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  • 7/24/2019 Campos Jorge Silva Wallace Design Representabilidade Dos Signos

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    O design e a representabilidade dos signos dentro daWorld Wide Web

    Jorge Lucio de Campos, Wallace Vianna da Silva

    ndice

    1 Introduo 12 Existe uma linguagem caracterstica

    da World Wide Web? 43 Existe uma esttica prpria na World

    Wide Web? 54 Dicotomia nos signos da World Wide

    Web 65 Carter simblico e literal 86 Consideraes finais 10

    7 Referncias bibliogrficas 11O real no verdadeiro, ser j o contenta

    H. Atlan

    1 Introduo

    Falar da imagem na internet falar dos ter-mos segundo regras e atendendo a escoposbastante especficos de suaconcepoe desuafabricaopelo homem contemporneo.

    Por outro lado, entender suas relaes com oJorge Lucio de Campos Doutor e Ps-Doutor

    em Comunicao e Cultura (Histria dos Sistemas dePensamento) pela UFRJ (1996). Mestre em Filosofia(Esttica) pela UFRJ (1988). Graduado em Filosofiapela UFRJ (1981). Professor do Programa de Ps-graduao (Mestrado) em Design da ESDI/UERJ.Wallace Vianna da Silva Aluno do Programa de Ps-Graduao em Design (Mestrado) da ESDI/UERJ.Designer graduado pela ESDI/UERJ.

    nosso cotidiano implica em investigar as ba-

    ses de sua insero em um contexto maior- para alm das fronteiras do design propri-amente dito - cuja lgica remete, historica-mente, aos primrdios da revoluo indus-trial.

    Como afirma Cardoso,1 o processo de in-dustrializao acarretou mudanas mais in-cisivas do que a simples reelaborao dosmtodos produtivos. O incremento do con-tingente de indivduos vivendo em espaos

    reduzidos alteraria a natureza de suas inter-relaes. Entre as mercadorias cujo con-sumo aumentou, a partir do sculo XIX, es-to os impressos de toda espcie. Tais mu-danas geraram desafios quanto organiza-o e apresentao das informaes. En-tre eles, o de como sinalizar, adequadamente,a geografia expandida das cidades e o decomo comunicar, para um pblico annimo,os prstimos de produtos no conhecidos.

    Assim sendo, diversos avanos de ordem tec-nolgica vieram possibilitar, na expectativade resolver estas e outras questes, a cria-o de veculos informacionais como os car-tazes, as embalagens e as revistas.

    Entre as ainda incipientes tentativas dejustapor o textual e o imagtico - caracte-

    1 R. Cardoso. Uma introduo histria do de-sign, pp. 38-9.

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    2 Jorge Campos, Wallace Silva

    rsticas do incio do oitocentos - e as sofis-ticadas programaes que viriam luz adi-ante, existem diferenas no s no que tangeo registro tecnolgico. O impacto da tc-nica fotogrfica sobre a comunicao visualse deu, igualmente, num plano conceitual e operodo foi marcado por uma crescente valo-rizao sociocultural e econmica das ima-gens j que a fotografia se, por um lado, re-matava o processo de sua transformao emmercadorias abundantes e baratas, pelo ou-

    tro, as privava de parte de seu tradicionalpeso simblico.

    O ps-guerra foi marcado pela consolida-o de mdias relativamente novas como ocinema e o rdio - ou inteiramente novas como a televiso. Na msica e no cinema,o disco (hoje o CD ou o DVD) acabaria setornando to-somente um veculo para o ver-dadeiro produto que era a informao. Talascenso do entretenimento a um status assu-

    midamente econmico foi, por muitos anos,tratada como uma exceo s regras da pro-duo industrial que costumava ser pensada,sobretudo, em termos de bens durveis. Coma ampliao da informtica nas ltimas duasdcadas, passou-se a perceber que os con-ceitos tradicionais de produto e design ha-viam quase atingido os limites de suas pr-prias contradies.

    Foi a partir da dcada de 1950 que a pu-blicidade se assumiu como um fenmeno,simultaneamente, cultural e econmico. Aintroduo da televiso, nesta mesma poca,ajudou a consolidar uma relao entre o de-sign, a publicidade e o marketing. Foi emtorno dela que se cristalizou o que foi cha-mado de lifestyleou estilo de vida. Trata-se da idia de que uma mercadoria umapea inserida em toda uma rede de associ-aes e atividades que geram tanto a ima-

    gem quanto a auto-imagem do consumidor-usurio.

    Seja como for, no resta dvida de que,hoje em dia, a imagem e a insero do pro-duto se tornaram to importantes quanto suaconstruo e sua configurao e que, por-tanto, design, marketing e tecnologia passa-ram a andar juntos na era do capitalismo tar-dio. Os crticos contundentes do marketingmoderno costumam dizer que, medida queaumentam as opes de consumo, no resta

    ao consumidor outra sada que a de consu-mir mais. Uma das marcas registradas daps-modernidade (ou, quem sabe, da hiper-modernidade)2 seria o pluralismo, ou seja,uma abertura generalizada para as posturasnovas e uma tolerncia efetiva para as diver-gentes.

    Diante das transformaes ocasionadaspelas ltimas tecnologias, a distino tradici-onal entre design grfico e design de produto

    tende a se esvaecer. Quando um designer contratado para criar uma homepageou umsite na internet, gera um produto que, em-bora no seja grfico no sentido (da) im-presso - e nem um produto - no sentido deser um artefato tangvel - tanto produto nosentido de ser uma mercadoria, quanto gr-fico no sentido de estar voltado para a trans-misso de informaes.

    Uma das peculiaridades desse estado decoisas ambguo que, curiosamente, o ob-jeto virtual acaba sendo gerado por um pro-cesso muito mais artesanal do que (...) indus-trial., ficando claro que esse tipo de pro-duo se encaixa (...) em uma evoluo deordem industrial (...), porm tardia. Se, porum lado, a difuso mundial do modelo con-sumista americano (...) depende da expanso

    2 G. Lipovetsky,Os tempos hipermodernos.

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    contnua da produo e do consumo (...),este mesmo mpeto consumista que mantmo sistema em funcionamento responsvelpelo agravamento dos problemas ambientais(...); cabendo, portanto, ao designer (...)projetar solues capazes de conciliar essesdois plos aparentemente inconciliveis.3

    A idia de fragmentao que acompanhaa esttica da internet tem suas origens numpassado recente.

    Na era eletrnica, o objeto j no pode serconsiderado uma unidade integral, nem doponto de vista tcnico e muito menos doponto de vista esttico. (...) A incompatibi-lidade de qualquer coisa com qualquer outracoisa talvez esteja prestes a passar, conformeatesta um universo sempre em expanso defilmes e videogames, em que todos os temase tratamentos se misturam sem nenhum com-promisso com (...) a realidade, mas apenas(...) (com) o realismo da experincia repre-

    sentada.4

    O mundo da era da informao com-posto por vises parcelares e por fragmentosvisuais cuja totalidade s pode ser reconsti-tuda na mente de cada um e de modo passa-geiro. O grande smbolo de nossa poca tal-vez seja mesmo a internet. Aquela fragmen-tao se manifesta, com clareza, na veloci-dade com que a superabundncia de informa-

    es disponveis vai, continuamente, sendoacrescida de outras informaes condenadas insignificncia em razo do espao propor-cionalmente nfimo que conseguem ocupar.Na verdade, o final do sculo XX definiu-sepela saturao imagtica, pela poluio vi-sual, pelo bombardeio semitico da publi-

    3 R. Cardoso, op. cit.4 Id. ibid.

    cidade e pelo olhar como forma de consu-mismo.

    Muitos consideram a fragmentao visualcomo um fenmeno tpico da era eletrnica,porm suas razes remetem, no mnimo, aosculo retrasado. A evoluo desse processode fragmentao da informao pde ser per-cebida no campo grfico muito antes da in-troduo propriamente dita das tecnologiaseletrnicas. Toda uma seqncia de tcnicase processos para a manipulao do texto e

    da imagem que inclui a litografia, a roto-gravura, o fotolito, o offset e outros recursosgrficos tradicionais j envolvia a possibi-lidade de quebrar e, depois, recompor n-cleos de informao preexistente sem novascombinaes, da colagem histria em qua-drinhos.

    Seja olhando para um outdoor, a partir deum trem em movimento, ou passando emrevista os canais de televiso, a velocidade

    do olhar moderno pressupe um processo defragmentao e de sobreposio de imagens.Enquanto um meio de comunicao, a weblida, em funo de sua conformao hbrida,concomitantemente, com aspectos prticos esimblicos, comunicando valores de repre-sentabilidade concreta atravs de meios ima-teriais (imagens, sons, redes sociais, etc.).Se tivssemos que associ-la figura de umanimal, o camaleo seria uma escolha ade-quada, j que, a exemplo deste, ela pode ouno ser vista, conforme a situao e a ne-cessidade, como um objeto visual; enquantoum ser vivo, se adapta a qualquer ambientenovo; enquanto um objeto simblico repre-senta conceitos como a permeabilidade, aadaptabilidade e a evoluo (mutao), queparecem ser caractersticas cada vez mais ne-cessrias num mundo globalizado e ultra-competitivo.

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    2 Existe uma linguagemcaracterstica da World WideWeb?

    A designer Valria London colocou, numade suas palestras, que os sites existenteseram, esteticamente, to semelhantes en-tre si que, em termos de design, no haviao que se comentar sobre o assunto. A in-ternet explodia, ento, comercialmente, nomundo, muito se produzindo, por igual, por

    toda parte do planeta. Tal ponto de vistaainda compartilhado por bom quinho dosprofissionais da rea. Cardoso observa que,independentemente dos

    desafios do hipertexto, da navegao, da in-teratividade e da conjugao das linguagensgrficas com o som e a imagem em movi-mento, (..) boa parte da produo na rea dewebdesignj comea a empregar estratgiasprodutivas repetitivas ou previsveis, (sendoque.) a prpria metfora de navegar na rede(em ingls, emprega-se o termo surfar) re-mete a uma noo de deslizar pela superfciesem nunca se aprofundar ou inovar, nem iralm.5

    Se formos analisar o fenmeno do pontode vista da comunicao visual, percebere-mos a existncia, ao longo dos anos, de umacorrida, quase em paralelo, entre a tecnolo-

    gia, a moda e as necessidades. Assim comoa tecnologia no meio analgico chegou a de-finir, em alguns momentos, a prpria apre-sentao do design (antes da inveno do cli-ch tipogrfico reticulado para fotos, o de-sign das pginas de jornal feitas em tipogra-fia era, essencialmente, um texto), na inter-net, as coisas ocorreram de modo parecido.

    5 Id. ibid.

    De fato, o contedo da web era, no incio,basicamente textual, estruturado em links(vnculos) ehyperlinks(hipervnculos),6

    um texto remetendo a outros, numa cadeiaque a Wikipedia ilustra bem.7 Com os des-dobramentos tecnolgicos, novos programaspara acessar contedos os browsers (nave-gadores) surgiram, permitindo a visuali-zao de um contedo multimidial: imagens,udio, vdeo e animaes passaram a exigiruma melhor elaborao do layoutdas pgi-

    nas. As tecnologias surgidas a partir da per-mitiram que uma pgina da web se tornasseto elaborada quanto uma pgina de revistaou de jornal impresso. A metfora de pginade livro cedeu lugar metfora do contedode publicao diria. A biblioteca acadmicacedeu lugar banca de jornais, o jogo de pa-pel e o carto impresso foram substitudospelos videogames.

    Esse caminho veio a ser de mo dupla: as-

    sim como a web se apropriou da esttica demdias anteriores (como sempre ocorre nosurgimento de uma nova mdia) elementos t-picos da web - barras de informao textuale informao organizada em menus passa-ram a invadir tudo, da televiso s capas das

    6 Podemos diferenciar link(vnculo) de hiper-link(hipervnculo) at pela estrutura gramatical dotermo: os vnculos remetem a ligaes de curto al-cance (partes de um texto ou de pginas relaciona-das a um mesmo assunto) e os hipervnculos sugerem

    ligaes de hipertexto, remetendo para fora daqueledocumento ou assunto, numa rede de computadores.

    78Ao procurar na Wikipdia brasileira o termopresidente dos Estados Unidos encontramos Wil-liam Jefferson Clinton (Bill Clinton). Descobrimosque este nasceu a 19 de agosto de 1946, que a datado ducentsimo trigsimo primeiro dia do ano no ca-lendrio gregoriano que, por sua vez, tambm o diade nascimento do quadragsimo segundo presidentenorte-americano, no caso, Bill Clinton.

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    revistas de histrias em quadrinhos. Hoje,quando se fala de esttica de internet, sefala, na verdade, de uma esttica herdada dosjogos eletrnicos, da mdia impressa jorna-lstica, da televiso e do CD-ROM. Esta, porsua vez, ao reunir estes e outros elementos,implementou uma linguagem prpria, ao in-corporar tambm a interatividade. O leitor-espectador deixou de ser um receptor pas-sivo, podendo agora, inclusive, interferir nocontedo acessado, seja acrescentando co-

    mentrios, seja personalizando pginas que,amide, altera, gerando contedo inditos,algo que as outras mdias apenas faziam - outentavam, indiretamente, fazer com o usode duas mdias em paralelo (televiso e tele-fone, rdio e e-mail, etc).

    Tal linguagem interativa , pode-se dizer,hoje em dia, a principal caracterstica daweb, o fator que, com efeito, a distingue dosdemais meios de comunicao. Mas, ainda

    assim, o que se deseja comunicar com ela?Provavelmente est ligada mensagem quese busca passar. Num mundo cada vez maisbaseado em imagens (que no aboliu, porm,a palavra no seu sentido estrito), pode-se di-zer que a linguagem tem, sobretudo, o pa-pel (ou o poder) de cativar ou de manipulara audincia, mais at do que de inform-la.Nesse sentido, a web objetivaria ser a mdiadas mdias, ao sintetizar, nela mesma, o r-dio, a televiso, o telefone, a revista, o jornal,o livro e o clube. A lista se tornar intermin-vel se acrescentarmos subcategorias como osDVDs, os cartazes, as publicidades, as msi-cas. Uma linguagem que d conta disso tudotem que ser, por excelncia, multimidial.

    Ora, se a internet consegue ser todas asmdias, sem ser nenhuma em especial, , naverdade, uma nova velha mdia. Sua lin-guagem pressuporia outras, ainda que herda-

    das de suas antecessoras. Esse camaleo te-ria, portanto, como caracterstica no ter umrosto ou seu rosto seria uma colagem de ex-presses vrias? Peguemos, como exemploa televiso, a sua antecessora mais recenteou direta. A TV surgiu da reunio de mdiascomo o teatro, o rdio, o cinema e a publici-dade. Mesmo sendo hbrida, sua polivalnciacriou uma nova linguagem, a televisiva, quesubentende um naturalismo editado. Se-ria ento a web uma multimdia eletrnica?

    possvel dizer que sim, maneira da TVaberta, s que interativa. Sua esttica, porconseguinte, seria tpica dos meios digitaisatuais, ou tranversal ps-massiva, como jsugerira Andr Lemos.8 Nesse sentido, se-ria facil entender a busca da interatividadenas demais mdias, assim como o surgimentode programas interativos na TV, ao mesmotempo que a exploso comercial da internetno nvel mundial.

    3 Existe uma esttica prpria naWorld Wide Web?

    Se cada mdia contm elementos que a carac-terizam por si mesma, ao analisar as pginasda web se percebe que os cones possuemuma funo anloga aos sinais de trnsito.Assim como estes tm por finalidade orien-tar o fluxo de automveis e pedestres, aque-

    les tm por funo orientar a navegao dos8 Cf. palestra A cultura alm do digital, profe-

    rida em 9 de dezembro de 2006 no Senac/Cultcom,Copacabana, Rio de Janeiro. O termo remete idia de que as mdias digitais tm um carter decruzamento, de convergncia, numa poca onde osmeios de comunicao massa so, essencialmente,ps-modernos (que subentende a recuperao de va-lores antigos no contexto moderno).

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    6 Jorge Campos, Wallace Silva

    internautas. Mas a analogia poderia parar a,pois, no meio fsico, os sinais se relacio-nam com o espao tridimensional, se articu-lando como uma referncia e um referente,diversamente do (atual) espao bidimensio-nal da web. No h como relacionar elemen-tos neste espao como se costuma fazer nomundo real.

    A esttica da web seria um espao seme-lhante a um tabuleiro de damas, onde se podecaminhar, linearmente, num mesmo plano,

    e o contedo se sobrepe em pilhas comopeas de dimenses idnticas. A ausnciade planos relativa, uma vez que as ima-gens (ou as janelas) se superpem indefini-damente. Como no h profundidade realno espao da web, tudo ali acaba, de certomodo, sendo raso (quanto ao significado)e infinito (a quantidade de informao ar-mazenada).

    Por ser um apanhado de tudo que havia

    antes, essa esttica uma colcha de reta-lhos muito bem costurada. Portanto, noh como descrev-la, linearmente, ou de umamaneira uniforme. A melhor metfora talvezseja a de um mosaico, de um quebra-cabeaou de sistema no-linear qualquer - como oprprio hipertexto pressupe - mas que, aofinal, cria um tipo de unidade em s. Areunio, numa mesma pgina, de fotografiae de texto, suscita uma unidade (e uma inte-rao) diferente da se reunir uma animaocom udio, e assim por diante. Essa frag-mentao acaba por definir uma esttica quesurge no momento da interao com esseveculo e no antes.9

    9 Na maioria dos sites de notcias o contedo(texto, fotos, vdeo, animaes) existe em separado,reunido pelo intermdio de bancos de dados. Ao esco-lher determinada informao esse contedo mon-tado pelo banco de dados para o internauta, em

    4 Dicotomia nos signos da WorldWide Web

    A web uma mdia essencialmente 2D. Coma evoluo da tecnologia, elementos bidi-mensionais comearam a ser apresentadossugerindo, esttica ou animadamente, umfalso plano 3D. Cabe aqui discutir como ossignos visuais e lingusticos se articulam etambm sua interao no meio, digital ouno, de comunicao. As coisas podem ter

    uma relao desemelhanaou desimilitude,como explica, o pintor belga Ren Magrittenuma carta endereada, em maio de 1966, aopensador francs Michel Foucault:

    As palavras Semelhana e Similitude permi-tem sugerir com fora a presena abso-lutamente estranha do mundo e de ns.Entretanto, creio que essas duas palavrasno so muito diferenciadas, os dicionriosno so muito edificantes no que as distin-

    gue. Parece-me que, por exemplo, as ervilhaspossuem relao de similitude entre si, aomesmo tempo visvel (sua cor, forma, dimen-so) e invisvel (sua natureza, sabor, peso). Omesmo se d no que concerne ao falso e aoautntico etc. As coisas no possuem en-tre si semelhanas, elas tm ou no tm si-militudes. S ao pensamento dado ser se-melhante. Ele se assemelha sendo o que v,ouve ou conhece, ele torna-se o que o mundolhe oferece. 10

    A imagem e o texto podem ter similitu-des (nos planos do contedo e da percepo)na medida em que a primeira pode ser lidacomo um texto e vice-versa, conforme sua

    tempo real. Isso permite, entre outras coisas, a per-sonalizao rpida do layout das pginas, seja pelolado do criador do site ou do lado do leitor (como nocaso dos Blogs).

    10 M. Foucault,Isto no um cachimbo, p. 28.

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    apresentao ou sua interpretao. A esserespeito, Jorge Lcio de Campos11 colocaque so oferecidos dois nveis de leitura ede interpretao: relao de dupla captura,entre o texto e a imagem, sub-repticiamenteconfigurada, em ambos os quadros, pelaspossibilidades lgico-semiolgicas de consi-derao simultnea de uma imagem escrita(regida pela verossimilhana lingstica) ede uma frase pintada (regida pela verossi-milhana plstica). O conceito de caligrama

    - caligrafia e ideograma, texto e imagem - fazsentido neste ponto de vista.

    Campos acrescenta que a inevitvel rela-o entre o texto e o desenho faz lembraruma operao caligramtica, em que pala-vras e imagens se completam para dizer algoem conjunto, com as linhas composicionaisconformando-se a partir do que descritotextualmente. Os caligramas, por sua na-tureza hbrida, garantiriam uma dupla cap-

    tura da qual no so capazes os discursospor si ss e os desenhos em sua pureza vi-sual. Comportar-se-iam antes como uma es-crita que lana no espao a visibilidade pro-vvel de uma referncia, invocando os sig-nos, do mago da imagem que configuram por um recorte de sua massa na pgina aquilo de que falam.

    Do passado caligrfico, as palavras con-servariam sua derivao linear e seu estadode coisa desenhada. Contudo, sob tal tica,no passariam de palavras que desenhamoutras palavras, de um texto em forma deimagem. Ao lermos o texto, no perce-beremos o (seu) desenho e, ao olharmos odesenho, as palavras parecero perder seu

    11 J. L de Campos, Eis dois cachimbos: Roteiropara uma leitura foucaultiana de Magritte, pp. 21-39.

    sentido textual para assumir o papel de li-nhas estruturantes. Um leque hermenutico,que estaria fechado num interior significante,, enfim, ardilosamente, aberto e tornadofreqentvel (...) preciso que haja uma su-bordinao: ou o texto ser regrado pela ima-gem (...) ou a imagem o ser pelo texto (queo desenho vem completar, como se encur-tasse um caminho que as palavras estariamencarregadas de representar). O signo verbale a representao visual jamais seriam dados

    de uma s vez. Sempre uma ordem os hie-rarquizaria, indo da forma ao discurso ou dodiscurso forma (...) Tratar-se-ia (...) do cru-zamento, num mesmo tecido, do sistema darepresentao por semelhana e da refern-cia pelos signos o que supe que eles se en-contram num espao completamente diversodaquele.

    Segundo Mihaly Csikszentmihalyi e Eu-gene Rochberg-Halton, a ambigidade das

    relaes do homem consiste no fato de queeste no apenas um homo sapiensou umhomo ludens, mas tambm um homo faber,simultaneamente, fazedor e usurio de ob-jetos. Sua subjetividade , de certa forma,um reflexo das coisas com as quais inte-rage.12 Sendo assim, os objetos tambm fa-riam e usariam seus criadores e usurios namanuteno do sistema do status e do sis-tema (de diferenciao social) em si.

    Para Luiz Antonio Coelho,13 os objetos te-riam o poder de induzir e refletir as qualida-des que, simbolicamente, representam, pois

    12 M. Csikszentmihalyi e E. Rochberg-Halton,Themeaning of things. Domestic symbols and the self, p.1.

    13 L. A. Coelho, Objeto com afeto. In: G. C.Lima. (org.). Textos selecionados de design 1, pp.154-77.

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    nos representam em dois nveis, enquanto re-flexo e indutor, para ns mesmos e para o so-cial. Isso por que transferimos sonhos e ex-pectativas para o objeto. Tanto em sua fabri-cao quanto em seu uso, refletimos nossastendncias e apreo pessoal e social. O ele-mento que propicia esta postura a tecnolo-gia, a mesma que fez prevalecer a estandardi-zao, trazendo a automao para o processo(produtivo) agora aponta para o seu reverso.

    Coelho lembra que deixamos rastros na

    passagem pela vida. Rastros do que fazemos,no que fazemos e de como fazemos. Os ves-tgios que deixamos impregnados nos obje-tos podem ser, portanto, marcas semnticas,verdadeiros signos de poca. Quando o ar-teso estava prximo do usurio no perodopr-industrial, os aspectos simblicos almdo uso fundiam-se no prprio uso. Coma industrializao, houve uma ruptura nessarelao de proximidade e, com ela, uma se-

    parao na semiose. Um determinado pro-duto ou classe enquanto signo passou a serum signo-gnero, superestrutural.

    Ele tambm lembra que, em uma fase pos-terior do processo industrial (a partir dosanos 80), passou-se a contemplar a interven-o direta do usurio no processo de fabri-cao. Aqui a idia central reside no deslo-camento da ateno do autor para o receptor,do texto para a recepo, do fabricante parao usurio e do produto para o uso. Por fim,do objeto de uso individual para o de uso co-letivo havendo trs funes (ou graus de im-portncia): a prtica, a esttica e a simblica.

    O computador e seu texto virtual subver-teram os aspectos simblicos que afetam amaneira como o objeto visto pelo usurio.Com o seu advento, a idia do texto escritoenquanto um corpo, uma realidade fsica,simplesmente, deixou de existir e uma falta

    de pacincia em relao ao texto teve vez,assim como uma tendncia a l-lo mais dis-plicentemente, (pois) o scrolling (rolagem)facilitou o acaso da leitura.

    Mas qual seria o limite desse processo,que visa a diferenciao extrema dos objetos(j reduzidos a imagens) e a individualizaoabsoluta em sua produo? A soluo talvezfosse a busca de uma negociao homeost-tica entre os dois extremos desintegradores:o da massificao robotizante e do atomisno

    exacerbado. Nesse sentido o equilbrio esta-ria nas mos da tecnologia adotada pela in-dstria (...), no designer, que medeia essesprocessos, e no objeto, que atua no centrodeste palco.

    5 Carter simblico e literal

    A apresentao da web em monitores CRT(convencional) e agora em LCD (tela fina, de

    cristal lquido) confere s imagens uma be-leza ou realismo antes exclusivos da fotogra-fia, do cinema ou da TV. Esse carter hiper-realista conferido pelas imagens da internet apenas um dos aspectos que explicariam ofascnio da web em relao s mdias ante-cessoras (a impressa, como o jornal).

    A importncia de alguns objetos muda aolongo da vida, visto que a necessidade e o de-sejo de representar papis tambm se modi-ficam. praticamente impossvel consumirprodutos sem significados e, em consequn-cia, no comunicar ou exercer qualquer pa-pel ao adquiri-los e utiliz-los. Nada tem va-lor por si mesmo. Este outorgado por hu-manos, dependendo o valor de um produtode seu lugar e tempo na sociedade de con-sumo.

    Para Coelho, o lado prtico dessa sedu-o da imagem pode ser medida pelo con-

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    sumo por ela gerado. O consumo um fen-meno simblico e cultural que predomina so-bre a necessidade, sendo o mais poderososistema de classificao social. o sistemaque classifica as coisas e as pessoas. Destaforma, gera representaes coletivas, emo-es codificadas, sentimentos obrigatrios epensamentos. Tornou-se a forma como a so-ciedade se comunica. Mais do que uma men-sagem, converteu-se no sistema em si.

    Katia Faggiani sustenta que os significa-

    dos imputados aos produtos se multiplica-ram, superando suas caractersticas funcio-nais. O mundo do consumo um conjunto designos e de significados interligados e inter-dependentes que oferece uma maneira de so-cializao aos indivduos.14 Para ela, os pro-dutos preenchem nossas necessidades emo-cionais porque vo alm das necessidadesmecnicas, utilitrias e funcionais, proporci-onando uma sensao de glria ou de satisfa-

    o. Em nossa sociedade, o grau de sucesso medido pela quantidade de riquezas e deconsumo. Consumidores modernos se iden-tificam pela frmula: eu sou igual ao quetenho e ao que consumo. Consumir, agora, igual a possuir, pois o ser humano no res-ponde s qualidades fsicas das coisas e, sim,ao que elas significam para ele. Em outraspalavras, no consumimos produtos, mas aimagem que temos deles.15

    Assim, para Faggiani, conceitos comoluxo, consumo e imagem agora se entrela-am. O consumo (mediado pela imagem)nos humaniza, demonstrando que somos re-gidos por outras necessidades, alm de co-mer e beber. O consumo nos diz que somossuperiores, que nossas necessidades so hu-

    14 K. Faggiani, 2006, p.10.15 Faggiani, op. cit., p. 10.

    manizadas. Isso leva ao conceito de masst-gio, combinao de (consumo de) massae prestgio, ou seja, prestgio para as mas-sas um alto prestgio diferenciado para con-sumo de massa, a preos mais altos, mas noimpossveis de serem pagos.16

    A autora assevera que o consumo de ima-gens um degrau para o consumo de produ-tos. Este se transforma num ritual de buscade um novo estilo de vida (que nos diferen-ciaria, finalmente, dos outros animais). O

    importante no tanto ter quanto parecer.Os objetos se confundem com as pessoas aponto delas passarem, de certo modo, a sero que usam. Em qualquer sociedade, dequalquer poca, os aspectos materiais nose separam dos sociais, unificados pela di-menso simblica que, por ser constituda (econstituinte), , portanto, in essentia, flex-vel.

    Os significados so transmitidos pelas

    imagens (ou pelos produtos, pois no hmuitas diferenas entre ambos), sendo parteintegrante do propsito de controlar a infor-mao. Contudo, s podem revelar seus re-ais significados se examinados em conjunto.Faggiani lembra que, como a imagem in-formao e se articula atras da cultura, estaltima constitui o mundo suprindo-o comsentidos que se apoiam em categorias e prin-cpios culturais.

    Porm seria preconceituoso e limitadoatribuir ao design os mritos e os demritospor tal estado de coisas. Seria, mais ou me-nos, como responsabilizar a violncia pelaexistncia dos criminosos (os efeitos mlti-plos por uma causa nica). O design, a pu-blicidade e os meios de comunicao, lembraainda Faggiani, so mecanismos muito po-

    16 Id. ibid.

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    10 Jorge Campos, Wallace Silva

    derosos para a transferncia de significados,a ponto de poderem atribuir qualquer signi-ficado a qualquer produto. Eles criam mitosoriundos do contexto cultural..17

    Atravs da cultura, com um repertrio cal-cado, sobretudo, nas imagens, os meios decomunicao (no s o design, que traba-lha, basicamente, com dois tipos de comu-nicao, a visual e a de produto) completamuma transio dos meios de produo para osmeios de consumo atravs de um processo de

    transferncia e de classificao de significa-dos, socializando o consumo.

    6 Consideraes finais

    Segundo Fredric Jameson, mais recente-mente, a fotografia, o cinema e a televisocomearam a se infiltrar na (...) arte visual ea coloniz-la, produzindo hbridos altamentetecnolgicos de todos os tipos(...).18 o

    momento da sociedade da imagem, na qual,segundo Paul Willis, os sujeitos humanos, jexpostos ao bombardeio de at mil imagenspor dia, vivem e consomem a cultura de ma-neiras novas e diferentes. O carter de re-flexividade destas imagens como tal se sub-merge na pura superabundncia. A iluso deuma nova naturalidade surge, quando j noh nenhuma distncia em relao culturadas imagens, quando j no podemos reco-nhecer a singularidade histrica ou a origi-nalidade de nossa poca. A nova situao,onde o esttico a tudo impregna, onde a cul-tura se expande - a ponto de que tudo se tornaaculturado de uma forma ou de outra - todaa realidade se tornou profundamente visual.

    Jameson recorda, pertinentemente, que a

    17 Id. ibid.18 Fredric Jameson, 1994.

    conciso da linguagem do vdeo e a na-tureza essencialmente operstica da culturada imagem televisiva (como na MTV) pa-recem tornar a fragmentao de narrativasmais antigas em fragmentos puros de nar-ratividade, visualmente autnomos e narra-tivamente auto-significativos. Para um p-blico saturado com as imagens comerciais ecom um sofisticado acervo-memria de cul-tura, uma s tomada seria suficiente para de-sencadear a associatividade que tinha que ser

    construda no decorrer de toda uma obra.19Ele tambm recorda que a sociedade dos

    espetculos ou das imagens - ao menos emparte - definida pela transformao maciada beleza em objeto de consumo. O meiovisual constitui o veculo atravs do qual v-rios pblicos so seduzidos e interpelados. o prprio visual que abstrai esses pblicosde seus contextos sociais imediatos, criandoa sensao de uma imaterialidade e de uma

    concretude cada vez maiores, j que o quese consome no uma abstrao verbal, massim, a imagem tangvel.20

    Uma das concluses que podemos tirar que projetar para a internet criar artefa-tos para uma sociedade de consumo baseadona tecnologia pressupe a configurao designificados aos comportamentos. As ima-gens, sob o aspecto simblico, so elementosformadores-determinantes dos estilo de vidae dos valores de troca. Por conseguinte, po-dem existir, no mnimo, dois nveis de leiturade uma imagem: um no mbito da atribuioe o outro no da apropriao. O primeiro serefere aos processos de produo e distribui-o, que dizem respeito a valores universaise inerentes, e o segundo relativo aos pro-

    19 F. Jameson, op. cit.20 Id. ibid.

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    O design e a representabilidade dos signos dentro da World Wide Web 11

    cessos de consumo e de uso, a valores pes-soais e inconstantes.

    Finalizando o raciocnio de Jameson, arelao de fetichismo frente imagem (naweb) se explicaria, nesse sentido, como umaagregao de valores subjetivos ao objeto ecomo uma apropriao de valores subjetivosrepresentados pelo prprio objeto ou por suaimagem ou pelos que nele so introduzidos.

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