campo intelectual e feminismo

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    SRIE ANTROPOLOGIA

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    CAMPO INTELECTUAL E FEMINISMO:ALTERIDADE E SUBJETIVIDADE NOS

    ESTUDOS DE GNERO

    Lia Zanotta Machado

    Estudo e pesquisa realizados graas ao apoio do CNPq, atravs dabolsa de estgio ps-doutoral em Paris, junto ao IRESCO (Institutdes Recherches sur les Socits Contemporaines) e a EHESS (coledes Hautes tudes en Sciences Sociales), no perodo de dezembro de1992 a agosto de 1994.

    Braslia

    1994

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    CAMPO INTELECTUAL E FEMINISMO: ALTERIDADE ESUBJETIVIDADE NOS ESTUDOS DE GNERO

    Lia Zanotta Machado

    A emergncia de um "campo intelectual" em diferentes disciplinas das cinciashumanas, definido por privilegiar os estudos sobre mulheres, os estudos sobre as relaessociais de sexo ou de gnero ("gender"), recente e devedora do surgimento dosmovimentos sociais feministas e de "liberao das mulheres" dos anos setenta. Se seus

    primrdios devem ser datados nos Estados Unidos em sessenta nos anos setenta que os"novos feminismos" eclodem em vrios paises europeus e latino-americanos, mantendo-secom visibilidade decrescente nos anos oitenta.

    Quer se identifiquem ou no como feministas: historiadoras, socilogas eantroplogas, assim como literatas, psicanalistas, psiclogas, e filsofas que, ao

    privilegiarem essa temtica, se reconhecem em alguma medida presentes neste "campo",entendem que os movimentos sociais de liberao das mulheres introduziram novas

    perspectivas e novas interrogaes aos diferentes saberes disciplinares e cincia, epistemologia e filosofia enquanto tais. Reivindicam, portanto, um carter inovador face tradio dos saberes disciplinares.

    Do ponto de vista dos "movimentos feministas", toda a categoria sexual dasmulheres era percebida ou como oprimida, ou como outra em relao a uma humanidadecuja definio mesma fra apropriada pelo carter masculino. Desde o seu incio, a"movimentao feminista" articulava crtica ao poder masculino sobre as mulheres e crticaao saber dominante, denunciando-se o acesso privilegiado do masculino idia do neutro.O fundamental no incio foi a crtica "em ao" centrada na reflexo sobre as experinciasvividas, quer aquelas realizadas nos mltiplos grupos de reflexo, quer aquelas presentesem grupos no interior (ou nas margens) de partidos polticos e sindicatos. Consubstancialaos eventos polticos, uma crtica aos saberes constitituidos estava e foi sendo elaborada.Este saber crtico "em ato" desde o incio se exigiu tambm enquanto saber tericoinovador. A necessidade da constituio de um novo olhar terico aos poucos reivindicou

    espaos prprios, como a criao de revistas feministas de carter prioritariamente terico,e a constituio de grupos de estudos, pesquisas e elaborao terica junto a instituiesuniversitrias e de pesquisa.

    Campo Intelectual e Feminismo

    As histrias se diferenciam segundo contextos nacionais e regionais, mas de modogeral, hoje, os movimentos feministas dos anos setenta ao final dos anos oitenta perderam

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    em parte a sua dinamicidade enquanto "movimento social" mas se constituiram no grandeelemento forjador da emergncia do"campo intelectual de estudos de gnero, de sexo socialou de estudos de mulheres" com graus diferentes de legitimao e institucionalizaodisciplinar e interdisciplinar.

    Os grupos de pesquisadoras(es), enquanto grupos e indivduos se reconhecem e se

    auto-reconhecem em posies diferentes quanto ao grau de importncia da identidade defeminista ou de pesquisadora. O modo como se analisa esta questo pode dar lugar interpretao de Rose-Marie Lagrave (1990) de um campo constituido por gruposdistribuidos em torno das posies polares "da pesquisa ortodoxa" a da postura "militante".Entendo que esta polarizao no pode ser entendida como constituindo este campo, masconstituida pelo lugar e pelo modo pelos quais o campo intelectual integra o feminismo.

    Se esta polarizao entendida como definidora deste campo especfico, corre-seo risco de se ficar imerso exclusivamente no jogo das identidades, prximo ao nvel dosenso comum, e irremediavelmente preso a uma viso dicotmica e agonstica. Ou o campotende a ser "normalizado" pelo peso das instituies universitrias ou, por ser "militante",

    marginalizado e expulso pelas instituies universitrias. "Ao aceitar as regras do jogocientfico, os grupos e os indivduos se deixaram aprisionar no jogo, aceitanto tomar opasso dos poderes institucionais para neutralizar e normalizar os estudos sobre as mulheresretirando toda sua viso subversiva". (Lagrave; 1990, p. 3). Confunde-se aqui umconhecimento " l'avance" da polarizao) com o conhecimento do destino deste campo. Adesconfiana de alguns grupos militantes em relao ao movimento de outros de se acercardas universidades (referida pela autora) parece ser uma profecia auto-cumprida: anunciadae confirmada. As posies mais extremadas se identificam: militantes e cientistas anunciam"ex-ante" que, por destino, o feminismo incompatvel com os saberes cientficos.

    O que define e constitui o campo em sua "autonomia relativa", ao contrrio, exatamente a produo da possibilidade deste dilogo e deste confronto, com todas as

    dificuldades e pontos de impasse que se possa e se deva referir. Um "campo intelectual"(no sentido de Bourdieu, 1968 e 1974) ou uma "comunidade de comunicao" no sentidode Apel (1985) s se constitui a respeito de uma temtica ou problemtica se e quanto setece em torno de um consenso mnimo comum entre interlocutores em torno das normas eregras inerentes argumentao que deve prevalecer entre seus membros. Por estareminseridos num mesmo jogo de linguagem, que posies diversas podem se constituir numespao como "diferentes, similares ou opostas" entre si.

    No caso em anlise, entendo que este "campo intelectual" ou "comunidade deargumentao", se institui pelo reconhecimento de uma dupla dvida: a dvida em relaoaos saberes disciplinares, porque com eles se identificam e dialogam e porque se "instalam"

    nas instituies universitrias e de pesquisa, e a dvida em relao ao feminismo por forjara abertura de novas formas de interrogar e de priorizar esta temtica. Concordo comLagrave ao apontar a tenso entre militantismo e pesquisa cientfica presente neste campo.Discordo da caracterizao desta tenso como uma forma agnica onde o reconhecimento tanto um conhecimento "ex-ante", como definidor de seu destino. H tenso, mas numcampo que se reconhece face a uma dupla "dvida".

    No estudo que estou realizando sobre este campo intelectual e sua produoterica, entendo a partir dos prprios "dados do terreno", que este campo se constitui pelatenso do duplo reconhecimento da dvida social com o feminismo e com os saberescientficos. o reconhecimento tenso desta "dupla dvida" que constitui o campo e define o

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    mapa de suas fronteiras, num modelo muito mais prximo ao desenho que faz Evans-Pritchard (1968) das fronteiras de identidades Ner, que ao desenho rgido das fronteirasterritoriais nacionais.

    As novas redes de intelectuais que tendem a se constituir como "campo",explicitam sua identidade em torno da proposta e do reconhecimento da capacidade e

    vontade poltica de introduzir um pensamento crtico e inovador na rea, ou de introduziruma nova valorizao da rea que a retire do seu carter secundrio.

    Um pensamento utpico de um novo saber o que parece presidir a constituiodesse campo intelectual, no a idia de que essa temtica seja em si nova. A inovaoadvm da perspectiva baseada no pensamento utpico que, instituido como movimentofeminista, permitiu definir a inaceitabilidade da posio social simbolicamentediscriminada e dominada das mulheres, frente aos poderes e aos saberes dominantes. Se nomomento dos primrdios fundadores da "mouvance" feminista, o que dominavam eram adenncia e a imaginao na produo de eventos, manifestaes e divulgao, nosmomentos posteriores da constituio do "campo intelectual" dos estudos de gnero, o que

    predomina a interlocuo crtica com os diferentes saberes disciplinares. Ao mesmotempo as posies feministas so confrontadas pelos saberes disciplinares.Bourdieu (1990) critica este campo como se ele se auto-definisse pela qualidade

    de introdutor de uma nova temtica, como se ele se auto-atribuisse a "descoberta" deantigas verdades das cincias sociais... . A novidade deste campo no a sua temtica, massim perspectivas de anlise que se pensam devedoras no s de uma crtica feminista aossaberes, como tambm devedoras desses mesmos saberes, com eles estabelecendo umainterlocuo crtica. Evidentemente, as questes em torno da diferena sexual, da divisosexual de trabalho, da diviso sexual das emoes e das relaes de poder entre os sexossociais, j haviam sido objeto de anlises pelas diversas cincias humanas.

    Qual a dvida ento reconhecida por este novo campo intelectual em relao aofeminismo ?

    reconhecer a novidade dos movimentos feministas, na reinterrogao dossaberes cientficos sobre as relaes de sexo social (ou de gnero). um campo queconstitui a produo terica na tenso persistente entre a "revelao/constatao" da"dominao masculina" (para uns) ou da "posio secundria do feminino na hierarquia devalor da diferena sexual" (para outros) e o pensamento crtico que se posiciona comoestrangeiro a esta "dominao" e que postula a "revelao/constatao" da arbitrariedade einconsistncia de quaisquer argumentos que a inscreveram universalmente no tempo.

    a dvida em relao ao feminismo que faz problema para a comunidadecientfica no seu sentido mais amplo. E em torno ao seu reconhecimento/no

    reconhecimento que este sub-campo se constitui, se expande ou se retrai. porque emalguma medida, ele conserva em atividade a fora do pensamento utpico e crtico, que elese distingue.

    Nem os movimentos feministas nem o campo de estudos de gnero "descobriram"o carter social naturalizado das diferenas sexuais, mas, propuseram uma nova perspectivae positividade de "pousser jusqu'au bout" as consequncias destes "to antigos saberes dascincias humanas", muitas vezes reduzidos a um carter inerte e ineficaz porque incapazesde produzir seus possveis desdobramentos, tanto na crtica dos saberes cientficos quantodos poderes sociais.

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    Estou aqui tomando Bourdieu como interlocutor, dialogando com o texto de 1990,onde o autor critica a posio de um feminismo (seria o de uma autora ou de todos osfeminismos ?) se pensar como descobridor dessas "verdades to antigas". Bourdieu supeque os saberes tericos feministas e os saberes do "campo intelectual de estudos de gnero"se auto-reconhecem em torno da idia da "descoberta" do carter social naturalizado das

    diferenas sexuais. Esta suposio s pode estar assentada num conhecimento ainda muitorestrito da literatura da rea feita a partir de uma posio ambivalente e oscilante do autorentre reconhecer ou no reconhecer um campo intelectual que se constitui na imbricaodos saberes feministas e dos saberes disciplinares. Ou seja, a fala que Bourdieu estabelececom "o feminismo" e o dilogo que o campo intelectual tal como acima definido estabelececom Bourdieu faz parte do jogo das regras de poder em torno da constituio, delimitao elegitimao deste campo intelectual.

    Bourdieu ocupa posio estratgica no campo intelectual face ao reconhecimentoe no reconhecimento do campo de estudo das pesquisas sobre mulheres e relaes sociaisde sexo. Se de uma certa maneira se reconhece no campo e visibiliza o auto-reconhecimento ao escrever recentemente "A Dominao Masculina" (1990), estabelecerestries: critica uma das teorias feministas invocando alusivamente todas as teoriasfeministas. Criticado por ter feito esta aluso, confessa sua vontade de se deter sobre asteorias feministas da dominao e das relaes sociais de sexo. Ao invocar uma fala futura,aponta seu poder tanto legitimador quanto restritor.

    As "antigas aquisies" das cincias sociais sobre as diferenas sexuais parecemno terem sido suficientes para o desdobramento de uma srie de interrogaes sobre a

    permanncia no seu discurso da ocultao dos efeitos das diferenas sexuais naconstituio mesma dos saberes filosficos e disciplinares. Insuficientes tambm paraimpedir a relegao da questo da diferena sexual e da dominao sexual a lugaressecundrios no mbito das questes julgadas relevantes. No meu entender o cerne

    constituinte deste novo campo intelectual, trabalhar com as questes de gnero ourelaes sociais de sexo introduzindo tais interrogaes (em resposta tanto ao lugarsecundrio no campo cientfico, quanto conhecida descontinuidade dos movimentosfeministas surgidos a partir da consolidao das sociedades individualistas, no sentido deDumont, 1984).

    Se as teorias sociolgicas e antropolgicas revelam o carter social da diviso detrabalho sexual, elas no esto imunes a pagarem o preo de produzirem um segundo tipode "naturalizao": a naturalizao derivada da explicao/compreenso/interpretao daautoridade cientfica de reafirmar a fora do social em atribuir significado diferenasexual. Ou acaba por produzir um reforo/conformismo frente aos ditames das sociedades,

    ou produz banalizao da idia de uma sociedade moderna que tende "naturalmente" peloseu progresso a uma igualdade entre os sexos. nesta tenso, contra esse segundo tipo de"naturalizao" que se constitui o campo de estudos de gnero.

    Os limites exteriores, mas fronteirios deste campo se desenham na reaintersticial de pesquisadores que tratam com questes que tangenciam esta temtica ou quea englobam sem com ela se confundir e que tendencialmente no reconhecem qualquerdvida intelectual com o feminismo. Reconhecem mais facilmente seu carter inovador

    poltico, que os feitos e efeitos no campo intelectual. Tendem a rejeitar a inscrio dofeminismo no campo intelectual pois seu carter militante seria por si impeditivo doexerccio da atividade cientfica. Como, se em grande parte, os pensamentos filosfico e

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    cientfico no tivessem como uma de suas grandes foras propulsoras o pensamentoutpico... Estes limites so, no entanto, sempre suscetveis mobilidade, pois algumcritrio ou grau de reconhecimento pode se inserir num certo mal-estar de no legitimar o

    pensamento feminista ou numa certa lucidez em tratar com prudncia a questo dofeminino tendo em vista o movimento feminista.

    Poderamos repetir sobre este campo intelectual constitudo por uma maioria demulheres, o mesmo que Monique de Saint-Martin (1990) e Christine Plant (1989)disseram para as relaes entre as mulheres escritoras e o campo literrio na Frana, nosculo passado. "As mulheres escritoras 'incomodam`, j se disse; elas no encontram graaaos olhos de nenhuma corrente de pensamento" (Saint-Martin, 1990, p. 56). "Para osrepublicanos, elas so produtos da monarquia, para os conservadores, elas so suportes dademocracia" (Plant, 1989, p. 60). "O campo literrio, por sua gnese, por seufuncionamento, seus valores, suas representaes, tende a atribuir mais indulgncia ereconhecimento aos homens que s mulheres". (Saint-Martin, 1990, p.56).

    Para alm disso, no entanto, e especialmente pensando na expanso desses

    estudos nos pases anglo-saxnicos, poderamos pensar na expanso de uma certa "lucidez"no campo intelectual em geral, como nos fala Genevive Fraisse (1992) sobre os filsofos."A lucidez do homem filosfico no mais a mesma. (...) Eles sabem que o

    phallocentrismo tem boas razes de ser criticado; (...). Eles tm conscincia dasdificuldades epistemolgicas (em qual condio posso falar desta questo, eu que sou umhomem?) e dos contextos polticos (no se evitar de falar da emancipao das mulheres)".(Fraisse, 1992, ps. 84 et 87).

    Em suma, no nosso entender, as "redes" de pesquisadores e pensadores, mais oumenos fluidas ou consolidadas, no interior e nas fronteiras das comunidades cientficas dasociologia, antropologia, cincia poltica, histria, psicanlise, psicologia e letras, secaracteriza como um campo, no por assumir uma ou diferentes identidades feministas,

    mas por reconhecer a dvida com os feminismos face ao novo quadro de interrogaespostas pelas feministas. Dvida que reconhece a originalidade das formas de reflexo sobreas experincias vividas e da reflexo terica e poltica sobre os saberes cientficosemergidas em um campo de movimento social. Neste campo, a exigncia do trabalho

    propriamente cientfico da construo do objeto e a crena na capacidade "reveladora" dacincia consentnea com o pensamento utpico e crtico.

    A especificidade da experincia vivida e que se constitui na temtica centralnucleia-se num dilema sempre aberto e oscilante das relaes entre feminino e masculinono acesso idia de indivduo neutro universal. Por no aceitar a posio subordinada dasmulheres, o movimento feminista pretende subverter posies e reinterrogar saberes. As

    resolues tendem a ser antagnicas ou trabalharem com o jogo da ambivalncia. Ao nveldas teorizaes e da disputa poltica, duas correntes tendem a se definir: a das"diferencialistas" que postulam o reconhecimento de uma identidade centrada na diferenaquer biolgica quer cultural, e a das "igualitaristas" que entendem que qualquer diferena signo de inferioridade e desigualdade.

    Para alm de todas as diferenas entre as feministas e os feminismos, as correntesfemininas colocaram o problema do acesso das mulheres posio de sujeito: sujeito

    poltico e sujeito crtico a um saber cientfico. Inscrio de um pensamento utpico que sequer sujeito poltico e sujeito enunciador da palavra. E que a partir dessa postura queenuncia um repensar sobre as noes e os usos da alteridade e da subjetividade nas

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    modalidades de fazer cincia e filosofar.

    Em torno da Alteridade: desenhando contrastes entre o campo francs, americano ebrasileiro

    O campo intelectual brasileiro de "estudos sobre mulheres" e "estudos sobregnero" se constitui na interlocuo simultnea e paralela com autoras(es) do campointelectual americano dos "women's studies" e dos "gender' studies", e do campo intelectualfrancs das "pesquisas feministas", "pesquisas sobre mulheres", "estudos femininos" e"estudos sobre relaes sociais de sexo". A minha incurso sobre os estudos de gnero,tomando-o no seu sentido mais abrangente, pretende seguir uma perspectiva comparativa.

    Entendo que o conhecimento do campo intelectual brasileiro passanecessariamente por analisar e refletir sobre esta dupla e paralela influncia. A construointelectual das questes de gnero responde em grande parte singularidade dos diferentescontextos polticos nacionais. Os movimentos feministas encontram e constituem suasdiscursividades, no s se auto-alimentando a nvel internacional, mas em resposta s suasculturas polticas nacionais. A linguagem poltica para falar das diferenas de sexo ou degnero, geralmente se articula, por metforas ou metonmias, com linguagens polticas quefalam de outras diferenas sociais, como as das minorias sociais raciais, tnicas e regionais.Assim os conceitos e as questes introduzidas a partir dos campos francs e americanocarregam consigo uma discursividade que aponta e est impregnada de toda uma histria

    poltica das relaes no s entre homens e mulheres, mas tambm entre as maiorias e asminorias raciais, tnicas e regionais.

    Estudar a especificidade contextual dos campos francs e americano um objetivo

    que se desenhou para mim como forma de chegar a dar conta, por contraste, daespecificidade do campo brasileiro. A primeira caracterstica do campo intelectual brasileiro a de se entender como um lugar que dialoga e incorpora simultanea eacumulativamente as contribuies dos campos americano e francs. A escolha, portanto,no foi casual; so essas as tradies que nos informam. Ser depois preciso caracterizarcomo o cenrio poltico brasileiro informa a maneira de incorporar e ler esta duplainfluncia. Influncias que foram paralelas e simultneas desde a ecloso dos movimentosfeministas na segunda metade dos anos setenta.

    O contato, a convivncia e a pesquisa realizada entre autoras e pesquisadorasfrancesas durante um ano e meio em Paris foram constituindo a possibilidade e exignciade um desenho triangular contrastivo, muito embora no tenha sobre o campo americano,conhecimento proveniente de uma convivncia direta. A pesquisa em Paris permitiu-me, noentanto, aceder ao contraste entre duas formas distintas de percepo e recepo da

    produo americana no Brasil e na Frana.Minha anlise ser centrada neste artigo sobre o campo intelectual francs, tendo

    como cenrio referencial a produo americana, e tendo como ponto de partida, um olharinserido na produo brasileira.

    A constituio mesma dos trmos do debate sobre os diferentes usos emodalidades das noes de alteridade e subjetividade esto articuladas aos contextosdistintos das correntes diferencialistas e igualitaristas, presentes tanto nos movimentos

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    feministas como no campo de estudos de gnero. Mas no basta pens-las neste contexto. substancial pens-las no contexto mais amplo das modalidades de uso poltico das idias deigualdade e diferena e da sua imerso numa rede de significantes simblicos,diversamente constituida em cada mbito nacional. As relaes entre alteridade esubjetividade devem ser referidas aos significantes e significados polticos e culturais

    diferenciais das noes de igualdade e diferena, e suas associaes com as diferentesformas de entender e problematizar a questo da universalidade nos contextos americano efrancs.

    A apresentao, sem muita introduo, de dois textos produzidos no interior docampo de estudos de gnero ou sexo social, objetiva facilitar o defrontamento demodalidades distintas de lidar com a alteridade e sujetividade, e suas relaes com oconceito de universalidade. Entendo poderem ser referidas como significativas doscontextos culturais e polticos predominantes nos Estados Unidos e na Frana.

    _ "(...) Desse modo argumento que uma tica emancipatria deve revelar umaconcepo de razo normativa que no oponha razo a desejo e afetividade. Levanto essa

    questo ao discutir o pensamento da razo deontolgica de que a razo normativa deve serimparcial e universal. Mostro que o ideal de imparcialidade exprime o que Theodor Adornochama de lgica da identidade que nega e reprime diferena. A vontade de unificarexpressa por esse ideal de razo imparcial e universal gera um penoso antagonismo entrerazo e desejo e afetividade. (...) As feministas mostraram que a excluso terica dasmulheres do pblico universalista no mero acaso ou aberrao. O ideal do pblico cvicoexibe uma vontade de unificar, e exige a excluso de aspectos da existncia humana queameaam dispersar a unidade fraternal de formas retas e verticais, especialmente exclusode mulheres. (...) O estudo sugere que uma concepo emancipatria da vida pblica podegarantir melhor a incluso de todas as pessoas e grupos, no pela alegao de umauniversalidade unificada, mas pelo explcito fomento da heterogeneidade no pblico. (...) A

    partir de novos ideais dos movimentos polticos radicais contemporneos nos EstadosUnidos, deduzo a imagem de um pblico heterogneo, com dimenses estticas, afetivas ediscursivas." (Young, Marion, 1987).

    -"A interrogao sobre a cientificidade da cincia se estendeu s cincias sociaisem geral: a negao da subjetividade que parecia a condio 'sine qua non` de todaobjetividade, ou seja da elaborao de uma cincia pura, tende a ceder o lugar a um examecrtico constantemente renovado das condies de produo dos saberes. (...) Pode-secomparar as teorias nacionalistas as mais exclusivas dos conhecimentos ocidentais a certascorrentes feministas da diferena e a encontrar uma recusa comparvel da comunicaoracional em funo do fato do privilgio dado ao conhecimento por empatia que faz

    coincidir o sujeito e o objeto. Nos anos 1960-1980, o mesmo tipo de questes sotrabalhadas pela antropologia: elas so suscitadas pela reivindicao de autonomia dosdominados. (...) Este livro (Mathieu, Nicole, 1985) me interessa pessoalmente na medidaem que so colocadas as questes referentes ao efeito de conhecimento resultante da

    posio de sexo (N. Mathieu diz posio de classe de sexo) e em que afirmada a validadeda antropologia dos sexos contra as acusaes de etnocentrismo, em virtude da afinidadeestrutural entre as nossas sociedades e as outras ... onde somente a anlise permite coloc-laem evidncia. E deve-se levar em conta ento, como sublinha Mathieu, (...) do que a

    posio de homem ou de mulher lhe permite conhecer sobre a opresso exercida e sobre adominao sofrida (id.). (...) Elas (as algerianas) reconhecem ento a opresso da qual elas

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    so objeto mas afirmam que preciso viv-la sobre o lugar para a compreender.Conhecimento por empatia que supe a ausncia total de correspondncia entre associedades: a delas, a minha. (...) O discurso do nacionalismo sobre a especificidade e aautenticidade mascara toda a afinidade estrutural entre as sociedades e torna problemtica asolidariedade" (Gadant, Monique, 1991).

    Poderia ter citado outros textos, mas estes dois so exemplares porque claramentese referem ao contexto poltico cultural englobante e seus supostos.

    Para Young, a represso das diferenas pela razo imparcial e universal que faz problema. A idia de universalidade que permite uma verdadeira democracia parece seraquela que d voz a um pblico heterogneo formado pelos movimentos radicaiscontemporneos que so os "black mouvements", os "gay and lesbian mouvements" e os"feminist mouvements". O "direitos diferena" se inserem num discurso poltico deoposio a um governo e a uma sociedade discriminadora porque excluem minorias. Ficaclaro que a imagem dominante da sociedade americana a que se supe constituida porcomunidades e categorias que se distinguem por suas histrias e identidades diversas.

    A nao americana, por sua tradio protestante, por sua histria de pas deimigrao e de passado escravista seguido de uma poltica racial separacionista no se vconstruida exclusivamente em torno de uma idia abstrata de indivduos mas de indivduosconcretos participantes de comunidades ou categorias sociais variadas. O pensamentoutpico e crtico o da produo do acesso das comunidades aos mesmos direitos polticos.Enquanto as elites reprimem as diferenas, a luta das minorias a de sua insero. O"trabalho" dos conceitos de diferena e alteridade no mundo intelectual est situado nomesmo espao do pensamento critico-utpico. A alteridade no algo pensado comoirredutvel e fechado mas aberto e em interlocuo com outras alteridades. A expanso daheterogeneidade que produz a democracia e que constri a universalidade no unificada.

    Em contraste, para Gadant, a afirmao da diferena que faz problema. Adiferena vista como irredutvel e prisioneira de um relativismo absoluto que impede ainterlocuo. Nacionalismos e diferencialismos so a recusa comunicao racional e aodilogo entre sociedades e categorias que se distinguem. O conhecimento requerido pelonacionalismo algeriano percebido como o conhecimento por empatia que tem porcorolrio a afirmao de que s o mesmo conhece o mesmo. A subjetividade expressa pelasmulheres algerianas entendida como presa a um contexto auto-referido. Auto-referida, asubjetividade, vista como impedindo a objetividade. A nfase na diferena se constitui em

    perigo para a realizao do entendimento universal e para a possibilidade de atingir aobjetividade. O universal e a objetividade esto assentados na racionalidade abstrata. oque, por estar presente em todas as culturas, permite a compreenso entre elas e a

    percepo das afinidades estruturais. Neste caso, trata-se da percepo da afinidadeestrutural da posio de classe de sexo entre as sociedades.O contexto de referncia o da relao entre um sentimento anti-colonialista de

    intelectuais franceses frente ao desencontro com um movimento nacionalista queacompanha a luta anti-colonialista na Arglia e que se faz tambm contestador do saberocidental. Este diferencialismo nacionalista, na cena poltica, contesta a prpria idia deuniversalismo, fundamental para as esquerdas francesas estabelecerem solidariedades nombito internacional. Mas o enraizamento poltico da idia de universalismo e de sua

    percepo como antagnica idia de qualquer diferena, deve ser buscada mais longe notempo, embora atuando cotidianamente.

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    A nao francesa se constituiu em torno da idia do indivduo abstrato universal,tornado o paradigma do indivduo-cidado. A Repblica Francesa se constituiu

    primordialmente contra a sociedade dos trs estados, mas tambm contra as identidadesregionais culturais. Essas diferenas foram objeto de uma poltica de "longa durao" quevisava sua abolio para poder constituir a idia de igualdade e de unificao cultural.

    Assim, igualdade e identidade na cultura francesa so categorias extremamente prximas.A unificao cultural foi condio constituinte para o Estado-nao republicano francs.leni Varikas (1989) mostra como, na Revoluo Francesa, os judeus e os negros foram

    primeiro excluidos e depois incluidos em 1791 e 1794 respectivamente aps um debateonde a retrica argumentativa era a idia de aceder cidadania por demostrarem mritos.Os primeiros judeus a serem admitidos ao "droit de cit" sero os portugueses, "melhorassimilados e assimilveis". "Eu sempre pensei que se poderia recriar este povo, lev-lo virtude e participante da felicidade" (Moo em favor dos judeus, por M. Grgoire) inVarikas (1989, p. 13).

    As referncias a direitos comunitrios vinculados s identidades culturais sosempre ditas e escutadas no registro de algum arcaismo que impede o acesso plenacidadania. O ideal de integrao como sinnimo de assimilao, proposto para osestrangeiros, praticamente incontestado. O ideal o da no permanncia de qualquerdiferena cultural em solo francs. como se os grupos minoritrios tivessem que aceder cidadania atravs da prova de sua integrao. (So inmeros os artigos da imprensa que sereferem a estes termos.) A idia fora do indivduo-cidado calcado na sua idia abstratacontrasta com a modalidade da reivindicao dos movimentos polticos americanos dorespeito ao indivduo concreto e s diferenas culturais.

    A noo de diferena atua exclusivamente como valor negativo. A norma o sololegtimo a partir do qual se faz o julgamento do que difere e dela se distancia. Se a noodos direitos naturais do indivduo abstrato (todo homem) de ser livre e igual que possibilita,

    na cena da Revoluo Francesa, a possibilidade de os judeus e negros serem cidados, tambm a imediata e invisibilizada associao da idia de indivduo com o modelo doindivduo francs que produz um sentido assimtrico e depreciativo de qualquer diferenacultural.

    As mulheres no foram excluidas em nome de uma diferena cultural, mas, porserem os termos propiciadores do acesso dos homens livres ao pleno entendimento de suaqualidade de ser livre e proprietrios. As mulheres eram pensadas como membros dafamlia representada pelo seu chefe, que, por essa razo, podia ter acesso cidadania. (VerCapitn, 1993 e Fraisse, 1989). Houve, no dizer de Mariette Sineau (1994), uma"enfeudao do civil no pblico, do privado no poltico", de tal ordem que a subordinao

    da mulheres teria sido maior nos pases latinos catlicos que nos pases anglo-saxnicos.No meu entender, ao refletir sobre o movimento feminista na Frana, como se o combatese fizesse fundamentalmente contra o princpio da excluso das mulheres. Princpioinstalado e sagrado no Cdigo Civil de 1804 e de novo reconhecido no "sufrgio universal"exclusivamente masculino, e s alcanando a universalidade feminina e masculina do votoem 1944.

    Nos paises anglo-saxnicos, onde a tica protestante protetora dos direitosindividuais na sua acepo concreta, e onde o sistema jurdico da "common law" no visto como emanao de um princpio diretivo, mas sim como regras para gerir conflitos, asociedade auto-pensada como constituida de grupos de, e com, interesses distintos. Os

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    movimentos feministas parecem ter imprimido o carter da defesa dos interesses e direitosde um grupo ou categoria especfica face a uma coletividade que at ento lhe negava oacesso.

    nesse contexto significativo, de sociedade de grupos de interesse e de conflitos,que a noo de diferena pode operar reversivamente, isto , tanto negativa como

    positivamente. Utilizada para discriminar, segregar, excluir, pode ao mesmo tempo serusada para distinguir e constituir identidades, guardando um contra-sentido positivo. Podedar origem ao recente conceito de discriminao positiva, polticas compensatrias discriminao negativa. Como pode dar origem reapropriaes e reverses de sentido,como a revalorizao da "Black culture" em resposta ao "apartheid" nos Estados Unidos.

    As correntes diferencialistas e egualitaristas, no entanto, esto presentes tanto nocontexto americano quanto no francs, como, alis em quase todos os pases onde omovimento feminista se desenvolveu. Este debate est presente tambm no interior dodesenvolvimento do campo de estudos de gnero e sexo social. Entendo que h um aspectoda ambivalncia constante entre correntes igualitaristas e diferencialistas nos movimentos

    feministas, que deve ser atribuido ao lugar paradoxal do estatuto das mulheres naconstituio das sociedades individualistas: seu acesso assimtrico categoria de indivduoe de humano que lhes atribui experincias de vida e percepes, tanto semelhantes quantodiferentes das dos indivduos masculinos. Essa explicao, no entanto, no suficiente.

    Na constituio do "campo intelectual de estudos de gnero ou sexo social",encontra-se no campo francs, uma predominncia pela adeso ao conceito deuniversalidade. Este conceito deve ser interrogado em nome do carater de dominao dasmulheres, ou em nome de uma reflexo e incorporao da diferena sexual, mas num ounoutro caso, no em nome de diferenas ou perspectivas culturais que se considerem"outras" em referncia ao prprio conceito de universalidade.

    Mesmo o pensamento diferencialista a se coloca no registro da universalidade,pois a ateno reivindicada para a alteridade feminina visualizada para toda a categoria demulheres. No h um desdobramento da considerao de multiplicidade de diferenas entreas mulheres como ocorre, tendencialmente, nos debates americanos. Quanto ao pensamentoegualitarista, ele, sim, se interroga sobre as distintas modalidades de dominao, mas o fazsem colocar em jogo a idia de uma dominao universal (at hoje mantida).

    O campo francs caracteriza-se por uma fratura ntida entre a correntediferencialista e a igualitarista. Os desdobramentos tericos da dominao de sexo e deuma diferena de sexo seguem caminhos separados, desenhando raras interseces. A falada dominao est sobretudo ancorada nos saberes disciplinares da sociologia, daantropologia e da histria. A fala da diferena e o estudo do "feminino" esto sobretudo

    ancorados na literatura, psicanlise e filosofia. A minoria das literatas, psiclogas,psicanalistas e filsofas que trabalham com a dimenso social e histrica das suas temticasdialogam com o primeiro campo referido e raramente com a "diferena feminina".

    Sem dvida, esta "diviso de trabalho" entre as disciplinas responde diversidadede intensidade dos fluxos e debates entre novas tendncias das correntes filosficas ecientfica. Consentneo aos momentos da emergncia dos movimentos feministas e daconstituio dos "estudos de gnero", o campo intelectual e epistemolgico passava pormudanas substantivas em relao ao problema do sujeito ontolgico. Nos anos sessenta esetenta, o crescimento do pensamento estruturalista reforava a idia da objetividade dosocial, mas um social imaginado sob a gide da linguagem e do simblico, introduzia

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    noes de um inconsciente estruturador e Foucault anunciava a morte de um humanismovoluntarista. Lacan relia Freud e Althusser relia Marx. A teoria estruturalista levi-straussiana ganhava espao sobre as teorias funcionalistas anglosaxnicas e as revisitas sofeitas entre o estruturalismo e o estrutural-funcionalismo. As teorias marxistas assentadasna teoria do sujeito da histria se refaziam numa linguagem estruturalista do sujeito-ator

    construido pela trama das posies sociais e suas conjunturas.Ao mesmo tempo em que essa verdade-objetividade era exaltada em detrimento

    do sujeito e da subjetividade, uma viso fenomenolgica (ou vrias) a partir de Husserlfazia crtica ao estruturalismo e se constituia para as cincias sociais na possibilidadeepistemolgica de se fundar pela "intersubjetividade". As crticas nietzcheanas dasverdades metafsicas eram retomadas por Heidegger, e inspiravam as perspectivasdesconstrucionistas de Derrida e as ps-modernistas de Lyotard e Vattimo, reforando acrtica e denncia das verdades objetivas pela sinalizao da "vontade de poder" contidanos discursos filosficos e do saber que se quer "do um", mas sempre ambivalente. Dologocentrismo criticado po Heiddegger, passa-se ao phallo-logocentrismo criticado porDerrida.

    A perspectiva deconstrucionista de Derrida absorvida na Frana pelo pensamento feminista da filosofia da psicanlise e das letras. Os saberes feministasvinculados sociologia, antropologia e histria, em geral, o consideram incompatvel comas perspectivas pelas quais constrem suas problemticas.

    No contexto americano ser outra a leitura de Derrida e outra a forma de articularautores. Derrida muitas vezes citado, em geral ao lado de Foucault e h setores feministasmarxistas que dialogam e/ou aglutinam suas falas com autores como Derrida e outrosconsiderados ps-modernistas.

    O jogo do fluxo das correntes intelectuais para ser entendido deve ser remetidono s aos processos internos do campo intelectual, mas, de novo, ao sistema designificantes polticos, absolutamente diversos nos contextos nacionais.

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    Dominao e Subjetividade: sociologia, histria e antropologia.

    O pensamento terico do feminismo radical igualitarista que se construiu ao longodo movimento feminista enfatizou o conceito do patriarcalismo, da dominao de classe desexo e da universalidade da opresso das mulheres (at hoje). Cristine Delphy (1970 e

    1977), Nicole Mathieu (1970, 1985 e 1993) e Collette Guillaumin (1970 e 1993) sofundamentais para a criao da Revista Questions Feministes que se prope uma revistaterica e para a formulao e desenvolvimento de uma teoria do feminismo radical. Oconceito de diferena rejeitado. A situao qualitativa que d unidade ou afinidade smulheres a sua subordinao.

    Os feminismos de tendncias prximas, como os de "lutas de classe", tem emcomum com o pensamento radical, a nfase na interrogao sobre as formas de dominao.Estes pensamentos feministas aglutinam e inspiram pesquisas, ensaios e anlisesepistemolgicas j no interior do campo institucional dos estudos de gnero, isto , na "citscientifique". A temtica da dominao contida nas relaes sociais de sexo estabelece um

    ncleo de dilogo entre toda uma srie de socilogas, antroplogas e historiadoras. Cominteraes mais ou menos intensas ou espordicas, h uma circulao direta ou indiretaentre pesquisadoras articuladas ao CEDREF, GEDISST, Sminaire d'histoire des femmesde l'EHESS e historiadoras, socilogas e antroplogas de Paris VII (Jussieu), de Paris VIII(Saint-Denis) e da EHESS (cole des Hautes tudes en Sciences Sociales) que trabalhamsobre essa temtica.

    A nfase na dominao das relaes sociais de sexo se acomoda diferentementenos "noyeaux durs" (ncleos duros, mais permanentes) de cada saber disciplinar. Emsobrevo, darei algumas indicaes. Na sociologia, onde a reflexo sobre o poder fundante, o desafio ser a introduo da temtica do poder de sexo frente dominncia dofoco do poder de classe que se sente ameaado. Na antropologia, onde a reflexo sobre ascategorias sexuais fundamental e tradicional, o desafio ser o confronto entre a idia dedominao de sexo e as idias de diferena hierarquizada e de diferena porcomplementariedade. Na histria, o desafio ser confrontar o lugar esquecido e secundriodas mulheres pelo efeito da hegemonia de uma histria poltica. Por tradio, e em funode seu objeto, as diferenas culturais importam mais para a antropologia e para a histria doque para a sociologia. Assim, mais nessas duas disciplinas que na sociologia, problematiza-se o confronto ou articula entre as categorias de "dominao sexual" e "diferenasexual". Na sociologia, (ver tambm nesse sentido, Machado, 1992), a idia dedesigualdade tende a ser soberana sobre a de diferena.

    Da teorizao inicial do feminismo radical que se faz numa linguagem que

    privilegia o social e o sociolgico, se passa a buscar novas formas de se imbricar e deproduzir novos saberes no interior das disciplinas. No domnio da sociologia, tomarei emconta no escopo deste trabalho, temticas desenvolvidas pelo GEDISST. A separao entrea sociologia do trabalho e a sociologia da famlia criticada para dar lugar a um novongulo de viso: a partir de sua articulao que o trabalho feminino e o trabalhodomstico podem ser entendidos. Os estudos sobre qualificao do trabalho ganhaminteligibilidade se o prprio entendimento do que qualificao passar pelo crivo do valorque se d ao feminino e ao masculino. A noo do carter transversal das relaes sociaisde sexo aos diversos domnios sintoma de que a temtica de gnero se quer visvel e umdos estruturantes da dimenso social. (Ver especialmente Danile Kergoat, (1993),

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    Fougeyrollas, Chabaud e Sonthonax (1985) e Hirata (1992).Esta "inventividade" se assenta na perspectiva da escolha de um olhar situado e

    nucleado a partir da posio das mulheres na sociedade. Um olhar que pudesse dizer comoa sociedade aparece para as posies das mulheres, e no apenas os lugares das mulheresna sociedade. A postura objetiva reclamada, mas pelo privilegiamento dos olhares das

    mulheres. Ao mesmo tempo, d-se a dmarche para reintegrar e repensar a subjetividade eo sujeito na construo do objeto de conhecimento. Em nenhum momento, a dominaomasculina construida a partir de uma constatao "neutra" como um "fato social" denaturalizao de segundo tipo. Essa "sutileza" a sua distino. a qualidade pela qual a"objetividade" fraturada no espao do pensamento e da escritura, permitindo lugar subjetividade dos sujeitos sociais, e por a os diferentes olhares.

    Se a interrogao terica sobre a subjetividade do ator social a prioritria, ainterrogao sobre a subjetividade do pesquisador no me pareceu estar sendo privilegiadano campo da sociologia das relaes sociais de sexo, mas estou longe de poder esgotarneste espao tal questo. De qualquer forma como se um novo ngulo de anlise estivesse

    sendo possvel pela criao de uma nova "sensibilidade". No h qualquer reivindicao deque apenas um olhar feminino possa ver a partir desse ngulo. Mas como se nem todos ospesquisadores, e especialmente nem todos os homens tivessem ou pudessem ter a mesmasensibilidade. Estamos nitidamente num campo que se define como cientfico, mas queguarda, ao mesmo tempo, com sutileza radical, a marca dasensibilidade feminista capaz de

    produzir um novo olhar.Trata-se da introduo de um olhar situado na produo do saber. Se o debate

    intelectual no se faz sobre as "condies de produo do saber", a proposta metodolgicaparte e se constiui da admisso que este olhar situado. Somente um olhar situado podeescolher ngulos de viso, e pontos de foco. deste olhar que se constri uma percepoque trabalha com conceitos. O saber no jogo de conceitos puros, diramos fazendo

    aluso a Cassirer (1988).No saber disciplinar da histria, o campo de estudos de mulheres e de gnero, se

    aglutina especialmente em torno da construo de uma histria das mulheres. MichellePerrot lembra "quatro datas, significativas de uma evoluo: - 1973: primeiro curso emJussieu: "Les femmes ont-elles une histoire?" (As mulheres tm uma histria?) (...) - 1983:"Une histoire des femmes est-elle possible?" (Uma histria das mulheres possvel?) (...) -1990-1992: apario dos cinco volumes de "Storia delle Donne"/"Histoire des femmes enOccident". (Histria das mulheres) - Novembro 1992: "Femmes et Histoire", colquiorealizado na Sorbonne para debater esta obra coletiva." (in Perrot, 1994, p. 43).

    No objetivo de dar visibilidade e voz histria e historicidade das mulheres, e

    envolvidas e englobadas pelo desenvolvimento da histria das mentalidades e da histriado social, as pesquisadoras desenha uma histria cultural dos espaos e identidadesfemininas e das diferentes modalidades de relaes entre os sexos sociais. H um recursoaos conhecimentos adquiridos da antropologia no traado de uma cultura(s) feminina(s).Produz-se a tenso entre uma viso da complementariedade entre os sexos sociais e umaviso da dominao.

    O perigo da primeira tornar-se prisioneiro de uma viso irnica do equilbrioentre os dois mundos masculinos e feminino e "de deslizar da noo de diferena de sexos imposio de uma estrutura binria da sociedade que exclui a acuidade". "Pensar de outraforma a cultura feminina", construi-la no interior de um sistema de relaes

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    desigualitrias, na articulao fina dos poderes e contra-poderes. associar e desvelar aimbricao de cultura e poder. Este parece ser o desafio terico dos estudos histricos sobremulheres segundo relatrio produzido por um grupo interdisciplinar de pesquisadoras doCentre de Recherches Historique C.R.H.(1986).

    A difcil questo da articulao da "diferena de sexo social" e da "dominao de

    sexo", parece encontrar a lugar de formulao do acesso ao "neutro" que, por si poderiafazer a economia da reflexo do que seria a construo (social ou individual?) de umadiferena sexual, no horizonte do fim da dominao ou do fim da excluso das mulheres.Esta difcil questo posta como objeto de reflexo. "Se se considera que o neutro pode ser

    pensado como uma chance para as mulheres na medida em que se reinterpreta a categoriado universal, no h razo para que se coloque em perigo a diferena dos sexos l onde temseu interesse e sua razo, ao nvel da relao de uma pessoa sexuada a outra. (...) Estacategoria de neutro no pode ser til a no ser enquanto seja provisria e operatria". (id,

    p.289). A cada poca de "transformao" histrica compreenderia uma investigao sobreos novos jogos das categorias de sexo, mesmo quando se faam no sentido de um ganho ouincluso das mulheres no domnio pblico.

    A partir do campo que se consolida em torno de uma "histria das relaes entreos sexos", de uma "histria social e das representaes" e de uma "histria dosfeminismos", configura-se tambm a proposta da insero da histria das mulheres nahistria poltica. Michle Riot-Sarcey (1993) representa nitidamente esta posio. Propecomo objetivo "colocar um outro olhar sobre a histria poltica a fim de levar em conta os

    processos onde se confrontam prticas, idias, onde se elaboram utopias, onde indivduosse posicionam como sujeitos rebeldes..." (p. 35).

    Em resposta, sem dvida, expanso do uso do conceito de descontruo e expanso do emprstimo combinado dos instrumentais tericos de Foucault e Derrida nocampo americano dos estudos de gnero, a autora explicita a dvida em relao a Foucault,

    revisto a partir de uma proposta de integrao plena da categoria da subjetividade. Ostermos so esses: seu objetivo "no desconstruir os textos, mas dar de novo vida aosescritos do passado; estar atenta muito particularmente os propsitos e atos destas vencidasda histria que, num movimento de individuao e de subjetivao, que as coloca fora dascategorias, fora do sistema do qual so vtimas (...)" (Riot-Sarcey, 1993, p. 35).

    No caso da antropologia, o estudo privilegiado das relaes de parentesco sempreimplicou na importncia da configurao da diviso simblica do feminino e do masculinoenquanto prtica e representaes, diviso sexual do trabalho, configurao de espaosdistintos, imbricao com as concepes cosmolgicas, etc.. exatamente nesse domniodisciplinar que uma "antropologia dos sexos sociais" leva mais tempo para se constituir,

    segundo anlise de Echard, Nicole e Selim, Monique (1991). Trata-se aqui de umaantropologia dos sexos que se constitui num campo de conhecimento onde as categoriassexuais fazem parte de objetos privilegiados como o so as relaes de parentesco e adiviso sexual do trabalho nas sociedades primitivas e nas sociedades rurais.

    A novidade que este campo introduz o peso da colocao em questo da idia de"complementariedade" dos papis e funes entre homens e mulheres, assim como da idiade "assimetria de sexo" contida no fato de que no sistema de alianas so sempre asmulheres as portadoras dos signos da troca e os homens os atores da troca. (Lvi-Strauss).

    Em 1970, Nicole-Claude Mathieu j apresentava crtica aos discursos cientficossociolgicos e etnolgicos em torno das categorias de sexo, em comunicao apresentada a

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    Congresso de Sociologia e publicado na revista Epistmologie Sociologique. Em 1973,apresentava uma exposio no Seminrio EPHE/ Collge de France de C. Lvi-Strauss,

    publicada naRevista L'Homme no mesmo ano. (Ver Mathieu, 1991). A crtica inicial dosdiscursos sociolgicos e etnolgicos das categorias de sexo, desdobra-se na anliseepistemolgica da associao das categorias natureza e mulher versus cultura e homem, to

    correntes na antropologia quanto problemticas. interessante apontar que paralelamente ao desenvolvimento da teoria universal

    da dominao de classe de sexo de Nicole-Claude Mathieu, se dava o desenvolvimento porFranoise Hritier da teoria de uma "valncia diferencial dos sexos" que parece se imporuniversamente e que, tal como a proibio do incesto, fundamento do social e das regrasque o permitem funcionar. (Hritier, 1975, 1981, Hritier-Aug, 1991). Tambm

    paralelamente, em 1976, Godelier afirmava o sexo social como fundamento ltimo daordem social e csmica entre os Baruya, em seguida a artigos aparecidos entre 1970 e1972. Em 1982 publicava livro sobre a dominao masculina Baruya.

    Em 1983, Marie Elizabeth Handman publicava La Violence et la Ruse que ser

    entendida pelas historiadoras (C.R.H., 1986) como uma novidade porque articula cultura epoder e mostra como os espaos femininos e masculinos se constrem numa "relao depoder" e se distancia da noo de complementariedade de Segalen (1980). Em 1985, a obracoletiva "L'Arraisonnement des Femmes", organizada por Mathieu produz o impacto deinstaurar a discusso clara entre uma viso crtica de uma antropologia feminista que no sanalisa as relaes sociais de sexo como dominao, quanto critica a noo do"consentimento das mulheres" expressa por Godelier (1983). Afirma que ceder no consentir, e por a privilegia um olhar que diferencia o ponto de vista do sexo dominante eo do dominado.

    O impacto das interrogaes feministas no campo da antropologia reconhecido edatado por Nicole Echard e Monique Selim (1991) em torno a 1982, ano da criao da

    "ATP Recherches des Femmes, Recherches Fministes". Foram ento iniciados ostrabalhos de pesquisa que deram origem publicao de "L'Arraisonnement des Femmes"e posteriormente a outras publicaes. Em 1991, um nmero dedicado antropologia desexos e ao sexo dos antroplogos se interroga sobre os efeitos da subjetividade doantroplogo do seu pertencimento a um sexo, no saber elaborado a partir do trabalho decampo.

    A viso estruturalista da "valncia diferencial de sexo" e viso da "dominao desexo" parecem coincidir quanto ao seu carter fundante e universal. Mas enquanto a

    primeira viso entende que a construo social e classificatria da diferena de sexo(hierarquizada em benefcio do masculino) integra a razo simblica como elemento

    fundante, a segunda entende que possvel desfazer, ao mesmo tempo, tanto a dominaoquanto a construo social de sexo. De um lado, construo social de sexo e hierarquia souniversais que no se podem transcender, embora variem as modalidades culturais. Deoutro, a construo social de sexo deixar de existir porque no ter sentido no processo desuperao da dominao quando haver acesso indiferenciado do feminino e do masculinoao "neutro".

    As duas vises se distinguem tambm quanto ao reconhecimento ou no do papeldos atores sociais. Entre as teorias que partem da dominao masculina, o ponto de vistafeminista o que introduz a questo do olhar da subjetividade dos dominados, de tal modoque a dominao masculina no se apresente com o efeito de "naturalizao de segundo

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    tipo", que pode ser associado idia de "efeito anestesiante" derivado da imerso domundo das representaes da dominao masculina, nos trmos de Perrot (1994). Acontrovrsia Godelier e Mathieu ("consentir versus ceder") aponta para a interrogaosobre a subjetividade dominada frente ao efeito da dominao. A viso estruturalista daHritier, se universaliza a hierarquia ou assimetria do masculino sobre o feminino, no

    deixa de introduzir a possibilidade de fratura: so diversas as verses e modalidade de umahierarquia simblica se configurar...

    A novidade do impacto do feminismo no campo intelectual francs dos saberesdisciplinares da sociologia, antropologia e histria foi a introduo dos efeitos de um olhardo observador capaz de privilegiar a anlise das posies das mulheres e dos seus pontos devista na reconstruo da totalidade social em anlise. H nfase na reconstruo dos"mundos" masculinos e "femininos" e na categoria de dominao masculina. O debruarsobre a categoria da dominao articulou uma interrogao sobre a categoria desubjetividade. Subjetividade entendida como estrutural, relativa categoria dasubordinao, e no relativa ou articulada categoria da alteridade. Introduziu questessobre a articulao entre cultura e poder no que tange as relaes sociais de sexo. Entre os

    pesquisadores das cincias sociais que dialogam com as questes postas pelo feminismo, colocada em foco a relao entre cultura e poder, atravs da teorizao sobre dominao esubjetividade. A exceo a posio de Franoise Hritier que pensa as relaes entre ofeminino e o masculino a partir da categoria de alteridade.

    Na Frana, so os saberes feministas das disciplinas da psicanlise, da literatura eda filosofia que indagam sobre a subjetividade a partir da reflexo sobre a categoria daalteridade. Por esse tipo de inscrio nos saberes disciplinares, tradicionalmente pensadoscomo mais distantes do "pensamento poltico sobre o social", falar em alteridade se tornaquase sinnimo de falar em ahistoricidade e em reificaes das diferenas sexuais como

    portadoras de "essncias".

    No entanto, no contexto anglo-saxo, especialmente americano, o feminismointroduz a reflexo sobre a subjetividade a partir da categoria da alteridade, no campo dasinterrogaes epistemolgicas pautadas por um ntido "pensamento poltico sobre o social".

    A reflexo sobre as interrogaes produzidas pelo feminismo relativamente subjetividade a partir da categoria da alteridade, dentro do eixo do pensamento poltico dosocial e presentes nos saberes disciplinares da sociologia, antropologia e histria, exige umvo para o outro lado do Atlntico, buscando produzir um dilogo. Correndo o risco defazer um atalho, fao-o para apontar as leituras contrastivas e para encaminhar uma

    proposta analtica.

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    Incurses sobre alteridade e relaes de gnero

    Citada na introduo deste texto, Young (1990) fala na crtica a uma razouniversal em nome de um "pblico heterogneo" composto de grupos sociais diferentesentre si. Entre outras autoras, Code (1993) explicita a categoria de alteridade para chegar ao

    objetivo de lidar inovadoramente com a noo de subjetividade. Segundo ela: "Crticasfeministas da epistemologia e da filosofia da cincia e da cincia social tm demonstradoque os ideais do pensador autnomo - o observador deslocado, desinteressado - e asepistemologias que informam so artefatos de um pequeno, privilegiado grupo de educadose geralmente prsperos, homens brancos. (...) Estas sistemticas excises da alteridade("otherness") atestam uma presumida e desejada crena na estabilidade da ordem social(...)". A incluso deste olhar, at ento outro, que poder, segundo a autora, revelar umaoutra perspectiva, capaz de criticar a primeira concebida enganosamente como universal eneutra em trmos de gnero. Trata-se aqui de uma alteridade e de uma diferena concebidasnuma discursividade poltica distinta dos parmetros dominantes no cenrio francs.

    Um reexame da noo de diferena se faz necessrio para encetarmos a discussosobre a alteridade e a diferena.Para Hritier, ao tratar da diferena de sexos, sempre se fala em uma classificao

    hierrquica. O que a operao lgica mantm da observao do real o princpio dadescontinuidade inscrito na biologia. Assim o sexo representa a marca elementar daalteridade ou da diferena. Como a operao lgico-classificatria sempre valorativa(operaes de classificao, oposio, qualificao e hierarquizao), estabelecer umadiferena opor e comparar dois trmos, de tal modo que h um trmo que referncia

    para o outro. No h assim equivalncia de valor entre eles. A diferena sempre classifica evaloriza.

    Este conceito de diferena o conceito matemtico da diferena: o que difereentre dois nmeros. um conceito quantitativo e comparativo. (Ver, a discusso deAffergan, 1989 e tambm Varikas, 1989, que esto presentes na discusso que fao).

    O conceito estruturalista de alteridade de Lvi-Strauss, construido para falar darelao entre a sociedade ocidental e as sociedades primitivas que se instaura a partir doencontro etnogrfico do antroplogo e dos seus nativos tem por objetivo expulsar toda equalquer idia de diferena. Associar essa alteridade, uma idia de diferena seria fazerdecair o conceito de alteridade que se quer instaurado como equivalente. a figura dadistncia entre as culturas de uns e outros e da nica identidade comum que a do "espritohumano" que permite sustentar a idia de uma alteridade no contaminada pela idiadecaida porque comparativa-valorativa da diferena. A noo de alteridade est a

    sustentada numa distino de qualidade.Quando, ao contrrio, se est dentro de um mesmo sistema simblico

    classificatrio, segundo o pensamento estruturalista, sempre se est tratando com adiferena. preciso estar distante destes sistema para se tratar da alteridade equivalente (ouindiferente) em termos de valor. como se todas as relaes sociais fossem da ordem dovalor com exceo da relao da objetividade da relao etnogrfica.

    Entendo que toda a discusso filosfica atual sobre os conceitos de diferena ealteridade se situam na retomada dessas questes. assim que a nfase no "diferendo" deLyotard e na "differance" de Derrida, mesmo que fraturem (ou desconstruam) a supremacia

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    do um, introduzindo sempre o outro, este outro decaido em relao ao primeiro. um"autre" com "a" minsculo, (como diria Lacan) que sempre funciona como o trao ou alembrana de que o "um" no onipotente diante da Alteridade com "A" maisculo quesempre lhe escapa. Mas o "autre" sempre decaido (valorativamente) em relao ao "um",que o termo de referncia para os dois. Assim, o feminino que introduzido na filosofia

    da "diferena", sempre portador da alteridade. o feminino que representa numa linha demo nica sempre o outro (segundo) para o masculino (o um). Contudo, se este "um"continua presente no pensamento de Derrida, este "um" est irremediavelmente fraturado.Identidades e diferenas se dessubstancializam e do origem a contnuas disseminaes. Hno pensamento de Derrida tanto uma crtica ao phallogocentrismo quanto umadespolitizao da questo social. Privilegia os textos estticos e a literatura e remete osdiscursos da cincias sociais ordem metafsica do um unvoco. (Derrida, 1972, 75, 81, 90e a crtica feito por Zima, 1994).

    O pensamento derrideano no absorvido pelos saberes disciplinares dasociologia, histria e antropologia do campo de estudos de sexo social na Frana, masapenas pela literatura, psicanlise e filosofia. Os primeiros entendem que Derrida contribui

    para manter uma diferena de sexo-gnero pela atribuio de uma posio sempre dealteridade ao feminino, diferena que, ao contrrio, deve vir a desaparecer. Criticam seudiscurso porque expulsa da cena as questes poltico sociais e as questes da dominao.

    Os caminhos de emprstimo intelectual entre os dois lados do Atlntico (VerVarikas, 1993) parecem em geral "tortuosos". A partir dos departamentos de letras e donovos departamentos de "estudos culturais" americanos, o pensamento desconstrucionistade Derrida, as crticas ps-modernistas e o chamado "french feminism" que correspondeexclusivamente ao "feminismo da diferena" chegam aos departamentos americanos decincias sociais, de histria e s reas da psicologia e da psicanlise. Por um outro caminho,especialmente o da antropologia americana interpretativa, que emerge da tradio

    culturalista mas se constitui em uma nova antropologia prxima ao contextofenomenolgico e a uma epistemologia fundada na intersubjetividade, refora-se atendncia dominante da crtica ao discurso ocidental e ao pensamento iluminista. Estaantropologia no propugna a desconstruo mas sim interpretaes. No pretende aceder verdade mas a uma tessitura de significados. (Ver Geertz, 1978 e 1983 e Clifford andMarcus, 1986). Tal como Heiddegger e Derrida, que privilegiam o discurso literrio,

    propugnam a proximidade do discurso antropolgico ao literrio e enfatizam aplurivocidade.

    Esse quadro intelectual est todo inserido num contexto da politizao dasdiferenas. O contexto poltico americano vai "politizar" o discurso de Derrida e inverter o

    sentido da alteridade feminina. O feminino derrideano vai ser valorizado, vai querer setornar o "um" para o masculino, ou ao menos fazer um caminho de mo dupla. A"disseminao" filosfica se transforma na multiplicidade de vozes das mulheres, dasminorias tnicas, isto , das vozes marginais. A utilizao simultnea de Foucault , emgeral a condio e a garantia de politizar e tornar crtica a "desconstruo" dos saberescientficos. A leitura americana de Derrida longe est de ser a mesma leitura francesa.

    De outro lado, h tambm no campo francs uma distorso de recepo da produo dos "gender studies" americanos. Muitas vezes so vistos como colados ao"feminismo francs da diferena" e, portanto como um discurso que evacua o poltico talcomo entendem que Derrida o faz. O carter dominantemente no essencialista, histrico

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    cultural e poltico da idia de "diferena" americana e sua inseparabilidade da idia dedominao, nem sempre pode ser visualizado pois o campo poltico-intelectual francs

    parte de um mal-estar prvio face noo de diferena.A discusso americana est assentada na idia de uma diferena que no se quer

    quantitativa, e aponta para a idia de uma alteridade que seja uma distino posta no

    processo da relao que sempre exige dois e no um. interessante como essa idia proxima da idia levi-straussiana da alteridade possvel entre etngrafo e nativo. Umaalteridade capaz de reconhecer a distncia entre um e outro, pelo prprio fato de se poremem relao e poderem instituir uma suspenso da comparao. H, em Lvi-Strauss, o

    perigo romntico de pensar uma alteridade que se constitui como uma relao entre doisque se distinguem, e que no se classificam comparativamente. H, porm, do outro lado, o

    perigo da evacuao da anlise da idia de alteridade constituida pela relao de dois.Esquecer isso imergir no mundo das representaes onde os atores-sujeitosirremediavelmente no tem peso. S fazem figurao.

    Teoricamente o que proponho no colar o "ato" da classificao e o ato da

    "atribuio de valor". A referencialidade o princpio da idia de alteridade. Assim, se nopode ser pensada como constituda por qualquer essncia, no pode ser pensada apenas a partir do um que pr-define a relao e que torna um dos elementos num elemento"decado". O jogo lgico mais complexo.

    Esquecer ou negar a visibilidade da relao e dos olhares situados imaginar omundo como um quadro pictrico, sem sujeitos, a imerso total no mundo da representaoclassificatria onde a diferena ser sempre reduzida ao mais e ao menos. A alteridade(conceito no quantitativo) constituida na relao, ou seja, toda relao entre um e outroconstitui uma relao de alteridade, onde desde o incio, existem dois e no um. Nunca noincio da relao social existiu um, mas dois, em que cada um o outro do um. No hassim a possibilidade de reduzir o conceito de alteridade diferena em que um termo

    sempre "decaido". A alteridade que se constitui na relao remete sempre qualidadedistinta e reversvel de um a outro e de outro a um. Trata de uma distino da ordem daqualidade e no da quantidade e no remete a qualquer essncia, mas sim instauraomesma da relao. Entre dois, h identidade e alteridade. Postas sempre em historicidade.

    Assim se nas construes sociais dos gneros femininos, sempre se puderam tecersignificados de diferena e dominao da ordem simblica do um, sempre se puderam tecersignificados de alteridade da ordem das relaes que se instituem, irredutveis hierarquiae a dominao porque sempre postas no mundo da historicidade. A idia lvi-straussiana deum mundo de alteridades transparentes para o etngrafo, pelo que venho expondo, claro,deve ser criticada. O que dele retenho a idia de que a alteridade no se reduz

    classificao hierrquica nem dominao.Em dilogo com o "campo francs de sexo social" entendo que se deveria ou sepoderia reexaminar a evacuao da idia de relaes de alteridade em nome das relaes dedominao. Ao contrrio, creio que toda relao de dominao deve ser pensada como sefazendo numa relao que no se esgota na dominao (esta sim predominantemente numsentido), porque sempre tambm uma relao de alteridade "de duas mos" (mo dupla).Alteridades jamais essencialistas, porque exclusivamente referenciais e relacionais emtrmos recprocos. Os processos de dominao, diferenciao e identificao passam a

    poderem ser sempre vistos na sua historicidade, isso , esses processos so caracterizadosassim pela sua dimenso presente de incompletude: a dominao jamais completa porque

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    sempre precisa ser refeita porque sempre posta em questo. H algo na relao dealteridade que no se sujeita ou se reduz dominao.

    "A diferena, ns vimos, uma simples associao entre o diferenciado e odiferenciante, no seio da qual este rompe em seu favor a igualdade de direito que constituiasua legitimidade. A diferena termina por se absorver numa desigualdade de direito e de

    fato pelo estratagema da comparao. A alteridade em revanche uma dissociao. O outro para si mesmo sua prpria identidade e sua prpria alteridade. Enquanto exota, ela nosomente irredutvel a mim, mas tambm a si mesmo". (...) A cultura no de uma s vezidentidade, mas identificao, logo, tentativa, sempre posta em marcha e sempre abortada,de associar e de fazer corresponder modos de existncia s aparies humanas. por issoque no se pode fazer economia da identidade do antroplogo". (Franois Affergan, 1987).

    No dizer da filsofa e historiadora francesa Fraisse (1990), "os sexos sosemelhantes e diferentes. (...) A identidade dos sexos e sua diferena foram pensadas emfuno uma da outra. Esta mtua dependncia poderia ser o ponto de partida de umtrabalho filosfico".

    A alternativa entre a identidade e a diferena esto sempre baseadas nopensamento utpico e na sua forma de adequao a uma estratgia poltica. No se tratamde verdades alternativas. A sua colocao como alternativas, quando so as duasafirmaes vlidas em algum nvel lgico, o problema a ser tomado como objeto dotrabalho analtico. nesse sentido que proponho repensar a idia das relaes de alteridade,no como se estivessem na contra-mo dos estudos sobre a dominao de gnero, mascomo capaz de fecund-lo porque permite no reduzir (ou colar irremediavelmente) oentendimento das relaes de gnero como relaes de dominao. Entendo que somentefugindo deste reducionismo, que se pode pensar radicalmente a historicidade das relaesde dominao porque no se conceberia qualquer dominao logicamente eternizvel pelosimples fato de se enunciar uma diferena de sexos. A universalidade das relaes de

    gnero s estaria contida em um qualquer nvel de elaborao simblica relativa identidade e diferena entre os sexos.

    Acredito estar me aproximando tambm da preocupao de Rancire (1992) deuma teoria dos olhares (regards) e no das representaes, de uma viso de dominao queno tenha o efeito, ao ser descrita de "anestesiar" o leitor. busca de uma teoria da falasobre uma dominao que no tenha o efeito anestesiante da prpria designao dadominao. Um mundo dos olhares situados (regards) e no da imerso exclusiva nasrepresentaes.

    Na reflexo de Perrot que se segue publicao da obra e aos debates coletivos, aautora privilegia a discusso em torno da crtica de Rancire "captura pela imagem e pela

    noo de representao comum e do combate pela visibilidade, uma histria dos olhares eno das representaes" (Rancire, 1992, p. 57 e 61). Perrot entende que seja possvel que aconscincia do peso do simblico, das representaes e da longa durao dos sistemas devalores que fundam uma dominao masculina, possa ter tido um efeito anestesiante.Contudo, vejamos como explicita a direo do sentido da obra. "Ns (Genevive Fraise eeu) partilhvamos a mesma preocupao: mostrar o que faz a modernidade do sculo XIXque no somente um sculo sombrio de enclausuramento e de tutelagem das mulheres,mas o de seu acesso difcil, tenso, certo, liberdade. Sculo contraditrio que empurra omais longe possvel a diviso das esferas (o pblico, o privado) e a diviso dos sexos, masao mesmos tempo cria as possibilidades de acesso das mulheres a um estatuto de sujeito, ou

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    seja de cidad." (Perrot, 1994, p.49).Uma histria das representaes masculinas, fez e faz parte tambm de uma

    histria dos olhares situados, enquanto capazes de focalizar tais representaes sem comelas se confundirem. Assim, no meu entender, a crtica a um estudo das representaes, aanlise de imagens, etc., um falso problema. O problema crucial apontado por Rancire,

    ao menos, do modo como o entendo, metodolgica. Ou bem estamos inscritos cegamenteno mundo das representaes e somos por elas capturados ou o sujeito sempre situado esempre se situa, de tal modo que no somos sujeitos desencarnados, mas que estamossempre obrigados a olhar e nos situar. A questo metodolgica no se impedir de fazerum estudo das imagens pictricas ou dos textos literrios. O problema fazer da imagem

    pictrica a metfora ou o emblema da imagem da sociedade.O efeito de "anestesiamento" ou o efeito de uma "captura pela imagem" apontam

    para o que chamo de efeito de "naturalizao de segundo tipo" to presente nos dizeres dossaberes tradicionais das cincias sociais. Contra o qual, construiu-se um pensamentoterico feminista e, a partir deste, um campo intelectual de estudos de gnero se construiu

    na "cit scientifique". a interrogao a este "anestesiamento" e no este "anestesiamento"da subjetividade do autor(a) diante da dominao nas relaes de gnero, que a empresados estudos de gnero e das mulheres se situa. A forma privilegiada de tratar da questo dasubjetividade e do sujeito, a de uma subjetividade em situao. Mas a tenso est a

    presente.Considerando o impacto do feminismo nos saberes disciplinares das cincias

    sociais e da histria, entendo assim que a sua posio no agonstica. Entend-la comoagonstica seria considerar que seu militantismo introduziria a "impureza" ou a "poluio"no meio da pesquisa ortodoxa e "pura", acabando por subvert-la ou por submeter-se. Nosubverte o campo universitrio e, portanto, no o normaliza, e nem por ele normalizado.

    No revoluciona, mas introduz a consentaneidade de um certo grau de lucidez obrigatria.

    A perspectiva feminista introduz e exige a construo do objeto a partir de umolhar situado. Seja situado a partir de um "olhar da mulher", de "olhares de mltiplasmulheres nas suas diferenas de raa, cultura e opo sexual", a partir do "olhar feminino"ou a partir dos "mltiplos olhares femininos". Como o feminino na cultura cientficatradicional jamais foi constitudo como o paradigma do neutro, o sujeito que se dizmetodologicamente feminino e/ou feminista jamais passar por uma fala neutra, no

    podendo repetir o feito da viso masculina que propicia o contnuo deslizamento entremasculino e neutro. A sua mera introduo produz uma impossibilidade de alar o gnerodo cientista a paradigma da humanidade. Est interditada a identidade entre o "criador-cientista" e o "objeto criado-realidade reconstruda". Na discursividade dominante da

    cincia, a humanidade no pode ser lida pelo paradigma do feminino, isto , pelo acesso privilegiado do feminino ao neutro. O sujeito feminista por estar em contraponto com adiscursividade dominante de gnero faz situar tanto o neutro como o masculino comodiferentes dele mesmo e descolados entre eles. Se o feminismo no constri uma novadiscursividade cientfica, essa discursividade j no mais a mesma, pois no seu interior,no campo intelectual que toma o feminismo como interlocutor, a sua interrogao est

    presente. J est alterada. No seu interior, j foi revelado o descolamento possvel entremasculino e neutro.

    O pensamento utpico de uma outra ordem nas relaes de gnero tem por efeitoa luta contra a "naturalizao de segundo tipo" que todo conhecimento das "cincias

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    sociais" tende a construir e que s pode escapar se tratar dele como problema. Porque sepergunta pelo saber que se diz neutro em relao ao gnero, e revela a sua parcialidade, norevela uma qualquer "suposta e nica verdade sobre a construo social dos sexos"; revelasuas verses e contra-verses. O pensamento utpico feminista se contrape "retricaencantatria" dessa "antiga verdade das cincias sociais".

    As estratgias de consolidao das perspectivas feministas no interior de cadacenrio poltico e cada saber disciplinar so distintas. No campo americano, anuncia-secom muito mais fora a produo de uma nova forma de fazer cincia, de uma novaepistemologia, ou de epistemologias e cincias no plural. No campo francs, anunciam-senovas temticas e novas perspectivas de anlise dentro dos saberes disciplinares einterdisciplinares. Novas reflexes na filosofia, mas no novas epistemologias ou novasformas de fazer cincia.

    Enquanto dominao e subjetividade ganham terreno nas cincias sociais e nahistria francesas, a politizao das diferenas nos Estados Unidos introduz com fora acategoria da alteridade articulada da subjetividade, revisitando-a.

    No Brasil, h no imaginrio do cenrio poltico, o simultneo elogio de um Brasilnico, diferenciado "apenas" pelas classes e o elogio de um Brasil plural constitudo pordiversidades de culturas. Um Brasil que d lugar tanto manuteno das diversidadesculturais como v com bons olhos o esquecimento das origens e a total integrao. UmBrasil que no se quer racista, mas que considera "natural" que as diferenas de classeclassifiquem as raas. Um pas que permite na legislao a quase vanguarda dasreivindicaes de gnero, tanto em prol da igualdade de gnero, quanto das especificidadesda situao das mulheres, mas que considera "natural" no oferecer condies deconcretiz-las. "Naturalizao das desigualdades de classes" e simultneo "elogio dasdiversidades" e da "unidade brasileira"... Os pontos de vista femininos e feministas

    parecem poder ser incorporados como no perigosos desde que a prioridade seja o

    pertencimento a uma cultura e viso mais englobadora como a de ser brasileiro ou lutar poruma poltica social geral...

    So apenas idias rapidamente traadas para apontar que o cenrio poltico brasileiro pode apresentar traos que do lugar quase importao das linguagens dosmovimentos das minorias americanas, com nfase nas diversidades culturais, apontando

    para uma utopia do pluralismo cultural. Tambm do lugar incorporao das linguagensdos movimentos polticos de ntida conotao de desigualdade social, baseados em

    princpios pensados como universais, onde a questo da dominao de classe impera.Articular as idias de dominao e de alteridade estariam assim possivelmente

    sendo inspiradas por essa representao do imaginrio poltico dominante do cenrio

    brasileiro. No se trataria de incorporar acriticamente uma ou outra inspirao terica.Poder-se-ia no Brasil, como proponho, trabalhar refletidamente com essas categorias parapoder pensar a dupla leitura das diferenas sociais no Brasil e das diferenas de gnero. Aidia de igualdade no estaria colada a uma identidade uniforme. Igualdade e diferenasno seriam antinmicas no cenrio poltico brasileiro, muito embora as diferenas s

    pudessem ser nomeadas positivamente para as mulheres na enunciao dos seus direitos eencompassadas pela afirmao da igualdade poltica.

    Se o impacto dos feminismos nos campos intelectuais referidos traduziu-se na produo do conhecimento terico dos saberes disciplinares, preciso lembrar que osrumos futuros dos efeitos dos discursos feministas no campo intelectual dependem no s

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    dos processos internos relativos a seu grau de autonomia relativa do campo, mas muito dosrumos polticos dos movimentos de mulheres e dos rumos das polticas sociais nacionais emundiais sobre a situao das mulheres e sobre as diferenas culturais.

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