o documento r irving wallace

327
IRVING WALLACE O DOCUMENTO R

Upload: odete

Post on 19-Aug-2015

372 views

Category:

Documents


79 download

DESCRIPTION

COLEÇÕES GRANDES BEST SELLERS

TRANSCRIPT

IRVING WALLACE O DOCUMENTOR Crculo de Leitores, Lisboa, 1978, 1 Edio. Traduo de: LVARO SILVA Reviso de: NUNO SANTOS EDIO INTEGRAL COPYRIGHT (c), 1976. BY IRVING WALLACE IMPRESSO E ENCADERNADO POR PRINTER PORTUGUESA. LDA. NO MS DE AGOSTO DE 1978 PRIMEIRA EDIO: 25.000 EXEMPLARES DOCUMENTO R, OAutor:WALLACE, IRVINGEditora: RECORD ISBN : 8501009954ISBN-13:9788501009951Livro em portugus Brochura 1 Edio Para SYLVIA, com amor. Em1787,depoisdosdelegadosreunidosemFiladlfiateremassinadoanova ConstituiodosEstadosUnidos,umamulherchegoujuntodeBenjamimFrankline perguntou: "Bem, Doutor, conseguimos uma repblica ou uma monarquia?"Franklin respondeu: "Uma repblica, se a conseguirmos manter.'' ''Aqueles que desistirem das liberdades essenciais para adquirirem uma segurana temporria no merecem nem a liberdade nem a segurana.'' BENJAMIN FRANKLIN Captulo primeiro A visita fora completamente inesperada - tinha esquecido aquele compromisso e tinhaesquecidodeocancelar,depoisdeterprometidoirjantarcomoPresidente-e agora estava a tentar descartar-se o mais rpida e amavelmente possvel. Naverdade,ChristopherCollinsnoqueriamagoarohomemqueestava sentadoemfrentedele,porqueaparentementeeraumaexcelentepessoa,sensvel, delicadaeamvel,enoutrascircunstnciasCollinsteriaatapreciadoconversarcom ele. Mas no agora, nunca nessa noite, com uma pilha de papis ainda por ler e com um longo e tenso sero na Casa Branca sua frente. Tinha de tratar do assunto cuidadosamente, decidiu Collins. No apenas porque no queria magoar os sentimentos do homem, mas tambm porque no queria ofender odiretordoF.B.I,Tynan.Erabvioqueodiretortinhaencorajadoohomem,ou talvez lhe tivesse mesmo dito diretamentepara entrevistar Collins para a autobiografia queestavamaescreveremconjunto.Ningumerasuficientementetoloparaofender Tynan, e muito menos Collins, recm-chegado ao seu cargo. Os olhos de Collins deslizaram para o gravador porttil que o visitante colocara beira da secretria h dez minutos. Continuava a gravar, embora nada de importante ainda se tivesse dito. Os olhos de Collins voltaram a enquadrar aquele homem maduro, talvezjbementradonoscinqenta,queestudavaalistadeperguntas,conscientede que o tempo urgia e procurando selecionar as mais pertinentes e reveladoras. Estudandoovisitante,Collinspercebeusubitamentedaincongrunciada aparncia do homem e do seu nome. Um nome totalmente deslocado: Ishmael Young, o "jovem" Ishmael. Collins esperou ter tempo para lhe perguntar onde fora arranjar tal nome.IshmaelYoungeraumindivduobaixoeatarracado,provavelmentedaNova Inglaterra,talvezpresbiterianoeescocs(comumlevetoquejudaico),que transbordava no seu amarrotado terno cinzento. A calva na parte superior da cabea era ladeadapordoistufosdecabeloinvulgaresqueelepenteavalamentavelmentepara cima, fazendo parecer que tinha queimaduras na cabea. Tambm tinha dois queixos e prennciosdeumterceiro.Oseucorpoprotuberanteenchiaacadeira,parecendo apoiar-seapenasnosrebordos.Assemelhava-seaumabaleiaarrastadaparaapraia. Collins concluiu que, no final das contas, talvez Ishmael fosse o nome certo. No tinha a menor aparncia de escritor, pensou Collins. Exceto pelos culos de armao de chifre, que bem precisavam de limpeza, e pelo cachimbo castanho de urze queimada, nada nele indicava o escritor. Mas ele prprio dissera logo de incio que era um escritor-fantasma. E Collins nunca encontrara nenhum dessa espcie. Certamenteumescritor-fantasmadosbemsucedidos-daquelesqueescrevem livros para atrizes depravadas, olmpicos heris negros, gnios militares. Collins tentou lembrar-se se tinha lido algum dos seus livros. Sabia que no, mas talvez Karen tivesse. No se esqueceria de lhe perguntar. PercebeuqueIshmaeltinhaerguidoacabea,procurandotimidamenteasua ateno, e que j lhe punha a pergunta seguinte. Aoouvi-la,descobriuimediatamenteumasada,umamaneiradeterminaresta entrevista to depressa e airosamente quanto possvel. Tinha apenas de ser honesto. - O que penso de Vernon T. Tynan? - repetiu Collins. - Sim. Quero dizer, que opinio tem dele? CollinspensouimediatamentenoaspectofsicodeTynan:umgigantescoe tonitroantehomemdeBrobdingnag,quasetolegendriocomoqualquerdeles,com pequenos olhos de lince numa cabecita redonda pregada ao largo e curto pescoo que encimava uma peitaa musculosa, um homem quase to alto como ele prprio, e de voz spera. Essa imagem era bem clara. Mas do Tynan interior no sabia praticamente nada. Bastava-lhedizerisso,honestamente,eaconversaacabaria,Ishmaeliriabateraoutra porta. - Francamente, no conheo o diretor Tynan muito bem. Ainda no tive tempo para isso. Estou neste lugar h apenas uma semana. - Procurador-Geral h apenas uma semana - retificou Ishmael delicadamente-, mas,segundoasminhasnotas,estevenoDepartamentodeJustia,oumelhor,esteve aqui,quasedezoitomeses.Peloquesei,foiAdjuntodoProcurador-Geralanterior,o coronel Noah Baxter, durante treze meses. -verdade-admitiuCollins.-MascomoAdjuntodoProcuradortivemuito poucoscontatoscomodiretorTynan.Elelheconfirmar,selheperguntar.Erao coronel Baxter que contatava com ele, de resto com grande freqncia. Eram amigos. As sobrancelhas de Ishmael Young ergueram-se. -NosabiaqueodiretorTynantinhaamigos.Pelomenosfoiissoquededuzi dasconversas com ele. Penseique onico ntimo era oassistente Harry Adcock, mas encarei essa situao como uma relao de trabalho. - No -insistiu Collins -, ele tambmera amigo ntimo docoronel Baxter, mais doquedequalqueroutro.Emboramepareaquedecertomodotemrazo.Na verdade, o diretor Tynan um solitrio. Mas se olhar para o passado, encontrar outros diretores do FBI que tambm foram solitrios. da prpria natureza do trabalho. Seja como for, a verdade que nunca contatei muito com ele nem o conheci bem. O escritor no se dava por vencido. Retirou o velho cachimbo da boca e chupou os lbios. - Mas, senhor Collins... - fez uma pausa. - Basta o senhor, ou devo trat-lo por Procurador-Geral Collins, ou talvez s Geral? Collins sorriu. - Basta o senhor Collins. - Muito bem. Oque eu ia dizer que depois de o coronelBaxter ter sofrido o ataque,hjcincomeses,osenhordirigiutemporariamenteestedepartamento,foi oficiosamenteochefedaJustia,atchegaraconfirmaooficialhumasemana.E como se sabe, o FBI est a um nvel inferior da hierarquia. O diretor do FBI, Tynan, seu subordinado, portanto devem ter de contatar... -OdiretorTynanmeusubordinado?SenhorYoung,aindatemmuitoa aprender. - para isso que aqui estou, senhor Collins - disse Young rispidamente -; estou aqui para aprender. No posso ser o escritor-fantasma de uma autobiografia do diretor doFBIsemconhecercomprecisoassuasrelaescomoProcurador-Geral,como Presidente,comaCIA,comtodososmembrosdogoverno.Podepensarquedevo ento dirigir-me ao diretor. J o fiz, creia-me. Mas ele estranhamente vago quanto ao processo governativo e ao papel que nele desempenha. H certas coisas que no posso esclarecer com ele. No que se recuse a contar - mas, s que no est interessado e fica impaciente. O que lheinteressacontarosseusfeitosnoFBIdirigidoporJ.EdgarHoover,asua posteriordemissoeoregresso.Tambmeuestouinteressadonisso.umapartedo livro. Mas estou igualmente interessado em saber que posio ocupa na estrutura global do poder em relao aos outros elementos. Collinsdecidiuserprestvel,esclarec-lo,mesmoqueissolhelevassemais alguns minutos. -Poisbem,senhorYoung,vamosassentaridias.DizoManualdoGoverno queodiretordoFBIdependedoProcurador-Geral.Segundoolivro,issoquese passa. Mas a realidade bem diferente. De acordo com a Lei Pblica nmero 90-351, a nomeaododiretordoFBInoincumbeaoProcurador-Geral,massimao Presidente, como parecere o consentimento do Senado. Apesar deo diretor do FBI meconsultaretrabalharcomigo,notenhoautoridadesupremasobreele.So Presidente o pode afastar sem a aprovao do Senado. Assim, o diretor Tynan s meu subordinado no papel. Um homem como Tynan, como j deve ter percebido, nunca subordinado. Estou certo de que ele, como todos os outros diretores do FBI, considera oseucargocomovitalcioseoquiser,evosprocuradores-geraiscomotransitrios. Portanto, voltando sua pergunta inicial, ele no tem trabalhado para mim e eu pouco contatei com ele. No, nem sequer como Adjunto do Procurador-Geral, quando fiquei encarregado do departamento depois de o coronel Baxter ter ido para o Centro Mdico daArmadaemBethesda.Lamentonolhepodersertil.Defato,noseioqueter levado o diretor Tynan a mand-lo aqui. Young endireitou-se ligeiramente. - Ah, no foi ele. Era eu que queria ter este contato. Collins tambm moveu o seu corpo seco na cadeira giratria de couro e espaldar alto, tpica do executivo. - Ento est tudo explicado. Sentiu-sealiviado.NadadeviaaodiretorTynan.Podiaacabarimediatamentea entrevista sem ofender Tynan. Contudo, continuava a querer ser educado com Young. Queria atirar-lhe um osso, mesmo que pequeno, e despedi-lo feliz. -Mas,voltandoaoassunto,oquequeriasabereraaminhaopiniosobreo diretor, para o seu livro... - Para o meu livro,no - cortou Young -, parao livro de Tynan. Ter onome dele.Tenhoestadoapenasatentarcompreenderaestruturaqueorodeiaapartirdos que trabalham com ele. Embora no o conhea bem, esperei que me pudesse ajudar. - Pois bem, deixe-me apresentar-lhe a idia que tenho dele nestes instantes que nosrestam,procurandoalgosimpleseseguro.Aminhaopinioqueodiretorum tpicohomemdeao,umprtico,umindivduoderespostapronta.Talvezesteja perfeitamente adequado ao trabalho que realiza. - Em que sentido? - O seu trabalho investigar o crime, investigar as contravenes federais. O seu trabalho desenterrar fatos e comunic-los.No tira concluses das descobertas, nem sequerapresentarecomendaes.Omeutrabalhofazeroresto,asdiligncias processuais baseadas nas suas descobertas. - Ento voc o homem de ao. Collins atentou no entrevistador ainda com mais respeito. -Noassimnarealidade-disse.-Podeparecer,masnoissoquesepassa. EusouapenasumdosmuitosadvogadosdaJustia.Nsseguimosavialentae cuidadosa,Tynane osseus agentes fazem o trabalho direto e perigoso. Mas, voltando ao que nos interessa, uma outra opinio que tenho sobre ele que... Bem, quando ele se envolve em qualquercoisa, qualquer coisa em que acredita realmente, no abandona a luta. muito obstinado, no bom sentido. o caso da 35.a emenda Constituio que espera a ratificao. Uma vez lanada pelo Presidente, logo Tynan a apoiou... Ishmael Young interrompeu: -SenhorCollins,nofoioPresidentequemlanouaemenda,foiodiretor Tynan. Espantado, Collins fixou o escritor. - Onde que foi buscar essa idia? - Ao prprio diretor. Ele fala da emenda como de um filho. -Penseeleoquepensar,noverdade.Masoquedissevemapenasdar-me razo.Quandoeleacreditaapaixonadamenteemqualquercoisa,torna-asua.E efetivamente, agora ele o principal sustentculo da emenda. to responsvel como qualquer outro, talvez mais que qualquer outro, pela sua aprovao. -Aindanofoiaprovada-disseYoungcalmamente.Desculpe-me,masainda no foi ratificada por trs quartos dos Estados. -Bem,masser-atalhouCollinsumtantoimpacientepeladigresso.-Js falta a aprovao demais dois Estados. - E j s restam trs para votar. - Dois deles votam hoje noite e creio que hoje mesmo a emenda far parte da Constituio. Contudo, ela s est onde est devido ao papel do diretor Tynan. - Olhou para o relgio. - Bem, parece-me que tudo. - Senhor Collins, s mais uma coisa, se me permite... Collinsergueuoolhareobservouaexpressosriadorostodovisitante. Esperou. -Sei...seiqueistonadatemavercomaentrevista-continuouYoung-,mas gostariadeconheceraresposta.-Hesitou.Agrada-lheessa35.aemenda,senhor Collins? Pestanejando,Collinsficouemsilncioporalgunsinstantes.Aperguntafora inesperada. Alm disso, nunca a tinha respondido claramente a ningum, nem sequer sua mulher Karen ou a si prprio. -Semeagrada?-repetiulentamente.-Noparticularmente.Realmente,no. Paralhedizeraverdade,notenhopensadomuitonisso.Tenhoestadoocupadona reorganizao. Confiei no Presidente e... e no diretor... - Mas um assunto que lhe diz respeito, a si e ao seu departamento. - Bem sei - resmungouCollins. - Todavia, parece-meque o Presidente sepode encarregarperfeitamentedisso.Talvezeufaaalgumasreservas,masnoconsigo sugerir nada melhor. Notou que o simptico Sr. Young se tornava menos simptico. Ficou tentado a perguntar-lhe, e perguntou-lhe mesmo: - E a si, senhor Young? Agrada-lhe a emenda? - Fica rigorosamente entre ns? - Rigorosamente. -Odeio-a-respondeuYoungperemptoriamente.-Odeiotudooqueafetaa Declarao de Direitos. -Parece-mequeexagera.Aemendavemalteraresobrepor-seDeclaraode Direitos,massemcertascondies,speranteumacontecimentodemxima emergncia interna que possa paralisar ou ameace destruir o pas. bem evidente que para a que caminhamos e assim a emenda ser uma base para fazermos nascer a ordem nesse caos... - Ir trazer-nos a represso. Ir sacrificar as liberdades em troca da paz. Collins comeou a sentir-se aborrecido e decidiu pr termo discusso. Toda a gentejulgavaterasoluoparatudo,paratodososproblemas,atsetera oportunidade de tentar realmente. -Muitobem,senhorYoung.Sabeoquesepassanasruas.apiorcrisede crime e violncia da nossa histria. Veja o ataque Casa Branca feito por aquele bando organizado de bandidos, h dois meses. Lembre-se das bombas, das metralhadoras... da morte dos treze guardas e agentes secretos, do assassnio de seteturistas indefesos,da destruio da Sala Este... ningum atentou de tal maneira contra a Casa Branca desde o ataque dos marinheiros ingleses em 1814. Masos Ingleses eram nossos inimigos nessa pocaeestvamosemguerra.Oataquedehdoismesesfoiperpetradopor americanos... por americanos. Nada est a salvo. Ningum est a salvo. Viu o noticirio da televiso hoje de manh? Young disse que no com a cabea. -Entodeixe-mecontar-lhe-prosseguiuCollins.-Peoria,Illinois. Departamento da polcia. O turno da manh apresentou-se ao servio, recebeu ordens e osagentescomeavamadirigir-separaasmotorizadaseparaoscarros,quando sofreramumaemboscadadeumbandoqueosesperava.Foramdizimados,um verdadeirobanhodesangue.Pelomenosumterodaforamortaouferida.Queme diz a isto? Ou ao fato (apresentado hoje por um matemtico) de que uma em cada nove pessoas nascidas este ano em Atlanta, caso ficassem na cidade, acabariam assassinadas? Repito, nunca tivemos uma crise de crime como esta na nossa histria. O que proporia para a resolver? Que faria? Era evidente que Ishmael Young j tinha discutido o assunto, pois a resposta foi pronta. -Poriaanossacasaemordemreconstruindo-a.Dospscabea.Comodizia George Bernard Shaw: "O mal a atacar no o pecado, o sofrimento, a voracidade, oabusodepoder,ademagogia,amonopolizao,abebida,aguerra,adoena,nem nenhumadasoutrasconseqnciasdapobreza,masaprpriapobreza."Tomaria medidasdrsticasparaacabarcomapobreza,paraprfimopressoeconmica, desigualdade, injustia, para pr fim ao crime... -Jnoestamosatempodaalteraoradical.Vejaqueeunodiscordodesi quanto ao que h que fazer basicamente. Tudo isso vir no devido tempo. - Nunca vir se a emenda passar. Collins no estava com disposio para prosseguir o debate. - Desperta-me a curiosidade, senhor Young. Fala assim quando trabalha com o diretor Tynan? Young abanou os ombros. - No estaria aqui neste momento se o fizesse.Falo-lhe assim porque... porque me parece uma pessoa honesta. - Sou uma pessoa honesta. - E... Espero que no se importe que lhe diga... No consigo compreender o que faz no meio dessa gente. Young atingira um ponto nevrlgico. Karen fizera-lhe a mesma pergunta h um ms, quando decidira aceitar o cargo de Procurador-Geral. Nessa altura conseguira dar-lhealgumasrespostas,masnoiaincomodar-searepeti-lasaumestranho.Emvez disso, disse: -Gostariadeveroutrapessoanestelugar?Algumrecomendadopelodiretor Tynan?Porquepensaqueoaceitei?Porqueacreditoqueaspessoashonestasacabam sempre por vencer. - Olhou novamente para o relgio e levantou-se. - Lamento, senhor Young. Esgotamos o tempo. Disse-lhe assim que entrou que tenho uma pilha de casos para rever. A seguir tenho de ir para a Casa Branca. Oua, daqui a uns meses j saberei muitomais e talvez lhe possadaruma ajudamaior. Porqueno contata comigo nessa altura? IshmaelYoungjestavadep,afastandooblocodenotas,pegandono gravador e desligando-o. - Contatarei consigo. Se ainda aqui estiver, e espero que esteja. - Estarei. - Ento c me ter. Muito obrigado. ChrisCollinsaproximou-se,apertouamodoescritoreficouav-lo bambolear-se a caminho da sala de conferncias que levava sala da recepo e ao trio do elevador. Subitamente desejou fazer uma ltima pergunta ao escritor: - J agora, senhor Young, h quanto tempo trabalha com o diretor Tynan? Ishmael Young parou no limiar da porta. - H quase seis meses. Uma vez por semana... desde h seis meses. - Mas acabou por no me dizer o que pensa dele... Young apresentou um sorriso forado. -SenhorCollins-disseele-euestariaainfringiroartigoquinto.Aindaexiste essequinto,noverdade?-resmungou.-Estetrabalhoomeuganha-po.Nunca arrisco isso. Alm disso, fui de certa forma pressionado para aceitar esta incumbncia. Mais uma vez, obrigado. Saiu. Esttico,Collinsficouapensarnaconversa,nacrisedopas,nanovaemenda queasolucionaria,noprpriodiretorTynan,meditandonoquepensavasobretudo isso.Mascompreendeuqueeraum"inventriodemasiadolongoequehaviamuito trabalho para fazer. Sentou-se, fez a cadeira rolar para junto da secretria e comeou a examinar os papis jacentes. Pouco tardou que esquecesse completamente o visitante. Ficou profundamente absorvidonoscasosquerequeriamatenoimediata:umraptointerestatal,uma violaodaleidaEnergiaAtmica,umaqueixasobreterrasdendios,umaao antitrusts,umterrvelcasodenarcticos,umainformaodeumjuizfederal,uma conspiraosubversivacontraoCongresso,umadeportao,umasriedeproblemas relativosatumultos,algumaspistassobrecincoconjurastendentesaaniquilarou derrubar o governo. Emboraabsorvido,Collinsmantinha-seextremamentesensvelaosrudos. Nesseprecisoinstante,naquietudedoseuamplogabinetedevinteemuitosmetros, percebeu do deslizar dos passos dela sobre o espesso tapete oriental. Levantou o olhar porsobreosdoismontesdepapeladaparaverMarionRice,asuasecretria, aproximar-seapressadamentevindadogabineteadjacente.Traziaumgrande sobrescrito. - Acaba de chegar, por mo prpria, do outro lado da rua - disse ela. Do outro lado da rua da Avenida Pensilvania, era o edifcio J. Edgar Hoover, o FBI, e o diretor Tynan. - Tem carimbado Confidencial e Importante - acrescentou. Deve ser do diretor. - estranho - disse Collins -, geralmente a correspondncia chega cedo. Ela estendeu-lhe o sobrescrito por cima da mesa e hesitou por instantes. - Se no tem mais nada para mim, vou-me embora. Collins ficou surpreso. - Que horas so? - Seis e vinte. -MeuDeus!Aindanemchegueiameio.Nodeviaterdeixadootalescritor roubar-me tanto tempo. - Recordou a conversa. - Bem, talvez tenha sido til. Era uma pessoainteressante.-Olhoutristementeparaumdosmontesdepapis.-Parece-me que tenho de levar grande parte para casa. Muito bem, Marion, pode fechar as portas e sair. -Novaitertempoparatrabalharmais.Noseesqueaquetemumjantars sete e um quarto na Casa Branca. Collins fez um trejeito. - Isso tambm vai ser trabalho. Elacontinuavaahesitar,depoisumsorrisoreticenteaflorou-lheorostolisoe alongado. -Eu...queriaaindadar-lheosparabnspelasuaprimeirasemanacomo Procurador-Geral. Estamos todos muito contentes. Boa noite. - Boa noite, Marion. Agradeo-lhe. Depoisdeelasair,quandoficous,fitouograndesobrescrito.Nosdiasque corriam, raramente vinham boas notcias do FBI, por isso foi com relutncia que abriu o sobrescrito. Retirouoquepareciasermeiadziadepginasdeestatsticasdatilografadas. Por cima delas vinha uma nota manuscrita. Pela intrincada letra que j lhe era familiar, pela pontuao errada (muitos travesses), pelas abreviaturas impacientes, soube que a nota fora escrita pelo diretor Vernon T. Tynan, antes mesmo de ler a assinatura. Despertada a curiosidade, Collins comeou a ler a nota. Caro Chris. Aquitemosnmerosmaisrecentesdosltimosmesesreferentessestatsticasdocrime-de longe os piores at agora, os piores da nossa histria - envio uma cpia para a Imprensa e outra para si afimdequepossav-losantesdenosencontrarmoscomaImprensalogonoite.Noteasubida vertical em assassnios, tumultos, roubos mo armada, raptos de Estado para Estado. Veja o meu P. S. sobre pistas quanto a conspiraes provveis e revolucionrios organizados- estamos numa camisa de onze varas e acabaremos por cair - a nica coisa que nos pode safar a aprovao definitiva da 35.a emenda - reze por isso hoje noite.J comuniquei pelo telefone estas estatsticas para os legisladores de Albany e Columbus, para que eles conheam a verdadeira situao antes de votarem logo. Lamento ter de lhe dar um relatrio to terrvel,masparece-mevitalqueseatualizeantesdeseencontrarcomaImprensa.Aindaestem esboo verifico com ateno antes de tornar pblico amanh. Vejo-o no jantar. Atenciosamente, Vernon. EnquantodobravaanotadeTynan,Collinsdeuumavistadeolhospelos relatrioscriminais,voltandovagarosamenteaspginas.Comparandoonmerode crimesviolentosincluindoassassnio,noltimomscomosdomsprecedente, notava-seumasubidade18%;osestuprostinhamaumentado15%,osroubose assaltos com agravantes, 30%; os tumultos, 20%. PousouaspginasdeTynan.Recordououtrasestatsticas.Devidoaesse aumento de criminalidade as prises estavam repletas. Cinco anos antes, a mdia anual depessoastemporriaoupermanentementedetidasnas250principaisprisesou reformatrioseradedoismilhesdepessoas.Apesardeumgrandeesforopara dominarosinfratoresdalei,apesardos45000advogadoseagentesdoFBIa trabalharem para o Departamento de Justia, apesar das trs divises especiais de tropas doExrcitodestinadasaocontroleinternopeloPentgono,apesardos22bilhesde dlaresagastarnoreforodaleiduranteocorrenteano(tinhamsidoapenas31/2 bilhesem1960),amdiadecrimescontinuavaasubiremespiral.Ocancrojno podia ser mantido em respeito pela fora, segundo parecia. Mais um ano e poderia ser o fim, a proclamao da morte da sociedade organizada. Recostou-senacadeira,comasmosjuntasnopeito,comoserezasse.Estava certoqueeraoperodomaisnegrodahistriaamericanadesdeaguerracivil.A anarquia e o terror dominavam cada novo dia. Quando se acordava de manh, nose sabiaseseveriaanoite.Quandoseadormecia,nosesabiaseseveriaamanh. QuandodavadiariamenteobeijodedespedidaaKarenantesdesairparaotrabalho, sentia a terrvel incerteza de poder no a encontrar (e ao filho que ela trazia no ventre) quando chegasse a casa. Sentiu a mo invisvel do medo apertar-lhe o estmago. No era a primeira vez. Por instantes, os seus pensamentos afastaram-se do caos das ruas para a compaixo por si prprio. Na verdade, ele, ele e Tynan, tinham o pior, o mais difcil trabalho da terra. A compaixo por si prprio levou-o a uma mrbida autofascinao. Mas ento porque teriaele,ChristopherCollins-previdente,nadavaidoso,ponderado,porvezesegosta (tambmsabiaserobjetivo)-,tomadoaseucargoestetrabalhoimpossveldeagente nmero um da lei e de cabea da mais importante firma de leis da nao? Teria chegado a essa posio sem convices apaixonadas (exceto, como Ishmael Young dissera, a de queasociedadedemocrticatinhadeserreestruturada),nemsolues,apenaspelo desejodepoder?Outeriasidoparacumprirumdeverpatritico?Ouporum sentimento cavaleiresco de que podia fazer algum bem? Ou teria sido afinal a vtima de umadeformaomasoquistaouatsuicidadasuapersonalidade?Nosabia.Pelo menos nessa noite. Ouviu ento o telefone tocar. Voltou-se para a esquerda, encarando o mvel de carvalhoemqueestavainstaladooP.B.X.,eviuqueasualinhapessoal(paraKaren, para os amigos, diferente das outras linhas para o Presidente, para o diretor, para o seu adjunto, Ed Schrader) tinha o boto iluminado. Levantou o auscultador. - Fala Collins. - Querido, espero no te interromper... - Era a voz de Karen. - No, no. Estava a tratar de uns assuntos de ltima hora. Como ests, amor? Ela no respondeu diretamente. Limitou-se a dizer: -Seiquevamosjantarforahojenoite.Queriasaberahoraaqueoteu motorista me vem buscar. s sete? -Umquartoparaassete.Encontramo-nosssete.SomosesperadosnaCasa Branca quinze minutos depois. O Presidente quer que cheguemos a horas. Ficaremos a ver a reportagem especial da televiso de Nova Iorque e Ohio. J ests vestida? -Aindastenhoaroupainterior,masjestoumaquiada.Agorasvestir qualquercoisaporcima.Quetipoderecepo?Possolevarovestidovermelhode malha? -Vesteoqueacharesmelhor.AsecretriadoPresidentedissequeseriamuito informal. -Entoachoqueovermelhoserve.Deveseraltimavezqueopossousar antes de a barriga se comear a conhecer. - Algum movimento hoje? - Onde? Ah, sim, l dentro. Algumas tentativas de pontaps. -timo.OsRedskinsprecisamdeumavanado.Masaindanomedisseste como te sentes. - Parece-me que estou muito bem. Atendendo s circunstncias. - Quais circunstncias? - ele sabia, mas mesmo assim tinha de perguntar. - Sabes bem o que penso de todos esses protocolos. S estive uma vez contigo na Casa Branca, na altura em que fomos com os Baxter Sala de Jantar do Estado. E foiterrvel.Masagoradizesquesetratadeumacoisarestrita,ntima,eisso duplamente assustador. No saberei que dizer. - No ters de dizer absolutamente nada. Ficamos todos a ver televiso. -Porquetensdelir?Halgumacoisatoimportanteparateresdeestar presente? - J no te lembras? Contei-te de manh. - Desculpa... -Notemimportncia.Eurepito.Primeiro,oPresidentequerquev.Isso quantobasta.Depois,eusouoProcurador-Geral,a35.aemendapassaporuma votaocrucialestanoiteeissocainaminhaesfera.Todosmejulgamumdos principais interessados.H reportagens especiais noite sobre as sesses dasCmaras baixas de Nova Iorque e Ohio, feitas em direto. Como dois dos trs Estados que ainda no votaram vo faz-lo hoje, faltando apenas dois para a 35.a emenda se tornar parte integrante da Constituio, uma grande noite. Compreendeste? - Sim, percebi. No te zangues comigo, Chris. que no percebia bem o que se iapassar.-Fezumapausa.-Queresquesejaaprovada?Lialgumascoisasdurasa respeito dela. - Tambm eu, amor. No sei. Realmente no sei o queser melhor.A emenda podeser boa se foremboas as pessoasque dirigemo pas. Maspodeserm, se essas pessoas forem ms. S posso dizer que, se passar, o meu trabalho se tornar mais fcil. - Ento espero que passe - mas a sua voz no tinha convico. -Bem,comodizemnomisteriosoMdioOriente:seroquetiverdeser. Limitemo-nos a comer o jantar do Presidente, a ver e a ouvir. - Viu as horas. - bom ires vestir-te. O motorista deve estar a chegar. Amo-te. At j. Depoisdedesligar,decolocarummontedepapisnotabuleirodos DESPACHADOS,demeterorestonapasta,ficousentadoapensaremKaren. Lamentava ter sido um pouco rude para com ela. Ela merecia mais, o seu melhor. Sabia que essa noite iria ser uma provao para ela. Karen opusera-se desde incio mudana, aoseucargodeAdjuntodoProcurador-Geral,sadadaadvocaciaprivadaemLos Angeles em troca do cargo pblico em Washington, e ainda com maior veemncia, ao cargo governamental de Procurador-Geral. Embora ela geralmente no se manifestasse ese pretendesse apoltica, ele sabia qualeraasuaposio.TudoficaraclaroquandoeleentraraparaoDepartamentode Justia.Elanogostavanemconfiavanaspessoascomquemeletrabalhava,desdeo PresidenteWadsworthaodiretorTynan.Almdisso,tentaraexplicar-lhequeeraum cargo de bode expiatrio. O pas afundava-se rapidamente e ele seria o primeiro a cair. E tambm no gostava do trabalho que se fazia no gabinete. Acima de tudo, Karen no queriavivernumaroda-viva,nodesejavaasamizadesforadas,nemasociabilidade imposta, nem a nudez perante os mass media exigida pela sua posio. Nessa altura eram recm-casados - ambos pela segunda vez -, agora eram-no h dois anos, ela estava j no quartomsdegravidezesdesejavarecato,intimidade,tranqilidade,enoqueria compartilh-lo. Collinslevantou-sedacadeira,decididoaficarjuntodeladurantetodaanoite, pormaisdifcilqueissopudesseser,easermeigo.Ergueu-seatodaaalturadoseu1,83m,atouvirosossosrangerem.Fitouporinstantesoseurostocadavrico,mas no deselegante, penteou o cabelo negro ao espelho e viu que tinha doze minutos at chegada do carro. Encaminhou-se para a sala de estar privativa, por trs do gabinete da secretria, para se lavar e mudar de roupa, perguntando-se se seria realmente uma noite histrica e memorvel. QuandooCadillacpassoupeloportodeferronegro,hojeaberto,do gradeamentoquecorriaaolongodaAvenidadaPensilvania,eentrounasinuosarua que levava Casa Branca, Collins notou de imediato a presena de um grande nmero de jornalistas em frente da fachada norte, esperando com o equipamento de iluminao ligado. MikeHogan,oagentedoFBIquedesempenhavaasfunesdeseuguarda-costas, voltou-se no lugar da frente e perguntou-lhe: - Quer falar-lhes, senhor Collins? Collins apertou a mo de Karen e respondeu: - No, se o puder evitar. Vamos diretamente para dentro.Depois de sarem do carro no Prtico Norte, Collins esquivou-se delicadamente imprensa. Pegando no brao de Karen, seguiu apressado atrs de Hogan em direo entradadaCasaBranca.Respondeuapenasaumaperguntaantesdeentrarem.Um reprter da televiso chamou-o: -SenhorCollins,soubemosquevemassistiraoprogramadateleviso.Oque lhe parece que vai acontecer? Collins respondeu de passagem: -VamosassistirreposiodeEoventolevou.SuponhoqueoNortequem vence. L dentro, esperavam-no duas surpresas. Julgara que a reunio se realizaria na Sala Vermelha, ou numa das outras salinhas menoresdoprimeiroandar,masemvezdissoeleeKarenforamacompanhadosao gabinetedetrabalho,naalaOeste.Julgaraqueestariampresentesumastrintaou quarenta pessoas, mas eram apenas umas doze alm de Karen e dele prprio.Naparedefronteirastapeariasverdesquecobriamasportasfrancesasque levavamaosroseiraisdaCasaBranca,juntodasprateleirasdelivros,tinhasido instaladoumgrandemveldetelevisoacores.Vriaspessoasviamdepofilme, emboraosomtivessesidodesligado.Metadedascadeirasdecouroquerodeavama comprida e resplandecente mesa escura (que fazia lembrar a Collins um esquife para o gigantedeCardiff)tinhamsidoviradasdefrenteparaateleviso.Doladoopostoda mesa, por baixo do braso pendurado na parede de este e entre as bandeiras americana e presidencial, o Presidente Wadsworth mantinha animada conversa com os dirigentes da maioria do Senado e da Cmara dos Representantes, acompanhados pelas mulheres. EmboraCollinsjtivesseestadonogabinetedetrabalhoumameiadziade vezes-cincodelascomoAdjuntodoProcurador-Geralemsubstituiodocoronel Baxter,enoprincpiodestamesmasemanajcomoProcurador-asalapareceu-lhe estranha.Issoporquetodaelatinhasidoreformulada.Muitascadeirastinhamsido aproximadasdateleviso;noextremodamesa,emfrentedoretratodeWashington pintado por Gilbert Stuart que pendia por cima do fogo de sala, os hors d'oeuvres eram conservadosquentesembrilhantestravessasdecobreaquecidas,dispostassobrea toalha verde e sob a vigilncia de um chefe de cozinha de alto barreto branco. O sbrio gabinetetinhasidotransformado,devidoconfusoinformal,numasaladeestar confortvel e mais ampla. EnquantoCollins,debraodadocomKaren,examinavaacena,oadjunto principaldoPresidente,McKnight,aproximou-sesemdetenaparalhesdarasboas-vindas. Circundaram o gabinete, cumprimentando sucessivamente, pela primeira vez ou denovo,oVice-PresidenteFrankLoomiseamulher;MissLedger,asecretria particulardoPresidente;RonaldSteedman,oconsultorparticulardopresidenteda Universidade de Chicago; o Secretrio do Interior, Martin; os dirigentes do Congresso e as respectivas mulheres, e, por fim, o prprio Presidente Wadsworth. OPresidente,umhomemsimples,delicadoeurbano,quasegalanteador,de cabelopretoaacinzentarnastmporas,narizpontiagudo,queixoretrado,pegouna mo de Karen, apertou a de Collins, e comeou quase de imediato a desculpar-se. -Marta-referia-sePrimeiraDama-temmuitapenadenopoderestar presenteparaosconhecermelhor,masestdecamacomumprincpiodegripe.Ah, mas vai curar-se e haver outras ocasies... Bem, Chris, parece que vamos ter uma noite feliz. - Assim o espero, senhor Presidente - disse Collins. - H alguma novidade? - Como sabe, os Senados estaduais de Nova Iorque e Ohio ratificaram ontem a 35.a emenda. Agora estamos nas mos da Assemblia de Nova Iorque e da Cmara de Ohio.Logoaseguirsvotaesdeontem,Steedmanpsosseusgruposde conselheirosaformigarememAlbanyeColumbus,falandocomoslegisladores estaduais. Ohio parece garantido. Steedman tem os nmeros e so convincentes. Nova Iorqueumpoucomaisduvidosa.Podecairparaqualquerdoslados.Amaioriados deputados contatados estavam indecisos ou no queriam fazer comentrios, mas entre osqueresponderamhouveumganhoaprecivelemrelaosltimassondagens.A situao parece ser-nos favorvel. Alm disso julgo que as ltimas estatsticas do FBI... Boa noite, Vernon. O diretor Vernon T. Tynan acabava de se juntar a eles, ocupando todo o espao vazio com a sua presena imponente. Apertou a mo do Presidente, a mo de Collins, cumprimentou Karen pelo seu timo aspecto. - Estava precisamente a dizer, Vernon - prosseguiu o Presidente com a sua voz vibrante -, que os nmeros que me mandou h uma hora devem ter grande impacto em Albany. Ainda bem que os conseguiu a tempo. -Nofoifcil-disseTynan.-Foiumagrandeluta.Mastemrazo.Devem ajudar.RonaldSteedmanparecemenoscerto.Acabodefalarcomele.Pelassuas previses, Ohio deve estar do nosso lado, mas Nova Iorque anda a vogar. No parece muito confiante nesta votao. -Poiseuestouconfiante-disseoPresidente.-Daquiaduashorasjteremos trintaeoitodoscinqentaEstados,eumanovaemendaConstituio.Eteremos finalmente meios para preservar este pas, se tanto for necessrio. Collins acenou com a cabea na direo da televiso colocada do outro lado da mesa. - Quando comea, senhor Presidente? -Daquiadezouquinzeminutos.Estoaprepararoterrenocomalguns comentrios. - Bem, ns vamos dar uma olhadela - disse Collins. - E tomar uma bebida. Enquanto conduzia Karen, notou que Tynan continuava ao seu lado. - Parece-me que tambm vou tomar uma bebida - disse Tynan. Caminharam em silncioparaamesaondeocriadodoPresidenteCharles,serviaasbebidasporentre filas de copos e garrafas, baldes de gelo e um refrigerador de champanhe. Adiantando-se, Tynan espreitou para Karen e perguntou-lhe: - Como se sente, senhora Collins? Tem passado bem?Surpreendida,Karenalisouocurtocabelocastanho,baixandoamologode seguida, num gesto automtico, para o cinto folgado. - Nunca me senti melhor, obrigado. - Ainda bem, ainda bem que a ouo dizer isso - volveu Tynan. Collins, depois de ter pegado numa taa de champanhe e uma tosta de caviar para Karen, e de ter retirado um Scotch com gua para si, quando se dirigiam para duas cadeiras vazias em frente da televiso, sentiu que a mulher lhe puxava a manga. Inclinou a cabea. - Ouviste-o - murmurou ela. - Quem? -Tynan.Asbitapreocupaocomaminhasade...semesentiabem.Estava praticamente a dizer-nos, sua maneira, que sabe perfeitamente da minha gravidez. Collins parecia confuso. - No pode saber. Ningum sabe. - Ele sabe - sussurrou Karen. - Mas mesmo que tenha descoberto, que importa? - Quer recordar-te que omnisciente. Para te manter na linha, a ti e a todos os outros. -Achoqueestsaexagerar.Elenoassimtosutil.Estavaapenasaser mundano, foi uma observao inocente. - Claro, como o lobo do Chapeuzinho Vermelho. - Chiu, baixa a voz. Tinham chegado scadeirasquase em frente do grande aparelhode televiso e sentaram-se. Beberricando,Collinstentouconcentrar-senoprograma.Oconhecido comentadordiziaqueseriamconsagradosalgunsminutosarecordaroprocesso seguidopararealizarnovasemendasnaConstituio,emaisespecificamentea rememorarotrajetoda35.aemenda,desdeoseunascimentoataestemomentoem que estava beira da ratificao. "H duas maneiras de iniciar o processo de emendas Constituio dos Estados Unidos"-comeou o comentador. Collins pousou o copo, acendeu um cigarro a Karen e outro para si, e recostou-se, prestando uma vaga ateno. "Umdosmeiosparainiciaroprocessotendentearealizarumaemenda, prop-lanoCongresso.Ooutromeiov-laapresentadanumaconvenonacional convocadapeloCongressoapedidodedoisterosdosEstados.Athoje,nenhuma emendapartiudetalconveno.TodaselastiveramincionoCongresso,em Washington.Umavezapresentadaumaresoluopropondoumanovaemenda,quer noSenadoquernaCmaradosRepresentantes,soouvidososComitsdeLeiseos Judicirios. Depois de ser aprovada por esses comits, a emenda segue para o plenrio doSenadoedaCmaradosRepresentantes.Paraseraprovada,sonecessriosdois teros dos votos de cada um desses corpos legislativos. Uma vez aprovada, no carece da assinatura do Presidente dos Estados Unidos. Em vez disso, so enviadas cpias aos ServiosGeraisdeAdministrao,queporsuavezdistribuemaemendapelos governadoresdoscinqentaEstados.Osgovernadoreslimitam-seaencaminhara emendaparaaslegislaturasdosseusEstados,paraaserdebatidaevotada.Setrs quartos das legislaturas estaduais - isto , 38 dos 50 Estados - ratificarem a emenda, esta torna-se oficialmente parte da Constituio." Collins deitou o cigarro para o cinzeiro, pegou novamente no copo e continuou a ver o programa. O comentador continuava a falar: "DesdequeasprimeirasdezemendasforamintegradasnaConstituio,ou melhor,desde1789,foramapresentadascincomilesetecentasresoluesno CongressoparaemendaraConstituionumounoutroponto.Foramsugeridas emendas de todos os tipos: para substituir a Presidncia por um conselho governativo compostoportrspessoas,paraaboliraVice-Presidncia,paramudaronomede EstadosUnidosdaAmricaparaEstadosUnidosdaTerra,paraalterarosistemade votao em colgio eleitoral, para erradicar o sistema de livre iniciativa de modo a que nenhumindivduopossussemaisdedezmilhesdedlares.Desseaglomeradode cincomilesetecentaspropostasdeemendas,dasquenomorreramlogono Congresso,dasqueforamenviadasaosEstados,strintaequatroforamratificadas pelos dois teros dos Estados necessrios. Em geral, at agora no houve limitao do tempoqueosEstadostmpararatificarourejeitar.Aemendamaisrapidamente aprovada da nossa histria foi a 26.a, concedendo o direito de voto aos dezoito anos. E assim chegamos mais recente emenda, a 35.a, que poderemos ver morrer ou tornar-se lei desta terra hoje noite.'' Collinsouviuomovimentodoscorpos,oarrastardascadeiraseviuos convidados amontoarem-se pouco a pouco em frente da televiso. Depois concentrou-se totalmente no aparelho. "A controversa 35.a emenda, destinada a substituir as dez primeiras emendas, ou aDeclaraodeDireitos,emcertassituaesdeemergncia,nasceudodesejodos dirigentes doCongresso e do Presidente Wadsworth de forjar uma arma para impor a lei e a ordem na nao, se tanto for necessrio." - Arma? - interrompeu o Presidente, que acabava de se sentar junto de Collins. - Que quer ele dizer com arma? Se verdade que a linguagem pode ser prejudicial, aqui estumexemplo.Quemmederaverumaemendaaprovadaparapodertratarde comentadores destes. -Estamosaaprovaruma-bramouodiretorTynandasuacadeiranolado oposto. - A 35.a tratar destes perturbadores. CollinsentreviuoolharcortantedeKaren.Incomodado,voltouaprestar ateno televiso. "...eassim,depoisdetersadodoscomitsedetersidoapresentadasoba formaderesoluo-prosseguiaocomentador-,passouaoplenriodoSenadoeda Cmara para a votao final. Apesar da oposio oral, mas reduzida, dos blocos liberais, ambososcorposdoCongressoderamemendaamplaaprovao,queexcedeuem muito os dois teros de votos necessrios. Em seguida, a nova emenda foi enviada para os cinqenta Estados. Isso passou-se h quatro meses e dois dias. Aps uma aprovao relativamentefcilnosprimeirosEstadosquevotaram,aviagemda35.aemenda tornou-secadavezmaistempestuosa,medidaqueaoposioseorganizavacontra ela. At data, j a votaram quarenta e sete dos cinqenta Estados. Onze rejeitaram-na. Trinta e seis deram-lhea sua aprovao.Mas como a emenda precisade ser aprovada por trinta e oito, ainda faltam dois Estados. Ora, neste momento, apenas trs Estados aindanovotaram:NovaIorque,OhioeCalifrnia.NovaIorqueeOhiorealizama votaohojemesmo,acontecimentohistricoquepresenciaremosdaquiapouco, enquantoaCalifrniamarcouavotaoparadaquiaumms.Massernecessriaa Califrnia? Se Nova Iorque e Ohio rejeitarem hoje a emenda, ela ficar imediatamente postadelado.Se,pelocontrrio,ambososEstadosaratificarem,tornar-se-de imediatopartedaConstituio,eoPresidenteWadsworthteroseuarsenalpara combater a crescente criminalidade e a desordem que pouco a poucovo sufocando a nao.AvotaodestanoiteemNovaIorqueeOhiopoderserhistrica,poder mudarorumodahistriaamericanaparaoprximosculo.Dentrodemomentos, aps um breve intervalo para publicidade, iremos lev-los at Assemblia estadual de Albany,NovaIorque,ondeodebatenoplenrioestachegaraofim,precedendoa realizao da votao final nominal." Oannciodeumagrandecompanhiadepetrleo,quedeclaravaestar finalmente ao dispor do pblico, uma companhia que pretendia apenas ser um servio pblicodestinadoatornaravidamaisfcilefelizaopovo,foirapidamenteabafado pela elevao das vozes que conversavam na sala. Collinslevantou-se,aproveitandoparairencherdenovoocopo.Karentinha tapadooseucomamo,indicandoquenobeberiamaischampanhe.Eledeixou-ae abriu caminho por entre os convidados em direo ao bar improvisado na mesa. Viu o Presidenteacompanhadopeloseuconsultor,Steedman,porTynaneMcKnight,e supsqueestivessemumavezmaisareverasinformaesdeltimahorasobreas intenes da Assemblia de Nova Iorque. Quando Collinsvoltoupara a cadeira, comum Scotchgelado na mo, viuque a televiso focava um grande plano da Assemblia. - O que que se vai seguir? - perguntou a Karen. - Est mesmo a comear - respondeu ela. - O debate no plenrio est a chegar ao fim. O ltimo orador est a concluir o discurso a favor da emenda. CollinsbebeuumgrandegoledeScotcheatentounograndeplanodeum indivduo, identificado como o deputado Lyman Smith, que perorava. Collins ouviu-o. "...eemboraaConstituiodosEstadosUnidos,talcomofoiescritapelos nossos antepassados,seja umnobre instrumento legaldizia o orador -, repito-vosque no sacrossanta. No foi feita para petrificar com o correr dos anos. Pretendeu-se que fosse flexvel (e por isso se estabeleceram provises para ser alterada), suficientemente flexvelemutvelparairaoencontrodasnecessidadesdecadanovageraoepara acompanharoprogressohumano.Lembrem-se,meusamigos,queestanossa Constituiofoiescritaporumgrupocompostonasuamaioriaporjovensradicais, homens que vieram sesso de assinatura em carruagens puxadas por cavalos, homens queusavamperucas,homensqueseserviamdepenasparaescrever.Esseshomens nuncaouviramfalardecanetas,mquinasdeescrever,calculadoraseletrnicas.No conheciam a televiso, os avies a jato, as bombas atmicas nem os satlites espaciais. EcertamentenuncaouviramfalardoSbadoEspecial.Masintroduziramnasua Constituio o instrumento que permitiria ajustar as nossas leis federais ao que o futuro pudessetrazer.Essefuturosomosns,amudanabate-nosportaechegouo momentodealteraranossaleisupremadeacordocomasnecessidadesdanossa presente cidadania. A velha declarao de Direitos, tal como foi estabelecida por esses fundadores de perucas, demasiado ambgua, demasiado geral, demasiado branda para enfrentar a vaga dos acontecimentos que conspiram para destruir o funcionamentoda nossasociedadeeaestruturadanossademocracia.Saaprovaoda35.aemenda pode dar aos nossos dirigentes uma mo mais firme. S a 35.a emenda nos pode salvar. Por favor, caros amigos e colegas, votai pela ratificao!" Enquantoooradorretomavaoseulugar,acmaradatelevisogiroupela Assemblia, mostrando uma trovoada de aplausos. No gabinete, volta de Collins, tambm se ouviam aplausos calorosos. -Bravo!-exclamouoPresidente,pousandoocharutoUppermanparabater palmas. Olhou para trs por cima do ombro. McKnight, quem o deputado que acaba de falar? Qualquer coisa... Smith? H de ver quem . Pode ser-nos til na Casa Branca umapessoaquepensatocorretamentee,almdisso,eloquente.-Oseuolhar regressou televiso. - Tomem todos ateno. A chamada vai comear. Jestavaacomear,eCollinsouviaosnomesdosdeputadoseosseussinse nos.Dentrodasala,ouviaodiretorTynanpreverqueseriaumacorridadecavalos. Atrsdesi,ouviaavozsussurrantedeSteedmanafirmarqueoveredictoaindaia demorar, pois a Assemblia tinha 150 membros. Porqueiademorareporqueestavacansado,Collinsdeixouasuaateno deslizar da televiso. Concentrou-a em Tynan, de p, com o rosto de bulldog afogueado pelaansiedade,osolhosenevoados,seguindoavotao.Olhouparatrs,parao Presidente, cuja atitude era grantica, impassvel, esttica, como se estivesse a posar para uma escultura talhada no Monte Rushmore, absorvido pela televiso. Homenshonestosededicados,pensouCollins.Poucointeressavaoqueos outrosdiziam-crticoscomoIshmaelYoung,ouatreticentescomoKaren.Estas pessoas eram seres humanos responsveis. Sentiu-se bem dentro deste crculo de poder. Sentiuquelhepertencia.Eraumasensaomaravilhosa.Desejoupoderagradecer pessoa que ali o colocara: o coronel Baxter, que ali faltava, que jazia em coma no leito de um hospital em Bethesda. Collins tinha acreditado que devia tudo ao coronel Baxter, mas agora, pensando bem,viuquetinhasidoumasriedeacasosedeequvocosaelev-loposiode Procurador-Geral. Era o filho mais novo e o coronel Baxter tinha sido companheiro de quarto em Stanfor e amigo ntimo do seu pai nos primeiros anos de luta ps-graduao. OpaideCollins,quesempretinhadesejadopraticaradvocacia,acabaraporselanar nos negcios, chegando a ser um abastado fabricante de acessrios eletrnicos. Collins lembrava-se do grande orgulho que o pai tinha por ele: o seu advogado. Tinha sempre mantido o coronel Baxter e outros amigos ao corrente dos progressos do filho e da sua crescente reputao na advocacia. Doisacontecimentosdistintos,hjalgunsanos,tinhamatradoaindamaisa ateno do coronel Baxter para ele. Um foi a sua breve mas bem publicitada atividade comoadvogadodaUniodasLiberdadesCivis,emSoFrancisco.Tinhadefendido comxitoosdireitoscivisdeumaorganizaoclaramentefascista,porqueacreditava na liberdade de expresso para todos. Tinha sido uma questo de princpios e no uma concordnciadeopinies.MasocoronelBaxter,umconservador,tinhaficado impressionadoporrazesenganosas.Poucodepois,quandoserviacomoProcurador dodistritodeOakland,Collinstinhachamadoaatenonacionalaofazercondenar trsassassinosnegrosquetinhamcometidocrimesparticularmentehorrendos.Isso tinhaimpressionadoaindamaisocoronel,mostrandoqueelenoeraumhomemde coraofracoqueprocuravaumajustiamaiscompassivaparaosnegrosqueparaos brancos.Squeaimprensanuncatinhaditoquaiseramasverdadeirasopiniesde Collins: que esses negros criados na doena, na pobreza e no desemprego tinham sido asverdadeirasvtimas,vtimasdasociedade.Infelizmente,aleinotinhadisposies mitigadoras que contemplassem a infelicidade de possuir aqueles genes malfadados. Sim, foram esses fatos de primeira pgina que impressionaram o coronel Baxter. OfatodeCollins,naadvocaciaprivadaemLosAngeles,tertambmdefendidocom xitoosdireitoseavidadediversasorganizaesdenegrosemexicanos,ter conseguidosalvaropescooadezenasdedissidentesbrancos,tinhasidovistopor Baxtercomoumaaberraodajuventudeouumailusodaconscinciadeumjovem advogadoemascenso.Assim,apoiadonessascredenciaisenavelhaamizadedoseu pai,CollinstinhasidochamadoaWashingtonparasetornarAdjuntodoProcurador-Geral Baxter e, devido s circunstncias, devido ao mal arterial do coronel, acabara por ser Procurador-Geral dos Estados Unidos e parte deste grupo de elite. Os pensamentos que lhe dominavam o esprito pareceram-lhe estranhamente ruidosos e percebeu ento que isso se devia ao estranho silncio que reinava na sala. Comeou a olhar sua volta, quandoviusubitamenteoPresidentepulardacadeiraeouviurebentaremaplausos calorososemunssono.Espantado,olhouparaatelevisoeparaKaren,queno aplaudia e lhe sussurrou: -Acabadepassar.AAssembliadeNovaIorqueratificoua35.aemenda. Consegues ouvir o locutor? Est a dizer que agora j s falta um Estado para a emenda entrar em vigor. Ligaro para Columbus depois de um intervalo e de um breve resumo. Estavamtodosdep,jubilosos.Steedmanencobriumomentaneamentea televiso enquanto dizia: -Parabns,senhorPresidente.Temosdeadmitirquefoiumaviragem,uma surpresa.Aspercentagenseram-nosfavorveis,masnohaviamnenhumaindicao para um resultado destes. O diretor Tynan apertou o ombro de Collins at lhe fazer doer. - Grande notcia, meu amigo, no acha? Grande notcia! - Vernon... - chamou o Presidente. - Sim, senhor Presidente. -Sabeoquenosdeuavitria?SabeoquetrouxeNovaIorqueparaonosso lado? Foi o ltimo discurso feito por aquele deputado, o tal Smith. Aquele discurso foiperfeito. Era como se tivesse sido escrito por voc. Tynan sorriu ironicamente. - Talvez eu o tenha escrito. Todos os que o ouviam, riram como se disfrutassem um segredo compartilhado. Collins tambm riu, porque no percebeu mas queria continuar a pertencer ao grupo. Uma voz aguda interrompeu-os: - O jantar volante est pronto - informava Miss Ledger, secretria particular do Presidente,dirigindoosconvidadosparaoextremoopostodamesa.-Esttudo preparadodemaneiraapoderemficarcomospratosemcimadosjoelhos.Noh facas, s garfos. melhor servirem-se, antes que comece a votao de Ohio. Collins pegou no brao de Karen e levantaram-se. Podia ver a parte da mesa que tinha sido transformada em buf. Ele e Karen eram quase os ltimos da fila quando chegouaalturadeseserviremjosoutrosvoltavamaosseuslugares.Avotaodo Ohio devia estar a comear na transmisso a cores. Pouco depois, com o prato repleto de febras de frango, salmo frio com molho depepino,saladavariadaefrutafresca-massempo-,seguiaKarenparajuntodo semicrculo de convidados que rodeavam o aparelho de televiso. Viu que o Presidente tinha tomado o seu lugar, por isso guiou Karen para as cadeiras de trs. Espreitou por entreosconvidadosqueestavamsuafrente.NatribunadaCmarados Representantes do Estado de Ohio, estava algum a ler uma resoluo. Collins desistiu de tentar ver e recostou-se para prestar ateno, enquanto comia as febras de frango. A voz no aparelho de televiso atroava: "PropostadeemendaConstituiodosEstadosUnidosparasalvaguardada seguranainterna.FoiresolvidopeloSenadoepelaCmaradosRepresentantesdos EstadosUnidosdaAmrica,reunidosnoCongresso,concorrendoparatantodois teros de cada rgo, propor uma emenda Constituio dos Estados Unidos, que ser vlida para todos os fins e efeitos como parte da Constituio se for ratificada por trs quartosdaslegislaturasdosdiversosEstados.Areferidaemendaseraseguinte:As emendasConstituionmeros1a10serosubstitudasemcasodeemergncia nacionalinternapelaseguinteemenda:Seco1.Nmero1.Nenhumdosdireitosou liberdadesgarantidospelaConstituiopodemsertomadoscomopermissoparapr emperigoasegurananacional.Nmero2.Naeventualidadedeperigoclaroe imediato,umaComissodeSeguranaNacional,nomeadapeloPresidente,dever reunir-seemsessoconjuntacomoConselhodeSeguranaNacional.Nmero3. Considerando-sequeasegurananacionalestemperigo,aComissodeSegurana Nacionalproclamaroestadodeemergnciaeassumirpoderesplenipotencirios, sobrepondo-seautoridadeconstitucionalatoperigoemcausatersidocontrolado e/ou eliminado. Nmero 4. O presidente da Comisso ser o diretor do FBI. Nmero 5.Aproclamaomanter-se-apenasduranteoperodoemqueseconsiderarquea emergncia continua a existir, e terminar automaticamente com a declarao formal do fim da emergncia. Seco 2. Nmero 1. Durante o perodo da suspenso, os restantes direitos e privilgios garantidos pela Constituio continuaro a ser inviolveis. Nmero 2. Todas as aes da Comisso devero ser decididas por unanimidade." Collins j tinha lido vrias vezes tudo aquilo, mas agora que o ouvia em voz alta soava-lhe mal. Aborrecido, recostou-se a petiscar. -VofazerachamadanaCmara-disseoPresidente.-Estacomeara chamada nominal. Bem, so favas contadas. certo. A emenda est no saco. C est, j comeou. Esto a chamar os nomes dos noventa e nove deputados. Collinspousouoprato,eprestounovamenteateno.Podiaverosgrandes planosdosdiversosdeputadosdaCmaradosRepresentantesdoOhiopremindoos botes das suas carteiras. Podia ver os votos a serem registados num dos dois grandes quadros das duas extremidades da Cmara. Sins e nos a par e passo, muito prximos. Asalaestavaemsilncio,cortadoapenaspelasinterrupesmomentneasdavozdo reprterdatelevisoquerepetiaasmarcaes.Osminutoscorriamcompassados.A votaoprosseguiaininterrupta.Ograndequadroindicavaosvotos.Sim.No.No. No. Sim. No. Sim. No. No. A voz do locutor sobreps-se votao: ''Os nos acabam de passar frente. uma surpresa. A ratificao parece estar comprometida.Apesardapropagandaedassondagens,pareceestaradar-seuma viragem." Maisminutos.Maisvotos.Tosubitamentecomocomeara,tudoacabou.A 35.aemendatinhasidopostadelado,rejeitadapelaCmaradosRepresentantesde Ohio. Houve resmungos e desabafos de desapontamento e desgosto por parte dos que estavamnasala.Inesperadamente,Collinssentiuocoraoabatermaisdepressa. LanouumlongoolhardesoslaioaKaren.Estavaimpassvel,mastentavaesconder um sorriso. Collins franziu os sobrolhos e desviou o olhar. Comearamtodosalevantar-se.Quasetodosestavamdecarafechada. Confusos, muitos dos convidados reuniram-se volta do Presidente. Encolhendo os ombros, o Presidente olhava para o conselheiro. - Pensei que eram favas contadas, Ronald. O que foi que correu mal? -Pelassondagenstnhamosprevistoumavitriapormargemconfortvel- respondeu Steedman. - Mas a ltima amostragem dos deputados foi feita h trinta e seis horas. Quem poder dizer que variveis entraram em jogo ou o que aconteceu entre os deputados durante as ltimas trinta e seis horas? O ajudante do Presidente, McKnight, agitava o brao. - Senhor Presidente, o locutor... parece que ele vai dar uma explicao... OPresidenteeosconvidados,incluindoCollins,voltaram-sedenovoparaa televiso. De fato, o comentador parecia ter uma resposta. "...e acaba de chegar agora mesmo nossa cabina esta informao. Ainda no a pudemosconfirmar,masvriosdeputadosindicaramaonossoreprterpresenteno plenrioquenanoitepassadaehojedemanhhouveumacampanhaintensiva,um esfororelmpagodeAnthonyPierce,ouTonyPierce,odirigentedoDDD,ogrupo nacional conhecido como Defensores da Declarao de Direitos, que s h cerca de um ms iniciou a campanha entre os legisladores dos ltimos Estados a votarem a emenda equeacabadeobterumxitoretumbanteemOhio.Dizem-nosquesonzehoras, Pierceencontrou-secommuitosindecisoseatcomdefensoresdaemenda, apresentando-lhesdocumentaodemonstrativadequeaemendacausariadanos irreparveis ao pas, e parece ter sido coroado de xito na tentativa de arrastar consigo umnmerosuficientepararejeitaraemenda,aqual,aindahumahora,parecia imbatvelemOhio.TonyPierce,comomuitosespectadoresdevemrecordar-se,um antigoagentedoFBIquesetornoufamosocomoescritor,advogadoedefensordos direitos civis. A sua histria..." Uma voz rouca baixou o som da televiso: - J conhecemos a sua histria!-rosnou o diretor Tynan, pulando para a frente da televiso, apontando-lhe o punho. - Sabemos tudo sobre esse filho de uma cadela! Deu meia-volta, com o rosto afogueado, observando os outros e fixando depois o Presidente. - Desculpe a minha linguagem, mas conhecemos demasiado bem o pulha desse Pierce.SabemosqueencabeouumgrupodeativistasradicaisnaUniversidadede Wisconsin. Sabemos como ganhou uma medalha que no merecia em Vietn. Sabemos como conseguiu furar at ao FBI, fingindo-se heri de guerra, mentindo at ao nosso grandediretorHooverqueotentouajudar.Sabemosqueeranegligenteno cumprimentododever:soltandocriminososquedeviaprender,intelectualizandoos relatrios,tentandovalorizar-se,insubordinando.Foiporissoquecorricomeledo FBI. Sabemos os nomes dos quatro grupos radicais a que a mulher pertence. Sabemos que um dos seus filhos teve um filho fora das relaes matrimoniais. Sabemos de pelo menosnoveorganizaessubversivasqueasuafirmalegalrepresentou.Conhecemos TonyPiercepordentroeporfora,esabamosqueelenadavaliaantesdetudoisto comear.DevamosteracabadocomeleassimqueencabeouoDDD.Masnoo fizemosporquenoqueramosdaraumantigoagentedoFBItomsreferncias, porquenoqueramosprejudicaraimagemdoServio,ealmdissonuncapensamos que algum pudesse tomar a srio um mistificador to desprezvel. - No se importe, Vernon, os ces ladram e a caravana passa disse o Presidente, tentando acalm-lo. - O mal que ele tinha a fazer j est feito, se que ele realmente o responsvel. Agora o que preciso no deixarmos isto acontecer outra vez. Observando a cena, Chris Collins descobriu-se embaraado e confundido. Tinha ficadosurpresocomaexplosoinicialdeTynan.Estatinhasidovenenosaerevelara uma faceta inquisitorial do diretor do FBI que Collins ainda no conhecia. Collins tinha pegado no brao de Karen, como se quisesse compartilhar com ela asuaperturbao,quandoviuoPresidentedirigir-se-lhe.LargandoamodeKaren, abriu caminho por entre McKnight e o dirigente da maioria do Senado para se juntar ao Presidente, que j estava acompanhado por Tynan. Por instantes, o Presidente ficou a friccionar o queixo pensativamente. -Bem,meussenhores,ganhamosumainesperadamenteeperdemosoutra tambminesperadamente.Istomostra-lhescomoopasvolvel.Masnopodemos deixar que isto acontea de novo. J s falta um Estado. Todas as nossas esperanas se jogamnaCalifrnia.Daquiaumms.-Fezumapausa.-Notenhoprestadomuita ateno s sondagens dessa costa. Ronald diz-me que vamos frente na sondagem do EstadoDourado.Issonomechega.ACalifrniadevepreocupar-nos.Sabembem comoelessoimprevisveis.anossaltimaoportunidadeejogotudonela.Quero quevoc,Vernon,evoc,Chris,demtudooquepuderemnestecaso.Temosde ganhar. CollinseTynanassentiramenergicamentecomacabea.OPresidentepuxou outrocharutoeesperouqueTynanlheacendesse.Soprandoofumo,virou-separa Collins. - Tenho uma idia para comear, Chris. Voc veio da Califrnia, no verdade? -Sim,verdade.SoudaregiodaBaa,mastambmexerciadvocaciaemLos Angeles. - timo. Penso que ser til voltar l daqui a uma ou duas semanas. Pode fazer um trabalho sutil e efetivo para a causa. -Bem-disseCollinsperturbado-,noseisetereiassimtantainfluncia.O nicofilhodaterrarealmentepopular(praticamenteumdolonaCalifrnia)o Presidente do Supremo Tribunal Maynard. O Presidente abanou negativamente a cabea. -No,Maynardnoserve.Soubedefontessegurasqueelenoestdonosso lado.Almdisso,noativo.Masmesmoqueassimnofosse,noficariabemo Presidente do Supremo pronunciar-se numa questo poltica como esta. - Graas a Deus que assim - interrompeu Tynan. - Eu no confiaria nele num verdadeiro problema legal como o da 35.a emenda. - No precisamos de Maynard - continuou o Presidente, dirigindo-se a Collins. - Mastalvezprecisemosdesi.Enosedevesubestimar,Chris.VocoProcurador-Geral,eissoaindatemalgumvalor.Aspessoasdebemouvi-lo-o.Sim,agrada-mea idia de o mandar para a Califrnia. Podemos arranjar um motivo para a sua ida. Deixe-me pensar nisso. Embora a idia lhe desagradasse, Collins sabia que no se atreveria a resistir. - Farei o que desejar. Se achar que importante... -Terrivelmenteimportante-intrometeu-seTynan.-Nohnadamais importante. J o disse mil vezes e continuo a repeti-lo. Trata-se da pea legislativa mais importantequejamaisfoivotadapelosEstados.Semela,teremos...oumelhor, deixaremos de ter um pas. - Vernon tem razo - disse o Presidente. - Precisamos de algum naCalifrnia. Ouvocou...talvezumaoutrafiguradepesoqueestejanaAdministraohmais tempo.-Fezumapausa,depoisacrescentoucomnfase:-Novamosperderneste Estado. No o permitirei. No deixarei que ascoisas corram como at agora. Hoje de manhfuiSalaEsteparaveroandamentodostrabalhosquelestoafazer.Que destruio,quevergonha!QuandojnemacasadoPresidenteestasalvo,estamos muito mal. E pode acontecer novamente. Sabem dos pastores alemes e dos Doberman que mefizeramsoltarnosjardins?Medidasdesegurana,disseram-me.Poisnanoite passadaperdemososextoporcausadosatiradoresemboscados.Agoraatjme aconselhamadeixarinstalarumaredeeltricavoltadaCasaBranca,isolando-me, tornando-me prisioneiro dentro da minha prpria casa, tal como os cidados honestos deste pas que foram forados a confinar-se atrs de fechaduras eltricas e alarmes. Pois bem,meussenhores,nopermitireiisso.Vamosfazerregressaracivilizaoaesta nossa terra com a 35.a emenda. E vamos consegui-lo ganhando na Califrnia. - Amm - disse Tynan. Nesse momento surgiu miss Ledger. -Desculpe-me,senhorPresidente...SenhorCollins,oseuguarda-costasest porta. Tem de lhe falar. Diz que urgente. - Obrigado - disse Collins. Voltou-se para o Presidente. - Estou pronto a fazer o que for preciso. - Dir-lhe-ei na prxima semana. Agora melhor ir tratar dos seus assuntos. Depois de ter ido buscar Karen para agradecerem o sero ao Presidente, Collins despediu-se formalmente dos convidados que estavam mais perto. Precedendo Karen, atravessou apressadamente a sala em direo porta, onde o guarda-costas, o agente Mike Hogan, o esperava. - Que se passa - perguntou Collins quando chegou junto dele. - por causa do coronel Noah Baxter - respondeu Hogan em surdina. - Saiu do estado de coma. Est consciente, mas beira da morte. - Diabos, terrvel. Tem certeza? -Absoluta.Norestamdvidas.Achamadafoifeitapelaprpriasenhora Baxter para o Departamento de Justia, de onde me ligaram para o carro. As primeiras palavrasdocoronelBaxter,assimquerecobrouaconscincia,foramparadizerqueo queriaver.Quetinhadeover.Deveserqualquercoisaurgente.Querdizer-lhe qualquercoisaimportante.AsenhoraBaxterpediu-meveementementequeolevasse at junto dele antes que fosse demasiado tarde. Collins pegou no brao de Karen e dirigiu-a para o corredor. -Bem,vamosentoparaBethesda.melhornoperdermostempo.-Olhou para Karen. - No tenho a menor idia do que ser. O Cadillac tinha seguido a uma velocidade estonteante para norte, pela Avenida Wisconsin,cruzoualinhaMaryland,deixouparatrsocampodegolfedeChevy Chase,abrandounomovimentadocentrodeBethesda,entroupelasinuosaruade acessoaohospital,eestacouemfrentedaentradaprincipaldatorrebrancaqueerao edifciocentraldocomplexoformadopeloCentroMdicoNavalNacionalde Bethesda. Pedindo a Karen que ficasse no carro com Hogan e Pagano, o condutor, Chris Collinsapressou-seaentrarnoedifcio.Aentrada,foiinterceptadoporumoficialda marinha que usava dois gales na camisa aberta. - Procurador-Geral Collins? - Sim. - Siga-me, por favor. no quarto andar.Enquanto subiam no elevador, Collins perguntou: - Como est o coronel Baxter? - Quando desci, h vinte minutos, estava preso por um fio, lamento diz-lo. - Espero chegar a tempo. Quem est a acompanh-lo? -Aesposa,claro.Eopequenitoneto,RickBaxter.Ficoucomosavs enquantoospaisestonoQuniaemserviooficialdoGoverno.Tentamoscontatar com eles hoje noite, mas no conseguimos. Esto tambm presentes dois mdicos e uma enfermeira de servio. Ah, quase me esquecia... est l tambm o padre Dubinski. daigrejadaSantssimaTrindadedeGeorgetown,aigrejaqueosKennedy frequentavam... C estamos. Enquantopercorriamrapidamenteocorredor,passaramporvriosoficiais mdicosdeuniforme.ParaCollins,Bethesdaassemelhava-semaisaumainstituio militar que a um hospital. Quandochegaramaumquartoprivativoquetinhaaportaaberta,oguiade Collins apontou-lhe a entrada. - aqui. O coronel tem dois quartos adjacentes: este serve de sala de estar, ele est no outro. Aoentrarnasaladeestartemporria,queestavavazia,Collinsouviuumleve soluar,virou-seeviuqueaportadooutroquartoestavaentreaberta.Conseguiaver apenas uma parte da cama, mas a sua ateno centrou-se no quadro que se lhe deparava numcantoobscuro.LestavaaencanecidaHannahBaxter,porquemtinhaomaior respeito,sentadanumacadeira,delenonosolhos,soluandoinconsolavelmente.L estavatambmorapaz,oneto,Rick(quetinhadozeanos,recordou-seCollins), agarrando-lhe o pulso, de ar plido, atnito, choroso. Observando-os estava um padre vestido de negro. - Espere aqui, por favor - pediu o oficial que o escoltara. - vou dizer-lhes que j chegou. Desapareceu no quarto contguo, fechando a porta atrs de si. Collinsprocurouumcigarro,acendeu-ocomoisqueiroevagueou nervosamentepeloquartinhosombrio.Ps-seapensar,peladcimavez,noqueteria detourgenteocoronelBaxterparalhedizernasualtimanoitenaterra.Embora Collinsconhecesserelativamentebemocoroneleamulherdeconvitessociais fortuitos,nuncatinhasidoumamigontimoegrandepartedasuarelaocomo coronel tivera apenas um carter de trabalho. Que poderia o coronel ter para lhe dizer num momento fatal como aquele? Aportadoquartoabriu-se,Collinsdeitouforaautomaticamenteocigarroe esperou,rgido.Ooficial,quenovoltouaencar-lo,saiu,seguidopelaenfermeirae pelorapazito.PassaramporCollinssemselhedirigiremesaramparaocorredor. Segundosdepois,aportadoquartofoipreenchidaporumafiguradeindumentria negra. Era obviamente o padre Dubinski, da igreja da Santssima Trindade. Enquantofechavaaportacuidadosamentemascomfirmeza,opadreacenou em silncio para Collins, e atravessou o quarto para fechar a porta do corredor. Collins observou-o:umhomempequeno,entroncado,tranqilo,oclrigo,comcabelonegro espetado,olhosazuisespantosamentebrilhantes,masdorostocavadas,bocabem desenhada; um homem talvez de quarenta e tal anos. -SenhorCollins?SouopadreDubinski-tinhachegadojuntodeCollinse olhava para o cho. - Sim, eu sei - disse Collins. - Estava na Casa Branca quando recebi a mensagem deHannah...dasenhoraBaxter,dizendoqueocoronelestavamoribundo,queme queriaverurgentemente,quetinhaqualquercoisaimportanteparamedizer.Vimo mais depressa que pude. Ele est consciente? Posso v-lo? O padre pigarreou. - Receio bem que no. Lamento ter de lhe dizer que tarde demais. O coronel Baxter morreu ainda no h dez minutos. - Fez uma pausa. - Que a sua alma descanse em paz por toda a eternidade. Collins no sabia o que dizer. -...umatragdia-dissefinalmente.-Morreuhdezminutos?Nemposso crer. -Infelizmente,verdade.NoahBaxtereraumbomhomem.Seioquesente, porque tambm isso que sinto. Mas, mais uma vez, foi feita a vontade de Deus. - Sim - concordou Collins. No sabia se seria prprio, neste momento de luto, tentar descobrir porque teria ocoronelsolicitadoasuapresena.Masprprioouno,elesabiaquetinhade perguntar. - Ah, padre, o coronel estava lcido antes de morrer? Era capaz de falar? - Falou um pouco. - Disse a algum, a si ou senhora Baxter, para que me queria ver? - No, no o fez. Limitou-se a informar a esposa que era urgente v-lo, falar-lhe. - E no disse mais nada? O padre mexeu nervosamente no rosrio. - Bem, depois disso falou por instantes comigo. Avisei-o de que estava presente para lhe administrar os sacramentos da Reconciliao, Extrema Uno e Vitico se ele o desejasse.Elepediu-mequelhedesseessessacramentosepudefaz-loatempodeo reconciliar com Deus Todo Poderoso, como bom catlico. Instantes depois, fechava os olhos para sempre. Collins decidiu interromper a dissertao espiritual. - Padre, quer dizer que ele fez uma confisso final? - Sim, ouvi-o em confisso final. -Ehaviaalgumacoisanessaconfissoquemepossadarumapista,umaidia sobre o que ele me queria dizer com tanta urgncia? O padre Dubinski cerrou os lbios. - Senhor Collins - replicou amavelmente -, a confisso confidencial. - Mas se ele lhe disse qualquer coisa que queria que eu soubesse... -Nopossopermitir-meumjuzosobreoqueseriaparasieoqueseriapara Deus.Repito:aconfissodocoronelBaxterterdepermanecerconfidencial.No posso revelar nenhuma parte dela. Agora tenho de voltar para junto da senhora Baxter. - Fez uma pausa. - Desculpe-me mais uma vez, senhor Collins. Opadreencaminhou-separaaportadoquartocontguoeCollinssaiu lentamente para o corredor. Minutosdepoisjabandonaraohospitalesentava-seaoladodeumaKaren ansiosa. Ordenou ao condutor que os levasse para casa, para McLean. Quando o automvel comeou a andar, virou a cabea para Karen. - Cheguei demasiado tarde. J estava morto. - terrvel. Soubeste... descobriste o que ele te queria dizer? -No,nofaoamenoridia.-Afundou-semaisnoassento,preocupadoe pensativo. - Mas tenciono descobrir... seja como for. Paraque quereria ele desperdiar as ltimas palavras comigo? Eu nem sequer era um amigo ntimo. - Mas s o Procurador-Geral. Sucedeste-lhe no cargo. - Era precisamente nisso que eu estava a pensar - disse Collins quase de si para si. - Devia ser qualquer coisa desse tipo. Devia ser relativo ao cargo. Ou a um assunto nacional. Ouuma coisa ououtra. Qualquer coisaque deviaser importante para todos ns. Ele disse que era importante quando me mandou chamar. No posso deixar o caso em aberto. Ainda no sei como, mas hei de saber o que ele me queria dizer. Sentiu a mo de Karen apertar-lhe o brao. -No,Chris,notedeixesenvolvermais.Noteconsigoexplicar,masisso assusta-me. No gosto de viver assustada. Ele olhou para a noite atravs da janela. - E eu no gosto de viver com mistrios - retorquiu. 1

1EstelivrofoidigitalizadoedistribudoGRATUITAMENTEpelaequipeDigitalSourcecomaintenode facilitar o acesso ao conhecimento a quem no pode pagar e tambm proporcionar aos Deficientes Visuais a oportunidade de conhecerem novas obras. Sequiseroutrosttulosnosprocurehttp://groups.google.com/group/Viciados_em_Livros,serumprazer receb-lo em nosso grupo. Captulo segundo EnterraramocoronelNoahBaxter,anteriorProcurador-GeraldosEstados Unidos,numafriamanhdeMaionumdospoucosespaoslivresdocemitrio NacionaldeArlington,dooutroladodorioPotomac,emWashington.Parentes, amigos,membrosdogoverno,oprprioPresidenteWadsworth,estiveramjuntoda sepultura enquanto o padre Dubinski entoou a orao final. A cerimnia j acabara, e os vivos, cheios de tristeza, empreenderam o caminho de regresso para os trabalhos da vida. OdiretorVernonT.Tynan,oseuvigorosoeatarracadoassistente,odiretor-adjuntoHarryAdcock,eoProcurador-GeralChristopherCollins,quetinhamvindo juntosparaacerimnia,saamagoratambmjuntos.Caminharamemsilnciopela AvenidaSheridan,passandopelosjazigosdePierreCharlesL'Enfantedogeneral Philip H. Sheridan, pela chama eterna que arde sobre a sepultura de John F. Kennedy, em direo ao carro oficial prova de bala de Tynan. O silncio s foi quebrado uma vez, por Tynan, quando passaram por um grupo de lpides da Guerra Civil. -Vemestaslpidesdeunionistaseconfederados?-perguntouTynan, apontando. - Sabem como se podem distinguir as da Unio e as da Confederao? Os mortosdaUniotmlpidescomapartesuperiorarredondada.Osmortos confederados tm lpides com a parte superior pontiaguda... Afiada, diziam eles, "para evitarqueodiabodosianquessesentemsobreelas".Sabemquemmecontouisto? Noah Baxter. O velho Noah Baxter contou-me um dia que por aqui passvamos como hoje,vindosdofuneraldeumqualquergeneraldetrsestrelas.-Resfolegou.- SuponhoqueNoahBaxternuncaimaginouqueestariaaquitocedo.-Virouorosto para o cu. Parece-me que temos chuva para todo o dia. Bem, o melhor voltarmos ao trabalho. TinhamchegadoaocarrodeTynan,ondeumagentemantinhaaportadetrs aberta. Harry Adcock entrou, seguido por Tynan e Collins. Instantesdepoisjtinhamsadopelograndeportodocemitriomemriade Arlington, seguindo pela ponte dos mortos da Guerra Civil, passando pelas esttuas dos cavalos que ladeavam o extremo da ponte e seguindo para a cidade. Tynan foi o primeiro a reatar a conversa. -VousentirafaltadovelhoNoah.Nofazemidiadecomoramosntimos. Eu gostava do pobre velho. -Eraboapessoa-concordouAdcock,queempblicoerageralmenteumeco do seu superior. -Tambmsentireiasuafalta-acrescentouCollinsparanoficaratrs.-No fundo por causa dele que hoje estou onde estou. -Sim-disseTynan.-Stenhopenaqueelenotenhaaguentadoporco suficienteparaverosfrutosdoseutrabalhoparacriara35.aemenda.Todaagente julgaqueelapartiudoPresidente,mas,naverdade,foiNoahoresponsvelpelasua criao.Acreditavanelacomonumareligioquenospodiasalvar.Devemos-lhea aprovao na Califrnia. - Tentarei - disse Collins. - Temos de fazer mais do que tentar, temos de ter certeza de ganhar - lanou a Collinsumolharcalculador.-SeiqueovelhoNoahcontariaconsigo,Chris,paralhe dar um empurro na ponta final como ele prprio faria se c estivesse. Digo-lhe, Chris, queocoronelNoahBaxterconsideravaaaprovaodaemendacomooassuntode maior prioridade e urgncia. Sentadonobancotraseirodoautomvel,apertadocontraachapadeaopelo corpotransvazantedeTynan,Collinsapanhouapalavraurgncia.Oseuesprito recordou instantaneamente a cena noturna no hospital, quando o padre lhe confirmara queocoronelBaxterlhetinhaqueridofalarsobrequalquercoisaurgente.Seriaa respeito da 35.a emenda? Posteriormente, Collins tinha dito mulher que no gostava de mistrios, que tencionava solucionar este. Nessa altura no tinha a menor idia sobre por onde comear. Agora, parecia j ter um ponto de partida. Talvez Tynan, que tinha sido amigo ntimo do coronel, pudesse auxili-lo, dar-lhe uma pista. - Veron - disse Collins-, a propsito das prioridades do coronel, sei de uma coisa que talvez tenha interesse e que se passou na noite em que estivemos na Casa Branca. Foimuitoestranho.Lembra-sequetivedesairpressa?Bem,foiporquerecebiuma mensagem de Bethesda dizendo que o coronel estava moribundo e que me queria falar sobre um assunto urgente, para me dizer qualquer coisa de importncia vital. Corri para o hospital e fui aoquarto dele. Mas j era demasiado tarde. Ele tinhamorridopoucos minutos antes. -Ah,sim?-disseTynan.-realmenteestranho.Edescobriuoquequeele tinha de to importante para lhe dizer? -Aqueestoproblema.Nosoube.Asltimaspalavras,poucoantesde morrer,noforamparamimmasparaopadre.Confessou-seaopadre,aqueleque estava hoje em Arlington, o padre Dubinski. Quando o padre me disse isso, pensei que talveznosltimosmomentosocoroneltivessecontadoqualquercoisadoqueme queriadizer.Masopadrenoconta.Limitou-seadizerqueoouviraemconfissoe que as confisses so confidenciais. - E so - intrometeu-se Adcock. - O que eu gostava de saber - continuou Collins -, se tem alguma idia sobre a informaoqueocoronelmequeriacomunicar:algumassuntoporterminarno Departamentoquepossaterdiscutidoconsigo,algumprogramadetrabalhoqueeu devesse conhecer. Estou deveras intrigado. Tynan fixou os olhos nas costas do motorista por uns instantes. -Lamento,masamimtambmmeintriga.NofaoidiadoqueNoah pretenderia. No estou a ver nada importante que tenhamos discutido antes do ataque de h cinco meses. S lhe posso repetir o que ele achava mais importante. Das milhares decoisasemqueestavaenvolvido,umadominavatodasasoutras:eravera35.a emendaratificadaefazerdelalei.Talvezoqueelelhequeriadizertivesseavercom isso. -Talvez.Masexatamenteoqusobrea35.aemenda?Tinhadeserqualquer coisa de especial para me chamar ao seu leito de morte. - claro que ele no sabia que estava a morrer. Portanto, talvez no fosse nada de especial. - Ele disse que era urgente - insistiu Collins. - Eu at estava a pensar em voltar a falar com o padre e fazer outra tentativa. Adcock inclinou-se por cima de Tynan. O seu rosto, marcado pelo acne, estava solene. -Seconhecesseospadrestobemcomoeu,saberiaquetempoperdido.S Deus pode tirar alguma coisa deles. - Harry tem razo - concordou Tynan. Inclinou-se e espreitou pela janela. - Ora, c estamos no Departamento de Justia. De novo em casa. Collins olhou para o exterior. - Sim. So horas de trabalhar. Obrigado pela carona. Abriu a porta e saiu para a Avenida da Pensilvania, em frente do Departamento. - Chris - chamou Tynan -, melhor ir preparando as malas. O Presidente ainda estapensaremmand-loparaaCalifrnianaprximasemana.Estapenasatentar decidir-se. - Assim que ele me disser para ir, eu parto. Tynan e Adcock observaram Collins a entrar no edifcio enquanto o automvel os conduzia s traseiras do edifcio J. Edgar Hoover e ao estacionamento privativo do diretor no segundo dos trs andares do subsolo. EnquantooveculorodeavaoprdioeentravanaRuaE,osolhosdeTynan encontraram os de Adcock. - Ouviu bem o que ele disse, no ouviu, Harry? - De ponta a ponta, chefe. -QuelheparecequeovelhoNoahlhequeriadizerdetourgenteparaterde ser comunicado antes de morrer? -Notenhoidia,chefe-respondeuAdcock.-Outalvezatsaiba,masno quero saber. -Talvezeutambmsaiba.Parece-lhequeNoahBaxterfoiapanhadopela religio no ltimo minuto e quis despejar o saco? - Pode ter sido isso. No posso ter certeza. Quem sabe... Graas a Deus que no teve tempo de dar lngua. - Mas f-lo, Harry. Voc bem ouviu. Ele confessou qualquer coisa ao padre. - Apre, chefe, mas issoera umaconfisso.Ummoribundoque se confessa no fala de... de negcios. Tynan ficou carrancudo. - No podemos estar to certos. Chame-lhe o que quiser, uma confisso ou seja l o que for, mas o fato que Noah falou a algum sobre o que o preocupava quando estavaapassardestaparamelhor.Falou,percebeu?Queriafalaraalgumsobre qualquer coisa urgente e acabou por falar. No me agrada. Quero saber sobre que falou Noah e quanto falou. Tenho o maior interesse em saber. OCadillacmergulhounarampaquelevavascavesdoedifcio.Adcockpegou num leno, tossiu e expectorou para dentro dele. - um caso complicado, chefe - disse finalmente. -Todoselessocomplicados,Harry.Passadoalgumtempojnosotanto. Sejamoshonestos,Harry:oscasoscomplicadossooponossodecadadia.Erao patro,EdgarHoover,quecostumavadizerisso.Existimosporcausadeles.Soeles que nos sustentam. A funo do FBI fazer as pessoas falarem. Especialmente quando estonapossedeinformaesquepememperigoaseguranadogoverno.Noh razo para que esse padre... chame-se l como se chamar... - Padre Dubinski, da Santssima Trindade de Georgetown. onde vo todos os catlicos do governo. -Poisbem,amesmoqueeuqueroquev,Harry.OFBIfazaspessoas falarem,enovejoporquehaveriaesseDubinskideserumaexceo.Achoque altura de ir a essa igreja. Faa uma visita amigvel ao bom padre. Descubra quais foram asltimaspalavrasqueNoahBaxterlhedisse.DescubraoqueDubinskisabe.Seele souber alguma coisaque no deve, arranjaremos maneira deo calar.Harry,queroque trate j disso. - Chefe, sabe que eu fao tudo o que for preciso. Mas neste caso, no me parece que tenhamos hipteses. - Ah, no? Pois eu digo-lhe que temos todas as hipteses. De fato, at lhe digo que no pode falhar se tratar corretamente do caso. Pelo amor de Deus, Harry, no lhe estouapedirquelvdesarmado.PrimeiroponhaoDepartamentoafazeruma investigaorigorosasobreopadre.EssesamantesdeDeusnosodiferentesdos outros homens. Voc conhece o nosso axioma. Todas as pessoas tm qualquer coisa a esconder.Opadreestnessasituao.Elehumano.Devetervcios.Outeve-os. Talvezseembriaguesescondidas.Talveztenhaabusadodeummeninodecoro. Talvez se meta na casa de banho com a criada de dezoito anos para a maltratar. Talvez a sua me fosse comuna. H sempre qualquer coisa. V ter com esse amante de Deus e leve-lheaquiloqueelenoconfessou,atire-lhecara.Verqueelefala.Nemvaiser capaz de o calar. Ele dar qualquer coisa em troca do nosso silncio. O Cadillac tinha chegado segunda cave, parando no lugar reservado. Tynan ficou por instantes a olhar em frente, esttico. -Estouafalarmuitoasrio,Harry.Estamosdemasiadopertodametapara permitir obstculos. Apague a sua ardsia. Isto tem prioridade absoluta. Certo, Harry? - Certo, chefe. Est entendido. VernonT.Tynantrabalhousecretriaatduashorasdepoisdofuneral. Depois,precisamenteaomeio-diaequarentaecinco,levantou-sedacadeira,foiao banheiroprivativaarranjar-se,retiroudoarquivoultra-secretoumapastadoficheiro Oficial e Confidencial, e caminhou apressado para o elevador. L embaixo, no segundo piso subterrneo, entre a seco de balstica e o ginsio, encontrou o motorista e o carro ainda espera. - Alexandria - disse Tynan ao motorista. -Sim,chefe-respondeuocondutorautomaticamente,esegundosdepois estavam a caminho. Erasbado.Etodosossbadosaessahora,comosemprefizeradesdequese tornaradiretordoFBI,Tynanrespeitouoritualsagradodeiralmoarcomameao bairro dos Cidados dos Anos Dourados. Soubera, alguns anos depois da morte de J. Edgar Hoover, que o Velhote tinha vivido com a me at esta morrer em 1938. Hoover tinha tratado a me com carinho e respeito,exemploqueTynantomouasrio.Osgrandeshomens-sabia-obem- sempre tiveram um grande lugar no corao para as suas mes. No s Hoover. Veja-se tambmNapoleo.Omaldopaserajnohaverjovens,nemmesmoadultos,em nmero suficiente a prestar o devido respeito s mes. Haveria menos criminalidade no pas se os jovens irrequietos comeassem a visitar regularmente as mes, em vez de se ocuparem das armas, todos os sbados noite. Quandochegaramaobairro,Tynanapeou-seemfrentedoedifcioemque compraraumconfortvelapartamentodequatrodivisesparaame,elembrouao motorista: - Uma hora. - Uma hora, chefe. Tynanentrounoedifcioedirigiu-separaaportadoapartamento,esquerda. Tinha uma chave normal e uma chave do alarme. Premiu o boto vermelho do alarme paraverseestavaafuncionar.Noestava.Teriadelembrar-lhenovamenteque deixasseoalarmeligadomesmoestandoemcasa.Nenhumaprecauoerademais, especialmente nesta poca de bandidos, assassinos e terroristas esquerdistas. No estava foradecausaqueconspiradoresrevolucionriostentassemapoderar-sedamedo diretordoFBIparapediremumresgateinadmissvel,comoaexignciadelibertao dascentenasdeesquerdistasatualmenteencarceradosnaspenitenciriasfederais(que era onde deviam estar). Sim, tinha de alertar a me peremptoriamente. Meteuachavenaporta,abriu-aeentrou.Encontrou-anolugardocostume:a cadeira almofadada em frente da televiso a cores. - Ol, mam - disse. Elaagitouamoraiadadeveias,semsequeroolhar,profundamente concentrada nas palhaadas que a televiso transmitia. Apesar de ela estar embrenhada no seu concurso favorito, Tynan aproximou-se e deu-lhe um beijo leve na testa coberta deps.Elacorrespondeucomumsorrisorpidoelevouoindicadoraoslbios, dizendo: - O almoo j est pronto. Isto est quase a acabar. Despe o casaco. Voltou a prestar ateno ao programa, levou as mos s ancas e riu gargalhada. Tynanpousouapasta,tirouocasacoecolocou-ocuidadosamentenascostasdeuma cadeira.Retirouumcharutodobolsodopeito,desembrulhou-o,cortou-lheapontae acendeuoisqueirosemdeixarachamatocarnotabaco(comooPresidentefazia sempre), inalando e saboreando o aroma. Ficouaoladodame,afumareaveroprogramatotalmenteoco.Depois contemplou a me com orgulho. Tinha feito muito por ela. Se J. Edgar Hoover o pudesse ver neste momento, t-lo-ialouvado.Aosoitentaequatroanos,RoseTynanaindaestavascomouma abcassiana - no, nada de lugares comuns -, s como uma camponesa vilcambana - sim, issosim.Eraumairlandesadospscabea:ombroslargos,forte,comoaspecto nutridodeumabatatairlandesa.Atendendoidade,estavabemconservada, excetuandoumligeiroencurvardascostas,ocoxearartrticoeocasionaisfalhasde memria. Porfim,oconcursoacabou.RoseTynanlevantou-se,gemendo,apagoua televiso,pegounofilhopelobrao,conduziu-oparaapequenacasadejantare sentou-o cabeceira da mesa. - O almoo j a vem - disse ela. -Mam,oalarmeestavadesligadoquandoeuentrei.Deviat-losemprea funcionar. Para minha tranqilidade. - s vezes esqueo-me. Vou tentar tomar mais ateno. - Nunca se esquea. - Como vo as coisas l pelo servio? - Como de costume. Muito que fazer. - No te vou prender por muito tempo. - Mam, eu estou aqui porque quero. Gosto de a visitar. - Ento passemos a almoar juntos duas vezes por semana.Desapareceunacozinhaevoltoucomumatravessadecarnedeconservacom couves. O almoo habitual - que tambm tinha sido o do Velhote - era canja de galinha e queijo caseiro. Mas hoje era sbado. - Cheira to bem, mam. - H po na mesa. Po integral. Come um bocado. Tens certeza que no queres uma fatia maior? Ah, l me esqueci da cerveja. Foi cozinha e voltou com uma caneca de cerveja cheia de espuma. Colocou a cerveja diante dele e deixou-se cair ruidosamente na cadeira. - Ento, Vern, que tal foi a manh? - No foi das mais alegres. Acompanhei o funeral de Noah Baxter. - O funeral foi hoje? Sim, verdade. - Foi hoje de manh. -PobreHannahBaxter.Bem,pelomenostemofilhoeoneto.Tenhodea convidar. - Deve, mam. - Falo com ela amanh. Como est a carne? Tem muita gordura? - Est tima, mam. - Ainda bem. Ento, conta-me novidades. - Comece a mam. Caram na imutvel rotina de sbado. Rose Tynan comeou. Contou as ltimas intrigas sobre os vizinhos do bairro. A meio da semana tinha havido um filme sobre um homem, um rfo e um co. Ela fez uma extensa sinopse do argumento. Depois falou das cartas que tinha escrito e das que recebera. Chegou a vez de Vernon T. Tynan. Falou de Harry Adcock. - Como est ele? - Manda cumprimentos. - um bom rapaz. Falou de Christopher Collins, o novo Procurador-Geral. - boa pessoa, Vern? - Ainda no sei, mam. Veremos. FaloudoPresidenteWadsworth.Contouahistriadedoisassassinosdalista dosdezmaisprocuradosquetinhamsidopresosemMinneapoliseKansasCity. Chegou 35.a emenda quando comia a ltima garfada da escassa carne. - No te preocupes, Vern. Vais ganhar. - Precisamos demais um Estado e j s resta um. - Vais ganhar. O almoo acabou hora do costume.Sobravam dez minutos at chegada do motorista. - Est pronta para o ficheiro confidencial, mam? - Estou sempre pronta - respondeu ela com um largo sorriso. Ele levantou-se da mesa,foisaladeestaretrouxeoficheiroultra-secretoOficialeConfidencial.Esse ficheiroera,nosdezminutosseguintes,asuaprendadossbadosparaame.O ficheiro continha as informaes semanais do FBI, em grande parte assuntos sexuais e potencialmente escandalosos, relativos a celebridades do teatro, do cinema e do mundo dodesporto,comumsumarentoacepipeadicionalsobreumasriedepolticos, industriaiseespiesdaindstriafamosos.RoseTynan,queliatodasasrevistassobre estrelasdomundodoespetculoetodosossemanriosnacionais,deliciava-secomo lavar da roupa suja. TynansentiunovamentequeseJ.EdgarHooveraliestivesseteriaaprovado. Afinaldecontas,foraHooverquemrecolherainformaessobreavidasexualeo alcoolismo de americanos proeminentes, entregando regularmente esse material secreto ao Presidente Lyndon B. Johnson, para que o chefe do executivo tivesse umas horas de leitura deleitada ao deitar. Tynan abriu a pasta e retirou um a um os memorandos confidenciais. - Para comear, um verdadeiro regalo, mam. A sua estrela de cinema preferida. -Eleleuonomedosimpticoatorliberalqueasuameadoravaeelacacarejou antecipadamente.-NasemanapassadafoiaumsalodemassagensdeLasVegas, despiu-se todo, e duas raparigas tambm nuas amarraram-no e chicotearam-no. - tudo!? - disse, desapontada, Rose Tynan, profunda conhecedora de todos os escndalos. - Bem, h quem pense que esta das fortes - disse Tynan. - Mas eu tenho melhor. Conhece aquela congressista que faz discursos contra o Pentgono?-Disseonomeme.-Ningumsabedisto,masdescobrimosque lsbica.Andacomasecretriadeimprensa,umaraparigadeRadcliff,devinteedois anos... Atrsdestecasoveiooutroemaisoutro,preenchendoosdezminutose provocando o deleite de Rose Tynan. Quando ele acabou e fechou a pasta, a me disse-lhe: - Obrigado, Vern. s um bom rapaz. Pensas sempre na tua me. - Obrigado, mam. porta, ela estudou-lhe o rosto. - Ests cheio de preocupaes. V-se bem. - O pas est a passar por maus momentos, mam. H muitoque fazer. Se no conseguirmos a 35.a emenda, no sei o que acontecer. -Tusabesoquemelhorparatodos.Aindaoutrodiadissesenhora Grossman (aquela que mora no apartamento aqui em cima) que tu saberias bem o que fazer se fosses Presidente. E acredito nisso. Devias ser Presidente. Ele piscou-lhe o olho enquanto abria a porta. - Talvez venha a ser mais do que isso - retorquiu Tynan. Veremos. *** TinhasidoumlongodiaparaChrisCollins.Tentandorecuperarotempoque perderaduranteamanhnofuneraldocoronelBaxter,tinhatrabalhadosemparar, sacrificandoahorahabitualparaoalmoo.Agora,sentadocomamulheredoisdos amigos mais ntimos junto da lareira de mrmore prio da sala de jantar do restaurante 1789 na 36.a Rua em Georgetown, Collins comeava a satisfazer a fome. Doisscotches,umaalmoadeiradesopadealhosfranceseseasaladaCsarque partilhara com Karen, tinham-lhe proporcionado osprimeirosmomentos de descanso do dia. Enquanto trinchava e comia o pato com molho de laranja, tentava ver se Ruth ePaulHilliardestavamagostardasentradasquetinhampedido.Eraevidentequesim. Collins observou Hilliard com afeto (era difcil pensar nele como o senador mais novo daCalifrnia).TinhaconhecidoHilliardquandoestavamambosnoinciodassuas carreiras:HilliarderaentovereadoremSoFranciscoeeleprocuradordaACLU. Nesses primeiros anos jogavam handebol trsvezes porsemana no Clube Y e Collins acabaraporserpadrinhodecasamentodeHilliard.Agora,passadosalgunsanos,aqui estavamambosemWashington,oProcurador-GeralCollinseoseuamigoSenador Paul Hilliard. Tinham rejubilado com o encontro. Hilliarderaumhomemagradvel,enterradonosseusculos,detipoerudito, moderado,defalasuave,umcompanheiroperfeitoparaumanoitecomoesta.Como decostume,aconversaerasimples:tagarelicessobreosKennedy,asperspectivasdo decadentegrupodefuteboldosWashingtonRedskins,maisumfilmedeLizzieBorden que todos queriam ver. Hilliard acabou o filet mignon, arrumou o garfo e a faca no prato vazio e comeou a encher o seu novo cachimbo dinamarqus. - Que me dizes do vinho, Paul? - perguntou Collins. - da Califrnia, sabias? -Olhaparaomeucopo-respondeu,apontandoparaocopovazio.-o melhor testemunho para as nossas parreiras. - Queres mais? -JmechegadevinhodaCalifrnia-disseHilliardacendendoocachimbo.- MasnodaCalifrnia.Queriadiscutiresseassuntocontigo.Parece-mequeaque tudo se joga a partir de agora. - Tudo se joga? Ah, referes-te 35.a emenda. -DesdeavotaodeOhioquetenhoestadoarecebertelefonemasconstantes da Califrnia. Todo o Estado est em efervescncia. -Qualatendncia?-Hilliardsoprouumaneldefumo.-Peloquesei,a ratificao tem mais probabilidades. O governador vai anunciar o seu apoio ainda esta semana. - Isso vai agradar ao Presidente - disse Collins. - Aqui para ns, trata-se de um contrato - continuou Hilliard. -OgovernadorvaiconcorreraoSenadonotermodomandato.Queroapoio do Presidente, mas Wadsworth nunca lhe deu esperanas. Assim,fizeramumnegcio.Ogovernadorapoiara35.aemendaseoPresidenteo apoiar. - Fez uma pausa. - lastimvel. Collins, que mastigava a ltima garfada de pato, parou de comer. - Que quer isso dizer, Paul. - Engoliu a comida. - O que... o que que te parece lastimvel? - Que os grandes trunfos estejam a alinhar pela 35.a emenda na Califrnia. - Julguei que eras a favor. - No era a favor nem contra. Fiz o papel de observador inocente. Limitei-me a observareespereiparaveroqueacontecia.Suponhoquefoiassimquepensasteem particular.Masagoraqueadecisonosbateporta,tenhodeagir,tenhodetomar posio. - De que lado? Contra a emenda? - Contra. - No te precipites, Paul - disse Ruth Hilliard nervosamente. Porque no esperas para veres o que o povo pensa? -Nuncasaberemosoqueopovopensaatelesaberoquenspensamos.O povo espera que os seus dirigentes lhe digam o que melhor. No fundo... - Ests certo do que melhor? - interrompeu Collins. -Estoucadavezmaiscerto-disseHilliardcalmamente.Baseadonaquiloque vou sabendo gradualmente sobre a situao l na terra, posso afirmar que as medidas da emendasoexcessivas.Essaleiestsobrecarregadacomumarmamentodemasiado pesado para um inimigo to pequeno. isto que Tony Pierce tambm pensa. Vai agora para a Califrnia para combater a emenda. -Piercenomerececrdito-disseCollins,lembrando-sedatiradadodiretor Tynan contra o defensor dos direitos civis, na noite em que estivera na Casa Branca.- Os motivos de Pierce so suspeitos. Ele fez da emenda uma vingana pessoal. Est a combater Tynan atravs da emenda, porque ele o expulsou do FBI. - Tens provas disso? - perguntou Hilliard. - Bem, foi o que ouvi dizer, mas no verifiquei. -Poistentaverificar,porqueaversoqueconheomuitodiferente.Pierce ficoudesiludidocomoFBIquandolhepertencia.Retirouoapoioaalgunsagentes especiaisqueTynanmanipulava.Comoretaliao,Tynandecidiuexil-loparalonge, MontanaouOhioououtrolugarigualmentedistante,eissolevouPierceademitir-se paracombaterpelassuasreformasapartirdoexterior.Disseram-mequeTynantinha posto a correr a histria da expulso. - No importa - disse Collins, mostrando sinais de impacincia. - O que importa que tu disseste que decidiste colocar-te do lado dos que se opem emenda. - Porque essa lei me preocupa, Chr