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REVISTA DEBATES, Porto Alegre, v.3, n.1, p. 100-125, jan.-jun. 2009100
POLTICA EXTERNA DO GOVERNO LULA:COALIZES AO SUL COMO ALTERNATIVA
MULTILATERAL
Walace Ferreira
ResumoEste artigo aborda as alternativas ao Sul estabelecidas pela poltica externa dogoverno Lula, tais como a formao do G-20, a constituio do IBSA, osignificado dos BRICS, a defesa do regionalismo e a aproximao com a frica.O objetivo aqui identificar estas coalizes, por um lado, como estratgia depoltica externa do atual governo, e por outro, como resultado da atualconfigurao das relaes internacionais ps era bipolar. Com relatos de aesda poltica externa mostro como, no multilateralismo em vigor, novasalternativas so propostas pelos pases emergentes, buscando ampliar seuspoderes de deciso nos principais fruns internacionais. Neste contexto, a
atuao do Brasil tem sido de fundamental relevncia.
Palavras-Chave: Poltica Externa; Governo Lula; Coalizes ao Sul;Multilateralismo; Estratgia.
AbstractThis article focuses and analysis the possibilities to the South established by theforeign policy of the Lula government, such as the formation of G-20, thearrangement of the IBSA, the meaning of the BRICS, the defense of regionalismand the approximation to African Continent. Now, the objective is to identifythese coalitions, at first as a foreign policy strategy of the current governmentand, secondly, as a result of the current configuration of international relationspost-bipolar era. With information about foreign policy's actions I try to showhow, in a multilateralism manner what force, new alternatives in proposal bydeveloping countries, to expand their skills in major international forums. In this
context, the role played by Brazil has been of fundamental importance.
Key-Words: Foreign Policy; Lula Government; The South Coalitions;Multilateralism; Strategy.
Introduo
O principal fazer histria, no escrev-la.Otto Von Bismarck
chanceler alemo entre 1871 e 1890
Neste trabalho pretendo discutir as tendncias de coalizes ao
Sul realizadas pela poltica externa do governo Lus Incio Lula da Silva.
Procuro perceber de que forma coalizes como a formao do G-201, a
1 O G-20 foi formado na fase de preparao para a V Conferncia Mundial do Comrcio,em Cancun, em 2003. O grupo, reunindo pases em desenvolvimento, serviu como um
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constituio do IBSA2, a perspectiva dos BRICS3, a defesa do
regionalismo4 e a aproximao com a frica, manifestam-se como
caractersticas da poltica exterior do atual governo e de que maneira
elas so eficazes para influir sobre a construo de um mundo
efetivamente multilateral.
A escolha do tema, destacando-se o perodo da poltica exterior
de Lula (2003 at 2010), se deve pelo fato de: primeiro, representar o
perodo atual da nossa poltica externa; segundo, ser este o governo
brasileiro ps-Guerra Fria em que a alternativa das coalizes ao Sul se
mostra mais presente, tanto por uma escolha dos gestores da nossa
diplomacia quanto pelas circunstncias internacionais favorveis a esse
tipo de iniciativa.A partir dos anos 1990 novas categorias de anlise emergem
com a nova ordem internacional, tendo como ponto de partida a vitria
do capitalismo americano, a expanso do liberalismo ocidental e a
globalizao como fora motriz dos novos arranjos, naquilo que Octavio
Ianni (1997) chamou de o desafio de se pensar a relao entre o local e
o global. A globalizao engendrou uma nova realidade econmica,
marcada pelo aumento veloz dos fluxos financeiros, por uma
readequao dos processos de produo e pela flexibilizao regulatria
nos Estados - devido necessidade da expanso e abertura dosmercados. Junto desses aspectos, avanou a tendncia de formao de
blocos econmicos, exatamente para garantir o fortalecimento regional
diante da competitividade global.
contra-poder aos interesses dos pases centrais.2 O IBSA ou IBAS surgiu como resultado das discusses entre os chefes de Estado dospases do IBAS (ndia, Brasil e frica do Sul), na reunio do G-8, que ocorreu em Evian em2003, e das conseqentes consultas trilaterais entre os pases envolvidos.3 Os BRICs so a designao do acrnimo criado em novembro de 2001 pelo economistaJim ONeill - do grupo Goldman Sachs - para designar os 4 (quatro) principais pasesemergentes do mundo (Brasil, Rssia, India e China) no relatrio "Building Better GlobalEconomic Brics". Usando as ltimas projees demogrficas e modelos de acumulao decapital e crescimento de produtividade, o grupo Goldman Sachs mapeou as economias dospases BRICs at 2050, especulando que esses pases podero se tornar a maior fora naeconomia mundial.4 Pensando aqui o apoio dado pelo Brasil a integrao regional em torno do MERCOSUL(Mercado Comum do Sul) e a proposta de integrao na UNASUL (Unio das Naes Sul-Americanas).
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Nesse envolto de globalizao e ps Guerra Fria, muitas tm sido
as leituras acerca do panorama geopoltico, cujas anlises
invariavelmente sofrem a influncia do exato momento em que so
feitas dentro de uma realidade profundamente dinmica. Abaixo
apresento duas dessas interpretaes, as quais, apesar de partirem de
dentro dos Estados Unidos, e a despeito de possurem diferenas entre
si, vem o fim da hegemonia norte-americana como um fato iminente e
real.
A primeira delas a de Zakaria (2008), para quem vivenciamos o
terceiro grande deslocamento de poder da histria moderna. O primeiro
teria sido a ascenso do Ocidente, por volta do sculo XV, que resultou
na formao da estrutura moderna tal como a conhecemos, compostapelo desenvolvimento da cincia e da tecnologia, do comrcio e do
capitalismo, alm de grandes revolues como a industrial e a agrcola.
O segundo ocorreu no fim do sculo XIX com a ascenso dos Estados
Unidos como grande potncia ocidental, que a despeito dos perodos de
crise, como a de 1929, e a bipolaridade da Guerra Fria, permaneceram
hegemnicos por todo sculo XX. Esse perodo, chamado de Pax
Americana, em que a economia global se acelerou exponencialmente,
seria a mola propulsora por trs do terceiro grande deslocamento de
poder, traduzido pelo fim da Pax Americana e pela ascenso dos demaispases. Assim, Zakaria (2008) entende que o mundo ps-americano
consiste numa perspectiva inquietante para os americanos, mas este
no ser definido pelo declnio dos EUA, porm a sua maior
caracterstica que ele ser marcado pela ascenso de outros pases e
de novas arenas de poder o que o autor chama de the rise of the rest.
A outra leitura que saliento a de Haass (2008), para quem o
mundo no mais dominado por uma ou mais potncias. Sua tese
que o cenrio contemporneo influenciado por dezenas de
protagonistas, estatais e no estatais, que exercem diversos tipos depoder. Nas suas prprias palavras: The principal characteristic of first-
century international relations is turning out to be nonpolarity (HAASS,
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2008, p. 1)5. Trs fatores ocasionaram, na sua viso, essa no-
polaridade. Em primeiro lugar, alguns Estados teriam conquistado poder
medida que suas economias cresceram; em segundo, a globalizao
teria enfraquecido o papel dos Estados, permitindo que outras entidades
acumulassem um poder substancial; por fim, a prpria poltica externa
americana teria acelerado o declnio relativo do EUA com a tomada de
medidas externas equivocadas.
Tendo em vista a conjuntura acima descrita, abordo neste artigo
como o governo Lula tem articulado sua poltica exterior em torno das
coalizes ao Sul, valendo-se destas como alternativa estratgica diante
do atual contexto. A relevncia dos acertos nas tomadas de deciso de
poltica externa em um mundo globalizado fundamental para qualquernao, tanto em mbito externo, devido s projees internacionais que
se pode alcanar, quanto interno, devido maneira como os impactos
desta insero acometem as suas populaes. Como bem alerta Amaral
(2008), a capacidade de se entender o processo global e seu rumo,
antecipar decises e polticas, dar uma resposta adequada s novas
realidades, , em boa medida, o que distingue o xito do fracasso, a
capacidade de liderar ou ser simplesmente objeto dessas
transformaes.
5 Para Haass (2008), alm das sete potncias mundiais (Estados Unidos, Japo,Alemanha, Reino Unido, Frana, Itlia e Canad), o antigo G-7, que passou a seracompanhada da Rssia, formando o G-8, so numerosas as potncias regionais, sendoforas importantes Brasil e Mxico na Amrica Latina; Nigria e frica do Sul na frica;Egito, Ir, Israel e Arbia Saudita no Oriente Mdio; Paquisto no Sul da sia; Austrlia,Indonsia, Coria do Sul na Oceania e no leste asitico. Junto dessas foras, encontram-seos prprios blocos regionais, como o MERCOSUL, Nafta (Tratado Norte-Americano de LivreComrcio), Unio Europia, a Unio Africana, a Liga rabe, a Associao Sul-Asitica paraa Cooperao Regional, dentre outros. Em seu artigo, Haass tambm menciona comocentros de relevncia internacional as organizaes internacionais, tais como aOrganizao das Naes Unidas (ONU), alm de grandes corporaes financeiras como
Banco Mundial e Fundo Monetrio Internacional; e importantes organizaes funcionais,como a Agncia Internacional de Energia, a Organizao dos Pases Exportadores dePetrleo, a Organizao de Cooperao de Xangai e a Organizao Mundial da Sade. Porfim, outras entidades merecedoras de incluso global, segundo o autor, e que concorrempara demonstrar um mundo no-polar, seriam as redes de comunicao de granderepercusso internacional (Al Jazeera, BBC e CNN); milcias de grandes causas regionais(Hamas, Hezbollah, Exrcito Mahdi, Talib), organizaes terroristas (como a Al Qaeda), ealgumas ONGs (Organizaes No Governamentais) internacionais (Fundao Bill eMelinda Gates Foundation, Mdicos Sem Fronteiras, o Greenpeace, e a Cruz Vermelha).
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A poltica externa do Governo Lula e algumas diferenas em
relao a seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso (FHC)
A poltica externa brasileira conheceu notvel evoluo nos
ltimos anos, os quais compreendem os dois mandatos do presidente
Fernando Henrique Cardoso e as duas gestes de Luiz Incio Lula da
Silva. Este perodo teve incio no auge do modelo neoliberal da
globalizao com a ideia de que o pas deveria se inserir no cenrio
internacional numa perspectiva de ampla abertura aos fluxos comerciais
e financeiros advindos de fora (VIZENTINI, 2005). O fim do governo
FHC assistiu aos atentados de 11 de setembro de 2001, grande evento
da poltica internacional do sculo XXI, cujos efeitos ensejaram a guerra
ao terrorismo por parte do governo Bush. Este acontecimento alterou arelao dos Estados Unidos com a Amrica do Sul, gerando um vcuo de
influncia na regio que permitiu o aumento da influncia diplomtica
brasileira diante de seus vizinhos, desde que no apontasse contra
interesses norte-americanos.
Como sublinhado por Vizentini (2005), uma inflexo foi esboada
por FHC ao longo do seu segundo mandato, formulando, ainda que
timidamente, uma postura mais crtica em relao globalizao e a
ALCA (rea de Livre Comrcio das Amricas), bem como uma iniciativa
de integrao sul-americana. O governo Lula, por sua vez, reforou aatuao internacional do pas, especialmente em relao Amrica do
Sul, aos organismos internacionais e s potncias emergentes do Sul, e
aproveitou-se bem daquele relativo vcuo na regio deixado pelos
Estados Unidos.
Imediatamente aps suas posses, Lula e seu chanceler, Celso
Amorim6, declararam a necessidade de se reinterpretar as premissas
clssicas da poltica externa brasileira, dando a elas novo sentido. O
objetivo seria garantir a sustentao de uma estratgia de insero
internacional diferente daquela presente na maior parte do governoFHC, acusada pejorativamente de entreguista e de alinhada com as
6 A prpria indicao de Amorim como ministro de Relaes Exteriores indicava aprioridade da rea externa no governo Lula. Celso Amorim diplomata de carreira esempre defendeu uma postura autnoma do Brasil nos foros multilaterais.
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potncias no Norte. Na viso petista, a insero brasileira deveria estar
adequada s demandas das novas coalizes sociais, voltadas para a
percepo do papel de destaque a ser ocupado pelo Estado brasileiro no
mundo e dos constrangimentos internacionais insero perifrica dos
pases em desenvolvimento (OLIVEIRA, 2005).
Na viso do ministro Celso Amorim (2005), o governo Lula deixou
para trs mecanismos de insero dependente para situar o Brasil entre
as naes que procuram andar por conta prpria, defendendo que, com
o petista, foram impostas inovaes conceituais e diferenas prticas.
Amorim, enquanto fiel ministro das Relaes Exteriores de Lula desde o incio
do seu governo, define a poltica externa de que participante como ativa e
altiva, o que significa uma postura voltada para a defesa da soberanianacional e igualdade entre as naes. De Cardoso a Lula, as caractersticas
da ordem internacional passaram por mudanas concretas, e
provavelmente irreversveis, de maneira que, junto, modificou-se a
maneira brasileira de se fazer poltica externa, e nessa direo que a
poltica exterior brasileira torna-se parte ativa na confeco do sistema
global.
Esse argumento importante, pois traz tona a reflexo de que
as aes estratgicas de cada governo, ou as escolhas que seus chefes
fazem, dependem fortemente das circunstncias que cada contexto lhesoferece. nesse sentido que Cervo e Bueno (2008), em estudo sobre os
paradigmas7 da nossa poltica externa, entendem que o chamado
paradigma logstico, introduzido por Cardoso, foi consolidado por Lula.
Com este paradigma vigorando, no se admite que diante das foras
internacionais os governos sejam incapazes de governar, visto que o
Brasil se apresenta como sociedade organizada, com suas federaes de
classe articulando industriais, agricultores, banqueiros, operrios,
comerciantes e consumidores, cabendo ao Estado apoiar a realizao
dos interesses desses segmentos, zelando pelo bem-estar coletivo.
7 Artigo em que Amado Cervo desenvolve melhor as caractersticas dos paradigmas depoltica externa e como eles estiveram presentes nos pases da Amrica Latina e no Brasil Poltica exterior e relaes internacionais do Brasil: enfoque paradigmtico (2003).Disponvel em: . Acesso em: 13 jul.2009.
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Como isso tudo depende do interno e do externo, o Estado entra com o
peso do nacional sobre a poltica exterior e torna-se agente da
governana global. Essa evoluo, para os autores, o que permite a
poltica exterior da era Lula caminhar rumo maturidade.
A busca do Governo Lula pelas coalizes Sul-Sul
A partir da dcada de 1970, o termo Sul passou a ser empregado
no sentido de identificar os pases em desenvolvimento, aproveitando-se
do fato de todos os pases subdesenvolvidos, com exceo de Austrlia e
Nova Zelndia, localizarem-se geograficamente ao sul do globo. J o
termo Cooperao Sul-Sul ganhou destaque no mbito da presso dos
pases em desenvolvimento por acordos internacionais que reduzissemas disparidades econmicas entre naes do Norte e do Sul (UNDP,
2004). As coalizes ao Sul, portanto, no so recentes, mas ganharam
fora atualmente e tem exercido papel diferente na atual conjuntura, e
dessa peculiaridade que procuro tratar aqui.
A busca de cooperaes Sul-Sul pelos pases emergentes
facilitada pelo fato de compartilharem uma srie de caractersticas e
desafios comuns. Nos ltimos anos verificou-se uma exploso da
participao de Estados em desenvolvimento (tambm chamados de
PEDs) em organismos internacionais, apesar desses pases aindaenfrentarem diversos constrangimentos nos foros de debate,
decorrentes das assimetrias de poder e da distribuio desigual de
benefcios. Apesar das dificuldades e visando agregar maior poder de
barganha frente s economias mais fortes, muitos pases em
desenvolvimento esto se organizando para atuarem em bloco nos
organismos multilaterais (OLIVEIRA, 2007).
O Brasil, enquanto um dos principais atores emergentes, tem
buscado coalizes desta natureza visando sucesso em suas iniciativas
multilaterais. No governo Lula, especialmente, esse tipo de estratgiatem se mostrado mais intenso que no perodo FHC, tanto por uma lgica
diferente de funcionamento da sua diplomacia influenciado por suas
bases ideolgicas - quanto pelas mudanas verificadas no contexto
internacional. Assim, o multilateralismo foi eleito por Lula como caminho
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fecundo de sua poltica exterior, ao passo que os argumentos de Zakaria
(2008) e Haass (2008), tomados em sntese, demonstram que o mundo
atual tem possibilitado essas articulaes ao Sul, os quais fazem parte
das profundas alteraes sistmicas do ps Guerra Fria. So essas
polticas estratgicas do governo Lula que, em algumas de suas medidas
mais destacadas, sero abordadas abaixo.
As coalizes ao Sul como orientao da plataforma poltica de
Lula
A diplomacia do governo atual reflete com considervel
expresso o discurso do Partido dos Trabalhadores e essa nova linha de
pensamento aparece j em 2003 na V Conferncia Mundial do Comrcio(OMC), em Cancun8 (ALMEIDA, 2004). Os pases em desenvolvimento
costumavam assistir as negociaes, cabendo-lhes cumprir as regras
estabelecidas pelas potncias do Norte. Desde Cancun, a proposta
brasileira e dos emergentes era a de que ou estes pases se tornavam
parte na confeco das regras, que se tornariam legtimas e justas, ou a
produo destas seria paralisada. De modo a criar um contra-poder, a
diplomacia brasileira e seus aliados emergentes formaram o G-20, grupo
de pases que se organizou na fase final da preparao para esta
conferncia.O G-20 concentra sua atuao em agricultura, e tem uma vasta e
equilibrada representao geogrfica, sendo atualmente integrado por
23 membros - 5 da frica (frica do Sul, Egito, Nigria, Tanznia e
Zimbbue), 6 da sia (China, Filipinas, ndia, Indonsia, Paquisto e
Tailndia) e 12 da Amrica Latina (Argentina, Bolvia, Brasil, Chile,
Cuba, Equador, Guatemala, Mxico, Paraguai, Peru, Uruguai e
Venezuela). Aps a falta de resultados concretos no encontro de
Cancun, o G-20 dedicou-se a intensas consultas tcnicas e polticas,
visando injetar dinamismo nas negociaes. Foram realizadas diversasreunies ministeriais do grupo, alm de freqentes reunies entre
chefes de delegao e altos funcionrios dos pases. O grupo promoveu,
8 O G-20 foi formado no dia 20 de agosto de 2003 e a V Conferncia da OMC durou de 10e 14 de setembro deste mesmo ano.
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ainda, reunies tcnicas com vistas a discutir propostas especficas no
contexto das negociaes sobre agricultura da OMC e a preparar
documentos tcnicos, em apoio posio comum adotada pelo grupo. A
legitimidade do G-20 est, sobretudo, na importncia dos seus membros
na produo e comrcio agrcolas, representando quase 60% da
populao mundial, 70% da populao rural em todo o mundo e 26%
das exportaes agrcolas mundiais (G-20/MRE, 2003).
Outra mensagem de destaque da poltica externa de Lula foi
realizada logo no seu primeiro ano de governo, no Frum Econmico
Mundial de Davos, em 2003, quando o presidente falou abertamente da
sua discordncia do modelo neoliberal. Partilha dessa ideia Celso
Amorim, que desde o incio de sua gesto como ministro das RelaesExteriores, insiste na viso de que a f cega na abertura dos mercados e
na retrao do Estado incapaz de induzir o desenvolvimento e a
igualdade entre as naes, assim como impede a realizao de legtimos
objetivos externos. Devemos sublinhar, no entanto, que ao longo do
governo esse discurso foi se flexibilizando, ganhando contornos de
propostas de reforma do sistema internacional e de articulao em
busca da promoo dessas reformas, de maneira que a poltica externa
do governo Lula nunca se assemelhou, por exemplo, a outras tendncias
radicais presentes na Amrica do Sul.Dessa maneira, ganha corpo o conceito de multilateralismo da
reciprocidade9, que consiste em defender o livre comrcio caracterizado
pela reciprocidade. Disse o presidente Lula em Davos, a 26 de janeiro de
2003: Queremos o livre comrcio, mas um livre comrcio que se
caracterize pela reciprocidade (CERVO e BUENO, 2008, p. 496). Tal
lgica, segundo o presidente, deveria ser aplicada no apenas no que
tange ao comrcio internacional, mas tambm em quadrantes como
segurana, questes ambientais, sade e direitos humanos. O exemplo
prtico da aplicao do multilateralismo da reciprocidade tem aparecidoexatamente no empenho brasileiro em formar coalizes ao Sul. nesse
9 O conceito envolve dois pressupostos: a existncia de regras para compor oordenamento internacional sem as quais ir prevalecer a disparidade de poder embenefcio das grandes potncias, e a elaborao conjunta dessas regras a fim de garantirreciprocidade de efeitos para que no realizem interesses de uns em detrimento de outros.
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sentido que surgiu o IBAS (ou IBSA), iniciativa de ndia, Brasil e frica
do Sul como resultado das discusses entre os chefes de Estado dos
seus pases, na reunio do G-8, ocorrida em Evian, em 2003, e das
conseqentes consultas trilaterais entre estas naes.
Neste mesmo ano, em Braslia, os Ministros das Relaes
Exteriores dos respectivos pases (Nkosazana Dlamini Zuma, da frica
do Sul, Celso Amorim, do Brasil e Yashwant Sinha, da ndia) lanaram o
Frum de Dilogo IBAS, formalizando o grupo a partir da Declarao de
Braslia. Com isso, ndia, Brasil e frica do Sul perseguiriam interesses
comuns de tomada de deciso a nvel global, posicionando-se contrrios
poltica de subsdios agrcolas praticados pelos pases desenvolvidos e
defendendo uma ordem multipolar estruturada a partir da ateno aoDireito Internacional e a democracia (FRUM DE DILOGO IBAS, 2003).
O problema maior a ser ressaltado a composio, num mesmo grupo,
de um pas como o Brasil, que defende o livre-comrcio, e de outro lado,
pases como ndia e China, que defendem o auto-protecionismo,
alegando no poder abrir mo deste mecanismo como forma de
sustentao dos milhes de famlias que vivem em suas reas rurais.
Apesar dos desafios, existem perspectivas positivas quanto a
esta coalizo, de modo que os objetivos principais do Frum do Dilogo
IBAS so: a) promover o dilogo Sul-Sul, a cooperao e posiescomuns em assuntos de importncia internacional; b) promover
oportunidades de comrcio e investimento entre as trs regies das
quais os pases fazem parte; c) promover a reduo internacional da
pobreza e o desenvolvimento social; d) promover a troca de informao
trilateral, melhores prticas internacionais, tecnologias e habilidades,
assim como cumprimentar os respectivos esforos de sinergia coletiva;
e) promover a cooperao em diversas reas, como agricultura,
mudana climtica, cultura, defesa, educao, energia, sade, sociedade
de informao, cincia e tecnologia, desenvolvimento social, comrcio einvestimento, turismo e transporte (IBAS, 2008).
Outro modelo de articulao ao Sul, que se anuncia eficaz, pode
se desenvolver entre os pases denominados BRICs, onde o Brasil
aparece como uma das principais foras, junto de Rssia, ndia e China.
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A perspectiva indicada pela Goldman Sachs de que estes pases podem
estar na vanguarda econmica e demogrfica da segunda metade deste
sculo, e a revelao de que eles j congregam quase metade da
populao e um tero da riqueza global, como bem nos lembra Souza
(2009), deixou entrever um potencial estratgico que eles prprios
pareciam desconhecer. Segundo Lacerda (2007) o ganho de destaque
desses emergentes no cenrio internacional no ocorre sem motivos. Ele
nos revela que no ranking dos dez maiores pases segundo PIB (Produto
Interno Bruto) por Paridade de Poder de Compra (PPC), encontramos
todos os BRICs. Conforme dados do FMI (Fundo Monetrio
Internacional), com base no ano de 2007, a China est em segundo
lugar, com um PIBPPC de US$ 6,9 trilhes, logo aps os EUA. A ndia,com um PIBPPC de US$ 2,9 trilhes aparece em quarto lugar, vindo
depois do Japo e antecedendo a Alemanha. Em sexto lugar est o
Brasil, com PIBPPC de 2,8 trilhes. Em seguida vem o Reino Unido e,
depois, a Rssia, com PIBPPC de pouco mais de 2 trilhes10.
Embora os BRICs no sejam um grupo institucionalizado, o
acrnimo BRIC possibilita que seus pases se articulem por maiores
reivindicaes na agenda internacional, tendo em vista a pujana
econmica que detm e que tende a se ampliar daqui h alguns anos
conforme as previses. Apesar das diferenas entre esses pases, parecehaver vontade de se avanar na cooperao. Prova disso foi a primeira
reunio do grupo, ocorrida no ltimo dia 16 de junho na Rssia. Nela, os
quatro pases discutiram temas relacionados crise econmica global, a
reforma das instituies financeiras internacionais, o papel do G-20,
mudanas climticas e questes de segurana alimentar e energtica.
Ou seja, temas de competncia global, e no sobre uma possvel
institucionalizao do grupo, a despeito desta primeira reunio j
representar um bom comeo para futuras pretenses. O prximo
encontro dever acontecer em 2010 no Brasil (BBC BRASIL, 2009).
10 Para ver a listagem completa, assim como a lista elaborada pelo Banco Mundial e pelaCIA World Factbook, acessar:. Acesso em: 13 jul. 2009.
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Avanando na integrao ao Sul: as relaes da poltica externa
de Lula com a Amrica do Sul e a f rica
Amrica do Sul
Quanto interlocuo regional, o Brasil faz fronteira com
praticamente todos os pases sul-americanos, excetuando-se Equador e
Chile. Entretanto, a combinao de uma proximidade geogrfica
inescapvel com a assimetria no tamanho econmico gerou uma
sndrome de desconfiana entre o Brasil e os pases da regio
alimentada pelas diferenas de lngua, trajetrias sociopolticas e
caractersticas culturais. No entanto, o fato de terem sado de ditaduras
militares e retornado a ordem democrtica na dcada de 80 possibilitouuma boa aproximao entre o Brasil e seus vizinhos. A partir da, por
exemplo, foi permitido um contato mais prximo do Brasil com a
Argentina, a despeito da persistncia at hoje de muitas divergncias.
Segundo Lima (2005), o elemento de poltica externa sul-americana que
tem maior relevncia na regio desdobra-se em dois vetores. O primeiro
ofensivo, tratando-se de construir capacidade coletiva de influncia
nas negociaes internacionais, bem como na elaborao de normas
globais e regionais, procurando torn-las mais permeveis aos
interesses dos pases do Sul. O outro vetor defensivo, visando evitarque acontecimentos nos interiores dos pases vizinhos possam
transbordar para as fronteiras nacionais e estimulem aes unilaterais
dos Estados Unidos no continente.
Sob o ponto de vista institucional, os pases da Amrica do Sul
esto integrados em dois blocos principais, o MERCOSUL11 (Brasil,
11 O Mercosul consiste numa unio aduaneira entre os cinco pases partes, emboradevamos ressaltar que a participao definitiva da Venezuela depende da aprovao doseu ingresso no bloco pelo Congresso brasileiro, que tem relutado em faz-lo alegando a
ausncia de democracia plena no governo de Hugo Chvez. Recentemente a Cmara dosDeputados aprovou a sua entrada no MERCOSUL, mas o caso ainda ser analisado peloSenado. As discusses para a constituio de um mercado econmico regional para aAmrica Latina remontam ao tratado que estabeleceu a Associao Latino-Americana deLivre Comrcio (ALALC) desde a dcada de 1960. Esse organismo foi sucedido pelaAssociao Latino-Americana de Integrao na dcada de 1980. poca, a Argentina e oBrasil fizeram progressos na matria, assinando a Declarao de Iguau (1985), queestabelecia uma comisso bilateral, qual se seguiram uma srie de acordos comerciaisno ano seguinte. O Tratado de Integrao, Cooperao e Desenvolvimento, assinado entre
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Argentina, Paraguai, Uruguai e Venezuela) e o Pacto Andino (Bolvia,
Colmbia, Equador e Peru). Isso torna as relaes mais fceis, pois se
resumem, de certa maneira, a uma correspondncia entre o MERCOSUL
e o Pacto Andino (JAGUARIBE, 2008). Por outro lado, a marcante
assimetria econmica entre os pases da regio consiste no problema
estrutural mais srio para uma efetiva integrao, o que acaba exigindo
medidas compensatrias para os pases mais pobres. Outra dificuldade
reside na escolha dessas medidas, o que depende do tipo de ressalvas
protecionistas das economias mais dbeis, que devem ser, por um lado,
satisfatrias para elas e, por outro lado, aceitveis pelos pases maiores.
No governo Lula, a valorizao pela Amrica do Sul no
novidade, uma vez que a cooperao regional faz parte de suastendncias de coalizo ao Sul. Nesse sentido, o presidente brasileiro
ressaltou diversas vezes a importncia estratgica do MERCOSUL para o
seu governo, no que poderia constituir uma espcie de base material
para a unio poltica da Amrica do Sul. O continente, segundo esse
pensamento, deveria estar livre de influncias externas, como aparecia
no caso da proposta da ALCA.
Algumas diferenas de Lula em relao a FHC podem ser
observadas com relao regio. Os temas econmicos e comerciais
tiveram, para FHC, prioridade sobre os demais na agenda doMERCOSUL, enquanto para Lula o social e o poltico parecem ter
assumido a precedncia no processo de integrao. Os progressos, em
todo caso, tm sido mais proclamados do que efetivos, em vista de
dificuldades econmicas persistentes em cada um dos pases (ALMEIDA,
2004).
ambos os pases em 1988, fixou como meta o estabelecimento de um mercado comum, ao
qual outros pases latino-americanos poderiam se unir. Com a adeso do Paraguai e doUruguai, os quatro pases se tornaram signatrios do Tratado de Assuno (1991), queestabeleceu o Mercado Comum do Sul, uma aliana comercial visando dinamizar aeconomia regional, movimentando entre si mercadorias, pessoas, fora de trabalho ecapitais. Inicialmente foi estabelecida uma zona de livre comrcio, em que os pasessignatrios no tributariam ou restringiriam as importaes um do outro. A partir de 1995,esta zona converteu-se em unio aduaneira, na qual todos os signatrios poderiam cobraras mesmas quotas nas importaes dos demais pases (tarifa externa comum). No anoseguinte, a Bolvia e o Chile adquiriram o status de associados do Mercosul.
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Apesar de todos os embates diplomticos, no podemos perder
de vista a relevncia econmica do MERCOSUL, de modo que vrios
setores brasileiros ancoram-se nas exportaes que fazem para os
demais membros do bloco. Conforme dados trazidos por Lima e Gatto
(2008), o fluxo de comrcio com os vizinhos do bloco assumiu em 2006
pouco mais de 10% do total exportado pelo Brasil, perdendo apenas
para parceiros tradicionais no intercmbio comercial, como a Unio
Europeia, com 22,5%; EUA, com 18%; e sia com 16%. Os nmeros
confirmam a importncia do MERCOSUL como rea estratgica para o
Brasil, e nos leva a concluso de que as anlises acerca das vantagens e
desvantagens do regionalismo tendem a pesar para o lado da aceitao
da integrao como melhor caminho, escolha que a poltica exterior deLula tem defendido com afinco.
Segue essa tese a ambio integracionista buscada na formao
da Unio das Naes Sul-Americanas (UNASUL), comunidade formada
por doze pases sul-americanos (Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai,
Bolvia, Colmbia, Equador, Peru, Chile, Guiana, Suriname e Venezuela).
Este modelo de integrao dever ocorrer nas reas econmica, social e
poltica, e dentro deste objetivo espera-se uma coordenao e
cooperao maior em segmentos como educao, cultura, infra-
estrutura, energia, cincias e finanas. Alm disso, tem-se a expectativade avanar em pontos extremamente relevantes para o Brasil e toda a
regio, como na criao de um Conselho de Defesa da Amrica do Sul,
de um Parlamento nico, de uma moeda nica e de um banco central.
Ficou previsto, de acordo com o tratado, reunio anual dos chefes de
Estado e de governo da Unasul, e encontros semestrais do Conselho de
Ministros de Relaes Exteriores (SUAPESQUISA.COM/ UNASUL, 2008)12. A efetivao dessa iniciativa, no entanto, depende de muitos
12
O primeiro passo para essa integrao ocorreu em 8 de dezembro de 2004, na cidadede Cuzco, no Peru, quando foi realizada a 3 Reunio de Presidentes da Amrica do Sul.Nesta ocasio, foi redigido um documento (Declarao de Cuzco) que criou as bases paraa UNASUL. O projeto criado nesta oportunidade ganhou o nome de Casa (Comunidade Sul-Americana de Naes). Em 2007, durante a 1 Reunio Energtica da Amrica do Sul(realizada na Venezuela), o nome foi modificado para UNASUL. Contudo, somente em 23de maio de 2008, em Braslia, representantes dos doze pases assinaram efetivamente umtratado para cri-la. Ressaltemos que este tratado ainda precisa ser ratificado peloscongressos dos pases membros.
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aspectos importantes, devendo ser um processo de longo prazo, e que,
como tal, est permeado de ambio por todos os lados e de ceticismo
por parte dos crticos.
frica
Na lgica de funcionamento da poltica internacional, a incluso
de novos atores um passo decisrio na afirmao do multilateralismo.
com a tomada dessa premissa que podemos verificar um aumento
recente das relaes brasileiras com o continente africano, mais uma
relevante ao de cooperao ao Sul estabelecida pela diplomacia
brasileira. Sublinho, no entanto, que nem todos vem essa proximidade
positivamente, como o caso de Amaral (2008). Para ele o Brasil seencontra a meio caminho entre pobres e ricos, entre subdesenvolvidos e
desenvolvidos e, de acordo com sua opinio, as relaes com a frica
so reflexo da falta de continuidade da nossa poltica externa ao longo
de dcadas, visto que a ateno com aquele continente espordica e
os resultados questionveis.
A despeito do discurso diplomtico de que o Brasil deve resgatar
a integrao com a frica devido as proximidades histricas13, o motivo
mais realista e plausvel para esta aproximao a busca por apoio na
campanha por um assento permanente no Conselho de Segurana daONU. Segundo discurso do governo brasileiro, necessrio reformar a
ONU e seu Conselho de Segurana, que dever contar com novos
membros permanentes vindos da sia, frica e Amrica Latina. Nessa
rota integracionista, o pas tem buscado incentivar a cooperao sul-
americana com a frica e tem atuado no fortalecimento do dilogo
13 A relao entre Brasil e frica comea no sculo XVI com a escravido negra. Aimplantao do trabalho escravocrata no Brasil contribuiu para um desenho bastantepeculiar na estrutura social brasileira. Hoje, o pas possui a segunda maior populaonegra do mundo, s estando atrs da Nigria. Segundo o IPEA (Instituto de Pesquisa
Econmica Aplicada) (2006), em 2006 eram negros no Brasil 49,5% da populao.Sabendo-se que em 2006 o Brasil tinha aproximadamente 187 milhes de habitantes, apopulao auto-declarada negra equivale a quase 93 milhes de brasileiros. Podemosmencionar ainda que, desde o fim dos anos 1980, tem crescido na frica a penetrao dateleviso brasileira, em especial com as telenovelas, com as igrejas evanglicas e com oestabelecimento ilcito de redes de contrabando, trfico de drogas, armas e lavagem dedinheiro. Aspectos culturais e de segurana, assim, se tornaram agendas comuns norelacionamento entre as duas margens do Atlntico Sul. Alm disso, o Brasil tambm temrecebido refugiados e imigrantes do continente africano, fugidos de guerras e da pobreza.
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poltico e da integrao econmica com essa regio, como aparece no
acordo de comrcio preferencial do MERCOSUL com a Unio Aduaneira
da frica Austral - SACU.
O SACU uma rea de cooperao econmica do continente
africano que envolve frica do Sul, Botswana, Lesoto, Nambia e
Suazilndia, sendo que a frica do Sul responde por mais de 95% do
seu PIB. Segundo Ministrio das Relaes Exteriores do Brasil, entre os
950 itens includos pela SACU no Acordo de Comrcio Preferencial esto
150 itens do setor de alimentos (principalmente processados) e mais de
200 itens do setor de mquinas, aparelhos e materiais eltricos. H,
atualmente, conversas no sentido de se iniciar a negociao de um
acordo de livre comrcio entre o MERCOSUL, a ndia e a SACU(NEGOCIAES COMERCIAIS MERCOSUL-SACU/MRE, 2009).
Apesar do seu tom de desconfiana, o prprio Amaral (2008)
reconhece que, se programado a mdio prazo, tendo foco e
continuidade, o contato com a frica pode trazer rentveis retornos ao
Brasil. Dada a proximidade cultural e o dilogo poltico, algumas naes
africanas oferecem tambm atraentes oportunidades de investimentos
para o pas, dentre elas a ampliao do mercado de etanol, seja para o
consumo, seja para o auxlio tcnico na sua produo. Com esse
incentivo, o Brasil e esses pases podem atuar juntos nodesenvolvimento de um mercado mundial para essa importante
commodity do ramo energtico.
Exemplo dessa cooperao, com apoio diplomtico brasileiro, foi
a inaugurao, em junho deste ano, da primeira usina de etanol da
frica, no Sudo. O empreendimento pertence Kenana Sugar
Company, empresa que tem como acionistas os governos do pas
africano, do Kuwait e da Arbia Saudita, de bancos e outras entidades
com sede em pases rabes e no Japo. A usina, no entanto, foi
construda pela brasileira Dedini Indstria de Base, com materialproduzido pela empresa no Brasil. O investimento realizado na compra
de equipamentos e mquinas foi de 15 milhes de euros, segundo o
secretrio-geral da Cmara de Comrcio rabe Brasileira, Michel Alaby.
Alm disso, o secretrio informou que existem hoje 10 projetos de
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construo de novas usinas de acar e lcool naquele continente, as
quais possivelmente tero participao de empresas brasileiras em suas
construes (UDOP UNIO DOS PRODUTORES DE BIOENERGIA,
2009).
Fazendo um sinttico levantamento histrico desde o fim da
ditadura, com o governo Sarney podamos verificar algum contato
brasileiro com a frica, mas a ascenso de Fernando Collor de Mello
presidncia e a adoo do neoliberalismo como poltica econmica
abriram uma fase de distanciamento em relao ao continente, o que se
acirrou com a criao do MERCOSUL, em 1991. Afinal, para alm de
Estados Unidos e Europa, grande parte da ateno brasileira se
deslocava, nesse momento, para a prpria regio sul-americana. Em1993, Itamar Franco reativou a Zona de Paz e Cooperao do Atlntico
Sul (ZOPACAS), que tem o objetivo do uso pacfico do hidroespao
atlntico pelos Estados ribeirinhos, que havia sido criada em 1986, mas
estava desativada. Alm disso, realizou o Encontro de Chanceleres de
Pases de Lngua Portuguesa em Braslia e apoiou bilateralmente e
multilateralmente - via ONU - o processo de paz e reconstruo de
alguns pases do continente (CAMPOS, 2008).
J no perodo FHC (1995-2002), o lugar da frica na poltica
externa brasileira continuou modesto, tendo havido, no entanto,algumas iniciativas de destaque. A partir de 1995 o exrcito brasileiro
participou ativamente das misses de paz da ONU em Angola. Em 1996,
o presidente Fernando Henrique Cardoso visitou Angola e frica do Sul,
firmando acordos em vrias reas e, em 1998, o presidente sul-africano
Nelson Mandela visitou o Brasil, de modo que a nova frica do Sul14,
ps-apartheid, emergia como parceira importante. No mesmo sentido, a
cooperao no campo das polticas pblicas cresceu bastante entre o
Brasil e o continente africano, o que aparece na luta brasileira por
14 A frica do Sul um pas com muitas riquezas naturais. Segundo Dupas (2006) possui40% das reservas mundiais de ouro, 25% das reservas de diamante, alm da quasetotalidade das de platina, mangans, cromo e vandio. No incio da dcada de 1980 oacirramento das sanes em represlia ao regime de segregao racial dificultou ascondies econmicas do pas. Somente no incio da dcada de 1990, com o fim doapartheid em 1992 e as eleies de Nelson Mandela para a presidncia, a frica do Sul vairetomando aos poucos os contatos estratgicos com outros pases fora do continente.
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quebrar os direitos de patente dos medicamentos contra a AIDS,
epidemia que assola a frica Austral (VIZENTINI; PEREIRA, 2008).
O prprio presidente Fernando Henrique Cardoso chegou a dizer,
poca em que estava no governo, que a frica, infelizmente, um
continente que parece deriva (CARDOSO e SOARES, 1998, p. 254). E
ainda:
A nossa percepo da frica uma percepo quaseimemorial dada a presena negra no Brasil. Noexatamente a frica poltica, a religio, aescravido, a cor da nossa pele. [...] Outra coisa africa de hoje. As informaes sobre a frica so muitoescassas no Brasil. Faria apenas duas excees:Angola, por causa de maiores interesses econmicos debrasileiros l e pelo fato do MPLA ter sido apoiado peloBrasil; e frica do Sul, que fato novo, que se deve
tambm a presena extraordinria de Nelson Mandela.O restante da frica muito pouco falado, h muitopouca informao (CARDOSO e SOARES, 1998, p. 304).
Com isso, percebemos que havia restrio diplomtica pela
prpria ausncia de maiores informaes sobre a frica que estimulasse
a cooperao com aquele continente. J com o governo Lula,
percebemos uma considervel inflexo, de modo que o continente
africano passou a ser encarado como uma das reas de maior
investimento do seu governo.
Durante seu primeiro mandato, Lula realizou 4 viagens frica,
visitando um total de 17 pases em pouco mais de dois anos. Em
novembro de 2003, esteve em So Tom e Prncipe, Angola,
Moambique, Nambia e frica do Sul. Em dezembro do mesmo ano foi
ao Egito e Lbia. Em julho de 2004 visitou So Tom e Prncipe, Gabo e
Cabo Verde. Em abril de 2005, Camares, Nigria, Gana, Guin-Bissau e
Senegal. Em fevereiro de 2006 foi Arglia, Benin, Botsuana e frica do
Sul (novamente). Nos quatro primeiros anos do governo Lula, o Brasil
abriu embaixadas desativadas no governo FHC e inaugurou novas
representaes diplomticas e um consulado-geral, totalizando 13 novospostos. A presena brasileira na frica saltou de 18 para 30 embaixadas
ao longo do governo Lula15, e dois consulados-gerais. Por outro lado,
15 Como resultado, o Itamaraty ampliou consideravelmente o nmero de vagas em seu
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despertou-se o interesse de pases africanos na abertura de postos
diplomticos no Brasil (Benin, Guin-Conacri, Guin Equatorial, Nambia,
Qunia, Sudo, Tanznia, Zmbia e Zimbbue), de modo que entre
2003 e 2006 o nmero de embaixadores africanos no pas saltou de 16
para 25 (RIBEIRO, 2007a).
Seguindo essa linha, o Brasil desenvolveu com pases africanos
da Comunidade dos Pases de Lngua Portuguesa (CPLP)16 fortes
programas de cooperao bilateral. Entre os mais significativos esto a
abertura de centros de ensino tcnico brasileiros no Timor Leste (que
fica na sia) e em Angola, e a disposio de urnas eletrnicas para o
pleito de Guin-Bissau, que acabou adiado por conta do golpe militar
ocorrido no pas em 2008. Foi negociada, ainda, em Moambique, ainstalao de uma fbrica de medicamentos anti-retrovirais. Tambm
em Moambique, a Companhia do Vale do Rio Doce est presente desde
2004 em Moatize, norte do pas, aps ganhar concurso internacional
para a realizao de pesquisas, naquela que considerada uma das
maiores reservas carbonferas do mundo (@VERDADE, 2009).
Em Angola, a interao poltica tem favorecido enormemente as
relaes comerciais e os investimentos brasileiros no pas. O atual
governo brasileiro ampliou as linhas de crdito ao Estado angolano de
modo a permitir a concluso da hidroeltrica de Capanda, exportaesde automveis e viaturas de polcia, alm da contratao de novos
projetos nas reas de infra-estrutura, saneamento e agricultura
(RIBEIRO, 2007b). Faz-se relevante mencionar, ainda, que, conforme
informao do embaixador brasileiro em Angola, Afonso Jos Sena
Cardoso, as empresas brasileiras respondiam, em 2007, a 10% do PIB
angolano, refletindo a enorme participao brasileira naquele pas.
A Petrobras, por sua vez, numa interessante lgica de
internacionalizao de empresas brasileiras na frica, j est presente
em sete pases do continente - Nigria, Angola, Guin Equatorial, Lbia,
concurso pblico anual.16 A CPLP, criada em 1996, envolve uma populao de 240 milhes de pessoas em vrioscontinentes, a maioria da frica. So seus componentes: Brasil, Portugal, Timor Leste,Guin-Bissau, Cabo Verde, So Tom e Prncipe, Moambique e Angola. Eles tm buscadocooperao nas reas de segurana, negcios, sade e educao.
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Tanznia, Moambique e Senegal -, trabalhando com empresas locais e
estrangeiras na prospeco em guas profundas e no segmento de
explorao e produo de petrleo. Por outro lado, existe a participao
de empresa privada angolana na explorao de hidrocarbonetos em
terras brasileiras. A Somoil (Sociedade Petrolfera Privada Angolana)
venceu, em 2007, concurso internacional para participar de pesquisa,
desenvolvimento e produo de petrleo e gs no Brasil. No contrato,
ela deveria ficar com 50% da concesso do Bloco BT-REC-18, na Bacia
do Recncavo, na Bahia, tornando-se a primeira empresa petrolfera
angolana a trilhar o caminho da internacionalizao (REVISTA O
PETRLEO/ ANGOLA, 2007).
Mas h um tipo de relao com o continente africano que temservido de crticas ao governo atual. Trata-se da forma como a
diplomacia brasileira tem lidado com a questo dos direitos humanos no
Sudo. Isso porque o Brasil, defensor dos Direitos Humanos e signatrio
do Tribunal Penal Internacional (TPI), se absteve de comentar o
mandado de priso emitido em maro contra o presidente sudans,
Omar al Bashir, acusado de crimes de guerra e contra a humanidade em
Darfur. O silncio sobre a ordem do TPI tem a ver com a resistncia do
Brasil em apoiar condenaes contra o Sudo no Conselho de Direitos
Humanos (CDH) da ONU, criado em 2006 em substituio Comissode Direitos Humanos. O argumento do Itamaraty que as punies s
isolam mais as ditaduras, e que, portanto, negociaes seriam mais
eficazes na resoluo do conflito em Darfur do que sanes. Crticos
alegam que, para obter apoio no sentido de conseguir uma cadeira
permanente no Conselho de Segurana da ONU, a diplomacia brasileira
corre o risco de cair em sria contradio, sugerindo que o interesse do
apoio do Sudo seja a razo pela sua postura (FOLHA DE SO PAULO,
2009).
Consideraes Finais
Neste trabalho, procurei tratar de uma nova e relevante
perspectiva da poltica internacional que diz respeito s coalizes Sul-
Sul, aqui abordando a atuao da poltica externa do Presidente Lus
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Incio Lula da Silva em torno deste modelo multilateral de cooperao.
Embora algum tipo de articulao ao Sul no seja novidade para a
diplomacia brasileira, percebo que no atual momento histrico a sua
iniciativa desempenha papel bastante peculiar. O primeiro motivo que
as articulaes ao Sul, aqui tratadas, so fruto de estratgia de poltica
exterior, empenhada na aproximao do Brasil junto s novas foras
emergentes da atualidade. O segundo motivo que marca a peculiaridade
destas coalizes exgena, e est relacionada com o estgio
contemporneo da poltica mundial, que vai deixando para trs a rigidez
de outros momentos, e se arrasta a passos largos para arranjos
multilaterais.
Em Poltica Internacional, pelo fato de tratarmos de cinciassociais, no podemos deixar escapar nenhuma varivel de anlise,
tampouco deixar de pensar os fenmenos como articulados entre si.
com essa premissa que devemos tentar entender as razes pelas quais
a poltica externa brasileira escolheu, em grande medida, e no
somente, o Sul como alternativa diplomtica do sculo XXI. As ambies
brasileiras recentes ampliaram-se em comparao com momentos
anteriores, e tanto o Brasil como os novos atores de destaque tentam
aproveitar as profundas mudanas do jogo para deixarem no passado a
posio de ouvintes e decisivamente ingressarem no rol dos tomadoresde deciso do tabuleiro internacional.
Entretanto, alguns resultados da diplomacia do governo Lula so
discutveis e muitos crticos sublinham que o discurso mais articulado
que o prprio sucesso de suas aes, alegando, por exemplo, a
incapacidade do Brasil no apaziguamento de tenses na Amrica do Sul,
de modo que o pas no consegue transmitir a sua estabilidade poltica
para alguns dos vizinhos. Quanto aproximao com a frica, aqui
reside mais um ponto polmico da poltica externa atual, resultando em
anlises tanto favorveis quanto desfavorveis. Favorveis so aquelesque apiam a integrao com um continente historicamente prximo ao
Brasil, com quem nosso pas teria uma dvida a pagar em razo da
escravido. Defendem que a proximidade cultural pode favorecer os
negcios, principalmente no mdio e longo prazo. Desfavorveis so os
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analistas que no vem ganho nesta cooperao, olhando somente para
uma relao deficitria para o Brasil no curto prazo, e analisando com
profunda desconfiana qualquer relao num continente instvel e
incerto como a frica. A minha posio de que a cooperao Brasil-
frica pode ser extremamente vantajosa para ambos, econmica e
politicamente, mas sou contra a diplomacia brasileira ser ausente de
posicionamento firme quando lderes africanos infringem os direitos
humanos uma das conquistas ticas mais importantes da
modernidade.
Outro ponto do qual no podemos nos esquecer que o campo
diplomtico carrega consigo envolvimentos polticos e econmicos, e
muitas vezes, sociais e culturais. Da ser uma rea que se refere aescolhas importantes que impactam diretamente na vida dos cidados
comuns de cada pas. O Brasil, a despeito da importncia do respeito
diplomtico que adquiriu nos ltimos anos, tem dficits com a populao
interna que devem ser levados em conta quando da realizao dos seus
empreendimentos externos. Trata-se da pobreza ainda elevada, apesar
da sua considervel queda nesta dcada; da deficincia educacional de
parcela significativa da populao, que impede ambies internas e o
prprio desenvolvimento da economia; e da elevada desigualdade social,
que reduz a integrao interna em torno da cidadania e proporciona oassistencialismo.
Por fim, digo que a poltica exterior do governo Lula peculiar
pelo momento histrico em que est inserido, tem relevante marca
diplomtica na valorizao das coalizes ao Sul, manifesta um acertado
discurso favorvel reduo das assimetrias internacionais, mas precisa
estar atenta aos interesses da populao. Frente crise que abala o
mundo, s o tempo nos permitir novas interpretaes acerca das aes
diplomticas tomadas atualmente e s assim conheceremos o futuro do
multilateralismo como estratgia da nossa poltica externa.
Walace Ferreira Licenciado em Cincias Sociais pela Universidade doEstado do Rio de Janeiro (UERJ), Mestre em Sociologia pelo InstitutoUniversitrio de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ); Doutorando em
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Sociologia no IUPERJ, onde pesquisa Poltica Externa Brasileira; eProfessor substituto da Faculdade de Cincias Sociais da UERJ.E-mail: [email protected]
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