capítulo 4 - infinitelightnovel.files.wordpress.com · verdade. dava para ver o jardim atrás do...

1 Light Novel Project

Capítulo 4

O terrível silêncio foi quebrado por alguém perguntando, “Onde eu estou?”

Um labirinto se desdobrava diante dos olhos dele.

Esse labirinto era composto de incontáveis prateleiras, cheias de livros.

Corredores hexagonais infinitamente sobrepostos sem fim à vista.

No lugar de paredes, não era possível ver nada além de milhares e milhares de capas

de livros.

Não havia janelas ou portas, nesse labirinto.

Mesmo quando se olhava através da borda da escadaria de pedra espiral, só se podiam

ver infinitos corredores de prateleiras.

Os corredores estavam fazendo uma leve espiral e se sobrepunham uns aos outros em

várias camadas do fundo até o topo, contendo uma quantidade gigante de livros. Parecia

quase como a Torre de Babel que havia sido perdida durante a era da bíblia.

Aquela era a tumba de conhecimento obscuro e bizarro.

E ela era o epítome do próprio universo.

“— Essa biblioteca não tem nome. Ninguém chamaria o mundo por um nome, certo?”

Finalmente, outra voz respondeu. Era a voz de uma garota que parecia ser ainda jovem.

“É... mesmo?” o dono da primeira voz disse. Ele era um garoto que parecia estar

surpreso. Ele perguntou, “Isso não é pouco prático, às vezes?”

A garota se virou ao ouvir ele. Cercada por incontáveis pilhas de livros, ela estava lendo

um livro aberto em seu colo. O vestido puro branco dela que consistia de seda e numerosos

laços balançou como uma pétala dançando no vento. Ela soltou uma respiração que soava

como uma risada leve.


“Apenas chame ela como você quiser, nessas horas!”

“Por exemplo...?”

“A primeira pessoa que já se perdeu aqui chamou esse mundo de ‘Biblioteca Labirinto’.”

“Entendo.”

O garoto assentiu. Realmente, esse lugar era como um labirinto e ao mesmo tempo,

como uma biblioteca.

Mas ele estava convencido de que havia um nome mais apropriado. Assim sendo, ele

perguntou de novo.

“O que mais?”

A garota perdeu o sorriso e disse a ele silenciosamente,

“Bibliotheca Mystica de Dantalian.”

“... Dantalian?”

“É o nome do dono dessa biblioteca,” ela disse, e voltou os olhos para o chão. Solidão

terrível estampava o rosto dela.

Sentando nas profundezas do labirinto de prateleiras, ela voltou a olhar para o livro em

seu colo.

“‘Dantalian’ — esse é o seu verdadeiro nome?” o garoto perguntou, enquanto olhava

para ela.

A garota não respondeu a pergunta dele. Só dava para se ouvir o som do papel. O frágil

som das páginas virando.


Capítulo 4 - O Livro Tridimensional

Episódio 00: A Arlequinada

Parte 1

A residência de pedra ficava a meio dia da capital, indo de carro e trem.

Porém, o dono aristocrático dessa casa de campo era apenas um lorde regional de

pouca influência. Então, ela não era tão suntuosa. Era apenas uma construção bem velha, na

verdade.

Dava para ver o jardim atrás do portão aberto.

Uma grande variedade de flores estava florescendo em todos os tipos de cores, e a

névoa da manhã tinha molhado a grama que estava crescendo fortemente lá.

O jardim provavelmente não tinha sido cuidado em anos. Ele parecia mais um lugar

selvagem do que um jardim.

Era difícil de acreditar que aquele lugar estivera ocupado apenas meio mês atrás,

olhando esse cenário lamentável.

Um homem estava andando no pavimento de pedra desse jardim.


Era um jovem usando uma sobrecasaca. Em sua mão esquerda, ele tinha uma pequena

bolsa de viagem.

O rosto debaixo do chapéu parecia jovem; ele tinha provavelmente algo entre 18 e 19

anos.

O andar dele dava a impressão de um soldado treinado, porém não se podia sentir

nada rude na atmosfera ao redor dele. Sua expressão parecia com a de um garoto honesto.

O jovem chegou à porta do outro lado do pavimento de pedra e parou.

Depois de observar a mansão dilapidada por um tempo, ele riu ironicamente.

“Será que eu herdei uma coisa problemática...? Caramba, vovô...”

Ele colocou a mão no bolso e pegou uma velha chave.

A chave era dourada com uma forte coloração vermelha. Uma joia rubra estava presa

em seu eixo e ela estava conectada a uma corrente fina.

“Eu sempre soube que ele não se importava com as outras pessoas, mas nunca esperei

que ele vivesse num lugar como esse.” ele murmurou, sorrindo levemente, e trouxe a chave

dourada para perto da fechadura da entrada.

Porém, ele parou instantaneamente e baixou o braço.

A chave obviamente não se encaixava na forma da fechadura.

“Não é a chave para essa porta, hm... bem, não é uma grande surpresa, eu acho.” ele

suspirou levemente e colocou a corrente da chave ao redor de seu pescoço como um colar.

Então ele procurou nos bolsos por algumas chaves velhas.

Elas pareciam normais e não eram particularmente decoradas.

Depois de tentar várias dessas chaves, a porta finalmente abriu.

Ele lentamente abriu a porta de carvalho e entrou na mansão.

Depois de observar o escuro com os olhos apertados, o desapontamento passou por

seu rosto.


Não havia nada dentro.

As coisas mínimas necessárias para viver, como um sofá de couro ou uma mesa de

jantar estavam lá, mas fora isso, não havia nada.

As prateleiras eram especialmente estranhas.

Elas estavam presas nas paredes da mansão.

Mas nenhum livro estava nelas.

O jovem tocou a borda de uma prateleira e sujou o dedo com a grosa poeira que havia

se acumulado lá.

Aquilo era prova de que essa prateleira não havia sido usada em anos.

“O que isso significa...?” ele franziu o cenho, e continuou explorando a casa.

A fraca luz brilhando através das janelas iluminava a poeira dançante de branco.

Parecia quase como um lugar deserto.

As paredes da casa-sala estavam cobertas por prateleiras gigantes.

Mas todas elas estavam vazias, sem exceção.

Não restava nenhum livro nessa mansão.

Apesar de não haver traços de terem sido levados, todos os livros tinham desaparecido

misteriosamente.

Ainda confuso com esse fato, o jovem finalmente chegou à última sala.

A sala estava dentro de uma torre do lado do pátio.

O interior era pequeno como um depósito. As paredes de pedra fria não tinham

nenhum revestimento e havia uma prateleira vazia estava no canto da sala.

O jovem deu uma olhada na sala. Ele estava prestes a voltar ao corredor quando

percebeu uma coisa.

Abaixo da fina poeira no carpete, dava para ver algo que parecia uma abertura.


“... Entendi.”

Um sorriso apareceu em seu rosto, e ele empurrou levemente a prateleira do lado da

parede.

O profundo som de engrenagem ressoou e a grande prateleira girou levemente.

Uma cavidade apareceu. Era uma escada estreita que descia para o subterrâneo.

Pegando uma lâmpada que havia sido deixada na mansão, o jovem começou a descer

as escadas escuras.

Quando ele abriu a porta no final do túnel oculto, ele chegou num grande porão.

As paredes da sala escura e úmida eram iluminadas por luzes leves. Fora isso, coisas

que pareciam pilares meio destruídos estavam espalhadas por toda a sala e criavam sombras

longas.

Ao ver isso, o jovem sorriu impressionado.

Esses pilares consistiam de livros.

Todos aqueles livros incontáveis da mansão haviam sido reunidos e empilhados nesse

porão, enchendo metade do espaço. Era como se ele estivesse olhando lápides orientais,

construída por um empilhamento de pedras.

Não parecia que eles tinham sido carregados para lá com um propósito. Parecia que

alguém estivera lendo livros e tinha apenas deixado de lado aqueles que tinha terminado, o

que acabou levando àquela cena.

Havia todos os tipos de livros. Tudo desde livros de capa amarela1 a tratados

complicados de filosofia.

Haviam também muitos livros escritos em línguas antigas ou estrangeiras. Parecia que

alguém estivera lendo todo e qualquer papel que tinha letras.

Quase enterrada nesses milhares de livros, uma pequena silhueta estava de costas

dobradas sem fazer nenhum som.

1 Um estilo de livros baratos de ficção publicados na Inglaterra na segunda metade do século 19,

era conhecido por suas histórias simples de entretenimento.


Era uma jovem garota.

Uma pequena garota estava sentada sozinha no braço de uma cadeira com um livro

aberto no colo.

No porão de uma mansão deserta, ela estava lendo um livro.

Ao ver esse espetáculo inesperado, o jovem segurou a respiração, surpreso.

A garota era tão bonita que era difícil de acreditar que ela pertencesse ao mundo dos

vivos.

O cabelo preto elegante dela chegava até a cintura e estava preso por um cocar de

renda.

A cor dos olhos dela era negra como a noite.

A pele dela tinha uma cor oriental característica e parecia macia como mel derretido

em leite; ela parecia quase como uma porcelana valiosa.

O vestido dela era negro como azeviche.

O vestido lembrava os robes cerimoniais dos cavaleiros medievais; uma mistura

estranha que não podia ser chamada de vestido ou armadura.

A saia dela estava elegantemente cheia de babados e a cintura dela estava decorada

com uma fita e parecia tão frágil quanto um tesouro antigo. Os protetores metálicos nas costas

das mãos dela e o quixote rústico que completavam o aspecto eram estranhas, pois não

pareciam combinar com o vestido decorado com rendas.

Ela não fez qualquer movimento; seu olhar estava concentrado no livro. Também não

havia mudança em sua expressão aparentemente artificial.

“Uma boneca...?” o jovem murmurou espontaneamente. Mas então, pôde-se ouvir o

som do virar de uma página.

No momento seguinte, ela já tinha levantado a cabeça e estava olhando diretamente

para ele.


A própria expressão surpresa dele estava refletida nos olhos insensatos dela que

pareciam um morrião claro.

Mas ainda sem ter certeza de que ela era realmente humana, o jovem continuou lá

parado até que ela disse:

“Ei... quem é você?” Movendo seus lábios que pareciam joias, ela continuou, “O que

um humano tem para fazer aqui?”

A voz dela soava tão doce como o canto de um pássaro.

“Para que... você veio aqui?” a garota perguntou ao jovem novamente.

A escolha de palavras dela era confiante e impertinente, mas a voz dela vacilou

levemente no final da frase. Os olhos negros sem expressão pareciam estar com medo.

Primeiro, o jovem pareceu levemente surpreso, mas então tirou o chapéu e se curvou.

A demonstração de que ela era uma humana feita de carne e sangue e não uma

boneca aparentemente havia lembrado ele de que esse gesto era importante para se fazer

diante de uma dama. Mesmo ela sendo uma garota mais jovem —

— ou possivelmente uma figura diabólica.

“Por favor, perdoe a minha entrada. Meu nome é Huey. Hugh Anthony Disward. O

neto do antigo dono dessa mansão, na verdade.”

Ele pode ter se apresentado educadamente, mas isso não mudou nada no olhar

desconfiado da garota.

Com o livro grosso nas mãos, ela se levantou e deu um passo para trás cautelosamente.

Ela estava desconfiada de Huey.

Ou ao invés disso, ela tinha medo dele. Como uma criança tímida e medrosa.

“Você é... o neto do Wes?”

Ela perguntou ceticamente, e o jovem, Huey, levantou uma sobrancelha.


“Você conhece o meu avô? Como vocês se conhecem?” perguntou o jovem levemente

confuso, enquanto a garota de cabelo preto o encarava.

Quando Huey chegou um passo mais perto, ela ficou assustada e escondeu metade do

rosto atrás do livro como se ele fosse um escudo.

“Você não deve chegar nem um passo mais perto.” Ela tentou pará-lo. “Eu perguntei

primeiro.”

“Hã?”

“Me diga... por que o neto do Wes veio aqui, depois de tanto tempo?”

O jovem pareceu surpreso por um momento, mas então ele se endireitou e balançou a

cabeça levemente. “Eu estou procurando pela biblioteca.”

“Biblioteca?” A garota virou a cabeça levemente.

Huey assentiu. “Ah, parece ser algum tipo de biblioteca particular estranha que

ninguém sabe exatamente onde está. Eu achei que pudesse achar uma pista procurando na

coleção do vovô.”

“Qual é o nome dessa... biblioteca?”

“Ahh... o que era mesmo... oh, certo, Bibliotheca... Bibliotheca Mystica de Dantalian,

eu acho...” disse Huey enquanto tentava se lembrar.

O rosto da garota ficou tenso. Os olhos dela, parecendo aqueles de um gato medroso,

tremeram de surpresa.

“Como... como você descobriu esse nome?” Por alguma razão, ela parecia estar

irritada.

Huey notou a reação excessiva dela com surpresa. A garota olhou para ele sem falar.

O jovem suspirou. “... estava escrita no testamento dele.” ele disse, parando de adiar o

assunto.

“O testamento dele?” ela fez uma cara surpresa.


Huey pegou um envelope amassado de seu casaco e mostrou a garota os nomes do

remetente e receptor. “Vovô me mandou essa carta logo antes de morrer. Ela diz que ele deixa

todos os direitos dessa mansão para mim. Com uma condição.”

“Condição...?”

“Na verdade, isso é um mistério para mim também. ‘Seja o dono da Bibliotheca

Mystica.’ Era tudo o que dizia.” Huey deu de ombros.

A garota olhou para Huey sem falar. Ela pareceu pensar em alguma coisa. Finalmente,

ela abaixou os olhos e murmurou. “... não existe algo assim aqui. Nem em qualquer outro lugar

do mundo.”

“Então não tem nenhum livro aqui onde eu possa encontrar uma pista?” Huey fez uma

careta. Ele olhou ao redor, para as montanhas de livros que enchiam o porão, e então

perguntou com um rosto levemente surpreso, “... Como você pode ter tanta certeza disso?

Você quer me dizer que leu todos esses livros?”

A garota assentiu sem hesitação. Então, ela declarou sucintamente numa voz sem

emoção, “Eu estava entediada.”

Agora Huey estava completamente sem fala.

A antologia gigante de seu avô bibliomaníaco, que tinha reunido ela durante metade

de sua vida, estava colocada nessa sala.

Entre os livros, haviam alguns escritos em línguas antigas e não mais usadas, ou livros

escritos em sinais estranhos. Mesmo documentos antigos, que teriam que ser decifrados por

linguistas, estava entre eles.

Mas a garota diante dele dizia que tinha lido todos eles.

Ele não podia acreditar. Mas a garota também não parecia estar mentindo.

“Quem... é você?” perguntou Huey, curioso. “Por que você está sozinha aqui? Como

você conhece o meu avô?”

A resposta da garota era simples, “Nós éramos amigos.”

“Amigos?”


“Sim. Ele... era um bom homem. É realmente triste que ele tenha falecido.” Ela falou

com um olhar ausente. Um leve tom de solidão estava contido na voz dela.

“Realmente?” Huey não parecia poder partilhar dos sentimentos dela. “Bem... do jeito

dele, até ele era um velho solitário. Eu tenho certeza que ele ficou feliz que uma garota como

você lhe deu companhia.” ele disse. “Mas eu acho que não é bom invadir as casas das pessoas.”

ele adicionou com um rosto levemente contorcido.

Mas a garota continuou em silêncio.

“Que seja. Diga-me, você viu um cachorro ou um gato nessa mansão?” Huey

perguntou.

“Não. Eu não vi nada assim por aqui.” ela balançou a cabeça com indiferença.

Huey, preocupado, colocou a mão no queixo e disse, “Também pode ser algum tipo de

réptil... o nome é ‘Dalian’.”

“Dalian?” a garota franziu o cenho.

Huey assentiu com um suspiro. “Na verdade eu não me importo com o testamento do

vovô. Eu só vim porque tinha negócios nessa cidade. Mas o anexo da carta me deixou um

pouco preocupado...”

Do envelope ele tirou uma folha de papel amassada.

No papel estava um pequeno texto escrito numa caligrafia feia.

“‘Cuide de Dalian’, é o que diz... já que é daquele homem, eu acho que ele queria que

eu cuidasse do bicho de estimação dele.” Huey mostrou o texto da carta pra ela com uma

expressão séria.

“Bi... bicho de estimação?!”

“É por isso que eu achei que devia achar ele logo. Afinal, seria um problema se ele

bagunçasse a casa, ou estivesse com fome, além do excremento —”

“Seu... neto idiota!”

Antes de Huey poder terminar de falar, a garota falou de uma forma zangada.


Um momento depois, o jovem se contorceu de dor. A garota de roupas negras, que

estivera com medo perto da parede anteriormente, tinha subitamente corrido até ele e

chutado a canela dele com o salto de sua bota.

“Ai. Por que de repente...?” Huey protestou imediatamente, mas foi interrompido.

“Dalian é o meu nome.”

“... eh?!”

Huey não pode esconder sua surpresa na frente do lindo, mas zangado rosto dela.

Então apareceu confusão em seu rosto. Ele tinha finalmente percebido uma coisa

peculiar que a garota usava.

Colocado na área do peito do vestido nobre dela, que era feito de incontáveis rendas e

babados, aquilo estava brilhando levemente no lugar onde um laço ou flores deviam estar.

A caixa de aço, afixada a uma faixa de couro negro por correntes de prata.

Uma tranca grande e velha estava no peito da garota.

Parte 2

Aquela tranca grosseira não combinava com o corpo magro da garota, e parecia mais

com as fechaduras usadas para prender criminosos.

Huey olhou para ela sem saber o que fazer.

Julgando pelo rosto dele, ele temeu que seu avô tinha trancado ela naquele porão.

“Deixe ver se eu entendi.” Huey perguntou com uma expressão séria. “Você não foi

confinada naquele porão, não é? Vovô não raptou você e... bem, fez alguma coisa indecente

com você... certo?”

“A única coisa indecente aqui é a sua imaginação.” sussurrou a garota que havia se

apresentado como Dalian. Enquanto isso, ela sentava-se à mesa no canto da cozinha e estava

mastigando um pão assado como se fosse um animal pequeno.


“Eu apenas estava esperando naquela sala.”

“Esperando? Por quem?”

“Isso não tem relação com alguém tão insolente como você.”

Dalian olhou para Huey, que virou a cabeça e suspirou, desencantado.

Então ela abaixou a cabeça para o pão assado meio comido e perguntou, “Você devia

me dizer onde eu encontro o açúcar.”

“Açúcar? Não me diga que você quer colocar açúcar no pão?”

“É uma tradição firme colocar açúcar no pão assado.” respondeu Dalian

imediatamente. Huey pareceu levemente surpreso, mas não discutiu com ela e ao invés disso,

deu a ela o pote de açúcar do armário. Depois de colocar muito mais açúcar no pão já doce, ela

assentiu contente enquanto Huey olhava impressionado.

Primeiramente, Dalian estava totalmente contra subir as escadas quando Huey sugeriu.

Dava quase pra acreditar que algo terrível aconteceria de ela fosse para a superfície. Ela foi

persistente a esse ponto.

Ela só o seguiu para a cozinha porque sentiu o cheiro do pão no bolso de Huey.

Aparentemente, ela estava com fome. Era só o resto do café da manhã de Huey que ele tinha

trazido do trem, mas Dalian engoliu sem reclamar.

Huey descobriu folhas de chá na cozinha e colocou a chaleira no fogo para fazer um

pouco de chá preto.

Depois das folhas de chá terem ficado tempo o bastante na chaleira, ele colocou o chá

nos copos pré-aquecidos. Ele fez isso com a aptidão de uma servente de cozinha, diferente do

que se esperaria de um jovem nobre.

Inicialmente, Dalian olhou para ele surpresa, mas finalmente, ela sussurrou sem

esconder sua vigilância. “Você foi... um soldado?”

Huey balançou a cabeça. “Eu sou só um simples piloto, não um soldado de carreira.

Por isso, a guerra já acabou, e lutar pelo país não me serve, de qualquer modo.”


Quando ele disse isso, algo parecido com tristeza passou pelo rosto dele por um

instante.

“... Essa é a razão pra você ter vindo pra cá?”

Dalian aceitou a xícara de modo hesitante.

“De certa forma, sim. Agora não valeria a pena voltar para a universidade, então eu

pensei que poderia viver por um tempo com a herança do meu avô... meu tio e primos não vão

chegar perto dessa casa de qualquer forma, testamento ou não.”

Huey sorriu fracamente enquanto colocava um cubo de açúcar em sua xícara e mexia.

Então a garota perguntou. “Por que não?”

“Eles têm medo! Do vovô... ou ao invés disso, dos livros que ele reuniu.” disse Huey, e

sorriu de forma divertida. “Como você deve saber, vovô era um bibliomaníaco. Aparentemente,

ele trocou metade de sua fortuna por um único livro raro, uma vez.”

“... Então?”

“Hm, tiveram alguns rumores de que também haviam livros amaldiçoados na coleção

dele. Livros que ensinavam conhecimento proibido a seus donos e arruinavam eles desse jeito.

E é claro, alguns incidentes realmente aconteceram perto do vovô que até a Scotland Yard

teve problemas em resolver.”

“Entendi... então, por que você veio aqui, apesar de saber disso?”

“Bem, eu pensei que talvez eu pudesse achar o que estou procurando aqui.”

“O que você está procurando...?”

Dalian levantou a cabeça, ainda comendo o pão. A expressão dela estava séria, mas

seu rosto estava cheio de açúcar.

Huey não pode evitar uma risada rápida. Então ele olhou pela janela para evitar a

pergunta dela e sussurrou, “... dizem que Dantalian é o nome de um demônio. Um demônio de

conhecimento inimaginável, representado com incontáveis livros nas mãos. Já que a biblioteca

tem um nome tão famoso, eu tinha grandes expectativas, pra dizer a verdade. Mas parece que

as minhas esperanças foram em vão.”


“... isso requer uma explicação. Como exatamente as suas esperanças foram em vão?”

Huey olhou para ela, levemente surpreso, quando ela falou isso numa voz mal-

humorada.

“Todos os livros na coleção do vovô são normais. Claro, tem muitos — incluindo

valiosos — mas no final, eles são apenas livros velhos. Certamente não é uma coleção

particular digna do nome de um demônio. Do jeito que as coisas estão agora, também é

duvidoso que as histórias sobre os eventos estranhos sejam verdade.”

“Parece que você, como o neto do Wes, também tem um olho para livros,” Dalian

disse de uma forma estranhamente arrogante, “Mas você realmente não sabe de nada.”

“O que você quer dizer?” Huey perguntou seriamente, “Você quer dizer que o vovô

tinha outra biblioteca, a verdadeira, além daquela no porão? Se é assim, pra onde ela

desapareceu?”

“Só por que desapareceu não significa que nunca existiu.”

Dalian bebeu o chá cautelosamente e fez uma careta, pois aparentemente tinha

problemas com o calor. Ela colocou a língua pra fora como uma criança e assoprou na xícara

quente.

“A Biblioteca de Alexandria no antigo Egito, a Biblioteca de Pergamum da dinastia

Attalid, a Biblioteca de Celso dos romanos antigos... Bibliotecas espectrais que desapareceram

desse mundo sem deixar vestígios não são nada raras.”

Huey riu de forma divertida.

“Entendo... mas eu não consigo imaginar em que outro lugar da mansão você poderia

esconder livros.”

Dalian suspirou exageradamente.

“Você realmente é incrédulo... ei, você conhece o termo《Mundo Vaso 》?”

“O mundo vaso? O conto do Homem do Vaso, certo? Ele está escrito em, se eu me

lembro corretamente, as Bibliografias de Técnicas Mágicas e o Livro do Han posterior...”

Huey respondeu a pergunta de modo hesitante.


Era uma lenda antiga do oriente.

Perto do final da dinastia Han, um homem de Runán tinha entrado dentro do vaso de

um Xian. E o que ele viu lá foi um palácio gigante e solene em um mundo separado. O mundo

do vaso—

“Oh, você é melhor do que eu pensei. Muito bem.” disse Dalian com uma voz

desinteressada.

Huey mostrou um sorriso torto. “Oh, obrigado... mas como isso é relacionado a

biblioteca do vovô?”

Dalian respondeu.

“A história do Homem do Vaso ainda não acabou.”

“Eh?”

“Quando a família imperial do oriente antigo caiu, o mundo do vaso saiu da posse do

Homem do vaso. Dalí em diante, o vaso passou por muitas gerações de um dono para outro.”

Dalian continuou, com uma fluência oral que não combinava com sua voz jovem.

Por alguma razão, talvez devido a essa discrepância, as palavras dela pareciam um

pouco vivazes, como se ela tivesse visto os eventos com os próprios olhos.

“Quando os pastores Mongóis comandavam o continente quase mil anos depois, o

vaso finalmente foi do oriente para a Europa. E 300 anos atrás, o comandante de um certo país

obteve ele—.”

“Comandante?”

“Imperador. O Sacro Império Romano, Rudolf II... o rei de Praga, a capital da magia.”

Huey ouviu, interessado na história, já que ela parecia estranhamente verdadeira para

ele.

Rudolf II, também chamado “o imperador excêntrico”, era conhecido como um

colecionador fanático de objetos artísticos e livros e por sua paixão por alquimia e magia,


apesar de ser um católico estrito. A sala de exibição de sua residência real era decorada com

objetos artísticos de todo o mundo e era consequentemente chamada de “Wunderkammer”.

Poderia se dizer que, de certo modo, ele havia sido o dono mais apropriado para o

mundo do vaso.

“Aquele rei tentou ganhar algo ultrajante através do poder do vaso.”

“Ultrajante?”

“O conhecimento... dos demônios.”

A garota de preto levantou o queixo de forma ligeiramente arrogante. Huey mostrava

uma expressão séria agora.

“Entendi... o conhecimento demoníaco, preso na forma de livros pelo demônio

Dantalian...”

A garota assentiu.

“É assim que as coisas são. O rei pensou que poderia ganhar conhecimento infinito

com o poder do mundo do vaso, algo que mesmo os maiores sábios e magos não haviam

conseguido. O rei pretendia reunir todos os tipos de livros raros e estranhos em que o

conhecimento demoníaco estava escrito. Livros das bibliotecas antigas perdidas. A quantidade

inumerável de livros destruídos pelos queimadores de livros. E finalmente, os Grimórios

proibidos... mesmo se isso significasse invadir diferentes países de vez em quando, ele queria

reunir todo o conhecimento demoníaco dentro do mundo do vaso... um ideal tolo.” Dalian

sussurrou, e virou os olhos para o cão.

“Como assim?” Huey perguntou com uma expressão cética.

Dalian olhou para ele, com pena, e falou com uma voz assustadoramente penetrante.

“Existem coisas nesse mundo que ninguém devia saber, humano.”

Por um instante, a voz dela fez parecer que ela tivesse virado algo inumano.

“Talvez.” Huey suspirou levemente. “Isso me lembra: alegadamente a coleção de

Rudolf II levou a uma guerra quando o rei de outro país soube a respeito, o que acabou

levando a queda do Sacro Império Romano...”


Tristeza surgiu no rosto de Huey quando ele disse “guerra”.

Século dezessete. Aconteceu pouco depois da morte de Rudolf II.

“Logo antes do fim da Guerra dos Trinta Anos, os suíços invadiram Praga e invadiram a

residência do rei de lá. Dizem que todas as peças da coleção foram roubadas ou se perderam.”

“Sim... e o vaso tirado do castelo foi mais tarde vendido a um nobre de outro país. Para

um diletante nessa ilha separada pelo mar.”

Huey olhou para cima surpreso.

“Não me diga que foi o meu avô que comprou o vaso?”

A garota de roupas negras assentiu lentamente.

Por um tempo, Huey olhou para ela silenciosamente. Então, ele subitamente colocou

as mãos na barriga. Porém, ele não foi capaz de suprimir completamente suas risadas, então

os ombros dele começaram a tremer.

“Entendi, então essa é a Bibliotecah Mystica de Dantalian... seu conto de fadas foi bem

divertido, eu tenho que admitir!”

Huey finalmente começou a gargalhar, o que foi notado pela Dalian com uma

expressão surpresa.

“... Conto de fadas?”

“Mhm. Uma história de horror, assim como as do vovô. Realmente, nada mal!” Huey

assentiu e limpou as lágrimas dos olhos, antes de começar a rir de novo.

Enquanto isso, Dalian observava ele com olhos grandes - aparentemente ela não

conseguia entender a reação dele.

Finalmente, as bochechas dela ficaram vermelhas de raiva. Os lábios fechados dela

tremeram.

“... Seu idiota...”

Dalian falou com uma voz profunda.


“Eh?”

Huey finalmente parou de rir. Mas isso não acalmou a raiva de Dalian.

“Que tipo de... idiota irremissível é você? Ficando tão arrogante só porque eu me

segurei um pouco, já que você é o neto do Wes... Era tolice da minha parte esperar mesmo por

um segundo que um personagem impertinente como você poderia ser o Guardião da Chave.

Eu não esperei por você, mas—”

Ela parou de falar subitamente.

Huey seguiu o olhar dela. Os olhos chocados dela estavam concentrados no peito de

Huey. Na chave que podia ser vista entre as roupas dele. Uma chave dourada, com uma jóia

vermelha presa nela.

“Essa chave... como você a conseguiu?”

A expressão de Dalian estava novamente cheia de medo.

Huey pegou a chave sem palavras.

Engravada nela estava uma frase de um poema antigo.

《Eu pergunto a ti, és tu humanidade?》

Era um texto estranho, como um feitiço.

“Você sabe alguma coisa sobre essa chave?”

Ao ouvir essa pergunta, Dalian balançou a cabeça sem dizer uma palavra. Com o rosto

sem expressão, ela parecia mágica, como uma delicada boneca de porcelana. A aparência dela

era desse jeito.

Quando Huey queria fazer novamente a pergunta para a garota silenciosa, ele ouviu

uma carruagem parando perto da mansão.

O rosto de Dalian ficou tenso.

Ela virou a cabeça rapidamente como um animal pequeno procurando um lugar para

se esconder.


Dalian enfiou o resto do pão na boca, se levantou e estava prestes a começar a correr.

Ela pretendia voltar ao porão. Vendo isso, Huey abaixou os ombros.

Como se fosse para acalmar uma criança tímida, ele sorriu gentilmente. “Não se

preocupe, aquele é provavelmente o meu guia vindo me buscar.”

“Guia?” perguntou a garota de roupas negras, não estando tranquilizada.

No momento que ela segurou o livro que carregava contra o peito, o sino na entrada

tocou.

Parte 3

Huey estava examinando a chave que estava pendurada em seu pescoço, dentro da

carruagem que tinha vindo buscá-lo.

Do lado dele, se sentava Dalian que estava ocupada observando o panorama das ruas

que passavam com olhos curiosos.

Depois de ouvir o nome da pessoa que havia chamado o Huey, Dalian subitamente

mudou de ideia e quis acompanhá-lo, apesar de ter se recusado a deixar a mansão antes.

Ela parecia muito tensa, pois não estava acostumada a sair da casa.

Na mão direita, ela ainda segurava o livro grosso que tinha antes. E com a mão

esquerda, ela segurava o casaco de Huey.

“Eu estou muito grato por você ter aceitado o convite do meu mestre,” o criado disse

educadamente para Huey, sentado do lado oposto dele.

Ele, chamado Richardson, era o criado de uma figura influente que mantinha um hotel

de alta classe na cidade.

Huey tinha feito arranjos para um jantar com o mestre de Richardson.

“Meu mestre, Henry Conrad, era um velho amigo de Lorde Wesley Disward, então ele

ficou desolado pela notícia da morte do lorde...” disse Richarson enquanto limpava o suor das

sobrancelhas.


Apesar de sua escolha de palavras educada, ele parecia estranhamente tenso.

Não era o olhar de Huey que ele evitava, mas o de Dalian.

Quase parecia que o criado temia a garotinha.

Talvez ele tivesse ouvido de algum tipo de reputação que a garota de preto tinha. O

fato de que ele não se recusou quando ela decidiu vir junto, substanciava essa ideia.

“... Então é um prazer nosso, poder dar as boas vindas a você, como o filho do lorde,

hoje. Por favor, sinta-se em casa.”

“Bem, na verdade eu sou o neto... não o filho.”

Huey o corrigiu levemente e corrigiu sua postura.

“O prazer é todo meu. Eu estou em débito com o senhor Conrad por permitir a minha

visita súbita. Aparentemente, ele partilhava a paixão do vovô... do meu avô. Eu estive

esperando por uma ocasião de ver a coleção dele por um longo tempo.”

“Meu mestre certamente ficará encantado em ouvir isso. Além do mais, se você puder

deixar as suas acomodações dessa noite para mim. O mestre me pediu para cuidar disso.”

“Muito obrigado.”

Huey mostrou um sorriso amigável para o criado.

Dalian observou a conversa deles sem falar, mas depois de um tempo, ela sussurrou

para Huey. “Ei... qual é o seu objetivo?”

“O que você quer dizer?”

“O que você está pensando, indo para a casa de Henry Conrad desse jeito? Você não

pode me dizer que não sabe que foi ele que matou o Wes. Para roubar um livro velho que o

Wes tinha comprado num leilão, aquele homem fez parecer um roubo e—”

“Eu conheço esse rumor” Huey balançou a cabeça sem apagar o sorriso. “Mas não

temos provas. Assim sendo, eu gostaria de investigar isso. A única coisa com que nós com

certeza não poderemos contar é a polícia local.”


Com essas palavras, ele tocou a leve protuberância em seu casaco. Ele fez isso sem

nem perceber. Esse movimento parecia com um soldado habitualmente checando sua arma.

“Existe uma prova.”

Dalian sussurrou levemente. O olhar dela estava voltado para o céu do lado de fora da

janela. O pôr do sol já tinha passado. Uma lua estranhamente vermelha brilhava no céu

noturno, cercada de trevas.

Huey olhou para Dalian, intrigado.

“Hoje é uma lua cheia. Se realmente foi o Conrad que roubou aquele livro, então agora

ele deve estar vendo o que ninguém deveria ver.”

“... do que você está falando, Dalian?”

Dalian apenas balançou a cabeça calmamente ao ouvir a pergunta de Huey.

“Você vai entender logo. Se você puder a ver...”

Huey ouviu as palavras enigmáticas e auspiciosas dela em silêncio.

Ele contemplou o rosto dela, iluminado pela luz da lua, como se estivesse tentando

distinguir a personalidade dela.

“Você é uma garota realmente peculiar, Dalian.” Huey finalmente disse com um

profundo suspiro, dando de ombros.

“E você é um homem realmente rude,” ela respondeu enquanto observava Huey de

lado.

“É esse prédio que acabou de aparecer.”

Quando a carruagem finalmente deixou a floresta para trás, o criado apontou para

uma construção no topo de um monte.

Era uma casa grande, construída em estilo Tudor2.

2 É o desenvolvimento final da arquitetura medieval durante o período Tudor (1485-1603).


A construção não era inferior às casas de nobres. Provavelmente, havia mais de cem

quartos.

“Que lugar incrível. Esse é o hotel do Sr. Conrad?” Huey colocou suas impressões

genuínas em palavras.

O criado sorriu de contentamento. “Muito obrigado. No momento, nós só temos

alguns visitantes, o que é a razão pelas quais não muitos empregados estão disponíveis. Eu

peço o seu perdão se você tiver qualquer inconveniência.”

“Sem problemas. o Sr. Conrad também esta vivendo aqui?”

“Sim. Naquela torre ao norte é a biblioteca. Acima dela está o escritório do meu

mestre.”

“Entendi.” assentiu Huey, enquanto olhava para o hotel, até que ele franziu a

sobrancelha.

O espaço ao redor já estava escuro, cercado pelo véu da noite. Mas não dava para ver

luzes em nenhum dos quartos da imensa mansão. Era a mesma coisa com a torre do norte, em

que o quarto do velho estava.

A carruagem passou pelo portão e parou no local designado.

A porta exterior da entrada foi aberta.

Mas não havia traços de um mordomo ou servente, que deveriam dar as boas vindas

às visitas que chegassem.

Richardson pareceu pensar nisso também. “Eu peço desculpas. Espere um momento.”

Com essas palavras, ele saiu da carruagem. Depois de dizer alguma coisa ao cocheiro,

ele entrou no hotel.

E no momento que a figura dele desapareceu, “... talvez já seja tarde demais...”

sussurrou Dalian. Então ela abriu a porta da carruagem à força.

“Eh? Ei, Dalian...?” Huey olhou pra cima, surpreso.

Mas ela já tinha saído da carruagem.


A armadura dela fez barulho. A garota correu para dentro da mansão, com o cabelo

balançando no vento.

Huey não teve escolha, a não ser segui-la.

Ele atravessou a entrada aberta e parou subitamente.

O cheiro estava cheio de um fedor.

O fedor de carne, sangue fresco, além do cheiro ofensivo de carne em chamas, estava

no ar.

Dalian estava no meio da rua, ainda carregando o livro nos braços.

Só a pele branca dela brilhava levemente nessa escuridão profunda.

“Dalian... você sabe de alguma coisa? O que diabos está acontecendo aqui?”

Huey correu na direção da garota com uma expressão tensa.

O que ele viu quando seus olhos se acostumaram com as trevas foi uma visão além de

seus piores pesadelos.

O corredor de entrada, que faria justiça a um hotel de classe alta, estava

completamente devastado.

Era como se uma besta gigante tivesse passado por lá. Os pilares de pedra e estátuas

de mármore jaziam em pedaços no chão e o carpete tinha marcas de fogo.

As figuras espalhadas pelo chão do corredor pareciam ser empregados do hotel.

Serventes e criados, usando uniformes pomposos.

Dava pra ver só com um olhar que eles já estavam mortos.

Alguns deles tinham sido queimados vivos, outros tinham sido estraçalhados pelas

garras de uma besta gigante.

Um monstro gigante com três garras que nenhum homem tinha visto antes.

“A torre do norte.”


Dalian virou nas trevas.

Na Dalian daquela hora, não havia qualquer traço da garota tímida que ele tinha

encontrado no porão. Mesmo com aqueles cadáveres diante dela, Dalian não mostrava

qualquer sinal de medo.

“A causa dessa calamidade... provavelmente está no escritório do Conrad.”

“No escritório dele? Foi Conrad que causou esse desastre?” perguntou Huey. Mas

Dalian não deu resposta e foi em frente.

Mas antes mesmo que ela pudesse alcançar a saída do corredor, um grito veio de

perto da torre.

Era uma voz que eles já conheciam. A voz do empregado que tinha levado eles até lá.

“... Richardson?!”

Huey passou por Dalian para protegê-la.

Ele pegou uma pistola do bolso interior de seu casaco, se preparando para usá-la.

Era um grande revolver de uso militar.

“Você está carregando uma coisa bem perigosa, não é?” Dalian falou. “Você realmente

planejou se vingar pelo Wes com isso?”

“Eu não devo o bastante para o vovô pra ir tão longe. É mais como uma proteção, já

que não se ouve apenas coisas boas sobre o Conrad.” Huey se fingiu de inocente. “Essa

também é uma lembrança do vovô. Eu não a usei em muito tempo. Então, não espere muito

das minhas habilidades com isso. Eu não gosto de armas, sabe.”

Huey respondeu com uma voz tensa e entrou no corredor.

Imediatamente a expressão dele congelou ao ver o cadáver aos seus pés.

Era Richardson.

O criado que tinha ido à frente deles e chegado à parte de trás da mansão jazia caído

no corredor, coberto de sangue.


Uma faca estava presa em sua cabeça, e ela ainda brilhava mesmo no escuro.

Uma faca de atirar.

“Olhe pra frente!” gritou Dalian.

Huey imediatamente levantou a cabeça.

Adiante estava alguém extremamente conspícuo.

Era um homem em roupas magníficas.

Meias coloridas de forma gritante e uma jaqueta com botões dourados.

O homem tinha inumeráveis facas de atirar entre os dedos das mãos. Do mesmo tipo

que a faca que estava na testa do pobre criado.

O homem levantou um dos seus braços, completamente silencioso.

Huey estalou a língua ao perceber que o homem não estava mirando nele, mas sim em

Dalian.

Ele não tinha tempo de hesitar. Ele mirou no peito e puxou o gatilho de seu revólver.

Por apenas um momento, uma luz brilhou no corredor.

Huey não poderia errar a essa distância.

Com uma mira perfeita, o homem foi atingido no meio do peito e caiu.

“O que foi aquilo...?” Huey respirava pesado sem sair de sua posição alarmada.

“Aquele homem foi quem destruiu a mansão toda?”

“Isso é impossível. Um simples atirador de facas não poderia destruir os pilares do

salão de entrada.” murmurou Dalian relaxadamente, antes de continuar andando pelo

corredor.

Quando ela chegou ao lugar onde estava o atirador de facas morto, ela apenas

balançou a cabeça.


“O quê...?” Depois de alcançar ela, Huey também olhou para o chão do corredor e

prendeu a respiração.

Não havia ninguém lá.

Não havia nenhum traço do homem, que devia estar caído lá.

Também não havia nenhuma faca ou traços de sangue.

Apenas flocos de cinzas estavam espalhados pelo carpete espesso.

Dalian se curvou e pegou um deles.

Na mão dela, o floco seco virou pó.

“Como eu pensei... então foi Conrad que pegou aquele livro,” a garota suspirou

silenciosamente, enquanto tocava a tranca na frente de seu peito.

A voz dela estava terrivelmente fria e até lembrava a voz do ceifador quando ele

levava alguém com ele.

Parte 4

No caminho para a torre do norte, eles encontraram mais cadáveres.

Cada um deles tinha sido morto de uma forma terrível.

Alguém tinha sido enrolado por algo parecido com uma corda e tivera todos os seus

ossos quebrados.

Outro tinha sido mordido pelas presas de uma besta.

E finalmente, um havia sido esmagado por algo gigante.

Entre eles, haviam alguns que tinham aparentemente pegado armas e tentado lutar.

Mas ainda assim, eles tinham falhado e morrido. Porém, contra o que eles tinham tentado se

defender era um mistério para Huey.


“Parece que... eles foram pisados por um elefante.” Huey fez uma careta enquanto

olhava o corpo esmagado de uma servente.

“Sim. Esse parece ser o caso.” concordou Dalian de forma terrivelmente fácil, sem

hesitar nem um momento.

Pelo contrário, agora era Huey que estava surpreso e se virou para ela. “Por um

elefante...? Numa mansão urbana dessas?”

“Por que você está chocado? Foi você que falou isso.”

“Certo, mas elefantes não comem carne humana. Como você explica o cadáver

daquele homem?”

“Isso apenas significa que nós não estamos lidando só com uma besta... olhe, como

aquela ali.” Dalian levantou a mão e apontou para as trevas.

Perto das escadas levando a torre do norte, supostamente onde o escritório do velho

estava, brilhavam olhos dourados.

Então, uma besta amarela com padrões pretos no pelo emergiu.

De dentro da garganta suja de sangue saiu um terrível rugido.

“Um tigre...!? O que um animal desses está fazendo nesse país?!”

“Você não deve olhar para o outro lado. Se você der as costas a ele, estará morto.”

explicou Dalian com uma voz apática, como se estivesse lendo algo de um livro.

Huey não tinha tempo para responder. Com uma expressão tensa, ele mirou.

O tigre gigante se preparou para pular.

Como se tivesse sido jogado, ele saltou em cima dos dois, mas um momento antes

dele chegar neles, Huey puxou o gatilho.

O revolver dele estava carregado com cartuchos calibre. 455, que eram o bastante

para matar um humano instantaneamente, mas o tiro parecia assustadoramente pequeno

com respeito a uma besta de mais de 200kg.


Depois de disparar três tiros seguidos no tigre, o corpo da besta finalmente começou a

balançar.

Huey disparou novamente, enquanto sua respiração tinha ficado errática devido ao

medo e o coice da arma.

Na frente dos olhos dele, o corpo do animal começou a tremer de repente.

Ele balançou como se o seu corpo tivesse perdido toda a substância e se quebrou em

pedaçinhos, sem qualquer som.

Huey olhou intrigado ao ver os restos da criatura dançarem no ar como cinzas.

“... um livro espectral cruzou a barreira.” Sussurrando para si mesma, Dalian olhou

pela janela, vendo a lua.

Ela foi para o lugar onde o tigre estivera e olhou para as cinzas sem qualquer expressão.

“Qual é o significado disso, Dalian? O que diabos foi aquilo...?” perguntou Huey.

“Você ainda não entendeu?”

Dalian virou, fazendo seu lindo cabelo dançar.

“Um atirador de facas, um elefante e finalmente um tigre. Talvez houvesse uma cobra

gigante e um palhaço entre eles também... isso deve ser o bastante para entender.”

“... um palhaço?” Huey fez uma expressão de dúvida, ao ouvir a explicação minimalista

dela.

“Um circo.” exclamou Dalian triunfantemente. “São os atores de um circo que estão

andando por essa mansão. Ei, você não conhece nem a ‘Arlequinada’?”

“... Arlequinada?”

“Essa palavra significa livros tridimensionais. Olhe, as coisas onde você muda os fundos

das figuras através de revelar ou mover as partes. Você nunca brincou com coisas assim

quando era criança?”

Huey pareceu não entender, mas olhou pela mansão enquanto vasculhava as

memórias.


“... Eu costumava ter alguns livros tridimensionais. Esses não são o tipo em que várias

folhas são coladas juntas e se levantam quando você vira uma página?”

Dalian assentiu.

“Sim. As arlequinadas, feitas no meio do século 18 por Robert Sayer, são geralmente

consideradas a origem dos livros tridimensionais. Elas eram chamadas assim, pois

frequentemente continham pantomimas de arlequins.”

“Só um momento, Dalian... do que você está falando agora?” Huey interrompeu a

garota com uma expressão confusa.

O tom de voz de Dalian ficou azedo. “Agora eu estou te dando os princípios a respeito

do livro espectral que o Conrad roubou.”

“... livro espectral...?”

“Olhe, Huey. Essa é a verdadeira forma do tigre que você acabou de matar.”

Dalian se curvou e pegou alguma coisa.

Pequenos flocos que pareciam cinzas. Os restos do tigre.

Ele olhou os flocos cuidadosamente depois de recebê-los de Dalian.

“Tinta?” ele perguntou numa voz fraca.

A substância que virou pó nas mãos dele era tinta velha e seca.

Não, deveria se dizer que era a própria imagem que tinha sido pintada com ela.

A besta gigante, que havia devorado brutalmente os empregados da mansão e atacado

dois deles, era na verdade a pintura de alguma coisa.

“Nesse mundo, existem livros ilusórios que originalmente não deviam existir. Os livros

espectrais, criados através do conhecimento do mundo demoníaco ou cerimônias secretas dos

demônios...”

Dalian bateu as mãos levemente para tirar a poeira da tinta dos dedos.


“No caso de que alguém que possa ler um livro espectral corretamente vire o dono

dele, essa pessoa vai receber inumeráveis bênçãos. Mas se é alguém que não é digno de

recebê-lo, então o livro espectral vai cruzar a barreira do mundo e perturbar a lógica e

causalidade desse mundo. Assim sendo, para selar esses livros espectrais perigosos, existe—”

“— a biblioteca do labirinto... a Biblioteca de Dantalian, não é?” Huey sussurrou com a

voz fraca.

Dalian assentiu.

“Sim. E o seu avô, Wesley Disward, sabia da existência da arlequinada amaldiçoada,

que trazia azar para o dono, e queria selá-la. Mas o famoso colecionador de livros, Conrad,

teve que deixar o seu senso de rivalidade dominá-lo...”

“E então ele matou o vovô e roubou o livro... entendi.” Huey balançou a cabeça, uma

expressão negra em seu rosto. “Mas eu ainda não consigo acreditar. Isso é impossível, certo?

Um verdadeiro livro tridimensional, que projeta as cenas pintadas na realidade...”

“Você ainda está duvidando disso?” Dalian lançou a ele um olhar penetrante. “No

《Lidai Minghua Ji》, que foi escrito na China durante a dinastia Tang, um incidente é

mencionado em que um dragão, que foi desenhado por um pintor habilidoso em um mural,

escapou da pintura e voou para os céus. Um pássaro, um peixe e um tigre... lendas onde os

animais desenhados por mestres pintores escapam das pinturas não são nada raras.”

“Entendi...” Huey assentiu com a expressão de que tinha mordido algo azedo. “Então,

um circo foi representado no livro roubado pelo Conrad? Como no 《Ìnternationaler Zirkus》

de Meggendorfer.”

Depois de mencionar o nome de um famoso autor de livros infantis, Huey suspirou de

forma cansada.

“Como com a maioria dos tipos de magia, o poder dos livros espectrais é afetado pelas

fases da lua,” Dalian continuou a explicação de forma indiferente. “Um dono ilegítimo como o

Conrad nunca poderia controlar aquele poder. Apenas imagine como seria se todas as bestas

do circo saíssem para causar caos por aí...”

“Obviamente não há tempo para duvidar das suas palavras... qual é o plano?” ele

balançou a cabeça para se acalmar e olhou para a garota pequena em sua frente.


A resposta dela foi curta e simples.

“Nós temos que achar o livro espectral e selá-lo. No final, não é nada além de um

simples livro de gravuras, então o mecanismo não deve ser muito complicado.”

“Obrigado por ser direta... droga, o vovô realmente me deixou uma coisa

problemática.”

Huey estalou a língua silenciosamente e fortaleceu os dedos ao redor da pistola.

Depois de subir as escadas, eles chegaram a um corredor largo.

No meio do caminho, eles tinham passado por um palhaço e animais da arlequinada,

mas isso não levou a um confronto. Aparentemente, nem todos os habitantes do livro

espectral tinham que ser seres perigosos.

Do outro lado do salão, estava a torre do escritório de Conrad.

Mas no meio do salão, a forma terrível de uma besta bloqueava o caminho.

Quando os dois perceberam, eles pararam, completamente horrorizados.

A figura era ainda maior do que um elefante.

Pele coberta por escamas. Chifres pontudos e deformados. Asas parecidas com as de

morcegos, com veias terrivelmente aparentes.

E pelo focinho, depois da língua que era dividida como a de uma cobra, estava

respiração que queimava vermelha.

“... um dragão.” Dalian disse com uma voz impressionada.

Huey colocou a mão na cabeça, farto dos eventos do dia. “Então esse é o cara que

demoliu o salão de entrada... por que haveria um dragão num circo?”

“Você não sabia que a maioria dos circos possui uma tenda de exibição de animais

raros?”

Dalian respondeu a pergunta dele facilmente.


“Oh, eu já vi isso. Mas esses animais geralmente são apenas lagartos dos trópicos, que

são disfarçados com asas de pássaro e chifres do touro para enganar as pessoas.”

“Não é nada excepcional que apareça um dragão de verdade num livro de ilustrações...

aliás, o que você pretende fazer? Vai fugir?” perguntou Dalian, que estava olhando para ele de

modo questionador.

“Eu acho que ele não vai nos deixar escapar tão facilmente...”

Huey limpou o suor de sua testa.

Como se o dragão tivesse ouvido essas palavras, ele virou seus olhos vermelhos na

direção deles.

Eram os olhos de uma besta, estimulada pelo cheiro de sangue.

Ele mostrou a língua por um instante e começou a mover seu corpo gigante com uma

velocidade inesperada.

“Corra, Dalian!”

Huey pegou a mão da garota vestida de preto e correu para as sombras de um pilar.

As chamas do dragão passaram bem atrás dele.

A argamassa da parede quebrou e alguns dos pilares reforçados de concreto caíram.

Huey fez uma careta, banhado numa chuva de destroços.

Ele pegou sua pistola com apenas a mão direita e disparou suas balas restantes, sem se

preocupar em mirar exatamente.

As balas foram bloqueadas pelas escamas do dragão e só fizeram algumas faíscas azul-

branqueadas.

O dragão não mostrou o menor sinal de dor. O rosto de Huey ficou tenso.

Enquanto isso, Dalian observava a mão de Huey que tinha segurado o seu braço magro.

Finalmente, a expressão fria normal dela voltou. “Nós estamos presos.”


As escadas de onde eles tinham vindo haviam sido enterradas pela parede caída.

O único lugar que poderia ser chamado de saída eram as escadas que levavam até a

torre. Mas, a menos que passassem do dragão, eles não poderiam chegar lá.

“Eu sei. Mas estou sem balas.”

Huey abriu o tambor do revolver e deixou os cartuchos vazios caírem do chão.

“Com essa coisa, você não seria capaz de derrotá-lo, de qualquer jeito.” Disse Dalian

com uma voz cansada.

Huey assentiu, irritado. “É o que parece. Ohh, bem... Dalian, você corre rápido?”

“O que você quer dizer? Você quer fugir, afinal?”

Dalian olhou para Huey de uma forma reprovadora.

Huey riu de uma forma irônica e balançou a cabeça.

“Eu adoraria, se pudesse... mas é você que deve fugir, Dalian. Eu vou atrair a atenção

dele. Durante esse tempo, você vai subir para o escritório do Conrad.”

“... Você pretende virar uma isca?”

“Você sabe como selar livros espectrais, certo?”

Com essas palavras, Huey pegou um tijolo. Contra um humano, isso poderia contar

como uma arma improvisada, mas seu efeito em um dragão era discutível.

“Eu não me importo com essa coisa de ‘obrigação da nobreza’, mas um livro do meu

avô é o culpado por toda essa bagunça. Assim sendo, eu não posso simplesmente ignorá-lo. Eu

não quero nem imaginar que tipo de dano um monstro desses poderia causar se ele chegasse

à cidade. Nós teremos que lidar com esse assunto dentro dessa mansão.”

Dalian observou silenciosamente o rosto de Huey quando ele falou com uma voz

resoluta.

E finalmente, um sorriso suave, adequado para a idade dela, apareceu no rosto da

garota.


Enquanto isso, o dragão parecia ter perdido eles de vista e estava destruindo pilares e

objetos aleatoriamente, cuspindo fogo. Se eles continuassem se escondendo, seriam atingidos

por um desses ataques mais cedo ou mais tarde.

E apesar disso, Dalian parecia calma e disse, “Pegue a chave... humano.” ela ordenou

numa voz pomposa. Huey olhou para ele sem entender.

“Dalian. Não temos tempo pra...”

“Acabei de reconhecer você como digno agora.” Ela disse com a conduta de uma

rainha sublime.

No interior dos olhos escuros dela apareceu um brilho forte, lembrando a luz das

estrelas.

“Hmph... eu estou relutante, mas não há como mudar agora. Então, caso você tenha as

qualificações para ser o Guardião da Chave, leia agora as palavras do pacto.”

“As palavras... do pacto?” Huey tinha subconscientemente segurado fortemente a

chave em seu peito.

A chave dourada, com uma joia que brilhava em vermelho como o sangue fresco de

uma virgem.

O verso de um poema antigo, que estava encravada em sua extensão.

Aquele verso curto foi a primeira coisa que veio a mente dele quando ele ouviu sobre

as “Palavras do Pacto”.

Naquela hora, um barulho terrível ressoou e o pilar onde Dalian e Huey estavam se

escondendo, caiu.

Os olhos sangrentos da besta mágica maliciosa viram a presa e se apertaram.

“Eu pergunto a ti...”

Huey removeu a chave de seu pescoço e segurou-a diante de seus olhos.

Ele leu o verso quase apagado da reza com uma voz rouca.

“Eu pergunto a ti, és tu humanidade—?”


Dalian sorriu contente.

Mas a resposta para a pergunta não veio dela.

A caixa de metal, que estava presa na área do peito do vestido que parecia uma

armadura.

A tranca que estava presa à gola da garota com correntes de prata.

Aquela tranca brilhou levemente e declarou com a voz rouca de uma velha:

《Não. Nós somos o Reino - O Reino Infinito dentro de teu Vaso》

Uma luz leve veio do peito de Dalian, vestido de preto.

A fonte da luz era a pele dele.

O colar que costumava estar coberto por várias camadas de rendas, agora revelava a

pele branca dela.

Dava para ver um pescoço magro e ombros delicados, similares as asas de um

pequeno pássaro.

Além disso, um peito, sem protuberâncias, como o de um garoto.

No meio disso, acima do plexo solar dela, onde devia estar o coração, havia uma parte

de metal.

Aquela era a primeira vez que Huey percebia, que a tranca no peito dela não estava

presa em seu peito.

Ela estava presa diretamente no corpo branco como a neve dela.

Como se alguém estivesse chamando ele, Huey estendeu seu braço para a fechadura.

Ele inseriu a chave no peito da garota e lentamente a enfiou para dentro.

“Uh...!”


A garota parou de se mover e deu um leve suspiro.


Com um barulho alto, a tranca abriu. Ela se abriu para os lados como um portão.

Escondido atrás dela, estava um espaço vazio.

Um espaço vazio cercado por luz. Um buraco infinitamente profundo.

Do meio do peito branco macio dela saia um grande vazio.

Um espaço vazio extremamente profundo, que parecia perfurar o corpo magro dela.

“— A biblioteca do labirinto, que sela novecentos mil e seiscentos e sessenta e seis

livros espectrais. O portão do conhecimento foi aberto—”

A linda voz saindo dos lábios de Dalian colocou um feitiço em todos que a ouviram.

No momento seguinte, o dragão concentrou fogo em seu focinho gigante e soltou um

terrível rugido.

A escapatória deles havia sido cortada. Mirando em Huey e Dalian, o dragão soprou as

chamas sem piedade.

Mas Dalian foi mais rápida.

Sem um segundo de hesitação, ela colocou a mão no vazio em seu peito. O braço dela

foi puxado diretamente pela fechadura aberta. Como se corresse por um caminho invisível, ele

desapareceu cada vez mais.

Quando ela finalmente puxou o braço pra fora, ela estava segurando um livro.

Um velho livro com páginas de pergaminho.

As letras mágicas nele tinham sido escritas com sangue de animal, era um tomo

mágico.

Começando com o 《Liber de Nymphis》do alquimista Paracelso, havia muitos livros

entre os tomos da idade média que incluíam técnicas para controlar espíritos da natureza. A

maioria deles foi queimada e até os remanescentes são falsos em maioria.

Mas o livro nas mãos de Dalian era um livro espectral, que não devia existir nesse

mundo — um genuíno grimório.


Quando ela abriu o livro, uma grande onda de choque foi criada ao seu lado. Ela tinha

convocado uma sílfide. O fogo do dragão foi repelido pela onda de choque e refletido de volta

para ele.

O dragão foi banhado por suas próprias chamas e se debateu no chão enquanto rugia

terrivelmente.

“Então esse é... o poder de um livro espectral...” Huey sussurrou numa voz profunda

enquanto observava o sofrimento do dragão.

Dalian escondeu o seu peito aberto abraçando o livro e se virou com as bochechas

levemente coradas.

“Venha... nós precisamos usar essa chance para selar o livro espectral do Conrad,

Huey!”

Huey, que estivera parado lá, piscou em surpresa em resposta as palavras de Dalian.

Então ele finalmente sorriu e assentiu.

Parte 5

O corpo de Conrad estava em seu escritório.

Provavelmente, ele tinha sido morto pelos carnívoros, pouco depois do Livro Espectral

ter cruzado a barreira, sem nunca perceber o que estava acontecendo. Seu corpo sem vida

ainda estava sentado na cadeira, expondo uma visão terrível e suja de sangue.

Ainda assim, Huey e Dalian não tiveram que ver a cara dele distorcida pelo medo.

A cabeça dele tinha sido totalmente devorada.

“Então esse é o Livro Espectral de Conrad...”

Huey viu um livro na mesa do velho.

Era um livro ilustrado feito a mão com um encapamento pomposo.


Uma capa grossa e dourada em couro marroquino. No papel de alta classe, dava para

ver imagens feitas por um mestre artista.

O nome do autor não estava escrito em lugar nenhum, mas as imagens eram

inesperadamente bonitas para um artista sem nome. As pinceladas eram tão precisas que

qualquer um acreditaria que as imagens poderiam saltar para a vida a qualquer momento.

O tema do livro ilustrado era um grupo de circo.

Mas os predadores que deviam ter estado lá não estavam em nenhuma parte do livro.

Eles tinham desaparecido — como se tivessem escapado de suas páginas.

“Esse livro é mais velho do que eu esperava. De um tempo em que a produção de

papel ainda deixava impressões no produto final... é um trabalho da primeira metade do

século 18. Quem sabe? Talvez, rumores sobre esse livro tenham sido responsáveis pelo

desenvolvimento dos arlequins de Robert Sayer.”

Dalian pegou o livro e deu uma olhada nele.

Entre as páginas, dava para ver imagens de cenários coloridos.

“Um verdadeiro livro tridimensional, hm... eu imagino se os donos anteriores a Conrad

também acabaram de uma forma tão trágica.” suspiro Huey em exaustão.

Mas Dalian balançou a cabeça. “Livros e as pessoas que desejam eles se atraem.

Mesmo um Livro Espectral deve ser capaz de cumprir o seu propósito original como um livro se

ele for possuído por seu verdadeiro dono.”

“Entendo... Conrad acabou assim, porque ele roubou o livro devido a sua obstinação

infantil como colecionador. Os criados inocentes que ficaram envolvidos são realmente

lamentáveis...” Notou Huey, enquanto limpava o resto da poeira dos ombros de Dalian.

A garota de roupas negras assentiu ligeiramente. “Sim. Se ele não tivesse

conhecimento da existência dos livros espectrais, ninguém teria que perder a vida...” Ela

continuou em um tom levemente melancólico. “Existem coisas nesse mundo que deveriam

permanecer desconhecidas.”


Quando ela fechou o livro de gravuras, a atmosfera sinistra da mansão desapareceu

como se ela nunca tivesse estado lá.

Dalian fechou a fivela na capa e entregou o livro para Huey.

Depois de recebê-lo, ele o estendeu novamente para Dalian com hesitação.

O Livro Espectral desapareceu no peito revelado dela sem resistência.

Então, o olhar do Huey se dividiu entre ela e a mão direita dele.

A chave, que ele deveria estar segurando, havia desaparecido.

Ao invés dela, uma joia vermelha estava presa nas costas de sua mão direita. Quase

como se o próprio Huey tivesse virado a chave do portão.

“Então o mundo do vaso era você, certo... Dalian?” ele perguntou calmamente.

Dalian não respondeu. Quando ela se virou depois de arrumar as roupas, a grande

tranca velha que estava lá no lugar de um laço estava firmemente trancada novamente.

Vendo isso, Huey disse. “Eu me lembrei! Uma vez, eu me perdi no mundo do vaso.” Ele

sorriu nostalgicamente. “Lá eu encontrei uma garota chamada Dantalian, sabe? Foi ela que me

deu a chave...”

Dalian ficou assustada e parou.

Ela olhou para baixo, como se quisesse escapar do olhar de Huey.

“Naquela hora, eu fiz uma promessa com ela. Eu jurei virar o amigo dela e tirá-la de lá.”

“Eu... entendo...”

Dalian moveu seus lindos lábios e sussurrou algo silenciosamente. Parecia como

“Então você se lembrou, afinal”.

As pontas das orelhas dela estavam um pouco vermelhas.

“Dantalian é o nome de um demônio. O demônio do conhecimento que é geralmente

representado com livros nas mãos.” Disse Huey enquanto segurava sua mão direita.


A garota de preto olhou para ele silenciosamente.

Os olhos sem emoção dela pareciam negar qualquer pergunta.

Sabendo disso, Huey ainda perguntou.

“Dalian, o seu nome é o apelido de Dantalian?”

Dalian não respondeu.

Ao invés disso, ela levantou o queixo e falou de modo arrogante. “O que você

pretende fazer agora, Huey? Eu estou com fome.”

Huey sorriu levemente e deu de ombros.

Então ele olhou para o escritório destruído. “É melhor nós irmos embora antes das

pessoas da Scotland Yard chegar. Seria difícil explicar a verdade para eles.”

Dalian assentiu grandemente. “Eu concordo... então?”

“Me dê um momento... por enquanto, eu vou encontrar um hotel pra passar a noite.

Um que ofereça pães assados deliciosos para o café da manhã.”

A garota de roupas negras pareceu contente e assentiu.

“Entendido. Por necessidade, eu terei que acompanhar você.”

Depois de arrumar seu cabelo, ele estendeu sua mão para a garota.

Dalian tentou fazer uma cara indiferente e pegou a mão dele com relutância.

Então os dois foram para as trevas da cidade coberta de névoa.

O que permanecia no escritório sujo de sangue era apenas um grande número de

livros, que tinham perdido seu dono.

capítulo 4 - infinitelightnovel.files.wordpress.com · verdade. dava para ver o jardim atrás do...

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