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De signos: a relao entre poesia De vanguarDa e publiciDaDe impressa

- marcos nicolau

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Capa Rennam Virginio Editorao digital Marriett AlbuquerqueIlustrao da capa Poema contreto de Florivado Menezes

N639d

Nicolau, Marcos Desgnios de signos: a relao entre poesia de vanguarda e publicidade impressa/Marcos Nicolau. 2 ed. Edio Digital - Joo Pessoa: Ideia 2011. 300 p. ISBN 85-7539-014-7

1. Lingstica 2. Semitica 3. Poesia Literatura Brasileira 4. Publicidade Impres-sa. UFPB/BC CDU: 801

EDITORA (83) 3222-5986 Livro Digital produzido pelo Projeto Para ler o digital, coordenado pelo Prof. Marcos Nicolau NAMID - Ncleo de Artes Miditicas Grupo de Pesquisa em Processos e Linguagens Miditicas Gmid/PPGC/UFPB Capa Sumrio eLivre Autor

O que fizeram com o tomo querem fazer com o verbo.(Jos Lins do Rgo)

Referncias

6 SUMRIOINTRODUO / 8

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O advento da publicidade / 141 Publicidade no Brasil: breve histrico e linguagem / 143 A relao entre poesia e publicidade / 150 Os poetas e os anncios publicitrios / 150 Estudos crticos e publicidade / 168 Jakobson e a funo potica da linguagem / 169 Roland Barthes e a conotao nos anncios / 171 Kloepfer: os objetivos diversos da potica / 174 Reis e as relaes sociais da literariedade / 178 Paz e Bosi: degradao do homem pela propaganda / 186 Relao estrutural entre textos publicitrios e recursos poticos / 189 Estilstica em poesia e publicidade / 190 Caractersticas estilsticas do anncio / 193 Recursos fnicos ou fonticos / 196 Recursos morfolgicos ou morfossintticos / 204 Recursos semnticos ou lxico-semnticos / 209 Operadores das teorias poticas encontradas nos anncios / 223 Os princpios de estranhamento e de desautomatizao / 224 O uso da relao denotao/conotao / 225 O emprego de Fanopia, Logopia e Melopia / 227 O acoplamento reordenado para textos publicitrios / 231 A utilizao de impertinncia e inconseqncia / 233 De como o estudo de isotopia se aplica publicidade / 236 O emprstimo da significncia aos anncios / 245 De poesia ps-modernista e publicidade / 247 Princpios de espacializao e visualizao nos anncios / 248 As relaes de contigidade e similaridade / 255 Potica ps-modernista e construo de logomarcas / 258 CONCLUSO / 269 NOTAS / 282 REFERNCIAS / 285 eLivre Autor Referncias

POESIA DE VANGUARDA E SUAS PERSPECTIVAS LINGSTICA E SEMITICA / 18 Breve trajetria da poesia brasileira / 18 O contexto das vanguardas brasileiras / 20 Teorias poticas lingsticas e teoria semitica / 41 Por uma definio entre a Lingstica e a Semitica / 41 Os pressupostos lingsticos de Saussure e as teorias poticas / 44 O estruturalismo e seus desdobramentos poticos / 45 Estranhamento e desautomatizao / 51 Denotao e conotao / 53 Fanopia, Logopia e Melopia / 55 Acoplamento / 58 Impertinncia e Inconseqncia / 61 Isotopia / 66 Significncia / 69 Levantamento histrico de estudos sobre visualidade na poesia / 73 Visualidade na poesia brasileira / 86 Poesia Visual: questo potica e nomenclaturas / 95 Linguagem moderna e visualidade / 99 Teoria Semitica e visualidade potica / 107 De cones e hipocones / 114 Anlise de poemas sob a perspectiva da Semitica / 122 POESIA E PUBLICIDADE: A TRANSDISCURSIVIDADE POSSVEL / 136 Definio das relaes entre discursos / 136 Capa Sumrio

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INTRODUOLanar um olhar sobre a trajetria da poesia brasileira durante o sculo XX uma tarefa de conseqncias, antes de tudo, visveis. Parece bvio, mas a expresso um olhar no poderia ser mais pertinente, uma vez que aspectos da espacialidade e da visualidade foram usados de forma efetiva nos dois movimentos de vanguarda e nos muitos experimentalismos ocorridos nessa trajetria potica. Chama-nos a ateno, particularmente, a percepo de que, no primeiro movimento de vanguarda, a poesia gerada pelo Movimento Modernista Brasileiro desenvolveu-se no mbito da linguagem verbal em seu carter linear, inserida dentro dos parmetros lingsticos contemplados pelas teorias poticas dos formalistas e estruturalistas circunscritos nas concepes da lngua de Ferdinand de Saussure. E, no segundo movimento, a Poesia Concreta, propondo-se romper com a linearidade verbal dos versos, insere o recurso da visualidade de modo voluntrio sua nova esttica formal, mais bem fundamentada por uma outra concepo de linguagem abrangida pela Semitica de Charles S. Peirce. O que nos interessa nessa trajetria da poesia brasileira de uma vanguarda a outra na primeira metade do sculo XX, bem como, seus desdobramentos posteriores, a transposio sgnica da linguagem verbal linguagem no-verbal e aCapa Sumrio eLivre

conseqente influncia de todo esse processo na linguagem de um certo gnero da mdia impressa: a publicidade. Inmeros experimentalismos foram concebidos dentro desse continuum que vai da palavra imagem ambas convivendo e interagindo dentro de parmetros comuns ao signo, ora como partcula lingstica, ora como partcula semitica, distintas, entretanto, como as duas faces de uma mesma moeda. E, ampliando ainda mais esse campo de observao sobre os desdobramentos e os usos do signo na construo das modernas linguagens que permeiam o sculo XX, possvel detectar uma relao abrangente e significativa dos construtos dessas duas vanguardas poticas com a visualidade grfica e tipogrfica dos gneros discursivos dos meios de comunicao impressos que no parece ter sido aleatria. So prticas que se inserem num mesmo paradigma de construo das novas capacidades humanas de produo, expresso e recepo de mensagens exigidas pela modernidade das grandes metrpoles industrializadas. De fato, deparamo-nos cotidianamente com textos publicitrios parecidos em sua estrutura com poemas versificados, ou grafismos nos anncios idnticos aos recursos plsticos da Poesia Visual. E inquieta-nos saber qual teria sido a participao da poesia brasileira no sculo XX, com seus procedimentos de linguagens complexos e dinmicos, na evoluo das modernas linguagens daAutor Referncias

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publicidade impressa. Se pudermos identificar os pontos em comum, mesmo considerando gneros to dspares, pelo que comungam na aplicao dos signos para construo de suas linguagens, talvez possamos comprovar a importncia dessas duas vanguardas poticas brasileiras enquanto instncias literrias que participam ativamente de nossas vidas de forma muito mais profunda do que imaginamos. a partir dessas consideraes que se constri o presente estudo, detectando a delimitao das teorias poticas logocntricas perfeitamente aplicveis potica dessa primeira vanguarda e indo em busca de novos pressupostos tericos para a poesia que tambm passou a ser chamada de ps-modernista, pertencente ao segundo movimento de vanguarda. Ao mesmo tempo em que, percebendo a dimenso alcanada pela poesia ps-modernista, procurar-se- identificar, no momento de uma transposio sgnica do lingstico ao semitico, o alcance da transdiscursividade. Considerando a enorme distncia que existe entre os dois gneros discursivos a poesia em sua categoria de arte que se prope transcender a dimenso humana pela expresso artstica, e a publicidade como tcnica e instrumento de marketing, inserido no contexto mercadolgico de mercadorias --, talvez possamos aprofundar a questo, perguntando-nos como os mesmos procedimentos poticos funcionam em gneros to contraditrios, uma vez que possvel retirar treCapa Sumrio eLivre

chos de textos publicitrios e, descontextualizando-os, faz-los passar por poemas e vice-versa. E mais: at que ponto a Poesia Visual influenciou a moderna publicidade impressa fornecendo-lhe poderosos recursos sgnicos capazes de aprimorar seu poder de persuaso e alienao mercadolgica? No seria, por exemplo, o design das logomarcas modernas presentes nos anncios publicitrios impressos, o estgio subseqente da prtica dessa poesia experimental iniciada nos anos 50? Para desenvolver a presente proposta, dividimos este trabalho em duas partes distintas: 1) fundamentao das teorias poticas lingsticas e da Teoria Semitica, a partir da contextualizao das vanguardas brasileiras e da questo da visualidade na poesia; 2) anlise comparativa e aproximativa, tanto geral quanto estrutural, entre poesia e publicidade. A primeira parte deste trabalho, alm de trazer um breve histrico da trajetria das duas vanguardas poticas brasileiras, fundamentada pelas mais conhecidas teorias poticas do sculo XX a partir do sistema lingstico de Saussure e pela Semitica de Peirce, no que concerne ao signo e suas categorias de cone, ndice e smbolo, para estudo mais apropriado do estrato tico que constitui a visualidade potica. Em um primeiro momento dessa fundamentao, so revistas, de forma breve, as concepes de desautomatizao e estranhamento daAutor Referncias

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lngua, denotao e conotao, e desvio das normas dos formalistas russos; os fundamentos poticos dos eixos paradigmtico e sintagmtico de Jakobson; as idias de fanopia, melopia e logopia de Ezra Pound; os conceitos de acoplamento de Samuel Levin, e de impertinncia e inconseqncia de Jean Cohen; a concepo de isotopia, de Greimas e Rastier; e ainda o conceito de significncia, de Michael Riffaterre. Neste ponto, insere-se um levantamento sobre o aspecto da visualidade como elemento esttico presente na poesia de diferentes pocas e culturas ocidentais, desde o grego Smias de Rodes at a poesia brasileira. Tambm so tratadas questes sobre o fato da Poesia Visual ser ou no considerada poesia por alguns autores e sobre visualidade na linguagem moderna. Esse levantamento fundamenta a necessidade de se recorrer aos pressupostos da Semitica de Peirce, embora esta no tenha constitudo ainda uma teoria potica devidamente sistematizada. Partindo dessa relao interdisciplinar que nos permita transitar na fissura gerada pela Poesia Visual brasileira no mbito das teorias poticas predominantemente lingsticas, procuraremos estabelecer, na Teoria Semitica, uma base de sustentao do uso esttico do signo para melhor compreender os procedimentos sgnicos que ocorrem nesse tipo de poesia. A segunda parte, por sua vez, caracterizar uma transdiscursividade, ou seja, procurar a reCapa Sumrio eLivre

lao dessas poticas de vanguarda com um dos mais explorados gneros discursivos da atualidade na mdia impressa: a publicidade. O que justifica a relao da poesia brasileira com a publicidade impressa que esta parece ter sempre buscado na poesia a fora retrica de sua expresso persuasiva, pelo que o signo e suas representaes podem oferecer de mais funcional para manuteno de uma ideologia capitalista de consumo inteiramente inversa s propostas do fazer potico. De fato, se por um lado temos o poema como supra sumo da lngua, em que o poeta explora o que h de mais rico, dinmico e expressivo, atravs de construes poticas inusitadas, no s no campo do verbal, na publicidade que se realiza o mximo da comunicao e da persuaso atravs tambm de recursos lingsticos e semiticos os mais complexos, aprofundando as possibilidades do uso do signo em sua integralidade. E, no campo neutro das possibilidades sgnicas, ambos, no que os estruturalistas chamam de princpio da imanncia, poemas e anncios exploram idnticos recursos, idnticos procedimentos, embora para chegar a resultados e intenes opostas ideologicamente. Desse modo, acabam por contribuir, de forma eficaz e mltipla, para a construo de linguagens miditicas cada vez mais poderosas, no sentido em que destituem barreiras e fronteiras de compreenso e significao de mensagens, num mbito cultural queAutor Referncias

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hoje se amplia de forma globalizada, e que veio se constituindo desde o surgimento da Modernidade, enquanto processo histrico. De acordo com Castro (1973, p. 48), a idia de Modernidade admissvel em termos de comunicao, a comunicao complexa, mltipla e eficaz dos meios ao alcance dos homens. Para esse autor, nessa relao instvel entre o homem e a comunicao h o fator negativo do consumo e da tecnocracia, mas tambm h seu lado positivo: o desenvolvimento tecnolgico permitiu ao artista situaes e possibilidades de ao criativa, nunca antes sequer imaginadas. A mdia compe esse vasto campo de atuao humana no qual as linguagens alcanam um nvel de compreenso mundial, graas s possibilidades de explorao do signo em seus aspectos analgicos e digitais, transformando-se no que j se convencionou como hipertexto* o texto de carter virtual, que se adequa s necessidades e aos interesses de diferentes leitores. Dentro desse processo, hoje, a palavra e a imagem, em qualquer lngua, passam a ser entendidas a partir das possibilidades mutveis do signo, esse instrumento genrico que se apresenta como um* Cf. Lvy, Pierre. As tecnologias da inteligncia, 1993. De acordo com as concepes de Lvy, o hipertexto formado pela interligao em rede dos microtextos que ocupam o ciberespao, atravs dos quais se pode acessar novos textos e informaes em sucessivos links de forma dinmica. E, segundo Costa (1999), o termo foi criado pelo pesquisador Ted Nelson.

fator crucial de desenvolvimento da humanidade em toda a sua trajetria de civilizao. Para explanao dessa terceira parte, ser demonstrada a relao histrica e estrutural existente entre ambos os gneros, poesia e publicidade, em trs diferentes perspectivas, contextualizando-se os aspectos mais pertinentes de ligao entre ambos os discursos: a) relao entre poetas e anncios publicitrios; b) relao entre poesia e mensagem publicitria mostrada atravs de estudos crticos de diversos autores; c) relao estrutural entre poesia e publicidade. A relao mais elementar se d pelo envolvimento de poetas com o fazer publicitrio desde a origem dessa prtica mercadolgica. Vamos encontrar eminentes poetas que criaram conhecidos anncios, como Olavo Bilac. Poetas que fizeram poemas que imitavam anncios ou que se referiram a contedos de anncios, como Carlos Teles Queiroz, Manuel Bandeira. E mesmo poetas igualmente consagrados que falaram de ou fizeram referncia s mensagens publicitrias, como Carlos Drummond de Andrade, Mrio Quintana. A segunda relao entre ambos os discursos a de ensaios crticos e estudos realizados por poetas e ensastas sobre aspectos diversos de aproximaes ou diferenas entre a poesia e a mensagem publicitria. Uns mostrando o que esses gneros discursivos tm lingisticamente em comum, como Roman Jakobson, Carlos Reis, Roland Barthes, Rol Kloepfer, Dcio Pignatari; ouAutor Referncias

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tros levando ao campo ideolgico para denunciar as irreparveis diferenas, como Octvio Paz e Alfredo Bosi. E uma terceira relao atravs da qual faremos abordagens de ordem estrutural, encaminhando-a, por sua vez, a trs novas subdivises distintas para chegarmos propriamente aos aspectos da visualidade: a) os aspectos da Estilstica usados por ambos os discursos; b) a possibilidade de uso da Teoria Potica para identificao de seus operadores nos textos dos anncios; c) as relaes de ordem da Semitica entre a poesia ps-modernista e a publicidade. A primeira subdiviso dessas novas relaes est no mbito da lngua, com o uso que a linguagem publicitria sempre fez dos recursos lingsticos usados pela linguagem potica, a partir da Estilstica. So os recursos: fnicos ou fonticos, sintticos, morfolgicos (morfossintticos) e semnticos (ou lxico-semnticos). A segunda subdiviso encontra-se no mbito da potica, com a possibilidade de aplicao das teorias poticas aos textos dos anncios para compreenso de suas operacionalidades. Mesmo tendo a funo conativa implcita, a linguagem publicitria explora bastante a funo potica mostrada por Jakobson. E explora ainda os recursos encontrados na poesia que foram apontados pelos tericos j citados e que se compem da funo potica da linguagem, pelos aspectos de fanopia, melopia e logopia, pelos conceitos deCapa Sumrio eLivre

acoplamento, de impertinncia e inconseqncia, de isotopia e de significncia. Por fim, na terceira e ltima subdiviso, no mbito da Semitica, trataremos dos aspectos da espacialidade e da visualidade desenvolvidas a partir da Poesia Concreta e seus desdobramentos. Essa poesia experimental explorou a iconizao ao trocar a predominncia das imagens verbais construdas pelo verso, pela possibilidade de imagens dos aspectos grfico-visuais da lngua. Tais recursos so explorados exausto pelos anncios impressos, atravs de seus diferentes elementos, chegando a processos de grandes propores mercadolgicas. No pretenso nossa esgotar um assunto to vasto e complexo, mas sim, compreender melhor as curiosas mutaes ocorridas na poesia brasileira do sculo XX e, a partir da, procurar respostas e explicaes para as possibilidades de desdobramento dos signos verbais e no-verbais em linguagens miditicas cada vez mais globalizadas que se realizam hoje. Nesse sentido, preciso verificar como esses recursos foram construdos pela fora de uma potica nacional que, de forma peculiar, mesmo que controversa, conseguiu ir s entranhas dos signos e revolveu seus construtos mais elementares. Atravs dos seus desgnios, talvez possamos vislumbrar a tenso e a fissura que permitiram a transposio entre o signo lingstico e o signo semitico: um mrito significativo da poesia brasileira.Autor Referncias

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POESIA DE VANGUARDA E SUAS PERSPECTIVAS LINGSTICA E SEMITICASem forma revolucionria no h arte revolucionria, disse o poeta russo Maiacovski. E a poesia brasileira comprovou isto atravs de dois distintos movimentos de vanguarda: o Movimento Modernista de 1922 e o Movimento de Poesia Concreta, nos anos 50. Nossa tarefa inicial consiste em contextualizar a poesia brasileira dentro dessa trajetria que vai de uma vanguarda outra, compreendendo as suas transmutaes para, em seguida, verificar a aplicao dos fundamentos lingsticos e semiticos, capazes de permitir a transposio de suas operacionalidades a outros gneros discursivos, no nosso caso, a publicidade impressa.

Breve trajetria da poesia brasileiraA poesia brasileira alcanou status de uma poesia nacional a partir do Movimento Modernista de 22 que refletia, de forma artstica, os anseios de renovaes sociais, polticas e culturais. E, reagindo a uma poesia anterior de formas rgidas, desenvolveu peculiaridades importantes, como, por exemplo, o verso livre, entre outros procedimentos estticos de linguagem potica encontrados em seus autores mais representativos, como Mrio de Andrade e Oswald de Andrade. Entretanto, nenhuma experincia potica dessaCapa Sumrio eLivre

trajetria props mudanas to radicais ou teve repercusses to controversas na construo de linguagens como aquela em que ocorreu o surgimento de uma poesia que pretendeu romper com a principal base de sustentao dos poemas, o verso, para instaurar aspectos de espacializao e de visualizao de palavras articuladas na pgina. Trata-se do Movimento de Poesia Concreta, surgido na dcada de 50 pela iniciativa do Grupo Noigandres, formado por Dcio Pignatari e pelos irmos Augusto e Haroldo de Campos. Tinha incio ali um tipo de experimentalismo potico, institudo por esses poetas dissidentes da poesia de carter verbal eminentemente linear que propunham uma potica inusitada no pas: o deslocamento da poesia do seu espao literrio da expresso verbal para o espao direto e objetivo da comunicao visual, em consonncia com as exigncias da sociedade urbana industrial. Segundo Menezes (1991, p. 12):Aps esta fase de exploso dos rgidos esquemas de construo do verso, esfacelou-se o prprio verso enquanto unidade linear da leitura, condutora do olho. As palavras espalham-se pela pgina sem a linearidade visual do verso (mesmo do verso livre), dando uma configurao grfica que a poesia anterior no continha. Esta fase, que se encontra em O Lance de Dados, de Mallarm, seu distante e isolado iniciador, representada pelos poemas do futurismo, do dadasmo e mesmo doAutor Referncias

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surrealismo, chegando ao Brasil no incio da dcada de 50. o que denominaremos poesia espacializada, por sua conformao de palavras ocupando o espao da pgina, mas mantendo, em regra, a sintaxe verbal inalterada.

Mas a Poesia Concreta gerou dissidncias, provocando o surgimento de outras experincias poticas em seu rastro nos anos paralelos e subseqentes, chegando, no final dos anos 60, ao mais radical dos movimentos pelo fim do verso e da hegemonia da palavra no poema, o Poema-processo; todos desaguando, nas ltimas dcadas do sculo XX, em um fazer potico que usa novos suportes que no mais o papel, e, sim, a tecnologia eletrnica, para realizao da Vdeo Poesia e da Poesia Digital. Hoje convivem juntas a poesia de versos lineares que se mantm nos livros e revistas, e uma poesia experimentalista que se encontra nos suportes miditicos: vdeo e informtica. O contexto das vanguardas brasileiras A expresso vanguarda* aqui utilizada insere-se na denominao de estilos estticos surgi* O termo vanguarda tem origem na expresso militar france-

dos no mbito da Modernidade, perodo histrico iniciado com a Primeira Revoluo Industrial, no sculo XIX. Foram as vanguardas europias que influenciaram o surgimento do primeiro movimento de vanguarda brasileiro: o Modernismo, deflagrado na dcada de 20. A poesia foi o centro atravs do qual se desenrolou o embate entre os novos conceitos e os velhos hbitos culturais, e por ela passou a principal linha divisria entre as exigncias de renovao, a primeira das quais a maior liberdade no uso literrio da lngua. Segundo Nunes (1975, p. 39), at 1925, excetuando-se Memrias Sentimentais de Joo Miramar, de Oswald de Andrade, o maior impacto do Modernismo vinha da atuao da poesia, que era o tema predileto das discusses e um termmetro das aspiraes literrias e artsticas do movimento. Ao deixar para traz o parnasianismo e o simbolismo, os poetas brasileiros renovaram a linguagem potica, em busca de uma linguagem eminentemente nacional. De acordo com Teles (1992, p. 277):toda a grande contribuio da revoluo literria de 1922 pode-se, portanto, resumirse nesses dois aspectos: abertura e dinamizao dos elementos culturais, incentivando a pesquisa formal, vale dizer, a linguagem; ampliao do ngulo ptico para os macro e microtemas da realidade nacional, embora essa ampliao se tenha dado mais exataAutor Referncias

sa: avant-garde e no contexto artstico mais amplo compreendida como o surgimento de tendncias estticas renovadoras que fazem frente s prticas artsticas vigentes. Para melhor compreenso, conferir: Castro (1973), S (1977), Proena Filho (1988), Mendona e S (1988), Belluzzo (1990).

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mente na linguagem, elevando-se o nvel coloquial da fala brasileira categoria de valor literrio, fato que no havia sido possvel na potica parnasiano-simbolista, quer pela sua concepo formal, quer pela concepo lingstica da poca, impregnada de exagerado vernaculismo.

3 de maio Aprendi com meu filho de dez anos Que a poesia a descoberta Das coisas que eu nunca vi Poema de Oswald de Andrade1 Embora possamos concentrar a fora das transformaes do Modernismo na construo de uma linguagem potica mais prxima da nova realidade nacional, importante reconhecer a dimenso social do movimento frente s transformaes da prpria sociedade industrial que se anunciava no Brasil e no mundo. Nesse sentido, Teles (1992, p. 277) cita a sinttica concluso de Mrio da Silva Brito, na qual este afirma que os fatos demonstrariam que a Semana de Arte Moderna introduzira o Brasil na problemtica do sculo XX, levando o pas a integrar-se s coordenadas culturais, polticas e scio-econmicas da nova era. Este se referia ao mundo da tcnica, que chamou de mundo mecCapa Sumrio eLivre

nico e mecanizado, como sendo um mundo que o modernismo cantaria, glorificaria e, depois, temendo-o, repudiaria, conseqncia dele que era. Portanto, havia um entrelaamento dessas necessidades e conquistas no mbito das letras e da vida scio-poltica, em que os intelectuais brasileiros ressentiam-se da influncia indesejvel do domnio portugus e queriam gerir sua prpria condio cultural. o que destaca Brito (1978, p. 140):Um dos traos marcantes do modernismo apartar das letras a influncia portuguesa, a ruptura com as formas tradicionais de expresso, fundadas no purismo, na gramtica herdada dos descobridores. A deformao do idioma, a tentativa de sistematizar a fala brasileira numa lngua prpria, o desejo de tornar vlida a dico nacional decorrem tambm de motivos polticos e sociais e no apenas de razes estticas ou de mera doutrina literria.

O Modernismo, como bem sabemos, no chega a ser uma inveno brasileira, mas sim, faz parte de transformaes decorridas no mundo e instaura-se a partir de movimentos vanguardistas que ocorriam na Europa, dos quais os autores brasileiros tomaram conhecimento. Para a adoo, propuseram transformaes de caractersticas j delineadas por inmeros autores. Bosi (1993, p. 376) diz que os novos ideais estticos no vieram de uma vez s, afinal,Autor Referncias

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muitos escritores brasileiros trouxeram da Europa, em anos anteriores, o conhecimento de uma literatura em crise. Oswald de Andrade conheceu o Futurismo de Marinetti em Paris e tambm ficou maravilhado com os versos livres do poeta francs Paul Fort. Enquanto isso, Manuel Bandeira conhecia Paul Eluard, na Sua, trazendo as novidades do neo-simbolismo, de cuja dissoluo nasceria o seu modo de ser modernista. At mesmo poetas pouco revolucionrios como Ronald de Carvalho ajudara a fundar em 1915 uma revista da vanguarda futurista portuguesa Orfeu, que veio a ser divulgadora da poesia de Fernando Pessoa e de S Carneiro. Tristo de Atade e Graa Aranha tiveram contato com as vanguardas europias que surgiam em Paris. H, inclusive, um consenso entre os estudiosos brasileiros dando conta de que os principais desses movimentos de vanguarda europia que influenciaram o modernismo brasileiro foram: o futurismo, o dadasmo, o cubismo e o surrealismo*. Nos dois exemplos que se seguem temos, a capa de um manifesto futurista, de Marinetti, dando-nos uma idia da decomposio e recomposio grfica que os futuristas imprimiam aos seus escritos; e um poema cubista de Apollinaire, no qual uma pomba representada figurativamente pela configurao das letras.* Maiores informaes sobre o assunto, conferir: Tavares (1974)e Teles (1992).

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Um balano preciso e pertinente da instaurao do Modernismo em nosso pas foi feito por um dos principais representantes do movimento: Mrio de Andrade. Em sua conhecida conferncia realizada em 1942, na Casa do Estudante do Brasil, sob o ttulo O Movimento Modernista2, Mrio de Andrade sintetiza o cerne do movimento alcanado na fuso de trs princpios fundamentais: o direito permanente pesquisa esttica; a atualizao da inteligncia artstica brasileira; e a estabilizao de uma conscincia crtica nacional. Podemos citar alguns dos importantes poetas brasileiros que fizeram parte das trs fases do Modernismo nesse perodo que vai dos anos 20 aos anos 50: Mrio de Andrade, Oswald de Andrade, Manuel Bandeira, Cassiano Ricardo, Carlos Drummond de Andrade, Murilo Mendes, Vincius de Moraes, Ceclia Meireles, Joo Cabral de Melo Neto3. O trecho que se segue a primeira estrofe do poema Catar feijo, no qual Joo Cabral de Melo Neto fala do trabalho de depurao das palavras dentro do ofcio de escrever poesia: Catar feijo se limita com escrever: Joga-se os gros na gua do alguidar E as palavras na da folha de papel; E depois, joga-se fora o que boiar. Aps a passagem dos anos 40 para os anos 50, confirma-se em definitivo essa preocupao principal em torno da renovao de linguagens.Capa Sumrio eLivre Autor Referncias

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De acordo com SantAnna (1975), a poesia modernista converteu-se num fenmeno da escrita, muito bem representada pela potica de Joo Cabral de Melo Neto na dcada de 40 e pelos movimentos de vanguarda do perodo da Poesia Concreta, nas dcadas seguintes. Na concepo desse autor, o que ocorreu na poesia brasileira foi um espessamento da escrita, historicamente vinda de Mallarm, poeta francs do final do sculo XIX:O texto comeou a falar de si mesmo e no da realidade exterior. A literatura se assumiu como assunto de si mesma, centrando-se na escrita como objeto autnomo. Nesse sentido ela no fala do que ocorre l fora, mas se prope como um discurso sistmico. (SANTANNA, 1975, p. 67)

Os anos 50 marcaram o surgimento de uma poesia experimental, caracterizada como um segundo movimento de vanguarda brasileiro, que teve o nome de Movimento de Poesia Concreta, a partir da qual desdobraram-se ou confrontaram-se outros movimentos, at chegar ao mais radical deles: o Poema-processo. Se a Poesia Concreta caracterizava-se pelo rompimento com o verso e pela espacializao da palavra na pgina, o Poema-processo desfazia-se da prpria palavra. A trajetria iniciada com a Poesia Concreta, passando pelo Neoconcretismo, Poesia-prxis, Poesia Semitica, Poema-processo, Arte Postal,Capa Sumrio eLivre

parecia fazer parte de um amplo projeto cujo suporte estava no entrelaamento que, segundo Menezes (1991), a visualidade foi estabelecendo com a verbalidade, concretizando-se em trs aspectos distintos: primeiro, com a visualidade enquanto estrutura, decorrente do signo verbal e seu arranjo no espao da pgina, prprio dos trabalhos do Grupo Noigandres, formado por Augusto de Campos, Haroldo de Campo e Dcio Pignatari, entre outros; segundo, com a visualidade enquanto sintaxe, numa tentativa de libertar a visualidade do seu aprisionamento verbal, a exemplo do Poema-processo, que teve como principal idealizador Wlademir Dias-Pino e presena marcante de tantos outros poetas como Falves Silva, Moacy Cirne e Anchieta Fernandes; e, por fim, com a visualidade semantizada, na poesia intersignos em que h atrao e repulsa entre palavra e imagem, muito prximo das artes grficas, em experimentos de diversos autores, a exemplo de Jos Paulo Paes e Ana Aly. com som can tm can tem tem so tom bemAutor

Poema concreto de Augusto de Campos tam bem sem somReferncias

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Poesia semitica de Dcio Pigna-tariCapa Sumrio eLivre

Poema-processo de Wlademir Dias-PinoAutor Referncias

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Poema-processo de Anchieta Fernandes.

Todo o traado dessa poesia que recorreu ao visual iniciou-se no projeto terico dos concretistas, para quem, segundo Simon (1990), a poesia deveria ser deslocada de seu espao literrio da expresso verbal, para ser inserida no espao imediato, direto e simples da comunicao visual, porque, no entender dos experimentalistas, esse era o nico espao socialmente condizente com as condies de vida impostas pela sociedade urbana industrial. A atitude antiliterria dos concretistas, para Simon (1990), manifestava a conscincia da necessidade de alteraes na relao obra/pblico, uma vez que o estatuto tradicional do literrio estava sendo abalado pelo desenvolvimento dos meios de comunicao de massa, pelos processos industriais de produo e difuso, pelas mudanas de gosto e de hbitos de leitura de um pblico bastante heterogneo. Essa mudana, verdade, tem incio com os poetas concretistas do Grupo Noigrandes, entretanto Menezes (1991, p. 12) demonstra que j havia em curso um novo fazer potico que primava pela espacializao, o que pode corroborar a afirmativa de alguns autores acerca da extenso do Modernismo ainda sobre o Concretismo:A exploso inicia com o perodo de ruptura com cnones rtmicos e rmicos, que do aparecimento aos versos livre e branco, respectivamente, como pontos de princpioseLivre Autor Referncias

Poema-processo de Maria das Neves Cirne.Capa Sumrio

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sobre os quais se assentou uma potica de incio da modernidade, tal qual pode-se ver nos poemas em prosa do simbolismo francs e nos movimentos literrios do incio do sculo XX cuja esttica se fixou no Brasil com o Modernismo.

Abrindo parnteses para considerar melhor a questo, temos as importantes assertivas de L. A. Figueiredo (apud Santaella, 1986, p. 21), mostrando todo o processo em curso de uma revoluo do cdigo escrito verbal durante o sculo XIX. Para Figueiredo, no mbito da tipografia que ocorre a subverso da lgica linear, bem como a adoo de estruturas descontnuas. Nem o livro nem o jornal seriam organizao e sucesso de textos acrescidos de ilustrao. Principalmente o jornal, cuja superfcie plana da pgina desdobra-se num mosaico de pontos de vista a exigir nova dinmica ocular. Figueiredo capta com extrema perspiccia esse momento de instaurao da espacialidade e da visualidade, importante para o Modernismo e esclarecedor para o Ps-Modernismo:Pode-se imaginar o quanto a descontinuidade tica dos jornais e das cidades do sculo XIX no teria inquietado os poetas ainda presos a uma escritura linear em termos de visualidade. (...) Realmente os poetas mais radicais do sculo XIX (de Poe a Mallarm, passando por Baudelaire) embora operandoCapa Sumrio eLivre

com organizao superficialmente lineares ( exceo de Mallarm, que com o Un Coup de Ds dimensiona oticamente a inconclusibilidade), introjetaram em seus textos os mesmos processos de simultaneizao da informao, obscurecendo os referentes e texturalizando o texto. O to comentado hermetismo dos simbolistas (a poesia pura) significa o abandono de uma poesia de representao em favor de uma poesia de introspeco textual, metalingstica verdadeira traduo dos sistemas abertos e constelacionais que a revoluo industrial desencadeou. Se de um lado o verso solicitava, a priori, um desenvolvimento temporstico-linear, os simbolistas, aparentemente deixando-o intacto, corroeram-no por dentro, no miolo da sintaxe, exacerbando a parataxe e, por isso, conduzindo mais a processos do que a contedos (FIGUEIREDO apud Santaella, 1986, p. 20-1) [Grifos do autor]

Vm da os desdobramentos dos recursos visuais ocorridos no segundo movimento de vanguarda. nesse contexto que surge a Poesia Concreta instaurando a crise do verso e tentando reordenar o caos grfico do esfacelamento da linearidade. Para tanto, essa nova prtica abre o perodo de imploso do sistema potico verbal ao resolver o problema da espacializao dirigindo-se ao centro da verbalidade, com a ruptura da sintaxe verbal, reaglutinando as palavras pela siAutor Referncias

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milaridade sonora e com a ocupao racional do espao da pgina. O Movimento de Poesia Concreta, como o momento de maior alcance da conscincia crtica at ento produzido pela vanguarda brasileira, prepara o caminho da crescente presena da visualidade, que acabaria por aprofundar a imploso sinttica, chegando prpria unidade molecular do discurso verbal: a palavra, questionada como matria-prima exclusiva do poema por algumas tendncias da poesia visual brasileira. Por estes motivos, segundo ainda Menezes (1991), a anlise da trajetria recente da poesia brasileira deve comear pela Poesia Concreta, tambm pelo fato de que a poesia espacializada, entre ns, no foi largamente produzida, e os poetas que a realizaram participaram, logo depois, da criao do prprio concretismo, como se a poesia espacializada, no Brasil, fosse um pr-concretismo. Para Teles (1992), o impacto que sofremos com os poemas concretos e com os poemas de processo no deve ter sido muito diferente do que sofreram os leitores parnasianos com os poemas modernistas de Mrio de Andrade, Manuel Bandeira e Oswald de Andrade. Tanto a Poesia Concreta quanto o Poema-processo so, na realidade, dois movimentos de uma sinfonia experimental no Brasil: o primeiro deles tem incio em 1956, com a ascenso da Poesia Concreta, e vai at 1964, seguido de outro que se desenvolveuCapa Sumrio eLivre

a partir de 1967, quando se instaura o Poema-processo. Se o Modernismo brasileiro consagrou-se pela busca de uma linguagem potica nacional que elevava a linguagem popular categoria de arte, a Poesia Concreta propunha-se como uma poesia cujos pressupostos baseavam-se nas exigncias de uma expresso que correspondesse consolidao de uma indstria cultural atravs dos novos meios de comunicao de massa, de linguagem objetiva, fragmentada e dinmica. Entretanto, em que pese o grande alarde feito pelos manifestos de inmeros e subseqentes movimentos surgidos no rastro do movimento de Poesia Concreta nos anos seguintes, anunciando o fim da linearidade verbal do verso e mesmo da hegemonia da palavra, a situao que constatamos a seguinte: sempre houve a produo e a divulgao da poesia feita nos moldes daquela instaurada pelos modernistas. De fato, essa poesia experimental da qual estivemos tratando manteve uma certa evidncia no cenrio da potica nacional devido aos alardes de seus autores, mas, no era a nica vertente de poesia a ser praticada. De acordo com Lyra (1995), alm dessa corrente que ele chamou de semioticismo vanguardista, havia mais duas: a tradio discursiva e a variante alternativa. A tradio discursiva reconhecida pela permanncia na explorao dos dois elementos que caracterizaram a expresso potica de ento, oAutor Referncias

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verso e a imagem. Essa corrente no aderiu experincia concretista de substituir a imagem lingstica pela imagem visual, permanecendo no discurso meldico-metafrico, de verso metrificado ou livre, branco ou rimado, compromissado com a linha evolutiva da poesia brasileira na ocasio. Lyra (1995) estabelece uma extensa lista de autores agregados a essa corrente, entre os quais destacamos: Mrio Faustino, Marly de Oliveira, Nauro Machado, Ivan Junqueira, Affonso Romano de SantAnna e o paraibano Srgio de Castro Pinto, a quem recorremos para apresentar um poema como ilustrao: sem frmula no piso a embreagem, piso a paisagem e a ponho em primeira, segunda, terceira e quarta-feira de segunda sexta. (s vezes dou-lhe r, mas ela sempre me escapa). aos sbados e domingos deixo-me ficar em ponto morto diante dessas fotos j sem cor: paisagens vistas de um retrovisor?4

O semioticismo vanguardista, do qual j estivemos falando, dividido de forma mais detalhada em seis movimentos: Concretismo, Tendncia, Neoconcretismo, Praxismo, Poema-processo e Arte-Postal. Sua relao de nomes consta, numa primeira leva, de: Haroldo de Campos, Augusto de Campos, Dcio Pignatari, Affonso vila, Ferreira Gullar e Mario Chamie, cujos exemplares j estivemos apresentando. A variante alternativa foi, segundo Lyra (1995, p. 124), uma poesia tpica da resistncia ao sufoco dos anos de represso militar e apresentou-se como retrato vivo do desbunde de todo um segmento geracional. Em sua constituio apresentou uma mistura de aspectos visuais e verbais, com certa influncia do Concretismo, mantendo sistemas de produo e circulao peculiares:A utilizao do xerox e do mimegrafo fora um achado: pequenos volumes de umas 20 pginas podiam ser datilografados/digitados em casa e reproduzidos em 100, 200, 500 cpias que, vendidas de mo em mo em bares, restaurantes, clubes, teatros, cinemas, praias etc. acabariam lucrativas para seus autores, tambm sem nenhuma mediao. A grande imprensa no, mas a nanica vivendo o mesmo drama deu uma cobertura a esses poetas e suas criaes se tornaram conhecidas e se afirmaram como uma das novidades da dcada de 70.

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Essa corrente, que tambm recebeu designao por parte de outros estudiosos, de Poesia Marginal, teve grupos participativos que se sucederam, mas, da vasta lista levantada por Lyra (1995), destacamos: Francisco (Chico) Alvim, Roberto Schwarz, Chacal, Ronaldo Bastos, Cacaso, Carlos Saldanha, Torquato Neto, Paulo Leminski, Glauco Mattoso e Ktia Bento, autora do poema que a seguir: PEGA LADRO Algum tirou Um pedao Do meu P ^ O. A Modernidade, portanto, exigia novas maneiras de relacionar vida e arte, ser e poesia. Estas maneiras foram iniciadas pelas vanguardas, das quais temos no Brasil o Modernismo e o Movimento de Poesia Concreta, este ltimo num contexto de Ps-modernismo. Hoje, com a poesia experimental na era da eletrnica, a poesia de verso tradicionalmente linear que vigora no cenrio natural dos livros e revistas.

Teorias poticas lingsticas e teoria semiticaPor uma definio entre a Lingstica e a Semitica Ao romper com o verso e ao destituir a hegemonia da palavra no poema, a Poesia Concreta e a Poesia Visual trouxeram tona, questes controversas e perturbadoras para as conhecidas teorias lingsticas aplicadas poesia. Os experimentos daqueles movimentos poticos tocaram a fronteira entre a arte potica e as artes plsticas, adotando recursos e processos cujas perspectivas no eram comumente analisadas pelas teorias poticas lingsticas, devido ao seu carter logocntrico, exigindo procedimentos de compreenso mais apropriados linguagem no-verbal. Durante quase todo o sculo XX, os pressupostos lingsticos apresentados por Ferdinand Saussure dominaram o contexto dos estudos da linguagem ao desencadear uma viso estruturalista da lngua. Seus conceitos pertinentes a lngua e fala, sincronia e diacronia, significante e significado, permitiram apropriaes e inverses lingsticas para uso no mbito do texto potico. A partir, principalmente, da viso didica de significado e significante da lngua proposta por Saussure, estudiosos russos, europeus e norte-americanos construram inmeras teorias deAutor Referncias

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anlise do texto potico, predominantemente logocntricas: a palavra e a lngua tornaram-se centro dos estudos e base para abordagem do signo de um modo geral. Para uma melhor contextualizao da potica, temos, com Ducrot e Todorov (1998), a confirmao de que, desde o incio do sculo XX, o desenvolvimento da crtica em muitos pases anunciou o advento da potica como uma disciplina terica autnoma, inserida no mbito da literatura que, ao seu turno, inscreve-se no campo da lingstica. Essa autonomia da potica anunciava sua condio irrestrita de abordar procedimentos poticos, como designou o formalista Meschonnic, citado por Lima (1975, p. 76):A potica no se esgota numa obra. Ela o pensamento das formas numa obra. Sua linguagem transcendentalista deve ser incessantemente corrigida, recriada pelo estudo imanente, para no ser verificao, ou taxinomia, formas de velha incompreenso dualista do escrever.

Mas os estudos poticos desenvolveram suas prprias especificidades, uma vez que, constata-se em diversos autores, sendo a potica moderna entendida como a cincia que estuda a poesia, sempre esteve essencialmente ligada prtica da escritura.Capa Sumrio eLivre

Porm, mesmo havendo uma perceptvel perspectiva de estrato tico nos poemas de diferentes pocas e lugares j apontados por muitos autores, tal aspecto ficou relegado a um plano secundrio pelas teorias logocntricas, uma vez que era considerada muito mais caracterstica da escrita do que da prpria composio do poema. Desse modo, que teoria poderia dar conta das experincias e dos procedimentos poticos da poesia ps-moderna brasileira? Nenhuma ainda, a no ser a Teoria Semitica proposta por Charles Sanders Peirce, por ser uma Teoria Geral dos Signos, embora no seja uma teoria potica, propriamente. Enquanto Saussure desenvolveu o estudo lingstico a partir da condio didica do signo verbal, seu contemporneo, Peirce, desenvolveu uma viso tridica de todo e qualquer signo, acrescentando o conceito de interpretante (o signo do signo de carter mental), e que resultou na trade da representao sgnica do objeto: cone, ndice e smbolo, capaz de permitir abordagens diversas linguagem verbal e no-verbal. O estudo que levantamos nesta parte visa ao conhecimento das principais teorias poticas do sculo XX com sua abrangncia logocntrica; uma perspectiva do estrato tico na poesia de um modo geral e na linguagem moderna; as concepes da Teoria Semitica que permitem explorar essa perspectiva potica, bem como a aplicao dessa Teoria poesia ps-moderna brasileira.Autor Referncias

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Os pressupostos lingsticos de Saussure e as teorias poticas Resumir o resultado de quase um sculo de desenvolvimento de teorias poticas construdas por estudiosos de diferentes pocas e pases no tarefa fcil, dada a complexidade e as especificidades de cada uma delas. Por isso, a proposta aqui se constitui no delineamento dos aspectos fundamentais construdos a partir da lingstica saussuriana que resultaram no estruturalismo e no formalismo russo e, por conseguinte, nas particularidades das teorias poticas pertinentes ao presente estudo. Essa pertinncia diz respeito ao carter logocntrico das teorias mais conhecidas e mais utilizadas pelos estudiosos brasileiros, uma vez que permitir delimitar sua abrangncia e sua operacionalidade no mbito da potica moderna e ps-moderna no Brasil e, mais adiante, sua aplicabilidade em outros discursos que utilizam recursos da linguagem potica, no caso, o texto publicitrio. Interessa-nos especificamente aquelas concepes estudadas na poesia, atravs do estruturalismo, a partir dos conceitos gerais de literariedade e funo potica da linguagem, de Jakobson, mas, principalmente das teorias de desautomatizao e estranhamento, dos primeiros formalistas russos; denotao e conotao, de Hjelmslev; fanopia, melopia e logopia, de Ezra Pound;Capa Sumrio eLivre

acoplamento, de Samuel Levin; impertinncia e inconseqncia, de Jean Cohen; e ainda, a concepo de significncia, de Michael Rifatterre. O estruturalismo e seus desdobramentos poticos Para compreender a hegemonia estruturalista na literatura, mais especificamente na potica, necessrio conhecer suas origens a partir do Curso de Lingstica Geral desenvolvido por Ferdinand Saussure nas primeiras dcadas do sculo XX. Neste Curso, compilado e depois divulgado pelos discpulos do mestre suo, Bally, Sechehaye e Riedlinger, em 1916, foram apresentados os conceitos fundamentais da lingstica moderna: a lngua como um produto social registrado passivamente versus a fala como um somatrio de atos concretos submetidos s variaes individuais; a sincronia como o estado da lngua num dado momento versus a diacronia como a evoluo da lngua; o significante como a imagem acstica do signo versus o significado como o conceito do signo. Essa viso permitiu que a lngua fosse estudada enquanto um sistema, uma estrutura, na qual cada um dos elementos do sistema definido pelas relaes de equivalncia ou de oposio que mantm com os outros elementos. Nesse caso, nem o elemento, nem o todo constituem a estrutura, mas, sim, o conjunto de relaes. PorAutor Referncias

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tanto, o termo estruturalismo se aplica s escolas lingsticas que tm em comum essa viso global do objeto de estudo. Para Bizzocchi (2000), a constatao de que a lngua uma estrutura a base do Estruturalismo, corrente de pensamento que teve domnio sobre a lingstica e influenciou as demais cincias humanas. A partir de 1930, de acordo ainda com este autor, surgiram na Europa diversas escolas lingsticas. Entre as mais importantes esto: a escola de Praga, liderada pelos formalistas Nikolai Troubetzkoy, Roman Jakobson e Andr Martinet, e a escola de Copenhague, de Louis Hjelmeslev e Hans Uldall. Segundo Stempel (1975), o formalismo russo constitua-se na elaborao de uma teoria da compreenso da poesia que orientava para novos caminhos, sob a influncia direta de uma renovada prxis potica. A esttica de produo do futurismo russo, sob muitos aspectos revolucionria, e quase insupervel nas suas exigncias, estimulou nova reflexo terica para a constituio lingstica da poesia, que logo depois iria levar a uma outra forma de considerar a literatura. Na acepo formalista, explica Stempel (1975, p. 178): A poesia arte que no apenas uma arte da palavra ou da linguagem, mas uma arte do material lingstico (o que demonstravam tanto os futuristas quanto a vanguarda atual).Capa Sumrio eLivre

No incio de suas atividades, diz Silva (1975), os formalistas interessavam-se, particularmente, pelos problemas fono-estilsticos do verso, ocupando-se com o estudo do ritmo, da relao do ritmo com a sintaxe, com a anlise dos esquemas mtricos, da eufonia, etc. Esse interesse dos formalistas pelos aspectos fono-estilsticos do verso relaciona-se com a grande importncia que os futuristas concediam aos elementos puramente fnicos. Em breve, porm, os formalistas superaram este nvel de anlise, iniciando valiosos estudos sobre a semntica da linguagem literria, sobre as metforas e as imagens, a fraseologia, os processos tcnicos utilizados por um escritor, entre outros aspectos. Reunindo uma dezena de pesquisadores de Leningrado e Moscou, entre 1925 e 1930, de acordo com Ducrot e Todorov (1998), os formalistas prenderam-se ao que a obra tem de especificamente literria, ou seja, a sua literariedade, conceito formulado e desenvolvido por Roman Jakobson, desde 1919, e que se constituiu no ponto de partida de toda potica. De fato, diz Silva (1975, p. 559 - 60), Jakobson estabeleceu a essncia da literariedade a partir de uma estrita anlise do instrumento utilizado pelo escritor, esforando-se sobretudo por distinguir somente a linguagem potica da linguagem informativa e da linguagem emotiva, com a qual aquela era muitas vezes erroneamente identificada:Autor Referncias

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o trao distintivo da poesia reside no facto de que, nela, uma palavra percebida como uma palavra e no meramente como um mandatrio dos objetos denotados, nem com a exploso de uma emoo; reside no fato de que nela, as palavras e o seu arranjo, o seu significado, a sua forma externa e interna adquirem peso e valor por si prprios.

Alm desse conceito bsico fundamental potica, Jakobson formulou outro igualmente importante, e que seria, de acordo com Brito (1995), uma das heranas indiretas de Saussure: a famosa formulao da funo potica da linguagem, embora, na ocasio, Jakobson j fosse um ex-formalista. Saussure havia definido o funcionamento da fala pelo cruzamento de dois eixos, o da seleo e o da combinao, j que o utente da lngua simultaneamente escolhe signos dentro de um repertrio que possui e os combina atravs de regras que, intuitivamente, conhece. Jakobson notou que tais eixos obedecem a princpios especficos, de tal modo que, no eixo seletivo hoje amplamente conhecido como paradigmtico escolhem-se signos pelo princpio da equivalncia (sinonmia, analogia, relao de contexto etc...), ao passo que, no eixo combinatrio ou sintagmtico , o que determina a formao do enunciado so as leis mais ou menos inflexveis da sintaxe. Observando de perto a construo da poesia e confronCapa Sumrio eLivre

tando com a fala, Jakobson pde afirmar que: a funo potica da linguagem projeta o princpio de equivalncia do eixo de seleo sobre o eixo de combinao. Para Brito (1995, p. 115) isto equivale dizer que, em poesia, o construtor do discurso inverte uma regra bsica da produo da lngua, para, escolher como se combina, e combinar como se escolhe. Essa constatao surge no bojo do trabalho de Jakobson sobre as funes da linguagem, em que este estudioso aponta um total de seis dessas funes. Alm da funo potica, temos a funo referencial, a funo expressiva, a funo ftica, a funo conativa e a funo metalingstica. Apesar de tais conceituaes de Jakobson terem recebido contestaes e crticas por parte de lingistas e crticos literrios, durante muito tempo prevaleceu como diretriz para produes e estudos poticos. Jakobson (1988, p. 123) estabeleceu essas funes a partir do processo lingstico que leva em conta todo e qualquer ato de comunicao verbal, representado pelos seguintes fatores: contexto, remetente, mensagem, destinatrio, contacto e cdigo. E explicou que cada um desses fatores determina uma diferente funo da linguagem. Colocando lado a lado ambos os esquemas, o do ato de comunicao verbal e o das funes da linguagem, podemos perceber suas correspondncias, em que a funo potica estAutor Referncias

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centrada na mensagem da a sua projeo de equivalncia do paradigma sobre o sintagma: CONTEXTO REMETENTE MENSAGEM DESTINATRIO ....................................... CONTACTO CDIGO .................................................................... EMOTIVA REFERENCIAL POTICA FTICA METALINGSTICA CONATIVA

mas cuja presena lhe concedia registro de identidade. H paradigma projetado sobre a cadeia sintagmtica? H duplicao? H binarismos e paralelismos? A rima com A, B com B, sendo que AA se ope a BB? Ento, seguramente, h funo potica.

Ao mesmo tempo em que o estruturalismo avanou na Europa, estendeu-se aos Estados Unidos com intensidade. E nesse contexto surgiram estudos lingsticos e teorias aplicadas poesia e j destacadas, das quais conheceremos os procedimentos poticos. Estranhamento e desautomatizao Brito (1995) tem a concepo de que os formalistas russos foram os primeiros a avanar conceitos operatrios que passaram a servir como instrumentos de anlise e tornaram-se categorias indescartveis da crtica potica. Firmes no propsito cientfico de descobrir o que que torna a literatura, literria, estudiosos como Chklovski, Eikhenbaum, Tomachevski, Jirmunski, Tynianov e outros, desenvolveram conceitos to pertinentes quanto os de desautomatizao e estranhamento. formulao desses conceitos, os formalistas chegaram a partir de um procedimento que se tornaria lugar-comum entre os estudiosos da literatura no futuro, qual seja, o de confrontar a linguagem literria com a noAutor Referncias

Muitos ganhos significativos a partir das concepes de Saussure podem ser mencionados, como revela Bosi (1996, p. 25), em suas memrias e reflexes, ao dizer que os estruturalistas - entre os quais cita Jakobson, Todorov, Genette, Greimas) - dedicaram intensssimo labor analtico ao projeto de identificao do carter da literariedade da literatura, em oposio s outras maneiras e utilizaes da linguagem comum da comunicao humana:A poeticidade mesma teve que passar pelas apertadas grades (grilles) de certos paradigCapa Sumrio eLivre

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-literria para retirar, do confronto, as diferenas essenciais. No caso, o confronto dava aos investigadores russos dois dados que tinham a ver, ao mesmo tempo, com a forma e o fundo do poema, mas, sobretudo, com a sua relao: ao contrrio da linguagem comum, o texto potico est construdo de um modo desautomatizado em que as convenes da lngua, em todos os seus nveis do fnico ao semntico se problematizam para dar, do objeto descrito, no a sua imagem reflexa do real, e, sim, uma viso estranha.Hoje em dia, esse par conceitual desautomatizao/estranhamento pode parecer bvio aos iniciados nos estudos literrios, porm, na poca constituiu um verdadeiro ovo de Colombo, ao qual grande parte das formulaes posteriores ficariam devendo a lio dupla de: 1) ressaltar os aspectos formais e estruturais da construo do texto, e 2) atentar para a estranheza de seu efeito sobre a mente do leitor (BRITO, p. 113). [Grifo do autor].

Datas Os magos janeiram dia 6 Os peixes abrilam dia 1 As virgens setembram dia 8 Os mortos novembram dia 2.5 A verbalizao dos substantivos torna incomum o uso dos termos em cada verso. Denotao e conotao Temos em Brito (1995) a afirmao de que a primeira das heranas saussurianas que foram invertidas para uso potico est no conceito de conotao, conforme formulado pelo pesquisador e semioticista dinamarqus Louis Hjelmslev. Saussure havia concebido a noo de signo, unidade lingstica composta de duas faces, uma material, o significante, e a outra conceitual, o significado, a lngua funcionando como um encadeamento desses signos, escolhidos e combinados pelo falante, no ato da enunciao. Mas o que o pesquisador dinamarqus faz ver que existem, na verdade, duas grandes espcies de sistemas de signos. No caso particular da lngua saussuriana, falar-se-ia mais apropriadamente de uma linguagem denotativa, na medida em que a cada signo correspondem, a, um significante e um significado pari passu. J nas linguagens conotativas onde, para ns, se inclui o discurso potico , o que ocorre que o conceito de signo se complexifica.Autor Referncias

Os procedimentos de desautomatizao e estranhamento so largamente utilizados na poesia, fazendo parte, inclusive, dos inmeros recursos poticos desenvolvidos ou demonstrados pelos estruturalistas. Aqui recorremos ao exemplo mais simples e, at mesmo, elementar, como forma de apenas ilustrar este tpico. O pequeno poema de Murilo Mendes:Capa Sumrio eLivre

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De forma mais detalhada, Coelho Netto (1999, p. 25) apresenta o conceito de conotao de Hjelmslev. Para ele a primeira operao do signo seria, pois, a operao de notao, a operao de representar, designar, anotar; a segunda operao seria feita com a inicial, sobre ela. Graficamente, o signo notativo pode vir expresso sob a forma: Signo notativo = significante / significado. Forma que se confunde com a do signo, simplesmente: Signo = significante / significado. Neste caso, o signo conotativo vem sob a forma: Signo conotativo (signo notativo) significante significante significado significado

O sentido denotativo ou notativo do sintagma est implcito em: o vento sopra tudo, mas a expresso fareja d ao vento uma condio que ele no possui, a de um animal farejador, gerando, assim, um sentido conotativo que um significado cujo significante vem a ser o conjunto significante/significado anterior. Fanopia, Logopia e Melopia A base desses procedimentos poticos encontrados na poesia apresentada pelo prprio Pound (1986, p. 63), para quem a poesia uma linguagem carregada de significado at o mximo grau possvel. Para que se chegue a esse grau mximo, existem trs meios principais: 1) Fanopia, que consiste na projeo de um objeto (fixo ou em movimento) na imaginao visual do leitor, privilegiando o jogo de imagens em lugar de outros elementos; 2) Melopia, que vem a ser a produo de correlaes emocionais por intermdio do som e do ritmo da fala, ou seja, um texto fundado predominantemente nos valores musicais da linguagem; 3) Logopia, no qual se produz ambos os efeitos estimulando as associaes (intelectuais ou emocionais) que permaneceram na conscincia do receptor em relao s palavras ou grupos de palavras efetivamente empregados, de outro modo, o texto em que as idias prevalecem. Brito (1975, p. 118) salienta que esses trs componentes podem aparecer fundidos num mesAutor Referncias

Ou seja, ocorre conotao quando o significante mais o significado de um signo tornam-se o significante de outro signo, significante este ao qual acrescentado um outro significado. Exemplo de conotao podemos conhecer em Mrio Quintana (1988, p. 43), no seu poema Matinal, no qual um dos versos diz: O vento fareja tudo.Capa Sumrio eLivre

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mo poema, se for o caso de uma forma pouco decomponvel: mas de qualquer modo, a possibilidade de distingui-los enquanto abstrao constitui um dado virtualmente rentvel para a anlise. Exemplares desses trs elementos erigidos em poemas podem ser encontrados, respectivamente, em Berimbau, de Manuel Bandeira (1976, p. 91), em No quadragsimo assalto, de Srgio de Castro Pinto (1993, p. 26) e em Mito, de Hildeberto Barbosa Filho (1996, p. 22), pela musicalidade, pelas imagens e pelas idias contidas: BERIMBAU Os aguaps dos aguaais Nos igaps dos Japurs Bolem, bolem, bolem. Chama o saci: - Si si si si ! - Ui ui ui ui ui uiva a iara Nos aguaais dos igaps Dos Japurs e dos Purus. A mameluca uma maluca. Saiu sozinha da maloca O boto bate - bite bite... Quem ofendeu a mameluca? - Foi o boto! O Cussaruim bota quebrantos. - Cruz, canhoto! Bolem... Peraus dos Japurs De assombramentos e de espantos!...Capa Sumrio eLivre

.................................... No quadragsimo assalto quando abro a torneira da pia e resgato dgua o rosto dos meus dias correntes a toalha o estanca: Mito (a quem narra) Deves narrar, sim, enquanto as horas, de rida lentido, se esbatem contra os murais da ltima aurora; enquanto desejo houver e ecoar nos torpes labirintos do tempo. Deves narrar, pois narrar viver e refazer, pasma, os fios da vida, desde o lampejo de amor que aos homens colhe at o captulo final da inenarrvel morte. Deves narrar, sim, enquanto as mil e uma noites se alongam no leito lunar de Sherazade. Narrar resistir e amar os nfimos poros de cada coisa e reter, em sonho, a lquida pele da eternidade.Autor Referncias

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A poesia se distingue da linguagem comum, segundo Levin (1975), por uma singular espcie de unidade composta por certas estruturas que so peculiares linguagem da poesia e que funcionam de modo a unificar os textos em que aparecem. Essas estruturas receberam o nome de acoplamentos. Partindo do princpio lingstico de paradigma e sintagma, Levin (1975, p. 36) fala de paradigmas como classes de equivalncia e exemplifica com a escolha das formas feliz, triste e singular. Para ele, so equivalentes porque cada uma delas, por exemplo, podem se incluir no contexto mente: felizmente, tristemente e singularmente:Neste particular, e nessa medida, so membros do mesmo paradigma. De igual maneira, podemos falar dos paradigmas ou classes formados pelas palavras a que chamamos substantivos, ou verbos; podemos falar de certas classes morfolgicas, os sufixos derivacionais ou flexicionais, por exemplo; podemos falar de certas construes por exemplo, a classe das frases preposicionais ou a classe das oraes subordinadas. Podemos falar, em verdade, de tantas classes quantas as que possamos definir por caractersticas contextuais.

dem equivaler-se: 1) duas formas podem ser equivalentes com respeito ao contexto lingstico em que ocorrem -- a formas que exibem esse tipo de equivalncia, ele chama de posicionalmente equivalentes ou do Tipo I; 2) duas formas podem ser equivalentes com respeito a algum fator extralingstico -- e menciona, nesse particular, o continuum semntico geral e o continuum geral fontico-fisiolgico. A formas equivalentes por critrios extralingsticos, ele chama de equivalentes de Tipo II. Sendo que a explorao de equivalentes de Tipo II caracterstica da poesia embora ressalte que no seja encontrada somente em poesia, mas tambm em outras espcies de linguagem. Um dos exemplos dados por Levin (1975) retirado dos versos de Rabbi Bem Ezra, de Browning: Irkes care the crop-full bird? Frets doubt the maw-crammed beast? (Molestam cuidados a ave saciada? Afligem dvidas a besta bem nutrida?) Nesse caso, molestar e afligir so semanticamente equivalentes e ocorrem em posies equivalentes, mas na gramtica no pertencem pequena subclasse cujos membros ocorrem nessa posio, que poderia ser preenchida por ter e o verbo substantivado. Explica Levin (1975) que,Autor Referncias

Mas Levin (1975) demonstrou que existem duas maneiras diferentes em que as formas poCapa Sumrio eLivre

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como a gramtica no pode determinar a equivalncia semntica de formas poticas, recorremos a uma referncia extralingstica, usando o que Hjelmslev denomina massa de pensamento. A convergncia um processo em que o componente semntico independente embutido no componente posicional independente. Aplicando o estudo de acoplamentos a um poema mais conhecido de ns, Histria flutuante, do poeta paraibano Lcio Lins (1991, p. 43), temos um exemplo apropriado desse procedimento potico apontado por Levin. Os acoplamentos ocorrem na relao de equivalncia entre as trs estrofes que se seguem, devidamente marcadas para facilitar a compreenso. Histria flutuante no tenho horizontes tenho sonhos vela e a tempestade da histria no tenho mapas tenho cartas annimas e os gritos de seus nufragos no tenho mares tenho a garganta seca e as palavras navegveis.Capa Sumrio eLivre

Podemos concluir com Levin (1975, p.62) queos elementos individuais que ocorrem no acoplamento so posicionalmente equivalentes na mensagem e, claro, est, equivalentes no cdigo. Este, contudo, no , no caso, o cdigo da linguagem comum, em que as classes se formam to-somente com base na equivalncia posicional, mas um cdigo separado ou subcdigo no qual as classes so formadas na base da equivalncia natural ou de Tipo II. Tal subcdigo o cdigo da poesia e funciona dentro, ou a par, do cdigo da linguagem comum.

O poema enquanto unidade, apresentado por Levin (1975) a partir dos acoplamentos, compe-se num verdadeiro diagrama que lhe d uma completude. Sua unidade diagramtica antes de tudo, ao qual se somam os significados provenientes dos aparatos semntico e fnico. E, para ele, essa qualidade especfica da linguagem potica que faz o poema durar, permitindo que as mensagens poticas desfrutem de uma permanncia que a diferencia da linguagem comum. O poema, desse modo, passa a ter a faculdade de permanecer na mente das pessoas, tornando-se memorvel. Impertinncia e inconseqncia Jean Cohen autor de um estudo em poesia nos anos 60 que, segundo Brito (1975), logravaAutor Referncias

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a descrio de uma evoluo diacrnica na qual constatava-se que a poesia moderna continha estatisticamente falando mais desvios da norma do que a poesia romntica, e esta, mais que a poesia clssica. operacionalidade desses desvios em poesia, Cohen deu o nome de impertinncia e inconseqncia. Partindo do princpio de que h uma lei geral relativa combinao das palavras em frase, exigindo que, em toda frase predicativa, o predicado seja pertinente em relao ao sujeito, Cohen (1978) procura caracterizar a linguagem potica pela infrao a essa regra do cdigo da fala. Seus elementares exemplos so versos de Apollinaire e Mallarm respectivamente: Les souvenirs sont cors de chasse. (As recordaes so trombetas de caa.) Le Ciel est mort. (O Cu morreu). O estudioso francs mostra que os dois versos apresentam uma impertinncia caracterizada, pois, para que a frase X morreu tenha sentido, preciso que X encontre-se na faixa de significao do predicado, ou seja, que faa parte da categoria dos seres vivos, o que no ocorre com cu. A seu modo trombetas de caa no poderia ser predicado pertinente para recordaes, o que caracteriza, em ambos osCapa Sumrio eLivre

casos, duas infraes ao cdigo ou desvios muito comuns linguagem potica, pelas suas estatsticas. Para Cohen (1978, p. 94), a pertinncia s vai ser devolvida frase, para que seja compreendida pelo leitor, a partir da formao da metfora: A metfora intervm para reduzir o desvio criado pela impertinncia. E complementa dizendo que a impertinncia uma infrao ao cdigo da fala situada no plano sintagmtico, enquanto a metfora uma infrao ao cdigo da lngua situada no plano paradigmtico. Eis alguns exemplos simples de impertinncia encontrados em poema de Ceclia Meireles (1977, p. 260). Pode-se observar que expresses como sombra voante, cascata area, Garganta mais leve, amargo passante, entre outras, operacionalizam-se poeticamente na impertinncia pela combinao de substantivos e adjetivos que fugiriam pertinncia gramatical. Leveza Leve o pssaro: e a sua sombra voante, mais leve. E a cascata area de sua garganta, mais leve,Autor Referncias

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E o que lembra, ouvindo-se deslizar seu canto, mais leve. E o desejo rpido desse antigo instante, mais leve. E a fuga invisvel do amargo passante, mais leve. A inconseqncia, por sua vez, segundo Cohen (1978, p. 140), um tipo de desvio presente num poema que consiste em coordenar duas idias, aparentemente, sem relao lgica entre si. Eis um exemplo que o autor retira do poema romntico Booz endormi: Rut songeait et Booz rvait; lherbe tait noire (Rute pensava e Booz sonhava; a erva estava escura). So duas notaes justapostas, cuja unidade lgica no se percebe bem. Nesse caso, explica Cohen (1978), a intromisso inesperada da natureza no drama humano uma das maneiras mais comuns de realizar a inconseqncia porque constitui um correspondente coordenativo da impertinncia. Aqui um exemplo que consideramos pertinente para a inconseqncia: um poema de Carlos Drummond de Andrade (1976, p. 138) que,Capa Sumrio eLivre

inclusive, estaremos utilizando mais adiante como modelo para compreenso de categorias semiticas. O poeta comea falando de um inseto que cava a terra, na estrofe seguinte passa a falar de um pas bloqueado, trata a seguir de um mistrio e conclui com uma orqudea que se forma: PORO Um inseto cava Cava sem alarme Perfurando a terra Sem achar escape Que fazer, exausto, Em pas bloqueado Enlace de noite Raiz e minrio? Eis que o labirinto (oh razo, mistrio) presto se desata: em verde, sozinha, antieuclidiana uma orqudea forma-se. Para Cohen (1978, p.161) tais procedimentos fazem parte da construo que d unidade ao poema: quando suprimidos, a poesia perde muiAutor Referncias

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to de seu poder. So dois pontos fundamentais de suas hipteses poticas, caracterizadas da seguinte maneira: 1) a diferena entre prosa e poesia de natureza lingstica, vale dizer, formal. No se acha nem na substncia sonora, nem na substncia ideolgica, mas no tipo particular de relaes que o poema institui entre o significante e o significado, de um lado, e os significados entre si, de outro; 2) esse tipo particular de relaes caracteriza-se pela sua negatividade, j que cada um dos processos ou figuras que constituem a linguagem potica em sua especificidade uma maneira, diferente segundo os nveis, de violar o cdigo da linguagem normal. Isotopia O estudo do levantamento de isotopias de um texto potico tem sua fundamentao em Rastier (1975), embora o conceito de isotopia como toda interao de uma unidade lingstica tenha sido proposto inicialmente por Greimas. Com o propsito declarado de dar uma contribuio anlise do discurso, Rastier (1975, p. 98) afirma que se pode estabelecer uma isotopia numa seqncia lingstica de uma dimenso inferior, igual ou superior da frase, elaborando uma srie de classificaes isotpicas a partir das suas diversas possibilidades. Elas podem surgir em qualquer nvel de um texto: fonolgico, sinttico ou semntico.Capa Sumrio eLivre

Segundo Brito (1995, p.122), Greimas havia tomado de emprstimo o termo isotopia da Qumica moderna. Na lingstica passou a designar o fato de, num texto dado, as reiteraes smicas, escondidas por detrs da visibilidade dos lexemas, conduzirem construo de um campo semntico unitrio e particular. Por ser imperceptvel pelo olhar convencional, s pode ser determinvel pelo processo da decodificao e foi esse o processo elaborado por Rastier. Todo poema pluri-isotpico, e as isotopias subjacentes ao seu tecido se entrecruzam de modo especial: a concepo de Rastier, citado por Brito (1995). A demonstrao desse processo baseia-se na anlise que Rastier faz do poema Salut, de Mallarm, na qual procura verificar como se d a significao nessa convivncia de pelo menos trs isotopias: /navegao/, /refeio/ e /discurso/, intermediadas por engates, ou seja, operadores lingsticos nos quais as isotopias se cruzam de forma simultnea. Tais engates microestruturais seriam os espaos possveis de interseco de campos semnticos, no caso de um poema, sememas de sentido ambguo, diticos, ou uma figura qualquer, como a metfora ou a metonmia; confirma Brito (1995, p.122), esclarecendo:Com esse exerccio de anlise, Rastier oferecia fundamento metodolgico para o enfrentamento de uma questo textual em poesiaAutor Referncias

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com que a crtica literria nunca soubera lidar muito bem, a saber, o da polissemia do poema.

Para o autor, o tratamento dado pela anlise de muitos crticos a poemas de carter polissmico consistia na escolha de apenas um eixo semntico em detrimento dos outros eixos ou de considerar os sentidos sublexicais como irrelevantes. Por isso a proposta de Rastier tornava-se oportunamente vantajosa, dada a sua cientificidade, a sua operacionalidade, e por resguardar a singularidade do sentido textual/potico como uma convivncia de sentidos. Um exemplo desse estudo de isotopias na prtica foi realizado posteriormente pelo prprio Brito (1997), a partir de um curto poema de Carlos Drummond de Andrade:

CERMICA Os cacos da vida, colados, formam uma estranha xcara. Sem uso, ela nos espia do aparador. Brito (1997, p. 16) demonstrou que h no poema trs isotopias a serem desvendadas, constituindo o entrelaamento metafrico que constri a uniCapa Sumrio eLivre

dade potica. Um sema da primeira isotopia seria /cermica/, termo encontrado no ttulo, em torno do qual se repetem os sememas cacos, colados, xcara, aparador. Outro sema seria /existncia/, uma vez que a expresso cacos da vida nos remete para a metfora dos fragmentos de vida, repetida nos sememas, vida, formam, estranha, uso, espia. E do entrelaamento dessas isotopias, percebe-se que pode surgir uma outra, de sema /cozinha/, pois teramos que aparador um elo de transposio a este sema, como um objeto prprio da cozinha e ao qual se juntam os sememas cacos quebrados na cozinha, colados pela dona de casa para reutiliz-lo como utenslio, estranha como ficou a xcara depois de colada, e sem uso igual ao uso anterior, para ch ou caf. De fato, percebemos com Brito (1997), que o poema drummoniano se constri a partir do entrelaamento desses campos semnticos, permitindo que um jogo de metforas se sobreponha, como camadas que vo sendo desvendadas por uma leitura mais aguada. Significncia O conceito de significncia desenvolvido por Riffaterre (1984) parte da compreenso de que um poema diz uma coisa e quer dizer outra, caracterstica que deu o nome de indirection, e que Brito (1995) traduziu como indireo; ou seja, como a realidade em si complexa e conAutor Referncias

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fusa, no pode se refletir desta forma no poema, da porque este precisa constantemente trair e falsear o real, fugindo mimese, para garantir uma unidade que o torne compreensvel. Ressalte-se que, embora Riffaterre tenha realizado inmeros outros estudos que se estenderam compreenses semiticas do texto potico, interessa-nos aqui, esse procedimento da significncia relacionado diretamente a uma viso logocntrica da poesia, cuja operacionalidade vem sendo aproveitada pelo texto publicitrio. Segundo Brito (1995), Riffaterre consegue explicar sua conceituao atravs de agramaticalidades, ou desvios da significao comum, por trs caminhos diferentes: 1) o deslocamento da significao, como ocorre no uso de figuras de estilo, como a metfora ou a metonmia; 2) a alterao da significao, quando as palavras do texto esto usadas de modo a apagar os sentidos conceituais, como, por exemplo, nos casos de nonsense, das ambigidades, etc., e 3) finalmente, a criao da significao, que o que se d quando um sentido novo investido s palavras do texto pela simples posio estrutural, espacial, que a elas ocupam, casos do paralelismo, simetrias, estruturas rimticas, etc. Para Riffaterre, as alteraes no nvel da lngua no acontecem aleatoriamente, mas, sim, regidas por um princpio geral: o princpio de unidade que guia a construo do texto. Nos poemas descritivos, essa referncia ao real parece existirCapa Sumrio eLivre

de forma plena, mas, quando olhada de perto, no passa de uma iluso a que o texto submeteu o leitor por algum tempo de leitura. Escolhemos, aqui, um dos exemplos mais prticos entre vrios de que se utiliza Riffaterre (1984), cuja facilidade de compreenso nos ser til mais adiante, ao aplicarmos esse modelo a um texto de anncio publicitrio. A partir do relato de Chateaubriand sobre o funeral do general La Fayette, Riffaterre (1984, p. 106 -- 7) demonstra esse exemplo:Eu vi-o (o carro fnebre) dourado por um raio fugidio do Sol, brilhar por cima dos capacetes e das armas: depois voltou a sombra, e ele desapareceu. A multido avanou: vendedores de doces (plaisirs) apregoaram filhs (oublies), vendedores de brinquedos levaram os moinhos de papel que giravam com o mesmo vento que, ao soprar, agitara as plumas do carro fnebre.

Depois de fazer uma rpida interpretao do texto, Riffaterre (1984) chama a ateno para o termo comum filhs (algo como guloseimas), que em francs equivale a gaufres, mas que Chateaubriand utiliza oublies, uma expresso idntica levemente arcaica. A pronncia desta palavra igual a outra: oubli, que significa esquecimento, com a diferena da letra e muda no final. Neste caso, o texto parece referir-se a filhs, mas a sonoridade d a impresso de que fala da transitoriedade da recordao, atravs de metfora ou analogia.Autor Referncias

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Portanto, a palavra oublies sobredeterminada, criando uma cadeia associativa de palavras do lxico da cena de rua ao lado de outra cadeia de palavras do vocabulrio do luto, referindo-se morte, grandeza, mas numa linguagem que soa a banalidade. Explica Riffaterre (1984, p. 108):A significncia brota da dupla motivao da palavra por duas cadeias associativas que a se encontram e dela fazem, assim, um n semntico. Esta dupla motivao um tipo de sobredeterminao, que a outra propriedade fundamental do texto literrio.

nho mais prximo que nos leva a outra de significado familiar. Envilecer tornar vil, assim como envelhecer tornar velho, que tem um sentido comum de desgaste. Desse modo, temos mais uma dimenso semntica para a expresso, participando do contexto do poema: tambm houve desgaste e envelhecimento aps a partida. Levantamento histrico de estudos sobre visualidade na poesia Do ponto de vista lingstico dos estruturalistas, o aspecto da visualidade parecia ser irrelevante. Estava restrito a alguns insignificantes exemplos ou no se sustentava com um suporte terico que pudesse apresent-la como um elemento significativo na poesia. Mas um levantamento mais apurado mostra-nos que tais recursos foram explorados de forma significativa pela poesia de diferentes pocas e lugares. esse resgate que nos colocar diante da Teoria Semitica como um aparato terico cuja instrumentao permitir, inclusive, a anlise do aspecto visual da poesia contempornea. O primeiro esforo para sistematizao dos estudos sobre figuratividade no poema no mrito dos tericos da poesia ps-moderna brasileira dessa segunda metade do sculo XX. Segundo Pignatari (1975, p. 63), Apollinaire j havia tentado teorizar sobre os seus caligramas. Sob o pseudnimo de Gabriel Arboin, Apollinaire aborAutor Referncias

o que se pode conferir num poema do poeta paraibano Jos Antnio Assuno (1992, p. 31), pela palavra em destaque: Bacante Vieste como a embriaguez do vinho: ldica, dionisaca. Mas deixaste, na partida, o gosto de azinhavre que envenena os flautins e envilece os cristais. O termo envilece facilmente lido como envelhece, dada a aproximao da pronncia, e por aquele movimento que nos faz procurar um significado de uma palavra desconhecida pelo camiCapa Sumrio eLivre

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dou o problema no artigo intitulado Diante do Ideograma de Apollinaire. Referiu-se ao seu poema Lettre-Ocan como um ideograma, porque, para ele, os escritos modernos ingressavam na ideografia a partir de ento e era um processo revolucionrio: necessrio que a nossa inteligncia se habitue a compreender sinttico-ideograficamente em lugar de analtico-discursivamente -- afirmativa que foi inteiramente aceita pelos concretistas mais tarde. Um autor que concorda que aquele tipo de poema caligrmico, juntamente com outros do incio do sculo XX, j eram uma forma de arte abstrata Praz (1982). Para ele, no s os Calligrammes de Apolinaire, mas tambm os Chimismi lirici de Soffici e os escritos de Gertrude Stein usavam idnticos recursos: um, realizando violentas dissociaes da frase de qualquer assunto, reduzia-se a um simples padro para o olho e a um rufo para o ouvido; outro utilizando iniciais misteriosas, erros e correes no meio das frases, como verdadeiros criptogramas. Entretanto, se os poemas de Apollinaire so exemplos de como a figuratividade chegava poesia de forma explcita, Pignatari (1975) a considera explcita demais. No seu entender, o autor dos Calligrammes foi vtima do preconceito figurativo e, sem ter tentado sequer as possibilidades de uma figurao fisiognmica, caiu no decorativismo sem sentido, compondo poemas em forma de bandolim, de Torre Eiffel, de meCapa Sumrio eLivre

tralhadora. Isso impossibilitava toda e qualquer estruturao rtmica e distorcia a viso do verdadeiro problema que era essencialmente o problema do movimento. Foi o escritor norte-americano E. E. Cummings, conforme Pignatari (1975), quem compreendeu o erro, escapando ao caligrama e conseguindo realizar verdadeiros ideogramas, utilizando melhor os recursos tipogrficos, ainda que sua tipografia se ressinta de vezos nitidamente artesanais. Cummings utilizou as letras e os sinais de pontuao: partindo de uma letra, isolada ou posta em relevo no interior da primeira palavra, foi tecendo uma anedota pontuada de acidentes lricos ou satricos, obrigando as palavras a gesticulaes expressionistas durante o percurso, at conclu-lo de forma satisfatria. Os poemas de Cummings, atravs dos quais, segundo Praz (1982, p. 222), as idias de Ezra Pound alcanaram seu desenvolvimento mximo acerca da aparncia das palavras na pgina impressa, e a teoria de William Carlos William de que o poema, como toda outra forma de arte, um objeto, so exemplos que nos colocam em sintonia mental com as realizaes de Mondrian, Kandinsky e Klee em pintura, porque todos eles elaboraram uma tcnica livre em que os prprios signos tomavam o lugar da imagtica: As technopaignia de Cummings so, na verdade, poesia e pintura ao mesmo tempo, uma nova aplicao do princpio alexandrino ut pictura poesis.Autor Referncias

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Eis um poema de Cummings, citado por Campos (1977, p. 50):birds( ting air U )sing tw iligH( ts v va

here, inven

Embora Apollinaire e Cummings tenham sido referncias, juntamente com James Joyce e, principalmente, Mallarm, para os concretistas, a questo da visualidade na poesia bem mais ampla e vem de outras pocas e prticas. Santaella & Nth (1999, p. 71) confirmam que essa tendncia atual remonta estrutura prpria do fazer potico de muito antes:Se a visualidade explcita se constitui em tendncia dominante na poesia contempornea, no resta dvida que, desde tempos imemoriais, antes de esse seu pendor para a conteno plstica, na sntese do olhouvido, ter marcado nossa histria, foi sempre no seio da palavra potica que a imagem, em todas as suas multiformes manifestaes (perceptivas, mentais, verbais, sonoras, alegricas), fez e continua fazendo seu ninho onrico.

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ness.Be)look now (come soul &;and who s)e voi

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Isso porque a linguagem potica transcendeu ou precedeu aos poemas, uma vez que a poesia quem est no mundo. E esta sempre manteve relaes com outras formas de arte. Souriau (1983, p. 16), procurou falar das aproximaes e diferenas entre as artes de um modo geral em termos genricos, sem definir propriamente que existem relaes intrnsecas de forma e substncia e diferenas conceituais externas, no campo das prticas e exposies dessas artes. Para ele, poesia, arquitetura, dana, msica, escultura,Autor Referncias

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pintura so atividades que, profunda e misteriosamente, se comunicam ou se comungam. E, ao mesmo tempo, apresentam enormes diferenas:Algumas destinam-se ao olhar, outras audio. Umas erguem monumentos slidos, pesados, estveis, materiais e palpveis. Outras suscitam o fluir de uma substncia quase imaterial, notas ou inflexes da voz, atos, sentimentos, imagens mentais. Umas trabalham este ou aquele pedao de pedra ou tela, definitivamente consagradas a determinada obra. Para outras, o corpo ou a voz humana so emprestadas por um instante, para logo se libertarem e se consagrarem apresentao de novas obras e, depois, de outras mais.

Mas no espao em branco de qualquer suporte que elas se expressam em formas, linhas, cores, traos, letras e imagens, gerando sons, movimentos, gestos e performances facilmente transformados em linguagem potica. E no podemos nos esquecer de que a obra literria consuma-se hoje, cada vez mais, como uma linguagem escrita e, cada vez menos, como uma expresso oral. Por isso, afirma Ramos (1974), se uma descrio fenomenolgica deve ser levada a efeito, no poder prescindir do registro desse elemento material da palavra, que se oferece como dimenso hiltica para a sntese da constituio de tratamento fenomenolgico. Desse modo, no seuCapa Sumrio eLivre

entendimento, o estrato ptico o primeiro fator de percepo de uma obra impressa, o que proporciona desde logo a intuio de captulos, atos, estrofes ou estncias. Citado por Ramos (1974, p. 72), Welleck reafirma a importante funo que a escrita a imprensa principalmente tem representado no processo de continuidade da tradio literria e acrescenta que a realizao grfica parte integrante da obra em determinados perodos da histria da poesia, como no caso dos ideogramas pictricos dos chineses, dos poemas grficos da Antologia Palatina, dos artifcios dos metafsicos ou, em tempos mais recentes, das experincias grficas de Cummings, Arno Holz e Apollinaire. Exemplo tpico dessa influncia dos suportes e seus avanos tecnolgicos sobre a forma de fazer poesia apresentado pelo estudioso da comunicao, o canadense McLuhan (1988, p. 292) no desenvolvimento do verso livre:At que ponto a mquina de escrever, atravs de seu injustificvel marginador direito, contribui para o desenvolvimento do verso livre, difcil de dizer, mas o verso livre, realmente, foi uma recuperao dos acentos falados e dramticos da poesia a mquina de escrever veio incentivar exatamente essas qualidades. Sentado mquina de escrever o poeta, muito maneira do msico de jazz, tem a experincia do desempenho enquanto composio.Autor Referncias

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Para esse autor, com esse novo sistema de dirigir-se ao pblico ao alcance de suas mos, o poeta pode gritar, murmurar e assobiar, bem como fazer engraadas caretas tipogrficas para a audincia, a exemplo de Cummings. Mas o prprio Welleck (apud Ramos, 1974, p. 72) quem salienta que o papel que a impresso tipogrfica desempenha na poesia no se limita apenas a estas extravagncias mais aparentes como os finais dos versos, os agrupamentos em estrofes, os pargrafos dos trechos em prosa, as rimas visuais ou os jogos de pal