campesinato, capital industrial e as disputas no …
TRANSCRIPT
CAMPESINATO, CAPITAL INDUSTRIAL E AS DISPUTAS NO
ESPAÇO AGRÁRIO DA MESORREGIÃO OESTE PARANAENSE
Edson Luiz Zanchetti da Luz 1
Djoni Roos 2
RESUMO
O presente trabalho considera a resistência da classe camponesa frente ao desenvolvimento do
capitalismo no campo, que pela sua lógica, contraditória e desigual, cria e mantém relações não-
capitalistas de produção. O exemplo desse tipo de relação que tratamos neste trabalho é a que
ocorre por meio da produção integrada de aves de corte, em que a cooperativa Copagril,
representante do capital industrial, subordina a renda do camponês avicultor presente na
mesorregião Oeste do Paraná. O objetivo desta pesquisa é investigar quais são os mecanismos
materiais e imateriais que contribuem para a manutenção do controle do território e, para tanto,
trouxemos para análise um dos projetos educacionais do agronegócio existentes em nossa região
de estudo. Os dados e as informações foram buscados junto aos órgãos governamentais, nos
relatórios e informativos da cooperativa estudada, sendo também utilizadas fontes primárias, por
meio de pesquisa de campo realizada junto aos camponeses avicultores. Os resultados
demonstraram de que maneira o avanço do capital sobre a terra determina os movimentos do
camponês no espaço. E de que modo ocorre a sustentação do território através dos projetos
educacionais do agronegócio atuantes no Oeste paranaense.
Palavras-chave: Avicultura, Camponês, Ideologia, Produção integrada.
RESUMEN
Este trabajo considera la resistencia de la clase campesina ante el desarrollo del capitalismo en el
campo, el cual, a través de su lógica contradictoria y desigual, crea y mantiene relaciones de
producción no capitalistas. El ejemplo de este tipo de relación que tratamos en este trabajo es el
que se da a través de la producción integrada de pollos de engorde, en que la cooperativa Copagril,
representante del capital industrial, subordina los ingresos del campesino avicultor presente en la
mesorregião Oeste del Paraná. El propósito de esta investigación es investigar qué mecanismos
materiales e inmateriales que contribuyen al mantenimiento del control sobre el territorio, de esta
manera llevamos al análisis uno de los proyectos educativos agroindustriales existentes en nuestra
región de estudio. Se buscaron datos y información de agencias gubernamentales, en informes y
boletines de la cooperativa estudiada, utilizando también fuentes primarias a través de
investigaciones de campo realizadas con los campesinos avicultores. Los resultados mostraron
cómo el avance del capital sobre la tierra determina los movimientos campesinos en el espacio.
Y cómo el apoyo del territorio se da a través de los proyectos educativos da agroindustria que
operan en el Oeste paranaense.
Palabras clave: Avicultura, Campesino, Ideologia, Producción integrada.
1 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Geografia, Universidade Estadual do Oeste do Paraná –
UNIOESTE, campus de Mal. Cândido Rondon/PR. E-mail: [email protected] 2 Docente do Programa de Pós-Graduação em Geografia, Universidade Estadual do Oeste do Paraná –
UNIOESTE, campus de Mal. Cândido Rondon/PR. E-mail:[email protected]
O presente trabalho conta financiamento (bolsa) da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior – Brasil (CAPES)
INTRODUÇÃO
O presente trabalho resulta de reflexões obtidas no processo de construção da
dissertação, em que buscamos compreender de que maneira se dá o controle territorial
por meio da ideologia. Como recorte espacial, apresentamos a mesorregião Oeste do
Paraná e, considerando a multidimensionalidade do espaço, nos propomos a analisar os
mecanismos materiais e imateriais que contribuíram para a subordinação do campesinato
ao capital industrial.
Este estudo está dividido em três partes: inicialmente, no referencial teórico,
reafirma-se a permanência do campesinato na atualidade e analisa-se de que maneira essa
relação é recriada pelo capitalismo. Na segunda parte, apresenta-se como resultado da
pesquisa uma leitura sobre o modo pelo qual o capital monopolizou o território da
mesorregião Oeste paranaense. Por fim, a conclusão do trabalho é destinada à análise de
um dos mecanismos utilizados pelo capital industrial na manutenção do controle
territorial.
METODOLOGIA
O presente trabalho direciona-se por meio da compreensão de que o capital, ao se
expandir sobre o campo, pode territorializar-se ou monopolizar o território (OLIVEIRA,
2001). Parte-se do pressuposto de que este segundo processo ocorreu de modo
significativo em nossa região, onde o capital dominou o circuito produtivo, no entanto,
sem desterritorializar a totalidade da classe camponesa, mantendo-a subordinada ao
capital industrial.
Como conceito-chave, tem-se o território, entendendo que o este não é uno, não
se refere apenas a espaços delimitados fisicamente, produto final e estático, mas
sobretudo, a compreensão do conceito de território é tida a partir das relações de poder,
sendo ele o produto concreto das lutas de classes (ROOS, 2015).
Buscando compreender os processos e as relações que constituem o espaço agrário
da mesorregião Oeste paranaense, adotou-se como procedimento metodológico o
levantamento bibliográfico, compreendendo o estudo de temas como questão agrária,
campesinato, luta de classes e ideologia, organização política e coletiva dos camponeses,
modo de produção capitalista, renda da terra e avanço do capitalismo no campo. Também
foi realizada a coleta de informações e dados junto a diversas entidades e organizações,
como sindicatos, associações, órgãos públicos, indústrias avícolas, entre outros.
REFERENCIAL TEÓRICO
O espaço agrário brasileiro é marcado por profundas desigualdades e contrastes.
Assim, a compreensão do processo de expansão desigual e contraditória das relações
capitalistas é de fundamental importância para a interpretação da questão agrária
brasileira (MARTINS, 1981; OLIVEIRA, 1996). A reprodução das relações capitalistas
a partir da subordinação de relações não-capitalistas de produção é fruto deste processo
de expansão, e é nesse contexto que está inserida a produção de frangos de corte, realizada
geralmente em pequenas propriedades rurais, através da utilização do trabalho familiar
camponês e da subjugação da renda da terra camponesa para as camadas capitalistas.
Na mesorregião Oeste paranaense, o processo de subordinação camponesa ocorre
de maneira significativa. A estrutura fundiária, formada em grande parte por pequenas e
médias propriedades que remontam o processo de colonização, indica a permanência e a
recriação de parcela do campesinato no espaço rural. Porém, trata-se de uma reprodução
contraditória, pois está subordinada às empresas capitalistas.
A recriação de parcela da classe camponesa pelo capital, bem como a reprodução
capitalista através de relações não-capitalistas, são interpretações da realidade do campo
brasileiro que partem da corrente de pensamento “campesinista” (CAMACHO, 2013),
que compreende que o desenvolvimento do capitalismo se assenta também em relações
sociais não tipicamente capitalistas.
Martins (1981) e Oliveira (1996) interpretam o campo brasileiro considerando o
desenvolvimento desigual e contraditório do capitalismo. Assim, compreendem os
camponeses como integrantes do todo que compõe o sistema capitalista, ou seja, se fazem
presentes e resistem a partir das contradições do próprio capitalismo. Ao mesmo tempo
que em certos locais os camponeses são expulsos e expropriados de suas terras, em outros
locais são criadas condições para que eles possam se reproduzir de forma subordinada.
Tais interpretações sobre o campesinato divergem das concepções ligadas a uma linha
mais ortodoxa do marxismo, a corrente “proletarista”, que apontava para o inevitável
desaparecimento do camponês.
Autores como Kautsky (1972) e Lênin (1980) entendem o campesinato como uma
relação “pré-capitalista” de produção que deveria desaparecer com o desenvolvimento
das forças produtivas. O fato de somente a grande propriedade rural apresentar as
melhores condições de absorver e implementar as mudanças advindas do progresso
técnico, como novos maquinários, insumos e divisão social do trabalho, fatalmente
causaria o fim das pequenas propriedades, que seriam absorvidas por estes novos
empreendimentos capitalistas, e os camponeses – por sua vez – se tornariam proletários
rurais (ROOS, 2015).
O campesinato era visto como um tipo de relação que mascarava o antagonismo
entre capital e trabalho, desta forma, o fim do campesinato desnudaria a contradição
fundamental do capitalismo e ajudaria a combatê-lo. Assim, a anunciada decomposição
dos camponeses em patrões e proletários era uma questão necessária para possibilitar o
processo revolucionário que, neste entendimento, dependeria do claro antagonismo de
classes. Portanto, a ampliação e a expansão do capitalismo levariam ao aumento da
capacidade revolucionária da sociedade (ROOS, 2015).
Caminhando para um debate atual, e diante da permanência de pequenas
propriedades com trabalho familiar, mesmo com o pleno desenvolvimento do capitalismo
no setor agrário, surgem outros entendimentos acerca do campesinato. Dentre as correntes
mais difundidas, está a que relaciona a permanência da agricultura familiar no campo,
condicionada à transformação em empresa familiar rural, pois desta maneira estariam
aptos à adoção de novas tecnologias e adaptados ao mercado, ou seja, os camponeses
sofreriam uma metamorfose, tornando-se então agricultores profissionais, e aquilo que
era um modo de vida passaria a ser uma profissão, uma nova forma de trabalho
(ABRAMOVAY, 1998).
Esse pensamento é norteado pelo paradigma do capitalismo agrário, o qual entende
que as desigualdades geradas pelas relações capitalistas são um problema conjuntural e
podem ser eliminados por meio de políticas que possibilitem a integração do campesinato
ou do agricultor de base familiar ao mercado capitalista. Nesta lógica, campesinato e
capital compõem o mesmo modelo de desenvolvimento, fazendo parte de uma totalidade
(sociedade capitalista) que não os diferencia, porque a luta de classes não é elemento deste
paradigma (FERNANDES, 2013).
Tal visão que concebe o campo brasileiro em estado de harmonia, hoje é
majoritária, e muito disso se deve ao intenso e contínuo trabalho de formação ideológica
que transforma as ideias da classe dominante em verdades para toda sociedade. Essa
construção ideológica ganhou impulso com a “Revolução Verde”, que sob o pretexto de
aumentar a produção de alimentos, pregava levar a “modernidade” para o campo. É nesse
contexto que o capital industrial integrado à produção agropecuária se consolida em todo
país.
Diante disso, buscaremos, por meio deste trabalho, contribuir para desvelar essa
aparente harmonia, nos apoiando em autores como Martins (1981), Oliveira (2005),
Shanin (2008), entre outros. Iremos a contrapelo da visão positivista que não visualiza as
desigualdades presentes no campo e que, não observando as contradições do modo de
produção capitalista, também não vislumbra a permanência da classe camponesa presente
na sociedade atual.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A apropriação territorial da mesorregião Oeste do Paraná consistiu na
reconstrução do espaço das antigas colônias de imigrantes europeus no Rio Grande do
Sul e Santa Catarina, revelando a necessidade que o Capital tem de fazer coexistir espaços
e tempos desiguais e combinados, a convivência do “velho” e do “novo”, das antigas
relações de trabalho com as modernas formas de acumulação. Esses são elementos que,
conforme Graziano Silva (1981), revelam a debilidade das transformações capitalistas na
agricultura brasileira, não que este modo de produção não seja dominante, mas essa
combinação do “atrasado” com o “moderno” se configura como a característica do
desenvolvimento capitalista neste espaço.
A apropriação ou a ocupação atual do Oeste do Paraná passa, sem dúvida, também
pela atuação do Estado, mas muito mais como facilitador dos agentes privados que
atuaram e lucraram com a “colonização” da região, do que como um organizador do
território.
A ocupação e construção do espaço agrário dos municípios que hoje compõem a
mesorregião Oeste paranaense ocorreram de maneira muito similar, por meio da atuação
de empresas colonizadoras. A estrutura fundiária desse espaço é reflexo desse padrão de
ocupação.
O historiador Valdir Gregory (2002) aponta dois elementos que de acordo com
ele contribuíram de maneira particular para a “colonização” do Oeste do Paraná: a crise
mundial de 1929, que trouxe incertezas para as companhias estrangeiras que operavam
no Oeste do estado, e o excedente populacional nas velhas colônias de imigrantes
europeus do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina.
Analisando esses dois elementos, percebe-se que o primeiro é decorrente de uma
crise mundial no período entre guerras, fazendo com que as empresas que atuavam nessa
região paralisassem as operações ou falissem por completo. Este primeiro fator fez
despertar o interesse dos empresários nacionais na região, já o segundo decorre dos
excedentes populacionais das antigas colônias de imigrantes, ou seja, mais ao Sul, na
região onde estes camponeses já estavam instalados, não havia mais terras disponíveis ou
o preço a pagar por elas era alto demais, desta forma, a possibilidade de terras novas em
uma nova colônia se tornava interessante.
Há de se ressaltar as ponderações trazidas por Minsky (2002), de que para a
concretização da apropriação desse território houve a construção de um discurso
carregado de significados, que tratava o Oeste do Paraná como um “sertão”, uma terra a
ser desbravada. De acordo com o historiador, essa construção ideológica se fez
necessária:
Para garantir a posse política econômica da região de fronteira, como
para escamotear uma realidade contrária aos ‘interesses nacionais’ do
Estado Novo e de ‘eliminar’ da história as populações indígenas, os
posseiros e empresas paraguaias e argentinas que exploravam as terras
localizadas dentro da Faixa de Fronteira até o final da década de 1930
(MINSKY, 2002, p. 142).
Esse discurso de “ocupar os sertões” do Brasil foi posto em prática a partir do
Governo de Getúlio Vargas, momento em que se deu início a política da “Marcha para o
Oeste”. Para a consecução dos planos das empresas colonizadoras, esse espaço físico –
de fato – precisaria estar “limpo”. A expulsão dos posseiros, e também de indígenas,
envolvendo ou não o seu extermínio, foi o que passou a ser chamado de “limpeza da área”
(SERRA, 2019), um processo extremante violento da história paranaense que eliminou
ou deslocou para outros estados e países as populações que aqui viviam.
Neste contexto é que se insere a afirmação de Martins (1981), quando este nos
fala que tanto o deslocamento do posseiro quanto o deslocamento do pequeno proprietário
são determinados, fundamentalmente, pelo avanço do capital sobre a terra. Na
mesorregião Oeste do Paraná, o capital nessa quadra histórica é representado pelas
empresas exploradoras de madeira e colonizadoras que atuaram nessa região.
Myskiw (2002) escreve em sua dissertação sobre os conflitos de terra no Oeste
paranaense, em que muitas empresas colonizadoras utilizaram os camponeses posseiros
na extração da madeira de maior valor comercial, abrindo as primeiras estradas e
preparando a infraestrutura para os camponeses-propietários. Após os trabalhos
prestados, estes sujeitos – pessoas “sem origem” – passaram a se tornar um empecilho
frente aos projetos de colonização.
A esse respeito, Gregory (2002), que estudou as migrações no Oeste do Paraná,
destaca que os trabalhadores remanescentes do processo inicial se tornaram empecilhos
para as empresas colonizadoras. “[...] pois os euro-brasileiros tinham restrições em
participar da colonização de áreas onde havia presença de pessoas ‘sem origem’. Dessa
forma, a questão étnica se confundia com interesses econômicos das empresas
madeireiras e colonizadoras” (2002 p. 93).
Quando Gregory (2002) afirma que a questão étnica se confundia com os
interesses econômicos das empresas colonizadoras, não era só pelo gosto pessoal aos
“eurobrasileiros”, ou pelo preconceito racial em relação aos posseiros, mas é também
devido ao fato de que os “colonos” do Sul já demonstravam maior enquadramento à ética
capitalista do trabalho como uma virtude (eram mais “pacatos”), e muitos deles já traziam
conhecimento acerca do trabalho integrado ao capital industrial3.
Ao aproximarmos nossa escala de observação, detendo-se à especificidade dos
sujeitos escolhidos para ocuparem esses projetos de colonização e à forma como foi
planejada a organização desse espaço, ver-se-á outra conjunção de elementos que levaram
à escolha específica dos camponeses proprietários das antigas colônias do Sul.
O primeiro ponto é o padrão do tamanho das áreas de terras de até 24 hectares4,
que se encaixava nas condições dos “colonos”, mas sobretudo, era o modo de aumentar
o lucro das empresas colonizadoras de maneira imediata. Basear a colonização na
pequena propriedade contribuiria para um rápido e denso povoamento, e serviria também
como propaganda: mostraria a qualidade da colônia e aumentaria a lucratividade da
colonizadora (GREGORY, 2002).
O ponto sobre a dimensão das propriedades e a organização dos lotes, que buscava
reeditar o modelo do antigo espaço encontrado no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina,
3 Um exemplo deste trabalho integrado ao capital industrial é tratado por José Vicente Tavares dos Santos
no livro Os Colonos do Vinho (1978).
4 Conforme a Lei nº 8.629/1993, a definição de pequena propriedade refere-se ao imóvel de área
compreendida entre 1 e 4 módulos fiscais. Nos municípios em questão, o módulo fiscal equivale a 18
hectares.
mostra que se mirava na classe camponesa, conforme o governador do Paraná na década
de 1950, porque “[...] a pequena propriedade e o trabalho agrícola de família, não
assalariado, determinam uma estabilidade econômica e social” (ROCHA NETO apud
MINSK, 2002, p. 69).
Sobretudo, buscavam-se camponeses justamente pela mão de obra familiar,
devido à baixa capitalização e à necessidade de vender seus produtos logo após a colheita,
não tendo condições de barganhar melhor preço e, novamente, possibilitando maior lucro
às empresas agrícolas. Esse era o significado da estabilidade econômica, já a estabilidade
social se dava em função do compromisso assumido pelos camponeses e das longas
parcelas que haviam de pagar pela terra. A condição de proprietários que os camponeses
das antigas colônias do Sul detinham é o que os tornava aptos a realizarem o parcelamento
das novas propriedades. A escolha por estes sujeitos se dá, sobretudo, pelo acesso ao
crédito bancário, assim, o cativeiro do trabalho familiar, neste caso, passa a ser mediado
pelos bancos.
Até a década de 1960, a região já se encontrava plenamente ocupada e os
principais municípios já haviam se emancipado politicamente. Em termos econômicos,
Mesquita e Silva (1970), em artigo publicado na Revista Brasileira de Geografia (RGB),
realizaram um estudo, por meio da geografia quantitativa, identificando as regiões
agrícolas do Paraná, o qual indica que a produção agrícola do Oeste do estado era
diversificada, típicos das regiões de policultura colonial onde a produção de milho se
destacava devido à suinocultura.
Neste mesmo artigo, as autoras constatam que:
Nestas regiões de colonização recente, a crescente importância
comercial da lavoura e da suinocultura não tem sido acompanhada,
entretanto, do emprego de técnicas mais evoluídas na atividade
agrícola, subsistindo, ainda, práticas agrícolas de rotação de terras
(MESQUITA; SILVA, 1970, p. 35).
A ênfase dada ao não uso das “técnicas mais evoluídas” na atividade agrícola
demonstra que a preocupação e os esforços dos órgãos de pesquisa governamentais
subsidiados pelo pensamento acadêmico estavam em viabilizar a implementação de um
pacote tecnológico “moderno”. Essa compreensão dicotômica entre o “velho” e o “novo”,
o “atrasado e “moderno”, é a que vai comandar a política econômica e agrícola do Paraná
com grande ênfase no Oeste do estado.
Décadas mais tarde, em artigo também publicado pela RGB, Adma Figueiredo faz
uma análise dos descaminhos da política econômica aplicada na década de 1970. Segundo
a autora, a transformação agrícola do Oeste do Paraná resume o projeto de modernização
induzida pelo Estado na década de 1970, em que o crédito subsidiado era a alavanca da
modernização agrícola. Apenas na região Oeste se concentrou 67,5% do número de
produtores que ingressaram no sistema de crédito em todo o Paraná entre 1970 e 1975,
detendo o maior volume do crédito rural em todo o país, isto é, 2,8% do montante total
destinado ao campo em 1980 (FIGUEIREDO, 1992).
Apesar do grande montante de créditos destinado ao Oeste do estado, essa política
econômica não foi exclusiva do Paraná. No período pós-golpe de 1964, o Brasil – como
um todo – teve uma ampla oferta de créditos que se deu no contexto da “Revolução
Verde”. Como aponta Chã (2018), uma das condições impostas aos agricultores para a
liberação de financiamentos bancários era a adoção do pacote tecnológico que
preconizava a utilização de fertilizantes, agrotóxicos e o plantio mecanizado em larga
escala.
Paulino (2007) acrescenta que as políticas disseminadoras da “Revolução Verde”
contaram com um aporte de recursos públicos sem precedentes, buscando implementar
um paradigma empresarial na agricultura e que, diante do montante ofertado e da falta de
controle na aplicação, houve inumeráveis desvios e grande parte destes recursos foram
transferidos para aplicações financeiras e ampliação de bens patrimoniais.
Ainda sobre a oferta de créditos, Graziano (1985) afirma que a maior parte destes
incentivos se acumularam nas grandes propriedades, não chegando a atingir as pequenas
unidades agrícolas que produzem os alimentos de primeira necessidade, o que inclusive
aumentou a disparidade de renda no campo.
Nota-se que o crédito rural foi um dos instrumentos utilizados pelo Estado
brasileiro na realização dessa “modernização” induzida, mas não foi um mecanismo
isolado, compunha um elemento do pacote da Revolução Verde. Figueiredo (1992)
assinala outro elemento que cumpriu grande importância para a tarefa de “modernização”
na agricultura, que foram os órgãos de assistência oficial ou privada.
A conjugação, em uma só instituição, desses dois canais de alteração
das técnicas de produção – crédito rural e assistência técnica – realizou-
se pela consolidação do sistema cooperativista, que, em sua crescente
ampliação e diversificação de funções, incluiu a de repassar o crédito e
a de prestar assistência técnica a seus associados, sendo responsável,
portanto, pela transmissão das novas técnicas principalmente nas áreas
de predomínio da pequena produção (FIGUEIREDO, 1992 p. 95).
E dessa forma, como a região Oeste do Paraná era uma das áreas de predomínio
de pequena produção de base familiar camponesa, as cooperativas tiveram papel
fundamental no processo de intermediação do crédito agrícola e implementação deste
novo modelo de agricultura. Este é o caso de grande parte das cooperativas presentes na
Mesorregião Oeste, como a Copacol, a Coopavel, a Lar, a C.Vale e a Copagril, fundadas
entre as décadas de 1960 e 1970, que num primeiro momento, atuaram principalmente
com infraestrutura e assistência técnica para a difusão do plantio de culturas “modernas”,
como a soja e milho (BELUSSO, 2010).
Maria Rita Loureiro (1981) já advertia sobre o papel das cooperativas como
instrumento de modernização da agricultura e, ao fazer uma análise da Lei n.º 5.764, de
dezembro de 1971, revelou a estreita ligação entre o Estado e a expansão do capitalismo
no campo. A autora é enfática ao afirmar que a lei que define a política nacional de
cooperativismo, na verdade serviu para eliminar os obstáculos que impediriam as
cooperativas de operarem como qualquer outro tipo de empreendimento capitalista.
Agindo como empresas capitalistas, mas transvestidas de cooperativas, esses
empreendimentos contribuíram para a transformação do modelo agrícola e para a
intensificação da transferência da renda camponesa para o capital industrial na
mesorregião Oeste do Paraná. Nesse sentido, a atuação da cooperativa Copagril em
Marechal Cândido Rondon –PR é exemplar para o entendimento deste processo.
A Cooperativa Agroindustrial Copagril, que em nosso estudo representa o capital
industrial presente nesta região do estado, foi fundada em outubro de 1970, mas já eram
reveladoras as movimentações que ocorriam nos anos anteriores. Conforme aponta Storti
(2010), as instituições que discutiam a criação de uma cooperativa neste espaço eram o
Sindicato Rural Patronal em parceria com a Associação de Crédito e Assistência Rural
do Paraná (ACARPA) e a prefeitura municipal. Quando os representantes da elite agrária
se reúnem com os empresários locais, isso indica que o interesse do empreendimento não
é a busca por melhores condições no campo, mas sim a busca pelos lucros.
Conforme o seu último relatório, a Copagril obteve um faturamento de mais 2,5
bilhões de reais no ano de 2020, sendo que a maior fatia deste montante – 27,6% – foi
obtida por meio da unidade de aves (COPAGRIL, 2020). Esse grande faturamento,
sobretudo ligado ao abate de frangos, segue a tendência do estado paranaense que, no ano
de 2020, abateu mais de 2 bilhões de frangos (IBGE, 2020), mais de um terço do total
nacional, e com grande destaque para a mesorregião Oeste, conforme podemos ver no
Mapa 1, abaixo.
Fonte: IBGE,2020.
No entanto, o dado revelador da contradição presente nesse tipo de produção é o
que traz o último Censo Agropecuário (IBGE, 2017), que indica que do número total de
estabelecimentos agropecuários com galináceos na mesorregião Oeste paranaense, 78%,
provêm da agricultura familiar5, ou seja, dos camponeses. Esses dados confirmam a
informação da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) de que a grande maioria
dos produtores de frango no país é formada por pequenos produtores rurais (cerca de 120
mil). Em sua publicação, a ABPA também divulgou que mais de 90% da produção avícola
no Brasil segue o sistema de integração.
O sistema de integração das empresas com as famílias camponesas é
extremamente vantajoso para as empresas agrícolas. Oliveira (1996) nos oferece
elementos que ajudam na compreensão do porquê as empresas que operam esse sistema
se tornam “parceiras” da produção camponesa. Um dos motivos é que através do contrato
de integração, essas indústrias não precisam comprar nem mesmo arrendar a terra, pois a
5 Agricultura familiar referente ao Decreto 9.064 de 31/05/2017.
Mapa 1 – DISTRIBUIÇÃO DO REBANHO GALINÁCEO
propriedade continua sendo do camponês e, dessa forma, não há – por parte das indústrias
– a imobilização de capital.
Nesse tipo de produção ocorre a monopolização do território camponês pelo
capital, em que a propriedade camponesa está sujeita aos interesses da indústria, “[...] o
capital monopoliza o território sem, entretanto, territorializar-se, e assim estamos diante
do processo de monopolização do território pelo capital monopolista” (OLIVEIRA, 1996,
p. 24-25). Na medida em que monopolizam a produção, as empresas agrícolas se
apropriam da renda da terra produzida pelos camponeses, e é nessa subordinação em que
o camponês está inserido que as empresas acumulam capital.
Outra questão, também primordial e que justifica a integração entre a indústria e
o camponês, é em relação ao custo de mão de obra individual não contabilizada, o que
proporciona um baixo valor aos produtos entregues. “O primeiro elemento que se destaca
na caracterização da produção camponesa é a força de trabalho familiar, este é o motor
do processo de trabalho na produção camponesa” (OLIVEIRA, 1996, p. 55). E como o
contrato de integração é feito pela produção total e não sobre o trabalho realizado por
cada membro da família camponesa, o valor referente à mão de obra necessária para a
realização do produto é desconsiderado pela indústria.
Este tipo de integração com as empresas processadoras de frango foram
implementadas na esteira da “modernização” da agricultura e que como vimos, teve
grande incentivo do Estado apoiando sobretudo a grande produção de monoculturas e a
mecanização. O que inclusive favoreceu a concentração fundiária e o aumento das
grandes propriedades, empurrando cada vez mais a classe camponesa para a
proletarização.
Diante disso, o que é possível interpretar é que a subordinação da renda ao capital
industrial também se configura como uma estratégia camponesa, em que ao vincularem-
se, através do sistema integrado, às empresas e cooperativas, estes camponeses
conseguem permanecer na terra e se reproduzirem enquanto classe.
Entende-se que estes sujeitos foram conduzidos ao sistema de integração avícola
diante de uma necessidade material e ações determinantes que causaram alterações nas
relações e no espaço. Mas para isso, os atores sintagmáticos (RAFFESTIN, 1993) tiveram
que agir na conquista do território imaterial, produzindo e propagando o discurso da
inevitabilidade da agricultura “moderna”, o que colocava o campesinato diante da única
escolha que se apresentava: a de buscar se adequar ao modelo da produção agroindustrial.
Esse discurso mostra claramente a opção do Estado brasileiro por este modelo de
produção agrícola, o que posicionou o país dentro da divisão internacional do trabalho
como um produtor de commodities, o que é, para além de um projeto econômico, também
um projeto político e ideológico. Assim, essas foram as ações que inicialmente se
desdobraram no espaço social, conquistando o imaginário da sociedade, no qual
alicerçaram as bases para a conquista do território material, este, no espaço físico.
Confome aponta Fernandes (2008), o território pode ser caracterizado em duas
vertentes: o imaterial e o material. No entanto sempre se apresentam de maneira conjunta,
sendo o território imaterial sustentáculo para a conquista e para o controle do material.
[…] os materiais são formados no espaço físico e os imateriais no
espaço social a partir das relações sociais, por meio de pensamentos,
conceitos, teorias e ideologias. Territórios materiais e imateriais são
indissociáveis, porque um não existe sem o outro e estão vinculados
pela intencionalidade. A construção do território material é resultado de
uma relação de poder que é sustentada pelo território imaterial como
conhecimento, teoria e ou ideologia (FERNANDES, 2008, p. 282).
Concordando com Fernandes (2008), que a construção e a sustentação do território
se dá por meio de uma relação de poder expressa através do conhecimento e de
ideodologias, é possível entender que a burguesia se mantém hegemônica no controle do
território do Oeste paranaense, primeiramente agindo sob o território imaterial e,
sobretudo, através da difusão dos valores e da ideologia da classe burguesa.
É preciso salientar que apesar de hegemônica, a burguesia não é soberana. O espaço
está em contante disputa, no entanto, de modo desigual, em que muitas das ações se dão
através de políticas públicas aplicadas pelo Estado, que por sua vez está posto a serviço
da classe dominante. Assim criam-se instituições, desenvolvem-se mecanismos e se
difundem novos valores a partir da utilização de mecanismos materiais e imateriais.
Desse modo, passaremos a analisar um dos mecanismos utilizados para a difusão
dos valores da classe dominante que contribui para a sustentação do território organizado
pelo e para o capital industrial.
Projetos educacionais do agronegócio existentes no Oeste paranaense
Afagar a terra, conhecer os desejos da terra, cio da terra, a propícia
estação… e fecundar o chão. Um dos mais antigos ofícios, cultivar o
solo para produzir alimentos, evoluiu a partir de várias novas
tecnologias que melhoraram as técnicas e aumentaram a produtividade
das lavouras. Essa evolução vem sendo acompanhada cada vez mais por
jovens cooperados e filhos de associados da Copagril, que integram os
comitês de jovens (COPAGRIL, 2016).
O trecho acima foi retirado do site da Copagril, produzido com a finalidade de
divulgar os Comitês Jovens que foram premiados no Concurso de Projetos Agrícolas,
evento que premia as plantações com maior produtividade e que conta com o apoio de
empresas nacionais como Agroeste e Agroceres, e grandes conglomerados multinacionais
como Bayer, Ubyfol, Morgan e Pionner, detentoras de patentes de milho e soja híbridos,
trangênicos e produtoras de agrotóxicos e fertilizantes. Dessa forma, este breve texto é
um retrato sucinto do processo de territorialização e expansão contraditória das relações
capitalistas que é realizado por meio da Copagril de Marechal Cândido Rondon.
O texto inicia com uma estrofe da canção Cio da Terra (1977), de Chico Buarque
e Milton Nascimento, que estão entre os maiores nomes da Música Popular Brasileira. A
consagrada música, está presente inclusive em místicas do Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST) e é utilizada por vários movimentos campesinos que lutam
contra os projetos hegemônicos de dominação no campo. O uso dessa canção por parte
do departamento de cooperativismo da empresa tem o objetivo de ativar as memórias
coletivas do leitor, remetendo-nos a um outro tipo de relação com a terra.
A Copagril, ao criar uma identificação em comum, ao demonstrar que possui os
mesmos valores morais que a família camponesa, tenta humanizar a relação empresarial
que exerce. O parágrafo do referido texto segue, e já podemos observar o uso de várias
palavras-chave, como: “evoluiu”, “novas tecnologias”, “melhoraram as técnicas”,
“aumentaram a produtividade”, “evolução”. Palavras que remetem à inevitabilidade do
futuro, cuja evolução se dá por meio das novas tecnologias de produção oferecidas pelo
mercado.
É visto que em muitos dos eventos e promoções patrocinados por grandes empresas
do agronegócio, como esse concurso de projetos agrícolas que se realiza por meio dos
Comitês Jovens, há uma implícita construção ideológica que é reproduzida em todos os
setores agrícolas que a Copagril atua. Na avicultura, por exemplo, o significado de
“evolução” e alta produtividade se relaciona com a instalação dos aviários Dark House6,
em que o custo de construção de cada unidade, em 2019, era de cerca de R$ 800 mil.
6 Aviários totalmente fechados em que as aves ficam sob luz artificial e têm capacidade para um maior
alojamento de frangos.
Além da realização anual dos projetos agrícolas, a Associação dos Comitês de
Jovens da Copagril (ACJC), sob a coordenação da Assessoria de Cooperativismo,
desenvolve diversos cursos e palestras aos jovens associados, entre outras ações de caráter
esportivo e cultural, como a Olimpíada da ACJC e a Maratona Cultural.
Outro programa de fortalecimento dessa ideologia e forma de cooperativismo que
é mantido pela Copagril é o Cooperjovem, articulado nacionalmente pela Organização
das Cooperativas Brasileiras (OCB), sendo desenvolvido pelo Serviço Nacional de
Aprendizagem do Cooperativismo (Sescoop), que é uma das entidades que integra o
sistema “S”. Desde 2006, o Cooperjovem é aplicado pela Copagril nas escolas municipais
de Marechal Cândido Rondon, Quatro Pontes, Mercedes, Pato Bragado, Entre Rios do
Oeste e Guaíra, todas da mesorregião Oeste do Paraná, abrangendo cerca de 6 mil alunos
e 420 professores (COPAGRIL, 2019).
Segundo o informativo da empresa, o objetivo do programa é difundir o
cooperativismo e, para isso, buscam a realização de diversas atividades, como cursos,
palestras, jogos e dinâmicas, além de distribuição de materiais didáticos, camisetas, entre
outros (Figura 1). Uma das ações que ocorrem dentro do programa Cooperjovem é o
Prêmio de Redação, que é destinado aos estudantes do 4º e 5º ano do ensino fundamental.
Esse evento acontece anualmente, e na edição 2019 o tema foi: “Por que o Cooperjovem
merece o ‘Oscar’ da educação?”.
Figura 1 - MATERIAL DIDÁTICO COOPERJOVEM/COPAGRIL
Fonte: Copagril (2016).
Conforme noticiado no site da Copagril, antes do início das atividades letivas, os
coordenadores pedagógicos das escolas municipais assistem a palestra de “sensibilização
da metodologia do Cooperjovem e terão treinamento de como conduzir os trabalhos do
Cooperjovem nas escolas” (COPAGRIL, 2016, n.p.). Nota-se que neste processo de
formação política e ideológica, além da Copagril passar a ser a referência de cooperativa,
impõem-se aos professores a maneira e o conteúdo que será trabalhado sobre o
cooperativismo, e estes profissionais de ensino – mesmo que inconscientemente –
tornam-se os propagadores das ideias da classe dominante.
Para se ter uma dimensão do alcance dos programas de fortalecimento do
cooperativismo, somente no ano de 2018 a Copagril realizou 480 reuniões sociais dos
Comitês Femininos, Comitês Jovens e Cooperjovem, que tiveram a participação de mais
de 14 mil pessoas e um total de 98.720 horas de atividades (COPAGRIL, 2018). Se
multiplicarmos os 6 mil alunos que anualmente participam do programa Cooperjovem,
durante os 13 anos de sua aplicação nas escolas municipais, veremos que mais de 70 mil
pessoas tiveram, na sua formação básica, conteúdos voltados para o cooperativismo
vinculados à Copagril.
Pode-se observar que os processos educacionais desenvolvidos pelas cooperativas
dentro das escolas municipais (com início ainda na infância e continuados por meio dos
comitês e projetos de fortalecimento do cooperativismo) introduzem aos jovens do campo
ideologias voltadas ao agronegócio, ditadas pela lógica do mercado. Além de
impossibilitar uma educação libertadora. Há, também, uma gradativa perda dos saberes
geracionais em detrimento ao conhecimento técnico, que intensifica a subordinação e a
dependência destes sujeitos ao capital.
No desenvolvimento desses programas, oculta-se o essencial, que é o processo de
formação ideológica que ocorre, ou seja, transformar as ideias da classe dominante para
a sociedade como um todo, fazendo com que a aparência social tome lugar da realidade
vivida. “Para que isto ocorra é preciso que a classe dominante, além de produzir suas
próprias ideias, também possa distribuí-las, o que é feito, por exemplo, através da
educação, da religião, dos costumes, dos meios de comunicação disponíveis” (CHAUÍ,
2008, p. 46).
Ainda conforme Chauí (2008), para essa formação ideológica ser efetiva é preciso
que os membros da sociedade percebam que as características comuns a todos, sejam
mais relevantes do que as diferenças sociais existentes, deixando desta forma de
considerar o conflito de classes existente.
A realização dessa formação continuada, por parte da cooperativa Copagril, não
ocorre de maneira isolada, e muito menos é uma ação pioneira deste emprendimento. Há
uma série de outros exemplos de iniciativas “educacionais” por parte de empresas
privadas que, utilizando-se das ferramentas estatais, contribuem para perpetuação do
modelo hegemônico de agricultura.
A nível estadual, podemos citar o Agrinho, iniciativa da Federação da Agricultura
do Estado do Paraná (FAEP) e do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR),
que desde os anos 1990 é desenvolvido dentro das escolas do Paraná, tendo atingido mais
de 1,5 milhões de alunos. Outro programa é o Empreendedorismo do Jovem Rural,
mantido pelo Instituto Souza Cruz, estudado por Camacho (2014).
Chã (2018) ainda enumera outros programas que ocorrem a nível nacional, como
o Agronegócio na Escola (Associação Brasileira de Agronegócio), o Projeto AGORA
(União da Indústria de Cana-de-Açúcar), a Comunidade Educativa da BUNGE, o
SYNGENTA Escola no campo, o DuPont na Escola e o Escola Germinare do Grupo JBS.
Além destes programas, há também o recente movimento “mães do agro” que se propõe
a fiscalizar o conteúdo dos materiais didáticos e a atuação dos professores que criticam o
agronegócio.
Estes são alguns dos principais projetos desenvolvidos dentro das escolas que
contribuem para a difusão do paradigma empresarial na sociedade brasileira. São
instrumentos de formação política e ideológica da classe dominante transvestidos de
ferramentas educacionais. Tais mecanismos constroem, no território imaterial e no
imaginário social, um campo harmônico e homogêneo, escamoteando os conflitos
socioambientais e contribuindo para a manutenção material do domínio do território.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Trouxemos, inicialmente neste trabalho, a discusão sobre a permanência do
campesinato frente ao pleno desenvolvimento do capitalismo no campo. Apoiado no
Paradigma da Questão Agrária, compreende-se que a relação camponesa, enquanto
relação não tipicamente capitalista, permanece e também é recriada dentro do modo de
produção capitalista, fruto das contradições deste modo de produção.
Os resultados da pesquisa demonstraram de que maneira o avanço do capital sobre
a terra determina os movimentos do camponês no espaço. Vimos que a apropriação
territorial da mesoregião Oeste do Paraná pelo capital contou primeiramente com a
conquista do território imaterial por meio da construção de um discurso hegemônico do
“sertão” a ser conquistado. Essa ação sustentou a “limpeza” étnica e a reconstrução do
espaço com relações semelhantes às das demograficamente saturadas colônias de
imigrantes de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul.
Anos mais tarde, esse mesmo espaço se tornou modelo do projeto de
“modernização” aplicado na agricultura. O projeto, impulsionado pela grande oferta de
créditos estatais, que de modo geral se destinava aos grandes proprietários agrícolas, teve
no Oeste paranaense importante intermediação das cooperativas agrícolas que realizavam
o repasse de crédito aos pequenos propietários da região, condicionando a assistência
técnica à adoção dos novos insumos industrializados. Tal intermediação contribuiu para
a implementação do novo modelo agrícola, integrando este espaço à lógica econômica
global através da intensificação da suborninação da renda camponesa ao capital industrial.
Entendemos que os dois processos observados, a ocupação recente do Oeste
paranaense e sua incorporação à divisão internacional do trabalho se deram por meio de
mecanismos materiais (incentivos creditícios, tecnologias, técnicas de plantio) e imaterias
(teorias modernizantes, assistência técnica etc.), que agindo de modo combinado e
integrados à ordem econômica global, construíram a hegemonia da classe burguesa no
território da mesorregião Oeste do Paraná.
A construção e a sustentação do território se dá por uma relação de poder, e sendo
considerados os projetos educacionais do agronegócio atuantes no Oeste paranaense
como expressão deste poder-conhecimento, analisamos os programas de fortalecimento
do cooperativismo desenvolvidos pela Copagril.
Comprendendo desta maneira que os programas como o analisado são
instrumentos de formação política e ideológica da classe dominante, que sob o escopo de
difusão dos valores cooperativistas, levam para dentro das escolas, materiais
“pedagógicos” que vão na contramão de uma educação libertadora, invisibiliza os
sujeitos, as lutas e a desigualdade estrutural presente no campo.
REFERÊNCIAS
ABRAMOVAY, R. Paradigmas do capitalismo agrário em questão. Campinas:
Hucitec. 1998.
BELUSSO, D.; HESPANHOL, A. N. A evolução da avicultura industrial brasileira e seus
efeitos territoriais. Revista Percurso – NEMO, v. 2, n.1, Maringá 2010, p. 25 – 51.
CAMACHO, R. S. Paradigmas em disputa na educação do campo. Presidente
Prudente – São Paulo, 2013.
CHAUÍ, M. O que é ideologia. 2ª ed. São Paulo: Brasiliense, 2008, 119p.
CHÃ, A. M. Agronegócio e indústria cultural: estratégias das empresas para a
construção da hegemonia. 1ª ed. São Paulo: Expressão Popular, 2018.
COPAGRIL. Relatório Anual 2018. Marechal Cândido Rondon. Gráfica Tuicial, 2019,
45p.
COPAGRIL. Copagril e prefeitura reafirmam parceria do Programa Cooperjovem.
[S. l. s. d.] Disponível em: https://www.copagril.com.br/noticia/1420. Acesso em: 2 set.
2021.
COPAGRIL. Comitês de Jovens são premiados no concurso de Projetos Agrícolas.
[S. l. s. d.] Disponível em: https://copagril.com.br/noticia/1557/comites-de-jovens-sao-
premiados-no-concurso-de-projetos-agricolas. Acesso em: 2 set. 2021.
FERNANDES, B. M. Construindo um estilo de pensamento na questão agrária: o
debate paradigmático e o conhecimento geográfico. 2013. v.1. 344 f.
FERNANDES, B. M. Entrando nos territórios do Território. In: FABRINI, J. E.;
PAULINO, E. T. (Org). Campesinato e territórios em disputa. São Paulo: Expressão
Popular, 2008.
FIGUEIREDO, A. H. de. Crédito rural e mudança tecnológica no oeste do Paraná.
Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, n.54, 1992. pp. 83-117.
GRAZIANO SILVA, J. A modernização dolorosa: estrutura agraria, fronteira agrícola
e trabalhadores rurais no Brasil. Rio de Janeiro. Zahar Editores, 1981.
GREGORY, V. Os eurobrasileiros e o espaço colonial: migrações no Oeste do Paraná
(1940-70). Cascavel: EDUNIOESTE, 2002.
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Agropecuário 2017.
Disponível em: https://censos.ibge.gov.br/agro/2017/resultados-censo-agro-2017.html.
Acesso em: 08 set. 2021.
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa da Pecuária Municipal
2020. Disponível em: https://sidra.ibge.gov.br/pesquisa/ppm/quadros/brasil/2020.
Acesso em: 10 set. 2021.
KAUTSKY, K. A. Questão Agrária. Tradução de João Antunes. Porto: Portucalense,
1972.
LÊNIN, V. I. Capitalismo e Agricultura nos Estados Unidos da América. São Paulo:
Brasil Debates, 1980.
LOUREIRO, M. R. G. (Org.). Cooperativas agrícolas e capitalismo no Brasil. São
Paulo: Cortez/Autores Associados, 1981.
MARTINS, J. de S. Os camponeses e a Política no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1981.
MESQUITA, O. V.; SILVA, S. T. Regiões agrícolas do Estado do Paraná: uma definição
estatística. Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, ano 32, n.1. 1970. pp. 03-
42.
MINSKY, A. M. Colonos, posseiros e grileiros: conflitos de terra no Oeste paranaense
(1961/66). Niterói – Rio de Janeiro, 2002.
OLIVEIRA, A. U. de. A agricultura camponesa no Brasil. São Paulo: Contexto, 1996.
OLIVEIRA, A. U. de. A longa marcha do campesinato brasileiro: movimentos sociais,
conflitos e reforma agrária. Estudos Avançados 15, 2001. p.185-206.
PAULINO, E. P. Alimentos e mercados: uma questão geopolítica e de classes. Revista
Formação, n. 14, v.1. 2007. pp. 167-185.
RAFFESTIN, C. Por uma geografia do poder. São Paulo: Ática, 1993.
ROOS, D. Contradições na construção dos territórios camponeses no centro-sul
paranaense: territorialidades do agronegócio, subordinação e resistências. Presidente
Prudente – São Paulo, 2015.
SERRA, E. Grilagens de terra e conflitos rurais: o lado perverso da colonização no
Paraná. Revista Raega. Curitiba, v.46, 2019. p. 58 -74.
SHANIN, T. Lições camponesas. In: PAULINO, E. T.; FABRINI, J. E (Orgs.).
Campesinato e territórios em disputa. São Paulo, 2008. p. 23-29.
STORTI, I. As estratégias de existência camponesa entre os avicultores vinculados à
Copagril. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-Graduação em Geografia,
Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Francisco Beltrão, Paraná, 2010.
TAVARES DOS SANTOS, J. V. Os colonos do vinho: estudos sobre a subordinação do
trabalho camponês ao capital. Hucitec. São Paulo, 1978.
UBABEF. A saga da avicultura brasileira – Como o Brasil se tornou o maior
exportador mundial de carne de frango. [S. l. s. d.] Disponível em: http://abpa-
br.com.br/setores/avicultura/publicacoes/informes-especiais/. Acesso em: 26 jan. 2021.