candace camp - chilton 03 - sempre teu amor

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Sempre o Teu Amor

Candace Camp

Um momento de loucura à luz do Luar...Um momento de loucura à luz do Luar...Um momento de loucura à luz do Luar...Um momento de loucura à luz do Luar...

Inglaterra, 1815.

Nicola Falcourt foi marcada pelo sofrimento da perda de seu único

amor... Mas a chegada de um famoso assaltante de estrada mudará sua

vida e a fará envolver-se num mistério que a lançará em um grande

perigo... e a uma paixão ainda maior!

Mas o destino trouxe esse bandido mascarado para a vida de Nicola

para torná-la o pivô de uma história que reunirá ambição, mentiras e

assassinato. Para salvar aqueles a quem ela ama, Nicola terá de confiar

num homem que é tão perigoso quanto desejável. E, ao agir assim, ela não

arriscará apenas sua vida, mas também seu coração...

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Prólogo

1789

Helen inclinou-se sobre o menino na cama. Parecia tão pequeno e indefeso que um aperto

dolorido atingiu-lhe o coração. As mechas de cabelos finos estavam úmidas e coladas à pequena

cabeça, os olhinhos estavam fechados, os longos cílios destacavam-se sobre o rosto avermelhado. Ele

permanecia imóvel, e o único sinal de vida que se podia perceber em seu corpinho era o movimento

suave do lençol que cobria seu peito. Momentos antes, ele dissera palavras desconexas em seu sono,

movendo-se de forma estranha devido à febre. E agora estava assim, tão quieto...

Helen tocou-lhe a pequena testa, pedia a Deus que não o deixasse morrer. Conhecia-o havia

apenas dois dias, mas já não suportava a idéia de vê-lo partir.

O Sr. Fuquay chegara à taberna havia duas noites, em um veículo dos correios e, curiosamente,

trouxera aquela criança doente. Helen conhecia Fuquay, ele já estivera na vila antes, quando Richard

Montford viera com amigos para visitar seu primo, lorde Chilton, conde de Exmoor. Dizia-se, na vila, que

o conde desprezava Richard Montford e não permitiria que ele permanecesse em Tidings, a grande

propriedade da família Montford. Mas, agora, o velho estava morto e Richard Montford era o novo

conde. Era estranho que Fuquay tivesse vindo à taberna e não seguido para Tidings.

Parecera ainda mais estranho quando Helen vira que ele trazia duas crianças consigo. Ele

aparecera na porta da taberna e lhe fizera um sinal. Helen olhara para o dono do lugar e depois seguira

Fuquay. Ele era um rapaz esquisito, bonito, mas muito magro, com um olhar quase sempre suave. Uma

das outras garotas da taberna disseram que ele era consumidor de ópio, e talvez fosse verdade. Mas

ele sempre fora gentil com ela e nem precisara ser muito persuasivo para convencê-la a aquecer sua

cama enquanto estava dormindo na taberna. Fuquay também fora muito generoso, e Helen tinham boas

recordações suas.

Lembrava-se de que ele a tomara pela mão e a levara até a carruagem dos correios, abrindo-a e

mostrando-lhe as duas crianças; uma menina, meio escondida pela capa e o chapéu, enrodilhada em

um dos cantos do veículo. E no assento da frente, o menino, embrulhado em um cobertor. O pequeno

tremia muito, e seu rostinho estava banhado em suor.

- Pode tomar conta dele, Helen? - Fuquay pediu.

- Está muito doente, e acho que nem vai durar muito ... Mas eu não posso ... Não importa o que ele

queira. - Ele interrompera seu vago discurso para olhá-la com carinho, depois retirara uma moeda de

ouro do bolso e a colocara em sua mão.

Helen, por um momento, hesitou em aceitar ou não dinheiro.

- Não vai se arrepender - prometeu. - Apenas fique com ele até que se vá. Vai fazer isso por mim, não

vai?

- Mas... o que ele tem? - Ela não conseguia desviar os olhos do pobre garotinho. Ele era lindo e parecia

tão vulnerável.

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- Uma febre, parece - Fuquay explicou. - E... acho que merece, pelo menos, morrer em uma cama. E

então, vai ficar com ele?

Ela concordara. Apaixonara-se pela criança assim que a vira. Jamais conseguira engravidar e sempre

quisera ter um filho. Era um desejo secreto e um tanto triste e que havia sido motivo de chacota das

outras garotas da taverna.

- Ah, você é que é feliz! - elas tinham dito. Nem precisa se preocupar com uma gravidez problemática.

E agora aquela bela criança lhe era entregue, como um presente dos céus. Aceitara o menino, sem

querer respostas para as inúmeras perguntas que borbulhavam em sua mente. Além do mais, os

homens não gostavam muito de dar explicações...

Levara o menino para a cabana de sua avó, pois não tinha a menor intenção de deixar que seu valioso

presente morresse. E se havia alguém que poderia salvá-lo, seria sua avó. Era um longo caminho, pois

vovó Rose vivia em uma cabana escondida, nas terras de Buckminster, e Helen tivera de fazer a última

parte da viagem a pé, com o menino nos braços, pois não havia uma estrada em condições de ser

trilhada por um veículo. Fuquay entregara-lhe o menino agradecendo demasiadamente, mas Helen mal

prestara atenção a suas palavras. Seus pensamentos e sua atenção estavam totalmente voltados ao

menino.

Ergueu os olhos e voltou-os para a velhinha, que estava a poucos metros. Vovó Rose, como era

conhecida pela maioria da população local, era uma senhora baixinha, gordinha e muito simpática.

Tinha olhos azuis muito vivos que pareciam querer saltar do rosto enrugado e moreno. Sua aparência

era alegre, quase cômica, e era muito sábia e respeitada. Conhecia ervas como ninguém e, quando

Helen chegara com o garoto febril, ela logo soubera o que fazer.

Havia dois dias que as duas mulheres estavam cuidando do menino, dando-lhe as infusões que vovó

Rose preparava, passando trapos molhados por seu corpinho e forçando um pouco de água e de sopa

por seus lábios ressequidos. Helen chegara a chorar, imaginando que a febre o consumiria de vez. A

cada instante parecia amá-lo mais.

E ali, olhando-o tão quieto, um pressentimento terrível a tomou.

- Ele está... ? - começou a dizer, sem coragem para terminar a frase.

Vovó Rose sorriu de leve e murmurou:

- Não, não. Ele já passou pelo pior. A febre já se quebrou.

Um tanto desconfiada, Helen tocou o rosto do menino e, surpresa, sentiu que ele já não estava tão

quente quantos alguns minutos antes.

- O que pretende fazer com ele? - vovó Rose perguntou, observando o rosto ainda aflito da neta. - Ele é

nobre, você sabe.

- Helen assentiu em silêncio. As palavras que o menino pronunciara em seus delírios traíam sua educa-

ção, bem como as roupas finas que usava, embora estivessem sujas e molhadas de suor.

- Eu sei, mas ele é meu - murmurou. - Nós o salvamos; e ele me pertence agora. Não vou deixar que o

tirem de mim. Além do mais... - Helen se interrompeu, sem saber se deveria revelar à avó o que imagi-

nava sobre o menino.

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Achava saber quem ele era, mas, se estivesse certa, temia que sua revelação colocasse a vida do

garoto em perigo. Se, estivesse enganada, bem, então não fazia idéia de quem ele poderia ser e não

seria sua culpa se não pudesse devolvê-lo à sua família.

Fosse como fosse, o melhora fazer era permanecer calada.

- Sim? - sua avó indagou, esperando pela conclusão da frase.

- Eu não sei quem ele é - Helen, respondeu. - Para onde o levaríamos? E... acho que não querem que

ele sobreviva.

- E o que vai dizer se lhe perguntarem o que aconteceu ao menino?

- Bem... vou dizer que ele morreu, é claro, como pensaram que aconteceria e que eu o enterrei na flo-

resta onde ninguém poderia ver sua sepultura.

A velha nada disse. Apenas assentiu e não mais tocou no assunto. Ela também, Helen imaginava,

apaixonara-se pelo pequeno infeliz.

Depois que a febre passou, o menino foi melhorando aos poucos, até que, por fim, abriu os olhos

castanhos para Helen.

- Quem é você? - perguntou com voz fraca.

Ela tomou-lhe as mãozinhas nas suas e sussurrou, enternecida:

- Sou sua nova mãe, Gil.

- Mamãe? - ele repetiu vagamente, os olhos ainda incertos.

- Sim, mamãe.

- Mas eu... eu não me lembro... Eu tenho medo!

Havia lágrimas nos olhos do garotinho, e Helen acariciou-lhe os cabelos para acalmá-lo.

- Eu sei, meu querido. Você ficou muito doente, mas eu estou aqui e vovó também está, e nós vamos

cuidar de você.

Ela o abraçou e recebeu o abraço de volta, bem apertado, enquanto sentia nos braços as lágrimas que

rolavam dos olhinhos do menino.

- Mamãe... - ele repetia, quase sem voz.

- Sim, meu amor. Eu estou aqui. E vou estar sempre. Sempre!

CAPÍTULO 01

1815

A carruagem já estava próxima da propriedade Exmoor, e Nicola começava a sentir medo. Não

entendia como concordara em visitar sua irmã nesse lugar. Arrependia-se agora. Preferia ter ficado em

Londres e ajudado Marianne e Penélope com seus planos de casamento. Mas Deborah lhe parecera

tão frágil e infeliz, temerosa, até, e Nicola não pudera negar um pedido seu. Afinal Deborah era sua irmã

mais nova e amava-a do fundo do coração. Fora apenas o casamento com o conde de Exmoor que

acabara afastando as duas.

Nicola respirou fundo e ajeitou-se melhor no banco.

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Não gostava de se lembrar das brigas que haviam acontecido depois que Deborah anunciara seu

casamento com Richard. Nicola a aconselhara muito, mas Deborah parecia estar cega para os defeitos

do futuro marido... E quando Nicola revelara que meses antes Richard estivera lhe fazendo a corte,

Deborah não acreditara e acusara-a de estar com inveja de sua felicidade. Depois disso, Nicola deixara

de tentar dissuadi-la da idéia do casamento. E, nos nove anos que se seguiram, ela e a irmã haviam se

visto apenas ocasionalmente. Nicola se recusara a entrar na casa do conde, e Deborah fora ficando

cada vez mais reclusa, sem nem mesmo ir a Londres.

No entanto, ao ver a irmã no mês anterior na casa de uma prima, Deborah implorara que Nicola ficasse

com ela durante sua quarta gravidez. Ela sofrera três abortos e não conseguira ainda dar um filho ao

conde e parecia estar apavorada diante da idéia de vir a perder esta criança também. Assim, Nicola fora

incapaz de recusar o pedido da irmã, embora detestasse passar alguns meses sob o mesmo teto que

Richard.

Deborah, é claro, não podia entender o que Nicola sentia por seu marido. No entanto, cada vez que era

obrigada a olhar para aquele homem, Nicola sentia-se diante de alguém que destruíra sua vida. Richard

Montford matara o único homem que ela amara.

O caminho era difícil e, de repente, a carruagem pareceu tombar um pouco para a esquerda, lançando

Nicola de seu assento, prostrando-a no chão do veículo. Culpa sua, condenou-se, porque deveriam ter

parado uma hora atrás, quando começara a escurecer e agora não estariam se aventurando por uma

estrada solitária na escuridão.

Gostava de saber que estava em Tidings, mas ainda restavam duas horas para que a carruagem

atingisse os portões de Exmoor. Mas, como já lhe haviam dito muitas vezes, paciência não era uma de

suas qualidades...

De repente, um disparo muito próximo fez seu coração se acelerar de medo.

- Parados! - gritou uma voz masculina e em poucos segundos, a carruagem já não se movia.

- Eu não o faria se fosse você - disse o homem, em tom um tanto divertido. Seu sotaque era,

curiosamente, da nobreza. - Porque você, meu amigo, tem apenas uma arma velha, e nós temos meia

dúzia de pistolas novas apontadas para seu coração.

Nicola percebia, desesperada, que a carruagem fora parada por um assaltante de estrada. Na verdade,

vários deles, pelo que pudera entender do que ouvira. Assaltos dessa espécie eram muito comuns no

passado, em especial quando se estava afastado de Londres, mas agora já não se ouvia falar tanto

nesse tipo de crime.

Houve alguns segundos de silêncio, e depois o mesmo homem continuou a falar:

- Excelente decisão! Você é esperto. Agora, sugiro que entregue sua arma a meu homem, ali, bem

devagar e, é claro, com o cano para baixo.

Com muito cuidado, Nicola afastou uma ponta da cortina da janela mais próxima e espiou. A noite

estava calma e escura, favorecendo os assaltantes. O rapaz que acompanhava o cocheiro estava

entregando sua arma a um homem, que montava um cavalo e que guardou sua própria arma para ficar

com a recém-adquirida e apontá-la para seu antigo dono.

Vários homens rodeavam a carruagem, todos montados em cavalo e armados com pistolas. Estavam

todos vestidos de negro, parecendo misturar-se ao negrume da noite, e apenas o metal de suas armas

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era refletido pelo fraco luar e pelas lanternas que estavam penduradas na carruagem. Mais tenebroso

ainda, todos os homens usavam máscaras na parte superior do rosto, que fez Nicola prender a

respiração, amedrontada.

Um dos homens voltou-se de imediato ao ouvir seu suspiro, seus olhos achando Nicola com facilidade.

Ela soltou a cortina, o coração aos pulos.

- Ora, ora! - exclamou a voz bem educada. - Um passageiro curioso... - Parecia haver satisfação em sua

voz. - Visitante do conde, suponho... Ou teria eu sido tão afortunado a ponto de ter encontrado o próprio

conde de Exmoor? Saia daí, senhor, para que possamos vê-lo!

O homem que a vira era, obviamente, o líder do grupo, e, certamente, notara o brasão com as armas da

família Montford na porta da carruagem. E devia estar satisfeito por ter parado alguém de dinheiro... Ela

esperava apenas que aquele homem não decidisse tomá-la como refém, imaginando que o conde

pagaria uma fortuna por seu retorno. Com um sussurro, Nicola amaldiçoou Richard por ter insistido em

enviar a carruagem para buscá-la. Teria sido bem melhor se tivesse vindo em um coche comum.

Respirou fundo e, tentando manter-se calma, abriu a porta da carruagem e saiu, esperando demonstrar

frieza e superioridade. Lembrou-se de sua amiga Alexandra e do hábito que ela tinha de levar uma

pequena pistola em sua bolsinha. Todos achavam tal atitude perigosa e absurda, mas este era um

momento em que ela poderia fazer bom uso de seu hábito...

Nicola parou ainda com os pés no degrau e olhou para o líder do grupo com altivez. Não queria parecer

aflita. O homem, porém, murmurou uma imprecação e pareceu empertigar-se.

- Muito bem - disse Nicola com sarcasmo.- Conseguiram capturar uma mulher desarmada.

- Nenhuma mulher é desarmada - rebateu o homem, agora com um leve sorriso nos lábios. Apeou ra-

pidamente e aproximou-se, fazendo uma mesura diante de Nicola.

Ele era alto e forte, mas suas formas estavam um tanto ocultas pela noite. Nicola sentiu um arrepio pas-

sar-lhe pela espinha, uma mistura de medo e respeito que não entendeu no momento. Podia ver

apenas parte do rosto dele e, nela, parte de um bigode e de uma barba bem cortada. Os lábios estavam

curvados em um sorriso que ela não soube identificar se era zombeteiro ou gentil.

Ele se aproximou, estendeu a mão enluvada para ajudá-la a terminar de descer, e seus dedos

fecharam-se delicadamente sobre os dela, dando-lhe segurança para o próximo passo. Mesmo quando

ela já descera, continuou segurando-a, os olhos fixos nos dela.

- Solte-me, sim? - pediu ela.

- Claro, senhora, claro...

Na escuridão da noite, os olhos dele eram incrivelmente negros. Olhos sem alma, Nicola imaginou, an-

gustiada. Mas não conseguia desviar seus olhos daquelas pupilas intensas. Sentiu que ele lhe apertava

de leve a mão para depois soltá-la.

- Mas deve pagar um pedágio antes, por passar por minhas terras - ele disse, ainda sorrindo.

- Suas terras? - Nicola procurava conter a indignação diante daquelas palavras. - Achei que estávamos

nas terras do conde de Exmoor...

- No sentido... digamos... legal, sim.

- Oh... E existe um outro sentido?

- Sim, o do direito. A terra não pertence a quem vive nela?

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- Essa é uma noção um tanto radical... E o senhor, ao que me parece, imagina ser o representante do

povo?

Ele ergueu de leve os ombros e sorriu ainda mais.

- Bem, a maioria das pessoas que conheço e que vive nestas terras não consideraria um ladrão como

seu representante - Nicola instigou.

- Oh, a senhora me fere, assim. Imaginei que pudéssemos ser... civilizados. Havia um certo tom ca-

rinhoso na voz baixa dele.

Mais uma vez, Nicola teve uma indecifrável e agradável sensação diante daquele estranho.

- É difícil agir com civilidade quando se está sendo ameaçada - rebateu.

- Ameaçada? Senhora, estou chocado com o que me diz! Não fiz ameaça alguma contra a senhora!

- A ameaça está implícita quando pára minha carruagem e exige dinheiro. - Ela parou e olhou ao redor,

significativamente, para os homens a cavalo, que ouviam sua conversa. - Por que, então, estes homens

estariam apontando armas contra mim?

Um dos assaltantes riu baixinho e comentou:

- Ela tem razão nesse ponto, meu amigo. - Também a voz desse homem carregava o acento das

classes altas do país, Nicola notou e olhou para o estranho, surpresa.

- Mas o que é isto? - perguntou desconfiada. - Um grupo de homens da cidade atacando no campo?

O sujeito que acabara de falar limitou-se a rir.

- Não, minha senhora - disse o homem que estava diante dela, subitamente sério - Estamos aqui a

negócios. Portanto, vamos ao que interessa: dê-me sua bolsa, por favor.

- É claro... - Nicola abriu a bolsinha de pano e escancarou-a diante do estranho.

Ele enfiou a mão na delicada peça e retirou dela o porta-níqueis de couro, avaliando-lhe o peso.

- Ah, que bom que não viaja desabonada - comentou. - Sorte minha.

- Imagino que queira minhas jóias também - Nicola disse, firme, retirando as luvas para mostrar os dois

anéis de prata, que adornavam seus dedos. Se lhe desse aquilo, ele não procuraria por algo mais

valioso. Nicola não podia deixá-lo levar o pingente que trazia em uma corrente, por debaixo da vestido.

Não era de grande valor, a não ser para ela, mas aquele sujeito o levaria mesmo assim, só para

aborrecê-la, avaliou.

- Sinto, mas não uso braceletes nem colares - observou. - Raramente uso jóias quando viajo.

- Entendo... mas sempre achei que jóias são muito mais transportadas em viagens do que,

propriamente, usadas ... - Ele fez um gesto em direção à carruagem, e dois de seus homens

desmontaram e pularam para a parte de cima do veículo, descendo segundos depois, satisfeitos, com a

caixa de jóias de Nicola e uma outra caixa de madeira, que se apressaram em amarrar a suas selas.

Mesmo assim, Nicola sentia-se aliviada. O homem retirou as luvas e, tomando-lhe a mão direita, passou

a tirar os anéis. Nicola prendeu a respiração, uma vez que o contato das mãos dele,

surpreendentemente, acelerava-lhe o coração.

Ergueu os olhos para encontrar os dele, enigmáticos, e puxou a mão que ele segurava.

- Muito bem, se já terminaram, eu gostaria de prosseguir com minha viagem - disse aborrecida.

- Não, ainda não terminei - ele rebateu. - Há ainda algo que eu gostaria de roubar da senhora.

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Nicola ergueu as sobrancelhas, tentando imaginar o que poderia ser, até que ele tomou-a pelos ombros

e, sem vacilar, deu-lhe um beijo nos lábios.

Nicola sentiu o corpo todo se enrijecer, enquanto os lábios dele se moviam sobre os seus, sedutores,

suaves e quentes. Depois seu corpo experimentou uma deliciosa sensação de felicidade e

relaxamento... No entanto, havia emoções fortes demais pulsando dentro de seu peito, surpreendendo e

perturbando-a tanto quanto aquela atitude insolente do saqueador.

Ela era uma bela mulher, com um corpo pequeno e curvilíneo, cabelos cor-de-mel e olhos eloqüentes,

vivazes. Estava acostumada à atração que os homens sentiam por sua beleza, e, mesmo, com seus

avanços muitas vezes inoportunos. Mas não estava acostumada a responder de maneira tão favorável

à aproximação de um deles.

Ele a soltou de forma tão abrupta quanto a tinha segurado. Seus olhos brilhavam na escuridão, e Nicola

teve certeza de que ele percebera a reação de seu corpo. Sentiu-se ultrajada e cheia de raiva e, sem

vacilar, ergueu a mão e golpeou-o no rosto.

Todos permaneceram em profundo silêncio, como se o tempo houvesse parado de passar. Nicola

encarava o saqueador, certa de que ele a puniria pelo que acabara de fazer, mas estava furiosa demais

para se importar.

O homem a fitou por um longo momento, mas sua expressão era indecifrável. Por fim, ele se inclinou,

em um gesto de despedida.

- Senhora... - E, com um gesto ágil tornou a montar seu cavalo. Assobiou de forma aguda e, de repente,

perdia-se dentro da escuridão da mata, seguido por seus homens.

Nicola viu-o partir, os lábios ainda ardentes devido ao beijo e todos os nervos à flor da pele. Estava

trêmula, mas reconhecia que era pela raiva que ainda sentia. Não sabia se estava furiosa com o

saqueador por ele ter tido a audácia de beijá-la, ou consigo mesma pela maneira como reagira àquele

beijo.

- Mas onde já se viu tamanha afronta! - exclamou o conde de Exmoor, esmurrando a superfície da

pequena mesa que tinha diante de si e que chacoalhou com o golpe. Ele era um homem alto, como

todos os Montford e aparentava ter bem menos do que seus quase cinqüenta anos. Seus cabelos eram

castanhos e estavam ficando grisalhos nas têmporas, e seus traços eram considerados bastante

atraentes. Nesse momento, porém, estavam retorcidos pela raiva.

Como era de se esperar, ele ficara furioso quando Nicola chegara e contara o que acontecera na

estrada. E, nos últimos minutos, estivera andando de um lado para o outro na grande sala de estar, o

rosto congestionado, os punhos cerrados. Sua esposa, Deborah, observava-o, pálida e ansiosa,

enquanto Nicola procurava evitar seus olhos.

- Atacaram minha carruagem! - ele prosseguia, ainda mais enraivecido. - Quanta audácia!

- De fato, o chefe do grupo parecia ser bem audacioso - Nicola comentou, sem deixar de sentir certo

prazer por ver o cunhado tão ofendido.

- Vou mandar cortar a cabeça daquele cocheiro por isso! - Richard disse, entre dentes, ignorando-a.

- Não foi culpa dele - ela defendeu. - Os assaltantes colocaram o tronco de uma árvore na estrada, e

não havia como o pobre homem forçar os cavalos sobre ele.

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- Mas e o rapaz que o acompanhava? - Richard parou de andar e voltou-se, encarando Nicola. - Eu o

mandei que ficasse alerta, e estava armado! E o molenga não só deixou de usar a arma, como acabou

por entregá-la aos criminosos!

- Havia pelo menos seis assaltantes rodeando a carruagem. Se o rapaz houvesse disparado, seria

morto, com certeza, bem como o cocheiro. E então, o que poderia ter-me acontecido? Acho que eles

cumpriram seu papel e pensaram em mim.

- Ah, que grande proteção! - o conde zombou.

- Bem, eu estou aqui e não fui ferida. Apenas perdi algumas jóias e moedas.

- É... De fato, você não me parece muito preocupada com o que houve.

- Estou feliz por estar viva. Por alguns momentos, naquela estrada, tive a impressão de que não sairia

viva.

Richard assentiu de leve, mas não pareceu convencido.

- Graças a Deus você está bem! - Deborah suspirou, estendendo as mãos para a irmã, que as aceitou

de pronto.

- Ainda bem que consegue ver o que passou com tanta... casualidade - Richard observou, muito sério. -

Mas vou tomar providências. Não vou suportar tamanho insulto.

- Ora, Richard, pare com isso! Fui eu a atacada! - Nicola argumentou.

- Mas estava viajando sob minha proteção - ele rebateu. - É como se eu tivesse recebido uma bofetada.

Esse assaltante deve ter feito isso apenas para me humilhar! Pois bem, mas, desta vez, esse sujeito vai

saber que foi longe demais! Não vou sossegar até vê-lo enforcado! Ainda bem que eu já havia

providenciado um segurança. Quando ele chegar, esse criminoso vai ver que andou mexendo com o

homem errado!

Não era de se estranhar, Nicola avaliava, que Richard estivesse mais preocupado com sua honra do

que com a segurança de sua hóspede. Olhou para a irmã, imaginando se esta ainda estaria tão cega de

amor por aquele homem, a ponto de não ver quanto ele era frio e egoísta.

No entanto, vendo o rosto triste e pálido de Deborah, logo quis encerrar aquele assunto.

- Já chega desta conversa - disse bruscamente. - Deborah deve estar cansada e precisa ir para a cama.

- Não, não, estou bem... - Deborah tentou assegurar, mas sua aparência a desmentia.

- Não teime, querida - Nicola insistiu. - É óbvio que você está exausta. Vamos, vou acompanhá-la até

seu quarto. – Richard, se nos der licença... - Ela olhou para o cunhado, o qual mal lançou um olhar de

desprezo em direção à esposa. Fazendo um sinal com a mão, observou em seguida:

- Preciso ir falar com o cocheiro. Boa noite, Deborah. Nicola... - E, depois de hesitar por alguns

segundos, acrescentou: - Estamos felizes com sua visita, cunhada. Peço desculpas pelo inconveniente

que sofreu.

Nicola e Deborah seguiram em direção à escada, enquanto Richard saía da sala.

- Espero que ele não seja duro demais com o cocheiro - Deborah murmurou. - Não que ele seja rude

normalmente, sabe, mas é que esse assalto o deixou transtornado...

- É, eu percebi.

- Sabe, esse assaltante tem provocado Richard. Sei que parece estranho, mas parece que ele sente um

prazer mórbido em roubar meu marido. Rouba o pagamento dos trabalhadores da propriedade, os

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carregamentos que chegam e partem das minas. Já perdi a conta de quantas vezes as carroças foram

atacadas. Até mesmo à luz do dia! É como se esse homem estivesse tentando confrontar Richard

diretamente!

- Faz sentido. Richard é o maior proprietário de terras por aqui. A maior parte do dinheiro que esse

assaltante rouba tem que ser dele...

- Ah, mas ele faz outras coisas também! Pára outras carruagens, até as do correio, às vezes. Mas é

Richard quem tem sido mais atingido. Ele tem tido grandes prejuízos com as minas de estanho. E o que

deixa Richard mais furioso é que esse tal "cavalheiro", como chamam o assaltante por aqui, nunca

consegue ser capturado! Aparece vindo do nada e desaparece da mesma forma. Richard já enviou

homens em seu encalço, para tentar descobrir onde se esconde, mas eles nada encontraram. Ele

também colocou guardas a mais nas carroças, mas não adiantou. Como hoje... E o pior é que ninguém

dá uma informaçã6 correta sobre esse criminoso. Até mesmo os mineiros e fazendeiros que trabalham

para Exmoor dizem não conhecê-lo. Acha que isso é possível?

- Não sei. Parece, de fato, estranho, que ninguém saiba nada a respeito do tal homem. - Nicola avaliou.

- As pessoas, na vila, costumam saber de tudo! Richard acha que estão zombando dele. Que escondem

o paradeiro do tal assaltante. É como se, por alguma estranha razão, o "cavalheiro" fosse uma espécie

de herói para todos daqui...

Nicola vira a raiva nos olhos de Richard e a maneira como ele culpara o cocheiro e depois seu

acompanhante. Ela podia bem imaginar que seus empregados lhe dissessem pouco do que sabiam.

Richard sempre fora arrogante, em especial com os serviçais, a quem considerava inferiores. Talvez as

pessoas daquela região sentissem até certo prazer em ver o assaltante abusar de seus ataques contra

o conde.

- O que você sabe sobre esse saqueador? - ela indagou à irmã. - Pareceu-me ser uma espécie

diferente de assaltante... Fala bem, como um nobre. E um dos homens que o acompanhavam também.

Deborah assentiu.

- É por isso que o chamam de "cavalheiro".

Elas já tinham chegado ao topo da escada, e Deborah parou de andar por momentos, recuperando o

fôlego que a subida lhe roubara.

- Dizem que é muito educado, em especial com as mulheres, e nunca feriu ninguém que tenha

assaltado. Uma vez chegou a parar o vigário, à noite, quando ele estava seguindo para dar a extrema-

unção a um moribundo e o "cavalheiro" não lhe tirou nada e desculpou-se por tê-lo parado.

Nicola nada disse, imaginando que o comportamento daquele assaltante, para com ela em especial,

não poderia ser caracterizado como educado. Ele não a ferira, mas aquele beijo... fora uma afronta, no

mínimo.

- Ninguém sabe de onde ele veio - Deborah acrescentou, - Ele está praticando assaltos aqui na região

há apenas alguns meses.

- Os assaltantes normalmente atacam nos arredores de Londres, ou em estradas mais movimentadas,

não no interior... Por que acha que ele veio para cá? Acha que ele é nobre? Um filho, talvez, que tenha

desonrado sua família e que foi deserdado?

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- Ou um gastador que acabou com sua fortuna... - Deborah ponderou. - Pelo menos, essa é a teoria da

esposa do vigário. Ou, talvez ainda, ele seja alguém que foi muito bem educado mas que é pobre, um

professor, tutor, alguém assim.

- Um tutor? Não acredito...

- É, parece absurdo, não? Richard diz que ele deve ser um bom ator e que engana muito bem a todos.

E acho que somos nós, afinal, que o fazemos parecer uma figura mais romântica do que, na realidade,

é.

- É verdade. - Nicola lembrou-se do beijo e sentiu um tremor passar-lhe pelo corpo.

-Oh, sinto muito, querida- Deborah disse ao sentir o tremor na mão da irmã. - Eu nem deveria estar

falando sobre esse homem depois do que você passou na estrada... deve ter sido terrível.

Nicola sorriu.

- Estou bem, não se preocupe. Você sabe que não sou muito sensível.

- Mas esteve nas mãos de um criminoso! Não vamos mais falar no assunto, está bem? - Deborah

parara diante de uma porta e agora estava com a mão na maçaneta. - Este é seu quarto - anunciou. - O

meu é o próximo, neste corredor. Espero que se sinta bem. Se precisar de alguma coisa, é só dizer.

O quarto era grande e bem mobiliado, com duas janelas na parede dos fundos, agora cobertas por

cortinas pesadas. O fogo tinha sido aceso na lareira, e uma lamparina a óleo queimava na mesa-de-

cabeceira. Uma criada estava acabando de preparar a cama quando Deborah e Nicola entraram, e ela

logo se desculpou e Saiu.

- É adorável - Nicola aprovou, olhando ao redor.

- Que bom que gostou. A vista das janelas é linda durante o dia. O jardim fica logo abaixo e verá os

campos a distância.

- Tenho certeza de que deve ser lindo.

- Venha ver meu quarto - Deborah convidou, tomando-lhe a mão e fazendo-a sair para o corredor no-

vamente.

O quarto era praticamente igual ao que ela oferecera à irmã, e Nicola reparou que tudo nele era muito

feminino. Não parecia haver o menor traço de masculinidade ali, nem mesmo um par de botas em um

canto ou uma lâmina de barbear sobre a cômoda. Não lhe pareceu estranho que o conde dormisse em

outro quarto, era um costume muito comum à aristocracia. No entanto, ela estava certa de que ali não

havia nem o menor sinal de que Richard viesse de vez em quando, e isso era muito estranho.

Nicola olhou para a irmã, que falava alegremente sobre seus planos de colocar o berço do bebê ao lado

da cama e uma cama para a babá no quarto de vestir. Imaginava se ela ainda amaria o marido como

antes, ou se acabara, com o passar dos anos, por vê-lo como de fato era.

Deborah parara de falar agora e olhava para o local onde pretendia pôr o berço. Sua expressão

mudara, havia medo e tristeza em seus traços delicados. Devia estar pensando nos outros bebês que

também planejara colocar ali.

- Acho que vai ficar muito bom - Nicola opinou, sorrindo, para animá-la. - O bebê vai adorar!

- Acha mesmo?

- Mas é claro! Agora, não se preocupe. Isso não faz bem ao bebê, você sabe.

- É. Todo mundo diz isso. Mas é que é tão difícil quando...

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- Eu sei, eu sei, minha querida. Mas fique tranqüila porque eu estou aqui e vou ajudá-la. Se houver

problemas na administração da casa, poderei resolvê-los para você. Sabe muito bem como sou

mandona, não?

Deborah riu, parecendo relaxar ao contato das mãos da irmã em seus ombros.

- É maravilhoso tê-la aqui, sabe? - Havia tamanho carinho e uma tristeza tão grande no rosto de

Deborah que Nicola ressentiu-se por ter evitado visitá-la antes. - Eu sei que nós... bem, que

discordamos no passado, sobre certas coisas... - Deborah murmurou. - Mas podemos deixar isso para

trás, não acha?

- Mas é claro que sim! Não vamos mais pensar no que aconteceu! Temos de nos preocupar agora com

sua saúde e seu bem-estar.

- Estou cansada - Deborah admitiu. - Parece que tenho tão pouca energia nestes últimos tempos... E

passo muito mal pela manhã, com náuseas terríveis. Mas o médico disse que isso é um bom sinal, que

significa que, desta vez; meu bebê é saudável, diferente dos outros.

- E ele está certo! - Nicola concordou, mas, pessoalmente, achava todos os médicos muito ignorantes

no que dizia respeito às mulheres. - E aposto que ele lhe disse também que você deve descansar

bastante, não disse?

- Disse, sim.

- Então, deixe-me tocar a sineta para que sua criada venha ajudá-la a se despir e se deitar.

- Mas eu queria que você me contasse sobre os noivados em Londres!

- Vamos ter muito tempo para isso amanhã. Prometo que vou lhe contar tudo. E sobre o noivado de

lorde Lambert também.

- Oh, ele vai se casar também? Com quem? Sempre achei que ele era um solteirão convicto!

- Acho que deve ter encontrado a mulher certa. Mas, é uma história longa demais para ser contada

agora. Vamos conversar amanhã, certo?

Mesmo a contragosto, Deborah concordou. Nicola deu-lhe um beijo no rosto, depois de chamar a

criada, e saiu do quarto. Já em seu aposento, fechou a porta e voltou-se, passando os olhos por tudo. A

luz da lamparina podia ser aconchegante, mas não era suficiente para dissipar o temor que havia em

seu coração.

Detestava estar ali. Preferia estar em Londres, levando sua vida costumeira. Ocupava-se em seu

trabalho de caridade, com as mulheres pobres do lado leste da cidade, na cozinha em que servia

alimentos e oferecia roupas usadas aos mais necessitados. Havia também o círculo social que

freqüentava quando e se quisesse, os pequenos flertes que ninguém levava a sério, as discussões

intelectuais que promovia em jantares reservados em sua casa. Sentia-se útil e ocupada e podia

usufruir pequenos prazeres, como a ópera e o teatro, que adorava.

No entanto, ali, sentia-se inquieta. Não queria estar naquela casa com Richard. E houvera aquele

encontro com o saqueador, aquele beijo... Não devia pensar mais naquilo, aconselhou-se.

Caminhou até uma das janelas e afastou as pesadas cortinas, observando a noite lá fora. As árvores e

arbustos do jardim eram apenas sombras agora. Cerrou os olhos e recostou a testa à janela, pensando,

como sempre, em Gil.

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Acontecera outras vezes. Uma dor aguda no peito, como se a ferida estivesse recém-aberta, como se já

não se houvessem passado anos. A dor que sentia por Gil... E já fazia tempo que a dor não vinha tão

forte. Afinal, acontecera dez anos antes. Lembrava de seu sorriso franco, do modo como ele andava...

Mas, agora, aquela dor inesperada a surpreendia com o poder de sua tristeza.

Pensara nele desde que deixara Londres. Lembrara-se da primeira vez em que o vira, ali, em Tidings,

quando ela e um grupo grande de pessoas voltavam de uma caçada. Ele viera em direção a seu cavalo

e a ajudara a apear. Nicola o olhara, notara seu rosto de traços gentis, seus olhos escuros, a mecha

rebelde de cabelos que avançava sobre sua testa. Perdera seu coração para Gil naquele instante,

embora ainda tivesse lutado contra tal sentimento por um bom tempo.

Era estranho, mas, ao chegar à casa de sua irmã, enquanto relatava o assalto ao cunhado, e depois,

quando conversava a sós com Deborah, a imagem de Gil não lhe saíra da mente. E agora, sozinha, não

conseguia deixar de se lembrar. Talvez fosse porque estava de volta a Tidings, porque lá o conhecera,

ou porque lá vivia Richard; que ela tentara evitar por dez anos. Fosse o que fosse, seu peito estava

apertado e dolorido, e as lembranças estavam todas ali, em sua mente, como estariam sempre.

Deixou-se vencer pelos sentimentos, e sentiu as lágrimas descerem por seu rosto, enquanto os soluços

sacudiam seu corpo. Afastou-se da janela e foi para a cama, deitando-se e encolhendo-se como um

bebê, os olhos presos às chamas da lareira e a mente divagando em recordações do homem de sua

vida.

CAPÍTULO 02

1805

Nicola estava com dezesseis anos quando se mudou para Dartmoor com sua mãe e a irmã mais nova,

Deborah. Seu pai havia morrido e as deixara muito bem financeiramente, mas a propriedade em que

viviam fora deixada como herança e passara, junto com o título, a um primo de segundo grau. O primo

lhes oferecera, educadamente, que continuassem a viver ali com ele, sua esposa e filhos. Ele

praticamente não as conhecia, mas teria sido grosseiro de sua parte se agisse de outra forma.

Entretanto, lady Falcourt, que também não simpatizara muito com o herdeiro, agradeceu e, também

educadamente, recusou a oferta, preferindo mudar-se com as filhas para a casa de sua irmã, lady

Buckminster.

Lorde Buckminster, seu sobrinho, conhecido na família por Bucky, era um rapaz alegre e muito simpá-

tico, que demonstrou grande satisfação por tê-las em sua casa. Nicola, por sua vez, viu-se muito mais

feliz em Buckminster do que jamais fora em sua própria casa. Sentia a morte do pai, mas ele sempre

fora uma pessoa muito ocupada com assuntos políticos, enquanto sua mãe, uma mulher

constantemente doente, pouca atenção lhe dava. Assim, quase todos os assuntos mais sérios da

família acabavam por cair sobre as costas de Nicola assim que ela teve idade para poder lidar com eles.

E em Buckminster, como não tinha problemas com os quais lidar e como a dona da casa estivesse

sempre mais atenta a seus cavalos de raça do que ao que acontecia ali, Nicola viu-se livre para agir

como lhe aprouvesse.

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Assim, ela passava grande parte do tempo cavalgando pelas redondezas, conhecendo pessoas que ali

moravam. Desde pequena se sentira à vontade entre os criados da propriedade de seu pai. Sua mãe

sempre se dizia cansada para acompanhá-la em seus folguedos e Nicola acabara por apegar-se a sua

babá primeiro e depois aos outros criados, a quem via como membros da família. Adorava a todos, em

especial à cozinheira que, mesmo sempre muito diligente e austera, cedia a seu carinho.

Fora ela, apelidada docemente de Cook, que criara o interesse de Nicola pelas ervas, explicando-lhe

suas propriedades tanto na culinária quanto no trato de doenças, e ela ficou fascinada pelo poder de

cura das plantas. Sabia diferenciá-las, cultivá-las e utilizá-las porque Cook tivera tempo e paciência para

lhe ensinar tudo a respeito. Mais tarde, quando estava mais velha, Nicola aprendera mais sobre ervas

em livros e enciclopédias especializadas no assunto e, aos catorze anos, muita gente já a chamava

para que preparasse suas ervas para curar algumas enfermidades.

Nicola sofrera ao ter que deixar a casa e os criados para trás, quando fora obrigada a mudar-se para

Buckminster. No entanto, uma vez lá, começou logo a fazer amigos. Seu único e grande problema na

nova vida que levava era o conde de Exmoor. Como único outro membro da aristocracia daquela

região, ele sempre estava presente em todas as ocasiões especiais. Nicola também participava das

festas e eventos do lugar embora ainda fosse muito jovem. Era considerada a bela da região,

perseguida pelo filho do vigário, que acabara de chegar de Oxford, bem como pelo filho do juiz e seus

sempre numerosos amigos. Mas Nicola não se importava com as investidas quase sempre cômicas

daqueles rapazes. O conde, no entanto, preocupava-a. Maduro e sofisticado, ele a cortejava com toda a

sutileza de um perito na arte de galantear. Não parecia audacioso diante dos olhos da mãe de Nicola ou

de sua tia ou de qualquer outra senhora presente, mas conseguia encontrar diversas oportunidades

para tocá-la de alguma forma e falava-lhe em voz baixa, aveludada, carregada de paixão, que alarmava

e irritava Nicola por completo.

Aquele homem não lhe interessava, mas sua mãe considerava-o um excelente partido. Quando Nicola

protestava por ela tê-lo convidado para alguma reunião, sua mãe respondia apenas que deveria sentir-

se lisonjeada com sua atenção porque era de uma excelente família e tinha posição, um título, fortuna...

E, afinal, Nicola era amiga da prima dele, Penélope.

- Mamãe, eu gosto de Penélope - Nicola explicava. - E gosto da avó dela também, mas isso não tem

nada a ver com Exmoor! Não gosto dele! Não gosto do jeito como fala comigo nem como me olha!

- Bobagem! - sua mãe rebatia. - Você está acostumada com esses rapagões tolos!

- Mas eu os prefiro a um velho!

- O conde não é velho, Nicola. Está no vigor da idade!

- Deve ter uns quarenta anos. E eu estou só com dezessete, caso tenha esquecido!

- Não há necessidade de ser rude, minha filha! O conde deve estar com uns trinta e poucos anos, e

essa é uma excelente idade para se casar! Muitos homens são bem mais velhos do que suas esposas.

Seu pai, por exemplo, era dezesseis anos mais velho do que eu.

Nicola precisou se controlar para não responder de maneira grosseira. Todos sabiam que seu pai se

casara com sua mãe porque ela era linda, mas, quando descobrira que era extremamente entediante,

deixara praticamente de lhe dirigir a palavra. Por isso ficava sempre longe de casa, cuidando de

negócios.

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- Não importa. Não quero me casar com ninguém. E só vou me casar quando encontrar um homem a

quem eu ame. Vovó me deixou bastante dinheiro para que eu não tenha de me casar se não quiser.

- Oh, Deus, não sei de onde você tira idéias tão radicais! - Lady Falcourt suspirou chocada.

- Herdei-as de vovó.

De fato, sua avó fora uma mulher independente, que sempre falara o que quisera e que sempre agira

por conta de suas próprias idéias. Fora forçada pela família a se casar sem amor e jurara que não agiria

da mesma forma com nenhuma de suas três filhas. Sempre fora muito franca com Nicola e, ao falecer,

deixara para ela e para Deborah dinheiro suficiente para que pudessem viver sem se casarem, se assim

quisessem.

- Você também se deixou influenciar pelas idéias de sua tia Drusilla - sua mãe se resignou.

Sua irmã Drusilla nunca se casara, preferindo morar com a mãe e manter um salão para eventos

culturais que era muito bem freqüentado. E lady Falcourt a entendia ainda menos do que à louca por

cavalos Adelaide, lady Buckminster.

- Sua tia não é um bom modelo para você, Nicola. Não tem um marido do qual cuidar, nem filhos para

iluminarem seus dias.

Nicola suspirou. Aquele era o assunto preferido de sua mãe, embora ela mesma nunca tivesse erguido

um dedo para organizar uma casa, cuidar de um marido ou dos filhos.

- Eu não disse que nunca vou me casar, mamãe. - ela esclareceu. - Mas vai ser quando e com quem eu

quiser. E, com certeza, não vai ser agora e muito menos com o conde de Exmoor.

No entanto, não havia como evitá-lo, a não ser que se tornasse uma reclusa. Ele estava em toda festa

ou jantar local, era considerado uma honra ter um conde em casa, e todos o convidavam para tudo! E

sua mãe não era uma exceção, aceitando os convites dele e convidando-o para qualquer evento social

que promovesse.

Assim, Nicola acabou participando da caçada organizada em Tidings, propriedade do conde.

Naquela tarde, ela voltava ainda sentindo os efeitos da cavalgada, os cabelos soltos, revoltos, a

respiração acelerada e o rosto afogueado. Os rapazes que cuidavam dos cavalos correram para ajudar

os participantes da caçada a apear, e foi um deles, o que veio na direção de Nicola, que a fez prestar

atenção ao mais belo rosto masculino que jamais vira.

O rapaz era mais alto e mais forte do que os outros. Seus cabelos eram escuros, seus olhos brilhantes

e a pele era levemente bronzeada. Uma mecha de cabelos que lhe caía sobre a testa tornava-o

incrivelmente atraente. E ele lhe sorria...

Nicola não conseguiu desviar seus olhos dos dele, nem conseguiu entender a sensação impressionante

que a tomou naquele momento.

Ele ergueu as mãos para ela e, sorrindo, indagou:

- Quer ajuda para apear, senhorita?

Nicola não conseguiu responder. Deixou-se escorregar da sela e caiu nos braços dele. Podia sentir o

calor de seu corpo através do tecido da camisa e sentir os músculos que se distendiam sob o contato

de suas mãos. Por um breve segundo estiveram bem próximos, o rosto do rapaz junto ao dela, seus

cílios espessos emoldurando aquele olhar: firme e franco. E, no instante seguinte, a presença do conde

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estragara tudo. Ele viera e, ignorando o rapaz, tomara-a com gentileza pelo braço para conduzi-la para

dentro de casa.

Nicola não ouviu uma palavra do que ele dizia. Na verdade, não ouviu nada que alguém pudesse estar

dizendo. Seus pensamentos estavam centrados naquele rapaz. Queria saber seu nome, mas sabia que

não podia perguntar diretamente a ele. Pior ainda era saber que não podia perguntar a alguém da casa

porque nem o conde que o empregara devia saber como se chamava. Para ele, os criados e quase

todas as pessoas de seu círculo social eram como peças de mobília, lembrou-se entristecida. Sabia-se

apenas o nome dos criados mais importantes da casa: o mordomo, a governanta, a criada de quarto ou

o valete... Mas era raro que algum nobre soubesse o nome dos jardineiros, dos auxiliares, dos

cavalariços e rapazes encarregados de serviços menores. Assim, ela partiu, naquele dia, sem saber o

nome do rapaz.

Depois disso, sua mãe nunca mais teve problemas em persuadi-la a ir até Tidings para alguma

recepção, festa ou evento social. Lady Falcourt estranhou, mas nada disse.

Na semana seguinte, Nicola concordou em ir a um almoço na propriedade do conde e, quando ele

sugeriu um passeio pelo campo, ela sorriu e aceitou de imediato. Entretanto, seus esforços para estar

em Tidings foram infrutíferos, pois não viu o rapaz. Imaginou, então, que ele devia ser um quase

ninguém ali, e que só ajudava quando havia um grupo muito grande de visitantes, como no dia da

caçada.

Avaliou, consigo mesma, que era tolice estar tão interessada. Vira-o por um breve momento e, embora

houvesse se sentido tão ,diferente nos braços dele, não significava que devesse esperar que ele fosse

especial de alguma forma. No entanto, a vontade revê-lo persistia. E cada vez mais forte.

Foi muito estranho, mas não foi em Tidings que Nicola o viu outra vez, duas semanas depois, mas sim

na cabana de vovó Rose.

Pouco depois de ter se mudado para Buckminster, Nicola dera um chá de ervas a uma criada que

estava com um forte resfriado e ajudara o jardineiro a se curar de uma tosse ao lhe oferecer uma

infusão. Esses dois fatos levaram as pessoas da região a lhe falar sobre uma velha que morava por ali.

Todos a chamavam de vovó Rose, embora Nicola viesse a saber que ninguém era, de fato, seu

parente. A fama de seus remédios miraculosos corria aquelas paragens e dizia-se que conhecia plantas

e seus poderes medicinais como ninguém, e muita gente acreditava em tudo que ela receitava, fosse

para aliviar dores de parto ou para evitar infecções em ferimentos. O próprio velho lorde Buckminster

tomara muitos dos remédios de vovó Rose.

Nicola quis conhecê-la de imediato e, depois de muito insistir, conseguiu que uma das criadas a

levasse, pela floresta, até a cabana da mulher, que ficava em um local agradável, mas reservado. A

casinha era encantadora, coberta de hera a ponto de chegar a confundir-se com as árvores e o verde

ao redor quando era primavera. Havia um belo jardim de ervas plantado ao lado dela, onde cresciam

muitas plantas que Nicola conhecia e que sabia serem medicinais.

Vovó Rose parecia ser tão antiga quanto à casa que habitava, com a pele intensamente enrugada e os

cabelos totalmente brancos. Mas seus olhos eram alegres e pareciam cheios de vida e juventude, e seu

sorriso, embora sem dentes, era tão simpático, que era respondido por qualquer um de pronto.

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Nicola identificou-se com a velha mulher assim que a viu. Passou a visitá-la com freqüência e, nessas

visitas, aprendeu muito mais sobre ervas do que já sabia. Ajudou-a muitas vezes no cuidado com o

jardim e fez longas caminhadas a seu lado pela floresta, durante as quais a mulher apontava plantas e

ervas e discursava sobre seus efeitos de forma agradável e atraente. Com vovó Rose, Nicola aprendeu

a secar ervas, prepará-las para o uso terapêutico, reconhecer as venenosas, e preparar receitas, que

foram anotadas com esmero em um caderninho. E como disse que sua própria filha nunca se

interessara pelas ervas, à velhinha ficou feliz em poder passar adiante seus conhecimentos para

alguém que se mostrava tão gentil com ela.

Vovó Rose era sábia, e Nicola adorava ficar conversando com ela enquanto saboreavam um delicioso

chá aromático. Contou-lhe sobre a morte de seu pai, sobre as freqüentes enfermidades de sua mãe e

até sobre a perseguição do conde de Exmoor. Ao mencionar o nome dele, percebeu que o rosto da

velhinha se enrugava ainda mais.

- Esse homem é muito mau - ela disse. - É melhor ficar longe dele.

- Ele é mau? - Nicola se surpreendera pela franqueza. Não gostava do homem, mas não imaginara que

ele pudesse ser mau. - Mas ninguém nunca disse que ele tenha feito algo de errado...

- Talvez porque ninguém saiba. Talvez porque ele saiba esconder o que faz... Mas os que trabalham

para ele vêem e sabem! Não há bondade alguma naquele coração.

- Bem, eu não vou me casar com ele! - Nicola garantiu. – Não importa o que minha mãe pense.

Depois dessa conversa, Nicola se sentira embaraçada em revelar à velhinha que estivera em Tidings

por várias vezes. E sentia-se relutante em revelar a vontade que tinha de rever aquele rapaz. Vovó

Rose acharia seu desejo estranho, as moças não deviam perseguir os rapazes. Além do mais, ela não

queria partilhar com ninguém as sensações que a atormentavam naquelas duas semanas.

Conforme tomavam seu chá, Nicola percebeu que vovó Rose olhava para a janela com certa freqüência

e, finalmente, entendeu que sua mentora estava à espera de alguém. Ao terminar de beber, Nicola

levantou-se, na intenção de ir embora, e viu que a velhinha se animou com a idéia. Chegou a sentir-se

um tanto magoada por notar que a senhora parecia alegre com sua partida. Imaginou, então, que o

visitante deveria ser alguém que não desejava ser visto ali, talvez algum nobre da região que não

quisesse ser reconhecido, mas que procurava as ervas da bondosa senhora.

Depois de se despedir, Nicola começou a caminhar pelo caminho que levava a seu cavalo, mas parou

abruptamente quando percebeu que um homem estava parado ao lado dele, acariciando-lhe o pescoço

e falando com ele em voz bem baixa. Ao perceber a presença de Nicola, ele se voltou, e suas

sobrancelhas ergueram-se de leve, em uma expressão de surpresa.

Nicola estava parada, a respiração presa. O homem que a olhava era o rapaz que a ajudara a

desmontar na propriedade do conde. Estava mais bem vestido e trazia ao ombro um paletó preto. A

camisa era branca e estava aberta no colarinho e as mangas estavam arregaçadas, devido ao calor.

Ele sorriu de maneira cativante como lhe sorrira no outro dia e deu alguns passos em sua direção.

- Ora, ora, se não é aquela senhorita - comentou alegre. - E o que estaria alguém tão nobre fazendo na

cabana de vovó Rose?

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Ele parou, muito próximo, olhando-a e ainda sorrindo. Seus olhos eram tão escuros quanto ela podia se

lembrar, e seu rosto parecia ainda mais atraente. Nicola mal conseguia respirar. No entanto, estava

disposta a não deixar que ele percebesse o efeito que tinha sobre seus sentidos.

- E por que eu não deveria estar aqui? - perguntou.

- Porque os nobres quase sempre mandam seus criados, em especial as damas, a não ser que estejam

com algum problema de saúde que ninguém deva saber...

Nicola compreendeu de imediato a que ele se referia e ergueu mais o queixo diante da audácia de tal

comentário. Estava a ponto de dar-lhe uma resposta malcriada quando o rapaz sorriu mais docemente e

se inclinou, em uma mesura.

- Mas é claro que esse não é o problema de uma dama tão jovem, inocente e bela quanto a senhorita. É

claro que não precisa de loções de beleza ou de poções de amor. Metade dos homens de Dartmoor

deve estar a seus pés.

- E você, com certeza, não precisa de mais nenhum charme... –Ela já sorria. -Já é bastante galanteador.

- Ainda bem que pensa assim sobre mim. Minha avó não iria gostar se eu houvesse ofendido uma de

suas clientes.

- Sua avó? Vovó Rose é, de fato, sua avó? Ele assentiu.

- Na verdade, ela é avó de minha mãe.

- Estou surpresa por nunca tê-lo visto antes aqui.

- É porque vivo nos estábulos, em Tidings, onde trabalho. Mas visito minha avó aos domingos, quando

estou de licença.

- Entendo...

Houve um instante de incômodo silêncio entre os dois, e Nicola percebeu que não deveria estar ali

falando com ele. Procurava algo, desesperadamente, para poder continuar a conversa sem parecer

tola.

- Eu vivia com minha mãe em Twyndel - disse o rapaz de repente. - Mas, no ano passado, quando ela

morreu, voltei para ficar mais perto de minha avó.

- É, eu também não sou daqui... Estamos morando na casa de minha tia, lady Buckminster.

- Sei, sei. Bem, tivemos uma conversa interessante, eu e lady Buckminster, no outro dia, sobre uma de

suas éguas.

- Ah, só poderiam ter falado sobre isso, mesmo! Minha tia adora cavalos. Mas... o que houve? Você não

cuidou direito da égua?

- Não, não! O animal estava com um problema em uma das patas dianteiras, e sua tia levou-o até os

estábulos porque lá era mais próximo do que Buckminster, e ela não queria forçar a égua. Passei um

dos ungüentos que vovó prepara na pata do animal, e ela estava ótima no dia seguinte quando lady

Buckminster veio pegá-la. Ela quis saber sobre o remédio que eu havia utilizado...

Nicola assentiu, entendendo a explicação e, mais uma vez, o assunto desapareceu. No entanto, queria

ficar ali conversando com ele por mais tempo.

- Bem, acho que já vou... - acabou por dizer.

- Claro... - Ele não pareceu muito feliz.

E, quando ela seguia para pegar as rédeas do cavalo, ele a acompanhou, indagando:

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- Costuma vir sempre aqui?

Ela se voltou. Não havia nada de casual no intenso brilho que via nos olhos dele.

- Sim, estou interessada em ervas e remédios - respondeu. - E sua avó tem gentilmente me ensinado

muitas coisas. Até deixou que eu cuidasse de uma parte de seu jardim como se fosse meu.

Ele pareceu se surpreender:

- Você está cultivando as ervas?

- Sim. E eu as seco e misturo também. Imagino que deva me achar uma garota tola e inútil, mas tenho

outros interesses além de minhas roupas e meus cabelos, sabe?

Ele sorriu muito educadamente e comentou:

- Não, eu não imaginei que fosse tola ou inútil, senhorita. Mas é incomum ver uma moça de sua classe

agir assim.

- Se me conhecesse melhor, veria que sou, de fato, incomum.

- Já percebi isso. Poucas moças ficariam conversando com um rapaz como estamos fazendo agora.

Nicola sorriu.

- Bem, acho que devo ir agora. Foi... bom vê-lo outra vez.

- Obrigado. - Ele fez uma breve pausa e depois acrescentou depressa: - Venho visitar minha avó todos

os domingos.

- Verdade? - Nicola- sentiu que seu coração batia bem mais forte. Ele estava lhe dizendo que queria vê-

la novamente... – Então, talvez nos vejamos de novo aqui.

O rapaz sorriu abertamente.

- Está bem. Deixe-me ajudá-la a montar.

Ele colocou ambas as mãos em sua cintura e deu-lhe um forte impulso. Quando Nicola já estava na

sela, afastou-se dois passos e olhou-a. Nicola estava trêmula, sentindo o calor dos dedos dele em seu

corpo.

- Eu... não sei seu nome - murmurou.

- Gil, senhorita. Gil Martin.

- Não me chame de "senhorita".

- Então, como devo chamá-la?

- Meu nome é Nicola Falcourt.

Ele continuava sorrindo, e ela se sentiu aquecer por dentro.

- Está certo, Nicola.

Ele já estava na casa da avó, no domingo seguinte, quando Nicola chegou. Ela percebeu a leve

preocupação no rosto de vovó Rose quando esta lhe abriu a porta. Embora as duas conversassem com

animação, como iguais, sempre que a visitava, imaginava que a velhinha se preocupasse pelo fato de

Nicola não estar em companhia de um criado.

Gil levantou-se assim que a viu, e seus olhares se encontraram. O calor que invadiu Nicola foi ainda

mais forte dessa vez.

Sentaram-se os três à mesa, e vovó Rose ofereceu uma xícara de chá a Nicola. Ficaram ali, bebendo e

conversando, mas a conversa estava um tanto truncada, estranha... Mais tarde, porém, Nicola e Gil

saíram e caminharam um pouco, enquanto ela levava o cavalo pelas rédeas. Falaram sobre tudo, sobre

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vovó Rose e seus remédios, sobre o pai de Nicola, sobre um potrinho que nascera naquela semana nos

estábulos de Tidings. Nicola contou a ele coisas que jamais contara a alguém, nem mesmo a sua irmã.

Sentia que podia revelar seus pensamentos e sentimentos a ele, sem restrições. E, quando chegaram

ao ponto de onde ele voltaria para Tidings, o assunto morreu e, mais uma vez, um pesado silêncio os

atingiu.

- Você vai a Tidings nesta sexta-feira? - ele perguntou de repente. - Para o baile do conde?

Ela o estava observando, notando seus cabelos ondulados, desejando poder acariciá-los.

- O quê? Ah, o baile... Sim, eu vou. - Mas fez uma careta. Não queria mais ir a Tidings agora que sabia

que podia encontrar Gil em outro lugar, mas não podia dizê-lo a sua mãe e tinha de acompanhá-la até

lá.

Gil não pareceu animado. Olhou para uma rocha que ficava ao longe e comentou:

- Dizem que ele se interessa por você.

- Exmoor?

Ele assentiu.

- É o que se diz pela casa - acrescentou.

- É, parece que ele está interessado, sim.

- E você? - Gil encarou-a, os intensos olhos escuros brilhando - O que sente pelo homem?

- Por ele? Bem, nada ... O que eu poderia sentir?

- É que há criados comentando que você estaria disposta a aceitá-lo...

- Nunca!

Gil pareceu relaxar um pouco.

- Bem, está certo, então.

- O que disse?

- Nada... Já vou indo. - Ele a encarou por breves instantes, os olhos presos a seus lábios, e Nicola teve

a impressão de que ele queria beijá-la.

Mas Gil virou-se e seguiu pelo caminho de volta a Tidings, voltando-se apenas uma vez para erguer o

braço e acenar-lhe um adeus. Nicola observava-o, o corpo todo alerta. Ele quisera beijá-la? indagava-

se. E ela? Quisera também? Quando ele falara no baile, chegara a imaginar-se nos braços de Gil,

dançando uma valsa, mas logo percebera que a idéia era absurda. Se o visse por lá, não seria no salão

de baile, mas diante da porta, atendendo quem chegava, segurando as rédeas das carruagens... E isso

era a última coisa que queria depois dessa tarde: vê-lo como criado, servindo a ela, Exmoor e seus

conhecidos.

Voltou-se para o cavalo, na intenção de montar e ir embora. Estava pensativa, confusa. Jamais se

sentira assim. Era honesta demais para negar o fato de que quisera ser beijada por Gil, mas não podia

se enganar quanto ao fato de ele ser um criado. Podia dar-se muito bem com os criados, como sempre

fizera, podia achar que todos eles eram melhores do que as pessoas da aristocracia com quem

convivia, mas sabia muito bem que a distância entre ela e um garoto de estábulo era enorme e

intransponível. Não havia futuro para eles, e talvez nem um presente... O que poderiam esperar depois

desses breves encontros que tinham tido? O que esperar além de dor e sofrimento?

Page 22: Candace camp - chilton 03 - sempre teu amor

Nicola chorou enquanto voltava para casa. Sabia que estava se apaixonando por Gil. Seria algo

desastroso, tolo, não podia continuar seguindo seus impulsos daquela forma.

Ao chegar a casa, já se decidira a não ir à casa de vovó Rose no domingo seguinte, mesmo querendo

muito. Seria melhor se não permitisse que algo mais forte se desenvolvesse entre ela e Gil.

Manteve sua decisão durante a semana e pensou em várias desculpas possíveis para não ir ao baile do

conde, mas sua mãe estava taxativa quanto a sua ida. Sua única chance seria ficar terrivelmente

doente. Deborah chegou a se oferecer para ir em seu lugar, mas como era um ano mais nova, sua mãe

simplesmente mandou-a para o quarto, dizendo-lhe que não fosse tola. Nicola acabou aceitando o fardo

da ida ao baile, dizendo a si mesma que talvez nem visse Gil por lá. Ainda assim, ao se vestir, cuidou

mais da aparência. Queria parecer ainda mais bela caso ele a visse. E chegou a se desapontar quando

o criado que veio abrir a porta de sua carruagem foi outro. Passou os olhos ao redor e viu que não havia

rapaz algum por ali, apenas os ajudantes mais velhos.

Entrou na festa tentando se convencer de que seria melhor não vê-lo. O baile transcorreu com

normalidade. Poucos convidados vindos de Londres, gente da região feliz por estar em contato com os

londrinos, e os Buckminster, lady Falcourt e ela mesma. Lady Buckminster logo encontrou um senhor

que também adorava cavalos, e os dois ficaram o tempo todo conversando sobre linhagens. Nicola

dançou com o magistrado, que era um homem muito calado, e depois Exmoor reivindicou para si a

primeira valsa com ela. Os olhos de sua mãe brilharam, pois tal atitude demonstrava claramente o

interesse do conde.

O livrinho de baile de Nicola estava logo cheio de nomes, mas ela não estava se divertindo. Os homens

de Londres pareciam pretensiosos, e os rapazes locais eram enfadonhos. Preferia ter ficado em casa,

conversando com a irmã ou lendo um livro. Com o passar das horas, o tédio e o calor a fizeram arranjar

uma boa desculpa para ir até o terraço.

Caminhou um pouco, seguindo por entre os arbustos do jardim, esperando que sua mãe não notasse

sua ausência, e ocultando-se atrás de uma estátua para não ser vista por ninguém da festa. Podia ouvir

o som da música e as vozes abafadas das pessoas que estavam lá dentro, mas ali, ao luar, sentia-se

bem melhor.

Decidiu continuar caminhando por entre as alamedas do jardim, até que chegou a um pequeno cruza-

mento e voltou-se para pegar o caminho da direita.

- Direção errada, senhorita - ouviu e voltou-se de imediato, o coração aos pulos.

Gil estava no meio do outro caminho.

- Gil! Eu não esperava vê-lo aqui! - murmurou, sem conseguir esconder o prazer em sua voz.

- Está partindo meu coração - ele brincou. - Imaginei que tivesse passado o tempo todo à minha

procura.

- Bem, eu não fazia idéia de que estaria aqui.

- Achou que eu perderia esta chance de vê-la?

- Não sei ...

Nicola caminhou até ele e parou a um passo de distância. Gil sorria, e Nicola imaginou que não havia

um só homem naquele baile que pudesse ser comparado a ele, tão bonito ao luar, apenas olhando-a.

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- Não devíamos estar aqui - disse ela, sem voz. - Alguém pode aparecer a qualquer minuto.

Mas ele apenas sorriu.

- Estamos seguros aqui - respondeu.

A orquestra, lá dentro, iniciou uma valsa, e ele fez uma enorme mesura diante de Nicola, pedindo:

- Concede-me esta honra, senhorita?

Ela riu. Aquilo era agradavelmente, absurdamente louco. Mas dobrou os joelhos, aceitando:

- Seria um prazer, senhor.

Gil estendeu a mão, e Nicola aceitou-a. Logo estava nos braços dele. Não sabia onde Gil aprendera a

dançar, já que a valsa era uma dança da aristocracia, mas ele movia os pés com precisão, embora sem

a refinada elegância de quem pratica tais movimentos constantemente. Nicola ria, feliz por estar nos

braços dele, mais do que estaria nos braços de qualquer excelente dançarino no salão.

Dançaram até se cansarem e caíram depois sobre um banco de cimento, rindo, felizes. Instantes

depois, ainda sorrindo, ele comentou:

- Sabe, minha avó me falou sobre você.

- Como assim?

- Bem, ela diz que você é uma moça adorável, esperta, inteligente. Mas diz também que não podemos

ficar juntos, que é perigoso porque estamos agindo fora do que nossas classes impõem... porque

queremos algo que ... nunca poderemos ter.

- E quem foi que disse que não?

Ao dizer tais palavras, Nicola percebeu que o brilho nos olhos dele se intensificou. Gil tocou-lhe o rosto

com suavidade, provocando-lhe emoções que jamais sentira. Sabia que deveria sair depressa dali, mas

não podia e nem queria mover-se. Gil aproximou-se mais, e seus lábios tocaram os dela, a princípio

com carinho, mas depois de forma mais exigente, mais urgente. E logo estavam os dois envolvidos em

um beijo faminto, febril, que os fez esquecer totalmente a realidade que os cercava.

O beijo foi longo e profundo, e foi Gil quem, por fim, afastou-se. Tinha dificuldade para respirar, como

Nicola, e foi ela quem murmurou, esquecendo-se de sua família, suas origens, suas obrigações sociais:

- Eu o amo.

CAPÍTULO 03

1815

O rosto de Nicola estava molhado de lágrimas e seus olhos se turvavam diante da visão das brasas da

lareira. Jamais amaria daquela forma novamente. Sentou-se, passando as mãos pelo rosto quase que

com raiva. Parecia-lhe injusto que essa dor antiga ressurgisse em seu peito, fazendo-a lembrar-se de

sua perda como se ela fosse recente, como se Gil tivesse morrido na semana anterior, e não dez anos

atrás.

Afinal, estava contente com sua vida agora. Aceitara já o fato de que jamais se casaria, jamais teria

filhos, jamais partilharia a vida com alguém. Mesmo aos vinte e sete anos, essas ilusões já não faziam

parte de seus sonhos. Aprendera a se dedicar ao que lhe era agradável. Ajudava mulheres pobres,

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dava-lhes esperança. Conversava com intelectuais no salão de sua excêntrica tia Drusilla. Dançava nas

festas, ia à ópera, flertava com homens que, sabia, não queriam nada sério, como ela mesma. Seus

dias eram suficientemente ocupados.

Havia mulheres que tinham menos do que ela, mulheres que se tinham casado e que viviam sem amor,

ocupando-se apenas com fofocas e interessando-se apenas por futilidades. Sua irmã, por exemplo, se

casara com alguém tão execrável quanto Exmoor, não tinha filhos e morria de medo de sofrer um

aborto novamente.

Sua vida era muito melhor do que a dela, avaliou.

Levantou-se da cama e arrumou as dobras do vestido, recriminando-se por se deixar dominar por seu

próprio sofrimento. Caminhou até a cômoda e abriu várias gavetas, até descobrir onde a empregada

havia colocado sua camisola. Colocou-a sobre a cama e começou a desabotoar o vestido.

Não queria mais pensar sobre seu amor perdido, não queria mais sentir pena de si mesma. Tinha cons-

ciência de que estava mais sensível porque voltara ao lugar onde tudo acontecera, apenas isso. Sofrerá

demais, mas conseguira deixar sua angústia e desespero no passado, e manter sua sanidade intacta.

Aprendera a viver a vida que lhe fora dada e não se deixaria abater novamente.

Vestiu a camisola, apagou a lamparina e entrou debaixo das cobertas, decidida a esquecer a dor que

sentira havia pouco. Mas demorou a adormecer e, quando finalmente conseguiu, havia marcas de

lágrimas em seu rosto e em seu travesseiro.

- A manhã está linda, não? Deborah comentou, deixando a xícara de chá sobre o pires e olhando para o

jardim. - Foi bom você ter sugerido que tomássemos chá aqui fora.

Nicola e Deborah estavam no pequeno jardim naquele começo de inverno, em que o sol era muito bem-

vindo. Não havia vento ali e, pela manhã, o sol incidia em cheio sobre aquela parte da casa. Havia dois

bancos de cimento e uma pequena fonte logo ali.

Nicola percebia que a irmã estava animada, provavelmente dormira bem. O mesmo não podia ser dito

sobre ela própria.

- Agora, já pode me contar as fofocas da cidade - Deborah sugeriu animada. - Mamãe me escreveu

contando que a calada Penélope conseguiu fisgar nosso primo Bucky! É verdade? E lorde Lambert vai

mesmo se casar?

Nicola sorriu. Sua mãe já devia ter antecipado as novidades para Deborah, com seus comentários muito

particulares sobre os casamentos da cidade. Desde que Gil morrera, Nicola decidira não mais

permanecer ali, e mudara-se para Londres, para viver com a tia. A mãe, aborrecida por ela ter se

recusado a se casar com o conde de Exmoor, permitira sua ida sem maiores protestos. Depois que

Deborah desposara o conde, lady Falcourt também se mudara para Londres, e insistira para que a filha

voltasse a viver em sua companhia. Nicola compreendera que a mãe precisava de alguém a quem

contar os sintomas de suas inúmeras doenças, a maioria das quais existentes apenas em sua imagi-

nação fértil. Vacilara a princípio, preferindo viver com a tia, que era independente e cuja mente aberta a

fascinava, mas acabara cedendo aos pedidos e lágrimas de lady Falcourt.

Page 25: Candace camp - chilton 03 - sempre teu amor

E, enquanto Nicola administrava a casa, sua mãe escrevia para inúmeras pessoas, descansava,

queixava-se de dores e recebia suas amigas. Assim, mesmo sem sair de casa, lady Falcourt estava em

dia com as fofocas em geral.

- A verdade é que Bucky simplesmente despertou para as qualidades de Penélope - Nicola explicou à

irmã. - Mas eu e Marianne ajudamos com uma pequena... armadilha.

- Marianne? Aquela linda ruiva que estava na festa de Bucky?

Um mês antes, Nicola fora em companhia de mais alguns convidados, a uma festa na casa de campo

de seu primo. Entre essas pessoas estava Penélope Castlereigh, prima distante do conde de Exmoor.

Lorde Lambert também estivera presente, bem como Marianne, que, de fato, era belíssima e que, na

época, estava sendo assediada por Bucky. Deborah também estivera presente, mas acabara voltando

mais cedo para casa devido a sua delicada condição na gravidez. A festa, na verdade, durara toda uma

semana, e ela acabara por perder os fatos que se seguiram a sua partida, e que incluíam um rapto e até

disparos.

Nicola olhou para a irmã, imaginando quanto da história Richard lhe teria contado. Imaginava que ele

não dissesse muito à esposa, em especial coisas que pudessem refletir mal sobre sua pessoa.

- Sim, essa é Marianne - confirmou por fim.

- E é com ela que Lambert vai se casar?

- Exatamente.

- E quem é ela? Fale-me a respeito. Nunca a vi antes, nem mesmo ouvi falar antes de conhecê-la na

casa de Bucky.

- Ninguém a conhecia antes disso e parece que Bucky se apaixonou de repente por ela. Eu mesma a

conheci apenas uma ou duas semanas antes daquela festa. E, ao que parece, ela foi o motivo de ele ter

dado a festa. Conheceu-a, junto com Penélope, em uma recepção em casa de lady Batterlee, e Bucky

praticamente me forçou a convidá-la para um sarau que eu e mamãe organizamos uma semana depois.

Ele só falava nela. Gostei dela de imediato, mas confesso que estava um tanto preocupada com a

paixão que Bucky mostrava sentir. Imaginei que ela pudesse ser apenas uma aventureira e, como sabia

quanto Penélope amava Bucky, queria que ele um dia percebesse o tesouro de garota que ela é. Mas

Marianne é tão cativante que até Penélope gostou dela.

- E como foi, então, que Bucky deixou de amá-la e se interessou por Penélope?

- Foi a própria Marianne quem armou um esquema para que ele deixasse de se interessar por ela e

enxergasse Penélope. Ah, você deveria ter visto a maneira como ela agiu! Fingiu ser a criatura mais

egocêntrica da face da terra, em especial quando estava perto de Bucky. E depois o deixava a sós com

Penélope para que esta o confortasse. Por fim, ele mesmo percebeu que estava interessado pela

mulher errada, e lorde Lambert, como você sabe, acabou conquistando Marianne.

- E quando Bucky e Penélope vão se casar?

- Em breve. A cerimônia vai ser aqui, na igreja da vila, provavelmente daqui a um mês. Será uma bela

aliança entre os Montford e os Buckminster, as duas famílias nobres da região.

- É verdade. A mãe de Penélope era uma Montford - Deborah analisou. - Às vezes esqueço que lady

Ursula e sua mãe são primas de Richard. Nós as vemos tão raramente...

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Nicola evitou fazer qualquer comentário. Era fato conhecido que a avó de Penélope, condessa de

Exmoor, não gostava do homem que herdara o título quando seu marido falecera. E, embora ela

passasse o inverno, às vezes, em Dower House, que ficava naquela região, Nicola duvidava de que ela

convidasse ou recebesse o conde.

- A condessa está em seu elemento - preferiu comentar de forma breve. - Está preparando tudo como

se fosse um exército pronto para ir à guerra. Ela e Penélope, junto com Marianne, estarão seguindo

para Dower House dentro de duas semanas para finalizar os preparativos. Mal posso esperar que você

tenha uma oportunidade de conversar com Marianne.

- Mas não consigo imaginar lady Ursula deixando que outra pessoa ajude no casamento de Penélope! E

você acha que a condessa vai ajudar no casamento de Marianne também?

- Ao que parece; até a prepotente lady Ursula respeita o poder do dinheiro, minha irmã. A condessa sa-

bia que Penélope não teria o casamento que ela queria se lady Ursula estivesse a cargo dele. Assim,

lady Exmoor disse a Ursula que pagaria por toda a festa das netas, mas deixou bem claro que ela daria

a palavra final em todos os preparativos. E a mãe de Penélope cedeu, embora eu ache que ela não se

omite de dar palpites em tudo. Quanto ao casamento de Marianne, bem, isso é o mais fantástico de

tudo. Imagino que Richard não lhe tenha contado...

- Richard? E por que ele o faria? Os homens têm tão pouco interesse em casamentos...

- Sim, mas acho que ele tem um certo interesse em Marianne. Afinal, ela é neta de lady Exmoor

também, prima dele.

- O quê? Está brincando! - Deborah exclamou.

- Não estou, não. Ela ficou afastada da família durante anos, e é por isso que ninguém a conhecia. Ela é

uma das filhas de lorde Chilton.

- Lorde Chilton? O filho da condessa? Mas... ele não morreu há muitos anos, como toda sua família?

Afinal, não foi por isso que Richard herdou o condado? Não fosse assim, Chilton teria sido o herdeiro

depois que o antigo conde faleceu.

- É exatamente nisso que todos acreditaram durante anos. Mas parece que as crianças escaparam da

morte. Apenas lorde Chilton e sua esposa faleceram.

- Ora, mas isso é fantástico! E como lady Exmoor não sabia? O que aconteceu às crianças?

Nicola sabia que precisava ser cautelosa. Não podia contar a sua irmã o que a condessa acreditava ter

acontecido sem mencionar o nome de Richard. E não podia contar a Deborah, especialmente agora que

estava grávida, que seu marido era um homem terrível.

- Bem, não estou bem certa quanto aos detalhes - mentiu -, mas, aparentemente, as crianças foram res-

gatadas por uma americana amiga de lady Chilton.

- Entendo ... E essa americana levou-as para os Estados Unidos?

- Apenas uma das crianças. O menino, John, morreu devido a uma febre que contraiu na viagem. Mas a

menina, Marianne, foi para um orfanato.

Nicola sabia que Penélope e sua avó acreditavam ser Richard o responsável pelo destino das duas

crianças. E quando elas foram trazidas a Londres pela amiga de lady Chilton, deixara-as sob os

cuidados de uma conhecida da condessa, chamada Willa, porque a condessa estava muito

amargurada, acreditando que toda a família do filho tinha sido dizimada. Além do mais, ela ainda estava

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de luto pela morte recente do marido. No entanto, Willa confessara no leito de morte que entregara as

crianças a Richard. Ela o amava e sabia que o pequeno John seria o herdeiro direto do título e da

fortuna do falecido conde, e que Richard só herdara tudo porque se acreditava que Chilton e seu filho

estivessem mortos. Richard tinha então escondido as crianças, mandando o menino para um lugar

desconhecido, embora Willa tivesse dito que ele morrera pouco depois, e entregando a menina para um

de seus homens para que se livrasse dela. E o homem a colocara em um orfanato.

- Mas que história terrível! - Deborah lastimava, mesmo sem saber de toda a verdade. - Pobre garota!

Durante tantos anos nunca soube quem era de fato?

Nicola assentiu.

- Tudo veio à tona quando, há poucos meses, a menina levada aos Estados Unidos voltou a Londres

para visitar a condessa. O fato é que ela é a imagem viva da mãe, e a condessa percebeu que ali

deveria haver alguma relação. E acabou-se por descobrir que ela era, de fato, Alexandra, a filha mais

nova de Chilton. Assim que se esclareceu tudo, começaram a procurar por Marianne.

- Que interessante! Parece, até o enredo de um romance!

- É verdade. E houve, de fato, um romance. Alexandra apaixonou-se por lorde Thorpe, e eles se casa-

ram. E o detetive que contrataram finalmente encontrou Marianne. Na festa de Bucky!

- Foi quando aquele homem horrível foi morto? Richard me contou que o tal sujeito estava ameaçando

uma das convidadas com uma arma, e Richard atirou nele para salvá-la!

- Exato - Nicola concordou, a contragosto. - Ele estava ameaçando Marianne. O homem que foi morto

tinha algo a ver com o fato de Marianne ter sido colocada em um orfanato.

- Que infame! Bem, fico feliz por Richard ter atirado nele. Ainda bem que eu saí de lá antes de toda

essa confusão. Não sei se teria suportado ver tal cena.

- De fato, foi chocante. - Nicola controlava-se para não dizer o que pensava na realidade: que era o

próprio pescoço que Richard estava tentando salvar, não o de Marianne. - Nenhum de nós ficou

sabendo por que esse tal homem estava tentando matar Marianne. Tudo parecia tão sem sentido... Mas

o detetive chegou no dia seguinte e revelou quem Marianne era.

Deborah ergueu as sobrancelhas, pensativa. Depois comentou:

- Richard não me contou nada sobre isso... Às vezes, os homens são tão tolos! Acham que coisas tolas

são fascinantes e se esquecem de mencionar as coisas importantes.

- A condessa tem estado muito feliz desde então - Nicola prosseguiu. - Ela e Alexandra estão no céu

por terem reencontrado Marianne e, é claro, foi um sonho tornado real para Marianne, que encontrou

sua família depois de tantos anos.

- É verdade! Que linda história! E vai acabar com um casamento duplo! Mal posso esperar até que ve-

nham para Dower House para que eu possa vê-las. Eu vejo tão poucas pessoas por aqui.

- Devia sair mais. Devia ir a Londres com Richard ao invés de ficar reclusa aqui.

Deborah encarou-a, parecendo um tanto triste e estava a ponto de dizer algo quando uma voz

masculina as interrompeu:

- É isso que digo sempre a ela. Talvez ela ouça mais a irmã do que o marido.

Ambas se voltaram para ver o conde, que se aproximava pelo caminho de pedras. Ele sorria e vinha

acompanhado de outro homem, que se vestia: de forma simples e que mantinha o rosto fechado.

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- Richard, nem percebi que você estava aqui! Deborah exclamou.

- Olá, Richard- Nicola cumprimentou-o friamente. Nunca podia vê-lo sem pensar na morte de Gil e,

embora ele tivesse dito que fora um acidente, ela ainda o culpava. E agora que soubera, através de

Penélope, sobre as coisas terríveis que ele fizera, estava ainda mais certa de que Richard era um

homem que se inspirava no demônio.

- Vim para apresentar-lhes meu mais novo contratado - disse ele animado. - Senhoras, este é o inves-

tigador que eu disse que mandaria buscar. Seu nome é George Stone. Senhor Stone, esta é minha

esposa, lady Exmoor e esta é sua irmã, srta. Falcourt.

- Senhora, senhorita... - O breve sorriso do investigador mal apareceu em seu rosto endurecido. Ele fez

uma leve mesura e manteve-se calado. Era um homem não muito alto, mas forte, com braços e peito

proeminentes sob as roupas.

- O Sr. Stone gostaria de falar com você sobre ontem à noite, Nicola - Richard acrescentou. - Ele

precisa de toda a informação que puder lhe dar para capturar aquele saqueador.

- Acho que não vou conseguir dizer muito mais do que já lhe disse - Nicola avisou. Não gostara do as-

saltante, mas também não simpatizara com o investigador. Quanto ao cunhado, simplesmente

detestava-o, e não estava inclinada a ajudar o detetive a achar o homem que conseguia aborrecer tanto

o conde.

- A senhorita o viu - Stone insistiu. - Com certeza, pode me dizer algo a seu respeito.

Nicola encarou o investigador com uma altivez que normalmente não tinha com pessoas que não

pertenciam à nobreza.

- Estava escuro - disse. - E ele estava usando uma máscara. Não posso imaginar o que mais eu poderia

lhe dizer.

- Qual era a altura dele?

- Ele estava montado em um cavalo, sr. Stone. Como eu poderia saber sua altura?

- O cocheiro disse que ele desmontou, e que ficou perto da senhorita por algum tempo. Disse também

que a senhorita o esbofeteou.

- De fato. Não consigo suportar impertinências. Ela olhou significativamente para o homem.

- Creio que não, senhorita, mas o que estou dizendo é que... deve ter alguma idéia da altura do sujeito.

Ela respirou fundo.

- Imagino que tenha uma estatura mediana. E constituição mediana também.

- O rapaz que acompanhava o cocheiro diz que ele era um homem alto e forte, senhorita.

- Imagino que essa deva ser a aparência que ele teve para o rapaz, senhor. Afinal, Jamie é franzino -

Nicola olhou para o topo da cabeça do investigador para acrescentar, com certa maldade: - e baixo.

- De fato, senhorita, foi o que notei - ele disse, o rosto sem expressão. - Pôde notar alguma marca ca-

racterística? Algo em sua maneira de falar, agir ou se vestir? Algo em seu caminhar?

- Ele falava como um cavalheiro. - Nicola sabia que isso já era bem conhecido. - Quanto a seus mo-

dos... seu andar... sinto desapontá-lo, mas... eu estava com medo, temendo por minha vida, e não notei

mais detalhes.

- Sim, senhorita. Muito obrigado. - Stone voltou-se para Richard para acrescentar: - Acho que devo

prosseguir com as investigações daqui, senhor. - E se foi.

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Richard encarou Nicola.

- Você não me pareceu muito cooperativa, querida cunhada - comentou.

- Não? Bem, não gostei da sr. Stone, se quer saber.

Achei-o impertinente. Mas eu disse tudo o que sabia. O saqueador estava vestido de negro, como todos

as seus companheiros. Usavam máscaras e os cavalos também eram negros, sem marcas. Acha que

se prepararam bem para ficarem irreconhecíveis. Além da mais, eu estava com muita medo, coma já

disse.

- Você, querida Nicola? Não acredito que alguma vez tenha sentido medo na vida.

- Bobagem. É claro que senti. Pergunte a sua esposa. Ela poderá lhe dizer que tenho pavor a ratos. Ela

se interrompeu, pensou e acrescentou: - Especialmente a variedade com duas pernas.

Nicola sustentava o olhar do cunhado com altivez.

Ele sorriu de leve e murmurou:

- É claro ... Bem, senhoras, vamos entrar? Acha que já estamos perto da hora do almoço e talvez, mais

tarde, passamos fazer uma visita agradável. Estou livre hoje.

- Sinta muito, mas já fiz planas para ir até a vila. - Nicola avisou de pranto, não querendo passar tempo

algum em companhia de Richard.

- Vai visitar camponeses outra vez? - o conde perguntou sarcástico. – Não acha que tal nobreza de

alma já está ultrapassada?

- Gosta do povo daqui. Eles nos receberam muito bem quando nos mudamos para cá e jamais vou me

esquecer disso.

- Não. havia cama serem diferentes... Você é prima de Buckminster.

- Eles não tinham medo de ofender meu primo e nem eram educados por temerem algo. Gastavam de

fato de mim, como eu deles. Não há como forçar a afeição com o temor.

- Sabe, acho essa sua afinidade com as classes inferiores um tanto estranha, cunhada. Mas acha que

vai querer almoçar conosco antes de ir ao encontro deles, não?

- É claro que sim. - Nicola lhe sorriu com falsidade e recebeu o sorriso de volta.

- Esplêndida! -Richard comentou. E, oferecendo o braço à esposa, convidou: - Venha, minha cara. Va-

mos entrar.

Nicola apenas seguiu o casal. Soubera desde a princípio que seria difícil conviver com Richard naquela

casa, mas achava que o pior ainda estava por vir.

O almoço foi rápido, e Nicola fez o possível para falar pouco e sorrir quando necessário para que a

atmosfera geral fosse sustentável. Mais tarde, caminhou até seu quarto e pegou sua maleta de ervas e

remédios. Poucas semanas antes, quando estivera em Buckminster, recebera muitos pedidos de

remédios para os fazendeiros e meeiros da propriedade. Desde que vovó Rose morrera, as aldeões

sentiram falta da sabedoria e da presença da bondosa velhinha e passaram a recorrer a Nicola para

aliviar seus sofrimentos. E, ao voltar desta vez, lembrara-se de trazer tudo que achava necessário para

poder atender àquela gente.

Deixou Tidings depois de amarrar sua maleta à sela do cavalo e recusar terminantemente a companhia

de um dos rapazes dos estábulos. Preferiu não seguir a estrada, mas cavalgar pelos campos. O

caminho podia ser mais difícil, mas era mais curto, e Nicola sempre soubera montar muita bem.

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Respirava profundamente, sentindo o ar puro do campo preenchendo-lhe os pulmões, tão diferente do

ar da cidade grande: A tensão por ter de conviver com o cunhado foi se dissipando aos poucas, embora

ainda pensasse em como seria difícil passar mais alguns meses ali. Cada vez que estava perto de

Richard, sentia como se uma serpente estivesse pronta a dar-lhe um golpe. Mas sabia que não podia

deixar a irmã sozinha. Gostaria de poder levar Deborah para Londres consigo, mas isso seria

impossível, mesmo se Exmoor permitisse. Uma viagem assim poderia provocar novo aborto, e isso era

o que menos se poderia desejar no momento.

Cavalgar era uma de suas paixões e, conforme se acostumava ao cavalo, incitava-o a correr ainda

mais. Chegou a pular cercas, feliz, livre. O clima frio do inverno não era tão terrível durante o dia e

animava-a a seguir, aliviando-a das tensões. Parou, em um determinado ponto, sabendo que, se

seguisse pela esquerda, chegaria à vila mais cedo. Para a direita, iria alcançar a estrada que levava a

Lydford Gorge, onde o rio formava uma cascata. Como tinha tempo para uma jornada maior, para

aproveitar o dia convidativo, decidiu seguir essa direção. Afinal, não havia motivos para não ir para lá ...

Queria ver a cascata novamente. Compreendia agora que tal idéia estivera em sua mente desde que

decidira visitar a vila. Depois dos pensamentos que tivera na noite anterior, sabia que não poderia

deixar de ir à queda de água outra vez.

Agora, não mais prestava atenção ao local por onde seguia; sua atenção estava toda no lugar aonde

pretendia chegar. Ao aproximar-se, sentiu que seu coração batia mais e mais depressa. Nunca voltara

ali depois do dia em que Gil morrera. Temia ver aquele local de novo, mas sentia-se como que impelida

a seguir até ali. Quando estivera na casa dó primo, chegara a acompanhar um grupo que fizera um

piquenique ali perto, mas as lembranças a tinham detido. Agora estaria sozinha o que seria ainda pior,

mas tinha de fazê-lo.

Começou a ouvir o ruído da água, cada vez mais alto e forte. Pouco depois pôde avistar o idílico local

onde ela e Gil haviam se encontrado algumas vezes naquelas semanas maravilhosas em que tinham

experimentado o amor. Puxou as rédeas, fazendo com que o cavalo parasse e desmontou. A força das

águas produzia uma névoa muito fina de vapor, e Nicola respirou-o profundamente. Lembrou-se das

vezes em que encontrara Gil ali depois daquele baile na casa do conde. Eles se sentavam à sombra

das árvores, conversavam, beijavam-se, faziam planos para o futuro. Pensavam em ir para a América

quando Nicola completasse dezoito anos e lá se casariam. Lá, Gil ouvira dizer, o nascimento de um

homem não determinava sua sorte na vida. Ele dera um anel a Nicola, pesado, simples, que era a única

herança que tivera. Sua mãe o dera a ele antes de morrer, e Nicola usava-o com carinho, mas, como

não podia ostentá-lo no dedo, trazia-o em uma corrente de ouro, preso ao pescoço e escondido sob as

roupas.

Agora, ela cerrava os olhos e deixava-se dominar pelas lembranças. As lembranças eram tão vivas que

quase a fizeram gritar de angústia.

- Oh, Gil... - sussurrou desesperada.

Jamais se sentira tão viva como quando estava nos braços dele. Seus beijos tinham sido ardentes, seus

carinhos, alucinantes, despertando sensações que ela nunca antes conhecera. Tinham se deitado sob

as árvores, beijado-se e abraçado-se como loucos, até quase não suportarem mais a pressão do

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desejo, mas era sempre Gil quem se controlava e se afastava, criterioso. Recusava-se a desonrá-la,

como dizia. Teriam de esperar até que estivessem casados...

Ela, ao contrário, queria prosseguir, entregar-se, chegara certo dia, a abrir o corpete do vestido,

oferecer-se, apaixonada, e deliciara-se com a expressão de absoluto desejo que vira no rosto de Gil.

- Não me quer? - perguntara, sabendo qual seria a resposta.

- Meu Deus, garota, você está me matando - ele dissera, acariciando-a. - Não sabe que a quero mais

que tudo na vida?

Suas mãos a tocaram, tocaram o anel que ela trazia junto ao peito, e lhe sussurrara, cheio de paixão:

- Pensar que este anel significa tanto para nós, que você é minha, que sou seu...

- Então, faça amor comigo, Gil! - ela pedira. - Faça amor comigo!

- Não... Você ainda não leva meu nome... Isso aconteceu com minha mãe, e não quero que aconteça

com você. Não quero envergonhá-la. Nem você nem meu filho merecem isso. Se um dia tivermos um

filho, será dentro de nosso casamento, abençoado por Deus. Agora, cubra-se, antes que eu

enlouqueça.

- Tem certeza? - Ela sorria.

- Tenho. - Gil sorrira de volta, carinhoso.

E, nesse momento, ouviram uma espécie de rugido e voltaram-se para ver a expressão terrível no rosto

do conde de Exmoor, que os observava.

Gil levantou-se, desajeitado por causa da surpresa, e Richard alcançou-o antes que ele se colocasse

em pé, atingindo-o com um violento golpe no rosto e prostrando-o novamente no chão. O conde voltou-

se, então, para Nicola e vendo o cordão com o anel em seu pescoço, pegou-o com um puxão,

arrancando-o. - Mas o que é isto? Um anel?

- Sim! Gil o deu a mim! - Nicola protestou. - Vamos nos casar!

- Vão se casar? Você vai se casar com um criado? - Richard olhou para o anel, e seus olhos se

arregalaram. - Meu Deus!

- Devolva-o! - Nicola gritou. - É meu! Como ousa interferir em minha vida?

Richard lançou o anel cascata abaixo, diante dos olhos espantados de Nicola.

- Jamais vai se casar com ele!

Pouco adiante, Gil se recuperava, levantando-se devagar. Veio, então, em direção a Richard como um

touro enfurecido, e os dois homens começaram uma luta terrível sobre a grama. Nicola levantou-se

devagar, fechando o corpete, vendo que a luta se tornava mais e mais violenta.

- Parem! - gritou aflita. Via que eles estavam se aproximando perigosamente da beirada da cascata, que

era muito alta.

De repente, algumas pedras da beirada se soltaram, e eles quase caíram. Ao perceberem o que estava

acontecendo, ambos tentaram se segurar como podiam, mas o chão desabou sob as pernas de Gil,

arrastando-o, embora ele estendesse os braços em uma aflita tentativa de se segurar.

- Gil! - Nicola gritou apavorada.

Richard, que alcançara terreno firme, voltou-se e, arrastando-se ainda, seguiu até a beirada,

estendendo braço para o rapaz.

- Segure firme! - gritou para ele. - Vou puxá-lo! Nicola começava a rezar para que tudo acabasse bem.

Page 32: Candace camp - chilton 03 - sempre teu amor

Via os músculos nas costas do conde se moverem e depois ouviu um breve gemido, percebendo que o

conde parava de se mover.

Nicola sentiu um frio intenso apoderar-se de todo o seu corpo, como um presságio. Não conseguia falar

ou reagir. Muito devagar, Richard voltou-se para ela e afastou-se da beirada da cascata.

- Sinto muito - disse ele. - Ele não conseguiu mais segurar. Eu tentei, mas a mão dele escorregou da

minha. Ele... caiu.

CAPÍTULO 04

Nicola afastou-se da queda de água, os olhos cegos de lágrimas. A lembrança daquele terrível dia, dez

anos antes, era ainda muito clara. Reviveu aquela sensação de absoluto vazio quando se sentara à

beira da cascata, olhando para a espuma das águas, perdida, sem esperanças. A dor em seu peito era

profunda, mas era como se não pudesse aceitar o fato de que Gil morrera. Chegara a levantar-se,

imaginando que ele poderia estar apenas ferido, que ainda havia uma chance de salvá-lo. Mas o conde

a fizera ver que tal idéia era absurda, que as rochas lá embaixo eram enormes, pontiagudas e

mortíferas. Nicola, porém insistira, quisera descer até lá. E o fizera. No entanto, as pedras tornavam o

acesso muito difícil, e ela levara muito tempo até conseguir chegar à boca da queda, que era

circundada por rochas muito altas e que já.estava quase oculta pelas trevas do princípio de noite.

Richard a acompanhara, mesmo a contragosto e, juntos, eles procuraram por qualquer sinal de um

corpo, mas nada encontraram. O conde propusera levá-la para casa, dissera que o corpo de Gil devia

estar preso ao fundo do rio ou talvez tivesse sido levado água abaixo. Gil morrera na queda ou se

afogara, não havia mais chances de encontrarem-no.

Nicola continuara teimando, incapaz de crer que seu grande amor estivesse morto. Continuou

caminhando pela margem, em uma tentativa infrutífera de encontrar Gil. Quando, por fim, se deu por

vencida, Richard levou-a para casa. Dizia sentir muito, explicava que estivera irado por vê-los juntos,

mas que jamais pensaria em ver o rapaz morto. Afinal, ele tentara salvá-lo, mas como ambos estavam

com as mãos úmidas, fora

impossível sustentá-lo.

Nicola apenas assentira, aceitando os fatos. Richard prometera ir falar com o magistrado para explicar-

lhe o que acontecera, dizendo que faria de tudo para que a reputação dela ficasse ilesa, para que

ninguém soubesse que estava ali, sozinha, com um criado.

- Não me importo com minha reputação! - ela reagira. - E Gil não está morto! Eu sinto que não está!

Richard falara com sua mãe, explicara tudo, e, pouco depois, Nicola recebia um remédio indicado por

um médico, que a acalmara e a fizera dormir até o dia seguinte.

Mesmo ainda tonta por causa do medicamento, ela conseguira escapar dos cuidados da mãe e seguira

mais uma vez para a cascata, onde vasculhara cada centímetro do terreno ao redor. Não encontrara

nenhum sinal de Gil. Nada...

Nos dias que se seguiram, com a confirmação da morte dele ficando cada vez mais óbvia, o desespero

a tomara. Se estivesse vivo, ele encontraria um meio de entrar em contato... Imaginou que ele levaria,

Page 33: Candace camp - chilton 03 - sempre teu amor

talvez, dias para se recuperar da queda e continuou esperando, esperando... mas não houve notícias.

Nunca.

Nicola entrou em depressão, não comia, não dormia, não queria reagir.

O magistrado local viera, fizera perguntas, e ela confirmara a história que Richard contara. Que ele

tentara segurar o rapaz, mais que as mãos tinham escorregado uma da outra. Fora um acidente.

Entendeu, mais tarde, que o magistrado imaginava que ela estivera passeando a cavalo com o conde e

que o rapaz os acompanhara. Essa fora a história que o conde narrara ao representante da lei. Mas ela

não se importava se era ou não verdade. Não se importava com mais nada na vida.

Passadas duas semanas, sua tia chegara e a levara consigo para Londres. A princípio, Nicola se

recusara a ir, ainda esperando por notícias de Gil, mas sua tia insistira com carinho, fazendo-a perceber

que não adiantava mais ficar ali. E, sabendo que aquele lugar lhe traria muitas recordações de Gil, ela,

por fim, concordara em viajar. Ainda assim, fora uma última vez à cascata e olhou para as águas com

tristeza e resignação. E, e num último olhar, um brilho em uma poça de água sobre uma pedra chamou-

lhe a atenção. Desceu mais, e seu coração bateu depressa ao reconhecer, preso a um pequeno arbusto

junto à poça, o anel que Gil lhe dera. Quando Richard o lançara queda abaixo, ele devia ter se

enroscado no galho do arbusto e, agora, pendia ali.

Com dedos trêmulos, ela recolheu a jóia e apertou-a contra o coração. Jamais se separaria dele

novamente, jurou a si mesma. Voltou para casa e, no dia seguinte, seguiu para Londres, em companhia

de tia Drusilla.

Nicola afastou-se da queda de água. Sua mão estava, inconscientemente, apertando o bolso do

vestido, onde trazia o anel. Naqueles dez anos, acostumara-se a leva-lo consigo em locais onde as

outras pessoas não o pudessem ver. Nos bolsos, em uma corrente presa ao pescoço... A princípio, ele

fora como um talismã, uma lembrança de Gil que lhe dava conforto e forças para seguir vivendo, e

agora era como se a jóia fizesse parte dela mesma.

Afastou-se dali, tornando a montar e seguindo em direção oposta à cascata. Seguiu na direção da vila e

parou primeiro na igreja, para fazer uma breve visita à esposa do vigário. Quando já estava partindo, a

governanta aproximou-se dela pelo lado da casa, dizendo que a cozinheira andava com muita tosse e

que a arrumadeira tinha um resfriado constante, que não passava nunca. Nicola atendeu as duas, pela

porta da cozinha, que ficava nos fundos da casa.

- Obrigada, srta. Falcourt. Foi Deus quem a mandou aqui - agradeceu a governanta. - Minha irmã Elm

disse-me que a senhorita curou uma dor nas costas que ela tinha há anos com suas ervas. E eu disse a

nossa cozinheira que a senhorita faria o mesmo por ela.

- Sua irmã Elm? - Nicola indagou. - Então, a senhora é irmã da sra. Potson? Que coincidência! Como

está sua irmã?

- Muito bem, obrigada. A dor nas costas só volta mais amena quando ela carrega um pouco a mais de

peso. Ela é teimosa, quer fazer tudo sozinha... Elm tem uma filha chamada Sally, mas não deixa que a

menina a ajude!

Nicola apenas sorriu. Sabia que a sra. Potson não deixaria que ninguém fizesse seu serviço e que

levava o marido e a filha em rédeas curtas.

Sua próxima parada depois dali foi na hospedaria.

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Jasper Hinton, o proprietário, era um homem miúdo e magro, casado com uma mulher forte e alta. E

eram os dois diferentes em outros aspectos também: ele era calado, mais afeito a números do que a

pessoas, e ela era tagarela e sociável. A hospedaria e a taverna adjunta eram um local propício a

novidades e fofocas, e Lydia estava sempre pronta a ouvir e a contar as novidades que seu marido

franzino procurava ignorar.

Sempre havia ali alguém que precisasse de um ou outro remédio ou que soubesse de alguém que

precisava, por isso Nicola passou por lá.

Um dos criados da hospedaria veio correndo recebe-la assim que ela entrou no pátio da estalagem.

- Oh, eu ouvi dizer que estava de volta, mas nem pude acreditar, senhorita! - saudou ele animado.

- Vim para visitar minha irmã.

- Que bom! - Ele se voltou para um dos rapazes que cuidava do estábulo. - Ei, Jem, venha cuidar do

cavalo da senhorita e dê um bom trato nele; sim! - Depois, voltando-se para Nicola novamente,

começou a caminhar com ela para a hospedaria. - E como está sua irmã? Não a vejo muito, sabe?

- É, Deborah não sai muito de casa... E como está seu olho, Malcolm?

- Oh, como se lembrou, senhorita? Meu olho está bem agora, graças à infusão que me receitou. Foi

como se tirasse a irritação com a mão, sabe?

- Que bom...

- Agora que vovó Rose se foi, a senhorita é a única que tem mãos de fada por aqui.

- Ah, mas nunca saberei tanto quanto ela sabia!

- Ela era uma beleza, mesmo! Sabia o nome de todas as plantas e flores da floresta! E sabia usar todas

elas também. Dizem que aprendeu com sua mãe e sua mãe com a mãe dela, e assim por diante. Foram

todas mulheres mágicas, naquela família.

Quando Nicola entrou na hospedaria, o ajudante se despediu, voltando a seus afazeres costumeiros.

Lydia Hinton sorriu assim que a viu e aproximou-se.

- Oh, srta. Falcourt! Que bom que veio! Não pensei revê-la tão cedo! Venha para minha sala e

descanse.

A mulher gostava de conversar e sabia que o lugar mais apropriado para pôr as fofocas em dia com

aquela visitante ilustre seria a sala de sua casa e não a recepção da hospedaria. Trouxe-lhe chá e

biscoitos e sentou-se diante dela, disposta a uma boa conversa.

Nicola perguntou sobre a saúde do sr. Hinton e das crianças, depois sobre os empregados da

hospedaria e da estalagem, e ouviu as pequenas fofocas da vila. Mas uma pergunta estava em sua

mente e sabia que teria de esperar que a outra contasse tudo que julgava importante para depois fazê-

la. Quando a dona do lugar decidiu parar um pouco de falar para tomar um gole de chá, Nicola

aproveitou sua oportunidade:

- Sra. Hinton, e esse saqueador que anda por aí?

- Saqueador? - Havia um certo ar de inocência no rosto de Lydia, mas Nicola sentiu que ela estava ape-

nas ganhando tempo para pensar no que responder.

- Sim. Ele interceptou minha carruagem ontem à noite, sabia?

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- Oh, não me diga! Ele não devia ter feito uma coisa dessas! - A mulher mostrava-se chocada. - Não,

com a senhorita! Quero dizer, uma coisa é ele... - Ela parou, retificando o que ia dizer: - Bem, não se

deve atacar uma dama como a senhorita...

Nicola sorriu.

- Se teme que eu conte ao conde algo sobre o que está me dizendo, não precisa se preocupar. Exmoor

e eu não somos grandes amigos.

- É a senhorita não os tem visitado nos últimos dez anos... Mas dizem que o sangue é mais grosso do

que a água.

- Não tenho relação de sangue com Exmoor! E a tola decisão de minha irmã em se casar com ele não

me deixou cega para o que ele é de fato. Acho que você me conhece bastante bem para saber que não

tenho intenção de ferir ninguém. Lembra-se de que não perguntei nada sobre as bolinhas de chumbo

que tive de tirar da perna de Harry no mês passado? Eu soube que foi quando ele estava caçando

veados na propriedade de seu patrão, lorde Buckrtlinster, o que é proibido por lei. Eu nada disse ao

lorde sobre o caso... E Bucky é meu parente, meu primo querido. Se eu nada disse a ele sobre Hart,

pode ter certeza de que nada direi a meu cunhado, que detesto.

Lydia corou intensamente.

- Sinto muito, srta. Falcourt. Sei que não diria nada, mas está morando em Tidings agora, e sua irmã é

esposa dele...

- Eu sei. Mas vou dizer-lhe uma coisa, Lydia: esse saqueador me roubou, mas, mesmo assim, não dei

uma descrição exata dele ao investigador que meu cunhado contratou para pegá-lo.

- Um investigador! - a proprietária da estalagem se alarmou.

- Sim. O nome dele é Stone e falei com ele esta manhã. Parece ser um homem rude. Não gostei nada

dele.

Lydia meneou a cabeça, comentando:

- O "cavalheiro" não devia estar se arriscando assim! Eu sabia que ele iria longe demais um dia qual-

quer e que o conde o perseguiria. Lorde Exmoor não é um homem que se deva enfrentar.

- É verdade. Mas você fala como se conhecesse esse homem. Já o encontrou alguma vez?

Lydia parecia pouco à vontade agora.

- Não .. exatamente. Mas ele é... conhecido por aqui.

- Não estou entendendo.

- Bem ... o povo gosta dele. Porque ele faz coisas pelos pobres. Ajuda-os.

- Quer dizer que ele dá dinheiro a eles? Lydia assentiu.

- É, dá... Conhece Ernest Macken, senhorita. Ele tem uma esposa e cinco crianças pequenas e

trabalhou nas minas de estanho a vida toda. Bem, ele ficou doente e não pôde trabalhar por semanas.

O conde o demitiu e, como é o dono da casa onde ele e a família moram, disse que eles teriam de

desocupá-la já que não estavam pagando o aluguel. Mas, certa noite, alguém bateu à porta, e Jenny, a

esposa de Ernest, foi abrir e viu que tinham jogado um saco de moedas em sua soleira. Era o suficiente

para que Ernest pagasse o aluguel por seis meses, comprasse comida e roupas para as crianças.

- E foi o saqueador que deixou o dinheiro lá? Como podem saber?

Page 36: Candace camp - chilton 03 - sempre teu amor

- E quem mais poderia ser? Ninguém por aqui tem tanto dinheiro, exceto o próprio conde, o magistrado

ou lorde Buckminster, e nenhum deles anda cavalgando por aí, à noite, distribuindo dinheiro.

- Acho que tem razão.

- E isso aconteceu com outras pessoas também. Alguns receberam mais dinheiro, outros menos,

dependendo das necessidades. Faith Burkitt, por exemplo, ficou viúva e o conde ameaçou despejá-la

também.

Também ela recebeu um saco de dinheiro à noite. Mas ela conseguiu ver o homem que o deixou ali e

disse que ele estava vestido de preto e que usava uma máscara.

- Entendo... Então, esse homem é uma espécie de Robin Hood.

Lydia assentiu e acrescentou:

- É como as pessoas o consideram por aqui, senhorita. Ele as ajuda e incomoda o conde, apenas o

conde, que agrada a todos.

- Sei... Bem, não posso dizer que Exmoor seja um bom patrão. - Nicola sabia que Richard herdara não

só as propriedades como as minas de estanho, a mansão e as terras daquela região.

- Sabe, o velho conde não era mau - Lydia prosseguiu. - E dizem que seu pai, antes dele, também, não

era. Mas quando esse novo conde veio para cá... Os salários nas minas são baixíssimos e foi ele quem

os baixou assim que tomou posse de tudo. Disse que as minas não davam lucro. Mas se davam para o

antigo conde! Depois aumentou os aluguéis das casas em que os mineiros moram e que lhe pertencem.

Fez o mesmo com os fazendeiros, que sofrem quando a colheita é pouca, e com os mineiros ainda é

pior porque eles dependem daquele salário de miséria para viverem e sustentarem suas famílias.

Nicola engoliu em seco indignada. Também em Londres a injustiça social a deixava ultrajada, e era por

isso que fazia seu trabalho de caridade.

- Não é de se estranhar que as pessoas gostem quando é ele o roubado - comentou. - Minha irmã me

disse que os carregamentos dele são atacados com mais freqüência.

-É verdade - Lydia concordou. - Uma vez, o cavalheiro parou a carruagem do médico quando este es-

tava seguindo para atender um paciente e, quando ele viu de quem se tratava, mandou-o seguir, sem

tirar-lhe um único centavo. Eu não diria que ele é um santo. É um homem, mas está tentando atingir

apenas o conde, isso é certo.

- Imagino por que faça isso...

- Por quê? Depois do que o conde fez? Por que não?

- Eu entendo, mas normalmente os ladrões não são tão seletivos. É como se esse saqueador tivesse

algo contra o conde, algo pessoal. Ele é daqui?

Lydia primeiro negou balançando a cabeça, depois acrescentou:

- Não. Ele veio para cá há poucos meses. Primeiro, havia apenas ele e os homens que vieram em sua

companhia, mas, depois, mais alguns se juntaram ao grupo.

- Você que dizer... homens daqui?

- Sim.

- Oh, meu Deus, temo pelo que possa acontecer a eles. O conde está determinado a capturar esse

criminoso e, agora, com o investigador tentando apanhá-lo...

Page 37: Candace camp - chilton 03 - sempre teu amor

- Eu não me preocuparia tanto, senhorita. O cavalheiro é muito esperto, e ninguém sabe onde ele vive.

Os homens daqui que o acompanham encontram-no em um determinado lugar, mas ele e os que

vieram de fora se escondem em um local que ninguém conhece. São quatro homens ao todo.

- E como ele é?

- Sua aparência? Não estou bem certa - Lydia respondeu, bebericando seu chá. Depois inclinou-se um

pouco e segredou sem voz: - Certa noite, um homem entrou na taberna e disse que queria falar apenas

com meu Jasper. Eu me levantei e fiquei ouvindo a conversa do topo da escada. O homem disse a

Jasper que queria um pouco de uísque para alguém que esperava lá fora. Estava chovendo e ventando

muito, uma noite terrível para qualquer pessoa andar por aí. Jasper perguntou por que o homem não

entrava para beber, mas o amigo disse que ele não podia, então Jasper vendeu-lhe a bebida. Depois

disso, ouvi passos e barulho de esporas lá fora e, por fim, o tal homem decidiu entrar. Eu me estiquei

toda para ver de quem se tratava e fiquei morrendo de medo. Era um homem alto, forte, parecia encher

todo o vão da porta. Estava vestido todo de negro e usava uma máscara sobre os olhos. Eu soube de

quem se tratava de imediato e temi por meu marido porque, mesmo todo mundo dizendo que ele é bom

e tudo o mais, eu não sabia o que poderia acontecer, não é?

Nicola estava tão atenta que mal podia respirar.

- E então? - indagou ansiosa.

- Então, com uma voz elegante e profunda, o homem disse: "obrigado, senhor, não vou perturbá-lo,

fazendo com que me sirva lá fora, em uma noite tão terrível." E ele bebeu o uísque e pagou Jasper com

uma moeda de ouro! Quase caí da escada ao ver aquilo. Então, o homem fez uma leve mesura e

voltou-se para sair novamente, mas, antes, disse ainda, "E boa noite para a senhora, sra. Hinton!" Eu

mal pude acreditar que ele tivesse me visto! Ele tinha me visto naquele pouco tempo em que entrara

enquanto nem meu marido e nem o outro homem tinham percebido minha presença!

- Então, você não viu o rosto dele. Ninguém mais viu?

- Bem, eu não vi. Algumas das garotas da vila dizem que ele é bonito, mas não passam de uma tolas

românticas. Aposto que nunca o viram, nem com a máscara. Não sei de ninguém que saiba qualquer

coisa sobre ele, nem de onde veio.

Nicola tinha certeza de que, se a sra. Hinton nada sabia, ninguém mais poderia saber.

- Fico imaginando se ele é, de fato, um cavalheiro - analisou. - Porque ele me pareceu ser ontem à

noite.

- Bem, as mãos dele não são as de um cavalheiro. Eu as vi quando tirou as luvas para poder beber.

Eram duras, grandes, as mãos de um homem que trabalhou a vida toda. Nem um cavalheiro que

cavalga sem luvas teria mãos assim.

- Então, como ele aprendeu a falar assim? Lydia deu de ombros.

- É um mistério. Pessoalmente, acho que ele gosta de parecer um cavalheiro e não quer que ninguém

saiba quem é na verdade.

- É... Quanto menos souberem a seu respeito, mais chances terá de nunca ser pego.

- Mas ninguém vai pegá-lo. Ele é um herói por aqui!

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- E se o conde oferecer uma recompensa? Sempre há gente louca por dinheiro, você sabe. Aposto que

Richard vai fazer isso. Ele está determinado a capturar esse homem, entende suas ações como uma

afronta pessoal.

- Seja como for, o conde vai ter muito trabalho para pegá-lo. E se alguém o entregar, precisará ter

cuidado pelo resto da vida.

- Espero que você esteja certa. Eu não gostaria de ver qualquer um dos homens daqui que anda com

ele ser pego. Seriam enforcados, você sabe.

- Sim, eu sei. Mas não serão pegos. O homem é astuto.

Já que o assunto sobre o cavalheiro pareceu esgotar-se, Nicola desviou a conversa para outros temas.

Por fim, a dona da estalagem levantou-se, dizendo já ter tomado muito do tempo de Nicola.

- Se não se importar, senhorita... sabe, algumas das garotas da vila reclamam de seu período

menstrual, e vovó Rose costumava dar-lhes algo para acalmar dores e regular seus períodos. Poderia

fazer o mesmo?

- Mas é claro! Eu trouxe algumas ervas. Deixei-as em uma sacola em minha sela.

- Oh, vou mandar que alguém a pegue! A senhorita é muito bondosa. Vovó Rose teria orgulho se ainda

estivesse viva.

- Obrigada.

Nicola passou à tarde na sala da hospedaria, atendendo pessoas que se queixavam de algum mal.

Deixou remédios para todos e, quando não sabia ao certo o que receitar, anotava os sintomas em um

caderninho e prometia mandar algo para o doente no dia seguinte. Algumas pessoas pediam-lhe que as

acompanhasse até suas casas, pois seus entes queridos estavam doentes e não podiam se levantar.

Ela o fez, com paciência e dedicação. A tarde passou, a noite se aproximou, e Nicola estava voltando

da casa de Tom Jeffers, onde fora atender sua mãe, que estava velha e fraca demais para caminhar.

Nicola soubera de imediato que já não havia nada a ser feito pela pobre mulher, a não ser dar-lhe um

remédio para que não sentisse mais dores.

Estava voltando a pé da casa, por uma das ruas da vila, para buscar seu cavalo no estábulo, quando

viu um homem apressado, caminhando em sua direção. - Senhorita! Senhorita! Espere, não vá embora

ainda!

- Oh, olá, Frank! - ela o reconheceu. Era o marido de uma das antigas camareiras de Buckminster. O

casal já estava junto havia cinco anos e tinha quatro crianças. - Como vai?

- Não muito bem, srta. Falcourt! Acabamos de saber que a senhorita estava por aqui... É meu bebê. Ele

não está bem, mal consegue respirar. Parece estar piorando... Poderia vê-lo?

- Mas é claro, Frank! - No entanto, Nicola estava tensa. Sabia que as doenças das crianças eram mais

difíceis de serem curadas. Uma febre, suportável em um adulto, poderia matar um bebê.

Seguiu o homem, porém, e entrou com ele-no interior abafado da pequena casa. Havia apenas uma

vela acesa, que fornecia uma iluminação deficiente para todo o aposento. Uma mulher estava sentada

em um banquinho junto à lareira, com uma criança de aproximadamente dois anos nos braços. Ela o

embalava, cantarolando baixinho e, ao ver Nicola, levantou-se depressa, sorrindo.

- Oh, srta. Nicola, obrigada! - exclamou. Entregou a criança para os cuidados de Nicola, já

com lágrimas nos olhos.

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- Pode ajudá-lo? Ele não vai morrer, não é?

- Farei o possível - Nicola prometeu.

O menino, febril, começou a tossir.

- Parece crupe, Lucy. Acho que ele vai ficar bem, mas precisamos manter sua garganta aberta. Coloque

um pouco de água para ferver, sim?

Lucy obedeceu-lhe de pronto. Nicola ficou com a criança nos braços e, quando a água ferveu, pediu à

mãe que colocasse um pouco em uma tigela. Depois formou uma espécie de tenda com o cobertor,

sentando-se e colocando o pequeno sob ela. Conforme respirava o ar cheio de vapor, a criança pareceu

parar de tossir aos poucos Lucy agora chorava de alegria.

- Faça isto quando ele recomeçar a tossir - Nicola orientou. - O vapor abre sua garganta, e ele pode res-

pirar melhor. Aqueça-o bem esta noite. Vou deixar um ungüento para você passar no peito e nas costas

dele e também umas folhas de amora brava para que faça uma infusão e lhe dê aos poucos. Se não for

suficiente, amanhã mandarei mais folhas. Faça como eu orientei e, se ele não melhorar, mande me

avisar, está bem? -

- Oh, sim, senhorita! Deus a ampare, Deus a ilumine sempre! Obrigada!

Como já era tarde, Frank insistiu em acompanhar Nicola até a hospedaria. O criado com quem ela

falara ao chegar também mostrou-se preocupado em deixá-la seguir para Tidings sozinha, mas ela

delicadamente recusou sua companhia. Não temia nada. Ninguém ali lhe faria mal, e as histórias

fantasmagóricas não a as-

A sustavam. Havia, é claro, o assaltante da estrada, e ela chegou a sentir um calafrio ao pensar nele,

mas imaginou que ele não atacaria uma mulher sozinha.

A noite estava escura quando deixou a vila. O cavalo conhecia o caminho de volta a Tidings, e ela

deixou que ele seguisse praticamente sozinho, já que a lua nova fornecia pouca iluminação. Nicola

estava cansada, mas satisfeita, era sempre muito bom poder ajudar os outros, em especial uma

criança.

A estrada estava deserta e, em um determinado ponto em que havia arbustos mais altos nas margens,

um cavaleiro apareceu diante dela. Nicola prendeu a respiração, sentindo o coração bater forte. Sua

reação foi a de puxar as rédeas, refreando o animal.

Nicola tinha a boca seca. O homem se aproximou, com calma. Estava totalmente vestido de negro e,

sob o chapéu que usava, seu rosto era escuro: Ela soube de imediato que se tratava do cavalheiro.

Estivera enganada ao pensar que ele não pararia uma mulher sozinha. Apertava as rédeas entre os

dedos, sem saber o que fazer. Como sempre, decidiu ficar e enfrentar o perigo ao invés de correr.

O homem parou seu cavalo a poucos passos de distância e, retirando o chapéu, inclinou-se de leve, em

uma mesura. Sorria, e sua voz soou, mais uma vez, educada:

- Bem, minha senhora, é um tanto perigoso estar fora de casa tão tarde, não acha? Ainda mais sozinha

no escuro.

CAPÍTULO 05

Nicola tentou manter a voz calma ao responder:

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- Não tenho medo do escuro desde,que era criança.

- Mesmo assim, acho que devo acompanhá-la até sua casa. Não seria bom se alguma coisa lhe

acontecesse enquanto está agindo como a boa samaritana, não?

- Já que é a única pessoa por aqui que poderia me fazer algum' mal, não vejo necessidade de que me

acompanhe.

- Eu? Fazer-lhe mal? Está me ofendendo por pensar assim. - Ele sorria, e seus dentes eram bem

visíveis, apesar da escuridão.

- Por que outro motivo, então, iria parar minha carruagem e me apontar uma arma?

- Mas deve ter percebido que eu não representava perigo algum para sua pessoa.

Nicola olhou-o altiva.

- Mas forçou-me a fazer algo.

- Eu a forcei? Minha cara dama, roubar um beijo não é forçar nada além do mais, acredito que tenha

pago muito bem por ele ... - Ele acariciou a face onde ela o atingira. - Sabe bater muito bem.

- Bobagem. Eu não o feri.

- Feriu, sim. Feriu meu orgulho com aquele golpe, diante de meus homens.

- É por isso que está aqui? Para se vingar? Para resgatar seu orgulho ferido?

Ele tornou a sorrir.

- É uma mulher muito desconfiada, senhorita. Acho que já lhe disse que não vim para lhe causar mal,

mas para acompanhá-la até sua casa.

- Claro... Que tolice minha pensar o contrário. - Nicola olhava-o bem. Ele parecia ser a personificação

do mal e do perigo, mascarado e vestido de negro, mas o modo como ela sentia seu pulso acelerado

não era devido apenas ao medo, havia uma espécie de excitação percorrendo suas veias que a

intrigava e a deixava zangada consigo mesma. Não devia sentir-se assim em relação àquele homem. A

altura dele, sua força, até mesmo sua voz um tanto rouca, deveriam inspirar medo e não aquela

sensação que agitava suas entranhas.

E, como se entendesse o que ela estava pensando, ele, mais uma vez, sorriu.

- Quem é você? - Nicola perguntou, procurando um assunto, qualquer um, que pudesse aplacar aquela

estranha e sensual resposta de seu corpo.

- Realmente espera que eu lhe diga?

- É que me parece absurdo não ter como chamá-lo. Seria melhor se eu pudesse usar um nome para

associar a seu rosto... ou à falta dele.

-Oh, é uma mulher inteligente!

- Tenho certeza de que preferiria uma estúpida.

- Não, não, senhora! Na verdade, gosto de seu jeito, de seu temperamento forte. Como pode perceber,

sou um homem que gosta de viver no perigo. E acho que se poderia dizer o mesmo da senhora.

- Não. O perigo me assusta.

- Entendo... É convencional, tímida, até. - Parecia haver sarcasmo no modo como ele falava. - Tímida a

ponto de andar sozinha no escuro, no meio do nada.

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- Estar em uma carruagem, com um cocheiro e um ajudante não pareceu me ajudar muito, não é

mesmo? Acho que estou melhor sozinha, e, repito, ninguém por aqui poderia me fazer mal, com

exceção do senhor, é claro.

- Acredito que a maior parte das mulheres iria preferir estar em casa hoje, ainda mais se tivessem tido a

terrível experiência pela qual a senhora passou ontem.

- Eu imaginei que um assaltante não iria se preocupar em atacar um cavaleiro solitário, ainda mais em

uma estrada que não é a principal. Na verdade, admira-me saber que um assaltante tão famoso quanto

o senhor esteja atacando nesta região. As cercanias de Londres seriam bem mais lucrativas.

- Ah, mas os dias dos grandes assaltantes já passaram! E as cercanias de Londres já não são um local

muito saudável para aqueles de minha profissão.

- E Dartmoor lhe dá muito lucro. Quantas carruagens pára por semana?

- Vejo que está preocupada com minha renda! Mas não precisa se preocupar. Nós nos arranjamos

muito bem.

Nicola sorriu com desdém.

- Não estou preocupada com seu bem-estar, pode ter certeza - disse. - Estou apenas intrigada pois não

entendo por que o senhor escolheu este lugar tão distante e sem importância para agir.

- Bem, aqui pode haver menos oportunidades, mas também há menos chances de eu ser pego. E as

minas fornecem um bom lucro tanto em dinheiro quanto em mercadorias que são transportadas para o

suprimento de todos.

- Sabe, parece óbvio imaginar que o senhor tem uma espécie de vingança particular contra o conde de

Exmoor.

- Eu? E como alguém poderia querer se vingar de uma pessoa tão agradável quanto o conde? Um

homem tão bondoso para com seus empregados, tão compreensivo para com seus criados e meeiros.

- Acho que ele é um alvo fácil. No entanto, o que o senhor faz é roubo e nada mais. E, quando for pego,

será enforcado da mesma forma, como se houvesse roubado de um santo. E então o senhor já não

será um herói para o povo local quando alguns dos homens daqui forem enforcados a seu lado.

- Isso se formos pegos. Não tenho a menor intenção de deixar que isso aconteça.

- Nenhum criminoso tem. Mas são pegos mesmo assim, como o senhor será.

- Como pode estar tão certa?

- E como o senhor pode ser tão presunçoso a ponto de achar que não? Delicia-se em ridicularizar o

conde! Acha que ele não virá atrás do senhor? Exmoor é um homem ,muito rico e poderoso.

- Espero que ele venha! Eu teria muito prazer em encontrá-lo.

- Acha que ele viria atrás do senhor pessoalmente? Não seja ridículo! Homens como Richard contratam

outros homens para o trabalho sujo. E são esses outros homens que perseguirão o senhor e seus

seguidores. E ele já os contratou. Não se importa com o preço a pagar. O senhor o insultou,

praticamente desafiou-o a enfrentá-lo. Ontem, quando parou sua carruagem, foi como se houvesse

batido em seu rosto com uma luva de pelica. Richard não vai descansar enquanto não o vir morto! Ele

já contratou um investigador.

- Verdade? - Agora ele parecia mais pensativo.

- Sim. Falei com ele esta manhã. Seu nome é Stone, e ele parece ter boa reputação no que faz.

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- Bem, isso deixa o jogo ainda mais interessante. Mas acho que posso muito bem enfrentar um

investigador.

- Será que não entende? Richard não vai desistir! Talvez o senhor possa enfrentar este investigador, lu-

dibriá-lo, matá-lo, seja o que for. Mas Richard irá contratar outros se ele falhar. Vai pagar recompensas

por sua captura e, alguém, algum dia, vai traí-lo pelo dinheiro, não importa quanto o senhor confie na

lealdade do povo daqui! Richard vai colocar guardas em seus carregamentos.

- Ele já fez isso - o saqueador a interrompeu. - Ainda assim, consegui o que queria.

- Pois saiba que ele vai contratar mais gente. Homens que não terão escrúpulo algum em matar. Não

enxerga? Richard Montford é um homem terrível! E, vai fazer qualquer coisa para proteger seus

interesses.

- Tenho certeza de que sim. E acredito que a senhora seja um desses interesses.

Nicola arregalou os olhos.

- Eu? - estranhou. – Mas como ousa falar assim comigo? Não pertenço a homem algum, fique sabendo!

- Não? Pois tenho certeza de que seu marido não pensaria assim.

- Não. Mesmo porque, se pensasse, não seria meu marido.

- E um homem que a desposasse poderia ser assim tão mente aberta?

- O senhor nada sabe sobre o tipo de homem com o qual eu me casaria, pode estar certo! Não me

conhece!

- Sei que é a irmã da condessa de Exmoor - ele respondeu, absolutamente calmo. - Prima do lorde

Buckminster. Uma mulher da aristocracia, com um nome, com beleza, e que, com certeza, fez um

excelente casamento. E cheguei a imaginar que a senhora fosse a condessa de Exmoor.

- Eu, casada com Richard? Não, não.

- Foi o que meus homens me disseram. Mas acredito que deva ter se casado tão bem quanto ela, ou,

talvez, ainda melhor. Talvez com um duque? Será que me enganei ao tratá-la por "senhora"? Deveria

tratá-la por "Vossa Graça"?

- Não. – Nicola já perdia a paciência. Falava entre dentes. - Sou apenas a srta. Falcourt.

O saqueador encarou-a por alguns instantes em silêncio.

- Não é casada? - indagou, agora sério.

- Não. E isso não é assim tão espantoso. Muitas mulheres não se casam.

- Mas é raro para uma mulher de sua beleza e linhagem. Afinal, esse é o propósito da vida de uma da-

ma, não? Casar-se fazendo uma bela aliança. Ganhar posição, status, dinheiro...

- Fala como se o casamento fosse apenas um acordo de negócios.

- E não é? - A voz dele agora era fria e irônica. -Uma mulher nobre é como uma prostituta, que vende

seus favores a quem paga mais. A única diferença é que aquele que compra paga com um anel de

casamento e não com dinheiro vivo.

Nicola apertava as rédeas com as mãos. Poderia golpear aquele homem novamente, mas controlava-

se.

- O senhor é um grande tolo. É sua prerrogativa, eu sei, mas não tenho que ficar aqui ouvindo tais dis-

parates. Boa noite.

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Nicola instigou o cavalo, mas o homem, com um gesto rápido, segurou-a pelo antebraço, impedindo-a

de prosseguir.

- Não, eu não sou um tolo, srta. Falcourt - disse ele, a voz agora mais baixa, raivosa. - Fui, uma vez,

mas não sou mais. Descobri o que motiva uma mulher a escolher um marido e sei que não é o amor e

nem desejo. Sei muito bem do que estou falando.

- O senhor não sabe nada! Apenas pensa que sabe! Obviamente, alguma mulher deve tê-lo

desapontado, mas apenas um tolo classificaria todas as mulheres da mesma forma.

- Não, não todas elas. Apenas as nobres. Conheço muitas mulheres do povo cujos corações são

bondosos e quentes. Mas o coração de uma dama é frio como pedra.

- Então, o coração de uma dama deve ser bem parecido com sua mente, senhor.

Para surpresa de Nicola, ele riu.

- Bela resposta, minha srta. Falcourt. - Ele a soltou, e os cavalos mostraram-se inquietos. Começaram a

cavalgar, então, lado a lado.

- O senhor é insuportável! - Nicola quase gritou.

- Já me disseram isso.

- Por que insiste em estar ao lado de uma nobre quando detesta as mulheres da aristocracia?

- Quando se sabe como elas são, sabe-se também como ficar a distância segura e, ainda assim,

usufruir o prazer de sua companhia sem medo de se apaixonar. - Ele baixou os olhos para o corpo de

Nicola, deixando evidente o conteúdo de sua insinuação.

- Isso é bem típico de um homem - ela rebateu.

- Mas não é assim para uma mulher.

Mais uma vez ele riu com sarcasmo.

- As mulheres gostariam que pensássemos assim -disse ainda.

- E suponho que o senhor saiba melhor do que eu como uma mulher sente ou pensa.

- Sou mais honesto, eu diria.

- É mais arrogante, isso sim.

- Não é arrogância, é honestidade. Verdade. As mulheres gostam de fingir que não sentem desejo, a

não ser que tenham perdido seu coração, que se casem por amor e não por uma posição ou por

dinheiro. Mas a verdade é que se casam por motivos muito bem calculados, e sua paixão pode

continuar ardendo, mas sem a chama do amor.

Ela encarou-o aborrecida. Agora seus cavalos andavam mais devagar e não tinha que prestar tanta

atenção ao caminho, podendo dedicar-se a uma resposta bem pensada:

- Devo ser uma mulher esquisita, então, porque não sou assim.

- Seus dentes podem ser belos como pérolas, minha senhora, mas, por eles, as mentiras saem da

mesma forma.

- Como ousa dizer que estou mentindo?

- Porque é a verdade. Está mentindo e sabe muito bem disso. A senhora me ama?

Nicola quase riu.

- Ora, francamente, é claro que não.

- No entanto, ontem à noite, correspondeu a meu beijo com paixão.

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- Bobagem! - Nicola percebeu que não havia convicção em sua voz.

- Nós dois sabemos que não é bobagem: - Ele estendeu a mão e tomou-lhe as rédeas, fazendo com

que os dois cavalos parassem de repente. Inclinou-se para Nicola e disse, na voz rouca de antes: - Eu

a beijei e você me beijou também, mesmo sem me amar, sem nem mesmo me conhecer! Não sabe

meu nome, mas seus lábios abriram-se sob os meus!

- Não há limites para a autoconfiança de um homem, não é mesmo? - Nicola fingiu zombar. - Não se

lembra de que o esbofeteei? Isso mostrou minha paixão também? Ou será que eu estava apaixonada-

mente furiosa?

O homem mudou sua mão de posição, agora segurando o pulso de Nicola com força. Olhava-a nos

olhos.

- Quanto daquela raiva era contra mim? - murmurou. - E quanto era contra você mesma?

Nicola engoliu em seco.

- Presume demais, senhor! - sussurrou.

- Eu presumo, e você sente! - Ele se inclinou ainda mais, seu rosto bem próximo do dela.

Nicola queria poder escapar dali, mas estava imobilizada pela mão dele. Tinha de manter-se fria, mos-

trar-se indiferente.

- Por que não me beija agora e diz que nada sente? - ele pediu. - Nem paixão, nem desejo. Mostre-me

como apenas o amor faz seu corpo reagir.

- Não quero beijá-lo! - Nicola sabia, porém, que mentia. Suas mãos podiam estar geladas, mas seu cor-

po se aquecia rapidamente, e tudo em que podia pensar era naquela boca tão próxima, exposta sob a

máscara. Lembrava-se do beijo na noite anterior e queria sentir tudo o que sentira novamente.

Ele sorriu, como se entendesse o que se passava com ela e, puxando-a para si, tornou a beijá-la. E foi

como na outra noite. Os lábios dele derrubaram as barreiras, e ela simplesmente se entregou ao prazer

do beijo. Não conseguia esconder o que sentia e pôde ouvi-lo gemer, satisfeito, por reconhecer a

resposta no corpo dela. E, com uma facilidade incrível, ele a tomou pela cintura, fazendo-a deixar seu

cavalo para sentar-se no dele, à sua frente. Apertou-a contra seu peito, aprofundando o beijo

intensamente.

Nicola não se reconhecia. Dissera a si mesma que o que sentira na noite anterior fora causado pelo

medo, pela insegurança do momento e que não se repetiria, no entanto... O beijo de agora a tocava

como uma chama inquietante, que li consumia, a excitava. Um efeito mágico acontecia em seu corpo,

algo que a assustava e deliciava ao mesmo tempo.

Sem saber o que estava fazendo, ergueu os braços e passou-os pela nuca daquele estranho,

aceitando-o, mostrando que estava, de fato, envolta pelo desejo. E não houve mais troça ou zombaria

da parte dele, pois também estava dominado pela paixão. Seus lábios se moviam em uma dança muda

de desejo e, quando Nicola o ouviu gemer de novo esse som a excitou ainda mais.

As mãos dele agora procuravam abrir a capa que ela vestia e, quando conseguiram, passaram a

acariciar-lhe a curva dos seios, surpreendendo-a pela audácia e agradando-a com as sensações que

provocavam. Nicola já não pensava. Já não lhe importava o que ele poderia pensar sobre seu

comportamento.

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Suas próprias mãos abriram o corpete, fornecendo livre acesso às dele. Ele a acariciou muito

levemente, depois sussurrou:

- Não sabe como tenho... - Mas interrompeu-se de repente. Inclinou-se, então, e beijou-lhe um dos

seios, provocando um longo e baixo gemido de prazer em Nicola.

Ela levou as mãos a seus cabelos negros e acariciou-os, aceitando o carinho ousado. Jamais se sentira

assim, jamais quisera tanto pertencer a um homem.

Ele ergueu o rosto e olhou-a intensamente. Depois perguntou, quase sem voz:

- Não é desejo o que sente agora? Não está gemendo de paixão? Mas não sente amor algum por mim.

Nicola voltou a si de repente. Estava, de imediato, ciente do frio da noite, de seus seios à mostra e das

mãos daquele completo estranho sobre eles. Uma terrível sensação de vergonha se apoderou dela,

fazendo-a corar. Endireitou-se, puxando a blusa aberta e fechando-a, depois empurrou o peito daquele

homem e, com um salto, foi para o chão, para perto de onde seu cavalo pastava tranqüilamente.

Apressou-se em abotoar a blusa, mas seus dedos tremiam muito. Estava possessa consigo mesma por

ter se deixado seduzir dessa forma.

Sentia como se fosse uma estranha para si mesma.

Quando aquele homem estava por perto, não agia de maneira consciente e não entendia por quê. Não

era de se admirar que ele tivesse uma opinião tão depreciativa sobre ela. Nicola não sabia a quem

odiava mais no momento: a ele ou a si mesma.

Passou as mãos nas rédeas e olhou ao redor, em busca de algo em que pudesse apoiar os pés para

poder montar novamente, mas nada viu que servisse. Então decidiu continuar a pé. Passou pelo

saqueador, sem olhá-lo, mas sentindo os olhos dele em si, e percebeu quando ele desmontou e a

seguiu.

- Vá embora! - Nicola gritou, sem se voltar.

- Eu só ia ajudá-la a montar - ele respondeu, em tom casual.

- Não preciso de sua ajuda!

- E pretende voltar a pé para Tidings,puxando seu cavalo? - O tom divertido na voz dele irritou-a ainda

mais.

- Não! - rebateu. - Certamente vou encontrar um lugar para apoiar meu pé antes de chegar lá!

- Seria muito mais fácil se eu a ajudasse. Vamos, deixe de lado esse orgulho bobo por ter perdido a

aposta e...

- Não fizemos aposta alguma! - Ela se voltou para encará-lo furiosa. - E não estou com raiva por ter

meu orgulho ferido! Tem razão: não sei se estou mais zangada com você ou comigo mesma por ter

agido como uma... uma mulher vulgar! Sinto-me nauseada só em

pensar que permiti que me tocasse!

- Tenho certeza de que foi muito pior comigo do que com um de seus amigos bem-nascidos.

- Pois saiba que nenhum cavalheiro jamais me tocou assim! Nenhum homem, na verdade! - Passou-lhe

pela mente a imagem de Gil e seus beijos doces, juvenis. Ele a acariciara, sim, mas de uma forma mais

inocente, lembrava-se. Eles se amavam, e tudo fora lindo, nada como o que acabara de acontecer.

Nicola afastou a lembrança de Gil de sua mente e continuou andando.

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- Você fala como se eu tivesse permitido que um sem-número de homens me tocassem assim, e eu

nunca... nunca...

Lágrimas subiram-lhe aos olhos, e sua garganta se apertou. Teve de parar de falar para não começar a

chorar de imediato. Recusava-se a deixar que aquele homem a visse chorar.

Engoliu várias vezes, tentando se acalmar, e prosseguiu:

- Eu fui uma tola, mas prometo que o que aconteceu jamais se repetirá, muito menos com você!

- Tem certeza?

- Sim, tenho! Fico arrepiada só em pensar que poderia me tocar novamente! Você é a mais vil das cria-

turas! Chamam-no de Cavalheiro, mas isso só pode ser uma piada! Você não é um cavalheiro! É

apenas um ladrão comum, vulgar! Pode enganar o povo daqui porque eles o vêem como Robin Hood,

mas eu o vejo como realmente é! Um ladrão que usa a todos ao seu redor para conseguir o que

pretende!

Nicola falava sem parar, precisava exteriorizar sua raiva e frustração de alguma maneira. O saqueador

caminhava a seu lado, calado, apenas ouvindo.

- Claro, você dá a uma pobre viúva algumas moedas de ouro para que ela possa passar o inverno,

depois ajuda um homem doente que não consegue trabalhar e sustentar sua família! Faz tudo isso para

que eles o adorem! Não tem um motivo nobre em seu coração, apenas o desejo egoísta de fazer com

que essa pobre gente o ajude, até se una a seu grupo de assalto! Você não se importa com eles, mas

apenas consigo mesmo! O que lhe importa se forem pegos a seu lado e enforcados? O que lhe importa

se mentirem por você, se obstruírem o caminho da lei por você?

- Não peço a ninguém que faça isso por mim! - ele replicou de repente.

- E nem precisa! Sabe muito bem que eles o farão porque os convenceu de que é um nobre defensor

dos pobres, mas a verdade é que você só quer dinheiro e é preguiçoso demais para trabalhar para

consegui-lo. E mais fácil roubar de alguém e mais agradável ainda quando esse alguém representa

uma, vingança particular. Você não se importa,com ninguém!

- Muito esperto de sua parte - ele agora falava com ironia mais uma vez. - Você gosta de ajudar as

pessoas daqui, não gosta? Tudo porque adora ouvi-los agradecer e dizer que você é inteligente,

bondosa e experiente com seus remédios! Adora ver a gratidão nos olhos deles, não é? Gosta de fazê-

los crer que é amiga dos pobres, mas é uma parasita como todos os outros aristocratas e, quando se

tratar de seus interesses pessoais, não vai pensar primeiro no povo! Vai ficar ao lado dos seus iguais, e

o resto de nós que se dane!

- Como ousa! - Nicola parou para encará-lo mais uma vez. - Você nada sabe sobre mim! Não faz idéia

do que penso, do que sinto ou do motivo pelo qual faço que faço!

- Conheço-a tanto quanto você me conhece!

De repente, ele a tomou de novo pela cintura, e Nicola se assustou com seu tamanho e força. Afinal, ele

estava possesso. Mas ele apenas a ergueu no ar e a colocou sobre a sela. Pela expressão de

divertimento que apareceu no rosto dele, Nicola percebeu que ele sentira seu temor.

-A propósito - ele prosseguiu -, meu nome é Jack Moore, no caso de ficar pensando para quem quase

se entregou esta noite.

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Nicola cerrou os dentes e bateu com força nos flancos de seu cavalo, fazendo-o partir em disparada e

deixando o saqueador para trás, parado no meio da estrada.

Estava se sentindo cada vez mais culpada enquanto retornava a Tidings. Enfiou a mão no bolso do

vestido e retirou a corrente com o anel, que colocou no pescoço, quase como que em uma afronta. Mas,

ao chegar à propriedade, já se recompusera. Havia muitas luzes acesas na casa, e, nos estábulos, um

grande movimento de homens e animais. Richard estava já montado, tinha Stone a seu lado, e gritava

ordens aos criados. O chefe dos rapazes do estábulo viu Nicola aproximando-se, e sua expressão foi de

grande alívio.

- Srta. Falcourt! - exclamou ele. - Olhe, senhor, ela está chegando!

Richard voltou-se e a viu, e sua expressão ficou ainda mais terrível.

- Pelo amor de Deus, Nicola! - gritou. - O que pensa que está fazendo? Sabe que horas são? Estáva-

mos a ponto de sair em sua procura.

- Eu sei e sinto muito. - Mesmo sentindo, ela detestava desculpar-se com o cunhado. - Eu devia ter

enviado alguém para avisar que iria me atrasar.

- Se este é seu comportamento em Londres, não é de se admirar que sua mãe morra de preocupação.

- É, mas ela já desistiu de mim. Eu, realmente, peço desculpas.

- Sua irmã está praticamente histérica lá dentro.

É melhor entrar para que ela veja que você está bem. Deborah tinha certeza de que você havia sido

seqüestrada pelo maldito assaltante da estrada!

Nicola sentiu seu rosto arder, mas estava escuro e ninguém pôde ver quanto estava ruborizada.

- Não, eu estava em segurança - mentiu.

- Nunca há como saber se está em segurança ou não - Richard rebateu. - Pensei que você tivesse mais

juízo e que não sairia sozinha, ainda mais depois de escurecer. Afinal, o tal sujeito já a interpelou uma

vez!

- Imaginei que ele não se importaria com uma pessoa sozinha na estrada. - Nicola apeou e entregou as

rédeas do cavalo a um dos rapazes. Não queria explicar-se mais para Richard, pois ele não tinha direito

algum sobre sua pessoa. Mas sabia que agira errado não avisando a seus anfitriões onde estaria. -

Além do mais - acrescentou -, como ele levou meu dinheiro e minhas jóias ontem, achei que não me

acharia mais tão interessante.

- Há coisas piores do que um assalto, srta. Falcourt - o investigador observou de maneira soturna.

- É verdade. Mas ainda não ouvi dizer que esse assaltante ataque mulheres - ela respondeu, tentando

manter um tom amável.

- Nunca se sabe o que um canalha como esse pode fazer - Stone disse ainda.

- Na próxima vez em que for sair, leve um acompanhante - Richard ordenou.

- Eu me atrasei um pouco, nada mais, não precisamos levar o caso adiante. Agora, se me derem

licença, preciso acalmar minha irmã.

Para sua frustração, Richard desmontou e acompanhou-a até a sala, onde Deborah estava sentada, tor-

cendo um lenço entre as mãos trêmulas.

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- Nicola! - Ela praticamente pulou do sofá e veio abraçar a irmã. - Oh, eu estava tão preocupada! Oh,

não é ótimo que ela esteja bem, Richard?

- É ótimo - ele concordou a contragosto. - Ela chegou quando estávamos para sair no grupo de busca.

- Sinto por tê-los preocupado. - Nicola repetiu. - Um dos habitantes da vila estava com uma criança

doente e me chamou quando eu já ia voltar para casa. Não pude deixar de atendê-lo.

- Ora, Nicola, por que se importa tanto assim com essa gente? - Richard reclamou. - Não tem respon-

sabilidade alguma com eles! Estas nem são as terras de sua família.

- Isso não faz com que esqueça minhas obrigações humanitárias, Richard. Talvez, se você tratasse

seus empregados e meeiros com mais, humanidade, eles não considerassem esse tal cavalheiro um

herói.

Richard aproximou-se, as sobrancelhas erguidas .

- É mesmo? - comentou. - E onde foi que você ouviu isso?

Nicola percebeu que falara demais. Deu de ombros e explicou:

- Já nem me lembro. Mas fala-se muito na vila sobre os assaltos. Além do mais, todos queriam falar co-

migo a respeito disso porque sabiam que fui atacada ontem à noite.

- Então todos gostam do tal homem.

- Não é claro que não. Por que gostariam de um ladrão? O que eu quis dizer é que alguns deles o vêem

como uma espécie de Robin Hood.

- E quem são essas pessoas?

- Eu não sei. Ninguém me disse exatamente o que pensa, afinal sabem que Deborah é minha irmã.

- Mas você é tão amiga deles... Eu diria que eles conversam muito com você.

- Não seja ridículo. É claro que apreciam o que faço por eles e são gratos, mas ainda assim sou uma

aristocrata, e eles não revelam seus segredos a mim.

- Estou surpreso. Imaginei que sua amizade com essa gente fosse mais profunda.

Nicola sabia que ele estava fazendo uma referência a seu amor por Gil no passado, e a dor que sentiu

deixou-a ainda mais zangada. Havia lágrimas em seus olhos agora, e sua mão deslizou,

inconscientemente, para o local em seu peito onde estava o anel que Gil lhe dera.

Os olhos de Richard cerraram-se um pouco mais, conforme seguiam seu movimento. Mas Nicola deu-

lhe as costas, desculpando-se novamente:

- Sinto muito por estar atrasada. Desculpem-me, sim?

- Mas é claro, querida - Deborah consolou-a, abraçando-a.

Nicola apertou-lhe as mãos e saiu da sala, sem mais nada dizer.

O conde seguiu-a com o olhar, depois se voltou para a esposa.

- Viu o gesto que ela fez? - indagou.

- Não, o quê?

Ele ergueu a mão e imitou Nicola.

- Assim.

- Ah, sim. Já a vi fazer isso antes. Ela costumava usar um anel pendurado em uma corrente há algum

tempo.

- Quando?

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Deborah olhou-o, sem entender o motivo das perguntas.

- Bem, não sei. Há anos, antes de nos casarmos. Acho que leva um talismã ali. Talvez aquela velha da

floresta o tenha dado a ela. Nicola costumava visitá-la com freqüência. Foi com ela que aprendeu boa

parte do que sabe sobre ervas medicinais. Acho que era um anel velho, antigo, simples. Algo muito

diferente do que qualquer pessoa poderia apreciar.

- Quando foi a última vez que a viu com esse anel?

-Não me lembro. Por que quer saber?

- Por nada. Só estou curioso. Em outra ocasião eu lhe conto o que estou pensando.

Deborah, acostumada aos freqüentes segredos do marido, apenas deu de ombros.

- Acho que a última vez em que a vi com o anel foi em nosso casamento - disse, depois de pensar um

pouco. - O decote que usava era um pouco baixo, e ela teve de retirar o anel e segurá-lo junto ao buquê

de dama de honra.

- Nosso casamento... então, foi depois...

- Depois do quê?

Ele a olhou e sorriu de leve.

- Depois daquele verão quando o rapaz dos estábulos morreu na cachoeira.

- Ah, sim, eu me lembro. Foi terrível!

- Bem, seja como for, não tem importância, não é mesmo, querida? Bem, depois de tantas emoções,

acho que já é hora de você se deitar.

Deborah sorriu para ele, significativamente. Fazia tempo que não conversava tanto com o marido e

estava animada. E, com uma esperança que não conseguia disfarçar, aceitou o braço que ele lhe

estendia, seguindo em sua companhia para o quarto.

Traíra Gil nessa noite!, Nicola pensava, sentada na cadeira ao lado da lareira. Estava cheia de

vergonha e de culpa. Como pudera deixar que aquele homem a beijasse? Como pudera ter gostado

tanto? Desde que Gil morrera, ela se mantivera fiel à sua memória, jamais amara outro. Deixara-se

cortejar, chegara a permitir um ou outro beijo, mas tudo não passara de um divertimento sem maiores

conseqüências. Nunca mais sentira uma paixão que a invadisse como quando estava com Gil. E,

quando dissera a Jack que, para ela, paixão e amor caminhavam juntos, fora sincera porque jamais

tivera uma experiência diferente. Amara Gil e os beijos e carinhos dele a enchiam de desejo. No

entanto, nessa noite...

Nunca experimentara antes o que sentira nos braços de Jack. Não o conhecia, não gostava dele, mas,

quando ele a beijava, a terra parava de girar. Não entendia. Ainda amava Gil. Chorara tanto por ele na

noite anterior! E, nessa noite, um estranho a beijara, e ela correspondera como se jamais houvesse

conhecido Gil.

Talvez fosse por ter pensado tanto nele ultimamente, consolou-se. Estava vulnerável, carente... Não.

Não podia ser. Aquele saqueador de estrada era completamente diferente de Gil.

Ele fora gentil, carinhoso e seus beijos eram sempre suaves. Os beijos de Jack eram rudes, quase

como um castigo. Um castigo que a incendiava de prazer. Ele não se preocupava com os sentimentos

dela. Fazia o que queria, tomava o que queria. Além do mais, Gil falava como alguém do povo e usava

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roupas simples, embora tivesse qualidades de um cavalheiro: era honesto, educado, gentil e leal. O

assaltante agia e falava como um aristocrata, mas era cruel e irônico, e nem se parecia fisicamente com

Gil. Era mais alto, bem mais forte. Gil chegava a ser um tanto magro... E os olhos negros do salteador

eram frios, duros, mesmo por detrás da máscara.

Não, não havia comparação possível entre ambos, embora ela quase tivesse se entregado nos braços

daquele homem. Fora apenas desejo físico, forte e imperioso. Nada mais. Estava envergonhada e

jurava a si mesma que aquilo jamais se repetiria. Tentaria não ver mais aquele homem e, caso isso

acontecesse, estaria preparada para evitá-lo.

Lembrava-se do sorriso dele, do brilho que havia em seus olhos e que parecia mostrar que ele a

conhecia, que sabia como iria reagir. Mas Nicola estava decidida a nunca mais dar uma oportunidade

àquele saqueador para que a olhasse de forma tão próxima e íntima.

CAPÍTULO 06

Nicola não soube ao certo o que a acordou: o ruído de um passo, o chiar suave de uma porta sendo

aberta. Mas algo a fez despertar de repente, com o coração aos pulos e a impressão de que alguma

coisa estava errada. Havia um homem em seu quarto! Ele era alto e estava vestido de negro, com uma

máscara sobre o rosto. Estava parado diante da penteadeira e parecia procurar em meio aos objetos

que ali estavam.

- O que está fazendo? - ela protestou, e a figura voltou-se para vê-la. Assustado, ele correu para a

porta.

Nicola levantou-se, na intenção de segui-lo, sem pensar no perigo. Sentia-se, isso sim, ultrajada por

aquela invasão de privacidade.

- Pare! - gritou e estendeu a mão, agarrando-o pela manga da camisa. - Pare, eu disse!

O estranho se voltou, e, comum puxão violento, soltou-se, mas atingiu-a nesse movimento, fazendo-a

cair ao chão. Depois abriu a porta e saiu para o corredor.

A queda a deixou tonta por alguns segundos, mas depois se ergueu, gritando:

- Socorro! Façam esse homem parar!

Não havia ninguém no corredor nem na escada. Nicola foi até o topo dela e espiou lá para baixo. Atrás

de si, duas portas se abriram em seqüência. Eram Deborah e Richard, que saíam de seus quartos. Ele,

vestindo um elegante roupão de seda, ela, ainda não desperta de todo, usava apenas a camisola.

- Nicola, o que aconteceu? Você gritou? - perguntou.

- Sim. Algo me acordou, e vi um homem em meu quarto.

Deborah arregalou os olhos, e Richard exclamou:

- O quê? Ninguém poderia ter entrado na casa! Deve ter sido um pesadelo, cunhada. Tem certeza de

que estava bem desperta?

Nicola estava a ponto de dar-lhe uma resposta mal-educada, mas percebeu a expressão significativa do

conde e o leve inclinar de sua cabeça em direção à esposa. Olhou para a irmã e viu que ela estava

pálida. Disse, então:

Page 51: Candace camp - chilton 03 - sempre teu amor

- Oh, deve ter sido isso... Um sonho ruim. É que pareceu tão real... Mas você tem razão, Richard. Não

havia ninguém aqui.

Deborah respirou fundo aliviada.

- Oh, graças a Deus, Nicky. - comentou ela, sorrindo. - Fiquei apavorada, sabe?

- Sinto por tê-la assustado, Deborah. Volte para a cama. Pode pegar um resfriado, com os pés assim,

no chão.

- Tem razão, mas não quero deixá-la sozinha depois desse susto.

- Não, não, está tudo bem - interferiu o conde. - Vá se deitar, querida. Eu conversarei com Nicola até

que ela se acalme. Fique tranqüila.

Com um olhar ainda incerto para a irmã, Deborah, por fim, concordou e voltou para o quarto.

Assim que viu que a esposa fechara a porta, Richard aproximou-se de Nicola.

- Obrigado por entender - disse. - Não quero que ela se assuste. Agora, diga, o que aconteceu de fato?

O intruso chegou a falar com você? Ameaçou-a?

- Não. Mas ele me atingiu depois que gritei e tentei detê-lo.

- Ele bateu em você? Você está bem?

- Sim, mas acho que amanhã vou ter uma mancha no rosto. Ele me atingiu no rosto e acabei caindo.

- Só pode ter sido aquele maldito assaltante de estrada! - Richard murmurou entre dentes.

- Foi o que pensei a princípio, mas agora não estou tão certa.

- Por que não? Quem mais poderia ser? Não há tantos ladrões por aqui.

- Não sei. Mas não me pareceu que fosse ele. Havia algo de diferente.

Nicola não podia revelar que estivera com o assaltante e que ele não deveria voltar a procurá-la nessa

noite. Se o fizesse, ele faria uma longa preleção sobre sua insensatez em andar sozinha e a obrigaria a

estar sempre acompanhada, fosse onde fosse. Também não podia dizer ao cunhado que o assaltante,

se viesse, estaria mais inclinado a falar com ela do que a atingi-la. Havia um certo ar de perigo no

assaltante, sim, mas ela sentia que era algo bem diferente da sensação ruim que a tomara quando

pressentira aquele estranho em seu quarto.

- O que quer dizer com "diferente"? - Richard insistiu. - Disse que mal conseguia descrever o homem

que atacou a carruagem.

- Não sei ao certo. Acho que ele se movia de maneira diferente. Além do mais, por que o assaltante viria

até meu quarto para mexer em minha penteadeira quando teve toda a chance de roubar tudo que era

meu naquele assalto? Por que se arriscaria a entrar aqui com tantos criados na casa?

- Para me afrontar, o que mais! - Richard teve de se controlar para não gritar. - É bem típico desse su-

jeito, mas não vai acontecer de novo, eu lhe garanto. Vou mandar os criados saírem e vasculharem os

arredores agora mesmo. De hoje em diante, haverá uma patrulha noturna ao redor da casa. Amanhã de

manhã, Stone irá conversar com você, talvez você consiga acrescentar alguma coisa ao que já disse.

- Não sei como, já que estava escuro, e ele usava uma máscara. Além disso, eu já lhe disse que me pa-

receu ser um outro homem.

- Bobagem. Quem mais seria? - Ele pensou um pouco e acrescentou: - Percebo que não quer me aju-

dar, Nicola. Desde aquele terrível acidente na cascata, você me olha como se eu fosse...

- Acidente? - Nicola protestou. - Você matou o homem que eu amava e chama aquilo de "acidente"?

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- Porque foi um acidente, pelo amor de Deus! Você sabe muito bem que foi! Eu estava me esforçando

para conseguir puxá-lo, e ele escorregou e caiu. Sinto pelo que aconteceu, mas acho que não preciso

ficar explicando isso pelo resto de meus dias!

- Nunca lhe pedi isso. Seja o que for que aconteceu naquele dia, é entre você e Deus que deve haver

uma explicação. Mas não pode esperar que eu goste de você depois do que houve.

- Já percebi isso. Mas acho que você deve se importar com sua irmã e com meu filho, que ela carrega.

Esse tal assaltante a perturba, e você sabe muito bem que seu estado é delicado. O menor problema

poderia gerar uma nova tragédia.

Nicola encarou o incrédula.

- Está dizendo que as aparições ou os atos desse assaltante poderiam causar um novo aborto em

minha irmã? Oh, acho que você está indo longe demais com sua raiva desse sujeito.

Richard encarou-a, muito sério.

- Sabe, Nicola, esse trabalho caridoso que realiza com as mulheres decaídas do leste de Londres a

deixou um tanto licenciosa, sabia? Espero que não fale com tanta ousadia diante de sua irmã.

- Não. Eu protejo minha irmã o mais que posso das maldades do mundo. Mas não vejo necessidade de

protegê-lo também. Seja qual for o motivo que levou Deborah a perder seus outros bebês, sei que nada

teve a ver com esse assaltante. O problema é que você tem seu orgulho ferido cada vez que ele o

ataca.

- Eu devia saber que você o veria como um herói também - Richard observou sardônico. - O sujeito é

apenas um ladrão vulgar, devia saber disso, pelo menos pelo que acabou de acontecer em seu quarto.

Mas você continua teimosa.

- Ele não é um herói para mim, e não estou apenas teimando. O que sei é que o homem que invadiu

meu quarto esta noite não era o assaltante da estrada. Agora, se me der licença, acho que vou me

deitar novamente. Disse algo sobre mandar os criados procurarem em redor da casa?

- Sim... É claro... - Richard ainda a olhou por instantes, depois desceu a escada em busca dos criados.

Nicola voltou para o quarto e fechou a porta. Precisava pensar. Acendeu a lamparina e foi verificar sua

penteadeira. Nada estava faltando. Procurou pela chave da porta, mas não a encontrou em parte

alguma. Não gostava da idéia de voltar a dormir em um local que já não julgava seguro. Olhou ao redor,

então, e, sem outra opção, pegou a cadeira de frente da penteadeira e inclinou-a sobre a porta,

prendendo a maçaneta. Talvez ela não evitasse que alguém abrisse a porta, mas, ao cair, faria muito

barulho e a acordaria.

Em seguida, vestiu seu roupão, o que esquecera de fazer quando levantara atrás do intruso. Caminhou

até a janela e, afastando as cortinas, olhou para a noite lá fora.

Richard certamente iria querer culpar o assaltante por aquela invasão, não havia o que o demovesse de

tal idéia, mas ela sabia que não fora Jack quem estivera em seu quarto. Mas, como o conde dissera,

quem mais poderia ser? No entanto, mesmo que houvesse um outro ladrão pelas redondezas, o que

era improvável, já que aquela era uma região pacata, o que ele estaria fazendo, no meio da noite, no

quarto de uma moça, em busca de coisas valiosas? Uma mulher solteira, mesmo que rica, não

costumava ter jóias caras demais. Ela mesma tinha apenas dois camafeus, um colar de pérolas e

alguns pares de brincos de pérolas e opalas. No entanto, essas jóias tinham sido levadas pelo saquea-

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dor da estrada. A única coisa de valor que possuía era o anel de Gil, mas este estava seguro junto a

seu peito, por debaixo da camisola. Sofreria muito se ele fosse roubado, mas, aos olhos do mundo,

aquela peça não tinha valor algum.

Qualquer ladrão profissional teria ido direto ao cofre onde Richard, com certeza, devia guardar grandes

valores. E se alguém fosse descuidado a ponto de deixar jóias sobre uma penteadeira, esse alguém

seria a condessa, o que acabou por provocar um calafrio em Nicola.

Portanto, se o objetivo não era o de roubar, o que seria, então?, indagou-se. Poderia imaginar que o tal

sujeito estivesse atrás dela, que tivesse vindo para tentar violentá-la. Na região leste de Londres isso

acontecia com freqüência. Mas ele estava diante da penteadeira e não tentando abafar seus gritos para

conseguir seu intento. Além do mais, quando ela despertara, ele fugira ao invés de tentar subjugá-la.

Não havia sentido nas atitudes dele se estivesse ali para lhe fazer mal, concluiu.

Entretanto, tinha de haver um motivo para ele ter entrado em seu quarto. Mas qual? Tentou visualizar a

questão de outra forma: se não conseguia imaginar porquê, talvez conseguisse descobrir quem pensara

ser o assaltante por causa da altura e da máscara, mas depois descartara tal possibilidade. Seria bem

mais fácil chegar até seu quarto se alguém já estivesse dentro da casa e não tivesse que forçar sua

entrada. Talvez um dos criados. Pelo menos dois deles eram altos e fortes o sujeito teria de ser muito

ousado e insano para tentar agir assim na casa de seu patrão, analisou. Além do mais, qualquer um dos

criados poderia conseguir mais dinheiro se roubasse alguma peça de prata ou alguma jóia e, se o

fizesse durante o dia, ou quando Richard estivesse ausente. Se o criado estivesse louco para seduzi-la,

mais uma vez vinha a pergunta: por quê, então, ele estaria diante da penteadeira?

Nicola chegou a pensar no sr. Stone. Ele dormia na hospedaria da vila, mas, quando estivera na casa,

poderia ter deixado uma porta ou janela aberta para facilitar sua entrada. Mas ele não era tão alto

quanto o homem que invadira seu quarto.

Como última opção, havia Richard, que ela sempre vira como vilão. Ele era alto o suficiente para ser o

intruso, tinha fácil acesso a todos os aposentos da casa. Vira-o sair de seu quarto, mas houvera tempo

para que ele entrasse ali e vestisse o roupão e se livrasse da máscara e das roupas escuras afinal, ela

caíra e ficara no chão por alguns segundos. Não se lembrava com clareza de quanto tempo demorara

até que ele aparecesse, vindo de seu quarto.

Meneou a cabeça, achando tudo aquilo absurdo. Não importava se tinha ou não sido Richard, porque

um fato ainda permanecia o mesmo: que motivos ele teria? Ele seria o último a estar atrás de suas

jóias. No passado, fora louco por ela, mas não seria louco o suficiente para tentar violentá-la

praticamente diante da esposa. Não, não deveria haver mais desejo em Richard. Ele agora a via

apenas como uma antagonista, nada mais, concluiu.

Em todos os anos que se seguiram ao casamento de Richard com Deborah, ele jamais tentara algo,

jamais se insinuara. Talvez ele quisesse invadir seu quarto para descobrir algo que mostrasse que ela

sabia mais sobre o saqueador do que queria revelar, imaginou. Seria, porém, muito mais fácil para ele

ter entrado em seu quarto naquela tarde, quando ela saíra e demorara tanto a voltar.

O incidente parecia-lhe tão estranho, que começava a imaginar se não teria, de fato, sonhado tudo. Mas

a dor que ainda sentia na face atingida era prova suficiente de que tudo acontecera de fato. Era prova

também de que o intruso não era o assaltante da estrada. Ele não a golpearia. Dera-lhe motivos para

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isso antes, e ele não erguera a mão contra ela o intruso tinha sido covarde e nada cavalheiro, e isso o

diferenciava do saqueador.

Nicola sorriu de leve. Bem, talvez Jack não tivesse sido tão cavalheiro assim, avaliou. Inclinou-se mais

na cadeira, pensando no que acontecera naquela noite. Não pretendia vê-lo novamente e, se o visse,

teria mais cuidado com suas reações, mas não podia evitar que seus pensamentos estivessem nele. De

onde viera? O que o colocara nessa vida? Ele era um cavalheiro, um canalha, ou uma mistura das duas

coisas? E, mais do que tudo, por que ele, em toda a Inglaterra, provocara-lhe tal reação?

Depois daquela conturbada noite, Nicola acordou mais tarde do que de costume. Ao desencostar a

cadeira e abrir a porta, notou que a criada viera e, como não conseguira entrar, deixara uma bandeja

com um bule de chá e algumas torradas. Como a bebida ainda estava morna, Nicola tomou uma xícara

e se vestiu, saindo depois para procurar sua irmã. Deborah não estava na sala de jantar, e Nicola

aproveitou a mesa ainda posta para tomar um chá mais fresco e comer alguma coisa. Uma das criadas

informou-lhe que sua irmã não estava se sentindo muito bem nessa manhã e que permanecera na

cama, assim, depois de comer, Nicola subiu para o quarto de Deborah. Entrou com cuidado, encon-

trando-a deitada de lado, os olhos marcados por profundas marcas escuras, completamente

desanimada.

- Nicky... - murmurou, parecendo sem forças. - Sinto, mas não estou bem hoje.

- Parece que nosso pequeno futuro conde está se fazendo aparecer esta manhã - comentou uma

mulher que estava sentada do outro lado da cama e para a qual Nicola logo olhou.

A estranha tinha um aspecto severo e já passava da meia-idade. Estava sentada bem ereta, era magra

e, em seu rosto, não havia nem um traço de sorriso.

- Nicola, esta é a enfermeira Gregory - Deborah apresentou. - Ela foi babá de Richard quando ele era

pequeno e agora vem ficar comigo quando não estou bem. Enfermeira, esta é minha irmã Nicola

Falcourt.

- O conde foi muito generoso dando-me um pequeno chalé para viver depois que me aposentei – a

mulher explicou em tom frio. - Não faço, portanto, mais do que minha obrigação em cuidar de sua

esposa.

Nicola imaginou que aquela criatura seria a última que gostaria de ter a seu lado se estivesse de cama;

Deborah parecia um tanto intimidada por ela, e Nicola apenas sorriu para ela forçosamente.

- Prazer em conhecê-la, enfermeira - cumprimentou. - É muita bondade sua cuidar de minha irmã, mas,

agora que estou aqui, poderei ficar com ela. Quer que eu leia para você, Deb?

- Oh, sim, por favor! - Deborah voltou-se para a enfermeira. - Não se importa, não é?

- Tenho certeza de que a enfermeira Gregory apreciaria alguns momentos de descanso - Nicola respon-

deu pela mulher. - Foi gentil em vir, mas tenho certeza de que preferiria ficar sob seu próprio teto.

A enfermeira pareceu ficar sem alternativas e, pegando sua caixa de tricô, levantou-se e despediu-se de

Deborah, saindo do quarto.

- Espero que ela não tenha se ofendido - Deborah comentou. - Richard fica aborrecido, mas não

consigo gostar dessa mulher!

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- Agora que a conheço, posso entender melhor por que Richard é como é - Nicola observou, fazendo a

irmã rir.

- Você não devia dizer essas coisas, Nicky. Mas ela é esquisita, não acha?

- Muito! E nada parecida com nossa babá, lembra-se dela?

Deborah sorriu com ternura ao lembrar-se da gorducha senhora que cuidara das duas quando meninas.

- Ela era tão boazinha! Sempre alegre! Lembra-se de como ela cantava para nós? E do chocolate

quente que fazia? Hum... eu adoraria tomar um pouco dele agora!

- Mesmo? Então, vou pedir à cozinheira para que prepare um pouco. Sei que não será como o que

nossa babá fazia, mas vai animá-la um pouco mais. O que me diz?

- Sim, sim. Vai ser bom. Sinto muito se estou deste jeito, Nicky, sei que outras mulheres passam pela

gravidez com mais valentia, mas...

- Não se preocupe com isso. Deixe-me cuidar de você, está bem, irmãzinha?

Nicola tocou a sineta e, quando a criada apareceu, fez o pedido do chocolate e de algumas torradas.

Depois voltou-se para a irmã:

- Tive uma idéia: por que não escrevemos a nossa babá e lhe pedimos para vir ficar com você? -

Deborah se animou, mas seu sorriso logo desapareceu ao explicar:

- Não sei... acho que isso poderia ferir os sentimentos da enfermeira Gregory, Richard não iria gostar.

- Eu falarei com Richard. Tenho certeza de que seu marido vai querer o melhor para você. Afinal, não é

apenas da esposa, mas do filho que ele deve tratar bem. Ele nunca saberá que você prefere outra

enfermeira se você não lhe disser!

- Mas ele...

- Não se preocupe. Richard não vai se aborrecer, eu garanto. E você vai se sentir muito melhor com

nossa babá aqui. Bem, agora vou ler um pouco para você. Logo, seu chocolate vai chegar e depois de

bebê-lo, poderá descansar um pouco se quiser, e até dormir.

- Está bem.

Pouco depois chegou o chocolate, que Deborah bebeu quase todo e, em seguida, obedecendo aos

conselhos de Nicola, aconchegou-se na cama e adormeceu. Nicola deixou-a aos cuidados de uma

criada e saiu do quarto. Rapidamente, Nicola colocou as roupas de montaria a fim de sair para fazer

algumas visitas. Primeiro, foi até a casa de sua tia, lady Buckminster. Tinha algo em mente, mas

precisava da ajuda da tia para pôr em prática o que tencionava fazer. Lady Buckminster ficou feliz em

revê-la e, como era muito amável, animou-se com o que Nicola lhe propôs.

Mais tarde, Nicola seguiu para a vila para ver como estava a criança da qual cuidara na noite anterior. O

menino estava bem melhor e, satisfeita, Nicola voltou a Tidings. Olhava ao redor, na estrada, como se

esperasse que o saqueador aparecesse novamente. Mas isso não aconteceu, e ela experimentou uma

curiosa sensação de decepção.

Em, Tidings, ficou o resto do dia com a irmã, inclusive jantando com ela em seu quarto. Foi dormir cedo

nessa noite, colocando a cadeira mais uma vez sob a maçaneta. No entanto, não conseguiu conciliar o

sono, pois seus pensamentos insistiam em voltar-se para o assaltante.

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Na manhã seguinte, Deborah estava bem e pôde descer para tomar o desjejum na sala de jantar. Lady

Buckminster chegou pouco depois, em companhia da esposa do vigário, e sua visita fez com que

Richard deixasse o escritório para saudar as recém-chegadas.

O plano de Nicola estava em ação. Lady Buckminster perguntou pela saúde de Deborah e depois, com

muito jeito, insinuou que seria ótimo para ela se a velha babá viesse para cuidar dela.

- Minha velha babá está cuidando de Deborah - Richard interferiu. - Ela é excelente.

- Com certeza, conde: Mas a enfermeira Gregory já está um tanto idosa e merece descansar, não

concorda? - Lady Buckminster argumentou sorridente. - Além do mais, não há nada como a própria

babá ao nosso lado em um momento de precisão.

Deborah mordeu o lábio inferior, temerosa quanto à atitude do marido.

- Você gostaria que ela viesse, não querida? - prosseguia a tia de Nicola, para Deborah. - E tenho cer-

teza de que seu marido entenderá. Meu querido marido sempre me dava carta branca para agir quando

eu estava grávida.

Richard vacilou.

- Bem, se Deborah preferir assim. - observou.

- Ótimo! Então, está tudo acertado! - Lady Buckminster concluiu. - Eu mesma vou mandar buscá-la

assim que voltar para casa. Qual era o nome dela?

- Owens. Gladys Owens - Nicola interferiu satisfeita. Soubera desde o princípio que não haveria como

Richard se opor tendo a esposa do vigário ali presente, além de sua tia. Teria parecido rude da parte

dele se não houvesse cedido.

Voltou-se para olhá-lo e viu que ele a observava com um leve sorriso nos lábios. Mais tarde, quando as

duas visitantes já tinham se retirado, ele comentou:

- Não precisava ter armado tal estratagema para conseguir que sua velha babá viesse para cá, minha

querida cunhada.

- Não sei do que está falando, Richard - Nicola fingiu.

- Acha que eu seria tão tolo a ponto de imaginar que sua tia pensasse em mandar a velha babá de De-

borah para cá? Só se a bondosa Owens gostasse muito de cavalos, não? Sei que essa idéia partiu de

você.

- Se não quiser que ela venha, podemos avisar lady Buckminster, Richard - Deborah ofereceu

temerosa.

- Não, não. Se você vai se sentir melhor com a velha babá aqui, é melhor trazê-la - ele rebateu. - Se eu

soubesse que você não gostava de Gregory, eu mesmo teria...

- Não é que eu não goste dela - Deborah respondeu. - Mas minha babá seria mais familiar para mim.

- É claro! - Ele forçou um sorriso. - Entendo perfeitamente, mas não havia necessidade de segredos. -

Richard voltou-se para Nicola. - Um dia, cunhada, vai ter que parar de me colocar como o vilão de sua

vida.

- Vilão! - Deborah exclamou. - Oh, Richard, não deve achar que...

Ele se virou para ela impaciente.

- Deborah, pelo amor de Deus, eu sei que "você" não pensa assim! É sua irmã quem me vê assim tão

mau.

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- Está enganado, Richard - Nicola respondeu calma. - Não o vejo assim. Você é o que é, independente

do que eu pense a respeito.

Ele ia responder, mas o mordomo entrou na sala, interrompendo seus pensamentos.

- O sr. Stone está aqui, senhor, e deseja falar-lhe - informou o criado. - Ele o espera em seu escritório.

Richard assentiu e voltou-se para Nicola e Deborah.

- Com licença, senhoras. Tenho negócios a resolver agora.

Assim que ele saiu, Deborah perguntou ansiosa:

- Acha que ele ficou zangado comigo?

- É claro que não, Deb! Tenho certeza de que ele me considera uma intrometida, mas não me importo.

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Sempre o Teu Amor - CHE nº 165 Candace Camp

- Estou contente com a vinda de Owens. Vou me sentir melhor com ela aqui.

- Eu sei que sim, querida. Bem, parece que o sr. Stone vem muito aqui, não acha?

- É... esteve aqui ontem à noite. Richard disse que pensa alojá-lo naquele quartinho ao lado da cozinha,

mas não gostei da idéia. Não gosto desse investigador.

- Nem eu. Acha que ele vai encontrar o assaltante?

- Não sei. Richard disse que ele é muito competente. Mas ele me parece frio, deve ser por causa do

emprego que tem. Sabe, ele sugeriu a Richard que contratasse mais homens para proteger os

carregamentos, e Richard concordou.

- Verdade? Quer dizer que agora haverá homens armados nos carregamentos?

- Sim.

- Meu Deus! Espero que ninguém se machuque. - Nicola quase pôde vislumbrar o assaltante sendo feri-

do, caindo de seu cavalo, e afastou a idéia de repente. - Imagino se alguém da vila se uniu ao bando

desse saqueador.

- Stone acha que sim. Eu o ouvi comentar algo a respeito com Richard. Ele acha que uma alta soma em

dinheiro poderia fazer algum dos colaboradores do assaltante entregá-lo. Richard disse que vai tentar

isso, caso os guardas não dêem conta do serviço.

Deborah parecia saber muito da conversa entre o marido e o investigador, Nicola avaliou. Talvez ela ti-

vesse ficado com o ouvido atrás da porta para saber o que diziam. Ela prosseguia, inocente:

- Não pude entender tudo o que falavam, mas acho que vai haver um carregamento esta noite, e os

guardas extras já foram contratados. Espero que nada aconteça.

Nicola assentiu. Preocupava-se mais a cada instante. Naquela noite, após o jantar, Richard foi chamado

ao escritório. Nicola e Deborah, na sala de estar, ouviram sua voz alterada. Não entendiam suas

palavras porque a porta estava fechada, mas ele estava visivelmente alterado. Minutos depois a porta

se abriu e o investigador saiu, tendo a porta sido batida atrás de suas costas. Nicola pressionou os

lábios para não sorrir. Richard estava furioso, e isso só podia significar que o assaltante não fora morto,

nem capturado.

- Acho que seria melhor nos recolhermos - Deborah sugeriu.

- Tem razão - Nicola concordou aliviada.

Já em seu quarto, Nicola procedeu ao ritual de todas as noites, colocando a cadeira contra a porta e,

depois, seguindo para sua penteadeira, para soltar os cabelos. Tirava os grampos, pensando no que

poderia ter acontecido naquela noite. Jack devia estar bem, porque Richard estava furioso, mas isso

não significava que todos os companheiros do assaltante tivessem saído ilesos. Detestava imaginar que

algum habitante da vila pudesse ter se ferido.

Pegou a escova e começou a passá-la pelas longas madeixas loiras quando ouviu um ruído. Olhou para

o espelho e arregalou os olhos, vendo o homem que estava refletido nele e que, com um largo passo,

avançou e tampou-lhe a boca com uma das mãos, arrancando-a do banco e recostando-a a seu corpo.

CAPÍTULO 07

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Sempre o Teu Amor - CHE nº 165 Candace Camp

Por um instante, Nicola parou todos os seus movimentos. Depois começou a lutar para se soltar. O

homem era forte, seu braço estava segurando os dela, passados ao redor de seu corpo. Nicola

começou a chutar; então, ouviu-o gemer quando o atingiu com o calcanhar. Depois sentiu um toque de

cetim em sua pele e ouviu-o murmurar em seu ouvido:

- Pare com isso, sua megera! Não vou machucá-la. Só não quero que grite e traga todos da casa até

aqui. - Ele retirou a mão de sobre seus lábios, como se soubesse que não mais gritaria.

Nicola reconheceu aquele murmúrio. Abriu os olhos e viu, no espelho, aquele homem inclinado para lhe

falar ao ouvido, a máscara de cetim cobrindo-lhe parcialmente o rosto. Conhecia aqueles olhos intensos

e a parte do rosto que podia ver, como conhecia a voz sussurrante.

- Jack! - murmurou, parando de se mover. - Mas o que está fazendo aqui? Saiba que estou farta de

suas aparições. Foi você quem entrou em meu quarto ontem à noite? Sabe que é muito ousado por

entrar aqui.

- Mas não vim a seu quarto ontem. Havia um homem aqui? - ele estranhou. Seu tom era mais firme e o

braço que a prendia também.

- Está me apertando! - Nicola protestou e depois prosseguiu: - Havia um homem em meu quarto, sim. E

ele usava Uma máscara.

- O que aconteceu? Ele a feriu? - Soltou-a de vez e a fez voltar-se para vê-lo.

- Não. Mas saiu correndo quando o persegui.

Ele sorriu e comentou:

- Bem, se conseguiu afugentá-lo, deve saber que não era eu.

Nicola ergueu mais o rosto ao rebater:

- Imaginei que não fosse, já que não tinha sua arrogância.

- E o que ele fazia aqui? Ele tentou... ?

- Não, não tentou nada. Estava procurando algo em minha penteadeira.

Jack olhou para o móvel.

- Mas por quê? - quis saber.

- Não sei. Eu acordei e o vi, então gritei e ele saiu correndo pela porta.

- E estava usando uma máscara. Devia ser alguém que queria me culpar pela invasão. Talvez seu

adorado cunhado.

- E seria apenas isso que ele iria querer? Que todos pensassem que você entrara em meu quarto?

Então, por que estava procurando algo em minha penteadeira?

- Talvez quisesse roubar algo de você, ou feri-la e fazer parecer que eu era o culpado. .

- Por que pensar a respeito, já que você consegue entrar aqui da mesma forma, não é?

- Mas não para feri-la.

- Como posso saber?

- Não é tola para achar que eu... - ele se interrompeu e pareceu pensar, para depois acrescentar: -

Sabe de uma coisa? Você é irritante. Vim aqui apenas porque preciso de ajuda.

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Sempre o Teu Amor - CHE nº 165 Candace Camp

Nicola ergueu as sobrancelhas.

- E pretende consegui-la me insultando?

- O fato é que não sou eu quem precisa de sua ajuda. Não teria vindo se precisasse. Um de meus ho-

mens foi ferido esta noite.

- Oh, não! Um dos habitantes da vila?

- Não. Um dos que vieram comigo. Um amigo. Ele levou um tiro no peito e receio que não sobreviva.

Nicola engoliu em seco.

- Se ele foi baleado no peito, deve levá-lo a um médico! Não posso... Quero dizer, nunca tirei uma bala

de alguém. Só dou remédios para doenças simples.

- Não posso levá-lo a um médico. Seria condenar nós todos à morte. Você pode socorrê-lo. Já viu isso

ser feito antes.

- O quê? Como acha que eu vi...

- Disseram-me que você foi discípula de vovó Rose e que ela era fantástica em curas. Que sabia operar

e costurar melhor do que um médico.

- Sim, mas apenas a vi trabalhando, e ajudei-a uma ou duas vezes, mas não é a mesma coisa. Não

posso abrir o peito de um homem para tentar localizar uma bala. E se ele morrer?

- Vai morrer se você não atendê-lo ou se eu o levar a um médico. Pelo menos, você poderá evitar que

ele morra de uma febre depois. Os habitantes da vila dizem que você consegue curar feridas

infeccionadas. Vai deixá-lo morrer só porque é um ladrão?

- É claro que não! Não se trata disso. Eu acho que não consigo.

- Ele vai morrer se não tentar. - Ele a olhava in tensamente. - Vai deixar que isso aconteça?

- Não, está bem, eu vou. Mas como vamos sair daqui? Como você entrou, afinal?

Ele olhou para a porta, segura pela cadeira.

- Seu arranjo não estava lá quando entrei - explicou. - Mas vim pela janela.

- A janela? Mas ela é muito alta!

- Há arbustos e trepadeiras. Eu me arranjei, mas não espero que desça da mesma forma. Eu trouxe

isto. - Ele caminhou até a janela e mostrou uma corda de nós que deixara enrolada junto à parede. -

Vamos usá-la para descer.

- Escute, você pode ser muito ágil, mas eu tenho certeza de que não vou conseguir descer por aí, ainda

mais de saias.

Ele sorriu ..

- Pegue seus remédios e venha depressa.

Nicola assentiu confiante e pegou sua maleta. Colocou nela alguns dos frascos que guardara no

armário, com os remédios já prontos e algumas ervas ainda secas, e depois se aproximou da janela.

Jack amarrou a corda ao pé da pesada cama e, depois, passou-a pela divisão da janela. Olhou para

fora, certificando-se de que ninguém estava por ali, sentou-se no parapeito e voltou-se para Nicola,

estendendo o braço.

- Muito bem, venha e segure meu pescoço.

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Sempre o Teu Amor - CHE nº 165 Candace Camp

- O quê?

- Venha! - ele se impacientava. - Não vou tentar seduzi-la! Só vou carregá-la parede abaixo.

Nicola pensou por segundos, depois fechou a capa diante do peito e obedeceu. Jack segurou-a com

força e, com um empurrão do pé, lançou a ambos no ar. Nicola segurou-se com mais força, sentindo

que ele apoiava os pés à parede e começava a descer devagar.

Ela cerrou os olhos, tentando não ver a altura em que se encontravam e não sentir com tanta

intensidade o calor do corpo dele junto ao seu. Mas sentia-se excitada com aquela aventura, com o

cetim da máscara roçando seu rosto, com a força que sentia em todos os músculos do corpo de Jack.

Quando chegaram ao chão, ele se soltou da corda e tomou-lhe a mão, seguindo junto à parede da

casa, extremamente atento a tudo. Seguiram depois por entre as árvores e arbustos do jardim, até o

local onde o cavalo dele estava amarrado.

- Não há um cavalo para mim? - Nicola estranhou,

- Não. Você vai montar comigo. Não podemos arriscar irmos até o estábulo agora.

- Mas será mais rápido se eu for em outro animal.

- Vamos, não temos tempo a perder. Nem sei se ele ainda estará vivo quando chegarmos. Agora, vai

montar ou quer que eu a coloque na sela?

Nicola respirou fundo, aceitando o apoio que ele oferecia com ambas as mãos e montou. Ele o fez em

seguida, logo atrás, e o contato íntimo de seu corpo a fez corar. Jack retirou um lenço negro de dentro

da camisa e fez menção de colocá-lo sobre os olhos de Nicola, mas ela o deteve.

- Não! O que está fazendo?

- Vai ter que usar uma venda.

- Não!

- Sim! Não posso deixar que veja o caminho. Poderia levar o conde direto a meu esconderijo.

- Eu não faria tal coisa!

- Sinto, mas não posso arriscar. Se não usar a venda, não vou permitir que deixe nosso esconderijo

depois.

Nicola vacilou ainda alguns instantes, depois concordou, assentindo e permitindo que ele a vendasse.

O tecido colocado sobre seus olhos pareceu reduzir seu mundo à escuridão, fazendo-a sentir-se

vulnerável e temerosa, mas havia algo extremamente emocionante naquilo tudo também. A escuridão

separava-a da realidade, tirando-lhe a responsabilidade por si mesma e pelo que poderia acontecer.

Além do mais, como nada podia ver, seus outros sentidos estavam mais aguçados. Estava envolvida

pelos braços de Jack, por seu aroma, suas pernas. Era uma sensação agradável, verdadeiramente

excitante, como se ele a estivesse acariciando, aquecendo seu corpo. E Nicola reconheceu, um tanto

envergonhada, que gostaria que ele o estivesse fazendo.

Na escuridão e com o dobro do peso sobre o animal, não podiam cavalgar muito rápido. Mas ela podia

sentir que Jack se impacientava, que sua respiração se acelerava. Havia uma incrível tensão no ar.

Nicola podia ouvir bem os sons da noite: uma coruja piando, o chiar das folhas secas no chão conforme

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Sempre o Teu Amor - CHE nº 165 Candace Camp

o cavalo as pisava, as folhas das árvores sendo sopradas de leve pela brisa. Também estava ciente do

calor do corpo de Jack, da força de seus músculos e sentia que ele deveria percebê-lo também.

De repente, pareceu-lhe sentir que sua proximidade provocava uma resposta física nele, e isso a

embaraçou de vez. Como poderia encará-lo novamente? indagou-se. Não havia como se manter

afastada dele, não havia como evitar o que ambos estavam sentindo.

De repente, os passos do animal diminuíram de velocidade,e ela notou que Jack devia estar procurando

o caminho para seu esconderijo. O cheiro de plantas e ervas ficou mais forte, e ela imaginou que

deveriam estar se embrenhando na floresta. O roçar das folhas em seu rosto deixava-a ainda mais

excitada. Chegou a sentir que Jack soltava a mão das rédeas e a colocava sobre sua perna, que ele

roçava os lábios em seus cabelos. Estaria sonhando acordada?

Por fim, com alívio, ele disse:

- Chegamos.

E, instantes depois, fez com que o animal parasse, apeando em seguida. Ele tomou-a pela cintura,

ajudando-a a descer, mas não a soltou de pronto. Nicola sentia-o quente, seu coração, batendo abaixo

das mãos que mantinha no peito dele, estava acelerado. Mas as mãos dele a fizeram voltar-se para

caminhar, ainda vendada, e subir dois degraus. Uma porta se abriu, e ele a levou para dentro. A porta

se fechou atrás de ambos, e Nicola começou a perceber, pela trama do tecido, que havia luzes ali

dentro.

Jack retirou-lhe a venda, e ela viu-se em um cômodo iluminado apenas por uma vela grossa. Ele

acendeu outra e disse, sério:

- Venha comigo. - E a levou consigo por uma escada estreita.

O andar superior estava ainda mais escuro, iluminado apenas pela vela que ele levava. Seguiram por

um corredor e chegaram a uma porta, que Jack abriu devagar para que entrassem.

O cômodo era pequeno e estava abafado. Havia cheiro de uísque, suor e sangue ali dentro. Um homem

estava sobre uma cama, seus olhos fechados, seu rosto pálido. Ele tinha dificuldade para respirar. Sua

camisa negra tinha sido aberta, revelando o peito largo, onde uma bandagem improvisada mostrava

uma enorme mancha de sangue. Outro homem estava sentado em uma cadeira ao lado, os cotovelos

fincados nos joelhos, as mãos enfiadas pelos cabelos, a cabeça baixa. Na mesa-de-cabeceira próxima,

havia uma garrafa de uísque e uma lamparina a óleo, que fornecia uma iluminação amarelada ao

aposento. Do outro lado da cama estava uma mulher, torcendo as mãos uma na outra. Seus olhos

estavam injetados de medo, e havia lágrimas em seu rosto.

- Graças a Deus. - exclamou ela, em um murmúrio, quando Jack entrou. E cruzou o quarto, chorando

muito, para lançar-se ao peito de Jack. Ele a afastou com carinho, perguntando:

- Como está ele? Dirk?

O outro homem ergueu a cabeça.

-Nada bem, Jack. Ele não consegue respirar. - Não eram boas notícias, Nicola sabia. Se o projétil

houvesse perfurado o pulmão, e este estivesse cheio de sangue, não haverá o que fazer. Mas, ao ver

Jack se inclinando sobre a cama, e seus olhos se encherem de um temor desconhecido, disse logo:

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Sempre o Teu Amor - CHE nº 165 Candace Camp

- É claro que ele não consegue respirar direito. Este quarto está muito abafado! Abram a porta e a

janela. E aquele fogo, na lareira, podem apagá-lo, não precisamos dele agora. Está apenas enchendo o

ambiente de fumaça.

Jack voltou-se para ela, já sorrindo.

- Não poupa palavras, não é mesmo, srta. Falcourt? - comentou. - Este é Dirk. Ficou cuidando de meu

amigo enquanto fui buscá-la. E esta é Diane. Ela está com outro de meus homens e cuida da casa.

A garota continuava perto dele e o olhava de uma forma que fazia Nicola suspeitar que ela estava muito

mais interessada em Jack do que em qualquer outro de seus homens.

- Esta é a srta. Falcourt - ele apresentou. - Vai ajudar Perry. Façam o que ela pedir.

Dirk assentiu, e Diane olhou-a de soslaio.

- Muito bem, apague o fogo, Dirk - Jack ordenou.

- Abra a janela, Di.

- Mas e a lamparina? Podem ver lá de fora! - a garota protestou. - E todo mundo sabe que o ar noturno

não é ,bom para um homem doente.

- Ele não está doente, está ferido. - Nicola explicou.

- E você o está deixando pior, fazendo-o suar e respirar este ar fétido. Precisamos ajudá-lo, não

atormentá-lo ainda mais.

- Faça o que eu disse, Diane - Jack insistiu. Abra apenas os vidros e deixe as venezianas fechadas,

para que a luz não apareça e o ar possa entrar. As árvores vão nos proteger e, se formos descobertos...

bem, não vou deixar Perry morrer só porque queremos ficar protegidos. - Ele se voltou para Nicola. - O

que mais devemos fazer?

- Preciso limpar a ferida. Quero a água mais limpa que puder me trazer. Vovó Rose usava água

destilada, mas não dispomos dela agora. Eu trouxe uma garrafa e vou usá-la, mas não será suficiente.

Fervam um pouco mais e deixem esfriar. Preciso de mais luz, mal posso ver o rapaz, quanto mais retirar

uma bala de seu peito.

Jack assentiu e acendeu mais duas velas. Nicola aproximou-se mais da cama e olhou para o homem fe-

rido. O sangue na bandagem estava seco. Ela temia que, ao tirar a bandagem, o sangramento

recomeçasse e decidiu esperar que Jack trouxesse mais velas.

Como Dirk e a garota, o paciente não usava máscara, e Nicola percebeu que ele era um homem bonito

de aproximadamente trinta anos. Com dificuldade, ele abriu os olhos para vê-la.

- Olá - disse, em voz fraca e grossa. - Eu diria que você é um anjo, mas duvido de que eu tenha ido

para o céu...

Nicola sorriu.

- Está muito consciente, para estar próximo do céu ou do inferno, senhor - respondeu. - Meu nome é

Nicola Falcourt e vim para ajudá-lo se puder.

Ele sorriu de leve, e Nicola sentiu que ele cheirava a uísque.

Jack voltou, trazendo duas lamparinas, o que providenciaria mais luz no cômodo.

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- Este homem está bêbado? - Nicola indagou aborrecida. Depois olhou para Dirk e acrescentou: - Este,

com certeza, está. Eu não confiaria um ferido a ele. Ficaram todos sentados, bebendo, antes de

decidirem me buscar?

- Não - Jack respondeu. - Eu dei uns goles a Perry para acalmar a dor e vou dar-lhe mais antes que

você comece a operá-lo. Mas o cheiro de bebida que sente vem da ferida, onde despejei uísque. Já vi

isso ser feito antes, para ajudar a limpar o ferimento.

- Parece que já teve mais experiência do que eu nesse assunto. Talvez fosse melhor se você tentasse

tirar a bala, e não eu.

- Eu o farei, se for preciso.

Nicola assentiu e voltou ao paciente.

- Então, dê-lhe mais um gole, porque vou tirar a bandagem e talvez ela esteja colada na ferida.

Jack pegou a garrafa e segurou a cabeça do amigo com a outra mão.

- Vamos lá, rapaz. Beba. Vai parecer mais fácil suportar o que virá.

- Cuidado, porque não o quero bêbado a ponto de vomitar - Nicola avisou. - isso só pioraria as coisas

para todos nós.

O rapaz tomou dois goles, e Jack o acomodou novamente sobre o travesseiro. Nicola olhou para,

Diane, que ficara junto à janela, e depois para Jack. Ele entendeu de pronto.

- Vá ferver a água que a srta. Falcourt pediu Diane - ordenou. - Dirk, desça também e mande outro dos

homens até aqui, um que não tenha bebido na última hora.

- Sim, senhor. - O homem olhou-o submisso. - Sinto muito, senhor. É que eu estava ali, sentado, olhan-

do o pobre rapaz sem conseguir respirar direito.

- Está bem. Agora vá. Mande Saunders subir.

O homem saiu, levando Diane consigo. O paciente mantinha os olhos fechados e respirava

profundamente. Nicola sentiu-se aliviada por não ouvir sons estranhos em sua respiração que

indicassem a presença de sangue nos pulmões.

Com a água destilada que trouxera, molhou a bandagem para poder retirá-la com mais facilidade. O ra-

paz gemeu de leve quando ela a retirou. Nicola prendeu a respiração ao ver o ferimento, de onde o

sangue purgava. Depois passou a limpar a ferida com extremo cuidado. Vovó Rose sempre lhe dissera

que era imperativo limpar um ferimento muito bem para que ele não viesse a infeccionar.

- Segure uma das lamparinas o mais próximo que puder do ferimento. - Nicola pediu a Jack. - Não con-

sigo ver a bala e vou ter de procurá-la.

Nicola sentiu-se nausear ao pensar em que estava a ponto de fazer e olhou para Jack. O rosto dele

também estava um tanto pálido, reconheceu, mas ele apenas assentiu e comentou:

- Saunders vai ajudar a segurá-lo.

O homem chamado Saunders chegou minutos depois. Nicola pegou a pinça longa de dentro da maleta,

fazendo o possível para ignorar a sensação de pânico que a invadia. Sabia que o procedimento

causaria grande sofrimento ao paciente, e teria que fazer o possível para não feri-lo ainda mais. Suas

mãos não poderiam tremer, e ela não poderia sentir dúvida alguma quanto ao que fazia.

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Saunders sentou-se sobre ,as pernas do rapaz e, pegando a lamparina das mãos de Jack, colocou-a

em um ângulo que favorecia ainda mais a visão de Nicola. Jack, por sua vez, acomodou-se na

cabeceira da cama e segurou os braços do paciente. Com o rapaz assim seguro, Nicola inclinou-se e

começou a procurar pela bala na ferida.

Com um grito agudo, Perry começou a remexer-se, tentando escapar da dor. Jack e Saunders

reforçaram a pressão sobre seu corpo trêmulo. A dor, no entanto, era forte demais, e o paciente acabou

por desmaiar, o que tornou o trabalho de Nicola mais fácil. Ela suava em bicas e via que o sangue

escorria em profusão do furo na pele do rapaz. De repente, seu instrumento bateu no metal da bala.

Com movimentos calculados, ela apertou a pinça, puxando-a devagar para que não soltasse a bolinha

de metal. Quando as pontas da pinça apareceram trazendo o projétil, ela sorriu satisfeita. Mas o quarto

pareceu rodar e teve de se sentar à beira da cama para não cair.

- Você conseguiu - ouviu Jack dizer junto a seu ouvido, em voz baixa. Os braços dele estavam em seus

ombros, amparando-a.

Nicola começou a tremer incontrolavelmente, e Jack retirou seu casaco para cobri-la. Esfregava as

mãos sobre os braços dela para aquecê-la e murmurava:

- É o choque depois do perigo. - Fez um sinal com a cabeça para Saunders, que se levantou e pegou, a

garrafa de uísque, colocando um pouco dele em um copo e entregando-o a Jack.

- Vamos, tome isto - ele ofereceu a Nicola. - Vai ajudar.

- Não posso. Ainda tenho coisas a fazer. - Ela se voltou para o paciente.

- Vai se sentir melhor para fazê-las se beber isto. - Jack insistiu.

Nicola aceitou, tomando um gole do que lhe pareceu ser puro fogo.

- Oh, Deus! - queixou-se, sentindo as entranhas se contraírem. - Isto é horrível.

Ele riu.

- Pode ser, mas tome outro gole.

O segundo gole não pareceu tão ruim e, depois de alguns segundos, Nicola começou a perceber que

seus tremores passavam. Ao mesmo tempo, percebeu quanto estava próxima de Jack e quanto o calor

do corpo dele era reconfortante. Mas levantou-se abruptamente.

- Obrigada - agradeceu e voltou-se para o rapaz na cama.

Limpou a ferida mais uma vez e depois colocou uma bandagem limpa sobre ela.

- Segure firme - pediu a Jack, voltando a procurar em sua maleta. - O sangramento parou? - perguntou.

Ele ergueu um pouco a bandagem e assentiu. Depois perguntou:

- O que tem nas mãos?

- Um creme preparado com uma erva cicatrizante. - Ela colocou um pouco do creme em uma outra

bandagem e aplicou-o sobre o ferimento. - Ajuda a evitar a infecção.

Depois de aplicar os remédios, Nicola pediu aos dois homens que erguessem o rapaz para que

pudesse passar uma faixa de tecido macio por suas costelas, para prender bem o curativo. Cobriu-o,

então, e olhou-o por alguns instantes.

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- Bem, isto é tudo que posso fazer no momento - disse. - Ele pode ter febre, acontece com freqüência.

Vou deixar umas folhas secas para que façam uma infusão, ela vai ajudar a acalmar a dor. É preciso

trocar o curativo pelo menos uma vez ao dia, por isso vou deixar algumas bandagens para que possam

fazê-lo. E, quando refizerem o curativo, não esqueçam de aplicar o creme novamente. Se ele delirar

durante a febre segurem-no para não reabrir o ferimento. Não o deixem sozinho um só instante. -

Nicola pensou na garota que estava ali quando chegou. Não achava que ela fosse capaz de cuidar

corretamente do rapaz. Voltou-se para Jack, então, e observou: - Se tem apreço por este homem, vai

colocar alguém competente para cuidar dele.

- Tenho um grande apreço por ele, sim. É por isso que você vai ficar aqui.

CAPÍTULO 08

Nicola olhou-o surpresa.

- O que disse?

Jack fez um sinal a Saunders e olhou em direção à porta. O homem saiu sem uma palavra.

- Eu disse que você vai ficar aqui para cuidar de Perry - Jack explicou.

- Não pode estar falando a sério! Não posso ficar aqui!

- Pode, sim. Há um quarto vago, e ele até tem fechadura, para o caso de duvidar de minhas intenções.

Eu e você poderemos nos revezar para cuidar de Perry. E você estará aqui para fazer os curativos e

dar-lhe os remédios necessários.

- Você só pode estar louco. Não posso ficar aqui! - Nicola protestou.

- Por quê? Porque prejudicaria sua reputação? Ela é mais importante para você do que a vida de um

homem?

- É claro que não, mas... Eu não estava pensando em minha reputação. O fato é que não posso

simplesmente desaparecer. Esqueceu que estou na casa de minha irmã e meu cunhado? Acha que

eles não vão notar quando eu não aparecer para ó desjejum amanhã? Que ninguém vai querer saber

onde estou? Minha irmã não goza de boa saúde, e meu desaparecimento poderá agravar ainda mais o

seu estado. Além do mais, Richard logo irá colocar a culpa em você quando notar minha ausência. Ele

quer sua cabeça em uma bandeja e ficará mais do que feliz em acrescentar rapto a sua lista de crimes!

- Tenho certeza de que sim - Jack respondeu calmo. - Mas não há mais nada afazer. Perry precisa de

você.

- Se está assim tão preocupado com a vida de seu amigo, devia ter pensado duas vezes antes de

deixar que ele se arriscasse em outro assalto! Richard o detesta, e ele não medirá esforços para

encontrá-lo quando imaginar que me raptou.

- Sei que ele moverá céu e terra para encontrá-la. - Havia um tom amargo na voz dele, e isso não

passou despercebido a Nicola.

- O que quer dizer com isso?

- Que o conde gosta muito de você, como qualquer homem gostaria.

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- Posso considerar isso um insulto, sabe? Entendo que está insinuando algo entre mim e Exmoor, mas

garanto-lhe que está enganado. Mas, como sou sua cunhada, seria uma afronta enorme para ele se eu

fosse levada de sua própria casa não acha? Ele fará de tudo para me encontrar, sim. E acho que as

pessoas da vila não vão relutar tanto assim em entregá-lo a ele quando Richard lhes contar que você

me levou. Poderiam imaginar que você me matou, e, embora você possa me desprezar, pode ter

certeza de que há muitas pessoas na vila que gostam de mim.

- Eles podem dizer o que quiserem ao conde. Ninguém sabe onde nos encontrar. Cuidei muito bem

para que nunca soubessem onde fica meu esconderijo. Nenhum dos habitantes da vila jamais esteve

aqui. Esta casa é muito difícil de ser encontrada.

Nicola respirou fundo. Deu alguns passos pelo quarto, olhou para o paciente e depois se voltou

novamente para encarar Jack.

- Acha que não procurarão por aqui? Que ninguém se lembra da existência desta casa? Alguém deve

tê-la construído! Alguém morou aqui! Alguém na vila deve ter uma idéia sobre onde você possa estar.

Pode demorar dias, semanas, mas vão nos encontrar. Exmoor e meu primo irão oferecer recompensas,

com certeza, para animar o povo a chegar até aqui.

Jack encarava-a, os braços cruzados sobre o peito. Pensou por alguns momentos, depois disse, sem se

alterar:

- N esse caso, vai ter que escrever um bilhete a sua irmã e cunhado, dizendo-lhes que foi visitar uma

amiga.

- No meio da noite?

- Sua amiga está doente e pediu que você fosse o quanto antes.

- E por que eu teria deixado uma cadeira prendendo a porta e saído pela janela? Jack, ninguém

acreditaria nisso. Eu teria acordado alguém, avisado e a pessoa que tivesse trazido o recado de minha

amiga teria acordado alguém em Tidings para entregá-lo.

- Posso dar um jeito nisso tudo - ele teimou. Posso voltar a sua casa e deixar seu quarto como deveria

estar se você tivesse sido chamada às pressas. E cuidarei para que um dos criados diga que abriu a

porta para o mensageiro de sua amiga.

Nicola franziu as sobrancelhas.

- Os criados do conde estão sob seu comando? estranhou.

- Não. Mas tenho contatos lá. Exmoor não é um bom patrão, você sabe.

- Está disposto a arriscar muito para que eu fique aqui e cuide de seu amigo, não?

- Ele tem sido um ótimo amigo durante anos. Mais do que isso: esse homem me mostrou que nem todo

mundo é traiçoeiro.

- Isso é absurdo! Jamais vai conseguir enganar Richard e o investigador. - Ela tornou a olhar para o

paciente, ajeitou as cobertas sobre ele e continuou: - Muito bem, e se eu concordar em ficar? Olhe, o

que acha de me levar de volta a Tidings para que eu fale com minha irmã. Inventarei uma história de

que terei de me ausentar por alguns dias. Deborah entenderia e nem pensaria em ir comigo porque não

se sente muito bem com a gravidez. - Ela pensou um pouco mais, depois se animou: - Posso dizer a ela

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que vou buscar nossa babá. Minha tia Adelaide deveria escrever para ela, mas posso dizer que decidi ir

buscá-la pessoalmente. Oh, não, espere! Exmoor iria insistir em enviar alguém comigo.

- Então, farei como tinha pensado antes.

- Espere, espere! Vou dizer a eles que irei visitar minha tia Adelaide, que seguirei com a carruagem e o

cocheiro de Richard. Posso deixar Buckminster em um dos cavalos de minha tia e dizer a ela que vou

buscar a babá. Ela não pensará duas vezes em permitir que eu vá. Direi a mesma coisa a Deborah,

mas explicarei que seguirei de cavalo a partir da casa de minha tia porque não quero a proteção dos

homens de Richard. Minha irmã vai entender. Assim, tudo ficará bem: Deborah vai aguardar a chegada

da babá sem desconfiar de nada, Richard ficará satisfeito porque aceitei seguir em sua carruagem, e

minha tia nem saberá da verdade. Tudo vai dar certo, desde que você faça sua parte e vá buscar nossa

babá.

- Só há um problema - ele observou.

- Qual?

- Como posso ter certeza de que fará, de fato, o que me disse? E se eu a levar de volta esta noite?

Como posso estar certo de que vai voltar amanhã? Ou, de que, se eu lhe ensinar o caminho, você não

me trairá, contando-o à seu cunhado?

Nicola olhou-o muito séria.

- Se teme que eu revele este local, encontre-me em algum lugar marcado. Você poderá me vendar

novamente e trazer-me aqui. Pode esperar por mim na estrada que liga Buckminster à vila.

- Não, é muito movimentada. Vou encontrá-la na trilha que segue de Buckminster à cascata. Conhece-

a?

- Sim, conheço. Onde, exatamente, vamos nos encontrar?

- Há uma pedra bem grande a poucos metros da trilha. Fica logo depois de um grupo de carvalhos.

- Conheço a pedra. - Nicola procurava ignorar a dor que sentiu em seu coração. Aquele era exatamente

o ponto em que ela e Gil se separavam após terem se encontrado próximo à cascata. - Vou estar lá

amanhã à tarde. Vai levar algum tempo até eu ir à casa de minha tia e depois voltar. Não sei se posso

convencê-lo de que estarei lá, mas espero que acredite. Afinal, vim cuidar de seu amigo, não?

- Sabe que eu a teria trazido à força se não viesse de boa vontade.

- Eu teria gritado e me debatido, tornando sua missão bem mais difícil.

- E eu a teria amarrado e amordaçado, e sua jornada até aqui teria sido bem menos confortável.

- Entendo. Bem, já que está decidido apenas a ver pior em mim, acho que poderia sim, ter me forçado a

vir. Mas não poderia ter me forçado a usar minha habilidade para lidar com seu amigo. Poderia ter me

recusado a deixar remédios para ele, ou não ter tirado a bala de modo apropriado. Poderia ter dado um

remédio errado a ele, e você nem saberia. Poderia, até, ter-lhe dado algo que o matasse. Como vê,

precisa confiar em mim para certas coisas. Como, por exemplo, para saber que estarei amanhã onde

disse que estaria.

Ele a encarou, por longos momentos, pensativo.

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- Não tenho outra alternativa - murmurou. - Se a mantiver aqui, o perigo para mim e meus homens

aumentará. E você até poderia, como já disse, matar Perry em represália.

- Eu não disse isso!

- Não exatamente. Mas entendi sua mensagem.

Os olhos dele brilhavam, e Nicola teve vontade de arrancar aquela máscara para poder ver-lhe a

expressão. - Você é o homem mais desconfiado que conheço - disse.

- Tenho meus motivos para sê-lo. Aprendi há muito tempo atrás quanto uma mulher sabe enganar.

- É sempre conveniente culpar uma mulher. A verdade é que você é desconfiado porque sua natureza o

fez assim. Suspeita de todos porque está cheio de segredos! É você que ninguém conhece, que nunca

se revela, que não deixa ninguém saber onde vive ou qual nome carrega.

- É mais seguro para todos assim.

- Pois me parece um terrível modo de vida, não poder confiar em ninguém.

- Já me acostumei.

- Não, acho que não. Você se endureceu, isso sim. E se amargurou.

- Tem duras convicções sobre minha pessoa, embora não me conheça.

- Basta encontrá-lo para saber quanto é amargo. Você, exala amargura. E eu teria de ser cega, surda e

muda para não percebê-lo.

Nesse momento, Perry gemeu, e a atenção dos dois desviou-se para ele. Nicola aproximou-se e tocou-

lhe a testa.

- Não está febril - comunicou.

- É melhor irmos logo. Quanto antes você chegar a sua casa, melhor. Vai precisar dormir um pouco se

pretende seguir com seu plano para voltar aqui. Vou dizer a Saunders para ficar vigiando Perry

enquanto eu a acompanho de volta.

Nicola assentiu e se dirigiu à porta, mas ele a deteve, segurando-a pela cintura.

- Caso pretenda não fazer o que combinamos - ele ameaçou - lembre-se de como entrei com facilidade

em seu quarto esta noite.

Ela engoliu em seco.

- Se acha que, ameaçando-me, vai me convencer a obedecer-lhe, está muito enganado - rebateu,

lutando contra o temor que sentia. - Farei o que quero fazer. É minha obrigação de salvar este homem

que me impele a vir aqui, não suas ameaças. E, se fosse você, eu não tentaria entrar em meu quarto

daquela forma outra vez.

Jack olhou-a ainda por instantes, e Nicola sustentou-lhe o olhar. Por fim, ele a soltou, dando-lhe passa-

gem e seguindo-a escada abaixo.

Saunders estava lá embaixo e recebeu ordens para vigiar Perry.

- Não o deixe mover-se para que a ferida não reabra e pelo amor de Deus, não o confie as cuidados de

Diane! Ela é uma tola. Eu cuidarei de tudo quando voltar - Jack explicou.

O homem apenas assentiu e subiu correndo à escada.

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Jack, então, tornou a colocar a venda em Nicola. Mesmo a contragosto, ela aceitou passivamente,

irritada consigo mesma por sentir seu pulso se acelerar com o toque das mãos dele. Sentia-se

humilhada com o que ele estava fazendo, mas não podia deixar de se lembrar das sensações que tivera

ao ser trazida ali, do calor, do corpo dele, de seu cheiro, da maneira como tinham cavalgado e que a

excitara mais do que deveria. De repente, deu-se conta, surpresa e envergonhada, que estava à espera

de sentir as mesmas sensações no caminho de volta. Sentia um calor insuportável e imaginava se Jack

estaria percebendo o efeito que tinha sobre ela. Se percebesse, deveria estar se divertindo, e isso a

enfurecia

ainda mais. Ele a segurou pelo braço, para guiá-la para fora, dizendo a seu ouvido:

- Cuidado com o degrau. Agora mais dois... espere um pouco enquanto desamarro meu cavalo.

Ela esperou, ouvindo-o conversar em voz baixa com o animal. Preparava-se para manter-se firme, para

que a volta a Tidings fosse diferente, para que não se deixasse levar pelos sentidos.

As mãos dele enlaçaram-lhe a cintura, ajudando-a a montar e, no instante seguinte, Jack estava

sentado logo atrás dela, sobre o cavalo, como antes. E, sem,poder controlar-se, Nicola experimentou as

mesmas sensações da vinda. Não entendia como podia sentir-se assim em relação a um homem de

quem nem mesmo gostava!

Jack cavalgava devagar, e ela tentava encontrar algo para falar, para que o silêncio que os envolvia não

ficasse tão tenso, tão cheio de sensualidade.

- Deixei um pote de creme para o ferimento - murmurou de repente.

- É. Deixou praticamente tudo que trouxe. - A resposta dele, junto a seus cabelos, enviou um arrepio

intenso por todo seu corpo, e Nicola fechou os olhos na tentativa de se acalmar.

Moveu-se na sela e reabriu os olhos depressa, sentindo-o responder fisicamente mais uma vez à proxi-

midade de seu corpo. Jack apertou os braços a seu redor e baixou mais a cabeça, dizendo algo que, no

entanto, pareceu ficar perdido na brisa noturna.

Nicola imaginou que fosse seu nome, e uma onda intensa de desejo se apoderou dela. Uma das mãos

de Jack permaneceu nas rédeas enquanto a outra afastou os cabelos de Nicola de seu pescoço para

que ele pudesse beijá-la suavemente.

Ela sabia que deveria protestar, fazer alguma coisa, mas manteve-se quieta, e, involuntariamente,

deixou o corpo tombar para trás, recostando-se completamente nele. Tal reação pareceu acender mais

a paixão que o invadia, pois Jack passou a acariciá-la por debaixo da capa. Nicola cerrou os olhos mais

uma vez. O fato de nada ver parecia acentuar ainda mais suas sensações.

Ele continuava beijando-lhe o pescoço, calado, e acariciando-a com uma intimidade que Nicola mal

reconhecia. Imaginou que ele deveria considerá-la vulgar por deixá-lo agir dessa forma sem nem ao

menos protestar, mas não conseguia dizer-lhe que parasse.

Jack prosseguia com os carinhos, com os beijos, cada vez mais inflamados, deixando Nicola presa de

sua paixão. E, ao tocar-lhe um dos seios, sua mão estremeceu, dando a ela um imenso prazer por ver

que ele também se entregava e era tão afetado por aquela situação quanto ela.

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Sempre o Teu Amor - CHE nº 165 Candace Camp

Ainda mais ansioso, ele passou a procurar os botões de sua blusa, abrindo-os com pressa e, nesse

processo, fazendo dois deles se soltarem e caírem. Quando sentiu seus seios livres, passou a acariciá-

los ainda mais, envolto por um desejo descontrolado. Nicola sentia a respiração acelerada, estava

agitada; queria mais, queria se entregar. Mas não estava de frente para ele, não podia abraçá-lo, como

gostaria, e deixar que ele a dominasse, que a possuísse ali mesmo.

Ouviu-o gemer junto a seu ouvido, e isso a arrepiou. - Deite-se comigo esta noite - Jack pediu. - Aqui.

Farei uma cama de folhas, as árvores nos ocultarão. - Continuava beijando-lhe o pescoço, mordendo-a

de leve, instigando-a. A venda o atrapalhou, e ele a afastou quase com raiva, continuando a beijar a

pele suave de Nicola. - Deixe-me amá-la. Quero ser parte de você, estar em você. Sonhei tanto...

A voz de Jack sumiu conforme mergulhava o rosto por entre os cabelos de Nicola, em um carinho arre-

batado.

Totalmente tomada por um desejo premente, Nicola sentia, no íntimo, uma ponta de vergonha e de

culpa porque jamais se sentira assim com Gil.

Gil...

Lembrava-se dos carinhos trocados, do desejo daquela época, que não conseguia comparar com o que

sentia agora. Estava traindo Gil e repreendia-se. Não amava Jack Moore, mal o conhecia. Nada havia

entre ambos a não ser aquela compulsão absolutamente carnal. Se se deitasse com ele, estaria traindo

Gil como uma mulher casada que corre para os braços do amante.

- Não! - exclamou, afastando-se dele e fechando a blusa como que restara dos botões. - Não posso!

Por um momento, Jack não se moveu, e Nicola não ousou voltar-se para olhá-lo. Então, ele se

endireitou e segurou as rédeas com mãos mais firmes. Instigou o cavalo a seguir, mantendo-se o mais

afastado possível de Nicola. Ela podia sentir a raiva que emanava dele, pela paixão frustrada, e viu-se,

de repente, explicando:

- Sinto muito... mas seria errado.

- É claro que seria - ele falava com jeito casual, que não combinava com sua postura. - Uma dama pode

brincar com um camponês, mas iria se sentir suja se lhe entregasse o prazer de seu corpo.

- Não se trata disso!

- Não? Do que se trata então? De sua elevada moral? - A ironia na voz dele deixava claro o que

pensava de Nicola.

- Sim, trata-se de minha moral - ela rebateu zangada. - E de minha honra. Não costumo me deitar em

uma cama de folhas com um homem que não conheço!

- Você não diria isso há poucos instantes, quando estava se esfregando em mim e gemendo.

A rudeza daquelas palavras a afetou por demais. Sentiu que seus olhos se enchiam de lágrimas.

- Mas foi apenas um gesto, não é srta. Virtude?ele continuou zombeteiro. - Estava apenas

experimentando o bobo da corte, para saber quanto ele pode ficar inflamado e desesperado. É assim

que se diverte?

- Pare com isso. Foi você quem começou tudo.

- É, mias você participou com muito entusiasmo.

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Sempre o Teu Amor - CHE nº 165 Candace Camp

- Tenho de admitir que sim, mas felizmente recuperei a razão.

- Ah, foi isso? Eu achei que estivesse lembrando-se de sua posição.

- Não. Mas me lembrei de quem sou.

- Sei. Seja quem for moça, tem o sangue tão quente quanto qualquer garota de taverna. Um fogo que

sei acender muito bem quando quiser.

- Por favor, poupe-me de sua prepotência. Você me pegou desprevenida, fraca. Não sou tão fácil assim.

- Verdade? - Jack riu, deixando-a ainda mais humilhada e irritada. - Estaria disposta a apostar nisso?

Não havia mais desejo algum agora, apenas raiva.

- Acha que vou apostar minha virtude? - rebateu, voltando-se para vê-lo, e descobriu que era ainda

mais irritante encarar aquela máscara, que deixava à mostra apenas um sorriso jocoso. - Você é

detestável, sabia? E eu faria bem se não voltasse amanhã!

- Mas fez uma promessa.

- Sim, fiz, e é apenas por causa de seu amigo que voltarei. Mas saiba que eu prefiro ficar em uma casa

cheia de serpentes a ficar em sua companhia! Se acha que vou ceder a seus desejos, está muito

enganado! Não tenho intenção de dormir com você e, na verdade quero vê-lo o mínimo possível

enquanto eu estiver em seu esconderijo.

- Também não tenho a menor vontade de passar meu tempo com uma mulher provocadora e falsa.

- Muito bem, então sugiro que nos evitemos.

- Farei o possível.

- Eu também. - Nicola voltou-se para frente, as costas retas e afastadas dele. E, assim, seguiram o res-

to do caminho em absoluto silêncio.

CAPÍTULO 09

Nicola acordou tarde na manhã seguinte, sentindo-se ainda mais cansada do que quando se deitara

naquela madrugada. Assim que ela e Jack tinham chegado, ele escalou a parede até sua janela com

uma agilidade incrível e retirou a cadeira que segurava a porta para que ela pudesse, ao entrar pela

cozinha, atingir seu quarto. Ela estremecera só em pensar que Richard poderia sair de repente para o

corredor, completamente vestido e pronto para tudo, inclusive para matar Jack. Mas chegara em

segurança e sentira certa decepção por ver que ele já se fora janela abaixo.

Um sono inquieto a impedira de descansar, e já eram quase dez da manhã quando se sentou na cama,

ouvindo os ruídos característicos da casa, preparando-se para o novo dia. Havia muito a fazer, e Nicola

pediu logo que as criadas providenciassem-lhe um banho. Depois tomou o desjejum e foi até o quarto

da irmã para colocar seu plano em ação. Não houve problemas para convencer Deborah. No entanto,

com Richard, foi mais difícil. Ele a admoestou por estar deixando a irmã tão cedo, e havia um brilho de

suspeita em seus olhos cinzentos, mas acabou convencido pela insistência tanto de Nicola quanto de

Deborah.

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Sempre o Teu Amor - CHE nº 165 Candace Camp

Quando voltou a seu quarto, para fazer as malas, Nicola dispensou a ajuda de uma criada, pois esta

acharia estranho o fato de ela estar levando tantos remédios consigo para a casa da tia. Não podia

levar muitas malas porque elas teriam de ser carregadas a cavalo até encontro com Jack.

Partiu no começo da tarde e dormiu um pouco na carruagem, apesar dos solavancos, sentindo-se bem

melhor quando chegou a Buckminster. Sua tia recebeu-a com um sorriso:

- Nicola! Eu não me lembro de ter sido avisada de sua vinda, querida!

- Na verdade, tia, foi uma decisão de última hora.

- Oh, mas é tão bom tê-la aqui! Vou pedir um chá. Estou faminta. Estou em pé desde a madrugada,

ajudando Carson. Sabe, minha égua favorita está parindo e não está sendo nada fácil.

Nicola apenas sorriu. Gostava do jeito despachado da tia, a qual não se importava com o que os outros

pudessem pensar, a não ser, é claro, que o assunto fosse cavalos. Nicola nunca entendeu corno suas

duas tias, uma tão simples e outra tão intelectual, podiam ser irmãs de sua mãe; uma típica aristocrata

que não se envolvia em assunto algum além de fofocas e suas próprias doenças fantasiosas.

- Imagino que deva estar preocupada com ela - disse Nicola solidária.

- Ah, estou, sim! Carson disse que vai ter que virar potrinho, o que não será fácil e deve doer muito. - -

Ela suspirou.

- Bem, não quero incomodá-la, então, tia. Portanto, não vou tomar muito de seu tempo. Vim para saber

se já tomou alguma providência quanto a mandar buscar Owens.

Adelaide olhou para ela, parecendo pensar muito sobre o assunto. Depois avaliou:

- Quando foi que falamos a respeito? Ah, sim! Bem, mas ainda não escrevi para ela. Sinto muito,

querida.

- Não tem importância, tia. Na verdade, acho que eu mesma deveria ir buscar nossa babá.

- Oh, isso seria perfeito! - Quer ... - O rosto de lady Buckminster tornou-se tenso. - Quer que eu a

acompanhe até lá?

- Não, não! Eu jamais a tiraria daqui em um momento tão importante para sua égua! Vou sozinha. Mas

eu gostaria de que me emprestasse um de seus cavalos. Se for possível.

- Ah mas é claro! - Adelaide mostrava-se aliviada.

- O único problema, porém, tia, é Exmoor. Se souber que eu irei buscar Owens, ele insistirá pata que eu

leve uma escolta armada comigo. Sabe como ele é ... Ele anda alucinado com o problema do tal

assaltante. Mas tenho certeza de que esse sujeito não vai mais me molestar. Afinal, já roubou o que eu

tinha... E seria tão agradável cavalgar!

Adelaide, que também preferia cavalos a carruagens, sorriu.

- Não vai levar acompanhante algum, querida? Pode ser perigoso.

- Acho que vou pedir a um dos homens da vila para ir comigo. O que trabalha na taberna.

- Ah, sim, Malcolm é muito bom com os cavalos.

- Mas, sabe, titia, não sei o que poderá acontecer se, por acaso, Richard aparecer por aqui e descobrir

que fui buscar Owens sem lhe dizer.

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Adelaide fez uma careta de desagrado. Embora sempre houvesse sido gentil com o conde, não gostava

muito dele, em especial desde que o vira batendo em um cavalo que se recusava a pular uma cerca.

- Ora, aquele tolo - comentou. - Não sabe como conduzir um cavalo! Ele não tem o direito de saber por

onde você anda, minha cara. Não se preocupe. Direi a Huggins para dizer a ele, se tiver a audácia de

aparecer por aqui para procurá-la, que você não está em casa, que saiu para fazer alguma coisa. Ele

jamais vai saber aonde você foi.

- Obrigada, tia Adelaide. - Nicola sentia certo remorso por enganar a tia dessa forma, mas não havia

outra saída. A vida de um homem estava em jogo.

Assim, uma hora depois estava seguindo, na égua que sua tia lhe emprestara, pela trilha que conhecia

tão bem próxima: à cascata. Ao chegar à pedra em que marcara o encontro com Jack Moore, seus

pensamentos se voltaram mais uma vez para o que lhe acontecia quando estava perto daquele homem.

Não conseguia acreditar que traíra Gil de maneira tão vulgar. Apenas Gil fora capaz de despertar seu

desejo e porque o amava. Desde que ele morrera, nunca mais sentira nada por homem algum. No

entanto, com aquele assaltante.

Não podia deixar que ele a humilhasse novamente com seu poder de atração. Tentaria ficar longe dele,

falar com ele apenas o necessário e dedicar-se apenas· a ajudar seu companheiro ferido.

Quanto mais perto estava da rocha, porém, mais nervosa ficava, com uma sensação de ansiedade

sufocante.

Ao ver a pedra enorme, notou que um homem vinha, montado, por detrás dela. Ele era alto e forte,

vestido de negro e usava uma máscara. Era Jack. Quando se aproximou, ela perguntou, um tanto

irritada:

- Usa sempre essa máscara? Será que seu rosto é assim tão terrível de se ver?

Ele sorriu, mostrando os dentes muito alvos.

- Na verdade, srta. Falcourt - explicou -, sou feio demais. As crianças gritam de horror ao me ver, sabe?

Mas o pior de tudo é que a senhorita poderia me identificar para as autoridades.

- Não lhe ocorreu que, se eu tivesse a intenção de entregá-lo às autoridades, eu simplesmente as teria

trazido comigo hoje?

- Isso me ocorreu, sim. Foi por isso que verifiquei muito bem toda a área antes de aparecer, para ter

certeza de que não haveria homens armados prontos para me pegar. Também foi por isso que escolhi

este ponto. É mais alto do que a trilha, e a visão daqui é muito boa. Pude vê-la enquanto a senhorita

avançava e me certifiquei de que estava absolutamente sozinha.

Nicola não sorria.

- Eu detestaria viver como você, sempre olhando para trás, sempre desconfiando de todos - observou.

- É melhor do que estar morto ou preso.

- Fala como se essas fossem as únicas opções em sua vida. Com certeza, deve ter tido outras

alternativas além de assaltar e roubar.

- Talvez, mas não seria tão emocionante. - Ele fez animal se voltar e começar a descer por um caminho

paralelo.

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- O quê? Não vai me vendar hoje? – estranhou Nicola.

- Para quê? - ele respondeu sem olhar para ela. - De que adiantaria, já que não estava mais vendada

boa parte do caminho ontem à noite?

Nicola sentiu-se ruborizar, ao lembrar-se do que havia acontecido, quando ele arrancara sua venda

para poder beijar melhor seu rosto e pescoço.

- Acho que você conseguiria encontrar o caminho pelo menos até a floresta, estou enganado? - Jack

perguntou.

Nicola estranhou tal comentário. Normalmente os homens achavam que uma mulher não tinha senso de

direção algum.

- Acho que viemos de Blackfell Woods - murmurou. - Mas sabia que conseguiria andar por boa parte da

floresta também.

- Como pensei. Bem, quando chegarmos à floresta, vou vendá-la outra vez. Será mais seguro.

Mesmo não gostando da idéia, Nicola sabia que dessa vez não teria de cavalgar com ele, o que já era

melhor. Mas estava decidida a, mesmo vendada, perceber o caminho que faziam. A luz do dia a

ajudaria.

- Como está Perry hoje? - quis saber.

- Acordou cedo, mas tornou a dormir logo em seguida. Eu o achei um tanto quente quando saí há quase

duas horas. Dei-lhe os remédios que prescreveu, e espero que cheguemos logo. Vou ficar mais

tranqüilo com você lá.

- Imaginei que me considerasse um membro frívolo e sem caráter da classe privilegiada. E uma mulher

vulgar também.

Ele a olhou de soslaio.

- O fato é que sei que é sábia com as ervas. Mas não confio em você.

- Obrigada.

- Muitos dos habitantes da vila a consideram muito.

- E você toma o julgamento deles como certo, eu presumo.

- Exato.

Nicola seguiu-o em silêncio por algum tempo, depois perguntou à queima-roupa:

- A mulher que o feriu era aristocrata?

Ele se voltou para vê-la.

- Por que pergunta isso?

- Porque é óbvio, pelo que já me disse, que foi muito ferido por uma mulher. Por que seria tão amargo e

tão pronto a descrever uma mulher como traiçoeira e falsa se não fosse assim? E, como parece

detestar a nobreza... Estou enganada?

Depois de um longo momento, Jack respondeu:

- Não. Não está enganada. Foi uma nobre que me traiu.

- De que maneira?

- Um dia, sua curiosidade vai causar-lhe um grande problema!

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Sempre o Teu Amor - CHE nº 165 Candace Camp

- Isso já aconteceu muitas vezes. Mas nem todas as nobres são iguais. Como em qualquer grupo de

pessoas, há os bons e os maus. Não acha injusto considerar todas as aristocratas como traidoras?

- Não. -Ele a encarou mais uma vez, e seus olhos estavam extremamente sérios, como se quisessem

dizer-lhe algo mais. - E quanto a você? Nunca traiu um homem que a amasse?

Nicola entreabriu os lábios para negar, mas lembrou-se da noite anterior e do modo como quase se en-

tregara a ele. Sentia-se ainda envergonhada e cheia de culpa.

- Está vendo? Você também já traiu - ele concluiu com uma risada sarcástica.

_ Não ... - Nicola tentou explicar. - Não foi exatamente uma traição.

- Há muitos modos de trair um homem - ele rebateu de imediato. - Não apenas dormindo com outro,

embora essa seja a forma mais comum. Não acha que é tão terrível quanto dormir com outro o fato de

entregá-lo a seus inimigos?

Nicola ergueu as sobrancelhas.

- Foi o que aconteceu a você?

Ele ainda a olhava, e aquele intenso brilho em seus olhos a incomodou. Fosse o que fosse que

houvesse acontecido no passado, Jack ainda sentia emoções muito fortes a respeito.

- Sim, foi - Jack respondeu. - Fui um brinquedo por algum tempo, depois me tornei inconveniente.

Ela começava a compreender a história: ele se envolvera com uma nobre, talvez casada, ansiosa por

aventuras e perigo, mas depois, quando ela se cansou, simplesmente informou às autoridades onde

Jack se encontrava.

- Sinto muito - murmurou. Ele devia ter amado aquela mulher e ainda carregava sua dor pelo que

acontecera. - Mas nem todas as mulheres são iguais.

- Você também agiria assim - ele insistiu. - Dependendo das circunstâncias.

- Não, é claro que não!

- Está mentindo.

Não havia emoção na maneira como ele falava, e seus olhos, impenetráveis, brilhavam ainda mais por

detrás da máscara. Então esporeou o animal e lançou-se adiante de Nicola.

Ela pensou em revidar a resposta, mas achou que seria inútil. Não havia como provar que era diferente

da mulher de quem ele falava. E além do mais, do que adiantaria? Indagava-se. Não significavam nada

um para o outro e estavam juntos apenas devido às circunstâncias.

Assim, acompanhou-o calada. Após algum tempo, ele deixou a trilha que levava à cascata e seguiu por

um caminho lateral. Cavalgaram por alguns minutos, passaram por um pequeno bosque, depois um

riacho, e, aos poucos, havia mais árvores ao seu redor. Jack parou seu cavalo e voltou-se.

- Vou vendá-la aqui - avisou.

Nicola não protestou. Sabia onde estava e como voltar dali. Prestaria muita atenção para poder

adivinhar por onde seguiam. Depois que ele amarrou a tira de pano sobre seus olhos e pegou as

rédeas, aproveitou para erguer de leve as pontas de baixo do tecido para poder ver pelo menos o chão

por onde seguiam. Queria manter seu senso de direção.

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Passaram por outro riacho, e Nicola começou a prestar ainda mais atenção a qualquer marca que

pudesse, ajudá-la a identificar aquele caminho. O caminho era longo e tortuoso, o que colocou à prova

sua habilidade para se orientar, mas Nicola era inteligente. Quando, por fim, ele refreou· o animal e

apeou, vindo ajudá-la a desmontar, ela não estava muito certa da localização exata da casa.

Jack não a soltou de pronto e inclinou-se para segredar-lhe ao ouvido:

- Não achou que eu tivesse deixado de perceber o que fez, achou?

Ela corou imediatamente. Ele percebera sua atitude!

- Não sei do que está falando - mentiu. - O que acha que eu fiz?

Ele riu, mas não respondeu, tomando-a pelo braço e levando-a para dentro da casa.

- Você é o homem mais desconfiado do mundo - Nicola protestou.

Mais uma vez, ele se inclinou para ficar bem próximo. - Minha querida, eu conheço seu tipo.

- Meu tipo? - Ela parou de andar, mas ele a instigou a seguir. - E qual é meu tipo?

- O tipo que está sempre espionando e querendo saber mais do que deve. O tipo que quer ter sempre a

última palavra em tudo. Suba aqui.

- O que o faz pensar que tenha descoberto algo que fiz?

- Viu como quer ter sempre a última palavra? Para ser franco, não sei se descobri algo. Isso deixa o

jogo mais interessante, não acha?

- Não estou jogando nada.

- Não? - Jack abriu a porta, e ambos entraram. - O que está fazendo, então?

- Não sei ao certo.

Jack retirava a venda de sobre seus olhos, enquanto alguém veio descendo pela escada, vinha

chamando-lhes a atenção.

- Ah, o senhor chegou! - exclamou um homem, parecendo um tanto aliviado. - Perry não está muito

bem.

- O que houve? - Jack indagou, subindo a escada rapidamente. Nicola o seguiu.

- Não sei... está falando umas coisas...

- Está delirando? - Nicola quis saber.

- O quê? - O homem não entendeu.

- Falando bobagens - Jack traduziu.

- Não sei do que ele está falando! Só fala e se mexe!

Entraram os três no quarto, e Nicola rapidamente se aproximou do paciente. Deixara-o pálido e calmo

na noite anterior, mas agora ele estava incrivelmente corado e movendo a cabeça de um lado para o

outro, movendo braços e pernas de maneira inquieta. Falava palavras ininteligíveis também.

Jack aproximou-se e olhou-a preocupado. Sabia tanto quanto Nicola que aquela cor não era sinal de

saúde, mas de febre. Ela tocou a testa do rapaz e disse:

- Vamos dar-lhe um pouco da infusão que mandei preparar. Quando foi a última vez que ele a tomou? -

Ela olhava para o sujeito que ficara com o paciente.

- Eu não dei nada a ele, senhora - informou o homem.

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- Então, a última vez foi quando eu lhe dei o remédio, antes de sair - Jack concluiu. - Agora já pode ir,

Quilen.

Nicola foi até sua sacola de remédios e preparou um pouco do chá acrescido de um pó de ervas.

- Vamos tentar fazer com que ele engula isto murmurou.

Jack ergueu a cabeça do rapaz, procurando segurar-lhe os braços inquietos. Perry abriu os olhos e

franziu as sobrancelhas.

- Quem é você? - perguntou.

- Nicola. E vim para ajudá-lo. Vai se sentir melhor se beber isto.

Ele aceitou, mas, no segundo gole, fez uma careta e parou de beber.

- Vamos, tem que beber tudo - ela insistiu, mas o rapaz movia a cabeça, recusando-se.

- Mas que diabo, Perry, beba logo! - Jack se impacientou.

Por fim, conseguiram fazer com que ele bebesse a maior parte do remédio, e Jack continuou

segurando-o enquanto Nicola averiguava a situação de seu ferimento. Ele disse um palavrão quando a

bandagem foi retirada, mas aquietou-se depois.

Como a ferida estivesse inflamada, Nicola aplicou creme mais uma vez e depois tornou a fazer outra

bandagem.

- Está tentando me matar, não é? - Perry protestou enquanto ela o medicava.

- Não. Estou tentando salvá-lo.

- Pare de reclamar - Jack disse a ele. - Não fosse por ela; você estaria morto agora.

- Com a dor que estou sentindo, seria melhor se estivesse - Perry rebateu. E, voltando-se para Nicola

indagou: - Você é a garota de Jack? - Ela o encarou, sem entender, e Jack apressou-se em dizer:

- Ora, pare de dizer bobagens, Perry. - E, encarando Nicola, acrescentou: - Tem razão, ele está de-

lirando.

- Mas me pareceu bem lúcido. - Nicola olhou para rapaz e respondeu: - Não, não sou a garota dele e de

nenhum outro homem.

- Desculpe, moça. Obrigado pelo que está fazendo.

- Não precisa agradecer. Precisa é ficar bem quietinho para não reabrir essa ferida.

Perry assentiu e cerrou os olhos. Instantes depois estava dormindo.

- O que me diz dele? – Jack quis saber.

- Ainda é cedo para saber. A ferida está feia, mas não há infecção. A febre está baixa, mas ainda

teremos de esperar durante algum tempo para ver o que acontece.

Ela se sentou em uma cadeira próxima à cama, enquanto Jack dava passos vagos pelo quarto. Pouco

depois, ele ocupava a cadeira que estava do outro lado da cama.

- Não há necessidade de ficarmos os dois aqui - ela avisou. - Vim para cuidar dele e acho que você

deve ter outras coisas a fazer, como pilhar carruagens, assaltar pessoas...

Ele a encarou.

- Que língua ferina você tem! - comentou

- É, sempre fui assim...

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- Estranho, então, eu ter ouvido falar tanto em sua bondade e generosidade.

Nicola deu de ombros.

- Também ouvi muitas histórias a seu respeito.

Jack teve de sorrir.

- Talvez... - ela prosseguiu -...a diferença esteja menos em nós do que naqueles que falam de nós.

- Talvez.

Ela o encarou. Aquela máscara enigmática ainda estava lá e irritava-a. Por que ele se mantinha

escondido dela? Que mal faria se o visse? Ele já devia saber que não o entregaria às autoridades. O

povo da vila sofreria mais se ele fosse preso, e isso era a última coisa que Nicola desejava.

Talvez houvesse alguma cicatriz ou deformidade naquele rosto, imaginou. Lembrava-se de que Lydia

lhe dissera que ele escondia o rosto de todos. Mas a parte de baixo de seu rosto era bem-feita, tinha

traços elegantes, bonitos. O bigode e a barba bem aparada eram refinados. Sua boca era firme e bem

desenhada, sensual, até.

Nicola não pôde deixar de se lembrar do toque daquela boca na sua e em sua pele, do roçar daquela

barba. Começou a se inquietar novamente. O desejo voltando devagar.

- Por que não me fala de você? - pediu, para esquecer o que sentia.

Ele a encarou por alguns segundos, depois disse apenas:

- Sou um assaltante de estrada.

- Só isso? Deve ter vindo de algum lugar, feito coisas. Deve ter tido uma família, um passado.

_ Tive. - Ele foi lacônico. - Mas não quero falar a respeito.

- Vai ajudar a passar o tempo. Vou ficar ao lado de seu amigo e, como você parece determinado a fazer

o mesmo, podíamos conversar.

- Minha vida não é interessante. Não a ajudaria a matar seu tédio.

- Por que não tenta?

Ele ergueu os ombros, depois começou:

- Minha família era pequena, estão todos mortos agora. Deixei minha casa há muitos anos e fui parar na

Marinha.

- Na Marinha? Não parece um marinheiro.

- Não foi escolha minha. Fui levado à força e, quando acordei, com um ferimento na cabeça, estava nos

porões de um navio. Foi onde conheci Perry.

- Que terrível! Já ouvi falar de histórias assim, mas nunca conheci um homem que tivesse de fato.

- Porque poucos deles estão livres e vivos para contar sua história. Mas Perry, eu e alguns outros

conseguimos escapar das galés.

- Outros? Os seus outros homens. - Ele assentiu.

- Entendo. Então, decidiram entrar para o banditismo?

- Depois de algum tempo. Tentamos outras coisas, primeiro. Era algo que eu queria fazer e os outros

acabaram me acompanhando. - Ele sorriu. - Pelo visto, não foi um bom negócio para Perry.

- Nem para você. Se for pego, será enforcado.

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- Eu sei. Talvez já esteja na hora de pensarem parar. -

- Eu diria que está mais do que na hora.

- Tem razão. - Ele se levantou e caminhou até a pequena janela. Encostou-se à parede, olhando para

fora. - Imagino que eu tenha conseguido tudo que poderia esperar até agora.

- E o que queria conseguir?

Ele a olhou por breves instantes antes de responder:

- Destruir o conde de Exmoor.

Nicola ergueu as sobrancelhas.

- Acho que será necessário mais do que alguns assaltos para consegui-lo - disse.

- Eu sei. Sou apenas uma abelha que o incomoda do que a espada que gostaria de ser, para prostrá-lo

por terra. Não posso fazê-lo sentir a dor que senti, pois não há nada e ninguém que ele ame, além de si

mesmo.

- O que ele lhe fez para que o odiasse tanto?

- Destruiu meu amor.

Ela se inclinou para frente interessada.

- Ele matou a mulher que você amava? - perguntou incrédula. - Mas você disse que...

- Não, ele não a matou. Matou nosso amor. - Jack voltou-se para encará-la e agora seus olhos

faiscavam. - Ele a fez voltar-se contra mim, usou-a para ver-se livre de mim. E, ao fazê-lo, destruiu-me.

Nicola percebia o desespero na voz dele.

- Oh, Jack... - murmurou solidária.

- Ele acabou até com os sentimentos, as lembranças para que eu não ficasse com nada!

- Sinto muito. - Ela se levantou, aproximando-se, mas Jack deu-lhe as costas.

- Não importa agora. Você tem razão, não ,há necessidade de ficarmos os dois aqui para cuidar de Per-

ry. Vou sair e virei rendê-la em algumas horas.

Assim dizendo, Jack afastou-se, deixando Nicola muda diante de sua atitude, e saiu do quarto.

CAPÍTULO 10

Nicola fitou seu paciente. Achou-o ainda mais corado. Estava ali, sentada junto dele havia mais de três

horas. E ele começava a mostrar-se inquieto novamente. Tocou-lhe a testa, sentindo-a quente e úmida.

Voltou-se, então, para a mesa-de-cabeceira, onde havia uma vasilha com água. Com um trapo

umedecido, Nicola passou a limpar o rosto de Perry, como já o fizera antes, no propósito de baixar-lhe a

temperatura do corpo. Sabia que ele precisava de outra dose de remédio e chá de ervas e desta vez,

colocaria uma outra mistura na infusão, para acelerar a melhora do rapaz.

O problema seria fazê-lo beber, pois ficara claro, antes, que eram necessárias duas pessoas para forçá-

lo a tomar a medicação. Teria de chamar Jack e estivera adiando ter de fazê-lo. Ele saíra amargurado

do quarto, mas não era seu estado de espírito que a deixava tensa. O fato era que não sabia como agir

diante dele. O que Jack lhe contara emocionara-a e, mesmo tendo estado sempre adversa a ele, apesar

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dos beijos que tinham trocado, agora lhe era solidária. Ainda mais porque ele também sofrera

profundamente, como ela, e fora o mesmo homem que arruinara a ambos. Nicola entendia muito bem o

que Jack sentia. Não sabia como ele reagiria quando estivessem mais uma vez frente a frente. Poderia

ser sarcástico ou ficar embaraçado devido às revelações que lhe fizera. O fato era que não podia adiar

mais o momento de encontrá-lo. Um homem dependia de seus cuidados e da presença de Jack. Assim,

deixou o quarto e seguiu pelo corredor mal iluminado por apenas duas lanternas nas paredes. Já

escurecera. Nicola caminhou até o topo da escada e chamou baixinho:

- Sr. Moore? - esperou, mas não houve resposta. - Jack?

Seguiu mais alguns passos, na direção oposta do corredor e parou diante de uma porta aberta. Ele

estava naquele aposento, debruçado sobre uma bacia, lavando o rosto. Estava de costas para a porta,

e Nicola podia ver apenas seu torso, de costas. Tinha os cabelos molhados e, por isso, pareciam ainda

mais escuros. Nicola sentiu um impulso que a desconcertou. Queria poder passar as mãos pelas costas

nuas dele, sentir sua pele, seus músculos.

Deu dois passos à frente e só então notou as finas linhas mais claras que lhe cruzavam a pele das

costas. Percebeu, com horror, que eram cicatrizes deixadas por um açoite. Devia tê-las conseguido

enquanto fora forçado a permanecer em um navio, imaginou.

Jack pareceu percebê-la, porque se voltou para a porta, tendo a toalha sobre o rosto, que enxugava

agora. Ao vê-la deu-lhe as costas outra vez, de imediato, pegando a máscara que deixara sobre um

móvel próximo e colocando-a rapidamente. Depois pegou a camisa e vestiu-a, só então girando o corpo

para ficar de frente para Nicola.

- Posso sabe o que está fazendo por aqui, espionando desse jeito? - indagou aborrecido.

- Eu não estava espionando! - Nicola defendeu-se. - Chamei seu nome duas vezes.

- Por quê? Aconteceu alguma coisa a Perry? - A irritação na voz dele cedera lugar à preocupação. - Ele

piorou?

- Um pouco. Nada que possa nos alarmar, mas devo medicá-lo outra vez para diminuir a febre e preciso

de sua ajuda para fazê-lo. - Nicola procurava desviar os olhos do peito dele, que estava um tanto

exposto sob a camisa aberta, mas sentia grande dificuldade em fazer isso.

- Claro. - ele concordou e saiu para o corredor apressado.

Nicola precisou correr para alcançá-lo e, já dentro do outro quarto, viu que ele seguia direto para a

cama do amigo. Ela aproximou-se da mesa-de-cabeceira e começou a preparar a mistura de ervas que

colocaria na infusão.

- Ele não está melhor, não é? - Jack comentou insatisfeito.

- Também não está pior - Nicola o consolou. – Imagino que ele tenha perdido muito sangue.

- É... Foi uma longa cavalgada de volta. Ele sangrou muito, sim.

- Erga-o um pouco. - Ela se aproximava da cama com o copo de medicamento.

Perry começou a beber com vontade, pois estava sedento, mas, ao perceber o gosto amargo, disse

algumas palavras ininteligíveis e afastou a cabeça, sem, no entanto, abrir os olhos. Jack segurou-o com

mais força e, dessa forma, Nicola pôde administrar-lhe o resto da bebida.

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Sempre o Teu Amor - CHE nº 165 Candace Camp

- Você parece cansada - Jack comentou, após deitar Perry novamente no leito. - Por que não dorme um

pouco? Eu cuidarei dele.

- Vim para fazê-lo, lembra-se?

- Terá muito tempo para cuidar dele nos próximos dias e estará mais apta a fazê-lo se estiver

descansada. Eu a acordarei se ele piorar.

Nicola olhou para o paciente. Sabia que ele poderia ter uma crise inesperada e achou melhor aceitar a

idéia de Jack.

- Está bem - aquiesceu.

- Pode ocupar o quarto ao lado. Ninguém a perturbará lá.

O quarto ao lado era pequeno e limpo, e havia uma cama estreita nele. Ela tirou os grampos dos

cabelos e sacudiu a cabeça, sentindo um começo de dor nas têmporas. Tirou os sapatos e deitou-se

completamente vestida, cobrindo-se com uma colcha que estava dobrada aos pés da cama. Adormeceu

quase que de imediato.

Estava deitada em uma cama, não em Tidings, mas em uma cama que era sua. Havia um homem

deitado a seu lado, e ele mantinha um dos braços sobre seu corpo. Olhou-o e viu que era Gil. Nicola

sorriu, relaxando os nervos, feliz por estar com ele. Gil passou a acariciá-la, então, de maneira cada vez

mais sensual, e as sensações que provocava em seu corpo foram embalando-a até gemer de leve,

deliciada. Ele começou a beijá-la, murmurando seu nome, e o desejo passou a circular forte em todo

seu corpo, incitando-a a uma entrega total.

- Nicola! Nicola!

Ela acordou de repente, o corpo ainda tumultuado pelas sensações provocadas pelo sonho, vendo que

um homem estava em pé a seu lado, mas não era Gil ou era? confundiu-se, o coração aos pulos. Mas a

máscara estava sobre o rosto dele, e essa visão trouxe-a de volta à realidade. Viu que seus braços se

erguiam para ele e recolheu-os rapidamente, envergonhada. Sentou-se de repente, sentindo que a

colcha se enrolara em suas pernas e que lhe era difícil ver-se livre dela. Jack ajudou-a a livrar-se,

deixando-a ainda mais confusa, sentindo-se uma tola.

Nicola abaixou-se para pegar os sapatos, evitando olhá-lo. Enquanto os calçava, indagou:

- O que aconteceu?

Em sua mente, muitas indagações se misturavam.

Ele teria percebido alguma coisa? Ela gemera no sonho teria gemido na realidade também? Ele a

ouvira? Soubera com o que estava sonhando? Fora uma tola por não trancar a porta. Em Tidings

barricava a porta, mas aqui, em meio a ladrões, deixara-se vulnerável daquele jeito, condenava-se. No

entanto, sentia-se estranhamente segura ali.

- Ele piorou. - Jack informou preocupado. - Está ardendo em febre e murmurando bobagens outra vez.

Tive de segurá-lo, com receio de que pudesse reabrir o ferimento.

Nicola saiu correndo do quarto, esquecendo de prender os cabelos. Quando viu seu paciente ele estava

tentando sentar-se, praguejando.

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Sempre o Teu Amor - CHE nº 165 Candace Camp

- Ninguém tem o direito de me dar ordens! - reclamava com voz embotada. E suas palavras carregavam

uma autoridade que deixava ainda mais claro o fato de ter tido uma educação privilegiada.

- E claro que não - Nicola contemporizou, segurando-lhe os braços com suavidade e tentando controlá-

lo. - Mas sabe que precisa ficar deitado; não sabe?

- Não quero ficar deitado! Tenho que falar... - Ele se inclinou para trás, os olhos revirando nas órbitas. -

Diga a ele.

- Eu digo. E, mais tarde, você mesmo dirá, certo?

- Bastardo arrogante!

Nicola passou-lhe a mão pela testa, em um carinho que pretendia saber o quanto ele ardia em febre.

Mais uma vez pegou o trapo úmido e passou-o pelo rosto do rapaz.

- Graças a Deus você está aqui, Netta - Perry continuou murmurando em seu delírio.

- Está melhor assim, não? - ela dizia, passando o pano com suavidade por seu pescoço e peito. -

Agora, procure descansar.

Ele assentiu, disse palavras desconexas e dormiu novamente. Nicola ergueu os olhos para Jack.

- Do que ele estava falando? - perguntou. Ele deu de ombros e explicou:

- Sei pouco mais do que você. Acho que a irmã dele se chamava Netta, mas ele não fala muito sobre a

família. Estão afastados há anos. Imagino que o pai o tenha deserdado e expulsado de casa por causa

de seus modos um tanto selvagens. Está se lembrando de coisas que aconteceram há dez anos. Está

muito mal?

- Não sei ao certo. Está delirando e com muita febre. A única coisa que podemos fazer é mantê-lo

quieto para que não afete a ferida e tentar controlar a febre.

- Vou trazer água fresca - Jack ofereceu e saiu do quarto, levando a vasilha de água.

Voltou minutos depois, com a vasilha e uma jarra cheia de água, que deixou sobre o móvel Nicola

passou o pano úmido mais algumas vezes sobre o rosto e o peito de Perry e depois o deixou sobre sua

testa. Saiu do quarto então, seguindo para a cozinha, onde preparou um chá com ervas ainda mais

fortes. Ao voltar, encontrou Jack inclinado sobre o leito, segurando o amigo.

- Ele insiste em se levantar - explicou a ela. - Se vamos forçá-lo a beber esse chá, é melhor eu chamar

mais alguém para me ajudar.

Jack foi até a porta e chamou, por Saunders, que apareceu quase que de pronto. E os três tiveram de

se esforçar para fazer com que Perry bebesse todo o chá. Ele delirava, gritava imprecações que teriam

feito Nicola corar, caso não trabalhasse com as mulheres desbocadas da região leste de Londres.

Pouco depois, com o efeito do chá, Perry se acalmou novamente e voltou a dormir.

Ficaram com ele por toda a noite. Saunders fez uma cama improvisada no chão, junto à janela, onde

dormiu, acordando sempre que Jack e Nicola precisavam dele para ajudar a segurar Perry. Foi uma

longa e desesperada noite, na qual Perry delirou, gritou, debateu-se, voltou a dormir. Nicola desvelou-se

por seu paciente, e Jack a ajudou sempre que preciso. Já não havia sarcasmo ou brincadeiras nas

palavras e nas ações dele, estava preocupado e tenso. De vez em quando seus olhos pousavam sobre

Nicola, pensativos. Por fim, ,ela perguntou:

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Sempre o Teu Amor - CHE nº 165 Candace Camp

- Tem mesmo que ficar me olhando assim?

- Assim como?

- Desse modo frio. É irritante!

- Não pretendia incomodá-la. Estava apenas pensando... Estou surpreso com você.

- Em que sentido?

- Você é determinada, incansável.

- Achava que eu não era determinada? – Ela sorriu. Continuava passando o pano, úmido pelo rosto e

peito de Perry. - Você me conhece mal!

- Sei que é teimosa. Que se acostumou a agir por conta própria, a fazer tudo a seu modo. Mas sua

vontade de ajudar, esse seu sacrifício por alguém desconhecido... surpreende-me.

- Se achou que eu era fútil, egoísta e teimosa, é estranho que tenha me pedido, não, melhor, ordenado-

me a vir cuidar de seu amigo. Esperava ter de segurar uma arma contra mim para que eu fizesse algo

por ele?

- Não. Sabia apenas que conhecia ervas e remédios e que, com você, fosse como fosse, ele teria mais

chances de sobreviver.

- Puxa! Tantos elogios podem me deixar convencida. - ela ironizou.

- Eu estava enganado - Jack continuou. - Fez muito mais do que eu poderia imaginar, e sou-lhe grato

por isso.

Nicola o encarou, imaginando quanto lhe teria custado dizer tais palavras. Não podia culpá-lo por achar

que uma mulher de sua posição fosse indolente e desinteressada do resto do mundo, ainda mais de um

assaltante de estrada ferido. Assim, apenas sorriu para ele e murmurou:

- De nada.

Ele entreabriu os lábios, na intenção de dizer algo, mas Perry começou a mover-se e a gemer outra vez,

fazendo-os apressarem-se em segurá-lo.

- As cobertas estão ensopadas de suor - Nicola observou. - Precisamos trocá-las para que ele não

pegue um resfriado.

- Se quiser, eu e Saunders poderemos tirá-lo daí e depois colocá-lo novamente - Jack ofereceu.

- Podemos fazê-lo sem tirá-lo da cama, se você me ajudar. Mas, primeiro, preciso das cobertas limpas.

Jack saiu apressado do quarto e voltou pouco depois com as cobertas. Com rapidez e eficiência, Nicola

liderou a mudança de posição de Perry e Jack ajudou-a no que era necessário, fazendo o trabalho mais

pesado enquanto ela trocava os lençóis. Pouco depois, o paciente estava em uma cama renovada;

- Pode se aborrecer com o que vou dizer, mas estou admirado com sua habilidade para arrumar uma

cama - Jack comentou, depois, com um meio sorriso .

Nicola, por sua vez, sorriu abertamente.

- Devo admitir que aprendi a fazê-lo nos últimos anos - disse. - Mas em minha casa, no lado leste de

Londres, aprendi a fazer qualquer trabalho doméstico.

- Tem uma casa no lado leste de Londres? - ele estranhou. - Nunca morou lá!

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- Não, de fato não morei. Mas abrigo algumas mulheres menos afortunadas, muitas das quais vivem lá.

Também alimentamos muitas outras que aparecem às vezes.

- Pôr quê? Quem são essas mulheres?

- Mulheres que não têm para onde ir. A princípio, eu pretendia ajudar apenas as que estivessem

grávidas e sem um lugar para ficar. Garotas expulsas de casa pelos pais, criadas de tavernas que eram

demitidas quando sua gravidez começava a aparecer, e até prostitutas que acabavam se descuidando e

estavam com medo dos médicos que diziam poder livrá-las de uma gravidez indesejada.

Jack encarou-a, absolutamente surpreso.

- Deu um lar a esse tipo de mulheres? - perguntou em voz baixa.

- Sim, embora eu ache que a casa não é muita apropriada.

- Admira-me que conheça esse tipo de mulheres, que saiba sobre elas.

- Ah, mas pago meu preço por ajudá-las. Muitos em Londres mantêm-me a certa distância, se é que me

entende. Muitas senhoras se sentem ofendidas por minhas atitudes, mas não entendo de que adianta

não se falar no assunto. Quando falo, tenho a intenção de mostrar que essas mulheres precisam ser

ajudadas e acho que falo tanto que acabo convencendo muitas senhoras a me ajudar com doações. -

Ela sorriu, lembrando-se de seus esforços para angariar fundos para sua casa de ajuda. - Na verdade,

há certas senhoras que nem falam comigo em público para não aborrecerem seus maridos, mas que

doam dinheiro para minha causa, sem ninguém saber.

Jack meneou a cabeça incrédulo.

- Minha casa cresceu muito - Nicola continuou explicando, ainda cuidando das compressas que colo-

cava sobre a testa de Perry. - Acabei descobrindo que havia outras mulheres que precisavam de ajuda,

espancadas pelos maridos ou pais, ou pelos homens que administravam seu trabalho como prostitutas.

E algumas delas traziam crianças consigo quando apareciam pedindo-me ajuda. Há tantas delas agora

que tenho de escolher as mais necessitadas, porque não posso ajudar a todas. Já consegui comprar

uma segunda casa, mas ela ainda está em reformas. Conto com ajuda, é claro, não poderia fazer tudo

isso sozinha. Penélope, uma grande amiga, ajuda-me quando pode, mas precisa fazer tudo em segredo

por causa de sua mãe. O vigário assistente de St. Swithin já transformou minha obra em um projeto seu

de ajuda para mulheres, e as senhoras que freqüentam sua paróquia costumam ajudar muito.

Jack agia como se estivesse diante de uma mulher totalmente desconhecida. Quieto, incrédulo, apenas

a observava.

Nicola dobrou a compressa e colocou-a sobre a testa do rapaz, continuando a explicar:

- Uma das mulheres que recolhi mostrou-se tão capaz de gerenciar a casa, que o faz de maneira

esplêndida! Nem é necessário dizer que peço doações a todos que conheço. - Ela o olhou e sorriu. -

Gostaria de contribuir com algumas migalhas do que roubou por aí?

- Talvez. Mas devo confessar que estou abismado Nicola.

O som de seu primeiro nome dito por aquele homem surpreendeu-a e causou-lhe uma agradável

impressão, que agitou seus sentimentos.

- Por quê? - perguntou. - Porque tenho coração? Ou por que quis fazer algo valer a pena?

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- Não sei. Só sei que você é diferente do que eu esperava.

- Esperava? E por que esperaria algo de mim? - Ele pareceu hesitar, depois ergueu os ombros.

- Pelo que ouvi os habitantes da vila dizerem sobre você - explicou. - Imaginei que seria uma santa ou

uma dessas senhoras que aparecem de vez em quando para lançar algumas moedas aos pobres ouvir

seus agradecimentos e depois voltar para suas futilidades. Quando a conheci, é claro que notei logo

que não era santa, portanto, fiquei com a segunda opção em mente.

- Nunca pensou que eu fosse alguém que faz o que pode para ajudar, não? Devo dizer, sr. Moore, que

o senhor é preconceituoso e presunçoso.

Inesperadamente, ele sorriu.

- Sua língua ferina também foi uma surpresa embora eu deva dizer que me divirto com ela - comentou.

- Não! - Perry exclamou, em voz alta, fazendo-os olharem-no de imediato. Os olhos dele estavam arre-

galados, seu rosto banhado em suor. Levou a mão à testa e sentiu o tecido frio, em um impulso

retirando-o e lançando-o longe. - Jamais o farei!

Com o grito,Saunders acordou e levantou-se rápido, alerta.

- Mas o que é isso? - protestou.

- Está tudo bem - Jack acalmou-o. - Nosso amigo está falando suas bobagens em voz alta, nada mais. -

Mas sua expressão era mais preocupada do que suas palavras fariam supor.

Nicola também estava tensa. A febre parecia ter se intensificado de repente, e ela se aproximou, na

intenção de tomar-lhe a pulsação. Mas Perry agarrou-a pelo braço com uma força incrível.

- O que pensa que está fazendo? - indagou entre dentes. - Acabo com você antes que...

Jack estava ao lado dela e, de pronto, afastou os dedos de seu amigo do braço que ela tentava livrar.

- Solte-a, Perry! Ela está tentando ajudá-lo. Nós todos estamos.

Perry voltou-se contra ele, na intenção de golpeá-lo no peito, mas seu movimento causou-lhe muita dor

e alguns gemidos. Virou a cabeça para o outro lado, dizendo algo que ninguém compreendeu.

- Você está bem? - Jack preocupou-se, tomando o braço de Nicola para inspecioná-lo.

- Estou, estou. - Ela tentava afastar da mente a satisfação que sentira pela pronta defesa de Jack e ago-

ra por sentir seus dedos em sua pele. Afastou o braço das mãos dele e olhou para o paciente para

afirmar: - Ele está piorando.

- E o que podemos fazer?

- O que fizemos até agora. Eu gostaria que vovó Rose estivesse aqui... Acho que esgotei meus

conhecimentos.

Jack voltou-se para Saunders e ordenou:

- Vá buscar mais água. - E, quando o homem se foi, voltou-se para Nicola. - Muito bem, vamos fazer

algo!

E, por todo o resto daquela terrível noite, fizeram o possível e o impossível para tirar Perry daquele

terrível tormento.

Sem sono, sem comida e sem se abaterem, fizeram o que deveria ser feito e, de repente, Nicola

percebeu que seu paciente já não estava tão quente.

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- Jack! - ela chamou em um sussurro e ele se voltou, deixando de colocar mais água fresca na vasilha

sobre a mesa-de-cabeceira. - Acho que a febre está cedendo!

Jack se aproximou, tocou a testa do amigo, depois seu peito, e concordou:

- Tem razão.

- A crise passou! - Nicola exclamou, com lágrimas nos olhos. - Acho que ele vai ficar bom!

Jack sorriu e acordou o outro companheiro.

- Saunders, vá dizer aos outros que Perry está melhorando!

- Sim, senhor! - O homem desceu a escada correndo, animado.

Jack tomou Nicola pela cintura, erguendo-a do chão, feliz.

- Você conseguiu! - exclamou. - Você conseguiu!

Ao colocá-la de volta ao chão, porém, ambos já estavam cientes da proximidade que os unia e que os

embaraçava tanto. Olharam-se calados, surpresos consigo mesmos, mas passos aproximando-se pelo

corredor distraíram-nos daquele instante de tensão.

Logo, três homens e Diane estavam no quarto. Jack anunciou o que acontecera aos colegas, satisfeito

e sorridente. Mas logo percebeu que havia gente demais ali dentro, que isso poderia ser prejudicial ao

restabelecimento de Perry; e pediu-lhes para que se retirassem outra vez. E, novamente, estava a sós

com Nicola.

Ela tentou ignorar o que acontecera havia pouco, mantendo-se atenta às condições de seu paciente. In-

clinou-se junto dele, recostando a cabeça ao lado do travesseiro, sentindo-se extremamente cansada

quando, pouco depois, despertou, com um clarão vindo da janela. Olhou para Perry, lembrando-se logo

de onde estava e tocou-lhe o rosto. Ele estava com sua temperatura normal e dormia tranqüilamente.

Nicola sentou-se, sentindo dores pelo corpo todo, por ter dormido em má posição. Olhou para o outro

lado do quarto, onde também Jack dormia, reclinado na cadeira, o rosto calmo e vulnerável.

Ela se levantou, permanecendo ali, a observá-lo. Podia ouvir os passarinhos lá fora, no alvorecer do dia,

e ouviu uma voz de homem e uma porta sendo fechada no corredor.

Olhou mais uma vez para Perry, percebendo que ele estava bem o suficiente para poder ficar sob os

cuidados de qualquer outra pessoa. Aliás, já estivera praticamente sozinho durante as horas em que ela

e Jack tinham adormecido. Podia chamar um dos homens de Jack e recolher-se ao outro quarto para

dormir mais e melhor. Precisava acordar Jack também, pois ele precisava dormir tanto quanto ela.

Percebeu, como já fizera antes, que ele era realmente bonito, com traços firmes e másculos na parte do

rosto que estava visível. Prestou atenção ao bigode e à barba bem cuidados, à boca sensual. Imaginou,

uma vez mais, o que aquela máscara esconderia, e por quê, e ocorreu-lhe, de repente, que poderia

simplesmente retirá-la enquanto ele dormia.

Sem vacilar, aproximou-se dele, erguendo devagar as mãos, na intenção de desfazer o nó que prendia

o tecido negro à nuca de Jack. Mas ele abriu os olhos de repente e segurou-lhe os pulsos, dizendo

simplesmente:

- Não!

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Com o susto, Nicola estremeceu. Tentou afastar-se, mas ele não permitiu. Ele não a soltou. E, com um

movimento rápido, puxou-a para seu colo, cobrindo-lhe os lábios com os seus.

Nicola deixou-se levar pela paixão desenfreada e instantânea que a invadiu. Beijou e foi beijada quase

com fúria, em um envolvimento que lhes tirou ambos da realidade.

Jack levantou-sé, então, levando-a consigo, em direção à porta, mas ela se afastou olhando

significativamente para o paciente.

- Saunders, venha cuidar de Perry! - Jack gritou, saindo com ela para o corredor e levando-a consigo

para seu quarto. Lá, entre beijos cada vez mais famintos e urgentes, sussurrou:

- Nicola, faz tanto tempo! Minha doce Nicky... .

Ela se retesou ao ouvi-lo chamá-la como Gil fazia.

Afastou-se de repente, em um gesto arredio e exclamou:

- Não! Não, não posso! - E deu-lhe as costas.

- Mas que droga! - Jack vociferou. E estendeu os braços para tomá-la pela cintura e trazê-la para diante

de si novamente. - Que tipo de jogo está fazendo? Você me quer! Posso sentir que me quer e muito!

Quer me deixar louco? Quer que eu implore para que durma comigo?

- Não! Eu... sinto muito... Realmente... Eu não quis... Jurei que não deixaria acontecer outra vez! Mas

não sei o que acontece comigo... - Ergueu para ele os olhos cheios de lágrimas e completou: - Não

posso fazer isto com você. Seria injusto, desleal...

- Desleal? O que quer dizer? Disse que não era casada...

- E não sou! Nunca fui!

- Então, o que... ?

- Eu estava apaixonada! Eu ainda o amo!

- A quem? - ele baixou a voz de repente, mas, assim, o tom a intimidava ainda mais. - A quem você

ama?

- Um rapaz. Mas ele morreu, há muito tempo.

As lágrimas de Nicola banhavam-lhe o rosto.

- Não sei por que me sinto assim com relação a você. É desejo. Mas não é suficiente. Não vou ser

desleal com ele.

Jack soltou-a e sorriu de leve, sarcástico.

- Quer que eu acredite nisso? - indagou. - Que continua fiel a um homem que morreu a anos.

- Sim. Por que não pode acreditar? É a verdade. Eu amava Gil e jamais amarei outro homem.

- Gil... - ele repetiu, em voz dura. - Nunca teve outro homem depois dele?

- É claro que não. Gil era tudo para mim.

- Linda história.

- Não ironize. Como ousa.

Jack levou as mãos à nuca e soltou a faixa preta de sobre seus olhos, revelando seu rosto pela primeira

vez.

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Sempre o Teu Amor - CHE nº 165 Candace Camp

Nicola arregalou os olhos. De repente, era como se lhe houvessem tirado todo o ar. Em seus ouvidos,

um ruído estranho começou, tornando-a surda para tudo o mais. E seus sentidos lhe faltaram.

CAPÍTULO 11

- Nicola?

Ela ouviu uma voz distante chamar seu nome e abriu os olhos devagar. Um homem estava a seu lado,

o rosto próximo, inclinado sobre o seu, agradavelmente familiar, mas, ainda assim, diferente. Era o rosto

de Gil, mais velho, maduro, com um bigode e barba que não estavam lá dez anos antes. Havia também

uma pequena cicatriz em seu queixo, que ela não reconhecia.

- Gil! - ela exclamou, sentando-se e passando os braços em torno do pescoço dele, absolutamente feliz.

- É você! Está vivo! - E começou a chorar, tensa, mas não triste, murmurando o nome dele enquanto lhe

beijava o rosto repetidas vezes.

Por fim alcançou-lhe a boca, para um beijo longo e profundo. Gil e Jack eram um só, e Nicola imediata-

mente reconheceu a resposta intensa de seu corpo a ele. Era como se seu coração, suas sensações,

houvessem-no reconhecido antes dela.

- Não consigo acreditar! - exclamou, apertando-lhe o pescoço. - Como não percebi? - E, afastando-se

um pouco, sorriu e observou: - Mas você parece mais alto, bem mais forte! Sua voz... Não, não, é o

modo como fala, aristocrático...

- Eu tinha apenas vinte anos naquela época, acho que a idade acabou por me deixar mais encorpado -

ele explicou.

- Mas por que se escondeu de mim? Por que não disse que estava vivo? Por que... Por que esta

máscara? Não sei por onde andou, por que nunca me deixou saber que estava vivo! Foram dez anos,

Gil... Jack ... Vê? Nem sei como chamá-lo.

- Todos me chamam de Jack agora e estou acostumado com esse nome. Nunca mais usei meu antigo

nome.

- Por quê? Por que não me escreveu? Não sabia que eu estava transtornada, preocupada? Não se

importava com o que eu sentia? - Ela se calou por instantes, depois uma dor profunda tomou-lhe o peito

quando imaginou o motivo de todos aqueles anos de silêncio. - Você não me amava.

- Eu não a amava? - ele ironizou. Levantou-se. Parecia irritado. - Meu Deus, Nicola, não tente se fazer

de vítima! Não sou mais um tolo cego que você pode manipular. Por que eu escreveria? Por que

acharia que você desejava saber onde eu estava? Ou que desejava saber se estava vivo? Para contar

ao conde?

- O conde? E por que eu contaria a ele? Porque está agindo assim? O que lhe aconteceu?

- Uma traição foi suficiente! Não demoro muito a aprender.

- Traição? Mas ... do que está falando?

As palavras que ele lhe dissera sobre seu passado, enquanto o via como a um assaltante qualquer,

agora voltavam à sua memória.

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Sempre o Teu Amor - CHE nº 165 Candace Camp

- Foi... foi Exmoor quem mandou que um grupo o raptasse e o colocasse à força em um navio?

Ele assentiu.

- Não sabia como ele se livrou de mim? - indagou. - Talvez não tenha se importado em saber os

detalhes, já que o problema estava resolvido.

- A mulher que você disse que o traiu... fui eu? Ela não acreditava no que ouvia.

- É claro que sim! Fiquei surpreso por ver que não reconhecia sua própria história.

- Mas eu nunca o traí!

Ele riu sarcástico.

- Não precisa mentir mais, Nicola. Não há como se explicar. Disse a Richard onde eu estava, pediu-lhe

que se livrasse de mim para que eu não a importunasse mais.

- O quê?!- Ela se levantou, aproximando-se de Jack. - Está ficando louco? Como eu poderia traí-lo e

revelar seu paradeiro a Richard? Eu não sabia onde você estava, nem sabia que estava vivo! Você caiu

da cascata, e nós o procuramos, mas não conseguimos encontrar nada. Nunca mais ouvi falar de você.

Imaginei que estivesse morto!

- Enviei-lhe uma carta. Não sou louco, Nicola. Sei muito bem o que fiz e o que você fez também. Na

carta, eu lhe contei como um fazendeiro havia me encontrado à margem do rio, agarrado a uma raiz.

Disse-lhe onde estava para que pudesse vir me encontrar, para que pudéssemos nos casar e viver em

paz, longe daqui! Imagine minha surpresa quando o conde de Exmoor foi quem me encontrou! Ele disse

que você lhe pedira para ir até lá porque percebera que tinha sido uma grande tola ao deixar-se seduzir

por um criado. Eu me tornara um grande problema, e você precisava se livrar de mim. Por isso pedira a

ele que me encontrasse e desse fim ao seu "antigo namoradinho".

Nicola estava com os olhos arregalados.

- E você acreditou nele? - rebateu. - O homem com quem tinha lutado? Que o deixou escorregar cas-

cata abaixo?

- Ele não me deixou escorregar! Ele me empurrou!

- Pior ainda! Sabia que ele tentara matá-lo e, ainda assim, acreditou no que ele lhe disse? Não pensou

nem sequer em me procurar para saber se era verdade?

- Não havia necessidade. Como ele poderia saber onde eu estava? Somente você e a família do

fazendeiro sabiam onde eu me encontrava. E, como eles nada sabiam de nossa história, duvido de que

houvessem dito algo a ele.

- Alguém mais devia saber! Você mandou a carta para mim de alguma forma. Confiou em alguém para

que ela chegasse a mim. E essa pessoa foi quem o traiu, não eu.

Jack respirou fundo. Sua expressão era grave.

- Não minta para mim - disse. - Mandei o filho do fazendeiro com a carta, e ele nada sabia sobre Ex-

moor ou nós. Todos em Tidings pensavam que eu tinha morrido.

- Então Richard deve ter interceptado a carta, tirado-a do rapaz. Nunca a recebi!

- O rapaz garantiu-me que a entregara.

- Mas não para mim!

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Sempre o Teu Amor - CHE nº 165 Candace Camp

- Não, não para você. Coloquei a carta dentro de outra, que ele entregou, e ele me trouxe um bilhete de

volta, dizendo que ela recebera a carta e que a daria a você.

- Ela?

- Vovó Rose. Acha que foi ela quem me traiu?

Nicola calou-se, olhando-o. Não entendia mais nada, não conseguia entender.

- É Claro que não - respondeu, por fim. Sentou-se na cama, sentindo as pernas subitamente fracas. Era

como se sua vida inteira houvesse sido revirada nos últimos minutos e não sabia o que pensar ou

sentir.

- Algo deve ter acontecido - murmurou pensativa. - Não recebi carta alguma. Vovó Rose sabia que

Richard o tentara matar? Talvez ele tenha ido até a casa dela, tentando encontrá-lo, e ela lhe disse,

sem saber que...

- Pelo amor de Deus, Nicola! – Jack gritou. - É claro que eu disse a ela que ele me empurrou da cas-

cata! Ela sabia de tudo. Sempre soube quem ele era! Por que continua fingindo? Nós dois sabemos que

foi você quem enviou Exmoor à minha procura. Pode admiti-lo agora.

- Não. Não sei o que aconteceu, nem como Richard soube onde você estava. Mas nunca recebi sua

carta, embora não acredite nisso.

- Por que deveria? Você já me traiu, eu seria muito tolo se confiasse agora.

Aquelas palavras a irritaram.

Levantou-se novamente, as mãos fechadas em punhos, e gritou:

- Diz que estou mentindo agora porque acha que o traí no passado? E pensar que o amei estes anos

todos! Que fechei meu coração para todos os homens. Mas você não me amou o suficiente para confiar

em mim. Mas amou e confiou em vovó Rose. Ela não poderia traí-lo, mas eu poderia, não é?

Ele a encarou calado. Nicola deu-lhe as costas, com lágrimas nos olhos.

- Vá embora. - pediu. - Não posso nem sequer olhar para você.

Ela acordou várias horas depois, embora sentisse que não dormira o suficiente. Sentou-se na cama, a

cabeça dolorida, efeito do tanto que chorara antes de adormecer. As emoções pelas quais passara

tinham sido fortes demais. Primeiro, uma grande alegria, depois uma tristeza profunda.

Levantou-se e caminhou até a penteadeira, onde deixara as poucas coisas de toucador que trouxera,e

olhou-se no espelho. Seus olhos estavam inchados. Lavou o rosto e passou a escovar os cabelos, para

depois prendê-los à nuca. Tirou o vestido amassado, com o qual dormira, lavou-se e trocou de roupas.

Tornou a olhar-se no espelho e achou que já estava apresentável.

Saiu para o corredor vazio e ouviu o cantarolar suave de uma mulher na cozinha. Caminhou até o

quarto em que Perry estava, sentindo o coração se acelerar a cada passo, temendo encontrar Jack ali.

Mas precisava saber como seu paciente estava.

Quando entrou, viu Perry dormindo calmamente e Jack sentado na cadeira ao lado dele. Ele trocara de

roupas também e raspara a barba e o bigode, parecendo-se muito mais com o antigo Gil. Nicola sentiu

o coração bater desesperado. As emoções que Jack provocava eram intensas demais. Queria correr

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Sempre o Teu Amor - CHE nº 165 Candace Camp

para ele, abraçá-lo, mas queria também esbofeteá-lo por tudo que ouvira. Estava ferida, ofendida, mas

também apaixonada.

Ele se levantou assim que a viu, muito sério, e, por um longo momento, seus olhares se encontraram.

Mas foi Nicola quem quebrou a tensão, aproximando-se do leito.

- Por que não mandou me chamar? - repreendeu.

- Porque você estava dormindo, é não queria perturbá-la. Além disso, Perry está bem. Fiquei com ele.

Teria chamado, se ele apresentasse algum problema.

- Deve estar cansado, então. - Ela falava como a um estranho. - Posso substituí-lo agora para que dur-

ma um pouco.

Ele hesitou, depois assentiu .

- Obrigado - murmurou. - Estarei lá embaixo se precisar. Perry acordou há pouco, mas estava calmo e

sóbrio e bebeu um pouco do remédio sem me dar trabalho algum.

- Ótimo. O pior já passou.

- Espero que sim. - Jack vacilou um pouco, depois começou: - Nicola...

Ela o olhou atenta.

- Nada - ele preferiu dizer. E saiu do quarto, deixando-a mais aliviada.

Alguns segundos se passaram, até que a voz fraca de Perry se fez ouvir:

- Então, ele lhe contou. - Ele a olhava, e seus intensos olhos azuis brilhavam.

- O quê? - Nicola estranhou a pergunta, mas logo percebeu que não deveria desconversar. - Sim, ele

me contou.

- Já era tempo.

- É. - Ela tocou-lhe a testa. - Você está bem melhor.

- Graças a você.

- E não quero que comprometa meu trabalho, certo? Por isso, descanse bastante e recupere-se logo.

- Está bem, mas quero saber o que aconteceu.

- Mais tarde eu mesma lhe contarei. Agora, procure descansar.

- Promete? - Nicola sorriu.

- Prometo. Agora, durma.

Ele obedeceu, e Nicola imaginou quanto aquele amigo de Jack saberia sobre seu passado. Perguntou-

se como Gil a descrevera para o amigo.

Pouco depois, uma batida suave na porta anunciou a chegada de Diane. Ela trazia uma bandeja e, nela,

uma tigela com comida, que cheirava muito bem. Nicola sentiu água na boca, afinal, não comia fazia

quase um dia.

- Jack pediu para que eu lhe trouxesse comida - a moça disse, parecendo mais amigável do que no dia

anterior. - Eu fiz um ensopado.

- O cheiro está delicioso! - Nicola elogiou.

- Obrigada.

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Nicola aceitou a bandeja, percebendo que a postura da garota era-lhe um tanto antagônica. Talvez

porque Jack preferira confiar os cuidados com Perry a ela, e não a Diane, imaginou. Pensou também

que Diane poderia ter fantasias com Jack. Ou, ainda, que não fossem fantasias.

Um ciúme dolorido a atingiu. Não seria estranho que Jack e a moça tivessem um relacionamento, já que

ele era o líder do bando, e ela, a única mulher ali presente. Jack dissera que ela estava com outro de

seus companheiros, mas talvez tivesse mentido. Fora fiel ao amor que sentira por ele durante dez anos,

mas isso não o obrigava a ter feito o mesmo. Ainda mais porque ele a detestara durante todo esse

tempo.

Diane saiu assim que viu que ela começava a comer.

A garota era uma excelente cozinheira, Nicola ponderou. O ensopado estava delicioso.

Enquanto comia, os pensamentos reviravam-se em sua mente.

O que Jack poderia querer ali? Com? se sentiria a respeito dela? Voltara para vingar-se, isso era óbvio,

mas isso não explicava os beijos que lhe dera. Se a detestava tanto assim, por que a perseguira?

Poderia desprezá-la, mas ainda a queria. Ou, talvez, os beijos que lhe dera houvessem sido apenas

para provar que poderia controlá-la com seu desejo.

E quanto a ela? O que sentia? Amava um homem que a desprezava. Isso seria possível? Jack seria o

mesmo Gil que amara ou se transformara com o tempo?

Passou boa parte daquela tarde pensando nisso e sentiu-se aliviada quando Perry acordou outra vez,

pedindo-lhe água. Ela o serviu, aliviada por poder fazê-lo sozinha, sem a ajuda de Jack. Depois, desceu

até a cozinha e esquentou um pouco do ensopado, que trouxe para dar a seu paciente. E o fez bem

devagar, porque ele estava muito fraco. O pouco que comeu cansou-o demais e ele logo adormeceu

novamente. Acordou, porém, quase uma hora depois, e seu rosto estava animado. Recostou-se nos

travesseiros, com a ajuda de Nicola, e tomou mais um pouco do ensopado. Quando ela tentou ajudá-lo

a deitar-se outra vez, Perry protestou;

- Não. Quero ficar um pouco assim.

- Está bem, mas não se esforce.

- Nem conseguiria. Estou me sentido muito fraco.

- Vai se recuperar logo. O descanso vai ajudar seu corpo a se curar sozinho.

- Mas você foi a grande heroína de minha recuperação. Jack me contou.

- Mesmo? E o que me diz das dores que lhe causei?

- Mal me lembro delas.

- Bem, mas já que está se sentindo melhor para cooperar, vou aproveitar para trocar as ataduras. - Ela

caminhou até a mesa-de-cabeceira e começou a preparar o novo curativo.

- Diga-me o que houve - Perry pediu. - Com você e Jack, quero dizer. Ele me disse apenas que lhe

deixou ver seu rosto. Às vezes, ele é terrivelmente calado.

Nicola sorriu.

- Não é educado bisbilhotar - murmurou.

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- Minha mãe também dizia isso, mas eu sempre ignorei a maior parte do que ela dizia. Nunca se sabe

de nada interessante se não se bisbilhotar.

- Não há muito a saber, neste caso. Jack retirou a máscara eu o reconheci e entendi que ele me deixou

pensar, por dez anos, que estava morto. Jack também me disse que me considera uma mentirosa, uma

traidora genuinamente má.

- Entendo.

- Duvido de que entenda. - Ela colocou a pomada e as ervas ao lado dele, na cama. - Sabe apenas O

que Jack lhe contou e, já que ele nada sabe da verdade, não pode saber também.

Perry mantinha os olhos atentos e um tanto preocupados com os preparativos que ela fazia e

comentou:

- Sempre achei que ele tinha entendido muito bem que aconteceu há dez anos.

- De fato. Ele entendeu o que aconteceu a ele. Mandou-me uma carta através de um rapaz e de sua

avó. Richard apareceu e disse-lhe todas aquelas coisas sobre mim e depois o entregou a um grupo que

o jogou nos porões de um navio. Richard é capaz de qualquer coisa. Mas Jack não tem idéia do que eu

pensava ou do que fiz, preferiu acreditar no homem que quase o matou e que o lançou em uma vida

miserável.

Ela retirava o curativo velho, e suas mãos moviam-se mais e mais depressa, conforme se inflamava no

que dizia, até que o rapaz gemeu.

- Oh,desculpe! Eu não pretendia machucá-lo! - Nicola exclamou apreensiva. - Eu não devia estar fa-

lando sobre Jack agora. Fico zangada.

Perry deu um sorriso denotando compreensão.

Nicola inspecionou a ferida e sorriu.

- Está vermelha ainda, mas não há sinais de inflamação. O senhor está se recuperando muito bem, sr.

Perry!

- Está me dizendo que o que esse tal Richard contou a Jack era tudo uma grande mentira? - o rapaz

indagou, mais preocupado com a história de Nicola do que com seu ferimento. - Você não leu a carta e

disse a ele que...

- Mas é claro que não! Nunca recebi carta alguma. Se houvesse recebido, jamais teria falado com

Richard. Detesto aquele homem! Sempre achei que ele tivesse deixado Gil cair da cascata

propositadamente. Jack, quero dizer.

Ela limpara o ferimento e aplicava nova camada de pomada.

Perry olhava seus movimentos, pensativo, e disse:

- Mas Jack não acreditou no conde sem motivos. A avó dele tinha entregado a carta a você. Ele sabia

que você a recebera e depois soube que Richard a lera também. Assim, não seria difícil acreditar que...

- Seria, sim! Sem amor e sem confiança, seria fácil pensar o pior sobre mim. Mas, se ele me amasse,

não teria duvidado nem por um segundo da verdade. Jack não me amava, e eu passei dez anos de

minha vida embalando um sonho irreal. Imaginei-o morto, e ele estava vivo. Achei que me amava tanto

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quanto eu o amava, mas me enganei. Nunca tive um grande amor. - Havia lágrimas rolando pelo rosto

de Nicola.

- Não. - Perry ergueu-se um pouco, consolando-a. - Não pense assim. Jack a amou mais do que a si

mesmo. Sei disso. Sempre o ouvi falar de você. Ele estava derrotado.

Nicola limpou as lágrimas com as costas das mãos e sorriu.

- Você precisa descansar. Não vamos mais falar, está bem?

- Estou fraco, mesmo. - Perry lamentou-se. E, deixando-se deitar por ela, cerrou os olhos para pouco

depois adormecer ainda uma vez.

Nicola cobriu-o e sentou-se na cadeira. Queria ir embora dali, voltar para Tidings, para o aconchego de

sua cama. Não queria mais ver Jack e nem falar com ele. Mas tinha de permanecer ali, cuidando de seu

paciente e esperando até que os homens de Jack voltassem trazendo sua babá. E isso seria, no

mínimo, na noite seguinte. Esperava apenas que ele tentasse evitá-la tanto quanto ela, mas suas

esperanças desapareceram nessa mesma noite, mais tarde, quando a porta do quarto se abriu e ele

surgiu. O coração de Nicola tornou a traí-la, batendo agitado, apaixonado.

- Vim rendê-la - ele disse apenas.

- Estou bem. - Ela também foi concisa.

- Eu também. - Ele aproximou-se e se sentou do outro lado da cama. - Vá descansar. Não precisa se

cansar à toa.

Nicola assentiu. Discutir seria conversar mais com ele, e não queria fazê-lo. Levantou-se, mas seus

olhos voltaram a fixá-lo. Viu que ele a observava é imaginou o que poderia estar passando por sua

mente. Mas nada importava, porque ele não confiava nela.

Caminhou até a porta. Jack levantou-se e alcançou-a antes que chegasse lá. Segurou-a pelo pulso,

fazendo-a parar. Mas ela não conseguia olhá-lo, principalmente porque a lembrança dos beijos de Jack

ainda estavam em sua pele e queimavam-na.

- Quero falar com você - ele murmurou.

- Não vejo motivos para isso. Já sei o que pensa a meu respeito, não há mais nada a dizer. - Ergueu os

olhos e encontrou os dele, escuros e intensos como sempre. Como não os reconhecera? indagou-se.

- Acho que não podemos ignorar o que existe entre nós assim tão facilmente - Jack tentou explicar.

- A única coisa que existe entre nós é dor e sofrimento, e não quero sofrer mais. Gostaria de partir desta

casa o quanto antes.

Nicola soltou-se, saiu do quarto e desejou que Jack jamais soubesse quanto lhe custara fazê-lo.

CAPÍTULO 12

Aquela pressão no peito era-lhe estranha. Jack passara um dia tenso. A imagem da expressão de

Nicola, quando tirara a máscara diante dela, não saía de sua mente. Não esperara que ela ficasse tão

chocada a ponto de desmaiar. E aquele brilho de alegria no primeiro instante em que o vira! Ela o

beijara e abraçara com tanta sinceridade! Gritara que ele estava vivo, fizera tantas perguntas.

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Se Nicola não fingira tal reação, tudo no que acreditara par dez anos teria sido um grande equívoco.

Impossível!

Lembrava-se bem da noite em que Richard e seus homens tinham irrompido na casa do fazendeiro e

arrastado-o dali. Ele estivera dormindo contente, apesar dos ferimentos que a queda da cascata

causara. Esperava por Nicola, na esperança de que pudessem ir embora dali juntos e serem felizes.

Mas fora Richard quem aparecera, e seus sonhos se tornaram um terrível pesadelo. As palavras do

conde ao vê-lo, bem como seu sorriso cínico, ainda estavam em sua memória: O que houve? Surpreso

em me ver? Estava esperando a srta. Falcourt, com certeza ... Achou de fato, que ela se casaria com

você, seu verme! Não há problema em passar o tempo com um criado, mas casamento...

Convenhamos. Você foi um grande tolo!

Jack, surpreso, não sabia o que o conde estava fazendo ali nem como conseguira descobrir onde

estava.

E a ironia terrível de Richard prosseguira: ''Você é meio lento para entender as coisas, não rapaz? O

que Nicola poderia ter visto em alguém assim? Como acha que eu soube? Nicola me contou! Mostrou-

me sua carta patética em que a convidava a casar-se com você e viver em eterna e feliz pobreza.

Graças a Deus ela é sensata! Nicola sabe que irá se casar com alguém igual a ela porque jamais se

casaria com alguém como você. É claro que aquela carta mostrou a ela quanto seria difícil livrar-se de

você, mas ela foi esperta e me pediu para fazê-lo. E é o que vou fazer, já que pretendo ser o marido de

Nicola.

A dor que Jack sentira diante daquelas palavras não tinha comparação. Nem os maus-tratos dos

homens de Richard, amarrando-o e jogando-o no fundo de uma carroça, tinham sido tão doloridos.

A princípio recusara-se a crer que Nicola pudesse tê-lo traído de forma tão vil, mas no longo caminho

até o porto de Plymauth teve tempo mais do que suficiente para compreender a verdade. Como Exmoor

poderia ter lido a carta, não fosse através de Nicola? Sua avó lhe garantira que entregaria a carta nas

mãos de Nicola, e apenas nas mãos dela. E então o desespero diante da realidade o atingira em cheio.

O desespero rapidamente transformou-se em raiva. Passou a odiar Richard e Nicola com todas as suas

forças, e apenas conseguira sobreviver às agruras naquele navio inglês parque pensava em se vingar

um dia. Mesma depois de conseguir escapar daquele navio dos infernos, mantivera o ódio aceso.

Conseguira sucesso no Novo Mundo, mas isso não lhe fora suficiente. Precisava acabar com Exmoor e,

por isso, voltara à Inglaterra com Perry e seus homens. Tiraria de Exmoor aquilo que ele mais amava:

seu dinheiro. Quanto a Nicola, não estava bem certo do que fazer. Teria que vê-la novamente para

saber o que de fato ainda sentia:

Tinha certeza de que a encontraria casada com algum nobre, entediada e sem graça. Não seria mais

tão bela, depois de dez anos e alguns filhos, uma verdadeira cópia de sua enfadonha mãe. Não estivera

preparado para encontrá-la ainda tão linda, com aquele toque de tristeza no olhar que a deixava ainda

mais sensual. Não esperara reagir com tamanho desejo ao revê-la, com tanto ciúme ao imaginá-la

esposa de Exmoor, e tanto alívio ao saber que era apenas cunhada dele.

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Tudo acontecera de forma totalmente diferente do que esperava. Gostara de revê-la, de conversar com

ela, de vê-la tão firme, decidida e bela. Sentia um desejo intenso por Nicola, e isso o revoltava, porque

dizia a si mesmo que deveria odiá-la. Por fim, perdera o controle. Ela dissera ser ainda fiel a seu grande

amor, mexendo na ferida que ainda não cicatrizara. Por isso tirara a máscara diante dela daquela forma

tão abrupta. Não era assim que pretendera fazê-lo, porém. O efeito fora intenso em Nicola, embora

nada satisfatório para ele. Não houvera culpa, vergonha, nem a revelação de que ela estivera mentindo

o tempo todo. Ao contrário, ela o culpara por não lhe ter dito que ainda estava vivo. Absurdo! Ela não

podia estar dizendo a verdade agora.

Tudo devia ter acontecido como imaginara. No entanto não conseguia afastar da mente a expressão de

surpresa e alegria que iluminou o rosto de Nicola ao vê-lo.

Ela não conseguia dormir. Depois de duas horas rolando na cama, decidiu levantar-se e vestir-se

novamente. Precisava sair um pouco para respirar ar puro. Pegou a capa e colocou-a sobre os ombros,

puxando os longos cabelos para fora da gola. Instantes depois saía pela porta dos fundos da casa.

A noite estava quieta e um tanto fria. Havia luar, e o piado de uma coruja cortou o ar, um tanto lúgubre.

Nicola viu o tronco de uma árvore cortada havia certo tempo e caminhou até ele, sentando-se ali. Ficou

ali por alguns minutos e, de repente, um ruído logo atrás de si a fez sobressaltar-se e levantar-se, para

ver do que se tratava.

Jack estava a poucos passos de distância, as mãos nos bolsos da calça, olhando-a.

- Sinto muito, não queria assustá-la - murmurou Jack.

- O que está fazendo aqui?

- Eu a vi pela janela do quarto de Perry. É tarde para estar aqui, não acha?

- Não consegui dormir. Pensou que eu fosse escapar?

- Não. Na verdade, não pensei em nada. Apenas quis vir aqui para ficar com você.

- Para quê? Já que me considera tão pouco.

Ele assentiu.

- Deve ter notado que não consigo ficar longe de você - comentou.

- Percebi que tem uma vontade incrível de me atormentar, isso sim. Foi por isso que retornou a

Dartmoor, não? Para me punir e a Richard também.

- A ele, sim. Mas não sei ao certo o que pensava com relação a você. Não tinha um plano de vingança.

- Não? Achou que eu o entregara a um homem que tentara matá-lo. Isso me tornaria pior do que ele

mesmo. Ele, pelo menos, nunca fingiu suas intenções. Mas eu seria apenas uma traidora, falsa e

mesquinha. Uma covarde. Assim, por que iria se vingar apenas de Richard? Por que não de mim

também?

- Pensei em fazê-lo, acredite. Cheguei a sonhar em vê-la a meus pés, implorando meu perdão. Mas eu

não conseguiria fazer todas as atrocidades que sonhei para você. E nem pensaria em lhe partir o

coração, porque imaginava que não o tivesse

Nicola assentiu amargurada.

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- Talvez não tivesse mesmo, porque, quando você morreu para mim, eu também morri. Mas esta manhã

percebi que tenho um coração, sim, e que você o partiu hoje. Parabéns. Mesmo que não tenha

planejado uma vingança contra mim, conseguiu-a.

Nicola deu-lhe as costas e já dera um passo para voltar a casa quando Jack a segurou pelo braço,

fazendo-a virar-se.

- Quer, mesmo, que eu acredite nisso? - Indagou amargo. - Que me amou esses anos todos? Que

não... ?

- Não precisa acreditar em nada que não queira. Foi o que fez nesses dez anos, não? Não me importo

se acredita em mim ou não. Sei agora que seu amor por mim era fraco e foi facilmente destruído. -

Nicola cedia mais uma vez às lágrimas. - Você não merece o amor que sempre senti, é incapaz de

retribuí-lo ou de recebê-lo.

- Não? - Jack puxou-a contra si. Estava começando a perder o autocontrole. - Vou mostrar-lhe do que

sou capaz!

Ele tomou-a nos braços, em um abraço obcecado, com um beijo possessivo. Nicola sentia ceder.

Estava nos braços do homem que trazia em si a mistura entre o rapaz do passado; doce, romântico, e o

homem de agora, arrebatado, viril. Queria corresponder àquele beijo, mas seu orgulho a impediu. Não

queria ser fraca, mostrar a ele que estava à sua mercê, ardendo por ser amada. Lutou por soltar-se e,

sem conseguir, pois os braços dele eram muito fortes, chutou-o com toda sua força, fazendo-o

praguejar baixinho e soltá-la.

- Mas... O que está tentando fazer? - reclamou.

- Estou tentando ficar longe de você! - Ela não vacilou. - Acha que pode continuar me tratando assim?

Que pode dizer o que quer e depois me tomar em seus braços e fazer-me ceder a seu desejo? Pois

saiba que não! Estou aqui apenas para cuidar de seu amigo e, depois que ele melhorar, irei embora.

Não tema, porque não vou traí-lo, nem a seus homens. Não vou dizer a Richard onde se encontram. E,

se acha que não posso encontrar meu caminho para voltar a Tidings, está enganado! Portanto,

enquanto eu estiver ainda aqui, não tente mais me abraçar e muito menos me beijar! Se o fizer, juro por

Deus, vou fazer com que todos aqui sejam vítimas de uma séria doença! Fui clara?

Nicola não esperou pela resposta e afastou-se em direção à casa.

Jack viu-a entrar, um tanto atordoado. Sentou-se pesadamente no tronco em que Nicola estivera e

enfiou as mãos pelos cabelos. Ficou assim por algum tempo, pensando, depois levantou-se e também

entrou em casa, seguindo direto para o quarto de Perry.

O amigo parecia bem melhor, quase restabelecido.

- Você está com boa aparência - Jack observou, sentando-se na cadeira ao lado da cama.

- É, mas você, não - foi a resposta de seu amigo. Jack meneou a cabeça e torceu os lábios.

- Estou imaginando que... que talvez possa ter cometido um grande erro - conseguiu dizer. - Acho que

me enganei há muitos anos atrás.

Perry encarou-o por segundos, entendendo sobre o que Jack falava.

- É, talvez - concordou.

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Mais uma vez, Jack negou com a cabeça, pensativo.

- Eu tinha que estar certo! - insistiu. - Mas quando me viu, o rosto dela... Não estava preparada para me

ver e, no entanto, sua reação foi tão natural... não poderia ter fingido com tanta rapidez. Não havia

medo em seu rosto, como achei que poderia haver por eu ter voltado depois de tanto tempo. Se

houvesse feito algo de errado no passado, se houvesse me traído, temeria que eu estivesse aqui para

me vingar. No entanto, ficou surpresa, feliz... E agora está tão indignada, tão furiosa.

- Vi pouco dessa moça para saber ao certo, mas acho que ela não tem um só traço de mulher dissimu-

lada. Parece claro que não é próxima a Exmoor. As pessoas na vila disseram que esta é a primeira vez,

desde o casamento da irmã, que ela vem passar alguns dias em casa deles. Lydia Hinton da taberna,

disse que ela detesta o cunhado e que fez objeção ao casamento da irmã com ele. Não me parece que

ela confiasse em um homem que despreza, muito menos que pedisse a ele para lhe fazer um favor.

Jack continuou negando com a cabeça, mas, no íntimo, concordava com o amigo, que prosseguiu:

- Além disso, Nicola não me parece ser uma mulher capaz de trair alguém, muito menos o homem pelo

qual estava apaixonada. Todos na vila só têm coisas boas a falar dela. Trata dos doentes sem pedir

permissão ao conde ou a seu primo, Buckminster. Ela veio até aqui para salvar minha vida e depois de

ter voltado para pegar suas coisas, poderia ter falado sobre nós a Exmoor. Ele poderia ter mandado

seguir vocês dois e estaríamos perdidos.

- Tomei muito cuidado. Ninguém a seguiu.

- Exatamente! Porquê ninguém sabia que ela viria. Ela não disse nada a ninguém! Ao contrário, mentiu

para sua tia e sua irmã para poder vir sem levantar suspeitas. Não acho que seja assim que um traidor

aja.

- Mas, há dez anos atrás, tudo era diferente. Ela era muito mais jovem.

- E sua personalidade era, assim, tão diferente? Ela era egoísta e fria? Ela agora é uma mulher

caridosa, devotada, que passa seu tempo e gasta seu dinheiro com as mulheres de má reputação de

Londres! Sabe, acreditei no que me disse sobre ela antes de conhecê-la, mas agora...

- Conseguiu formar uma opinião completa sobre ela em dois dias de delírio, meu amigo?

- Quando não se tem olhos cheios de rancor e preconceito, fica mais fácil enxergar as pessoas, Jack.

- Acha que não sei quanto ela pode ser boa e gentil? Sei muito bem o que ela faz para ajudar os

necessitados Perry, por que acha que eu a amo? Quero dizer... amava. Ela era maravilhosa. Era capaz

de amar um rapaz de estábulo. Mas quando a pedi em casamento, ela correu para pedir ajuda a

Exmoor.

Perry respirou fundo, olhando para o amigo.

- Não acha que teria sido suficiente se ela simplesmente lhe dissesse "não"? Uma mulher como Nicola

Falcourt deve ter tido grande experiência em recusar pretendentes, mesmo aos dezessete anos. Por

que não lhe escreveu uma carta, dizendo que não queria mais se casar com você? Por que não foi ao

local onde você se encontrava e lhe disse que tudo estava acabado? Por que envolveu Exmoor nessa

história? Quero dizer um dia ela estava aos beijos com você e, no outro, estava pedindo que alguém o

mandasse às galés? Estranho, não?

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- Talvez ela não soubesse a que Exmoor pretendia fazer. Deve ter pedido que ele apenas me

afugentasse, mas ele aproveitou para ir mais longe.

-Jack, ele praticamente o tinha jogado daquela cascata! Como ela poderia não saber o que pretendia?

- Sua reputação estava em jogo! E ela temia que eu fizesse um escândalo, que todos soubessem do

nosso relacionamento! Isso teria arruinado todas as chances que ela poderia ter de fazer um bom

casamento!

- E, ainda assim, ela nunca mais se casou. E teme tanto por sua reputação que veio até aqui, o antro de

um assaltante, para ficar por alguns dias!

- Perry, de que lado está?

- Do seu! Se está assim tão certo de que não se enganou quanto a ela, por que tantas dúvidas? Sabe,

gosto dela e não quero vê-lo jogar tudo fora par não querer admitir que se enganou!

Jack respirou fundo.

- Queria poder pensar como você. Queria achar que houve, de fato, um grande engano de minha parte.

Afinal, Nicola é uma mulher que poderia fazer qualquer homem duvidar da própria razão. Mas não sou

tolo, não quero me enganar. Não vou me deixar levar pelo encanto de Nicola, como você já se deixou,

para depois ter meu coração em pedaços. Passei por esse sofrimento uma vez e não o suportarei

novamente.

- Então é disso que tem medo? - Perry estranhou, rindo. E, ao ver a expressão irritada no rosto do

amigo, ergueu as braços, pedindo: - Não, não me bata. Sou um pobre e indefeso doente!

- Mas sua língua ferina não tem problema algum - Jack rebateu sério. - E saiba que tenho medo, sim!

Você também teria se estivesse em minha situação.

- Talvez. Infelizmente, ou felizmente, nunca me apaixonei tonto assim. Mas lembre-se: se não estava

enganado sabre Nicola há dez anos, então não haveria risco algum.

- Como eu poderia estar? Minha avó escreveu-me um bilhete de volta, dizendo que iria entregar a carta

a Nicola.

- Mas você não tem provas de que ela a tenha feito realmente.

Jack olhou-o com expressão fria.

- Está dizendo que minha avó mentiu? - perguntou.

- Não, mas... Ora, não seja tolo! Não sabe ao certo o que aconteceu depois que ela recebeu esse

bilhete! Nunca mais ouviu falar de sua avó! E se alguma coisa evitou que ela entregasse a carta à

Nicola?E se a carta foi, de alguma forma, interceptada par Exmoor?

- Como?

- Não sei! Você é o sujeito mais teimoso que conheço! A única pessoa que sabe de toda a verdade é

Exmoor e duvido de que ele lhe conte alguma coisa. Talvez você nunca saiba ao certa. Mas, às vezes,

é necessário apenas ter fé.

Jack levantou-se, caminhou até a janela e olhou para a escuridão lá fora.

- Se ela não recebeu minha carta - murmurou – então fui um enorme idiota e joguei fora dez anos de

minha vida.

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Sempre o Teu Amor - CHE nº 165 Candace Camp

- Será melhor do que continuar a ser um tolo a vida inteira não acha?

Jack negou com a cabeça e comentou:

- Ela jamais vai me perdoar. Como poderia?

- Não vai saber a menos que lhe peça perdão, não é?

Jack olhou para o amigo com ar sombrio.

- Você não entende - disse. - Nicola me odeia agora. Chegou a me ameaçar de envenenamento, se eu

a tocasse outra vez.

Perry não pôde conter o riso, e isso o fez segurar o local do ferimento, sentindo-o doer.

- Bem que gostei dessa garota! - observou. - Por fim, uma mulher que você não consegue dominar!

- Eu não riria tanto se fosse você. Ela ameaçou envenená-lo também.

Nicola permaneceu no esconderijo por mais dois dias.

Seu paciente melhorava a olhos vistos, e havia pouco a fazer além de dar-lhe os remédios e verificar

seu ferimento. Os momentos de descanso pareciam-lhe longos e tediosos. Não havia nada que

pudesse ler, tricotar ou desenhar. ,Caminhava pelas redondezas da casa, mas os dias estavam ficando

cada vez mais frios e nebulosos e não havia prazer algum nesses passeios.

Jack não mais se atreveu a se aproximar, o que a deixava grata, mas ao mesmo tempo irritada. Ele pa-

recia estar tomando a atitude de um covarde.

Perry ficou mais e mais inquieto com o passar do tempo. Sua ferida estava cicatrizando muito bem, mas

ele ainda reclamava de dores internas e da coceira sobre o corte. Por fim, para aquietá-lo, Nicola

passou a perguntar-lhe sobre sua vida.

- Nada de especial.- ele informou. - Filho expulso de uma família abastada. Sei que conhece a história

em outras versões.

- Mas poucos dos outros que tiveram seu destino acabaram se transformando em assaltantes de estra-

da. -ela observou com um sorriso.

Perry riu.

- Porque não tiveram más companhias - respondeu. - Meu pai sempre me disse que as minhas aca-

bariam por me levar à ruína.

- Pelo que sei, você e Jack são amigos há um bom tempo.

- Há anos. Fomos colocados no mesmo barco e, por algum motivo que desconheço, ele resolveu me

ajudar. Não fosse assim, eu teria morrido em poucos meses naquela embarcação. Filhos de nobres não

agüentam o tranco tanto quanto garotos de estábulo. Mas escapamos juntos e seguimos lado a lado

desde então. Jack faz o possível para me desencaminhar, você sabe...

- Acho que ele já conseguiu - Nicola observou, agora séria. - O conde o odeia, sem nem mesmo saber

quem Jack é de fato. Acho que, se descobrir sua verdadeira identidade, ficará ainda mais determinado a

liquidá-lo.

- Sem dúvida. Vai contar a ele?

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Sempre o Teu Amor - CHE nº 165 Candace Camp

- Eu? - Nicola encarou-o espantada. - É claro que não! Mas alguém poderá vê-lo sem a máscara algum

dia, e falar. Muitos dos habitantes da vila o reconheceriam. Além do mais, Richard tem oferecido di-

nheiro em troca de qualquer informação sobre Jack, poderão encontrá-lo um dia e... - Ela se

interrompeu, erguendo os ombros.

- Você se importaria se ele fosse capturado? Ou enforcado?

Um arrepio percorreu o corpo de Nicola.

- E claro que sim - murmurou. - Eu conheço Jack. Eu o amei no passado. Não importa o que sinto

agora, mas não quero, de forma alguma, vê-lo morto.

- O que sente por ele agora?

- Você está muito curioso hoje!

- Sempre fui curioso. Diga-me o que sente?

- Não sei. Faz tanto tempo... Estou zangada com o que ele fez, com o fato de ter duvidado de mim mas

pouco importam meus sentimentos. Jack nada sente por mim, a não ser desprezo e ódio.

- Duvido.

Nicola encarou-o, mas nada disse.

- Sabe, os homens podem ser tolos, às vezes - Perry continuou.

Ela sorriu.

- De fato. Mas como chegou a essa conclusão?

- Por experiência. Mas estou falando sobre Jack agora. Quando se quer muito alguma coisa, quando ela

é deveras importante, é quando temos mais problemas para consegui-la. Acho que é por estarmos

ansiosos demais que fazemos tudo errado, trazendo à tona o que mais tememos.

- Está querendo dizer que foi isso que Jack fez? Que me amava tanto, que achou que eu o traíra?

- O que estou dizendo é que o amor pode nos deixar cegos. Um homem pode achar-se inferior a uma

mulher, por exemplo, e temer demais perdê-la, ou ver que ela enxerga que é tola por amá-lo e quando

descobre que seu maior temor aconteceu, não se surpreende, não se questiona. Afinal, foi o que temeu

e chegou a esperar por tanto tempo. E, mesmo detestando-a por isso, mesmo tendo seu coração

partido, aceita o fato. Não importa quem o faça ver, quem lhe traga as notícias. Não importa se é uma

pessoa confiável ou não. A dor é grande demais e você só enxerga que seu grande medo tomou a

forma que você abominava.

Nicola pensou por instantes sobre tudo que ele disse.

- Jack, com dúvidas? - comentou. - Por se sentir inferior a mim? Perry, eu só acreditaria nisso se não o

conhecesse. Jack é um dos homens mais firmes e confiantes em si mesmos que já conheci. E sabia

que eu o amava, estávamos loucos um pelo outro. Somente um tolo não veria.

- Um rapaz de vinte anos pode agir como se fosse muito autoconfiante, Nicola, mas no íntimo não está

certo de nada, pelo menos no que se refere às mulheres. Acho que ele sabia que você o amava, sim,

ou, pelo menos, que o queria. Mas você é uma aristocrata, vivia em um outro mundo. Filhas de nobres

não se casam com plebeus. Acredite, ele foi ensinado a pensar que, como pertencente a uma classe

inferior, não tinha direito a praticamente nada, muito menos a você. Não estamos falando do filho de um

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Sempre o Teu Amor - CHE nº 165 Candace Camp

professor ou de alguém que, mesmo sem ser nobre, também não é um criado. Estamos falando de um

garoto de estábulo, cuja mãe e avó sempre lhe disseram que ficasse afastado da aristocracia. E elas

tinham razão porque o nobre dominante lia região era o imponente, todo-poderoso e cruel conde de

Exmoor. Como Jack poderia imaginar que você quisesse se casar de fato com ele? Ninguém teria

aprovado tal casamento. Ninguém! E você também sabia disso, senão, não aceitaria encontrar-se às

escondidas com ele.

Nicola engoliu em seco, reconhecia a razão na argumentação de Perry.

- Jack sabia que eu não me importava com a opinião de ninguém - teimou. - Tínhamos planos para o

futuro.

- Eu sei. Mas ele estava sonhando acordado. Queria acreditar e acreditou, mas sabia que seria

arriscado e que seria muito difícil você querer, de fato, levar os planos adiante. Não deve ter se

surpreendido ao reconhecer que você voltara atrás.

- Talvez você tenha razão, Perry, mas ele não confiou nem um pouco em mim e, imediatamente, acredi-

tou que eu era má! Como pôde acreditar que eu tivesse feito tamanha barbaridade com ele? Mesmo se

eu não quisesse me casar, se tivesse deixado de amá-lo em um período de vinte e quatro horas, como

pôde imaginar que eu o entregaria a Richard? Como pôde achar que eu o queria ver preso nas galés? -

Havia lágrimas nos olhos de Nicola, e elas começaram a escorrer por seu rosto. - Ele não podia ter me

amado e pensado coisas tão vis a meu respeito - completou.

- A raiva e o ciúme fazem coisas terríveis a um homem - Perry contemporizou. - Não sei por que ele

agiu dessa forma, mas sei que, desde que o conheci, você é seu único assunto, seu único interesse.

- Sim, porque me culpa pelo que lhe aconteceu!

- Talvez. Mas ele também me falou sobre o que aconteceu antes de sua desgraça, e os olhos dele bri-

lhavam ao falar de você. Aposto minha vida em como ele a amou verdadeiramente.

- Não importa mais - Nicola sussurrou, secando as lágrimas. - O amor que ele sentiu, ou que eu senti já

morreu. Só há sentimentos amargos agora.

- Bem, se acredita nisso, acho que é tão tola quanto ele.

Nicola respirou fundo pensativa. Depois encarou-o para perguntar:

- Teve este tipo de conversa com ele também?

- Algo parecido.

Ela sorriu.

- Está fazendo papel de cupido, então.

- Alguém tem de fazê-lo, não? É óbvio que, se eu deixasse vocês dois cuidarem do assunto, a confusão

continuaria sem fim.

- Acho que nem mesmo cupido possa fazer algo agora.

- Por que não?

- Porque muitas coisas aconteceram, há muita raiva, culpa e frustração. O que nos restou?

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- Amor, talvez? - Perry sugeriu, sorrindo. - É algo muito precioso. Nunca amei, não do jeito que vocês se

amam. Você o amou por dez anos, mesmo considerando-o morto. Acha que um amor assim poderia

simplesmente desaparecer?

- Já não sei mais o que pensar.

- Vai encontrar uma resposta, eu tenho certeza - Perry segredou com uma piscadela marota.

Nicola pensou sobre as palavras de Perry pelo resto do dia. Não sabia em que acreditar. Ela mesma

estava sendo vítima de seu grande amor. Talvez tivesse sido

assim também para Jack, no passado. Mas não tinha de encontrar desculpas para ele, repetia-se, não

havia por que acreditar no amor de Jack. Fazia parte de seu passado. Além do mais, Jack agora a

evitava o tempo todo e, quando voltasse a Tidings, provavelmente nunca mais o veria. Seria melhor

assim. E um dia, no futuro, talvez seu coração parasse de doer.

CAPÍTULO 13

No dia seguinte, pouco antes do meio-dia, enquanto Nicola conversava com Perry, sentada à beira da

cama, a porta do quarto se abriu, e Jack apareceu. Ela o olhou, o coração já acelerado, como sempre

acontecia ao vê-lo.

- Olá, companheiro! - Perry saudou-o alegre. - Venha juntar-se a nós. Estávamos falando sobre o tempo

que eu e você passamos em Boston.

- Estava frio, úmido e abafado - Jack comentou ríspido, e olhou para Nicola antes de prosseguir: - Um

de meus homens acabou de chegar. Sua babá já está aqui.

- Nesta casa? - Ela se espantou.

- Não. Vou levá-la até ela. Perry já está bem e...

- É, já está mais do que na hora de eu voltar para casa - ela o interrompeu. - Richard, talvez, já esteja

até suspeitando de minha demora. Bem, vou arrumar minhas coisas.

Não demorou muito para que ela o fizesse. Trouxera pouco mais do que os remédios. Deixou algumas

ervas ali para que Perry acabasse de se curar em segurança e depois lhe trocou o curativo pela última

vez.

- Troque-o mais vezes - aconselhou. - Se puder sozinho, se não, peça a Jack, mas apenas a ele. E

tenha as mãos limpas ao fazê-lo.

- Está bem, mas eu gostaria que você não fosse - Perry observou. - Sua companhia é bem mais agra-

dável do que a desses sujeitos.

- Talvez nos encontremos novamente, em outras circunstâncias.

Ele sorriu.

- Talvez quando eu puder ir até a porta de sua casa de cabeça erguida para fazer-lhe uma longa visita -

comentou irônico.

Nicola assentiu e pediu:

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- Lembre-se do que eu lhe disse sobre meu cunhado estar muito determinado a pegar todos vocês. Fale

com Jack. Ele não me ouviria, mas ouve você. Não quero que nada de mal lhes aconteça, afinal, tive

tanto trabalho para curá-lo - Nicola brincou.

- Pode deixar. Não quero acabar meus dias na ponta de uma corda.

- Então cuide-se. - Ela se inclinou e beijou-lhe rosto. Passara a gostar muito de Perry naqueles dias de

convalescença.

Jack a esperava do lado de fora da casa, com os cavalos selados. Ele preparou as mãos juntas para

ajudá-la a montar e Nicola hesitou, perguntando:

- Não vai me vendar?

- Acho que seria um absurdo. Não sou tolo e sei que poderia trazer Exmoor até aqui, se quisesse. Sei

também que não arriscaria a vida de Perry depois de tudo que fez para salvá-lo, mesmo sentindo o que

sente por mim.

- É verdade. - Nicola não queria discutir naquele momento. Aceitou a ajuda das mãos dele e montou,

esperando que ele fizesse o mesmo para poderem seguir.

Jack liderou o caminho através do bosque. Cavalgaram em silêncio absoluto e emergiram da mata pelo

lado norte e não por onde tinham entrado no outro dia. Nicola não sabia ao certo a onde estavam indo.

Seguiram ao longo de um riacho pequeno e, pouco depois, avistaram um pequeno chalé.

Nicola praticamente levantou-se na sela ao reconhecer o lugar.

- É a casa de vovó Rose! - exclamou, um sorriso surgindo em seus lábios.

- Sim. Um lugar seguro o suficiente - Jack comentou, um tanto frio: - Sua babá está esperando por você

lá dentro. Vou deixá-la aqui.

Ela se voltou para vê-lo. De repente, a sensação de que poderia jamais revê-lo atingiu seu peito com

um aperto dolorido. Se Perry o convencesse a parar com o perigoso jogo de assaltar e prejudicar

Exmoor, talvez o bando fosse embora para sempre, e ela jamais o veria.

- Bem... obrigada por buscar Owens - disse entristecida. - E não se esqueça de trocar as ataduras de

Perry.

- Está bem. Mas sou eu quem deve agradecer por tudo que fez, pelo risco que correu. Perry jamais teria

conseguido sem sua ajuda.

Nicola sentia uma vontade imensa de lhe perguntar se ele, Jack, ficara feliz por revê-la, mas sabia que

tais indagações soariam tolas. Assim, assentiu e instigou o cavalo, mas a voz de Jack a fez refreá-lo

novamente:

- Nicola!

Ela se voltou na sela, mas ele apenas engoliu em seco e, meneando a cabeça, murmurou: - Nada,

nada. Adeus.

- Adeus. - Sua voz mal saiu.

Jack permaneceu onde estava, vendo-a afastar-se até a cabana, na qual entrou após prender o cavalo

a um poste próximo. Vira-a fazer isso muitas vezes no passado. Agora estava ali, perguntando-se se

era um homem esperto ou tolo demais. Mas, sem resposta, voltou-se e afastou-se sem olhar para trás.

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Na caminho até o chalé, Nicola limpou as lágrimas que corriam por seu rosto e respirou fundo, recusan-

do-se a olhar para trás. Seu coração estava dilacerado. O amor que tivera no passado estava morto

agora. Viu que a casa de vovó Rose estava quase que completamente coberta de heras e, como era

inverno, o aspecto geral do lugar era de desolação e abandono.

Pensou em voltar ali um outro dia para limpar o jardim de ervas e cuidar um pouco dó lugar. Vovó Rose

tinha tanto orgulho daquele chalé. Falava de como ele passara de mãe para filha por muitas gerações.

Nicola sentiu uma certa culpa por nem mesmo ter se lembrado daquela casinha. Vivera em Londres os

dois últimos anos de vida da bondosa velhinha, depois da suposta morte de Gil, e nunca mais voltara a

Dartmoor, a não ser brevemente, para as núpcias da irmã.

Caminhou pela trilha antes tão bem cuidada que levava à entrada da casa, mas que agora mal se via.

E, antes que pudesse tocar a maçaneta, uma mulher gorda e alegre irrompeu pela porta, de braços

abertos.

- Nicky, querida! Oh, estou tão feliz por revê-la, criança! Oh, tão linda como sempre! Fiquei tão alegre

quando recebi seu recado!

Nicola sorriu para sua antiga babá. Ela tinha mais cabelos brancos agora e algumas rugas que antes

não estavam em seu rosto, mas continuava com a expressão juvenil de sempre.

- Que pena nossa Deborah ter perdido seus bebês anteriores, não? - Owens prosseguiu. - Mas vim as-

sim que pude e vou cuidar dela com extremo cuidado para que não perca mais este.

A plácida égua que pertencia a Owens estava amarrada logo ao lado da casa, com sua bagagem.

- Aqueles dois homens me pareceram mudos, tão pouco falaram no caminho até aqui - queixou-se a

babá, enquanto caminhavam até a montaria para que Owens se preparasse para o caminho até

Buckminster Hall.

Nicola sorria, imaginando quanto os dois companheiros de Jack teriam ouvido dos lábios incansáveis de

sua babá. E ela continuava a falar sem parar, contava de sua vida, descrevia a casinha em que vivia,

criticava o jeito estranho de seus acompanhantes até ali, e fazia mil perguntas sobre Nicola e Deborah.

Em Buckminster, a tia de Nicola mostrou-se amável como sempre e, também como sempre,

desinteressada quanto aos detalhes da viagem.

- Exmoor esteve aqui ontem - informou. - E ficou tanto tempo que nem pude fazer minha cavalgada ma-

tinal! Um estorvo!

- E o que a senhora disse sobre mim, tia? - Nicola quis saber.

- Que você tinha ido à vila. Acho que foi por isso que aquele enfadonho ficou tanto tempo. Estava espe-

rando por você. Eu expliquei que você iria visitar algumas pessoas doentes, que demoraria, mas ele

ficou, tagarelando.

- Sinto muito.

- Ah, não faz mal. Mas, sabe, é esquisito conversar com Exmoor! Nunca simpatizei com ele, mas, dado

o que a condessa sente a seu respeito... - A velha condessa de Exmoor, que desprezava Richard, era

amiga de lady Buckminster e agora que seu filho Buck ia se casar coma neta da condessa, Penélope,

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todos pertenceriam à mesma família. - É claro que, tendo minha sobrinha casada com ele, não posso

dispensá-lo tampouco. Essas etiquetas sociais me deixam louca às vezes.

- De fato, é difícil lidar com elas - Nicola concordou. - Bem, mas pretendo voltar quanto antes a Tidings

e acabar com qualquer suspeita que ele possa ter quanto à minha viagem. Obrigada, tia Adelaide. - E

deu-lhe um estalado beijo na face. - A senhora foi um amor!

Lady Buckminster abraçou-a com carinho.

- Da próxima vez que vier até aqui, fique um pouco mais, querida - convidou. - Bucky me escreveu di-

zendo que vai chegar em breve. Ao que parece, Penélope e sua família vão chegar mais cedo a Dower

Rouse também, e ele virá logo em seguida. Faltam apenas algumas semanas para o casamento, e

preciso falar com Ursula e com a condessa sobre os preparativos finais.

- Não se preocupe. Penélope e a condessa cuidarão de tudo.

- Espero que sim. Nunca me interessei muito por flores, vestidos, detalhes... Ah, eu já lhe disse que pre-

tendo dar um casal de baios a Penélope como presente de casamento?

- Tenho certeza de que ela vai adorar, titia.

Pouco mais tarde, Nicola e Owens estavam a caminho de Tidings. A babá sentia-se desconfortável na

sela, mas estava tão ansiosa por rever Deborah que nem se queixou. Embora adorasse as duas

garotas, Deborah sempre fora sua favorita, porque era mais tímida e requeria mais cuidados do que

Nicola. No caminho, entre inúmeros outros assuntos que Owens abordou, estava fato de que também

não gostava do conde.

- Sabe, não foi Debbie que não quis que eu a acompanhasse depois do casamento - ela reclamou. - Foi

o conde que insistiu. Pobre menina! Chorou tanto quando conversamos. Eu não gostava dele e disse a

Debbie que pensasse duas vezes antes de desposá-lo, mas não adiantou. Aposto que deve ter

descoberto quanto ele é desagradável agora. - Ela se voltou para Nicola, subitamente preocupada. -

Deborah é feliz? - indagou. - Ainda o ama tanto?

- Não sei. Deborah não fala a respeito, mas acredito que ainda o ama, sim. No entanto, não acho que

seja feliz. Imagino que seu casamento não seja o que esperava.

- Oh, espero que um bebê a torne mais feliz.

- Eu também. E desejo que consiga levar esta gravidez até o fim.

- No que depender de mim, essa criança vai nascer muito saudável! - Owens prometeu, de queixo

erguido.

Deborah não cabia em si de alegria ao rever a babá. Abraçaram-se as duas longa e saudosamente.

Richard logo apareceu e comentou:

- Tocante! - Depois se voltou para Nicola. - Que coincidência você estar em Buckminster Hall quando

sua babá chegou, não?

- De fato. Ela chegou esta manhã.

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- Imagino que você deva ter ajudado lady Buckminster nos preparativos do casamento. Ela me pareceu

um tanto ignorante nesses assuntos e no que você teria ido fazer em sua casa.

Nicola forçou um sorriso.

- Tia Adelaide não se importa muito com esse tipo de coisas - explicou. - Foi exatamente por isso que

precisou de minha ajuda. Mas Buck, Penélope e a condessa vão chegar em breve e cuidarão do que

ainda falta.

- Claro. - Ele suspeitava de algo, isso era claro por seu tom, mas Nicola simplesmente o ignorou, jun-

tando-se à alegria do reencontro de sua irmã com a babá.

A presença de Owens encheu Deborah de alegria e confiança. A babá passou a cuidar pessoalmente

de sua comida e até os enjôos matinais diminuíram. Também incentivou Deborah a começar o enxoval

da criança, com trabalhos em tricô e bordados. E, como as duas estavam muito entrosadas, sobrava

tempo a Nicola para fazer o que quisesse. Assim, nos dias seguintes à chegada da babá, ela se

dedicou a ir até a cabana de vovó Rose para limpar e cuidar do local. Ali, com intensas recordações do

passado, muitas vezes chorou, mas também sorriu por ter sido feliz no passado. Imaginava se a

velhinha teria tido notícias de Gil depois de sua suposta morte, se ela saberia de algo, ou se morreu

sofrendo por tê-lo perdido.

Nesse dia, iria limpar o jardim de ervas e estava preparada para um trabalho árduo. Caminhou até os

fundos do chalé, onde achou algumas ferramentas de jardinagem e, com uma enxada, começou a

arrancar as grossas raízes de ervas daninhas que tinham tomado conta da terra. Pouco depois,

cansada, decidiu mudar um pouco o serviço e entrou na casa. Os móveis continuavam no mesmo lugar

de sempre, mas empoeirados e cheios de teias de aranha.

Passou a limpá-los bem como ao chão e aos tapetes. Horas depois, seus braços doíam, mas sentia-se

feliz com o que estava fazendo, e isso a animou a prosseguir. Parou quando sentiu fome, comendo o

que trouxera a de Tidings e depois continuou. Quando a noite começou a cair, estava com quase tudo

limpo e arrumado. Estava exausta, mas feliz. Voltou para Tidings, disposta a retornar,no dia seguinte

para continuar a limpeza, e assim o fez. Lavou, toda louça que encontrou nos armários e sentiu vontade

de tomar um chá. Por isso colocou uma chaleira sobre o fogo que conseguira acender na lareira. Nesse

instante, porém, ouviu ruídos do lado de fora do chalé. Aproximou-se da janela da sala e olhou para

fora, vendo que Jack desmontava e prendia seu cavalo em uma travessa da cerca. Seu coração se

acelerou de imediato. Passou as mãos pelos cabelos, sabendo que seu aspecto deveria estar péssimo,

já que trabalhara o tempo todo sem se preocupar com sua aparência.

Correu para o quarto, arrumando-se depressa, como podia, e seu coração bateu ainda mais apressado

quando Jack entrou na casa, chamando:

- Nicola?

- Olá! - Ela apareceu, ainda ajeitando os cabelos.

- O que está fazendo?

- Bem, eu poderia perguntar-lhe a mesma coisa.

- Esta é a casa de minha avó.

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- E ela era minha amiga também. Quando vi o estado da casa, soube que não poderia deixá-la em tal

desolação. Vovó Rose sofreria se a visse assim, e em especial o jardim de ervas.

- Mas não estamos no jardim.

- O que há? Teme que eu vá roubar alguma coisa que sua avó deixou aqui? Estive apenas limpando,

cuidando de tudo. Por que se importa, afinal?

- Não é isso. É que fiquei surpreso por ver seu cavalo lá fora e... - Ele se interrompeu, sem ter mais

explicações. Na verdade, ao ver o animal, lembrara-se do passado, quando a encontrava ali. Sorriu de

leve com as lembranças e comentou:

- Não lhe ocorreu que eu gostasse da casa do jeito que estava?

- Pode deixar a hera crescendo lá fora, então, mas as ervas daninhas não fazem falta. Além do mais,

por que se importa com o estado da casa se não mora aqui? Não há mal algum em deixar o chalé limpo

e arrumado.

- Não, não há. É que... bem, acho que fui muito desconfiado por longos anos. - Ele olhou tudo ao redor.

- Está bem melhor! - comentou. - O que fez?

- Limpei um pouco.

- Sozinha?

- É claro. Por que não? Sou capaz de limpar uma casa.

- Sempre imaginei que nunca nem sequer tivesse pegado em uma vassoura.

- Não o faço sempre, mas já fiz muito. Os lugares que comprei para alojar as mulheres que ajudo não

estavam exatamente brilhantes.

- Podia ter contratado gente para limpá-los.

- Costumo gastar meu dinheiro em coisas mais úteis, como comida e roupas. Tentamos fazer o máximo

de trabalho, porque, se encontram a casa arrumada, as mulheres que, vão viver lá passam a cuidar

dela.

Jack encarou-a por um longo momento, deixando-a perturbada. Mas a água na chaleira começou a

ferver, chamando a atenção de Nicola.

- Eu ia fazer um chá. Quer uma xícara?

Ele hesitou, depois assentiu. Seguiu-a até a cozinha e encostou-se ao batente da porta, olhando-a

preparar a bebida. Inclinou-se para a cesta de comida que ela trouxera e comentou, com um sorriso:

- Veio bem preparada.

- Eu tinha idéia de passar o dia todo aqui.

- Trouxe o suficiente para dois?

Nicola encarou-o, sentindo um aperto no coração.

- Acho que sim, por quê?

- Posso ficar aqui e ajudá-la. No quintal, quero dizer. Acho que o trabalho lá fora é pesado demais para

você.

Ela sorriu, repentinamente feliz.

- Bem, obrigada. Acho que a comida é suficiente para nós dois, sim.

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Jack retribuiu-lhe o sorriso e, por um momento, Nicola imaginou que ele fosse dizer algo, mas apenas

olhou ao redor e perguntou:

- Ainda há ferramentas por aqui?

- Sim, tudo foi deixado no lugar. Imagino que não há herdeiros além de você, e ninguém ousou mexer

nas coisas de vovó Rose.

- As pessoas tinham respeito e medo dela - Jack observou. -Muitos consideravam-na uma bruxa, e nin-

guém ousaria, de fato tocar no que lhe pertenceu.

- E será que as pessoas me vêem assim também? - Nicola se preocupou.

- Não, que eu saiba. Mas, como não faço perguntas a ninguém sobre você.

- Entendo.

- O que é um erro, porque fiquei mal informado. Primeiro, achei que você fosse esposa de Exmoor.

Nicola desviou o olhar. Por algum motivo, a conversa desagradava-lhe.

- Estive pensando muito nos últimos dias - Jack continuou. - Acho que posso ter estado errado quanto a

outras coisas também. Talvez tenha sido apressado demais em meu julgamento.

- E chegou a alguma conclusão? - ela indagou sem olhá-lo.

- Não.

Nicola voltou-se, diante de sua honestidade. E seus olhares se encontraram.

- Não sei o que pensar - Jack confessou. - Olho para você, penso em você, e vejo apenas beleza, bon-

dade, generosidade e esmero em tudo o que faz. Acho que fui um tolo porque duvidei de seu amor e de

você.

Jack afastou-se da porta, dando alguns passos pelo aposento. Continuou a fazer confidências, olhando

pela Janela, sem coragem de encarar Nicola:

- E depois penso que é agora que estou sendo tolo que acredito no que quero acreditar e não nas

evidências. Que se acreditar em você vou me desgraçar novamente.

- E assim que pensa em nosso amor? Como uma desgraça?

- Não. A desgraça foi o sofrimento pelo qual passei depois, quando quis que minha vida terminasse

porque tudo estava perdido para mim. Foi nessa desgraça que vivi durante anos, enquanto a única

coisa que me mantinha vivo era o ódio por Exmoor... e por você. - Ele apoiou a mão à janela e baixou a

cabeça, praguejando

baixinho: - Droga!

Nicola engoliu em seco e suspirou:

- Se é isso que o manteve vivo, estou feliz por ter-me odiado.

Ele se voltou surpreso. - Achei que me desprezasse agora, que me considerasse um covarde, um tolo! -

explicou.

- Não. Acho apenas que foi um homem que não me amou tanto quanto eu o amei.

- Eu a amei mais do que tudo no mundo!

- Então, por que não acreditou em mim? Por que ainda não confia? Acha que não me casei porque ne-

nhum homem de minha classe me quis?

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Sempre o Teu Amor - CHE nº 165 Candace Camp

- E claro que não.

- Então, por quê? Se sou tão má quanto me considera, por que não me uni a um homem rico e

poderoso? Tive tantas oportunidades!

- Eu sei que teve.

- Então?

Como ele não respondesse, ela se aproximou, segurando-lhe as bordas da jaqueta, apertando-as nos

dedos finos, mas enérgicos.

- Diga-me por quê! - exigiu. - Por que não encontrei outro homem? Por que fiquei solteira? Virgem! Por

quê, Jack? Que razão eu poderia ter além de amá-lo tanto que nunca, nenhum outro pudesse ocupar

seu lugar? Eu tive o amor que quis, entende isso? Não havia outro que pudesse substituí-lo! Acha que

eu poderia tê-lo traído? Fui fiel a você por dez anos, mesmo achando que estava morto!

Nicola passou a soluçar e deu as costas a ele, cobrindo o rosto com as mãos. Jack segurou-a pelo

braço, fazendo-a encará-lo novamente.

- Não pode me dizer essas coisas e dar-me as costas! - protestou. - Olhe para mim! Olhe para mim!

Ela descobriu o rosto e encarou-o altiva.

E, sem pensar em mais nada, Jack beijou-a loucamente.

CAPÍTULO 14

Nicola agarrou-se a Jack, perdida em sensações. O amor que sentira por Gil voltava com toda sua força

misturado à paixão desenfreada que Jack lhe despertava. Desejava-o com uma intensidade que jamais

pensara ser possível e perdia-se entre seus braços fortes, que a prendiam como se jamais quisessem

soltá-la. As lembranças e o amor que os uniam intensificavam seus beijos, seus carinhos, deixando-os

completamente alheios ao resto do mundo.

Jack a beijava desesperadamente, querendo talvez, recuperar os anos perdidos em que a detestara e

que a julgara pérfida. Seus lábios ardentes e apaixonados devoravam-lhe a boca e perdiam-se em

carinhos por seu pescoço e ombros, no delírio a que a paixão o arrastava.

Impelido pelo desejo, suas mãos lidavam para livrá-la das roupas, querendo atingir partes de seu corpo

que as vestes escondiam. E, de repente, quando afastou o corpete e depois abriu os botões da blusa,

parou ao ver o cordão de ouro de onde pendia seu anel.

- Você ainda tem meu anel - murmurou, encantado, surpreso, inebriado.

- Sim. Eu o procurei depois que você caiu. Estava preso à ponta de um arbusto, em uma poça de água.

Ela explicou, os olhos devorando-o.

Jack acariciou-lhe os seios descobertos, os olhos flamejando de paixão e, sem mais uma palavra,

ergueu-a nos braços e carregou-a para o quarto. E, na cama velha, mas limpa desde o dia anterior,

amaram-se loucamente, com suas mãos e seus lábios, seus corpos e seus murmúrios, preocupando-se

apenas com a sensação maravilhosa de poderem usufruir o prazer de estarem juntos em total

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Sempre o Teu Amor - CHE nº 165 Candace Camp

intimidade. Havia uma resposta intensa e selvagem em ambos, a cada toque, cada novo beijo, cada

palavra sussurrada em êxtase. Consumiam-se e alimentavam-se ao mesmo tempo da febre intensa de

seu amor, buscando o que lhes tinha sido negado no passado. E, quando, por fim, seus corpos suados

e cansados experimentaram a maior sensação de todas, na entrega absoluta e irrestrita, não houve

mais sons ao seu redor. Eram um só, embalados pela doce cantiga do amor.

Depois, exausto, Jack puxou-a contra si, rindo, feliz, e comentando:

- Meu Deus, não pensei que seria tão bom! - E acariciou-lhe as costas, os cabelos, o rosto. - Mas o que

é isto? Lágrimas? - estranhou. - Está chorando? Eu a feri?

- Não.

- Então, o que há? Está triste?

- Não sei... talvez um pouco, pelos dez anos que ficaram no passado. Mas estou chorando de alegria

também.

- Oh, não quero feri-la, você sabe.

Nicola acariciou-lhe os cabelos, notando agora que ele se parecia mais com o rapaz que amara do que

com o assaltante que despertara seu desejo. Depois se deitou sobre seu peito e assim ficou,

acariciando-o levemente, até perceber que sua respiração adquiria um ritmo mais calmo. Ele

adormecera e, por fim, Nicola também se deixou envolver pelo sono.

Ao acordar, viu que Jack se fora. Sentou-se de repente, assustada, vestindo-se com pressa, arrumando

os cabelos. Correu depois até a porta da frente da casa e ao abri-la sentiu seu coração se aliviar. Jack

estava com uma enxada nas mãos, lidando com as raízes fundas de uma erva daninha. Ele se ergueu e

sorriu, e Nicola sentiu-se tola por imaginar que ele houvesse simplesmente ido embora e a abandonado

mais uma vez.

Passaram o dia trabalhando juntos, limpando, cuidando do jardim e deixando de lado o passado. Não

falaram do conde ou do que lhes acontecera. Comeram o que ela trouxera, e Nicola preparou outra

porção de chá, no meio da tarde, o qual tomaram na pequena varanda de entrada.

Quando ela se levantou para levar as canecas para dentro, Jack segurou-a pelo pulso. Em seus olhos

havia um pedido intenso.

- Vai voltar amanhã? - indagou. Até mesmo sua voz soava a Nicola como a de Gil, com um leve

sotaque.

- Sim - ela confirmou. - E você?

- É claro que estarei aqui - Jack animou-se. – Se você estiver. - E, retirando as canecas das mãos dela,

tomou-a nos braços mais uma vez, em um longo e carinhoso abraço. - Você é a mulher mais linda que

já conheci – disse-lhe. E depois de mais um beijo rápido e forte nos lábios, acrescentou: - Até amanhã,

então.

Jack afastou-se até seu cavalo e, minutos depois, desapareceu por entre as árvores do bosque. Nicola

sentou-se em um dos degraus da varanda e abraçou os joelhos, puxando-os para si. Sua vida mudara

radicalmente nesse dia, concluiu. Amava um homem que não

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Sempre o Teu Amor - CHE nº 165 Candace Camp

confiava totalmente nela ainda, que poderia ir embora a qualquer momento, que era um assaltante,

considerado por muitos como perigoso e canalha. Mas era o homem que amava e não deixaria escapar

mais uma vez a chance de tê-lo junto a si. Viveria os momentos em que estivessem juntos, sem pensar

no futuro, sem se preocupar. Porque seu amor merecia uma nova chance.

A semana que se seguiu foi a mais feliz de sua vida.

Foi à cabana de vovó Rose todos os dias, exceto um, quando choveu pesado demais, e levava sempre

uma cesta com comida, pois passava o dia inteiro lá. Às vezes, Jack chegava antes dela, o cavalo

ficava amarrado atrás da casa, onde não podia ser visto. Outras vezes, ela chegava primeiro, e Jack a

surpreendia, abraçando-a por detrás e beijando-a com carinho no pescoço e ombros, fazendo-a

derreter-se contra seu corpo.

Passavam os dias arrumando a casinha, felizes com as tarefas simples, com o amor que estavam

vivendo naquele lugar isolado do resto do mundo. Ali não havia passado ou futuro. Apenas o presente

mágico, cheio de amor. Nicola não fazia perguntas, não queria definições, e Jack também pouco falava.

Apenas viviam e amavam-se. Eram felizes assim, sentando-se à mesa, comendo, tomando chá,

conversando sobre coisas triviais, como se fossem pessoas comuns, um casal comum. Um casal que,

às vezes, enredava-se na cama em um frenesi de desejo incontrolável, outras vezes, amava-se lenta e

docemente. O resto não importava.

Mesmo quando já não havia mais o que arrumar na casa continuaram encontrando-se ali, para

simplesmente usufruírem a felicidade de seu amor. Uma tarde, quando Jack chegou, estava usando sua

máscara novamente. Nicola sentiu um arrepio percorrer-lhe a espinha ao vê-la.

- Desculpe - disse ele apressado, tirando a máscara ao perceber que ela se assustava. - Fui até a vila

hoje - explicou. - É melhor se não puderem me reconhecer. Eu esqueci que a estava usando.

- Espere - Nicola pediu, aproximando-se dele e segurando-lhe a mão, que guardava a máscara no bolso

da calça. Seus olhos brilhavam com uma sensualidade nova, e Jack percebeu de pronto. - Lembra-se

daquela noite, quando me levou em seu cavalo? Quando me beijou? Eu senti sua máscara roçando

minha pele e foi muito bom.

Ele engoliu em seco. Sem uma palavra, recolocou a máscara, amarrando-a à nuca e olhando para

Nicola com olhos flamejantes.

Havia algo de primitivo, de perigoso e de muito excitante em amar um homem mascarado daquela

forma, pensava ela. Seu homem mascarado.

Ele a tomou pelos braços, prendendo-os atrás das costas de Nicola, deixando-a imóvel e vulnerável.

- Você é minha - disse então, com voz rouca de desejo. - Agora e sempre.

-Não, não sou de ninguém... - Nicola respondeu, sem saber ao certo se estava fazendo parte de um

jogo de sedução ou dizendo a verdade.

Jack sorriu e beijou-a lenta e ardentemente, com uma paixão lasciva e devoradora. Ela lutou por soltar--

se, porque queria abraçá-lo, acariciá-lo também, mas Jack mantinha suas mãos presas. Os beijos que

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lhe dava no pescoço e ombros provocavam arrepios de prazer em Nicola, especialmente porque a

máscara roçava sua pele como sempre adorara sentir.

E, em movimentos bruscos e fortes, como era de se esperar de um assaltante que seduzia sua vítima,

ele a tomou nos braços, levou-a para a cama e possuiu-a com uma força primitiva e urgente que levou

ambos ao delírio. Depois, quando estavam cansados, e felizes, Nicola riu e comentou:

- Ainda estamos vestidos.

Ele murmurou um ruído de reconhecimento e murmurou junto a seu ouvido:

- Na próxima vez, vamos fazer "minha" fantasia se tornar real:

- E qual é sua fantasia? - ela quis saber, abraçando-o ainda mais.

- Definitivamente, com uma venda.

Nicola pareceu ouvir um cavalo de longe, despertando do sono leve. O braço de Jack, abaixo de sua

nuca, retesou-se de imediato. Ele se levantou rapidamente e caminhou até a janela, por onde espiou.

Nicola já estava sentada na cama.

- O que foi? - perguntou assustada.

- Provavelmente nada. Mas seu cavalo... - Ele parou tenso. - Há alguém vindo a cavalo - anunciou.

- O quê? - Nicola juntou-se a ele à janela. - Oh, meu Deus! É Stone, o investigador que Richard con-

tratou! Ele deve ter me seguido! - Nicola estava pálida, chegou a sentir náuseas. - Deborah ficou brin-

cando comigo na outra noite, ao jantar, dizendo que eu ficava fora por muito tempo, e acho que Richard

deve ter suspeitado de alguma coisa. Oh, como fui estúpida! Nem mesmo olhei para trás para ver se

estava sendo seguida!

- Não faz mal- Jack a acalmou. Passou a mão no casaco e, rapidamente, calçou as botas. - Ele não vai

me encontrar. - Levantou-se, então, olhando ao redor para ver se havia marcas de sua presença por ali

e depois olhou para Nicola. - Pode cuidar dele?

- É claro. Não gosto dele, mas acho que ele não me faria mal. Afinal, sou cunhada do homem que o

contratou. Mas e você? Como vai escapar? Não há porta nos fundos.

Jack sorriu maroto, e Nicola aborreceu-se por perceber que ele estava, mais uma vez, apreciando o

perigo.

- Esta casa tem um segredo - ele revelou. E, seguindo até a lareira do quarto, afastou uma das pedras e

moveu uma alavanca que havia ali dentro. Com um leve ruído, parte da lareira se afastou, abrindo uma

pequena passagem para um cômodo minúsculo do outro lado. - Nossos ancestrais sabiam se proteger.

-

Ele continuava sorrindo. E, com outro movimento da alavanca, soltou-a e entrou no pequeno espaço,

deixando que a lareira parecesse intacta.

Nicola engoliu em seco e voltou para a sala, olhando para ver se ali também não havia sinais de Jack.

Batidas na porta fizeram-na voltar-se de pronto.

- Quem é? - perguntou.

- Stone, srta. Falcourt.

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Sempre o Teu Amor - CHE nº 165 Candace Camp

- Sr. Stone? - Nicola abriu a porta, mostrando-se surpresa. - O que está fazendo aqui? Algo aconteceu a

minha irmã?

- Não, senhora. - Ele retirou o chapéu. - Eu vim para saber se está bem.

- Se estou bem? Como assim? É claro que estou bem! - Ela se afastou, fazendo-lhe um sinal para que

entrasse. Assim que visse que ela estava sozinha, ele iria embora, imaginou. - Por que eu não estaria

bem?

- Porque há um assaltante rondando esta área, senhorita. - O investigador olhava atento ao redor.

- Eu sei. Foi por isso que tranquei a porta. Sou cuidadosa. Mas como soube que eu estava aqui?

- O conde disse-me para segui-la e certificar-me de que estaria bem.

- Ah, sim, Richard se preocupa muito com minha segurança. Mas, como pode ver, estou bem e acho

que o assaltante não ousaria interceptar meu caminho outra vez. Não levo dinheiro ou jóias comigo a

parte alguma.

- Há outras coisas que um homem pode querer. - Ele passou para o quarto, abrindo a porta do guarda-

roupas e olhando dentro dele.

Nicola foi até a porta e sentiu um calafrio ao ver a máscara de Jack caída no chão. Rapidamente se

aproximou e empurrou-a com a ponta dos pés para debaixo da cama.

- Acha que o assaltante está aí dentro? - ironizou. - Por favor, sr. Stone.

- O que foi isso? - ele indagou, voltando-se.

- Isso o quê?

- Ouvi um cavalo.

Nicola engoliu em seco. O cavalo de Jack estava atrás da casa.

- Um cavalo? - repetiu. - Deve ser o meu.

- O seu está na frente do chalé.

- Às vezes não o amarro bem, e ele fica vagando pelo quintal. Ainda bem que é um animal muito dócil e

nunca vai embora.

Stone ignorou suas palavras e saiu apressado, pela porta da frente. O cavalo de Nicola estava livre,

diante da varanda, e ela parou logo atrás do investigador, exclamando:

- Está vendo? Eu disse que devia ser o meu cavalo! Deve ter se confundido com outro som, sr. Stone.

- Tenho certeza do que ouvi - ele teimou aborrecido, e passou a dar a volta na casa, sendo seguido de

perto por Nicola.

De repente, Stone parou.

- Droga! - murmurou entre dentes.

Diante de ambos não havia cavalo algum, e Nicola esforçou-se por não parecer tão atônita quanto o in-

vestigador.

- Viu? - indagou: - Não há cavalo algum. O som, às vezes, fica confuso por aqui. São as montanhas, sa-

be? Deve ter ouvido meu cavalo, ou o seu, e achou que o som vinha da parte de detrás da casa. -

Enquanto falava, ela tentava entender. O beco no qual Jack se escondera devia ter uma saída pelos

fundos, imaginou.

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Sempre o Teu Amor - CHE nº 165 Candace Camp

Stone ainda deu alguns passos por ali, insatisfeito, e comentou:

- Há marcas de ferraduras aqui. Havia um cavalo!

- Eu já lhe disse que meu cavalo circula pelas redondezas às vezes.

Mas o homem não lhe deu atenção, averiguando o chão, notando a trilha de pegadas que sumiam no

meio do mato.

- Quem esteve aqui? - ele perguntou, voltando-se para encará-la. - Sei que, alguém esteve, srta. Fal-

court. Está ajudando a esconder o assaltante? Sabe que é um crime grave e...

- Sr. Stone! O senhor está se deixando influenciar pela obsessão de meu cunhado! Ele acha que tenho

caso com todos os homens que encontro, porque ainda não se recuperou do fato de eu tê-lo rejeitado

alguns anos atrás! No entanto, posso garantir-lhe que eu dificilmente estaria tendo um caso com um

assaltante! Quando tenho alguém, certifico-me de que ele seja de minha classe! - Nicola procurava

mostrar-se tão indignada quanto uma tola dama da sociedade estaria.

Stone baixou a cabeça.

- Sim, senhora.

-Agora, se puder ir embora, por favor. Venho aqui todas as tardes para cuidar de minhas ervas e

remédios e tenho muito a fazer. Se me der licença.

Ela voltou para dentro da casa, e ficou espiando por detrás da cortina da janela da frente. Viu Stone

montar e, ainda vacilando, afastar-se. Talvez fosse verificar onde as pegadas desapareciam no mato,

mas Jack já devia ter tido tempo de fugir para bem longe.

Sua vontade era de voltar para Tidings e tirar satisfações com seu cunhado por ter mandado segui-la.

Estava furiosa e queria dizer-lhe tudo o que pensava a seu respeito. Mas, pensando melhor, decidiu

acalmar-se. Em um momento de raiva, poderia dizer mais do que o necessário, e Richard, sendo muito

esperto, ficaria ainda mais desconfiado. Não poderia jamais deixar que Richard tivesse a menor dúvida

quanto à identidade de Jack. Se ele viesse a imaginar que ele e Gil eram a mesma pessoa, seu ódio

aumentaria e não sossegaria enquanto não visse Jack enforcado.

Assim, Nicola preferiu não reagir com tanta emoção.

Era melhor tratar o incidente como uma piada. Richard detestava que rissem dele e, se achasse que ela

se divertia com suas atitudes, ele as mudaria. Arrumou suas coisas com calma, e então voltou para

Tidings sem pressa. Lá, tomou um banho e procurou evitar o cunhado até o jantar.

Então, quando ele, ela, e Deborah estavam prestes a iniciar a sopa, comentou, em tom leve:

- Richard, não acha que é um pouco de exagero de sua parte mandar um homem me seguir?

- Segui-la? - Deborah estranhou, olhando para o marido. - Do que ela está falando, Richard?

- O sr. Stone me seguiu esta tarde - esclareceu Nicola.

Diante dos olhos perplexos da esposa, Richard respondeu apenas:

- Fiquei preocupado com sua segurança, Nicola. Afinal, você insiste em sair por aí desacompanhada.

Então pedi a Stone que a acompanhasse, mas não que seguisse.

- Oh! E foi por isso que ele olhou dentro de móveis. - ela ironizou.

- Móveis ... Onde estava, Nicola? - Deborah indagou curiosa.

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Sempre o Teu Amor - CHE nº 165 Candace Camp

- No chalé de vovó Rose - Nicola explicou, os olhos fixos no cunhado, para perceber qualquer reação à

menção do nome da avó de Gil.

Houve um momento de silêncio, mas a expressão de Richard não se alterou, embora seus olhos

tenham brilhado mais.

- Mas ela está morta, não está? -Deborah estranhou. - Há anos.

- Sim, está, e seu chalé continua vazio - Nicola esclareceu. - Um dia, quando eu estava passando por

cavalo, vi que o lugar estava muito malcuidado, abandonado mesmo, e voltei para cuidar um pouco do

jardim de ervas e da casa também. É lá que tenho passado os últimos dias. Estou cultivando ervas

preciosas. Mas de agora em diante, vou ter que estar sempre atenta, observando se algum dos homens

de Richard não estão atrás de mim, observando todos os meus movimentos, o que, devo dizer, é

bastante desagradável!

- Eles não lhe farão mal - ele rebateu. - Quero apenas que esteja em segurança.

Nicola sorriu e confidenciou à irmã, em um tom que o cunhado pudesse ouvir:

- Acho que seu marido imagina que eu esteja me encontrando às escondidas com o tal assaltante. O sr.

Stone ficou tão decepcionado por não encontrá-lo.

Deborah encarou-a incrédula.

- E por que você estaria encontrando esse homem?

- Não sei. Richard é quem criou esse folclore! Bem, mas acho melhor esquecermos o assunto porque,

pelo menos para mim, ele é bastante irritante. Mas, diga-me Deborah, como está o cobertorzinho que

você anda bordando?

Deborah sorriu diante da menção de seu trabalho.

E passou a falar animadamente sobre os preparativos para a chegada do bebê. Richard nada mais

disse, comendo em silêncio o restante do jantar e retirando-se depois, mal-humorado.

Nicola sabia que não poderia ver Jack por algum tempo. Não, com Stone ainda procurando por ele em

toda parte. Assim, passou o dia seguinte com a irmã e a babá, ajudando-as com as roupinhas do bebê.

No outro dia, porém, decidiu voltar ao chalé, sabia que Stone a seguiria e queria que ele a visse lá,

apenas cultivando o jardim de ervas. Se ficasse longe do chalé agora, Richard ficaria ainda mais

desconfiado. E tinha certeza de que Jack não apareceria por lá, ele era esperto demais para se arriscar.

O dia que se seguiu foi terrível para ela, porém. Ficou em Tidings, mais uma vez ajudando a irmã, mas

estava com saudade de Jack, precisava vê-lo a todo custo. Pegou três livros que escolheu na biblioteca,

decidida a lê-los para fazer o tempo passar mais rápido.

Sem conseguir concentrar-se, porém, ela acabou sonhando acordada, imaginando os beijos de Jack,

seus carinhos, o amor que tinham vivido. E as batidas na porta chegaram a assustá-la. Uma criada

entrou, trazendo-lhe um bilhete. Era de Penélope, avisando-a de que, depois de uma longa viagem, ela,

a prima Marianne, sua avó e mãe tinham chegado a Dower Rouse.

Nicola sorriu mais animada, compreendendo perfeitamente por que a viagem parecera tão longa e difícil

sua amiga. Afinal, ela viera com a mãe, a falante e dominadora lady Ursula. Continuou lendo a missiva

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Sempre o Teu Amor - CHE nº 165 Candace Camp

na qual Penélope dizia que a mãe trouxera seu pequeno cão Fifi, um animalzinho terrível e cheio de

vontades que enjoava com o balanço da carruagem. A condessa se aborrecera com o animalzinho e

ameaçara mandá-lo de volta a Londres com uma criada, o que provocara um ataque de mau humor em

lady Ursula. Marianne, sempre cheia de tato, convencera lady Ursula a deixar a Fifi viajar com o

cocheiro, em ar aberto, e tudo ficara normal novamente.

Penélope também contava que estavam bem alojados em Dower House e que sua prima Alexandra e o

marido, bem como lorde Lambert, estariam chegando dentro de alguns dias, já que não quiseram seguir

com elas. Com um beijo e um abraço, Penélope encerrava carta, pedindo a Nicola que fosse visitá-la

assim que possível.

Não era de estranhar que houvesse recebido uma carta ao invés da visita de Penélope. A condessa,

quando saíra de Tidings, muitos anos antes, estava indignada por ter de deixar sua propriedade a

Richard, e jamais colocara os pés lá novamente. E agora que todos sabiam das más ações praticadas

por ele naquela época, toda a família o desprezava.

Animada com a chegada das amigas, Nicola levantou-se, trocou suas roupas apressadamente, e seguiu

de imediato para Dower House.

CAPÍTULO 15

Dower House ficava a certa distância de Exmoor, em um local ao norte da vila, quase que à mesma

distância entre Buckminster Hall e Tidings.

Nicola, porém, não se importou com o longo percurso.

Estava ansiosa por rever suas amigas. Queria contar-lhes sobre Jack, sobre sua felicidade atual, o que

não podia fazer em Tidings. Chegou com alguns fios de cabelo soltos e um tanto rosada pelo cansaço.

Marianne e Penélope não se importariam com sua aparência, mas lady Ursula, ela sabia, sim. Deixou

as rédeas de seu cavalo nas mãos de um dos rapazes do estábulo e apressou-se em seguir até a porta

da frente. Ao passar por alguns arbustos que rodeavam a casa, uma criança de cabelos vermelhos

apareceu de repente, assustando-a com um grito proposital.

Nicola parou surpresa, o coração acelerado, e a menina começou a rir.

- Assustei você, não foi? - Rosalind afirmou, os olhos azuis brilhando muito. Era a filha de nove anos de

Marianne, e era uma criaturinha alegre como ninguém. Nicola não tinha dúvidas de que, um dia, aquela

menina seria a mais bela de Londres.

- Assustou mesmo! Não sabe, menininha, que deve respeitar os mais velhos?

Rosalind riu ainda mais.

- Você não é velha. Vovó é. Mas ela é muito bonita, não acha?

Nicola assentiu. A condessa já completara setenta anos e estava um tanto abatida pela idade, mas a

beleza de sua juventude ainda se refletia em seus traços.

- Sua mãe está em casa?

- Sim. Elas me mandaram brincar aqui fora com a governanta.

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- Mesmo? E onde está ela?

- Lá do outro lado do jardim. Acho que ela está me procurando. - A menina riu outra vez marota. - Ma-

mãe diz que devo tratar a srta. Northcutt com mais respeito. Eu tento, sabe, mas ela é tão engraçada! E

chata também. Só fala de reis e rainhas antigos. Acredita que ela me disse que a grande marca de uma

dama e a maneira como ela se senta?

- Bem... eu diria que sua marca está mais em seu caráter, mas...

- Eu também achei que isso era uma grande bobagem. Mas minha avó se senta muito reta, não é

mesmo?

Nicola tornou a sorrir.

- É verdade - concordou. - No entanto, muitas outras damas se sentam como sua avó e não têm o

caráter que ela tem, Gosta muito dela, não?

- Muito! Ela é muito interessante. Deixa-me ver suas jóia, às vezes, e me conta histórias sobre elas,

como vieram parar na família. Mas é claro que ela não é como minha outra avó. - A menina se referia a

mulher mais velha, na "família" incomum de Marianne - Minha avó daqui não sabe jogar cartas, mas

mesmo assim eu me divirto muito com ela.

- Que bom que elas são diferentes, não é mesmo? Você e sua avó de lá podem fazer algumas coisas

enquanto outras podem ser feitas com sua avó daqui.

- É. - Rosalind correu em direção à porta e bateu nela três vezes, voltando a sorrir para Nicola. - Eu

sempre saio e entro pela porta da cozinha, mas você vai entrar por aqui porque é visita! - exclamou em

sua agitação infantil.

O mordomo veio abrir quase que de imediato, e se curvou tanto para Nicola quanto para a menina.

- Direi à srta. Castlereigh que está aqui· - ele anunciou.

Conduziu-as; então, a uma agradável sala. Quando voltaram a ficar a sós, Rosalind comentou, um tanto

aborrecida:

- Mamãe vai me mandar sair. Ela diz que tenho de ser gentil com a srta. Northcutt, mas ela é enfadonha

com aquelas histórias todas!

- Talvez ela queira mostrar a você e sua mãe que é uma pessoa educada, que conhece nossa história...

Talvez faça isso porque tem medo de perder o emprego.

-Medo?

- É. Ela pode estar precisando muito dele, sabe?

Rosalind pensou por instantes.

- Acho que vou voltar ao jardim, então, para encontrá-la.

- Seria uma bela ação sua.

A menina apressou-se em sair, mais animada. Pouco depois, Marianne e Penélope entraram, felizes

por poderem receber Nicola ali. Era interessante notar a diferença entre as duas moças. Marianne era

alta e voluptuosa, com cabelos ruivos e olhos negros. Ela e sua irmã Alexandra eram belíssimas.

Penélope, por sua vez, era miúda, magra e pálida, o tipo de mulher que normalmente passaria

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Sempre o Teu Amor - CHE nº 165 Candace Camp

despercebida em qualquer situação. Mas, nos últimos meses, ela parecia haver desabrochado. Havia

um brilho novo em seu olhar, e sem rosto estava mais alegre e rosado.

Mesmo tendo conhecido Marianne havia tão pouco tempo, Nicola partilhava uma intimidade com ela

que não conseguia com outras pessoas de sua classe social. Marianne passara sua juventude em um

orfanato e por isso, não tinha o jeito esnobe de muitos aristocratas. Apreciava o trabalho de Nicola, com

as mulheres do lado leste de Londres, e tinha, inclusive, feito muitos donativos para suas casas. Nicola,

na verdade, identificava-se tanto com ela, que tinha a impressão de conhecê-la havia vários anos. E

sabia que, nela, podia confiar.

- Conseguimos persuadir vovó e mamãe a virem mais s cedo para cá – Penélope confidenciou, quando

se sentaram as três para conversar.

- E como estão os preparativos para os casamentos? - Nicola quis saber. Marianne ergueu os olhos, em

uma expressão significativa.

- Houve momentos em que achei que vovó e tia Úrsula iriam se agarrar - confessou. – Mas, graças a

Deus, são dois casamentos; quando tia Ursula ultrapassava os limites com seus palpites, Lambert

interfere e, com muita classe, diz que é assim que se faz há muitos anos em sua família. - Havia um

brilho de orgulho no olhar de Marianne quando falava de seu noivo.

Assim, ficaram as três conversando, colocando em dias as novidades de Londres, até que, por fim,

Marianne obserrvou, sorrindo:

- Não sei por que acho que você não está muito interessada neste assunto...

- Estou sim - Nicola mentiu.

Penélope riu e acrescentou:

- Marianne tem razão. Nós duas já percebemos que há algo de diferente em você. O que aconteceu?

- É verdade - Nicola admitiu. - E nem sei por onde começar a contar-lhes. É uma história terrível!

- Você está apaixonada! - Marianne adivinhou animada.

- É verdade? - Penélope quis saber.

- Sim, é verdade. Não sei como Marianne descobriu!

A bela ruiva deu de ombros.

- Algo em sua expressão, eu acho. Você é sempre muito bonita, mas há um brilho diferente em seu

olhar. Acho que... que é como me sinto também, por isso reconheci.

- Sim, estou apaixonada, mas não sei se ele me ama de verdade - Nicola explicou. - Minha vida está

uma confusão! Nem sei o que fazer...

- Então, conte-nos tudo!

As duas moças se aproximaram mais para ouvir.

- Lembram-se de quando lhes falei sobre o homem que eu amava e que Richard matou há dez anos?

- Sim, claro...

- Pois então, descobri que Richard o empurrou da cascata.

- Mas que animal! Deve haver um meio de expor as coisas terríveis que esse homem faz! - Penélope

opinou.

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Sempre o Teu Amor - CHE nº 165 Candace Camp

Nicola repetiu a história, pois, embora Penélope a conhecesse bem, era a primeira vez que a contava

com detalhes a Marianne.

- Então, há duas semanas, descobri que Gil não morreu! Que ele está de volta! - Nicola finalizou,

sorrindo.

As duas amigas estavam mais do que impressionadas e felizes por ela e continuaram ouvindo seu

relato sobre o que Jack lhe contara quando Richard o mandara para o navio.

- Esse sujeito não tem coração - Penélope comentou novamente - Quando não consegue o que quer,

ele arruína a vida das pessoas. Mas, e Gil? Ele não acreditou em você?

- Não, e não tenho muita certeza ainda se acredita agora. Não sei como Richard interceptou a carta que

ele me enviou!

- Talvez Gil tenha receio de admitir que se enganou que perdeu dez anos preciosos de sua vida com

você - Penélope observou.

Marianne, por sua vez, pensou um pouco antes de dizer:

- Ele sabia que havia um abismo entre vocês. É difícil de entender, mas ... como cresci como criada... A

classe dominante está muito além do que um criado pode sonhar, Nicola. Uma pessoa da nobreza pode

usar um criado ou criada, até mesmo vir a amá-lo, mas não se casa com ele. Acredito que esse rapaz

tenha desconfiado de sua origem, sua aristocracia, não de você.

- Pode ser, mas não sei se conseguiremos continuar juntos sem confiança... Mas, quando estamos

juntos, somos tão felizes! Não falamos sobre isso porque dói, entende, mas vivemos em um paraíso

quando estamos nos braços um do outro. Bem, mas ainda há mais a olhar. Ele não voltou apenas.

Voltou com o intuito de se vingar de Richard. Ele é o assaltante que anda atacando por aqui.

Houve alguns segundos de silêncio, nos quais as duas moças apenas a olharam, pasmas.

- Eu disse que era terrível, não disse? - Nicola comentou, compreendendo-lhes a reação. - E agora

tenho de me encontrar às escondidas com o homem que amo para evitar que o investigador contratado

por Richard nos encontre.

- Acho que sua história é ainda mais complicada do que a de Marianne ou Alexandra - Penélope

observou.

- Esse assaltante... - Marianne divagava. - É o mesmo que nos salvou, a Justin e a mim, quando Fu-

quay praticamente nos enterrou e aquele homem todo vestido de negro nos retirou da mina? Lambert

tinha certeza de que ele era o assaltante de quem todos falam, e que talvez tivesse algumas das coisas

que rouba estocadas na mina.

- Eu me lembro disso! - Penélope adiantou-se. - Você não, Nicola?

- Acho que eu nunca soube ao certo quem os salvou. Tantas coisas já aconteceram depois disso,

inclusive outros atentados à sua vida, e depois quando se descobriu quem você é de fato... O assaltante

chegou a dizer-lhe seu nome? Porque agora ele se chama Jack Moore.

- Exatamente! - Marianne apontou. - Eu e Justin devemos nossas vidas a esse homem!

- Ele é bom, de fato - Nicola concordou. - Mas o fato é que odeia Richard, e procura assaltar os carre-

gamentos de meu cunhado. Mas será enforcado da mesma forma se for pego, não?

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Sempre o Teu Amor - CHE nº 165 Candace Camp

- E ele não vai parar? - Penélope indagou. - Quero dizer... agora que você e ele... ?

- Não sei. Ele está determinado a destruir Richard.

- Mas, se ele a ama, vai abandonar essa atividade - Marianne observou. - Não há como vocês dois te-

rem uma vida no futuro se ele continuar a ser um criminoso.

- Eu sei. - De repente, uma tristeza profunda dominou Nicola e trouxe lágrimas a seus olhos. - Acho que

só saberei que ele me ama de fato se deixar os ataques contra Richard para que possamos ficar juntos.

O que será que Jack quer mais? A mim ou a sua vingança?

Na manhã seguinte, Nicola estava comentando com a irmã e a babá a visita que fizera às amigas,

quando um criado entrou silenciosamente na sala de estar.

- Há uma pessoa na porta da cozinha querendo falar com a srta. Falcourt - disse ele, muito educado.

- Comigo? - Nicola estranhou, levantando-se. Quem é?

- Um rapaz da vila, creio. - O tom do criado mostrava quanto ele desaprovava a vinda do rapaz como a

audácia de querer falar com uma das senhoras da casa. - Alguém deve estar doente - Nicola concluiu.

- Foi o que o rapaz insinuou, senhora.

- Vou atendê-lo. - Nicola seguiu o criado até a enorme cozinha de Tidings.

Um menino de aproximadamente dez anos estava sentado em um banquinho ao lado do fogão à lenha,

olhando tudo ao seu redor com jeito abismado. Ao ver

Nicola, levantou-se depressa e retirou o boné.

- Senhorita, Maggie Falkner me mandou aqui - disse ele. - O bebê dela está doente, e ela está muito

preocupada. Vai vir comigo? - Ao terminar o recado, ele pareceu relaxar.

- É claro que sim. Vou pegar minha maleta de remédios. Você sabe de que mal a criança sofre?

- Minha mãe disse que são cólicas, mas Maggie disse que deve ser algo pior.

- Está bem, então. Volte e diga a ela que irei em seguida.

O menino saiu correndo, e Nicola subiu a escada para buscar sua maleta e trocar de roupa. Conhecia

Maggie Falkner e sabia que ela era calma e inteligente o suficiente para não se alarmar à toa. Pediu aos

rapazes do estábulo que selassem seu cavalo e logo estava a caminho. Não olhou para trás para verse

Stone a seguia, mas imaginou que sim.

Ao chegar à casa dos Falkner, o marido de Maggie apressou-se em cuidar de seu cavalo, enquanto ela

indagava:

- Como está o bebê?

- Nós todos vamos ficar bem agora que a senhora chegou - foi a resposta enigmática do homem.

Nicola entrou na casa e chamou:

- Maggie?

- A mulher apareceu, na porta da cozinha e apontou para a escada.

- Lá em cima, senhora.

- O que há de errado com o bebê? - Nicola perguntou enquanto subiam. – Ele vomitou? Chorou sem

parar?

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Sempre o Teu Amor - CHE nº 165 Candace Camp

- Venha por aqui, sim? - Maggie insistiu, sem lhe dar uma resposta.

Assim que entrou no quarto e viu que não havia berço algum ali, apenas uma cama e uma cômoda,

Nicola ouviu o barulho da porta sendo batida atrás de si. Assustou-se e sentiu um braço vigoroso

passando por sua cintura enquanto uma mão poderosa tampava-lhe a boca.

- Não grite agora ou vai estragar tudo.

Ela ouviu, e a mão se afrouxou sobre seus lábios.

- Jack! - ela murmurou, sorrindo. E, voltando-se para vê-lo, atirou-se entre seus braços. Depois de um

abraço longo e saudoso, afastou-se um pouco para vê-lo e perguntou:

- O que está fazendo aqui?

- Precisava vê-la. Hal Falkner é um dos homens da vila que pertence a meu bando. Ele só me fez um

favor. O bebê está bem, dormindo no quarto ao lado.

Nicola acariciou-lhe o rosto com suavidade.

- Eu também não sabia mais o que fazer para revê-lo - confessou. - Mas não pude entrar em contato!

Aquele tal Stones segue todos os meus passos! Oh! Meu Deus! Ele deve estar lá fora, observando a

casa!

- Não se preocupe com ele agora. O infeliz vai ficar lá fora, vigiando a casa, nada mais. Cheguei cedo, e

meu cavalo está escondido. Apenas Hal e Maggie sabem que estou aqui e nada vão dizer, mesmo se

ele bater à porta.

Mais tranqüila, Nicola aconchegou-se em seus braços, murmurando:

- Senti saudade.

- Eu também. - Ele a apertou mais contra si. - Não suporto mais ficar longe de você. Pensei em você o

tempo todo, desejando que estivesse comigo. Uhm... seus cabelos estão perfumados... - E escorregou

os lábios pelo rosto dela, até alcançar seus lábios, para dar-lhe um beijo apaixonado. - Não sei como

consegui viver sem você estes anos todos - disse depois. E começou a arrastá-la para a cama.

- Não, Jack! - protestou. - E quanto a Hal e Maggie?

- Eles não vão subir e nem vão deixar que ninguém suba.

- Sim, mas vão saber que...

Nicola parou de falar, sentindo os lábios de Jack em seu pescoço, acariciando-a, incitando-a como

sempre fazia. Era-lhe impossível pensar em qualquer outra coisa nesse momento. Caíram ambos sobre

a cama, envoltos pela paixão. Fizeram amor quase que em silêncio, com calma e docilidade,

aproveitando cada momento, deliciando-se da presença um do outro. Depois, cansados e satisfeitos,

ainda abraçados com força, Jack murmurou:

- Não quero deixá-la ir embora.

- Nem eu quero ir - ela respondeu, abraçando-se mais a ele.

- Tentei não pensar em você nos últimos dias, pelo menos, não pensar o tempo todo, mas não

consegui. E... e se não houvesse mais um assaltante chamado Jack Moore?

Nicola sentiu o coração se acelerar.

- Como assim? - indagou.

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- E se ele desaparecesse? E um dia, no futuro, Gil Martin reaparecesse? Mais velho, mais maduro, de

volta da América... Um homem com um passado e um futuro, que ninguém estivesse perseguindo.

Nicola apoiou-se nos cotovelos para encará-lo.

- Está falando a sério?

Jack assentiu.

- Não quero continuar vivendo assim, escondendo-me encontrando-a como se fôssemos dois

criminosos. Quero poder estar com você o tempo todo, diante de todos. Quero levá-la à ópera, ou para

ver uma peça de teatro. E Jack não pode fazê-lo. Estou nessa vida de crime há apenas alguns meses.

Antes, eu e Perry tínhamos um negócio em Maryland.

- E quanto a Richard?

- Não vou conseguir destruí-lo. Não passo de uma pedra em seu sapato, não vou conseguir ir além

disso. Eu o odiei principalmente por sua causa. E agora que a tenho novamente...

Nicola beijou-o longamente. Depois perguntou:

- O que vai fazer? O Cavalheiro vai simplesmente desaparecer?

- Vamos fazer apenas mais um assalto. Depois de amanhã, bem cedo. Exmoor tem um carregamento

partindo de uma das minas, com muito dinheiro, mais do que jamais roubamos ele. Ele guardou o

dinheiro lá, em um cofre, há dois meses, por medo de enviá-lo e de ser roubado outra vez, e imagina

que, se o enviar bem cedo, sem guardas, como se fosse uma carroça de mantimentos, não haverá um

ataque. Mas temos informantes dentro da mina, e estaremos esperando.

Nicola não se sentia bem com a idéia.

- Precisa, mesmo, fazer esse último assalto? - perguntou.

- Como eu lhe disse, eu e Perry tínhamos um negócio, que vendemos. Tenho o dinheiro guardado e po-

deria montar algo aqui ou nos Estados Unidos, mas quero deixar uma boa recompensa para meus

homens. Vai mantê-los por um bom tempo. Detesto abandoná-los à mercê da imponência de Exmoor

novamente.

- Entendo.

- Depois, o cavalheiro vai desaparecer. E, mais tarde, Gil irá retornar em Londres, talvez? O que me

diz?

Ela assentiu.

- Costumo estar a maior parte do tempo em Londres - disse. - Mas Deborah quer que eu fique a seu

lado até o nascimento do bebê. Além do mais, tenho de estar aqui para os casamentos no mês que

vem.

- Não quero ficar em Londres sem você por tanto tempo. Talvez Gil tenha de voltar para casa, afinal. –

Ele riu. - E você até já arrumou minha herança!

Nicola sorriu também e acariciou-lhe o rosto.

- Prometa que vai ter cuidado - pediu.

- Não se preocupe.

- Acho melhor eu ir, porque Stone pode começar a desconfiar.

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- Está bem - Jack concordou, tomando-lhe a mão e beijando-lhe os dedos com suavidade .

- Eu a verei em breve.

- Quando?

- Não sei ainda. Talvez apenas apareça.

Nicola partiu pouco depois, corando visivelmente ao passar pela sala de estar dos Falkner, onde

Maggie estava sentada, amamentando o bebê. Maggie apenas lhe sorriu e acompanhou-a até a porta.

- Maggie, se aquele homem, o tal Stone, perguntar algo, diga que o bebê estava com dor de ouvido e

que pinguei algumas gotas de remédio nele, está bem? - Nicola recomendou, antes de sair.

- Não se preocupe. Ele não vai perguntar nada porque sabe que ninguém aqui diria coisa alguma.

Pouco depois, Nicola deixava a casa, recebendo o aceno amigo de Hal. Sabia que se deixasse a vila de

imediato, sem passar pela taverna, ou pela casa de algum conhecido, Stone poderia desconfiar. Assim,

fez uma visita a Lydia e depois retornou a Tidings.

O mais difícil seria disfarçar sua felicidade e animação diante da irmã e do cunhado. Mas esforçou-se e

acabou conseguindo, pois Deborah chegou até a lhe perguntar se não estava bem. Aproveitando a

ocasião, Nicola queixou-se de dor de cabeça e recolheu-se a seu quarto, onde, por fim, pôde dar vazão

a sua euforia. Jack praticamente dissera que a amava! Estava deixando a vida de crimes e a vingança

contra Richard para viver com ela! Ele não falara em amor, nem em casamento, mas houvera uma

sensação de compromisso entre ambos. Ou não? indagava-se. Nicola ficou ali, sonhando acordada,

imaginando o dia em que apresentaria Jack a Marianne e Penélope, e outros amigos. Riu ao pensar na

provável reação de Richard quando o visse. Ficaria furioso, talvez até amedrontado, devido ao que

fizera a Gil no passado. Mas um pensamento negro a tomou: e se Richard tentasse matá-lo, como

fizera com o sr. Fuquay meses atrás? Mas analisou que Fuquay poderia comprometer Richard, pois

sabia de seus outros crimes contra gente importante. A volta de um ex-criado de estábulos não

representaria tamanho perigo. Um problema maior séria se ele ligasse a volta de Gil ao

desaparecimento do cavalheiro. Mas não havia como provar nada.

Ninguém na vila, com exceção de Hal Falkner tinha visto Jack sem a máscara. E, mesmo se alguém

fosse persuadido de alguma forma a falar, não saberia que Jack e Gil eram a mesma pessoa. E

suspeitas não seriam suficientes para colocar Jack na prisão, muito menos para mandá-lo à forca.

Assim, o futuro de Nicola, a seu ver, parecia maravilhoso. Ela ficou nesse estado de absoluta felicidade

durante todo o dia seguinte, até a noite, quando a irmã veio dar-lhe boa-noite. Deborah parecia um tanto

aborrecida e, depois de alguns minutos de conversa trivial, perguntou:

- Nicola, acha que há homens da vila no bando do Cavalheiro?

- Não sei... Por quê?

- Ouvi Richard falando com Stone...

- E... ?

- Eu entendo que meu marido tenha de proteger o que é seu, mas... meu Deus, isso parece tão

mesquinho, parece um ato feito a sangue frio.

- Mas do que está falando, Deborah? - alarmou-se Nicola.

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- Eles estavam fazendo planos, sabe? Richard mandou espalhar que vai fazer um grande carregamento

de dinheiro amanhã. Mas é apenas um embuste. A carroça não vai seguir cheia de dinheiro, mas cheia

de homens armados e, quando a carroça for interceptada e os assaltantes abrirem a parte de trás, os

homens vão matá-los!

CAPÍTULO 16

Nicola sentiu como se lhe houvessem tirado o ar dos pulmões.

- O que está dizendo? - perguntou quase em um sussurro. - Vão matar todos eles?

- Tantos quantos conseguirem, pelo que entendi Deborah explicou. - Sei que são criminosos, que vêm

roubando de nós, e que se forem capturados acabarão enforcados, mas... creio que têm direito a um

julgamento! Isto... - Ela estremeceu. - Isto me parece assassinato.

- E é! - Nicola afirmou, levantando-se da cama. - Meu Deus Richard, realmente, é capaz de tudo! Seu

dinheiro é mais importante do que qualquer outra coisa! Deborah, não podemos deixar que isto

aconteça!

- E como podemos evitar? Vim contar-lhe porque tudo isso estava me perturbando demais, mas não sei

como posso ajudar... Richard não me ouviria, nem se importaria com o que você pensa. Às vezes,

parece que ele a detesta.

- Não há dúvidas de que sim. Mas não pretendo persuadi-lo a não atirar contra os homens do bando do

cavalheiro. Se eles souberem que é um embuste, não estarão lá para serem mortos.

- Você vai avisá-los? Mas como?

- Sei como encontrá-los.

- Você sabe onde eles estão? Nicky, sei que você gosta de gente... bem, de gente estranha, mas assal-

tantes! Eles vêm nos roubando há meses!

- E Richard vem roubando muita gente há muitos anos! - Nicola arrancou a camisola, começando a ves-

tir-se. - Francamente, Deborah, não sabe quem seu marido é? Não sabe o que pensam dele?

- Do que está falando? - Nicola parou e fitou a irmã:

- Deborah, Richard é um homem mesquinho e maldoso. Não acho certo que os assaltantes tirem

dinheiro dele ou de qualquer outra pessoa, mas a maior parte do dinheiro que eles roubam vai para as

pessoas da vila que Richard engana, das quais abusa! Ninguém gosta dele! Ele paga salários

miseráveis aos homens que arriscam suas vidas nas minas, manda-os embora quando ficam doentes,

expulsa-os das casas em que vivem! Você não sabe o que é não ter comida em casa! Não sabe o que é

ver seus filhos morrendo de fome! É claro que todos desprezam seu marido, Deborah! É por isso que

ficam felizes em tirar o dinheiro dele! Porque é um dinheiro roubado! E todos protegem esses

assaltantes porque entendem o que eles estão fazendo. Não os protegeriam se eles estivessem tirando

dinheiro de Bucky, por exemplo. Não tenho mais tempo para falar agora. - Ela fechava os botões do

vestido. - Preciso ir. Mas quero que prometa que não dirá uma só palavra sobre minha saída para

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Richard! Sabe que é errado ele matar aqueles homens! E, se ele quiser sair depois de mim, impeça-o

de alguma forma.

- Não vou dizer nada a ele, mas tome cuidado, por favor, Nicky.

- Não se preocupe com isso. Agora, preciso sair da casa sem ser vista. Não quero que Stone me siga.

Sabe se ele observa meus movimentos assim tarde da noite?

- Não sei.

- Preciso estar certa de que ele não me seguirá.

- Você tem algo pesado em seu quarto? Um peso de papel, por exemplo?

- Sim, tenho um bem pesado.

- Ótimo, preciso ter algo para me defender. Mais e mais acredito no que Alexandra diz sobre ter sempre

uma arma consigo.

- Uma arma? Deve estar brincando! Essa nova neta da condessa é um tanto esquisita, não acha?

Nicola apenas a olhou, e Deborah não insistiu. Levou-a até seu quarto, deu-lhe o peso de papel, que Ni-

cola enfiou no bolso da saia, e depois seguiram as duas até uma porta lateral, por onde Nicola ganhou a

noite. Caminhou junto à parede da casa, envolta em seu manto cinzento, que a ocultava bem.

Caminhou até a extremidade do jardim e viu, de repente, uma pequena luz vermelha que surgiu e

desapareceu. Parou tensa. Alguém estava fumando um charuto junto a uma árvore. A luzinha apareceu

novamente e sumiu.

Com extremo cuidado, Nicola seguiu na direção da árvore, ocultando-se nas sombras. Mais próxima,

pôde ver que se tratava de Stone. Ele podia ver toda a casa dali e talvez montasse guarda todas as

noites.

Nicola detestava a idéia de ter de atacá-lo, mas não tinha outra alternativa. Assim, foi até bem perto, por

detrás e, tirando o peso de papel do bolso, golpeou Stone na cabeça, vendo-o cair no chão com um

gemido.

Seguiu então para os estábulos, onde pegou um dos cavalos. Tinha de ser rápida em selá-lo, pois o

investigador poderia acordar a qualquer instante.

Nenhum dos rapazes do estábulo apareceu, deviam estar todos dormindo. Nicola saiu com o animal e

viu Stone ainda desacordado junto à árvore. Seguiu ainda um pouco e montou, partindo de Tidings com

o coração aos pulos. Pedia a Deus que a ajudasse a encontrar o caminho até o esconderijo de Jack.

Chegou até a entrada da floresta, por um caminho do qual se lembrava muito bem. Daí em diante, teve

de prestar atenção redobrada, chegando, por duas vezes, a seguir o caminho errado e tendo de voltar e

recomeçar outra vez do local onde cometera seu erro.

Aquela jornada pareceu-lhe interminável, mas, por fim, a casa apareceu em meio às árvores, para seu

alívio. Aproximou-se dela e apeou, gritando o nome de Jack. Antes que chegasse à porta, esta se abriu.

Na casa, ruídos de botas no chão chamaram-lhe a atenção logo pôde ver Jack, usando uma camisa

aberta sobre a calça, o rosto sonolento, a expressão surpresa.

- O que aconteceu? - ele estranhou. - O que está fazendo aqui?

Atrás dele, Perry e mais dois homens apareceram, todos um tanto sonolentos.

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- Não podem ir amanhã de manhã - ela avisou - É uma armadilha!

- Uma armadilha? O carregamento?

- Sim! Deborah ouviu Richard conversando com Stone e acertando os detalhes para matar todos vocês.

Assim que abrirem a carroça! Ela vai estar cheia de Homens armados, não de dinheiro!

Jack murmurou uma imprecação e enfiou a mão direita pelos cabelos. Nicola tocou-lhe os braços,

pedindo:

- Por favor, não vá!

Então, de repente, a porta que dava para a cozinha abriu por completo, e vários homens apareceram,

armados. Jack ainda teve tempo para dar dois passos em direção à escada, mas um único disparo

atingiu a parede sobre ele e todos ficaram imobilizados. Nicola volto-se na direção da porta, por onde

Richard apareceu, sorrindo.

- Muito bem! -exclamou ele satisfeito. - Bom trabalho, Nicola! Trouxe-nos exatamente a eles! - Ele

desviou o olhar de sobre ela e voltou-o para Jack e, de repente, seus olhos se arregalaram, e ele todo

pareceu se enrijecer. - Você? - exclamou quase sem voz. - Depois, recuperando-se, ordenou: -

Amarrem todos! Vamos levá-los à cadeia! - Ele se voltou para o pequeno homem que entrara a seu lado

e comentou: - Espero, que esteja satisfeito, magistrado, com o que conseguimos aqui.

Refeita do choque, Nicola avançou contra o cunhado:

- Como pôde fazer isto? Você me usou! - Agora tudo estava claro para ela.

A história da armadilha era que realmente fora um engodo. Talvez até Stone houvesse servido de

armadilha. Depois de desacordá-lo, ela se sentira livre e não mais prestara atenção à retaguarda. -

Você é detestável! Como pode chamar a si mesmo de ser humano?

Richard a observava, sorrindo, enquanto seus homens amarravam os prisioneiros.

- Você me fez acreditar que ele estava em perigo para que pudesse encontrá-lo! Oh, eu poderia matá-lo

com minhas próprias mãos! - Nicola vociferava, fora de si.

- Nicola... - Jack a chamava, em voz baixa, mas fria.

Ela se voltou para atendê-lo.

- ...conseguiu mais uma vez. - O sorriso nos lábios dele deixaram-na em pânico. - Jamais pensei que o

fizesse, mas fez. Fez com que eu acreditasse em você, mesmo depois do que tinha feito no passado. E

conseguiu me trair de novo.

- Não! - ela gritou. - Não fiz nada disso!

- Sou um grande tolo, sim, mas não tanto quanto imagina, ainda me resta um pouco de discernimento.

- Não e verdade! - Havia lágrimas nos olhos dela. - Por favor, Jack, não me olhe assim! Eu não o traí!

- Pelo amor de Deus, Nicola! - Richard começou em tom absolutamente natural.- Pare de se preocupar

em continuar fingindo para ele! Está mais do que claro para o infeliz que você o entregou, como antes! -

Ele se voltou para Jack e comentou, sorrindo: - Ela tem talento, não acha? Nem sei quantos homens já

caíram em sua lábia.

- Pare! - Ela se voltou para enfrentá-lo. - Como ousa insinuar que eu o ajudei? - E, olhando para Jack

outra vez: - Por favor, Jack...

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- E melhor levar-me depressa daqui magistrado. - Disse ao representante da lei. - O cheiro de traição

nesta sala está me dando náuseas!

Nicola calou-se. Mais uma vez, ele não acreditara em sua palavra e a odiava. E agora ela tinha, de fato,

traído sua confiança, entregando-o a seus inimigos mesmo que involuntariamente. Jack tinha todo o

direito do mundo em odiá-la. Fora tola e impulsiva e agora estava pagando o maior preço de todos por

seu erro: Jack ia morrer pelo que fizera a ele.

Olhou, horrorizada, enquanto todos os assaltantes eram levados. Viu-os montarem, seguirem pela

mata, guiados pelo magistrado e seus homens, e ficou ali, parada, angustiada, sabendo que Jack saía

de sua vida detestando-a novamente. Suas pernas lhe faltaram, então, caiu sobre os degraus da

varanda, em prantos.

Depois de muito chorar, ela entrou na casa e subiu a escada. Foi ao quarto de Jack e sentou-se em sua

cama, cerrando os olhos. O ambiente estava impregnado da presença dele. Seu cheiro estava no ar,

uma camisa fora deixada sobre uma cadeira, as cobertas estavam desarranjadas, pois ele deixara o

leito apressado. Nicola apertou os olhos. Não queria chorar mais, precisava fazer alguma coisa. Minutos

depois, levantou-se, decidida a tirar Jack da cadeia, independentemente de quanto isso lhe custasse.

Saiu dali, seguindo diretamente a Buckminster Hall.

Penélope dissera que os outros iriam chegar na tarde anterior e esperava que eles já estivessem lá.

Quando chegou, no meio da noite, teve de bater muito à porta da frente para ser atendida.

Assim que o mordomo abriu a porta, Nicola apressou-se:

- Preciso falar com meu primo. Ele está?

- Srta. Falcourt!

- Por favor, é urgente!

Enquanto a encaminhava ao escritório, o mordomo explicou-lhe que Bucky chegara acompanhado de

lorde e lady Thorpe. Deixou-a, apressado, e subiu para chamar seu patrão. Bucky veio cinco minutos

depois, amarrando-o roupão sobre as roupas de dormir. Tinha uma expressão preocupada no rosto.

- Nicky? O que houve? - perguntou, assim que a viu.

- Oh, Bucky, sinto vir aqui desta maneira, nesta hora, mas algo terrível aconteceu e preciso de sua aju-

da. Por favor, vá falar com o magistrado. Preciso que ele solte um prisioneiro!

- Espere, espere! Do que está falando?

- É o assaltante da estrada. O magistrado o deteve, bem como a seus companheiros e foi por minha

culpa. Richard preparou-me uma armadilha e caí como um patinho!

- E o que tem Richard a ver com isso? Ou você?

Nicola contou-lhe rapidamente o que acontecera naquela noite.

- E você conhece esse assaltante?

Nicola vacilou. Não sabia se podia contar ao primo sobre seu amor por Jack. Por fim, disse:

- Ele é neto de vovó Rose. Lembra-se dela?

- Sim, a mulher que curava pessoas na floresta. Você aprendeu a fazer remédios com ela, não foi?

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- Exatamente! Não posso deixar que enforquem o neto dela! Bucky, eu lhe imploro! Use sua influência

junto ao magistrado para soltá-lo! Jack irá embora e nunca mais retornará. Até concordaria em deixar o

país, se necessário! Ele já viveu nos Estados Unidos.

- Já? E por que anda roubando por aqui?

- Olhe, é complicado demais para explicar agora. Mas, acredite, ele não merece ser enforcado. E juro

que ele só prejudicou Richard financeiramente. Mas é um bom homem.

Bucky assentiu pensativo e, por fim, concordou:

- Vou falar com o magistrado, mas amanhã pela manhã, porque de nada adiantaria acordá-lo agora, no

meio da noite.

- Tem razão.

- E seria melhor você ficar aqui e dormir também. Não quero que saia por aí a esta hora.

Nicola concordou. Queria ir a Tidings, falar com Richard, mostrar-lhe todo seu ódio, mas não devia fazê-

lo naquele momento. No entanto, não conseguiu dormir direito em Buckminster Hall e, agitada, assim

que amanheceu, voltou para Tidings.

Encontrou Richard e Deborah na sala de jantar, e parou à porta. O casal estava de pé, discutindo, e a

comida sobre a mesa nem sequer fora tocada. Deborah era quem falava no momento:

- Não pode deixá-la lá!

- Sua irmã teve sorte por eu não mandar prendê-la também!

- Minha irmã é uma dama e tem um grande coração!

- Ela é uma louca, isso sim, com uma predileção doentia por pessoas de classe inferior!

- Ele tem razão - Nicola interferiu, entrando na sala e surpreendendo-os com sua presença.

Deborah aproximou-se para abraçar a irmã, mas Nicola afastou-se, indagando com frieza:

- Você sabia do plano dele? Sabia que era tudo uma armadilha?

- Não! Como pode achar que eu a enviaria para um perigo assim? - Deborah mostrou-se ferida - Eu não

sabia de nada.

- Então, sinto muito. - Nicola abriu os braços para a irmã, entendendo um pouco do que Jack sentira

com sua presumida traição. - Sei que não me magoaria - sussurrou para Deborah. - Mas nem sei o que

pensar.

- Eu entendo. Por onde andou?

Nicola negou com a cabeça.

- Isso não importa agora. Vim para falar com Richard. - Nicola afastou-se da irmã e encarou o conde. -

Eu imploro que você o solte.

Richard sorriu.

- Só pode estar brincando - comentou.

- Falo a sério. Não precisa agir desse modo, Richard. Ele ia partir.

- Ah, claro...

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- Será que já não o prejudicou o suficiente? - Nicola tentava controlar-se, mas estava tão tensa que as

lágrimas vinham-lhe aos olhos conforme falava. - Você o reconheceu. Não basta o que fez a ele há dez

anos? Arruinou sua vida! Não é de se admirar que ele quisesse se vingar de você!

- Do que vocês dois estão falando? - Deborah interferiu. - Nicola, você conhecia esse sujeito?

- Sim, conhecia - Nicola revelou. - O cavalheiro é Gil Martin, neto de vovó Rose.

Deborah entreabriu os lábios, pasma.

- Meu Deus, o garoto que mamãe... - começou, mas calou-se de repente.

Nicola voltou-se de imediato para ela.

- O que ia dizer? O que mamãe tem a ver com Gil?

Deborah olhou para Richard, calada, e ele apenas cruzou os braços e instigou:

- Continue, minha cara esposa. Por que não diz a Nicola o que sua mãe fez a Gil? E também o que

você fez...

Nicola parara de chorar. Sua ansiedade era enorme, tinha os olhos fixos no rosto da irmã, à espera.

- Bem, você estava trancada no quarto - Deborah começou. - Uma das criadas apareceu com uma carta

e a entregou a mim, dizendo que você não abrira a porta quando ela batera. Era uma carta daquela

bruxa que curava as pessoas. Ela tinha ido a Buckminster Hall para vê-la... Eu não sabia o que fazer...

Não sabia se era algo de importante ou algum recado simples daquela mulher, então abri a carta e a li.

Nicola, eu tinha tanto medo de que você se casasse com aquele garoto e arruinasse sua vida! Seria um

escândalo terrível, mamãe ficaria prostrada de desespero, a família seria mal vista... Eu sabia que

ninguém iria querer se casar comigo depois de um escândalo assim.

- Ninguém? - Nicola indagou amarga. - Quer dizer... Richard.

Deborah assentiu.

- Sinto tanto, Nicola... Eu era muito jovem e não fazia idéia... Você nunca me falara daquele rapaz.

- É claro que não. Você e mamãe teriam uma reação terrível se eu contasse algo.

- Mas eu não sabia quanto você o amava! Achei que era um amor passageiro, coisas de adolescente,

então entreguei a carta à mamãe e ela mandou chamar Richard. E depois... não mais ouvimos falar de

Gil Martin.

Nicola engoliu em seco. Olhava para a irmã com olhos fuzilantes.

- Sabe o que seu marido fez a ele? - perguntou. - Ele mandou um grupo de homens agarrá-lo e mandá-

lo para as galés! Um castigo terrível por Gil ter se apaixonado por alguém de classe superior, não acha?

Mas não foi esse realmente o motivo. Foi Richard? - Ela se voltou para o cunhado. - Você o mandou

para um navio imundo porque ele ousara roubar a mulher que você queria! Por isso o castigou. E

castigou mais ainda dizendo que "eu" o tinha entregado a você!

- Por acaso achou que eu o deixaria ter você? - Richard indagou impassível. – Você era minha!

- Eu nunca fui sua! Teria percebido isso logo, não fosse tão arrogante! Eu sempre fiz questão de lhe

mostrar que não tinha o menor interesse em você.

- Teria, se aquele garoto miserável não houvesse aparecido! Você era a única mulher que me interessa-

va, a única que amei na vida! E aquele infeliz conseguiu tirá-la de mim!

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Sempre o Teu Amor - CHE nº 165 Candace Camp

Deborah assistia à cena chocada. Estava intensamente pálida, e Nicola olhou-a preocupada.

- Richard, você nunca me amou, então? - Deborah perguntou devastada.

Ele olhou-a aborrecido.

- Pelo amor de Deus, será que você tem sempre de reclamar e choramingar? É claro que nunca a amei!

Somente uma tola como você teria achado que sim! E eu fui um tolo ainda maior por achar que você

poderia substituir sua irmã para mim. Achei que você poderia vir a ser como ela, ter seu espírito, sua

alegria, sua vivacidade! Achei que, com a idade, você se transformaria nela! Mas estava enganado. Não

conseguiu nem me dar um herdeiro! Você foi totalmente inútil. Nem ciúme consegui causar em Nicola

com você a meu lado!

As lágrimas desciam pelo rosto triste de Deborah.

Sem conseguir dizer mais nada, ela se deixou cair sobre uma cadeira. Richard voltou-se para Nicola

novamente.

- Nunca viu o que perdeu? - indagou. - Sempre achei que se arrependeria, vendo sua irmã com tudo

que você poderia ter: dinheiro, poder, esta mansão...

- Isso nunca me interessou, Richard. Eu só quis o amor do homem que amava. Você foi e ainda é um

tolo. Sua esposa é a única criatura que consegue amá-lo, e veja como a trata...

Ele lançou um breve olhar a Deborah, que chorava, apoiada à mesa.

- Não me importo com ela - rebateu. - Deborah é fraca e cheia de lamúrias. Eu sempre sonhei com

você, sempre fui à loucura por sua causa! Ela sempre foi apenas uma substituta que nuca esteve a sua

altura. Eu sempre a amei, Nicola!

- Você não sabe o que é amar, Richard. Os únicos sentimentos que conhece são a ganância e o

orgulho, nada mais. A única pessoa que você ama é a si mesmo.

- Sabe, eu deveria ter deixado que o magistrado a levasse também.

- Não o faria. Assim, Jack saberia que eu não o traí, e você não o puniria ainda mais. Você é pérfido,

Richard, um poço de maldade!

- Se é o que pensa, saia de minha casa! Vá viver com sua querida tia.

- Não se preocupe, eu vou embora, sim. Não suportaria ficar sob o mesmo teto que você. - Nicola vol-

tou-se para a irmã e tocou-lhe o ombro: - Sinto muito, Deborah. Sei que prometi ficar com você ate o fim

da gravidez, mas não posso ficar perto deste monstro por nem mais um minuto!

Nicola seguiu em direção à porta, e sua irmã a chamou:

- Espere! Eu vou com você!

CAPÍTULO 17

Se alguém em Buckminster Hall achou estranho o fato de Nicola, Deborah e sua babá chegarem àquela

hora da manhã, com a carruagem cheia de roupas e pertences, todos foram muito educados para não

indagar do que se tratava. Lorde Thorpe e lorde Lambert também não se manifestaram, aceitando a

chegada como normal. Lady Thorpe, criada na América, era muito mais aberta do que os demais a

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qualquer assunto para achar estranho que a esposa de um aristocrata o abandonasse como Deborah

estava fazendo. Assim, foi ela quem teve coragem de

perguntar:

- Nicola, o que está acontecendo? Vocês parecem cansadas...

- De fato - lady Buckminster concordou. - Precisam descansar. Seus quartos antigos estão vagos, e

Huggins vai levar sua bagagem para lá imediatamente.

Alexandra tomou a dianteira, ajudando Deborah e Nicola a subirem, já que Deborah estava tão abatida

a ponto de mal poder caminhar. E, depois que todas estavam instaladas, inclusive Owens, no quarto,

com Deborah, lady Alexandra Thorpe voltou ao quarto de Nicola, para que pudessem conversar.

- O que houve, minha querida? - indagou, suave como sempre. - Aposto que Exmoor aprontou mais

uma das suas.

Mesmo não sendo tão próxima a Nicola quanto Marianne ou Penélope, Alexandra era irmã de Marianne

e neta da condessa, e havia chegado à Inglaterra poucos meses antes. Passara sua lua-de-mel na

Europa com lorde Sebastian Thorpe enquanto Nicola e Marianne se conheciam melhor, mas, como sua

natureza era muito aberta e franca, qualidades que Nicola apreciava demais, as duas entendiam-se

muito bem. Nicola abriu seu coração para ela e, quando contou sobre o assaltante, ela a interrompeu,

surpresa:

- O assaltante? Nosso assaltante?

- Engraçado... Marianne disse a mesma coisa... Por que o chama de "nosso" assaltante?

- Porque ele ajudou a mim e a Sebastian! Lembra-se da viagem de balão na qual estávamos e que não

deu certo? Foi ele quem nos ofereceu abrigo na noite em que não tínhamos onde ficar. E claro que ele

roubou a carteira de Sebastian, mas... acho que meu marido já lhe perdoou.

Nicola sorriu por entre as lágrimas.

- É bem do perfil de Jack... - comentou. - Mas o que posso fazer, Alexandra? Eu o amo! E ele está na

cadeia, detestando-me cada dia mais!

- Conte-me o resto da história. Aposto que Richard tem a ver com ela.

Nicola contou-lhe sobre o que acontecera na noite anterior.

- Meu Deus! Vou reforçar seu pedido a Bucky para ir falar com o magistrado hoje. E vou pedir a

Sebastian e a lorde Lambert que o acompanhem. Afinal, todos nós devemos algo a esse assaltante.

Três lordes são suficientes para intimidar um magistrado, não acha?

Nicola sorriu.

- Acho que sim - ponderou.

Nicola acordou mais descansada naquela tarde, embora ainda estivesse apreensiva quanto a Jack.

Vestiu-se e arrumou-se depressa, para descer e saber se seu primo conseguira alguma coisa com o

magistrado. Encontrou-o na sala de estar, em companhia de todos os outros. Marianne e Penélope

também tinham vindo a Buckminster Hall ao saberem da chegada dos lordes. Marianne estava ao lado

do noivo, lorde Lambert, um homem elegante e de belos olhos cinzentos, os quais deixavam claro

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Sempre o Teu Amor - CHE nº 165 Candace Camp

quanto estava apaixonado por ela. Penélope, mais tímida, contentava-se em olhar para Bucky com

verdadeira adoração. Alexandra e Sebastian, casados havia três meses, também estavam juntos e

trocavam carinhos de vez em quando.

Nicola cumprimentou a todos e depois voltou-se ansiosa para o primo:

- Então, Bucky, o que conseguiu? O que o magistrado disse?

Ele não pareceu muito animado:

- Eu, Sebastian e Justin o pressionamos o tanto que foi possível, Nicola, mas Exmoor, ao que parece,

quer a cabeça do tal assaltante. E o magistrado está temeroso para tomar qualquer atitude por conta

própria. Richard é poderoso demais nesta região e poderia prejudicá-lo, você sabe. Tenho certeza de

que eu conseguiria algo, se Richard não estivesse observando o magistrado tão de perto, com olhos de

gavião.

- Oh, detesto esse homem! - Nicola murmurou entre dentes. - É uma vergonha que uma criatura como

ele possa ter tamanho controle sobre a vida dos outros!

Todos se entreolharam, não gostavam de ver Nicola tão aborrecida.

- Tenho de fazer alguma coisa - dizia ela inconformada. - Preciso libertá-lo de alguma forma!

- Libertá-lo? - Penélope estranhou. - Mas isso seria ilegal!

- Não me importo. Só sei que vou fazer alguma coisa para tirá-lo da prisão – Nicola teimou.

- Bem se Justin estivesse na cadeia, em uma situação assim, eu faria a mesma coisa - Marianne

opinou, chamando a atenção dos demais por sua franqueza.

- Eu também o faria - Alexandra concordou. E, voltando-se para Penélope, indagou: - Você não tentaria

libertar Bucky se ele estivesse enfrentando a morte certa por enforcamento?

- Bem... acho que sim, mas... parece-me tão perigoso.

- É verdade - Justin observou. - Não podemos deixar que Nicola se arrisque assim.

- Estão vendo? - Penélope argumentou. Mas Justin logo acrescentou:

- Portanto, eu irei.

Nicola voltou-se para ele surpresa, ouvindo-o continuar calmo:

- O homem salvou minha vida e a de Marianne também! E cheguei a lhe dizer que, se precisasse de

mim, poderia contar com minha ajuda.

- É perigoso - Marianne comentou, acrescentando em seguida, porém: - Não pode fazer isso sozinho.

Eu vou com você!

- Não, não, minha querida - Lambert discordou. - Você fica aqui, em segurança. Talvez eu precise de

um álibi, e você poderá fornecê-lo.

- Mas não pode ir sozinho... - Nicola interferiu.

- Ele não estará sozinho - Sebastian disse, por sua vez. - Irei com ele. Também devo um favor a esse

homem e será muito melhor se formos libertá-lo juntos.

- Então, também irei - ofereceu Alexandra. - Sei atirar muito bem e não vou deixar que sigam sem mim.

- Então, se ela vai, eu também vou! - Marianne insistiu.

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Sempre o Teu Amor - CHE nº 165 Candace Camp

De repente, todos estavam falando ao mesmo tempo, discutindo possibilidades de irem juntos ou não.

Lorde Thorpe, em determinado momento, falou mais alto que todos, pedindo silêncio, e o grupo se

calou, olhando-o.

- Muito bem - começou. - Lambert, sei por experiência própria que não há como deter minha esposa

quando ela se propõe a fazer algo. E imagino que sua irmã, Marianne, seja como ela.

- É, de fato... - Lambert concordou.

- E eu também sou assim. - Nicola interferiu. - Além do mais, Jack é o homem que amo e sou a

responsável por ele estar na cadeia. Portanto, vocês não irão resgatá-lo sem mim!

Bucky riu divertido, e comentou:

- Então, caros amigos e parentes, nós todos vamos! Formaremos um bando, o que acham?

Houve mais alguns minutos de discussão enquanto traçavam um plano de ação. Marianne e Alexandra

iriam distrair o carcereiro. Lambert e Thorpe entrariam efetivamente na prisão e libertariam os prisionei-

ros. Nicola teria de se contentar em cuidar dos cavalos, à espera de quando saíssem da cadeia.

Estariam mascarados, mas sua presença feminina ali poderia entregar a todos. Penélope e Bucky,

nesse ínterim, seriam o álibi do grupo. Providenciariam para que a condessa e lady Ursula, mãe de

Penélope, fossem jantar com lady Buckminster, tirando-as assim de casa. E todos diriam que estavam

em um jantar em Dower House.

Prepararam tudo para a noite seguinte. Nesse dia, cuidariam em persuadir tia Adelaide a convidar a

condessa e lady Ursula para o jantar, o que não foi tarefa difícil. Thorpe cuidou para que seus criados,

extremamente leais e espertos em uma briga, se necessário, cuidassem dos cavalos a serem usados.

Assim, com tudo arranjado, Nicola achou que a única coisa que lhe restava fazer seria visitar Jack na

prisão e avisá-lo, bem como a seus homens, de que a libertação ocorreria naquela noite, pois assim

estariam preparados.

Na manhã seguinte, bem cedo, ela se dirigiu à vila e foi recebida com certa inquietude pelo magistrado,

na cadeia.

- Senhorita, este não é um lugar para uma dama - disse ele, levantando-se de detrás de sua

escrivaninha.

- Vim para visitar o prisioneiro Jack Moore - ela disse impassível.

- Mas, senhorita...

- Por favor, magistrado. Não me preocupo com o que é apropriado ou não. Então, por que o senhor

deveria?

O homem olhou para o carcereiro e deu de ombros. Pegou a chave que estava sobre a mesa e seguiu

pelo corredor, sendo acompanhado por Nicola.

Havia quatro celas na pequena cadeia, e todas estavam ocupadas pelos homens de Jack. Eles se

levantaram e olhavam-na conforme Nicola passava. Em uma delas, ela viu Perry, e ele lhe deu uma

piscadela marota, o que a fez sentir-se um pouco melhor. Pararam diante da última cela, onde Jack

estava sozinho. Ele estava sentado na cama, as pernas estendidas diante de si e levantou-se de

imediato quando viu Nicola.

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- O que está fazendo aqui? - esbravejou. – Por que a deixou entrar? – indagou furioso ao magistrado. E

avançou contra as barras, fazendo o magistrado dar dois passos atrás.

- É que... a senhora deseja vê-lo - tentou o homem explicar.

- Mas eu não quero vê-la! Leve-a daqui!

- Jack, por favor, ouça... - Nicola pediu.

- Já cansei de ouvi-la! - Os olhos dele brilhavam furiosos. - Não quero ouvir mais nada! Vá embora!

- Eu não quis prejudicá-lo. Entenda, por favor...

- Não me interessa o que está tentando fazer. - Ele baixou a voz, mas ainda assim era igualmente

ameaçadora. - Sei que está querendo tirar mais informações de mim para seu cunhado, mas já fui muito

enganado por você e os de sua laia. Não sou tolo e sei muito bem o que tramou com o conde para me

aprisionar. Mesmo naquele dia, na cabana de minha avó, armou uma armadilha para que Stone me

pegasse, porque não sabia que eu conhecia uma passagem secreta.

- Não! - Nicola protestou amargurada.

- Cale-se! - ele gritou e, voltando-se para o magistrado, ordenou: - Leve-a daqui! Não quero mais falar

com ela! Não quero vê-la! Até um prisioneiro tem seus direitos, certo?

Nicola estava a ponto de chorar. Ele a odiava com todas as suas forças. Quando as lágrimas rolaram

por seu rosto, ele a olhou frio e comentou apenas:

- Guarde suas lágrimas para alguém mais ingênuo do que eu. - E deu-lhe as costas, caminhando para o

fundo da cela.

Sem mais nada poder fazer, Nicola saiu correndo pelo corredor.

Estava escurecendo, e elas estavam inquietas. Marianne olhou mais uma vez para o relógio de bolso

que trouxera.

- Está tão tensa. - Alexandra observou. - Mal posso imaginar que tenha, de fato, vivido com uma família

de ladrões.

- É, mas vivi. E não foram bons tempos - Marianne comentou, um tanto triste.

- Eu sei. - Alexandra passou os braços pelos ombros da irmã. - Mas o importante é que você está aqui,

sã e salva, e que não vai mais sofrer.

Instantes depois, Marianne verificou as horas mais uma vez e avisou:

- Falta só um minuto. Justin, Sebastian e Nicola devem estar saindo de lá agora.

Elas pensavam nos homens que amavam e na amiga, que se dirigiam à extremidade da cidade para lá

aguardarem, na escuridão, enquanto as duas faziam sua parte no plano. Alexandra rezava baixinho, e

Marianne engoliu em seco ao vê-la fazê-lo.

- Vamos! - incentivou. Agora seus nervos deixavam de preocupá-la. Sempre fora assim, ficava tensa

antes da ação, mas depois o calor do movimento a fazia esquecer de tudo o mais e agir certo.

Alexandra pegou as rédeas do pequeno coche e instigou o cavalo a seguir. Aos poucos, ganharam

velocidade, na farsa que teriam de representar, convencendo a todos que estavam sendo seguidas por

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ladrões. Pararam assim que chegaram à vila, que estava calma e deserta. Todos os cidadãos deviam

estar em casa, jantando, imaginaram.

Acabaram de soltar os cabelos, que o vento já despenteara, e puxaram as blusas de dentro das saias,

para que pendessem mais para frente, expondo parte de seus seios. Assim, chamariam ainda mais a

atenção do carcereiro. Alexandra segurou as rédeas e puxou o cavalo para o lado, falando com ele em

voz baixa e tentando fazer com que a carroça se inclinasse um pouco. Quando conseguiu, Marianne

colocou uma pedra junto a roda, para que o veículo parecesse avariado mas mantivesse suas

condições de fuga.

Seguiram, então, em direção à cadeia, a passos rápidos. Ao chegarem diante do prédio, olharam-se e,

de repente, entraram dramaticamente.

O carcereiro jantava em sua mesa e olhou-as assustado. Alexandra demorou a soltar as saias, que

recolhera para poder correr pela rua, e disse, fingindo aflição:

- Oh, senhor, precisa nos ajudar! Fomos atacadas!

- Atacadas? - ele estranhou.

- Sim! Por assaltantes de estrada! - Marianne acrescentou, inclinando-se sobre a mesa e expondo o

decote.

O carcereiro engoliu em seco.

- Mas todos os assaltantes estão presos agora - murmurou.

- Mas fomos atacadas! - Alexandra tomou uma das mão do homem, como se estivesse muito aflita.

Ele pigarreou, os olhos em seus seios, muito tenso.

- Tem de nos ajudar! - Marianne insistiu. – Lambert vai ficar furioso quando souber o que houve!

- Lambert? - tartamudeou o homem.

- Sim, o marquês de Lambert, meu noivo.

- Filho do duque de Storbridge - Alexandra acrescentou, para melhor impressionar.

- Oh, Jesus Cristo... - gemeu o carcereiro. - Então, as senhoritas são as moças que estão hospedadas

em casa da condessa.

- Sim, somos suas netas - Alexandra explicou. O homem parecia impressionado e confuso.

- Venha conosco, por favor! - Marianne pediu, puxando-o pela camisa.

- Mas para onde?

- Para a cena do crime, é claro.

- Claro... Mas preciso chamar o magistrado.

- Para quê? Precisamos de ajuda agora e precisamos de alguém forte como o senhor! Talvez haja

chance de capturar os assaltantes!

O rosto vermelho do carcereiro ficou pálido.

- O quê? Capturá-los?

- Não seja tola, Marianne! - Alexandra exclamou, vendo o medo do carcereiro. - Os assaltantes devem

estar muito longe daqui agora! Mas precisamos de alguém bem forte para colocar nossa carroça em

ordem para irmos para casa.

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Mais aliviado, o carcereiro chegou a quase sorrir.

- Está bem, vamos, então. - E voltou-se para pegar as chaves das celas, que deixara sobre a mesa.

Marianne revirou os olhos, caindo sobre ele.

- Oh, não! Ela desmaiou! - Alexandra fingiu estar apavorada.

O carcereiro olhava ao redor, sem saber o que fazer com aquele membro da aristocracia sem sentidos

em seus braços. Por fim, apoiou Marianne no chão, e Alexandra pediu:

- Pegue um pouco de água, sim?

O homem apressou-se em fazê-lo, enquanto,Marianne abria os olhos de leve para a irmã.

- Não se preocupe. Se ele tentar pegar as chaves de novo, eu as tirarei de seu bolso. Meu pai me

ensinou alguns truques... - E retirou um pequeno frasco do bolso. - Isto é perfume, mas finja que são

sais. Não quero que esse tolo jogue água em meu rosto.

Quando o carcereiro voltou, com um copo de água, Marianne estava sentada, e Alexandra passava o

frasco sob seu nariz.

- O que aconteceu?

- A senhora desmaiou - ele explicou inocente. - Acho melhor sentar-se aqui enquanto mando alguém

buscar seu noivo.

- Não, pelo amor de Deus! - Alexandra quase gritou. - Ele ficará furioso se descobrir que saímos no

meio da noite, e assaltantes nos atacaram! Precisamos ir! Estão nos esperando para um jantar! E

depois, lorde Lambert tem um temperamento terrível! Não podemos deixar que ele saiba nem que o

senhor nos ajudou!

Aflito com a situação e querendo resolvê-la logo, o carcereiro saiu depressa com as duas, deixando as

chaves sobre a mesa.

Justin e Sebastian aproximavam-se da cadeia, seguindo junto à parede.

- Elas ainda não saíram - sussurrou Justin. - Por que estão demorando tanto?

Sebastian, que seguia à frente, não teve tempo de responder. A porta da cadeia se abriu, e Alexandra

apareceu. Mesmo na escuridão, ele podia ver seu rosto rosado, excitado com o que estava fazendo. E

achou-a mais linda do que nunca. Sentia seus músculos retesados, diante do perigo e poderia jurar que

Justin sentia o mesmo.

Seguiram ainda junto à parede, suas roupas escuras e as máscaras ajudando-os na escuridão. Na

cadeia, o lampião pendurado fornecia pouca iluminação. Justin sorriu assim que viu as chaves sobre a

mesa e pegou-as, enquanto Sebastian agarrava a alça do lampião para guiá-los na escuridão do

corredor.

Justin enfiou uma das chaves na porta da primeira cela, despertando os dois homens que estavam

dormindo no chão. Eles se levantaram, e um deles perguntou, em tom tão educado quanto o dos

nobres:

- Quem são vocês? O que estão fazendo?

Justin tentava acertar a chave correta para aquela fechadura e, conseguindo, respondeu:

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- Libertando-os. E, se eu fosse você, não faria mais perguntas.

Os dois prisioneiros saíram para o corredor, e Justin abriu outra cela. Outros prisioneiros saíram dela,

ainda sonolentos, e um deles perguntou ao que tinha sido libertado primeiro:

- O que está acontecendo, Per?

- Parece que estamos sendo libertados - Perry respondeu, observando Justin e Sebastian enquanto

estes abriam as outras celas.

Quando abriram a última, reconheceram a figura do homem que já os ajudara no passado.

- Quem são vocês? - perguntou Gil de imediato desconfiado.

- Melhor não falarmos nossos nomes - Justin respondeu. - Digamos que sou alguém que você ajudou a

tirar de uma mina, e meu amigo, aqui, também lhe deve um favor, já que o abrigou, e a sua esposa,

certa noite.

Jack ergueu mais a cabeça, lembrando-se.

- Os balonistas... Bem, nada melhor do que fazer o bem sem olhar a quem.

- Embora você tenha ficado com minha carteira Sebastian observou.

- Sinto muito, senhor. Mas às vezes tenho certa dificuldade em controlar meus impulsos.

Quando todos saíram para a sala do carcereiro, Jack comentou, olhando para seus libertadores:

- Cuidaram de tudo, ao que parece... até do guarda.

- Sim, mas ele vai voltar logo. Precisamos nos apressar - Sebastian explicou.

- Então, vamos, homens!

- Espere! - Sebastian ordenou. - Nosso plano vai além de soltá-los no meio da noite. Há cavalos espe-

rando, sigam-nos.

Jack encarou-o, depois a Justin e deu de ombros.

- Muito bem, então. Suponho que tenhamos a única alternativa de confiar em vocês.

Justin abriu a porta e espiou para fora, certificando-se de que tudo estava tranqüilo. Depois chamou os

outros, e todos ganharam a rua. Correram até o beco onde os cavalos esperavam. Jack e Lambert eram

os últimos. Quando já estavam sumindo no beco, um disparo cruzou o silêncio, e Justin murmurou uma

imprecação, agarrando o braço de Jack e falseando o passo seguinte.

CAPÍTULO 18

Ao deixarem a cadeia, Alexandra arriscou um olhar para trás, mas não pôde ver seu marido e nem

Justin. Marianne, mais acostumada a golpes, continuou mantendo a atitude de antes, agarrada ao braço

do carcereiro, levando-o para longe dali. Quando chegaram ao coche, Alexandra disfarçadamente

afastou a pedra que estava segurando a roda, e elas mostraram-se ainda mais confusas com a situa-

ção, deixando o pobre homem sem saber por onde começar a agir. O procedimento de colocar o coche

na posição correta demorou, assim, muito mais do que em situação normal. Marianne, então, passou a

agradecer efusivamente, declarando que o carcereiro tinha salvado a vida de ambas, que seriam gratas

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para sempre, que ele era o homem mais gentil que conhecia, enfim, segurando-o ali o máximo de

tempo possível.

Mas ele estava aflito por voltar à cadeia e começou a cruzar a rua de volta. Marianne e Alexandra foram

com ele, insistindo nos agradecimentos. Quando dobraram a esquina, ainda tiveram tempo de ver os

últimos prisioneiros entrando no beco.

O homem levou alguns segundos para compreender o que acontecia e, depois, com uma imprecação

nos lábios, retirou a pistola e abriu fogo contra as sombras que podia ver na distância. Um dos homens

passou a correr com dificuldade, mas não parou.

Marianne e Alexandra começaram a gritar como se estivessem histéricas diante do disparo, e

agarraram os braços do carcereiro, que tentava se esquivar.

- Os prisioneiros fugiram! Preciso ir atrás deles! - gritava ele.

- Não! - Alexandra gritou ainda mais. - O senhor pode ser ferido, até morto! São muitos contra um e

podem estar esperando no fim do beco para agarrá-lo e espancá-lo até a morte!

O homem arregalou os olhos, e Marianne completou:

- E nós? O senhor tem de pensar em nós! E se esses criminosos vierem atrás de nós? Pode haver

outros ainda dentro da cadeia esperando para nos trucidar!

Vacilando, o homem murmurou amedrontado:

- Não seria correto deixar as senhoras sozinhas, sem proteção.

- Exatamente. E lorde Lambert ficará eternamente agradecido ao senhor. Só um homem de coragem

fica em seu posto até o fim!

- É... É verdade - gaguejou o infeliz. - Vou ficar e protegê-las contra todo o perigo!

Assim os três voltaram à cadeia? entrando devagar, com muito cuidado, o carcereiro à frente,

verificando tudo. Marianne e Alexandra olharam-se, respirando aliviadas quando viram as celas vazias.

Na última delas as chaves estavam penduradas na ponta de uma barra de ferro, e o carcereiro

arregalou os olhos incrédulo.

- Minhas chaves! - murmurou. - Mas como...

- O senhor deixou as chaves aqui? - Alexandra perguntou, em tom de repreensão. - Mas como pôde ser

tão descuidado?

Ele as olhava, sem saber o que dizer, sem se lembrar direito dó momento em que abandonara as

chaves.

- Bem, mas nós poderemos dizer ao magistrado que senhor cuidou de nós - Marianne comentou, com

ar inocente. E, baixando a voz, confidenciou: - Sabe, acho que tudo não passou de um plano!

- Um plano? - o homem repetiu estupidamente.

- Sim! Aqueles assaltantes nos atacaram para que viéssemos aqui, pedindo ajuda, e o senhor se

distraísse com nossa presença. Nossa! Deve haver muitos mais deles, então!

- É... seriam necessários muitos homens para invadir a cadeia - comentou, o guarda, sem ainda en-

tender ao certo o que acontecera ali.

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Sempre o Teu Amor - CHE nº 165 Candace Camp

- Não devíamos ter vindo aqui, Alexandra - Marianne repreendeu. - Com um carcereiro tão bom, é claro

que os assaltantes nos usaram como uma boa distração para soltar seus comparsas! E eles eram

muitos!

- É devem ter sido muitos... - o carcereiro concordou. - Acho que eu deveria persegui-los.

- Sozinho? Mas quanta valentia, meu Deus! Não, não se arrisque tanto assim! Se eles tiveram a

audácia de vir até aqui, é porque estão bem armados. Talvez fosse melhor se o senhor fosse falar com

o magistrado.

- Ah, claro, ele deve saber, senhoras! Lorde Exmoor também. - Ele fez uma careta diante da idéia.

- E nós precisamos voltar para casa. Lorde Thorpe e lorde Lambert devem estar preocupados com

nossa demora. Afinal,estamos atrasadas para o jantar!

As duas se afastaram apressadas, e seguiram até o coche. Lá, Marianne preocupou-se:

- Acha que o carcereiro acertou algum deles com aquele disparo?

- Pareceu-me que sim. Um deles pareceu vacilar e depois continuar a correr - Alexandra explicou, se-

gurando as rédeas. - Afinal, não conseguiríamos saber quem foi, já que estavam todos de negro e

usando máscaras.

- Pode ter sido Justin ou Sebastian - Marianne sugeriu.

- Não vamos pensar no pior. Seja quem for o ferimento não foi tão grave, pois ele continuou a correr. -

Mesmo assim, vamos para casa depressa. Quero ver se Justin está bem.

Alexandra fez as rédeas vibrarem, e o cavalo se pôs em movimento.

Justin gemia, segurando o ombro atingido, mas não parava de correr. Seguiram pelo beco, Sebastian

liderando o grupo, até chegarem a outra rua. Jack olhou para trás, imaginando por que o carcereiro

estaria demorando tanto a segui-los.

- Não se preocupe - Justin disse, percebendo sua preocupação. As garotas vão cuidar dele.

- Que garotas?

- Você conheceu urna delas comigo, há algumas semanas.

- Aquela beldade ruiva?

- Exatamente. Ela é minha noiva. – Ele olhava para Jack com cara amarrada.

- Entendo. Não devo notar que ela é tão bela, então. - Justin teve de rir.

- Seria pedir demais, não? - comentou. - Seja como for, ela tem uma irmã quase tão linda e as duas

estão distraindo nosso homem.

- E isso não é perigoso?

- Acho que teria sido mais perigoso para mim se não a tivesse deixado participar. Meu amigo, vai

acabar encontrando uma mulher que não vai conseguir comandar.

Jack fez uma careta.

- Já encontrei, obrigado. Como está seu ferimento?

Ouvindo tais palavras, Sebastian voltou-se.

- Lambert, foi ferido?

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Sempre o Teu Amor - CHE nº 165 Candace Camp

- Foi só um arranhão - Justin assegurou. - Dói demais, mas não é grave.

Estavam aproximando-se de um imenso carvalho e agora já podiam ver as sombras dos cavalos. Jack

prestou atenção, percebendo que alguém cuidava dos animais que estavam à sua espera e de seus

homens. Ao chegarem ainda mais perto, percebeu que se tratava de seus próprios cavalos, retirados

anteriormente dos estábulos da vila. Voltou-se para trás, para ver o nobre mascarado que o seguia,

incapaz de entender por que alguém de sua posição arriscaria tanto para ajudá-lo.

- Vamos nos separar aqui - Sebastian avisou. - Será mais difícil encontrarem vocês assim. Jack, você

vem conosco! - Ele se voltou para Perry. - Você leva os outros e vai o mais rápido possível até Exeter.

Alguém de minha confiança os espera lá e vai escondê-los. Sigam direto à Taverna do Javali e chamem

por Murdoch. E posso estar enganado, mas não serão seguidos. As autoridades vão concentrar seus

esforços nele. Sebastian apontou para Jack com um movimento de cabeça.

- Espere - Jack interferiu, não querendo separar-se de seus homens.

- O quê? Vai querer seguir com eles para que sejam perseguidos também? - Sebastian contemporizou.

- Sabe que Exmoor quer você, não se preocupa muito com o bando.

Jack hesitava, sabia que aquele homem tinha razão.

- Mas como as autoridades vão saber que não estou com meus homens? - indagou.

- Acho que saberão exatamente onde procurar por você - Justin aproximou-se para argumentar.- Mas

agora não podemos mais ficar aqui pensando no que fazer. Não há tempo!

- Perry, faça como ele disse - Jack ordenou. Não estava ainda muito certo quanto àquele resgate no

meio da noite, mas não queria seus homens em perigo.

Sem vacilar, seus companheiros obedeceram, pegando as rédeas dos cavalos que um rapaz coberto

por uma capa lhes entregava. Partiram todos em seguida, sem perder mais tempo.

Sebastian pegou as rédeas de dois cavalos e entregou um deles a Jack.

- Sei que sua mente está cheia de perguntas disse. - E vamos respondê-las mais tarde. Por enquanto,

vamos apenas sair daqui.

Jack concordou. Viu quando Sebastian aproximou-se do rapaz e disse-lhe:

- Justin foi atingido.

- O quê? - a voz feminina chamou a atenção de Jack, enquanto se voltava na sela para ver o rapaz

seguindo até Justin.

- Foi só um arranhão - ele repetiu.

Jack reconhecia Nicola agora e sentiu um frio passar-lhe pela espinha.

- O que está fazendo aqui? - perguntou, aproximando o cavalo de onde ela estava. E, voltando-separa

os outros, esbravejou: - Como puderam deixar que ela viesse?

Justin, muito calmo, retirou a máscara e o encarou.

- Gostaria que me dissesse como poderíamos ter impedido que ela viesse - disse.

- Mas é perigoso demais! Ela podia ter se ferido! Poderia ter sido morta! Meu Deus, homem, não vê

isso?

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Sempre o Teu Amor - CHE nº 165 Candace Camp

- Eles não poderiam ter me impedido - Nicola rebateu. - Eu pretendia tirá-lo da cadeia, e eles que

quiseram vir comigo.

Jack olhou-a incrédulo.

- Você pretendia tirar-me da cadeia sozinha? Ficou louca?

- Iremos todos para a cadeia se ficarmos aqui conversando – Sebastian analisou irritado.

- Bem, eu consigo chegar a Dower Rouse com o braço assim - completou Justin. - Você poderá cuidar

de mim lá, Nicola, enquanto os dois prosseguem com essa discursão idiota. Mas não pretendo

permanecer aqui e ser pego!

Justin montou em seguida, e os outros o imitaram sem mais nada dizerem. Cavalgaram em silêncio até

Dower Rouse e, lá, foram recebidos, no estábulo, por um homem que veio ajudá-los.

- Rarris, minha esposa já chegou? - Sebastian perguntou de imediato.

- Sim, senhor, e ela está bem. E já cuidei do coche, para que ninguém desconfie de nada.

- Ótimo. Se algum dos outros rapazes do estábulo fizer perguntas...

- Não vão fazer, senhor. E, se fizerem, vou manda-los manterem a boca fechada. Não se preocupe.

O homem curvou-se de leve e passou a cuidar dos outros animais enquanto Sebastian, Justin, Jack e

Nicola seguiam para a casa, em direção à porta da cozinha. Jack olhou para o lado da porta, sentindo

uma estranha sensação invadi-lo. Aquela casa parecia-lhe acolhedora, mais do que isso, familiar.

- A quem pertence esta casa? - perguntou.

- À condessa de Exmoor.

Ele encarou Nicola.

- Sua irmã?

- Não, a condessa viúva.

- Mãe de Exmoor?

- Pelo amor de Deus! - Sebastian voltou-se para ele, interferindo. - Não diga algo assim à condessa. Ela

detesta Richard! Ele é um primo distante que herdou Tidings quando o falecido marido da condessa e

seu filho morreram.

- Nunca a viu por aqui enquanto vivia em Dartmoor? - Nicola estranhou. - Ela vivia em Tidings havia

muito tempo, quando eu ainda era criança, mas mudou-se para cá depois da morte do marido. No en-

tanto, costumava ficar pouco aqui, permanecendo mais em Londres depois da tragédia. Foi lá que eu a

conheci.

Entraram na enorme cozinha, e um homem que estava sentado à mesa levantou-se assim que os viu.

Parecia aliviado.

- Lorde Thorpe! Lorde Lambert! Srta. Falcourt! Que alívio em vê-los!

- Obrigado, Mulford - Justin adiantou-se. - As senhoras estão aqui, presumo.

- Sim, senhor. E estão bem.

- Preciso cuidar de seu braço com urgência. - Nicola observou. - Mulford, arranje-me algumas banda-

gens, água limpa e algumas tiras de tecido.

- Imediatamente, senhora.

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Sempre o Teu Amor - CHE nº 165 Candace Camp

- Vou apenas fazer um curativo rápido - Nicola explicou a Justin. - Precisamos esconder Jack e depois

trocarmos de roupas e seguirmos para o jantar. Aposto que Richard e seus homens logo estarão aqui.

Enquanto ela cuidava do ferimento, a porta da cozinha se abriu e Bucky apareceu, curioso. Ao ver

Justin ferido, aproximou-se preocupado.

- O que houve?

- Nada de grave.

- Pois, comigo, aconteceu: lady Ursula está aqui!

- Mas... como?

- Não se mova! - Nicola repreendeu-o.

- O que ela está fazendo aqui? - Sebastian interferiu. - Não deveria estar com a condessa e lady Buck-

minster?

- Pois é, mas ela começou a achar que não a queríamos aqui, e eu tive de contemporizar. E estão todas

aqui. A verdade é que eu a preferia no inferno, mas não posso dizer-lhe isso, posso? - Bucky parecia

absurdamente irritado.

- Disse que todas estão aqui? A condessa também?

- Todas elas! A condessa, minha mãe, lady Exmoor!

- Deborah também? - Nicola estranhou.

- Disseram que preferiram se unir a nós, que seria mais divertido - Bucky explicou aborrecido. - Agora,

eu pergunto: como poderia ser divertido com lady Ursula aqui?

Jack, que se mantivera recostado ao fogão, entrou na conversa:

- Quem é lady Ursula?

- Mãe de Penélope - Nicola respondeu.

- Minha futura sogra - Bucky acrescentou e pareceu prestar melhor atenção a Jack agora. - Você é o

assaltante? - E estendeu a mão direita. - Muito prazer em conhecê-lo. Bem, não em conhecê-lo propria-

mente, já que parou minha carruagem há algumas semanas, mas... bem... , ainda não fomos

apresentados formalmente.

Jack sorriu, aceitando a mão do outro.

- Prazer em conhecê-lo também.

- O que você lhes disse sobre não estarmos aqui? - Sebastian quis saber.

- A princípio, fiquei perdido - Bucky confessou.- Mas Penélope acabou inventando uma série de menti-

ras. Muito inteligente, minha noiva! Disse que vocês tinham saído para procurar Alexandra e Marianne

porque elas estavam atrasadas para o jantar.

- Eu não queria envolver a condessa nisto - Nicola comentou apreensiva.

- E só Deus sabe o que qualquer uma delas vai dizer se Exmoor aparecer procurando por um prisio-

neiro fugido... - Sebastian sentou-se em uma cadeira respirando fundo.

- Bem, a condessa não dirá nada que possa ajudar Richard - Nicola garantiu.

- Sim, mas lady Ursula é sempre uma caixinha de surpresas - Bucky insistiu. - O pior é que nenhuma

delas sabe quanto suas palavras poderão nos colocar em perigo.

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Sempre o Teu Amor - CHE nº 165 Candace Camp

- Bem, não há nada que possamos fazer a respeito – Justin ponderou, olhando para a atadura que

Nicola terminara de colocar. - Nicola, leve seu amigo para um local seguro enquanto eu e Sebastian nos

trocamos.

Nicola olhou para Jack e chamou:

- Venha, vamos escondê-lo no sótão.

- Eu mostrarei o caminho para sair daqui. - O mordomo adiantou-se, mas Jack já se voltara para a

escada que levava aos aposentos dos criados e mais adiante, ao sótão.

- Pode deixar, nós nos arranjamos - Nicola garantiu. - Você é mais necessário nos preparativos para o

jantar.

Nicola seguiu Jack, que levava uma vela nas mãos, tendo Justin e Sebastian logo atrás. Bucky voltou a

sala de estar.

Jack seguiu até o segundo andar e parou. Olhou para a esquerda, então, e seguiu por ali até o fim do

corredor, onde dobrou à esquerda. Justin e Sebastian separaram-se deles ali, seguindo em direção ao

quarto de Marianne, onde estavam suas roupas.

Nicola, porém, seguiu Jack. Ficou surpresa ao notar que havia uma pequena escada naquele andar da

qual nunca soubera a existência, e que levava ate o andar de cima e depois ao sótão.

Nicola parou no meio do caminho, indecisa.

- Mas esta escada... não sei onde vai dar.

- No sótão, depois dos aposentos dos criados e do quarto de bebês – Jack respondeu sem vacilar.

Ela o encarou, surpresa.

- Como sabe?

- Ali! - Ele apontou, mostrando a porta dos quartos dos criados e o de bebês, aberto com brinquedos

sobre os móveis.

- Deve ter olhos melhores do que os meus - ela se conformou. - Está tão escuro aqui que mal consigo

ver meus pés. Mas como soube que caminho seguir?

Jack chegara diante de uma porta e parou.

- Não sei. É estranho, mas... eu soube onde ele ficava. - Levou a mão à maçaneta e girou-a, entrando

no sótão. Parou, olhando ao redor, e comentou: - Será difícil encontrar alguém aqui.

- Foi o que Penélope disse. Ela também disse que se assustava quando vinha aqui, de pequena,

porque o lugar é muito grande e cheio de coisas velhas.

- Oh, não! É um ótimo lugar para se esconder! - Uma expressão peculiar surgiu no rosto de Jack.

Olhava ao redor atento, e Nicola indagou:

- O que houve?

- Nada... Não sei... É que... é estranho. É como se eu já houvesse estado aqui antes. Lembro-me de um

lugar, atrás de um grande baú, e um cavalo de balanço, com parte da tinta descascando.

Ele passou a andar pelo sótão, olhando atrás de sofás e caixas, móveis velhos, objetos sem uso, restos

de séculos de uma família. A luz fraca da vela mostrava ,os objetos dos quais ele se aproximava e

deixava o resto do aposento em total escuridão. Ele deu mais alguns passos, depois parou, parecendo

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Sempre o Teu Amor - CHE nº 165 Candace Camp

confuso. Inclinou-se e afastou uma enorme caixa de chapéus que estava sobre um baú. Atrás do

mesmo havia um velho cavalinho de balanço, com a maior parte da tinta que certa vez o enfeitara

descascando.

Nicola sentiu um frio passar-lhe pelo corpo.

- Jack, como sabia?

Ele demorou a responder.

- Não sei. Não entendo. - Voltou-separa ela e explicou: - É como se eu conhecesse este lugar. Talvez...

talvez minha mãe tenha trabalhado aqui como criada antes de eu ficar doente. Não me lembro de nada

de antes dessa doença que tive, mas estava em casa de minha avó quando me recuperei. Minha mãe

pode ter trabalhado para a condessa. Devo ter vindo aqui com ela às vezes. Talvez, até tenhamos

vivido em um dos quartos dos criados.

Nicola avaliou a idéia.

- Seria difícil ter uma criada com uma criança morando aqui - disse. - Mas a condessa é muito diferente

das outras aristocratas, é uma pessoa muito compreensiva e caridosa. Pode ser....

Jack apenas assentiu. Viu que Nicola voltava para a porta, na intenção de sair, e acompanhou-a.

- Quero que saiba que não levei Richard até você - disse ela, voltando-se. - Juro, Jack! Richard me

enganou. Fez-me pensar que você estava em perigo, e eu me apavorei. Jamais imaginei que se

tratasse de uma armadilha. Fui tola, mas não quis fazer-lhe mal.

Para sua surpresa, Jack sorriu.

- Eu sei - revelou. E ergueu as mãos, tocando-lhe os ombros. - Não achei que houvesse me traído.

- Mas... você disse que não queria mais me ver quando fui à cadeia!

- Estava tentando protegê-la. Mas você, teimosa como é, recusou qualquer proteção e se arriscou

demais.

- Estava tentando me proteger?

- Sim. Não podia deixar que à prendessem também, já que estava ajudando um criminoso. Se eu

fingisse que você tinha me enganado, o magistrado acharia que não tinha nada a ver conosco. E, se

fingisse estar abatido e furioso, Richard ficaria feliz, apoiaria minha versão do fato e se sentiria feliz por

me ferir mais uma vez. Eu detestei ver aquela expressão de dor em seu rosto, mas não podia deixar

que a levassem para a cadeia comigo, nem podia deixar que suspeitassem da visita que me fez.

Nicola encarou-o por segundos, os olhos brilhantes, cheios de lágrimas.

- Então, acredita em mim.

Ele assentiu.

- Fiquei esperto, afinal! - brincou. - Comecei a ouvir meu coração e não minha mente e soube que a

amava. Eu a queria e, se não ficasse o tempo todo me lastimando, poderia ter esclarecido tudo há

muitos anos. Estivemos afastados nos últimos anos por minha causa, não por Exmoor. A vingança não

importa. O que importa agora, para mim, é você.

- Você me ama - Ela mal podia acreditar. - Disse que me ama.

- Sim, eu a amo!

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- Oh, Jack! - Nicola atirou-se nos braços dele, sentindo uma onda de felicidade que preencheu seu

corpo e sua alma. - Eu também o amo! Muito!

Jack apertou-a contra seu corpo, e sua voz soou rouca:

- Nicola, diga que me perdoa.

- É claro que sim, meu amor!

Ela ergueu a cabeça para vê-lo e recebeu um beijo ardente, faminto, saudoso. Depois Jack afastou-se e

murmurou, acariciando-lhe o rosto:

- Acho que precisa voltar ao jantar.

- É, preciso. - Ela sorria, sem conseguir se auto-controlar. - Teremos muito tempo para isto mais tarde.

Imagino que Richard vá querer falar comigo e quero estar preparada para enfrentá-lo.

- Detesto saber que irão conversar enquanto estou escondido aqui. Talvez, se eu... - Nem pense nisso!

Não pode enfrentá-lo pessoalmente. Isso iria apenas confirmar que nós o ajudamos a fugir. O melhor

que pode fazer por todos nós é ficar aqui, bem quietinho, e não deixar que o encontrem.

- Sinto-me um inútil aqui, sabia?

- Vou voltar assim que puder. Mas agora tenho que ir.

Nicola ergueu-se na ponta dos pés para dar-lhe um beijo leve nos lábios, mas Jack abraçou-a com força

novamente, e o beijo se prolongou, profundo.

- Amo você - ele segredou. - Fui tolo por tanto tempo!

- Não importa agora. Você está livre, e eu o amo. Nada mais interessa.

Então, com um último e rápido beijo, ela se afastou, descendo novamente a escada.

CAPÍTULO 19

Nicola correu ao quarto de Penélope, onde deixara o vestido que usaria para o jantar. Marianne chegou

pouco depois para ajudá-la a preparar-se, afinal, havia uma carreira de minúsculos botões às costas do

vestido e estavam atrasadas.

- Como está tudo lá embaixo? - Nicola indagou, olhando-se no espelho.

- Confuso, mas controlável. Lady Ursula vai começara fazer perguntas, você vai ver. Ela não me

pareceu muito satisfeita com o que Penélope lhe disse. Pronto! Você está linda como sempre.

- Como está Justin?

Marianne pareceu um tanto preocupada ao responder:

- Está elegante e refinado, mas acho que seu braço deve estar doendo muito. Percebi que ele o poupa,

apoiando-o, com freqüência, nos encostos das cadeiras.

- Foi apenas um arranhão, embora profundo, e vou cuidar melhor dele quando toda esta confusão

terminar.

- Espero que Richard não perceba que ele está com braço machucado.

- Vamos tentar manter Richard distraído, então. Bem, vamos descer e enfrentar o dragão?

- Tia Ursula?

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- Quem mais?

Elas desceram a escada juntas. Na enorme sala de estar, Sebastian se apoiava à cadeira em que

Alexandra se sentava e lorde Buckminster olhava para a futura sogra com ar desanimado. Lady Ursula

estava sentada à ponta de um sofá e olhava, com uma carranca, para sua filha, que se sentava ao lado

da condessa de Exmoor. Havia um certo ar de preocupação no semblante da velha dama. Pouco atrás

delas estavam Deborah e lady Buckminster, que conversava com a irmã de Nicola sobre os cavalos que

mandara buscar para dar de presente à futura nora. Ao lado delas, lorde Lambert apoiava-se a uma

cadeira com uma naturalidade impressionante.

Ele endireitou o corpo quando Marianne e Nicola ,apareceram na sala e sorriu para sua noiva.

- Nicola, valeu a pena esperar. Você está linda... - elogiou, recebendo um sorriso de Nicola.

- Ainda não entendi por que você teve de ir com Justin e Sebastian à procura de Alexandra e Marianne -

Lady Ursula apressou-se em dizer, sem nem mesmo dizer boa-noite a Nicola.

- Sabe como sou - Nicola explicou. - Não consigo ficar parada dentro de casa. Mas como vai a senhora?

Está tão bem hoje!

Lady Ursula não pôde deixar de sorrir diante do elogio, e Nicola afastou-se para falar com a irmã.

- Que bom que veio, Deborah.

- É, eu achei que iria me distrair aqui e aceitei o convite da condessa de bom grado.

Nicola ficou ali, sem mais nada dizer, apenas fazendo companhia a Deborah. Sua mente divagava

sobre a possibilidade de contarem tudo a todos que estavam ali e confiarem na lealdade familiar para

ludibriarem Richard quando ele chegasse com seu investigador e o magistrado, porque, com certeza,

ele viria. A condessa, se soubesse de tudo, saberia escolher suas respostas e não os trairia, com

certeza. Mas lady Ursula... Nunca se sabia o que ela era capaz de fazer ou dizer. Mas era parte da

família também e não iria trair o marido e os noivos de suas sobrinhas. Mas a reação de Deborah era a

mais inesperada. Como confiar que ela se mantivesse calada diante de tudo aquilo? Mesmo tendo

abandonado o marido, ela ainda poderia sentir algo por ele, querer voltar para casa. Deborah,

certamente, cederia se Richard lhe dissesse algumas palavras doces ao ouvido.

Suas divagações foram interrompidas por uma sugestão de Marianne:

- Por que não jogamos cartas antes do jantar? .

- Isso! Vamos! - Nicola aceitou de pronto, sabendo que poderia ter mais chances de conversar com a

amiga se estivessem na sala de jogos.

Mas, nesse momento, o som de vozes alteradas se fez ouvir no saguão. Nicola sentiu seus nervos se

retesarem, e Lambert, Sebastian e Bucky voltaram-se para lá, dando alguns passos naquela direção.

As portas duplas que davam para o saguão se abriram, e o conde de Exmoor surgiu, seguido de seu in-

vestigador, do magistrado e do juiz da vila, Squire Halsey. Atrás deles vinha o mordomo, desculpando-

se por não ter conseguido detê-los no hall antes de anunciar sua chegada.

Lambert ergueu a mão para o criado, mostrando-lhe que não devia se preocupar.

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Atrás de Exmoor havia vários homens armados, e Nicola sentiu um frio percorrer-lhe a espinha. Não re-

conhecia nenhum deles, e supôs que fossem os homens que Richard mandara contratar para proteger

suas carroças de estanho.

- O que está fazendo? - Sebastian esbravejou, colocando-se, como Bucky e Justin, entre os recém-che-

gados e as mulheres.

- Lorde Thorpe, lorde Buckminster, lorde Lambert - saudou Squire Halsey, parecendo angustiado com

aquela intromissão. - Sinto perturbá-los... - E, voltando-se para Richard, acrescentou: - Exmoor, não

podemos acusar pessoas inocentes.

- Ainda mais quando Uma delas vai ser duque em breve, não? - Richard ironizou. - Vamos, homem, te-

nha coragem! Você tem direitos legais para estar aqui!

- Imagino que nem o magistrado e nem o senhor tenham qualquer direito de entrar na casa da

condessa dessa forma - Lambert disse, frio. - E muito menos de amedrontar seus convidados! Sugiro

que se retirem imediatamente!

- Viemos para falar com ela. - Richard apontou Nicola: - Não tenho interesse em falar com mais

ninguém aqui.

- Sinto, mas vai ter que fazê-lo - lorde Thorpe interferiu. - Se acha que vou permitir que arraste uma

dama desta sala para interrogá-la ou seja lá o que for, está muito enganado.

- Richard - chamou a condessa, em voz fria. Todos os olhares voltaram-se para ela, que se levantara,

em uma atitude elegante e altiva. - Você ousa entrar em minha casa com homens armados?

Richard engoliu em seco diante dela.

- Não temos nada contra a senhora. Viemos para...

- Nada contra mim? - a condessa o interrompeu. - Você entra aqui com o magistrado, traz homens

armados, e diz que nada tem contra mim? - Ela se voltou para o juiz, que estava visivelmente

embaraçado. - Por que está aqui, Squire? Veio me prender? Ou está satisfeito em apenas amedrontar

meus convidados?

- Condessa... senhora...

- Sim?

- Não queremos desrespeitá-la.

- Talvez não, mas é o que estão fazendo. Acha mesmo que poderia entrar em minha casa desta

maneira e não me ofender? Mande seus homens saírem e, talvez, possamos conversar de maneira

mais civilizada. Caso contrário, não ouvirá nem uma palavra sequer de qualquer um de nós. Mesmo que

nos arraste a todos para a cadeia!

- Senhora! - exclamou o juiz. - Oh, senhora, não, não vamos fazer isso! Oh, Deus, isto é terrível! - Ele se

voltou para Richard. - Lorde Exmoor, por favor, mande seus homens saírem. O senhor não tem autori-

dade alguma aqui. Eu lhe disse que isto seria uma invasão de domicílio, que não seria apropriado...

- Pare de gaguejar, Halsey! - Richard gritou. - Vou mandar meus homens saírem, mesmo lá fora eles

poderão pegar qualquer um que deixe esta casa. Mas não vou sair daqui enquanto não tiver algumas

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respostas! - Ele se voltou para Stone e deu-lhe a ordem, fazendo com que o investigador levasse os

homens para fora.

- Você -envergonha o nome Exmoor - repreendeu a condessa, olhando-o com desprezo.

- Já não fez mal o bastante à minha avó? - Alexandra interferiu. - Precisava entrar aqui assim e...

O juiz ergueu as mãos, tentando apaziguar a tensão.

- Não, não! Não queremos fazer mal algum à condessa! Estamos apenas atrás de um prisioneiro que

escapou, nada mais!

- E por que viriam à casa da condessa procurar por um prisioneiro fugido? - Lady Ursula indagou,

mostrando-se ultrajada.

- Por causa dela. - Richard respondeu pelo juiz, apontando para Nicola mais uma vez.

- Por causa de Nicola Falcourt? - lady Ursula perguntou. - Ela sempre foi um tanto estranha, é verdade,

mas jamais foi uma criminosa. Halsey, como pode ser tão tolo a ponto de acreditar em uma bobagem

tão grande?

- Na verdade, senhora, a srta. Falcourt não é uma criminosa e não estamos aqui para prendê-la.

- "Talvez" não - Richard observou, com um breve sorriso de ironia.

- Mas do que estão falando? - protestou lady Buckminster. - Squire, está falando de minha sobrinha!

- Sim, e eu teria muito cuidado, se fosse você, juiz - Bucky acrescentou, uma ameaça implícita em seu

tom.

- Oh, senhor, senhora, eu jamais... eu não pretendia...

- Cale-se. - Richard ordenou. - Estão tentando distraí-lo, não vê? Todos aqui sabem que não estamos

atrás de Nicola, mas do assaltante de estrada.

- O assaltante? - Penélope surpreendeu-se, fingindo inocência.

- O que assustou lady Thorpe e a srta. Montford esta noite? - Sebastian indagou. - Foi terrível para elas!

Halsey, o crime está aumentando consideravelmente por aqui! Aliás, eu ia, mesmo, falar com você

sobre o caso, amanhã pela manhã.

- Não estamos falando desse assaltante - Richard explicou entre dentes. - Estamos atrás do Cavalheiro,

como é chamado; que estava na cadeia, mas que foi libertado esta noite enquanto o carcereiro foi

providencialmente distraído por lady Thorpe e a srta. Montford.

- O que está querendo dizer com isso, Exmoor? - Sebastian assumiu um tom ofendido e ameaçador. - -

Cuidado com o que diz.

- Um momento estranho para duas damas estarem andando de coche por aí, não acha?

- Minha esposa sabe muito bem como conduzir um coche, e, quando partiram, ainda era dia claro. Seja

como for, o que minha esposa faz é problema meu, não seu.

A tensão crescia na sala.

- Poderíamos voltar ao assunto principal? - a condessa interferiu. - Minhas netas me contaram sobre o

incidente e pareceu-me terrível, de fato. Mas não entendo por que estão em minha casa. Squire, tenho

certeza de que pode esperar até amanhã para falar com minhas netas, não?

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- Acho que não! - Richard respondeu mais uma vez pelo juiz. - Mas tenho certeza de que a srta. Fal-

court pode nos ajudar.

- Não sei como - Nicola rebateu. - Eu nem estava com Marianne e Alexandra.

- Claro que não. Devia estar dentro da própria cadeia! - Richard acusou.

- Está dizendo que a fuga do prisioneiro aconteceu com a ajuda de uma frágil donzela? - Lambert zom-

bou. - Francamente, Exmoor...

- Parece que não conhece Nicola, Lambert...

- Conheço, sim, há anos! E tenho certeza de que ela não estava naquela cadeia esta noite.

- É claro que não! - Penélope garantiu. - Ela estava conosco o tempo todo aqui.

Nicola começou a tremer. E se lady Ursula negasse as palavras da filha? E se Deborah o fizesse?

- Todos nós podemos testemunhar quanto a isso a condessa acrescentou. - Estamos em uma reunião

íntima, entre familiares e amigos. Infelizmente, minhas duas netas acabaram se atrasando, mas

chegaram sãs e salvas, graças a Deus. O que mais os senhores desejam saber? Será que acreditam

que eu também estava na cadeia soltando um prisioneiro?

Nicola estava aliviada, ninguém ali iria contra o que a condessa acabara de dizer. O rosto do juiz estava

intensamente vermelho, e ele parecia querer que um buraco se abrisse sob seus pés para que pudesse

desaparecer de imediato.

- Por favor, senhora, aceite minhas desculpas disse com humildade. - Tenho muito respeito pela se-

nhora e sua família.

- Mesmo? - a condessa ironizou. - Então não entendo o que faz aqui.

- É verdade, mamãe - concordou lady Ursula, levantando-se e impondo sua alta e distinta figura aos

homens que tinham invadido a sala. - Quanta audácia! Já não chega que minha mãe tenha de suportar

os insultos de certos membros da família! - Ela lançou um olhar furioso á Richard. - Mas ter que

suportar sua presença, aqui, como representante da lei é demais! Acha mesmo que esse tal assaltante

esteja aqui conosco? Talvez gostassem de olhar na casa toda, mexer em tudo que é nosso! Ou talvez

prefiram nos revistar pessoalmente para saber se o tal homem não está escondido embaixo de nossas

saias!

Aquelas palavras eram chocantes para os padrões locais.

Halsey arregalou os olhos diante delas e deu um passo atrás.

- Oh, não, senhora! Nã0 temos intenção de revistar, a casa e nem ninguém aqui.

- Ainda bem, mesmo porque não tem direito de fazê-lo - Sebastian respondeu. E, voltando-se para Ri-

chard, acrescentou: - Se pretendia assustar as damas, acho que conseguiu. - Ele propositadamente

ignorava o fato de que as mulheres presentes estavam mais dispostas a lutar do que a sé sentirem

ameaçadas. - E depois, Exmoor, isso seria trabalho para o magistrado e não para você! O que pretende

afinal?

- Esse assaltante tem se concentrado em atacar minhas carroças. Foi por isso que contratei um inves-

tigador.

- O mesmo que contratou para seguir minha noiva, há alguns meses? – Lambert indagou audaz.

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- Não sei do que está falando.

- Nós dois sabemos que sim. Eu acho até, que gostaria de falar pessoalmente com esse tal homem.

- Acho que já está na hora de você sair, Richard - Sebastian praticamente ameaçou. - E leve seus mer-

cenários com você.

Richard respirou fundo e encarou Nicola.

- Parabéns - disse. - Conseguiu envolver gente de renome em suas articulações. - E, voltando-se para a

condessa, acrescentou: - Já que não gosta de mim, senhora, entendo que a tenha ajudado nesta farsa.

Mas imagino como vai se sentir quando seu nome e o de sua família for levado às cortes porque

preferiu juntar-se à srta. Falcourt no intuito de salvar o amante criminoso que ela, arranjou.

Diante das expressões de espanto das senhoras mais velhas, Richard sorriu satisfeito, e completou:

- Pelo que vejo, não estavam sabendo de tudo. Você também, Buckminster, deve ter ficado tocado

quando ela lhe disse que eu era um vilão terrível que tinha criado uma armadilha para aquele pobre

homem. Mas ela não lhe revelou todos os crimes que ele cometeu, e nem disse como os dois têm se...

- Se disser mais uma palavra contra a honra de minha prima, Richard, é melhor estar preparado para

me enfrentar em duelo amanhã bem cedo! - Bucky rebateu, os olhos faiscando.

- Obrigada - Nicola murmurou ao primo.

- Tenho certeza de que lorde Exmoor sabe muito bem quais são as conseqüências de dizer algo contra

a honra de uma dama - Sebastian observou calmo.

- Não estou dizendo nada que não seja verdade.

- Ela foi avisá-lo, foi assim que conseguimos capturá-lo. Ela sabia sobre o esconderijo do canalha e

sabia porque ia encontrá-lo lá!

- Já basta, Richard! - a condessa exclamou. - Por favor, retire-se! E, Squire Halsey, jamais volte a esta

casa sem ser convidado!

O juiz sabia das ambições sociais de sua esposa e, se a condessa passasse a desprezá-la, ele viveria

em um verdadeiro inferno. Assim, muito pálido, ele tocou o braço de Richard, instigando-o a sair

consigo dali.

Quando a porta da frente se fechou atrás deles, houve um suspiro de alívio geral na sala.

-Muito bem, minha cara. - a condessa disse a Nicola. - Sugiro que me diga exatamente o que está acon-

tecendo. Não entendi muito bem o que todos disseram aqui, mas quero a verdade.

- Isso, mamãe! -lady Ursula concordou. - Afinal, aquela história do ataque de assaltantes, por favor...

- Oh, senhora, eu sinto muito por envolvê-la nisso! - Nicola exclamou sentida.

- Todos nós temos culpa no que acabou de acontecer aqui - Penélope interferiu.

- É verdade - Marianne acrescentou. - E todos devemos muito ao assaltante. Ele nos fez grandes

favores.

- E quem é esse homem? - Lady Ursula quis saber. - Por que devem a ele?

Foi Alexandra quem primeiro contou à avó sobre a ajuda que Jack lhe dera quando o balão em que

estava com Sebastian teve problemas, e ele os acolheu para, no dia seguinte, leva-los à vila.

- Isso não me parece obra de um assaltante. - observou a condessa.

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Sempre o Teu Amor - CHE nº 165 Candace Camp

- E ele nem se parece com um - Alexandra explicou. - Fala e age como um cavalheiro. É por isso que

todos o chamam assim.

- Ele fez ainda mais por mim e Justin - Marianne começou a dizer. - Não fosse por ele, teríamos morrido

na mina. E nós nos vimos na obrigação de pagar o favor feito.

- Tentamos pressionar o magistrado - Bucky explicou -, mas ele não cedeu. Richard estava determinado

a manter o homem na prisão e condená-lo. O assaltante tem uma vingança pessoal contra ele.

- Oh, isso me interessa! - animou-se a condessa. - Uma vingança pessoal contra Richard!

- Mas ele não é mau - Nicola defendeu-o. - Richard o prejudicou há muitos anos, quase o matou e,

quando percebeu que não tinha conseguido o que queria, mandou um grupo de homens agarrá-lo e

envia-lo às galés.

- Meu Deus! - Bucky comentou.

- Mas o que Richard tinha de tão terrível contra esse homem para agir assim? - perguntou a condessa,

alarmada com tanta brutalidade.

- Ele era apenas um rapaz na época - Nicola explicou. - E o motivo era que... – ela se interrompeu e

olhou para a irmã.

- Vá em frente - Deborah instigou-a. - Agora sei que Richard sentia a seu respeito.

- Bem, Richard me queria, tinha me pedido em casamento, e eu o recusei. Então, descobriu que eu

estava apaixonada por Jack, que era conhecido como Gil na época. Ele trabalhava nos estábulos de

Tidings. Sei que pode pensar mal de mim, senhora, mas eu o amava e não me importo. Jack era e é o

homem que amo ainda. Ele é alegre, honesto, generoso, corajoso, bonito. Se o conhecesse, iria gostar

dele também.

A condessa ergueu as sobrancelhas, pensativa.

- Acho que quero conhecer esse rapaz, sim - disse. - Mas diga-me o que houve entre ele e Richard?

- Exmoor nos encontrou juntos, um dia, em um local onde costumávamos nos encontrar, junto à

cascata. Eles lutaram, e Jack acabou ficando pendurado nas pedras. Por fim escorregou, e Richard me

disse que tentara segurá-lo, mas que suas mãos estavam molhadas e foi impossível impedir que

caísse. Mas não foi assim. Richard o empurrou. Não pudemos encontrá-lo, e eu não soube dele por dez

anos. Achei que estivesse morto. Mas um fazendeiro o encontrou rio abaixo e cuidou dele. Ele me

mandou uma carta, mas minha mãe a interceptou e entregou-a a Richard. Então, Richard contratou

alguns homens e foi até onde Jack se encontrava, dizendo-lhe que eu o traíra. Depois mandou-o para

as galés. Durante todos estes anos, Jack imaginou que eu o traíra. E eu não tinha nada dele a não ser o

anel que me deu.

- Um anel de noivado?

- Não, um anel masculino, bem simples, mas que significava muito para Jack. Era tudo que lhe restara

de seu pai. - Nicola abriu a parte de cima do vestido e tirou a corrente que pendia em seu pescoço

entregando-a à condessa. - Eu o guardei por dez anos e... Senhora, o que houve?

A condessa olhava para o anel, e seu rosto estava incrivelmente pálido.

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- Mamãe? - Lady Ursula preocupou-se e, ao ver o anel, sua expressão também se alterou. - Oh, meu

Deus!

- O que foi? - Nicola olhava de uma para a outra, sem entender.

- O que Jack disse sobre este anel, querida? - a condessa quis saber.

- Bem, ele pouco sabe sobre ele, na verdade. Mas sua mãe lhe disse que pertencera a seu pai, o qual

ele jamais conheceu. Por isso o anel lhe é tão querido.

- Onde está esse homem? – indagou a condessa, repentinamente animada. – Eu quero vê-lo!

- Agora? – Nicola estranhou.

- Imediatamente!

- Vovô, o que está havendo? - falou Alexandra preocupada.

- Nada. Onde está ele?

- Aqui, na casa. Posso ir buscá-lo, se quiser.

- Sim, vá, minha filha! Preciso muito falar com ele!

CAPÍTULO 20

Jack não estava no sótão. Mesmo quando Nicola o chamou, não houve resposta, e uma intensa

sensação de pânico a tomou. Correu até a escada estreita e, ao fazê-lo, notou que a porta do quarto de

bebês estava aberta e que havia uma fraca luz lá dentro. Caminhou até lá e parou à porta, vendo Jack

sentado desajeitadamente, devido a seu tamanho, em uma das pequenas cadeiras que ficavam em

torno de uma mesinha.

Ele se voltou, assustado com sua presença, e sorriu.

- O que está fazendo aqui? - Nicola indagou, sorrindo também e aproximando-se. - Fiquei preocupada.

- Não sei exatamente o que estou fazendo - ele explicou, levantando-se. – Mas sinto-me estranho aqui.

Senti vontade de olhar as coisas. Estou agindo como tolo, devia estar fugindo a uma hora destas, isso

sim. Não posso mais ficar nesta casa e colocar as pessoas que me ajudaram em perigo.

Nicola tocou-lhe os braços de maneira carinhosa.

- Eles querem ajudá-lo, querem devolver o favor que lhes fez. Além do mais, não há ninguém nesta

casa que goste de Exmoor. A propósito, você não pode sair daqui agora porque ele acabou de deixar a

casa e deve estar vasculhando toda a área com seus homens. Espere um ou dois dias para ir embora.

E eu irei com você.

Jack engoliu em seco. Já não sorria:

- Não posso lhe pedir tal coisa - murmurou. - É perigoso demais.

- Não quer que eu vá com você? Não era isso que queria quando disse que me amava?

- Eu a quero comigo, sim, Nicola, mais do que tudo. Mas tenho consciência de que você não pode se

casar com um assaltante.

- Por quê? Pretende continuar nessa vida?

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- Não. Pretendo voltar para a América.

- Então, irei com você.

- Nicola, não sou pobre, mas não poderei dar-lhe a vida a que está acostumada.

- Você continua achando que isso é importante para mim, não é? Jack, eu o amo e quero ficar com

você. É só isso que me importa!

Ele puxou-a para si, para um abraço apertado.

- Deus, como eu a amo! - Beijou-a com paixão. - Depois - murmurou, junto a seus lábios: - Se é isso

que quer, iremos para os Estados Unidos e nos casaremos lá. Mas eu irei primeiro e mandarei buscá-la

depois. É mais seguro assim. Não quero que saia daqui cavalgando a meu lado como uma fugitiva.

Poderiam nos alcançar, e algo terrível poderia acontecer. Não quero nem pensar nisso.

- Jack, nada disso vai acontecer porque vamos ficar aqui, esperando que essa confusão toda se acalme

e só então iremos embora. E nunca mais nos separaremos, nunca mais.

Ele sorriu e acariciou-lhe o rosto.

- Está bem. Você manda. Mas agora me fale sobre a visita de Exmoor. O que ele queria?

Nicola contou-lhe em poucas palavras o que acontecera na sala.

- Devia ter visto a reação da condessa, Jack! admirou-se. - Ela foi magnífica!

- Deve ser uma dama muito refinada!

- E é! E ela quer vê-lo, sabia?

- A mim?

- Sim. Quando Richard saiu, eu expliquei tudo a ela falei sobre você e seu passado, e ela quer conhecê-

lo, foi por isso que subi.

- Não sei... Nunca estive diante de uma condessa antes.

- Não seja tolo. Já esteve diante de gente mais importante. Lambert, por exemplo, vai ser duque em

breve!

- Foi diferente.

- Ora, vamos! - Ela o puxava para a porta. - Você nunca teve receio de nada antes. Ela é apenas uma

mulher e vai ficar encantada com você!

Quando entraram na sala, a tensão parecia impregnar todo o ar. Jack parou, de repente, olhando ao

redor, e Nicola estranhou sua atitude. Quando, por fim, os olhos dele se dirigiram à condessa, Nicola

sentiu que seu braço, no qual ela apoiava a mão, se enrijecia.

- Venha aqui – pediu a condessa, levantando-se. Ele assim o fez e, ao ficar bem próximo, curvou-se em

uma mesura elegante.

- Jack Moore, senhora, ao seu dispor.

- Sr. Moore, espero que não me julgue rude - falou a condessa - mas preciso fazer-lhe algumas

perguntas.

- É claro, senhora. Farei o possível para respondê-las a contento.

A condessa abriu a mão, mostrando-lhe o anel.

- Poderia me dizer onde conseguiu isto?

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Ele pareceu surpreso, como se não fosse esse o tipo de pergunta que esperava ouvir.

- De minha mãe, senhora. Pertenceu a meu pai, segundo ela, eu o deveria guardar para sempre.

- Então... não o encontrou em algum lugar? Por favor, tenha certeza de que não me importo, caso o

tenha encontrado ou roubado. Apenas preciso saber a verdade.

Jack franziu a testa, visivelmente embaraçado.

- Não, eu não o encontrei e também não o roubei. Posso jurar, se quiser. Minha mãe deu-me esse anel

dizendo que ele pertencera a meu pai. No entanto não posso garantir que ela tenha dito a verdade.

Imagino que ela tenha sempre tentado fazer-me sentir melhor.

- Melhor? Como assim?

- Fui muito doente quando criança.

Lady Ursula levantou-se, aproximando-se, e Jack olhou-a. Sustentou-lhe o olhar por alguns segundos,

mas a condessa chamou-lhe novamente a atenção com outra pergunta:

- Foi doente? Que idade tinha quando adoeceu?

- Não sei ao certo. Oito ou nove anos. Não me lembro muito bem desse período, mas minhas primeiras

recordações começam aí. Eu estava muito doente e minha mãe e minha avó cuidavam de mim. Fiquei

acamado por muito tempo e muito triste também. Acho que porque eu não podia sair para brincar... Mas

lembro-me bem dessa tristeza que sentia. E, como fiquei preso dentro de casa por muito tempo, minha

mãe costumava contar-me histórias sobre meu pai principalmente.

- O que ela lhe dizia sobre ele? - Jack meneou a cabeça, pensativo. - Coisas tolas, nada real.

Todos estavam absolutamente atentos ao diálogo, não percebendo os ruídos no hall. De repente, as

portas duplas se abriram, e o conde de Exmoor tornou a aparecer, trazendo mais uma vez o

magistrado, o juiz e seus homens consigo.

- Aí está, Halsey! - Richard mostrou satisfeito. - Eu disse que ele estava aqui! Que eles o estavam

escondendo!

O juiz, visivelmente abalado, gaguejou:

- Ainda assim, senhor, não temos o direito de invadir a casa.

- Seu idiota! - Richard sussurrou cheio de raiva, e, em um movimento rápido, inclinou-se, tomando-lhe a

pistola do cinto. Avançou para Jack, em seguida, mas a condessa se interpôs entre ambos .

- Não se atreva a tocar neste homem! - disse ela imperiosa. - Se fizer qualquer coisa contra ele, juro por

Deus que não descansarei até vê-lo destruído, Richard!

Houve um silêncio embaraçoso na sala, e a voz de Alexandra soou calma:

- Estou com ele na mira, vovó. - Ela mantinha-se ereta, a mão direita segurando com firmeza uma pe-

quena arma de fogo, direcionada ao coração de Richard.

Nesse mesmo instante, Sebastian avisou, vendo o movimento que o investigador fazia com as mãos:

- Não, sr. Stone, eu manteria a arma baixa se fosse senhor. - Também Sebastian segurava uma pistola

de duelo e a apontava para-o contratado de Richard.

Stone passou os olhos pela sala e viu que também Lambert segurava uma arma apontada em direção a

Richard.

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- Vai morrer primeiro do que qualquer outro aqui - Justin avisou a Richard. - Atiro muito bem, e

Sebastian não fica atrás. Quanto a lady Thorpe... sabe que ela foi criada na América, não? Lá, atirar é

um esporte.

- Não seja tolo - Richard rebateu. – Se atirar em mim, será enforcado!

- Espero receber uma medalha, isso sim! Mas, já como for, você não estará mais aqui para ver.

- Largue essa arma, Exmoor - Sebastian avisou, e, Richard, murmurando uma imprecação, deixou o re-

vólver cair ao chão.

- Você também, Stone - Justin ordenou.

O investigador, vendo-se acuado, depositou sua arma sobre a mesa. E Squire Halsey, levando à mão à

testa suada, sentou-se em uma cadeira, parecendo sentir-se mal.

- Oh, Deus... - sussurrava. - Oh, meu Deus!

- Pare de fraquejar e passe a agir como representante da Coroa que é! - Lady Ursula comandou. - E

cale-se para escutar!

- Pois não, senhora! Mas... o que devo escutar?

- Espere. - E com toda a autoridade e rudeza pela qual era conhecida, lady Ursula voltou-se para os

homens armados que tinham entrado com Richard e ordenou: - E vocês, o que estão esperando?

Saiam desta casa imediatamente!

Os homens olharam para Stone, depois para o conde, confusos, sem saber a quem obedecer.

- Saiam - Exmoor disse, em voz baixa e raivosa. Os homens ergueram os ombros, sem entender mais

nada e se retiraram devagar. Bucky, então, caminhou até as portas duplas e fechou-as, passando a

tranca de madeira.

- Muito bem, agora temos alguma privacidade aqui! - exclamou.

- Continue, senhora - Sebastian instigou, para a condessa..

Com calma e elegância, ela tornou a se sentar e prosseguiu:

- Muito bem, então, Jack, você dizia que sua mãe lhe contava histórias sobre seu pai.

Jack moveu-se desconfortável, e olhou de esguelha para Richard.

- Contos de fada - disse inquieto. - Dizia que meu pai era rico, poderoso, às vezes ele era um príncipe,

outras, um guerreiro. Histórias tolas...

- E ela disse como ele morreu?

- De muitas formas. Às vezes ele morria gloriosamente em uma batalha, ou então era traído por alguém.

Mas sempre morria com coragem.

- Entendo. Pense bem, agora: ela nunca citou um nome ou lhe deu alguma indicação de quem poderia

ter sido seu pai?

- Senhora, não entendo por que está tão interessada nisso.

- Por favor, meu rapaz. Isto é muito importante para mim.

Nicola, também tensa, olhou para a condessa, depois para lady Ursula, e, em seguida, para Alexandra.

De repente, algo pareceu se esclarecer em sua mente. Levou as mãos aos lábios, para abafar uma

exclamação, incapaz de acreditar que o que imaginava pudesse ser verdade.

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- Francamente, senhora - Jack prosseguia - acho que minha mãe nem sabia ao certo quem era meu

pai. Quando cresci, ouvi dizer que... bem, ela não era o poço de virtudes que eu imaginava.

Exmoor riu zombeteiro, mas logo manteve-se quieto.

Jack olhou-o e continuou:

- Acho que ela contava essas histórias porque também queria acreditar nelas. Queria que meu pai fosse

um grande homem e não um bêbado qualquer que tivesse aparecido na taverna onde trabalhava...

Acho... acho, até, que tudo pode ser bem pior.

- Pior? - a condessa alarmou-se. - Pior, como?

- Em seu leito de morte, ela me disse que eu deveria buscar minha fortuna, que eu tinha uma herança.

Mas estava delirando a maior parte do tempo e ficava dizendo que tinha me enganado, mas que me

adorava. Eu lhe garanti que tinha sido uma mãe maravilhosa mas ela dizia que tinha apenas me

mantido em segurança, que tinha agido assim porque não podia ser de outra maneira. Não se podia

entender direito o que ela dizia. Por fim... - Ele pareceu desconfortável. - Por fim chegou a dizer que eu

seria filho do conde. Quando fui viver com minha avó, depois da morte de minha mãe, perguntei a ela o

que aquilo poderia significar mas vovó Rose disse apenas que eu não deveria mais tocar no assunto. -

Jack olhou mais uma vez para Richard, depois desviou o olhar com uma expressão de asco, e concluiu:

- E... é possível que eu seja filho do conde, mas não é uma herança que quero dele.

Richard riu ainda uma vez sarcástico.

- Como se eu tivesse, alguma vez, deitado-me com uma vagabunda... - comentou.

Jack olhou-o com ódio e chegou a mover-se em sua direção, mas Nicola segurou-o pelo braço.

- Jack, não ligue para o que ele diz - aconselhou-o. - Precisa terminar sua conversa com a condessa. É

muito importante.

- Ela... disse que você era filho do conde? - a condessa indagou ansiosa.

- Foi o que me pareceu. Como eu já disse, ela estava delirando. Talvez tenha dito que eu era herdeiro,

não filho do conde, mas não me lembro ao certo.

- Oh, vovó! - Alexandra exclamou, o rosto subitamente iluminado de alegria, e aproximou-se de Nicola e

Jack. - É ele! Tem que ser!

Jack voltou-se para olhá-la, e seu coração se apertou.

Ficou repentinamente mais pálido e não conseguiu deixar de olhá-la.

- O que houve? - perguntou a condessa.

- Desculpe, eu... por um momento... fiquei confuso. Eu... acho que não estou bem. Tenho me sentido

estranho desde que cheguei aqui esta noite.

- Estranho como?

Ele respirou profundamente, meneando a cabeça, não entendia a si mesmo.

- Não sei. Fiquei animado, a princípio... depois triste... Não sei lhe dizer.

- E sentiu algo agora quando olhou diretamente para Alexandra, não? O que sentiu? - Não sei. Eu já

tinha visto lady Thorpe antes, quando a ajudei no caso do balão caído, mas... agora, nesta sala, ela...

Lembrei de algo, mas não sei do quê. É tão

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estranho.

- E o que sentiu quando olhou para Ursula? Vi seu rosto quando ela se aproximou. Você fez uma

expressão diferente.

Jack chegou a sorrir de leve.

- Foi tudo tão absurdo...

- O que foi absurdo?

- Um pensamento que tive no momento em que a vi... algo sem propósito... Pensei algo como "não o

quebrei"!

- Não quebrou o quê?

- Não sei... Um cavalinho de vidro? Talvez, não sei. Desculpe-me.

Lady Ursula aproximou-se dele, os lábios entreabertos.

- Meu Deus! - sussurrou. Seus olhos estavam parados no rosto de Jack. – O unicórnio! O unicórnio de

cristal que eu trouxe como presente de nascimento para Alexandra! Foi encontrado quebrado, e eu

acusei o menino! Disse que ele estivera brincando e que o quebrara, e ele jurou que não! E ficou

protestando que não o fizera aquela tarde toda! E Chilton... - Os olhos dela se encheram de lágrimas ao

lembrar-se do irmão. Chilton disse que, se seu filho estava dizendo que não quebrara, era porque não o

fizera!

Um silêncio terrível atingiu â sala. À condessa parecia abatida agora, e, de repente, seus ombros

estremeceram, e lágrimas desceram por seu rosto enrugado.

- É você, Johnny! Você está vivo! - exclamou ela a Jack.

Comentários em voz baixa preencheram o ambiente, e Alexandra lançou-se aos braços de Jack, bem

como Marianne, ambas chorando.

- Quanta bobagem! - Richard exclamou furioso.

- Escutem, parem! - Jack pedia, sorrindo. - E delicioso ter duas beldades penduradas em meu pescoço,

mas não sei ó que está acontecendo aqui!

- Você é nosso irmão! - Alexandra explicou, secando as lágrimas com as mãos. - Pensamos que

estivesse morto, mas...

Jack encarou-a, como se estivesse diante de uma louca.

- Deve estar havendo alguma confusão aqui ... Isto é absurdo!

- Pela primeira vez, concordo com este sujeito! - Richard interferiu. - Este homem não pode ser John

Montford! É apenas um rapaz da região, criado por uma bruxa e uma vagabunda! Deve ter ouvido as

histórias que se contavam sobre, Chilton e seus filhos e agora está tentando envolver, todos vocês e

tirar proveito da situação!

- Cale-se, Richard!- ordenou a condessa. - Para mim, está claro que esse rapaz mal sabe o que está

havendo aqui!

- Senhora... - Halsey levantou-se, tentando parecer o mais humilde possível. - Não sei se entendi di-

reito, mas... está dizendo que o cavalheiro é seu neto, que foi morto em Paris, há mais ou menos vinte

anos?

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- Ele não foi morto. Nenhuma das crianças foi. Não lembra que há dois meses descobrimos que

Marianne era minha neta? Foi depois daquela festa na casa de Bucky!

- É, eu me recordo que houve uma certa confusão ali... Houve até uma tentativa de rapto e morte... Mas

imaginei que todos tivessem como certo que o filho de lorde Chilton estivesse morto.

- Foi o que pensávamos, mas agora está claro que tudo foi um grande engano. Meu filho Chilton veio

para está casa quando o menino estava com dois anos, e viveu aqui por cinco anos. Esta era a casa de

John e, como minha filha acabou de dizer, houve um incidente, nesta mesma sala, com um objeto de

cristal. Lembro-me agora do que houve. Descobriu-se mais tarde que fora uma criada que quebrara o

unicórnio, ao limpa-lo. E este homem lembrou-se do episódio! Acabou de contá-lo a nós!

- Com certeza, devia saber da história de antemão - Richard opinou. - Isto nada prova, exceto que ele é

um bom ator.

- Isto prova muito! - a condessa rebateu, mostrando o anel. - Você o reconhece, não, Richard? O anel

ancestral da família Montford. – Ela se voltou para Jack e explicou: - Este anel pertenceu a meu filho e

está na família há gerações. É sempre usado pelo herdeiro do título, neste caso, meu filho. E seria do

filho dele quando Chilton morresse. E é você quem tem o anel.

Jack negou com a cabeça.

- Não pode ser - disse. - Não posso ser seu neto. Minha mãe trabalhava em uma taverna.

- Com licença - Alexandra interferiu. - Eu posso explicar. - E ela passou a narrar a história toda, sobre

como se tinha acreditado que todas as crianças estivessem mortas, e só recentemente tudo ficara

esclarecido; quando se descobriu que elas tinham sido trazidas da França, de volta a Londres, por uma

amiga de sua mãe, Rhea Ward, mas tinham sido novamente afastadas da avó, a condessa de Exmoor.

- Tudo se encaixa! - Marianne acrescentou. - O homem que me colocou no orfanato não era essencial-

mente mau. Richard o forçou a se livrar das crianças, mas ele não teve coragem de nos matar.

- Isso é uma grande mentira! - Richard protestou, dando um passo à frente, mas Sebastian moveu sua

arma, indicando-lhe que ficasse onde estava. – Estão fazendo acusações terríveis e levianas, e eu os

aviso...

- Não são acusações levianas, são a verdade - Lambert observou.

- Não têm provas do que estão dizendo! - Richard insistiu.

A condessa olhou-o e prosseguiu determinada:

- A sra. Ward me disse que deu Marianne e John a uma acompanhante minha chamada Willa. E Willa

contou, em seu leito de morte, que entregara as crianças a você!

- A palavra de uma lunática e de uma morta! Impressionante!

- Rhea Ward não era louca, senhor conde! - Alexandra protestou.

- É muito conveniente que todos que poderiam testemunhar contra você estejam mortos, não? - Lam-

bert observou para Richard. - Também o sr. Fuquay morreu, por suas mãos! Antes, é claro, de poder

contar-nos qualquer coisa.

- Não podem provar nada contra mim.

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- E quanto às jóias? - Penélope perguntou, surpreendendo a todos. - As jóias que foram entregues pela

sra. Ward, junto com as crianças. Era jóias da família Montford, algumas das quais lorde Chilton

mandara fazer especialmente para sua esposa.

- Exatamente! E elas foram entregues a Willa! - Alexandra completou. - Ela deve tê-las dado ao conde,

também!

- Se as jóias estão em poder de Richard, é porque ele também recebeu as crianças - Sebastian

concluiu. - Que jóias são essas, Alex?

- Um pingente de safira - a condessa respondeu por Alexandra - que Chilton deu a Simone, um anel de

diamantes, um colar de pérolas enormes, um broche e um par de brincos de esmeraldas...

- Um anel de topázio - Deborah interferiu, chamando a atenção de todos - um colar encravado de rubis,

um bracelete de diamantes azuis.

- Exatamente! -lady Ursula exclamou espantada. - Como sabe?

- Porque eu vi essas jóias no cofre que Richard mantém em nossa casa. Ele sempre achou que eu era

tola o suficiente para não tocá-lo, mas eu o abri quando, certa vez, foi viajar. Lá estão todas as jóias que

descreveram.

- Cale-se, Deborah, não seja idiota - Richard protestou.

- Não, não sou mais uma idiota - ela rebateu - Embora tenha sido durante anos.

- Isso prova que ó que minha mãe adotiva, Rhea Ward, disse, é a verdade. E que o que Willa disse tam-

bém é. Ela deu as jóias e as crianças ao conde. – Alexandra acusava-o altiva.

- E o senhor tentou me matar também - Marianne disse, completando as acusações. - Mandou o sr. Fu-

quay fazê-lo, mas ele não conseguiu. Ele deveria ter acabado com John também, mas acho que

preferiu entregá-lo a uma moça de taverna porque o menino estava muito mal e, assim, ele se livraria

de qualquer peso na consciência.

Jack enfiou as mãos pelos cabelos, abalado. Nicola apertou-lhe o braço animando-o:

- Não vê que pode ser verdade? Você estava muito doente, não se lembra de nada antes da febre que

o consumiu! Mas reconheceu esta casa e encontrou o caminho para o sótão com facilidade, como se já

o conhecesse! Encontrou os brinquedos no sótão e no quarto de bebês! Sua mãe cuidou de você na

cabana de vovó Rose porque somente ela poderia curá-lo daquela febre! E ela ficou com você por

medo que alguém voltasse para matá-lo! Por isso disse a todos que você tinha morrido e mudou-se

para longe. Ela o protegeu assim: Sua mãe deve tê-lo amado muito! Tem que ser verdade, Jack!

Ele negava com a cabeça, sem se convencer.

- Lembra-se da reação de Exmoor quando nos viu juntos, quando viu o anel que você me dera? - ela

insistiu. - Ele soube naquele momento quem você era! Por isso tentou matá-lo. Por isso, ao saber que

você sobrevivera, mandou aqueles homens levarem-no para as galés! Ele precisava livrar-se do

herdeiro da fortuna que recebera, que usurpara! - Nicola voltou-se para Richard, que assistia à cena

pálido. - E agora, quando descobriu que ele estava de volta a Dartmoor, quis matá-lo a todo custo, não?

Chegou a entrar em meu quarto para encontrar o anel e certificar-se de que ninguém descobriria mais

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Sempre o Teu Amor - CHE nº 165 Candace Camp

um de seus crimes. Mas não encontrou nada porque nunca me separei do anel. Eu até dormia com ele

no pescoço!

- Esse anel não prova nada - Richard disse ainda.

- Esse assaltante miserável pode tê-lo roubado simplesmente.

- Muito bem, então, para que tudo fique esclarecido de uma vez - propôs a condessa, levantando-se -

quero que saibam que John Montford tinha uma marca de nascença. Uma pinta marrom, grande, em

formato de meia lua, nas costas, junto ao ombro esquerdo. Eu a vi e posso identificá-la. - Ela se voltou

para Jack e pediu gentilmente: - Poderia, por favor, tirar sua camisa e mostrar-nos suas costas?

Jack encarava-a, agora mais sério. Sabia muito bem o que havia em seu corpo e, com calma, abriu a

camisa e voltou-se de costas, expondo a mancha que a condessa descrevera.

- Meu Deus! - o juiz exclamou, caindo mais uma vez sobre a cadeira.

- John! - a condessa suspirou, os olhos cheios de lágrimas. - Finalmente, você está de volta a casa,

meu neto! - E estendeu as mãos para tocar-lhe o rosto.

A cena emocionante chamava a atenção de todos.

Nesse instante, Richard voltou-se rápido, na intenção de seguir até as portas e escapar. Mas Jack foi

mais ágil e alcançou-o, derrubando-o ao chão. Iniciaram uma luta violenta, que durou alguns segundos,

mas logo o conde sucumbia aos golpes fortes de Jack, ficando prostrado no assoalho.

Jack levantou-se, respirando fundo, e ainda olhando com raiva para o conde. Nicola aproximou-se logo,

para ver se ele estava bem, e ambos voltaram-se para a condessa.

Novamente Richard aproveitou o momento de distração de todos para se esgueirar pelo chão, até

alcançar a arma que deixara cair antes. Segurou-a e apontou-a para as costas de Jack. Ergueu-se, com

certa dificuldade, os olhos presos às mãos de Jack e Nicola juntas. Rangeu os dentes irado, sendo

percebido apenas por Penélope, e fez mira.

Sebastian e Justin vo1taram-se, então, prontos a tentarem detê-lo, e Jack voltou-se, percebendo que

algo estava acontecendo. Um disparo cruzou a sala, e Richard deu um passo atrás, olhando atônito

para a mancha de sangue que se formava em seu peito. Instantes depois caía imóvel, desta vez

definitivamente sobre o piso de madeira da sala.

Todos se voltaram para a condessa. Dela partira o disparo, com a pistola de Sebastian, que a deixara

sobre uma mesa aparadora ao imaginar que não mais haveria necessidade de usá-la.

- Que você apodreça no inferno - disseram os lábios enrugados da condessa, enquanto ela baixava o

braço, abandonando a pistola sobre o sofá.

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Sempre o Teu Amor - CHE nº 165 Candace Camp

EPÍLOGO

Nicola dava os últimos retoques no véu de Penélope, diante do espelho do quarto. Ali também estava

Marianne, vestida de noiva, e Alexandra, que acabava de ajeitar as pérolas que iriam adornar os

cabelos de sua irmã.

- Há alguns meses, eu não tinha ninguém além de minha filhinha - disse Marianne, com lágrimas nos

olhos. – Agora tenho uma família completa! Uma avó, um irmão, uma irmã, primas, tias... E, dentro de

alguns minutos, um marido! Estou tão feliz! E logo será você a usar um vestido de noiva como o meu e

o de Penélope, Nicola!

Todas sorriram animadas diante da perspectiva de serem todas membros da mesma família. Fazia um

mês que Richard morrera, e muitas coisas tinham mudado. Todas as acusações que pendiam sobre

Jack tinham sido retiradas, ainda mais porque tudo que ele roubara ficara provado ser dele mesmo. Ele

agora vivia em Tidings, com a condessa e lady Ursula, que ficaria ali até o casamento de Nicola.

Durante aquele mês, Jack consertara todo o mal que Richard causara aos habitantes da vila, em

especial àqueles que trabalhavam nas minas, dando-lhes um salário melhor, mantendo-os nas casas

em que viviam sem cobrar-lhes nada por isso, e cuidando da saúde de todos através de um ambiente

de trabalho mais sadio. Todos na região o adoravam. Perry passara a administrar a mina, e os outros

integrantes do antigo bando do Cavalheiro tinham voltado a Dartmoor para serem homens de bem.

A condessa bateu à porta, com sua bengala e entrou, sorrindo para as duas noivas e para suas damas

de honra.

- Muito bem, mocinhas, já é hora de irmos. A charrete está pronta para levá-las à igreja.

Não havia o menor traço de pesar no rosto da altiva dama pelo que fora obrigada a fazer contra o ex-

conde de Exmoor. Na verdade, ninguém sentia falta de seu caráter detestável, até mesmo Deborah

parecia ter florescido depois da morte do marido. Sua gravidez seguia sem problemas, e ela estava a

cada dia mais feliz, ainda mais porque Perry passara a visitá-la com significativa freqüência.

- E então? Estão prontas ou não? - Lady Ursula entrou no quarto, autoritária como sempre. - A igreja já

deve estar lotada!

Saíram todas apressadas, sem o menor desejo de contrariar a mãe de Penélope. Ao pé da escadaria,

em Tidings, onde as noivas tinham se preparado para a cerimônia, Jack as esperava, sorrindo.

- Definitivamente, minha família é a mais linda do mundo! - ele comentou, recebendo a avó pela mão. - -

E a senhora é a mulher mais bonita de todas elas confidenciou, recebendo um sorriso de volta.

- Eu sempre soube que você se transformaria em um sedutor! - brincou a condessa, seguindo e deixan-

do-o para receber Nicola.

Saíram todas para se acomodar na charrete, e Jack puxou Nicola para si, naquela antecipação de amor

que ela tão bem conhecia é que adorava.

- Não sei se vou suportar esperar dois meses até nosso casamento - disse-lhe ao ouvido. - Vejo-a

pouco ultimamente... Às vezes tenho vontade de escalar a janela de seu quarto e ir dormir com você.

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Sempre o Teu Amor - CHE nº 165 Candace Camp

- Oh, seria bom! - Nicola gemeu, brincando. - Mas temos de agir conforme a etiqueta agora, conde de

Exmoor. Teremos o resto de nossas vidas para nos amarmos.

- Estou contando com isso.

Nicola recostou-se a ele, perdendo-se, como sempre, no prazer de seus beijos. Depois, quando se

afastou e acariciou-lhe os cabelos, ouviu-o sussurrar:

- Não sabe como é bom...

- O quê?

- Ser um conde, ter uma família, poder ajudar a quem quero... mas o melhor de tudo, meu amor, é estar

com você e saber que, de agora em diante, estaremos sempre juntos, felizes e apaixonados.

Lady Ursula voltou a aparecer à porta e tinha um semblante contrariado.

- Vamos! Estamos atrasados!

Nicola e Jack se entreolharam, sorrindo e, como não poderia deixar de ser, obedeceram.

................................................... FIM .......................................................