capitulo 10 modos de guard a das crianyas

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Karin Wall Capitulo 10 Modos de guard a das crianyas Introdw;ao Trabalhar e ser mae de urn ou dois filhos, mesmo pequenos, passou a ser a forma mais comum de estar na vida familiar e profissional. Em trinta anos, as mulheres investiram mais no mundo do trabalho e optaram, nas familias entrevistadas, por trajectorias continuas de trabalho remunerado, menos sujeitas, portanto, a entradas e saidas do mercado de trabalho. 0 mo- delo da mulher-mae sempre domestica nao desapareceu mas reduziu-se drasticamente 1 . Esta transforma9ao levanta duas grandes interroga90es. Em primeiro lugar, a questao da concilia9ao da guarda da crian9a e da vida profissional, ou seja, como e que as maes tern conseguido to mar conta de crian9as pe- quenas e trabalhar ao mesmo tempo, quase sempre a tempo inteiro. No contexto de uma d is ponibilidade muitas vezes qualificada de parental mas constantemente remetida para 0 maternal, a guarda da crian9a e, de forma normativa, atribuida a mae. No entanto, a crian9a po de ser entregue, pelo menos durante uma parte do tempo, a outras pessoas - avos, amas, em- pregadas, educadores nas creches enos jardins-de-inrancia - que tomam I Nas familias entrevistadas, uma propon;:il.o elevada (52%) das mulheres entrevistadas esteve sempre inserida no mercado de trabalho (nos tres momentos da vida familiar anali- sados no inquerito: no inicio da vida conjugal, na altura do nascimento do primeiro filho e no momento actual). Apenas 12% das mulheres estiveram sempre sem trabalho remunera- do e 36% tiveram traject6rias de aitemancia, de entradas e saidas do mercado e trabalho (v. capitulo 6, «A divisao familiar do trabalho»).

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Page 1: Capitulo 10 Modos de guard a das crianyas

Karin Wall

Capitulo 10

Modos de guard a das crianyas

Introdw;ao

Trabalhar e ser mae de urn ou dois filhos, mesmo pequenos, passou a ser a forma mais comum de estar na vida familiar e profissional. Em trinta anos, as mulheres investiram mais no mundo do trabalho e optaram, nas familias entrevistadas, por trajectorias continuas de trabalho remunerado, menos sujeitas, portanto, a entradas e saidas do mercado de trabalho. 0 mo­delo da mulher-mae sempre domestica nao desapareceu mas reduziu-se drasticamente 1

.

Esta transforma9ao levanta duas grandes interroga90es. Em primeiro lugar, a questao da concilia9ao da guarda da crian9a e da vida profissional, ou seja, como e que as maes tern conseguido tomar conta de crian9as pe­quenas e trabalhar ao mesmo tempo, quase sempre a tempo inteiro. No contexto de uma disponibilidade muitas vezes qualificada de parental mas constantemente remetida para 0 maternal, a guarda da crian9a e, de forma normativa, atribuida amae. No entanto, a crian9a pode ser entregue, pelo menos durante uma parte do tempo, a outras pessoas - avos, amas, em­pregadas, educadores nas creches enos jardins-de-inrancia - que tomam

I Nas familias entrevistadas, uma propon;:il.o elevada (52%) das mulheres entrevistadas esteve sempre inserida no mercado de trabalho (nos tres momentos da vida familiar anali­sados no inquerito: no inicio da vida conjugal, na altura do nascimento do primeiro filho e no momento actual). Apenas 12% das mulheres esti veram sempre sem trabalho remunera­do e 36% tiveram traject6rias de aitemancia, de entradas e saidas do mercado e trabalho (v. capitulo 6, «A divisao familiar do trabalho»).

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conta dela . A inserc;ao da mu lher no mercado de trabalho - e, portanto, a sua autonomia econ6mica - depende desta art iculac;ao que se opera entre a crianc;a, os pais e as pessoas que asseguram a guarda. lmporta por isso perceber como e que ela se efectuou no caso das mulheres entrevistadas fazendo urn retrato diversificado dos modos de guarda e das mudanya~ operadas ao longo dos ultimos trinta anos. Escolhemos aqui apenas urn indicador para efectuar esta analise: 0 modo de guarda adoptado pelas fa­milias entrevistadas para 0 primeiro fi lho nascido dentro da actual conju­galidade e na altura em que este tinha entre 1 e 2 anos.

A segunda interrogac;ao refere-se ao efeito das polit icas familiares im­plementadas desde 0 25 de Abri l sobre os modos de guarda das crianc;as. Ex istem neste ambito varios elementos de politica fami lia r que podem ser relevantes, desde as licenc;as de matemidade/paternidade ate ao desenvol­vimento das estruturas colectivas de guarda, passando ainda pelo apoio as maes atraves da flexibilizaC;ao dos horarios ou dos tempos de trabalho. Para alem da licenc;a paga de matemidade, que, entre 1976 e 1999, se si­tuou a volta dos tres meses2

, pode considerar-se que 0 outro aspecto im­portante e 0 crescimento dos equipamentos publicos ou subsidiados pelo Estado. Deste ponto de vista, as politicas publ icas evoluiram lentamente, colocando Portugal num conjunto de pafses (da Europa do Sui) caracteri­zados por taxas baixas de inserC;ao de crianc;as pequenas em equipamentos s6cio-educativos, quando comparadas com as de alguns paises europeus que, desde os an os 60, promoveram redes extensas de equipamentos. Esta situac;ao tern, alias, suscitado algumas interrogac;oes na medida em que parece existir urn desfasamento, em Portuga l, entre as taxas altas de acti­vidade feminina e as taxas baixas de cobertura dos equipamentos destina­dos aos cuidados das crianc;as. Como referem Torres e Silva (1998), «Por­tugal parece constituir urn caso sui generis, sendo 16gica a pergunta decorrente desta verificac;ao: com quem ficam as crian9QS enquanto as pais trabalhamfora de casa?».

Con vern, no entanto, distinguir tres fases diferentes no ambito das poli­ticas publicas relacionadas com os cuidados as crianc;as. Durante 0 Estado Novo, a escola a part ir dos 7 anos era 0 unico equipamento publico de inserc;ao das crianc;as. Os problemas das mulheres trabalhadoras para cui­darem dos bebes e das crianc;as pequenas nao eram sequer abordados , par­tindo-se do principio de que as maes e as suas familias eram inteiramente responsaveis pela prestac;ao desses cuidados. Mesmo assim, com a entrada progress iva das mulheres no mercado de trabalho e a divulgac;ao de novos conceitos sobre a educac;ao pre-escolar, os sectores privado e voluntario

2 90 dias, quando fo i .introduzida em 1976, passando para 98 dias em 1995 e 120 dias em 1999.

ill/odos de guarda das criar/{;as

comeyaram a fomecer alguns servic;os para cr ianc;as em idade pre-escolar

(Bairrao et af., 1990). Uma segunda fase, na dec ada que se seguiu ao 25 de Abril , caracteri­

zou-se por uma mudanc;a de atitude, mas tambem por uma certa dificulda­de em fazer expandir os equipamentos colectivos para crianc;as pequenas. Apesar do reconhecimento formal em 1976 do dever do Estado em desen­volver uma rede nacional de assistencia rn aterno-infantil (artigo 67.0 da Constituiyao), os investimentos publicos orientaram-se mais para 0 desen­volvimento de outros sectores do sistema educativo, como a educac;ao ba­sica obrigat6ria. Assim, no fim dos anos 80, quando surg iram os primeiros relat6rios sobre os modos de guarda em Portugal (Bairrao et al., 1989; Ramirez et al. , 1988), a inserc;ao de crianc;as pequenas em equipamentos colectivos revelava-se pouco desenvolvida: apenas 3 1 % das crianc;as entre os 3 e os 5 anos estavam inseridas em jardins-de-inEancia, quando ja exis­tiam proporc;oes elevadas (64% ou mais) em quase todos os outros paises europeus (Bairrao e Tietze, 1995).

A ultima fase de desenvolvimento no apoio aos cuidados com crianc;as pequenas caracterizou-se, ao longo dos ultimos quinze anos, por urn cres­cimento lento, mas mais sustentado, de equipame ntos colectivos. Em 1994-1995,55% das crianc;as entre os 3 e os 5 anos estavam em institui­yoes de educac;ao pre-escolar (apenas 29% em 1985-1986) e esta propor­c;ao subiu para os 65% em 1998-1999. Ao longo desta terceira fase, as estrategias publicas de desenvolvimento do sector afastaram-se de urn modelo baseado no conceito de «rede publica» financiada e gerida pelo Estado e aproximaram-se de urn modelo pluralista caracterizado pela dife­renciac;ao institucional e pela mistura do publico e do privado, levando a que tres sectores repartam hoje entre si a gestao e 0 financiamento dos equipamentos s6cio-educat ivos: 0 sector publico (equipamentos perten­centes ao Estado ou as camaras); 0 sector privado nao lucrativo subs idiado pelo Estado; 0 sector privado com fins lucrativos (Wall , 199 7 e 2005). A responsabilidade pelo desenvolvimento da educac;ao pre-escolar encon­trava-se, no fim dos anos 90, partilhada entre os tres secto res: em 1998­-19990 sector privado (lucrativo e sem fins lucrativos) representava 54% do total (em numero de utilizadores), sen do, no entanto, mais elevada a percentagem de crianc;as que se encontravam no sector privado sem fins !ucrativos (63% do total de utilizadores no sector privado).

No entanto, a situac;ao e diferente no que diz respeito aos equipamentos para crianc;as abaixo dos 3 anos. A taxa de cobertura e ainda baixaJ e, no

] A taxa de cobertura para crian~as abai xo dos 3 anos foi estimada em 12,2% para 1993-1 994 e em 16% no Em dos anos 90 (v. Maria do Rosario Ramalho, Maria do Pilar Gonzalez e Marga rida Ruivo, Report 011 Care - Portugal, Porto, (998).

I I

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fim dos anos 90, os equipamentos para este grupo etario sao fornecidos sobretudo pelo sector privado sem fins lucrativos subsidiado pelo Estado (MTS). Este sector apoiado pelo Estado incluia, em 1997, mais de 80% de todos os utilizadores (Wall , 2005). Sao dados que apontam, em suma, para equipamentos socio-educativos que ainda se desenvolveram pouco e de forma desigual para as crianc;:as dos 0 aos 3 anos, 0 que podera implicar, para as maes trabalhadoras, 0 recurso frequente a soluc;:6es «informais» de guarda asseguradas por outros familiares, por empregadas domesticas ou por amas que nao se encontram ligadas formalmente a nenhuma institui­c;:ao. Num estudo realizado em 1997 sobre a guarda das crianc;:as na Regiao da Grande Lisboa verificou-se que, quando as maes estao empregadas e as crianc;:as tern menos de 3 anos, 46% ficavam com a familia ou com fami­liares (18% com a mae, 0 pai ou ambos, 16% com os avos, 2% com outros familiares), urn terc;:o ficava em equipamentos colectivos e 29% em amas (Torres e Silva, 1998).

A partir do Inquerito as Familias no Portugal Contemporaneo procu­raremos analisar esta questao a nivel do continente e evidenciar tambem as tendencias de mudanc;:a ao longo dos Ultimos trinta anos.

Principais modos de guarda

Ter urn filho com 1 ano de idade e tomar conta dele significou para muitas das familias entrevistadas a mulher ficar em casa a prestar os cui­dados necessarios. Mais de urn terc;:o (36,9%) do total das maes com filhos afirma ter optado por esta soluc;:ao de guarda quando o/a filho/a tinha entre 1 e 2 anos e apenas 13,4% por uma soluc;:ao de guarda formal num equi­pamento colectivo (quadro n.o 10.1). Dentro das soluc;:6es «informais» destacam-se dois modos de guarda principais: deixar a crianc;:a ao cuidado de familiares (32,7%) e deixar a crianc;:a numa ama (11,7%). As outras soluc;:6es encontradas pelas familias - deixar a crianc;:a ao cui dado de uma empregada, leva-Ia para 0 trabalho, deixa-Ia ao cuidado do pai, de uma vizinha ou ate sozinha (apenas uma entrevistada referiu esta situac;:ao) _ foram muito minoritarias.

Diz 0 senso comum que os familiares que tomam conta de crianc;:as pe­quenas sao quase sempre as «avos». 0 quadro n.o 10.2 confirma 0 peso das avos (89%) no conjunto das diferentes categorias de «familiares» que cuidaram das crianc;:as. Mostra tambem que foram quase exclusivamente parentes do sexo feminino (99,7%), sobretudo do lado materno (64%), a

Modos de guarda das crianr;:as

tomar conta da crianc;:a e que, na ausencia de uma av6, 0 mais provavel e ter sido uma tia a assegurar a guarda da crianc;:a.

Modos de guarda do primeiro filho da actual conjugalidade - 1-2 anos

[QUADROW 10.1]

Modos de guarda Numero

Em casa com a mae................................ . 648 Com famili ares ..... . 517 Em casa com a mae/com familiares.. ........ ... .. ...... .................... . 57 Crecbe/jardim-de-infancia ................ ......... .... ........ . 235

205 Com a mae no 19 Empregada...... .. . 24

49 1 754

Percenta­gem

36,9 29.5

3,2 13,4 11,7

1,1 1,4 2,8

100,0

Os familiares que asseguram a guarda da crian~a

[QUADRO N.O 10.2J

Categonas de parentes Percentagem

89 8

100 Sexo:

99.7 0,3

100

64 33

100

De realc;:ar, no entanto, uma variac;:ao significativa nos modos de guarda quando se olha para a decada em que a crianc;:a nasceu (quadro n.o 10.3) .

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Modos de guarda das crianr;:as

Se olhannos para tres periodos di ferentes - os anos 70, os anos 80 e os anos 90 -, constatamos que os modos de guarda adoptados sofreram mu­dan<;as importantes. Nas fami lias em que 0 primeiro filho nasceu nos anos 70, 0 modo de guarda predominante foi 0 de ficar em casa com a mae. Praticamente uma em cada duas familias optou por esta solu<;ao (44,3%), seguindo-se depois , como solu<;oes mais frequentes, os cuidados prestados por familiares (29,8%) ou pe las amas (11,1 %). Se tivennos em conta que os familiares sao quase sempre as «maes» do casal entrevistado, podemos considerar que se trata, nos anos 70, de urn modelo de guarda maternocen­trieo, na medida em que a maioria das crian<;as ficou com a mae ou com a mae de urn dos membros do casal (78,7%). A delegayao da guarda da crian­<;a numa pessoa ou num equipamento exterior a fami lia foi, no contexto dos anos 70, francamente minoritario (18,5%) .

Nos anos 90, pe lo contrario, j a se desenha com alguma nitidez urn mo­delo de delegar;iio da guarda no exterior da familia. A guarda na creche aumenta de fonna acentuada (passando de 7, I % no total de crian<;as nas­cidas nos anos 70 para 13,5% nas que nasceram nos anos 80 e 18,4% nas que nasceram nos anos 90) e 0 recurso a ama e a empregada aumentou ligeiramente (12,6% e 1,5%), 0 que significa que urn ter<;o do total das familias optou, nos an os 90, por delegar a guarda da crianya numa insti­tui<;ao ou numa pessoa exterior a rede de parentesco. Por outro lado, quando se olha para os modos de guarda assegurados pela familia, consta­ta-se que e a soluyao de «ficar com a mae» que desce de uma fonna acen ­tuada (para 26,8%), mantendo-se alta ou ate urn pouco mais elevada a propor<;ao relativa aguarda assegurada pelos familiares.

Estes dados apontam para duas conclusoes principais. Em primeiro lugar, verifica-se uma tendencia , ao longo das ultimas decadas, para a diminui<;ao das maes domestic as ser compensada quer pelo aumento gradual dos modos de guarda formais , quer pela conserva<;ao (ou sub ida

o;i' ligeira) das so lu<;6es infonnais de guarda asseguradas pel as avos, pelasc:i II amas e pe las empregadas. 0 padrao de guarda maternocentrico, onde ~ predominavam as maes e as avos, que as subst itu iam, deu lugar a uma 0 0 reparti<;ao mais diversificada dos modos de guarda, ora centrados na mae0 c:i V ou nas avos, ora orientados para as so luyoes fonnais em equipamentos"'­

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II parentesco (empregadas e amas). Neste modelo mais pluraJista, nenhuma ~ das solu<;oes destaca de uma forma tao evidente como no passado 0 0 0 modo de guarda pe la mae. Em segundo lugar, nao podemos de ixar de00 V)

II sub linhar que, apesar da maior diversidade , se observa ainda, nos anos ~x

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res/avos, atinge-se uma percentagem elevada de 64%, quase dois ter<;os do total.

Olhando para estes mesmos dados em fun<;ao das grandes regioes do continente, e interessante sublinhar alguns contrastes, sobretudo entre a Regiao Norte e a Regiao de Lisboa e Vale do Tejo (quadro n.o 10.4t Nas familias em que 0 primeiro filho nasceu na decada de 70 observa-se na Regiao de Lisboa e Vale do Tejo uma propor<;ao elevada, acima da media, da solu<;ao «ficar em casa com a mae» e, por outro lado, uma delega<;ao da guarda que se orientou de forma pouco acentuada para os familiares. Na Regiao Norte, pelo contrario, a solu<;ao de «ficar em casa com a mae» es­teve na decada de 70 ja bastante abaixo da media, 0 que indicia uma taxa de actividade elevada de maes com filhos pequenos, e a delega<;ao da guarda nos parentes, assim como na ama, esteve acima da media. As mu­dan<;as nas decadas seguintes apontam para trajectos diferentes: na Regiao de Lisboa e Vale do Tejo, a solu<;ao de guarda pela mae desce acentuada­mente, observando-se, por outro lado, uma subida acentuada da solu<;ao da creche e a manuten<;ao da importancia relativa da ama e dos familiares (estes sempre ligeiramente abaixo da media do continente). No Norte, a descida da solu<;ao da guarda pela mae foi menos brusca e foi compensada por urn acrescimo da guarda pelos familiares, uma subida moderada da solu<;iio da creche e a manuten<;ao da importancia relativa da ama. Em suma, pontos de partida diferentes e evolu<;6es diversas levaram a pontos de chegada diferenciados. Na decada de 90, a Regiao de Lisboa emerge com urn padrao de delega<;iio da guarda menos familiar e mais institucio­nal do que a Regiao Norte, que se caracteriza por uma delega<;iio, onde se destacam claramente a guarda pelos familiares e uma menor inser<;ao de crian<;as em equipamentos colectivos.

Para alem da influencia da regiao e do tempo social, medido aqui atra­yes da decada em que nasceu a crian<;a, importa sublinhar 0 impacto de tres outras variaveis na configura<;ao dos modos de guarda: 0 nivel de es­colaridade da mulher, a classe social do casal e a condi<;ao da mulher pe­rante a actividade.

4 No inquerilo as Familias no Portugal Conlenzporaneo foram entrevistadas 669 fami­lias no Norte, 310 no Centro, 645 em Lisboa e Vale do Tejo, 90 no Alentejo e 62 no Al­garve. Embora os resultados do inquerito nao tenham , de facto , representatividade a nivel das regioes (NUTs!!), mas apenas a nivel do continente (NUTS!) , os dados pennitem tra­yar algumas tendencias e verificar diferenyas!semelhanyas a nivel das regioes.

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Karin Wall

A c1asse social do casal permite identificar, com mais clareza do que 0

nivel de escolaridade, a influencia das situayoes socio-profissionais nas estrategias de guarda. Importa sublinhar, neste contexto, duas dimensoes da situayao social e profissional dos casais que tem um impacto significa­tivo nos modos de guarda: 0 facto de trabalhar por conta propria, por um lado, e 0 facto de trabalhar em actividades por conta de outrem de remu­nerayao baixa (na agricu ltura e na industria), por outro.

Verifica-se, no quadro n.o 10.6, que, nas familias camponesas e de in­dependentes e pequenos patroes, as maes (ou as maes juntamente com outros parentes) ficam muitas vezes com a guarda da crianya, existindo nestas situayoes socio-profissionais uma tendencia para procurar juntar e conciliar, no mesmo local ou em locais proximos, 0 trabalho familiar por conta propria e a permanencia da crianya em casa. 0 modo de guard a cen­trado na mae assume, nestes meios sociais, va lores muito elevados, bai­xando as soluyoes de delegayao da guarda, especialmente as soluyoes pa­gas, para valores abaixo da media (sendo esta tendencia mais marcada nas

familias camponesas, ou seja, nos meios rurais) . No que diz respeito as outras classes sociais, nota-se nos meios popula­

res que 0 modelo de guarda maternocentrico (maes e avos) tem valores c1aramente acima da media no operariado industrial e no operariado misto (agricolas e industria is) e mais proximos da media nos empregados execu­tantes enos casais de empregados executantes e openirios industriais. E tambem nestes grupos socio-profissionais que a soluyao paga da ama apresenta valores mais elevados, excepto no operariado misto, onde, a semelhanya dos camponeses, tanto a creche como a ama tem valores in­significantes. 0 campo, a industria e os serviyos marc am assim, de alguma forma, 0 tipo de delegayao escolhido nos meios populares: 0 campo evita os serviyos pagos (ou tem di ficu ldade em aceder a eles, sobretudo antes dos anos 90); 0 operariado industrial recorre mais a ama - de uma forma geral mais barata e com horarios mais flexiveis - do que acreche; os em­

pregados dos serviyos recorrem tanto aama como a creche. No topo da escala social, em contrapartida, e 0 modelo de delega~ao

da guarda que se destaca. Nestas familias a soluyao da guarda pela mae desce para valores muito abaixo da media e a soluyao da creche sobe para val ores acima da media. As outras soJl.lyoes de guarda sao, no en­tanto, mais variadas: a empregada domestica e, ao lado da creche, 0

modo de guarda mais importante nas familias de empresarios e dirigen­tes. Nas familias de profissionais intelectuais e cientificos e de profissio­nais tecnicos destaca-se, pelo contrario, a delegayao nos familiares, na

creche e na ama.

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Page 7: Capitulo 10 Modos de guard a das crianyas

rKarin Wall Modos de guarda das criam;as

Os dados que acabamos de analisar sao importantes para identificar Os

padroes de guarda em func;:ao das posic;:oes ocupadas na estrutura social mas nao diferenciam os modos de guarda das mulheres activas, emprega~ ... das ou desempregadas, dos das mulheres domesticas. Convem, por isso J: '"

"5olhar agora para 0 impacto da condic;:ao perante a actividade economic~ E

conas soluc;:oes de guarda. 0 quadro n.o 10.7 mostra que as domesticas Opta­ "0

"0 '"ram maioritariamente, como seria de esperar, pela guarda da mae. Mesmo co "0assim, algumas optaram por delegar a guarda, parcialmente ou na total i­ :~ <Jdade, em familiares e urn pequeno numero pas a crianc;:a na creche ou co osnuma ama. A interpretac;:ao destes dados deve ser feita com alguma pru­2: cdencia e de dois pontos de vista. Temos, por urn Iado, mulheres que, ape­ ... '"

sar de serem domesticas, preferiram delegar a guarda da crianc;:a a tempo c­'" ointeiro ou parcial. Embora minoritana, esta tendencia tambem tern sido "".::" "0evidenciada noutros paises europeus, sendo uma das motivac;:oes princi­ c o <Jpais a possibilidade, para a crianc;:a, de contactar com outras pessoas ou '" crianc;:as. Por outro lado, e provavel que nesta categona de domesticas es­"0 o ctejam incluidas algumas mulheres que trabalham mas que declararam ser :::s OJ)

domesticas; como se sabe, e frequente isto acontecer nos meios rurais '" '" ~ ~?quando a mulher trabalha profissionalmente em casa ou de forma irregular c ;;;

fora de casa. Parece-nos dificil que urn pequeno numero de casos deste '" 0.0N.8 , '" tipo nao tenha passado para 0 nosso inquerito. ~~ '" ... "0 '"Tambem, como seria de esperar, as mulheres activas empregadas sao co ""

"0 ­.- '" as que mais delegaram a guarda da crianc;:a noutras pessoas ou na creche. -;~ OIlo modelo de guarda acompanha aqui de perto 0 padrao medio que identi­ :::s '2

ficamos para os anos 90: uma cnanc;:a em tres ficou it guarda de uma cre­ S che (17,5%) ou de uma ama (15 ,7%) e 42,5% ficaram com familiares ou

3 '" <Jcom a mae e familiares. No entanto, a soluc;:ao da guarda efectuada so pela '" comae trabalhadora ainda manteve valores bastante elevados: 17,8% ficaram "0 o com a mae em casa e 1,5% foram com a mae para 0 trabalho. A interpre­

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--' ......tac;:ao destes dados, nomeadamente da aparente contradic;:ao entre a activi­ e '" o. == .,dade e a guarda materna, exige, mais uma vez, algum cui dado. Sao de IIE.: ~considerar duas hipoteses pnncipais no caso das mulheres activas que di­c­ gozem ficar em casa com a crianc;:a. Em primeiro lugar, podemos pensar que o."0 o

Vestas mulheres activas trabalham por conta propria ou «em casa» e conci­ "0.. '" :::"

liam des sa forma, no local de trabalho, que tambem e a casa da familia , a :::s'" OJ)

vida profissional e a guard a da crianc;:a. Uma analise da classe social (qua­ ;:::' .;,."0'" o codro n.o 10.8) destas familias revela, efectivamente, que quase metade des­ '"o

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o :z:tas familias sao camponesas por conta propria ou de independentes e "" ",'"" ::t ...... N~pequenos patroes. Podem tam bern existir, mas ja nao podemos contabiliza­

Cl II <t: N",-los, casos de trabalho operario a domicilio (trabalho textil it pec;:a, maquina ~de costura em casa, etc.) ou de trabalho intelectual ou administrativo reali­

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Karin Wall

zado em casa, Mesmo havendo bast antes casos de trabalho a domicilio, e provavel, no en tanto, que alguns dos casos nao se encaixem nas situa<;oes acima referidas, 0 que nos leva a considerar uma segunda hipotese: a pos­sibilidade de a mulher ser de facto activa, mas deixar 0 filho sozinho em casa quando vai trabalhar. Pode ser ela, de facto, a pessoa que cuida do filho a maior parte do tempo, mas isso nao significa que nao saia de casa as 5 da manha para fazer umas horas de Iimpeza enquanto 0 filho donne, ou que nao tenha deixado 0 filho sozinho em casa para ir fazer urn as horas de trabalho a jomal. No nosso inquerito, apenas uma mulher ousou dizer que 0 filho ficava sozinho quando ela ia trabalhar (a resposta foi inserida em «outras solu<;oes»). Mas 0 facto de esta solu<;ao ter sido referida e de sabennos, atraves de testemunhos e de estudos, que existem situa<;oes de negligencia (Wall, 1998a; Almeida et at., 1999; Wall, Sao Jose, Correia, 2002) leva-nos a pensar que estarao tambem aqui incluidos alguns casos de crian<;as que ficaram sozinhas ou a guarda de uma crian<;a mais velha, Nao podemos quantifica-Ios com rigor, mas e possivel estimar que atingi­ram urn numero maximo (e com certeza sobrestimado) de 101 mulheres activas empregadas (todas as que nao pertencem a familias camponesas ou de pequenos patroes), 0 que representa uma propor<;ao de 8,9% das mu­Iheres activas empregadas e, no total dos modos de guarda, uma propor­<;ao de 5,8%. E evidente que se trata aqui de uma primeira interpreta<;ao que precisanl de uma analise mais apurada para se perceberem estas situa­

<;oes.

Mulheres activas (empregadas) que «ficam em casa com 0 filho» por classe social

actual do casal

[QUADRO N,o 10.8]

Empresiltios e Profi ssOes inlelecluais e

Classe social

Pro fissoes tecnicas e de enquadramenl o intermedio ... lndependenles e pequenos

Empregados Operatios in Empregados executantes + operatios industriais ... Opera riad o mislo (assalari ados agricol as + ope ra rios indu s·

Numero

2 3

1 I 56 39 19 35 22

9

Percentagem

1,0 1,5 5.6

28,6 \9,9 9)

17,9 \ 1,2

4,6

196 100,0

Modos de gUG/'da das crianr;:as

Conclusao

Da amilise dos modos de guarda de crian<;as pequenas (1-2 anos) nas familias das mulheres entrevistadas e importante sublinhar tres conclusoes principais.

Em primeiro lugar, observa-se que nos anos 70 predominava c1aramen­te urn modelo maternocentrico de guarda. No caso das crian<;as nascidas na decada de 70, foram sobretudo as maes, mas tambem as avos , que to­maram conta delas [oito em cada dez crian<;as ficaram a guarda da mae (44,9%) ou de urn familiar (33,8%), quase sempre uma avo]. 0 apoio prestado pela rede de familiares foi, assim, a principal altemativa a guarda da mae para os casais que tiveram 0 primeiro filho nestes anos. Estes da­dos sao importantes por duas razoes: primeiro, porque revelam 0 peso ele­vado das maes e das avos na guard a das crian<;as num periodo ainda muito recente; em segundo lugar, por chamarem a aten<;ao para a importancia, na sociedade portuguesa dos anos 70 e 80, de cuidados prestados a crian­<;as pequenas que se desenrolavam, quase exclusivamente, num quadro feminino de educa<;ao, afectos e saberes produzidos em linhagens femini­nas e assentes numa interac<;ao forte entre mae e filhos/as.

A segunda conciusao e que se observa uma passagem gradual, ao lon­go das ultimas decadas, de urn modelo matemocentrico, de crian<;as guar­dadas pelas maes e pelas avos, para urn modelo mais diversificado e cen­trado na delega<;ao da guarda da crian<;a. No novo modelo, mais aberto a delega<;ao da guarda das crian<;as, a solu<;ao de «ficar em casa com a mae» diminuiu de fonna acentuada (de 44,3% para 26,8% do total) , a solu<;ao da creche quase triplicou (de 7,1 % para 18,4%), a guarda delegada nos familiares aumentou ligeiramente (36,4%) e as solu<;6es da ama e da em­pregada domestica mantiveram a sua importancia relativa (12,6% e 1,5%), No entanto, apesar do recuo marc ado da mae que fica em casa e, em con­trapartida, do crescimento das solu<;6es que implicam uma delega<;ao da guarda, e fundamental verificar que 0 centramento dos modos de guarda na familia continua, apesar de tudo, a ser muito significativo: apenas 26,8% das maes e que ficam em casa nos anos 90, mas, se as somannos com as avos/os familiares que cuidam de crian<;as, constatamos que 63,2%, quase dois ter<;os do total das crian<;as, estiveram entregues a guarda da mae ou de urn familiar proximo,

Por ultimo, numa terceira conciusao, observamos que as variilveis so­ciais (nivel de escolaridade e situa<;ao de c1asse do casal) influenciam os modos de guarda de uma fonna detenninante. 0 contraste mais nitido es­tabelece-se entre as familias em que as mulheres nao tern escolaridade ou

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Karin Wall

tern apenas 0 ensino primario e as familias em que as mulheres tern pelo menos 0 ensino superior. Nas primeiras a solu<;:ao da guard a da mae tern valores muito elevados (60,9% e 46,5%), enquanto nas segundas apenas uma minoria (4,5%) utiliza este modo de guarda. 0 contraste estabelece­-se depois em termos das solur;;oes de delegar;;ao utilizadas. As maes com baixo nivel de escolaridade recorreram sobretudo as solur;;oes informais de guarda oferecidas pelos familiares e por amas; as maes rna is favorecidas recorreram em grande numero aos familiares , mas tambem utilizaram a creche e a empregada domestica em casa. A leitura destes dados pode fa­zer-se a dois niveis. Primeiro, e importante lembrar que 0 acesso as ajudas familiares (Wall et at. , 2001) e aos equipamentos formais, como as cre­ches, e mais limitado para as familias com menos recursos . Nao e apenas a falta de lugares, especialmente em certas regioes do Norte, mas tambem o seu custo. 0 numero de creches do sector publico, 0 mais barato de to­dos, e muito baixo, enquanto as do sector privado nao lucrativo, apesar de terem crescido des de os anos 80, tambem tern falta de lugares e implicam custos mais elevados. Em suma, ficar em casa quando a crianr;;a e muito pequena pode ser uma opr;;ao, sabendo-se ate que constitui a solur;;ao ideal para muitas familias . Porem, num contexto de falta de equipamentos de qualidade e de baixo custo, pode representar uma solur;;ao de necessidade, em vez de uma escolha, com consequencias negativas nao so a nivel do rendimento familiar e da vida profissional da mulher, mas tambem a nivel da crianr;;a, no caso de a mae ser levada a fazer trabalhos irregulares sem ter onde deixar a crianr;;a. Alias, os dados apontam para algumas maes tra­balhadoras, sobretudo de meios populares, mas nao so, que, sendo act iva:" ficaram com a guarda da crianr;;a. Apesar de esta situar;;ao recobrir casos em que era possivel conciliar de alguma forma a vida profissional e fami­liar (familias camponesas, familias de profiss ionais independentes e de pequenos patroes) , tambem aponta para casos em que a guarda da crianr;;a pode nao ter estado devidamente assegurada, sublinhando-se assim a ne­cessidade de avaliar, com mais rigor, as falhas em equipamentos e amas para as familias de menores recursos (materiais ou humanos) .

Ana Nunes de Almeida, Isabel Andre, Vanessa Cunha

Capitulo 11

Filhos e filhas: uma diferente rela<;ao com a escola

Pontos de partida e objectivos

Construir urn outro olhar sobre as familias portuguesas, focado agora nas crianr;;as enos jovens, constitui urn dos primeiros objectivos deste ca­pitulo. Trata-se de dar seguimento ao desafio proposto pelo novo para­digma da infancia, que surge na sociologia a partir dos anos 80 do seculo passado (James et at. , 1998; Jenks, 1992). Para que as crianr;;as possam emergir como actores de primeira grandeza nos cenarios do quotidiano (e entre eles na familia) e fundamental que a investigar;;ao esteja atenta, des­de logo nas suas etapas previas de recolha e tratamento de dados, a infor­mar;;ao relevante para sinalizar e caracterizar a sua presenr;;a nesses contex­tos de pertenr;;a.

Aqui, e partindo-se da mesma amostra comum a todo 0 estudo, come­r;;a-se por seleccionar os filhos e as filhas dessas familias, de modo a cons­tituir com eles uma nova amostra que servinl de referencia a tratamentos estatisticos posteriores. Sabe-se de antemao que , metodologicamente, a operar;;ao tern urn alcance limitado: a representatividade do estudo e asse­gurada atraves das mulheres-maes em conjugalidade, com idades entre os 25 e os 49 anos, com pelo menos urn filho co-residente em idade escolar (6-16 anos de idade). Estes sucessivos filtros impoem, obviamente, contomos a popular;;ao resultante de crianr;;as e jovens. Nao sendo estatisticamente