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Através da nossa página no Facebook vamos disponibilizar todos os ar-tigos do livro BRASIL NÃO MOTORIZADO. A cada semana um texto será editado. Desse modo, ao final de 16 semanas o livro estará completo e terá sido aberto mais um canal de leitura e discussão dos temas abordados.

A publicação dos artigos no formato eletrônico também se deve ao su-cesso da edição. Além das cotas dos patrocinadores, vendas em lançamentos e livrarias e doações a instituições de ensino, foram colocados mais de 1.000 exemplares. Isso demonstra o interesse pelo assunto “mobilidade urbana” e nos dá a certeza de continuarmos com a coleção. Está prevista ainda para 2015 a edição do nosso 2º volume – com alguns novos autores e novas abordagens.

Boa leitura

Vale lembrar que os interessados ainda podem adquirir o livro nas Li-vrarias Cultura; sob encomenda ou pela internet. www.livrariacultura.com.br

IMPORTANTE

Empresas e entidades que patrocinaram essa 1ª edição:

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Territorialidade dos modos de transporte ativos

Territorialidade dos modos de transporte ativos

Reginaldo A de PAIVA 1

“O espaço é a acumulação desigual de tempo.” Milton Santos

1. Mobilidade urbana e os modos ativos

De um Caderno do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), editado em 2011:

O conceito de mobilidade, entendida como facilidade de desloca-mento, por vezes é vinculado àqueles que são transportados ou se trans-portam, e por outras vezes relacionado à cidade ou local onde o desloca-mento pode acontecer. O relevante é perceber que ela depende do nível de adequação entre as características da pessoa ou objeto que deseja ou se quer transportar, com a capacidade do sistema de transporte e infraes-trutura, aqui incluídas todas as formas de deslocamento possíveis.

Reescrevo, para bem marcá-lo, o trecho “incluídas todas as formas de deslocamento possíveis”, já que tenho visto, não raramente, que a mobilidade tem sido conceituada como sinônimo de transporte coletivo. Também não con-sidero mobilidade urbana como sinônimo de urbanismo, nem mesmo como consequência de planos de transporte e trânsito.

Ainda, deste mesmo Caderno do IPEA, destaco o exposto abaixo, tendo o Sistema de Indicadores de Percepção Social - SIPS, 2010, indicado como fonte:

1 Engenheiro, Escola Politécnica de São Paulo. Trabalhou na Engevix S.A., na Fepasa e na Com-panhia Paulista de Trens Metropolitanos – CPTM. Nesta última, foi membro da comissão permanente de acessibilidade. Foi diretor do Departamento de Transportes do Instituto de Engenharia de São Paulo, presidente da Comissão de Bicicletas da ANTP, diretor da União de Ciclistas do Brasil – UCB e palestrante em seminários temáticos sobre mobilidade urbana e políticas cicloviárias. E-mail: [email protected]

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Sobre estes dados, teceram-se os seguintes comentários:“Infere-se que os usuários não-motorizados (pedestres e ciclistas)

são três vezes maiores nas cidades fora das regiões metropolitanas, onde se destacam também os motociclistas. O destaque de participação nas RMs, de acordo com a percepção captada, ocorre por conta do transporte público urbano (TP)” e “Elas [as pesquisas O/D] não utilizam a percep-ção subjetiva do modo de transporte mais utilizado, utilizam o conceito de modo de transporte principal (vinculado ao modo hierarquicamente mais importante usado)”.

No caso da Região Metropolitana de São Paulo, uma reorganiza-ção dos dados da Pesquisa de Origem/Destino (O/D) considerou não o modo principal, o metrô, mas os modos utilizados no início das viagens (primeira “perna da viagem”). Assim, obteve-se o resultado apresentado no gráfico a seguir.

Estes dados evidenciam que o metrô, menos que o modo principal de transporte da RM, surge nas viagens como um modo secundário, “distribuidor de viagens” originadas por outros modais. Por sua pequena presença na região do Centro Expandido, distribui mal as viagens nas áreas de empregos – o que explica, em parte, a migração de usuários dos sistemas de TP para as motos e

Tabela 1: Meio de transporte mais usado para locomoção por Regiões Metropolitanas - RMs, Regiões Não Metropolitanas, Capitais e Não Capitais (Em %).Fonte: IPEA - SIPS, 2012

Gráfico 1: Primeiros modos de viagem dos passageiros do metrôFonte: Companhia do Metropolitano de São Paulo, 2012.

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o desejo expresso em pesquisas realizadas pelo Sindicato da Construção Civil (Secovi), em 2011, dos moradores de São Paulo de andar a pé; ou seja, eles sonham com uma cidade de Vizinhança Tradicional. Urbanistas, em crise de consciência, reconhecendo o desastre que trouxeram para as cidades, clamam por um novo modelo urbano, por eles apelidado de “bairro compacto”. Tal qual a citação abaixo, da Toledo & Associados/Secovi, 2011.

O paulistano quer uma cidade mais moderna e contemporânea. Para isso há um limbo de atrasos que precisa ficar para trás: seguran-ça; saúde; educação e habitação; é o essencial. Mas quando passamos a ver o que querem para a cidade, vemos uma população querendo viver e desfrutar a cidade. A verdadeira casa das pessoas não é a casa delas, mas a cidade. Querem uma cidade onde possam andar, respirar, ocupar seus espaços. As pessoas querem calçadas, querem árvores nas calçadas, querem poder andar em ruas iluminadas.

Reescrevo eu, então, “A verdadeira casa das pessoas não é a casa delas, mas a cidade”. Distância muito grande de quem considera que, com a expansão dos serviços de transporte coletivo, possa ser alterado o modelo de cidade.

1. Vizinhança tradicional e espraiamento suburbano

Em trabalho recente realizado por alguns estudiosos, é dito que as cida-des americanas se desenvolvem segundo dois modelos básicos:

1. Vizinhança tradicional (citada anteriormente), sendo “represented by mixed-use, pedestrian-friendly communities of varied population, either standing free as villages or grouped into towns and cities – has proved to be a sustainable form of growth”.

Esse conceito, como se vê, é bastante diferente do que tem sido chamado de bairro compacto. Da definição da cidade de vizinhança tradicional, surgiu em São Paulo o Programa das Cidades Amigáveis (incorporando o friendly da definição), cujo primeiro encontro foi realizado em 2012, em São Caetano do Sul. Leituras posteriores do programa, depois do encontro, tendem a considerar os investimentos em infraestrutura como padrão de cidade amigável. A meu ver, é uma mudança perigosa, para não dizer desastrada.

2. Espraiamento suburbano, sendo “an invention, conceived by architects, engineers, and planners, and promoted by developers in the greats weeping as idea the old, that occurred after the Second World War. Unlike the traditional neighborhood (vizinhança tradicional) model, which evolved organically as a response to human needs, suburban sprawl’s a idealized artificial system... Suburban sprawl ignores historical precedent and human experience”.

As definições de Vizinhança Tradicional e Espraiamento Suburbano são de autoria de Andrés Duany, Elizabeth Plater-Zyberk e Jeff Speck, em Suburban

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Nation. Transcrevi em inglês, para evitar que me culpem do mesmo des-conforto que sua leitura provocou em alguns arquitetos, no I BiciRio. Talvez não devesse ter concluído, naquela ocasião, que deveríamos trocar Lucio Costa por Milton Santos – frase da qual não me arrependo. Continuo acreditando que devemos lutar por cidades como as querem os que nela moram, e não recons-truí-las como as idealizam os retardatários da Carta de Atenas.

Da Carta de Atenas,O princípio da circulação urbana e suburbana deve ser revisto.

Deve ser feita uma classificação das velocidades disponíveis. A reforma do zoneamento, harmonizando as funções-chave da cidade, criará entre elas vínculos naturais para cujo fortalecimento será prevista uma rede racional de grandes artérias. O pedestre deve poder seguir caminhos di-ferentes do automóvel.

É inequívoca a convergência entre a Carta de Atenas e a definição do Espraiamento Suburbano que, na conclusão do Suburban Nation, “is not the all thy growth; it is essentially self-destructive”.

1. A cidade como a querem os que nela moram

Que cidade querem os que por ela circulam? A pesquisa do Secovi e a definição da cidade de Vizinhança Tradicional evidenciam o que bem querem os pedestres.

No Seminário de Santos, em 2006, propus um neologismo para a cidade das bicicletas, ou a “ciclocidade”, definida como “mancha urbana, com seis (6) quilômetros de raio em torno da área central, abrigando uma população de aproximadamente 300.000 habitantes” (no cálculo da população usei os valores de densidade urbana média das cidades paulistas).

2. Espraiamento suburbano como padrão dos planos diretores

Os planos diretores, e disto não tenho dúvida, adotam o modelo de es-praiamento suburbano, com sólido apoio do tripé “indústria automobilística/construção civil/transporte coletivo”. Exagero? Não creio, basta-me folhear os cadernos de publicidade dos jornalões dominicais para constatá-lo.

Cito o jornal O Estado de São Paulo, na data de 7 de abril de 2013. Dos quinze cadernos do jornal (em suas 130 páginas), quatro são dedicados ao que é tradicional dos jornais, dois são voltados aos programas culturais, quatro ca-dernos cuidam dos lançamentos de imóveis e dois tratam de carros. O tripé aparece em 40% das páginas, das quais 25% possuem publicidade de imóveis e 15% de carros. A terceira perna do tripé, o transporte coletivo, aparece em orgânico casamento com as propagandas de vendas de imóveis. Número não desprezível de anúncios, oferecendo apartamentos e/ou escritórios a algumas poucas quadras de uma “futura estação do metrô”.

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1. Movimento passe livre (MPL) e o irrequieto Gramsci

O que dizer das grandes manifestações que inundaram as ruas do país, reivindicando passe livre (MPL) no transporte coletivo? A quem servem? Vi e ouvi as lideranças do movimento se autoproclamando de “esquerda”, em dis-cursos vagamente anarquistas. Se considerarmos, em simplificada definição, que esquerda e direita se diferenciam no enfoque social, eu diria que a turma do Movimento Passe Livre não defende teses reacionárias mas, indisfarçadamente, teses de “direita”.

Senão vejamos. Se a alguém interessa que o transporte coletivo nas ci-dades seja dado gratuitamente pelo Estado é diretamente aos promotores do espraiamento. Com transporte urbano de graça, poder-se-ão exportar, com acenos de benemérita atenção, as populações de menor renda que habitam os valorizados terrenos das áreas centrais para os pontos mais distantes das zonas suburbanas. Com isto, liberam-se extensas áreas, bem dotadas de infraestru-tura, para investimentos imobiliários de alto padrão – condomínios fechados, shopping centers, centros comerciais e de escritórios –, tudo atendido por novas grandes avenidas destinadas ao tráfego em velocidade, e tudo como idealizado pela Carta de Atenas.

Aos programas de investimentos financeiros, mobilizando grande leque de empreendedores não cabem acusações de reacionários. Pelas consequências de exclusão social e marginalização das camadas de menor renda, tais ações não configuram teses claramente de “direita”? Ou não?

Onde apareceria a busca da cidade de Vizinhança Tradicional? Ainda que me doa dizê-lo, como “transporteiro” de profissão: na minimização da de-pendência dos modos de transporte coletivo.

Muito discutimos, nos anos 80, o que então chamávamos de “não-trans-porte”. Minha ciclocidade é um exemplo de cidade de vizinhança tradicional. Nela não preciso de nada mais que um bom par de sapatos ou de uma bicicleta para vencer os seis quilômetros que separam os diferentes destinos de viagem diária. Nela não preciso de carros nem de transporte coletivo, senão eventual-mente. No jargão político diríamos que o não transporte, ao contrário do MPL, seria então uma tese de “esquerda”.

2. Pessoas e fatos, ora como farsa, ora como tragédia

Em leitura livre do já desgastado bordão marxhegeliano, relembraria como farsa a cômica alegoria de Polansky, no filme “Dança dos Vampiros”, no qual se relata a batalha de um desengonçado e desastrado professor que, emba-lado pelas melhores intenções e pretendendo erradicar ameaçadores vampiros, “levou o mal a toda a humanidade”. Fatos e personagens que reaparecem, como tragédia, nas boas intenções de um professor que, à frente de um grupo preten-dia, com um grande movimento de massas, beneficiar as camadas pobres das

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cidades com transporte gratuito, do qual resultaria a “piora das condi-ções de mobilidade urbana das classes subalternas’”.

1. Bicicletas e skates que dão choque

Outro fenômeno cresce nas grandes cidades, ao qual pouca atenção tem sido dada. Falo do aparecimento de modos individuais de transporte, de tração humana ou elétrica, como e-bikes, skates, sigways, cadeiras de PcDs etc.

Tenho em mãos estudo realizado por um professor do Departamento de Engenharia Civil da Universidade de Tennessee – Knoxville, sobre o uso de e-bikes nas cidades chinesas de Shangai e Kunming. Do estudo retiro a infor-mação de que em Shangai existe 1.000.000 de bicicletas elétricas, 56% das quais utilizadas por pessoas que trocaram o transporte público (ônibus) pelas e-bikes. As e-bikes totalizaram 1.600.000.000 quilômetros em passageiros-quilômetro anuais transportados. Trocando em miúdos – e se não errei nas contas – refe-rem-se a viagens, em média diária, de aproximadamente 10 a 12 quilômetros (não esqueçamos nossos conhecidos 6 quilômetros “território das viagens por bi-cicletas”).

No Brasil este fenômeno não se apresenta muito diferente. Em 2006, a Abraciclo registrava esclarecedores dados sobre a opção pelas motos, conforme se pode constatar na tabela abaixo.

Explicitando: 29% dos que compraram moto em 1997 disseram que o faziam para “fugir do transporte coletivo”. Em 2006, este número saltou para 40%. Os compradores de moto, com mais de 40 anos (estamos falando, por-tanto, de trabalhadores), saltaram de 53.000, em 1997, para 330.000 em 2006 (crescimento de 522%).

2. Motoqueiros no Hospital das Clínicas (HC)

Noutro dado, mais recente e mais assustador, de uma notícia tirada de uma revista médica que, sem remorso, “roubei” de um consultório médico, pode-se ler: “A frota de motos já ultrapassa a de carros em 46% dos municí-pios brasileiros” e “O número de vítimas saltou de 725 em 1996 para oito mil em 2009”. E, ainda, “A surpresa foi saber que 67% usam a moto como meio de transporte e não como ferramenta profissional, como os motoboys”.

Os dados que resumem o universo analisado pelo HC:

Tabela 2: Características das vendas de motocicletas, segundo idade, razão da compra e tipo de veículo que habitualmente faz uso em suas viagens urbanas.

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Dos motoqueiros envolvidos em colisões de trânsito, 32,9% (entre os 255 analisados) foram internados. Dos internados:

•54% tiveram lesões neurológicas periféricas;

•14% foram reinternados após alta hospitalar;

•12% tiveram fratura exposta.

O perfil dos motoqueiros analisados registra que:

•67% usam moto com meio de transporte;

•45% sofreram o primeiro acidente;

•71% são jovens, no auge da produtividade.

Como impactos para a rede pública de saúde:

•a média é de 18 dias de internação por acidentado, ao custo de 3 milhões/dia.

•Estima-se que no Brasil sejam despendidos mais de R$ 30 bilhões por ano com cuidados médicos voltados para este grupo.

Estou longe de me alinhar aos que usam estes dados para criminalizar as motos como um “antiveículo” urbano, também aos que afirmam que os motoqueiros são irresponsáveis e antissociais. Porém, devemos nos indagar o que os poderes públicos deixaram de fazer para que as cidades se tornassem “amigáveis” ao tráfego de motos. O dirigente de uma grande fábrica de motos confidenciou-me que, desde os exames para obtenção da carta de habilitação para condução de veículos, tudo se faz contrariamente ás recomendações dos fabricantes. Retomo a afirmação anterior de que o conceito de cidade amigável não deva ser medido apenas pela presença de intervenções na infraestrutura urbana.

1. O território modal deveria definir a cidade como a querem os que nela se deslocam

Tenho insistido, sempre que possível, que devemos discutir a mobilidade urbana não como decorrência do desenho dos sistemas de transporte coletivo e individuais, mas como território dos diferentes modos. Assim, para os territó-rios dos pedestres adotar-se-iam distâncias de 500m (como utilizado na defini-ção de Vizinhança Tradicional) a 3 quilômetros (distância percorrida nos aces-sos a pé à Estação Mauá). Para o território das bicicletas, adotar-se-ia distâncias de 6 (minha referência na definição de ciclocidade) a 8 (referência do BikePlan, de Chicago) quilômetros. Para as motos, distâncias de 6 a 20 quilômetros.

Se é verdadeiro o verso de Machado “caminante no hay camino, se hace camino al andar”, os caminhos que os cidadãos estão traçando com suas opções modais (e respectivas mudanças no modo de viagem) indicam que passamos

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por um processo em que as pessoas estão tendo mais e mais clareza sobre que modo de transporte adotar, e qual lhes é mais adequado para o território que pretendem percorrer.

Um pequeno exercício neste campo: como explicar a migração dos usu-ários do transporte público para as motos (os citados dados da Abraciclo)? A distância média percorrida pelos usuários dos trens de subúrbio da RM de São Paulo, em 2007, era de 19 quilômetros. Ora, qualquer análise que considere os tempos totais de viagem, os níveis de conforto no uso dos diferentes modos, a economia no custo da viagem, a confiabilidade dos serviços e o aumento possí-vel nos índices de mobilidade urbana (entendida como número de viagens/dia), aclara as razões que levaram 40% dos compradores de moto a usar este veículo como alternativo ao transporte público. Da mesma forma, explica-se por que, entre os chineses, nos trajetos de 6 a 8 quilômetros, 56% dos usuários dos ôni-bus migraram para as e-bikes.

1. Desorganizados intelectuais orgânicos

Volto à turma do MPL. Com tarifa zero, em São Paulo, onde os serviços metroferroviários registram ocupações de mais de 8 pessoas por metro qua-drado nas horas de pico, o livre acesso ao transporte público favorecerá, ine-gavelmente, os fabricantes de “modos alternativos” – motos, bicicletas, e-bikes, skates, patins, patinetes, segway, cadeiras de rodas etc.

Recomendaria a estes deslumbrados anarquistas a leitura de Gramsci, principalmente do texto:

Todo grupo social, nascendo no terreno originário de uma fun-ção essencial no mundo da produção econômica, cria para si, ao mesmo tempo, organicamente, uma ou mais camadas de intelectuais que lhe dão homogeneidade e consciência da própria função, não apenas no campo econômico, mas também no social e político.

Fica a pergunta: de que grupo social seriam esses “intelectuais orgâni-cos” e a que corrente política estão beneficiando?

2. O automóvel não é mais um veículo urbano

A indústria automobilística – e isto é de minha convicção – sabe que o carro já não é mais um veículo urbano. Não por outro motivo, todas as grandes montadoras estão fabricando bicicletas elétricas. A da Volkswagen foi lançada na China, com direito a inserção no “Youtube” e passeio pela mídia digital. Urbe et orbi, a da Mercedes, surgiu ameaçando manchar a brancura imaculada das vestes papais.

Se os brasileiros continuam comprando carros aos milhares, para par-ticipar dos grandes engarrafamentos diários nas cidades, isto se explica pelo culto tupiniquim à morbidez, que também habita a TV na horrenda e – cá entre

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nós – bem-sucedida série Walking Deads.

Só assim se entende o comercial de lançamento de um carro declarando “Imagine que você seja o último ser humano na face da Terra”, e propondo-nos em seguida dirigir em indisfarçável alegria por uma cidade onde todos os habi-tantes “walking deadaram”.

Na busca de “modos alternativos” para a integração modal, técnicos do Banco Mundial, em trabalho para empresas instaladas ao longo da Av. Berrini, em São Paulo, mostraram como e por que o carro perdeu a condição de veículo urbano.

A Tabela 3 mostra os custos de implantação e operações de instalação de estacionamentos para carros e bicicletas. Os valores tabelados são canadenses. Os americanos usam US$ 40.000 para o custo de implantação de vagas para carro e US$ 700 para o custo anual de manutenção.

Para finalizar, relembrando ditado que diz “a vida imita a arte”, ainda que eu mais prefira dizer que “a arte antecipa a vida”, transcrevo texto de “Ma-cunaíma”, que Mário de Andrade publicou em 1928, época em que São Paulo era, digamos, eufemisticamente, uma vilazinha muito “chinfrim” (chinfrim é um termo caro ao Mário de Andrade). A citada pesquisa do Secovi diz a mesma

coisa que Macunaíma escreveu às índias de sua tribo.

CARTA ÀS ICAMIABAS - Trinta de Maio de Mil Novecentos e Vinte e Seis

A cidade é belíssima, grato o seu convívio. Toda cortada de ruas habilmente estreitas, tomadas por estátuas e lampiões gracio-síssimos, tudo diminuindo com astúcia o espaço de forma tal, que nessas artérias não cabe a população.

Tabela 3: Custo de implantação e manutenção para estacionamento de automóveis e de bicicletasNota:P&R = parkand ride (estacionamento para carros)B&R = bikeand ride (estacionamento para bicicletas)