alunos, perante alguns desafios e questões, tentassem descobrir as expressões analíticas
correspondentes. Assim nasceu esta aula. Nas palavras de Carla:
Agora estou a trabalhar as funções cujos gráficos são rectas, então vou fazer uma aula de exercícios sobre isto, antes que apaguem o programa. Depois mais para a frente eu faço o resto. Agora vou aproveitar o programa que está instalado. (...) Não sei se vão surgir situações de diálogo entre eles ou entre mim e eles. (TR13) O esquema da aula foi pois, o seguinte: (i) organização dos alunos pela sala; e (ii)
colocação de questões aos alunos e discussão das respostas. Nesta segunda fase Carla
formulou diferentes questões ou desafios que os alunos, aos pares, discutiam para chegar a
uma conclusão. Carla procurava incentivá-los a pensar em cada situação, em vez de recorrer
directamente à tentativa e erro. Incentivava-os também a pensar porque razão determinadas
Computador
Computador portátil e projector multimédia
Comunicação na sala de aula de Matemática: Um projecto colaborativo
196
previsões não se verificavam. Estes incentivos foram colocados durante toda a aula, enquanto
circulava pela sala. A aula incluiu ainda diversos momentos em que Carla questionou toda a
turma, originando momentos de discussão em grande grupo.
Reflexão sobre a aula. A reflexão sobre esta aula ocorreu numa reunião em que se
analisou em simultâneo uma outra aula realizada também na sala de informática com uma
turma do 8.º ano de Eva. De facto, a aula de Eva, de 90 minutos e com uma diversidade maior
de situações, acabou por absorver a maior parte da discussão. No entanto, a proximidade entre
ambas permitiu que certos aspectos fossem complementados na discussão.
Genericamente, Carla estava satisfeita com a aula pois considerou que os alunos
“trabalharam bem” (TR14). Os alunos trabalharam aos pares o que permitiu recolher diversos
momentos de interacção entre eles. O episódio A foi destacado por Carla para exemplificar o tipo
de diálogos estabelecidos.
Episódio A
Carla: (...) Uma função de proporcionalidade directa e que passe neste ponto aqui. (Apontou para o ponto de coordenadas (-3,1)).
Ana: E é de proporcionalidade directa? Rosa: É impossível! Ana: É nada! Rosa: Ah! Tem que ser curva! (Risos) Ana: Ai uma recta! (Com alguma ironia na voz). Tomé (aluno de um par próximo): Afinal é recta ou é curva? (...) Carla: Olhem que, se estão à espera de encontrar por tentativas... Ana: Não vamos longe! Carla: Preparem-se para ficar aqui no fim de semana. Pensem. Pensem antes
de fazer. Ana: 1 é imagem de -3. (...) Tomé: Fogo!
Mais uma vez Carla encontra exemplos da sua tendência para o padrão em sanduíche.
Como ela própria diz a Eva, comentando o episódio B, “Eu também tenho aqui... olha... ‘muito
bem, y=kx’... e: ‘exactamente... mas isso não chega’ tenho que repetir o que eles dizem, falo
sempre entre eles” (TR14).
Capítulo 6 – Carla
197
Episódio B
Carla: Todos atentos agora. Quero que rapidamente, agora, aí no vosso computador... quero que representem graficamente uma função em que o gráfico é uma recta a passar no primeiro e terceiro quadrantes.
Diana: Já está stora! Carla: A atravessar o primeiro e o terceiro, já tens? Vamos lá a ver. (Circulou pela sala para ver o que tinham representado) Carla: Ora bem meus senhores, digam-me só uma coisa, portanto, já todos
fizeram (...)? Então de que tipo tem que ser esta função? Vários: y=kx. (Vários alunos a responder um pouco ‘desfasados’) Carla: Muito bem y=kx. Mas há outras do tipo y=kx que não passam no primeiro
e no terceiro [quadrantes]. Para passar no primeiro e no terceiro que característica é que tem que ter?
Rita: Passar no zero. Carla: Exactamente, passar pela origem mas isso só não chega, Diana: Positivo. Carla: O que é que tem que ser positivo? Diana: O k. Carla: O k, tem que ser positivo, muito bem.
Carla assinalou ainda dois momentos em que repete ou reformula as respostas dos
alunos.
Na primeira situação, quando diz: ‘Muito bem y=kx. Mas há outras do tipo y=kx que não
passam no primeiro e no terceiro [quadrantes]’, Carla procura avançar orientando os alunos no
sentido de repensarem as suas respostas com um elemento adicional. Acrescenta ainda uma
nova questão: ‘Para passar no primeiro e terceiro que característica é que tem que ter?’. A
segunda situação surge logo na intervenção seguinte quando Carla, apesar da resposta de uma
aluna não ser a que pretendia, a estimula dizendo ‘Exactamente’ e acrescenta: ‘passar pela
origem, mas isso não chega’. Para Carla este tipo de interacção com os alunos é habitual,
“tenho tentado questioná-los, esperar pelas respostas..., mas isto sempre de forma
ensanduichada” (TR14). Como refere num outro momento: “Procuro que justifiquem, gosto que
digam como pensaram” (TR14).
Quando comentamos o tipo de questões que surgiram na aula, Carla manifesta-se
satisfeita por termos constatado que nesta aula, se sentiu uma evolução em relação ao número
de questões de inquirição:
Comunicação na sala de aula de Matemática: Um projecto colaborativo
198
Eva: (...) Já fizeste mais questões de inquirição. Carla: Realmente este trabalho é bom porque faz-nos sentir que há coisas que já
fazemos mesmo que inconscientemente.
Quando confrontada com o advérbio ‘inconscientemente’ que acabou de usar, Carla
responde que, ao pensar na aula e mesmo durante a aula, a preocupação por desafiar os alunos
está sempre presente. Reconhece que essa preocupação já tinha antes, no entanto, a
formulação das questões sofreu uma evolução: “acho que... se olharmos para a primeira aula
[dos polinómios], questiono muito mas não tinha nada de inquirição, pois não?” (TR14).
Observe-se então alguns episódios assinaladas por Carla e por Eva como
exemplificativos dos diferentes tipos de questões. No episódio C destacam-se exemplos de
questões de confirmação.
Episódio C
Carla: Agora quero uma recta paralela a essa a passar ali no ponto [onde está o rato], (0,-3).
(Alunos a chamar e a professora a circular) (...) Carla: Ora bem atenção! Olhem agora todos para mim. Se a recta tinha que ser
paralela à anterior, que é que ela tinha que ter em comum com a [recta] anterior?
Vários alunos: O declive. Carla: O declive, 3 não é? Então vamos escrever y=3x-3, -3 é a ordenada na
origem.
Carla pretendia confirmar conceitos que os alunos tinham trabalhado nas aulas
anteriores quando diz: ‘Se a recta tinha que ser paralela à anterior, que é que ela tinha que ter
em comum com a [recta] anterior?’. Na reunião refere-se a esta questão dizendo: “Nós tínhamos
trabalhado o declive, eles sabiam...” (TR14) e concorda que foi uma questão de confirmação do
conhecimento.
Episódio D
Carla: Ora bem, se pedir uma proporcionalidade directa, tinha que ser y=kx. Como é que determinaram o valor de k?
Ricardo: (...) Carla: Como é que encontraram k? Porque é que escreveram 3 e não
escreveram 5?
Capítulo 6 – Carla
199
Alunos: Porque (...). (Várias respostas em simultâneo) Rita: Porque é o declive. Carla: Mas porque é que é 3? Ana: Porque a constante é 3. Carla: E porque é que a constante é 3? (..) Diana: Porque passa na origem. Carla: Não. Rita: Porque é a imagem de 1. Carla: Ah! Muito bem. Temos aqui o declive, y=kx, esse k, o declive, quando é
uma função de proporcionalidade directa, nós podemos chamar também, é a constante de...
Alunos (em coro): Proporcionalidade. Carla: Proporcionalidade. E a constante de proporcionalidade é a imagem do
objecto 1, neste caso o objecto 1 tem imagem 3 portanto, k é 3. Perceberam? Agora vou pôr a tal pergunta difícil.
No episódio D Eva, sempre entusiasmada e perspicaz no detectar tipos de questões,
aponta as seguintes questões como de focalização: “Esta é de focalização, não é?: ‘E porque é
que a constante é 3?’. E mesmo esta: ‘Mas porque é que é 3?’ Não acham?” (TR14). Discutiu-se
então que de facto, ambas as questões representam uma insistência de Carla no sentido de
obter dos alunos uma verdadeira justificação em resposta ao ‘porquê?’, como ela mesma refere:
“andavam ali sempre no mesmo: é 3, é o declive, a constante é 3, e... até passa na origem”
(TR14). No entanto, Carla defende que a primeira destas duas questões era de inquirição.
Considera que se tratava de uma terceira tentativa de obter a resposta sobre o pensamento da
aluna: “queria saber como tinham lá chegado” (TR14), mas reconhece que já sabendo a
resposta, a classificação de Eva era a mais adequada. Carla, no entanto, aponta neste mesmo
episódio uma outra questão que para ela é de inquirição: ‘Como é que determinaram o valor de
k?’. Também no episódio E, Carla identifica uma questão como de inquirição: ‘Como é que
pensaram para escrever essa expressão analítica?’, e a sua reformulação: ‘Qual foi o vosso
raciocínio?’.
Episódio E
Carla: Agora quero uma recta, ouçam bem esta pergunta, esta é difícil. Agora quero uma que atravesse o primeiro, o segundo e o quarto quadrante.
(Protestos e volta a repetir a pergunta) Carla: Ai não sabem quais são os quadrantes? (recapitulou quais são os
quadrantes)
Comunicação na sala de aula de Matemática: Um projecto colaborativo
200
Joana: Uma só recta? Carla: Uma só recta! A atravessar os 3 quadrantes! Paulo: Ó s’tora, uma recta mesmo, ou uma recta curva? Carla: O que é uma recta curva? (Muito espanto e muita admiração!) Rita: Já fiz s’tora! Já fiz! (Aproximando-se do computador onde estava a Rita) Carla: Primeiro, segundo e quarto. (...) Carla: Já está? Ora bem, vamos lá a ver, como é que pensaram para escrever
essa expressão analítica aí no computador? (...) Carla: Qual foi o vosso raciocínio? Paula: Tinha que ser negativo o k. Carla: Estás a dizer muito bem que a primeira coisa é que o declive tinha que
ser negativo. Para atravessar este quadrante mais este e este, o declive tinha que ser negativo que era para a recta estar assim.
Rita: A ordenada na origem positiva. Carla: E a ordenada na origem tinha que ser positiva. Pronto, a partir daí era só
escolher um número negativo para ali e um positivo para aqui. Agora, memorizem essa expressão que escreveram porque eu agora vou pedir uma de proporcionalidade directa, ou seja uma recta cuja função seja de proporcionalidade directa e que seja paralela a essa.
Paula: Uma quê s’tora! (aparentemente não tinha ouvido) Tomé: já está! (rapidamente!) (...) Algum tempo depois: Carla: Perceberam? Vários alunos: Sim.
Ao analisar o que se passou nesta aula, Carla lamentou não ter podido seguir, pelas
questões logísticas referidas atrás, o seu plano inicial. Mais do que uma aula de descoberta (em
que os alunos construíssem padrões com os parâmetros da expressão analítica), esta aula
acabou por constituir uma oportunidade para se resolverem exercícios de forma mais criativa e
de experimentarem os próprios alunos o programa que a professora usara anteriormente.
Apesar disso Carla valorizou muito esta aula, até porque dá geralmente uma grande
importância à resolução de exercícios. Exercícios que aqui foram discutidos entre pares de
alunos, conferindo a estes um protagonismo e oportunidade de verbalização maior do que é
habitual. Diz Carla: “os alunos resolviam as situações com o colega do lado” (TR14). Chamavam
às vezes pela professora mas, essencialmente, para mostrar o que tinham feito: “queriam
sempre mostrar o gráfico deles” (TR14).
Capítulo 6 – Carla
201
Mais tarde, quando analisávamos outras aulas, o olhar de Carla sobre esta aula é já
mais crítico. Refere-se nos seguintes termos:
Aquela [aula] dos computadores, nessa aula... ainda está muito tradicional, aquela pergunta em que já vou conduzindo os alunos em que há muita focalização, que estou só ali a orientar o aluno para aquilo que eu quero ouvir e portanto estou a... (...) Nessa aula, não houve espaço para a criatividade dos alunos, portanto para eles me surpreenderem, não. (TR16) No entanto reconhece que o facto de se tratar de uma aula em que os alunos tinham
uma tarefa atribuída para resolver, o espaço de autonomia era reduzido. Esperavam que a
professora fosse propondo algumas situações a que intitulou de exercício para pensar e discutir
cada uma.
Mais uma vez se revela a necessidade de Carla em controlar o trabalho que é
desenvolvido pelos alunos ao longo das aulas.
Aula 4: Cubos, números e sequências
A aula. Esta aula insere-se na unidade ‘ainda os números’ do 8.º ano de escolaridade e
decorreu a 14 de Janeiro de 2005. A sua análise e reflexão fizeram parte da ordem de trabalhos
da reunião imediatamente a seguir e, mais tarde, foi novamente analisada aquando da
integração de Maria no grupo dado que Carla seleccionou alguns episódios desta aula para o
efeito.
O principal objectivo de Carla para esta aula era que os alunos construíssem sequências
numéricas utilizando cubos coloridos de encaixe e encontrassem para cada uma o respectivo
termo geral. Como ela própria refere, quando relata a aula a Maria:
Aquilo que se pretendia era que os alunos construíssem sequências e que depois vissem qual era a sequência numérica associada aquilo que estavam a construir, e depois que descobrissem o termo geral, a expressão com variável que permitisse obter o número de cubos em cada elemento da sequência. (TR16) O esquema da aula foi o seguinte: (i) organização dos grupos de trabalho e distribuição
do material; (ii) explicação da professora; (iii) trabalho e discussão em grupo; e (iv) apresentação
aos colegas.
Comunicação na sala de aula de Matemática: Um projecto colaborativo
202
Logo no início da aula Carla pediu aos alunos que se organizassem em grupos de quatro
elementos e distribuiu o material que consistia em cerca de 30 cubos por grupo. De seguida,
informou-os sobre a forma como propunha que trabalhassem exemplificando com a construção
de uma sequência que foi estudada em conjunto com todos os alunos.
A tarefa proposta aos grupos é apresentada na figura 6.6., tal como Carla escreveu no
quadro e os alunos registaram no caderno:
Tarefa:
Com os cubos de encaixe, construir sequências e descobrir o termo geral que
permitirá obter o número de cubos utilizados em cada elemento da sequência.
Figura 6.7. Tarefa proposta aos alunos na aula: cubos, números e sequências.
A análise desta aula centrou-se essencialmente num conjunto de episódios que
ocorreram na sua terceira fase, durante a realização da tarefa em grupo. No final não foi possível
realizar integralmente a fase de apresentação aos colegas. Cada grupo tinha construído várias
sequências e houve grupos que não conseguiram chegar a todos os termos gerais. Como a
professora pretendia que fossem os próprios alunos a obte-los, a conclusão da tarefa foi
agendada como trabalho de casa.
Aqui nesta aula faltou algum tempo no fim, portanto tive que acabar na aula seguinte, nesta não deu tempo [para] que os grupos apresentassem tudo uns aos outros, tudo o que tinham construído e as conclusões que tinham tirado. (TR16) Carla sublinha um exemplo de uma das sequências em que foi difícil encontrar o termo
geral. Recorda que no final da aula veio um aluno falar com ela e mostrou aquilo que tinha
pensado. Diz:
Aquele aluno que estava à frente, pensou na lei de formação correctamente mas para procurar o termo geral, procurou-o com a sequência dos números da lei de formação: +3, +5, +7, +9,... e portanto não conseguiu chegar ao termo geral e escreveu: impossível. Carla deixou o aluno pensar por si próprio (até porque não lhe ocorreu logo qual seria o
termo geral), conta a este propósito:
Capítulo 6 – Carla
203
Quando este aluno me mostrou a sequência: 1, 4, 9,... quando me descreve a lei de formação, eu não estava a ver , não olhei para os números escritos em baixo (sequência propriamente dita). Eu própria na altura não vi... só depois é que olhei e pensei ‘ah, isto são os quadrados perfeitos’. (TR16) Importa acrescentar que a aula decorreu num ambiente de trabalho por um lado
agradável e por outro exigente. Como Carla refere com satisfação “trabalharam bem” (TR16). A
própria forma como iam procurando sucessivas sequências é revelador disso mesmo. Não
queriam parar, cada vez que encontravam um termo geral, procuravam construir uma nova
sequência. Havia sempre algum elemento que entusiasmava os colegas a fazer mais e a
considerar casos mais elaborados.
Reflexão sobre a aula. Genericamente, Carla refere-se a esta aula como um testemunho
do seu percurso pessoal no projecto. Já aguarda mais pelas observações dos alunos e escuta-as:
“Tentei... controlar menos, ouvir mais, esperar... Os garotos até nos... surpreendem” (TR15).
Assim, quando seleccionou os episódios que iriam servir para análise e depois, entre
esses, aqueles que seriam discutidos na reunião com Maria, reconhece que os alunos
trabalharam e discutiram e que os diálogos entre eles tiveram um interesse genuíno: “Até
trabalharam bem. (...) Olha este episódio... (...) eles até pensaram bem” (TR15). Mais tarde diz
com satisfação: “Podíamos analisar esta aula com a Maria” (TR15).
Para Carla esta aula funcionou, para si própria, como um exercício na tentativa de
observar o trabalho dos alunos sem estar pressionada nem com o tempo nem com o sucesso de
cada situação em particular. No fundo, naquilo que classifiquei de “confiar mais nos alunos” e
que Carla concordou considerando que eles até a conseguiram surpreender e essa surpresa
deixou-a satisfeita.
Desta forma, as interacções estabelecidas durante a aula foram muito de aluno para
aluno dentro do grupo, e em certos momentos, da professora com os grupos pois Carla foi
circulando entre eles. Enquanto circulava e observava a forma como realizavam as tarefas, Carla
foi colocando questões e teve o cuidado de procurar que as respostas fossem do grupo e não
individuais. Reconhece que quando se sente pressionada e a querer “despachar”, nem repara
que por vezes, as respostas (ou mesmo perguntas) formuladas por um aluno não são do grupo,
mas apenas desse aluno.
Considere-se então um dos episódios seleccionado por Carla, o episódio A, e que
permitiu a discussão e análise de vários aspectos da comunicação.
Comunicação na sala de aula de Matemática: Um projecto colaborativo
204
Episódio A
Carla: Qual é a vossa sequência? Rui: Esta s’tora (mostrando a seguinte sequência com os cubos) Carla: E qual é a sequência numérica? Rui: 4, 12, 20, 28,... Carla: Qual é o termo geral? Rui: Ainda não descobrimos. (Mais tarde) Rui: S’tora! Já está! (Rui chamou a professora com um ar muito satisfeito, quando a professora
chegou ao grupo, logo que lhe foi possível, seguiu-se o seguinte diálogo) Rui: É 8n-4. Carla: Porquê? Pedro: 4, 12, 20,... Rui: 28,... Carla: Mas porquê? Pedro: 8x1-4=4, 8x2-4=12,... (com a voz do Rui à mistura) Carla: Mas porque razão escolheram 8 e não outro... Rui: Porque a diferença entre eles é sempre 8!
Carla observa logo que o padrão sanduíche é uma constante nas suas aulas:
“Novamente... a sanduíche, já viste isto?” (TR15). Mas reconhece que, se nestes momentos, em
que se dirige aos grupos, a interacção é estabelecida entre a professora e os alunos, em todo o
tempo restante as discussões ocorrem apenas entre eles. Particularmente este episódio retrata
três momentos distintos: um momento em que a interacção é iniciada por Carla, outro, omisso,
que retrata a discussão entre os alunos na descoberta do termo geral, e, por último, um
momento em que Rui chama a professora para lhe mostrar a conclusão do grupo. Este último
momento retrata de novo uma interacção entre Carla e o grupo de alunos mas agora iniciada
explicitamente por estes.
A análise inicia-se pela identificação dos tipos de questões colocadas por Carla.
Facilmente ela própria identifica algumas questões de cada tipo. Por exemplo, neste episódio,
Capítulo 6 – Carla
205
elenca duas questões de confirmação: ‘Porquê?’ e ‘Mas porquê?’. No entanto, lembra a seguir
que ao perguntar ‘porquê’ queria de facto perceber o modo como os alunos pensaram e, nesse
sentido, seria uma pergunta de inquirição. Justifica: “Não sei, mas... conhecia a resposta, mas
eles podiam dar outra [diferente]” (TR16). Como exemplos de inquirição refere, ainda no mesmo
episódio: ‘qual é a vossa sequência?’ ou ‘qual é o termo geral?’.
Um aspecto que sobressaiu com relevância na análise foi o facto das questões de
inquirição surgirem de forma mais natural. Diz: “Chegava aos grupos e não sabia que sequência
é que estavam a construir e portanto era tudo novidade” (TR16). Por outro lado, acrescenta “que
as questões foram mais inquiridoras porque [procurei] ouvir mais os alunos” (TR16). Este ponto
é acentuado na análise do episódio B.
Episódio B
Carla: Qual é a vossa sequência? Ana: Esta. (Mostrando a sequência). (Carla olhou atenta para a sequência seguinte) Carla: Qual é a lei de formação? Ana: Tenho que adicionar sempre três [cubos]. Carla: Adicionam sempre estes três? (Apontando para os cubos das pontas) A: (...) Carla: E agora, qual é o termo geral? André: n+3. Marco: Mas aqui... Ana: 3n+1. Carla: 3n+1? Ana: ai, não! André: Não pode dar 7. Ana: 6x1, 6, mais 1, sete. Marco: 2n+3. Não é stora? 2n+3 (insistiu até a professora ouvir) Carla: 2n+3? Marco: Sim. Carla: Vamos substituir aqui por... Marco: 2n+4. André: Era o que eu estava a dizer. Carla: Ora vamos analisar a resposta dela.
Comunicação na sala de aula de Matemática: Um projecto colaborativo
206
Carla confessa que quando Ana disse 3n+1 ficou com vontade de pedir logo para
verificarem essa expressão. No entanto, pareceu-lhe que dessa forma os encaminharia num
certo sentido e optou por os ouvir um pouco mais e esperar que chegassem a alguma
conclusão. Considera ter sido essa uma boa opção porque assim apercebeu-se da forma como
procuravam o termo geral: “Davam sempre mais... novas [expressões], nem pensavam” (TR16).
Por fim acabou por lhes propôr um novo rumo, focando-os numa das propostas por eles
elencadas. Quando Ana retoma a expressão 3n+1, aproveita e diz: ‘Ora vamos analisar a
resposta dela’. Justifica: “Tinha que parar para pensar... estavam sempre a mudar” (TR16).
Reconhece na discussão que poderia ter tentado que explicassem a génese de uma expressão,
em vez de dizer que ‘vamos substituir aqui por...’, mas na altura não se lembrou: “Era, mas...
propus logo a verificação dos termos” (TR16).
Após ter feito a sugestão referida, Carla afastou-se ligeiramente do grupo para os deixar
pensar, foi a um outro grupo próximo e regressou pouco depois. Nessa altura os alunos
procuravam os termos da sequência, considerando o termo geral 3n+1. Em particular, André
estava a escrever no caderno os resultados. A situação é relatada no episódio C.
Episódio C
Carla: Esperem lá, vamos ver se está certo. Este que elemento é da sequência, é o quarto não é? Então... para n=4 quanto é que dá? Escreve aí a expressão dela. (Dirigindo-se a André).
Ana: 3n+1 André: 3x1=3+1=... (André escreve) Carla: Mas repara, este não é o primeiro, disseram que era o quarto elemento.
Portanto tens que substituir aí o n por quanto? André: O quarto elemento? Não sei. Marco: É 16. Carla: Por quanto é que tens que substituir aí o n? André: 4n. Carla: Para saberes quantos cubos tens aqui, tens que substituir o n por quanto?
Este que elemento é da sequência? Marco: 4! segunda, terceira, quarta. Joana: Pois com 4 dá certo com 1 é que não. (Aluna do grupo ao lado que se
juntou à discussão pois o seu grupo também estava a tentar resolver a mesma sequência)
Carla: Portanto tens que substituir o n por quanto? Marco: 4. André: Mas então eu ainda não estou a perceber! Carla: Nesta expressão, (apontando para 3n+1) estavas a substituir o n por 1. André: 3x4?
Capítulo 6 – Carla
207
Marco: +1. André: 3x4 dá 6, mais 1 dá 7. Carla: Dá quanto? Marco: 12. André: 12+1, 13. Marco: Mas aqui tem 16 ainda falta. Faltam 3. Ana: Este tem 13, este tem 16, este tem 10 e este tem 7. (Referindo-se aos
vários elementos da sequência mas sem ser ordenadamente) André: Está certo. Carla: Diz. André: 7, 8, 9, 10... 11, 12, 13... 14, 15, 16... Carla: Então está bem ou não está aquela? André: Está. Carla: Está bem? Então quanto é que te deu? André: Deu-me... Marco: 13. André: Ao fim? Carla: Já fizeste as contas, quanto é que te deu? André: Ai aqui? Marco: Deu 13. André: 13. Marco: Deu este (apontando para uma das peças da sequência, a terceira) Carla: Aqui, quarto termo, quantos cubinhos tens? Marco: 16. Carla: Então não é aquela. André: Ai é 4x3. 4x3 dá... 4x4 dá... Marco: 16 Mas como é que vais arranjar depois para aqui? Carla: Exactamente.
Este episódio foi objecto de análise no que diz respeito ao tipo de questões formuladas.
Carla classifica-o de “um bocado ensanduichado” e assume a sua dificuldade em evitar esse tipo
de registo: “Pois é, é difícil fugir... estou sempre a... tenho sempre que dizer alguma coisa”
(TR16). De seguida, Carla explica a Maria as diferentes classificações aproveitando algumas das
questões presentes neste episódio:
Quando se pergunta qual é a lei de formação, isto é inquirição, à partida nós não sabemos que é que o aluno vai responder, portanto,... Mas depois em baixo, a aluna responde 3n+1 e a professora diz: 3n+1? Isto é confirmação, para ver se o aluno sabe o que está a dizer, para confirmar se sabe. (TR16) A esta afirmação segue-se um diálogo entre Carla e Eva em resposta a uma questão que
levantei:
Comunicação na sala de aula de Matemática: Um projecto colaborativo
208
Helena: De confirmação? Eva: Acho que sim. Carla: Pois... (pensativa) Eva: Aqui estás a confirmar, a tentar confirmar se a resposta que ele deu era
mesmo, se está convicto, não é? Carla: Se está convencido da resposta que deu. Eva: As de focalização são para conduzir, mas aqui não está a conduzir, ele já
disse a resposta, disse uma resposta, e a pessoa está a voltar à carga para confirmar.
(TR16)
Surgem então exemplos que Carla apresenta como de focalização. Nas suas palavras:
“Em baixo já temos de focalização, quando, para provar que o termo geral estava errado, eu
estou a orientar o raciocínio, para eles se aperceberem de que estava [errado]” (TR16).
Apontando assim para as questões: ‘Este que elemento é da sequência, é o quarto não é?’,
‘Portanto tens que substituir o n por quanto?’, ou ainda, ‘Dá quanto?’. Carla concordou também
com outras apontadas por Eva na sequência da discussão, por exemplo: ‘Mas repara, este não é
o primeiro, disseram que era o quarto elemento. Portanto tens que substituir aí o n por quanto?’.
Constata que para além da questão em si (‘Portanto tens que substituir aí o n por quanto?’),
focaliza a atenção dos alunos para um determinado aspecto em discussão.
Volto, porém, ao decorrer da aula em análise. Carla, após o Episódio C, aparentemente
satisfeita por terem avançado mais, sai e aproveita para ir ver o trabalho de outros grupos. No
entanto, um pequeno diálogo que ocorreu entre os alunos Ana, André e Marco, já na ausência
da professora, foi trazido à discussão na reunião.
Episódio D
(Chegaram à expressão 3n+4) Marco: Não dá. Espera. André: (depois de experimentar os elementos obtidos pela expressão 3n+4) Vês,
não dá! (A gozar com o colega) Marco: Mas há bocado a s’tora disse que não dava! Ana: Vamos fazer outro? André: Oh, já me cansei, já chega. Ana: Oh, mais um! André: Já estou cansado!
O comentário de Marco preocupou Carla, que o colocou em paralelo com as atitudes
dos alunos que mudam de opinião com facilidade apenas porque a professora repete a
Capítulo 6 – Carla
209
expressão em tom interrogativo. Essas atitudes estão patentes no início do episódio B, e
ocorreram também noutros grupos. Carla comenta a este propósito: “Não estão nada seguros
do que [dizem], mudam logo a resposta” (TR16).
Carla considera que esta aula não testemunha nenhum processo de negociação de
significados: “Nesta aula não. Negociação de significados não” (TR16), diz com algum
desconsolo na voz. Considera, no entanto, que podia ter trabalho um pouco ao esse nível na
apresentação dos resultados dos grupos: “Acho que na síntese... podia ter trabalhado mais a
negociação de significados que não senti muito” (TR16).
De uma forma geral, porém, para Carla esta aula representou um elemento de avanço
em relação a outras e compara-a em particular com as outras discutidas pelo grupo: “Quanto à
aula, a isto que está retratado, acho que já não está assim tão mal, acho que aqui já houve
inquirição, já abri mais, fiz com que os alunos pensassem mais pela cabeça deles” (TR16).
Acrescenta: “Senti que nesta [aula] abri mais... Aquela dos computadores, ainda estava muito
tradicional” (TR16). Compara-a ainda com a primeira aula que foi gravada, a de factorização nos
seguintes termos:
Pois esta foi um trabalho de grupo, a outra era uma aula (...) nessa da factorização em que eu segui o modelo tradicional, o IRA, eu agora olho para aquela aula e digo assim: ‘isto realmente podia ter sido de forma diferente, em vez de estar a conduzir os alunos, (...) porque não começar logo por apresentar o polinómio desenvolvido e agora pensem qual foi o caso notável que desenvolvido deu origem a isto, justifiquem. Pô-los a pensar e a apresentar as suas soluções e depois a turma a discutir, podia ter sido feita de forma totalmente diferente. Naquela aula a minha preocupação era dar os procedimentos para eles perante um polinómio desenvolvido, descobrirem qual era o caso notável. Quando lhes digo procurem dois termos que sejam quadrados de um monómio, ver que o outro [termo] é o dobro do produto,... há aquela preocupação de lhes dar procedimentos, seria muito mais interessante se não lhes tivesse dado nada disso e tivesse dito ‘qual é...?’, ‘o que dá origem a isto?’, ‘porque é que dizes isso?’... Chegavam lá e a aula teria sido muito mais rica. (TR16) Torna-se evidente que Carla, apesar de continuar a apontar aspectos de cada aula que
ainda não a satisfazem, sente que houve uma modificação nas suas práticas ao longo do
projecto. Sente que as aulas estão a reflectir preocupações distintas, que está a evoluir nos
registos de comunicação em que se envolve.
Comunicação na sala de aula de Matemática: Um projecto colaborativo
210
Com a análise desta 4ª aula de Carla concluo a reflexão sobre as práticas de
comunicação desta professora e a apresentação deste caso. A ele voltarei, porém, no capítulo 9,
no contexto de uma análise cruzada dos elementos que influenciam as práticas profissionais das
três professoras que deram vida a este projecto. O impacto que este teve em Carla e o papel que
ela nele desempenhou serão aí abordados.