capital cultural e sucesso escolar no meio popular

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  • UNIVERSIDADE DE BRASLIA - UNB

    FACULDADE DE EDUCAO - FE

    KALLIANE SILVA LOPES

    O CAPITAL CULTURAL DAS FAMLIAS E DOS ALUNOS

    DAS CLASSES POPULARES E ESTRATGIAS DE

    INVESTIMENTO PARA O SUCESSO ESCOLAR

    BRASLIA-DF, DEZEMBRO DE 2011

  • UNIVERSIDADE DE BRASLIA

    FACULDADE DE EDUCAO

    O CAPITAL CULTURAL DAS FAMLIAS E DOS ALUNOS

    DAS CLASSES POPULARES E ESTRATGIAS DE

    INVESTIMENTO PARA O SUCESSO ESCOLAR

    KALLIANE SILVA LOPES

    BRASLIA-DF, DEZEMBRO DE 2011

  • KALLIANE SILVA LOPES

    O CAPITAL CULTURAL DAS FAMLIAS E DOS ALUNOS

    DAS CLASSES POPULARES E ESTRATGIAS DE

    INVESTIMENTO PARA O SUCESSO ESCOLAR

    Trabalho Final de Curso apresentado como

    requisito parcial para obteno do ttulo de

    Licenciado em Pedagogia, Comisso

    Examinadora da Faculdade de Educao da

    Universidade de Braslia, sob a orientao do

    professor Carlos Alberto Lopes de Sousa.

    Comisso Examinadora:

    Prof. Dr. Carlos Alberto Lopes de Sousa (orientador)

    Faculdade de Educao da Universidade de Braslia

    Prof. Dr. Jos Luiz Villar Mella

    Faculdade de Educao da Universidade de Braslia

    Prof. Dr. Erlando da Silva Reses

    Faculdade de Educao da Universidade de Braslia

    BRASLIA, DEZEMBRO DE 2011

  • Lopes, Kalliane Silva.

    O Capital Cultural das famlias e dos alunos das classes populares e

    estratgias de investimento para o sucesso escolar/ Kalliane Silva Lopes.

    Braslia, 2011. 51 f.

    Trabalho de concluso de curso Universidade de Braslia, Faculdade de

    Educao, 2011.

    Orientador: Carlos Alberto Lopes de Sousa

    1. Democratizao do ensino superior 2. Capital cultural das famlias e

    estudantes 3. Sucesso escolar.

  • O que nos parece indiscutvel que, se pretendemos a

    libertao dos homens, no podemos comear por

    alien-los ou mant-los alienados. A libertao

    autntica, que a humanizao em processo, no

    uma coisa que se deposita nos homens. No uma

    palavra a mais, oca, mitificante. prxis, que implica

    a ao e a reflexo dos homens sobre o mundo para

    transform-lo.

    (Paulo Freire, 1970)

  • 6

    DEDICATRIA

    Dedico este trabalho aos meus pais, Pedro Lopes e ngela

    Silva, lutadores, que me influenciaram a seguir um caminho

    mais tico, com honestidade e princpios, influenciando na

    busca de sempre lutar com dignidade pela superao das

    barreiras e desafios que so propostos ao decorrer da vida.

    Aos meus amigos que estiveram presentes em minha

    caminhada, ajudando-me a vencer, enfrentar, refletir e

    desenvolver em diversas situaes da vida.

  • 7

    AGRADECIMENTOS

    Em primeiro lugar, gostaria de agradecer a Deus, por conceder-me fora e sabedoria

    para enfrentar os desafios presentes em minha vida.

    Aos meus pais, ngela e Pedro, por estar ao meu lado, apoiarem nas minhas

    escolhas e por serem os grandes responsveis pelo meu sucesso escolar, tido de certa

    forma como improvvel.

    Ao meu irmo Ricardo, pela dedicao e ateno que teve para comigo em relao

    aos estudos, por passar algumas horas tentando ser meu professor de reforo escolar.

    Universidade de Braslia pela oportunidade de beneficiar-me de um ensino

    gratuito de excelncia.

    Ao professor Carlos Lopes pela orientao do trabalho, pelas valiosas contribuies

    e incentivo durante a construo deste.

    professora Norma Lucia Neris de Queiroz pelas aprendizagens construdas nas

    disciplinas ministradas por ela durante o curso.

    Aos meus mestres, em especial aos professores: Solange Amorim, Anelice Batista,

    Edeilce Buzar e Ana Lcia Abreu.

    s funcionarias da secretria, Patricia e Maria Trindade, pelo apoio, orientaes e

    carinho.

    s minhas amigas de curso Jaqueline, Thissiane e Andressa pelos vrios momentos

    que compartilhamos juntas, pelas conversas divertidas, pelo apoio e por confiarem em meu

    potencial.

    Aos estudantes e famlias que contribuiram para a pesquisa, permitindo que

    conhecesse um pouco das suas vidas na instituio e fora dela.

    A todos os meus amigos que comigo estiveram durante todo o tempo me dando a

    fora necessria para continuar.

    Aos professores examinadores pela reflexo e aprendizado.

  • 8

    LOPES, Kalliane Silva. O capital cultural das famlias e dos alunos das classes populares e

    estratgias de investimento para o sucesso escolar. Braslia-DF, Universidade de

    Braslia/Faculdade de Educao (Trabalho Final de Curso), 2011.

    RESUMO

    O presente estudo refere-se s estratgias utilizadas pelos familiares e estudantes das

    classes populares para o sucesso ao ensino superior. A partir do conceito de Capital

    Cultural do socilogo francs Pierre Bourdieu busquei compreender como a bagagem

    cultural de uma pessoa pode interferir em seu percurso educativo. O conceito de sucesso

    escolar tambm abordado, neste trabalho como o ingresso do estudante no ensino

    superior. Defini como objetivo geral identificar como os pais e alunos concebem o sucesso

    escolar, mas especificamente no que diz respeito ao ingresso na Universidade Pblica e

    quais as estratgias de investimento escolar desenvolvidos para atingir esse objetivo,

    considerando o capital cultural das famlias e alunos das classes populares. Para

    fundamentar a anlise de dados, organizei o referencial terico, a partir do conceito de

    Capital Cultural do socilogo francs Pierre Bourdieu. Sendo assim, trabalhei o conceito de

    sucesso escolar aqui como o ingresso do estudante no ensino superior. Com base nos

    objetivos deste estudo optei pela pesquisa de carter qualitativo e na coleta de dados utilizei

    entrevistas semi-estruturadas com alunos da Universidade de Braslia, considerados de

    baixa renda pela Diretoria de Desenvolvimento Social (DDS). Entrevistei tambm seus

    familiares para compreender a concepo delas em relao ao ensino superior. A analise

    dos dados revelou como as condies socio-econmicas e histricas influenciam no

    percurso dos estudantes.

    PALAVRAS-CHAVE: Capital Cultural. Sucesso escolar. Classes populares. Acesso ao

    ensino superior pblico.

  • 9

    RSUM

    Cette tude traite des stratgies emplyes par les familles et les tudiants venues de classes

    populaires. Avec Le concept de Capitale Culturelle, du sociologue franais Pierre Boudieu,

    jai essay comprendre comment le contexte culturel dune personne a influence dans son

    chemin ducatif. Le concept de scolarit est aussi aborde dans ce travail comme lentre

    de ltudiant dans lenseignement suprieur. Jai dfini lobjectif gneral identifier

    comment les parents et les lves peroivent la russite sclolaire et quelles son les stratgies

    dinvestissement visant atteindre cet objectif, en vie de capital culturelle des familles et

    des lves qui sont dans les classes populaires. Pour appuyer lnalyse des donns, jai

    organis le tableau theorique, partir du concept de Capitale Culturelle du sociologue

    Pierre Bourdieu. Ansi, jai develope le concept de russite scolaire comme lentre des

    tudiants dans lenseignement suprieur. Sur la base des objectifs de cette tude, j ai choisi

    la recherche qualitative e pour faire la collecte des donnes jai utilise des entretiens semi-

    structurs avec les tudiants de lUniversit de Braslia, considere faible revenu par la

    Direction du Dveloppement Social (DSD). Jai interview aussi des membres de la famille

    pour comprendre la conception deux par rapport leinsegnement suprieur. L analyse

    des donnes a montr linfluence socio-economique et historique sur la route des tudiants.

    MOTS-CLES: Capitale culturelle. La russite scolaire. Les classes populaires. L'accs

    l'enseignement suprieur public.

  • 10

    SUMRIO

    MEMORIAL EDUCATIVO ............................................................................................. 12

    INTRODUO .................................................................................................................. 20

    CAPTULO I: DEMOCRATIZAO DO ENSINO SUPERIOR E CLASSES

    POPULARES ..................................................................................................................... 22

    CAPTULO II: CONCEITUANDO CAPITAL CULTURAL E

    SUCESSO ESCOLAR ........................................................................................................ 26

    CAPTULO III- METODOLOGIA DE PESQUISA ...................................................... 34

    CAPTULO IV APRESENTAO E ANLISE DOS DADOS ................................ 36

    CONSIDERAES FINAIS ............................................................................................. 43

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ............................................................................. 44

    PERSPECTIVAS PROFISSIONAIS ................................................................................ 47

    APNDICE ......................................................................................................................... 49

  • 11

    PARTE I

    MEMORIAL

  • 12

    MEMORIAL

    Sou Kalliane Silva Lopes, tenho 21 anos, sou filha de Pedro Lopes dos Santos Filho

    e ngela Aparecida da Silva Lopes. Neste memorial, procurei fazer um resgate da minha

    trajetria escolar, entretanto, trouxe alguns pontos essenciais da minha vida para que todos

    possam compreender como cheguei at aqui.

    Nascimento e infncia

    Nasci no dia 03 de julho de 1990, aqui no Distrito Federal na Regio Administrativa

    de Ceilndia. Meus pais s tiveram dois filhos, eu e meu irmo mais velho Ricardo. Meu

    pai nasceu e viveu uma grande parte da vida dele no interior de Gois, estudou apenas at a

    5srie do ensino fundamental, pois tinha de trabalhar na roa para ajudar a sua famlia: pai,

    me e seus quatro irmos. Minha me nasceu no interior de Minas Gerais e veio para a

    cidade grande, Braslia para trabalhar e estudar. Cursou at o 2ano do ensino mdio e

    parou de estudar para trabalhar um pouco mais, pois nessa poca meu av materno se

    encontrava muito doente.

    Aps a morte de meus avos paternos, meu pai decidiu vir para Braslia, comeou a

    trabalhar aos 14 anos de idade como porteiro e assistente na Embaixada da Turquia, onde

    trabalha at hoje. Minha me quando casou decidiu parar de trabalhar para se dedicar ao lar

    e criao dos filhos.

    Minha infncia no foi das mais fceis, no tinha os brinquedos que queria e nem

    saia para brincar na rua como as outras crianas. Minha me sempre foi super protetora e

    tinha muito medo que acontecesse alguma coisa comigo e com meu irmo. Comeei a

    frequentar uma escola de educao infantil pblica aos cinco anos de idade e este foi meu

    primeiro contato com outras crianas. Segundo os relatos de minha me, no primeiro dia de

    aula perguntei: Me, por que eu tenho de ir para essa tal de escola? Minha me sorriu e

    me disse: Para voc aprender e conhecer outras crianas! Mal sabia eu e ela que essa

    pergunta ia me acompanhar o resto da minha vida.

    Quando comecei a frequentar a escola minha relao com os coleguinhas era muito

    distante. Eu era muito tmida e esse contato era a minha primeira experiencia com crianas

    de minha idade. Quando completei seis anos, minha me decidiu me mudar de escola, mas

    eles no tinham condies de pagar uma escola particular. Ento decidiram que eu deveria

  • 13

    estudar em uma escola filantrpica na minha cidade. Para conseguir a vaga nesta escola

    minha me dormiu na fila uma semana, as vagas eram poucas. Com essa estratgia,

    consegui a vaga e comeei a frequentar as aulas, porm meu comportamento no mudou.

    Aos sete anos, no 1ano do ensino fundamental, no tinha amigos e falava muito pouco,

    apesar de saber ler e escrever muito bem em relao aos demais colegas da turma. Na

    primeira reunio de pais l estava a professora e a coordenadora do colgio convencendo

    minha me que deveria me levar a um psiclogo e at a um psiquiatra. Lembro muito bem

    quando minha me chegou a casa e disse: Olha Kalliane a sua professora me pediu para te

    levar ao mdico por que voc no est falando na escola, por que voc no est brincando

    com seus colegas... Ela acha que voc tem problema na cabea. Mas eu no acredito no

    que sua professora disse, se voc prometer para mim que vai mudar eu te dou uma boneca,

    se no vou te levar ao mdico. Voc quer a boneca ou quer ir ao mdico? Como j era de

    se esperar escolhi a boneca! Pode parecer chantagem o que minha me fez comigo, mas deu

    certo. No outro dia estava eu na hora do recreio brincando com minha boneca e com as

    outras colegas. A boneca era o que faltava para que eu me ligasse aos colegas.

    Estudei todo o ensino fundamental e mdio nesta mesma escola, foi onde aprendi

    no apenas a ler e escrever, mas principalmente conviver com outras pessoas,

    completamente diferentes. Foram 12 anos de minha vida em uma nica escola. Vi meus

    amigos da pr-escola crescerem comigo e aprendi a lidar com algumas perdas. Como por

    exemplo, a morte de uma amiga, aos 12 anos de aneurisma. Aos 14 anos, comeei a cursar

    Francs no CILC (Centro Interescolar de Lnguas de Ceilandia) e sempre gostei de estudar

    lnguas estrangeiras, e o curso sendo gratuito era uma boa oportunidade para mim. Foram

    seis anos de cursos. Conclui no ano de 2009, aos 19 anos.

    Pedagogia UnB e Primeiro emprego, segundo emprego...

    Aos 17 anos de idade, eu estava como a maioria dos adolescentes com a cabea

    cheia de dvidas do que eu ia fazer na vida. Estava no 3ano do ensino mdio, estudava no

    perodo da noite e cursava Francs trs vezes por semana. Meus pais no tinham gastos

    comigo em relao aos estudos, mas a presso era grande para a Kalliane ser algum na

    vida. Com o tempo, a presso s aumentava, meu irmo mais velho havia passado na UnB

    para cursar Biologia e eu ainda nem tinha escolhido o que fazer na vida. J era hora de

    decidir, estava no ltimo ano da escola e a nica coisa em que tinha me empenhado era nas

  • 14

    provas do Programa de Avaliao Seriada- PAS. Eu tinha de fazer a inscrio da ltima

    etapa e escolher o curso. Mas qual curso? Eu s tinha 17 anos, como ia escolher o que fazer

    para o resto da minha vida? Eu no me sentia preparada para tomar uma deciso to

    importante assim, mas tinha de tomar. Parece que ningum est preparado para tomar

    decises importantes quando somos muito novos.

    Estava na frente do computador, no ltimo dia de inscrio, a noite, estudando os

    cursos e fazendo as contas em relao as minhas notas das ltimas etapas do PAS. Eu

    gostava de muitos cursos e me vi muito perdida com tantas possibilidades. Da, decidi

    tomar uma atitude. Comecei a eliminar os cursos que no me identificava. Nesta etapa,

    foram cortados: Medicina e todos os cursos na rea de sade e direito. Ainda tinha muitos

    cursos, mas de acordo com o que pesquisava sobre o mercado de trabalho e analisava

    minha nota, cortava mais e mais cursos. No final, pensei que iria cortar tudo, que nada

    daquilo ia se encaixar para mim, mas no era assim. Eu tinha de fazer uma escolha, por

    mais que mudasse de opinio e gosto, se no desse certo eu era livre para voltar atrs e

    comear de novo. Entre as opes de curso disponveis em minha seleo estavam: Letras

    francs, Fsica (licenciatura), Psicologia, Filosofia e Pedagogia.

    J estava ficando muito tarde e o perodo de inscrio estava acabando, e no tinha

    decidido ainda, lembro que brinquei de mame mandou trs vezes. Mame mandou eu

    escolher esse daqui: Pedagogia. Nas trs vezes obtive a mesma resposta! No sei se foi

    infantil da minha parte ou se foi destino, s sei que a escolha deu certo!

    Eu nem lembrava o dia que ia sair o resultado do PAS, nem queria saber, pois tinha

    sado muito arrasada da prova da 3etapa. Tinha certeza que no tinha passado. No dia do

    resultado, fui minha escola na tentativa de consegui uma vaga em um curso tcnico

    gratuito em gesto administrativa. Estava em uma fila enorme na espera de algo incerto,

    mendigando uma vaga como minha me mendigou a minha naquela mesma escola, nem

    imaginava que tinha passado para estudar em uma das melhores Universidades do Brasil.

    Foi quando minha me me ligou e disse: "Minha filha, voc passou na UnB! Voc passou e

    nem viu o resultado, seu pai descobriu quando comprou o Jornal..." - Nossa, de fato eu no

    sabia o que fazer, se gritava, se chorava ou se desmaiava. Eu era uma dos cinco alunos da

    minha escola que tinham passado para estudar na UnB.

  • 15

    Comecei ento a cursar Pedagogia, tinha de ir todos os dias para a UnB, gastava trs

    horas para ir e voltar da UnB. Uma hora e meia para ir e uma hora e meia para voltar. Foi

    bem complicado me acostumar com essa distncia. Antes, gastava 15 minutos para chegar a

    minha escola. Estudar Pedagogia e estar na UnB me fez crescer muito, tive de aprender a

    me virar sozinha em um local desconhecido. Tinha escolhido cursar Pedagogia no noturno,

    pois tive de comear a trabalhar para suprir meus gastos com transporte, alimentao e

    livros (ou melhor, cpias). Fui atrs dos programas de assistncia que a UnB oferece,

    consegui os benefcios e um estgio.

    Iniciei o primeiro emprego no Centro de Seleo e de Promoo de Eventos

    CESPE, trabalhando na central de atendimento respondendo e-mail sobre dvidas dos

    canditatos em relao aos processos seletivos (vestibulares e concursos). Fiquei neste

    trabalho durante oito meses, depois decidi sair e procurar outro emprego, sempre me

    incomodei em fazer a mesma coisa, no queria me acomodar, gosto de provar de tudo um

    pouco e comecei a buscar outros estgios.

    O curso de Pedagogia abriu minha viso de mundo, sobre o que educao. Quando

    ingressei no curso acreditava que deveria aprender a ensinar os outros. Depois compreendi

    que ningum ensina ningum, mas eu posso mediar situaes de aprendizagem para as

    pessoas pensarem por si prprias, ou seja, eu posso mediar o percurso de aprendizagem de

    crianas, jovens, adultos e idosos. Gosto dessa abertura da Pedagogia para fazer as pessoas

    refletirem, assim como fazem a Sociologia, a Filosofia e a Antropologia.

    Com a necessidade de desafiar-me, decidi buscar o estgio em uma escola. Fiquei

    interessada pela sala de aula, com vistas a compreender a realidade e nela interferir de certa

    forma. Afinal, queria saber se tinha jeito (ou dom) para ser professora. Foi quando comecei

    a estagiar no Programa Infanto Juvenil- PIJ, dando aulas de reforo para crianas maiores,

    preparava e aplicava atividades para as crianas menores. Foi uma experincia nica, foi

    um momento mgico perceber como somos capazes de auxiliar de alguma maneira uma

    criana a se desenvolver.

    O campo de trabalho de um pedagogo muito amplo, a Universidade nos mostra os

    diversos caminhos. Por meio de algumas disciplinas que cursei pude perceber o papel do

    pedagogo em empresas, em hospitais, na educao inclusiva, na gesto escolar e em muitas

    outras posies. Com o intuito de conhecer outra possibilidade de trabalho na minha futura

  • 16

    profisso, decidi sair do estgio na escola e procurar o estgio em uma empresa. Comecei a

    trabalhar no Centro Cultural Banco do Brasil - CCBB, na rea administrativa em cursos

    distncia, para capacitar os funcionrios. Bem diferente do ambiente escolar, na empresa eu

    trabalhava com adultos e com muita papelada, nada contra burocracia, mas prefiro as

    brincadeiras das crianas. Passei trs meses no CCBB, uma experincia bem diferente, mas

    no menos importante para mim.

    No inicio do ano de 2010, fui chamada a fazer algumas entrevistas em uma agncia

    bancria. Fiz a entrevista, passei e decidi trabalhar neste banco. Afinal iria ter carteira

    assinada; um bom salrio e tinha alguns benefcios interessantes, como plano de sade e

    outros. Posso dizer com toda sinceridade que esta poca foi uma das mais difceis da minha

    vida, pois trabalhava alm das 6 horas que tinha assinado no contrato, no recebia por elas,

    era subestimada por meus colegas de trabalho, era mal tratada pelos clientes do banco, meu

    chefe me humilhava da pior maneira e, alm disso, no tinha tempo nem tranquilidade para

    me dedicar minha formao acadmica. Foram dois semestres suportando essa situao,

    at que no inicio de 2011 decidi no mais aceitar tal situao, e me dedicar mais e melhor

    ao curso. Em 2011, ltimo ano na UnB, precisava fazer alguns projetos e disciplinas para

    consegui me formar nos quatro anos previstos. Tambm era hora de pensar sobre o tema do

    Trabalho de Concluso de Curso.

    Como sempre gostei de muitas coisas, tive algumas dvidas na escolha de um tema

    para o Trabalho de Concluso de Curso. L estava eu novamente em dvida de qual

    caminho seguir, mas agora era diferente. Eu no era to imatura como quando tinha saido

    do ensino mdio. Tinha amadurecido muito com as vivncias acadmicas. Sabia a diferena

    de gostar de uma coisa e de se ver trabalhando nela. Eu poderia gostar de muitas coisas,

    mas no necessariamente iria trabalhar bem e atuar de forma ativa. Quero que o meu

    trabalho possa contribuir de alguma forma para transformar as pessoas a minha volta e

    quem sabe o mundo.

    Fiz alguns poucos projetos. No Projeto 3 realizei todas as etapas na rea de

    educao matemtica, cuja proposta era desenvolver o ensino de matemtica de forma

    ldica. Foi muito interessante participar deste projeto, mas no consegui identificar-me com

    ele.

  • 17

    J no Projeto 4 ingressei na rea de Filosofia, mas especificamente, no Projeto de

    Filosofia com crianas. Neste projeto, nas duas fases, foi bastante enriquecedor ir para sala

    de aula e perceber como as crianas pensam o mundo e como se sentem atuantes nele.

    Acompanhei no estgio 28 crianas de 4 e 5 anos de idade em uma instituio pblica

    escolar. Trabalhei com essas crianas os temas autonomia e preconceito. Por meio de

    perguntas curiosas das crianas pude compreender muito dos valores que trazem em sua

    bagagem cultural que muitas vezes podem no ser os mais adequados. Tambm, pude

    auxiliar essas crianas a refletirem e mudarem de atitude.

    Entre as disciplinas que mais gostei de cursar durante o curso foi Sociologia da

    Educao, uma vez que estudamos as concepes dos diversos pensadores sobre o

    contexto escolar e as influencias que a famlia e a sociedade em geral exercem sobre a

    educao. Durkheim, Marx, Bourdieu e Gramsci tiveram grande importancia em minha

    formao acadmica. Entre esses tericos, Gramsci foi fundamental para que eu

    compreendesse o sentido da luta hegemnica, na qual estava inserida. Compreendi que

    a monopolizao do saber e da cultura por um grupo economicamente dominante,

    uma questo de luta hegemnica. Passei a compreender que a instituio escolar no

    apenas uma mera reprodutora da ordem vigente, mas tambm um caminho para a

    emancipao de sujeitos histricos. A prtica pedaggica, quando constituda de aes

    alternativas e de espaos democrticos de aprendizagem, resulta em ao contra-

    hegemnica.

    As disciplinas Histria da Educao e Histria da Educao Brasileira

    foram tambm de grande importncia para a minha percepo e anlise da conjuntura da

    realidade educacional brasileira. O conhecimento histrico-dialtico mostrou-me o quo a

    educao brasileira foi e ainda dicotmica: educao para a camada popular e educao

    para a camada dominante. Entendi que o saber e o conhecimento sempre estiveram

    presentes nas relaes de poder existentes entre as classes sociais. O grupo

    economicamente dominante sempre foi privilegiado com melhores condies

    educacionais.

    Sendo eu, oriunda das classes populares, que apesar disso consegui ingressar na

    Universidade Pblica, decidi pesquisar sobre estratgias que famlias e estudantes utilizam

    para alcanar o sucesso escolar, ou seja, o ensino superior pblico, uma vez que essa

  • 18

    temtica tambm faz parte da minha histria, da minha identidade. Entender esse processo

    , tambm, entender como cheguei at aqui. Ou seja, indo contra a mar...

  • 19

    PARTE II

    ESTUDO DE PESQUISA

    O Capital Cultural das famlias e dos alunos das classes populares e

    estratgias de investimento para o sucesso escolar.

  • 20

    INTRODUO

    O presente trabalho de concluso de curso nasceu do seguinte questionamento:

    Como alguns estudantes de camadas populares, com inmeros empeclhos, conseguem

    ingressar em uma Universidade Pblica? Quais estratgias os estudantes e suas famlias

    criam para alcanar tal sucesso escolar? A luz do conceito de capital cultural, do socilogo

    francs Pierre Bourdieu, procurei entender o fenmeno.

    Diante deste questionamento o objetivo geral deste trabalho acadmico identifiar

    como os pais e alunos representam o sucesso escolar, mas especificamente no que diz

    respeito ao ingresso na Universidade Pblica e quais as estratgias de investimento escolar

    desenvolvidos para influenciar nesse sucesso, considerando o capital cultural das famlias e

    alunos das classes populares.

    Os objetivos especificos so:

    Compreender criticamente a questo do ingresso ao ensino superior e sua

    democratizao pelas classes populares.

    Apresentar dados do acesso dos estudantes das classes populares a Universidade

    Publica e em especial a UnB.

    Definir os conceitos de capital cultural, sucesso escolar e classes populares e

    apresentar algumas pesquisas sobre o tema.

    Analisar como o capital cultural das classes populares se relaciona com sucesso

    escolar, enquanto acesso a Universidade Publica.

    Este trabalho acadmico foi elaborado e estruturado em 4 captulos. No primeiro

    captulo apresento uma breve discusso sobre a democratizao do acesso ao ensino

    superior. No segundo captulo abordo os conceito de Capital Cultural e Sucesso escolar. O

    terceiro captulo destinado ao percurso metodolgico da pesquisa. O quarto ltimo

    captulo analisa e interpreta os resultados obtidos referentes s estrategias utilizadas para o

    ingresso no ensino superior pblico.

    Em relao a pesquisa, entrevistamos alunos considerados de baixa renda, de classes

    populares, que ingressaram na Universidade de Braslia e seus pais. Foram ouvidos 3

  • 21

    alunos e 3 pais. Para selecionar os estudantes de classes populares foi utilizados alunos

    classificados como baixa renda 1, classificados pela DDS.

  • 22

    CAPTULO 1

    DEMOCRATIZAO DO ENSINO SUPERIOR E CLASSES POPULARES

    A educao superior tem uma grande importncia para o desenvolvimento da

    sociedade. Segundo Maganhes (2004) este nvel de ensino tem funo primordial de

    produo, preservao e difuso do conhecimento. A Lei de Diretrizes e Bases da Educao

    Nacional- Lei n 9.394 de 20 de dezembro de 1996- LDB/96, no inciso III do artigo 43

    assinala que o papel do ensino superior incentivar o trabalho de pesquisa e investigao

    cientfica, visando o desenvolvimento da cincia e da tecnologia e da criao e difuso da

    cultura e, desse modo, desenvolver o entendimento do homem e do meio em que vive

    (BRASIL, 1996). O inciso IV tambm aponta outro objetivo deste nivel de ensino

    promover a divulgao dos conhecimentos culturais, cientficos e tcnicos que constituem

    patrimnio da humanidade e comunicar o saber atravs do ensino, de publicaes ou de

    outras formas de comunicao (BRASIL, 1996).

    No Brasil o ensino superior est passando por um longo perodo de democratizao,

    porm a Universidade Pblica permanece distante da realidade da maioria dos jovens, ainda

    mais dos que se formam em escola pblica. Para ingressar em uma das universidades

    pblica brasileiras preciso ter concluido o ensino mdio e ter sido aprovado em seu

    respectivo processo seletivo. O vestibular e o PAS (Programa de Avaliao Seriada) so

    exemplos desses processos, que no apenas selecionam os estudantes com melhores notas,

    mas tambm excluem estudantes de classes populares. No se est falando, portanto, de

    minorias, mas de uma grande maioria excluda do sistema de ensino superior brasileiro,

    sobretudo se considerarmos que na faixa etria de 18 a 24 anos apenas 9% frequenta esse

    nvel de ensino, um dos percentuais mais baixos do mundo, mesmo entre os pases da

    Amrica Latina. (ZAGO, 2006, p. 227)

    Sabemos muito bem as dificuldades dos estudantes oriundos de classes populares,

    na tentativa de ingressar na universidade pblica. As dificuldades mais fortes so: Uma

    formao bsica cheia de lacunas, a necessidade de trabalhar para ajudar na renda familiar e

    as escolas pblicas no preparam para o ingresso no nivel superior. So poucos os

    estudantes, alunos de escolas pblicas, que conseguem ingressar em uma universidade

  • 23

    pblica, pois o vestibular altamente competitivo e a demanda, cantidato/vaga, vem se

    ampliando ao longo dos anos. Ou seja, somente os estudantes que foram bem adestrados,

    preparados, para enfrentar esses processos seletivos conseguem ingressar em uma

    universidade pblica de qualidade.

    Estes estudantes de baixo poder aquisitivo escolhem cursos menos concorridos, pois

    h maiores chances de aprovao. Porm uma escolha no realizada por eles prprios,

    mas sim pelas condies em que se encontram. Condies possveis que determinam o

    caminho que devem seguir: Quanto mais importantes os recursos (econmicos e

    simblicos) dos pais, mais os filhos tero chances de acesso ao ensino superior e em cursos

    mais seletivos, mais orientados para diplomas prestigiosos e empregos com melhor

    remunerao (GRIGNON & GRUEL, 1999, p. 183)

    Estudo recente do Observatrio Universitrio da Universidade Cndido Mendes

    revela que 25% dos potenciais alunos universitrios so to carentes que no tm

    condies de entrar no ensino superior, mesmo se ele for gratuito (PACHECO &

    RISTOFF, 2004, p. 9). Podemos perceber certa tentativa de democratizao do ensino

    superior, por meio do programa Universidade para Todos (ProUni), que busca remediar

    essa situao, mas seu alcance limitado e o ensino superior pblico ainda esta distante da

    maioria dos jovens. Parece-nos que a democratizao do acesso pode ocorrer pela via

    privada, assim o governo retira sua responsabilidade de garantir o acesso a todos

    estudantes que desejarem o ensino superior pblico. Segundo Rawls (2003, p.62) a

    sociedade tambm tem de estabelecer, entre outras coisas, oportunidades iguais de

    educao para todos, independente de renda familias.

    O vestibular comeou a ser utilizado no Brasil no incio do sculo XX e ainda a

    principal forma que as instituies de ensino superior selecionam seus alunos. As formas

    brasileiras de acesso ao ensino superior, tendo por base exames vestibulares, selecionam

    apenas os melhores alunos, para que esses tenham oportunidade ao ensino superior. O

    fato que o ensino superior pblico no tem vagas para todos os estudantes, sendo assim,

    ele utiliza de um processo de seleo, para limitar o ingresso: Qualquer processo seletivo

    nico ser decerto injusto para alguns alunos; tambm ser injusto para os jovens que

    pararam de estudar para trabalhar. Assim, deve haver normas de reavaliao e, o que mais

  • 24

    importante, de ingresso tanto lateral quanto vertical nas escolas especializadas.

    (WALZER, 2003, p. 287)

    Rubem Alves comenta ironicamente sobre o vestibular:

    [...] os vestibulares so inteis. Os supostos saberes exigidos para os exames

    esto condenados ao esquecimento. Eu no passaria nos vestibulares, nossos

    reitores no passariam nos vestibulares, os professores de cursinho no passariam

    nos vestibulares. Mas que processo substituiria os vestibulares? Minha sugesto:

    um sorteio [...] (ALVES, 2005)

    Claudio de Moura Castro destaca que [...] so aprovados para os cursos mais

    cobiados os alunos que frequentaram por longo tempo as escolas que so melhores e que

    exigem continuado esforo do aluno durante todo o tempo e no, apenas, no ltimo ano.

    (CASTRO, 1982, p. 18). Ento, alunos estudantes de escolas pblicas e que trabalham tm

    bem menos possibilidades de ingresso em uma Universidade pblica. Mas o que dizer dos

    alunos, que apesar dos pesares, conseguiram o sucesso escolar ingressando no ensino

    pblico?

    um mito acreditar que todos os estudantes tm a mesma chance em um exame.

    Basta analisar os aspectos socioeconomicos para entender o quanto desleal a concorrncia

    do vestibular. Outro ponto negativo dos exames o fato de condionarem a avaliao,

    resumindo-a em testes.

    O vestibular passou a se caracterizar como um indicativo de sucesso e fracasso para

    as instituies educativas de Ensino Mdio. Onde os pais procuram matricular os filhos em

    escolas de ensino fundamental e mdio que preparem os alunos para o vestibular.

    Setton (1999) realizou um estudo sobre a hierarquizao no interior dos cursos de

    humanidades da Universidade de So Paulo (USP). A partir da anlise do perfil dos

    estudantes Setton classificou as carreiras universitrias de humanas em trs grupos: Cursos

    Seletos (Direito, Administrao, Arquitetura, Economia, etc.), Cursos intermedirios e

    Cursos populares (Artes, Filosofia, Histria, Letras e principalmente, Pedagogia e

    Biblioteconomia) (SETTON, 1999, p. 467 e 468). Os Cursos seletos tm alta demanda e

    cogitam ganhos bons no futuro, j os Cursos populares oferecem baixas expectativas de

    profissionalizao, visto que so carreiras consideradas pouco valorizadas.

    A probabilidade de um vestibulando escolher um determinado curso se d

    essencialmente em funo de trs fatores: de desempenho acadmico; o tempo de

    que disponha para se dedicar aos estudos; o tempo de estudo exigido para

    completar o curso com xito. (PAULO; SILVA, 1998, p.117)

  • 25

    Para Claudio de Moura Castro:

    nas reas desejadas [...] que estaro os ricos, ficando os pobres com pedagogia,

    matemtica, letras, geografia, etc.

    [...] H uma minoria de candidatos de nvel socioeconmico muito baixo que

    consegue passar no vestibular com notas que permitiriam frequentar os cursos

    mais competitivos [...] No entanto, os cursos mais competitivos so cursos que

    exigem tempo integral e mais muito tempo para estudar alm dos horrios das

    aulas. Por estas razes, estes jovens tm de abrir mo destes cursos por

    necessitarem trabalhar para se sustentar. (CASTRO, 2001, p. 113 e 114)

  • 26

    CAPTULO 2

    CONCEITUANDO CAPITAL CULTURAL E SUCESSO ESCOLAR

    2.1- Capital cultural

    No presente captulo, procuro me apropriar dos conceitos de capital cultural e

    sucesso escolar para poder assim analisar as estratgias de investimento escolar dos alunos

    e familias das classes populares estudados em questo. Tambm trago algumas pesquisas e

    estudos relevantes a cerca do tema.

    O termo Capital Cultural, neste texto, apoiado na metfora criada pelo socilogo

    francs Pierre Bourdieu (1999), um novo recurso social, uma nova moeda. So

    estratgias, valores, e disposies promovidos pela famlia, pela escola, pela mdia e por

    outros agentes ligados a educao. Este capital uma herana familiar cultural, porm em

    constante construo e possui a capacidade de se transformar em outros capitais. No

    pertence ao individuo, mas caracteriza-o e habilita-o a tomada de decises.

    O capital cultural um conjunto de recursos atuais ou potenciais que esto

    ligados posse de uma rede durvel de relaes mais ou menos

    institucionalizadas de interconhecimento e de interreconhecimento ou, em outros

    termos, vinculao a um grupo, como conjunto de agentes que no somente so

    dotados de propriedades comuns (passveis de serem percebidas pelo observador,

    pelos outros ou por eles mesmos), mas tambm so unidos por ligaes

    permanentes e teis. (BOURDIEU, 1998, p. 28)

    Bourdieu (1999) quebra o paradigma que a escola um local onde o conhecimento

    transmitido de forma democrtica, ou seja, igualitria, afirma ele que a explicao para os

    diferentes resultados escolares dos diferentes grupos sociais se d pela distribuio desigual

    de capital cultural: "O rendimento escolar da ao escolar depende do capital cultural

    previamente investido pela famlia" (BOURDIEU, 1998 p. 74). A cultura passa a ser um

    eficiente instrumento de dominao e segregao, onde o ambiente escolar tem o papel de

    cobrar o capital cultural da classe dominante excluindo o de outras classes. Bourdieu

    denominou esse fenmeno de arbitrrio cultural dominante.

    Segundo Bourdieu (1999) o capital cultural pode existir em trs formas: O estado

    incorporado, o estado objetivado e o estado institucionalizado. No estado incorporado, a

    assimilao e incorporao do capital cultural em um determinado sistema necessitam de

    tempo e somente pode ocorrer de forma pessoal, no podendo ser algo externo. No estado

  • 27

    objetivado, o capital cultural se d na aquisio de bens culturais, como livros, esculturas e

    pinturas. transfervel em sua materialidade e indispensvel a posse do capital cultural

    incorporado atravs do capital econmico. No capital institucionalizado sua concretizao

    acontece na propriedade cultural dos diplomas e sua aquisio. Com o diploma, essa

    certido de competncia cultural que confere ao seu portador um valor convencional,

    constante e juridicamente garantido no que diz respeito cultura, a alquimia social produz

    uma forma de capital cultural que tem uma autonomia relativa em relao ao seu portador

    e, at mesmo em relao ao capital cultural que ele possui, efetivamente, em um dado

    momento histrico. (BOURDIEU, 1999, p. 72).

    Bourdieu (1990) faz uma leitura de mundo buscando relacionar a objetividade da

    sociedade com a subjetividade dos individuos e grupos sociais. "... repudiamos o sujeito

    universal (...). Os agentes certamente tm uma apreenso ativa do mundo. Certamente

    constroem sua viso de mundo. Mas essa construo operada sob coaes estruturais"

    (BOURDIEU, 1990, p. 157).

    Setton (2005) amplia o conceito de capital cultural criado por Bourdieu (1999). Ela

    analisa o capital cultural dos segmentos populares, observando suas singularidades

    culturais, moral e tica e como as classes populares utilizam suas experincias como poder

    cultural.

    Um conhecimento, um capital no escolar, um recurso mais amplo, pulverizado,

    heterogneo, no obstante, um recurso que predispe e potencializa o indivduo a

    enfrentar novos desa-fios e a vencer os limites de uma experincia estreita

    relativa a um universo familiar e escolar. possvel assim pensar um capital

    cultural com outra significao, um capital cultural dos desfavorecidos

    apreendido informalmente em heterogneas experincias, em vrios espaos do

    convvio social, notadamente no contato com informaes disponibilizadas pelos

    meios de comunicao de massa (SETTON, 2005, p. 97).

    Maria Graa Jacinto Setton doutora em sociologia pela Faculdade de Filosofia,

    Letras e Cincias Humanas (FFLCH) da Universidade de So Paulo (USP) e tambm

    professora de sociologia da Faculdade de Educao da mesma instituio. Investigou

    familias e estratgias educativas que reforaram trajetrias de xito acadmico entre alunos

    de segmentos de baixa escolaridade. Realizou um estudo qualitativo sobre alunos de origem

    popular que ingressaram nos cursos considerados de elite, ou seja, com elevados ndices de

    concorrncia, da Universidade de So Paulo. Setton (2005) entrevistou dez alunos e

    algumas mes destes. Uma grande parte dos alunos entrevistados fizeram cursinhos para o

  • 28

    vestibular, no entanto seus percursos de sucesso foram problemticos. Setton recorre a

    Pierre Bourdieu para explicar os diferentes resultados de sua pesquisa, concluindo assim

    que alguns alunos possuidores de capital cultural teriam mais elementos para obter o

    sucesso acadmico, contudo esse capital cultural pode proceder de investimentos culturais

    diversos. Destaca a cultura geral, entendida neste contexto no somente como cultura

    escrita, mas tambm como uma cultura visual, falada e vivenciada. O capital cultural

    conpreendido por Setton (2005) como um elemento de diferenciao social e em constante

    construo.

    Pude perceber que so muitas as pesquisas bibliograficas referentes ao fracasso

    escolar e suas inmeras razes. J as pesquisas sobre o sucesso escolar no so to

    frequentes, parece mais fcil mostrar o fracasso das crianas de classes populares do que

    buscar as explicaes dos sucessos destas crianas. "se, afinal, fcil mostrar porque no

    to surpreendente que as crianas de meios populares fracassem, ficamos sem explicao

    diante daquelas que obtm sucesso" (CHARLOT, 1996, p. 48).

    Somente a partir da dcada de 1990 que comeou a surgir no Brasil pesquisas sobre

    o sucesso escolar de alunos oriundos das classes populares, estas pesquisas investigam os

    aspectos que influenciam os jovens no ingresso em universidades pblicas. Pesquisas de

    Setton (1990), Viana (2000) e Pontes (2000) mostram a necessidade de aprofundamento

    sobre o sucesso escolar.

    No exterior, na Frana, Lahire (1997) pesquisou o sucesso nos meios populares: as

    razes do improvvel. Segundo Lahire esse fato uma exceo a regra visto que o

    socilogo tende a se limitar as regularidades. Devendo questionar quais as diferenas,

    dentro desse grupo social, ou seja, diferenas internas justificam os diferentes resultados

    escolares. Lahire (1997) investigou as relaes entre as posies escolares de 26 crianas,

    provenientes de camadas populares, da 2 srie do Ensino fundamental, na Frana. Entre os

    casos estudados por Lahire haviam casos de alunos com fracasso previsvel, ou seja, alunos

    com realidades escolares difceis, cujo os pais possuiam baixa escolaridade, profisses

    no-qualificadas, o que caracteriza de certa forma um baixo capital cultural. Passando por

    casos de fracassos improvveis, ou seja, crianas que apesar de viver em condies

    favorveis escolarizao, pais com maior nivel de escolarizao, no estavam obtendo um

    desempenho bom. Deparou-se tambm com casos de sucesso escolar de alunos sujeitos a

  • 29

    condies dificeis. Lahire (1997) conclui em sua pesquisa que so as caractersticas da

    organizao familiar que levam as trajetrias escolares bem sucedidas e na falta de capital

    cultural. A existencia desse capital cultural no suficiente para garantir sucesso escolar,

    preciso que esse capital esteja disponvel, que possibilite situaes para que este possa ser

    passado. Foi observado neste estudo que alguns pais a partir de um pequeno capital

    cultural, cuidam muito bem da escolarizao dos filhos impondo regras de convivncia, no

    por meio de agresso ou gritos.

    Lahire (1997) focalizou seu estudo nas relaes familiares das camadas populares

    com a situao do sucesso escolar e fracasso escolar, mesmo assim destaca a carncia da

    escola nesse processo. Porm Lahire (1997) afirma que a omisso parental um mito,

    dizendo:

    O discurso sobre a omisso dos pais so emitidos pelos professores principalmente quando os pais esto ausentes do espao escolar. Eles no so

    vistos, e essa invisibilidade imediatamente interpretada- principalmente quando a criana est com dificuldade escolar- como uma indiferena com

    relao a assuntos de escola em geral e da escolaridade da criana em particular.

    Alguns professores at parecem pensar que a ausncia de relaes, a ausncia de

    contatos com algumas famlias (populares, claro), explicaria o fracasso escolar das crianas. (LAHIRE, 1997, p.334)

    A ausncia dos pais no ambiente escolar no explica nem justifica o fracasso escolar

    de algumas crianas. Nenhum elemento pode ganhar status de causa para o fracasso ou

    sucesso escolar. uma combinao de caractersticas da configurao familiar que permite

    compreender esse processo. No somente a escola que fornece capital cultural, mas

    tambm toda configurao familiar do sujeito: E, se considerarmos que a simples

    participao dos pais na vida escolar poderia modificar as coisas em relao aos

    desempenhos das crianas, estariamos postulando, com isso, uma hiptese que se revelaria-

    em vista dos resultados de nossas anlises- como totalmente ingnua e superficial.

    (LAHIRE, 1997, p.337)

    Bernard Charlot (1996) questiona o porqu to facil explicar o fracasso escolar de

    alunos das classes populares, do que o sucesso destes alunos. Desenvolveu, assim, um

    estudo para repensar o modo como se abordava o fracasso escolar, identificando tambm os

    processos que estruturam a histria dos jovens nas escolas. O objetivo de seu estudo era

    investigar qual significado a escola, o estudar e o aprender tm para o aluno. Sua pesquisa

    aconteceu em uma escola da periferia com alunos de baixa renda e em uma segunda escola

  • 30

    de alunos oriundos de famlias bem favorecidas. Utilizou como instrumento de pesquisa

    inventrios do saber e entrevistas semi estruturadas. Na primeira escola recolheu 162

    inventrios do saber, na segunda escola foram recolhidos 170 e foram realizadas 31

    entrevistas, das classes de 5 8 sries. Charlot (1996) conclui em sua pesquisa que em

    uma grande parte de alunos oriundos de familias de baixa renda, a relao que tinham com

    o ambiente escolar no era relacionada ao saber, ou seja, eles vo escola para

    sobreviverem o mximo dela, para assim terem uma boa profisso e um futuro promissor

    aquilo que se tenta ensinar-lhes na escola no faz sentido em si mesmo, mas somente para

    um futuro distante (CHARLOT, 1996, p.56). J na segunda escola analisada, onde atende

    alunos de famlias mais favorecidas, a relao da escola com o saber existe, sendo at o

    saber responsvel pela escolha da profisso. A relao com o saber considerada

    importante, mesmo no sendo, de certa forma, til. Charlot (1996) enfatiza que no em

    termos de capital cultural que se deve refletir a histria socio culturais dos jovens de

    familias populares, mas sim em termos de disposio de mobilizao em relao escola e

    o estudar.

    Este instrumento foi criado pela equipe e pode ser comparado a um check-up de sade. Eles eram

    produzidos em classe a pedido de um professor. Indagava-se do aluno o que ele tinha aprendido em casa, na

    cidade, na escola e em outros lugares; o que para ele era importante em tudo isso e o que esperava. Os textos

    assumiam diversas formas e tamanhos e atingiam o objetivo que era clarificar a relao com o saber, da qual o

    aluno portador quando est na escola.

  • 31

    2.1-1. O sucesso e o fracasso escolar

    Compreender como acontece o sucesso escolar de alunos das classes populares nos

    leva a refletir sobre o que considerado sucesso escolar nesse estudo. Busco ento, no

    somente, definir o termo sucesso escolar, mas principalmente question-lo.

    O sucesso escolar est ligado qualidade da educao proporcionada, que reflete no

    percurso dos alunos na escola e no que diz respeito aquisio de conhecimentos, valores,

    habilidades, atitudes e hbitos. A ideia de sucesso escolar atualmente relacionada ao

    desempenho dos alunos, pois alunos com sucesso escolar so considerados os que

    satisfazem as normas e exigncias escolares, como por exemplo, alunos que tiram boas

    notas em testes. Quanto ao fracasso escolar compreendido por Glria (2002), quando o

    aluno fracassa e no consegue cumprir as exigncias escolares. Porm segundo Charlot

    (1996), no existem alunos fracassados, existem situaes de fracasso escolar, melhor

    dizendo, percursos escolares que terminaram mal. Segundo Lahire (1997, p.54):

    No papel do socilogo dizer o que fracasso e o que sucesso escolar. Estas palavras so categorias, primeiro antes de tudo, produzidas pela prpria

    instituio escolar. O socilogo que interviesse das discusses para a definio do

    sentido dessas palavras estaria entrando em uma competio semntica (como um

    professor ou um superprofessor), dando a ltima palavra. Ao contrrio, deve constatar e analisar as variaes histricas e sociais destas noes um tanto vaga.

    Perrenoud (2003) afirma que com o desenvolvimento de avaliaes internacionais e

    padres nacionais levam a uma dupla definio de sucesso escolar. A definio mais

    comum ligada ao desempenho dos alunos, onde tm xito os alunos que atendem normas

    e exigncias escolares e avanam nos cursos. A outra definio leva em considerao o que

    pode ser medido por testes padronizados. Neste caso o cognitivo mais enfatizado, e o

    sucesso escolar acaba remetendo ao sucesso de um estabelecimento, de uma instituio.

    Perrenoud (2003) relata que estas duas definies entram em conflito visto que o sucesso

    de uma escola no pode ser coligado soma dos xitos individuais dos alunos. Todos os

    alunos devem alcanar um nivel aceitvel, e no compensar os fracassos individuais com o

    sucesso de uma grande maioria. Este mtodo avaliativo compreende o conhecimento

    escolar como aquisies cognitivas e tcnicas. A partir dessa viso o sucesso escolar e o

    fracasso no so caracteristicas prprias dos estudantes, mas um resultado do julgamento

  • 32

    feito pelos agentes de ensino, sobre como esse aluno se posiciona em relao s normas

    escolares.

    xito e fracasso escolares no so conceitos cientificos. So noes utilizadas pelos agentes, alunos, pais, profissionais da escola. Ora, eles nem sempre esto de

    acordo entre si: a noo de xito extremamente polissmica; em inmeras

    situaes concretas, a definio do exito ou o verdadeiro exito um problematica

    muito importante e os agentes em questo confrontam-se sobre o sentido e a

    realidade do exito ou do fracasso. (PERRENOUD, 1999, p. 39)

    Perrenoud (2003) defende que o verdadeiro sucesso escolar esta longe de ser

    medido por provas padronizadas e que o programa curricular que deve esclarecer as normas

    de excelncia escolar que definem sucesso escolar. Por fim, Perrenoud (2003) destaca que a

    questo poltica fundamental democratizar o ensino e o problema terico explicar as

    desigualdades de sucesso escolar.

    Com relao ao fracasso escolar, uma pesquisa publicada em 1983, Patto (1999) faz

    uma retrospectiva na educao brasileira buscando aspectos que levem a compreenso do

    fracasso escolar. Uma das teorias que justificam, de certa forma, o fracasso escolar

    teoria da carncia cultural, que para Patto ... a pobreza ambiental nas classes baixas produz

    deficincias no desenvolvimento psicolgico infantil que seria a causa de suas dificuldades

    de aprendizagem e de adapatao escolar (PATTO, 1997, p. 124). Essa teoria esconde os

    preconceitos a respeito da incapacidade e inferioridade cultural das crianas oriundas das

    camadas populares, justificando, assim, o fracasso escolar destas.

    O fracasso escolar, inicialmente foi considerado culpa do aluno. H estudos que

    culpabilizam o nivel cultural dos alunos e famlias e h tambm estudos que relacionam a

    responsabilidade do fracasso escolar com a escola, sendo esta um instrumento de

    reproduo das desigualdades socioeconmicas. Brando defende que o fracasso escolar

    no se deve tanto ao mtodo, mas muito mais ao fato de formas e contedos, na escola,

    estarem distantes da criana concreta com a qual a professora se depara (BRANDO,

    1983, p.50).

    Os currculos escolares so planejados partindo do pressuposto de que a criana j

    domina certos conceitos elementares, que so pr- requisitos para a aprendizagem.

    Isso pode ser verdadeiro para aquela que, na famlia, aprendeu esses conceitos; mas

    no para as que vivem em ambientes culturalmente pobres quanto a contedos

    que so tpicos das classes economicamente favorecidas, embora ricos em aspectos

    que a escola no costuma valorizar. (PATTO, 1999, p. 121)

    A Conferncia Nacional de Educao, CONAE, realizada em 2010, destaca em seu

    documento base a ampliao da concepo sobre o sucesso escolar:

  • 33

    importante observar, tambm, que a concepo de sucesso escolar de uma

    proposta democrtica de educao no se limita ao desempenho do/da aluno/a.

    Antes, significa a garantia do direito educao, que implica, entre outras coisas,

    uma trajetria escolar sem interrupes, o respeito ao desenvolvimento humano,

    diversidade e ao conhecimento. Alm disso, implica a consolidao de condies

    dignas de trabalho, formao e valorizao dos/as profissionais da educao e a

    construo de Projeto Poltico-Pedaggico (PPP) e Projeto de Desenvolvimento

    Institucional (PDI) articulados com a comunidade e demandas dos movimentos

    sociais. Significa, tambm, reconhecer o peso das desigualdades sociais nos

    processos de acesso e permanncia educao e a necessidade da construo de

    polticas e prticas de superao desse quadro. (CONAE, Documento base

    Volume II, 2010, p. 39)

    Outro documento que tambm aponta consideraes importantes sobre o sucesso e

    fracasso escolar o Seminrio Internacional: Construindo Caminhos para o Sucesso

    escolar, (INEP, UNESCO, CONSED e UNDIME, 2008,). Os contedos dos textos dessa

    coletnea mostram estudos sobre a opnio de pais, alunos e professores com relao ao

    sucesso escolar e ao fracasso escolar.

    Construindo o sucesso: aprofundando essa caracterizao, que aes os

    educadores, alunos e pais apontam como favorveis ao sucesso? O consenso de

    todos girou em torno do amor ao magistrio, do conhecimento da vida dos alunos

    e da sua pessoa como um todo, da aproximao da cultura e realidade do aluno e

    da repetio dos docentes quantas vezes for preciso, corrigindo at o discente

    aprender. Lazer, artes, atividades culturais e esportivas e excurses so outros

    denominadores comuns. Alm desses, so consensuais a nfase aos aspectos

    ldicos da educao, a proximidade professor-aluno e o uso de quadras

    esportivas, biblioteca e computadores para tornar a escola mais atrativa. A

    atratividade da escola palavra-chave nos novos tempos.

    Construindo o fracasso: quanto s aes condicentes ao fracasso, o consenso foi

    menos amplo: no aproveitar a bagagem do aluno, a desvalorizao do magistrio

    e o despreparo deste para a nova mentalidade das crianas. Afora isso, os pais

    assinalaram o absentesmo docente, as turmas superlotadas e o desinteresse pelos

    alunos. Ainda para os pais, so fatores negativos os educadores no gostarem do

    aluno, castigarem-no fsica ou simbolicamente, ignorar violncias e trabalhar s

    por dinheiro. Os educadores apontaram o seu prprio despreparo, o mau humor, a

    falta de alegria e a separao das turmas por aproveitamento, entre outras aes.

    (INEP, UNESCO, CONSED e UNDIME, 2008, p. 58)

  • 34

    CAPTULO 3

    METODOLOGIA

    Este trabalho pretende compreender a importncia do capital cultural e das

    estratgias de investivemento escolar dos estudantes e famlias de classses populares, a

    partir da anlise das experincias escolares e culturais de trs estudantes, de diferentes

    cursos da UnB, e suas famlias considerados de baixa renda.

    Este captulo pretende descrever o processo metodolgico utilizado na realizao

    desta pesquisa. Com base no problema de pesquisa apresentado, optou-se pela abordagem

    qualitativa. A pesquisa qualitativa valoriza a descrio e a explicao dos fenmenos

    observados. Onde o pesquisador procura entender os fenmenos, segundo a viso de mundo

    dos participantes estudados, a partir da surge a sua interpretao do fenmeno estudado.

    Segundo Gil (1994, p.42) o objetivo fundamental da pesquisa descobrir respostas para

    problemas, mediante o emprego de procedimentos cientficos. A pesquisa qualitativa

    tambm uma oportunidade de construo-interativa de conhecimento (REY, 2002), pois

    as informaes colhidas no so meros dados neutros ou at mesmo previsveis, mas sim

    situaes cheias de significados, tanto para o pesquisador quanto para o entrevistado. Reis

    afirma: no se descobre s o que se busca, pois surgem elementos que, sem terem sido

    definidos pelo pesquisador, se convertem em opes de peso terico, que podem ser

    relevantes para o processo de construo do conhecimento. (REY, 2002, p. 87)

    Esta pesquisa destinou-se a investigar qual a relao do capital cultural dos alunos e

    suas famlias com o sucesso escolar.

    Para coleta de dados foi utilizada a entrevista semi-estruturada, esta parte de certos

    questionamentos bsicos, apoiados em teorias e hipteses que interessam pesquisa, que

    em seguida, oferecem amplo campo de interrogativas, fruto de novas hipteses que vo

    surgindo medida que se recebem as respostas do informante" (TRIVINOS, 1990, p.146).

    Com base nesta definio, percebemos que alguns questionamentos da pesquisa so

    construdos ao decorrer da entrevista, de acordo com o engajamento da conversa.

  • 35

    O mtodo utilizado nesta pesquisa a analise de contedos. Segundo LAKATOS &

    MARCONI (1999) a anlise de contedo uma tcnica de pesquisa para a descrio

    objetiva, sistemtica, e quantitativa do contedo evidente da comunicao.

    Os sujeitos da pesquisa consistem na amostra de 3 alunos e seus respectivos pais, ou

    responsveis, estudantes de graduao da Universidade de Braslia, considerados pela DDS

    (Diretoria de Desenvolvimento Social) na condio de baixa renda. Foram escolhidos pela

    disponibilidade em participarem da pesquisa. Em relao ao perfil dos estudantes dois so

    do sexo masculino e uma do sexo feminino.

  • 36

    CAPTULO 4

    APRESENTAO E ANLISE DOS DADOS

    Neste captulo ser feito uma interpretao dos dados e situaes vivenciadas no

    decorrer de nossa pesquisa emprica. Todos os participantes das entrevistas foram

    esclarecidos que os dados construdos foram utilizados apenas para efeito deste estudo e

    assim preservamos a identidade dos participantes utilizando nomes fictcios.

    As breves entrevistas foram realizadas mediante um roteiro sucinto (ver apndice)

    foram realizadas em conjunto, estudante e respectivo responsvel: pai ou me. As

    entrevistas foram realizadas na casa dos participantes e agendadas com antecedncia. Para

    registrar os dados fielmente utilizei um gravador.

    1Entrevistado: Pedro

    A primeira entrevista foi realizada com Pedro e sua me Neuza (nomes falsos). No

    dia da entrevista fui recebida cordialmente por Pedro na entrada de sua casa, sua me no

    estava no momento. Ento comecei a entrevista somente com ele. Pedro mora em

    Ceilndia, estudante de Engenharia Florestal da Universidade de Braslia, tem 20 anos e

    est no 7 semestre. Sobre sua trajetria escolar relata o seguinte: Foi bastante tranquila.

    Apresentei algumas dificuldades principalmente nas matrias de lnguas em geral, porm,

    sem nenhuma repetncia ao longo da vida escolar. De modo geral era um aluno mediano,

    com dificuldades e limitaes, mas disposto a superar.

    Questionado sobre a escola pblica ele relata que sempre estudou em instituio

    pblica e que este ensino no prepara os alunos pra ingressar na universidade. Pedro conta

    que fez cursinho 6 meses para prestar o vestibular. Relata a importncia da leitura em seu

    percurso: Leio com frequncia, os contedos virtuais acesso com maior frequncia,

    principalmente jornais e blogs. No meio impresso leio bastantes livros, quadrinhos, fora os

    livros tcnicos.

    Estudou lngua inglesa no CILC (Centro interescolar de linguas de Ceilndia) 6

    anos e no momento cursa espanhol no mesmo local. Fez curso tcnico de informtica no

    SENAI, como menor aprendiz. Em relao ao lazer diz que no costuma ir com frequncia

  • 37

    devido ao alto custo e dificuldade de locomoo. Grande parte dos centros culturais esto

    localizados longe das regies administrativa do DF. Analisando esta fala de Pedro,

    podemos perceber que os centros culturais esto, na maioria das vezes, distantes das

    classes mais baixas, dificultando a apropriao destes. Pedro afirma: Me sinto prejudicado

    por morar longe. Muitos eventos interessantes acontecem noite no centro de Braslia, no

    qual no posso ir.

    Sobre seu mrito de ingresso na Universidade, Pedro destava a dedicao,

    persistncia e apoio dos familiares. Relata: Eu escolhi o curso que queria mesmo e meus

    pais me apoiaram bastante. Sobre o apoio dos familiares, Pedro relata que seus pais se

    preocupam muito com seu futuro. Apesar da ausncia deles em minha formao bsica,

    eles foram importantes pelo fato de sempre apoiarem nas minhas decises e no impor

    barreiras.

    Com relao ao tempo dedicado aos estudos Pedro conta: Dedico por volta de 3 a 4

    horas dirias, porm considero um tempo pequeno, mas difcil de ser ampliado devido

    dura jornada universidade/casa. Prximo s provas aumento o tempo de estudo da matria,

    para tentar conseguir absorver o mximo possvel. J em trabalhos em grupo tento sempre

    ajudar ao mximo auxiliando em todas as tarefas.

    Aps quarenta minutos de conversa com Pedro a Senhora Neuza, sua me, chega a

    casa, me cumprimenta gentilmente e logo prepara caf e biscoitos para nos servir. Neuza

    tem 45 anos, dona de casa. Seu Manoel, pai de Pedro, tem 47 anos e trabalha como

    motorista particular. A nica renda mensal da famlia a de Manuel que no passa de dois

    salrios mnimos. Porm essa configurao famliar composta apenas por trs pessoas,

    sendo Pedro, o filho nico. Quando pergunto a Neuza o porqu no teve mais filhos, ela

    responde sorrindo: Criar um filho hoje em dia j complicado imagine dois, trs... Esta

    fala de Neuza mostra sua preocupao em criar seu filho, e que o fato de ter s um filho foi

    uma escolha sua consciente de suas condies em cri-lo.

    A respeito de sua trajetria escolar, Neuza conta: Ah, eu nunca me dei bem na

    escola, tinha que trabalhar na roa para ajudar em casa. Quando ia para escola no

    conseguia me concentrar, s estudei at o segundo ano do ensino fundamental... Conta que

    no sabe ler nem escrever, quem resolve as coisas aqui em casa meu marido. Ele

    tambm no tem estudo, mas mais esperto. Seu Manoel estudou at o 5 ano do ensino

  • 38

    fundamental, Pedro conta que seu pai bastante inteligente: Meu pai se vira, consegue ler

    e faz contas como se fosse uma calculadora, tudo de cabea.

    Em relao ao incentivo aos estudos a me de Pedro s comeou a se preocupar

    com a educao do filho no ensino mdio. Quando ele tava na escolinha no me

    preocupava com seu futuro, mas quando ele foi crescendo e se transformando em homem

    eu tive que coloc-lo pra estudar. muito importante ter estudo hoje em dia. Se no, ele vai

    fazer o qu da vida dele? Ele s tem a gente. Se eu e meu esposo morrer, ele vai ficar

    sozinho no mundo e sem condies de se sustentar. Analisando a fala da Senhora Neuza,

    percebemos o quanto ela se preocupa com o futuro do filho e o que transmite a ele. Damo-

    nos conta, ao mesmo tempo, de que aquilo que se transmite de uma gerao a outra

    muito mais que um capital cultural. um conjunto feito de relaes com a escola e a

    escrita, de angstias e de vergonhas, de reticncias e rejeies, de sistema de defesa diante

    de julgamentos externos, de relaes com a autoridade e com o tempo...(LAHIRE, 1997,

    p. 154).

    A me de Pedro fornece um fraco investimento escolar, apesar de reconhecer a

    importncia do diploma, no possui prticas efetivas. o senhor Manoel que carrega e

    principalmente transmite o capital cultural. A situao do portador do poder cultural

    favorvel, pois ele encontra meios, situao e tempo, para ser propagado.

    2 Entrevistada: Ana

    Nossa segunda entrevistada Ana, estudante do curso de Pedagogia da

    Universidade de Braslia, mora em Taguatinga, ela tem 25 anos e est no 5 semestre. A

    entrevista foi realizada em sua casa. Reunirmos na sala e comeamos a entrevista com Ana

    e sua me, Eliza. Ana conta que sempre estudou em escola pblica, que era uma aluna

    mediana, nunca reprovei, mas sempre ficava de recuperao em Matemtica. Minhas notas

    eram mdias. Diz ela. Destaca que o ensino pblico no ajudou no seu ingresso na

    Universidade. A estrutura da escola era precria e no tinha professores...Se o ensino

    pblico fosse de qualidade eu estaria fazendo o curso que realmente desejo. Ao tocar neste

    assunto Ana parece decepcionada com o rumo de sua escolarizao, seu sonho era cursar

    Direito. Justifica a escolha de seu curso com o seguinte relato: Fui obrigada a escolher um

    curso menos concorrido para conseguir entrar na UnB e fazer um curso superior, no tinha

  • 39

    condies (e ainda no tenho) de concorrer com estudantes do ensino particular. Eu

    tambm tenho que trabalhar, como iria me dedicar para o Direito? Este relato de Ana

    deixa claro que os alunos oriundos de classes populares, at conseguem ingressar na

    universidade pblica, s que em cursos menos concorridos. Como aborda Setton (1999) o

    curso de Ana esta enquadrado nos cursos populares, onde oferecem baixas expectativas

    profissionais. Percebemos neste momento a dificuldade de mobilidade social visto que os

    cursos que possibilitam maior prestgio social e maior retorno financeiro, como por

    exemplo: Medicina, Direito e Engenharia, so cursos que exigem uma dedicao integral,

    que muitos alunos de classes populares no podem fornecer.

    Ana trabalha durante o dia como vendedora em um Shopping e a noite cursa

    Pedagogia. Para ingressar na UnB, fez um cursinho preparatrio de seis meses, no tem

    curso de lnguas e nem de informtica.

    A senhora Eliza, sua me, tem 53 anos, trabalha como secretria em uma clnica

    mdica. Tem o ensino mdio completo. O pai de Eliza separado de sua me e mora em

    outro Estado. Diz ela: No posso contar com a ajuda de meu pai, ele tem outra familia,

    outra vida. O auxlio que ele me dava era um dinheiro que enviava at meus 18 anos, agora

    nem contato com ele eu tenho mais. Em relao profisso do pai Ana conta: Meu pai

    bancrio, tem curso superior em Administrao. O relato de Ana nos mostra como o papel

    dos pais na escolarizao dos filhos influente. O pai de Ana apesar de possuir Capital

    Cultural significativo no foi o suficiente para influenciar ela, isso aconteceu pela distncia

    entre eles. Lahire (1997) aborda que o investimento pedaggico no a nica forma para

    obter o xito. Os pais tambm devem exercer uma vigilncia moral que ultrapassa muito

    as questes escolares.

    A senhora Eliza tem dois filhos, Raquel de 12 anos e Eduardo de 8 anos. A renda

    mensal da casa gira em torno de dois a trs salrios mnimos, contados com a contribuio

    salarial de Ana. O pai das duas irms de Ana faleceu quando elas eram crianas. Ento,

    como irm mais velha, Ana tem uma grande responsabilidade. Comenta: tenho que

    trabalhar e estudar para ajudar em casa, isso prejudica muito meus estudos. Neste caso

    nossa entrevistada esclarece uma das maiores dificuldades das classes populares: ter que

    estudar e trabalhar para aumentar a renda familiar.

  • 40

    3 Entrevistado: Thiago

    Foi bastante complicado conseguir agendar a entrevista de Thiago. Ele estava em

    perodo de provas e trabalhos do curso e tambm faz cursinho para concurso pblico.

    Thiago mora com seus pais em Santa Maria, tem de 22 anos, estudante de Desenho

    Industrial da UnB e esta cursando o 5 semestre. Nunca fez cursinho preparatrio para

    ingressar na universidade e no tem curso de lngua estrangeira, tem somente um curso

    tcnico em informtica no SENAI. O caso de Thiago tem um fato que o diferencia dos

    outros dois entrevistados. Ele tem um irmo mais velho que faz curso superior em uma

    instituio pblica. Ricardo, irmo de Thiago, parece estar muito presente na vida do irmo.

    Quando pergunto o que justifica o seu sucesso ao ingressar em uma universidade pblica,

    Thiago responde: minha dedicao e o apoio de meu irmo. Ele me motivou bastante. Foi

    meu professor de reforo.... Relata sempre ter estudado em escola pblica e confessa que

    sentiu dificuldades, nunca ocorreram repetncias, mas j cheguei bem prximo de repetir o

    ano, pois tinha muita dificuldade com matemtica, mas mesmo com essa dificuldade me

    considero um bom aluno.

    Com relao s leituras que realiza, Thiago diz: pra falar a verdade no gosto

    muito de ler. S comecei a ler mesmo quando vi como isso iria ser essencial para entrar na

    UnB, j com relao aos programas assisto jornal com freqncia, sempre me deixo a par

    das atualidades que costumam ser cobradas em vrios vestibulares e concursos. Nesta fala

    de Thiago ele afirma a importancia da leitura para vestibulares e concursos. Com relao ao

    curso, Thiago, parece gostar muito: gosto muito do curso que fao, os tens estudados

    simplesmente me chamam ateno e acho a rea de emprego agradvel.

    Thiago comeou h dois meses um cursinho preparatrio para concursos que paga

    com o dinheiro de uma bolsa auxlio que recebe da Universidade. Com relao aos seus

    planos, Thiago responde: Estudar para concurso j que uma das melhores opes para

    quem mora no Distrito Federal. Tambm queria conhecer outros pases, principalmente se

    fosse por meio de intercmbio. Conta que dedica 2 horas por dia aos estudos e que sempre

    se esfora para obter os melhores resultados em provas e trabalhos, ah, eu nunca me

    conformei com pouco, mesmo com todas dificuldades, sempre busco o melhor e brinca

    dizendo: J que no nasci rico pelo menos tenho que ser inteligente. Este comentrio

  • 41

    deixa claro que Thiago considera a educao, na situao em que se encontra, como a nica

    forma de melhorar de vida, de ascenso social.

    A conversa com o pai de Thiago, seu Antonio, bastante envolvente. Antonio

    comea a entrevista com o seguinte questionamento: O que a senhora quer saber do estudo

    dos meus filhos? Eles nunca me deram trabalho! No entendo o porqu dessa conversa!

    Explico a ele que o motivo da entrevista justamente por que Thiago um diferencial, por

    isso estou pesquisando e analisando este fenmeno. Ento, mais aliviado, seu Antonio

    comea a relatar sua trajetria escolar: Eu sei ler um pouco, mas no sei escrever, estudei

    s at o 3 ano. Meu pai at queria que eu estudasse, mas voc sabe como menino, n?

    Queria ficar brincando de pegar na enxada, at por que trabalhar nestas coisas mais fcil,

    difcil sentar a bunda na cadeira e estudar... Antonio trabalha como auxiliar de limpeza

    em uma empresa privada e sua esposa Carla, trabalha como cozinheira em uma escola.

    Sobre seu emprego, Antonio diz emocionado: Se eu fao esse trabalho hoje por que no

    tive estudo suficiente pra fazer outra coisa. Pra fazer o que fao no preciso pensar! Nunca

    quis isso pros meus filhos. Coloquei os dois meninos pra estudar e fiquei vigiando... Neste

    relato, podemos perceber como o pai est consciente de sua funo mecnica em seu

    emprego e o quanto ele acredita que a educao um meio de vencer na vida (expresso

    muitas vezes utilizada pelo pai).

    Perguntei ao pai quem realizava o acompanhamento com seus filhos, em relao ao

    contedo escolar, ele respondeu: O Ricardo (filho mais velho) recebia ajuda de sua tia

    Andreia. Ela passava a noite ajudando ele com as tarefas de casa. Depois ele pegou gosto

    pelos estudos. Ah, j quem ajudava o Thiago era o Ricardo, apesar da diferena pequena de

    idade (5 anos) A tia em questo professora e irm de Carla. Um ponto que devemos

    destacar neste caso que nem o pai nem a me possuiam um capital cultural considerado,

    porm uma terceira pessoa, a tia Andreia, tem um papel inquestionvel com relao

    escolarizao dos sujeitos. O capital cultural da tia teve condies possiveis de transmisso.

    Ricardo, irmo de Thiago, tem 27 anos, formado em administrao pela

    Universidade de Brasilia e trabalha na rea de recursos humanos em uma empresa privada.

    Ricardo hoje casado e no mora mais no DF. Ricardo tambm exemplo de sucesso

    escolar e tambm portador do capital cultural que influenciou o sucesso de seu irmo

    mais novo.

  • 42

    A renda famliar de Antonio e Carla, pais de Thiago, esta entre dois a trs salrios

    mnimos. Pergunto a Thiago se a questo financeira influenciou seu ingresso ao ensino

    superior pblico, ele responde: Claro, eu no fiz cursinho! Demorei para passar na UnB,

    tive que estudar por conta prpria, me esforcei bastante e este esforo s foi possvel por

    que no trabalhei. Neste momento Antonio interrompe a fala de Thiago e diz: Nunca

    deixei meus meninos trabalhar, nunca permiti isso! Por isso eu e minha esposa trabalhamos,

    pra no faltar nada aqui em casa. No temos uma vida boa, mas no falta o bsico. Eu

    quero que o Thiago estude e tenha a vida dele como o Ricardo j tem. Analisando as

    duas falas, do pai e filho, percebemos que o pai tem a conscincia que o fato de trabalhar e

    estudar pode prejudicar seu filho. Manoel coloca os estudos, a educao, em primeiro lugar,

    pois estes asseguram um futuro mais promissor.

  • 43

    CONSIDERAES FINAIS

    Esse trabalho proporcionou uma reflexo acerca do Capital Cultural e estratgias de

    investimento escolar para o alcance do sucesso escolar, considerado neste estudo o ingresso

    do estudante no ensino superior pblico. Esta pesquisa assinalou o incentivo familiar como

    um fator relevante para o sucesso escolar, porm no um nico fator que determina o

    sucesso ou fracasso escolar. No observei traos separados, mas sim uma rede de

    entrelaamentos a procura de indcios, detalhes, visto que a entrevista no um discurso

    claro.

    Na elaborao da parte terica pude refletir sobre os conceitos utilizados e

    compreender criticamente a questo da democratizao do ensino superior. O ingresso das

    classes populares ao ensino superior no um acontecimento natural, algo inesperado.

    Estudar e entender essas excees no deve nos levar falsa ideia de que os estudantes

    pesquisados s conseguiram o ingresso ao ensino superior pblico por que superaram

    sozinhos todas as dificuldades. Que todo estudante de classe popular, como qualquer

    outro estudante, tem condies de ingressar em uma Universidade pblica, visto que o

    vestibular igual para todos. Esse discurso um mecanismo que a classe dominante

    utiliza para excluir e culpabilizar os indivduos de classes mais pobres pelo seu prprio

    fracasso escolar.

    A maior contribuio deste trabalho compreenso de que so muitos os fatores

    que influenciam na escolarizao de um sujeito e que nenhum desses fatores causa nica.

    Que a escola, famlia e sociedade tm um papel essencial na formao de sujeito crticos e

    ativos.

  • 44

    Referncias Bibliogrficas

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    Senado, do Conselho Nacional de Educao, das entidades dos dirigentes estaduais,

  • 45

    municipais e federais da educao e de todas as entidades que atuam direta ou

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  • 47

    PARTE III

    PERSPECTIVAS PROFISSIONAIS

  • 48

    Perspectivas Profissionais

    Quando ingressei no curso de Pedagogia na Universidade de Braslia no imaginava

    o quo importante seria refletir sobre educao, uma ao transformadora no somente para

    mim, mas para todos a minha volta. Eu no escolhi pedagogia, foi a pedagogia que me

    escolheu! O curso de pedagogia me ofereceu uma base terica necessaria formao

    competente e responsvel para atuao do pedagogo em diversos ambientes. Reconheo o

    quanto essencial essa base terica, porm no me sinto satisfeita somente com ela,

    continuarei estudando e pesquisando.

    Trabalhar como professora de educao infantil um dos meus principais objetivos,

    tive algumas experincias na rea que despertou meu interesse onde me identifiquei

    profissionalmente.

    A graduao foi apenas um incio para minha formao como professora. Pretendo

    dar continuidade em minha trajetria acadmica, aprofundando meus estudos no campo da

    Sociologia, pleiteando, assim que possvel, uma vaga como aluna de Mestrado desta

    Universidade. Para continuidade de meus estudos pretendo fazer Doutorado e ser

    professora universitria futuramente.

  • 49

    APNDICE

  • 50

    ROTEIRO DA ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA ESTUDANTES E PAIS

    ALUNOS

    Bloco: Trajetria e escolarizao:

    1. Onde mora? Que curso estuda?

    2. Qual a renda mensal familiar?

    3. Estudou em escola Pblica ou Particular? Se particular, tinha bolsa de estudos,

    como consegui a bolsa?

    4. Como foi sua trajetria escolar? Ocorreram repetncias? Considera-se um bom

    aluno?

    Bloco: Capital Cultural:

    1. Fez algum cursinho para se preparar para ingressar na Universidade Pblica?

    2. Gosta de ler? Que tipo de leitura realiza? (jornais, literatura...)

    3. Vai ao teatro, cinema, e exposies com frequncia? Tem acesso a internet com

    frequencia? Justifique resposta.

    4. Fala alguma lingua estrangeira? Onde estudou?

    5. Tem curso de informtica?

    6. Que tipo de atividades que realizou, ou ainda realiza, que considera importante para

    seu acesso ao ensino superior pblico.

    Bloco: Estratgias de investimento e sucesso escolar.

    1. A que voc justifica o seu sucesso ao ingressar em uma Universidade Pblica?

    2. Ingressou no curso desejado? Por que decidiu escolher esse curso?

    3. Como voc percebe a influncia de seus pais em sua vida escolar?

    4. Quanto tempo se dedica aos estudos (fora o tempo de aula)? Procura se esforar

    para obter resultados cada vez melhores em provas, atividades e trabalhos em

    grupo?

    5. Se no tivesse ingressado na Universidade o que irir fazer? Quais seus planos?

  • 51

    PAIS

    Bloco: Trajetria e escolarizao

    1. Qual seu nivel de escolarizao? Conte-me sua histria escolar? Ocorreram

    repetncias, interrupes? Considera-se um bom?

    2. Qual sua concepo sobre educao? Qual importancia da educao?

    Bloco: Capital Cultural

    1. Gosta de ler? Que tipo de leitura realiza? (jornais, literatura...)

    2. Vai ai teatro, cinema, e exposies com frequncia? Justifique resposta.

    3. Fala alguma lingua estrangeira? Onde estudou?

    4. Tem domnio de informtica?

    5. Pratica esportes?

    Bloco: Estratgias de investimento escolar:

    1. A que voc justifica o ingresso de seu filho em uma Universidade Pblica?

    2. Como voc percebe sua influncia na vida escolar de seus filhos?

    3. (Caso os pais no tenham nivel superior) Desejou que seu filho fizesse curso

    superior? Por qual motivo?